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ANÁLISE LITERÁRIA
ANÁLISE LITERÁRIA DE O MULATO, ALUÍSIO AZEVEDO
O romance O Mulato, de Aluísio Azevedo, foi publicado em 1881 e causou escândalo na sociedade
maranhense, não só pela crua linguagem naturalista, mas, sobretudo pelo assunto de que tratava: o
preconceito racial.
A obra teve grande sucesso, foi bem recebido na Corte e tomado como marco do Naturalismo no
Brasil. Na época, a obra foi muito mal recebida pela sociedade maranhense e Aluísio Azevedo, que já não
era visto com bons olhos, tornou-se o "Satanás da cidade". Para se ter uma ideia da indignação causada pela
obra, pode-se citar o fato de o redator do jornal A civilização ter aconselhado Aluísio a "pegar na enxada, em
vez de ficar escrevendo". O clima na cidade ficou tão ruim para o autor que ele decidiu retornar ao Rio de
Janeiro.
Alguns elementos naturalistas que estão presentes nesta obra são: a crítica social, através da sátira
impiedosa dos tipos de São Luís: o comerciante rico e grosseiro, a velha beata e raivosa, o padre relaxado e
assassino, e uma série de personagens que resvalam sempre para o imoral e para o grotesco; o anti-
clericalismo projetado na figura do padre e depois cônego Diogo, devasso, hipócrita e assassino; a oposição
ao preconceito racial que é o fulcro de toda a trama; o aspecto sexual referido expressamente em relação à
natureza carnal da paixão de Ana Rosa pelo mulato Raimundo; o triunfo do mal, pois no desfecho, os
crimes ficam impunes e os criminosos gratificados: a heroína acaba se casando com o assassino de
Raimundo (grande amor de sua vida), e o padre Diogo, responsável por dois crimes, é promovido a cônego.
Observa-se no texto abaixo a caracterização dos costumes da província, dos mexericos e do
preconceito, manifesto na maledicência de que participam D. Bibina, Lindoca, D. Maria do Carmo e
Amância Souselas:
- Ele não é feio... a senhora não acha, D. Bibina?... segredava Lindoca à outra sobrinha de D. Maria do
Carmo, olhando furtivamente para o lado de Raimundo.
- Quem? O primo d’Ana Rosa?
- Primo? Eu creio que ele não é primo, dona!
- É! sustentou Bibina, quase com arrelie. É primo sim, por parte de pai!...
Por outro lado, Maria do Carmo segredava a Amância Souselas:
- Pois é o que lhe digo, D. Amância: muito boa preta!... negra como este vestido! Cá está quem a
conheceu!...
PROFESSOR JOSIMAR PORTO
3ºANO ENSINO MÉDIO
3º BIMESTRE TURMA:
2012.1
DISCIPLINAS: ANÁLISE LITERÁRIA – PAES-UEMA 2012
SÃO MATEUS, DE DE 2012.
ALUNO (A):
O MULATO – A CAPITAL FEDERAL – POEMA SUJO
E batia no seu peito sem seios. - Muita vez a vi no relho. Iche!
- Ora quem houvera de dizer!... resmungou a outro, fingindo ignorar da existência de Domingas, para ouvir
mais. Uma coisa assim só no Maranhão! Credo!
Há também muitos resíduos românticos, pois foi escrito em plena efervescência da Campanha
Abolicionista e o autor não manteve uma posição neutra, imparcial. Ao contrário, ele toma o partido do
mulato, idealizando exageradamente Raimundo, que mais parece o herói dos romances (ingênuo, bondoso,
ama platonicamente Ana Rosa e ignora a sua condição de homem de cor).
O autor descreve o ambiente da cidade de São São Luiz com muita nitidez. Observe:
Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo
calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam, os vidraças e os lampiões faiscavam ao sol
como enormes diamantes, as paredes tinham reverberações de prata polida; os folhas das árvores nem se
mexiam; os carroças d’água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios, e os
aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçados, invadiam sem cerimônia as casas para encher as
banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontra vã viva alma no rua; tudo estava concentrado,
adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho.
É nessa atmosfera abafada, tanto do ponto de vista climático quanto do convívio social, que são
apresentadas as personagens. Até os cães se envolvem no ambiente de letargia preguiçosa: Os cães,
estendidos pelas calçadas, tinham uivos que pareciam gemidos humanos, movimentos irascíveis, mordiam o
ar querendo morder os mosquitos. O mal cheiro domina o ambiente: Às esquinas, nas quitandas vazias,
fermentava um cheiro acre de sabão da terra e aguardente. A grosseria do ambiente envolve as ações das
personagens: O quitandeiro, assentado sobre o balcão, cochilava a sua preguiça morrinhenta, acariciando
o seu imenso e espalmado pé descalço (...) as peixeiras, quase todas negras, muito gordas, o tabuleiro na
cabeça, rebolando os grossos quadris trêmulos e as tetas opulentas.
Observa-se que, se os cães "tinham uivos que pareciam gemidos humanos", as peixeiras,
animalizadas, têm "tetas opulentas". Homens e animais se misturam, portanto, no universo bestializado e
asfixiante de São Luís do Maranhão.
É nesse ambiente que chega a São Luís o jovem advogado Raimundo, sobrinho há muito afastado
de Manuel Pescada. Raimundo corresponde perfeitamente ao protótipo do herói romântico, pelo qual Ana
Rosa tanto esperava. Sua descrição em tudo contrasta com a de Luís Dias. Ambos são, no entanto,
personagens planas, superficiais, e servem apenas para que o autor prove sua tese anti-racista.
Sobre o personagem Raimundo
Raimundo saíra criança de São Luís para Lisboa. "Em toda a sua vida, sempre longe da pátria,
entre povos diversos, cheia de impressões diferentes tomada de preocupações de estudos, jamais conseguira
chegar a uma dedução lógica e satisfatória a respeito da sua procedência. Não sabia ao certo quais eram as
circunstâncias em que viera ao mundo, não sabia a quem devia agradecer a vida e os bens de que dispunha.
Lembrava-se no entanto de haver saído em pequeno do Brasil e podia jurar que nunca lhe faltara o
necessário e até o supérfluo. "Esse jovem rico e virtuoso regressa a São Luís, depois de anos na Europa,
formado e com o intuito de desvendar o mistério de seu passado. Antes, passara um ano no Rio de Janeiro e
agora volta a São Luís para rever seu tio e protetor distante, Manuel Pescada.
Depois do nascimento de Raimundo, José Pedro casou-se com Quitéria Inocência de Freitas
Santiago, mulher branca e impiedosa.
Enciumada com a atenção especial que José Pedro dedicava ao pequeno Raimundo e à escrava
Domingas, Quitéria ordenou que a negra fosse açoitada e que suas partes genitais fossem queimadas.
José Pedro, indignado com tamanha crueldade, leva o filho para a casa do irmão em São Luís. Voltando à
fazenda, flagra a mulher e o então jovem e sedutor Padre Diogo em pleno adultério. Enfurecido, José Pedro
mata Quitéria e forma um pacto de cumplicidade com o Padre Diogo: esconderão a culpa um do outro.
Desgraçado e doente, José Pedro refugia-se na casa do irmão.
Ao se restabelecer, resolve voltar à fazenda, mas, no meio do caminho, é assassinado por ordem do
Padre Diogo, que já começara a insinuar-se também na casa de Manuel Pescada.
Raimundo é bem recebido pela família do tio, com exceção da sogra de Manuel, a racista radical Dona
Maria Bárbara. Estranha alguns olhares enviesados da população, mas imagina-os fruto do estranhamento
causado por um forasteiro.
O sedutor advogado, como não poderia deixar de ser, logo cai nas graças de sua prima Ana Rosa
que, arrebatada, declara-lhe seu amor. Raimundo corresponde à paixão da prima, mas os jovens encontram
fortes obstáculos. Principalmente a oposição de Manuel Pescada, que queria a filha casada com Luís Dias,
da avó Maria Bárbara, racista intransigente e do Cônego Diogo, velho amigo da casa e adversário não
declarado e ardiloso de Raimundo.
Acontece que, ao contrário dos amantes, seus três grandes opositores conheciam as raízes negras
de Raimundo. Aos poucos o leitor vai tomando conhecimento das origens do herói, que, no entanto,
permanece ignorando tudo.
Obcecado por desvendar suas origens, Raimundo insiste em visitar a fazenda onde nascera. Após
diversos adiamentos, seu tio finalmente o leva até a Fazenda São Brás. No caminho, o mulato começa a
obter as primeiras informações sobre o passado trágico de seus pais. Ao pedir ao tio a mão de Ana Rosa em
casamento, vê-se recusado. Perplexo, Raimundo acaba descobrindo que a recusa se deve a suas origens
negras. Na fazenda, Raimundo é abordado, à noite, por uma velha negra de aspecto fantasmagórico, que o
quer abraçar. Assustado, por pouco não mata a estranha aparição. No caminho de volta a São Luís, descobre
que se tratava de sua mãe, Domingas.
Ao retornar à capital do Maranhão, Raimundo resolve voltar para o Rio de Janeiro. Não suporta
mais viver com o tio e muda-se de sua casa, enquanto prepara-se para viajar. Pouco antes do embarque,
manda uma carta a Ana Rosa confessando seu amor. O amor pela prima o impede de partir. Os amantes se
encontram e Ana Rosa acaba engravidando. Contra tudo e contra todos, armam um plano de fuga. No
entanto, o Cônego Diogo usa das confissões de Ana Rosa e da colaboração subserviente do caixeiro Dias,
que intercepta as cartas do casal, para, ardilosamente, impedir a concretização da fuga. No momento em que
planejavam partir, os amantes são surpreendidos. O Cônego Diogo orquestra o escândalo e finge-se de
protetor do casal. Raimundo volta para casa atordoado e, ao abrir a porta de casa, é atingido nas costas por
um tiro disparado por Luís Dias, com uma pistola que lhe emprestara o Cônego Diogo.
Ana Rosa, desolada, aborta o filho de Raimundo. "A nova firma comercial, Silva e Dias, nasceu entretanto,
no meio da mais completa prosperidade."
Desfecho irônico
Seis anos depois da morte de Raimundo, no Clube Familiar, vemos Ana Rosa e seu marido Dias
saindo de uma recepção oficial:
"O par festejado eram o Dias e Ana Rosa, casados havia quatro anos. Ele deixara crescer o bigode e
aprumara-se todo; tinha até certo emproamento ricaço e um ar satisfeito e alinhado de quem espera por
qualquer vapor o hábito da Rosa; a mulher engordara um pouco em demasia, mas ainda estava boa, bem
torneada, com a pele limpa e a carne esperta.
Ia toda se saracoteando muito preocupada em apanhar a cauda do seu vestido, e pensando, naturalmente,
nos seus três filhinhos, que ficaram em casa a dormir.
- Grand'chaine, double, serré! berravam nas salas.
O Dias tomara o seu chapéu no corredor e, ao embarcar no carro, que esperava pelos dois lá embaixo, Ana
Rosa levantara-lhe carinhosamente a gola da casaca.
- Agasalha bem o pescoço, Lulu! Ainda ontem tossiste tanto à noite, queridinho!..."
A ironia final, bem a gosto naturalista, coloca por terra toda a idealização romântica de Ana Rosa
e Raimundo. Morto o primo, a prima acaba por se casar com seu assassino, e parece levar, ao lado do marido
que tão ferozmente rejeitara anteriormente, uma feliz e próspera vida burguesa. O mal triunfa, associado à
igreja corrupta e ao comércio burguês.
Personagens principais
Raimundo - filho do irmão de Manuel Pescada, José Pedro da Silva, com sua escrava negra Domingas. A
idealização própria dos romancistas românticos, a superioridade absoluta: moral, intelectual e mesmo física,
observa-se na descrição deste personagem: "Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de
brasileiro, se não foram os grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e
crespos, tez morena e amulatada, mas fina, - dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode, estatura
alta e elegante, pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa. A parte mais característica de sua
fisionomia era os olhos grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuís, pestanas eriçadas e negras,
pálpebras de um roxo vaporoso e úmido,- as sobrancelhas, muito desenhadas no rosto, como a nanquim,
faziam sobressair a frescura da epiderme, que, no lugar da barba raspada, lembrava os tons suaves e
transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz.
Tinha os gestos bem educados, sóbrios, despidos de pretensão, falava em voz baixa, distintamente, sem
armar ao efeito, vestia-se com seriedade e bom gosto; amava os artes, as ciências, a literatura e, um pouco
menos, a política."
Ana Rosa - prima e noiva de Raimundo, filha de Manuel Pescada que não consentia no casamento da filha
com seu sobrinho, por ser ele filho da escrava Domingas. Leitora ávida de romances, como a Emma Bovary,
de Flaubert, ou a Luísa do Primo Basílio, de Eça de Queirós. Seu pai, Manuel Pescada, quer fazê-la casar-se
com seu colaborador, o caixeiro Luís Dias.
Cônego Dias - assassino do pai de Raimundo.
Luís Dias - empregado de Manuel Pescada, que por instigação do cônego acabou por assassinar
Raimundo. (...) era um tipo fechado como um ovo, um ovo choco que mal denuncia na casca a podridão
interior. Todavia, nas cores biliosas do rosto, no desprezo do próprio corpo, na taciturnidade paciente
daquela exagerada economia, adivinhava-se-lhe uma ideia fixa, um alvo para o qual caminhava o acrobata,
sem olhar dos lados, preocupado, nem que se equilibrasse sobre um corda tesa. Não desdenhava qualquer
meio para chegar mais depressa aos fins; aceitava, sem examinar, qualquer caminho desde que lhe
parecesse mais curto; tudo servia, tudo era bom, contanto que o levasse mais rapidamente ao ponto
desejado. Lama ou brasa - havia de passar por cima; havia de chegar ao alvo - enriquecer. Quanto à
figura, repugnante: magro e macilento, um tanto baixo um tanto curvado, pouca barba, testa curta e olhos
fundos. O uso constante dos chinelos de trança fizera-lhe os pés monstruosos e chatos quando ele andava,
lançava-os desairosamente para os lados, como o movimento dos palmípedes nadando. Aborrecia-o o
charuto, o passeio, o teatro e as reuniões em que fosse necessário despender alguma coisa; quando estava
perto da gente sentia-se logo um cheiro azedo de roupas sujas.
Manuel Pescada - um português de uns cinquenta anos, forte, vermelho e trabalhador. Diziam-no afilado
para o comércio e amigo do Brasil. Gostava da sua leitura nas horas de descanso, assinava respeitosamente
os jornais sérios da província e recebia alguns de Lisboa. Em pequeno meteram-lhe na cabeça vários trechos
do Camões e não lhe esconderam de todo o nome de outros poetas. Prezava com fanatismo o Marquês de
Pombal, de quem sabia muitas anedotas e tinha uma assinatura no Gabinete Português, a qual lhe
aproveitava menos a ele do que à filha, que era perdida pelo romance.
Resumo
Após a morte da filha, D. Bárbara, deixa sua fazenda para morar com o genro Manuel Pescada,
próspero comerciante, e com a neta Ana Rosa, em São Luís do Maranhão. Enérgica com os escravos, D.
Bárbara comanda-os aos berros e sovas, o que muito desagrada Pescada, chegando, algumas vezes, a
verbalizar o seu arrependimento em ter concordado com a vinda da sogra.
O irmão de Pescada, José da Silva, fazendeiro e ex-comerciante de escravos, foi assassinado, há
muitos anos atrás, em suas terras. Sua esposa, D. Quitéria Inocência de Freitas Santiago já era viúva, sem
filhos e muito rica, quando se casou com ele. Embora fosse extremamente religiosa, achava que escravo não
era gente e o simples fato de alguém não ser branco, já era um crime. José teve um filho, Raimundo, com
uma ex-escrava alforriada de nome Domingas. A atenção que o marido devotava a esse afilhado, fez com
que D. Quitéria descobrisse a verdade sobre o menino.
Num ataque histérico, a chibatas e queimaduras a ferro em brasa, a senhora quase mata
Domingas. Diante do ocorrido, Quitéria, aconselhada pelo jovem vigário, Padre Diogo, refugia-se na
propriedade da mãe. José vai buscá-la, flagrando-a em adultério com o padre. Transtornado, a estrangula,
matando-a na frente do sacerdote que, para se livrar do escândalo, sugere a José um pacto de silêncio mútuo;
para todos, a esposa teve morte natural e, assim, foi enterrada.
José deixa a fazenda para Domingas e mais três pretos velhos, que já alforriara, e parte para São
Luís, onde pretende liquidar seus bens e, em seguida, voltar a Portugal com o filho Raimundo. Ele e o
menino hospedam-se na casa do Pescada em São Luís. Mas, logo adoece e, impossibilitado de embarcar,
recebe visitas diárias de seu "fervoroso" amigo, Padre Diogo. Este vai conquistando a amizade da família e
quando nasce Ana Rosa, Pescada e esposa escolhem-no para padrinho.
Tendo José se restabelecido, insiste em voltar para a fazenda, mas para o desespero de Domingas,
no caminho, bem próximo da casa, é morto em uma emboscada, e Raimundo, o Mundico, sob a guarda do
tio, é enviado ao padrinho em Portugal, segundo o desejo paterno.
Após estudar advocacia na Europa, onde se forma em advocacia, Mundico volta à terra natal,
para vender as propriedades do pai e se estabelecer no Rio de Janeiro. Excetuando-se os imensos olhos
azuis, que herdara do pai, é um tipo acabado de brasileiro: alto, elegante, pele bem morena e fina; pescoço
largo e nariz direito; cabelos negros, lustrosos e crespos; dentes claros sob um bigode negro.
Interessado no lucro que teria, auxiliando o sobrinho na venda das terra, Pescada resolve
acomodá-lo em sua casa, mesmo sabendo que o mulato no seio de sua família geraria comentários
desfavoráveis na sociedade local. Padre Diogo, agora Cônego Diogo, conselheiro da família, concorda com
o argumento de Pescada.
O Cônego, que parece ter culpa na morte de José, é, por sua vez, adversário natural de
Raimundo. Sentindo-se ameaçado, por temer a descoberta de seu segredo, quer vê-lo bem longe de São Luís.
Na casa do tio, Raimundo alheio às histórias envolvendo sua mãe, empenha-se em descobrir os mistérios em
torno de seu nascimento e da morte paterna. Acredita que, voltando à fazenda de São Brás, será possível
desvendar o passado e reconstruir sua história.
Ana Rosa herda do pai o corpo rijo e os dentes fortes e, da mãe, a beleza das formas, os olhos
negros e os cabelos castanhos. Como toda donzela da época, aos quinze anos, já sente as transformações
operadas em seu corpo e espírito, ansiando por um marido "o homem da sua casa, dono de seu corpo, a
quem ela pudesse amar abertamente como amante e obedecer em segredo como escrava".
A jovem Ana Rosa sonhava com um casamento romântico, "sonhava umas criancinhas louras,
ternas, balbuciando tolices engraçadas e comovedoras, chamando-lhe "mama!"". E lembrava-se sempre do
conselho que lhe dera a mãe ao leito de morte: "não consintas nunca que te casem, sem que ames deveras o
homem a ti destinado para marido. Não te cases no ar! Lembra-te que o casamento deve ser sempre a
consequência de duas inclinações irresistíveis. A gente deve casar porque ama, e não ter de amar porque
casou. Se fizeres o que te digo, serás feliz!" Assim, Ana Rosa vai formando a imagem de um herói
romântico que virá salvá-la da mediocridade da vida em São Luís do Maranhão.
O pai via no seu empregado português, Luís Dias, muito trabalhador, discreto, econômico e com
tino comercial aguçado, as qualidades de um futuro genro. Apesar de tudo isso, o moço, com seu eterno ar
de piedade, resignação e humildade espera a decisão da moça. Toda vez que o pai tocava em casamento e
sugeria o nome do Dias, ela exclamava um ora, papai!
A convivência com o primo Mundico desperta em Ana Rosa uma grande paixão. Passava o dia
pensando nele, idealizando o calor de seu rosto. Numa espécie de embriaguez dormia, ouvindo sua voz,
colhendo no ar seus beijos quentes; ao acordar, ficava horas inteiras prostrada, entre os lençóis a cismar.
Raimundo que, por sua vez, ainda não havia reparado na beleza da prima, numa manhã à mesa do café, nota-
lhe as mãos claras, os dentes asseados, a frescura pele, a boca e os cabelos fartos. Mas, fica só nisso,
devotando-lhe uma afeição e atenção fraterna. Anica torna-se pálida, chamando a atenção de todos.
Achavam que tal estado só se curaria com casamento. Padre Diogo e D. Bárbara, que nunca viram com bons
olhos a presença do mulato no seio familiar, acham que para acertar o casamento da menina com o Dias,
Raimundo deve sair de casa o mais rápido possível. Ana Rosa não quer Luís Dias para esposo e o Pescada,
que punha o interesse financeiro acima de tudo, acha que o amigo Diogo estava criando coisas sem
fundamento, pois fora o próprio Mundico que sugerira casamento para a prima.
Quando Raimundo saía, Ana Rosa visitava seu quarto e numa bisbilhotice, voluptuosa e doentia,
fantasiava eventos com os objetos encontrados; passava momentos inesquecíveis naquela adoração.
Raimundo, desconfiando dessas visitas, um dia volta sorrateiramente e flagra a prima com um livro na mão.
Repreendendo-a por aquela atitude comprometedora, pede que ela se retire.
Depois de muito chorar, a moça declara seu amor ao primo. Num abraço, oferece-lhe os lábios e o
rapaz dá-lhe um beijo tímido; em troca, beija-o duas vezes, ardentemente.
Depois de vários adiamentos, Raimundo e o tio partem para o Rosário e durante a viagem,
Mundico conhece um portuguesinho que lhe conta muita coisa acerca da fazenda São Brás e seus
moradores. Fica sabendo que o Cônego Diogo tinha sido o pároco da região e muito ligado ao pessoal da
fazenda. Além disso, passam pela cruz de madeira, à beira da estrada, marcando o local da morte de seu pai.
Os guias não vão além dela, temendo a maldição ali existente.
Tio e sobrinho chegam à fazenda ao anoitecer. O administrador Cancela, que conhecera Raimundo, ainda
menino, hospeda-os com alegria.
Na manhã seguinte, após as transações comerciais, partem bem cedo para São Brás. Ali, com muita
emoção, olhando as datas nas lápides das sepulturas do pai e de D. Quitéria, Raimundo conclui que era filho
bastardo. Como no dia anterior, havia pedido Ana Rosa em casamento e Manuel declinara sem dizer a razão,
acha agora que esse seria o motivo. Insiste para que o tio lhe conte a verdade, e este lhe diz que Domingas
está viva, e é a velha negra louca, encontrada momentos atrás. Assim, o caso amoroso dele com a prima
tornava-se proibido e Ana Rosa afigura-se lhe uma felicidade indispensável.
Quando o pai conta a Ana Rosa o ocorrido, denigre a imagem do primo e esta tem um ataque histérico.
Enquanto isso, Raimundo leva o Cônego Diogo a seu quarto e conta-lhe suas suspeitas. Mas o velho
Cônego, num jogo de retórica brilhante, força Raimundo até a lhe pedir desculpas. Diogo desce as escadas
entre resmungos: "Deixa estar, que me pagarás". Sete dias depois, Raimundo deixa a casa do tio, esperando
o dia da partida do vapor para o Rio.
No dia da partida, Manuel e o Cônego se dirigem ao porto para dizer-lhe adeus. Após alguns
momentos de indecisão, acerca de sua viagem, Mundico, minutos antes de embarcar, vai ao quarto de Ana
Rosa, que o proíbe de sair e terminam fazendo amor, ouvindo, ao longe, o assobio do vapor, partindo.
Raimundo resolve instalar-se no Caminho Grande e os amantes, que se comunicam por carta, marcam um
dia para a fuga.
O Cônego contava com os préstimos de Dias, com quem se aliara, e este farejava os movimentos e
cartas recebidas por Anica, para contar ao padre. Após três meses, o Cônego e Dias descobrem o plano dos
amantes e aparecem na hora exata, acompanhados de um juiz. Arma-se um escândalo; Ana Rosa fala de sua
gravidez, chocando a todos. O cônego rebate, dizendo que a afilhada continua pura; aquilo era apenas um
recurso para forçar o casamento. Diogo aconselha Raimundo a ir embora de São Luís para não ser
processado.
Ao sair com Dias, o Cônego parece conspirar; entrega-lhe algo, mas o companheiro escrupuloso
se nega a receber. Logo o astuto Cônego convence-o de que estaria vingando sua honra ultrajada e lembra-
lhe: "quem o seu inimigo poupa, nas mãos lhe morre". Após vagar pela noite, Raimundo resolve voltar para
casa e, ao abrir a porta, é atingido pelo revólver de Dias. Mundico, num gemido, tomba contra a parede;
vendo-o morto, Ana Rosa aborta. Seis anos depois, ela reaparece, em solenidade pública, bem casada com o
Sr. Dias - o assassino de Raimundo. Está preocupada em cuidar dos três filhos e também do marido:
"Agasalha bem o pescoço Lulu! Ainda ontem tossiste tanto à noite, queridinho". Mulato, eis o nome do
romance que, segundo alguns críticos, inaugurou o naturalismo em nosso país. O advento dessa escola, no
Brasil, ainda é controverso, haja vista que outros estudiosos consideram a obra O Coronel Sangrado, de
Inglês de Sousa, a primeira desse estilo literário. Os que defendem essa ideia dizem que a obra de Azevedo
ainda contava com muitos cacoetes românticos. O romance de Sousa, por sua vez, lançado quatro anos antes
de O Mulato, possuía mais elementos da escola criada pelo francês Émile Zola. Controvérsias à parte, ater-
nos-emos agora ao romance de Azevedo.
O escritor, nascido na Província do Maranhão, debutou na cena literária oitocentista com a
obra Uma lagrima de mulher, esta totalmente calcada nos preceitos românticos. Todavia, uma transformação
ocorreu em seu segundo romance, O Mulato. Conta-se que o autor teve vários problemas com a Igreja no
Maranhão, justamente por ter publicado diversos artigos, nos jornais, atacando o clero. Dum certo modo,
isso acabou refletindo-se em O Mulato. Como? Vejamos! O enredo centra-se na história dos protagonistas,
Ana Rosa e Raimundo. Os dois primos apaixonam-se, porém encontram enormes dificuldades para
concretizar o amor. O rapaz, filho de José da Silva, é fruto dum caso de seu pai com a escrava Domingas. A
jovem, por sua vez, é filha de Manuel Pedro da Silva, o Manuel Pescada, comerciante na cidade de São Luís.
O encontro do casal se dá quando José da Silva se casa com Quitéria, a mesma não aceita a ideia do marido
ter tido um filho com uma escrava. Sendo assim, o menino vai morar com o tio Manuel. Lá recebe o carinho
de Mariana, esposa de Pescada. Nesse mesmo tempo, Quitéria é pega por José da Silva com o cônego
Diogo. Enfurecido com a traição, Silva esgana a esposa. O clérigo, espertamente, faz um trato com o
marido traído, que consiste em não delatá-lo. Porém, José da Silva não poderia também falar nada sobre o
adultério da esposa. Desse modo, a morte de Quitéria é atribuída a um problema natural e também à
feitiçaria. O padre Diogo, entretanto, não decide correr nenhum risco, temendo que Silva dê com a língua
nos dentes, mata-o numa estrada que é conhecida pelo comentimento de vários crimes atribuídos a escravos
fugidos. Devido a isso, o clérigo fica isento de ter cometido quaisquer delitos. O tempo passa, e Raimundo
viaja para a Corte e depois para Europa. No velho continente, torna-se doutor em Direito e conhece vários
países e depois retorna para o Brasil. Fica alguns tempos no Rio de Janeiro, e decide ir para o Maranhão para
resolver seus negócios. Na província, o rapaz é recebido com grande alegria e hospeda-se na casa da tia.
Porém, aos poucos ele vai despertando a inveja da população. As coisas pioram, quando demonstra, devido
aos seus estudos, grande fé na ciência em detrimento dos dogmas católicos. A sociedade maranhense o
acusa de ser um ateu. E a situação fica mais complicada quando Raimundo decide pedir a Manuel a mão de
Ana Rosa em casamento. O tio nega o pedido veementemente. O moço insiste em saber o porquê. Manuel
reluta em dizê-lo, porém cede às pressões do sobrinho e diz que não permite o casamento, pois ele é um
mulato. Desse modo, revela quem a mãe do jovem. Raimundo, entristecido, decide partir o mais rápido
possível para à Corte. Entretanto, o amor por Ana Rosa é maior. A jovem engravida, o casal decide, então,
fugir. Porém, o plano é frustrado, dado que o cônego Diogo juntamente com Dias — um português caixeiro
que trabalha para Manuel e anseia em casar com Ana Rosa — conseguem impedir a fuga. Raimundo
desesperado com a falha do plano começa a deambular pela cidade e decide lançar mão da justiça para
casar-se com a amada. Porém, o clérigo incita Dias a dar cabo na vida do rapaz. Os anos se passam, e, no
final, o leitor é surpreendido com Ana Rosa e Dias casados, os dois muito felizes e com três filhos. Um
desfecho no mínimo desapontador para aqueles que almejam um final típico das novelas românticas. Penso
que esse é sem dúvidas um dos melhores romances do século XIX. Mesmo com esse hibridismo,
romantismo mais naturalismo — fato esse que muitos apontam como um fator negativo —, Azevedo foi o
primeiro escritor a tocar fortemente no assunto da escravidão brasileira. É importante lembrar que nesse
período, teorias europeias condenavam fortemente a junção de diferentes etnias, que na época recebiam o
nome de raças. Por isso, a ideia da miscigenação era vista negativamente pela ciência do século XIX. Essas
ideias foram fortemente propagadas em nosso país. O próprio termo ―mulato‖ já é pejorativo, uma vez que
se calca na ideia de mula. De mais a mais, o autor também desnuda como ninguém a hipocrisia da sociedade
da província do Maranhão. E, além disso, O mulato traz à tona o anticlericalismo — um dos preceitos
básicos da escola naturalista — e a visão acerca da mulher, que era vista como uma simples procriadora,
que, se não sujeitasse ao casamento e consequentemente ao sexo, estaria fadada a sofrer crises de nervo, o
histerismo. Enfermidade essa que foi amplamente discutida em vários romances naturalistas brasileiros.
Pode-se dizer que o tema perpassou, praticamente, por todas as obras de cunho solista do escritor. É válido
destacar também as outras personagens do romance. Há a figura duma velha mexiriqueira, do poeta
fracassado, da viúva louca por se casar, das moças desprovidas de beleza que estão atrás dum marido, etc. A
descrição das cenas é também bastante impactante. Logo no início da obra o leitor é levado pelo narrador a
conhecer as ruas de São Luís. Assim, depara-se com um leilão de escravos que é descrito duma maneira
bastante detalhista. Os diálogos também são ótimos, principalmente alguns acerca da política brasileira. O
valor da obra de Azevedo é indiscutível, todavia muitos críticos consideram a produção do naturalista
bastante inferior quando comparada a de Machado de Assis. A meu ver, um erro crasso, visto que as obras
de ambos os escritores podem ser colocadas no mesmo patamar. Por fim, faz-se necessário destacar que O
Mulato possui duas versões. Na primeira, lançada na década de 1870, Raimundo não é o protagonista da
obra, quem ganha esse papel é cônego Diogo. Os estudiosos também apontam que o autor, nessa segunda
versão, inseriu mais elementos.
A CRÍTICA SOCIAL, através da sátira impiedosa dos tipos de São Luís: o comerciante rico e grosseiro, a
velha beata e raivosa, o padre relaxado e assassino, e uma série de personagens que resvalam sempre para o
imoral e para o grotesco. Já dissemos que esses tipos são, muitas vezes, pessoas que realmente viveram em
São Luís, conhecidas pelo autor.
ANTICLERICALISMO, projetado na figura do padre e depois cônego Diogo, devasso, hipócrita e
assassino.
OPOSIÇÃO AO PRECONCEITO RACIAL, que é o fulcro de toda a trama.
O ASPECTO SEXUAL, referido expressamente em relação à natureza carnal da paixão de Ana Rosa pelo
mulato Raimundo.
O TRIUNFO DO MAL, já que, no desfecho, os crimes ficam impunes e os criminosos são gratificados: a
heroína acaba se casando com o assassino de Raimundo (grande amor de sua vida), e o Pe. Diogo,
responsável por dois crimes, é promovido a cônego.
Contudo, há fortes resíduos românticos:
Escrito em plena efervescência da Campanha Abolicionista, Aluísio Azevedo não manteve a postura
neutra, imparcial, que caracteriza os autores realistas/naturalistas. Ao contrário, ele toma partido do mulato,
do homem de cor, idealizando exageradamente Raimundo, que mais parece o herói dos romances
românticos (ingênuo, bondoso, ama platonicamente Ana Rosa e ignora a sua condição de homem de cor).
Observe que Raimundo é cientificamente inverossímil (filho de pai branco e mãe negra retinta, o filho tem
"grandes olhos azuis, cabelos pretos e lustrosos, tez morena e amulatada, mas fina"). A trama da narração é
romântica e desenvolve o velho chavão romântico da história de amor que as tradições e o preconceito
impedem de se realizar. Além disso, a história é verdadeiramente rocambolesca (= complicada, "enrolada").
TEXTO I
Observe, na descrição de Raimundo, a idealização própria dos romancistas românticos, a
superioridade absoluta: moral, intelectual e mesmo física:
"Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro, se não foram os grandes
olhos azuis, que puxara do pai.
Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos,, tez morena e amulatada, mas fina,- dentes claros que reluziam
sob a negrura do bigode, estatura alta e elegante, pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa.
A parte mais característica de sua fisionomia era os olhos grandes, ramalhudos, cheios de sombras
azuis, pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido,- as sobrancelhas, muito
desenhadas no rosto, como a nanquim, faziam sobressair a frescura da epiderme, que, no lugar da barba
raspada, lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz. Tinha os gestos bem
educados, sóbrios, despidos de pretensão, falava em voz baixa, distintamente, sem armar ao efeito, vestia-se
com seriedade e bom gosto; amava os artes, as ciências, a literatura e, um pouco menos, a política."
TEXTO II
Observe no texto abaixo a caracterização dos costumes da província, dos mexericos e do preconceito,
manifesto na "fofoca" de que participam D. Bibina, Lindoca, D. Maria do Carmo e Amância Souselas:
"- Ele não é feio... a senhora não ache, D. Bibina ?... segredava Lindoca à outra sobrinha de D. Maria do
Carmo, olhando furtivamente para o lado de Raimundo.
- Quem? O primo d’Ana Rosa?
- Primo? Eu creio que ele não é primo, dona !
- É! sustentou Bibina, quase com arrelie. É primo sim, por parte de pai !...
Por outro lado, María do Carmo segredava a Amâncla Souselas:
- Pois é o que lhe digo, D. Amáncía: muito boa preta!... negra como este vestido! Cá está quem a
conheceu!...
E batia no seu peito sem seios. - Muita vez a vi no relho. Iche !
- Ora quem houvera de dizer!... resmungou a outro, fingindo ignorar da existência de Domingas, para ouvir
mais. Uma coisa assim só no Maranhão! Credo!"
TEXTO III
Observe a nitidez com que o autor retrata o ambiente da cidade (descrição de São Luís):
"Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida
pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam, as vidraças e os lampiões faiscavam ao
sol como enormes diamantes, as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se
mexiam; as carroças d’água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios, e os aguadeiros,
em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem cerimônia as casas para encher as banheiras e os
potes. Em certos pontos não se encontra vã viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os
pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho."
Quando eu morrer, não deixarei meu pobre nome ligado a nenhum livro, ninguém citará um verso meu, uma frase que me saísse
do cérebro; mas com certeza hão de dizer: "Ele amava o teatro", e este epitáfio moral é bastante, creiam, para a minha bem-
aventurança eterna.
Arthur Azevedo - 1903
O TEATRO:
Muitas posições foram colocadas quanto à situação da cena teatral brasileira nos últimos decênios
do século XIX. De um lado, escritores e intelectuais criticam intensamente os rumos que o teatro segue:
ausência de literatura dramática suprimida pela excessiva preocupação com a concepção plástica do
espetáculo, afastando assim a possibilidade do chamado teatro sério. De outro, empresários e artistas tentam
viabilizar financeiramente a produção teatral, incorporando modelos de forte apelo popular. De origem
europeia, a comédia realista, que se apresentava na dramaturgia de Alexandre Dumas Filho ("A Dama das
Camélias", "O Mundo Equívoco") e Théodore Barière ("Os Parienses") - entre outros, chega ao Brasil com a
criação do Teatro Ginásio Dramático, em 1855 - uma companhia fixa, e desperta o interesse de uma platéia
selecionada a qual não agrada mais os melodramas românticos. Paralelo a esse teatro com preocupações
literárias, que só conseguia êxito com montagens estrangeiras, surgia no Rio de Janeiro a casa de espetáculos
Alcazar, onde formas de teatro popular integravam um conteúdo que combinava o cômico e o erótico.
Combatidos pela elite cultural, esses espetáculos, geralmente operetas francesas e comédias populares, que
utilizavam recursos de textos baseados na malícia e seus derivados, foram considerados como a causa da
decadência do teatro brasileiro. Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, como
vários outros intelectuais, colocam-se contrários e lamentam o grande sucesso que esses gêneros teatrais
obtinham e o malogro do teatro "sério", que já tivera expressão na dramaturgia de Alencar, Quintino
Bocaiúva, Pinheiro Guimarães e alguns outros. E Machado, incomodado com a ausência de peças nacionais
e a invasão do teatro cômico e musicado nos palcos, apresenta a sua decepção (in Ideias Teatrais: O Século
XIX no Brasil, 154): Hoje, que o gosto público tocou o último grau da decadência e perversão, nenhuma
esperança teria quem se sentisse com vocação para compor obras severas de arte. Quem lhas receberia, se o
que domina é a cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a mágica aparatosa, tudo o que fala os sentimentos e
instintos inferiores?
E é o Alcazar, o reduto dos gêneros teatrais considerados vulgares e de mau gosto, e que é acusado
como o responsável pela decadência do teatro literário, que prepara a cena brasileira para o espetáculo como
entretenimento e deleite do público médio.
Em meio a este ambiente cultural está o jornalista, poeta humorístico e comediógrafo Arthur
Azevedo, que em 1873, aos 18 anos, transferiu-se de São Luís do Maranhão, onde nascera, para o Rio de
Janeiro, onde consegue que sejam levadas à cena suas primeiras comédias: "Amor por Anexins" s.d.(1872?)
e "Horas de Humor" (1876). Depois de algumas tentativas de escrever "teatro sério" que não tiveram
aceitação do público, Azevedo mostra muito empenho e consegue a adesão do público com montagens de
gêneros chamados "ligeiros", que, de matrizes francesas, adapta para o momento político e social brasileiro.
Na revista do ano "O Tribofe", apresentado em 1892, sobre os acontecimentos do ano anterior, o
comediógrafo já definia basicamente o que viria a ser uma de suas obras mais reconhecidas: a burleta " A
Capital Federal", que estreia em 1897 no Rio de Janeiro, apresentando um painel de tipos humanos, a partir
de uma observação baseada nos extratos sociais e nas possibilidades de representação que contextualizam e
fazem esses tipos interagirem. Para isso, Azevedo lança mão dos mais diversos recursos de gêneros teatrais
que atraiam grandes plateias: a ópera cômica, a revista, a mágica aparatosa e o vaudeville -, que pediam, na
sua concepção de espetáculo, o exagero como regra, criando assim muitas condições para a expressão visual
e cômica. Ou seja: grandes, e por vezes, luxuosos cenários onde personagens típicos se movimentam, entre
encontros e desencontros, envolvidas em busca a determinados objetivos, construindo uma mise en
scène característica a esse modelo de empreendimento teatral.
"A CAPITAL FEDERAL":
Sempre envolvido em questões nacionais, seja no teatro, como no jornalismo e na vida pública,
Azevedo registra com "A Capital Federal" sua visão crítica do crescimento urbano e suas contradições
através de personagens estigmatizados. E apoiado nesses estereótipos de alguns segmentos sociais, que
seguem uma sequência de quadros que representam uma panorâmica da cidade, o texto mostra eficiência no
seu objetivo de apresentar com humor os costumes urbanos do final do século XIX. Seguindo regras de
conduta moral, que sublinha a visão do autor da realidade, como também na busca do efeito histriônico, que
subverte essa mesma visão, "A Capital Federal", enquanto literatura teatral, propõe leituras que, em
princípio, parecem contraditórias. Se concessões são feitas à moralidade vigente, como a punição das
personagens que violam as regras do convívio social e com um desfecho que apela para o sentimentalismo,
por outro lado o texto explora uma renovação da linguagem teatral, que combina os modelos da cena
burlesca com uma composição das personagens, que enquanto tipos, supõe-se baseados na realidade.
Onde? - A cidade do Rio de Janeiro, se afirmando como a capital do governo republicano, o Grande Hotel, o
Largo da Carioca, os Arcos da Lapa, o Largo do São Francisco, a casa de Lola, um salão de baile, o
Belódromo Nacional, a Rua do Ouvidor e um sótão fazendo às vezes de moradia.
Quem? - Uma família do interior de Minas Gerais, uma cortesã, um aposentado, jogadores, comerciantes,
cocotes, literatos decadentistas, serviçais e velocistas.
O Quê? A família chega à capital federal a procura de um rapaz que prometera casamento à filha e nunca
mais apareceu. O tal rapaz está envolvido com Lola, a espanhola que tudo faz para lucrar com os homens. E
um desses homens será Eusébio, o pai e fazendeiro de Minas, fazendo o percurso do ingênuo mundo rural
para o imoral, corrompido e neurótico urbano.
Quanto às personagens, podemos notar o recurso de oposição, como por exemplo o que ocorre entre
a cocote espanhola Lola e o fazendeiro Eusébio, e também o deslocamento de algumas personagens do
ambiente rural para o urbano, como no caso da família que chega do interior de Minas, em especial em
Benvinda,- na qual é operada uma transformação, tornando o desajuste entre a sua origem de escrava e a
nova posição de cocote uma sequência em que o humor está presente na impossibilidade da sua mobilidade
social. O primeiro quadro, ambientado no Grande Hotel da Capital Federal, cantado nas coplas da abertura
como excepcional pelo gerente, criados e hóspedes, em meio a uma marcação de movimentos ágeis, é
também o lugar que serve de ponto de partida dos personagens, onde apresentam suas características e
intenções. Revelado isso, partem em busca dos seus objetivos, que para Lola é encontrar Gouveia, um
jogador que, em função de ser seu amante, exige que a presenteie com bens materiais. Encontrar o jogador
quer também Eusébio, o fazendeiro, para cobrar uma promessa de casamento que fez à filha Quinota,
quando passou por São João do Sabará como um caixeiro viajante. E correndo por fora está Figueiredo,
aposentado que aprecia mulatas e se empenha em lançá-las socialmente, interessando-se portanto por
Benvinda, a agregada da família interiorana.
Dada a partida, os tipos já intensamente caracterizados, e assim compondo a encenação com base
no estereótipo, atravessam a representação cenográfica de lugares que representam a capital federal,
recorrendo a meios para conquistar seus objetivos que denotam, em alguns casos, total ausência ética e
moral. Nesse campo fértil, Azevedo, já experiente na expressão cômica, tanto no teatro como em sua
produção literária, combina gêneros de teatro popular, e assim expressa, entre buscas e fugas desabaladas,
através de questão relevantes da época, como os vícios, a corrupção e os amores venais.
AS PERSONAGENS:
Lola, a inescrupulosa cortesã, metaforizada a partir de suas relações econômicas, em que o seu valor
de troca é a própria sexualidade, manipulando os desejos masculinos para o seu proveito material, atinge o
mais alto grau de mordacidade da peça e assim oferece ao público uma inversão de valores, trazendo ótimos
resultados cômicos. Suas investidas são sempre voluptuosas, como podemos notar nas suas aparições,
primeiro em busca por Gouveia, no Grande Hotel e em lugares públicos, depois na festa à fantasia, que traz
uma referência clara a um tipo de espetáculo comum da época nos quais prepondera o apelo erótico, e por
fim no Belódromo, o quadro onde todas as personagens se reencontram.
Integrando os tipos femininos está a mulata Benvinda, ou como diz o aposentado Figueiredo:
"trigueira, por ser menos rebarbativo" , - em um jargão que anuncia suas intenções , que de serviçal é
promovida à dama de sociedade, mas nas entrelinhas revela o papel de cortesã. A personagem, em suas
novas atitudes e vestimentas quando muda de classe social,- sempre inadequadas ao contexto, estiliza a gafe
como efeito cômico a partir das possibilidades de contraste entre a raça negra e o estilo europeu,- que seriam
um figurino com exagero de cores e formas, e também sua inabilidade com os termos em francês, exibindo
uma sequência de disparidades. Vale lembrar que o grande sucesso que esse tipo teve fez proliferar nos
palcos brasileiros, nos primeiros decênios do século XX, o estereótipo da mulata faceira e sensual.
Fortunata, a mãe de família rural, avessa às veleidades da vida urbana, busca a reintegração do
seu lar, seja pelo casamento da filha com Gouveia ou na busca pelo marido, que a abandona para se envolver
com Lola. Reagindo com estranhamento às relações instituídas pelos vícios da cidade, que dela tiraram o
noivo da filha Quinota, a agregada Benvinda e o marido Eusébio, mantém no desenrolar do espetáculo uma
certeza moral, mesmo expressa de forma rude, e consegue a façanha de ser a grande redentora final. Mas
essa vitória se deve mais ao insucesso dos planos das outras personagens que as suas atitudes, norteadas pela
vontade de retorno à vida rural. Prejudicada por toda espécie de exploração, seja quanto à moradia, que a
leva a viver em uma espelunca, quanto à estrutura familiar, com a ausência do pai provedor, envolvido com
a sedutora espanhola, sua participação toma importância no final. É quando, em um desfecho inverossímil,
recolhe as "ovelhas desgarradas do seu rebanho", para junto a ela retornar ao seu meio, que sendo rural,
representa na peça virtudes perdidas com a degenerescência da ordem urbana.
Dos personagens masculinos, podemos dizer que geralmente são acometidos pelo "micróbio da
pândega", expressão da época para definir a susceptibilidade dos homens aos amores venais e ao jogo, e
assim desestruturando a família. E é nessa área de conflito, entre a tradição moral e a licenciosidade, que os
homens transitam, deflagrando toda uma série de movimentos, por vezes por serem procurados, outras por
estarem à procura. Essa dualidade é nítida nas palavras de Décio de Almeida Prado (in "O Tribofe",
posfácio, 274):
"...A malícia de "A Capital Federal", peculiar ao teatro da passagem do século, nasce precisamente dessa
ambiguidade, desta luta meio escondida, meio declarada, entre a força do sexo e a percepção aguda das
convenções sociais, entre o que o indivíduo quer e o que a sociedade solicita dele em termos de compostura
moral". Dentro dessa perspectiva moral temos Eusébio, o fazendeiro, em princípio defensor da tradicional
família (mineira) "descendo ao inferno" para buscar o já corrompido noivo fujão Gouveia. Eusébio,
personagem do ator Brandão, que fizera tanto sucesso em "O Tribofe", e que o teria feito a insistir para que
Azevedo criasse um novo texto, que viria a ser "A Capital Federal", é quem em suas peripécias faz que
extratos sociais apresentem suas intenções, nem sempre as melhores. O seu envolvimento com Lola, que
viria depois a ser desmascarada como falsa espanhola, sua incursão no mundo das regras sociais, rendendo
muita comicidade, que atinge o ponto alto da peça na festa à fantasia e, por fim, o seu retorno (arrependido)
à tradição familiar, confere ao personagem uma posição de destaque em relação aos outros. Suas decisões e
atitudes refletem no movimento cênico, sempre desencadeando outras ações: a chegada à capital federal com
a missão de procurar o noivo da filha, que por sua vez irá possibilitar a relação de Benvinda e Figueiredo e a
dele próprio com Lola, que o faz abandonar a família.
Figueiredo, logo no início apresentado pelo gerente do hotel como "o verdadeiro tipo do carioca:
nunca está satisfeito", e que justifica sua especialidade em lançar mulatas pelo fato de ser "solteiro,
aposentado e independente", assedia insistentemente a mulata Benvinda, para depois encarregar-se da sua
transformação de serviçal roceira em uma dama da sociedade. Suas tentativas de ensinar a mulata, como na
passagem em que se encontram no Largo de São Francisco, em que o próprio Figueiredo caminha como uma
dama como demonstração, alcançam proporções hilariantes. A entrada dos dois personagens na festa à
fantasia na casa de Lola, vestidos de Radamés e Aída, e a sucessão de gafes cometidas por Benvinda,
rebatizada Dona Fredegonda, deixando Figueiredo apreensivo, resultam em diálogos carregados de humor.
Este, aliás, que tem como único objetivo lançar mulatas, mesmo sendo um dos personagens principais, não
interfere diretamente no enredo. Sempre esquivo às investidas de outras personagens, principalmente de
Lola, cheio de exigências quantos às regras, o que o torna irritadiço, e com apartes sarcásticos, Figueiredo
atravessa toda a ação paralelamente; interagindo com todos os outros personagens formalmente, que se
altera nas suas cenas com Benvinda, revelando toda a sua ironia. Além disso, sua presença serve para
"costurar" as cenas da trama principal e algumas vezes chegando a concluí-la, quando na passagem que
encontra e lê a carta do cocheiro Lourenço para a patroa Lola, avisando que tinha roubado todas as jóias e
dinheiro da falsa espanhola.
Gouveia, o galã enrascado, sendo procurado por todos os lados, tanto pela família mineira, como
por Lola, e dividido entre a compulsão ao jogo e o amor romântico de Quinota, entra em um processo de
decadência decorrente do vício. As passagens que aparece pontua a sua descida à completa miséria, que logo
será percebida por Lola, que o expulsa de casa, no começo do quadro da festa à fantasia, adequadamente
vestido de "Mefistófeles". Daí, aparece redimido com Quinota e Fortunada no quadro do Belódromo, para
depois, completamente falido, novamente sumir. E o seu retorno deve-se ao encontro com o arrependido
Eusébio, que juntos resolvem voltar ao convívio da família. E nos momentos finais, em uma solução
arbitrada pelo fazendeiro,- que o faz sócio na fazenda e se case com Quinota, que Gouveia se livra
definitivamente do tal "micróbio da pândega".
Completando o painel social, temos vários personagens secundários, sendo os mais expressivos:
Quinota, a mocinha romântica, Lourenço, o serviçal cúmplice e amante da cortesã, Duquinha, o pretenso
poeta decadentista, Pinheiro, o agiota e pai de família falso-moralista e Juquinha, a criança mimada e
irrequieta. E também a exigência constante de um grande número de figurantes na maioria das cenas, como
por exemplo os hóspedes e criados do hotel, cocotes, transeuntes, velocistas, apostadores e convidados do
baile à fantasia.
O CENÁRIO:
A cenografia representava, no teatro popular brasileiro do final do século XIX, um recurso
indispensável para a realização de gêneros que necessitavam de efeitos espetaculares e grandiosos cenários,
e assim criando momentos apoteóticos, para delírio da plateia. Com o crescente interesse do público pelos
efeitos cenográficos e todas as novidades que eles podiam proporcionar, toma importância, em alguns casos
mais que o autor e o diretor do espetáculo, a figura do cenógrafo, que podemos citar como os mais
importantes os italianos radicados no Brasil: Gaetano Carrancini e Oreste Oliva. Acerca dessa forte
tendência plástica do teatro, vale registrar a avaliação de Décio de Almeida Prado (in "O Tribofe", 266):
"... mais que a maestria do autor e dos intérpretes, o talento criador e os conhecimentos técnicos do
cenógrafo, a sua engenhosidade em tirar proveito daquelas complicadas máquinas que no século dezenove
cercavam o palco, escondendo-se por trás dos bastidores, acima das gambiarras e por baixo do tablado. A
função delas era produzir uma espécie de realismo ingênuo, material, que o realismo fotográfico do cinema,
muito mais convincente, logo tornaria obsoleto, dando outros rumos ao teatro". Azevedo, mesmo
preocupado com a importância do texto que a cenografia tornava menor, conta com a colaboração desses
profissionais para a montagem de suas revistas e operetas cômicas. Em "A Capital Federal", que tinha
Carrancini como cenógrafo, encarregado de criar uma panorâmica sobre a cidade do Rio de Janeiro, com
mutações constantes que desencadeia uma ação ágil, encurtando as falas e assim não permitindo um
aprofundamento das personagens, e, nesse aspecto, aproximando-se do espírito do teatro de revista. O final
confirma essa vocação com a ausência total de atores, em uma "apoteose à vida rural", na qual a música e os
efeitos cênicos suprimem o texto. Quanto a essa questão das "modalidades de teatro musicado ter presidido a
elaboração da "A Capital Federal"", acrescenta muito a transcrição de Prado (O Tribofe, 277) das palavras
de Olavo Bilac, cronista e crítico, sobre o espetáculo de estreia:
―E há uma pancada seca no bombo e nos timbales da orquestra, e abre-se o fundo da cena, e, por
uma tarde batida de sol, aparecem os arcos da Carioca, e, sobre eles, o bonde elétrico voando - numa
esplêndida cenografia de Carrancini‖... E o pano cai, ao reboar dos aplausos. Bilac refere-se, é claro, ao final
do primeiro ato, no último quadro que têm apenas uma cena e uma única fala de Eusébio (- Oh! A Capitá
Federá! A Capitá Federá!...), em um momento que a maquinaria teatral, exibindo sua exuberância com
finalidade apoteótica, minimiza a importância do texto, equiparando-se à mágica, que se utilizava desses
recursos cênicos nas suas temáticas sobrenaturais.
FIGURINO E ADEREÇOS:
Ao propor a composição de tipos, e por isso basear-se na observação dos costumes, a burleta de
Arthur Azevedo recorre aos mais diversos padrões de vestuário, de acordo com as personagens e as
situações que se encontram. Em princípio uniformizadas em suas funções sociais, como caipiras, cocotes,
burgueses, serviçais, para depois falsear a representação da realidade, no caso da transformação de
Benvinda, e, mais longamente, envolvendo várias personagens, na festa à fantasia, com pretexto de criar a
ilusão, revela verdades subjacentes, que surge na inadequação dos tipos rurais às suas fantasias, em
contraponto ao glamour oferecido pelos representantes do meio urbano. Eusébio, vestido depricês, se
embebedando com ponche flamejante, e Benvinda, como Aída, sendo conduzida e "lançada" por Radamés (
Figueiredo), em meio à cocotes e convidados fantasiados, possibilitam tonalidades berrantes, que,
juntamente com a música e a dança, confirmando semelhança com a opereta.
E no quadro do Belódromo, quando a todo momento uma personagem sente a aproximação da
chuva, anunciando uma apoteose onde guarda-chuvas abertos, agitados por perseguições e fugas, mais do
que acessórios de cena, servem para compor plasticamente o espetáculo. Recurso, aliás, que estará sempre
presente conforme as situações apresentadas: como as malas dos hóspedes do hotel na abertura, a bagagem
da família caipira chegando à capital (malas, trouxas e embrulhos), as lunetas (face-en-main) de Figueiredo
e Benvinda, a bicicleta de Juquinha, os indispensáveis chapéus, muitas joias e, mesmo sem indicação no
texto, um leque para completar o disfarce de espanhola de Lola.
A MÚSICA E A FALA:
No final do século XIX, as influências linguísticas na sociedade brasileira lutavam com a
imposição da língua padrão. Nesse aspecto, Azevedo, mesmo sendo um erudito, registra em sua obra uma
forma de falar próxima da realidade da personagem, como recurso de caracterização. Em "A Capital
Federal", a fala das personagens, cristalizadas em seus próprios erros, no caso das personagens rurais, ou nos
estrangeirismos, nas urbanas, conferem aos diálogos o maior recurso de efeito cômico. O exemplo de
Benvinda, alçada a uma nova condição social, sendo ensinada por Figueiredo a mudar da rudimentar fala
rural para o modo de falar da capital, cheio de galicismos, é um dos pontos altos da peça, entre outros, que
usam desse recurso.
Essencial à realização do espetáculo, a música, em "A Capital Federal", que se encontrava entre
o erudito e o popular e sem correspondente aos padrões atuais, foi composta por quem possuía formação
profissional apurada. Rejeitando as formas de música popular, cantado nos circos, por seresteiros e
trovadores de rua e que só eram aproveitadas, vez ou outra nas revistas, para caracterizar a origem humilde
da personagem, a música de teatro da época adaptava ao limite artístico nacional o modelo europeu para
revistas e operetas. E inspirada na opereta de Offenbach: La Vie Pariense, compara Prado (in "O Tribofe",
278),"a opereta ganhava intensidade em um momento de alegria furiosa" quando "no instante em que os fios
do enredo, tendo atingido o auge do entrelaçamento, começam a caminhar para a tranquilidade do
desenlace", e apropriadamente colocado no centro da peça, como nesta cena:
Lola:
Dancem! Dancem! Tudo dance
Ninguém canse
No cancã
Pois quem se acha aqui presente
Tudo é gente
Folgazã!
(cancã desenfreado em torno à mesa)
E em La Vie Pariense, a cena correspondente:
Tous, reprenant:
Fez partout!
Lâchez tout!
Qu'on s'élance,
Que l'on danse! etc. etc.
E Azevedo, explicando a criação de uma opereta cômica a partir de "O Tribofe", uma revista do ano,
e suas opções musicais, conclui com essas palavras, conforme transcrição de Prado (in "O Tribofe", 271):
..., resolvi escrever uma peça espetaculosa, que deparasse aos nossos cenógrafos, como deparou, mais uma
ocasião de fazer boa figura, e recorri também ao indispensável condimento da música ligeira, sem contudo,
descer até o gênero conhecido pela característica denominação de maxixe.
Foram conservados alguns bonitos números da partitura do Tribofe, escrita pelo inspirado Assis
Pacheco, e introduzida uma linda valsa, composta por Luís Moreira. Da composição de todos os demais
números, que não são poucos, em boa hora se encarregou o jovem Nicolino Milano, talento musical de
primeira ordem, a quem está reservado um grande futuro na arte brasileira. Mais uma vez, o autor
maranhense, ao louvar os seus colaboradores, revela a receita da sua grande popularidade, ao se aliar, sem
preconceitos, aos meios de expressão artística ora definidos como comerciais. Sempre defensivo quanto ao
estigma de agente da decadência do teatro brasileiro em suas respostas à crítica que o condenava, Azevedo
conseguiu, em sua enérgica trajetória de homem de teatro, transpor os limites que os gêneros populares
impunham, e registrar, em "A Capital Federal", um padrão para o humor nacional e uma valiosa descrição
dos costumes de uma época decisiva na formação da sociedade urbana brasileira. Hábil na caricatura de
personagens, e com isso manipulando-os para alcançar o seu maior objetivo: comunicar-se com grandes
plateias, o autor constrói tipos anedóticos, antecipando um conceito de humor que tanto proliferou no teatro
popular brasileiro, calou-se no getulismo e voltou licencioso no pós-guerra, rebatizado de "Teatro de
Revista". A mulata faceira e sensual, o caipira ingênuo, a cortesã estrangeira, o corrupto e tantos outros, são
tipos que habitam o imaginário popular e até hoje encontram espaço no cenário do humor nacional. Em meio
a todas as inovações tecnológicas, Arthur Azevedo mantém-se firme no seu maior desejo: fazer o povo rir.
ANÁLISE DA OBRA "POEMA SUJO", DE FERREIRA GULLAR
O AUTOR
Em 1970, Ferreira Gullar é obrigado a deixar o Brasil, vivendo em várias cidades, foi em Buenos
Aires, que o poeta escreveu em 1975 entre maio e outubro o ―Poema Sujo‖ que foi muito bem acolhido
pelos intelectuais. Eram realizados encontros e foi na casa de Augusto Boal, em Buenos Aires, entre grupo
de amigos, liderado por Vinícius de Moraes que conheceram e se apaixonaram pelo ―Poema sujo‖, assim
Vinícius de Moraes leva o poema para o Rio de Janeiro escondido em fita-cassete, por razões de segurança.
Já no Brasil Vinícius promove sessões de audição privada para intelectuais e jornalistas, e o editor
Ênio Silveira resolve publicá-lo no ano seguinte, sem a presença do poeta, ainda exilado. Esse poema abriu
as portas para o seu retorno ao país, que foi em março de 1977.
OS CRÍTICOS
A crítica foi benevolente com o poema, segundo:
Vinícius de Moraes, esse ―é o mais importante poema escrito em qualquer língua nas últimas
décadas‖; Otto Maria Carpeaux considera-o um ―poema nacional‖, uma verdadeira ―encarnação do exílio‖,
trazendo todas as experiências, vitórias, derrotas e esperanças de vida do homem brasileiro.
Clarice Lispector classifica-o de ―escandalosamente belíssimo‖.
A PROPÓSITO DO TÍTULO
Afirmou:
Luiz Carlos Junqueira Maciel:
Diz que Ferreira Gullar afirma que o título ―... é porque eu pego o que tem de escuro, de sujo, as
cadeiras velhas, os armários velhos, e coloco uma luz. Vou até embaixo, no fundo, e subo trazendo tudo
junto: o que é poesia e o que não é poesia‖.
Maria Zaira Turchi:
Ao questionar o título do ―Poema sujo‖, indaga se esse adjetivo teria a mesma conotação de
pornográfico, imoral, contrário às normas tradicionais de boas maneiras. Ma o ―Sujo‖ não se localiza nos
palavrões, nas tiradas eróticas;
O sujo está na miséria, na fome, na obscena divisão de classes. O sujo está inserido no tempo da
enunciação do texto: anos 70, ditadura militar, milagre econômico a enriquecer uma minoria, tortura e
censura obscurecendo o país, o poeta exilado, em sua vida clandestina, prestes a ser preso ou fuzilado a
qualquer momento;
O ―Poema sujo‖ é um painel-memorial onde se acham acontecimentos tristvida até aquele momento.
É ―Poema sujo‖, por não seguir as regras poéticas de métrica, rima, palavras adequadas e vocabulário. Há
gírias, palavrões e, até mesmo, obscenidades na linguagem. Ainda pode ser ―Poema sujo‖ por ser de um
autor perseguido na época, contrário ao regime do seu tempo de rapaz.
O ESTILO DA ÉPOCA
Gullar afirma que suas obras são fruto de reflexões sobre os acontecimentos, a vida e as pessoas,
escrita com coerência. O ―Poema sujo‖, que é seu livro mais conhecido internacionalmente, já foi publicado
na Alemanha, Espanha, Colômbia e EUA, é considerado a obra mais ousada de Ferreira Gullar.
Esta obra como diz o autor, é uma obra que traz uma reflexão vigorosa e penetrante sobre a infância
e o resgate. O poeta escreveu as cinco primeiras laudas em um só fôlego:
―Ao terminá-las, sabia de tudo: que o poema ia ter por volta de cem páginas, que teria vários
movimentos como uma sinfonia e que se chamaria ―Poema sujo‖. Hoje, ao refletir sobre aqueles momentos,
estou certo de que o poema me salvou: quando a vida parecia não ter sentido e todas as perspectivas estavam
fechadas, invente, através dele, outro destino.‖
Escreveu-a numa época de forte repressão política, Gullar sentia-se perseguido pela ânsia de
relembrar o passado e a dificuldade de expressar, em linguagem poética, o universo interior, o que
transparece logo nos primeiros versos, no nível formal do texto:
turvo turvo
a turva
mão do soprocontra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo escuro
mais que escuro:
claro
Como água? Como pluma? Claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando (desde coisa alguma)
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando...
Há, nessa passagem, o uso consciente de vogais e consoantes que sugerem um conflito entre o desejo
pela expressão exata e a impossibilidade de transpor para o verso as impressões da vida real. Esse embate
repercute na utilização das consoantes oclusivas [t] e [p], que reproduzem sons fortes e pesados, mostrando
que o poema começa a se revelar, mas ainda se acha à mercê dos óbices de transformar em linguagem
poética a experiência profunda, armazenada como sentimentos, emoções e recordações. Por outro lado, as
vogais [o] e [u] também causam a sensação de fechamento e escuridão, sem mencionar que a palavra muro
realça esse labor com a linguagem.
Logo em seguida aparecem outros estilísticos que demonstram a superação das primeiras barreiras. O
jogo de antíteses (escuro x claro, menos x mais, mole x duro) reforça uma ambiguidade: ora a imagem
emerge espontânea, ora se esconde no pensamento.
Claro claro
Mais que claro
Raro
O relâmpago clareia os continentes passados.
Em razão de uma originalidade sempre buscada, no‖ Poema sujo‖ ele se esmera (aprimora) na
coragem despudorada de revelar explicitamente a sordidez e a impureza do cotidiano humano em passagem
insólitas (incomum), embora amparadas por uma consciência poética que torna esses rompantes expressivos
alheios a um simples e pueril desejo de subverter ou chocar. Em alguns momentos, o poeta declara
abertamente:
―Tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre [as folhas de banana entre os cheiros de flor e
bosta de porco aberta] como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras)...
O poema é estruturado em versos livres (em alguns momentos, há versos em redondilha maior –
quadra de versos de sete sílabas, na qual rimava o primeiro com o quarto e o segundo com o terceiro,
seguindo o esquema abba) explorando com liberdade o espaço gráfico, recorrendo, às vezes, a expedientes
concretistas:
“nada
vale
nada
vale
quem
não
tem
nada
v
a
l
e
TCHIBUM!!!” (p.36)
O poema é um corpo constituído de quatro temas principais: infância/ família – corpo/prazer –
tempo/tempos – cidade/vida. Nele há uma mistura de tristeza e alegria, esperança e angústia, caráter
histórico e mistério existencial, corpo humano e espaço urbano. A forma poética é também híbrida
(misturada), recorrendo a versos curtos e longos, versos livres e metrificados, linguagem clássica e
linguagem chula, narrativas e fragmentos, léxico popular e erudito, anáforas, sinestesias, aliterações,
assonâncias, onomatopeias.
Ao observar o movimento de versos e estrofes, as páginas e seus espaçamentos, pressente-se que
existe de fato uma arquitetura nesse corpo poético. A paginação rigorosa obedece a um desenho que pode
ser assemelhado às partituras, e o número de páginas do poema corresponde à média de páginas que possui a
edição de uma sinfonia.
Há a influência do concretismo/neoconcretismo pode ser identificada em várias passagens da obra,
em que o espaço em branco é ocupado graficamente pelo verso.
MONTAGEM DO POEMA
Embora o poema não apresente subtítulos, capítulos ou subdivisões, podemos apontar, através de
espaços deixados entre as suas 103 páginas, 09 blocos distribuídos assimetricamente: enquanto o menor tem
quatro páginas, o maior tem 26.
PRIMEIRO BLOCO: da página 11 a 24
Na oposição entre o turvo e o claro, o poema nasce no nível da inconsciência, da pré-fala, buscando
atingir a fala consciente.
O primeiro grande impacto do poema vem nos seguintes versos:
“azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu”.
Como observa Turchi, a última palavra chula quebra o encantamento azul da infância e da fantasia,
―e fecha como que o inconsciente para acordar o consciente na busca da realidade da vida‖.
SEGUNDO BLOCO: da página 25 a 36
Neste segundo bloco começa evocando o rio Anil, sujo e miserável, com seus bagres e lama podre.
Num tempo em que o menino não conhecia Homero, Dante nem Boccaccio; evoca a locomotiva que se
parecia com um paquiderme (de pele espessa com um elefante), o poema abusa das onomatopeias (―tchi
tchi/ trã trã trã trã‖) e, compõe esses versos singelos e líricos:
“Lá vai o trem com o menino
lá vai a vida a rodar
lá vai ciranda e destino
cidade e noite a girar
lá vai o trem sem destino
pro dia novo encontrar
correndo vai pela terra”.
Até então, dá para perceber que o ―Poema sujo‖ o autor relata a sua vida, a sua trajetória.
TERCEIRO BLOCO: da página 37 a 62
O poeta prossegue escavando a memória, remexendo na terra suja do quintal, evocando os mortos do
passado e, simultaneamente, falando de seu presente.
De volta ao passado, o poeta voa sobre a miséria de São Luís, na fábrica de Camboa, onde os
operários eram explorados (não deixa de ser uma crítica); referente ao amigo de infância (Esmagado) e às
casas de palafitas. Nas lembranças do poeta, acionadas pela noite, há o contraste entre a burguesia e os
operários.
Neste bloco ―A noite‖ é uma imagem recorrente:
“(Maria do Carmo
que entregava os peitos enormes
pros soldados chuparem
na Avenida Silva Maria
sob os oitizeiros
e deixava que eles esporrassem
entre suas coxas quentes (sem meter)
mas voltava para casa
com ódio do pai
e mal-satisfeita da vida)”
QUARTO BLOCO: da página 63 a 69
Este bloco será pontuado com a história dos pássaros, reproduzindo as ocupações profissionais, os
pássaros serão relacionados com as histórias humanas: o curió que cantava na barbearia puxa o caso da filha
do barbeiro que fugiu com o filho do carteiro, provocando um comentário racista das vizinhanças:
“Se tivesse fugido
com um branco
ao menos ia poder casar”
As diferenças sociais são apontadas a partir da referência aos pássaros. Através dos pássaros, o poeta
evoca outros dramas, como o de seu Neco, que matou a mulher que punha chifres. O autor encerra esse
bloco com referências míticas aos guerreiros (que conhecem a história dos pássaros) e ao vento que sopra
nas árvores de São Luís, que irá soprar a memória do poeta no próximo bloco.
QUINTO BLOCO: da página 70 a 77
O protagonista deste bloco é o pai do poeta, Newton Ferreira.
SEXTO BLOCO: da página 78 a 87
Os versos giram em torno da cidade de São Luís, verde e úmida, com seus ventos sonoros. A
memória do autor busca os capinzais e sinestésicas evocações sexuais:
“vertigem de vozes brancas ecos de leite
De cuspo morno no membro
O corpo que busca o corpo”.
A sujeira acompanha implacável cada lembrança:
“buscando
Em mim mesmo a fonte de uma alegria
Ainda que suja e secreta”.
Ainda neste bloco, o título do poema se aclara (esclarece) nesta confidência do sanluisense:
“Ah, minha cidade suja
de muita dor em voz baixa
de vergonha que a família abafa
em suas gavetas mais fundas
de vestidos desbotados
de camisas mal cerzidas
de tanta gente humilhada
comendo pouco
mas ainda assim abordando de flores
suas toalhas de mesa
suas toalhas de centro
de mesa com jarros”
SÉTIMO BLOCO: da página 88 à 91
A cozinheira Bizuza, no seu ―universo de panelas e canseiras‖, é a personagem citada neste bloco, ao
lado da cidade de São Luís. De novo vem à reflexão sobre tempo e espaço, de novo o poeta evoca os mortos,
os habitantes que não existem, mas são ressuscitados pela força da memória.
OITAVO BLOCO: da página 92 a 98
Este bloco trata da reflexão a respeito das coisas do cotidiano, a crença no trabalho humano, a
valorização das coisas, etc.
NONO BLOCO: da página 99 a 103
Neste bloco o poeta, antecipando o seu último livro publicado, busca relacionar as coisas umas com
as outras, deixa o fragmento e atinge a totalidade; o poeta, ao falar da sua infância, da família e dos objetos,
cria uma intensa e tensa rede de relações, que se prendem à história. Dando um balanço em sua vida e em
sua obra, em seu livro memórias, Ferreira Gullar conclui: ―A vida não é o que poderia ter sido e sim o que
foi. Cada um de nós é a sua própria história real e imaginária‖.
A força poética da obra gullariana reside, portanto, na qualidade das sugestões psicológicas, no
emprego inusitado da palavra e na capacidade de, como o próprio autor afirma: ―explodir a linguagem‖ em
versos que marcaram, pela singularidade, os rumos da criação poética brasileira. Isso sem mencionar a
dignidade e a sinceridade com que assume a dureza da existência humana e a transfigura em poemas que
evocam não apenas o universo paradisíaco da infância, mas também inscrevem um novo sentido ético, que
seguramente nos torna mais conscientes dos mistérios de existir num mundo que, como diz Gullar, ―espanca
e comove‖.