Arte Poetica de Horacio

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Arte Poetica de Horacio

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    Presented to the

    UBKAKY oftheUNIVERSITY OFTORONTO

    by

    Professor

    Ralph G. Stanton

  • Digitized by the Internet Archive

    in 2010 with funding fromUniversity of Toronto

    http://www.archive.org/details/c2artepoeticadeq00hora

  • Parodt i-tittum cocpre^yit

    .

    Carptncffi fu^iXn^^ c^cLrru: ^^I^nls^^L^^i,^

  • ARTEPOTICA

    D E

    Q. HORCIO FLACCO?Traduzida

    ,e illujlrada em Portuguez

    POR CNDIDO LUSITANO.

    "-'/

    LISBOA?Na Officna Patriarcal de FRANCISCO LUIZ AMENO.

    M. DCC LVIII.

    Com as licenas necejjarias.

    Vende-fe na logea de Manoel daConceiqa, Livreiro ao Poo dosNegros y onde tambm fe achar a Fida do Infante D. Hen'

    rique pelo mefmo Aiithcr.

  • Nec verbum verdo curaUs rederefidusInterpres ;

    Horat. inPoetic,

  • AO ILL." E EX.M SENHOR

    SEBASTIO JOSEPHDECARVALHO E MELLO,

    Do Confelho de S. Mageftade , e feu Secretario de Eladodos Negcios do Reino

    ,&c. &c,

    CNDIDO LUSITANODefeja toda a felicidade.

    14ORACIO

    ,acjiielle homem tao refpeit-

    do dos melhores falios no melhor fecitlo das letras y

    vay hujcar em V, Excellcncta novo Mecenas, Se*ii eje

  • ejie grande ILyrico podeffe dever aji ejla ventura,

    (jiie verjos nao cantaria a oflentar a vaidade da juaekaSl Mas ejla fortuna a mm he gue elle a de-ve

    f fazeno-o mais feliz entre os Portuguezes , do

    ue o fora entre os Jeus Romanos. E (jue mayorfelicidade para elle

    ,que lufcar eu a V, Excellen-

    cia para Froteor de huma nova Edio da JuaPotica

    ,acjuella olra

    ,cjue he a for do mais Jub-

    til,e delicado

    ,que tem a Arte Divinal As razieSf

    Senhor,para e/ia minha eleio concorrem a tropel,

    e vejo-me perplexo em ajjlnalar as (jue mais me obri-

    gai. Mas he certo, (jue em tanta concorrncia de

    motivos,nao me levai a prefena de V. Excellen-

    cia auelles,

    de (jue o Mundo cojluma fazer tantoapreo

    ,e (jue tem a mayor fora no juizo dos (jue

    efcolhem Patronos para as fus obras,

    A ejlefm bufcad-fe vulgarmente os homens pe-lo (jue reprefcntai , e na pelo (jue fai : ejcolhem-

    fe os (jue e/lao no auge do poder , das dignidades ,

    das honras, e (jue de todos recebem o obfequio de

    hum forado rejpeito. Entre ejles aquelles,que go-

    zao de perto da benigna arajem do favor do Prnci-pe

    ,e fao as mitos , com as quaes a Regia liberali-

    dade derrama as fus graas , efes fa os que das

    Dedi-

  • Dedicatrias levao todo o inccufo. Se eu (jineva

    contarme no numero dcjles Aiithores , nai poderia

    {ainda cine cjuizejfe) hufcar para Patrono dejie Li- .

    vro outro cjue nao fojje V, Excellencia. A razointil he provalla : a nobreza do feu fangue , o alto

    caraer da Jua Dignidade , e o mais cjue a modcjlia

    de V- Excellencia na (juerer ouvir, porcjue o nao

    quer ojlentar , todas ejias circunjlancias me obriga-

    riao dejujiia a bufear a poderofa fombra do feu pa^

    trocinio.

    Mas eu,

    Senhor Excellentijfimo,Jigo mxi-

    mas bem alheyas dos ambiciofos interejfes do feculOf

    c Jevao-me todo o refpeito outras reprefentaes mais

    -poderofas. Bufco a V, Excellencia , nai como illuf-

    tre,mas como zelofo Mini/Iro 5 na como poderofo ,

    mas como fabio'j e feV. Excellencia podcje deixarde ter a grandeza , a (jue o elevarai Jeus dijlinos

    merecimentos,

    eu certamente com mais prejfa corre-

    ra a hufcar feu amparo no gabinete dos feus ejlndos,

    que no do feu Minijierio. IJlo mefmo faria Hor-cio y homem que mais ejlimou ao feu Mecenas como

    fabio,que como valido f mais como bom Cidado ^

    todo ocCUpado nos interejes dafia Ptria,

    que ambi"

    ciofo Politico ; cuidando nos augmcntos dafia Famlia,

    Se

  • Se acjuelle famojo Poeta cantajfe nejla idade,

    e vijje em V, Excellencia cjiiem defde os primeiros

    cnnos fora bem vijlo das Mufas , e depois refpeita'

    do nas Academias ; fe o vijfe emicjiiecer o feu enten-

    dimento com vajlos ejludos,

    e apoderarfe do the/oiiro

    de toda a erudio 5 fe o viffe honrar fempre os fa*

    lios , e fworecer em todo o tempo aos ejhidiofos , e

    depois ajora dos clamores de feus merecimentos hirfiifientar nas Cortes ejlrangeiras , com tanto decoro^

    e politica o caraer de hum Rgio Minijiro; Jim ,

    Senhor ,fe Horcio vijfe em V. Excel/encla hum Pa-

    tricio tao digno dafua Kepuhlica, e (jue ao augmen"

    to delia facrifica de dia , e noite as fus profundas

    meditaes , tenho por certo , cjue V. Excellencia fe-

    ria nao f o Patrono , mas o ohjeco de feus verfos.

    Com mais verdade diria elle de V. Excellen-

    cia : Que de fortes nafcem fortes , e que as guiasna columa gerar pombas. Deos (juiz dar a Fa-

    milia de V, Excellencia o dom da(juella fabedoria ,

    (]ue conferva os povos em paz y e jujlia j de manei'

    ra y (jue os lugares dos primeiros Tribunaes do Rei-

    no parecia'o herana defeus ^fcendentes j e com ef-

    ta reflexo apontafe para V. Excellencia ^ como pa^

    ra hum digno fuccejfor de tao raro Morgado. Ef-te

  • te ponto eftava chamando por penna difufa , e eu

    com honra entrara no afumpto, Je o fofrera a mo-

    derao do gnio de V, Excellencia , (jue at nos

    fahe dar exemplo de apparecer humilde , cjiiando o

    roda tanta gloria.

    Ao coiftderar em V. Excellencia ejlas virtudes

    em tanta amifade , e unio , conjejfo que pafmo de

    tanta grandeza de alma 5 grandeza Juperior a cju

    Homero (juiz dar aos feus Deofes , dizendo delles,

    que com hum f pajfo mediai toda a extenfao dos

    mares. Se acjuelle grande pico fe perfuadio , (jue

    com e/la imagem pintava hem a grandeza dos feus

    inumes , eu creyo (jue com ella fe nao pode reprefen-'

    tar a de huma alma , como a de V, Excellencia ,

    (jue fahendo tocar na extremidade da gloria , e logo

    na da modejlia, fahe a hum mefmo tempo chegar

    a duas extremidades entre Ji mais dijlantes , do que

    fai as do immenfo Oceano.

    Eifaqui , Senhor , os titules porque toda afor*

    a da raza eji pedindo,

    que fe efcreva nejie Livro

    o nome de V, Excellencia : he ohra de Horcio, e

    devia eu defcolrirlhe Fejjoa, que hem emparelhajfz no

    caraer com Mecenas feu antigo Patrono : he ohra^

    gue fempre fe conjiderou como huma fonte do per-feito

  • fcko hom gojlo , e devla eii o^erecella a hum Sa-hio. EJle livro pois no feu original ^ hc que eu con"

    Jagro a V, Excellencia , e nao a minha indignaTraucai. Tomey huma ejupreza, que em todas as

    idades foy fempre c-o/ifiderada como trabalhojumma*mente dlffici! , e perigofo j nai erraria quem lhe

    chamojfe hum impoJJlvcL As effcncias de cheiro ex^

    ujjito , e j^no, fe as pajjao de hum vafo para oU"

    tro,

    perdem grande parte de fua alvidade , e fra-

    granci : pensamentos , e exprefsies de Authores de--

    /iados em feus efcritos , fe fe pajjai para outra lin-gua

    ,ou fe altera , ou fe perde toda a delicadeza

    da fua Jormofura.

    Conhecendo eu pois o mal,

    que defempenhey

    tao arrifcada empreza , como havia atreverme a fup'

    por tal merecimento em meu trabalho,

    que o julgaf

    fe digno da proteco de V. Excellencia l Mas fecom jujlia por ejle principio a defmereo

    ,poderey

    confeguilla pelo de zelofo dos ejludos da minha Pa^

    tria, oferecendo aos principiantes traduzida , e il-

    lu/lrada huma Potica , (jue fempre foy tida por

    hum patrimnio da f'C'U' ;uidade , para com el-

    le enriquecermos o n idimento , e regularmos

    os nojfos ejludos, nau mjus cwio Poetas, que Ora^dores.

  • ores V. Excellencia,

    ^ue de zelo nos efi dando

    em cada dia tai teis exemplos , digne-fe por ejle^

    motivo de nai defprezar a feya copia de tao hello

    Original, Dejle modo aquelles felices Engenhos >de (jue he bem fcrtil efie Clima , vendo em V . Ex^cellencia tanta benignidade , (jiie ate em meus ef"

    critos pem os olhos, defpertaro defeu ociofo le-

    targo 5 e pintando a Horcio com mais correo

    defenho , oferecer'o a V, Excellencia oferta mais

    digna, S3 ajftm jucceder,

    eu darey por venturoso

    ejle meu trabalho,

    e terey o gojlo de ver engran^^

    decidas as virtudes de V, Excellencia por hum prO"porconado pregoeiro

    ^^ DISCUR-

  • DISCURSO PRELIMINARDO TRADUCTOR.

    A muitos feculos,

    que os homens dedica-dos s boas Artes venerao com efpecial refpeito os Poetas do fcculo de Augufto ; masentre todos nenhum tem reputao maisdiftinla

    ,do que Horcio

    ,e talvez ne-

    nhum tem ouvido iguaes louvores , na menos de fa-bios modernos, que antigos. Petronio admirou nel-le huma particular arte em dar s materins , de quetratava , humas cores vivifilmas ; e (i^intiliano con-fefa

    ,

    que elle he quafi o nico Lyrico digno de feler*, porque he cheyo debellezas, de variedade defiguras

    ,e de huma eiicifima abundncia de expreU

    soes nobres , epecialmente nas Odes : t Lyri'corufn Horatusfere foitis legi cVtgnus. Nam ^ in-fnrgt aliquando

    , c^ plenus efi jucuiditatis , ^grati

    ^ i^ varis figuris ^ ^ verbis felicijpm au^dax.

    Porm Monf. de Ia Motte no feu Difct/rfo fohre Horcio bu-aPoefta -w ^^r^/ deixou-nos em mais exado t'Q!^ vadoporMr.nho

    ,e em cores mais vivas hum fiel retrato defte ^ ^ "^*

    infigne Poeta. Teve Horcio ( diz elle) hum epiri-to grande, e adornado na menos de variedade, quede delicadeza. Nafceo igualmente para a fatyra

    , epara o elogio

    ; porque as Tuas inveclivas penetra tan-to mais

    . quanto fa mais inas, que as dos outros ; efeus louvores

    ,livres de lifonja

    ,deveria agradar

    quelles mefmos, que na lhos roerecia. Era exa-lo

    ,e rico em fus defcripes

    , s quaes dava hunstoques ta vivos, que quafi as fazia vifiveis. No mo-ral ordinariamente infrue de maneira ta fina, e ar-tifciofa, que parece, que na he efe o feu fim \ equando revelido da vehemencia

    ,e authoridade de

    Cenfor, levanta s vezes a voz, cenurando o-' vi-** ii cios

  • cios dos Romanos,fenipre tempera as fus invelivas

    com hum certo agro-doce, que faz com que na fedefgote delias. Em fim Horcio fov hum Engenho,qu2 oiibe fempre tratar qualquer aumpto por hummodo io/o

    ,ou fo^Q pela novidade no ub das figu-

    ras,ou pela das exprefses

    ,igualmente felices

    ,e

    atrevidas.Em menos palavras teceo igual elogio a efte

    Prncipe da Lyrica Latina,o exceilente Poeta Moiif.

    Rouleau,dizendo :

    Lefeul Horace en tous genres excelle,

    De Cythre exalte lesfaveurs,

    Chante les Dieux,les Heros

    , les Btiveurs,

    Des fots Authetirs berne les vers ineptes;

    Nous inflruijfantpar gracieix prceptes,

    Et par Sermons de joie antidots.Baila de elogios

    ,

    que fe nos oFereceriao a milhares,fe quizefemos andar mendigando pelos Criticos maisjudiciofos o que deixaro efcrito fobre o merecimen-to de Horcio. Paliemos a dizer o que nos occorrea refpeito da fua Arte Potica

    ,que he de fus obras

    a pora,

    que tommos,

    para a expor,

    e illutrar mocidade Portugueza no feu prprio idioma.

    Creyo,

    que ningum me duvidar, de que en-tre todos os efcritos defte Poeta tem o primeiro lugara fua famofa Epijiola aos Pisoes

    ,em que d admir-

    veis preceitos para a Poeia , efpecialmente Dramma-Juzo c Mr. tica. Monf. Dacier, hum dos feus mais dignos Illuf-Dacier fobre t^adorcs , confeTa , que defcobre nella humas bellezasjoracio, ta novss , huns preceitos ta folidos , e hum juzo

    tao profundo, e feguro, que a Antiguidade em to-dos os feus efcritos na nos deixou em hum Tratadota breve hum igual thefouro.

    Impugnado. Com tudo ua faltaro homens ( mais cheyos deres de Hora- erudia

    ,

    quc de bom gofto) os quaes defraudaro*^'**'

    a Horcio de tao merecida gloria. AflTim o fez Clau-ciaudio Ver- dio Vcrderio; porm o feu juizo fobre o merecimen-dcrio. to dela Arte he ta indigno, e cheyo de ignorn-

    cias,

    que Morofio dilFe,

    que fe envergonhava de otranf-

  • tranfcrever. Porem quem fobre todcs levantou mais avoz contra Horcio , foy Jlio Cefar Ecaligero , j^..^ ^efafchamando a efta Potica j^rte fem arte. Ke verda- kfcaiigero.de, que nele Tratado na ha aquella ordem , c nie-thodo, que no memo aTumpto obfervou Arillote-les

    ;porm efta melnia falta , no juizo de Monf. le scus Defeo^

    Fevre , contm huma efpecial graa, e liberdade, fores.prpria de huma Epiftola

    ,

    que he o que Horcio juizo deMr.quiz fazer, e na hum Tratado methodico. Por i (To i^Fevre.o fabio Dacier na pde fofrer a fentena daquelles,que afiirma

    ,

    que tranfpondo-fe alguns verfos, fi-

    caria efta Arte huma obra inteira , e perfeita. Masda ordem

    ,

    que Heinio lhe pretende dar , clara-mente diz o memo llluftrador Francez, que f fer-ve para melhor fe conhecer a bondade da defordem,com que o Poeta dilcorreo.

    Porm tornando a Efcali^ero , fendo efte Efcritor Ju^zo de Im-hum homem fabio, e bem verfado nos efcritos dos

    ca^igeo.

    "

    bons Antigos, faz admirao o chegsr a cfcrever,que efta Potica f poder agradar a miCninos

    ,e

    que nenhum outro juizo poder tirar delia provei-to. QQ outra obra defte gnero na Antiguidadenos moftraria elle mais proveitoa para a critica ver-dadeira fobre a PoeJa ? Em qual outro vio deci-ses mais acertadas

    ,juizos mais folidos

    ,e verda-

    des mais defencranhadas da natureza das ccufas, deque trata? Em Horcio ( diz Dacier com todos os juizo deMr.bons Crticos ) tudo he grande, e tratado com ex- ^-^'^^aca, Na ha fegredo na Potica

    ,

    que na mani-fere

    ,na ha preceito nectlano

    ,que lhe efque-

    celfe 5 e o que na iiluftra clara luz , lempre omofira com algum ravo, que tal chamo quela bre-vidade

    ,e fuccinto eftylo

    ,com que s vezes fere

    vivamente as coufas. Tanto he exalo,

    c cdpiofoem fus regras

    ,revcftidas de ar potico

    ,que ain-

    da hoje da oblervancia delias depende inteiramen-te a bondade

    ,e merecimento de qualquer Poema.^

    Quem praticnr fabiair.ene todos os feus precei-'toSj tenha por certo, que ha de fer Poeta, etam

    bera

  • bem s natureza lhe for benigna. O contrario hejuiodaroe- fuccederd

    , fe etudar fomente pela volumoa Poeri-vr^^cttLLid.

    ^^ de lirvjaligero. Nella em obcquio da verdadeconeamos

    ,que ha huma erudio infinita, hum

    bello methoJo,

    e hum eftylo nobre, concib , e

    conveniente matria,de que trata. Com tudo no

    frihdo, e fundamenral falta; porque tudo funda fe-bre mo gofto

    ,e lobre humas certas miudezas

    ,

    que mais pertencem ao Grammatico,do que ao

    Poeta. Quafi nenhum preceito d para a grandePoefia

    ,nenhum caminho abre ao ignorante, e ne-

    nlum foccorro minilira a hum engenho, que le querinlruir. Nelle na fe acha coufa

    ,

    que eleve o ef-pirito

    ,e que o difponha ao enthufiafmo. Em fim

    nete Author, compondo hum enorme volume, nafe pde dar com aquella fonte

    ,de que falia Ho-

    rcio :Ufu/e parentur opes

    ,quid alai

    ,formHqtiepoetam\

    Quid deceat- qutdnon, quo virttts^ quhferat error,E ete abundante manancial he evidente, que o acha-mos em huma Potica de 47o verlos. Por iTo os fa-bios, que tem paladar exquifito

    ,elima mais a li-

    o de poucas regras de Horcio,

    que toda a volu-moa doutrina de Efcaligero na fua Arte , comoprova com erudio ta copiofa , como juizo pro-

    Bernardino fuudo , O feu famofo iiupuguador Bernardino Parthe-parthemo.

    ^j^ ^ ^^^ ^^^^ excelenies Commcnt arios , que temosem grande eftimaj , pois di^Ucs telika o grandeFiloMgo Morofio

    ,

    que huma f vez os vira,e que

    tendo revolvido qunfi todos os Catlogos das livra-rias publicas, em nenhuma os defcobrira. Pormna oblante tanta raridade ( accreicenta o mefmoErudco ) ainda he mais rara a erudio , o juizo ,e doutrina, com que Parthenio vinga a Horcio dasinjurias de Efcaligero. A mefma nobre empreza to-

    Vvaiio,vof- mara N)^^allio nos feus Poemas ^ Vollio tratando dosfio.cDacicr. Postas Lathios ^ e Dacier no principio, e fim das

    fus Notas Potica , de que tratamos.Deixando pois efta matria

    ,

    que pedia largodilcur-

  • dicurfo , fe intentaTemos miudamente provar, af-im o fummo merecimento da preftnte Arte , co-mo a igual deshonra, que faz ao juizo de E^rcoli-gero , o que contra ella deixou ecrito^ paliemos

    a dizer alguma coufa obre o motivo , que fe diztivera Horcio para compor o dito Tratado. Hecoua conftante, que na Grcia, na Macednia, eno Egypto defde tempo immemorial houve empreATcmbleas de gente efcolhida para examinar asobras de Poefia , e de Eloquncia.

    O Imperador Augulo , Principe tao benemeri- Motivos qusto das boas Artes, para que eftas lorecellem mais ^^^^^ ^^^^^^^^^no feu Imprio , introduzio tambm em Roma o db Potica.memo coilume, fundando huma como Academia,compofa de homens inlgnes , e para fazerem asuas conferencias, lhes deu o Templo, e Biblioiheca de Apollo

    ,

    que tinha dentro do feu Pao. Ofim derte grande Principe na fundao delia ATem-blea, foy formar hum tribunal Critico , no qual ef-pecalmente fe fentencialTem as obras poticas

    ,

    pa-

    ra deite modo excitar os bons engenhos a fe faze-rem dignos de huma honrola fentena , e reprimiros mos com o medo da ccnfura.

    Theodoro jMarfiiio na lua breve Illulrae Theodoroprefente Potica nos d a ler os nomes deles Jui- ^^^^^'^''

    zcs. Na fabemos donde podelfe haver tal noticia;fe fe fundou no que Horcio deixou efcrito no imda Saiyr. lo. do liv. i.

    ,

    parece-nos,

    que na acer-tou na conjedlura

    ;porque todos os bons Interpre-

    tes entendem diverfamente o dito lugar. O certohe

    ,que Marfilio

    ,fe fe elribou fomente em con-

    je(5iuras (como he provvel) fem.pre efcolheo bem,contando por Acadmicos

    , ou Juizes a Virglio ,Vario

    ,7arpa

    , Mecenas,Valgio

    ,061avio , os ir-

    mos Vifcos, Pollia^os dous MeJJohs ^ hum , e

    outro Bibulo,Srvio

    ,Furnio

    ,lbiillo

    , PiJa ^ eHorcio. Monf. Dacier allegando ele Catalogo deMarfilio

    ,conta tambm a Plotio , e lufco , dos

    quaes na faz mena o dito Auihor,

    que aindanao

  • nao pra aqui com as fus conjefluras.'Pretende, que por conta do Inlituto defta Af-

    fetiibiea,

    tomara Horcio a occaia de efcreverela Tua Arte Potica

    ^para moQrar aos pouco inf-

    truidos, o ein queconilem as riquezas da Eloqun-cia potica

    ,e na menos os feus vicios. Se ito

    aim foy,

    que nobre exemplo para elimular aquel-les Acadmicos ( nola idade, que paa a vidafem inftruir o publico nas couas, que pertencemao feu Inlituto

    ,e fua obrigao ! Na ha entre

    ns Academia,

    que n tenha hum melre para daros preceitos da Oratria

    , e outro para os da Po-tica ; e que fins gloriofos para os Acadmicos , epara a Ptria vimos

    ,que produziTem eiles Inlitu-

    tos ? De tantos melres,

    que obras lemos , cm quenos molrem de huma maneira folida

    ,e conforme

    s doutrinas dos bons Antigos, o em que coniilem

    as riquezas da Eloquncia,e da Poefia

    ;que he o

    que verdadeiramente forma,e nutre os Oradores

    ;

    que he o que faz huma critica judiciofa,

    e emque vicios pde declinar ? Em fim

    ,onde temos

    quem nos inftrua do diverfo merecimento dos Ef-critores antigos, de que foy ta abundante Grcia

    ,

    e Roma, e na menos dos nolFos,

    que no feculode quinhentos ennobrecera a fua lingua na profa

    ,

    e no verfo ? O peyor he,que eles hoje na opi-

    nio de muitos pala por huns engenhos incultos,e os que lhes fazem mais honra

    ,confea

    ,

    quefcria excellentes , fe vivefem em nolbs dias.

    Perdoefe-me efta digreTa,

    que ma infpirou ozelo de defejar

    ,

    que as noFas Academias floreacomo muitas das eftranhas , dando frutos maduros,com que outros Engenhos fe alimentem, e na pa-rando em flores de huma , ou outra compofiaopotica

    ,das quaes huma grande parte ainda chei-

    ra quelle alnifcar de Hefpanha,

    que deia a per-der a cabea.

    E tornando a Horcio, he certo, que ou foTccomo homem publico

    ,ou como particular , o feu

    im

  • fm na Potica foy dar ses Romanos em Tratadouccinto o melhor, que Ibbre hum tal argumento ef-crevera Aritoteles, Criton , Zcnon , Demcrito , eNeoptolemo de Paros , do qual efpeciaimente fevaieo, fazendo hurna compilao dos fcus melhorespreceitos, como advertio Porphyrio , dizendo : Inquem librum ccnjecit pracepta Neoptohmi de ArtePotica , 7ion quidem omnia , \ed eminenijj^ma.

    Paliando a dar ao leitor alguma noucia dos commenra-Commentadores

    ,que tem illufirado ela Arte ^ de-

  • ve-fe a Nannio a engeiihofa inteligencia de algunslugares da dita Potica

    ,pelos quaes at o feu tem-

    po l'e tinha paFaJo fem reflexo ; como entre ou-tros a inteilgenca

    ,que d ao verfo Picoribus

    ,

    atque Poetis j^c.\ a qual ns, imitando j? Dacier,

    eguimos na noFa lUuftraa. Se efte Expoitor fo-ra igual em tudo

    ,darnosliia hum Commento com-

    pleto;pom entende humas coufas mal

    ,outras

    que necericava muito de fer illulradas,deixa-as

    no efcuro, e em outras demora-fe com erudio taenfadonha

    ,como intil. Ifto facilmente obiervar

    o leitor critico;que o noTo fim na he fermos

    prolixos,individuando lugares.

    Pedro Guai- Pedro Gualter Chabot querendo tambm or-denar hum Commento ao nolFo Poeta

    ,amontoou

    tanta coufa,que he hum proceflx) infinito. Arma

    a fua indigela erudio em diverfas claTes,

    illuf-

    trando o Poeta no grammatico,no lyrico

    ,e no

    rhetorico ; mas nada no que he verdadeiramentepotico. Por iFo Morofio com raza diz deile

    ,

    que Commentarios ccnfarcinavit fiimid, i^ P^^^J'

    quam padagogita diUgentia.Dionyfio L- Dionyjo Lambno efcreveo tambm huns Com-^'"' mentarios prolixos

    ,como lhes chama o citado Moro-

    fio. Mureto feu contemporneo o reprehcndia deterexplicado muitos lugares de Horcio ta mal

    ,

    queera o ludibrio dos intelligentes

    ;porm elle excel-

    lentemente fe defendeo, dizendo, que aTun os acha-ra entendidos nas obras do mefmo Mureto. Veja-fea Thoiiafio de Plag. Liter. , onde fe achar a Lam-bino no numero dos plagirios. No que teve maismerecimento

    ,foy no revolver muitos m. f. , e con-

    frontar as varias lles,

    que havia nas obras de Ho-rcio

    , fazendo meno delias no feu Commicnto.No mais commummente na explica ao Poeta cemverdadeira, e fina inteligencia. Omitte lugares prin-cipaes

    ,

    paFa pelos difficultofos , e demora-fe emoutros de pouca entidade , com defperdicios deerudio

    ,que muitas vezes na faz para o cafo.

    Com

  • Com tudo traz muitos bem illufirados com a dou-trina de Ariftoteles , e com a pratica dos antigosPoetas , afim Gregos , como Latinos.

    Guilherme XHandro publicou igualmente hu- G.nihcrmemas copiofas Annotaes ao noTo Poeta , e exaflas Xiianro.emendas, as quaes os Eruditos elimao em muito.Foy homem doutiUmo , e de erudio efcolhida \porm Horcio na lhe deve a elle mais , do quej na deveTe a outros.

    Jacob Cruquio Meffeuio pelos fcus Gommen- jacob Cru-tarios Horacianos na tem merecido dos Sbios ef- 'i^'^ ^^^^^^"

    peciaes louvores ; antes Tenaquil Fabro nas fusEpilolas, eBarthio dverf. 1. 42. falla delles combem pouca honra de feu Author. Com tudo aindaque o Poeta na lhe deva notvel obrigao no querefpeita a explicar o que he potico , fempre lheeft obrigado em revolver m. f.

    ,e edies antigas,

    para emendar os erros no texto , e em pubhcarcoufas pertencentes ao mefmo Poeta , como a fuavida, e algumas Notas feitas por Authores antigoslobre diveilos lugares das fus obras.

    Ircwcifco Luijino ^ inlancia de Paulo Manu- FicifcoLui-cio , efcreveo hum excellente, e copiofo Commen- ^>"^'to Potica Horaciana. Efta obra he geralmenterefpeitada

    ;porque envele as dificuldades

    , e as ex-

    plana com juizo, e erudio. A's vezes ela he de-mafiada \ e como ele Interprete teve largos eftu-dos das Leys Romanas

    ,muitas vezes he falidio-

    fo em querer iilulrar com ellas muitas pafagensda Potica. Na foge commummente s diflicuda-des, onde as acha-, explica-fe fempre com os exem-plos da Antiguidade

    ,na menos Latina, que Gre-

    ga,em cujas fontes mofra

    ,

    que fempre bebera.J(i'on de Nores

    ,na fe pds negar

    ,

    que foy JafoidcNo-hum interprete de grande merecimento. Como tal '"o trata o Apatila nos feus Progyyiafmi Poetici

    ^ai-

    legando a cada paiTo com elle*, o que na he pou-co

    ;porque foy hum Critico muy diiicil de con-

    tentar. Teve Nores toda a erudio precifa para**^'^

    li Com-

  • Jacob GfifO"lo.

    ChriflovaLaadino.

    HenriqueGbicaao.

    Commentador,

    e galou-a ( talvez prodigamente )em explanar ao feii Poeta. Em alguns palfos dellecopia

    ,o que muitos j havia dito , colums fre-

    quente,

    e quai indifpenfsvel nos que toma o of-Hclo de Interpretes, na correndo mais terra, queaquella, que outros trilharo.

    Jacob Grifolo fez tambm a fua Expola. En-tre os Sbios he tido por hum homem muiio eru-dito nas letras Latinas, e Gregas : porm os Com-mentadores Luifino, e Nores algumas vezes o cen-fura obre a m intelligencia em diverfos lugaresda Potica

    ,

    que interpretou. He certo,que nela

    paFa por hum grande numero de paFos difficuko-fos

    ,como le nenhum deli es necefritale de expoi-

    i6; e naquelles

    ,

    que commenta,geralmente na

    adsfaz ao leitor,

    a {fim por fer efcuro,embaraa-

    do, e s vezes prolixo nas authoridades, como por

    na ter entendido toda a fora dos preceitos dotexto, nem as matrias diverfas de que falia o Poe-ta, confundindo V. g. as regras

    ,

    que elle da para aTragedia

    ,com outras que f applica Comedia ;

    e nele grave defeito tambm cahiia alguma vezos citados Nores

    ,e Luifino.

    ChriJiova Landino. Vimos a fua Expofia atodas as obras de Horcio. Pelo que refpeita Poe'tica

    ^parece-noj claro, e feguro na interpretao;

    mas he muy parco de authoridades claficas , e deexemplos de Poetas, com que e provem as regras,que d o texto ', coufa precifa para a intelligenciado potico

    ,e muy louvvel

    ,

    quando he com judi-ciofa economia. Baillet no leu Jugement cies fa-vans o louva como bom Commentador \ e com ef-feito he de merecimento a fua breve illuftraa , edigna de le aconfelhar , efpecialmente aos princi-piantes

    ,que defeja entender a Potica de Hor-

    cio quanto bafte,

    para depois palarem a compre-hender por outros Authores todos os fegredos daPoefia

    ,que fe occulta no dito Tratado.

    Henrique Glareano elcreveo Iiumas brevilimasAnno-

  • Annoties a eln Jlrte. Tomon nellns por efpecialempreza cenfurar fortemente o antigo Coiimeiuo deAcrcn ( le acafo efte Grommatico he o feu verdadeiroAuthor ) decobrindo-lhe muitos erros, ora na intel-ligencia do Poeta , ora nas ii6es ccrriiptas do texto,admitridas por genuinas. Porm os bons Criticosfem defenderem a Acron , cenlura em muitas cou-fas a cenfura de Glareano , e os melhores illulra-dores de Horcio na fe accoramoda em muitoslugares com a fua interpretao.

    Theodoro Marfilio. Dele homem erudito vi- TKcodoromos iguahnente humas brevilimas Annotaes mef- ^^*^^*^'*-

    ma Potica. Na obflante ferem fuccintas , ha nel-las na pouca erudio , e luz para entender aoPoeta

    ,ou eja pelos bons exemplos

    ,que aponta

    ,

    ou pelas correces ao texto. Com tudo,como

    afedtou muita brevidade,e Horcio he muy con-

    cifo,e s vezes efcuro nos feus preceitos

    ,na he

    Marfilio balante Interprete para quem he ainda hof.pede nas regras da Poefia- Qiianto mais

    ,que es

    pafos difficultofos apenas os toca , e j mais osexplana , como pede a fua difficuldade.

    Achlles EJlao,

    illulre Efcritor Portuguez, AchiiiesEft;

    he geralmente repeitado pela fua expofia a efta o.Potica. Horcio deve-Ihe muito, particularmenteemendando-o de muitos erros, caufados pelas diver-fas copias ; no que teve grande trabalho , confe-rindo muitos

    ,e exaflos m. f. Na lhe deve me-

    nos,em provar com os Poetas Gregos

    ,efpecial-

    mente Drammaticos, e com os antigos, que efcre-vera fobre os preceitos poticos, todas as regras,que aponta Horcio nele feu Opufculo. S quemalim faz ( diz Dacier no fim das fus Notas ) heque fabe dignamente interpretar ao Lvrico Latino.

    *Ihom Corra y na menos celebre Portuguez, Thomc Cor.que o antecedente

    ,explanou com grande louvor a rea.

    Horcio,como teliica os melhores Criticos

    ,e

    o mefmo Mureto feu emulo o chegou a ccnfefar,

    como refere o Apatita no tomo 3. dos eus Progy-najmi

  • nafnii Posiici,

    e Spachio no feu NojnencJat. Vhi-lofof, Coai tudo comparada ela Illurtraa com ade ilao, d-fe a ele a primazia do merecimento,fe houvermos de clar peia autlioridade do citadoApatila.

    AndrcDacicr. Auilr Dckr ', entre todos os Commentado-res

    ,que deixamos apontados

    ,pode-fe dizer fegu-

    ramnte,

    que os excede ns fus copiolimas Notasa Horcio Nelas reina hum juizo profundo, humaerudio valiTima na faculdade potica

    ,e huma

    exquiita lio pelos melhores Authores da Antigui-dade Grega

    ,e Latina. Nao deixa palar diticulda-

    de,e beileza no Poeta

    ,

    que magilralmente naoexplane, de modo, que o leitor fica latisfeito, femter mais que defejar. Commummente caminha poreftrada

    ,

    que outros na trilharo , explicando hunsmylerios em Horcio

    ,

    que ou nao fc aicanavao,ou

    efcuramente le entendia. Se exceptuarmos a Voltai-re

    ,todos o enchem de elogios

    ,e por todos bailar o

    que lhe faz Moroio, dizendo : Vir erudhjjimiisDacicriis Horaum in vernaculumfermonem tran-fudit

    ,^* non folum in pVejigenda iiberiore vita

    Horatii,fcriptorumque ferie juxta temportwi ra-

    tioncs collocanda,occupatu fiiit

    ,fed S* amplilji'

    mis Commentariis ita exornatum dedit , ut jkc vo-cum

    ,figurarumque

    , i;" epithetorum fedida enoda-tio

    ,nec feufus allegorici evolutio , neqtie adeo ad

    verbornm,aut artis explieattonem quicquam jure

    defiderari pofjlt.RicardoBcnt- Ricrdo BentU publicou eruditas Notas , e^*'-^ emendas ao texto de Horcio. Fabrcio falia dcla

    obra com diftinli honra,

    e o Padre Sanadon , fa-bio Jefiiita , tanto a etimou , que nas fus emen-das h edio

    ,que publicou do mefmo Poeta, em

    quafi tudo fegue as lies de Bentlei,

    que elle( fegundo diz ) achara nos m. f. mais authenticos.Teve Bentlei muitos impugnadores referida obra,na fe podendo accommodar homens fabios, cx)moJobnfon

    ,Cuningham

    ,e Dacier , a muitas das fus

    emen-

  • emendss,e interpretaes, hiursas por mal funda-

    das,

    outras por extravcgantes , outrns por con-trarias h mente do Poeta. Na oblante eles , coutros adverfcrios , a ama de Bentei , merecidapor fua raftiTima , e ecolhida erudio , recebegrandes elogios na republica das letras.

    O P. Jivency da Companhia de Jefus, Reli- p. Juvcncy.gia a quem tanto devem as bons Artes , fez tam-bm publica huma edio de Horcio para o ufodas Efcclas de Frana. Accrefcentou-lhe iiuma boainterpretao Latina, e algumas Notas excellentes

    ,

    pofto que muy breves , accommodando-as ao juizoda mocidade para quem efcrevia.

    Mo/if. Du IIamei,

    profeTor de Eloquncia na MonC Du-Univeridade de Pariz

    ,tomou o mefmo trabalho j''*^*^^-

    e modernamente o imprimio. Depois do texto pemhuma interpretas literal

    ,a qual julgamos umma-

    mente accommodada h capacidade dos principian-tes, para os quaes a efcreveo feu Author. As luasNotas, fe bem que fuccintas

    ,fa para elimar ; e

    aCim deejnramos,

    que nas noFas Efcolas fe eu-dae por efte Horcio

    ;porque feria aos mance-

    bos muito mais proveitofa a illuftraa de Du-Ha-mel, do que as de Boriio

    ,Minelio

    ,Farnabio ^ e

    outras, de que aqui na faremos efpecial memoria;porque fa de muy pouco merecimento

    ,e ( como

    diz Moroio) interdum verba iiciorum^ quos ex-cerpere aggrediunttir

    ,corrumpunt.

    Luiz Defpreaux: delle he o Commento ao Ko- Luiz Defpre^rcio ad ufum Delphini, He hum bom lllulradcrno que pertence ao mythologico, hifrorico, e gram-niatical; em quanto ao potico, que he o mais dif-ficil

    ,e precifo

    ,contentou fe com dar poucas dou-

    trinas,

    e de comprovar os preceitos do Poeta comhuma

    ,ou outra authoridade ; cofume geralmente

    praticado por todos os Commentsdores ad ufumDelphini. Sa huns regatos, im puros, mas pobresde agua

    ; quando outros Interpretes fa huns rioscaudaiofos

    ,que fertiliza tudo por onde paTa.

    Frari'

    aux.

  • FnncifcoS- francifco Sanches Bvocenfe : fov huin celebrei.

    urmmaiico,

    e hum igual Commentador;porque

    earendeo perfeiamente os Auihores Latinos. Ho-rcio dcve-ihe hum bom Commeruario j^re Po-tica

    ,e corno tal faz dclie dilindln memoria Mo-

    roh'o,e Nicolo Antnio. A empreza de Sanches

    neOas Annotaes by apontar o que outros na ha-via dito para perfeita intelligencia dos preceitosde Horcio

    ^e fegundo os bons inteiligentes confe-

    guio-o em grande parte.Eftes fa os Efcritores

    ,que vimos

    , os quaesillulrara a Potica de Horcio. Bem fentimos ter noticia de outros

    ,como Francifco Robortello

    ^

    Pedro Viiorio , Vicente Macho , Paulo Beni , e oiioFo Bento Pereira^ erudito Jefuita, de quem diz

    / o Author da Biblintheca Societatis ^ que compoze-ra em dous tomos huns Commentarios ao nofo Poe-ta; mas na accrefcenta, fe vira a luz publica.

    Parece-nos,

    que na fera coufa fora defte af-fumpto, fazermos igualmente mena das Traduc-es

    ,

    que vimos deita Arte em diverfas linguas,

    para que o leitor curiofo enfaftiado da que lhe of-ferecemos

    ,

    pola nellas refarcir o tempo,

    que per-dera com a lia da nola.

    TraMores Os Italianos tem diverfos Tradudlores , comoPoencr de Luclovco Dolcc , Scipia Potize 5 Ludovico LepoHorcio. reo , Lorcto Mttei , Sertrio Ouattromani , PaU'

    dolfo Spannocbi , e Benedetto Pajqualigo. A Traduc-a delle ultimo he certamente a mais fiel , e como talfoy efcolhida entre as outras pelo Douto , que faz emMila a grande Colleca dos Poetas Latinos, acom-panhados deTraduces em Italiano. A o Dolcetem pouca reputao, por faltar frequentemente fidelidade. A de Ponze por fer em oitava rima ,na he tambm muy feliz , faltando-lhe, por con-ta da fervil priza dos confoantes , aquella liberda-de

    , e viveza, que pede Horcio, e accrefcentaidoalgumas coufas

    ,que o Poeta na diTe, nem diria.

    Com tudo fempre ele Tradudor merece fer lido ,por.

  • porque traz huma boa expcia dos lugares maisefcuros.

    Entre os Francezes tambm ha bafl antes Tra- Trat^uaorciduces , e de muito merecimento, na mienos em^'^^"^^"^"prola

    ,

    que em verfo. Vimos a de MarcUes,da Maroiics.

    qual,por fer em profa , e queixa Horcio no cri-

    tico livro le Parnaffe reforme^ dizendo: Voil lesbeaux emplois de cette noircelle Seie de Trdue-tirs. Ne pouvant s^lever jufqu^ notts , tis nottsabaijfent jufq' eux ^ ^ notts jom ramper cominedes miferablcs. Parce qu' il leur ejl mpojpble defhre fjotre rapidii qui les entraine ^ tis nous ej-tropient ; d^ par un defaut de jugement , ou delieine poetique , ils mettent tout en profe

    ,jufqt^

    nos chajifojis,Alon. de Martignac traduzio tambm em pro- Martgoac.

    fa efta Potica; o que ftz, como teftemunha Bail-let

    ,com fidelidade, exaca , e limpeza. N en-

    tra em duvida,

    que efte Traduflor excede a lodosos que antes delle emprehendera o mefmo traba-lho , lem ainda exceptuar o mefmo Monf. de Ma-rolles

    ,cuja traduca he eftimavel, na oblante a *

    cenura,que acima tranfcrevemos,

    Monf. Prepetit de Grammont querendo mof- Prcpctit detrar, que tambm em verfo Francez fe podem ver- Grammont.ter os Poetas Latinos

    ,traduzio nelle a Potica de

    Horcio. Suppola a efcravida da rima,confer-

    va a pofiivel fidelidade ; mas na fe pode deixarde dizer

    ,

    que por conta defta priza faz dizer aoPoeta em muitos lugares o que elle ns quer. Af-fim o julgmos por balbntes paTos defe Tradu-

  • ce,

    a TnJocao he baftantcmente fiel em expri-mir o fcntido tio Poeta

    , mas nao em imitar af' brevidade

    ,e viveza do eu eltylo

    ;pois para tra-

    duzir fess verfos do texto,

    pem dezafeis na ver-Ai. Obcrve o o leitor

    , e veri como ilo he nel-Ic trivial. Todos confela

    ,

    que he impoivel slnguas vulgares exprimirem-e com a mefma preci-ao

    ,com que fc explica a Latina

    ,e Grega ; mas

    tambm todos pretendem de hum Traducor, quemolre ele defeito o menos que poder, fem refle-direm

    ,

    que primeiro el ler fiel ao Temido doque fe traduz, do que ao uccinto elylo

    ,em que

    a tal coufa fe die. Ela fegunda circunftancia acada pafo fe eft fazendo impoTivel

    ,

    pela pobre-za de todas as linguas vivas, a refpeito da Grega,e Latina

    ;porm o faltar fidelidade do texto he

    coufa fummamente reprehenfivel,

    porque todos osTradudlores em qualquer lingua podem , e devempraticar o contrario

    ,obfervando rigorofa fidelida-

    de,em quanto a liigua o permittir; pois rsuitas,

    e muitas vezes na tem ella termos, com que pin-te ao vivo huma

    ,e outra exprefTa do texto. E

    j Quintiliano fe queixava dela pobreza na linguaLatina

    ,olhando para a riquifilma abundncia da

    Grega. Dizemos ilo,

    porque defendendo nelaparte a Traduca Franceza , vimos igualmente adefender a noTa *, pofto que nos parece, que abu-zmos muito menos da licena.

    Tradutores Qg Hefpanhocs tambm tem feus Efcritores,

    Helpanhocs. T , j /ique tomaro a mema empreza , de que ellamos

    Vicente Efpi- fallando. Vimos a Traduca de Vicente Ef{nnel

    ^

    ei. e ainda a na vimos peyor. He em verfo foltofummamente efcabrofo , fem nelle imitar em algu-ma parte alguns longes da ndole de Horcio. Opeyor he

    ,

    que na entendeo muito dos feus luga-res mais principaes , nem traduzio muitas expref-ses , fem as quaes fica languido o Poeta , e femaquella gala

    ,

    que he prpria do cu vivo ertylo.Na produzimos exemplos para prova difto : em

    qual-

  • qualquer pagina facilmente os achar o leitor. Vi-mos igualmente a Traduca em profa de Joo joav.iiendcVillen de Biedma. He huma interpretao literal Bicdm.do Poeta , em quanto ao grammatico , e ea combaftantes defeitos. Pelo que refpeita ao potico

    ,

    em muy pouco conduz para o Poeta perceber bemos preceitos de Horcio. Cana-fe em explicar asFabulas

    ,

    que occorrem pelo texto,

    coftume muyfrequente daquelles Interpretes

    ,

    que fe tenta atomar huma tal emprez.i , fem medirem fus for-as com o pezo : abraa o que facilmente fe achaem infinitos Auhores , e fogem de e meter a ex-por o fentido genuino , e os lugares difficultofosdaquelle, a quem interpreta. Ainda alim , incom-paravelmente Biedma he melhor

    ,

    que o feu fervilcopiador 5 aquelle

    ,

    que na noTa lngua fez humaliteral interpretao a Horcio para o ufo dos queprincipia a conilruir \ obra que merecia fer pro-hibida j porque faz dizer ao Poeta coufas, que nalhe podia paTar pelo penfamento ; e fe acafo asdileTe, como quer ele Interprete, feria hum pef-imo meftre de Poefia.

    Mas j he tempo de advogarmos a noTa cau-fa

    ,palfando a dizer alguma coufa fobre a nola

    Traduca, e Notas a muitos lugares do texto.

    Em quanto primeira parte ; fa nos Criticos ju-diciofos muy diverfas as fentenas fobre as obriga- cbngaccoes de hum Tradudor. Huns querem

    ,que feja ^oTradu^or.

    hum fiel copiador,na f das exprefses , mas at

    das mefmas palavras daquelle,a quem traduz : outros

    da mais liberdade, dizendo, que deve velir comas galas da fua lingua aquellas exprefses

    ,elegan-

    cias, e formas particulares de dizer, que na linguado texto apparecem com adorno. Os primeiros que-rem

    ,

    que o Tradudlor exhiba as mefmas palavras dooriginal por conta

    ,e os fegundos por pezo. Eles

    para aim fe defenderem do impertinente efcrupu-io dos outros, tem a fuprema authoridade dos dousraayores juizos da Antiguidade

    ,Horcio na Poeti-

    **** li ca 5

  • Condiesprecifas para

    Fidelidade

    ca,

    e Ccero no Tratado de Optim. Gener. Orator.,

    onde faliando das Oraes de Efchino,

    e Demof-thenes, que ^aduzira

    ,diz aTim : Traduzias^ con-

    servando na menos as mefmas fenenas, e diffe-

    rentes formas de dizsr^que as figuras ; mas ex-

    pliqueime fegundo o lojjo cofiume,julgando

    ,que

    na era precifo traduzir palavra por palavra,

    bafi,ando conservar a fora , e propriedade dos ter-mos

    ; porque entendi,que ifto de traduzir , nao

    he dar ao leitor as coufas por conta,mas por pe-

    ZO'

    Dela authoridade claramente fe colhe, que al^ictuas para "i-t ^ , 7 -j '~

    aboaXraduc- A 'JJUcao para fer boa, he precifo, que conferves*. com a fidelidade polivel todo o caralv^r, e ndole

    do texto j fem que feja neceiario moftrare de humcerto modo fuperliciob em copiar o feu painel to*que por toque

    ,como fez Erafmo nas fus Traduc-

    es do Grego,

    polo que com dilinclo mereci-mento.

    Ns por fidelidade nao entendemos o traduzirliteralmente

    ; mas im o exprimir ( quanto for pof-fivel ) fentena por fentena

    ,e figura por figura y

    nao accrefcentando coufa,

    que na fe la no origi-nal

    ,e nao menos tirando, ou mudando coufas que

    nelle ellcja, Efte requifito fe acha em hum gran-de numero de Traduces , e com efpecialidade oconfelfa Pedro Nannio em Theodoro Gaza , tradu-zindo a Ariftoteles.

    O carader,ou indole confile em faber confer-

    var na Traduca a mefma gala, o mefmo ar, no-breza

    ,e affe

  • rio. Francifco Vhilelfo nas fus Traducces foy [^J^^'^^^^^^-fiiperfaciolo em na deixar de traduzir palavra dotexto

    ;porm no exprimir com fidelidade os pen-

    famentos , exprefses , e caradler do original , paTcipor muy defeituofo ; de que he prova bem eviden-te a Traducao de Xenofonte.

    Pelo contrario Marfdio Ficino traduzindo a Pia- ^^a^^fiio fc-ta , exprimio bem os penfamentos delc Filofofo,

    "'^"

    e efte religiofamente cuidou muito em verter na lin-gua Latina todas as palavras do texto ; porm andole, ifto he, aquella mageftade , e elegncia dePlato , dizem os bons Crticos , que de nenhummodo a pintara na fua copia.

    Por outra parte obferva Pedro Nannio,

    que Lapo Florm^Lapo llorentino nas uas Traduces foubera de ^'"*'*

    aigum modo delenhar a ndole , ou carader do ori-ginal \ mas que na paliara de fazer huma morte-cor

    ,

    porque fora mais feliz em exprimir na verfaas palavras

    ,e os conceitos , do que o eftylo do

    Author traduzido.Porm na obftante a fumma dificuldade, que

    ha em fe unir em hum Traduclor as citadas cir-cunftancias ', ainda aiim temos alguns , nos quacsas admiramos praticadas com efpecial dillinc.Honf. Biillet no feu ^uizo fobre os homens jabioSyaponta alguns

    ,onde falia dos Tradulores Francezss:

    ns,alm delles

    ,

    que fazem hum longo catalogocom particular gloria da lingua Franceza, accrefcen-taremos alguns dos antigos, como Erafmo, Bndeo^ Erarmo,Bu.Angelo PoViclano

    ,Hermoldo Brbaro

    ,Rodolfo ^eo, /ngcb

    Agrcola^ e outros. Todos eftes fatisfizera fjlicif- p^Jrmd^'imamente s obrigaes de Tradulores

    ,exprirnin- Brbaro, Ro-

    do com grande cuidado na f a fora das pala- j^^ii ^gncu-vras , mas a dos penfamentos

    ,e a do carad^r epe-

    ciOco daquelles,

    a quem traduziro. Dilingue-feentre todos Policianoj porque vivilimamente repre-fenta cm tudo a figura, e ndole doEfcritor, quetraduz. E e algum defeito fe lhe aponta

    ,he o

    de vencer a fua copia ao original, na fe comen-tando

  • tando com igualar ', mas com exceder ; de forte,

    que comniummcnte pelo Tradudlor e dcpreza ouadusido.

    Suppola a obrigao que tem,todo o que to-

    ma ela rdua empreza de fer fiel em exprimir naf os penfamentos , mas o mefmo carader , e in-dole do Author traduzido ; confelamos

    ,

    que fize-mos quanto cabe em nolas foras ( e na quantopode riqueza da noTa lngua ) por fatisfazer a eC-tes requifitos. Parece-nos

    ,que exprimimos Por-

    tugucza todo o fentido de Horcio,e por aquel-

    le modo,que he prprio do feu ellylo

    ,excep.

    tuando aquella precifa,e brevidade, com que el-

    le fe columa explicar ; porque ifto em qualquerdas lnguas vivas julgamolo por impoTivel

    ,tradu-

    zindoe em verfo. Boa prova dilo temos em trsTraduces Italianas, duas Francezas

    ,e huma In-

    gleza,

    nas quaes os verfos vulgares fcmpre exce-dem muito em numero aos Latinos. Por iTo atten-dendo fumma difficuldade

    ,que ha de traduzir

    verlb Latino em vulgar,

    muitos abios Francezesrelolvera-te a fazer fus Traduces em proa ;ida que todavia nn approvamos

    ,e as razes j

    as deixamos apontadas nefte Difcurfo,

    quando fal-amos de Monf. de Marolles.

    Raxa por- Como todo O ooFo cmpcnho foy expor comuT^Tcq^s liberdade , e clareza os penfamentos , e carader deera verio oi- Horcio

    ,

    quanto coube nas poucas foras do nofo^"

    engenho,efcolhmos para efta Traduca o verfo

    folto,como o mais proporcionado para efte fim ;

    porm como ito talvez parecer mal a alguns , bomfera

    ,que os perfuadamos , moftrando-lhes breve-

    mente o como a rima foy muy perniciofa liber-dade da Poefia

    ,e cfpecialmente o hc , e fempre o

    fera em Traduces.Na ha quem na faiba

    ,

    que os Gregos , eLatinos levaro a Poefia ao auge da perfeio. NaFpica

    , efpecialmente os Poemas de Homero , e deVirglio

    ,fe havemos de confeFar a verdade , fa-

    zem-nos

  • zem-nos defgoftar de todos os que lemes nss ln-guas vivas. Ns temos Epopeias ( ingularrrente a Pocfia vui-de Cames ) que pela viva exprela da natureza , s^'*pela inveno

    ,

    pela nobreza do eftylo,e por ou-

    tros requifitos 5 fa de hum efpecia merecimento;tanto que alguns julgaro

    ,

    que cus Auihores lepodem igualar com os dous famofos picos da An-tiguidade Grega

    ,e Latina.

    Na fe pde negar,

    que cfte juzo feja verda-deiro em algumas partes ; mas tambm he certo,que em outras muitas aTs declino da igualdade

    ,

    e pureza do elylo Homrico , e Virgiiiano. E itoporque fcr

    ,fe houve nelles hum engenho fclicif-

    imo,e hum efpirito naturalmente nacido para a

    Poefia ? Tenho por certo,

    que na procede de ou-tra caufa

    ,fena da diverfa perfeio de inftrumen-

    to , de que ufara huns , e outros ; e polo que adiverfidade dos idiomas pola concorrer para eladiFerena, na fe podendo comparar a mngelade,a pompa

    ,a abundncia

    ,e a viveza das linguas

    Grega, e a Latina coma nolfa ; ainda afim conve-nho com os noTos Antigos

    ,

    quando difreru,que

    nelia ha circunftancias,que baia

    ,

    para fe chegarmuito nobreza de Homero, e Virglio. Por exem-plo, Cames talvez foy hum Pintor igual a clcs

    ;

    porm na os igualou no colorido ta vivo,e na-

    tural, como os igualara em outras partes; e a csu-fa foy

    ,porque na ufou para poetizar de hum

    vcrfo, que tiveTe quufi igual fora,

    e Uberdade aodos Gregos

    ,e Latinos.

    O hexametro,como na eft ligado a hiinia

    certa uniformidade de terminaes, nem fe reftringe neceTidade de cadencias

    ,na admitte palavras

    ociofas,nem impede

    ,que o Poeta poFa variar a

    medida, o numero, e a harmonia, fegundo o pedira cccaia. Ora ela vantagem na tem a Poeia vul-gar, porque he huma efcrava rima

    ^que nafceo

    nos leculos brbaros,devendo fua origem aos ver-

    los ritmicos, c leoninos,que fora as fezes do me-

    tro Latino. Nao

  • Na lie noTa tena reprovar geralmente oufo da rima ; antes confeTamos

    ,que augmenta a

    graa s compofies lyricas, e quellas breves poe-ias, que fervem mufica

    ;porm corre muy di-

    verfa raza para na fe dever ufar delia naquellasobras, em que o Poeta falia

    , e muito mais nas ou-tras 5 em que cllc fc efcondc , como he o Dram-ma. Em obfequio da verdade deve-fe claramentedizer

    ,

    que com a introduca da rima,

    paTou pa-ra os ouvidos aquelle deleite

    ,que antes caufava a

    Poefa ao entendimento, e imaginativa, pagando-fe os homens muito de hum fom material

    ,e de

    huma efpecie de mufica plebea , como lhe chamaGravina no feu Tratado de la Kagion Potica.

    He verdade, que houve Poetas muy fceis, enaturaes em rimar ; mas na obftante toda a fuanaturalidade

    ,a rima os fez ufar de certos rodeyos

    de exprefsoes , e de vozes fem fignifcaa , afim de armarem ao confoante. llo fuppolo , co-mo era poFivel

    ,

    que podelFe a fua dico igualara de Flomero, e Virgilio , e imitar com ella a pu-reza do feu eftylo? S quem pratica o eftudo po-tico , na eftando preoccupado , he que pde di-zer quantas vezes a rima he caufa de na fe ex-primir tudo o que fe quer, e daquelle modo, comque fe quereria dizer. Quantas vezes fe na podepintar huma imagem com aqucllas cores

    ,

    que pe-de a liberdade potica ; porque a rima prendeo ospenfamentos , e o difcurfo em hum certo efpaodeterminado? Donde vem fer impofllvel, que (almdo falio

    ,

    que caufa a perpetua uniformidade dosaccentos ) na fe perca a liberdade de reprefentarvariamente as coufas , e de exprimir com viveza osaffetSlos.

    Conhecero em fim a fora defta verdade asNaes mais cultas. Deixando por ora a Italiana ,onde he mais antigo o ufo do verfo folto, introdu-zido ha mais de duzentos e trinta annos pelo feufamofo Jriffino \ a Ligleza ufa delle , na em

    Poe-

  • Poeia Dramtica, mas tambm na pica, de quehe teftemunha o celebre Poema do Paraijo perdi-do. Os Francezes cedendo neceTidade uza doverfo rimado ; porque os feus mefmos confeira ,que na tem lngua, que pofa confervar a gravida-de potica fem o arrimo dos confoantes. Entre nstambm houve eftc ufo em melhor feculo , na fem Dramas

    ,como a Tragedia Cfljlro do noTo Fer-

    reira,mas em Poeia narrativa , como o Naufr-

    gio do Seplveda por Jeronymode Corte-Real. Af-im efte Author na diminuile grande parte dofeumerecimento, compondo em verlo rimado as falias,que introduz no dito Poema.

    Porm na recebero efte bom uzo todos osnoTos Poetas diftindtos \ porque muitos fe perfua-dira

    ,

    que o verfo,em lhe faltando a rima , fal-

    tava-lhe a grandeza , e graa , e ficava na menoslanguido que faftidiofo. Erradamente fe peruadi Overfofoitorao

    ;porque o verfo folto he mais dimcil

    ,

    que o queohmado.rimado ', alm o moftra na menos que o irjfigneSalvini em hum dos feus Dijcurfos Acadmicos ^ oMarquez Mafei no feu Theatro Italiano , o fa mo-fo Pope no feu Enfayo fobre a critica , e o Tra-dulor do Canto I. da lliada em Italiano, impref-fo ha poucos annos em Londres. A raza

    ,em que

    fe fundo eftes Sbios,he \ porque a rima he bem

    como as pofturas no rolo das mulherts, que enco-brem muitos defeitos *, porm o verfo foko, comona tem a que fe torne para caufar deleite, fena belleza verdadeira

    ,flrz quanto pode para fer in-

    trinfeco o feu valor. Por iflo diz o Author Ingiezdo Scrates moderno

    ,fallando dele ponto, qus os

    verfos puros fem a mafcara da rima , feria a me-lhor pedra de toque para experimentar o valor dehum Poeta

    ;porque no verfo, que he rimado, cof-

    tuma-fe disfarar muito; porm no folto quafi nafe fofre huma leve mancha

    ,e huma f palavra

    ,

    quena ignifque

    ,introduzida para encher o vero. Os

    rimados fa muitas vezes como os Latinos de mo

  • feculo, nos quaes nao ha de verfo , fena o me-tro; porm o cominum da gente na eft por ifto,perfuadindofe

    ,que na fe d Poefia

    ,onde na ha

    aquella uniforinidade de fimilcadencias.Do qne deixamos dito concUiimos

    ,

    que fe a ri-inii he ta fatal liberdade do Poeta

    ,

    quando in-venta

    ,muito mais o hc

    ,

    quando traduz;

    porqueeft ligado a penamentos, e exprefses alheas. PoriTo todas as traduces

    ,que correm com credito

    no mundo dos Sbios,

    fe lao de Poetas,fa em

    verfo folto,como bem prova hum infinito numero

    delles,que ha

    ,efpecialmentc em Itlia

    ,e Ingla-

    terra. Em feculo menos illulrado pelo bom goo,conlieceo tambm a tyranna introduca da rima emtraducoss o noTo Leonel da Cofta , facodindo ojugo

    ,quando verteo em Portugus as clogas de

    Virgilio,

    e cuido que as Comedias de Terncio,

    que confervava m. f. na fua feledla livraria noogrande amigo oPDJofeph Barbofa, ReligiofoThea-tino

    ,

    que foube luzir com dilincao em huma Ca-a de Sbios Se outros nofTos Tradulores fizeTemo mefmo

    ,feria mais felices em luas emprezas

    ,

    efpecialmentc Joa FrJnco Barreio na fua EneidaPortugtcza ^ na qual por certo, que na feria in-ferior celebrada traduc de Anbal Caro

    ,fe

    nao uznra da ourava rima.Kifaqui os fundamentos

    ,

    porque efcolhemos overfo folto para a nofa traduca. S com ela li-berdade he que entendemos

    ,

    que poderiamos rafte-jar em exprimir a Horcio com termos fieis, e quena defdireem do feu carader. Para mais o imitar

    ,

    at fizemos muito por na uzarmos de veros fonoros ,e nimiamente artificiofos \ antes lhe demos hum cer-to ar de proza

    ,

    para aVim exprimirmos no pofiivelo elylo

    ,e metro do original

    ,que he o que uni-

    camente convm s Satyras , e Epillolas. L>argamen-te omoftrara Blondel , e Grocio , cenfurando comraza aquelles

    ,que da bem a conhecer o feu pef-

    fimo difcernimeuto,

    na comprehendendo a efpe-cial

  • ciai graa ; e beleza Potica , que d Horcio sfus Satyras , e Epillolas com huma certa eftudadanegligencia no metro, c com hum ar de preza noeftylo. Eia efpccialidade do noTo Poeta he ta dif-ficil de entender , como de imitar. Qiiantos tememprendido imitarlhe o eftylo ? E quantos o con-feguira? Por certo, que muitos feria feus imita-dores, fe baftaTe implefmente fazer vcrlos profai-cos j como diz o mefmo Poeta na Satyra 4. do liv. i.

    Neque enim concludere verfumDixeris elJefatis \ neque jqutsfrribat , uti nos^Sermonipropiora

    ,

    putas hunc ejfe poetam.Ultimamente refta dizermos alguma coufa ao

    Leitor pelo que refpeita noTa Illuflraa o Tex-to. Afini como na traduca feguimos a Mr. Da-cier

    ,aim nas Notas caminhmos pela eftrada

    ,

    quede novo abrio efte fabio Francez

    ,

    para os que que-rem chegar perfeita intelligencia defta Potica. Comtudo com a mefma ingenuidade , com que efcre-vcmos ilo, confelTamos igualmente, que o na fe-guimos em tudo

    ,nem copiamos a fua doutrina

    maneira de Tradudor. A cada pao ( como fe po-dera obfervar , fazendo-fe a confrontao ) accrcf-centamos mais luzes intelligencia do Texto , erafazendo juizo do que dilfera os outros Commen-tadores

    ,ora corroborando as doutrinas do Poeta

    com hum grande numero de Authores Clalicos,

    fcm nos efquecermos dos da noTa Naa,

    que po-dia fazer nefte theatro nobre figura , como bonsimitadores de Horcio. Igualmente onde nos pare-ceo precifo, cenfurmos os lugares de diverfos Au-thores

    ,aTim eftranhos

    ,como nacionaes , repro-

    vando nclles aquelles vicios,

    que reprehende oPoeta; o que tudo faz, com que as nolas Anno-taes feja em muitas partes diverfas das de Da-cier; pofto que em outras na podiamos deixar deo feguir tanto a elle , como aos outros bons Inter-pretes, fobpena de entendermos mal a Horcio. Secahimos neta culpa, temos docilidade para coifef-

    ***** ii far

  • far o erro,

    quanJo no Io prove Leitor judiciofo^

    e inftruido em matrias poticas. E fe com efte nof-fo trabalho delpertarmos algum dos noTos muitos

    ,

    e grandes engenhos a tomar a mefma empreza,jul-

    gando nos de fracas foras para tamanho pezo, en-to daremos o noTo tempo por mais bem emprega-do

    ,vendo que fomos caufa , de que a Mocidade

    Portugueza,

    para quem unicamente efcrevemos,

    vielTe a ter plena , e perfeita inftruca de humaylrte

    ,

    que he a fonte do verdadeiro bom golo daEloquncia, na menos potica, que oratria.

    Ultimamente rcfta confelarmo-nos com o Lei-tor de hum novo efcrupulo , que agora nos occor*re. Ao traduzirmos os verfos

    /;/ verhis etiam tenuis , cautusqueferendh^

    Dixeris egrcgi , notum fi caIlida verbumRedJiderit junura novum-

    Tommos a liberdade de variar de methafora , ef-colhendo antes o \eibo forjar , do que o de fe-mear \ porque reparamos , em que a palwa Jan-ura , na fe appropria bem methafora efcolhi-da pelo Poeta , mas fim que defcobrio o Tradu-dlor. O mefmo pareceo a diverfos amigos nolTos ,que nefta matria fa bons Contraftes , efpeciJ-mente alguns , de que fe compem a Arcdia Lu-ftana , Academia , que honrar a Naa com in-veja de Roma

    ,

    quando feus Patorcs publicaremfus obras.

    Com tudo ns por evitarmos a cenfura de al-gum Critico nimiamente efcrupulofo , relolvemo-nos a traduzir ( para elle o lugar fobredito , di-

    zendo :No femear de vozes peregrinasJe mojlrards tambm difcreto , e parco \E dirds muito bem

    ,fejudiciof

    o

    Enxertando duas vozes jd fabidas,

    Com dejlreza formares huma nova.Com cFeito os intelligentes tivera por feliz elatraducio

    ,

    pofto que a julgaro defnecelFaria. Ocer-

  • certo lie, que nella ha mais fidelidade , QojmiSti'ra do Poeta explica-fe com viveza , a qual em e-melhante palavra na fe pode dcfcobrir no textona fe fabendo

    ,

    que connexa polia ter a sozjuri-ltira

    ,valendo fe Horcio da methafora i^ ftmear,

    O enxertar parece,

    que he f o que a ella pdeconvir, por ficar confervando a mema translao

    ,

    fendo voz,que pertence agricultura.

    Igualmente receamos,

    que algum efcrupulofoem ponto de metrificao tenha por duro o primei-ro verfo da pag. 129.

    Veyd Efchylo depois , e mais honejla ^'c.Por hum verfo na elamos para fazer em fua de-fenfa huma DiTertaaj mais fcil nos he emendai-lo, dizendo:

    Ejcbylo depois veyo i^c.Os demais erros

    ,que fe encontrarem

    ,fa6 certa-

    mente daimprelfa, onde a inevitveis, por maisdiligencia que fe ponha

    ,como confeTa todo aquel-

    le,

    que cahio na tentao de imprimir algum li-vro, efpecialmente quando a letra he mida; por-que ns provas fogem dos olhos os erres , e mui-to mais em authoridades de linguas elrangeiras.

    LI.

  • LICENAS.Do Santo Ofiicio.

    VIftas as informaes , pde-fe imprimir o li-vro de que fe trata, e depois voltnr confe-

    rido pam fe dar licena que corra,em a qui na

    correr. Lisboa,4 de Novembro de 1757.

    S/va. Tngofo, Silveiro Lobo,

    Do Ordinrio,VIfta a informa

  • M

  • DE ARTE POTICA.

    I.

    Vmano capit! cei-vicem pSor ecjuiimm

    Jimgere fi velh , o* varias induccre plumas ,Vndl-

    Humano capiti : Sem preambulo entra o Poeta no feii aflump-to; mas entra dando logo hum preceito geral ta neceflario, quehe o fundamento de toda a boa Poefia. Aquelle Poema, que naconftar de partes entre fi prprias

    ,accommodadas , e conveni-

    entes,

    ifto he,que na obervar fimplicidade

    ,e unidade no

    aTumpto,^na difpofiqa

    ,no ornato , e no eftylo j huma Poefia

    deftas fera hum monlro ta ridiculo, como o que Horcio

    aqui nos pinta. E na verdade, que na o podia pintar mais ex-trava-

  • ARTE POTICA.

    i.

    E hum Pintor a cabea humana uniTePefcoo de cavallo , e de diverfasPennas veftiTe o corpo organizado

    Aii De

    travagante,e raro

    ,para bem perfuadir o quanto he digna de

    dcfprezo a falta deita implicidade,

    e unidade. Se Horcio po-deTe ler alguns dos noTos Poemas

    ,veria huma fiel copia defte

    feu retrato. Deixando outros, bailaria que leTe 2iFillis do Fon-feca, o Viriato Trgico

    ^ o Fnix da Lufttania^ a Infulana^ {^c. Nafua mefma Itlia acharia iguaes

    ,ou mayores monlruoidades j e

    fe havemos de crer ao Apatifta nos feus Proginafmi Poetici , baf-tiiria por todas a do Orlando furiofo.^

  • 4 De Arte Potica.Vndicjiie collatis memhris

    , ut tiirplter atrum

    Defmat in pifcem mulier formofa Juperne jSpeatum admljfi rifiim teneath amici ?

    Credite Pifones ; i/li tahule /ore lilrum

    Ter-

    Humano : Por efta voz fe deve entender rolo de mulher,como o Poeta logo declara , dizendo mulier formofa fupern . Ofer a cabeqa de mulher faz augmentar muito a disformidade dafigura : e a caua defcobrio o Commentador Jafa de Nores :Maluit autem exempliim famina fumere , ut cum ffeminis capitts puJ-chritudine diverfas partes conjungens , deformiorem monftri effigiem eji-ciat ; nonfolum quia diverfa conjunguntur

    ,fed quia cum capitts for-

    ma adjundi^ partes comparatte turpljjime 'videntur.Ut turpiter atrum defmat in pifcem : Creyo

    ,que Horcio te-

    ve prefente o enorme retrato, que Virgilio fez do monftro Scil-la no ^. da Eneada j mas fe aTim foy , tenho para mim

    ,que o

    cxcedeo, concebendo mayor monftruoldade.Prima hominis fcies

    , 3 pulchro peore VirgoPube tenus

    ,poflrema immani corpore piflrix

    Delphinum caudas tero commiffa luporum.Ater pifeis : Peixe negro

    ,ifto he

    ,horrendo ; e por ifio Porfrio

    expondo ele lugar,accrefcenta : Belluam marinam

    ,piflricem j

    porque tudo o que he negro , nos parece horrorofo, O mefmoPoeta na Ode 3. do liv. 2. : Et fororum fila trium patiantur atra.

    Speatum admifj: Allude ao colume dos Pintores , e Efcul-tores do feu tempo, que tanto que acabava alguma pintura, ouelatua, publicava o dia, em que a havia pr em publico, paraque os convidados lhes apontaTem os defeitos. Apelles foy o pri-meiro, que introduzio efte bom colume, c por efla caufa he quepunha nas fus ohvis, faciehat ^ dando affim a entender, que elavapor acabar de qualquer falta

    ,que lhes apontafiem. Os antigos

    Poetas quafi que fazia o mefmo nas fus Rapfodias : fe palTaTca ns ta louvvel ufo, na occuparia as livrarias tantos, c taindignos livros.

    Credite Pifones : Monf. Dacier , inflgne Commentador deHorcio, expondo eftas palavras, acha nellas hum particular en-faze i como fe diTefle o Poeta : Sabey , Pises

    ,

    que ha genteinfinita, que imagina na fer vicio

    ,mas fim virtude na Pocfia,

    a fal-

  • Arte Potica. 5

    De membros de animaes de toda a efpecie ,De forte que mulher de bello afpedoEm torpe , e negro peixe remataTe jVs chamados a ver ela pintura ,O rifo fofFrerieis ? Pois comvofcoATentay

    , Pises

    ,

    que a hum quadro delesSe-

    a falta de implicidade,

    e unidade j porque o variar he que caufaefpecial belleza nas compofiqes. Outros ha, que entendem fero tal defeito coufa de muy pouca entidade ; e por iflo ( quai def-confiando da falta de experincia da voTa verde idade ) credie ,credeme

    , ajfentay com'Vofco , e perfuadivos bem do que vos digo , ena deis credito s falfas doutrinas dos mos Poetas. He precifoadvertirmos

    ,que fe bem do verfo vinte e quatro defta Arte fe

    colha, que Horcio filia com os Pises pay , e filhos, com tudodeve-fe entender

    ,que f dirige ella falia , e ainda toda a Epif-

    tola, immediatamente aos filhos, como mancebos, e necelitados

    de inftrucqa, o que na convinha authoridade, e bom gotodo pay. J no tempo do Commentador Porfrio fe entendia iftomefmo, dizendo: Scribit adPifones viros nobiles ^ dejertofque pairem^{^ filios , i;^/, ut aln volunt ^ ad Pifones fratres.

    Pifones : Famlia illuftre de Roma, dividida em vrios ra-mos , cujo tronco era Calpo , filho de ElRey Numa 5 e daquivem o ferem chamados Calpurnios. Commentador houve

    ,que

    efcreveo,que Horcio dirigia a fua Arte a Cneo, e Marco, fi-

    lhos de Cneo Pifa, marido dePlancina, a que fe matou a fi mef-ma

    ,por fer accufada de dar veneno a Germnico. Porm na5

    podem fer eftes os Pises,de que falia o Poeta , afllm porque o

    pay era de hum natural feroz , e violento , fegundo Tcito , oque na concorda com o cara6ter fuave

    ,que lhe d Horcio

    nela Epilola,como porque os filhos no tempo , em que elle

    efcreva, era de muy tenra idade, e por iTo ainda pouco ac-commodada para intruces. De quem falia pois , he dos Pi-ses filhos de Pifa chamado Ce/orno

    ,defcendente do Cenfor L-

    cio Pifa, pay de Calpurnia, mulher de Jlio Cefar. Foy Con-ful com Drufo Libo no anno de Roma 738, c teve grande vali-mento com Augufto, e Tibrio. Veja-fe a Dion , e a Tcito.

    //?/ tabulte fore librum perfimilem : Na fe contenta Horcio. com dizer, que fcmelhante a elle monlro fera toda a obra , emque na houver fimplicidade, e unidade, mas que fera muy feme-

    Ihante,

  • 6 De Arte Potica. **-

    Perfi/nilem, cujus,velut tegriJomnia y van

  • # Arte Potica. 7

    Ser muy femclhante aquelle livro,No qual iddas vs fe reprefentem

    ,

    (Qiiaes os fonhos do enfermo) de tal modo,Que nem ps , nem cabea a huma f formaConvenha. De fingir ampla licenaAo Poeta

    ,e Pintor fempre foy dada :

    AUm he 5 e entre ns tal liberdadePedimos mutuamente , e concedemos j

    Mas

    Tnam refervi pojjt : vel , ut nullum corpris memirum uni form

  • 8 De Arte Potica.Sed non iit placidls coant immitia

    , non ut

    Serpentes avibits geminentiir, tigrihus agnL

    II.

    Inctptis gravihus p/eruwcjiie,O* magna profejjts

    Par-

    engenhofo inventor defta intelligencia-, porm cem annos antes

    delle- a tinha dado ( como j difle ) Pedro Nannio , a quem naallega, como bem lhe moftra o Padre Sanadon.

    Sed non ut placidis coant immitia : Agora he Horcio o que ref-ponde : Se quereis

    , Poetas,que vos d eTa ampla liberdade

    ,

    eu de boa vontade vo la douj mas com a condio, que na ha-veis abufar delia, pertendendo unir o agrefte com o fuave, as fer-pentes com as aves

    ,e os cordeiros com os tigres. Tenho pa-

    ra mim,que Horcio ( fuppofto o exemplo dos Pintores para a

    nimia audcia dos Poetas ) e lembrou das pinturas de grutefco,

    em que a fantaia depravada pinta figuras humanas rematando emfolhagens

    ,ferpentes em troncos

    ,e outras femelhantes extrava-

    gncias, que ainda hoje vemos,

    e que Vitruvio j tanto cenfurano c. f . do liv. 7, , queixando-fe dos que por hum tal modo fo-gem de pintar aquellas verdades regulares

    ,e idas verofimeis

    ,

    para feguirem fantafias monlruofas. A' maneira deftes Pintoresa os mos Poetas : a arte de huns , e outros confifte na imita-qa da natureza > porm em lugar de pintarem o que he , ou ve-rofimilmente pode fer, paTa a abufar da fua arte, occupando-feem pinturas incompativeis, que deftroem ou a verdade , ou a ve-rofemelhanqa. A caufa porque huns taes Poetas pefimamenteaconfelhados pela fua elragada imaginativa , fe afafta dos feusafumptos

    ,pertendendo unir coufas entre fi incompativeis , he

    para moftrarem abundante riqueza de idas diverfas j femelhantesaquelles viandantes, que devendo feguir o caminho direito, fahemfura da elrada, para verem fontes, bofques, e rios. Nos feguin-tes verfos do nolb Poeta temos huma prova

    ,que corrobora o fo-

    bredito,Incoeptis gravihus plerumque

    ,^ magna profejjis : Depois de dar

    o preceito geral,

    pafa ao particular , apontando o exemplo davariedade, que condemna. Quantas vezes , diz elle , em afump-tos fublimes

    ,e maravilhofos defcahe o Poeta efmerando-fe em

    defcrever v. g. hum bofque , o altar de Diana , o curfo do Rhe-no.

  • Arte Toetica. pMas na ha de fer tanta, que fe ajunteAgrele com fuave , e queira unirfeAve a ferpente , cordeirinho a tigre.

    11.

    Commummente a princpios de fi graves,E que tratar promettem grandes coufas

    ,

    B De

    no , o arco Celefte , &cc. ? Semelhantes defcripces fa jufta-mente como os remendos de purpura em hum vellido : fim fade bella vila, mas fa remendos, que nunca ajufta bem com otodo. Nete lugar na poTo deixar de me lembrar de Ariolo:canta elle no leu Orlando a guerra de Carlos, e de Agramante fo-bre Pariz, Argumento grave, e illuftre, ifto he , mcoepis gravi"bus

    ,y magna profejjis j porm efquecido da grandeza dele aTum-

    pto, enche a fua Epopeia de infinitas digrefses, ou tediofas pelaextenfa

    ,ou defconvenientes pela alteraqa da unidade. Algu-

    mas fim fa bellas,

    e agradveis,mas demafiadamente continua-

    das,

    e alheyas da empreza principal , ifto he , cum lucus , ^ ara>Diante^ 3c. j e daqui vem o ferem dignas de reprehenfa

    ,

    por-que na obftante terem alguma belleza

    ,purpreas la qui fplen'

    deat unus,^ alter ajfuitur pannus , o lugar na era prprio para

    fazer otcntaca delias : Sed nunc non erat his locus,fendo f ac-

    commodadas para novellas,ou para poefia Cmica , e Satyrica,

    e na para pica. Fique pois advertido o Poeta principiante, emque a variedade das coufas fim augmenta a belleza potica, e de-leita muito ao leitor j mas ha de fe ufar com arte , e difcriqadefta variedade j de maneira

    ,que paflando-fe a dizer coufas na

    muito necefiarias,nem prprias do argumento

    ,veja-fe

    ,que fe

    falia delias na foradamente, e fem juizo, mas com motivo op-portuno

    ,e conducente matria principal. He terminante a

    doutrina de Vida no liv. 2. da fua Potica.

    ^andoquidem,

    ut varium fit opus [ namque Inde volpiasGraia venit rebus'] non ufque harehis in iifdem.Verum uhi vis animis varius fuccurrere fejjs^Ingrederifque novas fades , rerumque figuras

    ,

    Paulatm capto primis delabere coeptis'Tempore : nec pojitis infit violentia rebus.Omnia [ponte fua veniant , lateatque vagandiDukis amor, cun^am^ue potens labor occulat arfem.

    Cum

  • IO De Arte Potica.Piirptireis

    ,/ate (jui fplendeat , iinus , O* alter

    ^Jitiir pannis f ciim liiciis, ^ ara Diante jE properantis acjiic per amenos amhitus agros

    ,

    Aut fliimen Khenum^ aiit pluvhis dejcrihkiir arcus.Sed mine non erat his locus : O' fortajje cuprejfiim

    ,

    Scisjtmulare, Qiild hoc ? fi frais enatat exjpesNa^

    Cum luciis, 13 eira Diana : Seguindo a Theodoro Marcilio

    ,

    entendo, que Horcio na falia aqui de qualquer bofque, e altarconfagrado a Diana

    ,mas determinadamente do bofque

    ,e altar

    de Diana Ariana,ou Nemorenfe. A raza que teve para ella ef-

    colha 5 era fer o dito bofque ordinrio aTumpto dos Poetas Ro-manos j e at Ovidio o pinta no 3 . dos Fajios.

    Aut flumen Rhenum : Ufamos do epitheto decantado,porque

    fem duvida allude aqui o Poeta s muitas defcripqes do Rhenofeitas por occafia de fe celebrar as vidorias de Augulo no ditolugar 5 e fegundo o feu fatyrico coftume zomba aqui dos mosPoetas 5 lembrando-fe das ditas prolixas defcripces , com quetanto cancava aos leitores.

    Aut pluvius defcribiur arcus i Os ignorantes de Poeia em ten-do occafia de defcrever huma coufa

    ,que os admira, para bem

    a exprimir, parecem-lhe poucas todas as palavras,exprefses

    ,

    e conceitos , e da5 em huns termos ou ta inchados , ou ta ri-dculos

    ,que a affetaa compete com a puerilidade. Ha de

    V. g. defcrever o arco ris , e admirados da belleza , e variedadede fus cores

    ,para exprimir ta bello fenmeno , entendem y

    que fera pouco todo hum Poema inten"o , fem aprenderem daprudente economia de Homero

    ,e Virglio. Ambos tivera cem

    vezes occafia para defcrever o ris , e ambos o fizera fempreem breves claufulas. Virglio na occupa mais que dous veros.

    Ergo ris cruceis per coelum rofcida pennisMille trahens vrios adverfo fole colores

    ^

    AdvolatComo fe parece ilo com as prolixas defcripqes donoTo ManoelThoms

    ,na menos na fua InfuJana

    ,que no feu Fnix da Lufita*

    nia^ occupando oitavas, e oitavas em defcrever coufis, que ape-nas merecia quatro verfos. Nela matria fa intolerveis os

    Hef-

  • Arte Totica. ii

    De purpura remendos fe lhes coze :Como quando fe pinta de DianaO bofque , ou ara , e de hum ribeiro o curfoApreTado

    ,que rega o prado ameno

    ,

    Ou fe defcreve o decantado Rheno ,Ou a ris pluvial. Eftas pinturasAo lugar na convinha : talvez fabesS fingir hum cyprefte , e que vai ifto ?

    Eii Se

    Hepanhoes do feculo paTado. As fus dercrjpc;es de tormofu-ras nunca acaba > quando Virglio fe contentou com dizer :Forma pulcherrima Dido. O valor das fus heronas defcrevem-nopor huma ta longa enumerao de partes , e lhe applica tan-tas comparaqes

    ,que todas as tintas fa poucas para a fua pintu-

    ra > quando Virglio, querendo defcrever o gcnerofo efpirito deDido

    ,aflentou, que bailava dizer ( e oh quanto baila! ) Dux

    femim fa. De Poema fey eu, (na me explico mais) no qualpor incidncia fe defcreve hum Templo , e a boa da defcripqaleva longas elancias, O que mais me admira he, aletar o authoi'delle huma religiofa imitaqa de Virglio , e na5 fe lembrar, queele divino Epico

    ,defcrevendo no 6. da Eneida o Templo de

    Apollo , comprehendeo a defcripa em poucos verfos. Se def-femos liberdade penna, occupariamos muitas paginas em apon-tar os infinitos Poetas, que nele peccado fa reos no tribunal deHorcio.

    Etfortajfe cupreffum : Por diverfo modo entendem ele lugarLambmo

    ,Jafa de Norcs , Francifco Liiiino , Jacob Grifolo ,

    e outros. Tenho para mim,que a interpretao de Dacier he a

    genuna. Qiier dizer Horcio,que nos Poetas principiantes as

    defcripces fa a primeira obra, em que fe enfaya , al'im comonos Pintores o pintar hum cyprefte. Donde tira, que almi com.oo que fabe pintar bem cfta arvore

    ,ainda eft muy longe de fer

    Pintor, por fer muy fcil a dita imitao > allm o que fabe fa-zer huma defcripa palligeira

    ,ainda fe na deve contar no nu-

    mero dos bons Poetas.Si fra6lis enatat exfpes naisihus : De que ferve ao Pmtor prin*

    cipiante faber pintar bem hum cyprefte,

    fe o que fe lhe encom-menda he hum painel

    ,em que fe reprefente hum nuifragante ef-

    capando do mais perigofo naufrgio? Do mefmo iiiodo , de quefer-

  • 12 /De Arte Potica.'NavihiS y
  • Arte Potica. ij

    Se por preo ajuflado te encommendaPintar hum naufragante

    ,que fe veja

    ,

    Roto o baixel, difcria das ondas

    Comeou-fe a formar hum grande vafo,

    E porque hum jarro fahe , fe a roda gyraIII.

    Seja o que fe efcrever hum corpo fimples ,Hum corpo f. Poetas quafi todos(O' pay, e de hum pay tal dignos filhos)

    Co'

    ta5 prCcifa , e recommendada unidade he neceTario advertir aoleitor

    ,que a fabula potica pde ter partes intrinfecas

    ,e ex-

    trinfecas. As intrinfecas , e neceTarias fa aquellas coufas,que

    precifamente concorrem a compolla , bem como os membrosconcorrem para formar o corpo : fe deftas partes tirarmos

    ,ou

    mudarmos alguma, bem fe v, que ficar a fabula ta mudada,e diverfa

    ,como o corpo mudandofe-lhe os membros

    ,que re-

    giamente o compem. Partes extrinfecas, e accidentaes da fabu-la fa aquellas coufas

    ,que f lhe fervem de ornato

    ,aflim como

    no corpo os veftidos,e adornos

    ,os quaes na lhe podem de^

    truir a extrulura : tirada alguma deftas partes, fempre a fabulafica permanecendo inteira

    ,pofto que s vezes fem formofura.

    Eu me explico mais claramente com a fabula de Efgenia: Nef-ta Acca o fer efta infeliz deftinada para facrifcio j o ter deappa-recido de Aulide

    ,e fer levada para terra eftranha > o porfe a fa-

    crificar os eftrangeiros,que chegava ao dito paiz j o chegar a

    ella fe irma5 Oreftes, e finalmente o fugirem ambos da referi-da terra i tudo ifto fi5 partes intrinfecas dela fabula j porm aloucura de Oreftes, o modo da fua chegada

    ,e outras femelhan-

    tes coufas ,^fa partes extrinfecas da acca,

    ifto he, epifodios,e a eftes na fe oppoem Horcio no fobredito preceito

    ,mas fim

    falta de unidade no que conftitue as partes intrinfecas da fabu-la. Sobre efta matria veja-fe o que efcrevemos largamente nanofla yrte Potica.

    Pater, (^ jwvenes : Du-Hamel nas fus notas a Horcio en-

    tende efte lugar contra o commum dos interpretes,que temos

    vifto. D z que por pater fe ha de entender, na Pifa o pay, masEnfiioj como pay dos Poetas Latinos) e que iporjuvenes fe enten-

    dem

  • 14 De Arte Potica.IDedplnnir fpcde rei : Irevis ejfe /ahoro

    ,

    Ohfcurus fio. Seantem levia , nervi'Defi'

    dem os bons Poetas modernos,

    e na os filhos de Pifa,accref-

    centando, que he ignorncia a commua incelligencia, que outrosCommentadores da ; porque Horcio na havia contar no nu-mero dos Poetas , nem informar dos preceitos da Poeia a humhomem como Pifa

    ,j cheyo de annos , e de dignidades. Po-

    rm ns , feguindo a Henrique Glareano , a Francifco Luiino ,Pedro Nannio, e outros, na aceitamos efta interpretaqa. Nafabemos onde Monf. Du-Hamel achou, que Horcio nefta paTa-gem alludia a Ennio : o verfo que aponta do mefmo Poeta :

    Ennius ipfe pater numquam nifi potus ad armaProjiluit diceva

    ,

    bem fe v,

    que na prova mais,fena que a Ennio por Poeta

    antigo lhe dava o nome de Pay. Se fe encollou authoridadede Acron , delia na fe colhe fena

    ,que Horcio entendeo pa-

    ter por mejire , tjuvenes por difcipulos ; o que na deve fazer pe-20 5 porque Acron he muy pouco coherente nas fus interpreta-es, como j advertio o referido Glareano. Itaque ad pairem Lu-cium Pifonem , ac ejus filios fatis ciarei ex feqiientibus Poet^ verhis >pater, c juvenes patre digni: ubi inepte meo judicio Acro exponit

    ^

    niagiler , c difcipuli. Ab initio autem hujus Operis idem exponit ^ad patrem , & ilium , vel , ut alii dicunt , ad fratres. Hac tile :adeo nihil apud hunc certi efi. Ultimamente , na defprezando a in-terpretao de Du-Hamel , feguimos a corrente dos melhores il-luftradores de Horcio

    ,que apontmos , e alm deftes a Jacob

    Cruquio,que claramente diz afllm na expofica deite lugar :

    Rft apofiropba ad Pifones , ^ ordo efi: O' pater ^ ^ juvenes patre di-gni

    ^ nos mxima pars vatu?n decipimur fpecie redii^ i^c. Donde fe vcontra o Commentador Francez

    ,

    que Horcio aqui na pertendeinformar a Pifa o velho dos preceitos poticos, nem ainda im-mediatamente a feus filhos : o que faz he moftrarlhcs cm apotro-fe o quanto a mayor parte dos Poetas fe engana com a apparen-cia do bom j e ito na he querer inftruir a hum homem velho >he fallar com elle

    ,como a pcToa a quem dirigia a fua obra.

    Decipimur fpecie rei : Para captar a benevolncia dos leito-res

    , conta-fe Horcio no numero daquellcs Poetas , que fe enga-na com a imagem do bom. Jacob Grifolo commcntando ellaspalavras diz, que o Poeta pala aqui a difcorrer fobre a parte doscotumes, e da fentenca ; mas enganou-fe, como bem nota Lam-bino, e Dacier. Horcio na pertende dar aqui hum novo precei-

    to,

  • Arte Toetica. i>

    Co' apparencia do bom nos enganamos.Se fao por fer breve , fico efcuro j

    O queto j mas im a geral raza dos defeitos

    ,

    que deixa apontados. Dizpois, que nas obras da arte coftuma haver grande engano , allu-cinando-nos o mo com a apparencia do bom -, ilo he, entendehum Poeta

    ,que com huma defcripqa faz bella , e pompofa a

    fua obra, e muitas vezes deita-a a perder. Ela interpretao heque tenho por genuina. Daqui fe tira tambm por confequenciaquanto he difficil o eftudo potico, pois quando queremos fugirde hum perigo, encontramos logo com outro.

    Brevis ejje laboro , ohCcurus fio : Por na molrar arrogncia ,torna a pr em i os defeitos de que trata, para com ela modef-tia introduzir melhor a fua doutrina. Jafa de Nores diz, queHorcio confeTa aqui ingenuamente a efcuridade do feu eftylo,por amar muito a brevidade , como confeTava CraTo , fegundoCicero : Hoc vdeo

    ,dum brsviter i-oluerim dicere , diBum me eJje

    paul obfcurius. O certo he,

    que a brevidade no dizer im he hu-ma das melhores bellezas

    ,que pode ter o difcurfo, mas bellezas,

    que facilmente perdem todo o feu brio com a efcuridade. Deftevicio he arguido Tucidedes entre os Gregos , e Perfo entre osLatinos. A Poefia de Hefpanha no feculo puTado quai que to-da adoecia do mefmo mal

    ,que como contagiofo paTou tambm

    a ns, e inficionou a infinitos Poetas j mas prefentemente o nofrfo Parnafo j refpira ar mais faudavel. A brevidade digna de lou-vor

    ,e que Horcio recommenda

    ,he aquella a quem fempre

    acompanha a clareza, a que na ufa de palavra, que na feja ne-celaria, nem de termos ociofos, e exuberantes, mas fomente dosprecifos. Os principaes exemplares defta virtude fa Cefar, Ci-cero

    ,efpecialmente no tratado de Somnio Sciponis

    ,e o grande

    Virglio. Todos eles fe explica com a mayor brevidade j po-rm de modo

    ,que ningum deixa de os perceber. A eles mef-

    tres fcguira na profa,

    e no verfo o noTo Jacinto Freire , e Fr.Bernardo de Brito j Vieira nas Cartas

    ,quanto foffre a matria 5

    Fr. Luiz de Soufa na profa, e fobre todos Diogo Bernardes em

    fus Poefias,

    e Duarte Ribeiro na Fida da Imperatriz 'Theodora,

    obra nele gnero de fummo merecimento.Se^antem levia^ nervi deficiunt : A cada virtude anda junto o

    feu vicio. O Poeta,que quer dar aos feus verfos

    ,e exprefses

    grande forca,

    arrifca-fe a parecer arrogante,

    e a moftrar,que

    tem Mufa grofeira j pelo contrario o que nimiamente cuida empolir as fus obras

    , bufcando a muita delicadeza,cahe infenfi-

    velmente

  • i6 De Arte Potica.

    Veficunt , animigue : profejjiis grandia , tiirget :

    Qui

    velmente na froxida. Sobre ele ponto affim efcrevia o noflb ju-diciofo Antnio Ferreira a feu amigo o fuaviflimo Bernardes :

    Mas diligente a lima ajjim reforme"Teu verfo^ que na entre pelo fa ^Tornando

    ,em vez de ornallo

    ,enta disforme,

    O vicio,que fe d ao Pintor

    ,

    que a maNadfabe erguer da tahoa

    ,foge j a graa

    'Tira5 quando alguns cuidab , que a mais da.

    Roendo o trifie verfo como traa^

    Sem fangue o deixa,fem efpirto , e vida i

    Outro o parto fem forma traz praa.Ha nas coufas hum fim , ha tal medida

    ,

    ^e quanto pajfa , ou falta delia he vicie 5He nece[faria a emenda bem regida.

    Neceffario he ( confejfo ) o artificio ,Mas affeitado j empece tenra plantaO muito mimo

    ,o muito beneficio.

    A^s vezes o que vem primeiro,tanta

    Natural graa traz,que huma das nove

    Deojas parece,que o infpira , e canta.

    Daqui fe tira,que a aFetaa de nimiamente polir as obras hc

    caufa de as deixar fem efpirito,

    e fubftancia. Temos ( fegundoISIores) hum claro exemplo na Ode de Petrarca, que principia:

    ^mor mloa poflo como fegno alfirale^ (j'c.

    Nella obfervar o leitor hum polimento ta eludado , e excefli-vo, que lhe parecer a dita Poefia como hum corpo defanimado.Pelo contrario em outra, que comea:

    Rott' Palta colona,

    " 7 verde lauro,i^c.

    Ver hum eftylo ornado,e polido

    ,mas igualmente robufto

    ,

    maneira daquella na menos ornada,que nervofa defcripqa de

    yirgilio no 6. da Eneida.

    Principio coelum,ac terras

    ^ campofque liquentcs^Lucentemque globum Lunce

    ,lytaniaque afira

    Spiritus intus alit,(^c,

    Pou-

  • Arte Totica. 17

    O que fe cana em nimio polimento ;Perde a fora, e furor j o que fe eleva,

    PaTa de fer fublime a fer inchado jC E

    Pouco he precifo para conhecer, que neles verfos ha tanta deh-

    cadeza, e ornato, como efpirito, e grandeza , virtudes familiare^

    do grande pico Latino, por quem fe deve ler fempre, para naofe cahir no vicio apontado por Horcio.

    Profejfus grandia turget : Qiiando pretendemos fallar com ter-mos fublimes, he fummamente diicil , na cahirmos em expref-ses inchadas 3 porque a affeftaa he o vicio , que eft prxi-

    mo grandeza no dizer. Jacinto Polo, celebre fautor da viciofa

    grandiloquencia,nas fus Academias chamou guia ao gyrafolj

    G penfamento dos montes appellidou Anaya ao gamo j' porm o Prn-cipe de Ligne no Panegyrico a ElRey D. Pedro ainda diTe mais,chamando-lhe penfamento com pelle. Qiiem tem lia dos Poetasdo feculo paflado

    ,bem fabe quanto he nelles vulgar chamar ao

    Sol ardente corao do Ceo,a hum rio ferpente de prata , ao orva-

    lho da aurora lagrimas das eftrellas , e outras femelhantes ndicula-rias

    ,cahindo neles defpenhadeiros

    ,

    quando pretendia fubir.Entre os antigos na falta exemplos femelhantes a eles , efpe-cialmente em Elacio

    ,e Lucano. A elles feguem fempre , (ou

    dizendo melhor ) adianta-fe nos atrevimentos poticos o noToBotelho no feu Alfonjo , Henriques Gomes no Sanfon Nazareno ,e outros, que os de bom gofto bem conhecem j Poetas , que da-ria largo aTumpto cenfura de Horcio , fe viveTem na iiaidade. Convm por ultimo advertir aos principiantes

    ,

    que a in-flao, de que o Poeta falia nefte lugar, pode proceder de mui-tos

    , e diverfos princpios , como v. g. de conceitos hyperboli-cos, em que muitas vezes pecca o Ariollo , ou de contextura devozes

    ,que faca(5 hum numero potico nimiamente atrevido , ou

    tambm de perifrafes muito efquadrinhadas , de metforas muyfrequentes, de epithetos multiplicados, e de comparaes amiu-dadas. Igualmente pde nafcer humas vezes de repeties dehuma mcima coufa por diverfos modos

    ,outras de ufo de vozes

    novas, ou antigas,ufando-fe delias fem economia , e fem juizo.

    Qiicm fobre efta matria quizer larga inlruca,la o eftimadif-

    imo tratado o Sublime^que efcreveo Longino , e o P.Bouhurs

    na Maniere de bien pcnfer.

    Serpit

  • i8 De Arte Potica.Serpit hiimi tutus nimium

    , timidufijue procdl^,

    Qui variare cupit rem proigialiter unam^Delphinum fyhJs appingit

    ,Jiuihus aprum \

    In Vtium ducit culpaefuga^Ji cavct arte.

    IV.

    'MmUtumcirca lunm fahcr imus ,

  • Arte Pcetica. 19

    E quem por hir feguro , teme exporfeA ventos rijos , pelo cha fe arraftra.Todo o que por hum modo muito elranhoVaria aTumpto fimples , reprefentaNas aguas javali , delfim nos bofques.

    Por fugir de huma falta , a cada palToVem em outra a cahir

    ,quem na5 tem arte.;

    IV.

    No fim do circo, junto efo^rima Emlia,C ii Sey

    tura potica 5 mas miferavelmente fe engana -, porque defte mo-

    do na pintaG fena5 monftruodades j hum delfim nos bofques ,e hum javali nas ondas. Pde fer, que Horcio para efta expre-fa fe lembraTe do Epigram.ma

    ,que lemos no liv. 7. da Antho-

    logia, fegundo a traduca,que traz Theodoro Marfilio :

    Per juga frondofi ludet delphin Erymantbi ,Cewus

    ^ (^ incanis fluElibus i?i pelagi.In vitum ducit culpa fuga : O medo de cahirmos em hum vicio

    nos defpenha em outro mayor, que hiamos a evitar. Queremosfugir V. g. de huma uniformidade falidiofa, e vimos a cahir emhuma milura de coufas difparatadas , e monftruofas ; e a caufadi-to na he outra , fena a de efcrevermos , fem nos gu.armos pe-los preceitos da arte j pois f ela he , que nos pode enfinar osmeyos de fugirmos de taes vicios. Haja no Poeta (como diz Da-cier ) varias imagens , e defcripces \ mas de modo , que tudofe encaminhe a formar huma bella uniformidade : maneira doris

    ,que tem mil diferentes cores

    ,porm he imperceptivel a

    paTagem de huma para outra j de forte, que a vifta na pde al-canar a unia de huma cor com outra.

    jEmilium circa ludum faber imus : Depois de tratar Horcioda inveno montruoli

    ,e da locuca conveniente

    ,

    paTa agora

    a fallar da difpofia das partes do Poema , e vem a confiftir ef-ta, em que as ditas partes fe una, e fe liguem entre fi , de ma-neira, que de todas ellas refulte hum todo perfeito. Ariofto neP-ta matria he juftamente reprehendido j porque as partes do feuPoema li ta faltas de unia entre i

    ,

    que fazem perder a m.e-moria

    ,e o gofto do leit