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MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 1 p Inundações Alerta para o desenvolvimento ALTO PERFIL ENTREVISTA EXCLUSIVA Loïc Fauchon Presidente do Conselho Mundial da Água IRRIGAÇÃO Aposta no desenvolvimento integral e sustentável AMBIENTE Tratamento de águas residuais: grande desafio E DIÇÃO DE LANÇAMENTO

Alerta para o desenvolvimento - trupe.net · dial da Água e a diversos temas de grande transcendência no panorama atual deste recurso natural CAPA ... mentando as maiores mudanças

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MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 1 p

Inundações Inundações Inundações

Alerta para o desenvolvimento

ALTO PERFIL

ENTREVISTA EXCLUSIVALoïc FauchonPresidente do Conselho Mundial da Água

IRRIGAÇÃO

Aposta no desenvolvimento integral e sustentável

AMBIENTE

Tratamento de águas residuais: grande desafi o

E D I Ç Ã O D E L A N Ç A M E N T O

n 2 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006

PERSPECTIVA

Com o lançamento do primei-ro número de Aqua Vitae, sentimo-nos emocionados

ao ver como uma idéia se mate-rializava em um fato, e era distri-buída em mãos de uma importan-te audiência latino-americana e mundial. Depois de alguns meses foi interessante perceber como estas primeiras gotas d’água caí-ram em terra fértil, ao recebermos comentários e sugestões de nos-sos leitores, por sermos reconhe-cidos como promotores de uma iniciativa que procura ser fonte de informação e debates sobre os assuntos mais relevantes relacionados com a água, em todas as suas dimensões: ambiental, econômica, social, cultural e política.

Naquele momento, o que nos levou a dar o nome de Aqua Vitae a esta revista, foi a necessidade de to-mar consciência de que a água é vida. Que sem este precioso líquido não podemos existir. Que o assunto é tão importante que todos devemos nos envolver e conhecer melhor a sua problemática, ou pelo menos facilitar o fluxo de idéias e do conhecimento.

Água e vida estão estreitamente relacionadas em uma interação que não é simples. Existem paradoxos que é preciso entender para dimensionar correta-mente a complexidade do tema, como por exemplo compreender que nem toda a água em quantidade é boa. A chuva é um fenômeno que traz riqueza, mas em excesso gera destruição. A irrigação agrícola me-lhora a produção de alimentos, mas quando é mal utilizada no que diz respeito à quantidade de água, pode ter um efeito negativo. Mesmo na água existe a necessidade de balanço, de equilíbrio, e tudo aqui-lo que o afete deve ser controlado para que se possa aproveitar corretamente o recurso e otimizar seus impactos.

Por isto, nesta segunda edição, tratamos como tema principal as inundações, suas implicações e as medidas necessárias para mitigar de alguma maneira os problemas e impactos que representam sobre os ecossistemas, sobre as popula-ções e sobre as economias dos di-ferentes países que as enfrentam com maior intensidade e maiores riscos. O assunto tem especial importância se tomarmos consci-ência de que, em parte devido ao dano provocado à natureza, está previsto para os próximos anos um aumento em nossa região

dos fenômenos naturais que geram catástrofes por excesso de chuva, tornando-se necessário dominar melhor as soluções para diminuir as nefastas conse-qüências que estes fenômenos provocam.

Por meio de artigos que apresentamos nesta edi-ção, pretendemos trazer um panorama sobre diver-sas opiniões e também mostrar alguns projetos que estão sendo realizados em favor de um melhoramen-to da gestão e proteção dos recursos hídricos.

Aproveito para convidá-los a nos escrever e enviar suas opiniões e sugestões sobre os diferentes temas tratados, e os principais assuntos que gostariam de ver debatidos nesta tribuna aberta.

Água é vida

Roberto SalasPresidente do Grupo Amanco

Água Viva é um projeto que promove uma mudança consciente no ser humano sobre o uso racional da água em nosso planeta.

Convidamos empresas, instituições de estado, ONGs, e membros da sociedade civil a fazer parte de uma aliança que acredita no imenso potencial humano para revitalizar a água que nos dá a vida.

www.aguaviva.tv

n 4 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 5 p

CONTEÚDO

8

n IRRIGAÇÃO

APOSTA NO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL E SUSTENTÁVELO Projeto Yachan, no Peru, permitiu a um grupo de famílias pobres desenvolver e vender seus produtos, além de criar sistemas de irrigação para 800 hectares

14 17n ALTO PERFIL

DR. LOÏC FAUCHON O presidente do Conselho Mundial da Água refere-se, em uma entrevista exclusiva, às expectativas do IV Fórum Mun-dial da Água e a diversos temas de grande transcendência no panorama atual deste recurso natural

CAPA

INUNDAÇÕES: ALERTA PARA O DESENVOLVIMENTOMais da metade dos desastres naturais que ocorrem no mundo são inundações ou tempestades tropicais. A América Latina é uma das regiões mais afetadas por seus efeitos devastadores

33n AMBIENTE

TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS: O GRANDE DESAFIODiante da escassez de recursos econômicos para a infra-estrutura na região latino-americana, e devido ao limitado tratamento atual de águas residuais, esta tarefa constitui-se em um importante desafi o

267

323839

As opiniões apresentadas nos artigos publicados na presente edição não são necessariamente endossados pelo Grupo Amanco

Elaborada com materiais ambientalmente corretos

PERSPECTIVA

CONTA-GOTAS

CALENDÁRIO DE EVENTOS

OPINIÃO

ÁGUA VIRTUAL

O POÇO

n DE DENTRO

21 Mais que um sistema de irrigaçãoA Amanco México, em conjunto com a Ashoka e outras organizações, possi-bilitou a instalação de um sistema de irrigação especial para pequenos pro-dutores agropecuários em diferentes localidades mexicanas

n LEI LÍQUIDA

26 Leis da água e participação cidadãAinda há muito caminho a ser per-corrido para a participação pública na elaboração de leis da água, apesar de ser tema de muitos fóruns e reuniões

n TECNOLOGIA

29 SERVIR: para tomar decisõesO Sistema Regional de Visualização e Monitoração - SERVIR traz informa-ções valiosas, por meio de imagens de satélite e outras fontes, para o mane-jo ambiental e o apoio para mitigar desastres

n ÁGUA CLARA

23 Pagamento escalonadoA água tem um valor em si mesma como bem da humanidade, mas tam-bém um custo econômico que deve ser pago conforme o uso crescente do recurso, recomendam os especialistas

Produzida por

Uma publicação do Grupo Amanco

CONSELHO EDITORIALMaureen Ballestero | Coordenadora da Associação Mundial da Água para a América Central (GWP-CA)Claudio Osorio | Assessor regional em redução de risco Iniciativa OPS/OMS - UNICEF para a mitigação de desastres em serviços de água e saneamentoRoberto Salas | Presidente do Grupo AmancoMaría Luisa Torregrosa | Professora pesquisadora da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), México

DIREÇÃO GERALYazmín Trejos | Gerente de Responsabilidade Social e Comunicação Corporativa do Grupo Amanco.

EDITORA EM CHEFENidia Burgos Comunicação Corporativa / Ketchum

EDITOR TÉCNICO | Richard Köhler

COLABORADORESClaudio Osorio | Roberto Montero | Grethel AguilarZvia Leibler-Danon | Adalberto Noyola

DIRETOR DE ARTE | Erick Valdelomar – NG

FOTOGRAFIAS | Latin Stock, NASAFOTO DE CAPA | Moisés CastilloDESENHO NG | Alajuela – Costa Rica

FALE CONOSCO: [email protected]

VERSÃO EM PORTUGUÊS: Ink Comunicação

n 6 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 7 p

Calendário de eventos

Líder em alteraçãoclimática

O clima na Europa está experi-mentando as maiores mudanças dos últimos 5 mil anos, de acordo com o relatório anual da Agên-cia Européia de Meio Ambiente. O documento analisa a situação ambiental de trinta países, que incluem aqueles da União Euro-péia, os candidatos e os associados, e avalia o fracasso das políticas que foram aplicadas neste aspecto nos últimos cinco anos. Como principal conclusão, destaca que “a mudança cli-mática já está em marcha”, como demonstram a ocorrência cada vez fre-qüente de fe-nômenos meteorológicos extremos, a escassez de água em algumas regiões e o retrocesso do gelo nos pólos.

Fonte: Portafolio, Colômbia

CONTA-GOTAS | Notícias curtas do mundo

➜ Falta infra-estrutura

Um estudo do Banco Mundial sobre a economia argenti-na afirma que o investimento em infra-estrutura necessita-rá verbas da iniciativa privada nos próximos anos.

Foi mencionado que o orçamento do setor não é o bas-tante para manter o atual crescimento, e que um terço dos fundos é destinado a obras de transporte e apenas 5,8% a energia.

Sobre o setor energético, a análise indica que, de acordo com as projeções, a probabilidade de interrupção do forne-cimento era limitada em 2004, possível em 2005 e signifi-cativa em 2006.

Na área de fossas e saneamento não há participação do setor privado desde que o Estado se retirou.

Fuente: La Nación, Argentina

Água em Marte?

Um novo estudo realizado com observações do Mars Express, indica a presença de “quantidades substanciais” de água no fi nal do período Noeico, no chamado Planeta Vermelho. A equipe do professor François Pulet da Universidade Paris Sur, em Orsay (região parisiense) detectou no solo antigo do planeta, argilas do tipo fi losilicatos, que se formam quando as pedras basálti-cas vulcânicas estão submersas em água durante muito tempo. Para Horton Newsom, planetólogo da universidade do Novo México, em Albuquerque (EUA), esta descoberta confi rma o que já se suspeitava so-bre a presença de grandes quantida-des de água no planeta em épocas remotas.

Fonte: Revista Nature

Bacias Vigiadas Cientistas da Costa rica utilizam

desde meados do ano passado, sistemas de posicionamento global (GPS, sigla em inglês) para fiscalizar a proteção das nascen-tes de água na Costa Rica. Com o uso desta tecnologia, pretende-se determinar quais nascentes cor-rem maior risco de contaminação devido ao crescimento urbano descontrolado. O projeto procura identificar as principais bacias que abastecem de água a província de Heredia, ao norte da capital e uma boa parte da Grande Área Metro-politana.

Fonte: La Nación, Costa Rica

NAS

A

1980

1

2

3

4

5

82 84 86 88 90 92 94 96 98 00

Média de 9 países da América Latina e do Caribe

% do PIB

Argentina

Investimento em infra-estrutura

4/6 de Set 2006

f Local Bolonha, Itália ! Web www.wessex.ac.uk/conferen-ces/2006/water06/index.htmlAorganizaçãoInstituto de Tecnologia Wessex, Inglaterra e Universidade de Coimbra, Portugal

8ª Conferência Internacional sobre a Modelagem, Monitora-ção e Manejo da Contaminação da Água

10/11 de Set 2006

f Local Pequim, China ! Web www.unesco.org/water/water_events/Detailed/1249.shtmlAorganizaçãoAssociação Internacional da Água(IWA); Ministério da Construção da China

5º Congresso e Exposição Mundial da Água da IWA

9/14 de Out 2006

f Local Ciudad Guayana, Venezuela ! Web www.iahr-venezuela2006.org/es-panol/index_espanol.htmlAorganizaçãoAssociação Internacional de En-genharia e Pesquisas Hidráulicas (IAHR), Divisão Latino-americana do IAHR, Seção de Estruturas Hidráulicas do IAHR, Sociedade Venezuelana de Engenharia Hi-dráulica (SVIH) e CVG Eletrifi cação do Caroní C.A. (CVG EDELCA)

XXII Congresso Latino-america-no de Hidráulica e o Simpósio Internacional de Estruturas Hidráulicas

9/15 de Out 2006

f Local Urumqi, China ! Web www.unesco.org/water/water_events/Detailed/1191.shtmlAorganizaçãoUniversidade de Xinjiang, China; Universidade de Teherán, Irán; Escola Prática de Estudos Avança-dos, França

Conferência Internacional sobre Água, Ecossistemas e Desenvol-vimento Sustentável em Zonas Áridas e Semi-áridas

23/29 de Set 2006

f Local Lisboa, Portugal ! Web www.unesco.org/water/water_events/Detailed/1202.shtmlAorganizaçãoAssociação Internacional da Água(IWA); Ministério da Construção da China

10ª Conferência internacional sobre sistemas de áreas alaga-das para o controle da contami-nação da água

25/29 de Set 2006

f Local Assunção, Paraguay@ [email protected]! Web www.alhsud2006.com.pyAorganizaçãoOrganização não governamental Água (ONGAGUA)

VIII Congresso Latino-america-no de Hidrologia Subterrâneae Exposição Técnica Comercial “EXPO-AGUA 2006”

4/6 de Out 2006

f Local Göttingen, Alemanha ! Web www.ggrs.uni-goettingen.de/con-fdesc.phpAorganizaçãoUniversidade de Göttingen

Assuntos de Mudanças Globais em Países em Desenvolvimento e Emergentes

28/30 de Out 2006

f Local Heraklion, Creta, Grécia ! Web http://www.unesco.org/water/water_events/Detailed/1188.shtmlAorganizaçãoAssociação Internacional da Água (AIA)

1º Simpósio Internacional sobre Recursos Hídricos e Tecnologias de Águas Residuais nas Civiliza-ções Antigas

4/6 de Dez 2006

f Local Paris, França ! Web www.unesco.org/water/water_events/Detailed/1248.shtmlAorganizaçãoPrograma Interdisciplinar de Pes-quisa sobre o Meio Ambiente do Rio Sena (PIREN-Seine), França

O ser humano e os sistemasfl uviais II: interações entre os rios, suas bacias e o sistema social

CAPA

Inundações:alerta para o desenvolvimentoA água que cai do céu nos tira a água de beber

Assessor regional em redução de riscoIniciativa OPS/OMS-UNICEF para a mitigação de desastres

em serviços de água e saneamento

P O R C L A U D I O O S O R I O

A água é essencial para a vida e todas as formas de vida sobre a terra dependem dela. Desde os primeiros assentamentos humanos, o desenvolvimento social e econômico esteve vincu-

lado com o acesso à água. No entanto, a força excessiva ou uma quantidade descontrolada de água, assim como sua penetração em áreas destinadas a outros propósitos, como moradias, infra-estrutura, agricultura, meios de co-municação e transporte etc, causam transtornos às comunidades e afetam seu bem-estar.

Este recurso sustenta a vida mas também se transforma na mais freqüen-te e danosa de todas as ameaças naturais, que provoca situações de emer-gência em desastres e em quase todos os lugares do planeta, que já possui 3⁄4 de sua superfície coberta de água. Em todo o mundo, das situações de emergência e desastres relatadas no período de 1995 a 2004, 64,6% co-rresponderam a 2.066 eventos causados por inundações ou tempestades tropicais.

Cerca de 1,7 bilhão de pessoas foram afetadas por inundações, tem-pestades tropicais e furacões no período de 1995 a 2004, causando mais de 156.000 mortes e perdas econômicas estimadas em mais de US$ 380 milhões.

n 8 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 9 p

n 10 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006

Esta situação global de exposição a inundações repete-se na América Latina e no Caribe. Segundo a Federação Inter-nacional da Cruz Vermelha, dos 840 desastres reportados no período de 1995 a 2004, 572 emergências (68% dos desastres) foram resultado de inundações, tempestades tropicais ou fu-racões.

As inundações são provocadas por diferentes razões e fenô-menos geológicos ou hidrometeorológicos, tais como chuvas torrenciais, tempestades tropicais, furacões, tsunamis, trom-bas d’água em regiões costeiras, assim como problemas com represas ou reservatórios. As inundações têm um impacto fulminante sobre a população, seus serviços, infra-estrutura e atividades produtivas, que deixa seqüelas sócio-econômi-cas que às vezes levam anos para serem solucionadas.

Sem dúvida, o impacto das inundações sobre as comuni-dades, dependem em grande parte das próprias comunida-des e de seus modelos de desenvolvimento, que aumentam sua suscetibilidade de ser afetada por estes fenômenos. Por exemplo, quando zonas inundáveis são utilizadas para as-sentamentos humanos, quando existem atividades produti-vas ou localização de infra-estrutura crítica.

As alterações que a população realiza em seu entorno, como a impermeabilização de superfícies (pisos, edificações, tetos) degradação de encostas e desflorestamento, reduzem a infiltração da água de chuva no subsolo, o que favorece en-xurradas e a erosão dos solos. Da mesma forma, a interven-ção humana nos leitos naturais de rios e vales, aumenta des-necessariamente a probabilidade de seu transbordamento durante chuvas intensas.

Existem fenômenos hidrometeorológicos extremos que se manifestam com severas inundações, como as tempestades tropicais e furacões, que afetam todos os anos, entre julho e novembro, os países do Caribe e da América Central. Existem também eventos tais como fenômeno El Niño que de forma recorrente e cada vez mais freqüente (os últimos se apresen-taram durante 1982/1983 e 1997/1998) afeta com chuvas e inundações prolongadas durante meses os países, nas regi-ões costeiras próximas ao Equador.

Tipos de fenômenos naturais Desastres reportados

% VítimasFatais

% Pessoas afetadasMilhares

% Perdas estimadas Milhões US$

%

1995-2004 1995-2004 1995-2004 1995-2004Bosques/incêndios florestais 63 7,5 83 0,1 159 0,3 2,645 1,8Erupções vulcânicas 23 2,7 52 0,1 298 0,6 22 0,0Terremotos/Tsunamis 50 6,0 2,990 4,2 3,584 7,1 9,931 6,8Avalanches/deslizamentos 44 5,2 1,742 2,5 204 0,4 194 0,1Secas/fome 48 5,7 59 0,1 15,183 30,2 3,447 2,4Temperaturas extremas 37 4,4 2,325 3,3 4,072 8,1 5,449 3,7Inundações 267 31,8 38,000 53,9 9,717 19,3 21,956 15,0Tempestades/furacões 305 36,3 25,271 35,8 17,051 33,9 102,461 70,1Outros desastres naturais 3 0,4 3 0,0 1 0,0 129 0,1Total desastres naturais 840 100 70,525 100 50,269 100 146,234 100

Impacto social e econômico dos desastres naturais na América Latina e no Caribe | 1995-2004

É paradoxal que embora estas mani-festações sejam dos poucos fenômenos naturais que podem ser monitorados e previstos por instituições científicas especializadas (que existem na maioria dos países da América Latina e do Ca-ribe), sejam as que acarretam o maior número de pessoas afetadas, além de vultosas perdas econômicas.

Deterioração e interrupção dos serviços de água

Existe um estreito vínculo entre os serviços de água e saneamento e a abundância ou escassez do recurso hí-drico, razão pela qual as alterações na quantidade ou na qualidade nas fontes de água usadas por desses serviços afe-tará qualidade, quantidade e continui-dade dos mesmos.

As inundações afetam ao mesmo tempo os sistemas de água e de sane-amento, assim como a população que eles atendem. A deterioração ou inter-rupção destes serviços em tais situa-ções de emergência, quando a popula-ção e a assistência humanitária mais necessitam deles, expõe a população afetada a condições de vida deterioradas, quando sua saúde está seriamente expos-ta, e o retorno à normalidade dependerá em grande medida da reabilitação e do restabelecimento dos serviços.

Com base em informações elaboradas pela Cepal e outras agências internacionais, no período de 1995 a 2005 registrou-se que na América Latina e no Caribe as inundações, tempes-tades tropicais e furacões causaram danos e a perda de pelo menos 367 aquedutos urbanos. No âmbito rural foram per-didos 1.534 aquedutos, 42.386 poços e 85.473 fossas, o que re-

n Efeitos do Furacão Mitch

presentou uma perda estimada de US$ 620 milhões.

Não considerar este tipo de fenôme-nos nos processos de desenvolvimento dos serviços de água e saneamento irá colocar em risco desnecessariamen-te a obtenção da meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que procuram reduzir à metade, até 2015, a porcentagem de pessoas que carecem de acesso sustentável água potável e saneamento básico.

Impacto sobre os serviçosAs inundações afetam as fontes de

água, tanto superficiais quanto subter-râneas, usadas pelas empresas encar-regadas de fornecer à população água para o consumo humano; provocam geralmente o aumento da turbidez da água e favorecem a contaminação com águas residuais ou outros produtos que aumentam os custos para seu trata-mento ou tornam impossível o seu tra-tamento para o consumo humano.

Por outro lado, a infra-estrutura e as obras de engenharia desenhadas e

construídas para captar as águas (estações de captação, es-tações de bombeamento), tratá-las e desinfetá-las (plantas de tratamento, filtros), conduzi-la (sistemas de tubulação) armazená-la (tanques, reservatórios) e distribui-la (redes de tubulação) não estão livres de sofrer danos devido às inun-dações. Os danos dependerão de sua eventual localização em zonas propensas a inundações, várzeas ou em terrenos ins-táveis que possam deslizar devido à saturação do solo pelas chuvas intensas.

Muito da infra-estrutura citada encontra-se em zonas de

Impacto da tempestade Stan sobre serviços de água po-tável em El Salvador – 2005

A tempestade tropical Stan, que produziu chuvas intensas, inun-dações e deslizamentos em um país altamente degradado am-bientalmente, afetou 13 de seus 15 departamentos (Estados) e teve importante impacto sobre os ser-viços de água e saneamento.

Foram relatados danos em 67 aquedutos, assim como a perda de 8.000 poços e aproximadamente 14.000 fossas, o que significa que aproximadamente cinco milhões de pessoas viram a qualidade ou a continuidade dos serviços de água e saneamento afetada. Isto impli-cou que o setor de água e sanea-mento reportasse perdas econômi-cas de US$ 11,7 milhões.

ENE-MAR | 2006 AQUA VITAE 11 p

As inundações são a principal ameaça natural na América-latina e no Caribe

n 12 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 13 p

risco, pois necessariamente deve ser instalada nas proximidades dos leitos de rios, atravessar topografi as aciden-tadas ou trazer o serviço a populações que, devido a razões de gosto, margi-nalização ou exclusão, encontram-se em zonas propensas a ser afetadas por inundações e outros tipos de ameaças naturais.

Quando os serviços de água e sanea-mento que abastecem centros urbanos são afetados por este tipo de fenôme-nos, as próprias empresas, com o apoio de autoridades locais encarregam-se de fazer com que os serviços sejam rapida-mente restabelecidos, devido ao custo político e econômico, além de a imagem empresarial ser seriamente afetada. No entanto, caso consigam os recursos ne-cessários para restabelecer os serviços afetados, as empresas incorrem em gastos tão elevados que algumas vezes sua viabilidade fi nanceira acaba por ser seriamente comprometida.

A situação com serviços rurais de água e saneamento é completamente diferente. Em sua maioria são admi-nistrados e operados pelas próprias co-munidades organizadas, às quais mui-tas vezes não contam com os recursos técnicos e econômicos para atender às necessidades que um desastre provoca. Da mesma forma, a falta de uma ligação

formal com uma instituição setorial ou com o governo local que lhes permitam atender suas necessidades para asse-gurar um serviço de qualidade, tornam mais difícil a recuperação e o restabele-cimento destes serviços. Esta é a razão pela qual, em algumas oportunidades, os sistemas acabam sendo abandona-dos e a população volta às suas antigas fontes inseguras de água, o que se tra-duz na deterioração da saúde dessas comunidades.

As experiências de fenômenos ante-riores são a melhor lição para que seja dedicada atenção aos fatores de locali-zação, materiais, tecnologias e forma-ção de capacidades do setor da água, para assegurar a sustentabilidade des-tes serviços em situações de emergên-cia. A seguir, são apresentados alguns padrões de danos nos serviços de água potável que foram determinados pela revisão e sistematização dos proble-mas sofridos por aquedutos nos países da América Latina na última década.

Água e saneamento: a prioridadeOs serviços de água e saneamento

(A&S) são fundamentais para assegu-rar o desenvolvimento e a saúde das populações, atividades que se tornam críticas e prioritárias durante situações de emergência. A suspensão ou a de-

Efeitos do fenômeno El Niño na infra-estrutura de água e saneamento no Peru

Nas inundações causadas pelo fenômeno El Niño em território peruano em 1997 e 1998, conforme informações reunidas pelo Minis-tério da Saúde e pela OPS/OMS, foram relatadas em zonas rurais o colapso de 199 sistemas de abas-tecimento de água e 3.532 fossas que benefi ciavam mais de 160 mil pessoas.

No âmbito urbano, a empresa que abastecia de água o estado de Piura, ao norte do país, relatou per-das de mais de US$ 25 milhões, dos quais US$ 4 milhões, foram apenas para atender a emergência.

A deterioração das condições sa-nitárias, em parte devido à carên-cia ou dano nos serviços de água e saneamento, fez com que os casos de enfermidades diarréicas agudas (EDA) aumentassem em 3.176% durante os primeiros meses da pre-sença do fenômeno.

terioração dos serviços de A&S depois de um desastre, em particular aqueles causados por inundações, expõem a saúde da população a fatores de risco ambiental, que juntamente com a piora das condições de vida, representam um perigo potencial para a saúde devido à carência ou à contaminação das águas, vacinação, a proliferação de vetores ba-seados na água e deterioração das con-dições e hábitos de higiene.

Assegurar a dotação de quantidades mínimas de água para o consumo hu-mano durante situações de emergências é uma das prioridades e primeiras ações que as autoridades e as instituições de ajuda humanitária devem realizar jun-tamente com as ações de busca e resga-te, assim como as ações de atendimento e proteção da saúde das vítimas.

Uma das soluções típicas para o abas-tecimento de água durante situações de emergência é a distribuição de água em caminhões pipa. Esta tarefa exige uma logística e custos que difi cilmente as empresas prestadoras ou outras insti-tuições poderiam manter por um tem-po prolongado. Por exemplo, durante os terremotos que afetaram El Salvador em 2001, a administração nacional de aque-dutos e esgotos (ANDA, sigla em Espa-nhol) investiu nas primeiras semanas da emergência US$ 400 mil para a dis-tribuição de aproximadamente 99.000 m3, o que signifi ca um custo de cerca de US$ 4/m3, o que supera amplamente o valor médio da produção e distribuição em tempos normais.

Considerando estes dados e os níveis de cobertura dos serviços de água potável na América Latina, torna-se mais efi ciente e econômico investir na proteção dos sistemas e na preparação das instituições e de seu pessoal para responder de maneira oportuna e efi caz às emergên-cias, do que gastar no momento do desastre na distribuição de água e reconstrução dos sistemas danifi cados.

Sustentabilidade dos serviços de água e saneamento frente a ameaças naturais

A presença de ameaças naturais, assim como o aumento da contaminação das fontes de água e a desertifi cação repre-sentam um desafi o para o setor de água e saneamento, que obriga a compatibilizar as necessidades de curto prazo, em relação ao aumento da cobertura dos serviços e os objetivos de longo prazo, que são a qualidade e a sustentabilidade. Em relação às ameaças naturais, os serviços de água potável pos-suem particularidades que os tornam especialmente vulne-ráveis a diversos fenômenos. Sobre isso, pode-se destacar:n Sua grande extensão faz com que os diferentes compo

nentes estejam expostos a diferentes ameaças.n A difi culdade de acesso a alguns de seus componentes, muitos dos quais encontram-se enterrados ou afasta dos, torna difícil sua inspeção antes e depois do desastre.n Infra-estrutura em constante cresci- mento e com inovações tecnológicas.n Possuem uso contínuo, 24 horas por dia durante os 365 dias do ano.n Sua operação é indispensável duran- te emergências e desastres.

Em um novo cenário físico, no qual desde os últimos anos desenvolve-se a infra-estrutura dos serviços de água e saneamento, exige-se que todos os ato-res envolvidos no setor (comunidades, prestadores de serviços, autoridades lo-cais e setoriais, profi ssionais, fornecedo-res de insumos e tecnologias, agências de cooperação internacional) assumam os novos desafi os que assegurem a sus-tentabilidade destes sistemas em um ambiente cada vez mais adverso. É ne-cessário e prioritário:n Atualização do conhecimento e dos critérios técnicos para o planeja- mento, desenho e construção.n Desenvolvimento de novas tecno- logias e materiais que se adeqüem ao novo entorno e seus desafi os.n Compromisso dos fornecedores de insumos para levar materiais e tecnologias apropriadas a preços justos até as comunidades afetadas por desastres, especialmente as mais afastadas, para reparar e restabele- cer os serviços.

n Tornar as comunidades participantes e desenvolver suas capacidades especialmente no âmbito rural para a pre venção e resposta a emergências.n Modifi car o marco regulador dos serviços de água po- tável que algumas vezes considera os fenômenos natu- rais recorrentes, como por exemplo as inundações, como fatos fortuitos ou de força maior, com o qual as empre sas são eximidas da responsabilidade de garantir a entrega.

Hoje, quando a maioria dos países da região está reali-zando esforços e investimentos sociais importantes para o aumento da cobertura e da qualidade dos serviços de água potável, não dar atenção aos fenômenos naturais, especial-mente as inundações, como um dos fatores condicionantes para a sustentabilidade e qualidade destes serviços, colocará desnecessariamente em risco os avanços que os países obti-verem em seu compromisso com os Objetivos de Desenvol-vimento do Milênio, relacionados com o aumento da cober-tura da oferta de água potável.

Água: pelo menos o mínimo é indispensável

Durante situações de desastres todas as pessoas devem ter acesso seguro e eqüitativo a uma quantidade sufi ciente de água para beber, cozinhar e realizar atividades de higiene pessoal e doméstica. Com esta fi nalidade, os prestadores de serviços de água potável precisam atuar dentro de um marco regulatório apropriado.

Indicadores básicos para o setor durante situações de emergência e desastres:

Acesso à água e quantidade disponíveln Assegurar no mínimo 15l/pes soa/dia (beber, cozinhar e higiene)n Abastecimentos de saúde: 40-60l/paciente/dian Distância máxima entre mora dias e pontos de entrega de água: 500 mn O tempo de fi la nos pontos de fornecimento de água não deve exceder 15 minutos

Qualidade da águan Novas fontes de água não de vem ter mais de 10 coliformes para cada 100 mililitrosn A concentração de cloro resi- dual 0,5 mg/litro.n Turbidez da água menor que 5 UNT

Padrões de danos em componentes de aquedutos durante inundações

Fontes de água

Plantas de tratamento

Elementos próximos aos cursos de rios (obras de captação, eliminadores de areia, coletores, linhas de condução)

Tubulações (de água potável e de esgoto)

n Desvios de leitos de rios e aumento da turbidez da água crua.n Aumento de sedimentos nos leitos, que obstruem estações de captação e dutos.n Contaminação de águas subterrâneas por sobrecarga de aqüíferos.n Destruição, arrasto ou aterramento de obras devido à inundação. n Dano devido ao impacto de árvores e outros elementos flutuantes no leito do rio.

n Assentamento do terreno pela perda de resistência do solo devido à saturação ou erosão.n Danos em equipamentos elétricos devido à inundação (que provoca curtos-circuitos).n Interrupção total do funcionamento da planta devido à inundação e entrada de sedimentos em seus componentes.n Destruição de produtos químicos armazenados.

n Destruição, arrasto ou aterramento da obra.n Flutuação de estruturas que se encontram vazias no momento da inundação.n Danos em equipamentos elétricos abaixo do nível de inundação.n Erosão do leito no rio por aumento do fluxo.

n Ruptura e arrasto de tubulações localizadas em pontes, passagem elevadas, margens e leitos de rios e vales.n Desenterramento e arrasto de linhas de condução localizadas em zonas próximas a leitos de rios e vales, devido à erosão das margens ou deslizamentos provocados por chuvas intensas.

n 14 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 15 p

IRRIGAÇÃO

Na parte alta e média dos Andes, no dis-trito de Cajamarca, no Peru, foi feita uma aposta em um desenvolvimento integral e sustentável das comunida-des pobres graças à ação dos próprios moradores e da intervenção da Solu-ciones Prácticas – ITDG, organismo de cooperação técnica internacional de origem britânica, com 20 anos de atu-ação no Peru.

O projeto, executado em sociedade com a Solidariedade Internacional e o financiamento da Comissão Européia, da FONDOEMPLEO do Peru e outras fontes privadas européias, chama-se Yachan, nome derivado das raízes dos nomes das duas cidades mais impor-tantes da região, Chanta e Yanacan-cha.

A problemáticaA zona de trabalho é formada por

mais de 22 vilas localizadas nos dis-tritos de Bambamarca e La Encañada, nas províncias de Hualgayoc e Caja-marca, respectivamente. Estas vilas localizam-se entre 2.500 e 3.800 m de altitude, na nascente da bacia do Llau-cano, que forma um colchão aqüífero composto por um conjunto de lagos, lagoas, olhos d’água e pequenos ria-chos que cortam o terreno e se unem em direção à parte média e baixa, e vão formar o importante rio Llaucano, cujas águas vão dar no Oceano Atlân-

n Roberto Montero

Chefe do Projeto Yachan Soluciones Prácticas – ITDG

[email protected]

tico, graças ao caudaloso rio Marañón, afluente do Amazonas.

O período mais chuvoso estende-se de outubro a abril, quando ocorrem entre 75% e 95% do total de precipita-ções anuais. Como em muitas zonas rurais do Peru, o desmembramento do sistema social da fazenda nos anos 70, deixou uma paisagem rural fragmen-tada em minifúndios e estratégias produtivas individuais a cargo de uma população com baixos níveis educati-vos, tecnológicos, de organização e de acesso ao mercado. A isto soma-se a rigorosa reforma da economia perua-na, feita 1990, que ocasionou a virtual retirada do Estado do fornecimento de serviços agrícolas e que acarretou a fraqueza da produção e da economia camponesas.

Antes do início do projeto, a situação geral caracterizava-se por uma limita-da disponibilidade, em quantidade e qualidade, de pastos e cultivos, baixa produtividade pecuária, uma fraca ge-

ração de valor agregado do leite e um baixo nível na capacidade de organi-zação e gestão da população.

Estes problemas se refletiam no mau uso do recurso hídrico, com ca-nais antigos que provocavam desper-dício por vazamentos e infiltrações, e com uma gestão desorganizada e sem tecnologia, fonte de permanentes con-flitos entre produtores e vilas. Além disso, centenas de outras famílias não tinham acesso a este recurso devido

locais e em estreita colaboração com instituições públicas e privadas, como a divisão de irrigação do Ministério da Agricultura, o Serviço Nacional de Saú-de Agrária e empresas urbanas de pro-dução de queijo. Com a equipe técnica multidisciplinar e com abordagem de intervenção participativa o projeto foi implementado em abril de 2002.

O objetivo principal buscado pelo projeto é contribuir com o fortaleci-mento e a geração dos meios de vida das mulheres e homens camponeses da alta bacia do rio Llaucano. Em ou-tras palavras, trata-se de influir com mudanças significativas nos meios de vida das pessoas pobres, de forma a minimizar a situação de pobreza em que vivem.

Um aspecto fundamental para a sustentabilidade do projeto é a for-mação de promotores camponeses. Diante da escassa presença do Estado no setor agrário, o desenvolvimento de uma proposta de serviços privados de assistência técnica de camponês a camponês, que atuem de maneira per-manente e apropriada às condições sociais e produtivas dos pequenos e micro produtores, assegura a susten-tabilidade do projeto.

Por último, para que os resultados atingidos pelo projeto tenham maior abrangência, a Soluciones Prácticas – ITDG pretende informar e sensibilizar

Aposta no desenvolvimento integral e sustentável

à falta de infra-estrutura e sistemas de irrigação que canalizassem a água desde os pequenos rios e afloramen-tos, o que influía fortemente sobre sua capacidade de produção e a qualidade dela.

Isto afetava cerca de 50% da popu-lação com potencial de uso produtivo com irrigação na região, basicamente para a produção de pasto para o gado leiteiro. Com relação aos serviços bási-cos, 100% não tinha acesso a energia, mais de 50% não contava com água potável e cerca de 90% não tinha acesso ao serviço de telefonia.

Oferecendo soluções práticasGraças a um amplo conhecimento

da região como base em intervenções que vêm sendo feitas em Cajamarca há 15 anos, a Soluciones Prácticas – ITDG preparou uma proposta de desenvol-vimento de cinco anos, composta por diversos elementos de maior impacto e escopo em aliança com os governos

Produtor agropecuário Alondor Guerra Vargas aplicando uma dose para o controle da fasciolose (Distomatose hepática) em uma ovelha

os tomadores de decisão políticos por meio de debates e de uma ativa partici-pação em redes institucionais relacio-nadas à temática.

Produtor Juan Morocho e sua esposa, María

Castrejón, revisando sua plantação de

cevada

Diversas comunidades de baixa renda no Peru conseguiram produzir e vender seus produtos, além de estabelecer sistemas de irrigação para 800 hectares.

Elaboración de quesillo a cargo

de Sra. Otilia Vargas en el caserío de

Chanta Alta

n 16 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006

ALTO PERFILFoi possível instalar 16 siste-mas de irrigação entre os de aspersão e os sistemas tra-dicionais melhorados, com uma abrangência de aproxi-madamente 800 hectares

Gracias a los pastos mejorados, el ganado de María Castrejón, campesina, ha aumen-tado su producción lechera.

Pobladores cargando tuberías de conducción principal para la instalación del sistema de riego El Campanario.

O MUNDO TEM GRANDES DESAFIOS A RESOLVER NO QUE DIZ RESPEITO AO MANEJO DA ÁGUA. A AMÉRICA LATINA NÃO

É EXCEÇÃO E TAMBÉM DEVE ENFRENTAR O PROBLEMA DO TRATAMENTO DE ÁGUAS.

ENTREVISTA EXCLUSIVA COM LOÏC FAUCHON, PRESIDENTE DO CONSELHO MUNDIAL DA ÁGUA

POR NIDIA BURGOS Q.

Grandes desafi os para a região

ENE-MAR | 2006 AQUA VITAE 17 p

As conquistasAté agora, 1.800 famílias adotaram novas técnicas e de

ordenha, resfriamento de leite, dosificações, desmame pre-coce, manejo de pastos, ensilagem, uso de insumos agríco-las, manejo de cultivos, produção em hortas familiares, ma-nejo de irrigação técnica e melhorada, criação de animais menores e técnicas de produção de queijos e ricota com boas práticas de manufatura e sistemas de higiene.

Estas conquistas foram reforçadas pela ação de 60 pro-motores agrícolas, pecuários e agro-industriais, os quais, previamente informados e capacitados pelo projeto, atu-almente prestam serviços de assistência técnica aos cam-poneses nos aspectos citados, incluindo o empréstimo de insumos e sementes por meio de suas respectivas as-sociações.

No caso da infra-estrutura produtiva básica, foi possível instalar 16 sistemas de irrigação entre os de aspersão e os sistemas tradicionais melhorados, com uma abrangência de aproximadamente 800 hectares. Hoje, grande parte destes terrenos produzem mais e melhores pastos e seu rendimento por área foi duplicado. Da mesma forma, foi melhorada a infra-estrutura de 12 queijarias (água para consumo humano, melhoria de pisos e paredes para uma melhor higiene e instalação de equipamentos de processo mais apropriados como tinas, mesas de aço inoxidável e fo-gões a gás).

Graças a isso, 12 pequenas indústrias queijeiras em nível rural apresentam hoje melhores técnicas, higiene e condi-ções de produção. A qualidade de seus queijos fez com que agora não tenham problemas de colocação de seus produ-tos no mercado, conseguiram preços 30% melhores do que antes e mantêm um vínculo mais estável com seus compra-dores. Por sua vez, cerca de 180 fornecedores de leite e micro produtores, excluídos da cadeia de fornecimento de leite às grandes empresas, melhoraram sua renda como resultado de seu vínculo com as queijarias em Cajamarca, além de receber assistência dos promotores agro-industriais.

Por outro lado, também foi concluída a instalação de seis sistemas de água potável comunitários que beneficiam 250 famílias e 225 alunos que agora usam estes serviços em seus centros educativos. Está em processo de finaliza-ção a instalação de micro centrais hidrelétricas para forne-cer eletricidade a 150 famílias. Já foram instalados também quatro painéis solares para o uso comunitário dentro das escolas e foi construída uma via transitável que unirá 10 vi-

las, o que irá melhorar a interação entre eles e o acesso aos mercados, beneficiando neste caso aproximadamente 300 produtores.

O processo de desenvolvimento de capacidades na popu-lação foi realizado não apenas no nível de produtor indi-vidual, mas também nas diferentes formas e níveis de or-ganização. Foram formadas 50 organizações em diferentes frentes: comitês de irrigação, comitês de desenvolvimento de vilas, juntas de administração de serviços públicos, co-missão de irrigadores e associações de promotores etc.

Foram elaborados planos de desenvolvimento no interior de cada organização e o conjunto de vilas participou, pela primeira vez com sucesso, de um de seus direitos previstos por uma nova lei: a estruturação do orçamento participati-vo priorizando projetos com suporte orçamentário para seu futuro desenvolvimento, o que será canalizado por meio da municipalidade distrital.

Destaca-se também a recente formação da Comissão de Irrigadores, forma de associação que integra todas as orga-nizações de irrigação da bacia reconhecidas pela autoridade do setor e que será base para impulsionar de uma maneira responsável uma gestão eficiente da água e sua participa-ção na monitoração por meio de seus núcleos organizados em comitês, diante de qualquer risco de contaminação. Hoje, a população através de suas organizações formadas e fortalecidas, vincula-se com instituições externas em busca de serviços e apoio para seu desenvolvimento.

n 18 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 19 p

1. Em relação ao IV Fórum Mundial da Água, o que você considera como os principais desafios para serem enfren-tados pela América Latina?

Levando em consideração que não existe desenvolvimen-to humano sem o manejo do ciclo da água, alguns assun-tos que estão no centro das preocupações do momento, na América Latina e em todo o mundo são:

n O financiamento da água, que exige decisões claras em todos os níveis para que, de maneira definitiva “as torneiras sejam mais importantes do que os fuzis”.

n O direito à água cuja expressão deve ser sem ambigüi- dades, mas cujas modalidades devem ser definidas agora em função das especificidades nacionais.

n A organização institucional da água, com uma maior descentralização e respeitando o necessário equilíbrio entre o papel regulador do Estado e a responsabilidade das capacidades locais.

n A adaptação dos conhecimentos sobre a água e o forta- lecimento das capacidades tecnológicas, para que no final as transferências de conhecimentos e os progra- mas de pesquisa se adaptem às particularidades e as necessidades de cada comunidade.

n A noção de gestão de risco (risk management), um dos cinco temas do fórum mundial que também foi coloca- do em especial evidência.

2. Para você, qual é o principal aspecto com relação à água que as pessoas da América Latina devem resolver nos próximos anos?

Você pergunta com relação à América Latina, mas na verdade não há um único país no mundo que não tenha

problemas relacionados com a água. Atualmente é um assunto universal. A prioridade atual, em nível mundial, é proporcionar acesso à água e a condições de higiene con-venientes aos 2 bilhões de pessoas que não têm a sorte de poder se beneficiar destes serviços. A América Latina reúne todos as situações e problemas que possam ser encontra-dos no mundo. Entretanto, se eu precisasse definir qual é o maior desafio, diria que é o tratamento da água, porque o rápido crescimento das mega-cidades requer que este as-sunto seja considerado prioritário. É um desafio de saúde pública que vem antes do desenvolvimento.

3. Quais são as expectativas sobre os resultados práticos do IV Fórum Mundial da Água?

Os fóruns sobre água não são conferências internacio-nais, são locais e momentos abertos a todos sem nenhuma exclusividade, nos quais todos se reúnem para intercam-biar, dialogar e propor. Um dos objetivos essenciais desses fóruns é permitir estes intercâmbios e por sua vez a toma-da de consciência sobre os grandes desafios da água no mundo.

Evidentemente, espera-se um certo número de recomen-dações concretas, seja com relação aos cinco temas do Fó-rum, ou aos resultados dos diferentes grupos de trabalho (Task Forces) que foram constituídos (sobre o direito à água, o financiamento e a monitoração, entre outros) ou ainda dos encontros entre as coletividades locais, representantes e ministros.

4. Quais, na sua opinião, são as conquistas dos três fóruns mundiais da água anteriores?

Seria longo demais para detalhar aqui tudo o que os fó-runs anteriores trouxeram para a discussão da causa da água. Digamos primeiro que permitiram que uns e outros falassem do assunto. Foi também depois do fórum de Kyoto que pela primeira vez o G8 incluiu o assunto da água em sua

agenda. Os fóruns não são momentos ou locais onde são assinados tratados internacionais. Não é este seu objeti-vo. Os fóruns servem para fazer com que as consciências evoluam. Servem para testar idéias, trocar receitas entre as comunidades, os eleitos, os profis-sionais e outros. Os fóruns devem dar audácia, valor, esperança. É para isso que trabalhamos.

5. Quais são os aspectos mais impor-tantes para reduzir ou resolver alguns assuntos sobre a água na região latino-americana? Processos políti-cos, assuntos tecnológicos, recursos financeiros...?

A água tem a ver com todos os aspec-tos da vida cotidiana, mas as decisões que devem ser tomadas são antes de tudo políticas, no sentido da adminis-tração da cidade dentro de um marco democrático. Por isso não deixamos de insistir que as soluções encontram-se primeiro em nível local.

6. Atualmente, o que é necessário para melhorar o manejo do recurso hídrico?

É necessário primeiramente fazer com que se admita a idéia de que no futuro vamos ter que mudar sensi-velmente a nossa relação com o uso da água. Nas próximas décadas, uma regra irá se impor: desperdiçar menos água e administrá-la melhor. Estes dois aspectos estão totalmente liga-dos. Administrar melhor quer dizer especialmente evitar as perdas con-sideráveis tanto na agricultura como nas cidades, saber procurar sistemati-camente os vazamentos e repará-los, e quanto aos cidadãos, utilizar os avan-ços tecnológicos para cozinhar, lavar, regar o jardim, enfim em todas as ati-vidades em que água seja um fator da vida cotidiana. Isso nos levará a considerar água, se ainda não for o caso, como um recurso limitado. Isto também de-verá nos obrigar a colocar mãos à obra em todos os aspec-tos possíveis para dispor dos recursos hídricos em todos os lugares onde estão presentes no mundo.

7. O que você acredita que os latino-americanos poderiam fazer para ajudar nos assuntos mundiais da água?

Como em todos os países em vias de desenvolvimento, o que os latino-americanos devem fazer é exigir dos que tomam as decisões, que dêem prioridade ao acesso à água, para que seja uma realidade concreta, visível e proveitosa para todos.8- Alguns países da América Latina, como o México, Guatemala e El Salva-dor, foram devastados por desastres naturais como inundações, e a região mostra uma situação de vulnerabili-dade a estes acontecimentos. O que os latino-americanos necessitam para prevenir ou evitar efeitos piores no futuro?

Como eu disse, a noção de risk ma-nagement hoje em dia é um assunto importante e que foi centro dos traba-lhos do IV Fórum. O assunto das tem-pestades tropicais e inundações deve ser reconsiderado em um contexto de evolução climática complexa, cujos contornos continuam sendo ainda muito incertos, e dependentes de ci-clos curtos e de episódios instantâne-os. Por esta razão sua dimensão é mal avaliada, favorecendo evidentemente a ocorrência de situações extremas. Nossos meteorologistas estão um pouco desorientados e as conseqü-ências financeiras são extremamente elevadas.

O homem não pode evidentemente prever tudo, mas deve tentar preparar as populações, assim como os equipa-mentos essenciais para enfrentá-los. Neste sentido, diversos países da re-gião, do Caribe e do México, implan-taram um dispositivo de prevenção e de alerta que permitiram limitar as perdas humanas.Tudo isso tem um preço e vai custar caro. É preciso falar claramente, sem esconder nada das populações afetadas.

9. Por outro lado, qual sua opinião sobre o processo de pri-vatização dos serviços de água em alguns lugares, inclusi-ve na América Latina?

Eu gostaria, antes de mais nada, que fôssemos muito claros e precisos com relação aos termos. O que quer dizer privatização de um estabelecimento ou de uma sociedade? É a venda de seus ativos, de tudo o que constitui seu valor: bens, e imóveis, equipamentos, redes, a clientela. Este nun-

Em março foi realizado o IV Fórum Mundial da Água, reunindo centenas de represen-

tantes de organizações do mundo relacionadas com a água.

O que se pretendeu conseguir na prática com o encontros e que benefícios a América La-

tina pôde obter dessa reunião, são alguns dos assuntos tratados por Loïc Fauchon, presi-

dente do Conselho Mundial da Água, (WWC, segundo a sigla em inglês) em sua entrevista

concedida por e-mail à Aqua Vitae.

Também, a partir de sua visão tanto pública quanto privada, considerando sua experiên-

cia em ambos os setores, o senhor Fauchon cita os grandes problemas enfrentados pelo

mundo, em especial a América Latina, com relação ao recurso hídrico. Ele fala ainda de

sua visão a respeito das principais questões que estão em discussão sobre o manejo da

água em nível global e regional.

Do público ao privado

Loïc Fauchon desempenhou diferentes cargos, tanto no setor público como no privado. Desde 7 de janeiro de 2005 é o presidente do Conselho Mundial da Água, onde havia anteriormente ocu-pado a vice-presidente e teve o cargo de assessor da presidência.

Foi presidente do Groupe Eaux de Marseille, o quarto maior grupo francês no setor da água, especializado no fornecimento de água, esgoto, manejo de resíduos sólidos, iluminação pública e ser-viços urbanos de administração de software.

Fauchon é formado pelo Ins-tituto de Ciências Políticas e da Escola de Economia de Aix-en-Provence.

Antes de entrar no grupo, desenvolveu uma longa carreira no setor público, onde exerceu cargos em diversas organizações. Desde 1977 é presidente da orga-nização não-governamental que ele criou para missões humani-tárias na região subsaariana da África, e desde 1997 é vice-presi-dente do Instituto Mediterrâneo da Água. Em 2003 foi condecora-do com a Chevalier of Legion of Honour.

n 20 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 21 p

O fi nanciamento da água, que exige de-cisões claras em todos os níveis para que, de maneira defi nitiva “as torneiras sejam mais importantes do que os fuzis”

DE DENTRO

Cerca de 600 agricultores e mais de 1.500 hectares de terreno em diversas comunidades do México, receberam água para sua produção agropecuária, graças à iniciativa de irrigação para pequenos produtores na base social promovida pelo Grupo Amanco e a Ashoka naquele país.

Este projeto, que está sendo desen-volvido desde o ano passado, conse-guiu integrar uma série de organiza-ções para sua execução.

Em aliança com a Ashoka, organiza-ção não-governamental sem fins lu-crativos e a Rede de Agricultores Sus-tentáveis Auto-administrados (RASA), programa de empreendedores sociais, o Grupo Amanco México tornou pos-sível que um importante número de produtores agropecuários possam produzir com a tecnologia necessária, a um preço razoável, e com sistemas de financiamento favoráveis à sua condição econômica.

Gota a gotaEstes novos negócios que o Grupo

Amanco está procurando com sujeitos localizados na base social, consistem em sistemas integrais de irrigação e nos Invernamancos, que são estufas construídas à base de PVC. Estes pro-dutos estão voltados para a população que tem rendas menores do que US$ 1.300 anuais, com mais de cinco hecta-res de terra para o uso agrícola, pecuá-ria ou atividades florestais menores.

Para uso pecuário, os produtores de-vem se dedicar à pecuária extensiva. No caso de uso agrícola, a produção

Graças à união de uma série de vontades, um grupo importante de pequenos produtores agropecuários serão beneficiados com sistemas de irrigação adaptados às suas necessidades.

deve ser para consumo próprio e/ou e venda em pequena escala. Se o uso for florestal deve ser para consumo pró-prio (combustível básico), construção de moradias e venda para serrarias. Quanto à tendência desses terrenos, foi definido que deve ser de coope-rativistas ou pequenos proprietários, organizados em associações e coope-rativas agropecuárias.

O requisito quanto aos canais de co-mercialização é que, devido à atomi-zação da posse da terra, as empresas só podem acessar o projeto por meio de empreendedores sociais, fundos de desenvolvimento rural, programas de governo e organizações sociais.

A curto prazo, o objetivo da Amanco com a base da pirâmide é desenvolver e validar um modelo de negócio eco-nomicamente atraente, que ofereça acesso a sistemas de irrigação para produtores de poucos recursos.

Trabalho conjuntoNo longo prazo, o que a Amanco pre-

tende é demonstrar que as alianças comerciais entre o setor empresarial e organizações da sociedade civil po-dem contribuir de uma maneira ren-tável para que centenas de milhares de pequenos produtores e suas comu-nidades tenham acesso a produtos e serviços que lhes permitam melhorar suas condições de vida.

Para tanto, em associação com a Ashoka, estabeleceu alianças com pro-dutores agrícolas, assim como com instituições públicas e privadas deste setor. Também foram criados convê-nios com cooperativas e instituições financeiras.

A Amanco proporciona assessoria e oferece os sistemas de irrigação, en-quanto a Ashoka obtém o apoio do Governo mexicano e das entidades não-governamentais.

nNidia Burgos Q.

Mais do que um sistema de irrigação

Projeto em Atoyac de Alvarez, México

ca será o caso no que diz respeito à água, em que o respon-sável pelo serviço público, Estado ou coletividade, delega este serviço durante um determinado período ou em um determinado perímetro. Devemos então falar de concessão, e mais freqüentemente de arrendamento ou de gerência.

Os recentes fracassos de relação entre autoridade pública e empresa privada foram devidos, antes de mais nada, à am-bigüidades conscientemente mantidas de parte a parte.

Se nos unimos a um sócio, independentemente de sua atividade, cada um deve encontrar seu interesse nesta as-sociação. E para tanto é necessário que exista uma con-fiança mútua. Mas temos que deixar de fazer a população acreditar que recorrer a uma empresa vai mudar alguma coisa. É falta de respeito e não é aceitável. A colaboração entre o público e o privado exige idéias claras, valor político e conhecimento. É premissa inicial. Depois disso, o caminho a percorrer é longo.

10. Onde você considera que os países vão encontrar dinheiro para reduzir a pobreza em 2015, assim como recursos financeiros para construir sistemas de forneci-mento de água?

É preciso dizer a verdade, dizer ao povo que o tratamen-to da água, seu transporte, sua distribuição, têm um custo. Quer seja um Estado rico que assuma uma parte desse cus-to, ou que não seja, de uma forma ou de outra é o cidadão quem pagará.

Então é uma questão de prioridades que devem ser or-denadas de forma hierárquica. Você não percebe quando está gastando dinheiro demais com o automóvel ou com o telefone? Sem falar, é claro, dos orçamentos militares. E aqui está o papel principal de nosso conselho mundial: persuadir e convencer que é necessário inverter a ordem de prioridades e tornar água e o tratamento o primeiro dos bens públicos que é necessário proteger, valorizar e apor-tar em qualquer parte do mundo. Mas não faremos esse questionamento econômico, a não ser com a finalidade de satisfazer antes de tudo as necessidades essenciais da hu-manidade.

n 22 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006

A Amanco desenvolveu sistemas integrados de irrigação

Os sistemas de irrigação foram desenhados especial-mente para pequenos produtores agropecuários

Metas concretas: implementar cerca de 500 hectares de irrigação até o fi nal de 2005.

ÁGUA CLARA

POR NIDIA BURGOS Q.

A partir da premissa de que o acesso à água é um direito humano, considera-se que o pagamento por este serviço deve ser maior para

aqueles que mais consomem, e menor ou nulo para os que não contam com recursos econômicos.

ENE-MAR | 2006 AQUA VITAE 23 p

As organizações de produtores instalam o novo sistema de irrigação, com o qual aumentam sua produtividade e rentabilidade. Ao mesmo tempo, as cooperativas ofere-cem assessoria agrícola, garantem o crédito e apóiam os produtores, além de promover as vendas dos produtos e pagar a instituição financeira. Estas últimas financiam os sistemas de irrigação e recebem os pagamentos.

Para este projeto específico, conta-se com o apoio de instituições públicas e privadas do setor agrícola, como a Comissão Nacional da Água (CNA), da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Desenvolvimento Rural, Pesca e Alimentação (Sagarpa), dos Fideicomissos Instituídos em Relação à Agricultura do Banco do México (Fira) e do Fi-deicomisso de Risco Compartilhado (Firco).

Resultados concretosO projeto de irrigação do Grupo Amanco e da Ashoka

tinha metas concretas: implementar cerca de 500 hec-tares de irrigação até o final de 2005, assim como gerar apoio para obter vendas de US$ 190 mil na base social, com uma contribuição marginal de 25%.

Também procurava gerar apoios comerciais para ob-ter a venda de cerca de US$ 1,5 milhão para 2006, assim como implementar mais 1.106 hectares de sistemas de irrigação e uma margem de 30% para o mesmo ano. O Grupo Amanco também pretendia vender 250 equipa-mentos Invernamanco em 2006, com preço médio por equipamento de US$ 1.500,00 e uma margem de lucro de 30%.

Com esta finalidade, a CNA, por meio dos projetos Aliança para o Campo, participa com 50% do preço do projeto, enquanto que o agricultor contribui com 30%. Para tanto, a Fundação Mexicana de Desenvolvimento Rural (FMDR) oferece um crédito subsidiado com um ano de prazo para o pagamento.

As principais vantagens previstas para os produtores, além de uma melhor produção e venda de seus produtos, será uma melhora em sua qualidade de vida, uma vez que aumentam sua produtividade e reduzem o tempo e o esforço físico. Além disso, poderão explorar possibili-dades de cultivo mais rentáveis e o sistemas de irrigação poderão ser adquiridos em condições atraentes através de redes sociais.

escalonadoPagamento

n 24 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 25 p

E sta é a opinião de alguns especialistas consultados a respeito de qual deve ser a fatura a ser paga pelas pessoas que recebem o serviço de água.

A principal conclusão é de que ao contrário das leis do mercado, nas quais a fatura se torna mais barata à medida que se consome mais, o melhor seria que daquele que mais consome fosse cobrado mais, para que financie em parte aqueles que não contam com recursos para fazer uso do direito humano à água.

Valor e preço“Somente os néscios confundem valor e preço” diz Mi-

guel de Unamuno, que é citado por Pedro Arrojo, presidente da Fundação por uma Nova Cultura da Água, com sede na Espanha.

Neste sentido, Arrojo considera que há coisas que não podem ser compradas nem vendidas, e que uma delas é a água. No entanto, reconhece que existe a necessidade de recuperar os custos do manejo do recurso hídrico e que deve ser oferecido um bom serviço às pessoas.

Embora deva ser aplicada uma racionalidade econômica, ela não deve ser de mercado, mas de interesse público, de forma que este recurso não seja transformado em um ne-gócio, mas no que realmente é: um bem da humanidade.

Arrojo considera que o serviço de água deve conseguir uma recuperação integral dos custos para poder oferecer um serviço de qualidade às pessoas e que para tanto deve ser criado um sistema crescente de pagamento de cus-tos, de acordo com o qual, aquele que mais consome paga mais.

“Se for definido o conceito de ‘preço’ como aquele instru-mento que é utilizado para determinar o valor econômico de um bem, mediante mecanismos de mercado (oferta e demanda e) é claro que água não pode, juridicamente, ter um ‘preço’ uma vez que não pode ser vendido ou compra-do ou comerciado de forma nenhuma, considerando-se seu caráter natural”, afirma por sua vez, Jorge Mora, coordena-dor regional da Rede Centro-americana de Ação da Água (FAN-CA).

Com efeito, Mora diz que a água deve realmente ter um valor econômico, que deve ser determinado por instrumen-tos econômicos diferentes daqueles de mercado, no que concorda com Arrojo.

Contudo, para Mora não é correto falar de “preço” da água, por considerar juridicamente incorreto, mas sim de “valor econômico”, que é uma categoria muito mais ampla que permite compatibilizar a noção da água como bem de

domínio público, de acordo com o princípio 4 da Declaração de Dublin, que reconhece água como um bem econômico (veja o quadro: “valor econômico da água”).

Para Raúl López, coordenador do Programa Promovendo a Eqüidade Através do Crescimento Econômico (PEMCE/DFID), este valor econômico deve ser definido de acordo com as variáveis que integram o custo social de oportuni-dade, o que implica na garantia de oferta hídrica para os diferentes setores da sociedade.

Conforme seu critério, o custo social inclui diferentes ca-tegorias, as quais devem ser consideradas nas políticas de preços do recurso, para assegurar a sustentabilidade am-biental e econômica dos processos naturais e sociais que participam na garantia de sua oferta a diversos setores.

Direito humano“O direito humano à água implica no direito de todas as

pessoas de contar com água suficiente, segura, de qualida-de aceitável e acessível tanto em preço como fisicamente, para uso pessoal e doméstico”, afirma a observação geral número 15 do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-rais da Organização das Nações Unidas.

Pedro Arrojo diz que a água deve ser cobrada de acordo com três níveis: o primeiro aplica o critério de que a água é um direito humano. Isto implica em que todas as pessoas têm direito ao seu acesso para suas necessidades básicas, tenham ou não recursos. Um segundo é o que ele chama de “água e cidadania”, que estaria em conexão com os direitos sociais da cidadania e com o interesse geral da sociedade, como por exemplo para funções de saúde pública. O tercei-ro nível na prioridade de uso da água seria para o desenvol-vimento econômico e para uso de luxo, que teria um custo mais elevado.

Para Mora, o reconhecimento jurídico da água como um direito humano fundamental transcende o direito ao aces-so a ela, embora também esteja incluído. A água como um direito incluiu uma série de componentes como a disponi-bilidade, a quantidade, a qualidade e a acessibilidade.

Esta última por sua vez possui quatro dimensões: o aces-so físico, econômico, sem discriminação, e com informação. Ele cita como variáveis para determinar o valor da água ou os custos de administração dos sistemas de abastecimen-to, de proteção do recurso, assim como dos ecossistemas que o conservam, os de tratamento, prestação do serviçoe o de oportunidade. Acrescenta que devem ser consideradas outras variáveis que permitam garantir justiça e eqüidade no fornecimento.

Quando se trata de água não se deve falar em um pre-ço, uma vez que se fala de um bem de domínio público que não pode estar sujeito aos mecanismos de mercado, de oferta e demanda, mas que tem um valor econômico que será determinado levando em consideração variáveis financeiras e sociais.

Para López, algumas das variáveis que devem ser consideradas são os cus-tos ambientais em que se incorre para assegurar a oferta de água natural, assim como aqueles que a sociedade assume para manter uma boa gestão dos recursos hídricos, os de capital dos investimentos em obras hidráulicas, dispositivos de captação, purificação, redes de distribuição e fornecimento que as empresas de água constroem para entregar o recurso para diferen-tes atividades de produção de bens e serviços, ou de consumo.

Também seria necessário levar em consideração os custos de operação e manutenção em que se deve incorrer para assegurar o funcionamento dos sistemas de fornecimento de água para diferentes usos.

Custos crescentesConsiderando-se o direito humano à

água e a necessidade de cobrir os cus-tos pela gestão dos recursos hídricos, a proposta é estabelecer um sistema de custos crescentes, no qual o que con-

some mais paga mais e vice-versa. Assim, a escala começaria em uma

determinada quantidade de litros que poderiam ser por exemplo 30 ou 50 litros, que não seriam cobrados, para incluir pessoas que não contam com recursos para pagá-los, ou então po-deria ser cobrado um valor reduzido. A partir daí, sucessivamente seriam de-finidas diversas escalas de consumo com preços diferentes de acordo com a quantidade e a utilização da água.

Uma proposta similar faz Mora, que diz que na definição tarifária devem ser considerados os possíveis cus-tos de impactos sociais, estabelecer subsídios cruzados, assim como uma linha-base, abaixo da qual não deve-ria ser cobrado pelo fornecimento de água potável e acima das quais deve-ria haver um sistema escalonado de custos que respeite o princípio de que “a maior consumo, maior o custo”.

López concorda que a água é um di-reito humano e portanto seu forneci-mento à população deve ser prioritá-rio e garantido. No entanto, esclarece

Sistema de pagamentos de custos crescentes: quem consome mais, paga mais.

Valor econômico da água

Declaração de Dublin sobre a Água e o Desenvolvimento Sustentável (1992)

“Princípio No. 4. A água tem um valor econômico em todos os seus diversos usos com relação aos quais se destina e deve ser reconhecida como um bem econômico. Em decorrência deste princípio, é essencial reconhecer antes de mais nada, o direito fundamen-tal de todo ser humano a ter acesso à água pura e ao saneamento por um preço acessível. A ignorância, no passado, do valor econômico da água levou ao desper-dício e à utilização deste recurso com efeitos prejudi-ciais para o meio ambiente. A gestão da água, em sua condição de bem econômico, é um meio importante de conseguir um aproveitamento efi caz e eqüitativo de favorecer a conservação e proteção dos recursos hídricos.”

Declaração Ministerial do Terceiro Fórum Mundial da Água (Kyoto, 2003)

“Devem ser arrecadadas verbas mediante a adoção de critérios de recuperação de custos que se adaptem às condições climáticas, de meio ambiente e sociais do local, e segundo o princípio de que ‘o contaminador paga’, dedicando a devida consideração aos pobres. Todas as fontes de fi nanciamento, tanto públicas como privadas, nacionais e internacionais, devem ser mobilizadas e utilizadas do modo mais efi caz e efi cien-te possível”.

Fonte: site da UNESCO na Internet

que disso não decorre que não se deve cobrar por seu fornecimento. Ele con-sidera que para garantir sua provisão no decorrer do tempo é preciso garan-tir a base financeira de sua conserva-ção, manejo e fornecimento. “Isto pos-to, se houver setores que em razão de sua situação econômica não estejam em condições de assumir estes custos, a sociedade deve criar um mecanis-mo para assegurar que essas pessoas disponham do recurso; e isto pode ser por meio de um sistema de subsídios diretos ou sistemas diferenciados de tarifas”, recomenda.

MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 27 p

LEI LÍQUIDA

Por ser um recurso essencial para a vida

com caráter finito e vulnerável, água e

seu uso responsável é um direito e uma

responsabilidade dos seres humanos. Portanto, falar

da legislação da água e dos processos de participa-

ção pública é um tema relevante.

Diretora da União Mundial para a Natureza (UICN) | Mesoamérica

POR DRA. GRETHEL AGUILAR

Leisda águae participação cidadã

A participação pública na formula-ção de leis da água é um assunto que surgiu em diferentes fóruns mundiais, nacionais e regionais. No entanto, ao colocar em prática o que foi acorda-do, não foram feitos grandes avanços, e existem razões para acreditar que ainda há um longo caminho a ser per-corrido. São muitos os compromissos assumidos pelos governos com rela-ção à água. Vale a pena citar alguns objetivos sobre os quais é necessário continuar investindo.

No princípio de 1992, na Irlanda, a Conferência Internacional Sobre a Água e o Meio Ambiente adotou a Declaração de Dublin, e foi destaca-do como um de seus princípios que o desenvolvimento e a gestão da água devem se basear em um enfoque par-ticipativo em todos os níveis, inclusive naqueles mais baixos.

Em 1994, a América Central depois da assinatura da Aliança para o De-senvolvimento Sustentável (ALIDES), comprometeu-se a priorizar a formu-lação de políticas e legislação sobre manejo e conservação dos recursos hídricos.

Durante a Cúpula Mundial de De-senvolvimento Sustentável em Joa-nesburgo, em 2002, a América Central junto com o restante dos países repre-sentados, assumiu o desafio para 2015 de reduzir pela metade a população

sem acesso a serviços de água potável e de tratamento de águas residuais, as-sim como alavancar o manejo integra-do dos recursos hídricos e a promoção de sistemas de produção mais limpa, com um uso mais eficiente da água, da energia e das matérias-primas. Nesta tarefa, além dos governos, está comprometido cada um dos cidadãos da região centro-americana. Como le-var a cabo o processo de participação e fortalecer o diálogo entre cidadãos e governantes é o nosso desafio.

Em 2005, a região centro-americana tinha leis que não correspondiam à realidade e às necessidades da popu-lação. A Costa Rica conta com a lei de águas de 1942, Honduras com uma de 1927 e o Panamá com outra de 1966. Paralelamente, na falta de um marco regulatório, outras leis setoriais e de-cretos tentaram criar remendos para tornar viável o uso do recurso. Apenas a Nicarágua conta com uma política de recursos hídricos, e recentemente a Costa Rica com uma estratégia hídrica nacional.

De uma análise rápida, pode-se des-tacar que novas leis da água não têm constituído prioridades políticas, es-pecialmente se competem com temas com a abertura econômica, a privati-zação de serviços, os planos fiscais e mais recentemente a discussão sobre tratados de livre comércio.

“Como levar a cabo o processo de partici-pação e fortalecer o diálogo entre cidadãos e governantes é o nosso desafi o.”

n 26 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006

Responsável pelo Desenvolvimento e Cooperação Internacional, CATHALACP O R Z V I A L E I B L E R - D A N O N

Paradoxalmente, muitas dessas prioridades dependerão de um mane-jo adequado dos recursos hídricos. Em alguns países inclusive, seria colocado sobre a mesa o assunto da privatiza-ção da água.

A participação pública ideal deve nos levar a leis que considerem o inte-resse comum dos cidadãos acima dos interesses particulares. A única forma de assegurar que isto ocorra é partici-pando. No entanto, é claro que não se trata de participar superficialmente, mas de organizar-se para fazê-lo de forma consciente e responsável.

Os seres humanos organizados sem-pre lutaram pelo direito de participar. Em 1992, durante a Cúpula Mundial da Terra no Rio de Janeiro, foi reconhecida internacionalmente a importância da participação pública como mecanis-mo para alcançar um desenvolvimen-to mais eqüitativo e sustentável.

Esta declaração mostrava a neces-sidade de recorrer a outros setores da

sociedade como estabelecido em seu princípio no 10, que diz que o melhor modo de tratar as questões ambien-tais é com a participação dos cidadãos interessados, no nível correspondente.

De diferentes modos, as constitui-ções políticas da América Central e as leis-marco ambientais reconhecem a participação como um direito do ci-dadão, portanto pode-se dizer que as carências não estão na lei, mas em sua implementação inadequada. Não basta reconhecer este direito em um contexto legal, é necessário possibi-litar que essa participação se trans-forme em realidade, definir métodos, tempos e espaços para a participação.

A América Central localiza-se em uma das regiões mais úmidas do mun-

do. Esta aparente vantagem esconde problemas de disponibilidade natural da água que se agravam com a distri-buição desordenada da população e a acelerada a atividade econômica. Pro-blemas relacionados com a distribui-ção e a qualidade da água mostram uma situação complexa para a gestão dos recursos hídricos, que dá origem a conflitos cada vez mais graves pelo acesso à água em quantidade e com qualidade.

Atualmente, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Panamá e Guatemala ela-boram novos projetos de lei que estão em discussão ou em processo de se-rem discutidos nos respectivos con-gressos. Recentemente em Belize e El Salvador foram abertas discussões para criar as condições necessárias com a finalidade de elaborar leis de água, assim como planos hídricos na-cionais.

Com exceção de alguns cidadãos e setores, na América Central chegou-se

a um estado de descrença nos siste-mas de participação, embora com a certeza de que contamos com a capa-cidade técnica e com o conhecimento tradicional guardado e utilizado nas comunidades locais e aldeias indíge-nas para fazer a melhor gestão possí-vel do recurso hídrico de acordo com nossas realidades.

A água, por ser imprescindível para a sobrevivência das sociedades, exige que se examine sua contribuição ao desenvolvimento sustentável como um desafio inadiável. Conseguir um manejo sustentável da água como elemento essencial para a vida atual e das futuras gerações é a responsabili-dade de todo governante e cidadão, e isto é o que significa participação.

“A participação pública ideal deve nos levar a leis que con-siderem o interesse comum dos cidadãos acima dos inte-resses particulares.”

O Sistema Regional de Visualização e Monitoração (Servir) oferece informações valiosas sobre as alte-

rações climáticas e possíveis desastres naturais.

TECNOLOGIA

Em março de 2002, os presi-dentes dos países da região anunciaram a continuação

e expansão da Declaração Conjunta entre a América Central e os Estados Unidos, chamada CONCAUSA, que inclui entre outras ações fortalecer a capacidade da América Central para adaptar-se às alterações climáticas e aliviar as emissões de gases de efeito estufa, assim como prevenir e administrar os desastres naturais.

Portanto, em 2002 Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (Nasa), com o apoio financeiro da Agência dos Estados Unidos para

o Desenvolvimento Internacional (USAID) decidiu estabelecer na área o Sistema Regional de Visualização e Monitoração (Servir) no Centro da Água do Trópico Úmido para a Amé-rica Latina e o Caribe (CATHALAC), com um sistema paralelo no Mar-shall Space Flight Center em Alaba-ma, Estados Unidos.

A partir de sua sede no CATHALAC é monitorada uma área geográfica que vai desde a parte sul do México até o istmo do Panamá e, espera-se a curto prazo, a expansão para ou-tras áreas geográficas como o Cari-be e o norte da América do Sul.

SERVIR:para tomar decisões

n 28 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 29 p

florestais, tempestades tropicais, inundações, secas e erupções vulcâ-nicas. Também oferece ferramentas amigáveis e interativas a estudantes e ao público em geral. Tudo isso é di-vulgado diária e sistematicamente no site do Servir na Internet (http://servir.nasa.cathalac.org) que oferece acesso aberto e gratuito para: 1.Baixar arquivos vetoriais e de imagens de satélites por meio da janela denominada “informação mesoamericana” e um compo-

O CATHALAC é um organismo internacional autônomo, formado em 1992, por meio de um convênio entre a república do Panamá e a Or-ganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e para promover o desen-volvimento humano sustentável por meio da melhora do conheci-mento sobre o ciclo da água, e de uma gestão integrada dos recursos hídricos e do ambiente, inspirando, informando e disponibilizando aos estados membros e membros as-sociados da Unesco, os meios para melhorar sua qualidade vida sem comprometer a das futuras gera-ções.

O Sistema Regional de Visualiza-ção e Monitoração foi instalado no CATHALAC, na Cidade do Saber, Pa-namá, em fevereiro de 2005.

O Servir utiliza intensivamente imagens de satélite e outras fontes de informação para o manejo am-biental e o apoio para a mitigação de desastres. Ele arquiva, processa, gera e divulga, diária e sistematica-mente, dados informativos por meio do uso de sofisticados equipamen-tos de computação e informação, com o intuito de orientar seus pro-dutos para áreas temáticas como incêndios florestais, inundações, monitoração da alteração e uso da terra, pesquisa sobre os recursos hídricos, integração das zonas cos-teiras, equilíbrio energético, ciclo do carbono e cenários climáticos.

A arquitetura computacional do Servir também abriga dados de outras iniciativas regionais como o Sistema de Informação Ambiental Mesoamericano (Siam), a Rede In-teramericana de Informação sobre Biodiversidade (Iabin) e a Base de Dados Global de Recursos de In-formação do Programa de Nações Unidas para o Desenvolvimento (Unep-Grid) para a América Latina e o Caribe.

A função do SERVIRO Servir conta com ferramentas

geoespaciais que permitem ver as camadas de informação com avan-çada resolução. Entre alguns as-pectos do sistema destacam-se: a visualização das informações sobre

eventos sísmicos e de imagens diárias sobre incêndios florestais, monitora-ção de área de eventos atmosféricos. Para previsão do tempo foi instalado o Modelador MM 5 (Modelo de Mesoes-cala de quinta geração) que possibilita prognosticar variáveis como umidade relativa e calcular níveis de precipita-ção e ponto de orvalho nas camadas atmosféricas.

Com a instalação do Servir no CA-THALAC, planejadores, engenheiros, construtores e ambientalistas de en-tidades governamentais e privadas podem acessar dados recolhidos por satélites sobre a detecção de qualquer evento emergente e usá-los para uma posterior tomada de decisões e medi-das preventivas.

Informações vitais para decisõesO Servir pode ser utilizado por cien-

tistas, educadores e tomadores de decisões para monitorar e prever de-sastres naturais relativos a incêndios

SERVIR cuenta con servidores de datos de modelos climáticos y con información disponible para el usuario

“A partir da sede do CATHALAC é monitora-da uma área geográfi ca que vai desde a parte sul do México até o Canal do Panamá”

GOTAS 2006: Ano Internacional dos Desertos e da Desertifi cação (IYDD)

O Ano Internacional foi declarado na seção 58 da Assembléia Geral das Nações Uni-das, em um esforço para frear a desertifi cação em todo o mundo, assim como os custos decorrentes da devastação ambiental, social e econômica.

O IYDD proporciona uma oportunidade maior para reforçar a visibilidade e a impor-tância da questão das terras secas na agenda ambiental internacional, ao mesmo tem-po que mostra a natureza global do problema. Todos os países e as organizações sociais civis estimularam a tomada de iniciativas especiais para celebrar o ano e os preparativos já estão bem encaminhados em todo o mundo.

Aorganização Convenção da Secretaria das Nações Unidas para Combater a Desertifi cação (UNCCD)

@ e-mail [email protected]

!web www.unccd.int/publicinfo/pressrel/showpressrel.php?pr=press02_11_05

n 30 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006

nente denominado Mesostor.2.Mapas interativos on line.3.Ferramentas para a tomada de decisões temáticas.4.Visualizações interativas em 3 D.

As áreas temáticas de apoio na tomada de decisões disponíveis in-cluem detecção de incêndios, con-centração de clorofila, alterações climáticas, a previsão do clima de curto prazo, gestão de zonas costei-ras, mudança de cobertura e uso de terras, monitoração de reservatórios de carbono terrestre, recursos hídri-cos e manejo de desastres.

Este projeto proporciona valor agregado às atividades em curso e de treinamento no CATHALAC, servindo às demandas crescentes por capacitação de universidades, desenvolvedores de projetos, setor privado, ONGs e profissionais inte-ressados que desejem incrementar ou atualizar suas capacidades.

AliançasO Servir é financiado principal-

mente pela Nasa e pela USAID. Ou-tros sócios-chave são a Comissão Centro-americana de Ambiente e Desenvolvimento (CCAD), o Banco Mundial, a Autoridade Nacional do Ambiente do Panamá (Anam) e os ministérios do Ambiente de cada um dos países da América Central, a Cidade do Saber e no setor privado, Cable & Wireless Panamá, EGE For-tuna S.A. e Tierras Altas S.A.

Por que existe a necessidade de se criar este sistema?

A região centro-americana ca-racteriza-se por ter uma das zonas de maior biodiversidade e bosques

tropicais no mundo. Conta com mais de 30 áreas protegidas de importân-cia internacional. As áreas de bosques cobrem 30% do território centro-ame-ricano e contém quase 12% das costas Caribenhas e da América Latina, in-cluindo 567 mil hectares de mangue-zais e 1.600 km de barreiras de coral.

No entanto devido à sua posição geográfica, durante as últimas déca-das eventos naturais e antropogêni-cos, como alteração climática, secas, inundações, tempestades e furacões, os fenômenos do El Niño e La Niña, incêndios florestais e erupções vul-cânicas provocaram grandes perdas, tanto humanas como ambientais. In-felizmente, eventos extremos do tem-po e do clima na região evidenciaram

a vulnerabilidade da região. Como exemplo específico, os impactos do furacão Mitch que deixou na região mais de nove mil e perdas avaliadas em US$ 8, 5 milhões.

CATHALAC801 Ciudad del Saber, ClaytonCaixa Postal 0823-03976, Panamá,República do PanamáTel.: +(507) 317-0125/1640Fax: +(507) 317-0127e-mail: [email protected]: www.cathalac.org

n Para mais informações

MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 31 p

n 32 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 33 p

OPINIÃO

O sistema gerador de eletricidade no Brasil é predominantemente hidráuli-co, mas esta tendência diminuiu nos últimos anos. O porcentual da gera-ção elétrica chegou a 96% em 1992, tendendo gradualmente a cair para a 86% em 2001. Em função da crise de energia de 2001, provocada por uma situação hidroclimática anômala, as-sociada a uma superutilização dos reservatórios de armazenamento de água, houve uma falsa expectativa de que a geração térmica iria prevalecer na expansão do parque gerador bra-sileiro.

A tendência para os próximos anos, pelo menos até o horizonte de 2010, é de manter a atual participação hi-dráulica no parque gerador brasileiro. Os sistemas de geração hidrelétrica das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oes-te, Nordeste e Norte, estão interco-nectados para possibilitar a sinergia hidrológica das diferentes regiões. As principais características destes sis-temas de geração e transmissão são: reservatórios com regularização mul-tianual, grandes distâncias entre as instalações de geração e os centros de carga, bacias hidrográficas com di-versidade hidrológica possibilitando sinergias, um grau muito elevado de integração elétrica entre subsistemas e um grande potencial de desenvolvi-mento hidrelétrico, principalmente na Amazônia.

Ainda persistem limitações de trans-ferência elétrica entre os subsistemas, que na crise de 2001 impediram um maior equilíbrio entre o excesso de energia no sul e a escassez de energia no sudeste e no nordeste. Consideran-do o plano de expansão do sistema re-comendado pela Eletrobrás para 2015, os recursos elétricos brasileiros por di-versas fontes geradoras são mostradas em quadro à parte. Pode-se observar que praticamente a única alternativa

economicamente viável para os próxi-mos anos é a hidroeletricidade.

Sendo assim e considerando o pla-no de expansão do Governo federal, a agência reguladora de serviços elé-tricos – Aneel -, deverá fornecer a con-cessão para instalações hidrelétricas, dado o grande potencial disponível com custos significativamente infe-riores a outras alternativas e devido ao fato de ser uma fonte renovável cujo custo de operação não está sujeito a oscilações de preço de combustível no mercado internacional, entre outras razões.

Para complicar ainda mais esta rela-ção entre água e energia, nota-se que mais de 50% do potencial hidrelétri-co brasileiro está localizado na Bacia Amazônica, especialmente no estado do Pará. A capacidade de transferência de energia entre a região amazônica e as regiões Norte e Nordeste é maior que 5.000 MW e o Sudeste/Centro-Oeste varia entre 3.000 MW e 6.000 MW, dependendo dos cenários de de-manda energética. Com a inclusão dos rios Madeira e Tapajós, existe a possibi-lidade de transferir outros 11.000 MW. Quatro hidrelétricas podem suprir esta energia: Belo Monte (11.000 MW) e Altamira (5.720 MW) no Xingu; TA-1 (9.528 MW), na bacia do Tapajós e MR-1 (6.854 MW), na bacia do Madeira.

O relatório da Comissão Mundial de Barragens (2000) apresenta uma

Água e energia no BrasilnProf. Benedito Braga | Diretor da Agência Nacional de Águas, Brasil

Fonte Potencial GW*-ano GW

Custo( US$ / MWh** )

Hidro 123,5 247,0 33% menor que 4029% entre 40 e 7028% maior que 70

Carvão 12,0 18,0 50 a 70Nuclear 15,0 25,0 60 a 70Total 150,5 290,0

Recursos Elétricos de Acordo com a Fonte Geradora

sucessão de casos nos quais no pas-sado as barragens foram construídas levando em consideração apenas o as-pecto econômico, e ocorreram danos sociais e ambientais consideráveis. Estes casos foram utilizados por gru-pos ambientalistas radicais para mos-trar que não devemos construir mais barragens. Parece prudente que no processo de construção dessas hidre-létricas, importantíssimas para o de-senvolvimento do país, a análise seja feita em nível de bacia hidrográfica, dentro de um contexto de tomada de decisão com objetivos múltiplos que levem em conta não apenas aspectos econômicos, mas também sociais e ambientais.

Todos esses aspectos deveriam ser considerados desde as fases iniciais do aproveitamento para evitar a neces-sidade das medidas paliativas reco-mendadas nos relatórios de impacto ambiental. Neste sentido, não é reco-mendável o uso de índices simplistas com relação à área inundada por MW instalado, ao número de pessoas de-salojadas involuntariamente, propos-tas por Goodland (1996), para decidir sobre a conveniência ou não de uma usina hidrelétrica. Novos paradigmas, como inserção regional do projeto no nível da comunidade e uso de múlti-plos recursos hídricos devem ser inclu-ídos no processo decisório da localiza-ção e do aproveitamento elétrico.

AMBIENTE

Instituto de Engenharia UNAM, México | Presidente eleito da AIDIS

P O R A D A L B E R T O N O Y O L A

objetivoobjetivoobjetivoTratamento de águas residuais: o grande

A América Latina conta com uma população de 526,7 milhões de pessoas (8,5% do total mundial) que con-vive com enormes desigualdades sociais e econômi-

cas. O Produto Interno Bruto (PIB) anual dos países da região vai desde os US$ 440/habitante (Haiti) até US$ 5.910/habitante (Méxi-co). Como um dado comparativo, a principal economia mundial e o nosso vizinho do norte, Estados Unidos, tem um PIB de US$ 35.060/habitante, dez vezes maior do que a média da região.

n 34 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006

n Pie de foto

O CAMBIAR

As soluções para o sane-amento devem ser em grande parte inovadoras e originadas do conhe-cimento profundo da problemática específica que a região apresenta.

Neste contexto de escassos recursos econômicos os países da região en-frentam um atraso histórico em maté-ria de serviços, especialmente aqueles relacionados ao saneamento básico e à saúde. Os habitantes da América Latina que têm acesso à água potável, conforme números do ano 2.000 do Banco Mundial são 84,9% e ao sane-amento (seja a rede de esgoto ou in situ) são 77,7% (os números mundiais são 80,5% e 56,2% respectivamente).

Nos últimos anos, diversas metas para atender o atraso na área de água e saneamento básico foram apresen-tadas por organismos internacionais e por governos nacionais. Todas elas eram muito ambiciosas e nenhuma foi cumprida em grau importante. Em se-tembro de 2.000 a Assembléia das Na-ções Unidas apresentou as Metas de Desenvolvimento do Milênio. A meta 7 pretende assegurar a sustentabilida-de ambiental e tem dois objetivos que dizem respeito ao saneamento:

n Objetivo 10: reduzir à metade a proporção de pessoas sem acesso à água potável em 2015

n Objetivo 11: alcançar em 2020 um aumento significativo na qualidade de vida de pelo menos 100 milhões de habitantes em áreas marginalizadas

Diante da dimensão do desafio, é imperativo desenvolver e implantar novas soluções para o eterno déficit de infra-estrutura para o manejo da água residual. Os novos sistemas adminis-trativos e tecnológicos deverão con-siderar as limitações e possibilidades próprias da região, com uma alta dose de inovação e adaptação, desprezando em diversos casos as soluções conven-cionais.

Situação do saneamento na América Latina

Em matéria de saneamento, embora a cobertura deste serviço seja relativa-mente representativa na região (77,7%) os esgotos servem apenas a 49% da população, uma vez que 31% dispõe de fossas ou tanques sépticos. De qual-quer forma, o tratamento das águas residuais municipais ainda é limitado, uma vez que na América Latina, em média, são tratadas apenas 15% do to-tal captado pelos sistemas de esgoto.

As tecnologias de tratamento apli-cadas na região América Latina são

em sua maioria lagoas de estabiliza-ção, seguidas pelo processo de lodos ativados. Vale destacar o surgimento nos últimos anos do tratamento pri-mário avançado (primário com a adi-ção de coagulantes) em instalações de tamanho significativo. No Chile, a Su-perintendência de Serviços Sanitários (SISS, 2003) contabilizou em 1998 um total de 81 plantas de tratamento com uma cobertura de 17%, das quais 75% eram lagoas de estabilização.

Naquele ano ainda não haviam sido instalados sistemas de lodo ativado. A evolução no Chile ocorreu de tal forma que atualmente existem 152 plantas de tratamento com 48% de cobertura, das quais 16% são lagoas de estabili-

zação e 40% plantas de lodo ativado. As empresas sanitárias concessioná-rias do serviço de abastecimento, eva-cuação e tratamento no Chile previ-ram ainda que 77% das novas plantas de tratamento serão do tipo de lodo ativado e nenhuma lagoa de estabili-zação.

O plano de aumento na cobertura do tratamento, considerado pelas empre-sas sanitárias chilenas com participa-ção privada majoritária, mostra que a via tecnológica é do tipo convencional e mecanizado, apesar dos custos de investimento e operação importantes exigidos pelos processos de lodo ativa-do. Esta política deve ser questionada em outros países da região.

MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 35 p

O desafio do saneamento na regiãoOs investimentos estimados para

solucionar esse atraso são vultosos e fora do alcance das economias dos países da região. O Banco Mundial avaliou em 1995 que o setor de água e saneamento na América Latina exigiria US$ 12 bilhões anuais duran-te dez anos para alcançar níveis de cobertura apenas razoáveis.

Um elemento importante a ser considerado é que 74% da popula-ção nos países da região vivem em centros urbanos, o que implica na centralização dos serviços, entre eles o de coleta da água residual e seu tratamento. O aspecto positivo é que o fator de escala favorece os custos por habitante. O negativo é que leva à aplicação automática dos modelos tradicionais de saneamento, que em diversos casos mostraram não ser aplicáveis.

Diante do desafio de levar melho-res condições de saúde e vida a todos os habitantes da região, as soluções para o saneamento devem ser em grande parte inovadoras e origina-das do conhecimento profundo da problemática específica que a região apresenta. O enfoque convencional importado dos países desenvolvidos mostrou suas limitações, especial-mente por exigir investimentos e custos de operação muito elevados, além de aumentar a dependência tecnológica.

É imperativo que sejam desenvol-vidos e implantados sistemas ad-ministrativos, financeiros e tecnoló-gicos que realmente respondam às necessidades e limitações dos usuá-rios latino-americanos, se quisermos cumprir as metas do setor. Para tan-to, será indispensável contar com o apoio decidido da sociedade e com a vontade política dos governantes.

Processos de tratamento de águas resi-duais domésticas adaptados à região

Para tratamento de águas residu-ais ou contaminadas existem diver-sos processos e operações unitários que com a adequada seleção e com-

binação podem resolver a maioria das necessidades de disposição final ou reuso. Em termos muito gerais, existem processos físico-químicos e processos biológicos.

Outra classificação que pode ser feita dos processos de tratamento de águas residuais baseia-se em seu grau de complexidade ou de meca-nização. Existem os processos inten-sivos e compactos, com tecnologia mais desenvolvida (processos tec-nológicos) e os chamados naturais, com maior exigência de área e que recorrem à ação da natureza com in-tervenção humana reduzida. Os sis-temas de lagoas, os leitos de raízes e os solos filtrantes ou wetlands cons-tituem os processos naturais mais conhecidos.

Entre os processos compactos existem aqueles altamente mecani-zados, como os de iodo ativado em suas diversas variantes, os reatores seqüenciais alimentados em lote, os filtros biológicos convencionais (per-coladores), os filtros biológicos sub-mersos e os discos biológicos rotati-vos, todos eles do tipo aeróbico. Os processos anaeróbicos compactos têm menores exigências de energia e portanto de motores e peças me-cânicas. Os mais representativos são os reatores anaeróbicos de leitos de iodo de fluxo ascendente (UASB, si-gla em inglês) e o filtro anaeróbico, seja horizontal ou vertical.

n 36 AQUA VITAE MAI-JUL | 2006 MAI-JUL | 2006 AQUA VITAE 37 p

Referências

Morgan-Sagastume J.M., Revah S. e Noyola A. (1999) “Malos olores en plantas de tratamiento de aguas resi-duales. Su control a través de procesos biotecnológicos”, Ingeniería y Ciencias Ambientales, Ano 10, No. 41, 22-29.

Noyola A. (1996) “Anaerobic technology as a tool for the sustainable environment: thecontext of Mexico”, em Biodegradación de Compuestos Orgánicos Industriales, IlangovanK. e Briones R. editores, Instituto de Engenharia UNAM, México, 169-172.

SISS (2003) Bases Técnicas del Estudio Alternativas Tecnológicas para el Tratameinto de Aguas Servidas en Chile, Superintendência de Serviços Sanitários, Santiago, Chile

n Em função da densidade popula- cional: área urbana e área rural.

n Em função do clima: zonas quen- tes e zonas frias ou temperadas.

No meio urbano, onde o terreno é escasso e caro, os processos compac-tos terão maior aceitação, enquanto que no meio rural, a vantagem será dos sistemas naturais. Uma combi-nação entre determinados processos compactos, com menor grau de me-canização e processos naturais, po-derá eventualmente ser uma opção vantajosa, especialmente quando os custos de operação devam ser redu-zidos e existam certas limitações de terreno.

Por outro lado, a influência do cli-ma e da temperatura da água é par-ticularmente importante para os sistemas naturais, assim como para os sistemas compactos anaeróbicos. Dessa forma, temperaturas da água inferiores a 20°C ou temperatura ambiente mínima próxima de 0°C podem limitar a aplicação destes processos, o que se torna menos pro-blemático para os processos com-pactos aeróbicos ou físico-químicos.

Em águas de tipo municipal, a tecnologia anaeróbica foi instala-da em escala maior, especialmente no Brasil, na Colômbia e no México. Na maioria dos casos em que foram empregados reatores anaeróbicos (especialmente do tipo UASB) para águas residuais municipais, foi inclu-ído no processo global um pós-trata-

mento. Outra exigência importante comum a todo processo anaeróbico e, em alguns casos na fase de pré-tratamento de qualquer sistema, é prever um sistema de controle de odores, especialmente se a planta de tratamento se localizar próxima de regiões habitadas. Estes sistemas podem ser relativamente simples, como os biofiltros de compostagem (Morgan-Sagastume et al. 1999).

Por outro lado, em alguns países (México, Colômbia e Brasil) o novo debate entre os processos biológicos e o tratamento primário avançado, com certeza terminará como o de-bate anterior entre o aeróbico e o anaeróbico: será admitido que toda a tecnologia é boa, sempre e quando for escolhida de forma cuidadosa e rigorosa, considerando todos os fa-tores envolvidos.

Dentro deste processo de seleção, o problema deverá ser abordado com um enfoque integral, sem discrimi-nar outras correntes do processo e reconhecer que a matéria apenas se transforma. Neste caso, as implica-ções da inevitável transferência de poluentes de um meio receptor ao outro receberão um peso fundamen-tal na decisão final.

ConclusõesOs desafios para recuperar o atra-

so em infra-estrutura de saneamen-to e o adequado manejo da água na América Latina obrigam a utilizar os escassos recursos de forma excelen-te, de forma a obter mais com menos

e a ser inovador nas soluções.Para todo o projeto de saneamen-

to, deve-se escolher a melhor opção, a mais sustentável (durável), o que implica tomar uma posição de longo prazo, e associar a comunidade ser-vida em todos os processos de sele-ção, construção e operação.

Existem as opções tecnológicas, tanto convencionais como adequa-das à região, estas últimas em diver-sos graus de desenvolvimento. O de-safio é alcançar maior experiência, disseminar as tecnologias próprias e utilizá-las de forma consistente, tudo em um prazo curto, uma vez que a demanda já existe.

GOTAS Situação global da água

Menos de 3% da água do mundo é boa para consumo, o restante é água do mar e não é consumível. Desses 3%, cerca de 2,5% da água está congelada, guardada na Antártica, no Ártico e em geleiras, e não está à disposição do homem. Assim, a humanidade precisa depender destes 0,5% para todas as necessidades suas e dos ecossistemas.

Fonte: World Business Council for Sustainable Development

Para todo projeto de saneamento deve ser selecionada a melhor opção, a mais susten-tável.

A diversidade de opções tecnoló-gicas disponíveis torna complica-da a tarefa de avaliar e selecionar o sistema e a tecnologia mais ade-quada para cada aplicação. Pode-se considerar que o melhor sistema de tratamento será aquele que, com o máximo de economia e o mínimo de complexidade, alcançar a qualidade de água necessária, seja para sua descarga na natureza ou para seu reuso.

Este conceito, aparentemente ób-vio, não foi aplicado em um grande número de ocasiões, o que levou ao abandono de muitas instalações de tratamento na região. As principais causas da ineficiência ou do aban-dono das plantas são os altos custos operacionais e o fato de o sistema ter sido imposto ao organismo res-ponsável pelo manejo, com base em decisões de curto prazo e sem consi-derar o operador e nem os usuários do serviço.

Com base nas grandes necessi-dades de infra-estrutura de sanea-mento que a região enfrenta e com a evidente escassez de recursos fi-nanceiros para atendê-las, as opções tecnológicas a serem consideradas deverão obedecer determinados cri-térios:

n A matéria não é destruída, apenas transformada. Isso leva aos inevitáveis subprodutos e resídu- os. Portanto deve-se considerar um sistema completo que con- sidere o manejo dos lodos e outros subprodutos.

n Limitar as necessidades de insumos (energia, reagentes).

n Minimizar os resíduos e aprovei- tar os subprodutos (reciclar).

n Cumprir a qualidade especificada de descarga.

n Incorporar a população (usuá-

rios) na tomada de decisões, com o objetivo de que seja adota da como própria a solução sele- cionada.

Com os argumentos expostos, pode-se concluir que a via biológica, por ser uma ferramenta da natureza, está muito mais bem posicionada

para resolver os problemas do trata-mento de águas residuais biodegra-dáveis, como as de origem municipal (Noyola, 1996).

Para a seleção de tecnologias de tratamento na América Latina po-dem ser identificados dois grandes subconjuntos, os quais por sua vez combinam-se entre si:

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O POÇO | DE TUDO UM POUCO PARA PENSAR

Valor cultural da água

Quase todas as religiões mais antigas do mundo atribuem à água propriedades cerimoniais e simbólicas importantes:

n A água é utilizada nos enterros budistas, quando é derrama- da colocada diante dos monges e do corpo.

n No cristianismo, utiliza-se a água em diversos rituais, como o batismo. Nesta religião, a água simboliza a limpeza e a purifi - cação.

n Para os hindus, toda a água é sagrada, especialmente a dos rios. Acredita-se que possua propriedades purifi cadoras, e é usada para conseguir a pureza física e espiritual. É um elemen- to essencial em quase todos os rituais e cerimônias.

n No islamismo, a água é utilizada para as abluções: os fi éis devem se purifi car para orar. As fontes de água encontram-se dentro ou logo na entrada de todas as mesquitas com este propósito.

Fonte: Portal da Água – UNESCO

Água virtual É a quantidade deste líquido utilizada nos alimentos ou em outros produtos, que é necessária para sua produção. Por exemplo, para produzir um quilograma de trigo são necessários cerca de mil litros de água, enquanto que para a carne, são necessárias entre cinco e dez vezes mais.

Dieta de supervivência 1m3/dia Dieta vegetariana 2,6m3/dia Dieta estilo “americana”, baseada em carne 5m3/dia

Fonte: Conselho Mundial da Água

CONSUMO PER CAPITA DE ÁGUA VIRTUAL CONFORME O TIPO DE DIETA

n As economias em desenvolvimento centradas na agricultura, dependem em grande medida dos terrenos inundáveis férteis para realizar os esforços destinados a melhorar a segurança alimentar e reduzir a pobreza.

n Mais de 1 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso à água que seja segura para o consumo.

n Mais de 8.000 crianças morrem a cada dia (cerca de uma criança a cada 10 segundos) de enfermidades devido à qualidade inferior da água e aos depó- sitos de lixo nos países pobres. Quase todas estas doenças são evitáveis.

n Em dezembro de 1995, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a Primeira Década das Nações Unidas para a Erradicação da Pobreza (1997- 2006).

Fontes: Organização Mundial da Saúde e boletim da UNESCO

O manancial escondido de vossa alma necessita brotar e sair correndo para o mar. Khalil Gibrán

ÁGUA VIRTUAL | LINKS ÚTEIS

www.tratamentodeagua.com.br

Página dedicada à informação sobre sistemas, equipamentos e métodos de preservações para aqueles que estão ligados ao setor de tratamento da águas, efl uentes, meio ambiente, recicla-gem, entre outros. Possui, guia de compras de equipamentos para tratamento de água, livraria, para compra de livros e consultas virtu-ais, oferece cursos on line, banco de emprego, para profi ssionais do setor hídrico, espaço para fóruns e debates via Internet.

www.agua.bio.br

Organização não-governamental empenhada na defesa da água e do meio ambiente, que tem como objetivo conservar a água por meio da através da educação am-biental; motivando a busca pela melhoria da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável. A entidade promove ações de educação ambiental para pre-servação e recuperação da água, estimula seu uso racional por meio da difusão de informações e conhecimentos técnicos sobre a produção, entre outras atividades.

www.iwra.siu.edu/

Site da Associação Internacional de Recursos Hídricos (IWRA), que tem buscado melhorar a gestão mundial da água por meio do diálogo, da educação e da pes-quisa há cerca de 25 anos. Suas páginas incluem informações sobre comitês, eventos sobre a água, guia rápido sobre diferentes organizações internacionais de água e informação sobre o Fundo de Pesquisa e Educação.

www.aguayclima.com

Site do Comitê Regional de Recur-sos Hidráulicos (CRRH), organismo técnico intergovernamental do Sistema de Integração Centro-americana (Sica), especializado nos campos da meteorologia, do clima, a hidrologia e os recur-sos hídricos. Pode-se encontrar informações sobre o seu trabalho, biblioteca com diferentes docu-mentos como “Capital Hídrico e usos da água” para vários países da região, assim como o “Plano centro-americano da água”.

www.abrh.org.br

A Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH – tem por fi nalidade congregar pes-soas físicas e jurídicas ligadas ao planejamento e à gestão dos recursos hídricos no Brasil. Por meio de seus associados, a ABRH desenvolve ações de caráter téc-nico-científi co, espinha dorsal da sua atuação, sócio-jurídica-institu-cional. Conta hoje com a partici-pação de profi ssionais de diversos setores, de modo a servir de fórum de debates e de encaminhamento de soluções das questões na área de recursos hídricos.

www.crid.or.cr

Site do Centro Regional de Infor-mação sobre Desastres América Latina e Caribe (Crid). É uma iniciativa patrocinada por seis organizações, que procura compi-lar e divulgar informações sobre desastres na região. O site conta com dados sobre a organização, serviços de informação, ferramen-tas bibliográfi cas, material de capacitação, contatos na América Latina e no Caribe, e sistema de informação sobre desastres, entre outros.