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Nosso Lar (OBRA MEDIÚNICA) I

Andre Luiz - Nosso Lar

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  • Nosso Lar(OBRA MEDINICA)

    I

  • Srie Andr Luiz

    I - Nosso LarII - Os MensageirosIII - Missionrios da LuzIV - Obreiros da Vida EternaV - No Mundo MaiorVI - Agenda CristVII - LibertaoVIII - Entre a Terra e o CuIX - Nos Domnios da MediunidadeX - Ao e ReaoXI - Evoluo em Dois MundosXII - Mecanismos da MediunidadeXIII - Conduta EspritaXIV - Sexo e DestinoXV - DesobsessoXVI - E a Vida Continua...

  • FRANCISCO CNDIDO XAVIER

    Nosso LarQuando o servidor est pronto,o servio aparece.

    DITADO PELO ESPRITO

    ANDR LUIZ

    FEDERAO ESPRITA BRASILEIRADEPARTAMENTO EDITORIAL

    Rua Souza Valente, 1720941-040 - Rio - RJ - Brasil

  • ISBN 85-7328-023-9

    45 edio

    Do 1.101 ao 1.125 milheiro

    Capa de CECCONI

    B.N. 6.802

    864-AA;000.25-O;2/1996

    Copyright 1944 byFEDERAO ESPRITA BRASILEIRA(Casa-Mter do Espiritismo)SGAN 603 - Conjunto F78830-030 - Braslia - DF - Brasil

    Composio, fotolitos e impresso offset dasOficinas do Departamento Editorial e Grfico da FEBRua Souza Valente, 1720941-040 - Rio, RJ - BrasilC.G.C n 33.644.857/0002-84 I.E. n 81.600.503

    Impresso no BrasilPRESITA EN BRAZILO

    Pedidos de livros FEB - Departamento Editorial, viaCorreio ou, em grandes encomendas, via rodovirio: porcarta, telefone(021) 589-6020, ou FAX (021) 589-6838.

  • 7NDICE

    Novo Amigo 9

    Mensagem de Andr Luiz 13

    1 - Nas zonas inferiores 17 2 - Clarncio 21 3 - A orao coletiva 26 4 - O mdico espiritual 31 5 - Recebendo assistncia 36 6 - Precioso aviso 41 7 - Explicaes de Lsias 45 8 - Organizao de servios 50 9 - Problema de alimentao 5410 - No bosque das guas 5911 - Notcias do plano 6412 - O Umbral 6913 - No gabinete do ministro 7414 - Elucidaes de Clarncio 8015 - A visita materna 8516 - Confidncias 9017 - Em casa de Lsias 9518 - Amor, alimento das almas 10019 - A jovem desencarnada 10520 - Noes de lar 110

  • 821 - Continuando a palestra 11522 - O bnus-hora 12023 - Saber ouvir 12624 - O impressionante apelo 13125 - Generoso alvitre 13626 - Novas perspectivas 14127 - O trabalho, enfim 14628 - Em servio 15229 - A viso de Francisco 15730 - Herana e eutansia 16231 - Vampiro 16832 - Notcias de Veneranda 17533 - Curiosas observaes 18034 - Com os recm-chegados do Umbral 18535 - Encontro singular 19036 - O sonho 19537 - A preleo da ministra 20038 - O caso Tobias 20739 - Ouvindo a senhora Laura 21440 - Quem semeia colher 21941 - Convocados luta 22542 - A palavra do Governador 23143 - Em conversao 23744 - As trevas 24245 - No campo da msica 24746 - Sacrifcio de mulher 25347 - A volta de Laura 25948 - Culto familiar 26449 - Regressando casa 27050 - Cidado de "Nosso Lar" 276

  • 9Novo amigo

    Os prefcios, em geral, apresentam autores, exaltando-lheso mrito e comentando-lhes a personalidade.

    Aqui, porm, a situao diferente.Embalde os companheiros encarnados procurariam o mdico

    Andr Luiz nos catlogos da conveno.Por vezes, o anonimato filho do legtimo entendimento e

    do verdadeiro amor. Para redimirmos o passado escabroso,modificam-se tabelas da nomenclatura usual na reencarnao.Funciona o esquecimento temporrio como bno da DivinaMisericrdia.

    Andr precisou, igualmente, cerrar a cortina sobre simesmo.

    por isso que no podemos apresentar o mdico terrestre eautor humano, mas sim o novo amigo e irmo na eternidade.

    Por trazer valiosas impresses aos companheiros do mundo,necessitou despojar-se de todas as convenes, inclusive a doprprio nome, para no ferir coraes amados, envolvidos aindanos velhos mantos da iluso. Os que colhem as espigas maduras,no devem ofender os que plantam a distncia, nem perturbar alavoura verde, ainda em flor.

  • 10

    Reconhecemos que este livro no nico. Outras entidadesj comentaram as condies da vida, alm-tmulo...

    Entretanto, de h muito desejamos trazer ao nosso crculoespiritual algum que possa transmitir a outrem o valor daexperincia prpria, com todos os detalhes possveis legtimacompreenso da ordem que preside o esforo dos desencarnadoslaboriosos e bem-intencionados, nas esferas invisveis ao olharhumano, embora intimamente ligadas ao planeta.

    Certamente que numerosos amigos sorriro ao contacto dedeterminadas passagens das narrativas. O inabitual, entretanto,causa surpresa em todos os tempos. Quem no sorriria, na Terra,anos atrs, quando se lhe falasse da aviao, da eletricidade, daradiofonia?

    A surpresa, a perplexidade e a dvida so de todos osaprendizes que ainda no passaram pela lio. mais quenatural, justssimo. No comentaramos, desse modo, qualquerimpresso alheia. Todo leitor precisa analisar o que l.

    Reportamo-nos, pois, to-somente ao objetivo essencial dotrabalho.

    O Espiritismo ganha expresso numrica. Milhares decriaturas interessam-se pelos seus trabalhos, modalidades,experincias. Nesse campo imenso de novidades, todavia, nodeve o homem descurar de si mesmo.

    No basta investigar fenmenos, aderir verbalmente,melhorar a estatstica, doutrinar conscincias alheias, fazerproselitismo e conquistar favores da opinio, por maisrespeitvel que seja, no plano fsico. indispensvel cogitar doconhecimento de nossos infinitos potenciais, aplicando-os, pornossa vez, nos servios do bem.

    O homem terrestre no um deserdado. filho de Deus, emtrabalho construtivo, envergando a roupagem

  • 11

    da carne; aluno de escola benemrita, onde precisa aprender aelevar-se. A luta humana a sua oportunidade, a sua ferramenta,o seu livro.

    O intercmbio com o invisvel um movimento sagrado, emfuno restauradora do Cristianismo puro; que ningum, todavia,se descuide das necessidades prprias, no lugar que ocupa pelavontade do Senhor.

    Andr Luiz vem contar a voc, leitor amigo, que a maiorsurpresa da morte carnal a de nos colocar face a face comprpria conscincia, onde edificamos o cu, estacionamos nopurgatrio ou nos precipitamos no abismo infernal; vem lembrarque a Terra oficina sagrada, e que ningum a menosprezar,sem conhecer o preo do terrvel engano a que submeteu oprprio corao.

    Guarde a experincia dele no livro dalma. Ela diz bem altoque no basta criatura apegar-se existncia humana, masprecisa saber aproveit-la dignamente; que os passos do cristo,em qualquer escola religiosa, devem dirigir-se verdadeiramenteao Cristo, e que, em nosso campo doutrinrio, precisamos, emverdade, do ESPIRITISMO e do ESPIRITUALISMO, mas, muitomais, de ESPIRITUALIDADE.

    EMMANUEL

    Pedro Leopoldo, 3 de outubro de 1943.

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    Mensagem de Andr Luiz

    A vida no cessa. A vida fonte eterna e a morte jogoescuro das iluses.

    O grande rio tem seu trajeto, antes do mar imenso.Copiando-lhe a expresso, a alma percorre igualmente caminhosvariados e etapas diversas, tambm recebe afluentes deconhecimentos, aqui e ali, avoluma-se em expresso e purifica-seem qualidade, antes de encontrar o Oceano Eterno da Sabedoria.

    Cerrar os olhos carnais constitui operao demasiadamentesimples.

    Permutar a roupagem fsica no decide o problemafundamental da iluminao, como a troca de vestidos nada temque ver com as solues profundas do destino e do ser.

    Oh! caminhos das almas, misteriosos caminhos do corao! mister percorrer-vos, antes de tentar a suprema equao daVida Eterna! indispensvel viver o vosso drama, conhecer-vosdetalhe a detalhe, no longo processo do aperfeioamentoespiritual!...

    Seria extremamente infantil a crena de que o simples"baixar do pano" resolvesse transcendentes questes do Infinito.

  • 14

    Uma existncia um ato.Um corpo - uma veste.Um sculo - um dia.Um servio - uma experincia.Um triunfo - uma aquisio.Uma morte - um sopro renovador.Quantas existncias, quantos corpos, quantos sculos,

    quantos servios, quantos triunfos, quantas mortes necessitamosainda?

    E o letrado em filosofia religiosa fala de deliberaes finaise posies definitivas!

    Ai! por toda parte, os cultos em doutrina e os analfabetos doesprito!

    preciso muito esforo do homem para ingressar naacademia do Evangelho do Cristo, ingresso que se verifica, quasesempre, de estranha maneira - ele s, na companhia do Mestre,efetuando o curso difcil, recebendo lies sem ctedras visveise ouvindo vastas dissertaes sem palavras articuladas.

    Muito longa, portanto, nossa jornada laboriosa.Nosso esforo pobre quer traduzir apenas uma idia dessa

    verdade fundamental.Grato, pois, meus amigos!Manifestamo-nos, junto vs outros, no anonimato que

    obedece caridade fraternal. A existncia humana apresentagrande maioria de vasos frgeis, que no podem conter aindatoda a verdade. Alis, no nos interessaria, agora, seno aexperincia profunda, com os seus valores coletivos. Noatormentaremos algum com a idia da eternidade. Que os vasosse fortaleam, em primeiro lugar. Forneceremos, somente,algumas ligeiras notcias ao esprito sequioso dos nossos irmosna

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    senda de realizao espiritual, e que compreendem conosco que"o esprito sopra onde quer".

    E, agora, amigos, que meus agradecimentos se calem nopapel, recolhendo-se ao grande silncio da simpatia e dagratido. Atrao e reconhecimento, amor e jbilo moram naalma. Crede que guardarei semelhantes valores comigo, a vossorespeito, no santurio do corao.

    Que o Senhor nos abenoe.

    ANDR LUIZ

  • 17

    1

    NAS ZONAS INFERIORES

    Eu guardava a impresso de haver perdido a idia de tempo.A noo de espao esvara-se-me de h muito.

    Estava convicto de no mais pertencer ao nmero dosencarnados no mundo e, no entanto, meus pulmes respiravam alongos haustos.

    Desde quando me tornara joguete de foras irresistveis?Impossvel esclarecer.

    Sentia-me, na verdade, amargurado duende nas gradesescuras do horror. Cabelos eriados, corao aos saltos, medoterrvel senhoreando-me, muita vez gritei como louco, imploreipiedade e clamei contra o doloroso desnimo que me subjugava oesprito; mas, quando o silncio implacvel no me absorvia avoz estentrica, lamentos mais comovedores, que os meus,respondiam-me aos clamores. Outras vezes gargalhadas sinistrasrasgavam a quietude ambiente. Algum companheiro desconhecidoestaria, a meu ver, prisioneiro da loucura. Formas diablicas,rostos alvares, expresses animalescas surgiam, de quando emquando, agravando-me o assombro. A paisagem, quando nototalmente escura, parecia banhada de luz alvacenta, como queamortalhada

  • 18NOSSO LAR

    em neblina espessa, que os raios de Sol aquecessem de muitolonge.

    E a estranha viagem prosseguia... Com que fim? Quem opoderia dizer? Apenas sabia que fugia sempre... O medo meimpelia de roldo. Onde o lar, a esposa, os filhos? Perdera toda anoo de rumo. O receio do ignoto e o pavor da treva absorviam-me todas as faculdades de raciocnio, logo que me desprenderados ltimos laos fsicos, em pleno sepulcro!

    Atormentava-me a conscincia: preferiria a ausncia total darazo, o no-ser.

    De incio, as lgrimas lavavam-me incessantemente o rostoe apenas, em minutos raros, felicitava-me a bno do sono.Interrompia-se, porm, bruscamente, a sensao de alvio. Seresmonstruosos acordavam-me, irnicos; era imprescindvel fugirdeles.

    Reconhecia, agora, a esfera diferente a erguer-se da poalhado mundo e, todavia, era tarde. Pensamentos angustiososatritavam-me o crebro. Mal delineava projetos de soluo,incidentes numerosos impeliam-me a consideraesestonteantes. Em momento algum, o problema religioso surgiuto profundo a meus olhos. Os princpios puramente filosficos,polticos e cientficos, figuravam-se-me agora extremamentesecundrios para a vida humana. Significavam, a meu ver, valiosopatrimnio nos planos da Terra, mas urgia reconhecer que ahumanidade no se constitui de geraes transitrias e sim deEspritos eternos, a caminho de gloriosa destinao. Verificavaque alguma coisa permanece acima de toda cogitao meramenteintelectual. Esse algo a f, manifestao divina ao homem.Semelhante anlise surgia, contudo, tardiamente. De fato,conhecia as letras do Velho Testamento e muita vez folheara oEvangelho; entretanto, era foroso reconhecer que nuncaprocurara as letras sagradas com a luz do corao. Identificava-as

  • 19NOSSO LAR

    atravs da crtica de escritores menos afeitos ao sentimento e conscincia, ou em pleno desacordo com as verdades essenciais.Noutras ocasies, interpretava-as com o sacerdcio organizado,sem sair jamais do crculo de contradies, onde estacionaravoluntariamente.

    Em verdade, no fora um criminoso, no meu prprioconceito. A filosofia do imediatismo, porm, absorvera-me. Aexistncia terrestre, que a morte transformara, no foraassinalada de lances diferentes da craveira comum.

    Filho de pais talvez excessivamente generosos, conquistarameus ttulos universitrios sem maior sacrifcio, compartilhara osvcios da mocidade do meu tempo, organizara o lar, conseguirafilhos, perseguira situaes estveis que garantissem atranqilidade econmica do meu grupo familiar, mas, examinandoatentamente a mim mesmo, algo me fazia experimentar a noo detempo perdido, com a silenciosa acusao da conscincia.Habitara a Terra, gozara-lhe os bens, colhera as bnos da vida,mas no lhe retribura ceitil do dbito enorme. Tivera pais, cujagenerosidade e sacrifcios por mim nunca avaliei; esposa e filhosque prendera, ferozmente, nas teias rijas do egosmo destruidor.Possura um lar que fechei a todos os que palmilhavam o desertoda angstia. Deliciara-me com os jbilos da famlia, esquecido deestender essa beno divina imensa famlia humana, surdo acomezinhos deveres de fraternidade.

    Enfim, como a flor de estufa, no suportava agora o climadas realidades eternas. No desenvolvera os germes divinos queo Senhor da Vida colocara em minhalma. Sufocara-os,criminosamente, no desejo incontido de bem estar. No adestrarargos para a vida nova. Era justo, pois, que a despertasse maneira de aleijado que, restitudo ao rio infinito da eternidade,no pudesse

  • 20NOSSO LAR

    acompanhar seno compulsoriamente a carreira incessante das guas; oucomo mendigo infeliz, que, exausto em pleno deserto, perambula merc deimpetuosos tufes.

    Oh! amigos da Terra! quantos de vs podereis evitar ocaminho da amargura com o preparo dos campos interiores docorao? Acendei vossas luzes antes de atravessar a grandesombra. Buscai a verdade, antes que a verdade vos surpreenda.Suai agora para no chorardes depois.

  • 21

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    CLARNCIO"Suicida! Suicida! Criminoso! Infame!" - gritos assim, cercavam-me de

    todos os lados. Onde os sicrios de corao empedernido? Por vezes,enxergava-os de relance, escorregadios na treva espessa e, quando meudesespero atingia o auge, atacava-os, mobilizando extremas energias. Emvo, porm, esmurrava o ar nos paroxismos da clera. Gargalhadassarcsticas feriam-me os ouvidos, enquanto os vultos negros desapareciamna sombra.

    Para quem apelar? Torturava-me a fome, a sede me escaldava.Comezinhos fenmenos da experincia material patenteavam-se-me aosolhos. Crescera-me a barba, a roupa comeava a romper-se com os esforosda resistncia, na regio desconhecida. A circunstncia mais dolorosa, noentanto, no o terrvel abandono a que me sentia votado, mas o assdioincessante de foras perversas que me assomavam nos caminhos ermos eobscuros. Irritavam-me, aniquilavam-me a possibilidade de concatenaridias. Desejava ponderar maduramente a situao, esquadrinhar razes eestabelecer novas diretrizes ao pensamento, mas aquelas vozes, aqueles la-

  • 22NOSSO LAR

    mentos misturados de acusaes nominais, desnorteavam-meirremediavelmente.

    - Que buscas, infeliz! Aonde vais, suicida?Tais objurgatrias, incessantemente repetidas, perturbavam-me o

    corao. Infeliz, sim; mas, suicida? - nunca! Essas increpaes, a meu ver,no eram procedentes. Eu havia deixado o corpo fsico a contragosto.Recordava meu porfiado duelo com a morte. Ainda julgava ouvir os ltimospareceres mdicos, enunciados na Casa de Sade; lembrava a assistnciadesvelada que tivera, os curativos dolorosos que experimentara nos diaslongos que se seguiram delicada operao dos intestinos. Sentia, no cursodessas reminiscncias, o contacto do termmetro, o pique desagradvel daagulha de injees e, por fim, a ltima cena que precedera o grande sono:minha esposa ainda jovem e os trs filhos contemplando-me, no terror daeterna separao. Depois... o despertar na paisagem mida e escura e agrande caminhada que parecia sem-fim.

    Por que a pecha de suicdio, quando fora compelido a abandonar acasa, a famlia e o doce convvio dos meus? O homem mais forte conhecerlimites resistncia emocional. Firme e resoluto a princpio, comecei porentregar-me a longos perodos de desnimo, e, longe de prosseguir nafortaleza moral, por ignorar o prprio fim, senti que as lgrimas longamenterepresadas visitavam-me com mais freqncia, extravasando do corao.

    A quem recorrer? Por maior que fosse a cultura intelectual trazida domundo, no poderia alterar, agora, a realidade da vida. Meus conhecimentos,ante o infinito, semelhavam-se a pequenas bolhas de sabo levadas aovento impetuoso que transforma as paisagens. Eu era alguma coisa que otufo da verdade carreava para muito longe. Entretanto, a situao nomodificava a outra realidade do meu ser essencial. Perguntan-

  • 23NOSSO LAR

    do a mim mesmo se no enlouquecera, encontrava a conscincia vigilante,esclarecendo-me que continuava a ser eu mesmo, com o sentimento e acultura colhidos na experincia material. Persistiam as necessidadesfisiolgicas, sem modificao. Castigava-me a fome todas as fibras, e, nadaobstante, o abatimento progressivo no me fazia cair definitivamente emabsoluta exausto. De quando em quando, deparavam-se-me verduras queme pareciam agrestes, em torno de humildes filetes dgua a que me atiravasequioso. Devorava as folhas desconhecidas, colava os lbios nascenteturva, enquanto mo permitiam as foras irresistveis, a impelirem-me para afrente. Muita vez suguei a lama da estrada, recordei o antigo po de cada dia,vertendo copioso pranto. No raro, era imprescindvel ocultar-me dasenormes manadas de seres animalescos, que passavam em bando, quaisferas insaciveis. Eram quadros de estarrecer! acentuava-se o desalento. Foiquando comecei a recordar que deveria existir um Autor da Vida, fosse ondefosse. Essa idia confortou-me. Eu, que detestara as religies no mundo,experimentava agora a necessidade de conforto mstico. Mdicoextremamente arraigado ao negativismo da minha gerao, impunha-se-meatitude renovadora. Tornava-se imprescindvel confessar a falncia do amor-prprio, a que me consagrara orgulhoso.

    E, quando as energias me faltaram de todo, quando me sentiabsolutamente colado ao lodo da Terra, sem foras para reerguer-me, pediao Supremo Autor da Natureza me estendesse mos paternais, em toamargurosa emergncia.

    Quanto tempo durou a rogativa? Quantas horas consagrei splica,de mos-postas, imitando a criana aflita? Apenas sei que a chuva daslgrimas me lavou o rosto; que todos os meus sentimentos se concentraramna prece dolorosa. Estaria, ento, completamente esque-

  • 24NOSSO LAR

    cido? No era, igualmente, filho de Deus, embora no cogitasse deconhecer-lhe a atividade sublime quando engolfado nas vaidades daexperincia humana? Por que no me perdoaria o Eterno Pai, quandoprovidenciava ninho s aves inconscientes e protegia, bondoso, a flor tenrados campos agrestes?

    Ah! preciso haver sofrido muito, para entender todas as misteriosasbelezas da orao; necessrio haver conhecido o remorso, a humilhao,a extrema desventura, para tomar com eficcia o sublime elixir deesperana. Foi nesse instante que as neblinas espessas se dissiparam ealgum surgiu, emissrio dos Cus. Um velhinho simptico me sorriupaternalmente. Inclinou--se, fixou nos meus os grandes olhos lcidos, efalou:

    - Coragem, meu filho! O Senhor no te desampara.Amargurado pranto banhava-me a alma toda. Emocionado, quis

    traduzir meu jbilo, comentar a consolao que me chegava, mas, reunindotodas as foras que me restavam, pude apenas inquirir:

    - Quem sois, generoso emissrio de Deus?O inesperado benfeitor sorriu bondoso e respondeu:- Chama-me Clarncio, sou apenas teu irmo.E, percebendo o meu esgotamento, acrescentou:- Agora, permanece calmo e silencioso. preciso descansar para

    reaver energias.Em seguida, chamou dois companheiros que guardavam atitude de

    servos desvelados e ordenou:- Prestemos ao nosso amigo os socorros de emergncia.Alvo lenol foi estendido ali mesmo, guisa de maca improvisada,

    aprestando-se ambos os cooperadores a transportarem-me, generosamente.

  • 25NOSSO LAR

    Quando me alavam, cuidadosos, Clarncio meditou um instante eesclareceu, como quem recorda inadivel obrigao:

    - Vamos sem demora. Preciso atingir "Nosso Lar" com a prestezapossvel.

  • 26

    3

    A ORAO COLETIVAEmbora transportado maneira de ferido comum, lobriguei o quadro

    confortante que se desdobrava minha vista.Clarncio, que se apoiava num cajado de substncia luminosa, deteve-

    se frente de grande porta encravada em altos muros, cobertos detrepadeiras floridas e graciosas. Tateando um ponto da muralha, fez-selonga abertura, atravs da qual penetramos, silenciosos.

    Branda claridade inundava ali todas as coisas. Ao longe, graciosofoco de luz dava a idia de um pr do sol em tardes primaveris. A medidaque avanvamos, conseguia identificar preciosas construes, situadas emextensos jardins.

    Ao sinal de Clarncio, os condutores depuseram, devagarinho, a macaimprovisada. A meus olhos surgiu, ento, a porta acolhedora de alvoedifcio, feio de grande hospital terreno. Dois jovens, envergandotnicas de nveo linho, acorreram pressurosos ao chamado de meubenfeitor, e quando me acomodavam num leito de emergncia, para meconduzirem cuidadosamente ao interior, ouvi o generoso anciorecomendar, carinhoso:

  • 27NOSSO LAR

    - Guardem nosso tutelado no pavilho da direita. Esperam agora pormim. Amanh cedo voltarei a v-lo.

    Enderecei-lhe um olhar de gratido, ao mesmo tempo que eraconduzido a confortvel aposento de amplas propores, ricamentemobilado, onde me ofereceram leito acolhedor.

    Envolvendo os dois enfermeiros na vibrao do meu reconhecimento,esforcei-me por lhes dirigir a palavra, conseguindo dizer por fim:

    - Amigos, por quem sois, explicai-me em que novo mundo meencontro... De que estrela me vem, agora, esta luz confortadora e brilhante?

    Um deles afagou-me a fronte, como se fora conhecido pessoal delongo tempo e acentuou:

    - Estamos nas esferas espirituais vizinhas da Terra, e o Sol que nosilumina, neste momento, o mesmo que nos vivificava o corpo fsico. Aqui,entretanto, nossa percepo visual muito mais rica. A estrela que o Senhoracendeu para os nossos trabalhos terrestres mais preciosa e bela do que asupomos quando no crculo carnal. Nosso Sol a divina matriz da vida, e aclaridade que irradia provm do Autor da Criao.

    Meu ego, como que absorvido em onda de infinito respeito, fixou a luzbranda que invadia o quarto, atravs das janelas, e perdi-me no curso deprofundas cogitaes. Recordei, ento, que nunca fixara o Sol, nos diasterrestres, meditando na imensurvel bondade dAquele que no-lo concedepara o caminho eterno da vida. Semelhava-me assim ao cego venturoso, queabre os olhos para a Natureza sublime, depois de longos sculos deescurido.

    A essa altura, serviram-me caldo reconfortante, seguido de gua muitofresca, que me pareceu portadora de fluidos divinos. Aquela reduzida porode liquido reanimava-me inesperadamente. No saberia di-

  • 28NOSSO LAR

    zer que espcie de sopa era aquela; se alimentao sedativa, se remdiosalutar. Novas energias amparavam-me a alma, profundas comoesvibravam-me no esprito.

    Minha maior emoo, todavia, reservava-se para instantes depois.Mal no sara da consoladora surpresa, divina melodia penetrou

    quarto a dentro, parecendo suave colmeia de sons a caminho das esferassuperiores. Aquelas notas de maravilhosa harmonia atravessavam-me ocorao. Ante meu olhar indagador, o enfermeiro, que permanecia ao lado,esclareceu, bondoso:

    chegado o crepsculo em "Nosso Lar". Em todos os ncleos destacolnia de trabalho, consagrada ao Cristo, h ligao direta com as precesda Governadoria.

    E enquanto a msica embalsamava o ambiente, despediu-se,atencioso:

    - Agora, fique em paz. Voltarei logo aps a orao.Empolgou-me ansiedade sbita.- No poderei acompanhar-vos? - perguntei, suplicante.- Est ainda fraco - esclareceu, gentil -, todavia, caso sinta-se

    disposto...Aquela melodia renovava-me as energias profundas. Levantei-me

    vencendo dificuldades e agarrei-me ao brao fraternal que se me estendia.Seguindo vacilante, cheguei a enorme salo, onde numerosa assembliameditava em silncio, profundamente recolhida. Da abbada cheia declaridade brilhante, pendiam delicadas e flreas guirlandas, que vinham doteto base, formando radiosos smbolos de Espiritualidade Superior.Ningum parecia dar conta da minha presena, ao passo que mal

  • 29NOSSO LAR

    dissimulava eu a surpresa inexcedvel. Todos os circunstantes, atentos,pareciam aguardar alguma coisa. Contendo a custo numerosas indagaesque me esfervilhavam na mente, notei que ao fundo, em tela gigantesca,desenhava-se prodigioso quadro de luz quase ferica. Obedecendo aprocessos adiantados de televiso, surgiu o cenrio de templo maravilhoso.Sentado em lugar de destaque, um ancio coroado de luz fixava o Alto, ematitude de prece, envergando alva tnica de irradiaes resplandecentes. Emplano inferior, setenta e duas figuras pareciam acompanh-lo em respeitososilncio. Altamente surpreendido, reparei Clarncio participando daassemblia, entre os que cercavam o velhinho refulgente.

    Apertei o brao do enfermeiro amigo, e, compreendendo ele queminhas perguntas no se fariam esperar, esclareceu em voz baixa, que maisse assemelhava a leve sopro:

    - Conserve-se tranqilo. Todas as residncias e instituies de "NossoLar" esto orando com o Governador, atravs da audio e viso a distncia.Louvemos o Corao Invisvel do Cu.

    Mal terminara a explicao, as setenta e duas figuras comearam acantar harmonioso hino, repleto de indefinvel beleza. A fisionomia deClarncio, no crculo dos venerveis companheiros, figurou-se-me tocada demais intensa luz. O cntico celeste constitua-se de notas angelicais, desublimado reconhecimento. Pairavam no recinto misteriosas vibraes depaz e de alegria e, quando as notas argentinas fizeram delicioso staccato,desenhou-se ao longe, em plano elevado, um corao maravilhosamenteazul (1), com estrias douradas. Cariciosa

    __________

    (1) - Imagem simblica formada pelas vibraes mentais dos habitantes da colnia. -(Nota do Autor espiritual.)

  • 30NOSSO LAR

    msica, em seguida, respondia aos louvores, procedente talvez de esferasdistantes. Foi a que abundante chuva de flores azuis se derramou sobrens; mas, se fixvamos os miostis celestiais, no conseguamos det-losnas mos. As corolas minsculas desfaziam-se de leve, ao tocar-nos afronte, experimentando eu, por minha vez, singular renovao de energiasao contacto das ptalas fludicas que me balsamizavam o corao.

    Terminada a sublime orao, regressei ao aposento de enfermo,amparado pelo amigo que me atendia de perto. Entretanto, no era mais odoente grave de horas antes. A primeira prece coletiva, em "Nosso Lar",operara em mim completa transformao. Conforto inesperado envolvia-mea alma. Pela primeira vez, depois de anos consecutivos de sofrimento, opobre corao, saudoso e atormentado, maneira de clice muito tempovazio, enchera-se de novo das gotas generosas do licor da esperana.

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    O MDICO ESPIRITUALNo dia imediato, aps reparador e profundo repouso, experimentei a

    bno radiosa do Sol amigo, qual suave mensagem ao corao. Claridadereconfortante atravessava ampla janela, inundando o recinto de cariciosaluz. Sentia-me outro. Energias novas tocavam-me o ntimo. Tinha aimpresso de sorver a alegria da vida, a longos haustos. Na alma, apenasum ponto sombrio - a saudade do lar, o apego famlia que ficara distante.Numerosas interrogaes pairavam-me na mente, mas to grande era asensao de alvio que eu sossegava o esprito, longe de qualquerinterpelao.

    Quis levantar-me, gozar o espetculo da Natureza cheia de brisas e deluz, mas no o consegui e conclu que, sem a cooperao magntica doenfermeiro, tornava-se-me impossvel deixar o leito.

    No voltara a mim das surpresas consecutivas, quando se abriu aporta e vi entrar Clarncio acompanhado por simptico desconhecido.Cumprimentaram-me, atenciosos, desejando-me paz. Meu benfeitor davspera indagou do meu estado geral. Acorreu o enfermeiro, prestandoinformaes.

  • 32NOSSO LAR

    Sorridente, o velhinho amigo apresentou-me o companheiro. Tratava-se, disse, do irmo Henrique de Luna, do Servio de Assistncia Mdica dacolnia espiritual. Trajado de branco, traos fisionmicos irradiando enormesimpatia, Henrique auscultou-me demoradamente, sorriu e explicou:

    - de lamentar que tenha vindo pelo suicdio.Enquanto Clarncio permanecia sereno, senti que singular assomo de

    revolta me borbulhava no ntimo.Suicdio? Recordei as acusaes dos seres perversos das sombras.

    No obstante o cabedal de gratido que comeava a acumular, no calei aincriminao.

    - Creio haja engano - asseverei, melindrado -, meu regresso do mundono teve essa causa. Lutei mais de quarenta dias, na Casa de Sade,tentando vencer a morte. Sofri duas operaes graves, devido a oclusointestinal...

    - Sim - esclareceu o mdico, demonstrando a mesma serenidadesuperior -, mas a ocluso radicava-se em causas profundas. Talvez o amigono tenha ponderado bastante. O organismo espiritual apresenta em simesmo a histria completa das aes praticadas no mundo.

    E inclinando-se, atencioso, indicava determinados pontos do meucorpo:

    - Vejamos a zona intestinal - exclamou. - A ocluso derivava deelementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meuestimado irmo, no campo da sfilis. A molstia talvez no assumissecaractersticas to graves, se o seu procedimento mental no planetaestivesse enquadrado nos princpios da fraternidade e da temperana.Entretanto, seu modo especial de conviver, muita vez exasperado e sombrio,captava destruidoras vibraes naqueles que o ouviam. Nun-

  • 33NOSSO LAR

    ca imaginou que a clera fosse manancial de foras negativas para nsmesmos? A ausncia de autodomnio, a inadvertncia no trato com ossemelhantes, aos quais muitas vezes ofendeu sem refletir, conduziam-nofreqentemente esfera dos seres doentes e inferiores. Tal circunstnciaagravou, de muito, o seu estado fsico.

    Depois de longa pausa, em que me examinava atentamente,continuou:

    - J observou, meu amigo, que seu fgado foi maltratado pela suaprpria ao; que os rins foram esquecidos, com terrvel menosprezo sddivas sagradas?

    Singular desapontamento invadira-me o corao. Parecendodesconhecer a angstia que me oprimia, continuava o mdico,esclarecendo:

    - Os rgos do corpo somtico possuem incalculveis reservas,segundo os desgnios do Senhor. O meu amigo, no entanto, iludiuexcelentes oportunidades, esperdiado patrimnios preciosos daexperincia fsica. A longa tarefa, que lhe foi confiada pelos Maiores daEspiritualidade Superior, foi reduzida a meras tentativas de trabalho que nose consumou. Todo o aparelho gstrico foi destrudo custa de excessos dealimentao e bebidas alcolicas, aparentemente sem importncia. Devorou-lhe a sfilis energias essenciais. Como v, o suicdio incontestvel.

    Meditei nos problemas dos caminhos humanos, refletindo nasoportunidades perdidas. Na vida humana, conseguia ajustar numerosasmscaras ao rosto, talhando-as conforme as situaes. Alis, no poderiasupor, noutro tempo, que me seriam pedidas contas de episdios simples,que costumava considerar como fatos sem maior significao. Conceituara,at ali, os erros humanos, segundo os preceitos da criminologia. Todoacontecimento insignificante, estranho aos cdigos, entraria na

  • 34NOSSO LAR

    relao de fenmenos naturais. Deparava-se-me, porm, agora, outrosistema de verificao das faltas cometidas. No me defrontavam tribunaisde tortura, nem me surpreendiam abismos infernais; contudo, benfeitoressorridentes comentavam-me as fraquezas como quem cuida de uma crianadesorientada, longe das vistas paternas. Aquele interesse espontneo, noentanto, feria-me a vaidade de homem. Talvez que, visitado por figurasdiablicas a me torturarem, de tridente nas mos, encontrasse foras paratornar a derrota menos amarga. Todavia, a bondade exuberante deClarncio, a inflexo de ternura do mdico, a calma fraternal do enfermeiro,penetravam-me fundo o esprito. No me dilacerava o desejo de reao;doa-me a vergonha. E chorei. Rosto entre as mos, qual menino contrariadoe infeliz, pus-me a soluar com a dor que me parecia irremedivel. No haviacomo discordar. Henrique de Luna falava com sobejas razes. Por fim,abafando os impulsos vaidosos, reconheci a extenso de minhasleviandades de outros tempos. A falsa noo da dignidade pessoal cediaterreno justia. Perante minha viso espiritual s existia, agora, umarealidade torturante: era verdadeiramente um suicida, perdera o ensejoprecioso da experincia humana, no passava de nufrago a quem serecolhia por caridade.

    Foi ento que o generoso Clarncio, sentando-se no leito, a meu lado,afagou-me paternalmente os cabelos e falou comovido:

    - Oh! meu filho, no te lastimes tanto. Busquei-te atendendo intercesso dos que te amam, dos planos mais altos. Tuas lgrimas atingemseus coraes. No desejas ser grato, mantendo-te tranqilo no exame dasprprias faltas? Na verdade, tua posio a do suicida inconsciente; mas necessrio reconhecer que centenas de criaturas se ausentam diariamenteda Terra, nas mes-

  • 35NOSSO LAR

    mas condies. Acalma-te, pois. Aproveita os tesouros do arrependimento,guarda a bno do remorso, embora tardio, sem esquecer que a aflio noresolve problemas. Confia no Senhor e em nossa dedicao fraternal.Sossega a alma perturbada, porque muitos de ns outros j perambulamosigualmente nos teus caminhos.

    Ante a generosidade que transbordava dessas palavras, mergulhei acabea em seu colo paternal e chorei longamente.

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    RECEBENDO ASSISTNCIA- voc o tutelado de Clarncio?A pergunta vinha de um jovem de singular e doce expresso.Grande bolsa pendente da mo, como quem conduzia apetrechos de

    assistncia, endereava-me ele sorriso acolhedor. Ao meu sinal afirmativo,mostrou-se vontade e, maneiras fraternas, acentuou:

    - Sou Lsias, seu irmo. Meu diretor, o assistente Henrique de Luna,designou-me para servi-lo, enquanto precisar tratamento.

    - enfermeiro? - indaguei.- Sou visitador dos servios de sade. Nessa qualidade, no s

    coopero na enfermagem, como tambm assinalo necessidades de socorro,ou providncias que se refiram a enfermos recm-chegados.

    Notando-me a surpresa, explicou:- Nas minhas condies h numerosos servidores em "Nosso Lar". O

    amigo ingressou agora na colnia e, naturalmente, ignora a amplitude dosnossos trabalhos. Para fazer uma idia, basta lembrar que apenas aqui,

  • 37NOSSO LAR

    na seo em que se encontra, existem mais de mil doentes espirituais, enote que este um dos menores edifcios do nosso parque hospitalar.

    - Tudo isso maravilhoso! - exclamei.Adivinhando que minhas observaes iam descambar para o elogio

    espontneo, Lsias levantou-se da poltrona a que se recolhera e comeou aauscultar-me, atento, impedindo-me o agradecimento verbal.

    - A zona dos seus intestinos apresenta leses srias com vestgiosmuito exatos do cncer; a regio do fgado revela dilaceraes; a dos rinsdemonstra caractersticos de esgotamento prematuro.

    Sorrindo, bondoso, acrescentou:- Sabe o irmo o que significa isso?- Sim - repliquei , o mdico esclareceu ontem, explicando que devo

    esses distrbios a mim mesmo...Reconhecendo o acanhamento da confisso reticenciosa, apressou-se

    a consolar:- Na turma de oitenta enfermos a que devo assistncia diria,

    cinqenta e sete se encontram nas suas condies. E talvez ignore queexistem, por aqui, os mutilados. J pensou nisso? Sabe que o homemimprevidente, que gastou os olhos no mal, aqui comparece de rbitasvazias? Que o malfeitor, interessado em utilizaro dom da locomoo fcil nos atos criminosos, experimenta a desolao daparalisia, quando no recolhido absolutamente sem pernas? Que ospobres obsidiados nas aberraes sexuais costumam chegar em extremaloucura?

    Identificando-me a perplexidade natural, prosseguiu:- "Nosso Lar" no estncia de espritos propriamente vitoriosos, se

    conferirmos ao termo sua razovel acepo. Somos felizes, porque temostrabalho; e a ale-

  • 38NOSSO LAR

    gria habita cada recanto da colnia, porque o Senhor no nos retirou o poabenoado do servio.

    Aproveitando a pausa mais longa, exclamei sensibilizado:- Continue, meu amigo, esclarea-me. Sinto-me aliviado e tranqilo.

    No ser esta regio um departamento celestial dos eleitos?Lsias sorriu e explicou:

    - Recordemos o antigo ensinamento que se refere a muitos chamadose poucos escolhidos na Terra.

    E vagueando o olhar no horizonte longnquo, como a fixarexperincias de si mesmo no painel das recordaes mais ntimas,acentuou:

    - As religies, no planeta, convocam as criaturas ao banquetecelestial. Em s conscincia, ningum que se tenha aproximado, um dia, danoo de Deus, pode alegar ignorncia nesse particular. Incontvel onmero dos chamados, meu amigo; mas, onde os que atendem aochamado? Com raras excees, a massa humana prefere aceder a outrognero de convites. Gasta-se a possibilidade nos desvios do bem, agrava-seo capricho de cada um, elimina-se o corpo fsico a golpes de irreflexo.Resultado: milhares de criaturas retiram-se diariamente da esfera da carneem doloroso estado de incompreenso. Multides sem conto erram emtodas as direes nos crculos imediatos crosta planetria, constitudas deloucos, doentes e ignorantes.

    Notando-me a admirao, interrogou:- Acreditaria, porventura, que a morte do corpo nos conduziria a

    planos de milagres? Somos compelidos a trabalho spero, a serviospesados e no basta isso. Se temos dbitos no planeta, por mais alto queascendamos, imprescindvel voltar, para retificar, lavando o rosto no suordo mundo, desatando algemas de dio e

  • 39NOSSO LAR

    substituindo-as por laos sagrados de amor. No seria justo impor a outrema tarefa de mondar o campo que semeamos de espinhos, com as prpriasmos.

    Abanando a cabea, acrescentava:- Caso dos muitos chamados, meu caro. O Senhor no esquece

    homem algum; todavia, rarssimos homens o recordam.Acabrunhado com a lembrana dos prprios erros, diante de to

    grandes noes de responsabilidade individual, objetei:- Como fui perverso!Contudo, antes que me alongasse noutras exclamaes, o visitador

    colocou a destra carinhosa em meus lbios, murmurando:- Cale-se! meditemos no trabalho a fazer. No arrependimento

    verdadeiro preciso saber falar, para construir de novo.Em seguida, aplicou-me passes magnticos, atenciosamente. Fazendo

    os curativos na zona intestinal, esclareceu:- No observa o tratamento especializado da zona cancerosa? Pois

    note bem: toda medicina honesta servio de amor, atividade de socorrojusto; mas o trabalho de cura peculiar a cada esprito. Meu irmo sertratado carinhosamente, sentir-se- forte como nos tempos mais belos dasua juventude terrena, trabalhar muito e, creio, ser um dos melhorescolaboradores em "Nosso Lar"; entretanto, a causa dos seus malespersistir em si mesmo, at que se desfaa dos germes de perverso dasade divina, que agregou ao seu corpo sutil pelo descuido moral e pelodesejo de gozar mais que os outros. A carne terrestre, onde abusamos, tambm o campo bendito onde conseguimos realizar frutuo-

  • 40NOSSO LAR

    sos labores de cura radical, quando permanecemos atentos ao dever justo.Meditei os conceitos, ponderei a bondade divina e, na exaltao da

    sensibilidade, chorei copiosamente.Lsias, contudo, terminou o tratamento do dia, com serenidade, e

    falou:- Quando as lgrimas no se originam da revolta, sempre constituem

    remdio depurador. Chore, meu amigo. Desabafe o corao. E abenoemosaquelas benemritas organizaes microscpicas que so as clulas decarne na Terra. To humildes e to preciosas, to detestadas e to sublimespelo esprito de servio. Sem elas, que nos oferecem templo retificao,quantos milnios gastaramos na ignorncia?

    Assim falando, afagou-me carinhosamente a fronte abatida edespediu-se com um sculo de amor.

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    PRECIOSO AVISO

    No dia imediato, aps a orao do crepsculo, Clarncio me procurouem companhia do atencioso visitador.

    Fisionomia a irradiar generosidade, perguntou, abraando-me:- Como vai? Melhorzinho?Esbocei o gesto do enfermo que se v acariciado na Terra,

    amolecendo as fibras emotivas. No mundo, s vezes, o carinho fraterno mal interpretado. Obedecendo ao velho vicio, comecei a explicar-me,enquanto os dois benfeitores se sentavam comodamente a meu lado:

    - No posso negar que esteja melhor; entretanto, sofro intensamente.Muitas dores na zona intestinal, estranhas sensaes de angstia nocorao. Nunca supus fosse capaz de tamanha resistncia, meu amigo. Ah!como tem sido pesada a minha cruz!... Agora que posso concatenar idias,creio que a dor me aniquilou todas as foras disponveis...

    Clarncio ouvia, atencioso, demonstrando grande interesse pelasminhas lamentaes, sem o menor gesto

  • 42NOSSO LAR

    que denunciasse o propsito de intervir no assunto. Encorajado com essaatitude, continuei:

    - Alm do mais, meus sofrimentos morais so enormes einexprimveis. Amainada a tormenta exterior com os socorros recebidos,volto agora s tempestades ntimas. Que ter sido feito de minha esposa, demeus filhos? Teria o meu primognito conseguido progredir, segundo meuvelho ideal? E as filhinhas? Minha desventurada Zlia muitas vezes afirmouque morreria de saudades, se um dia eu lhe faltasse. Admirvel esposa!Ainda lhe sinto as lgrimas dos momentos derradeiros. No sei desdequando vivo o pesadelo da distncia... Continuadas dilaceraes roubaram-me a noo do tempo. Onde estar minha pobre companheira? Chorandojunto s cinzas do meu corpo, ou nalgum recanto escuro das regies damorte? Oh! minha dor muito amarga! Que terrvel destino o do homempenhorado no devotamento famlia! Creio que raras criaturas teropadecido tanto quanto eu!... No planeta, vicissitudes, desenganos, doenas,incompreenses e amarguras, abafando escassas notas de alegria; depois,os sofrimentos da morte do corpo... Em seguida, martirizaes no alm-tmulo! Que ser, ento, a vida? Sucessivo desenrolar de misrias elgrimas? No haver recurso semeadura da paz? Por mais que desejefirmar-me no otimismo, sinto que a noo de infelicidade me bloqueia oesprito, como terrvel crcere do corao. Que desventurado destino,generoso benfeitor!.

    Chegado a essa altura, o vendaval da queixa me conduzira o barcomental ao oceano largo das lgrimas.

    Clarncio, contudo, levantou-se sereno e falou sem afetao:- Meu amigo, deseja voc, de fato, a cura espiritual?Ao meu gesto afirmativo, continuou:

  • 43NOSSO LAR

    - Aprenda, ento, a no falar excessivamente de si mesmo, nemcomente a prpria dor. Lamentao denota enfermidade mental eenfermidade de curso laborioso e tratamento difcil. indispensvel criarpensamentos novos e disciplinar os lbios. Somente conseguiremosequilbrio, abrindo o corao ao Sol da Divindade. Classificar o esforonecessrio de imposio esmagadora, enxergar padecimentos onde h lutaedificante, si identificar indesejvel cegueira dalma. Quanto mais utilize overbo por dilatar consideraes dolorosas, no crculo da personalidade,mais duros se tornaro os laos que o prendem a lembranas mesquinhas.O mesmo Pai que vela por sua pessoa, oferecendo-lhe teto generoso, nestacasa, atender aos seus parentes terrestres. Devemos ter nossoagrupamento familiar como sagrada construo, mas sem esquecer quenossas famlias so sees da Famlia universal, sob a Direo Divina.Estaremos a seu lado para resolver dificuldades presentes e estruturarprojetos de futuro, mas no dispomos do tempo para voltar a zonas estreisde lamentao. Alm disso, temos, nesta colnia, o compromisso de aceitaro trabalho mais spero como bno de realizao, considerando que aProvidncia desborda amor, enquanto ns vivemos onerados de dvidas. Sedeseja permanecer nesta casa de assistncia, aprenda a pensar com justeza.

    Nesse nterim, secara-se-me o pranto e, chamado a brios pelogeneroso instrutor, assumi diversa atitude, embora envergonhado da minhafraqueza.

    - No disputava voc, na carne - prosseguiu Clarncio, bondoso -, asvantagens naturais, decorrentes das boas situaes? No estimava aobteno de recursos lcitos, ansioso de estender benefcios aos entesamados? No se interessava pelas remuneraes justas, pelas expressesde conforto, com possibilidades de atender famlia? Aqui, o programa no diferente. Apenas di-

  • 44NOSSO LAR

    vergem os detalhes. Nos crculos carnais, a conveno e a garantiamonetria; aqui, o trabalho e as aquisies definitivas do esprito imortal.Dor, para ns, significa possibilidade de enriquecer a alma; a luta constituicaminho para a divina realizao. Compreendeu a diferena? As almasdbeis, ante o servio, deitam-se para se queixarem aos que passam; asfortes, porm, recebem o servio como patrimnio sagrado, namovimentao do qual se preparam, a caminho da perfeio. Ningum lhecondena a saudade justa, nem pretende estancar sua fonte de sentimentossublimes. Acresce notar, todavia, que o pranto da desesperao no edificao bem. Se ama, em verdade, a famlia terrena, preciso bom nimo para lheser til.

    Fez-se longa pausa. A palavra de Clarncio levantara-me paraelucubraes mais sadias.

    Enquanto meditava a sabedoria da valiosa advertncia, meu benfeitor,qual o pai que esquece a leviandade dos filhos para recomear serenamentea lio, tornou a perguntar com um belo sorriso:

    - Ento, como passa? Melhor?Contente por me sentir desculpado, maneira da criana que deseja

    aprender, respondi, confortado:- Vou bem melhor, para melhor compreender a Vontade Divina.

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    EXPLICAES DE LSIASRepetiram-se as visitas peridicas de Clarncio e a ateno diria de

    Lsias. medida que procurava habituar-me aos deveres novos, sensaes

    de desafogo me aliviavam o corao. Diminuram as dores e osimpedimentos de locomoo fcil. Notava, porm, que, a recordaes maisfortes dos fenmenos fsicos, me voltavam a angstia, o receio dodesconhecido, a mgoa da inadaptao. Apesar de tudo, encontrava maissegurana dentro de mim.

    Deleitava-me, agora, contemplando os horizontes vastos, debruados janelas espaosas. Impressionavam-me, sobretudo, os aspectos daNatureza. Quase tudo, melhorada cpia da Terra. Cores mais harmnicas,substncias mais delicadas. Forrava-se o solo de vegetao. Grandesrvores, pomares fartos e jardins deliciosos. Desenhavam-se montescoroados de luz, em continuidade plancie onde a colnia repousava.Todos os departamentos apareciam cultivados com esmero. A pequenadistncia, alteavam-se graciosos edifcios. Alinhavam-se a espaosregulares, exibindo formas diversas. Nenhum sem flores entrada,destacando-se algumas casinhas

  • 46NOSSO LAR

    encantadoras, cercadas por muros de hera, onde rosas diferentesdesabrochavam, aqui e ali, adornando o verde de cambiantes variados. Avesde plumagens policromas cruzavam os ares e, de quando em quando,pousavam agrupadas nas torres muito alvas, a se erguerem retilneas,lembrando lrios gigantescos, rumo ao cu.

    Das janelas largas, observava, curioso, o movimento do parque.Extremamente surpreendido, identificava animais domsticos, entre asrvores frondosas, enfileiradas ao fundo.

    Nas minhas lutas introspectivas, perdia-me em indagaes de todasorte. No conseguia atinar com a multiplicidade de formas anlogas s doplaneta, considerando a circunstncia de me encontrar numa esferapropriamente espiritual.

    Lsias, o companheiro amvel de todos os dias, no regateavaexplicaes.

    A morte do corpo no conduz o homem a situaes miraculosas, dizia.Todo processo evolutivo implica gradao. H regies mltiplas para osdesencarnados, como existem planos inmeros e surpreendentes para ascriaturas envolvidas de carne terrestre. Almas e sentimentos, formas ecoisas, obedecem a princpios de desenvolvimento natural e hierarquiajusta.

    Preocupava-me, todavia, permanecer ali, num parque de sade, haviamuitas semanas, sem a visita sequer de um conhecido do mundo. Afinal,no fora eu a nica pessoa do meu crculo a decifrar o enigma da sepultura.Meus pais me haviam antecipado na grande jornada. Amigos vrios, noutrotempo, me haviam precedido. Por que, ento, no apareciam naquele quartode enfermidade espiritual, para conforto do meu corao dolorido?Bastariam alguns momentos de consolao.

  • 47NOSSO LAR

    Um dia, no pude conter-me e perguntei ao solcito visitador:- Meu caro Lsias, acha possvel, aqui, o encontro com aqueles que

    nos antecederam na morte do corpo fsico?- Como no? Pensa que est esquecido?!...- Sim. Por que no me visitam? Na Terra, sempre contei com a

    abnegao maternal. Minha me, entretanto, at agora no deu sinal de vida.Meu pai, igualmente, fez a grande viagem; trs anos antes do meu trespasse.

    - Pois note - esclareceu Lsias -, sua me o tem ajudado dia e noite,desde a crise que antecipou sua vinda. Quando se acamou para abandonar ocasulo terrestre, duplicou-se o interesse maternal a seu respeito. Talvez nosaiba ainda que sua permanncia nas esferas inferiores durou mais de oitoanos consecutivos. Ela jamais desanimou. Intercedeu, muitas vezes, em"Nosso Lar", a seu favor. Rogou os bons ofcios de Clarncio, que comeoua visit-lo freqentemente, at que o medico da Terra, vaidoso, se afastasseum tanto, a fim de surgir o filho dos Cus. Compreendeu?

    Eu tinha os olhos midos. Ignorava o nmero de anos que medistanciavam da gleba terrestre. Desejei conhecer os processos de proteoimperceptvel, mas no consegui. Minhas cordas vocais estavamentorpecidas, com o n de lgrimas represadas no corao.

    - No dia em que voc orou com tanta alma - prosseguiu o enfermeirovisitador -, quando compreendeu que tudo no Universo pertence ao PaiSublime, seu pranto era diferente. No sabe que h chuvas que destroem echuvas que criam? Lgrimas h tambm, assim. lgico que o Senhor noespera por nossas rogativas para nos amar; no entanto, indispensvel noscolocarmos

  • 48NOSSO LAR

    em determinada posio receptiva, a fim de compreender-lhe a infinitabondade. Um espelho enfuscado no reflete a luz. Desse modo, o Pai noprecisa de nossas penitncias, mas convenhamos que as penitnciasprestam timos servios a ns mesmos. Entendeu? Clarncio no tevedificuldade em localiz-lo, atendendo aos apelos de sua carinhosa genitorada Terra; voc, porm, demorou muito a encontrar Clarncio. E quando suamezinha soube que o filho havia rasgado os vus escuros com o auxlio daorao, chorou de alegria, segundo me contaram...

    - E onde est minha me? - exclamei, por fim. Se me permitido,quero v-la, abra-la, ajoelhar-me a seus ps!

    - No vive em "Nosso Lar" - esclareceu Lsias -, habita esferas maisaltas, onde trabalha no somente por voc.

    Observando meu desapontamento, acrescentou, fraterno:- Vir v-lo, por certo, antes mesmo do que pensamos. Quando

    algum deseja algo ardentemente, j se encontra a caminho da realizao.Tem voc, nesse particular, a lio do prprio caso. Anos a fio rolou, comopluma, albergando o medo, as tristezas e desiluses; mas, quandomentalizou firmemente a necessidade de receber o auxlio divino, dilatou opadro vibratrio da mente e alcanou viso e socorro.

    Olhos brilhantes, encorajado pelo esclarecimento recebido, exclamei,resoluto:

    - Desejarei, ento, com todas as minhas foras... ela vir. . . ela vir...Lsias sorriu com inteligncia, e, como quem previne, generoso,

    afirmou ao despedir-se:

  • 49NOSSO LAR

    - Convm no esquecer, contudo, que a realizao nobre exige trsrequisitos fundamentais, a saber: primeiro, desejar; segundo, saber desejar;e, terceiro, merecer, ou, por outros termos, vontade ativa, trabalhopersistente e merecimento justo.

    O visitador ganhou a porta de sada, sorridente, enquanto eu medetinha silencioso, a meditar no extenso programa formulado em to poucaspalavras.

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    ORGANIZAO DE SERVIOSDecorridas algumas semanas de tratamento ativo, sa, pela primeira

    vez, em companhia de Lsias.Impressionou-me o espetculo das ruas. Vastas avenidas, enfeitadas

    de rvores frondosas. Ar puro, atmosfera de profunda tranqilidadeespiritual. No havia, porm, qualquer sinal de inrcia ou de ociosidade,porque as vias pblicas estavam repletas. Entidades numerosas iam evinham. Algumas pareciam situar a mente em lugares distantes, mas outrasme dirigiam olhares acolhedores. Incumbia-se o companheiro de orientar-meem face das surpresas que surgiam ininterruptas. Percebendo-me as ntimasconjeturas, esclareceu solcito:

    - Estamos no local do Ministrio do Auxlio. Tudo o que vemos,edifcios, casas residenciais, representa instituies e abrigos adequados tarefa de nossa jurisdio. Orientadores, operrios e outros serviais damisso residem aqui. Nesta zona, atende-se a doentes, ouvem-se rogativas,selecionam-se preces, preparam-se reencarnaes terrenas, organizam-seturmas de socorro aos habitantes do Umbral, ou aos que choram na Terra,estu-

  • 51NOSSO LAR

    dam-se solues para todos os processos que se prendem ao sofrimento.- H, ento, em "Nosso Lar", um Ministrio do Auxlio? - perguntei.- Como no? Nossos servios so distribudos numa organizao que

    se aperfeioa dia a dia, sob a orientao dos que nos presidem os destinos.Fixando em mim os olhos lcidos, prosseguiu:- No tem visto, nos atos da prece, nosso Governador Espiritual

    cercado de setenta e dois colaboradores? Pois so os Ministros de "NossoLar". A colnia, que essencialmente de trabalho e realizao, divide-se emseis Ministrios, orientados, cada qual, por doze Ministros. Temos osMinistrios da Regenerao, do Auxlio, da Comunicao, doEsclarecimento, da Elevao e da Unio Divina. Os quatro primeiros nosaproximam das esferas terrestres, os dois ltimos nos ligam ao planosuperior, visto que a nossa cidade espiritual zona de transio. Osservios mais grosseiros localizam-se no Ministrio da Regenerao, osmais sublimes no da Unio Divina. Clarncio, o nosso chefe amigo, um dosMinistros do Auxlio.

    Valendo-me da pausa natural, exclamei, comovido:- Oh! nunca imaginei a possibilidade de organizaes to completas,

    depois da morte do corpo fsico!...- Sim - esclareceu Lsias -, o vu da iluso muito denso nos crculos

    carnais. O homem vulgar ignora que toda manifestao de ordem, nomundo, procede do plano superior. A natureza agreste transforma-se emjardim, quando orientada pela mente do homem, e o pensamento humano,selvagem na criatura primitiva, transforma-se em potencial criador, quandoinspirado pelas mentes que funcionam nas esferas mais altas. Ne-

  • 52NOSSO LAR

    nhuma organizao til se materializa na crosta terrena, sem que seus raiosiniciais partam de cima.

    - Mas "Nosso Lar" ter igualmente uma histria, como as grandescidades planetrias?

    - Sem dvida. Os planos vizinhos da esfera terrquea possuem,igualmente, natureza especfica. "Nosso Lar" antiga fundao deportugueses distintos, desencarnados no Brasil, no sculo XVI. A princpio,enorme e exaustiva foi a luta, segundo consta em nossos arquivos noMinistrio do Esclarecimento. H substncias speras nas zonas invisveis Terra, tal como nas regies que se caracterizam pela matria grosseira. Aquitambm existem enormes extenses de potencial inferior, como h, noplaneta, grandes tratos de natureza rude e incivilizada. Os trabalhosprimordiais foram desanimadores, mesmo para os espritos fortes. Onde secongregam hoje vibraes delicadas e nobres, edifcios de fino lavor,misturavam-se as notas primitivas dos silvcolas do pais e as construesinfantis de suas mentes rudimentares. Os fundadores no desanimaram,porm. Prosseguiram na obra, copiando o esforo dos europeus quechegavam esfera material, apenas com a diferena de que, por l, seempregava a violncia, a guerra, a escravido, e, aqui, o servioperseverante, a solidariedade fraterna, o amor espiritual.

    A essa altura, atingramos uma praa de maravilhosos contornos,ostentando extensos jardins. No centro da praa, erguia-se um palcio demagnificente beleza, encabeado de torres soberanas, que se perdiam nocu.

    - Os fundadores da colnia comearam o esforo, partindo daqui,onde se localiza a Governadoria - disse o visitador.

    Apontando o palcio, continuou:

  • 53NOSSO LAR

    - Temos, nesta praa, o ponto de convergncia dos seis ministrios aque me referi. Todos comeam da Governadoria, estendendo-se em formatriangular.

    E, respeitoso, comentou:- Ali vive o nosso abnegado orientador. Nos trabalhos administrativos,

    utiliza ele a colaborao de trs mil funcionrios; entretanto, ele otrabalhador mais infatigvel e mais fiel que todos ns reunidos. Os Ministroscostumam excursionar noutras esferas, renovando energias e valorizandoconhecimentos; ns outros gozamos entretenimentos habituais, mas oGovernador nunca dispe de tempo para isso. Faz questo quedescansemos, obriga-nos a frias peridicas, ao passo que, ele mesmo,quase nunca repousa, mesmo no que concerne s horas de sono. Parece-me que a glria dele o servio perene. Basta lembrar que estou aqui hquarenta anos e, com exceo das assemblias referentes s precescoletivas, raramente o tenho visto em festividades pblicas. Seupensamento, porm, abrange todos os crculos de servio, sua assistnciacarinhosa a tudo e a todos atinge.

    Depois de longa pausa, o enfermeiro amigo acentuou:- No faz muito, comemorou-se o 114 aniversrio da sua magnnima

    direo.Calara-se Lsias, evidenciando comovida reverncia, enquanto eu a

    seu lado contemplava, respeitoso e embevecido, as torres maravilhosas quepareciam cindir o firmamento...

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    PROBLEMA DE ALIMENTAOEnlevado na viso dos jardins prodigiosos, pedi ao dedicado

    enfermeiro para descansar alguns minutos num banco prximo. Lsias anuiude bom grado.

    Agradvel sensao de paz me felicitava o esprito. Caprichososrepuxos de gua colorida ziguezagueavam no ar, formando figurasencantadoras.

    - Quem observa esta colmeia imensa de servio - ponderei - induzidoa examinar numerosos problemas. E o abastecimento? No tenho notcia deum Ministrio da Economia...

    - Antigamente - explicou o paciente interlocutor - os servios dessanatureza assumiam feio mais destacada. Deliberou, porm, o atualGovernador atenuar todas as expresses de vida que nos recordassem osfenmenos puramente materiais. As atividades de abastecimento ficaram,assim, reduzidas a simples servio de distribuio, sob o controle direto daGovernadoria. Alis, a providncia constitui medida das mais benficas.Rezam os anais que a colnia, h um sculo, lutava com extremasdificuldades para adaptar os habitantes s leis da simplicidade. Muitosrecm-chegados ao "Nosso

  • 55NOSSO LAR

    Lar" duplicavam exigncias. Queriam mesas lautas, bebidas excitantes,dilatando velhos vcios terrenos. Apenas o Ministrio da Unio Divina ficouimune de tais abusos, pelas caractersticas que lhe so prprias; no entanto,os demais viviam sobrecarregados de angustiosos problemas dessa ordem.O Governador atual, todavia, no poupou esforos. To logo assumiuobrigaes administrativas, adotou providncias justas. Antigosmissionrios, daqui, puseram-me ao corrente de curiosos acontecimentos.Disseram-me que, a pedido da Governadoria, vieram duzentos instrutores deuma esfera muito elevada, a fim de espalharem novos conhecimentos,relativos cincia da respirao e da absoro de princpios vitais daatmosfera. Realizaram-se assemblias numerosas. Alguns colaboradorestcnicos de "Nosso Lar" manifestavam-se contrrios, alegando que a cidade de transio e que no seria justo, nem possvel, desambientarimediatamente os homens desencarnados, mediante exigncias desse teor,sem grave perigo para suas organizaes espirituais. O Governador,contudo, no desanimou. Prosseguiram as reunies, providncias eatividades, durante trinta anos consecutivos. Algumas entidades eminenteschegaram a formular protestos de carter pblico, reclamando. Por mais dedez vezes, o Ministrio do Auxlio esteve superlotado de enfermos, onde seconfessavam vtimas do novo sistema de alimentao deficiente. Nessesperodos, os opositores da reduo multiplicavam acusaes. OGovernador, porm, jamais castigou algum. Convocava os adversrios damedida a palcio e expunha-lhes, paternalmente, os projetos e finalidadesdo regime; destacava a superioridade dos mtodos de espiritualizao,facilitava aos mais rebeldes inimigos do novo processo variadas excursesde estudo, em planos mais elevados que o nosso, ganhando, assim, maiornmero de adeptos.

  • 56NOSSO LAR

    Ante pausa mais longa, reclamei, interessado:- Continue, por favor, meu caro Lsias. Como terminou a luta

    edificante?- Depois de vinte e um anos de perseverantes demonstraes, por

    parte da Governadoria, aderiu o Ministrio da Elevao, passando aabastecer-se apenas do indispensvel. O mesmo no aconteceu com oMinistrio do Esclarecimento, que demorou muito a assumir compromisso,em vista dos numerosos espritos dedicados s cincias matemticas, queali trabalham. Eram eles os mais teimosos adversrios. Mecanizados nosprocessos de protenas e carboidratos, imprescindveis aos veculos fsicos,no cediam terreno nas concepes correspondentes daqui. Semanalmente,enviavam ao Governador longas observaes e advertncias, repletas deanlises e numeraes, atingindo, por vezes, a imprudncia. O velhogovernante, contudo, nunca agiu por si s. Requisitou assistncia de nobresmentores, que nos orientam atravs do Ministrio da Unio Divina, e jamaisdeixou o menor boletim de esclarecimento sem exame minucioso. Enquantoargumentavam os cientistas e a Governadoria contemporizava, formaram-seperigosos distrbios no antigo Departamento de Regenerao, hojetransformado em Ministrio. Encorajados pela rebeldia dos cooperadores doEsclarecimento, os espritos menos elevados que ali se recolhiamentregaram-se a condenveis manifestaes. Tudo isso provocou enormescises nos rgos coletivos de "Nosso Lar", dando ensejo a perigosoassalto das multides obscuras do Umbral, que tentaram invadir a cidade,aproveitando brechas nos servios de Regenerao, onde grande nmero decolaboradores entretinha certo intercmbio clandestino, em virtude dosvcios de alimentao. Dado o alarme, o Governador no se perturbou.Terrveis ameaas pairavam sobre todos. Ele, porm, solicitou audincia aoMinistrio

  • 57NOSSO LAR

    da Unio Divina e, depois de ouvir o nosso mais alto Conselho, mandoufechar provisoriamente o Ministrio da Comunicao, determinoufuncionassem todos os calabouos da Regenerao, para isolamento dosrecalcitrantes, advertiu o Ministrio do Esclarecimento, cujas impertinnciassuportou mais de trinta anos consecutivos, proibiu temporariamente osauxlios s regies inferiores, e, pela primeira vez na sua administrao,mandou ligar as baterias eltricas das muralhas da cidade, para emisso dedardos magnticos a servio da defesa comum. No houve combate, nemofensiva da colnia, mas resistncia resoluta. Por mais de seis meses, osservios de alimentao, em "Nosso Lar", foram reduzidos inalao deprincpios vitais da atmosfera, atravs da respirao, e gua misturada aelementos solares, eltricos e magnticos. A colnia ficou, ento, sabendo oque vem a ser a indignao do esprito manso e justo. Findo o perodo maisagudo, a Governadoria estava vitoriosa. O prprio Ministrio doEsclarecimento reconheceu o erro e cooperou nos trabalhos dereajustamento. Houve, nesse comenos, regozijo pblico e dizem que, emmeio da alegria geral, o Governador chorou sensibilizado, declarando que acompreenso geral constitua o verdadeiro prmio ao seu corao. A cidadevoltou ao movimento normal. O antigo Departamento da Regenerao foiconvertido em Ministrio. Desde ento, s existe maior suprimento desubstncias alimentcias que lembram a Terra, nos Ministrios daRegenerao e do Auxlio, onde h sempre grande nmero de necessitados.Nos demais h somente o indispensvel, isto , todo o servio dealimentao obedece a inexcedvel sobriedade. Presentemente, todosreconhecem que a suposta impertinncia do Governador representoumedida de elevado alcance para nossa libertao espiritual. Reduziu-se a

  • 58NOSSO LAR

    expresso fsica e surgiu maravilhoso coeficiente de espiritualidade.Lsias silenciou e eu me entreguei a profundos pensamentos sobre a

    grande lio.

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    NO BOSQUE DAS GUASDado o meu interesse crescente pelos processos de alimentao,

    Lsias convidou:- Vamos ao grande reservatrio da colnia. L observar coisas

    interessantes. Ver que a gua quase tudo em nossa estncia detransio.

    Curiosssimo, acompanhei o enfermeiro sem vacilar.Chegados a extenso ngulo da praa, o generoso amigo acrescentou:- Esperemos o aerbus. (1)Mal me refazia da surpresa, quando surgiu grande carro, suspenso do

    solo a uma altura de cinco metros mais ou menos e repleto de passageiros.Ao descer at ns, maneira de um elevador terrestre, examinei-o comateno. No era mquina conhecida na Terra. Constituda de material muitoflexvel, tinha enorme comprimento, parecendo ligada a fios invisveis, emvirtude do grande nmero de antenas na tolda. Mais tarde, con-

    __________

    (1) Carro areo, que seria na Terra um grande funicular.

  • 60NOSSO LAR

    firmei minhas suposies, visitando as grandes oficinas do Servio deTrnsito e Transporte.

    Lsias no me deu tempo a indagaes. Aboletados convenientementeno recinto confortvel, seguimos Silenciosos. Experimentava a timideznatural do homem desambientado, entre desconhecidos. A velocidade eratanta que no permitia fixar os detalhes das construes escalonadas noextenso percurso. A distncia no era pequena, porque s depois dequarenta minutos, incluindo ligeiras paradas de trs em trs quilmetros, meconvidou Lsias a descer, sorridente e calmo.

    Deslumbrou-me o panorama de belezas sublimes. O bosque, emflorao maravilhosa, embalsamava o vento fresco de inebriante perfume.Tudo em prodgio de cores e luzes cariciosas. Entre margens bordadas degrama viosa, toda esmaltada de azulneas flores, deslizava um rio degrandes propores. A corrente rolava tranqila, mas to cristalina queparecia tonalizada em matiz celeste, em vista dos reflexos do firmamento.Estradas largas cortavam a verdura da paisagem. Plantadas a espaosregulares, rvores frondosas ofereciam sombra amiga, maneira de pousosdeliciosos, na claridade do Sol confortador. Bancos de caprichososformatos convidavam ao descanso.

    Notando o meu deslumbramento, Lsias explicou:- Estamos no Bosque das guas. Temos aqui uma das mais belas

    regies de "Nosso Lar". Trata-se de um dos locais prediletos para asexcurses dos amantes, que aqui vm tecer as mais lindas promessas deamor e fidelidade, para as experincias da Terra.

    A observao ensejava consideraes muito interessantes, mas Lsiasno me deu azo a perguntas nesse particular. Indicando um edifcio deenormes propores, esclareceu:

  • 61NOSSO LAR

    - Ali o grande reservatrio da colnia. Todo o volume do Rio Azul,que temos vista, absorvido em caixas imensas de distribuio. As guasque servem a todas as atividades da colnia partem daqui. Em seguida,renem-se novamente, abaixo dos servios da Regenerao, e voltam aconstituir o rio, que prossegue o curso normal, rumo ao grande oceano desubstncias invisveis para a Terra.

    Percebendo-me a indagao ntima, acrescentou:- Com efeito, a gua aqui tem outra densidade. Muito mais tnue, pura,

    quase fludica.Notando as magnficas construes que me fronteavam, interroguei:- A que Ministrio est afeto o servio de distribuio?- Imagine - elucidou Lsias - que este um dos raros servios

    materiais do Ministrio da Unio Divina!- Que diz? - perguntei, ignorando como conciliar uma e outra coisa.O visitador sorriu e obtemperou prazenteiro:- Na Terra quase ningum cogita seriamente de conhecer a

    importncia da gua. Em "Nosso Lar", contudo, outros so osconhecimentos. Nos crculos religiosos do planeta, ensinam que o Senhorcriou as guas. Ora, lgico que todo servio criado precisa de energias ebraos para ser convenientemente mantido. Nesta cidade espiritual,aprendemos a agradecer ao Pai e aos seus divinos colaboradoressemelhante ddiva. Conhecendo-a mais intimamente, sabemos que a gua veculo dos mais poderosos para os fluidos de qualquer natureza. Aqui, ela empregada sobretudo como alimento e remdio. H reparties noMinistrio do Auxlio absolutamente consagradas manipulao de guapura, com certos princpios suscetveis de serem captados na

  • 62NOSSO LAR

    luz do Sol e no magnetismo espiritual. Na maioria das regies da extensacolnia, o sistema de alimentao tem a suas bases. Acontece, porm, ques os Ministros da Unio Divina so detentores do maior padro deEspiritualidade Superior, entre ns, cabendo-lhes a magnetizao geral dasguas do Rio Azul, a fim de que sirvam a todos os habitantes de "NossoLar", com a pureza imprescindvel. Fazem eles o servio inicial de limpeza eos institutos realizam trabalhos especficos, no suprimento de substnciasalimentares e curativas. Quando os diversos fios da corrente se renem denovo, no ponto longnquo, oposto a este bosque, ausenta-se o rio de nossazona, conduzindo em seu seio nossas qualidades espirituais.

    Eu estava embevecido com as explicaes.- No planeta - objetei -, jamais recebi elucidaes desta natureza.- O homem desatento, h muitos sculos - tornou Lsias -; o mar

    equilibra-lhe a moradia planetria, o elemento aquoso fornece-lhe o corpofsico, a chuva d-lhe o po, o rio organiza-lhe a cidade, a presena da guaoferece-lhe a bno do lar e do servio; entretanto, ele sempre se julga oabsoluto dominador do mundo, esquecendo que filho do Altssimo, antesde qualquer considerao. Vir tempo, contudo, em que copiar nossosservios, encarecendo a importncia dessa ddiva do Senhor.Compreender, ento, que a gua, como fluido criador, absorve, em cada lar,as caractersticas mentais de seus moradores. A gua, no mundo, meuamigo, no somente carreia os resduos dos corpos, mas tambm asexpresses de nossa vida mental. Ser nociva nas mos perversas, til nasmos generosas e, quando em movimento, sua corrente no s espalharbno de vida, mas constituir igualmente um veculo da ProvidnciaDivina, absorvendo amarguras, dios e ansiedades dos

  • 63NOSSO LAR

    homens, lavando-lhes a casa material e purificando-lhes a atmosfera ntima.Calou-se o interlocutor em atitude reverente, enquanto meus olhos

    fixavam a corrente tranqila a despertar-me sublimes pensamentos.

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    NOTCIAS DO PLANODesejaria meu generoso companheiro facultar-me observaes

    diferentes, nos diversos bairros da colnia, mas obrigaes imperiosaschamavam-no ao posto.

    - Ter voc ocasio de conhecer as diversas regies dos nossosservios - exclamou bondosamente -' pois, conforme v, os Ministrios do"Nosso Lar" so enormes clulas de trabalho ativo. Nem mesmo alguns diasde estudo oferecem ensejo viso detalhada de um s deles. No lhe faltaroportunidade, porm. Ainda que me no seja possvel acompanh-lo,Clarncio tem poderes para obter-lhe ingresso fcil em qualquerdependncia.

    Voltamos ao ponto de passagem do aerbus, que no se fez esperar.Agora, sentia-me quase vontade. A presena de muitos passageiros

    no me constrangia. A experincia anterior fizera-me benefcios enormes.Esfervilhava-me o crebro de teis indagaes. Interessado em resolv-las,aproveitei o minuto para valer-me do companheiro, quando possvel.

  • 65NOSSO LAR

    - Lsias, amigo - perguntei -, poder informar-me se todas as colniasespirituais so idnticas a esta? Os mesmos processos, as mesmascaractersticas?

    - De modo algum. Se nas esferas materiais, cada regio e cadaestabelecimento revelam traos peculiares, imagine a multiplicidade decondies em nossos planos. Aqui, tal como na Terra, as criaturas seidentificam pelas fontes comuns de origem e pela grandeza dos fins quedevem atingir; mas importa considerar que cada colnia, como cadaentidade, permanece em degraus diferentes na grande ascenso. Todas asexperincias de grupo diversificam-se entre si e "Nosso Lar" constitui umaexperincia coletiva dessa natureza. Segundo nossos arquivos, muitasvezes os que nos antecederam buscaram inspirao nos trabalhos deabnegados trabalhadores de outras esferas; em compensao, outrosagrupamentos buscam o nosso concurso para outras colnias em formao.Cada organizao, todavia, apresenta particularidades essenciais.

    Observando que o intervalo se fazia mais longo, interroguei:- Partiu daqui a interessante formao de Ministrios?- Sim, os missionrios da criao de "Nosso Lar" visitaram os

    servios de "Alvorada Nova", uma das colnias espirituais mais importantesque nos circunvizinham e ali encontraram a diviso por departamentos.Adotaram o processo, mas substituram a palavra departamento porMinistrio, com exceo dos servios regeneradores, que, somente com oGovernador atual, conseguiram elevao. Assim procederam, considerandoque a organizao em Ministrios mais expressiva, como definio deespiritualidade.

    - Muito bem! - acrescentei.

  • 66NOSSO LAR

    - E no tudo - prosseguiu o enfermeiro, atencioso -, a instituio eminentemente rigorosa, no que concerne ordem e hierarquia. Nenhumacondio de destaque concedida aqui a ttulo de favor. Somente quatroentidades conseguiram ingressar, com responsabilidade definida, no cursode dez anos, no Ministrio da Unio Divina. Em geral, todos ns, decorridolongo estgio de servio e aprendizado, voltamos a reencarnar, paraatividades de aperfeioamento.

    Enquanto eu ouvia essas informaes, justamente curioso, Lsiascontinuava:

    - Quando os recm-chegados das zonas inferiores do Umbral serevelam aptos a receber cooperao fraterna, demoram no Ministrio doAuxlio; quando, porm, se mostram refratrios, so encaminhados aoMinistrio da Regenerao. Se revelam proveito, com o correr do tempo soadmitidos aos trabalhos de Auxlio, Comunicao e Esclarecimento, a fim dese prepararem, com eficincia, para futuras tarefas planetrias. Somentealguns conseguem atividade prolongada no Ministrio da Elevao, erarssimos, em cada dez anos, os que alcanam intimidade nos trabalhos daUnio Divina. E no suponha que os testemunhos sejam vagas expressesde atividade idealista. J no estamos na esfera do globo, onde odesencarnado promovido compulsoriamente a fantasma. Vivemos emcirculo de demonstraes ativas. As tarefas de Auxlio so laboriosas ecomplicadas, os deveres no Ministrio da Regenerao constituemtestemunhos pesadssimos, os trabalhos na Comunicao exigem altanoo da responsabilidade individual, os campos do Esclarecimentorequisitam grande capacidade de trabalho e valores intelectuais profundos,o Ministrio da Elevao pede renncia e iluminao, as atividades da UnioDivina requerem conhecimento justo e sincera aplicao do amor universal.A Governado-

  • 67NOSSO LAR

    ria, por sua vez, sede movimentada de todos os assuntos administrativos,numerosos servios de controle direto, como, por exemplo, o dealimentao, distribuio de energias eltricas, trnsito, transporte e outros.Aqui, em verdade, a lei do descanso rigorosamente observada, para quedeterminados servidores no fiquem mais sobrecarregados que outros; masa lei do trabalho tambm rigorosamente cumprida. No que concerne aorepouso, a nica exceo o prprio Governador, que nunca aproveita oque lhe toca, nesse terreno.

    - Mas, nunca se ausenta ele do palcio? - interroguei.- Somente nas ocasies que o bem pblico o exige. A no ser em

    obedincia a esse imperativo, o Governador vai semanalmente ao Ministrioda Regenerao, que representa a zona de "Nosso Lar" onde h maiornmero de perturbaes, dada a sintonia de muitos dos seus abrigados comos irmos do Umbral. Numerosas multides de espritos desviados ali seencontram recolhidas. Aproveita ele, pois, as tardes de domingo, depois deorar com a cidade no Grande Templo da Governadoria, para cooperar comos Ministros da Regenerao, atendendo-lhes os difceis problemas detrabalho. Nesse mister, priva-se, s vezes, de alegrias sagradas, amparandoa desorientados e sofredores.

    Deixara-nos o aerbus nas vizinhanas do hospital, onde meaguardava o aposento confortador.

    Em plena via pblica, ouviam-se, tal qual observara sada, belasmelodias atravessando o ar. Notando-me a expresso indagadora, Lsiasexplicou fraternalmente:

    - Essas msicas procedem das oficinas onde trabalham os habitantesde "Nosso Lar". Aps consecutivas observaes, reconheceu aGovernadoria que a msica

  • 68NOSSO LAR

    intensifica o rendimento do servio, em todos os setores de esforoconstrutivo. Desde ento, ningum trabalha em "Nosso Lar", sem esseestimulo de alegria.

    Nesse nterim, porm, chegramos Portaria. Atencioso enfermeiroadiantou-se e notificou:

    - Irmo Lsias, chamam-no ao pavilho da direita para servio urgente.O companheiro afastou-se, calmo, enquanto eu me recolhia ao

    aposento particular, repleto de indagaes ntimas.

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    O UMBRAL

    Aps receber to valiosas elucidaes, aguava-se-me o desejo deintensificar a aquisio de conhecimentos relativos a diversos problemasque a palavra de Lsias sugeria. As referncias a espritos do Umbralmordiam-me a curiosidade. A ausncia de preparao religiosa, no mundo,d motivo a dolorosas perturbaes. Que seria o Umbral? Conhecia, apenas,a idia do inferno e do purgatrio, atravs dos sermes ouvidos nascerimnias catlico-romanas a que assistira, obedecendo a preceitosprotocolares. Desse Umbral, porm, nunca tivera notcias.

    Ao primeiro encontro com o generoso visitador, minhas perguntas nose fizeram esperar. Lsias ouviu-me, atencioso, e replicou:

    - Ora, ora, pois voc andou detido por l tanto tempo e no conhece aregio?

    Recordei os sofrimentos passados, experimentando arrepios dehorror.

    - O Umbral - continuou ele, solcito - comea na crosta terrestre. azona obscura de quantos no mun-

  • 70NOSSO LAR

    do no se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados, a fim decumpri-los, demorando-se no vale da indeciso ou no pntano dos errosnumerosos. Quando o esprito reencarna, promete cumprir o programa deservios do Pai; entretanto, ao recapitular experincias no planeta, muitodifcil faz-lo, para s procurar o que lhe satisfaa ao egosmo. Assim quemantidos so o mesmo dio aos adversrios e a mesma paixo pelosamigos. Mas, nem o dio justia, nem a paixo amor. Tudo o que excede,sem aproveitamento, prejudica a economia da vida. Pois bem: todas asmultides de desequilibrados permanecem nas regies nevoentas, que seseguem aos fluidos carnais. O dever cumprido uma porta queatravessamos no Infinito, rumo ao continente sagrado da unio com oSenhor. natural, portanto, que o homem esquivo obrigao justa, tenhaessa bno indefinidamente adiada.

    Notando-me a dificuldade para apreender todo o contedo doensinamento, com vistas minha quase total ignorncia dos princpiosespirituais, Lsias procurou tornar a lio mais clara:

    - Imagine que cada um de ns, renascendo no planeta, somosportadores de um fato sujo, para lavar no tanque da vida humana. Essaroupa imunda o corpo causal, tecido por nossas mos, nas experinciasanteriores. Compartilhando, de novo, as bnos da oportunidade terrestre,esquecemos, porm, o objetivo essencial, e, ao invs de nos purificarmospelo esforo da lavagem, manchamo-nos ainda mais, contraindo novoslaos e encarcerando-nos a ns mesmos em verdadeira escravido. Ora, seao voltarmos ao mundo procurvamos um meio de fugir sujidade, pelodesacordo de nossa situao com o meio elevado, como regressar a essemesmo ambiente luminoso, em piores condies? O Umbral funciona,portanto, como regio destinada a esgotamen-

  • 71NOSSO LAR

    to de resduos mentais; uma espcie de zona purgatorial, onde se queima aprestaes o material deteriorado das iluses que a criatura adquiriu poratacado, menosprezando o sublime ensejo de uma existncia terrena.

    A imagem no podia ser mais clara, mais convincente.No havia como disfarar minha justa admirao. Compreendendo o

    efeito benfico que me traziam aqueles esclarecimentos, Lsias continuou:- O Umbral regio de profundo interesse para quem esteja na Terra.

    Concentra-se, a, tudo o que no tem finalidade para a vida superior. E notevoc que a Providncia Divina agiu sabiamente, permitindo se criasse taldepartamento em torno do planeta. H legies compactas de almasirresolutas e ignorantes, que no so suficientemente perversas para seremenviadas a colnias de reparao mais dolorosa, nem bastante nobres paraserem conduzidas a planos de elevao. Representam fileiras de habitantesdo Umbral, companheiros imediatos dos homens encarnados, separadosdeles apenas por leis vibratrias. No de estranhar, portanto, quesemelhantes lugares se caracterizem por grandes perturbaes. L vivem,agrupam-se, os revoltados de toda espcie. Formam, igualmente, ncleosinvisveis de notvel poder, pela concentrao das tendncias e desejosgerais. Muita gente da Terra no recorda que se desespera quando o carteirono vem, quando o comboio no aparece? Pois o Umbral est repleto dedesesperados. Por no encontrarem o Senhor disposio dos seuscaprichos, aps a morte do corpo fsico, e, sentindo que a coroa da vidaeterna a glria intransfervel dos que trabalham com o Pai, essas criaturasse revelam e demoram em mesquinhas edificaes. "Nosso Lar" tem umasociedade espiritual, mas esses ncleos possuem infeli-

  • 72NOSSO LAR

    zes, malfeitores e vagabundos de vrias categorias. zona de verdugos evtimas, de exploradores e explorados.

    Valendo-me da pausa, que se fizera espontnea, exclamei,impressionado:

    - Como explicar? Ento no h por l defesa, organizao?Sorriu o interlocutor, esclarecendo:- Organizao atributo dos espritos organizados. Que quer voc? A

    zona inferior a que nos referimos qual a casa onde no h po: todosgritam e ningum tem razo. O viajante distrado perde o comboio, oagricultor que no semeou no pode colher. Uma certeza, porm, posso dar-lhe: - no obstante as sombras e angstias do Umbral, nunca faltou l aproteo divina. Cada esprito l permanece o tempo que se faa necessrio.Para isso, meu amigo, permitiu o Senhor se erigissem muitas colnias comoesta, consagradas ao trabalho e ao socorro espiritual.

    - Creio, ento - observei -, que essa esfera se mistura quase com aesfera dos homens.

    - Sim - confirmou o dedicado amigo -, e nessa zona que se estendemos fios invisveis que ligam as mentes humanas entre si O plano est repletode desencarnados e de formas-pensamento dos encarnados, porque, emverdade, todo esprito, esteja onde estiver, um ncleo irradiante de forasque criam, transformam ou destroem, exteriorizadas em vibraes que acincia terrestre presentemente no pode compreender. Quem pensa, estfazendo alguma coisa alhures. E pelo pensamento que os homensencontram no Umbral os companheiros que afinam com as tendncias decada um. Toda alma um m poderoso. H uma extensa humanidadeinvisvel, que se segue humanidade visvel. As misses mais laboriosas doMinistrio do Au-

  • 73NOSSO LAR

    xlio so constitudas por abnegados servidores, no Umbral, porque se atarefa dos bombeiros nas grandes cidades terrenas difcil, pelas labaredase ondas de fumo que os defrontam, os missionrios do Umbral encontramfluidos pesadssimos emitidos, sem cessar, por milhares de mentesdesequilibradas, na prtica do mal, ou terrivelmente flageladas nossofrimentos retificadores. necessrio muita coragem e muita rennciapara ajudar a quem nada compreende do auxlio que se lhe oferece.

    Interrompera-se Lsias. Sumamente impressionado, exclamei:- Ah! como desejo trabalhar junto dessas legies de infelizes, levando-

    lhes o po espiritual do esclarecimento!O enfermeiro amigo fixou-me bondosamente, e, depois de meditar em

    silncio, por largos instantes, acentuou, ao despedir-se:- Ser que voc se sente com o preparo indispensvel a semelhante

    servio?

  • 74

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    NO GABINETE DO MINISTRO

    Com as melhoras crescentes, surgia a necessidade de movimentaoe trabalho. Decorrido tanto tempo, esgotados anos difceis de luta, volvia-meo interesse pelos afazeres que enchem o dia til de todo homem normal, nomundo. Incontestvel que havia perdido excelentes oportunidades na Terra;que muitas falhas me assinalavam o caminho. Agora, porm, recordava osquinze anos de clnica, sentindo um certo "vazio" no corao. Identificava-me a mim mesmo, como vigoroso agricultor em pleno campo, de mosatadas e impossibilitado de atacar o trabalho. Cercado de enfermos, nopodia aproximar-me, como noutros tempos, reunindo em mim o amigo, omdico e o pesquisador. Ouvindo gemidos incessantes nos apartamentoscontguos, no me era lcita nem mesmo a funo de enfermeiro ecolaborador nos casos de socorro urgente. Claro que no me faltava desejo.Minha posio ali, contudo, era assaz humilde para me atrever. Os mdicosespirituais eram detentores de tcnica diferente. No planeta, sabia que meudireito de intervir comeava nos livros conhecidos e nos ttulosconquistados; mas, naquele ambiente novo, a me-

  • 75NOSSO LAR

    dicina comeava no corao, exteriorizando-se em amor e cuidado fraternal.Qualquer enfermeiro, dos mais simples, em "Nosso Lar", tinhaconhecimentos e possibilidades muito superiores minha cincia.Inexeqvel, portanto, qualquer tentativa de trabalho espontneo, porconstituir, a meu ver, invaso de seara alheia.

    No apuro de tais dificuldades, Lsias era o amigo indicado s minhasconfidncias de irmo.

    Interpelado, esclareceu:- Por que no pedir o socorro de Clarncio? Atend-lo- por certo.

    Pea-lhe conselhos. Ele pergunta sempre por sua pessoa e tudo far a seufavor.

    Animou-me grande esperana. Consultaria o Ministro do Auxlio.Iniciando, contudo, as providncias, fui informado de que o generoso

    benfeitor somente poderia atender na manh seguinte, no gabineteparticular.

    Esperei ansioso o momento oportuno.No dia imediato, muito cedo, procurei o local indicado. Qual no foi,

    porm, minha surpresa vendo que trs pessoas l estavam aguardandoClarncio, em identidade de circunstncias!

    O delicado Ministro do Auxlio chegara muito antes de ns e atendia aassuntos mais importantes que a recepo de visitas e solicitaes.

    Terminado o servio urgente, comeou a chamar-nos, dois a dois.Impressionou-me tal processo de audincia. Soube, porm, mais tarde, queele aproveitava esse mtodo para que os pareceres fornecidos a qualquerinteressado servissem igualmente a outros, assim atendendo anecessidades de ordem geral, ganhando tempo e proveito.

  • 76NOSSO LAR

    Decorridos muitos minutos, chegou-me a vez.Penetrei no gabinete em companhia de uma senhora idosa, que seria

    ouvida em primeiro lugar, por ordem de precedncia. O Ministro recebeu-nos, cordial, deixando-nos vontade para discorrer.

    - Nobre Clarncio - comeou a companheira desconhecida -, venhopedir seus bons ofcios a favor de meus dois filhos. Ah! j no tolero tantassaudades e estou informada de que ambos vivem exaustos esobrecarregados de infortnios, no ambiente terrestre. Reconheo que osdesgnios do Pai so justos e amorosos; no entanto, sou me! No consigosubtrair-me ao peso da angstia!...

    E a pobre criatura se desfez, ali mesmo, em copioso pranto. OMinistro, dirigindo-lhe um olhar de fraternidade, embora conservando intactaa energia pessoal, respondeu, bondoso:

    - Mas, se a irm reconhece que os desgnios do Pai so justos esantos, que me cabe fazer?

    - Desejava - replicou, aflita - que me concedesse recursos paraproteg-los eu mesma, nas esferas do globo!...

    - Ah! minha amiga - disse o benfeitor amorvel -' s no esprito dehumildade e de trabalho possvel a ns outros proteger algum. Que mediz de um pai terrestre que desejasse ajudar os filhinhos, mantendo-se emabsoluta quietao no conforto do lar? O Pai criou o servio e a cooperaocomo leis que ningum pode trair sem prejuzo prprio. Nada lhe diz aconscincia, neste sentido? Quantos bnus-hora (1) poder apresentar embenefcio de sua pretenso?

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    (1) Ponto relativo a cada hora de servio. (Nota do Autor espiritual.)

  • 77NOSSO LAR

    A interpelada respondeu, hesitante:- Trezentos e quatro.- de lamentar - elucidou Clarncio, sorrindo -, pois aqui se hospeda,

    h mais de seis anos, e apenas deu colnia, at hoje, trezentos e quatrohoras de trabalho. Entretanto, logo que se restabeleceu das lutas sofridasem regio inferior, ofereci-lhe atividade louvvel na Turma de vigilncia, doMinistrio da Comunicao...

    - Mas aquilo por l era servio intolervel - atalhou a interlocutora -,uma luta incessante contra entidades malfazejas. Era natural que no meadaptasse.

    Clarncio continuou, imperturbvel:- Coloquei-a, depois, entre os Irmos da Suportao, nas tarefas

    regeneradoras.- Pior! - exclamou a senhora - aqueles apartamentos andam repletos

    de pessoas imundas. Palavres, indecncias, misria.- Reconhecendo suas dificuldades - esclareceu o Ministro -, enviei-a a

    cooperar na Enfermagem dos Perturbados.- Mas quem os tolerar, seno os santos? - inquiriu a pedinte rebelde -

    fiz o possvel; entretanto, aquela multido de almas desviadas assombra aqualquer!

    - No ficaram a meus esforos - replicou o benfeitor sem se perturbar-, localizei-a nos Gabinetes de Investigaes e Pesquisas do Ministrio doEsclarecimento e, contudo, talvez enfadada com as minhas providncias, airm se recolheu, deliberadamente, aos Campos d