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s microrganismos do Domínio Archaea sªo considerados œnicos, com propriedades metabólicas extraordinÆrias e filogenia particular. Compreendem os microrganismos anaeróbios mais sensíveis ao oxigŒnio, os termófilos mais extremos e halófilos cujas enzimas sªo adaptadas a elevadas concentraçıes salinas. Apesar da organizaçªo celular procariótica, sªo organismos evolutivamente distintos das bactØrias (Domínio Bacteria), em funçªo de características de organizaçªo do genoma, expressªo gŒnica, composiçªo celular e filogenia. As Archaea sªo divididas em trŒs Reinos: Crenarchaeota, Euryarchaeota e Korarchaeota. O conhecimento da filogenia e taxonomia do Domínio Archaea Ø fundamental na compreensªo da ecologia microbiana de ecossistemas extremos. Os estudos taxonômicos ainda sªo raros, com um notÆvel direcionamento para as espØcies anaeróbias produtoras do gÆs metano, de ampla aplicaçªo em tratamentos anaeróbios de resíduos e geraçªo de biogÆs. Os dados existentes sobre Archaea no estado de Sªo Paulo restringem-se ao isolamento e identificaçªo de organismos metanogŒnicos presentes em sistemas de tratamento anaeróbio e sedimentos. Nªo existem registros de isolados do Domínio Archaea caracterizados a nível de espØcie de linhagens em coleçıes de culturas brasileiras. Nœmero de espØcies No mundo: 108 No Brasil: ? Conhecidas no estado de Sªo Paulo: 4 Estimadas no estado de Sªo Paulo: ? Arqueas DOM˝NIO ARCHAEA Methanosphaera sp. * Methanosphaera sp. * REINOS CRENARCHAEOTA, EURYARCHAEOTA E KORARCHAEOTA REINOS CRENARCHAEOTA, EURYARCHAEOTA E KORARCHAEOTA Foto: SØrgio Fernando Larizzatti * Micrografia eletrônica de varredura de cØlulas procarióticas metanogŒnicas de um biodigestor anaeróbio.

Arqueas

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s microrganismos do Domínio Archaea são considerados únicos, compropriedades metabólicas extraordinárias e filogenia particular.Compreendem os microrganismos anaeróbios mais sensíveis ao oxigênio,os termófilos mais extremos e halófilos cujas enzimas são adaptadas a

elevadas concentrações salinas. Apesar da organização celular procariótica, são organismosevolutivamente distintos das bactérias (Domínio Bacteria), em função de características deorganização do genoma, expressão gênica, composição celular e filogenia. As Archaea sãodivididas em três Reinos: Crenarchaeota, Euryarchaeota e Korarchaeota. O conhecimento dafilogenia e taxonomia do Domínio Archaea é fundamental na compreensão da ecologiamicrobiana de ecossistemas extremos. Os estudos taxonômicos ainda são raros, com umnotável direcionamento para as espécies anaeróbias produtoras do gás metano, de amplaaplicação em tratamentos anaeróbios de resíduos e geração de biogás. Os dados existentessobre Archaea no estado de São Paulo restringem-se ao isolamento e identificação deorganismos metanogênicos presentes em sistemas de tratamento anaeróbio e sedimentos.Não existem registros de isolados do Domínio Archaea caracterizados a nível de espécie delinhagens em coleções de culturas brasileiras.

Número de espéciesNo mundo: 108

No Brasil: ?Conhecidas no estado de São Paulo: 4

Estimadas no estado de São Paulo: ?

Arqueas

DOMÍNIO ARCHAEA

Methanosphaera sp. *Methanosphaera sp. *

REINOS CRENARCHAEOTA,EURYARCHAEOTA E

KORARCHAEOTA

REINOS CRENARCHAEOTA,EURYARCHAEOTA E

KORARCHAEOTA

Foto: Sérgio Fernando Larizzatti

* Micrografia eletrônica de varredura de células procarióticas metanogênicas de um biodigestor anaeróbio.

DIVERSIDADE NO DOMÍNIO ARCHAEA

ROSANA FILOMENA VAZOLLER1,2, GILSON PAULO MANFIO1 &VANDERLEI PEREZ CANHOS3

1Coleção de Culturas Tropical (CCT), Fundação André Tosello,Rua Latino Coelho, 1301, 13087-010 Campinas, SP, e-mail: [email protected]

2Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São PauloAv. Dr. Carlos Botelho, 1465, 13560-970 São Carlos, SP, e-mail: [email protected]

3Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)Rua Professor Zeferino Vaz, s/nº, 13081-970 Campinas, SP, e-mail: [email protected]

1. Introdução

Os recentes estudos sobre filogenia, baseados na análise de seqüências do ácido ribonucléico ribossomal(RNAr), revelaram que a vida na Terra é dominada pelos microorganismos. São três as divisões que definem aorganização filogenética atual dos seres vivos, os Domínios Bacteria, Archaea e Eukarya. Os dois primeirosDomínios compreendem os organismos constituídos por células procarióticas e o último engloba aqueles formadospor células eucarióticas (Sly, 1998).

O Domínio Archaea é caracterizado por microrganismos procarióticos evolutivamente distintos dosorganismos alocados no Domínio Bacteria (Adams, 1995). Uma grande variedade de Archaea possui metabolismoanaeróbio obrigatório, enquanto que outras espécies são encontradas em ambientes extremos, tais como fontesgeotermais, hábitats com elevada salinidade, solos e sistemas aquáticos altamente ácidos ou alcalinos. Pode-sedizer que certas espécies de Archaea definem claramente os limites de tolerância biológica nos extremos físicose químicos da vida na Terra.

O Domínio Archaea consiste de três divisões, representadas na Figura 1: Crenarchaeota, que contém asArchaea redutoras de enxofre hipertermófilas; Euryarchaeota, que compreende uma grande diversidade deorganismos, incluindo as espécies metanogênicas, as halófilas extremas e uma espécie hipertermófila; eKorarchaeota, uma divisão descrita mais recentemente, que engloba organismos hipertermófilos pouco conhecidos,ainda não cultivados em laboratório. A Figura 1 mostra a árvore filogenética de Archaea, baseada na comparaçãode seqüências do RNAr 16S (Madigan et al., 1977; http://www.prenhall.com/~brock).

Várias espécies de Archaea são quimiorganotróficas, utilizando diferentes compostos orgânicos comofonte energética para seu crescimento. É usual a ocorrência em Archaea de vias metabólicas semelhantesàquelas encontradas em organismos do Domínio Bacteria. Como exemplo disto há o fato de que o catabolismoda glicose em halófilas extremas e hipertermófilas se processa, basicamente, pela via de Entner-Doudoroff.Entretanto, alguns organismos apresentam vias bioquímicas raras, como as células metanogênicas, que, atravésde sistemas enzimáticos únicos, produzem o gás metano. O metabolismo autotrófico é bastante usual entre asmetanogênicas e em muitos hipertermófilos (Sowers, 1995; Madigan et al., 1997).

Os organismos halófilos extremos habitam locais hipersalinos, geralmente em regiões quentes e secas queestimulam a evaporação, com conseqüente aumento na concentração de sais na água, sedimentos e solo. Diversoshábitats hipersalinos têm servido como fonte para estudos de organismos que se desenvolvem em altas concentraçõesde íon sódio, da ordem de 105-142 g/L (água do mar = 10.6 g/L), como o �Great Salt Lake� (Utah, EUA), �lagos desoda� (África e Austrália) e o Mar Morto (este último com 40 g/L de íon sódio e 44 g/L de magnésio).

As Archaea metanogênicas, por sua vez, são amplamente distribuídas na natureza em ambientes anóxicos,cujos potenciais de oxi-redução são da ordem de �300 mV, tais como: sedimentos aquáticos profundos, pântanos,trato digestivo de ruminantes e animais homeotérmicos, biodigestores anaeróbios de tratamento de resíduos eaterros sanitários.

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A diversidade de Archaea hipertermófilas pode ser observada em ambientes geotérmicos: gêisers, fendasde vulcões com emissão de vapores (em geral sulforados) e fendas no leito oceânico. Os hábitats mais comumenteestudados localizam-se em países com focos de atividade geotérmica, como os Estados Unidos (notadamente,no Yellowstone National Park; Combie & Runnion, 1996), Islândia, Itália e Nova Zelândia (Oremland, 1988;Vazoller, 1989; Madigan et al., 1997).

Em 1995, Carl R. Woese apresentou suas impressões sobre o surgimento do novo Domínio Archaea, emfinal de 1977. O autor registrou que o aparecimento repentino das Archaea (inicialmente denominadasArchaebacteria, Archeobacteria ou Archeote) - negando dogmas da Biologia, como a divisão dos seres vivos emeucariontes e procariontes, de acordo com a presença de núcleo organizado e maquinaria genética - ocasionouuma revolução na classificação dos organismos, pois surgia uma �terceira forma de vida�, cuja estrutura celularé procariótica, mas, em nível molecular e genético, guarda grandes semelhanças com organismos eucarióticos. Anoção de dicotomia da vida entre eucariontes e procariontes, que ainda domina a Biologia e influencia, emparticular, a percepção sobre o grupo Archaea, está sendo lentamente revista por grupos atuantes em microbiologia.A diversidade e biologia das Archaea representam uma enorme contribuição à compreensão da Ecologia Microbiana(Woese, 1995).

Os membros do Reino Crenarchaeota apresentam a ramificação mais profunda na árvore fiologenéticauniversal, representados por organismos dos gêneros Desulfurococcus, Pyrodictium, Sulfolobus, Thermococcus, Thermofilume Thermoproteus. Em seguida, observam-se os grupos de Euryarchaeota, extremamente diversos, incluindoArchaeoglobus spp., os halófilos extermos Halobacterium spp. e Halococcus spp., os metanogênicos Methanobacteriumspp., Methanococcus spp., Methanosarcina spp., Methanospirillum spp. e Methanothermus, além das metanogênicas halófilas.Os organismos termo-acidófilos do gênero Thermoplasma, caracterizados pela ausência de parede celular,representam um grupo distinto associado aos Euryarchaeota. Methanopyrus sp., um metanogênico hipertermófilo,capaz de se desenvolver a 110 °C, se encontra bastante próximo ao ponto de radiação de Crenarchaeota eEuryarchaeota. O Reino Korarchaeota, descrito mais recentemente, engloba organismos hipertermófilos poucoconhecidos, identificados a partir de seqüências de rDNA 16S isoladas de fontes termais terrestres, porém aindanão-cultivados em laboratório.

Na prática, as Archaea são estudadas e agrupadas de acordo com o seu metabolismo e fisiologia, sendoalocadas em diversos grupos, como: as metanogênicas, os halófilos extremos (ou hiperhalófilos) e os termófilosextremos (ou hipertermófilos). Sem dúvida, as espécies de Archaea mais conhecidas são as metanogênicas, cujaclassificação taxonômica molecular data de 1979, realizada por Balch e colaboradores (Balch et al., 1979).Provavelmente, pela facilidade de estudos de ambientes anóxicos, ou mesmo pela sua importância em saneamentoambiental, existem cerca de 66 espécies de metanogênicas descritas, em contraste com aproximadamente 24espécies de hipetermófilas e 18 de halófilas extremas (Sowers, 1995; Adams, 1995; Madigan et al., 1997). Contudo,o número de novas espécies descritas nestes dois últimos grupos vem aumentando, em razão do crescenteinteresse em estudos da diversidade de Archaea em novos ambientes, que empregam metodologias molecularespara a identificação dos organismos através de DNA extraído diretamente das amostras.

Os organismos do Domínio Archaea apresentam uma ampla diversidade metabólica e distribuição emhábitats considerados inóspitos aos demais seres vivos. Pouco se sabe, porém, sobre sua importância funcionalnestes ecossistemas e sobre a atuação dos mesmos nos processos biogeoquímicos em ambientes não extremos.Além disso, em termos tecnológicos, as descobertas de novos produtos microbianos gerados em ambientesextremos (e.g., enzimas extremófilas) realça o potencial de exploração deste grupo de organismos como fonte denovas alternativas para a Biotecnologia.

O emprego dos organismos metanogênicos em saneamento ambiental é amplamente conhecido e busca amineralização anaeróbia da matéria orgânica. Porém, as perspectivas se ampliam de forma marcante, por exemplo,na bioprospecção de enzimas resistentes a condições extremas (e.g., temperaturas da ordem de 80-100°C) presentesem Pyrococcus spp., Thermococcus spp., Thermofilum spp. e Thermoproteus spp. (Vazoller, 1995).

Em pesquisa básica e Biotecnologia, podem ser relacionadas outras aplicações de Archaea, tais como: amanipulação genética de moléculas termoestáveis e a produção de compostos químicos e combustíveis (biogáse álcool). Considerando-se que os bioprocessos de Archaea ocorrem sob temperaturas, salinidade e/ou pH

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marcadamente superiores aos dos organismos comumente empregados em biotecnologia, estes seriam extremamenteatraentes para o desenvolvimento de novas tecnologias. Uma gama diversa de substâncias de interesse industrialpode ser produzida pelo metabolismo termófilo extremo: ácidos orgânicos, vitaminas, aminoácidos, antibióticose produtos bioativos (e.g., estimuladores de crescimento de tecido celular). Algumas Archaea, como Sulfolobusspp., podem processar reações de biotransformação estereo-específicas em moléculas de hidrocarbonetos(Vazoller,1995).

No estado de São Paulo, registra-se algum conhecimento sobre Archaea metanogênicas. As pesquisasoriginais, voltadas principalmente para aplicações tecnológicas, estão descritas em relatórios internos da Companhiade Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), em sua maioria coordenados porGregori (1979-1980) e Novaes (1982-1988), e em dissertações e teses de Mestrado e Doutorado do Departamentode Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos (USP). Publicações técnicas sobre operaçãode biodigestores anaeróbios reforçam o interesse da indústria pelo tema (Souza et al., 1991). Os trabalhos sobreArchaea metanogênicas relacionados no estado de São Paulo são descritos por Badra (1993), Vazoller (1989,1995, 1997) e Vazoller et al. (1988).

Figura 1. Árvore filogenética do Domínio Archaea, baseada na comparação de seqüências do RNAr 16S(baseada em Madigan et al., 1997 � http://www.prenhall.com/~brock).

Figura 1. Árvore filogenética do Domínio Archaea, baseada na análise de seqüências do RNAr 16S (baseada em Madiganet al., 1997; http://www.prenhall.com/~brock).

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2. Diversidade

Archaea Halófilas Extremas:É um grupo de organismos que habita ambientes altamente salinos, como: lagoas com elevada concentração

salina (e.g., Ca, Mg, Na) ou mesmo a superfície de alimentos preservados por salmora. Os hábitats das Archaeahalófilas extremas são denominados hipersalinos e as espécies em cultivo laboratorial podem requerer entre 1,5e 4 M de NaCl para crescimento. A concentração elevada de sódio é essencial para a manutenção da estabilidadeda parede celular em alguns organismos, como em Halobacterium spp. (Madigan et al., 1997), por exemplo.

Dentre os ambientes naturais hipersalinos mais estudados encontram-se os sistemas lacustres com salinidadeao redor de 10 vez a da água do mar, com predomínio de sais de sódio e presença de sulfatos e pH ligeiramentealcalino. As espécies halófilas extremas são, em geral, quimiorganotróficas aeróbias obrigatórias, com rarosrepresentantes halófilos anaeróbios. Podem ainda apresentar a propriedade de síntese de energia mediada pelaluz, na ausência de bacterioclorofilas, através da ação de bacteriorodopsinas (Madigan et al., 1997).

As espécies de Archaea hiperhalófilas são classificadas filogeneticamente em 8 gêneros e 18 espécies,através da seqüência do RNAr 16S e de características morfo-fisiológicas (composição de parede celular, presençade flagelos, coloração de Gram, tolerância à salinidade, plasmídeos e conteúdo de G+C do DNA). São descritosos gêneros: Haloarcula, Halobaculum, Halobacterium, Halococcus, Haloferax, Halorubrum, Natronobacterium e Natronococcus(Staley et al., 1989; Madigan et al., 1997). Os organismos apresentam, na sua maioria, morfologia celular em formade cocos e bacilos. Os ambientes mais estudados localizam-se em zonas hipersalinas de regiões temperadas,como os lagos salgados em Utah e na Califórnia (EUA), bem como o Mar Morto.

Archaea Metanogênicas:As Archaea metanogênicas são microorganismos anaeróbios obrigatórios, que requerem condições anóxicas

de crescimento, e altamente redutoras, com potenciais de oxi-redução na ordem de �300 mV (Sowers, 1995).Provavelmente, a característica mais evidente das metanogênicas está relacionada com sua especificidade

de substratos para crescimento e produção de metano. São conhecidos até o momento dez substratos para ametanogênese: formiato, monóxido de carbono, metanol, 2-propanol, aminas metiladas, dimetilsulfeto,metilmercaptanas e acetato, sendo universal o dióxido de carbono, que necessita de hidrogênio como doador deelétrons.

Os metanogênicos apresentam metabolismo quimiorganotrófico ou autotrófico. Apesar de requereremcondições fastidiosas para crescimento e anaerobiose obrigatória, esses organismos são amplamente distribuídosna natureza, sendo encontrados em diversos ambientes associados à decomposição de matéria orgânica e/ouatividades geoquímicas. As arqueas metanogênicas atuam no passo final de consórcios microbianos presentesem sedimentos aquáticos, pântanos, gêisers, interior de árvores e sistemas de tratamento de resíduos, comobiodigestores anaeróbios e aterros sanitários. Sob o ponto de vista ecológico, o metabolismo metanogênico édependente da presença de outros microorganismos, cuja atividade no meio anaeróbio gera os precursores paraa metanogênese (Vazoller, 1995).

As Archaea metanogênicas representam um grupo de microrganismos polifilético, compreendendo 3 Ordens,com 8 Famílias e 21 gêneros. Apresentam morfologia comum às células procarióticas, com forma de bacilos dediferentes tamanhos, cocos, sarcinas e filamentos. Algumas representantes apresentam propriedade de coloraçãoGram-positiva e outros Gram-negativa, sendo a taxonomia baseada essencialmente em métodos moleculares,através da comparação de seqüências do RNAr 16S. Análises morfo-fisiológicas facilitam a classificação primáriaem nível de gênero.

A Ordem Methanobacteriales compreende a Família Methanobacteriaceae, com os gêneros Methanobacterium,Methanobrevibacter e Methanosphaera, contendo 18 espécies; e a Família Methanothermaceae, com o gênero Methanothermuse duas espécies. A Ordem Methanococcales congrega as Famílias Methanococcaceae, gênero Methanococcus, com7 espécies; Methanomicrobiaceae, com os gêneros Methanoculleus, Methanogenium, Methanolacinia, Methanomicrobiume Methanospirillum, com 13 espécies; Methanocorpusculaceae, gênero Methanocorpusculum, com 5 espécies;Methanoplanaceae, gênero Methanoplanus, com duas espécies; Methanosarcinaceae, com os gêneros Methanococcoides,

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Methanohalobium, Methanohalophilus, Methanolobus, Methanopyrus, Methanosaeta, Methanosarcina; e Methanothrix, com19 espécies (Sowers, 1995).

A bioquímica da formação de metano é encontrada apenas nas Archaea metanogênicas. A metanogênese éuma reação que proporciona um fluxo de prótons nas células e pode suportar um mecanismo quimiosmótico deprodução de energia e ATP. A produção de metano pode, portanto, ser encarada como um marcador taxonômicopara a identificação de Archaea. Alguns dos microrganismos apresentam fluorescência sob iluminação ultravioletadecorrente da presença do cofator F

420 (Oremland, 1988; Vazoller, 1995).

Archaea Hipertermófilas:A divisão Crenarchaeota compreende microrganismos capazes de crescer em temperaturas extremas (e.g.,

acima do ponto de ebulição da água, com ótimo acima de 80 ºC), conhecidos como hipertermófilos. Estesorganismos foram inicialmente observados em amostras de solos e águas geotermais contendo enxofre elementare sulfetos. Posteriormente, os primeiros microrganismos hipertermofílicos foram isolados de comunidadesmicrobianas em fendas termais vulcânicas no leito oceânico, sob temperaturas de 100 °C. Essas descobertasculminaram com a descrição do Domínio Archaea (Adams, 1995).

Os hipertermófilos são, em sua maioria, anaeróbios obrigatórios, quimiorganotróficos ou quimiolitotróficos,que, de alguma forma, utilizam compostos de enxofre no seu metabolismo. O estudo de uma variedade dehábitats terrestres e aquáticos resultou no isolamento de diversas espécies hipertermófilas, com morfologiapeculiar, em geral esféricas e irregulares, ou mesmo organismos com ausência de parede celular (Thermoplasmaacidophilum). A taxonomia das espécies é baseada em métodos moleculares (análise de seqüência do RNAr 16S),fisiologia (crescimento sob diferentes temperaturas e pH), morfologia celular, coloração de Gram e conteúdo deG+C do DNA.

A classificação dos hipertermófilos compreende organismos distribuídos em pelo menos 4 Ordens. AOrdem Thermoproteales engloba a Família Thermoproteaceae, com os gêneros Pyrobaculum, Thermofilum eThermoproteus, isolados de áreas geotérmicas continentais, e a Família Desulfurococcaceae, com os gênerosDesulforococcus, Pyrodictium, Staphylothermus e Thermodiscus, isolados de regiões marinhas geotérmicas profundas enão profundas. A Ordem Thermococcales, com os gêneros Pyrococcus e Thermococcus, compreende organismosisolados de ambientes marinhos profundos e não profundos. A Ordem Sulfolobales, com os gêneros Acidianus,Desulfurolobus, Metallosphaera, Stygiolobus e Sulfolobus, apresenta organismos isolados de ambiente marinhos nãoprofundos e águas continentais.

Organismos do gênero Thermoplasma, Ordem Thermoplasmatales, isolados de áreas geotérmicas continentais,apesar de apresentarem temperatura máxima de crescimento ao redor de 67 ºC, são considerados, para estudo,junto ao grupo dos hipertermófilos (Adams, 1995). Existem ainda alguns organismos não classificados, isoladosde ambiente marinho não profundo e profundo, incluindo-se neste grupo os organismos do gênero Hyperthermus(Adams, 1995).

As Archaea hipertermófilas redutoras do íon sulfato são alocadas no gênero Archaeoglobus e as Archaeahipertermófilas metanogênicas, nos gêneros Methanococcus, Methanopyrus, Methanothermus (Adams, 1995). Assimcomo os demais gêneros de hipertermófilos, estes organismos também são isolados de ambientes marinhosgeotermais.

Os organismos dos gêneros Thermotaga e Aquifex, filogeneticamente alocados no Domínio Bacteria, são, emgeral, estudados em conjunto com as Archaea devido ao seu hábitat marinho hipertermófilo.

3. Estado do conhecimento

A existência de um terceiro Domínio de seres vivos, Archaea, suscitou indagações da comunidade científicasobre a sua evolução, biologia e papéis ecológicos. Muito embora este grupo de microrganismos apresente umagrande diversidade metabólica, um ponto comum é indiscutível, a sua ocorrência em hábitats com extremos detemperatura e pH, salinidade elevada e anaerobiose estrita. As condições iniciais de formação da Terra certamentepossibilitaram o surgimento das Archaea, representadas, por exemplo, pelos hipertermófilos e metanogênicos

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utilizadores de hidrogênio. Contudo, é certo que a história da evolução dos seres vivos no planeta está relacionadaao Domínio Archaea, fato evidenciado pelo parentesco filogenético entre Archaea e Eukarya (Adam, 1995;Sowers, 1995; Woese, 1995).

Relatos sobre Archaea na literatura são concentrados em estudos conduzidos em regiões temperadas doglobo, sendo ainda incipientes os estudos em regiões tropicais. Na América Latina, países como Brasil, Colômbia,México e Uruguai destacam-se no conhecimento sobre as Archaea metanogênicas em biorreatores anaeróbios(diversos trabalhos citados no Anais dos Simpósios Internacionais de Digestão Anaeróbia, 1988 e 1991).

Em especial, no Brasil, foram desenvolvidos dois programas de formação de recursos humanos paraestudo da biologia de microorganismos metanogênicos. Em 1982, um projeto conduzido pela Sociedade Brasileirade Microbiologia na Universidade de São Paulo promoveu o treinamento de cerca 50 profissionais sobremicroorganismos presentes em processos biológicos anaeróbios, destacando-se procedimentos práticos para oisolamento de organismos anaeróbios estritos, como Archaea metanogênicas. Em 1987, o projeto �Formação deRecursos Humanos em Microbiologia da Digestão Anaeróbia�, financiado pela FINEP e CNPq [Projeto CNPq701651/87.3-SBIO/FV (CG), 1987�1991] e conduzido na CETESB, envolveu essencialmente treinamento depessoal em técnicas laboratoriais para isolamento de microorganismos anaeróbios estritos.

O grupo de pesquisadores da CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estadode São Paulo), no período de 1978 a 1990, trabalhou efetivamente na pesquisa de metanogênicos, sendo uma dasinstituições pioneiras no isolamento de culturas, algumas delas preservadas por métodos convencionais desubcultivo e estoque à temperatura ambiente ou sob nitrogênio líquido (Vazoller & Rech, 1992). Na coleção deculturas da CETESB, ainda no ano de 1990, encontravam-se estocadas a temperatura ambiente ou sob nitrogêniolíquido culturas de Arcahea metanogênicas originárias de amostras de biodigestores de lodo de esgoto, isoladospioneiramente pela Bióloga Dra. Rosana Elda Gregori (relatórios internos da CETESB 1979-1980). As culturasestocadas foram identificadas como pertencentes ao gênero Methanobacterium (Vazoller, 1989) e listadas no CatálogoNacional de Culturas (Canhos et al., 1989). Estudos posteriores (Vazoller, 1988) revelaram o isolamento demetanogênicas do gêneros Methanosaeta (sin. Methanothrix) e Methanosarcina em sistemas de tratamento anaeróbiode esgotos sanitários.

Em 1992, o Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos daUniversidade de São Paulo obteve seus primeiros resultados no estudo de metanogênicas em aterros sanitários(Badra, 1993), destacando-se neste sistema organismos dos gêneros Methanobacterium e Methanococcus. Em 1995,estudos adicionais sobre a metanogênese termofílica da vinhaça resultaram no isolamento de duas culturas demetanogênicos termófilos, identificados como Methanobacterium sp. e Methanosarcina sp. (Vazoller, 1995), atravésdo emprego de métodos clássicos de caracterização de Archaea, tais como: morfologia, fluorescência sob luzUV, produção de metano e avaliação do consumo e utilização de substratos orgânicos e inorgânicos. Nenhummétodo de preservação de culturas metanogênicas foi indicado nos trabalhos realizados por Badra (1993) eVazoller (1989; 1995).

Recentemente, técnicas moleculares estão sendo aplicadas no estudo de organismos metanogênicos noLaboratório de Processos Anaeróbios, Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia deSão Carlos da Universidade de São Paulo, em conjunto com a Coleção de Culturas Tropical, da Fundação AndréTosello, Campinas. Esse trabalho constitui-se em uma iniciativa pioneira para a introdução de metodologiasmoleculares para o estudo de Archaea em reatores anaeróbios, empregando técnicas de amplificação de rDNA16S a partir de DNA isolado diretamente de amostras do reator, identificação dos organismos através deseqüenciamento e análise filogenética do rDNA 16S, estudos de diversidade (DGGE de região espaçadorarDNA 16S-23S) e detecção de organismos específico por hibridização in-situ com sondas fluorescentes.

Não há registros no estado de São Paulo de resultados de pesquisa sobre ocorrência e diversidade deArchaea em ambiente tropical/sub-tropical. No entanto, existem vários hábitats extremamente atraentes para odesenvolvimento de tais estudos, destacando-se regiões estuarinas de mangue (Baixada Santista e Cananéia),regiões costeiras do estado, sedimentos aquáticos de lagos e rios do cerrado paulista, fontes termais (Araçatuba)e sistemas anaeróbios de tratamento de rejeitos diversos (esgotos sanitários, vinhaça de processo de produção deetanol e efluentes de indústria de papel e celulose).

Archaea 23

4. Prioridades para o desenvolvimento dos estudos

Percebe-se claramente que o Domínio Archaea é pouco conhecido e explorado em todos os ramos daMicrobiologia. No que se refere à sistemática e taxonomia, não há nenhum esforço acadêmico concentrado,mesmo que individual, na direção de aprofundar o conhecimento sistemático deste grupo de organismos noestado de São Paulo. Algumas iniciativas atuais ainda são incipientes e necessitam de apoio de agências defomento e desenvolvimento científico para a sua consolidação. É necessário um esforço direcionado à formaçãode profissionais em microbiologia anaeróbia, isolamento (solos, sedimentos, água, sistemas de biorreatores etc.) etaxonomia polifásica de Archaea. Os cursos de Pós-Graduação em Microbiologia devem introduzir e estimular oconhecimento sobre a microbiologia de Archaea, reconhecida internacionalmente como prioritária paradesenvolvimento, particularmente em ecologia microbiana e bioprospecção para biotecnologia.

5. Bibliografia

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