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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO INTEGRADA DA COMUNICAÇÃO DIGITAL EM AMBIENTES CORPORATIVOS - DIGICORP PAULA AZEVEDO MACEDO Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens centradas no ser humano Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0 São Paulo 2014

análise das abordagens centradas no ser humano

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Page 1: análise das abordagens centradas no ser humano

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO INTEGRADA DA COMUNICAÇÃO

DIGITAL EM AMBIENTES CORPORATIVOS - DIGICORP

PAULA AZEVEDO MACEDO

Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens

centradas no ser humano – Design de Interação, Design Thinking

e Marketing 3.0

São Paulo

2014

Page 2: análise das abordagens centradas no ser humano

PAULA AZEVEDO MACEDO

Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens

centradas no ser humano – Design de Interação, Design Thinking

e Marketing 3.0

Monografia apresentada ao curso de Pós-graduação em

Gestão Integrada da Comunicação Digital em Ambientes

Corporativos da Universidade de São Paulo como

requisito final para obtenção do título de especialista.

Orientador: Prof. Dr. Guilherme Ranoya

São Paulo

2014

Page 3: análise das abordagens centradas no ser humano

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

MACEDO, Paula Azevedo

Projetando tecnologia para pessoas: análise das

abordagens centradas no ser humano – Design de Interação,

Design Thinking e Marketing 3.0. Paula Azevedo Macedo:

orientador Guilherme Ranoya. São Paulo – 2014. 86 fls.

Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de

Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2014.

1. Design Centrado do Ser Humano. 2. Design de Interação.

3. Design Thinking. 5. Design de Interface. 6. Interação

Humano-Computador. 7. Interação Homem-Máquina

(aspectos cognitivos). 8. Interface Homem-Computador

(design). 9. Comunicação Digital (aspectos sociais).

10.Humanização da Tecnologia. 11. Pós-Modernidade

Page 4: análise das abordagens centradas no ser humano

PAULA AZEVEDO MACEDO

Projetando tecnologia para pessoas: análise das abordagens centradas no

ser humano – Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0

Trabalho de conclusão do curso de Pós-Graduação em Gestão Integrada da Comunicação

Digital em Ambientes Corporativos, pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de

São Paulo.

Aprovado em:

Banca examinadora

Prof. ______________________________

Julgamento: ________________________

Instituição: ___________________________

Assinatura: __________________________

Prof. ______________________________

Julgamento: ________________________

Instituição: ___________________________

Assinatura: __________________________

Prof. ______________________________

Julgamento: ________________________

Instituição: ___________________________

Assinatura: __________________________

Page 5: análise das abordagens centradas no ser humano

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família por me incentivar a buscar respostas, seja na vida, seja na

academia.

Agradeço à todos aqueles que de alguma forma inspiraram e contribuíram para o

desenvolvimento deste trabalho:

À Digicorp por proporcionar meu reencontro com a Escola de Comunicações e Artes

da Universidade de São Paulo, especialmente à Professora Elizabeth Saad pela criação e

coordenação desta especialização, ao Professor Mauro Wilton pelos questionamentos na

disciplina “Gestão Simbólica dos Processos Comunicacionais na Sociedade em Rede” que

tanto ampliaram minha visão sobre o tema e ao Professor e Orientador Guilherme Ranoya

pela generosidade a cada encontro, por me acompanhar na empreitada de compreender o ser

humano e sua relação com a tecnologia.

Agradeço à Bianca e Val e aos colegas da turma por tornarem esses anos mais fáceis,

especialmente ao Guilherme Saconatto por divididir comigo parte da construção do seu

projeto sobre a Experiência do Usuário e ter ajudado o meu projeto a fazer mais sentido.

Agradeço à INSITUM, pela oportunidade de trabalhar em projetos centrados no ser

humano, e aos colegas que ajudaram a tecer meu entendimento sobre a temática,

principalmente à Verena Pessim que tanto me inspirou com sua sensibilidade para as questões

humanas.

Agradeço à comunidade de User Experience Design no Brasil e no exterior,

especialmente ao Fabrício Teixeira e aos colaboradores e leitores do blog

ArquiteturadeInformacao.com, pela inspiração e pela busca por melhorar a vida das pessoas

por meio da tecnologia.

Agradeço aos amigos que compartilham meus sonhos, especialmente ao Seth Perez e

Larissa Braga, que me ajudaram a construir o infográfico sobre Paul Otlet e o Mundaneum,

que também influenciou o presente estudo.

Page 6: análise das abordagens centradas no ser humano

DEDICATÓRIA

À todos aqueles que buscam cuidar do lado humano no que fazem em seu dia a dia.

À todos aqueles que acreditam que a tecnologia pode melhorar a vida das pessoas.

Page 7: análise das abordagens centradas no ser humano

A alma tem dois olhos: um olha o tempo,

o outro olha longe, em direção à eternidade.

Angelus Silesius

Page 8: análise das abordagens centradas no ser humano

RESUMO

Este estudo tem como objeto de pesquisa a relação do homem com a tecnologia, a

Interação Humano-Computador e a construção da identidade na pós-modernidade.

Tecnologias e interfaces não são neutras, elas afetam a percepção do homem sobre ele

mesmo, sobre o outro e sobre o meio onde vive. O objetivo do projeto é buscar maneiras de

projetar tecnologias centradas no ser humano, considerando seus aspectos e valores. A

metodologia é o estudo da interface homem-computador, da configuração do ser humano e da

identidade na pós-modernidade e a análise das abordagens prático-teóricas do Design de

Interação, Design Thinking e Marketing 3.0, sobre como consideram os aspectos e valores

humanos ao desenvolver experiências de interação com produtos e serviços mediados pela

tecnologia.

Palavras-chave: Design Centrado do Ser Humano - Design de Interação - Design

Thinking - Design de Interface – Interação Humano-Computador – Interação Homem-

Máquina (aspectos cognitivos) - Interface Homem-Computador (Design) – Comunicação

Digital (aspectos sociais) – Humanização da Tecnologia – Pós-Modernidade

Page 9: análise das abordagens centradas no ser humano

ABSTRACT

The object of this study is the relation between man and technology, the Human-

Computer Interaction and the identity construction on post-modernity. Technologies and

interfaces are not neutral; they affect the man´s perception about himself, about others and

about the environment. This study aims find ways to design technologies in a human centered

approach, taking in account the human values and aspects. The methodology is the study of

human-computer interface, the identity´s construction of human being on post-modernity and

analysis of practical-theorical approaches of Interaction Design, Design Thinking and

Marketing 3.0., about how considering the human aspects and values developing interaction

experiences with products and technologies mediated by technology.

Keywords: Human Centered Design- Interaction Design - Design Thinking – Human

Interface Design – Human-Computer Interaction – Human-Machine Interaction (cognitive

aspects) – Human-Computer Interface (Design) – Digital Communication (social aspects) –

Humanization of Technology – Post-Modernity

Page 10: análise das abordagens centradas no ser humano

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Telescópio Elétrico ou Livro Televisionado idealizado por Otlet ............................ 14 Figura 2: A emergência da "Captology", computador persuasivo – ........................................ 17 Figura 3: Fogg's Behavior Model (Modelo de Comportamento de Fogg) ............................... 18

Figura 4: Teoria do Flow de Mihaly Csikszentmihaly - gráfico da proporção áurea entre

habilidades e desafios ............................................................................................................... 19 Figura 5 - Jóia eletrônica sensível, conceito de design da Philips - Baseada em uma tecnologia

flexível, aderente ao corpo, composta por substratos eletrônicos, sensores, auto-carregadores e

um display. As cores se alteram pelo humor da pessoa que o utiliza - tecnologia vestível

divertida, sensual, estimulada por reflexos sensórios e afetada pelo humor. ........................... 36

Figura 6 - Human vs Computer em 2001 uma das buscas monitoradas por Maeda Parte de sua

pesquisa é sobre a dualidade Humano-Computador / Simplicidade-Complexidade ................ 39

Figura 7 - Homo logicus e Homo Sapiens ................................................................................ 44 Figura 8 - Comparação do modelo de implementação (software), modelo de representação

(interface) e modelo mental (das pessoas). .............................................................................. 46

Figura 9 - Processo de construção de personas pelos designers ............................................... 48 Figura 10 - Processo de Design Orientado à Propósitos de Alan Cooper - Busca fazer uma

ponte entre pesquisa com usuários, design e desenvolvimento por meio de uma combinação

de técnicas e métodos que permitam a criação de sistemas mais humanizados ....................... 48 Figura 11 - Equilíbrio entre Viabilidade Econômica, Factibilidade em Tecnologia e Desejo

das Pessoas - Modelo de Larry Keeley do Doublin Group apresentado por Cooper .............. 50 Figura 12 - Framework de Inovação apresentado por Bill Moggridge - a intersecção entre

desejo das pessoas, viabilidade econômica e factibilidade de desenvolvimento tecnológico. . 51

Figura 13 - Exemplo de Bill Moggridge de interações complexificadas nos controles remotos

de televisão - isso levaria as pessoas a fazerem adaptações para que as funcionalidades

estejam claras ............................................................................................................................ 52 Figura 14 - Interessados contemplados em um processo de design participativo .................... 56 Figura 15 - Diferenças entre Design de Serviços e Design Centrado no Ser Humano - O

segundo, busca o empoderamento da comunidade por meio de um processo colaborativo e co-

criativo. ..................................................................................................................................... 57 Figura 16 - A evolução do design centrado no ser humano até a emergência do design

thinking como modelo de pensamento projetual na contemporaneidade ................................ 58 Figura 17 - Alternância entre o pensamento convergente e divergente no design thinking - em

determinados momentos do processo cria-se possibilidades de escolhas, em outros faz-se

escolhas ..................................................................................................................................... 60 Figura 18 - Duplo Diamante representando o processo do Design Thinking - Três etapas

básicas: entender, criar e entregar, cinco metodologias chaves: criar empatia, definir (o

problema a ser resolvido), idear sobre possíveis soluções para este problema, criar protótipos

das soluções, testá-las com as pessoas e chegar à soluções mais refinadas. ............................ 61 Figura 19 - Adaptação do modelo de Design Thinking de Standford e modelo do processo de

design de Damien Newman - Iniciam-se por etapas de incertezas para depois aproximar-se de

clareza e foco, adaptação feita por Verena Pessim ................................................................... 62 Figura 20 - Exemplos de estruturas visuais analíticas utilizadas no processo de Design

Thinking ................................................................................................................................... 64 Figura 21 - Expansão do design na visão de Bill Moggridge - indo do individual para o social

e para o meio ambiente, a busca pelo Design para Impacto e Inovação Social ....................... 66

Page 11: análise das abordagens centradas no ser humano

Figura 22 - Análise de empresas que avançaram na gestão de relacionamentos das empresas

com os clientes ......................................................................................................................... 69 Figura 23 - Comparação entre as três ondas do marketing: 1.0, 2.0. e 3.0 ............................... 71 Figura 24 - Três mudanças que levaram ao Marketing 3.0 - era da participação e marketing

colaborativo, era do paradoxo e marketing cultural e era da sociedade criativa e marketing do

espírito humano ........................................................................................................................ 73

Figura 25 - Matriz baseada em valores do Marketing 3.0. - As intersecções demonstram como

o marketing centrado no ser humano conecta missão, visão e valores da empresa à

necessidades funcionais, emocionais e espirituais das pessoas. ............................................... 74 Figura 26 - Modelo de Lean UX que busca a integração de times de design thinking e lean ux

- considerando os aspectos humanos e times de desenvolvimento de forma colaborativa ...... 77

Figura 27 - Processo ideal de Desenvolvimento de Produto, segundo Buxton – O

comprometimento é compartilhado entre design, marketing, desenvolvimento e vendas: ...... 78

Page 12: análise das abordagens centradas no ser humano

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CDU Classificação Decimal Universal

CRM Customer Relationship Management

DCH Design Centrado no Ser Humano

DCU Design Centrado no Usuário

IS Information System

IDEO Consultoria de Design Centrado no Ser Humano e Inovação anglo-americana

HCD Human Centered Design

IHC Interação Humano-Computador

MIT Massachusetts Institute of Technology

SI Sistema de Informação

UCD User Centered Design

UX User Experience - Experiência do Usuário

Page 13: análise das abordagens centradas no ser humano

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12 1.1 MUNDANEUM E A QUESTÃO DO PROPÓSITO ..................................................... 13

1.2 DESIGN PARA CERCEAR, DESIGN PARA LIBERTAR .......................................... 15

1.3 CENÁRIO: O ESTUDO RELAÇÃO HOMEM-MÁQUINA ........................................ 20

2. ASPECTOS HUMANOS ................................................................................................ 28 2.1 SER HUMANO .............................................................................................................. 29

2.2 A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE .................................... 32

2.3 VALORES HUMANOS NO MUNDO TECNOMEDIADO ......................................... 34

3. AS ABORDAGENS CENTRADAS NO SER HUMANO ........................................... 39 3.1 DESIGN DE INTERAÇÃO............................................................................................ 41

3.2 DESIGN THINKING ...................................................................................................... 51

3.3 MARKETING 3.0 ........................................................................................................... 67

3.4 COMPARAÇÃO DAS ABORDAGENS E COMENTÁRIOS ...................................... 75

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 79

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 83

Page 14: análise das abordagens centradas no ser humano

12

1. INTRODUÇÃO

A história da humanidade é marcada por artifícios que permitiram ao homem ser e

interagir no mundo, por meio da técnica o homem expande suas capacidades e modifica o

ambiente. O computador, a incrível máquina de calcular, foi se transformando em um parceiro

constante das atividades humanas e modificou também a maneira como o homem é e atua no

espaço.

A conexão do homem com suas máquinas e aparatos tecnológicos passou a ser

questionada: como a relação do homem com a máquina afeta o ser humano? As interfaces

entre o humano-computador são persuasivas e cerceantes ou são criadas para facilitar a vida

das pessoas em sua missão de ser no mundo?

Partimos do pressuposto de que as tecnologias e interfaces não são neutras, elas afetam

a percepção do homem sobre ele mesmo, sobre o outro e sobre o meio onde vive. O objeto

desta pesquisa é a relação do homem com a tecnologia, a Interação Humano-Computador. O

objetivo é a busca por maneiras de projetar tecnologias centradas no ser humano, cujo

propósito seja expansão, a ativação da potência.

Para tanto, a metodologia será a análise teórica para entendimento e esclarecimento da

relação do homem com a tecnologia, e, na perspectiva da centralidade no humano, a

compreensão do que é design de interface que liberta em oposição ao que limita, cercea. Para

isso, serão analisados os aspectos e valores humanos envolvidos na relação mediada pela

tecnologia, sob a contextualização do que é ser humano na pós-modernidade. Com a

ilustração deste cenário, será feita análise das abordagens prático-teóricas do Design de

Interação, Design Thinking e Marketing 3.0. que, em sua configuração, são centradas no ser

humano.

Isso será feito para entender como os aspectos humanos podem ser considerados nos

processos que envolvam desenvolvimento de produtos e serviços que proporcionem

experiências mediadas por tecnologia.

A hipótese é que desenhar interfaces para tecnologias emergentes em cenários em

transição requer visão de negócios sustentáveis, os quais demandam propósitos coerentes, que

considerem os aspectos e valores humanos.

Page 15: análise das abordagens centradas no ser humano

13

1.1 MUNDANEUM E A QUESTÃO DO PROPÓSITO

Quando Paul Otlet, visionário e documentalista do fim do séc. XIX e início do séc.

XX, iniciou seu projeto de universalização e disseminação do conhecimento científico1

ao

lado de Henry La Fontaine e uma rede de pessoas e instituições, tinha seus propósitos muito

claros.

Com a CDU (Classificação Decimal Universal), o princípio monográfico e outras

técnicas que foi desenvolvendo, Paul Otlet buscou catalogar e organizar todo o acúmulo do

conhecimento humano produzido ao redor do mundo, ele idealizou e começou a implementar

algo que ainda não existia na época – a distribuição generalizada do conhecimento científico

na medida em que fosse produzido – por meio do chamado Mundaneum (Cidade Mundial).

Ele e La Fontaine acreditavam que o amplo acesso a este conhecimento expandiria o capital

intelectual da humanidade, e assim seria possível chegar à Paz Mundial.

Otlet mobilizou uma rede de cooperação internacional, recebendo informação de

várias partes do mundo por meio do IIB (Instituto Internacional de Bibliografia). Além disso,

teve muitos parceiros, dentro os quais se destacam Henry La Fontaine que fazia importantes

articulações políticas, o célebre arquiteto Le Cobusier, muito fiel ao projeto de Otlet,

construiu plantas e maquetes gigantescas da Cidade Mundial para convencer governantes de

diferentes países a abrigar o projeto (Bruxelas, Gêneva, Anvers)2, Andrew Carnegie, rei do

aço dos Estados Unidos, fez doações milionárias quando conheceu a proposta e até mesmo

inovações como a invenção do microfilme de Otlet em conjunto com o engenheiro Robert

Goldschmidt, quando buscavam juntos soluções técnicas para viabilizar o projeto.

1 Por volta de 1985 e até 1934 os begas Paul Otlet e Henry La Fontaine criaram o Instituto Internacional de

Bibliografia (IIB) e o Repertório Bibliográfico Universal (RBU) com sede em Bruxelas com cooperação

internacional para criação de uma Biblioteca Universal. Paul Otlet criou a Classificação Decimal Universal

(CDU), que atendia melhor os propósitos universalistas que a Classificação Decimal de Dewey (CDD), a CDU

além da notação hierárquica, permitia a indexação do conteúdo do documento em três dimensões (Realidade,

Conhecimento, Documento) uma inovação proposta por Otlet chamada princípio monográfico, que mais tarde,

ele combinou com a possibilidade de enriquecimento semântico por parte do usuário que faria a busca, a cada

acesso. Otlet persistiu obsessivamente a ideia da criação da Cidade Mundial (Mundaneum), que seria o pólo

receptor e emissor de todo o conhecimento para o mundo inteiro.

2Documentário: O homem que queria classificar o mundo. Disponível em:

http://iptv.usp.br/portal/video.action?idItem=5941 Acesso em 14.Agosto.2014.

Page 16: análise das abordagens centradas no ser humano

14

Alguns anos antes da explicitação dos primeiros conceitos de hipermídia por Vannevar

Bush e Ted Nelson3, Paul Otlet previu a emergência tecnológica que hoje assistimos sobre a

forma da web:

[...] um engendramento não afetado pela distância, que combinaria ao mesmo tempo

rádio, raio-x, cinema e microfotografia. Todas as coisas do universo e tudo

relacionado ao homem seria registrado, não importa onde estivesse, no momento em

que fosse produzido. Assim, a imagem em movimento do mundo seria estabelecida

– sua memória, sua verdadeira duplicata. De qualquer distância qualquer um seria

capaz de ler qualquer passagem, expandida ou limitada do assunto desejado, isso

seria projetado em sua tela individual. Assim, em sua poltrona qualquer um seria

capaz de contemplar toda a criação ou partes particulares dela (OTLET, Paul, 19354

apud RAYWARD,1994 p.245, tradução nossa)5

Figura 1: Telescópio Elétrico ou Livro Televisionado idealizado por Otlet

As tecnologias da época convergiriam para viabilizar a

proposta disseminação do conhecimento no momento em

que fosse prodzido por meio do Mundaneum6

Com a Segunda Guerra mundial, e a invasão alemã na Bélgica, praticamente toda esta

articulação e legado de Paul Otlet acabaram caindo no esquecimento, os arquivos e

3 BAIRON, 2012. p.09

4 Paul Otlet (1935) Monde: Essai d´universalisme: Connaissances du monde. Sentimentes du monde. Action

organisée et plan du monde. (Editiones Mundaneum). Bruxelles: D. Van Keerberghen et fils p.390-391

5 “[...] a machinery unaffected by distance which combined at the same time radio, x-rays, cinema and

microscopic photography. Everything in the universe and everything related to humans were registered no matter

where they had been created. Thus the moving image of the world would be established - it´s memory, it´s true

duplicate. From afar anyone would be able to read any passage, expanded or limited by the desirable subject, that

would be projected onto his individual screen, Thus in his armchair, anyone would be able to contemplate the

whole of creation or particular parts of it.”

6 Ilustração de Larissa Braga para o Infográfico: How Hypermedia looked in 1934 apresentado por Paula

Macedo no Information Architecture Summit 2014. Disponíve em: <http://mundaneumpaulotlet.tumblr.com/>.

Acesso em 12.Agosto.2014

Page 17: análise das abordagens centradas no ser humano

15

maquinários que estavam sendo construídos foram destruídos pelo 3º Reich alemão. A CDU é

importante na Ciência da Informação e Biblioteconomia até os dias de hoje, com diversos

tipos de uso; mas o Mundaneum7, como um projeto completo, ficara apenas como fato

histórico. Ele foi redescoberto no final da década de 60, por Boyd Rayward8, estudioso de

Ciência da Informação e Biógrafo de Paul Otlet, que deu início aos estudos acadêmicos de

Mundaneum como uma forma arcaica de hipermídia. Mais recentemente, Alex Wright, que se

refere ao Mundaneum como “a network platônica” 9 tem disseminado a história deste projeto

em meios não acadêmicos e a empresa Google é uma das patrocinadoras do Le Monde, o

museu que estuda os arquivos históricos10

do conhecimento deixado por Paul Otlet e o

Mundaneum.

A grande questão sobre Otlet, além de seu exercício visionário, é o propósito, questão

sobre a qual esse trabalho se propõe a refletir. Como considerar os propósitos para os quais se

direciona as energias para manejar e criar novas técnicas e tecnologias, e engajar as pessoas

envolvidas em um projeto.

1.2 DESIGN PARA CERCEAR, DESIGN PARA LIBERTAR

Quando os bibliotecários Peter Morville e Louis Rosenfeld (1998) levaram

Biblioteconomia e Ciência da Informação para a “Internet” em forma de Leis para a

Arquitetura de Informação na Web também procuraram relacionar as técnicas ao propósito

para os quais elas eram utilizadas. Por exemplo, além de uma extensa sistematização sobre

como organizar, rotular, buscar, criar vocabulários controlados, etc.; os autores encontraram a

necessidade de falar sobre “Ética” 11

como formas de políticas intrínsecas às atividades de

categorizar e classificar. Decisões políticas estão relacionadas com propósitos, os autores

7 Confira: http://www.mundaneum.org/

8 Página eletrônica de Boyd Rayward, que reúne as principais publicações disponibilizadas na internet:

Disponível em: <http://people.lis.illinois.edu/~wrayward/otlet/otletpage.htm>. Acesso em 12.Agosto.2014

9 WRHIGHT, Alex. Cataloguing The World: Paul Otlet and the birth of information age. New York: Oxford,

2014. http://www.catalogingtheworld.com/

10Exposição Digital dos Arquivos de Le Monde, Mundaneum. Disponível em: <

http://digitalarchives.mundaneum.org/exhibit/the-origins-of-the-internet-in-europe/QQ-

RRh0A?position=19%2C0> Acesso em 12.Agosto.2014.

11 ROSENFELD e MORVILLE, 1998, p.240.

Page 18: análise das abordagens centradas no ser humano

16

defendem a busca da neutralidade sobre todos os aspectos12

, como uma forma de garantir que

interesses difusos não irão se sobrepor aos interesses da comunidade para qual um sistema é

projetado.

Na prática, um conjunto de variáveis dificulta a neutralidade em projetos de

arquitetura de informação para a web abordada por Morville e Rosenfeld, conceito que é tão

natural nos sistemas bibliográficos. Há algo na rede que foge ao controle das regras e políticas

de Biblioteconomia e Ciência de Informação para os Sistemas de Informação na Internet.

A comunidade de Design de Interação também parece afetada por esta falta de

controle sobre a neutralidade: há discussões em torno daquilo que é considerado o ‘bom

design’ - algo que atende as necessidades das pessoas, é bem desenvolvido tecnologicamente

e oferece vantagens aos negócios e o ‘mau design’, que seria, por exemplo, aquele que

encontraria nas necessidades das pessoas, oportunidades de produtos que persuadem, mas não

necessariamente prestam um serviço ou se caracterizam como um bom produto para as

pessoas que os usam.

A intensa proximidade do homem com seus dispositivos, uma conexão que mais

parece vício, provoca inquietude: afinal essas interfaces são bem projetadas? Elas têm um

propósito definido? Em meio à modelos de práticas, seja apresentados em palestras13

, na

literatura, ou em provocações em blogs e listas discussões, o desconforto é latente.

No “Design da Persuasão”, em uma visão extremista14

, interações simples como as

notificações que as aplicações nos enviam, podem ser consideradas um design de interface

persuasivo. Isso porque, da maneira como elas são feitas, no caso do Facebook, por exemplo,

não trazem a mensagem - que seria o conteúdo que interessaria ao usuário - o propósito delas

é deixá-lo curioso e levá-lo até o aplicativo, recompensá-lo com o conteúdo de seus amigos e

então ele fica navegando por lá. Pode ser visto como o clássico ciclo de condicionamento da

psicologia - Interrompe, Checa, Interage, Recompensa - e isso vicia, com o propósito maior

não de dar o conteúdo de interesse ao usuário, mas de fazê-lo voltar mais vezes ao aplicativo.

12

Neutralidade é considerada essencial em sistemas de categorização e classificação bibliográficos, e de certa

forma aplicáveis. Em rede, com ambiente mais flexível e objetivos institucionais não tão bem definidos como se

costuma encontrar em bibliotecas, esse conceito torna-se mais delicado e complexo de aplicar.

13 Interaction South America 2012 e 2013. Information Architecture Summit 2014.

14 Notifications are a UX Anti-Patterns. Disponível em: https://medium.com/@holympus/notifications-are-a-ux-

anti-pattern-c4d8c9ccce39. Acesso em 14.Agosto.2014.

Page 19: análise das abordagens centradas no ser humano

17

Mas a tecnologia pode ser tão persuasiva e viciante assim? B.J. Fogg, fundador do

Persuasive Technology Lab da Universidade de Standford afirma que sim. Ele cunhou o

termo ‘captology’ para designar computador como tecnologia persuasiva, ele foi listado como

visionário pela revista Forbes15

por ter previsto que computação móvel iria cada vez mais

influenciar comportamentos e atitudes das pessoas.

Figura 2: A emergência da "Captology", computador persuasivo –

Que influencia comportamentos e atitudes humanos16

Em “FOGG´S Behavior Model for Change” ele demonstra como essa relação

acontece na prática, como o comportamento humano pode ser moldado pelo designer de

interface. Em seu laboratório, desenvolve aplicações para mudança de comportamento na área

da saúde, com propósitos como ‘esquemas para ajudar fumantes a pararem de fumar’.

15

Conf. http://archive.fortune.com/galleries/2008/fortune/0811/gallery.10_new_gurus.fortune/

16 FOGG, 2003, p.5. Tradução e Adaptação nossa.

Page 20: análise das abordagens centradas no ser humano

18

Figura 3: Fogg's Behavior Model (Modelo de Comportamento de Fogg)

17

A chave para mudança de comportamento está em colocar ‘hot triggers’ - “gatilhos”

no caminho de pessoas altamente motivadas. A alta motivação e alta habilidade, aliadas a um

catalizador relevante, despertam a mudança de hábitos e comportamentos.

Fogg é também consultor de mercado, e já atendeu a área de saúde da Nike, por

exemplo. Ele explica que este é exatamente o princípio de como o Facebook age, e outras

aplicações persuasivas que temos contato18

; a ideia do Instagram, por exemplo, partiu de uma

aluna durante uma aula que ministrava: tarefa simples, alta motivação, alta habilidade.

É curioso que o modelo de Fogg se parece com o de Mihaly Csikszentmihalyi, da

teoria do fluxo - “flow theorie”19

17

Design for behavior change in health. Dexter Zhuang. Disponível em:

<http://www.uxbooth.com/articles/designing-for-behavioral-change-in-health/>. Acesso em 02.Setembro.2014.

18 Spotlight: BJ Fogg Psychologi of Persuasion. Disponível em: <http://www.bjfogg.com/> Acesso em

02.Setembro.2014.

19 RANOYA, 2013, p.98

Page 21: análise das abordagens centradas no ser humano

19

Figura 4: Teoria do Flow de Mihaly Csikszentmihaly - gráfico do equilíbrio entre habilidades e desafios20

Essa sensação de imersão profunda que pode ser chamada até de felicidade21

, é aquele

estado de conexão e atenção extrema que músicos, religiosos, atletas e gamers vivenciam em

momentos de muita concentração e entrega. Está até mesmo na obra Tao of Jet Kune do de

Bruce Lee22

.

Para estar no estado de fluxo é necessário atenção envolvida, um equilíbrio entre

habilidade e desafio aliado à uma sensação de não controle, Csikszentmihalyi descreve como

uma situação de êxtase, quando perde-se parcialmente o controle ativo sobre o próprio corpo e

a noção do tempo é perdida. É o estado que um músico chega ao compor uma sinfonia e

muitos programadores quando concentram-se em um código; mas deveria ser, ainda que numa

escala menor, a mesma que um adolescente fica ao navegar por um feed de uma rede social?

Quando se projeta para o estado de fluxo ou para a mudança de comportamento é

possível que se consiga alcançar, mas será que os propósitos estão bem delineados?

Margareth Stuart, responsável pelo User Experience do Facebook comenta sobre o

que ela chama de “design at scale” – projetar em escala.23

. Cada mudança de design de

interface de um minúsculo botão impacta mais de 1.23 bilhão de pessoas, é um sexto da

humanidade, ao mesmo tempo, por isso o botão do “like” – “curtir”, por exemplo, levou 280

20

EDLAB Seminar Longshot. Alex Sarling 08.Agosto.2012. Disponível em:

<http://edlab.tc.columbia.edu/index.php?q=node/8149>. Acesso em 02.Setembro.2014.

21Mihaly Csikszentmihalyi:.Flow, the secret to happiness. Disponível em:

<http://www.ted.com/talks/mihaly_csikszentmihalyi_on_flow> Acesso em 02.Setembro.2014.

22 Ranoya, 2003, p.98

23 Margaret Gould Stewart: How giant websites design for you (and a billion others, too). Disponível em:

<http://www.ted.com/talks/margaret_gould_stewart_how_giant_websites_design_for_you_and_a_billion_others

_too> Acesso em 02.Setembro.2014

Page 22: análise das abordagens centradas no ser humano

20

horas para ser feito. Eles trabalham com métricas e procuram conhecer um pouco a realidade

sobre para quem estão desenhando. Mas, diz ela, como designer, não há nenhuma escola

sobre o que ela faz atualmente, é algo nunca feito antes. Praticamente tudo que ela criou não

existe mais, devido à velocidade das mudanças, no entanto, em seu trabalho, ela carrega a

promessa de que está desenhando o mundo que conhecemos.

É o cenário visualizado por Paul Otlet, é perceptível a eletricidade24

, de fato já

podemos senti-la em tempo real. Mas, o que se carrega por ela? Quando Paul Otlet

vislumbrou que “em sua poltrona qualquer um seria capaz de contemplar toda a criação ou

partes particulares dela”25

(apud RAYWARD, 1994 p.24, tradução nossa) estava referindo-

se ao conhecimento humano que seria capaz de permitir a evolução do mundo para uma

humanidade mais pacífica, e este era o propósito da tecnologia. E, hoje, o que estamos de fato

contemplando de nossas ‘poltronas’? O que transmitimos, pelos bits e bites do Facebook?

Bill Buxton defende a ideia de que as grandes mudanças acontecem a partir de

pequenas decisões que tomamos, inclusive de design – “Não é sobre o mundo do design; é

sobre o design do mundo. Hoje podemos fazer qualquer coisa, o que nós faremos?” 26

(BUXTON, 2007, p.418, tradução e grifo nosso)

Se Otlet diria que contemplaríamos a criação, fruto de nosso exercício humano. Que

humanidade é essa que não estamos a contemplar?

1.3 CENÁRIO: O ESTUDO RELAÇÃO HOMEM-MÁQUINA

Mundaneum e a Cidade Mundial era um sonho que engajava - Paul Otlet não foi

mediu esforços, foi seu projeto de vida, Henry La Fontaine articulou policamente por anos a

fio, chegando a receber um Nobel da Paz e Le Cobusier não economizou tempo e equipe na

construção de maquetes que tangibilizassem o projeto universalista megalomaníaco. O

cenário político econômico não aportou a imensidade e idealismo do projeto, mas o que Otlet

assertivamente vislumbrava era o crescimento exponencial da produção científica daquela

época, era uma produção intelectual que extrapolava os meios comuns de se trocar

informação, não cabia mais continuar fazendo-se da maneira como se fazia.

24

termo de Mac Luhan

25 “Thus in his armchair, anyone would be able to contemplate the whole of creation or particular parts of it”

26 “It’s not about the world of design; it’s about the design of the world. Now that we can do anything, what will

we do?”

Page 23: análise das abordagens centradas no ser humano

21

O computador, na época em que foi desenvolvido, entre as duas grandes guerras, era

uma fantástica máquina de calcular. Teve na indústria bélica o financiamento de seu

aprimoramento pela necessidade de processamento rápido de dados. Em Bletchley Park27

, em

Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, com os propósitos de decifrar os códigos da

frota naval alemã, o matemático e cientista Alan Turin28

deu início ao que seria a forma da

computação como conhecemos.

Claude Shannon29

, matemático norte-americano, considerado fundador da teoria da

informação esteve em contato com Alan Turing no Bletchey Park por sua ligação com as

forças armadas. Shannon publicou “A Mathematical Theory of Communication” e

posteriormente “Computing Machinery and Intelligence”, no pós-guerra, que é considerado a

fundação da inteligência digital e da computação moderna.

Quando os computadores começaram a surgir, eram restritos às instituições públicas e

grandes corporações. Como aponta Steve Johnson30

, é bem provável que algumas pessoas que

participavam da cena de construção desta nova realidade digital desconhecessem

completamente os usos que o computador tomaria na sociedade. Ele chama esses equívocos

de lapsos - profecias limitantes acerca das máquinas e suas potencialidades.

Johnson31

faz um paralelo com o equívoco de Thomas Edson, inventor do fonógrafo,

quando ele imaginou que ele seria usado para gravar conversas telefônicas, não concebia o

potencial de ser máquina de reprodução de som em massa. A história da computação é

recheada desses lapsos: “Eu acredito que exista um mercado mundial para talvez cinco

computadores” 32

(Thomas Watson, presidente da IBM, 1943).

27

Bletcheley Park ou Station X era a estação de inteligência Britânica durante a Segunda Guerra Mundial.

28 Alan Turing desenvolveu o conceito de algoritmo durante a quebra de código criptográficos na Segunda

Guerra Mundial. Ele é pioneiro na inteligência artificial e ciência da computação. Criou, em 1950, o “Teste de

Turing”, onde uma comissão técnica analisaria o grau das inteligências artificiais dos computadores, Por meio de

uma ‘conversa’, o computador que conseguisse enganar 30% do júri seria uma máquina capaz de pensar. In:

CHRISTIAN, Brian. O humano mais humano: o que a inteligência artificial nos ensina sobre a vida. Laura

Teixeira Mota (Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

29 Claude Shannon foi um norte americano pioneiro da inteligência artificial e fundador da teoria da informação.

Trabalhava nos sistemas de criptografia do Bell Labs, laboratório de pesquisa e desenvolvimento da AT&T dos

Estados Unidos, onde foram atribuídas inovações como a primeira transmissão púbica de Fax, Televisão, e onde

Claude publicou em 1948 a “Teoria Matemática da Comunicação”. In: CHRISTIAN, 2013, Ibidem. E :

http://pt.wikipedia.org/wiki/Bell_Labs e http://pt.wikipedia.org/wiki/Claude_Shannon Acesso em

15.Agosto.2014.

30 JOHNSON, 2001, p.109

31 ibidem, p.107-108

32 “I think there is a world market for maybe five computers.”

Page 24: análise das abordagens centradas no ser humano

22

O mercado era restrito na época, por isso fazia mais sentido capacitar as pessoas para a

tarefa complexa de manejar uma máquina de calcular, muito mais que o contrário. Havia uma

demanda sobre a eficiência neste manejo, assim nasciam os estudos de Ergonomia e Fatores

Humanos33

, os primeiros estudos da Interação Humano-Computador (IHC) foram em busca

de produtividade.

Em outro campo a ciência da cognição buscava outros tipos de respostas acerca desta

relação:

[...] tudo começou em um Simpósio sobre Teoria da Informação, realizado no

Massachutts Institute of Technology em 11 de setembro de 1956, onde figuras

importantes no desenvolvimento do novo pensar apresentaram artigos inéditos:

Herbert Simon, Noan Chomsky e Claude Shanhon. O certo é que nos anos 60 se

encontram os principais autores e atores do cognitivismo ou da Ciência da

Cognição, estudando o comportamento da assimilação dor conhecimento em seres

humanos, máquinas e na interação dos dois. (BARRETO, 2014)

Aos poucos, os computadores passarem a fazer parte da realidade de trabalho de

algumas pessoas, em meados dos anos 70, IBM e algumas outras empresas já faziam negócios

lucrativos com a computação34

, a Intel, possuía inclusive tecnologias de distruibuição como

chip e circuitos integrados35

, tanto que um de seus engenheiros convocou uma reunião para

defender a fabricação do Computador Pessoal, muito antes do primeiro Apple I ser lançado;

mas Ken Olsen, rebateu “Não há motivos para as pessoas quererem computares em suas

casas.” O engenheiro, não sabia responder quais seriam esses motivos, ele não enxergava um

propósito bem delineado, realmente parecia sem sentido.

Um ambiente fértil para o desenvolvimento das tecnologias com as quais convivemos

hoje foi o Palo Alto Research Center (Xerox Parc)36

Steve Johnson afirma que “seria

legítimo dizer que o idioma moderno nasceu ali” (JOHNSON, 2001, p.39). Isso porque os

produtos tecnológicos ali desenvolvidos foram o início do que o autor considera a “fusão de

tecnologia e arte”, a criação da interface: “Softwares que dão forma à interação entre

usuário e computador” (JOHNSON, 2001, p.17).

33 Human Factors: The Journal of the Human Factors and Ergonomics Society. Disponível em

<http://hfs.sagepub.com/> Acesso em 16.Agosto.2014.

34 HOWARD, Adrian. User Experience does not exist. In: Infoqueue: Enterprise Software Development

Community. UX Cambrige 2012. Videoconferência. Disponível em: http://www.infoq.com/presentations/UX-

Future .Acesso em 11.Agosto.2014.

35 JOHNSON, 2001.

36 JOHSON, 2001. Descreve em sua obra sobre os impactos das tecnologias desenvolvidas no laboratório da

Xerox.

Page 25: análise das abordagens centradas no ser humano

23

Na perspectiva do computador como um “sistema simbólico”, que deve “representar-

se a si mesmo” ao usuário, numa linguagem que este compreenda, Steve Johnson, em

“Cultura da Interface” demonstra o quanto essa linguagem representa e forma nossa visão de

mundo, como a arte da literatura de um romance vitoriano fazia na sociedade industrial.

O primeiro produto da Xerox Parc, que Johnson descreve como transformador da

relação homem-máquina por meio de uma interface foi a invenção do mouse por Doug

Engelbart em 1968 (JOHNSON, 2001, p.21). Ele ressalta outras metáforas importantes na

transformação da relação do homem com a tecnologia, como a do desktop por Alan Kay

(popularizada com Windows), a inovação do estilo com o lançamento do Macintosh da Apple

em 1984 – “o computador para o resto de nós” 37

, e a navegação em janelas.

Foram todas pequenas inovações que alteraram a maneira do homem ser, agir e fazer

as coisas, eram metáforas poderosas à atividades analógicas ou mecânicas, mas não meras

imitações, havia algo em suas essências que comunicava, fazia o hiato entre tarefas que as

pessoas já realizavam analogica ou mecanicamente, mas também estavam prenhes de novas

potencialidades - que encontravam nos anseios humanos um campo fértil para criação de uma

nova arte de se fazer no mundo digital.

Esses exemplos, para Johnson, caracterizam o que McLuhan falava sobre as

tecnologias elétricas do séc. XX - extensão de nosso sistema nervoso central 38

.

Aqui, já não se tratava mais de um homem operando uma complexa máquina de

calcular para executar tarefas corporativas, era o homem fazendo uso de artifícios que

sobrepunham a visão de mundo de máquina como “prótese”. São visões parecidas à de

Guattari interpretadas por André Parente (1999):

Guattari para quem a informática e a tecnociência não são nada mais que formas

hiperdesenvolvidas da própria subjetividade. Guattari observa que não são apenas as

atuais máquinas informacionais que nos permitem falar de uma produção máquinica

da subjetividade, uma vez que as subjetividades pré-capitalistas e arcaicas eram

engendradas por diversos dispositivos máquinicos coletivos (equipamentos coletivos

de subjetivação) de modelização de formas de existência. (PARENTE, 1999, p.33)39

A interface, mais que um fim, é filtro que traduz o binário em algo que nos faz sentido.

Na transição do nosso fazer e pensar analógico e mecânico para o digital, essas metáforas

37

“the computer for the rest of us”

38 McLuhan apud JOHNSON, 2001, p.23)

39 GUATTARI, Felix. Produção de subjetividade Apud PARENTE, André. O Virtual e o Hipertextual. Rio de

Janeiro: Pazulin, 1999.

Page 26: análise das abordagens centradas no ser humano

24

mostraram mais eficientes quando carregavam conceitos do fazer antigo, mas sem limitar-se

por isso.

Há neste, cenário, o que Steve Johnson chama de metaformas – “fantasmas de

tecnologias que estão por vir” - interfaces intermediárias entre as tecnologias que conhecemos

e as emergentes. Elas fazem as pessoas sentirem-se à vontade, em casa, apropriando-se desse

novo e assim fazem com que de fato ele exista de forma massiva.

Informação digital sem filtros é coisa que não existe, por razões que ficarão cada

vez mais claras. À medida que parte cada vez maior da cultura se traduzir na

linguagem digital de zero e uns, esses filtros assumirão importância cada vez maior,

ao mesmo tempo que seus papéis culturais se diversificarão cada vez mais,

abrangente entretenimento, política, educação e mais. O que se segue é uma

tentativa de ver esses vários desenvolvimentos como exemplos de uma ideia mais

ampla, uma nova forma cultural que paira em algum lugar entre meio e mensagem,

uma metaforma que vive no submundo entre o produtor e consumidor de

informação. A interface é uma maneira de mapear esse território novo e

estranho, um meio de nos orientarmos num ambiente desnorteante. Décadas

atrás Doug Engelbart e um punhado de outros visionários reconheceram que a

explosão da informação poderia ser tanto libertadora quando destrutiva - e sem uma

metaforma para nos guiar por esse espaço-informação, correríamos o risco de nos

perder no excesso de informação. (JOHNSON, 2011, p.33, grifo nosso)

“Na esfera cultural, os híbridos são mais fortes, mais inovadores, que os puro

sangue” (JOHNSON, 2011, p.35). Assim como as televisões ficam inteligentes numa

velocidade lenta, mas que de repente fazem coisas que impressionam, são as pequenas

inovações que dão conta de transformar o vir a ser, que se nota até que esteja tangibilizado

sob nossos dedos e permitindo novos fazeres.

A usabilidade é prática que busca garantir que esses filtros intermediários funcionem.

Leis, como as famosas “Heurísticas de Nielsen”40

foram desenvolvidas para guiar o

desenvolvimento das Interfaces Humano-Computador.

Com o lançamento do Macintosh e com propagação da computação entre os

entusiastas de games, entre os anos 80 e 90 cada vez mais pessoas “normais” tinham

computadores em casa, ele começou a fazer parte do dia a dia das pessoas. Certas leituras da

engenharia da usabilidade, no entanto, tinham a visão da interface enquanto metaforma que

domestica pessoas e computadores em uma relação limitada, o que parece não fazer jus às

possibilidades simbólicas do computador na era digital.

40

NIELSEN, JAKOB. 10 Usability Heuristics for the User Interface Design. 1995. Disponível em:

<http://www.nngroup.com/articles/ten-usability-heuristics/. Acesso em 12.Agosto.2014.

Page 27: análise das abordagens centradas no ser humano

25

O Windows da Microsoft foi a interface que definitivamente levou o computador para

a casa de todos, mas como diz Johnson alguns esforços pareciam exagerados

Em algum ponto do caminho a boa-fé das metáforas amigáveis, acessíveis ao

usuário, foi substituída pela histeria da simulação total. O sensato desejo de

estabelecer analogias entre o digital e o orgânico deu lugar a busca sem limites de

uma pura fusão entre os dois. (JOHNSON, 2001, p.48)

Esses extremos enxergam o computador como máquina de realizar tarefas para

humanos, mas, ao mesmo tempo, enxergam humanos como máquinas de responder estímulos

de computador.

No fundo, a boa usabilidade não é resultante da construção de objetos que

simplifiquem o uso por seu desenho ou engenhosidade, mas daqueles que permitam

ser ocupados e colonizados pelas pessoas; por suas diversidades de visões e práticas

(efetivas ou potenciais, reais ou imaginárias); ou mesmo daqueles capazes de

inspirá-las. Bem mais grave que um design despreocupado com o usuário, é um que,

aparentemente centrado nele, coloca de fato um robô em seu lugar. (RANOYA,

2013, p. 146)

Antonio Damásio (2000), neurocientista, demonstra por meio de experimentos que há

uma relação não puramente racional entre as coisas, muito mais que a mera analogia poderia

acomodar. Don Norman, psicólogo cognitivista, co-fundador do Nielsen Institute e autor de

“Design of Everyday things”, havia desenvolvido e disseminado muitas regras sobre utilidade

e usabilidade, mas, algo mudava em 1993, quando trabalhando na Apple, passou a se

denominar “Experience Designer” – “Designer de Experiência do Usuário”, porque:

Eu inventei o termo porque achava que “Human Interface” e Usabilidade eram

muito limitados. Eu queria cobrir todos os aspectos que envolvem a experiência de

uma pessoa com com um sistema, incluindo o design industrial, gráfico, a interface,

as interações físicas e o manual. (Don Norman apud HOWARD, 2012, tradução

nossa).41

Norman também publicou “Emotional Design: why we love (or hate) every day

things.”, onde, influenciado pela obra de Damásio, destaca a importância da emoção na

relação do homem com as coisas do mundo, inclusive a tecnologia. O termo User

Experience42

vinha para dizer: há muito mais que usabilidade.

Além disso, como aponta Johnson, a interface digital é muito mais que uma analogia

do que consideramos ‘mundo real’, ela em sua amplitude, deveria refletir possibilidades,

afinal “A interface representa o usuário no espaço de dados.” (JOHNSON, 2011, p.22).

41

“I invented the term because I thought Human Interface and Usability were too narrow; I wanted to cover all

aspects of the person´s experience with a system, including industrial design, graphics, the interface, the physical

interaction, and the manual”.

42 User Experience é prática multidisciplinar que busca compreender e criar soluções centradas em usuários em

interfaces digitais.

Page 28: análise das abordagens centradas no ser humano

26

É nesta capacidade de simulação, sustenta Rheingold, que a mente humana e a

realidade artificial do computador compartilham um potencial para sinergia:

"dar ao simulado hiper realista de nossas cabeças o controle de simulador hiper-

realista computadorizado faz com que algo de extrema importância esteja prestes a

acontecer (PARENTE, 1999, p.33)43

Essa visão animadora de Johnson e Rheingold pode ser interpretada também na visão

de Manovich, para quem vivemos uma forma cultural diferente com a vivência dos ‘dados’ -

bits e bites. Ele apresenta essa transformação da cultural, de uma forma dialógica, afetada nos

dois sentidos: os designers de interface são os “artistas” e as pessoas que interagem com essas

interfaces, são sempre convidadas a criar novos comportamentos e novos modos de ser, no

momento em que estão em contato com os dados representados e legíveis na forma de “arte”,

a interface:

A história da arte não é apenas sobre inovações estilísticas, lutas para representar a

realidade, o destino humano, a relação entre a sociedade e o indivíduo, etc. – é

também a história das novas interfaces de informação criadas pelos artistas e os

novos comportamentos informacionais desenvolvidos por usuários à partir

delas. Guando Giotto e Einstein desenvolveram novas maneiras de organizar a

informação no espaço e no tempo, seus espectadores também desenvolveram formas

adequadas de navegar nessas estruturas informacionais – assim como hoje, a cada

grande atualização de um softwares, é requerido que modifiquemos comportamentos

informacionais que estávamos desempenhando ao usar a versão anterior.

(MANOVICH, 2001, p.9-10, tradução e grifo nosso)44

Johnson cita McLuhan por toda sua obra, mas o que fica é, mais do que máquina

como extensão de nós, é a capacidade de, na relação homem-máquina, florescer uma nova

consciência, passível pela possibilidade de nos estendermos neste novo contexto (dados) de

forma libertária e transcendente, não limitando-nos, assim é pode-se despertar algo que já

estava latente (potência).

A interface, por enquanto é o filtro, o antídoto, o fantasmas das tecnologias que

sonhamos e das possibilidades da relação homem-máquina, em seu cenário mais animador. A

relação homem-máquina (digital) faz cada vez mais parte do cotidiano das pessoas, participa

do café da manhã, é parceiro no ambiente de trabalho, é o amigo inseparável que mantém as

pessoas atualizadas sobre as novidades do mundo e também do quarteirão, vai junto às

43

Rheingold, Howard. What’s the big deal about cyberspace? In: The art of human computer interface design.

Massachussetts: Reading, 1990

44 “The history of art is not only about the stylistic innovation, the struggle to represent reality, human fate, the

relationship between society and the individual, etc. – it is also the history of new information interfaces

developed by artists, and the new information behaviors developed by users. When Giotto and Eisenstein

developed new ways to organize information in space and in time, their viewers had to also develop the

appropriate ways of navigating these new information structures – just as today every new major release of a

new version of familiar software requires us to modify information behaviors we developed in using a previous

version.”

Page 29: análise das abordagens centradas no ser humano

27

compras, sai junto para jantar, até que as pessoas dizem: quero férias, quero ficar um pouco

desconectado!

Johnson, Manovich e outros apostam que a interface é a arte de nosso tempo. E toda

arte é caracterizada pela sensibilidade humano, ao momento histórico em que o humano se

encontra. E é exatamente essa que parece ser a tendência da análise prática da relação

humano-tecnologia (Design Centrado no Ser Humano, Design Thinking, Design de

Experiência do Usuário, Design de Interação).

Curiosamente, quanto mais desenvolvemos nossas capacidades de evoluir nossas

técnicas e tecnologias: de programá-las, avaliá-las, mensurá-las, mais precisamos entender em

níveis mais profundos o que significa ser humano e o quanto esses aspectos afetam nossa

experiência e essência ao interagirmos com interfaces digitais.

Page 30: análise das abordagens centradas no ser humano

28

2. ASPECTOS HUMANOS

Antes de falar das abordagens que centram no ser humano é importante definir o que

são os aspectos humanos e contextualizar o sujeito no cenário narrado acima. Edgar Morin45

fala da complexidade da construção do ‘eu’ por três aspectos inseparáveis: a individualidade e

subjetividade, onde o eu se sente ele mesmo, a autoafirmação do eu; o ‘eu’ egocêntrico, que

se coloca no mundo e age em função de seus interesses pessoais; e o ‘eu’ como ‘nós’,

refletido sob o sentimento de comunidade calorosa: os indivíduos que não apenas estão na

sociedade, mas a sociedade que está nos indivíduos, a dualidade entre sujeitos que estão em

um espaço, e identidade do espaço pelo que está no interior deles.

O termo humano, segundo Raymond Willians (2007) já foi usado para denotar

civilidade, na idade média, época em que também era caracterizado pela contraposição com o

divino. No século XIX humano tinha também um sentido bem estar, e termos como

“humanitários” passaram a ser associados ao adjetivo de ‘ser humano’. No século XX,

humano passou a indicar calor e afinidade - como em “uma pessoa muito humana”, outro

sentido adicionado com o passar do tempo foi o de falibilidade tolerada, “erro humano”, este

sentido estaria conectado com a noção tradicional que é humano não só errar como pecar.46

Ser exato, impassível de erro, parece uma característica das máquinas, tendo oposição como

uma forma de definir, podemos, neste sentido, situar o que é humano em relação ao que é

maquínico.

A questão da simbiose do homem orgânico com a máquina, no chamado pós-humano,

como apresentado por Lucia Santaella (2007) começam a ser delineadas. Ainda que não seja o

objeto de estudo deste projeto, algumas fronteiras são importantes de pontuar - Santaella fala

do movimento do cyberpunk , como um uso sociocultural mais descentralizado da ciência e da

tecnologia à serviço de indivíduos, é a tecnologia atuando para alteração os sentidos e a mente

humanas. O ciborque47 provocaria:

[...] profundas questões filosóficas sobre natureza da realidade, da subjetividade e

do ser humano no mundo da tecnologia: o que é autenticamente humano quando

se tornam indefinidas as fronteiras entre humanidade e tecnologia? O que é a

identidade humana, se ela for programável? O que sobra das noções de

autenticidade e identidade numa implosão programada entre tecnologia e ser

45

Edgar Morin - A complexidade do eu. Disponível em: <http://youtu.be/ExOqRgBKDKA> Acesso em

10.Setembro.2014.

46 WILLIANS, 2007, p.205-209

47 Híbrido, o homem ampliado pelas tecnologias. O termo ciborgue nasceu da junção de cyb (ernetic) +

org(anism) - cib(ernético) + org(anism ) cunhado por Clynes e Nathan Kline em 1960. In: Santaella,2007, p.40

Page 31: análise das abordagens centradas no ser humano

29

humano. O que é “realidade”, se ela é capaz de tanta simulação? De que modo a

realidade está hoje sendo corroída, e quais são as consequências disso? Certamento

Gibson (em neuromancer) não responde a essas perguntas, mas pelo menos nos faz

pensar sobre elas. (Kellener48,

apud Santaella, 2007, p.37, grifo nosso)

Certamente trata-se de outro tipo de ser humano, nuances que ultrapassam o recorte

deste projeto, o foco fica na desconcertante indagação de Kellner: “O que é a identidade

humana se ela for programável?”.

2.1 SER HUMANO

Buscando paralelos na história para a compreensão do lado humano e do que é ser

humano, chegamos a Parmênides49

, um dos pré-socráticos mais importantes, seu poema

filosófico “da Natureza” influenciou grande parte da metafísica e filosofia ocidental, tanto

pelos que partiram de sua concepção sobre a identidade do ser para fundar sua teoria, como

aqueles que por meio da negação de sua ideia formaram a base de sua filosofia.50

Na leitura anti-predicativa do argumento de Parmênides, proposta por Trindade

Santos, a descoberta da verdade vem pelo pensar que tem o mesmo sentido de conhecer - O

que conheço é aquilo que é conhecido por mim. O conhecimento não é sobre algo exterior

sobre o qual o homem age para descobrir, o conhecimento é sobre o desvelamento do ser

pela experiência, sendo, se é51

.

Vamos, vou dizer-te –

e tu escuta e fixa o relato que ouviste

- quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar:

um que é, que não é para não ser,

é caminho de confiança (pois acompanha a verdade);

o outro que não é, que tem de não ser,

esse te indico ser caminho em tudo ignoto,

pois não poderás conhecer o que não é, não é consumável,

nem mostrá-lo [...]

(Parmênides apud SANTOS, 2012. p.15).

48

KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. Bauru, Edusc, 2001.

49 Há controvérsias sobre o período em que Parmênides nasceu, estima-se que seja entre 544 e 541 a.C., na

cidade grega de Eleia, seu texto “da Natureza” é um poema, incompleto e cujos trechos foram preservados por

meio da citação sistemática ao longo do tempo pelos mais diversos pensadores e filósofos, inclusive por

Sócrates e Platão. In: CORDERO, 2011. p.9

50 SANTOS, 2011. p.49

51 CORDERO, 2011.

Page 32: análise das abordagens centradas no ser humano

30

No poema são apontados apenas dois caminhos únicos e excludentes para ser - “O que

é” e “O que não é”- os caminhos são lidos como “nome”: um é, tem um “nome” (uma

identidade) e no outro caminho, o nome lhe será negado, é o “não nome”, onde não é possível

conhecer. Parmênides, segundo Santos, está a falar do pensamento como conhecimento -

condição da possibilidade de compreender alguma coisa. Não é conhecimento de nada

exterior ao próprio conhecimento. Há apenas o conhecimento.

Essa perspectiva de conhecimento descolado das coisas causa certo estranhamento à

primeira vista, isso porque praticamente toda a história da filosofia ocidental, desde Platão e

Aristóteles é a história da metafísica, que é conhecimento por meio das formas. As formas

surgem em Platão como “entidades reguladoras do conhecimento que se situam acima das

flutuações das capacidades cognitivas dos indivíduos” (SANTOS, 2009, p.30), são hipóteses

que permitem ao conhecimento ser verdadeiro, conhecimento é conhecimento de algo

(exterior).

Para Heidgger52

essa perspectiva de conhecimento, a metafísica, implica no

esquecimento do ser, pois se trata de ‘entes’, ela substitui o conhecimento do ‘ser’ pelo

conhecimento do ‘ente’.53

Em Aristóteles, o ser é visto sob a perspectiva da substância, são

modos de “dizer” o que se é, os significados são tecidos pela captação de uma realidade

exterior, há um proto sujeito e um proto objeto, o conhecimento é a relação entre essas

entidades distintas, este é um entendimento predicativo. Decartes (razão) consagra a visão

predicativa do conhecimento, que, segundo Santos, é tão convincente que as visões não

predicativas praticamente foram esquecidas.

Até que Husserl (fenomenologia), Heidgger (ontologia), Wittengenstain (terapia da

linguagem), Marx (praxis) demarcaram o fim da filosofia enquanto a forma metafísica de se

ver o “ente”54

. No Daisen55

- ser é vir a ser aí no mundo – visão que marca um rompimento

com as visões predicativas:

[...] ser-no-mundo, que é a constituição fundamental do Daisen e que delimita todos

os modos de ser deste ente. O Daisen sempre busca tornar possível cada maneira

de existir que se correlaciona a um significado. Este se torna possível através da

compreensão, que é inerente ao Daisen. O projetar do Daisen nunca é sua totalidade,

52

Santos, 2011.

53 Santos, op. cit.

54 ver Santos op.cit. e HEIDGGER, 2005, p.91, notas do tradutor.

55 Conceito de tradução complexa. Daisen é um conceito popularizado por Heidegger, é o vír a ser aí no mundo,

daisen vive na clareira do ser, no seu entorno. Cf. o “Ser e o Tempo” de Heidegger.

Page 33: análise das abordagens centradas no ser humano

31

pois está sendo a realização das possibilidades que não tinham sido ainda

desveladas. (ARAÚJO, 2005, p.39, grifo nosso)

O Daisen pode ser visto como uma representação de energia contrária à alienante e

cerceante da relação o homem com a técnica (sob a tecnologia) vistas no primeiro capítulo e

sob a pergunta de Kellner; a angústia , para Heidegger é o fenômeno que revela “o ser para o

poder ser mais próprio, ou seja, o ser-livre para a liberdade de assumir e escolher a si

mesmo”. (Heidegger56

apud ARAÚJO, 2005, p.44).

Nessa perspectiva, o homem surge como um ser simbólico, cujas negociações de

sentido com os outros e com as coisas do mundo o fazem ser o que é. Merleau-Ponty, em uma

análise sobre a linguagem, descreve a experiência de pensamento como o que nos inicia ao

que não somos, abrindo oportunidade para a essência surgir (CHAUÍ, 2002, p.41). A ordem

humana, nesse aspecto é definida pela estrutura simbólica, “o que define a ordem humana

não é a criação de uma ‘segunda natureza’ (cultura), mas a capacidade de ultrapassar

estruturas criadas, negando-as e criando outras”. (CHAUÍ, 2002, p.243). O indivíduo e a

coletividade para Merleau-Ponty não são isoláveis, é impossível dizer qual é fundante em

relação ao outro, a sociedade é um sistema de trocas - um dos três aspectos citados por

Morin57

.

Flusser em “O mundo codificado” fala sobre as capacidades que nos torna humanos:

Quando o homem se assumiu como sujeito do mundo, quando recuou um pouco

para poder pensar sobre ele, isto é, quando se tornou homem, assim o fez graças à

sua curiosa capacidade de imaginar esse mundo. Assim criou um mundo de

imagens que fizessem a mediação entre ele e o mundo dos fatos, com os quais estava

perdendo contato à medida que retrocedia para observá-los. Mais tarde ele aprendeu

a lidar com esse universo imagético graças a outra capacidade humana - a

capacidade de conceber. Ao pensar por meio de conceitos, o homem tornou-se não

somente o sujeito de um mundo objetivado de fatos, mas também de um mundo

objetivado de imagens. (FLUSSER, 2013, p. 120-121, grifo nosso)

Neste ponto, nos questionamos: de que forma o ser humano chegou ao ponto de, pela

própria imaginação e pensamento, criar formas e símbolos que o afastavam de ser humano

(nessa concepção libertária)?

Como Ser Humano não é acabado, finito e pronto, está em transformação, essas

respostas estão apresentadas em momentos distintos e de maneiras diferentes pela filosofia e

antropologia, sociologia, neurociência, etc. No recorte deste trabalho, é possível destacar a

importância da definição da identidade humana nas relações simbólicas do homem com

56

“Ser e o Tempo”

57 citado acima

Page 34: análise das abordagens centradas no ser humano

32

tecnologia. Podemos buscar entender como atuam as forças não neutras que agem nessa

interação, como elas complementam, entram em conflito e se emaranham na complexidade do

ser.

2.2 A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE

Stuart Hall (2005) em “A identidade cultural na pós-modernidade” fala das

concepções de construções identitárias ao longo do tempo. O sujeito no iluminismo -

caracterizado pela busca do individualismo - o ser dotado de essência inata que se

desenvolvia com ele. O sujeito sociológico surge com a sociedade moderna, o ser é formado

pela relação com “outras pessoas importantes para ele” (HALL, 2005, p.10), o contato

constante com mundos culturais exteriores permitiria a construção da identidade por meio do

que esses mundos oferecem - é a “costura do sujeito à estrutura”: capital, classes sociais

eram algumas das características herdadas pelo sujeito, condições que o formavam.

Já o sujeito pós-moderno é composto por várias identidades e fragmentações, a

identidade é construída historicamente e não biologicamente. São os portfólios de

identidade58

, voláteis e cambiáveis, apresentado por diversos pensadores, entre eles Bauman

(2001 e 2007) e Harvey (2012).

Harvey comenta que a “fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de

todos os discursos universais (ou para um termo favorito) ‘totalizantes’ são o marco do

pensamento pós-moderno” (HARVEY, 2012, p.19).

Bauman, que usa o termo ‘modernidade líquida’, fala sobre os desprendimentos e

laços sociais que se desfizeram com a reconfiguração do mundo globalizado e interconectado.

Com a lógica da ‘racionalidade instrumental’ (Weber), onde a ordem econômica desempenha

um papel determinante (Karl Marx), o capitalismo proporcionou uma libertação da economia

dos seus tradicionais embaraços políticos, éticos e culturais (BAUMAN, 2007, p.11).

É o mesmo cenário comentado por Stuart Hall:

[...] a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades

centradas e ‘fechadas’ de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante

sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições

58

Entrevista disponível no STOA, rede social da USP. MELLO, Luci Ferraz et al. Mauro Wilton de Souza e as

interfaces da Comunicação / Educação. Biografia das Personalidades em Educomunicação. Disponível em <

http://moodle.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?id=14834> . Acesso em 14.Abril.2013

Page 35: análise das abordagens centradas no ser humano

33

de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais

plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas.(HALL, 2005, p.87,

grifo nosso)

A experiência de ser humano parece se transformar, ser na pós-modernidade não é

mais o mesmo do que era na modernidade e no iluminismo, aparentemente as respostas não

estão impressas na essência e tampouco são garantidas pelas estruturas sociais:

O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está

se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias

identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas.

Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais ‘lá fora’

e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da

cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e

institucionais.

[...]

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao

invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se

multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade, desconcertante e

cambiante de identidades possíveis, cada uma das quais poderíamos nos identificar -

ao menos temporariamente. (HALL, 2005, p.12-13)

Assim, a busca da identidade, ainda que efêmera, é uma busca por tornar o fluxo de

mudança mais lento, solidificar o fluído, dar forma ao disforme. Quando visto de relance, as

identidades configuradas pelas pessoas parecem sólidas e fixas, mas segundo Bauman (2007,

p.98) elas são voláteis. A construção da identidade passa a ser uma tarefa pessoal e solitária,

ainda que muitas vezes não totalmente consciente: “Todo mundo tenta fazer de sua vida uma

obra de arte” (Albert Cadmus apud BAUMAN, 2007, p.97).

É uma atribuição marcada por detalhes emocionais, influências midiáticas e o papel

exercido em um momento de interação social, David Harvey complementa essa visão,

mostrando o papel intermediário das representações e artefatos – interfaces? – nessa

construção

As práticas estéticas e culturais têm particular suscetibilidade à experiência

cambiante do espaço e do tempo exatamente por envolverem a construção de

representações e artefatos espaciais a partir do fluxo da experiência humana. Elas

sempre servem de intermediário entre o Ser e o Vir-a-Ser. (HARVEY, 2012,

p.293, grifo nosso)

Podemos considerar, então, que os artefatos, as representações – ou as tecnologias e as

interfaces – são intermediários nessa construção do eu, para este aspecto, Bauman faz um

confronto interessante – a diferença entre a necessidade e o desejo: a necessidade é inflexível,

enquanto o desejo é o impulso que busca libertação do princípio da realidade, ele é líquido e

Page 36: análise das abordagens centradas no ser humano

34

expansível, sedento por referenciais simbólicos, daí a facilidade de apegar-se e desapegar-se

de valores estabelecidos.

Os aparatos e as formas de organizações vigentes representam para Bauman o cenário

de transição onde as identidades são negociadas no espaço:

O cada vez mais frequente uso da metáfora ‘rede’, em substituição a termos usados

no passado, na descrição das interações sociais (sistemas, estruturas, sociedades ou

comunidades), reflete a acumulativa percepção de que as totalizações sociais são

nebulosas nas bordas; mantêm-se num estado de fluxo constante; estão sempre se

tornando, em vez de serem; e raramente estão destinadas a durar para sempre.

Em outras palavras, isso sugere que as totalizações hoje em luta por reconhecimento

são mais fluidas do que costumavam ou se acredita ser quando os termos que agora

ansiamos por substituir eram os adotados.

[...] a rede é a formidável flexibilidade de seus conteúdos [...]

O processo de ‘formação de identidade’ tornou-se sobretudo uma máquina de

renegociação de redes [...] A formação da identidade tornou-se tarefa vitalícia,

jamais completada. Em nenhum momento da vida a identidade é final. (BAUMAN,

2011, p.19, grifo nosso)

O tempo (quase no sentido cronológico), a comunidade (no sentido de múltiplas e

concomitantes comunidades) com as quais as pessoas interagem, a primazia momentânea de

um valor ‘fundamental’ dá conta de traduzir o “quem eu sou”, “quem você é”:

É apenas quando inserida em um contexto específico que a identidade ganha

contornos e significado. Por isso, em cada situação, para cada grupo de sujeitos, há

mediações específicas atuando. Numa dada relação a mediação hegemônica pode ser

a diferença de gênero e as identidades serão construídas a partir da ideia de ‘homem

e ‘mulher’. Em outra situação, a mediação fundamental pode ser a cor da pele e os

mesmos sujeitos serão reidentificados como ‘brancos’ e ‘negros’. As identidades

estão sempre em construção, dependentes desses sistemas classificatórios

estabelecidos no momento específico em que as diferenças são evocadas. Por traz

de uma construção de identidade há sempre a mediação de um processo

simbólico e discursivo que marca as diferenças. (LEITE, SOUZA E GIOIELLI,

2005, p.38, grifo nosso).

Como tradutor que afeta, a interface deveria se propor a entrar nesse jogo de

identidade e valores que compõe o homem na pós-modernidade, acompanhando e

complementando sua construção.

2.3 VALORES HUMANOS NO MUNDO TECNOMEDIADO

“Eu sou eu e minhas circunstâncias” (ORTEGA Y GASSET)59

. É preciso cuidado ao

tomar a máquina como puramente conexão ou mesmo extensão, pois no cenário vislumbrando

acima, fica evidente que é essencial ao homem a capacidade de contextualizar e de realizar

59 Citação apresentada por Mauro Wilton em disciplina de Gestão Simbólica dos Processos Comunicacionais da

Sociedade em Rede. Digicorp. Turma 3. 2013.

Page 37: análise das abordagens centradas no ser humano

35

interligações, se o homem torna-se técnico, pode perder também sua identidade. A

subjetividade é construída por valores individuais e reconfigurados na pós-modernidade, a

“escolha é a objetivação de uma subjetividade” 60

, se eliminarmos a escolha? O que resta do

ser no homem, um ser técnico?

Teorias recentes que explicam a relação entre tecnologia e organizações

argumentam que as duas são mutuamente interdependentes; uma molda a outra,

reafirmando os ciclos de construção de sentido e dando forma aos significados

organizacionais. (GASSON, 2003, p.30-31, tradução nossa)61

A técnica é um fim, é instrumental. A tecnologia é conjunto de experiências

relacionais no tempo e espaço para uso da técnica62

. Na sociedade do consumo, as

necessidades são criadas, é possível perceber o valor das coisas pela sua finalidade, ou

propósito como trataremos no início deste estudo.

A técnica (citando Heidegger) é tudo aquilo que permite a descoberta da verdade, o

desvelamento do ser no Daisen, que permite ao homem exercer seu poder. Pela tecnologia, o

homem pode causar uma ruptura no tempo e no espaço, capaz de decompor os componentes63

e desvendar-se.

“Um organismo está empenhado em relacionar-se com algum objeto, e o objeto nessa

relação causa uma mudança no organismo” (DAMÁSIO64

apud Ranoya, 2013, p.88).

Segundo Ranoya (2013, p.88), é impossível separar o objeto desta mudança que ele provoca

no sujeito, e essa dupla articulação está sempre implicada na produção do sentido.

“A tecnologia não é boa e nem má, tampouco neutra” (Melvin Kransberg apud

Buxton, 2008, p.38):

O que isso quer dizer é que sempre que introduzirmos um produto no mercado e na

sociedade, isso terá um impacto – positivo ou negativo. Eu tenho um corolário para

a Primeira Lei de Kransberg que é: Sem projeto informado (intencional), a

tecnologia está mais propensa a ser má do que ser boa. (BUXTON, 2008, p.38,

tradução nossa)65

60

Mauro Wilton em disciplina de Gestão Simbólica dos Processos Comunicacionais da Sociedade em Rede.

Digicorp. Turma 3. 2013.

61 Recent theories that explain the relationship between technology and organization have argued that the two are

mutually interdependent: each shapes the other through self-reinforcing cycles of sensemaking and giving form

to the organizational meanings that ensue.

62 Mauro Wilton, ibidem

63 Estruturas sociais, como na citação de Gasson, as estruturas simbólicas que compõe as organizações.

64DAMÁSIO, António. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letas, 2005. p. 38

65 What this says is that whenever we introduce a product into the market and our society, it will have an

impact—positive or negative. I have a corollary to Kransberg’s First Law. It is:

Page 38: análise das abordagens centradas no ser humano

36

A pós-modernidade, como vimos, é marcada por uma fragmentação, uma efemeridade

de valores. O valor humano torna-se múltiplo, cambiável e não raras vezes percebe-se a

concomitância de valores conflitantes entre si. Em um cenário de emergência de tecnologias,

Harper, Rodden e Rogers (2008) defendem a criação de políticas que cuidem de entender

quais são os valores importantes de serem delimitados - fronteiras – que isso balize o

desenhar da tecnologia por e para humanos.

Como os valores humanos podem afetar as fronteiras da interface? Por exemplo, o

desejo de vitalidade e a independência quando envelhecemos pode motivar a acoplar

dispositivos médicos próximos ao corpo ou mesmo dentro dele. Mas como isso afeta

outro valor humano, como a necessidade de definir a própria identidade? Se o

computador está incorporado em nós, eles são parte de nossa identidade? E sobre

compartilhar informação com terceiros? Se esses terceiros tiverem acesso à nossa

informação mais íntima, podemos estar perdendo a independência que nós talvez

estejamos buscando? Qual a fronteira entre nós e interfaces embutidas em nós de

forma invisível, o quanto é importante controlar o limite dessa fronteira? Essas são

algumas questões que termos que lidar cada vez mais no futuro. (HARPER,

RODDENS e ROGERS, 2008, p.37, tradução e grifo nosso)66

Figura 5 - Jóia eletrônica sensível, conceito de design da Philips - Baseada em uma tecnologia flexível,

aderente ao corpo, composta por substratos eletrônicos, sensores, auto-carregadores e um display. As cores se

alteram pelo humor da pessoa que o utiliza - tecnologia vestível divertida, sensual, estimulada por reflexos

sensórios e afetada pelo humor.67

Os autores citam questões delicadas que podem vir à tona com essas novas interações:

interação direta e silenciosa - quando, por meio de sensores invisíveis, nossas interações

Without informed design, technology is more likely to be bad than good.

66 “How do human values affect the interface boundaries? For example, the desire of vitality and independence

as we grow older might motivate us to place medical devices close to or even within our bodies. But how dos

this affect other human value, such as the need to define our own identity? If computes are embedded within us,

are they part of identity? And what about sharing that date with others? If others have access to our most

intimate data, do we then fell a loss of the independence we might seek? Likewise, the boundary between us and

embedded device is invisible, how important is it that we manage and control that boundary? There are all issues

that we increasingly have to deal with in future.”

67 HARPER, RODDEN E ROGERS, 2008, p.36

Page 39: análise das abordagens centradas no ser humano

37

comuns com objetos do dia a dia passam a ser permeadas pelo digital (o quanto isso chega até

a cognição humana? O quanto essas mudanças são evidentes?); outro exemplo que clama por

uma fronteira, segundo os autores é o “modo de vivência de um ecossistema

computadorizado” (HARPER, RODDENS e ROGERS, 2008, p.39, tradução nossa) - além de

garantir que as pessoas entendam a interação, de definir qual o limite entre segurança e

privacidade nesses ecossistemas, há outras questões como a dependência cada vez maior dos

sistemas digitais para serviços que eram do intelecto humano, como um diagnóstico médico

por exemplo, o que fazer quando alguma coisa nos sistema pára de funcionar? Isso será

perceptível?

São muitas as questões abordadas pelos autores no relatório chamado “Being Human”

– Sendo Humano. A questão principal é entender a tecnologia como um fenômeno social, que

pode, por suas características, muitas vezes difíceis de notar nas primeiras versões, chocar-se

com os valores e com os elementos que compõe a identidade humana:

Muitos sistemas são construídos com o pressuposto que quanto mais informação

capturam melhor. Em contrapartida, as pessoas valorizam a possibilidade de ser

seletivas quando se lembram. Algumas vezes é importante esquecer, e contamos

com a tendência natural de que os outros também esqueçam nossas ações e

atividades passadas. Mas os arquivos digitais são impiedosos: uma brincadeira boba

de tirar fotos por um smartphone, se compartilhadas na rede podem perseguir

alguém para o resto de sua vida, de uma forma nunca vista antes. Vai ser possível

para as pessoas apagarem as memórias digitais capturadas por outros? Agora que

existem ferramentas digitais que podem gravar tudo que é dito ou feito, como isso

afeta nossas próprias capacidades de ser lembrados?

A pegada digital obviamente levanta novos desafios para a maneira como

projetamos a tecnologia. Tudo isso precisa ser entendido como um fenômeno social.

Memórias nos ajudam a honrar nosso passado e moldar nossa identidade […] No

futuro, é provável que haja dados pessoais nossos em vários domínios e isso pode ter

um impacto social muito maior do que estamos imaginando. (HARPER, RODDENS

e ROGERS, 2008, p.46, tradução e grifo nosso)68

Flusser demonstra que a composição e o uso do código altera nossa capacidade de

entender o mundo, a tecnologia indo além do instrumental. Ela decompõe, e assim compõe:

Um código é um sistema de símbolos. Seu objetivo é proporcionar a comunicação

entre os homens. Como os símbolos são fenômenos que substituem (‘significam’)

68

“Many system are built on the assumption that the more date we capture the better. In contrast, humans place

great value on being selective in what they remember. It is important that we sometimes forget and that rely on

the tendency of others to forget our past actions and activities too. But digital records are merciless: a silly prank

capture on a mobile phone and then uploaded to a photo sharing site may haunt someone to the rest of their lives

in a way it never did before. Will it be possible for people to delete digital memories capture by others? Now that

there are digital tools that can record everything we say or do, how will this affect our own abilities and was of

remembering? Digital footprint obviously raise new challenges for how we design technologies. But they also

need to be understood as a social phenomenon. Memories help us honour the past and shape our sense of

identity.[...] In the future we are likely to have less control over our digital records. This fact, coupled with the

persistence of our personal data in many domains may well have more far-reaching societal impact than even

begin to imagine.”

Page 40: análise das abordagens centradas no ser humano

38

outros fenômenos, a comunicação é, portanto, uma substituição; ela substitui a

vivência daquilo a que se refere. Os homens têm de se entender mutuamente por

meio de códigos, pois perderam o contato direto com o significado dos símbolos. O

homem é um animal alienado (verfremdet) e vê-se obrigado a criar símbolos e a

ordená-los em códigos, caso queria transpor o abismo que há entre ele e o

‘mundo’. Ele precisa mediar (vermitteln), precisa dar um sentido ao ‘mundo’. [...]

O mundo codificado em que vivemos não mais significa processos, vir-a-ser, ele não

conta histórias, e viver nele não significa agir. O fato de ele não significar mais isso

e chamado de ‘crise dos valores’. [...]

Não há paralelos no passado que nos permitam aprender o uso dos códigos

tecnológicos, como eles se manifestam, por exemplo, numa explosão de cores. Mas

devemos aprendê-lo, senão seremos condenados a prolongar uma existência sem

sentido em um mundo que se tornou codificado pela imaginação tecnológica.

(FLUSSER, 2013, p.130-137, grifo nosso)

Conseguimos assim, traçar um pano de fundo e trazer à tona os tão negligenciados

aspectos humanos inerentes ao mundo tecnomediado. Como projetar tecnologia para

humanos, respeitando-lhes as fronteiras do ser, permitindo a construção de identidade como

manifestação de sua liberdade?

Diante da problemática exposta, este trabalho se propõe a entender as abordagens que

consideram os aspectos humanos no desenvolvimento de projetos que envolvam experiências

mediadas por interfaces, mais especificamente como se dá a centralidade humana nessas

abordagens.

Page 41: análise das abordagens centradas no ser humano

39

3. AS ABORDAGENS CENTRADAS NO SER HUMANO

John Maeda69

conta que sua busca pela simplicidade nos sistemas complexos sempre

foi uma busca de entender o lado humano e como trazer simplicidade não de uma maneira

“simplória” ou reducionista, mas de uma maneira mais humana. Ele que, iniciou seus estudos

em Ciências da Computação, fala durante sua apresentação na Ted Talk70

da importância dos

designers em sua formação - Muriel Cooper e Paul Rand - durante sua passagem pelo MIT -

Massachusetts Institute of Technology, e pela Escola de Artes do Japão.

Especialmente no MIT, onde foi estudante e posteriormente diretor do Laboratório de

Mídia, diz ele - a questão humana não era algo explícito – “o T não significa humano” 71

- e

foi exatamente atrás do que era humano que ele teve que ele se desbruçou para leis da

simplicidade. Maeda costuma monitorar o quanto as pessoas estão buscando por “human” –

“humano” e por “computer” – “computador” no Google, e compara esses termos com a busca

por “simplicity” – “simplicidade” e “complexity” – “complexidade”, para ele, humanidade e

simplicidade estão de alguma forma conectadas.

Figura 6 - Human vs Computer em 2001 uma das buscas monitoradas por Maeda

Parte de sua pesquisa é sobre a dualidade Humano-Computador / Simplicidade-Complexidade72

69

Designer gráfico, artista visual e cientista da computação. Diretor do Laboratório de mídia do MIT, autor de

Leis da Simplicidade e Design by Numbers.

70John Maeda. On Simplicity. http://www.ted.com/talks/john_maeda_on_the_simple_life/ - Muriel Cooper era

designer e foi diretora do MIT, incentivou Maeda e ir para a Escola de Artes quando ainda era aluno de

computação e teve contato com o designer gráfico Paul Rand na Escola de Artes do Japão, ele atribui essa busca

pelo lado artístico como algo que o fez mais sensível ao lado humano e buscar a simplicidade.

71 “the T doesn´t mean Human”

72 Maeda, ibidem.

Page 42: análise das abordagens centradas no ser humano

40

Em “Leis da Simplicidade”, Maeda (2007), descreve como os sistemas complexos

deveriam se comportar para trazer mais simplicidade à vida humana e não o contrário, como

ele diz, “a tecnologia tornou nossas vidas mais completas, ao mesmo tempo, tornamo-nos

desconfortavelmente ‘completos’” (MAEDA, 2007, i). Produtos tecnológicos com manuais

longos para produtos do dia a dia, é um exemplo de complexidade que não agrega benefício

na vida das pessoas - se elas precisam de um manual tão complexo para entender como

funciona, é porque não funciona bem, ou de um jeito simples.

Como já vimos, a história do estudo da relação homem-máquina iniciou-se com as

abordagens da Ergonomia e de Fatores Humanos da Interação Humano Computador (IHC),

que não eram centradas especificamente no ser humano, buscavam economia de esforço,

melhoria na execução de tarefas, as pessoas vistas usuários de máquinas.

A 10 da simplicidade de Maeda vão à contramão do movimento da usabilidade, da

forma com apresentada no primeiro capítulo:

1. REDUZIR: A maneira mais simples de alcançar a simplicidade é por meio

de redução conscienciosa

2. ORGANIZAR: A organização faz com que um sistema de muitos pareça de

poucos

3. TEMPO: Economia de tempo permite simplicidade

4. APRENDER: O conhecimento torna tudo mais simples

5. DIFERENÇAS: Simplicidade e complexidade necessitam uma da outra

6. CONTEXTO: O que reside na periferia da simplicidade é definitivamente

não periférico

7. EMOÇÃO: Mais emoção é melhor que menos

8. CONFIANÇA: Na simplicidade nós confiamos

9. FRACASSO: Algumas coisas nunca podem ser simples

10. A ÚNICA: A simplicidade consiste em subtrair o óbvio e acrescentar o

significativo (MAEDA, 2007, refrão)

Os sistemas devem permitir que as pessoas executem as tarefas de forma eficiente,

mas também garantir os espaços para as emoções. É a sutil e complexa arte dos objetos à

nossa volta proporcionarem momentos de conforto, de reconhecimento, de uma experiência

com significado. “A simplicidade consiste em subtrair o óbvio e acrescentar o significativo”

(MAEDA, 2007, p.89) - o significativo é essa característica das interfaces que dialogam com

o potencial simbólico e cognitivo das pessoas que interagem com ela, são eficientes em

entender os aspectos humanos que afetam essa interação.

Page 43: análise das abordagens centradas no ser humano

41

Como o objetivo deste trabalho é entender como as abordagens centradas no ser

humano consideram os aspectos humanos em suas metodologias, foram selecionadas a

abordagens do Design de Interação, Design Thinking e Marketing 3.0. para análise

Susan Gasson (2003) fez um levantamento sobre as abordagens que buscavam essa

centralidade no ser humano, no artigo “Human Centered vs User Centered Approches to

Information System Design” ela levanta a dificuldade das abordagens de desvincularem o

homem como usuário de computador, o homem que interage com a máquina, usuário de

tecnologia.

Ela chama atenção para o fato de que a tecnologia é modelada e modela expectativas

sociais, o design centrado no ser humano questiona essas mazelas sociais que moldam as

tecnologias.

Tecnologia é moldada por, e molda por sua vez, as expectativas sociais: a forma

como a tecnologia é derivada desses efeitos, das expectativas sociais afeta o

processo design. Design Centrado no Ser Humano defende o design de sistemas

que questionam as normativas da expectativa social para a tecnologia. (GASSON, 2003, p.31, tradução e grifo nosso)73

3.1 DESIGN DE INTERAÇÃO

O Design de Interação, segundo Gasson74

, é oriundo da Interação Humano-

Computador e foi uma das primeiras práticas a se preocupar de forma mais profunda com as

questões humanas na interface homem máquina, indo além de affordance75

e usabilidade.

Design de Interação analisa as maneiras que as pessoas vão operar com um artefato

técnico e projetam o artefato para refletir esses propósitos e usos específicos.

(Preece, Rogers and Sharp, 2002 apud GASSON, 2003, p.35, tradução nossa)76

O Design de Interação veio para considerar o espaço de possibilidades passíveis de

emergir com a presença da tecnologia.

Alan Cooper propõe a ruptura do paradigma industrial, ele defende tirar a criação da

tecnologia das mãos unicamente dos programadores. Cooper iniciou sua carreira como

73

“Technology is shaped by, and shapes in turn, social expectations: the form of technology is derived from the

effect of these social expectations upon the design process (Mackenzie and Wajcman, 1999). Human-centered

design advocates the design of systems that question normative expectations of technology (Kuhn, 1996).”

(GASSON, 2003, p.31)

74 GASSON, 2003, p.35

75 Capacidade de um objeto, interface ou ambiente, pelas suas características, deixar claro quais suas

possibilidades de funcionais.

76 Interaction design examines the ways in which people will work with a technical artifact and designs the

artifact to reflect these specific purposes and uses

Page 44: análise das abordagens centradas no ser humano

42

desenvolvedor de software77

e posteriormente buscou transição do que ele julga um

pensamento puramente maquínico para o desenvolvimento do comportamento da interface da

interação do homem com a tecnologia, por meio Design de Interação.

Segundo Cooper, o que faz as pessoas gostarem ou não gostarem dos produtos

tecnológicos, estarem ou não estarem satisfeitas com um serviço não se encaixa mais no

paradigma industrial ao qual os programadores estão habituados - a visão de mundo binária

onde algo pode ser maior ou menor, funcionar ou não funcionar.78

As abordagens centradas no ser humano, como a do Design de Interação, buscam a

sutil diferença entre entregar um bom produto e entregar algo que propicie uma interação

prazerosa com produtos e serviços. E isso exige a mudança na forma de pensar e criar, pois se

está focado em criar um bom produto, foca-se no que já se sabe fazer e no produto em si, mas

quando busca entregar experiências centradas em pessoas, há de buscar um entendimento que

vai muito além do produto em si.

ROGERS, SHARP e PREECE (2011) sustentam o Design de Interação para além da

interação do homem-computador, os autores listam itens importantes para se considerar

nesses projetos de design interativos, são métodos que buscam garantir que essas interações

com a tecnologia estejam alinhadas com as expectativas de experiência do ser humano, e não

somente pelas perspectivas de desenvolvimento tecnológico:

Projetar produtos interativos requer considerar quem vai usá-los, como e onde serão

usados. Outra preocupação fundamental é entender o tipo de atividades que as

pessoas estão fazendo ao interagirem com os produtos. A adequação a diferentes

tipos de interfaces e arranjos de dispositivos de entrada e saída dependem do tipo de

atividade para os quais se destinam. Tomar decisões baseando-se no entendimento

dos usuários, envolve, por exemplo:

-Levar em consideração a habilidade das pessoas - no que as pessoas são boas ou

ruins;

-Considerar o que pode ajudar as pessoas no modo que elas fazem as coisas

atualmente;

-Pensar o que tem potencial de proporcionar experiências de qualidade para os

usuários;

-Ouvir o que as pessoas querem e envolvê-las no processo de design;

77

Alan Cooper desenvolveu o Visual Basic que foi comprado por Bill Gates e contribuiu para o sucesso do

Microsoft Windows. É autor de "About Face: The Essentials of User Interface Design" and "The Inmates Are

Running the Asylum", em suas obras faz um cenário distópico se consideramos tecnologia modelada unicamente

por engenheiros de softwares.

78 Alan Cooper: Talking Business and Design. Disponível em: https://vimeo.com/98943932 Acesso em

30.Agosto.2014

Page 45: análise das abordagens centradas no ser humano

43

-Usando técnicas de experimentação e testes baseadas no usuário durante o processo

de design. (ROGERS, SHARP e PREECE, 201, p.7-8, tradução nossa)79

Em “The Inmates are running the asylum” (2004) Alan Cooper aborda que os

programadores não deveriam construir todo o código e os designers atuarem na interface só

depois que os programas já estivessem prontos, pois o código dita a interação. De fato, ao

desenvolver um software e uma maneira que uma máquina atua em um ambiente, novos

comportamentos serão projetados e é sobre esses comportamentos que os programadores não

possuem insumos para refletir, uma vez que centram seus esforços no produto que estão

desenvolvendo.

A chave para resolver o problema é design de interação antes da programação.

Nós precisamos de uma nova classe de profissional de designers de interação que

projetem a maneira como o software vai se comportar. Hoje, programadores

conscientemente projetam o código dentro dos programas, mas sem atenção devida

projetam a interação com os humanos. Eles projetam o que programa faz, mas não

como ele se comporta, se comunica ou informa. [...]

Programadores não são maus. Eles trabalham arduamente para fazer com que os

softwares sejam fáceis de usar. Infelizmente, o referencial que possuem são eles

mesmos, eles constroem softwares fáceis de ser usados por outros engenheiros de

programação, não para seres humanos normais. (COOPER, 2004, p.16-17, tradução

e grifo nosso)80

Na visão de Cooper essa mudança de paradigma se faz necessária para que a

tecnologia não cerceie os comportamentos humanos. Segundo o autor81

, ainda que às vezes

julguemos que as interfaces se comportem de determinada maneira por algum (bom) motivo,

na maioria das vezes, são resultados do pensamento do programador, ou do que é conhecido

79

Designing interactive products requires considering who is going to be using them, how they are going to be

used, and where they are going to be used. Another key concern is to understand the kind of activities people are

doing when interacting with the products. The appropriateness of different kinds of interfaces and arrangements

of input and output devices depends on what kinds of activities are to be supported. For example in deciding

which choices to make by basing them on an understanding of the users. This involves: - Taking into account

what people are good and bad at;/- Considering what might help people with the way they currently do things;/-

Thinking though what might provide quality user experiences;/- Listening to what people want and getting them

involved in the design;/- Using tried and tested user-based techniques during the design process

80 “The key to solving the problem is interaction design before programming. We need a new class of

professional interaction designers who design the way software behaves. Today, programmers consciously

design the code inside programs but only inadvertenly design the interaction with humans. They design what a

program does but not how it behaves, communicates, or informs. (...) Programmers aren´t evil. They work hard

to make their software easy to use. Unfortunantely, their frame of reference is themselves, so they only make it

easly to use for other software engineers, not for normal human beings.”

81 COOPER, 2004, p.53

Page 46: análise das abordagens centradas no ser humano

44

como ‘herança’82

de software, e que na prática acabam ditando comportamento de seres

humanos.

Muitos programadores se julgam talentosos designers. De fato, muitos deles o são,

mas há uma grande diferença entre projetar para função e projetar para

humanos.

[…]

Eu acredito que nossa incapacidade em resolver problemas usando métodos de

engenharia é a prova de que engenharia não pode resolver o problema. Pedir a

engenheiros para consertar o problema é como pedir para a raposa cuidar da

segurança do galinheiro. (COOPER, 2004, p. 90-92, tradução e grifo nosso)83

Cooper explica que essa dinâmica cria sistemas complexos, que desequilibra a relação

homem-máquina, pois acaba exigindo que o ser humano pense e se comporte como uma

máquina. Isso porque, no desenvolvimento do software, o programador cria uma lógica

parecida à de seu modelo mental que é muito diferente do das pessoas comuns:

Figura 7 - Homo logicus e Homo Sapiens

Para Cooper, os programadores são o ‘homo logicus’, aceitam a complexidade para ter mais controle

das opções possíveis, em contrapartida, o que as pessoas comuns - ‘homo sapiens’ buscam a

simplicidade e abrem mão de controlar em prol disso84

Produtos digitais geralmente assumem que as pessoas são tecnologicamente

alfabetizadas. Por exemplo, no Word da Microsoft, se uma usuária quer renomear

um documento que está editando, ela deve saber que terá também que fechar o

documento ou usar o “Salvar como..” no menu de comando (e lembrar-se de apagar

o arquivo com o documento antigo). Esses comportamentos são inconsistentes com

a forma como uma pessoa normal pensa sobre renomear alguma coisa; em vez de

82

Acúmulo de decisões unilaterais que compõe uma linguagem de programação orientada a objetos, permite a

evolução das linguagens com base em linguagens anteriores, algumas decisões se propagam no desenvolvimento

de software assumindo proposições dogmáticas.

83 “Many programmers believe themselves to be talented designers. In fact, this is often true, but there is a

tremendous difference between designing for function and designing for humans.[...] I believe that our failure to

solve the problem with engineering methods is proof that engineering methods cannot solve the problem. I´ll go

further and state that engineering methods are one of the root causes of the problem. Asking engineers to fix the

problem is like asking the fox to solve the henhosue security problem.”

84 COOPER, 2004, p.97

Page 47: análise das abordagens centradas no ser humano

45

adequar-se a modelo mental das pessoas, os sistemas exigem que elas passem a

pensar mais de forma análoga a maneira como um computador funciona. (COOPER

et al, 2014, p.5, tradução nossa)85

Com o intuito de criar interfaces mais humanas, Cooper desenvolveu o Processo de

Design orientado a Propósitos86

, que parte do entendimento das pessoas para desenvolver um

software. Isso é feito por meio da pesquisa e criação das personas, atividade que requer o

reconhecimento dos propósitos (goals) dessas pessoas. Propósito, segundo ele, é diferente de

atividades e tarefas - que programadores a analistas de usabilidade se acostumaram a focar -

está relacionado à propósitos finais na vida dessas pessoas enquanto tarefas e atividades são

necessidades eventuais ou intermediárias que as pessoas fazem para atingi-los:

Quando as empresas realmente focam nos usuários, elas tendem em prestar muito

mais atenção nas atividades que engajam os usuários e não prestam atenção

suficiente nos propósitos que as pessoas têm ao realizarem essas tarefas [...]

Propósitos não são a mesma coisa que atividades. Um propósito é uma expectativa

de uma condição final, enquanto tanto atividades como tarefas são passos

intermediários (em níveis diferentes de organização) para ajudar alguém à atingir

seu propósito ou conjunto de propósitos [...]

Muitos desenvolvedores e profissionais de usabilidade ainda abordam o design de

interface questionando-se quais são as tarefas. Ainda que isso entregue o resultado,

isso não irá gerar mais do melhorias incrementais: Isso não é capaz de gerar uma

solução que diferencia seu produto no mercado, e muitas vezes não satisfazem os

usuários de verdade. (COOPER et al, 2014, p.14)87

Modelos de negócios sustentáveis em longo prazo, envolvendo tecnologia, para

Cooper, requer interfaces baseadas no modelo mental das pessoas ao invés de serem guiadas

pelo modelo de implementação88

, está é uma condição básica para projetar interações

orientadas à propósitos das pessoas.

85

“Digital products regularly assume that people are tehcnology literate. For example, in Microsoft Word, if a

user wants do rename a document she is editing, she must know that must either close the document or use "Save

As.." menu command (and remember to delete the file with the old name). These behaviors are inconsistent with

how a normal person think about renaming something: rather, they require that a person change her thinking to

be more like way a computer works.”

86 “Goal-Directed Design Process”

87“When companies do focus on the users, they tend to pay too much attention to task users engage in and not

enough attention to their goals in performing those tasks. (...)Goals are not the same as tasks or activities. A goal

is an expectation of an end condition, whereas both activities and tasks are intermediate steps (at different levels

of organization) to help someone to reach a goal or set of goals.[…] Many developers and usability professionals

still approach interface design by asking what the tasks are. Although this may get the job done, it won´t produce

much more than incremental improvement: It won´t provide a solution that diferentiates your product in the

market, and very often it won´t really satisfy the user.”

88 COOPER et at, 2014, p.19

Page 48: análise das abordagens centradas no ser humano

46

Figura 8 - Comparação do modelo de implementação (software), modelo de representação (interface) e

modelo mental (das pessoas). 89

Quanto mais um modelo de representação (interface) aproximar-se do modelo mental

do usuário, mas simples de entender a interface será. Geralmente os modelos de representação

são muito parecidos com os modelos de implementação (lógica do software) o que torna as

interfaces difíceis de serem compreendidas pelas pessoas.

Para ele, o modelo de desenvolvimento onde os programadores refletem e constroem

sobre toda a lógica do sistema e somente depois os designers criam a interface que mediará a

interação desse sistema com as pessoas, falha em requisitos simples como simplicidade e

facilidade de aprendizado por meio do usuário à um sistema, pois:

É muito mais fácil projetar um software que reflita o modelo de implementação. Sob a

perspectiva do programador, é perfeitamente lógico disponibilizar um botão para cada função,

um campo para cada entrada de dados, uma página para cada passo de transação, uma caixa

de diálogo para comando. Mas embora isso reflita adequadamente os esforços de

infraestrutura e engenharia, isso peca em proporcionar mecanismos coerentes para que os

usuários atinjam seus propósitos. No final, o que é produzido aliena e confunde os usuários.

(COOPER et al, 2014, p.17, tradução nossa)90

Uma das técnicas do Design de Interação para centrar o desenvolvimento no ser

humano, é a criação de Personas, primeiro define-se um público para o qual um sistema

deveria ser projetado - para Cooper isso é essencial, pois não há como desenvolver soluções

universalmente e homogeneamente ideais - e posteriormente busca-se atender os propósitos

deste público, inserindo-o no cerne do desenvolvimento do produto. Personas não são pessoas

89

COOPER et at, 2014, p.19

90“It is much easier to design software that reflects its implementation model. From the developer´s perspective,

it´s perfectly logical to provide a button for every function, a field for every data input, a page for every

transaction step, and a dialog box for every code modelu. But while this adequately reflects the infrastructure of

engineering efforts, it does little to provide coherent mechanisms for a user to achieve his goals. In the end, what

is produced alienates and confuses the user.”

Page 49: análise das abordagens centradas no ser humano

47

reais, mas as representam em um processo de design, são arquétipos hipotéticos de usuários

atuais. (COOPER, 2004,p.124).

Para construir esses arquétipos, o designer entra em contato com a realidade dessas

pessoas, praticando o olhar de pesquisador e observador, convivendo com outro ponto de

vista; a empatia, proporcionada pela vivência com esta realidade, permite que o designer

tenha insumos de considerar os aspectos humanos durante o desenvolvimento de um produto

digital:

Uma das mais ferramentas mais poderosas que os designers trazem à mesa é a

empatia: a habilidade de sentir o que os outros sentem. A exposição direta e

intensiva que pesquisas com usuários adequadas fazem com que o designer

realmente faça uma imersão ao mundo do usuário, e tenham isso em mente antes de

proporem uma solução. Uma das práticas mais perigosas no desenvolvimento de

produtos é separar os designers dos usuários porque isso elimina o conhecimento

empático. (COOPER et al, 2007, p.19, tradução e grifo nosso)91

Saber quais são os propósitos das pessoas e entender porque eles são importantes,

demanda do designer compreender qual é o contexto dessa persona, quais são suas

habilidades, como interagem atualmente com os objetos à sua volta. Segundo Cooper é este

entendimento que permite que uma interface seja de fato a ponte para que as pessoas

alcancem seus propósitos.

Bom design de interação’ faz sentido apenas se for usado em um contexto onde as

pessoas de fato o utilizem para algum propósito. Você não pode ter propósitos sem

ter pessoas. As duas coisas são inseparáveis. Esses são os dois elementos principais

do nosso processo de design orientado à propósitos: propósitos e pessoas. […] A

essência de um bom design de interação é a criação de interações que permitem que

os usuários atinjam seus propósitos práticos sem violar seus propósitos pessoais

(COOPER, 2004, p.149-150, tradução nossa)92

Uma das formas de caracterizar esse momento da persona seria a construção dos

cenários de contexto, como ‘Day in the Life’ (Um dia na vida), por exemplo, onde se

descreve como é um dia da persona fictícia, quais são os pontos de contato do produto, como

esses pontos deveriam se comportar para que elas atinjam seu propósitos; esse detalhamento

91

“One of the most powerful tools designers bring to the table is empathy: the ability to feel what others are

feeling. The direct and extensive exposure to users that proper user research entails immerse designers in the

user´s world, and gets the thinking about users long before they propose solutions. One of most dangerous

practices in product development is isolating designers from the users because doing so eliminate empathic

knowledge.”

92 ‘Good interaction design’ has meaning only in the context of a person actually using it for some purpose. You

cannot have purposes without people. The two are inseparable. That is the two key elements of our design

process are goals and personas - purposes and people.

[...] The essence of good interaction design is to devise interactions that let users achieve their practical goals

without violating their persona goals.

Page 50: análise das abordagens centradas no ser humano

48

de informação é possível à partir de observações e entrevistas com pessoas reais em

momentos de uso específico.

Figura 9 - Processo de construção de personas pelos designers93

Personas além de ser uma ferramenta de entendimento profundo de design centrado no

ser humano tem se mostrado de grande valor como ferramenta de comunicação e alinhamento

estratégico em uma organização94

. Quando há conflito de interesses entre marketing, design,

desenvolvimento, sobre para qual ‘usuário’ estão querendo desenvolver um produto, uma

Persona unifica os interesses e faz com que todos falem a mesma língua e trabalhem sob o

mesmo propósito.

O processo de design proposto considera requisitos de negócios e de sistema

(desenvolvimento), e uma etapa de validação e testes com usuários finais:

Figura 10 - Processo de Design Orientado à Propósitos de Alan Cooper - Busca fazer uma ponte entre

pesquisa com usuários, design e desenvolvimento por meio de uma combinação de técnicas e métodos que

permitam a criação de sistemas mais humanizados95

A crítica que Gasson faz em seu levantamento é que o Design de Interação, mesmo

sendo uma linha de ruptura com as práticas anteriores, continua limitando-se ao computador.

Talvez exatamente porque surgiu em um contexto onde as interações com do homem com o

93

Fonte: http://www.cooper.com/journal/2014/04/inside-goal-directed-design-a-conversation-with-alan-cooper-

part-2 Acesso em 30.Agosto.2014

94 COOPER, 2004, p.132

95 COOPER AND REIMANN, 2003.

Page 51: análise das abordagens centradas no ser humano

49

software eram centrais no cenário competitivo. Ela diz que ainda que a abordagem seja

orientada à propósitos, desde o início são mapeadas as interações relacionadas à um produto

tecnológico específico e assim, fica difícil fugir dele.

É um sistema que centra em pensar pessoas, mas na construção de personas,

invariavelmente os estereótipos fazem com que elas sejam consideradas como indivíduos, e

assim muitos detalhes podem ficar invisíveis ao observador no momento da pesquisa. Mas, a

autora não deixa de pontuar que o Design de Interação foi uma mudança no paradigma do

desenvolvimento ao considerando as pessoas no cerne processo, tanto que deu origem à outras

metodologias como Casos de Uso em programação e o método Agile.

O principal output do processo de Cooper são princípios de design de interação que

demonstram como um sistema deveria se comportar ao interagir com as pessoas em diferentes

cenários. Cooper cita Bill Moggridge, sobre como o desenvolvimento tecnológico se pautou

em “ser gentil com os chips e cruel com os usuários”96

, o custo da evolução rápida da

tecnologia foi interações onde as pessoas não se reconhecem, não se sentem confortáveis, no

mínimo, não sentem que aquilo foi desenhado para elas. O Design de interação busca ir de

contra essa lógica, por meio da mudança do comportamento do software ao interagir com as

pessoas, indo além da interface: na maneira como os sistemas são construídos (ou

codificados).

Alan Cooper cita características universais que devem estar impressas nos códigos dos

softwares para que lhe confira mais ‘educação’ e assim permita interações mais humanas com

a tecnologia, carregadas de potencial cognitivo:

Software educado é interessado em mim

Software educado é diferenciado para mim

Software educado é para frente

Software educado tem bom senso

Software educado antecipa-se às minhas necessidades

Software educado é responsivo

Software educado é discreto sobre seus problemas

Software educado é bem informado

Software educado é perspicaz

Software educado é autoconfiante

Software educado mantém-se focado

Software educado é flexível

96

“be kind to chips and cruel to user”

Page 52: análise das abordagens centradas no ser humano

50

Software educado dá gratificação instantânea

Software educado é confiável (COOPER, 2004, p.162, tradução nossa97

)

A descrição do software educado de Alan Cooper é a descrição de uma máquina

humanizada, ou seja, está em um ecossistema com o propósito de interagir com seres

humanos e por isso busca compreendê-lo e agir com as características correspondentes ao que

se espera dele, e não o contrário.

Para Cooper, “a única coisa mais cara que escrever um software é escrever um mau

software” (2004, p.53), por isso as metodologias por ele propostas, seriam parte da evolução

dos negócios em tecnologia, uma vez que softwares construídos sob pontos de vistas

unilaterais são caros e falham.

É um jogo de entender o que é importante para as pessoas em determinado contexto e

considerar as soluções de negócios e tecnologia que se encaixam dentro do ecossistema. Ele

apresenta esse jogo, pela tríade:

Figura 11 - Equilíbrio entre Viabilidade Econômica, Factibilidade em Tecnologia e Desejo das Pessoas -

Modelo de Larry Keeley do Doublin Group apresentado por Cooper 98

Cooper diz que embora um produto possa ser uma tecnologia de sucesso e um bom

negócio, pode não ter a lealdade de seus usuários, como por exemplo a Microsoft; já a Apple

conseguiu ser um produto que as pessoas amam, mas não é a melhor tecnologia, do ponto de

vista técnico.

97

Polite software is interested on me / Polite software is diferential to me / Polite software is forthcoming / Polite

software has common sense / Polite software antecipates my needs / Polite software is responsive / Polite

software is taciturn about its personal problems / Polite software is well informed / Polite software is perceptive /

Polite software is self-confident / Polite software stays focused / Polite software is fudgable / Polite software

gives instante gratification / Polite software is trustworthy

98 COOPER, 2004, p.73

Page 53: análise das abordagens centradas no ser humano

51

Ainda que equilíbrio dessa tríade seja considerado utópico por algumas vertentes, tem

sido o principal termômetro de inovação, principalmente, se iniciados à partir das

necessidades das pessoas - ‘what people desire’ – “o que as pessoas desejam” no diagrama

acima.

3.2 DESIGN THINKING

Os membros da IDEO como Bill Moggridge99

e Tim Brown100

e a própria d-school101

em Standford popularizaram a intersecção entre design, tecnologia e negócios como modelo

de inovação e Design Centrado no Ser Humano102

representado sob o diagrama de Venn:

Figura 12 - Framework de Inovação apresentado por Bill Moggridge - a intersecção entre desejo das

pessoas, viabilidade econômica e factibilidade de desenvolvimento tecnológico.103

Para Moggridge, há sempre um enviesamento dependendo da lente sob a qual se

analisa os processos à partir do diagrama. Áreas de pesquisa ou tecnológicas direcionaria a

olhar primeiro a possibilidade de inovação, sob a lente da ‘tecnologia’ e depois de encontrar,

desenvolveria a proposição de negócios para que houvesse um investimento e por último

encontrar o mercado para esta inovação (pessoas interessadas). Já se a análise for feita pela

99

Criador de um dos primeiros modelos de laptop, um dos fundadores da IDEO e diretor do Cooper Hewitt

Design Museum de Nova York, autor de Designing Interactions.

100 Atual CEO da IDEO, autor de Change by Design.

101 Instituto de Design Thiking de Standford. http://dschool.stanford.edu/about/

102 Tradução de Human Centered Design - HCD.

103Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em

02.Setembro.2014

Page 54: análise das abordagens centradas no ser humano

52

lente de negócios, tende-se a começar vislumbrando primeiro a oportunidade de negócio, e

depois ir atrás da tecnologia e as pessoas para este serviço. Mas, pela lente do design, começa-

se pelas necessidades das pessoas representadas no diagrama, e depois disso buscam-se

soluções para desenvolvê-la por meio de modelos de negócios e tecnologia.

Para explicar a aplicação desta teoria, Bill Moggridge fala de tudo que pode ser

considerado design: de um edifício, a um livro, uma peça de moda, um laptop, uma

decoração, a construção de um espaço, um objeto temos em nossa cozinha até os complexos

artefatos tecnológicos que convivem conosco no dia a dia.104

Como exemplo de bom design, ele apresenta um protótipo futurístico Ultra-Mobile PC

experience da Intel105

onde a experiência com os objetos tecnológicos é pensada em cada

ponto de contato, as pequenas interações, ao final proporcionam um serviço único. Bill

Moggridge explica que cada item dessa experiência é uma oportunidade de design, e, mais do

que performarem uma função específica própria, é importante considerar como eles estão

conectados entre si para proporcionarem uma experiência para alguém.

Como exemplos de mau design ele cita o clássico exemplo dos controles remotos

complexos - forçam as pessoas a executarem tarefas que não estão claras para elas, os passos

são confusos, há uma complexificação da experiência interativa. A sensação que fica é de que

o processo não foi testado com pessoas reais, considerando um momento de uso real.

Figura 13 - Exemplo de Bill Moggridge de interações complexificadas nos controles remotos de televisão -

isso levaria as pessoas a fazerem adaptações para que as funcionalidades estejam claras106

104

Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em

02.Setembro.2014

105 Intel Ultra-Mobile PC experience (UMPC). Disponível em: http://youtu.be/HrzeiUvDZog. Acesso em

02.Setembro.2014

106 MOGGRIDGE, 2007.

Page 55: análise das abordagens centradas no ser humano

53

Para Moggridge isso acontece porque existe uma separação tecnológica. Há pessoas

desenvolvendo os celulares, pessoas desenvolvendo websites e totalmente desconectado à

isso, pessoas que desenvolvem os softwares e aplicativos para esses celulares.

Para se criar um bom design, Moggridge afirma que é necessário um processo, cujo o

início é entender as pessoas: “Os fatores chave no Processo de Design são o entendimento

das pessoas e a Prototipação”107

Stefanie Di Russo, PhD na Universidade de Swinburne, tem pesquisado quais seriam

as escolas de design108

que deram origem ao Design Thinking, abordagem popularizada pela

IDEO e d-school, e que vem se consolidando em algumas áreas de prática como modelo de

pesquisa, design e inovação nas empresas. Pela evolução da metodologia projetual que a

autora apresenta, é possível visualizar a construção do processo de design centrado no ser

humano ao longo dos anos.

Ela faz o levantamento de teorias que consideravam os fatores humanos na forma de

um sistema projetual de pensamento. Na primeira onda que seria entre os anos 1960 e 1980 -

ela discorre sobre a teoria de Hebert Simon, da área de inteligência artificial, ele caracterizava

o design como um processo cujo objetivo era melhorar os ambientes artificiais até chegarem

ao nível de “ambientes preferidos” 109

. Para ele, o mundo é uma construção artificial, repleta

de objetos não naturais criados pelo homem, nem o cérebro humano nem os computadores são

capazes de compreender as complexidades desse ambiente; então o que o designer deve fazer,

por meio de um processo, é buscar a satisfação, testando as soluções até encontrar o modelo

mais satisfatório (prototipação e teste). Para isso é necessário compreender as diferenças entre

os stakeholders, e como os problemas são entendido por eles, o processo tem que ser aberto e

envolvente, sem objetivos finais pé definidos, é um processo vivo.

Também na década de 70, Victor Papanek, designer industrial, começou a desenvolver

as teorias do design sustentável. Em sua obra “Design for the real world: human ecology and

social change” de 1972 ele fala que “projetos de design recentes tem satisfeito apenas

necessidades passageiras e desejos, enquanto as verdadeiras necessidades do homem são

107

“The Key factors in the Design Process are Understanding People and Prototyping” In: Bill Moggridge. What

is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em 02.Setembro.2014

108Stepnanie Di Russo. A brief history of design thinking. Disponível em

<http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/03/31/a-brief-history-of-design-thinking-the-theory-p2/> Acesso em

10.Setembro.2014.

109 “preferred ones”

Page 56: análise das abordagens centradas no ser humano

54

frequentemente negligenciadas” 110

- ele também buscava uma simplificação da

complexidade do mundo por meio do design das coisas do mundo.

Na segunda onda, de teorias que datam entre os anos 1980 e 1990, ela apresenta

Richard Buchanan, que de fato usa o termo ‘design thinking111

’: “Design Thinking é restrito a

algumas pessoas que praticam a disciplina com insights diferenciados e algumas vezes

avançam para novas áreas e aplicações inovadoras” 112

(BUCHANAN 113

apud DI RUSSO,

tradução nossa). E a forma como define design é próxima do que o design thinking da IDEO e

a prática de design de serviços buscam:

Design está diretamente envolvido com:

1. Comunicação simbólica e visual

2. O design de objetos materiais

3. Atividades e serviços organizacionais

4. O design de um ambiente complexo para viver, trabalhar, jogar e aprender.

(BUCHANAN apud DI RUSSO, tradução nossa)114

Outra grande referência de modelo projetual que teria originado o Design Thinking,

segundo Di Russo, seria o Design Participativo - Participatory Design – um modelo

considerado político - o cerne de sua ideologia está na democracia clássica, desde Platão, que

busca o desenvolvimento de uma sociedade harmônica por meio do envolvimento das pessoas

que fazem parte dela. Segundo Paizan e Mellar115, este modelo surgiu nos países Escandinavos

na década de 1960, em discussões sobre como as práticas de design democráticas poderiam

ser introduzidas no setor industrial. Nos anos 80, segundo Di Russo, o desenvolvimento do

design participativo foi mesclando-se ao design de interação, ao ser integrado em sistemas de

desenvolvimento tecnológico.

110

“recent design has satisfied only evanescent and desires, while the genuine needs of man have often been

neglected.”

111 Design Thinking pode ser traduzido como “modelo de pensamento do design” ou “pensar como o designer”,

mas neste estudo, vamos manter a grafia original tal qual é conhecida e usada no mercado brasileiro.

112 “Design thinking is mastered by a few people who practice the discipline with distinctive insight and

sometimes advance in to new areas of innovative application.”

113 BUCHANAN, 1998. p.8

114 Design is directly envolved: 1. Symbolic and visual communication / 2. The design of material objects / 3.

Activities and organized services / 4. The design of complex systems or environments for living, working,

playing and learning

115 PAIZAN, D. C.; MELLAR, H. G. Envolvendo os alunos no design de tecnologia educacional: aprendendo

com o design participativo. Estudos Linguísticos e Literários: saberes e expressões globais, Foz do Iguaçu, 2011.

apud CAMARGO E FAZANI, p.140

Page 57: análise das abordagens centradas no ser humano

55

Assim como o Design Thinking, este modelo procurar integrar todos os envolvidos no

ciclo de vida de um produto na concepção de novas soluções e transformações do mesmo.

CHICK E MICKLETHWAITE descrevem o design participativo como uma abordagem

focada nos processos e procedimentos de projetar em busca de modelos sustentáveis:

Para alguns, essa abordagem tem uma dimensão política de empoderamento do

usuário e democratização do design. Praticantes do design participativo

compartilham a visão de que cada participante do projeto é um especialista no que

faz, todos possuem informações valiosas do que podemos aprender e a voz de todos

precisa ser ouvida. Passar tempo com os usuários em seus ambientes, ao invés de

projetar abstratamente em outro espaço, é uma importante parte do desing

participativo […]

O design participativo se propõe a envolver todos os interessados (empregados,

consumidores, cidadãos usuários finais) no processo de design, o objetivo é

assegurar que a solução final atenda às necessidades atuais e seja utilizável para o

público alvo. (CHICK E MICKLETHWAITE, 2011, p.45-47, tradução e grifo

nosso)116

Este modelo também é apresentado no estudo de Susan Gasson117

sobre as abordagens

centradas nos usuários versus as abordagens centradas no ser humano, como já vimos

anteriormente, ela explica que as abordagens centradas no ser humano, em uma visão

sociológica, consideram que dois sistemas competem e se complementam: o sistema social

formado pelas interações, atividades, necessidades, propósitos e conhecimentos humanos e o

sistema técnico formado pelos processos tecnológicos e de produção, gerenciados por

indicadores de desempenho118,

cabe aos processos centrados no ser humano equilibrar essas

forças para o lado social:

A perspectiva socio-técnica é mais evidente na literatura que analisa a prototipação e

o design participatório. Essa área de prática se atenta explicitamente para negociar

com “mundos múltiplos”. […] Nos sistemas de informação os interessados estão

em uma posição podem negociar seus requerimentos do SI em cerca de um

projeto de design – o protótipo do sistema de Tecnologia da Informação, ou

protótipo do sistema de trabalho. (GASSON, 2003, p.34, tradução nossa)119

Desenvolvimento participativo tem maior potencial de ser politicamente disruptivo e

controverso do que as formas tradicionais de desenvolvimento de sistemas (não

116

For some, this approach has a political dimension of user empowerment and design democratization.

Participaroty design practioniers share the view that every participant in a project is an expert in what they do,

has valuable insights we can learn from and has a voice that needs to be heard. Spending time with users in their

own enviromments, rather than working on a project abstractly in another space, is another important part of the

participatory design. […] participatory design attempts to actively involve all stakeholders (employees,

customers, citizens end-uses) in the design process, with the aim of ensuring that the end solution meets actual

needs and is usable by intended audience.

117 GASSON, 2003

118 ibidem, p.31

119“The socio-technical perspective is most apparent in the literature analysis of prototyping and participatory

design. This area of work explicitly attempts to deal with the "multiple worlds"[…] Information System

stakeholders are placed in a situation where they can negotiate their requirements of an IS around a design

exemplar - a prototype Information Technology system, or a prototype work-system.”

Page 58: análise das abordagens centradas no ser humano

56

participativa), porque envolvem uma ampla variedade de interesses, diferentes

objetivos e perspectivas sobre a forma que a organização deveria funcionar e sobre

como as responsabilidades mudariam. (Howcroft and Wilson, 2003; Winograd, 1996

apud GASSON, 2003, p.34, tradução nossa)120

Figura 14 - Interessados contemplados em um processo de design participativo

121

Design Centrado no Usuário, para Di Russo é uma evolução do Design Participativo,

nas décadas 80-90, criada por Donald Norman. Segundo a autora, o Design Participativo

algumas vezes falhava em considerar as intenções e desejos das pessoas e inclui-las no

processo, por meio do Design Centrado no Usuário, Norman devolveu esse controle às

pessoas, deixando ‘as coisas visíveis’, criando metodologias que buscavam garantir que as

necessidades dos usuários fossem vistas e atendidas.

O Design de Serviços evoluiu na parte do entendimento do ambiente como um todo,

uma vez que buscava não apenas observar e testar uma parte da interação, mas entender como

e o que as pessoas fazem com um produto (ou serviço), na sua jornada e experiência de

contato com os mesmos. Além disso, o design de serviços procura incluir não apenas os

usuários finais, mais todos os interessados envolvidos no processo, numa perspectiva

holística.

Então, nos anos 90 começam as abordagens de Design Centrado no ser Humano

(DCH), considerando design como uma forma de pensamento, que se propõe humanizar os

processos, produtos e serviços, criando empatia com os interessados.

120

“Participatory development has more potential to be politically disruptive and contentious than traditional

(non-participatory) forms of system development, because it involves a wide variety of interests, with differing

objectives and perspectives on how organizational work and responsibilities should change”

121 Disponível em <http://participateindesign.org/about/participatory-design/> Acesso em 10.Setembro.2014.

Page 59: análise das abordagens centradas no ser humano

57

Figura 15 - Diferenças entre Design de Serviços e Design Centrado no Ser Humano - O segundo, busca o

empoderamento da comunidade por meio de um processo colaborativo e co-criativo.122

Para resumir as linhas de pensamento e metodologias projetuais que chegaram ao

Design Thinking como Design Centrado no Ser Humano, Di Russo ilustrou as evoluções de

forma circular, e segundo ela, o design thinking como prática e processo de design tende para

ser analisado também cientificamente, como exemplo ela mostra os estudos que os relaciona a

outras áreas, como alguns feitos em Standford.123

122

Stefanie Di Russo, PhD at Swinburne University. A brief history of the design thinking. Disponível em

<http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/06/08/a-brief-history-of-design-thinking-how-design-thinking-came-

to-be/> Acesso em 10.Setembro.2014

123Mark Schar. Pivot thinking: the neuroscience of design. Standford online. Disponível em:

<http://youtu.be/SyXdO-vksIc> Acesso em 10.Setembro.2014.

Page 60: análise das abordagens centradas no ser humano

58

Figura 16 - A evolução do design centrado no ser humano até a emergência do design thinking como

modelo de pensamento projetual na contemporaneidade 124

“Todos os homens são designers” disse Victor Papanek (1984, p.3, tradução nossa)125

,

quando sustentava que de alguma forma toda a sociedade tem a responsabilidade sobre o

mundo que está sendo criado. O Design Thinking não diz que todos os homens são designers,

mas que todos são capazes de se apropriar do modo de pensamento dos projetistas para

inovar e buscar novas soluções. Dentro do universo do design thinking o design é uma

atitude, não uma profissão, o design não pertence apenas aos designers126

.

124

Stefanie Di Russo, PhD at Swinburne University. A brief history of the design thinking. Disponível em

<http://ithinkidesign.wordpress.com/2012/06/08/a-brief-history-of-design-thinking-how-design-thinking-came-

to-be/> Acesso em 10.Setembro.2014

125 “All men are designers”

126 CHICK e MICKLETHWAITE, 2011.

Page 61: análise das abordagens centradas no ser humano

59

Tim Brown, a partir de um artigo da Harvard Business Review127

começou a

popularizar os métodos do design thinking como forma de resolver problemas e criar

inovações capazes de mudar o mundo. Segundo ele, é uma abordagem que pode integrar

economia e tecnologia, mas começa sempre com uma necessidade humana, ou algo que pode

vir a ser. O que faz a vida das pessoas mais fácil? O que faz a tecnologia mais útil e mais

utilizável?128

É uma evolução da ergonomia, fatores humanos e usabilidade, pois não se trata apenas

de colocar os botões no lugar certo, mas também compreender a cultura e o contexto antes

de começar a ter ideias.129

De resolvedor de problemas à definidor de problemas […] As ideias por trás do

design thinking surgiram de métodos que são comuns à todas as áreas do design,

seja industrial, gráfico, de interiores ou qualquer outra profissão de design. Opera do

princípio básico que constitui o processo que talvez possa ser expressado como: o

modo como os designers abordam os problemas para alcançar as soluções.

Designers frequentemente veem a si mesmos como resolvedores de problemas mais

do que farejadores de problemas. Projetos de sucesso, entretanto, vêm de um

entendimento profundo do problema que requer solução, chegando ao ponto de

estender ou reconfigurar o problema em si. Os designers mais bem sucedidos tentam

descobrir as premissas inerentes a configuração de um problema, e exploram novas

maneiras de pensar sobre o problema em si. (CHICK and MICKLETHWAITE,

2011, p.38-39, tradução nossa)130

Para pensar como um designer, Tim Brown lista algumas características que as

pessoas precisam desenvolver para aplicar no processo de Design Thinking: 1) Empatia:

capacidade de imaginar o mundo a partir de diferentes perspectivas. Colocando as

sempre pessoas em primeiro lugar, consegue pensar em soluções que surgem das necessidades

do outro, estejam ela explícitas ou latentes. 2) Pensamento Integrado: Conseguir enxergar

as múltiplas facetas de um problema (não apenas isso ou aquilo), dessa forma são capazes

de criar soluções que vão além de apenas melhorias das soluções existentes. 3) Otimismo:

Assume que não importa o quanto desafiador possa parecer um problema, sempre haverá

soluções melhores do que as existentes. 4) Experimentalismo: O espírito do designer

127

BROWN, Tim.Design thinking. Harvard Business Review, June, 2008. p.84-95

128Tim Brown: Designers -- think big! Ted Global 2009 Disponível em:

http://www.ted.com/talks/tim_brown_urges_designers_to_think_big#_=_ Acesso em 02.Setembro.2014

129 ibidem

130 A From problem-solving to problem setting.[…]The ideas behind design thinking emerged from methods that

are common to nearly all design fields, be it industrial, graphic, interior or any design profession. These basic

operating principles constitute a process that might be expressed most simply as: the way designers approach

problems and achieve solutions. Designers often think of themselves as problem-solvers rather than problem-

finders. Sucessful design outcomes, however, come from a deep understanding of the problem requiring

solution, even to the extent of reframing the problem itself. The most successful designers attempt to uncover the

assumptions in as given statement of a problem, and to explore new ways of thinking about the problem itself.

Page 62: análise das abordagens centradas no ser humano

60

thinker é de sempre buscar novas maneiras e outras direções para resolver problemas. 5)

Colaboração: Com a complexidade crescente de produtos, serviços e sistemas, ficou comum

o mito do designer genial, as melhores equipes de inovação, no entanto , são

multidisciplinares e formadas por profissionais que tem facilidade de construir soluções de

maneira colaborativa.131

A missão do Design Thinking, segundo Brown, é traduzir as observações de como as

pessoas interagem com produtos, serviços ou ambientes - considerando fatores cognitivos e

emocionais - em insights e transformar esses insights em novos produtos, serviços ou

ambientes. Busca satisfazer tanto necessidades quanto os desejos das pessoas, explícitos e

latentes. Segundo Brown132

, geralmente é a conexão emocional com produtos e serviços que

engaja as pessoas, casos de sucesso tem um apelo ao mesmo tempo funcional e emocional,

“eles cumprem seu papel e as pessoas os amam” (BROWN, 2008, p.92, tradução nossa)133

O processo de Design Thinking consiste em aplicar o pensamento convergente e

divergente, em diferentes momentos, que Brown refere como ‘criar escolhas’ e ‘fazer

escolhas’, aprender sobre a solução construindo-as (“learning by doing”), por isso é tão

importante a prototipação das ideias e teste com as pessoas.

Figura 17 - Alternância entre o pensamento convergente e divergente no design thinking - em

determinados momentos do processo cria-se possibilidades de escolhas, em outros faz-se escolhas134

Segundo Mark Schar, neurocientista que faz uma análise da metodologia processual

do Design Thinking135

, a parte do cérebro que faz os humanos tomarem as decisões não é

131

“Designer Thinker´s Profile” no artigo da HBR - BROWN, 2008, p.86

132 BROWN, 2008, p.92

133 “they do the job and we love them”

134BROWN, 2009, p.67

Page 63: análise das abordagens centradas no ser humano

61

ligada totalmente à linguagem, de alguma forma a parte ligada à emoção no cérebro,

sentimentos e sentidos inconscientes, influenciam fortemente nas ‘boas’ decisões. Por isso, é

importante invocar o lado emocional, buscar a empatia, o lado humano, a inteligência

emocional e criatividade também nos momentos convergentes do processo. Não é só uma

questão de resolver o problema, segundo ele, mas resolver o problema certo.

A criatividade como qualidade do design para criar oportunidades e fazer escolhas é

citada também por Bill Buxton:

Design é uma escolha, e há dois momentos onde se tem espaço para a criatividade:

1. a criatividade que você traz enumerando opções sifnificativas para escolher

2. a criatividade que você traz por definir os critérios, as heurísticas, de acordo

com as quais você faz as escolhas. (BUXTON, 2007, p.145, tradução nossa)136

Considerando o processo de design thinking propagado pela IDEO e d-school, existem

três etapas principais, que Brown chama de Inspiração (Hear-Entender), Ideação-(Create-

Criar) e Implementação (Deliver-Prototipar e Entregar).

Figura 18 - Duplo Diamante representando o processo do Design Thinking - Três etapas básicas: entender,

criar e entregar, cinco metodologias chaves: criar empatia, definir (o problema a ser resolvido), idear sobre

possíveis soluções para este problema, criar protótipos das soluções, testá-las com as pessoas e chegar à soluções

mais refinadas.137

Design thinking como um processo exploratório. Design thinkers sabem que não há

resposta certa para o problema. Em vez disso, eles argumentam por meio de

sequências não lineares, um processo de design iterativo chamado inspiração,

135

Mark Schar. Pivot thinking: the neuroscience of design. Standford online. Disponível em:

<http://youtu.be/SyXdO-vksIc> Acesso em 10.Setembro.2014.

136 Design is choice, and there are two places where there is room for creativity: 1. the creativity that you bring to

enumerating meaningfully distinct options from which to choose. 2. the creativity that you bring to defining the

criteria, or heuristics, according to which you make your choices.

137 Visualização do modelo de design thinking da d-school de Standford, disponível em:

<http://designthinking.co.nz/> Acesso em 12.Setembro.2014.

Page 64: análise das abordagens centradas no ser humano

62

ideação e implementação, o processo de design converte problemas em

oportunidades. (BROWN apud KIMBELL, 2011, p.294, tradução e grifo nosso)138

Este processo não é totalmente linear e as primeiras etapas são marcadas por

incertezas, que são exatamente as experimentações e busca de soluções não comuns para os

problemas, por meio de um entendimento das pessoas.

Figura 19 - Adaptação do modelo de Design Thinking de Standford e modelo do processo de design de

Damien Newman - Iniciam-se por etapas de incertezas para depois aproximar-se de clareza e foco, adaptação

feita por Verena Pessim139

As primeiras etapas são momentos exploratórios, onde não é necessário ter certezas,

mas sim buscar fazer as perguntas certas. É o momento de compreender as minúcias do

ambiente e definir o problema que deve ser resolvido. Para fazer design centrado no ser

humano, Bill Moggridge140

diz que é necessário fazer design para os outros, e para isso há

muitas técnicas para ENTENDER o outro, é necessário observar, entrar em seu mundo,

provavelmente muitas de suas necessidades as pessoas não vão expressas em uma entrevista

(ou em um teste de usabilidade), é preciso observar como as pessoas fazem e usam as

coisas em suas volta, no contexto real, para ter EMPATIA é necessário preciso que o

138

BROWN, Tim. Change by design , 2009.“Design thinking as an exploratory process. Design thinkers know

there is no right answer to a problem. Rather, he argues through following the non-linear, iterative design

process that he calls inspiration, ideation, and implementation, the design process can convert problems into

opportunities.”

139 Arquivo pessoal. Confira: www.verenapessim.net

140Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em

02.Setembro.2014

Page 65: análise das abordagens centradas no ser humano

63

designer e o pesquisador sintam como as coisas funcionam, interajam com elas, testando,

sempre que possível.

No kit de ferramentas da IDEO141

esta etapa é descrita como momento de identificar

um desafio estratégico para o projeto, para isso é preciso determinar quem vai ser

abordado, ganhar empatia, colher histórias, interagir com as pessoas, ouvir propósitos,

objetivos, observar a realidade, buscar um entendimento profundo das necessidades, barreiras

e restrições. São utilizados métodos qualitativos como imersões contextuais, entrevistas em

profundidade, entrevistas em grupo, entrevista com especialistas, diários de jornada,

descobertas guiadas pela comunidade.142

A próxima etapa seria CRIAR, definir objetivos: é um processo intermediário de

síntese e interpretação das informações com o filtro do desejo e necessidade das pessoas em

mentes. Na análise, os dados são organizados e agrupados, identificam-se padrões, são

definidas oportunidades para criar soluções, direções estratégicas e soluções tangíveis para

problemas encontrados, ainda não definidos completamente do ponto de vista tecnológico ou

de negócios. São feitas estruturas visuais de análise como diagrama de venn, mapa processual,

e matrizes.

141

IDEO. HCD - Human Centered Design: Kit de ferramentas. 2.ed. s.d. Disponível em: <https://hcd-connect-

production.s3.amazonaws.com/toolkit/en/portuguese_download/ideo_hcd_toolkit_complete_portuguese.pdf>

Acesso em 10.Setembro.2014.

142 IDEO, ibidem, p.29

Page 66: análise das abordagens centradas no ser humano

64

Figura 20 - Exemplos de estruturas visuais analíticas utilizadas no processo de Design Thinking 143

Na criação são identificadas áreas de oportunidade a partir de onde se iniciam

brainstorms de novas soluções e as ideias são representadas por meio de storyboards ou

protótipos. O objetivo dos protótipos, segundo Brown (2008, p.87), não é ser definitivo, o

propósito seria aprender sobre as forças e fraquezas de uma solução e identificar novas

direções que o protótipo pode tomar, por isso ele não precisa ser complexo e caro, mas sim

representar como um novo produto, sistema ou serviço interagiria em um sistema para

entender como ele resolveria algum problema.

Protótipos são para ser testados com as pessoas, David Kelley144

afirma que design

centrado no ser humano envolve projetar comportamentos e personalidades nos produtos,

143

IDEO, s.d., p.70

Page 67: análise das abordagens centradas no ser humano

65

e por isso, a IDEO substituiu protótipos em 3D por protótipos em movimento, que buscavam

simular a experiência do homem com a tecnologia, é o feedback desta interação que um

teste com protótipos no Design Thinking busca trazer.

A última etapa seria a IMPLEMENTAÇÃO, o objetivo é tornar as soluções viáveis,

aplicando a lente de negócios e tecnologia. Tim Brown145

diz que é o momento de combinar

ideias de incrementais de resultados a curto e médio prazo, e ideias inovadores de

desenvolvimento e impacto em longo prazo.

Para David Kelley146

, a mediocridade é o preço mais caro que uma empresa pode

pagar, a inovação traz novas perspectivas, novas formas de ganhar dinheiro - é o equilíbrio de

explotation e explorarion147

. Segundo ele:

As empresas vivem dentro da caverna do mito de Platão. Os executivos passam

horas em frente a um computador e falam com as mesmas pessoas. Eles só veem

sombras, não a realidade. Em vez de ir a mais uma reunião, deveriam estar na rua

com quem usa o produto ou serviço que oferecem.

É no campo que as grandes ideias surgem. As empresas costumam ter uma grande

ideia e depois vão procurar entender como as pessoas lidaram com ela. Quando

começamos um projeto pelo lado humano, não precisamos estudar se as pessoas

vão querer aquilo, porque tudo já partiu do desejo de quem usará.

(KELLEY, 2014, entrevista, grifo nosso)148

Para Tim Brown, a mudança proporcionada pelo design thinking é a mudança do

próprio mundo que vivemos, ao centrar os projetos nos seres humanos, o próprio ambiente se

transforma:

Hoje nós temos a oportunidade de liberar o poder do design thinking como um meio

de explorar novas possibilidades, criar novas escolhas, e trazer novas soluções para

o mundo. No processo, nós podemos acabar descobrindo que nossa sociedade está

mais saudável, nossos negócios estão mais lucrativos e nossas próprias vidas estão

mais ricas e significativas. (BROWN apud CHICK e MICKLETHWAITE, 2011,

p.35, tradução nossa)149

144

David Kelley - Human-centered design. Disponível em:

<http://www.ted.com/talks/david_kelley_on_human_centered_design> Acesso em 10.Setembro.2014.

145 BROWN, 2008, p.91

146Quer inovar? Vá para a rua. Entrevista com David Kelley Revista Exame.03.Maio.2014. Disponível em:

<http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1064/noticias/quer-inovar-va-para-a-rua?page=1> Acesso em

12.Setembro.2014

147James G. March (1991) Exploration and exploitation in organizational learning, Apud. Kimbell, 2011, p.294.

148Entrevista Revista Exame, op. cit.

149 BROWN, Tim. Change by design, 2009, p.230 - “Today we have opportunity... [to] unleash the power of

design thinking as a means of exploring new possibilities, creating new choices, and bringing new solutions to

the world. In the process, we may find that we have made our societies healthier, our business more profitable,

and our own lives richer and more meaningful”

Page 68: análise das abordagens centradas no ser humano

66

Bill Moggridge afirma que a próxima expansão no design é da criação para

indivíduos para o design de ambientes e o design do mundo em que vivemos, de forma

mais ampla. Os produtos pessoais expandem-se para saúde e bem estar, vendo as pessoas de

uma forma mais completa, holística, ao mesmo tempo é cada vez maior a busca por um

design que consiga impactar a sociedade, que traga mudanças sociais significativas, o design

está chegando para pessoas e áreas que até então eram desconsideradas.

Figura 21 - Expansão do design na visão de Bill Moggridge - indo do individual para o social e para o meio

ambiente, a busca pelo Design para Impacto e Inovação Social150

Tanto David Kelley151

como Tim Brown152

comentam sobre o movimento de inovação

social que a IDEO se propõe a fomentar, o próprio Kit de Ferramentas153

foi pensado para

desenvolver projetos em países em desenvolvimento, que busquem a sustentabilidade para

pessoas na base da pirâmide, que vivem com menos de 2 dólares por dia.

Na visão de Moggridge, sustentabilidade antes era associada a selecionar materiais

biodegradáveis, isso continua sendo necessário, mas há um entendimento global que emerge

sobre a sustentabilidade como um contexto de expansão de sociedade humana.

O Design Thinking estabelece-se do princípio ao fim como uma abordagem projetual

centrada no ser humano, as críticas que rondam esse modelo residem em dois pontos, um,

como aponta Gasson é a dificuldade na prática dos modelos de design participativo, como

o design thinking, realmente considerarem a visão de todos os interessados, uma vez que

150

Bill Moggridge. What is Design?. Disponível em: http://youtu.be/cOx_Zx95hxM. Acesso em

02.Setembro.2014

151David Kelley - Human-centered design. Disponível em:

<http://www.ted.com/talks/david_kelley_on_human_centered_design> Acesso em 10.Setembro.2014.

152Tim Brown: Designers -- think big! Ted Global 2009 Disponível em:

http://www.ted.com/talks/tim_brown_urges_designers_to_think_big#_=_ Acesso em 02.Setembro.2014

153 IDEO, 2.ed. s.d.

Page 69: análise das abordagens centradas no ser humano

67

os projetos são submetidos a interesses de outras lentes. “Visão dos usuários são

frequentemente inaquedamente representadas por restrição de custos, ou falta de apreciação

da importância da perspectiva dos usuários” (Cavaye, 1995 Apud Gasson, 2003, p.35,

tradução nossa)154

- as escolhas de quais usuários vão participar e mesmo o escopo do novo

sistema são sempre submetidos à uma organização. E, por outro lado, alguns críticos tratam

da dificuldade de prototipação de algumas equipes de design, que muitas vezes não chegam

até esta fase do processo, um problema de aplicação metodológica.

Para inovar realmente é preciso amadurecimento cultural da organização que utiliza o

Design Thinking, como Alan Cooper155

disse, a maior contribuição que o design centrado no

ser humano pode dar uma organização é incentivá-la à quebrar as regras existentes, ir além,

transpor as fronteiras.

3.3 MARKETING 3.0

Gary Hamel156

e um grupo de pensadores e executivos como C.K. Prahlad157

, Peter

Senge158

, John Mackey (Whole Foods), Tim Brown (IDEO) e outros se reuniram no final de

2008 para falar sobre os novos rumos dos negócios frente às emergentes mudanças

econômicas e sociais, eles lançaram uma lista com 25 desafios para que as empresas

tornarem-se relevantes neste novo cenário, no que seria chamado de administração 2.0., com

propostas em longo prazo.

As ideias foram reunidas sob um artigo da Harvard Business Review159

entitulado

“Moon Shots for management” - “Metas na Lua para Gestão”, primeiro desafio listado seria

154

“User views are often inadequately represented because of cost constraints, or a lack of appreciation of the

significance of users' perspectives”

155Alan Cooper: Talking Business and Design. Disponível em: https://vimeo.com/98943932 Acesso em

30.Agosto.2014

156 Especialista em administração, autor de bestsellers como "Liderando a revolução", "O futuro da

administração" e "Competindo pelo futuro" (escrito em parceria com C.K. Prahalad)

157 Doutor em Administração por Harvard, professor titular de estratégia corporativa do programa de MBA da

Universidade de Michigan, conselheiro do governo indiano para empreendedorismo. Autor de “The

multinational mission: balancing local demands and global vision”, “Competindo pelo futuro”, com Gary

Hamel, “O futuro da competição” e “A riqueza na base da pirâmide”

158 Autor de “A quinta disciplina”, sobre aprendizado e aprimoramento das organizações.

159 HAMEL, Gary. Moon Shots for management. Harvard Business Review. Fev.2009. Disponível em:

<http://www.denewnormal.nl/wp-content/uploads/2013/02/plugin-MoonShotsForManagementGaryHamel-

2.pdf> Acesso em 12.Setembro.2014.

Page 70: análise das abordagens centradas no ser humano

68

“Assegurar que a administração sirva à um propósito maior”160

(GARY, 2009, p.2, tradução

nossa), isto é, a gestão do futuro deve se voltar para metas nobres, socialmente significantes e

relevantes.

O propósito tem sido considerado o quinto “P” do Marketing, se integrando aos 4

tradicionais (Praça, Preço, Produto, Promoção), isso porque, cada vez mais, os valores

propagados pela empresa afetam inclusive a percepção da marca pelos consumidores.161

Em uma perspectiva menos ampla, a edição de Julho-Agosto de 2014 da Harvard

Business Review162

abordou o reposicionamento do marketing na atual conjectura

socioeconômica, segundo ARONS e WEED (2014) a forma como os profissionais de

marketing envolvem-se com seus clientes mudou profundamente,163

são necessárias cada vez

mais habilidades como capacidade de promover o insight dos clientes finais, comunicar

objetivos sociais e proporcionar experiências diferenciadas, as empresas utilizando dados

dos consumidores de maneira mais refinada conseguem aproximação mais efetiva com seus

público.

Saber o que o consumidor está fazendo, onde e quando, é atualmente a grande

cartada. Em nosso estudo, profissionais de alto desempenho se distinguem por sua

capacidade de integrar informação sobre o que os clientes estão fazendo com por

que estão fazendo, o que leva a novos insights sobre as necessidades do cliente e

qual a melhor forma de satisfazê-las. Esses profissionais entendem as necessidades

básicas dos clientes — como o desejo de ter sucesso, encontrar um companheiro (a)

e alimentar um filho —, motivações que chamamos de “verdades humanas

universais”. (Marketing 2020 conduzido por EffectiveBrands apud ARONS e

WEED, 2014, s.n., grifo nosso)

Em outro artigo da mesma edição - “Desvende os mistérios do relacionamento com o

cliente” - Fournier, Wittenbraker e Avery abordam a complexidade nos CRM´s164

das

empresas ao utilizarem dados dos usuários para gerarem interações significativas com os

clientes. Por mais informações que estejam disponíveis por meio dos softwares de

processamentos de dados, falta inteligência relacional, ou seja, entender o que o cliente

160

“Ensure that the work of managmente serves a higher purpose”

161 Relatórios da Edelman sobre percepção dos consumidores revela que o propósito social da marca é um fator

de decisão no momento de compra, cada vez maior. Disponível em:

<http://www.repensecomunicacao.com.br/blog/proposito-o-quinto-%E2%80%9Cp%E2%80%9D-de-

marketing/> e <http://purpose.edelman.com/slides/introducing-goodpurpose-2012/> Acesso em

12.Setembro.2014.

162Pensa - Sinta - Faça: Os novos princípios do marketing. Harvard Business Review. Julho-Agosto de 2014.

Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/revista/julho-2014>. Acesso em 13.Setembro.2104

163 Marketing 2020 conduzido por EffectiveBrands apud ARONS e WEED, 2014.

164 Customer relationship management - Área de Gestão de Relacionamento com o Cliente

Page 71: análise das abordagens centradas no ser humano

69

espera da marca - qual é a promessa que eles ‘compraram’ - qual é a expectativa desse

relacionamento. Na verdade há uma pluralidade de relacionamentos possíveis e as minúcias

vão se adequar à essas expectativas e ao propósito das pessoas ao envolver-se com a marca

por meio de um produto ou serviço, e, os aspectos funcionais e emocionais dessa relação

determinam também se ela pode ser desde ‘amigos’ até ‘conhecidos’.

Figura 22 - Análise de empresas que avançaram na gestão de relacionamentos das empresas com os

clientes165

Uma profissional liberal altamente influente, reconhecida por um varejista online

como uma cliente fidelizada, tenta repetidamente explicar por que está frustrada com

a política da empresa de exigir sua assinatura na entrega de mercadorias, que

inevitavelmente chegam no meio do dia, quando ela não está em casa. A ideia de

que a empresa deseja manter um estreito relacionamento com ela é frustrada por

interações inúteis com executivos que se recusam a flexibilizar essa prática. Um

deles finalmente faz uma tentativa inócua de “resolver” o problema oferecendo-lhe

um vale-brinde de US$ 200. Ela acaba cancelando um novo pedido no valor de US$

7 mil. (FOURNIER, WITTENBRAKER e AVERY, 2014, s.n.)

Segundo os autores, as empresas precisam se empenhar em entender o tipo de

relacionamento que é esperado e mesmo o tipo de relacionamento que ela quer instigar e a

partir disso envolver as pessoas por meio da experiência com toda a cadeia de contato com o

produto e serviço. Eles citam o exemplo do Pinterest166

, que encontrou formas de evoluir no

relacionamento com os usuários por meio da evolução do valor proporcionado pela

experiência de interação com o produto, primeiro um relacionamento de ‘casos passageiros’,

onde as pessoas descobriam coisas novas aleatoriamente, depois passando a ‘conhecidos

165

Fournier, Wittenbraker e Averym., HBR, 2014

166 Rede social de compartilhamento de imagens. http://www.pinterest.com/

Page 72: análise das abordagens centradas no ser humano

70

fortuitos’ quando encorajava as pessoas a se conectarem com outros usuários por meios de

interesses em comuns, e, a medida que expandem suas conexões no sites, o relacionamento

muda de ‘conhecidos casuais’ para ‘colegas de turma’.

Relacionamentos com os clientes, para os autores, tem que ser entendido com um

bem de longo prazo, e ainda segundo o estudo de Arons e Weed marcas fortes oferecem

vantagens funcionais - harmonia entre o que o cliente compra e a marca produz, vantagens

emocionais - como a marca satisfaz as necessidades emocionais dos clientes e vantagens

sociais: como ela contribui para a sustentabilidade do ecossistema.

Em “Marketing 3.0.”, Philip Kotler (2010) desenvolve o conceito do marketing

centrado no ser humano, que segundo ele ganha relevância com a nova ordem econômica

mundial e a ascensão do mundo digital.

Segundo Kotler (2010), a primeira onda do marketing, o Marketing 1.0. era centrado

no desenvolvimento do produto, tinha uma característica funcional, a interação era de um

para um, era o marketing vigente na era industrial, os produtos buscavam atingir o mercado de

massa e eram padronizados e produzido em escala, buscando reduzir custos de produção.

Kotler, para resumir essa fase do marketing centrado no produto usa a frase de Ford “O carro

pode ser de qualquer cor, desde que seja preto” 167

.

A segunda onda do marketing veio na era da informação com a difusão dos meios de

comunicação e das tecnologias de informação, é Marketing 2.0., voltando para satisfazer e

reter consumidores. Caracteriza-se por uma conexão do funcional com o emocional, a

interação agora é de relacionamento de um para um, como apontado Fournier, Wittenbraker e

Avery, a frase desta fase para Kotler se resume em “o cliente é rei”, busca-se atender a

necessidades e desejos dos consumidores, o profissional de marketing precisa segmentar o

mercado e desenvolver um produto superior para o mercado-alvo específico, é o marketing

que almeja atingir a mente e o coração do consumidor.

A emergência do Marketing 3.0. vem com a ascensão do marketing voltado para

valores, como apresentado por Hamel (2008). O Marketing 3.0. é aquele onde a empresa

coloca as questões culturais no âmago do seu modelo de negócios (KOTLER, 2010, p.18),

e essas demonstram preocupação com a comunidade ao redor, de consumidores, parceiros,

fornecedores, acionistas, a interação se caracteriza como colaboração de um para muitos. É

167

FORD apud KOTLER, p.4

Page 73: análise das abordagens centradas no ser humano

71

quando a abordagem muda de centrada no consumidor para centrada no ser humano, o

consumidor é visto como ser humano pleno, dotado de mente, coração e espírito:

Cada vez mais os consumidores estão em busca de soluções para satisfazer seu

anseio de transformar o mundo globalizado num mundo melhor. Em um mundo

confuso, eles buscam empresas que abordem suas mais profundas necessidades de

justiça social, econômica e ambiental em sua missão, visão e valores Buscam não

apenas satisfação emocional, mas também satisfação espiritual, nos produtos e

serviços que escolhem. (Kotler, 2010, p.4, grifo nosso)

Figura 23 - Comparação entre as três ondas do marketing: 1.0, 2.0. e 3.0168

Kotler situa o Marketing 3.0. com o que ele chama de nova onda da tecnologia da

informação, que tem se disseminado desde o início dos anos 2000 e permite a “conectividade

e interatividade entre indivíduos e grupos. A nova onda da tecnologia é formada por três

grandes forças: computadores e celulares baratos, internet de baixo custo e fonte aberta”.

(KOTLER, 2010, p.7). Também chamada era da ‘participação’, assiste-se à liberação do pólo

emissor, agora os consumidores também são produtores; com as mídias sociais, os

consumidores passaram a influenciar uns aos outros com suas opiniões e experiências

(KOTLER, 2010, p.9), e dessa formam desempenham um papel ativo na criação do valor

das empresas.

168

Kotler, 2010, p.6)

Page 74: análise das abordagens centradas no ser humano

72

Outro ponto levantado pelo autor é o paradoxo da globalização e do marketing

cultural, segundo ele, a tecnologia impulsionou a globalização e a economia interligada,

criando uma cultura global universal ao mesmo tempo, uma vez que não é uma força

uniforme e é marcada pela desigualdade e fortalece também culturas tradicionais locais.

Para desenvolver uma campanha culturalmente relevante, os profissionais de

marketing precisam entender um pouco de antropologia e sociologia. Devem ser

capazes de reconhecer os paradoxos culturais que talvez não estejam óbvios. Isso é

difícil, pois os paradoxos culturais não são algo sobre o qual as pessoas

normalmente conversem. Os consumidores afetados pelas campanhas culturais são

maioria, mas são uma maioria silenciosa. Sentem o paradoxo, mas não os

confrontam, a não ser que uma marca cultural os aborde. (KOTLER, 2010, p.16)

Para completar a análise sobre a convergência do marketing 3.0. Kotler discorre sobre

a sociedade criativa, cientistas e artistas têm voltado à cena nas grandes cidades e influenciado

o estilo de vida das pessoas169

e também as economias dos países desenvolvidos. Prahalad, em

“A riqueza na base da pirâmide” defende a economia criativa e inovação para levar

desenvolvimento e sustentabilidade para pessoas na extrema pobreza.

Segundo Zohar170

a pirâmide de Maslow das necessidades humanas - desde

sobrevivênvia e necessidades fisiológicas, passando pelas de segurança, sociais, auto estima e

por fim auto realização - representam o modelo capitalista até então, mas em Capital

espiritual171

a autora propõe uma inversão, que revela ser uma vontade do próprio criador do

modelo antes de morrer: “a auto realização como necessidade primária de todos os seres

humanos.”172

.

O que o autor delineia é a busca por significado por meio da realização espiritual e

felicidade, ou seja, as pessoas não estão buscando apenas produtos e serviços para

consumidor, estão buscando experiências e modelos de negócios que toquem seu lado

espiritual. “Proporcionar significado é a futura proposição de valor do marketing”. (Kotler,

2010, p.21)

169

o autor faz referência à Daniel Pink - O cérebro do futuro, Richard Florida - The Flight of the Creative Class,

Julia Cameron - The Artist´s Way e Gary Zukav - O coração da alma.

170ZOHAR, Danah e MARSHALL, Ian. Capital espiritual. São Paulo: Best Seller, 2006. apud KOTLER, 2010,

p.20-21

171 ibidem.

172 ibidem

Page 75: análise das abordagens centradas no ser humano

73

Figura 24 - Três mudanças que levaram ao Marketing 3.0 - era da participação e marketing colaborativo, era

do paradoxo e marketing cultural e era da sociedade criativa e marketing do espírito humano173

Na prática, o Marketing 3.0. será moldado por modelos horizontais e colaborativos,

com uma filosofia análoga à do design participativo vista no capítulo anterior. Kotler cita

Pralad sobre a co-criação:

Cocriação é um termo de criado por C.K.Prahalad para descrever a nova abordagem

de inovação [...] “novas maneiras de criar produtos e experiência por meio da

colaboração das empresas, consumidores, fornecedores, e parceiros de canal

interligados em uma rede de inovação”174

A experiência com um produto jamais é isolada. É o acúmulo de experiências

individuais que cria maior valor para o produto. Quando consumidores individuais

experimentam o produto, personalizam a experiência de acordo com necessidades e

desejos singulares. (KOTLER, 2010, p.37, grifo nosso)

No Marketing 3.0. os consumidores são seres humanos completos, cujas necessidades

e esperanças são levadas em consideração no desenvolvimento da marca, Kotler cita Peter

Drucker ao afirmar que o planejamento das empresas não devem iniciar pelo retorno

financeiro, mas sim pela realização da missão a que se propõe.175

Os valores da empresa são

apresentados pela maneira pela qual a prática corporativa se desenvolve:

173

Kotler, 2010, p.23

174 PRAHALAD, C.K., KRISHNAN, M.S,. A nova era da inovação. Rio de Janeiro: Campus\Eslsevier 2008

apud KOTLER, 2010, p.37

175 Peter Drucker apud Kotler, 2010, p.46

Page 76: análise das abordagens centradas no ser humano

74

[...] valores articulam um conjunto de prioridades corporativas e tentativas de gestão

para incluí-los em suas práticas, o que espera-se, fortalecerá comportamentos que

beneficiam as empresas e comunidades dentro e fora dela o que, por sua vez,

fortalecerá os valores da instituição. (KOTLER, 2010, p.47)

Figura 25 - Matriz baseada em valores do Marketing 3.0. - As intersecções demonstram como o marketing

centrado no ser humano conecta missão, visão e valores da empresa à necessidades funcionais, emocionais e

espirituais das pessoas.176

Para o autor, as promessas que as empresas devem fazer no Marketing 3.0. é uma

experiência capaz de transformar a vida do consumidor. Para isso, as missões da marca

“devem ser simples e permitir um escopo de negócio flexível”, além dos consumidores, os

colaboradores da empresa são grandes protagonistas na propagação dos valores da marca. Os

funcionários das empresas são os consumidores mais próximos delas, e eles precisam ter

autonomia, pois nesta abordagem é necessário alinhar valores e comportamentos, atitudes.

Kotler cita o provérbio chinês para ilustrar a importância do empoderamento dos funcionários

das empresas “Conta-me e eu esquecerei, mostra-me e talvez eu lembre; envolva-me e eu

entenderei” (2010, p.93)

Assim como Bill Moggridge vislumbrava o futuro do design como responsabilidade

pelo ecossistema, Kotler aponta para as preocupações socioculturais que vem à cena

juntamente com o Marketing 3.0. Será um desafio para as empresas oferecer soluções

transformadoras da sociedade, alcançando relevância de sua visão, missão e valores e mais

impacto nos negócios e na sociedade:

176

KOTLER, 2010, p.47

Page 77: análise das abordagens centradas no ser humano

75

As empresas normalmente começam com o propósito de gerar lucros por meio da

satisfação de algum cenário que o mercado quer e deseja. Quando são bem-

sucedidas e crescem costumam receber pedidos de doações para causas dignas. [...]

Com o passar do tempo, o público começa a esperar que as empresas operem como

mecanismos de desenvolvimento sociocultural, e não como mecanismos de geração

de lucros. Um número cada vez maior de consumidores pode começar a julgar

as empresas parcialmente por seu nível de comprometimento com os problemas

públicos e sociais. Algumas empresas podem se mostrar capazes de lidar com essa

questão por meio da incorporação do desafio social à filosofia da empresa. Elas

transformam a sociedade. Nesse momento, essas empresas, terão passado ao

Marketing 3.0. (KOTLER, 2010, p.153, grifo nosso)

As empresas que aplicam o marketing centrado no ser humano, integrariam, portanto,

em sua missão, visão e valores as necessidades humanas sob uma perspectiva holística:

necessidades individuais (funcionais, emocionais e espirituais) e necessidades

socioculturais. A responsabilidade pelo desenvolvimento e propagação desse propósito é

compartilhada com colaboradores das empresas e com a comunidade, os valores são

propagados especialmente pelas pessoas que se identificam com a marca e com experiências

proporcionadas por ela.

3.4 COMPARAÇÃO DAS ABORDAGENS E COMENTÁRIOS

Como resumo das três abordagens analisadas neste trabalho, é possível compará-las

sob alguns aspectos:

Page 78: análise das abordagens centradas no ser humano

76

Design de Interação Design Thinking Marketing 3.0.

Centrado em: Interação do homem com a

máquina

Inovação centrada no

desejo e necessidades

funcionais e emocionais

das pessoas

Missão, visão e valores das

empresas alinhadas com ser

humano dotado de corpo, mente

e espírito

Como funciona? Design do comportamento

da interface, ela age como

uma ponte para que as

pessoas atinjam seus

propósitos de vida

Design participativo para

criar opções e fazer boas

escolhas baseadas nas

perguntas certas para os

problemas relevantes a

serem resolvidos.

Visão do consumidor de forma

holística: considerando aspectos

individuais (funcionais,

emocionais e espirituais) bem

como questões socioculturais.

Atores principais Designer de interação Interessados no ciclo de

vida de um produto ou

serviço: consumidores,

fornecedores, parceiros,

acionistas, designers, etc.

Consumidores engajados com a

marca e colaboradores

apaixonados e responsáveis pela

missão da empresa

Processo Processo de Design

Orientado à Propósitos. -

Busca fazer uma ponte

entre pesquisa com usuários

e o design por meio de uma

combinação de técnicas e

métodos que permitam a

criação de sistemas mais

humanizados

Entender, criar e entregar,

5 metodologias chaves:

criar empatia, definir (o

problema a ser resolvido),

idear sobre possíveis

soluções para este

problema, criar protótipos

das soluções, testá-las

com as pessoas e chegar à

soluções mais refinadas e

viáveis

Compreensão dos valores

individuais e sociais,

alinhamento dos mesmos à

missão, visão e valores da

empresa e propagação dos

valores da marca por meio da

co-Criação com consumidores e

colaboradores

OutPut Princípios de Design de

Interação direcionados à

propósitos das personas em

cenários de uso: dizem

como a interface deve se

comportar para mediar a

interação do homem com a

tecnologia

Produtos e Serviços

inovadores baseados em

insights sobre como as

pessoas interagem no dia

a dia com as coisas e

umas com as outras

Proporcionar significado para as

pessoas por meio da

identificação com uma marca

integrada com valores humanos

e sócio-culturais

Como pensa no

longo prazo

Equilíbrio entre necessidade

das pessoas, viabilidade de

negócios e factibilidade de

tecnologia

Toolkit de inovação para

projetos sociais e visão da

sustentabilidade como

expansão da sociedade

interconectada

Empresa co-responsável pela

transformação da sociedade

Propósito Criar interfaces mais

humanizadas

Inovação em produtos,

serviços e ambientes

centrados nas pessoas

Alinhamento da marca com

valores humanos

proporcionando significado para

as pessoas

Quadro 1: Comparação das abordagens centradas no

ser humano: Design de Interação, Design Thinking e

Marketing 3.0.

Page 79: análise das abordagens centradas no ser humano

77

Todas as abordagens referem-se a si mesmas como centradas no ser humano, mas pela

análise dos discursos é possível inferir seus propósitos como: 1) criar interfaces mais humanas

(no Design de Interação), 2) Inovar em produtos, serviços e ambientes (Design Thinking) e 3)

alinhar objetivos de marca à valores humanos proporcionando significado para as pessoas

(Marketing 3.0.). Podemos notar que a centralidade a que se referem é sob o ponto de partida

de onde atuam, seja design ou marketing, no entanto, por serem todas abordagens que

efetivamente buscam humanizar interfaces, produtos, serviços e marcas, este pode ser

considerado um grande avanço na centralidade humana considerando os aspectos humanos

nos processos.

Sabemos também que não são as abordagens que vão garantir que essa tendência à

humanização como propósito para o design e para o marketing se realize, a aplicação das

metodologias requer uma cultura, preparação e tempo de maturação adequados.

Além disso, é importante salientar que as abordagens buscaram tanto o entendimento

do lado humano - a pesquisa sobre as pessoas, o contexto e a sociedade - que começou a

desiquilibrar a balança, se consideramos o desenvolvimento tecnológico.

Alan Cooper e outros defenderam tirar das mãos unicamente dos programadores a

criação da lógica dos computadores, porque este era um dos motivos de eles serem tão pouco

humanos. Há um movimento na comunidade de desenvolvedores para restabelecer este

equilíbrio, abordagens como Agile UX e Lean UX, por exemplo, procurar integrar o

entendimento humano no mesmo tempo que a tecnologia é desenvolvida:

Figura 26 - Modelo de Lean UX que busca a integração de times de design thinking e lean ux -

considerando os aspectos humanos e times de desenvolvimento de forma colaborativa177

177

Disponível em: http://lithespeed.com/lean-ux-dont-part-1-3-2/. Acesso em 13.Setembro.2014.

Page 80: análise das abordagens centradas no ser humano

78

Já Bill Buxton, em “Skething User Experiences” defende um modelo de integração

total entre design, marketing e desenvolvimento durante a criação e evolução de um produto

tecnológico, em cada parte do processo, as equipes são comprometidas em maior ou menor

grau, mas todas estão conectadas e atuando de forma integrada:

Figura 27 - Processo ideal de Desenvolvimento de Produto, segundo Buxton – O comprometimento é

compartilhado entre design, marketing, desenvolvimento e vendas:

“Para criar produtos de sucesso é tão importante quanto (se não mais) investir no

design do processo de design, assim como no produto sim”. (BUXTON, 2008, p.408,

tradução nossa) 178

. A proposta de Buxton é interessante, mas também requer um ambiente

preparado e um modelo de desenvolvimento que contemple as equipes ou áreas citadas, o que

nem sempre faz parte da realidade das empresas.

O importante é notar a perspectiva do design e marketing como entendimento do lado

humano e integração desse significado ao projetar tecnologia para as pessoas realmente

configura-se como uma tendência, a menos nos processos que buscam considerar os aspectos

humanos em seu desenvolvimento.

178

“In order to create successful products, it is as important (if not more) to invest in the design of the design

process, as in the design of the product itself.”

Page 81: análise das abordagens centradas no ser humano

79

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Um homem do mundo é companheiro no grande jogo da vida”

KANT, Imanuel 179

Ao situarmos o homem no cenário da pós-modernidade pudemos chegar a algumas

considerações a respeito da relação do homem com a tecnologia e de que maneira podemos

escolher projetar as futuras tecnologias considerando os aspectos, valores e propósitos

humanos.

Quando abordamos o projeto de Paul Otlet no primeiro capítulo, vimos que a

idealização do Mundaneum foi feita considerando as mudanças que ele percebeu no cenário

de transição que se encontrava, quando começou a mover um maquinário em torno de um

projeto de universalização do conhecimento, uma vez via a emergência da distribuição

informacional de sua época; no segundo capítulo percebemos que as implicações da transição

para o pós-moderno seriam de uma transformação da relação do homem com a tecnologia, e

um dos propósitos aos quais poderia se lutar por, tal como fez Otlet, seria recuperação da

própria identidade humana, fragmentada, líquida, cambiante, por meio da reconstrução dos

valores na interação com o mundo tecnomediado.

Partimos do pressuposto da não neutralidade na relação do homem com a tecnologia, o

design que pode cercear ou pode libertar o ser humano: pode alienar e que pode instigá-lo

para um conhecimento de si mesmo e a ampliação de sua consciência, o computador que

domestica, mas que pode também potencializar as capacidades humanas – “a tecnologia não

é boa e nem é má, tampouco neutra” – disse Buxton se referindo à Kransberg. Reafirmamos

essas características ao longo dos capítulos 2 e 3.

Com Johnson e Manovich, no primeiro capítulo, chegamos ao conceito da interface

como arte deste tempo – metáforas que representam o homem no mundo de dados – e, como

todo bom artista, quem projeta tecnologia para humanos precisa desenvolver a sensibilidade

com as questões humanas mais profundas, questões que atualmente se caracterizam por serem

múltiplas, plurais, efêmeras, transitórias, em um processo de construção e reconstrução

contínuos – como nos apresenta Hall, Harvey e Bauman ao entendermos a construção da

179

KANT, Imanuel. Preleção sobre antropologia. Cf. As principais preleções filosóficas de I. Kant. Conforme os

recém encontrados cadernos de Conde Heinrich zu Dohnawunderlacken. Editados por A. Kowalewski., 1924.

p.71 (N.A.) Apud (HEIDEGGER, 2005, p.133)

Page 82: análise das abordagens centradas no ser humano

80

identidade e as transformações socioculturais advindas com a globalização e difusão das

tecnologias no modo de viver do homem.

Vimos também que a tecnologia molda e é moldada pelas organizações e pelas

pessoas, assim, um modelo que busque a centralidade do ser humano tem que se debruçar

sobre os aspectos humanos da interação homem-computador, buscando equilibrar essa

balança, entendendo sempre que são forças distintas – pudemos ver ao longo do texto, os

exemplos da tecnologia que é construída sob o alicerce de enxergar humanos como máquinas,

resquícios da produtividade industrial e do modelo mental de programação; o homem técnico,

maquinizado, é também um homem que perdeu a sua identidade, e ainda mais grave, é um

homem que pela sensação de conexão intensa com a tecnologia, esqueceu-se de si, esqueceu-

se de ser.

A tecnologia projetada para pessoas deveria permitir e convidar todos a fazerem de

sua própria vida uma obra de arte (como disse Albert Camus, citado por Bauman), inspirá-los

a jogar o jogo da vida, conhecendo de fato suas posições, escolhas e valores – ainda que

transitórios - inclusive aqueles experimentados por meio da interação com interfaces digitais.

A interface é um tradutor que afeta, e como vimos no final do segundo capítulo, ela tem

condições de entrar nesse jogo de identidades e valores que compõe o homem na pós-

modernidade, principalmente se for veículo de significação e construção de sentido.

O código, para Flusser, é o sistema de símbolos que mediam e ajudam a dar um

sentido no mundo. Entre os dois olhos da alma (aquele que olha para o tempo, e aquele que

olha para a eternidade)180

, o modo de ver do designer tem que ser o segundo - aquele que

permite deixar o fluxo mais lento, ou como explica Flusser, olhar para o que é eterno: é o

olho-sentinela, que está sempre procurando a eternidade e ensinando isso ao computador para

que ele “transporte a eternidade, intuída e manipulada para a temporalidade” (FLUSSER,

2013, p.192).

Quando, no terceiro capítulo, Maeda fala sobre a simplicidade nos sistemas complexos

e busca pelo lado humano, fala exatamente deste olhar que se distancia, permite a abertura, o

design centrado no ser humano questiona as mazelas e expectativas sociais que moldam as

tecnologias.

A responsabilidade é requisito da emancipação por meio do design. Todas as

abordagens analisadas no terceiro capítulo – Design de Interação, Design Thinking o

180

Flusser, 2013, p.188, citando Angelus Silesius

Page 83: análise das abordagens centradas no ser humano

81

Marketing 3.0., tem em comum o forte propósito de responsabilizar-se com o que acontece

com o humano quando ele está em contato com um produto, serviço, ambiente ou uma marca.

Podemos considerar as três abordagens como centradas no ser humano especialmente

por não limitarem o entendimento do humano como usuário de tecnologia e como consumidor

de produtos. Quando se parte de pessoas como usuários e consumidores não há espaço para

ser, pois em uma interface, produto, serviço, ambiente e marca alicerçados sobre este

propósito, o ser já foi dado, o ser é outro, vazio de significado.

Com Alan Cooper, entendemos que o Design de Interface preocupa-se com o

comportamento da interface na interação com o ser humano, interfaces construídas sob o

princípio do design da interação, em teoria, tem condições de atuar no jogo da vida das

pessoas, pois todos os aspectos contextuais e principalmente seus propósitos pessoais estão

envolvidos.

O Design Thinking, metodologia que se propõe a ser Design Centrado no Ser Humano,

tem suas raízes no modelo de Design Participativo, que procura incluir todos os interessados

na construção de um produto, serviço ou ambiente, dando-lhes voz ativa; por meio de um

entendimento profundo as necessidades e desejos as pessoas em sua intimidade, o Design

Thinking se propõe à inovar, entrando sem amarras no jogo de ser e viver.

Kotler nos apresenta a evolução do marketing sobre o conceito do Marketing 3.0., na

descrição sobre a metodologia, podemos ver o marketing que já está jogando as negociações

identitárias da pós-modernidade, quando ele diz que “proporcionar significado é a futura

proposição de valor do marketing” (KOTLER, 2010, p.21), notamos a busca de uma

construção do humano junto com as pessoas - objetivos da marca são alinhados aos valores

humanos, e as promessas feitas são promessas que nas quais há espaço para ser.

Como a análise foi feita sobre o discurso teórica dessas abordagens, implicações para

futuras pesquisas seriam 1) Analisar como as teorias se comportam na prática, 2) Analisar

práticas exercidas sob o título dessas abordagens e verificar o quanto estão próximas de seus

discursos, ou seja, o quanto conseguem considerar os aspectos humanos no desenvolvimento

do produto, serviço, ambiente ou marca e 3) Identificar os aspectos culturais que afetam a

incorporação dessas metodologias no âmbito organizacional.

Outro ponto importante delineado ao longo desta pesquisa e que pode ser explorado

em outros estudos é a questão da emergência de novas formas econômicas e a partir do

desenvolvimento tecnológico. Assim como Otlet previu uma transformação da humanidade

Page 84: análise das abordagens centradas no ser humano

82

por meio da evolução técnica, Moggridge, Buxton, Kotler, Cooper, Flusser, Lévy e outros

também se referiram à expansão da humanidade por meio da tecnologia: Moggridge falou da

expansão do design sob a perspectiva do indivíduo para o design que busca impacto e

inovação social, Kotler disse que a sustentabilidade é um dos valores humanos e algo que tem

que estar no cerne da missão das empresas do futuro, das que estarão sob a regência do

Marketing 3.0. Buxton, Cooper e Flusser destacam a responsabilidade do designer, de quem

projeta a tecnologia na modelagem das formas de ser, interagir e consequentemente

transformar o mundo.

É onde o jogo do homem na vida passa a ser o jogo da humanidade. Pierre Lévy vai

mais longe, para ele a finalidade, ou o propósito de todas as atividades - inclusive econômicas

- deve visar o aumento de potência, é o que ele chama de economia dos valores humanos ou

economia da inteligência coletiva.

Nada é mais precioso que o humano. Ele é a fonte das outras riquezas, critério e

portador vivo de todo valor. Que bem seria esse que não fosse saboreado, apreciado

ou imaginado por nenhum membro de nossa espécie? Os seres humanos são, ao

mesmo tempo, a condição necessária do universo e o supérfluo que lhe confere seu

preço, compõe o solo da existência e o extremo de seu luxo: inteligências, emoções,

envoltórios frágeis e protetores do mundo, sem os quais tudo voltaria ao nada. É por

isso que defendemos que é preciso ser economista do humano, que é bom cultivá-

lo, valorizá-lo, variá-lo e multiplicá-lo, e não esbanjá-lo, destruí-lo, esquecê-lo,

deixá-lo morrer por falta de cuidados e reconhecimento. Mas não podemos

permanecer no plano da enunciação de seus princípios. É necessário igualmente

forjar instrumentos - conceitos, métodos, técnicas - que tornem sensível,

mensurável, organizável, em suma, praticável o progresso em direção a uma

economia do humano.(LÉVY, 2007, p.47)

Reafirmamos então, à luz da literatura acerca da relação do homem com a tecnologia e

da configuração do humano na pós-modernidade, que projetar interfaces para tecnologias

emergentes requer compreensão do ser humano e seus clamores de construção de significação

nas três dimensões (ser humano como indivíduo, ser humano que se reconhece no olhar do

outro e ser humano enquanto coletividade).

Para projetar tecnologia para pessoas com propósitos claros é preciso visão sustentável

em longo prazo, no contexto organizacional significaria considerar os aspectos humanos

desde o entendimento do outro e construção do conceito do produto, serviço, ambiente ou

marca (design), passando pela visão de negócios (estruturação da proposta de valor da

instituição bem como sua comunicação) até o desenvolvimento da tecnologia em si.

Page 85: análise das abordagens centradas no ser humano

83

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