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Mariana Paiva Venuto Thalita Ribeiro Inoue ANÁLISE DO FILME: A ILHA DO MEDO São Paulo 2013

Analise de a Ilha Do Medo

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Mariana Paiva Venuto

Thalita Ribeiro Inoue

ANÁLISE DO FILME: A ILHA DO MEDO

São Paulo

2013

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FMU

Mariana Paiva Venuto

Thalita Ribeiro Inoue

ANÁLISE DO FILME: A ILHA DO MEDO

Trabalho apresentado à disciplina de

Psicologia da Personalidade,

do curso de Psicologia/FMU, sob orientação

da Professora Fernanda Campos.

São Paulo

2013

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Sumário

Introdução ......................................................................................................................... 4

Personagens: Propostas de tipos de caráter........................................................................ 5

Processo Primário e o Inconsciente .................................................................................. 5

Análise das cenas que ilustram o Inconsciente ................................................................. 6

Processo Secundário e o Pré-Consciente e Consciente .................................................... 9

Análise das cenas que ilustram o Pré-consciente ............................................................. 9

Análise das cenas que ilustram o Consciente ................................................................... 10

Análise dos Sonhos ........................................................................................................... 10

Análise da cena final ......................................................................................................... 13

Conclusão .......................................................................................................................... 15

Bibliografia .......................................................................................................................

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Introdução

Abordaremos nesse trabalho uma visão psicanalítica do filme A Ilha do Medo. Iremos

realizá-lo baseado nas teorias de Freud, em Interpretação dos sonhos. O filme fala sobre um

paciente de um hospital psiquiátrico que vive sua psicose sem interferências, durante dois

dias. Ao decorrer do trabalho iremos abordar o Processo Primário - inconsciente, e o Processo

Secundário - pré-consciente e consciente, fazendo uma correlação entre os fatos ocorridos no

filme e as teorias que foram estudadas.

“Minha explicação para as alucinações da histeria e da paranoia e para as

visões nos sujeitos mentalmente normais é que elas de fato constituem

regressões — isto é, pensamentos transformados em imagens —, mas os

únicos pensamentos a sofrerem essa transformação são os que se ligam

intimamente a lembranças que foram suprimidas ou permaneceram

inconscientes” (Freud, 1900/1996, p.574).

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Personagens: Propostas de Caráter

O personagem principal, Andrew Laeddis – que se intitula como Teddy Daniels –

apresenta, segundo nossa proposição, um caráter fálico com traços de caráter oral satisfeito.

Levanta-se a possibilidade do caráter fálico por sua agressividade, pela arrogância com que

leva suas crenças e, em caráter de formação reativa, a paranoia em que vive, na qual tudo e

todos conspiram contra ele, e com o medo constante da castração de sua realidade, ele se

defende de forma agressiva à arbitrariedade, às afirmações que contrariam tudo em que

acredita. Como exemplo, temos a cena em que agride violentamente seu companheiro de cela,

George Noyce, por dizer que ele era Andrew Laeddis. Os traços de caráter oral estariam

possivelmente ligados ao otimismo extremo diante do adoecimento de sua esposa, que o levou

a ignorar todos os alertas dados sobre o perigo e gravidade de seu estado, aparentemente, em

uma crença de que tudo poderia se resolver, o amor que ambos tinham, e tudo o que possuíam

seria, de acordo com o raciocínio, suficiente para garantir sua sobrevivência. Fica o ultimo

também dúbio, pois esse otimismo extremo poderia ser também sinal de arrogância em

relação à doença da esposa, que seria então uma forma de demonstração do caráter fálico.

O psiquiatra, Dr. Lester Sheehan, a quem Andrew chama de Chuck Ausle, seu parceiro

da polícia, apresenta possivelmente traços de caráter oral satisfeito, pela confiança que tem na

possibilidade de melhora de Andrew, o paciente mais perigoso da instituição, propondo uma

encenação que o levasse a enxergar o quanto era absurda a realidade que ele tinha criado a

respeito dos acontecimentos, visando à melhora para ele não ser lobotomizado.

O outro psiquiatra, Dr. John Cawley, apresenta possivelmente traços de caráter anal,

com características de ordem, na obsessão pela concordância com as regras. O Dr. Jeremiah,

psiquiatra mais velho, alemão, apresenta, possivelmente, um caráter fálico, por sua arrogância

e necessidade de se impor sobre o paciente, de desafiá-lo, com uma forma agressiva e incisiva

de falar. (Reis, Magalhães e Gonçalves, 1984)

Processo Primário e o Inconsciente

“Os processos irracionais que ocorrem no aparelho psíquico são os processos primários”

(Freud, 1900/1996, p.631).

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O inconsciente funciona por meio de um sistema próprio. Ele desconhece a dúvida e a

negação. É atemporal e regido pelo princípio da satisfação do prazer. Nele encontramos o

funcionamento pela presença de um processo primário (Reis, Magalhães e Gonçalves, 1984).

No filme, Andrew Laeddis entra em um surto psicótico, no qual vive e atua o

inconsciente o tempo inteiro, criando uma nova versão para todo o acontecimento traumático

experienciado por ele, para suportar esse trauma e passar de “bandido” - o assassino de sua

esposa e indiretamente de seus filhos, a “herói” - um detetive policial em busca de solucionar

o desaparecimento de uma prisioneira.

“O estado de sono garante a segurança da cidadela a ser guardada. A situação

é menos inofensiva quando o que acarreta o deslocamento de forças não é o relaxamento noturno do

dispêndio de força da censura crítica, mas uma redução patológica dessa força ou uma intensificação

patológica dasexcitações inconscientes, enquanto o pré-consciente está ainda catexizado e o portão de

acesso à motilidade permanece aberto. Quando isso acontece, o guardião é subjugado, as excitações

inconscientes dominam o Pcs. e, a partir daí, obtêm controle sobre nossa fala e nossas ações, ou então

forçam a regressão alucinatória e dirigem o curso do aparelho (que não se destinava a seu uso) em

virtude da atração exercida pelas percepções sobre a distribuição de nossa energia psíquica. A esse

estado de coisas damos o nome de psicose” (Freud, 1900/1996, p.596).

Análise das cenas que ilustram o Inconsciente

Cena nº1:

Andrew está na balsa a caminho do Hospital Psiquiátrico. Ele lava o rosto e diz para si

mesmo: “Recomponha-se, Teddy. É apenas água. Muita água.” – Há ali a possibilidade deste

desconforto diante da água estar inconscientemente ligado à lembrança do lago onde

morreram seus filhos.

Cena nº2:

Ao entrar no hospital, Andrew vê alguns pacientes, entre eles, surge uma mulher com

poucos cabelos, dentes podres e uma marca semelhante à de um enforcamento no pescoço.

Ela olha fixamente para ele, e acena, sorrindo. – Não há nada que remeta a essa mulher ser

real, pois a ferida em seu pescoço parece suja, e o jeito com que interage com ele sugere que

ela seja uma alucinação. A questão que fica é sobre qual a representação dessa mulher.

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Cena nº3:

Quando conversa com o psiquiatra, Dr. Cawley, se refere aos pacientes de lá como

criminosos violentos, que não merecem viver em paz. – Demonstra um deslocamento da culpa

que sente pelo assassinato da esposa e pela morte de seus filhos, de forma inconsciente, para

todos os mentalmente insanos que cometem crimes. Possivelmente, esta é a visão que ele

próprio tem de si.

Cena nº4:

Dentro da narrativa da história, ele recria a situação traumática vivida por ele, com outra

pessoa responsável pelo crime: Rachel Solando. Nesta versão, Rachel afogou os três filhos e

depois os colocou à mesa, fez uma refeição até que aparecesse um vizinho e visse o que

aconteceu. O marido de Rachel seria um soldado, morto nas praias da Normandia. Ela seria

uma viúva de guerra.

Cena nº5:

Ele pergunta como Rachel pode não perceber que está em um hospital psiquiátrico.

Cena n°6:

Ele cria um delírio sobre Andrew Laeddis – seria o homem que botou fogo no

apartamento em que vivia com a esposa, matando-a. O Laeddis criado por ele tem olhos de

cores diferentes e uma cicatriz que corta todo o rosto. – Essa imagem absurda e feia de um

assassino, talvez seja a imagem que ele tem de si mesmo.

Cena n°7:

Na cena em que se direciona ao cemitério, Laeddis conta uma história a respeito do

hospital psiquiátrico, uma teoria conspiratória, na qual diz que muitas pessoas sabem sobre

aquele lugar, mas elas têm medo de falar. Ele diz que o hospital recebe fundos de uma

instituição, o comitê as atividades antiamericanas. Que lá são realizadas experiências mentais.

E fala sobre George Noyce, um conhecido que era um ex-paciente socialista que ficou lá por

um tempo, e, quando saiu, tornou-se um assassino e implorou diante do tribunal pela cadeira

elétrica para não voltar ao hospital psiquiátrico.

Cena nº8:

Ele está na ala C, e vai até a cela de um prisioneiro – George Noyce – que diz a ele que

ele mentiu, que prometeu libertá-lo e mentiu. George diz a ele que ele não pode matar

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“Laeddis” e descobrir a verdade ao mesmo tempo, que ele precisa escolher. Nesse momento,

Andrew vê sua mulher dentro da cela, dizendo: “Conte para ele o porquê. Conte sobre o dia

em que levou o medalhão, como eu disse que meu coração estava se partindo e você

perguntou o porque, e eu disse que era por felicidade.” George diz que ela irá matá-lo e que

ele deve deixa-la ir se quiser descobrir a verdade. Andrew diz que não pode, então George diz

que ele nunca mais vai sair dessa ilha. – A interação alucinatória de Dolores torna mais uma

vez o inconsciente dele atuante, e mostra que, conforme passa o tempo, as alucinações vão se

tornando mais fortes e frequentes.

Cena nº9:

Depois de deixar seu “parceiro” Chuck (Dr. Sheehan), Andrew sobe no penhasco e tem

certeza de que vê o corpo dele lá embaixo, nas pedras. Ele desce para tentar resgatá-lo. Ao

chegar lá embaixo não vê mais o corpo, mas olha para cima e vê uma caverna iluminada entre

as pedras. Vê vários ratos saindo das pedras, mas mesmo assim sobe até a caverna. Ao chegar

à caverna, vê alguém que se intitula como a verdadeira Rachel Solando, uma ex-psiquiatra,

que virou paciente e fugiu, para não ser lobotomizada. Ela fala sobre a lobotomia e sobre uma

conspiração, que estão tentando enlouquecê-lo com os medicamentos que estão dando nos

alimentos, cigarros e aspirinas. Diz que ele não tem nenhum amigo e nunca sairá de lá. – Ela é

mais uma alucinação de Andrew e esses pensamentos são todos provindos dele mesmo.

Cena nº10:

Ele usa a gravata que ganhou de Dolores para provocar uma explosão de um carro.

Durante a preparação da explosão, vê Dolores que pergunta o que ele está fazendo. Ele

interage, diz que irá buscar Chuck no farol. Ela diz para ele não ir, e ele diz que sente muito.

Ele se afasta do carro, nesse momento sua filha vai para o lado de sua mãe e elas ficam

olhando para ele. O carro explode, e elas continuam a olhar. Ele foge.

Cena nº11:

Ele alucina que, ao atirar no Dr. Cawley, no farol, com a arma descarregada (e de

brinquedo), sai sangue do médico. Mas nada acontece.

Ainda no farol, durante a revelação, alucina que sua mulher e sua filha estão lá. Dolores

dizendo que sentia muito, que disse que se ele fosse até lá seria seu fim. Sua filha estende a

mão para ele.

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Processo secundário e o Pré-consciente e Consciente

“O processo primário esforça-se por promover uma descarga da excitação, a

fim de que, com a ajuda da quantidade de excitação assim acumulada, possa

estabelecer uma “identidade perceptiva”. O processo secundário, contudo, abandonou

essa intenção e adotou outra em seu lugar — o estabelecimento de uma “identidade de

pensamento” [com aquela vivência]. O pensar, como um todo, não passa de uma via

indireta que vai da lembrança de uma satisfação (lembrança esta adotada como uma

representação-meta) até uma catexia idêntica da mesma lembrança, que se espera

atingir mais uma vez por intermédio das experiências motoras” (Freud, 1900/1996,

p.628).

O consciente irá se dividir em pré-consciente e consciente. Para entrar no pré-

consciente, o ato psíquico é submetido à ação da censura. O processo secundário possui um

movimento controlado, que funciona como a inibição das tendências à satisfação imediata.

Ele funciona não mais pelo princípio do prazer, como o inconsciente, mas pelo princípio da

realidade. Para que uma ideia seja transposta do pré-consciente para o consciente, não existe

uma grande barreira, basta que se queira ter acesso a ela ou que seja pertinente no momento.

O consciente é o sistema percepção-consciência. A consciência é uma qualidade momentânea,

e dispensa temporariamente a atenção a algumas representações conscientes (Reis, Magalhães

e Gonçalves, 1984).

Análise das cenas que ilustram o Pré-consciente

Em todas as cenas observa-se a tentativa de o conteúdo inconsciente chegar à

consciência. Andrew consegue acessar essas lembranças, ora por vontade própria, ora por

espécies de insights. Nota-se também que, ao resgatá-las, as mesmas já passaram pela ação da

censura, que de certa forma distorceram a integridade dessas lembranças (Freud, 1900/2012).

Cena n°1:

Ao ver a foto de “Rachel Solando”, ele tem um lapso de memória e lembra-se de uma

mulher deitada com uma criança no gelo, ambas mortas, e outras pessoas também no mesmo

estado. Em seguida sente uma dor de cabeça forte.

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Cena nº 2:

Ao entrar na casa do Dr. Cawley, a música que está tocando faz com que se lembre de

cenas da guerra em Dachau. Quando o Dr. Jeremiah o desafia durante sua conversa, falando

sobre seus mecanismos de defesa e a violência inerente no homem, ele se lembra de uma sala,

uma vitrola tocando uma música, o local sendo revistado, papéis voando e um homem morto

no chão. Ele olha para o homem morto, vestido de soldado.

Cena nº3:

Ao conversar com “Chuck” (Dr. Sheehan), no cemitério, lembra-se e descreve a guerra

em Dachau, sobre a execução em massa dos inimigos, e vê, novamente, a mulher morta

abraçada com a criança no gelo.

Cena nº4:

Quando ele se recorda do momento em que entra na casa do lago, toma um copo de

bebida, encontra Dolores no balanço e seus filhos no lago, tenta salvá-los e atira em sua

esposa, matando-a.

Cenas que ilustram o Consciente

Momentos em que consegue perceber as coisas externas a si, senti-las e interagir com

elas. A principal cena que descreve isso é a cena em que finalmente entende quem é e o que

faz no hospital psiquiátrico, quando consegue falar sobre o que aconteceu para ir até lá, e

consegue se descrever.

Análise dos Sonhos

“A psicose pode se manifestar de um só golpe com o sonho causador, que

contem a iluminação delirante, ou se desenvolver lentamente por meio de vários sonhos que ainda têm

de lutar com a dúvida” (Freud, 1900/2012, p.109).

Deixamos a análise dos sonhos por último, por estes abrigarem fundamentações tanto

inconscientes quanto pré-conscientes, conforme cita Freud, “o processo de formação dos

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sonhos é obrigado a ligar-se a pensamentos oníricos pertencentes ao sistema pré-consciente”

(1900/1996, p.572). Assim que descrito, torna-se mais visível esse processo.

Os sonhos passam por uma elaboração onírica (secundária), na qual os distorcemos

para tentar reproduzi-los. Encontram-se o deslocamento, a condensação, a dramatização, os

símbolos, os restos diurnos e as impressões externas. “Os sonhos se valem desse simbolismo

para a representação disfarçada de seus pensamentos latentes” (Freud, 1900/1996, p.384).

Segundo Freud (1900/2012, p.345), todos os sonhos são egoístas. Ainda que outras

pessoas façam parte do sonho, elas estão lá apenas para auxiliar o contato de certas

representações com o nosso próprio ego, cuja aceitação foi antes proibida pela censura.

Verificamos a necessidade de autopunição de Andrew através de seus sonhos, que se

repetem frequentemente com o questionamento de sua filha morta: “Por que não me salvou?

Por que não salvou todos nós?”. A característica desse tipo de sonho seria um desejo de

punição advindo do próprio ego e também de seu pré-consciente (Freud, 1900/1996).

Cena nº1:

Ele está em seu apartamento, a música está tocando e sua mulher, Dolores, briga com

ele por ele beber. Ele diz que matou muita gente na guerra e ela pergunta se é por isso que ele

bebe. Ele pergunta se ela é real, ela diz que não e diz que “ela” ainda está lá (Rachel Solando).

Ele pergunta quem, ela diz que “ela” nunca foi embora. Começam a cair cinzas no

apartamento e na janela, tem-se a vista do lago. Dolores olha para a janela e pergunta se ele se

lembra de quando foram à cabana no verão, diz que estava tão feliz, e se vira e diz novamente,

dessa vez aflita, que “ela” está lá e que ele não pode ir embora. Ele a abraça, e nesse momento

sua barriga começa a sangrar. Ele não quer ir porque ela está lá, ela diz que ele tem que

entender que ela não está lá, mas que Rachel está e “ele” (Andrew Laeddis) também, e que ele

tem que ir e deixá-la ir. Ele diz que não pode, e ela se transforma em cinzas e se desmancha.

O apartamento fica todo em chamas e de repente começa a escorrer água pelo apartamento

entre as chamas, em suas mãos também. Ele acorda com a goteira no teto. – No sonho, a visão

geral do apartamento é similar às visões que tem nas lembranças da guerra, mostrando que

existe uma elaboração onírica, com condensação de representações e deslocamento. Mostram-

se também os restos diurnos: a insistência em falar sobre a Rachel Solando, que condiz com o

que ele viveu e não resolveu no dia anterior, e as impressões externas: no momento em que

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termina o sonho com água escorrendo por suas mãos, ele acorda e tem uma goteira molhando

suas mãos sobre sua cama.

Cena nº2:

Após ser sedado com a “aspirina para enxaqueca”, ele adormece, sonha com o gelo,

uma das imagens constantes de sua memória a respeito da guerra. Ele passa por pessoas

mortas, as observa e vê a mulher deitada com a criança. Quando olha novamente, o rosto da

mulher se transforma no rosto da Rachel Solando, e a criança aparenta ser sua filha. Rachel

está com os olhos abertos e a menina também abre os olhos, se levanta e diz que ele a deveria

ter salvado, que ele deveria ter salvado todos eles. Ele se recua, e de repente está na sala da

casa do Dr. Cawley. Laeddis (a figura que imagina ser Laeddis) está sentado na poltrona onde

antes estava sentado o Dr. Jeremiah (no momento anterior ao sonho), ele acende um fósforo

para acender o cigarro dele, o chama de amigo e diz que não há ressentimentos. Tira uma

bebida do bolso, e diz que é para mais tarde, que sabe o quanto ele precisa. Então ele se

transforma em “Chuck” (Dr. Sheehan), que diz que o relógio está andando e ele está ficando

sem tempo. Uma mulher grita. Ele fica só na sala, que agora fica iluminada. Surge Rachel

toda ensanguentada com três crianças – seus filhos – todos ensanguentados e mortos ao redor

dela. Sorrindo, Rachel pede que ele a ajude, e ele responde que pode se meter em problemas.

Ela fica aflita e passa a mão no rosto dele. Ele se abaixa e pega a filha no colo. A filha

pergunta para ele se está morta, e ele diz que sente muito. Ela pergunta por que ele não a

salvou, e ele responde que tentou, mas quando chegou lá era tarde demais. Então o cenário se

transforma e ele aparece saindo de ré do lago com ela no colo e a põe de volta no lago junto

com as outras duas crianças. Ele e Rachel ficam olhando para o lago e ela pergunta se não são

lindos. A menina olha para ele de dentro do lago como se estivesse se afogando. Ele acorda,

aparentemente. A porta se abre, e aparece Rachel, com uma capa de chuva. (Chove lá fora).

Ela diz que Laeddis não está morto, que ainda está lá. Que ele precisa achá-lo e matá-lo, e

depois acalma ele. Então ele acorda, dessa vez de verdade.

Novamente observamos o processo de elaboração onírica. Iremos desenvolver as

nossas hipóteses em relação aos dados do sonho: quando sua esposa aparece no quarto com a

capa de chuva, aparece assim por estar chovendo lá fora, portanto sendo uma impressão

externa. Ele desloca a imagem de sua esposa, a real assassina de seus filhos, para a imagem de

Rachel – aquela a quem culpa, em delírio, pelo assassinato, em uma história que não o atinge.

Nesse sonho, a culpa que ele sente de si mesmo por não ter salvado seus filhos se reflete no

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questionamento recorrente do porquê de ele não tê-lo feito. Aparece também no momento em

que ele mesmo põe a menina de volta no lago e ela afunda olhando para ele, como se ele

tivesse a capacidade de salvá-la, mas não o fizesse. A bebida, presente em sua vida real,

aparece no sonho como sedativo para a dor que sente, algo que ele precisará mais tarde. A

noção que provém do resquício de consciência de que se não melhorar poderá ser

lobotomizado aparece quando Dr. Sheehan diz que eles estão ficando sem tempo. O resto

diurno se dá pela volta à sala do Dr. Cawley, e a insistência em encontrar “Andrew Laeddis”.

O sonho aparece, tal como o outro, porém com uma intensidade maior, como um processo

que tenta norteá-lo. O conteúdo reprimido que foi para o inconsciente, nesse caso a realidade,

já que ele criou outra realidade que está atuando, tenta passar para o pré-consciente e, por

conseguinte, para a consciência. Ele acorda no próprio sonho. De acordo com Freud

(1900/2012, p.361):

”É seguro supor, então, que o que foi “sonhado” no sonho é uma

representação da realidade, a verdadeira lembrança, ao passo que continuação

do sonho, pelo contrário, meramente representa o que o sonhador deseja.

Incluir algo num “sonho dentro do sonho” equivale, assim, a desejar que a

coisa descrita como sonho nunca tivesse acontecido”.

O primeiro sonho pareceu, possivelmente, uma volta veemente à realidade, e ao

acordar desse sonho, ele diminuiu sua importância, focando-se em seu principal desejo: sua

mulher, Dolores, apoiando sua outra realidade, sua necessidade de achar o culpado por sua

morte, “Laeddis”.

Análise da cena final

Dr. Sheehan senta-se ao lado de Andrew, pergunta como ele está e oferece um cigarro

a ele. Andrew responde que não pode reclamar e pergunta qual é o próximo passo, o

psiquiatra responde: “Me diga você”. Ele diz que tem que sair de lá e voltar para o continente,

que o que quer que aconteça lá é ruim, e volta a chama-lo de Chuck. Dr. Sheehan acena

negativamente para os outros psiquiatras, que estão esperando a confirmação de que ele está

são e não precisa sofrer a ultima medida: ser lobotomizado. Andrew diz para “Chuck” não se

preocupar, pois eles não serão pegos, o psiquiatra diz que não, pois são muito espertos para

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eles. Andrew concorda e acrescenta: “Sabe, esse lugar me faz pensar. O que seria melhor –

viver como um monstro ou morrer como um homem bom?”. Ele então se levanta e vai em

direção aos enfermeiros que trazem algo nas mãos, como se fossem os instrumentos para o

procedimento da lobotomia. Dr. Sheehan fica com um semblante perplexo.

Formulamos duas hipóteses para explicar essa cena. Na primeira hipótese, pensamos

na possibilidade de ele sentir-se culpado pela morte da esposa e pelos assassinatos de guerra,

uma vez que está são e, por esta razão, preferir ser lobotomizado, ou seja, “morrer” como um

homem mentalmente doente, porém bom, a viver em sua sanidade com o peso dessa culpa,

como um “monstro”. Na segunda hipótese, ele teria regredido novamente e voltado à

realidade na qual tudo não passava de uma conspiração, e ele novamente não era o assassino,

mas sim, o policial herói. Em ambas as hipóteses, consta imperativo o desejo de não conviver

com a culpa pelo que ocorreu e a fuga dessa culpa, em uma mera tentativa de manter a

integridade do ego.

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Conclusão

Este trabalho permitiu que pudéssemos entender um pouco melhor sobre as teorias de

Freud. Pudemos desenvolvê-lo a partir de conceitos vistos em sala de aula. No filme A Ilha do

medo, vimos um caso de um paciente que não conseguia aceitar os fatos que ocorreram de

acordo com a realidade, então ele criou uma fantasia paralela, onde nessa fantasia ele não

seria o culpado pela morte da sua esposa, que ele assassinou, e de seus três filhos, a quem

poderia ter salvado, pois sabia que sua esposa tinha um diagnóstico de depressiva-suicida.

Ao observarmos Andrew, verificamos que seus processos cognitivos (memória,

raciocínio, comunicação, percepção e atenção) e seu funcionamento psíquico ficaram

comprometidos. Comparando o filme com a realidade, vimos que a partir de um trauma

ocorrido é possível que um indivíduo saudável desenvolva uma psicose, neurose, ou outros

estados patológicos.

“Portanto para a psicanálise, certos sonhos são produções mentais concebidas

e interpretadas como tentativas “disfarçadas” do individuo vivenciar sentimentos e

satisfazer desejos (primitivos) reprimidos” (Watanabe, 2012, p.43).

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Bibliografia

FREUD, Sygmund. A interpretação dos sonhos. Vol.1. Porto Alegre: L&PM Editores, 2012.

FREUD, Sygmund. A interpretação dos sonhos II. Vol. 5. Rio de Janeiro: IMAGO, 1996.

REIS, Alberto O. A. ; MAGALHÃES, Lucia M. A. ; GONÇALVES, Waldir L. Temas

básicos da Psicologia. Teorias da Personalidade. São Paulo: EPU, 1984.

WATANABE, Olga M. Compêndio de textos: Temas da disciplina Psicologia dos

Processos Cognitivos. São Paulo: FMU, 2012.