28
55 RESUMO ADJUSTMENT CHANGES: A POLÍTICA AFRICANA DO BRASIL NO PÓS-GUERRA FRIA 1 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 35, p. 55-79, fev. 2010 Recebido em 28 de maio de 2008. Aprovado em 7 de agosto de 2008. Cláudio Oliveira Ribeiro O artigo analisa a política externa adotada pelo Brasil em relação à África no período posterior à Guerra Fria. Por tratar-se de um tema permanente na agenda diplomática brasileira há décadas, as relações entre o Brasil e a África assumiram um papel de destaque no quadro da política externa do governo Lula. Queremos compreender seus significados e as possibilidades que se abrem para o Brasil no continente africano. Fazemos isso ressaltando a dinâmica político-comercial entre o país e os parceiros africanos, e mobilizamos as seguintes variáveis de análise: as ações diplomáticas e o fluxo de comércio estabelecido pelo Brasil com os países africanos localizados na região da África subsaariana. Como principal argumen- to, defende-se que o término da Guerra Fria implicou transformações substanciais na agenda diplomática brasileira, afetando diretamente o relacionamento do Brasil com os parceiros africanos. Desse modo, sus- tenta-se que as relações Brasil-África têm se caracterizado por um movimento de intensidade variável, com acentuado declínio entre as décadas de 1980 e 1990 e recuperação e possível adensamento a partir da gestão Lula. O trabalho divide-se em quatro partes. Na primeira, apresenta-se um quadro geral das relações entre o Brasil e a África no período anterior à década de 1980. Em seguida, enfoca-se o impacto restritivo das crises econômicas internacionais sobre a realidade africana e brasileira, procurando identificar suas repercussões sobre a política externa brasileira em direção ao continente africano. O terceiro tópico dá atenção às potencialidades abertas para o Brasil no continente africano, enfocando as diretrizes e propos- tas da política externa desenvolvida pelo governo Lula. A última sessão procura sintetizar os argumentos desenvolvidos. PALAVRAS-CHAVE: Política externa; agenda diplomática; relações comerciais; Brasil; África. I. INTRODUÇÃO Tema permanente da agenda diplomática bra- sileira há décadas, as relações Brasil-África assu- miram um papel de destaque no quadro da políti- ca externa desenvolvida pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. A fim de compreender seus signifi- cados e as possibilidades que se abrem para o Brasil no continente africano, este trabalho faz uma aná- lise da política africana brasileira, procurando res- saltar a dinâmica político-comercial entre o país e os parceiros africanos. Desse modo, procura-se demonstrar, com base proposta metodológica apontada por Hermann (1990), que as relações Brasil-África têm se caracterizado por um movi- mento de intensidade variável, que reflete os ajus- tes (adjustment changes) da agenda diplomática brasileira no período posterior à Guerra Fria. O período selecionado justifica-se pela ocor- rência de dois aspectos decisivos para a formula- ção e, conseqüentemente, para a análise da políti- ca externa africana brasileira. O primeiro diz res- peito às mudanças ocorridas na ordem mundial, com o início do processo que leva ao término da Guerra Fria: seus impulsos mais decisivos são observados a partir de 1985, quando Mikhail Gorbachev ascende ao governo soviético, dando início a reformas políticas domésticas e externas que aceleraram o declínio da União das Repúbli- cas Socialistas Soviétias (URSS) e apressaram o fim da Guerra-Fria (NEY JR., 1997; HALLIDAY, 1999.). A partir de então, o sistema internacional passa a operar de forma indefinida, impondo tan- to novos constrangimentos quanto novas pers- pectivas para inserção internacional do Brasil. Quanto ao segundo aspecto, é fato que, no mesmo período, são observadas alterações e redefinições importantes na política externa bra- 1 O autor agradece às sugestões realizadas pelos pareceristas deste artigo, que é, com modificações, uma versão do texto apresentado no I Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), ocorrido em 2007, em Brasília.

ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

55

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

RESUMO

ADJUSTMENT CHANGES:A POLÍTICA AFRICANA DO BRASIL NO PÓS-GUERRA FRIA1

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 35, p. 55-79, fev. 2010Recebido em 28 de maio de 2008.Aprovado em 7 de agosto de 2008.

Cláudio Oliveira Ribeiro

O artigo analisa a política externa adotada pelo Brasil em relação à África no período posterior à GuerraFria. Por tratar-se de um tema permanente na agenda diplomática brasileira há décadas, as relações entreo Brasil e a África assumiram um papel de destaque no quadro da política externa do governo Lula.Queremos compreender seus significados e as possibilidades que se abrem para o Brasil no continenteafricano. Fazemos isso ressaltando a dinâmica político-comercial entre o país e os parceiros africanos, emobilizamos as seguintes variáveis de análise: as ações diplomáticas e o fluxo de comércio estabelecidopelo Brasil com os países africanos localizados na região da África subsaariana. Como principal argumen-to, defende-se que o término da Guerra Fria implicou transformações substanciais na agenda diplomáticabrasileira, afetando diretamente o relacionamento do Brasil com os parceiros africanos. Desse modo, sus-tenta-se que as relações Brasil-África têm se caracterizado por um movimento de intensidade variável, comacentuado declínio entre as décadas de 1980 e 1990 e recuperação e possível adensamento a partir dagestão Lula. O trabalho divide-se em quatro partes. Na primeira, apresenta-se um quadro geral das relaçõesentre o Brasil e a África no período anterior à década de 1980. Em seguida, enfoca-se o impacto restritivodas crises econômicas internacionais sobre a realidade africana e brasileira, procurando identificar suasrepercussões sobre a política externa brasileira em direção ao continente africano. O terceiro tópico dáatenção às potencialidades abertas para o Brasil no continente africano, enfocando as diretrizes e propos-tas da política externa desenvolvida pelo governo Lula. A última sessão procura sintetizar os argumentosdesenvolvidos.

PALAVRAS-CHAVE: Política externa; agenda diplomática; relações comerciais; Brasil; África.

I. INTRODUÇÃO

Tema permanente da agenda diplomática bra-sileira há décadas, as relações Brasil-África assu-miram um papel de destaque no quadro da políti-ca externa desenvolvida pelo governo Luiz InácioLula da Silva. A fim de compreender seus signifi-cados e as possibilidades que se abrem para o Brasilno continente africano, este trabalho faz uma aná-lise da política africana brasileira, procurando res-saltar a dinâmica político-comercial entre o país eos parceiros africanos. Desse modo, procura-sedemonstrar, com base proposta metodológicaapontada por Hermann (1990), que as relaçõesBrasil-África têm se caracterizado por um movi-mento de intensidade variável, que reflete os ajus-

tes (adjustment changes) da agenda diplomáticabrasileira no período posterior à Guerra Fria.

O período selecionado justifica-se pela ocor-rência de dois aspectos decisivos para a formula-ção e, conseqüentemente, para a análise da políti-ca externa africana brasileira. O primeiro diz res-peito às mudanças ocorridas na ordem mundial,com o início do processo que leva ao término daGuerra Fria: seus impulsos mais decisivos sãoobservados a partir de 1985, quando MikhailGorbachev ascende ao governo soviético, dandoinício a reformas políticas domésticas e externasque aceleraram o declínio da União das Repúbli-cas Socialistas Soviétias (URSS) e apressaram ofim da Guerra-Fria (NEY JR., 1997; HALLIDAY,1999.). A partir de então, o sistema internacionalpassa a operar de forma indefinida, impondo tan-to novos constrangimentos quanto novas pers-pectivas para inserção internacional do Brasil.

Quanto ao segundo aspecto, é fato que, nomesmo período, são observadas alterações eredefinições importantes na política externa bra-

1 O autor agradece às sugestões realizadas pelospareceristas deste artigo, que é, com modificações, umaversão do texto apresentado no I Encontro da AssociaçãoBrasileira de Relações Internacionais (ABRI), ocorrido em2007, em Brasília.

Page 2: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

56

ADJUSTMENT CHANGES

sileira, boa parte delas oriundas das próprias mu-danças registradas na ordem mundial no períodoposterior à Guerra Fria. Tais mudanças sãomarcadas pela nova ordem internacional, que passaa ser configurada pela hegemonia mundial logra-da pelos Estados Unidos e pelo processo deglobalização das relações econômicas após a su-peração do sistema bipolar. No período analisado,como se pretende demonstrar, as ações da Chan-celaria para a África enquadram-se num proces-so de mudança em que as relações do Brasil comos países africanos caracterizam-se por ajustesna política externa tradicionalmente desenvolvidapara o continente africano.

Para tanto, o trabalho divide-se em quatro par-tes. Na primeira, apresenta-se um quadro geraldas relações Brasil-África no período anterior àdécada de 1980. Em seguida, enfoca-se o impac-to restritivo das crises econômicas internacionaissobre a realidade africana e brasileira, procurandoidentificar suas repercussões sobre a política ex-terna brasileira em direção ao continente africano.O terceiro tópico centra atenção naspotencialidades abertas para o Brasil no continen-te africano, enfocando as diretrizes e propostasda política externa desenvolvida pelo governoLula. A última sessão procura sintetizar os argu-mentos desenvolvidos.

II. RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA: ANTECE-DENTES DIPLOMÁTICOS E COMERCIAIS

Em que pese o fato de o Brasil ser o segundopaís com maior população negra, entre o períodoque vai do processo de Independência à primeirametade do século XX, a temática africana revela-va-se ainda tímida na esfera governamental brasi-leira. Sua aparição dava-se apenas em função dointeresse brasileiro pelo norte da África, onde opaís, desde 1861, mantinha instalado um consu-lado. Nesse período, a timidez das relações doBrasil com a África está associada à prioridadedos problemas de fronteiras na agenda diplomáti-ca do país após a conquista da Independência,quando os interesses brasileiros deslocaram-se,com nitidez, do Oceano Atlântico para a Bacia doPrata, num processo de regionalização da políticaexterna (SILVA, 1989).

A percepção de que a África poderia represen-tar uma dimensão privilegiada para a política ex-terna brasileira emerge de forma emblemática so-mente na década de 1960, no quadro da PolíticaExterna Independente, inaugurada pelo governo

Jânio Quadros (QUADROS, 1961). Essa noçãosurge respaldada por debates acadêmicos que jáse realizavam durante o governo JuscelinoKubitschek, protagonizados por intelectuais comoGilberto Freyre, que defendiam a constituição deuma comunidade luso-tropical no espaço atlânti-co (FREYRE, 1958; 1960; GONÇALVES, 1994).Naquele período, entretanto, a ratificação peloBrasil do Tratado de Amizade e Consulta obscu-recia a temática africana e relegava-a à esfera dasquestões lusitanas.

Assim, ao longo da segunda metade doséculo XX, a dimensão das potencialidades afri-canas foi sendo incorporada de forma progressi-va e substancial à política externa brasileira. As-sociada a um discurso terceiro-mundista, inicial-mente pretendeu contrabalançar o peso das rela-ções do país com os Estados Unidos e opor-se àslimitações impostas pela clivagem Leste-Oeste daGuerra Fria. Em meio ao processo dedescolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade de arranjos diplomáticos capazes de possi-bilitar-lhe um posicionamento diferenciado no ce-nário internacional (JAGUARIBE, 1958; BITELLI,1989).

A ação brasileira para África e a política desolidariedade para com os povos do TerceiroMundo, no início da década de 1960, estão inte-gralmente associadas ao papel de ator protagonis-ta pleiteado pelo Brasil na esfera internacional.Enquadram-se num conjunto de ações (estabele-cimento de relações comerciais e diplomáticascom os países socialistas da Ásia e da Europa,principalmente com a URSS) que buscavam a re-visão das relações do país com os Estados Uni-dos e seu poderio hegemônico. As iniciativas paraa África constituem-se em elementos que dão iní-cio a uma efetiva política africana no Brasil. Pen-sada e planejada no contexto do quadro diplomá-tico, altamente insulado, no caso brasileiro(CHEIBUB, 1985; LIMA, 2000; LIMA & SAN-TOS, 2001), correspondendo a uma política queguarda em si consistência e cálculos estratégicos.Caracterizou-se, então, um capítulo importante nabusca brasileira por novos parceiros políticos eeconômicos internacionais e, ao mesmo tempo,um espaço para a conquista de maior autonomiano quadro das relações internacionais da época(SARAIVA, 1994).

Page 3: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

57

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

Desse ponto de vista, a política africana doBrasil seguia o comportamento universalista de suadiplomacia, em que se valoriza o estabelecimentode parcerias não excludentes com vistas à pro-moção da própria autonomia. Nesse período, en-tretanto, a prevalência das relações especiais doBrasil com Portugal dificultava a implementaçãode uma política de efetivo apoio aos territóriosafricanos em processo de independência. A pos-tura brasileira de apoio a Portugal nas questõesrelativas às colônias portuguesas ainda se encon-trava atrelada à retórica dos laços tradicionais deamizade, baseados na condição de ex-colônia e naherança cultural lusitana (PINHEIRO, 1988).

Somente a partir década de 1970, com o ad-vento da Revolução dos Cravos (1974) e a inde-pendência das colônias portuguesas (1974-1975),é que as ações do Brasil para com a África passa-ram a evoluir mais consideravelmente em favorda autonomia dos novos Estados e da consolida-ção de relações amistosas e equânimes destes comLisboa (SANTOS, 2001). A partir dessa década,Portugal dá início ao processo de redefinição deseu papel nas relações internacionais, deslocan-do-se de seu relativo isolamento internacional parao processo de integração à Comunidade Econô-mica Européia, que se concretiza em 1985 (FREI-XO, 2001).

Neste período, sob os governos militares EmílioGarrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel(1974-1979) e João Baptista de Oliveira Figueiredo(1979-1985), as relações do Brasil com as colôni-as portuguesas na África registram um substan-cial aprofundamento. Por meio da denominadapolítica do pragmatismo responsável, o Brasil tor-na-se parceiro privilegiado de países africanos,com destaque especial para a Nigéria (de quem opaís compra petróleo), de países da África aus-tral e das ex-colônias portuguesas2.

Contando com a presença de empresas brasi-leiras, como a Petrobrás, por meio da subsidiáriaBraspetro, e a Construtora Norberto Odebrecht3,

operando no continente africano, o intercâmbiocomercial demonstra o aspecto efetivamente po-sitivo tanto no interesse de compradores africa-nos por produtos brasileiros, como também o deimportadores brasileiros por produtos africanos,haja vista que, de 1973 a 1974, as exportaçõesbrasileiras crescem 129,1%, passando de US$ 190001 000 para US$ 435 323 000. No mesmo perí-odo, as importações originadas do continente afri-cano registram o expressivo crescimento de300,2%, avançando de US$ 169 903 000 para US$679 998 0004 (SANTANA, 2003).

III. POLÍTICA AFRICANA: AJUSTES EFRAGILIZAÇÃO

Depois de um período marcado por um visí-vel dinamismo diplomático, caracterizado pelo"pragmatismo ecumênico responsável" no qual sedestacava uma ativa política em direção à Áfricae uma constante participação nas agendas domundo em desenvolvimento, que acompanhou agrande expansão do modelo de industrialização eexportação de manufaturados dos anos 1970, comforte crescimento econômico, as mudanças, tan-to de âmbito doméstico quanto externo, inferiramnegativamente sobre a atuação externa brasileira.A política externa do Brasil foi compelida a reagiràs investidas do exterior, e, por não as poder pre-ver ou controlar, viu-se obrigada a assumir umapostura reativa e defensiva.

No processo de transição do regime militar, aNova República herda o grave problema da dívidaexterna, que debilitava sensivelmente o relaciona-mento externo brasileiro5. Sua renegociação co-

2 É importante registrar que, ainda que sob governo mili-tar, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independên-cia de Angola em 1975, à época sob o governo do Movi-mento Popular de Libertação da Angola (MPLA), de ori-entação marxista-leninista.3 Em relação à participação da construtora Odebrecht, érelevante mencionar o fato de que foi uma das poucasinstituições privadas brasileiras que mantiveram suas ope-

rações em Angola após o início da guerra civil. Estabelecen-do uma relação sem igual com o governo do MPLA, essaempresa teve funcionários seqüestrados, aviões destruídose um sem-número de embates no território angolano. Suaprópria atividade em Angola ainda hoje é pouco exploradapelos pesquisadores, sendo merecedora de investigaçõesmais sistemáticas e aprofundadas. Um dos poucos relatosexistentes sobre a atuação da Odebrecht em Angola constaem Hazin (1997).4 Nesse período, as exportações brasileiras para o conti-nente africano caracterizam-se pela venda de produtos in-dustrializados, como tratores, caminhões e ônibus, entreoutros.5 Entre o final da década de 1970 e o início da década de1980, o contexto internacional foi extremamente desfavo-rável para o conjunto dos países em desenvolvimento, e,conseqüentemente, para uma das premissas básicas dapolítica externa brasileira em sua vertente Sul-Sul. O preço

Page 4: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

58

ADJUSTMENT CHANGES

loca em xeque a própria capacidade do país em,por um lado, obter novos prazos de vencimentodo principal, reformulando as condições gerais queregulam a dívida; e, por outro, ampliar as expor-tações como meio da elevação do superavit co-

mercial e combater o crescente endividamentoexterno que, desde o governo Figueiredo, vinhacomprometendo sobremaneira as finanças e a pró-pria margem de manobra internacional do país(Quadro 1).

do petróleo, por exemplo, elevou-se pela segunda vez, pas-sando de US$ 12,4 para US$ 34,4 o barril, fato que acarre-tou um adicional nas despesas da balança comercial brasi-

QUADRO 1 - BRASIL: DÍVIDA EXTERNA TOTAL, POR PRAZO, 1979-1989 - US$ BILHÕES

FONTE: Banco Central do Brasil.

leira de US$ 37,7 bilhões entre 1979 e 1983. Registra-se,além disso, a ocorrência da alta das taxas de juros internaci-onais: nos Estados Unidos, a taxa básica de empréstimos

No país, à estagnação do nível de atividadesomaram-se graves desequilíbrios macroeconô-micos: entre a década de 1980 e início dos anos1990, a taxa de crescimento médio da economiabrasileira foi claramente baixa (2,1% ao ano), sen-do que o setor industrial, a principal locomotivado crescimento econômico desde o governo Jus-celino Kubitschek, foi particularmente atingido,

tendo sua participação no Produto Interno Bruto(PIB) diminuída de 33,7% em 1980 para 29,1%no início da década seguinte. O fracasso de umaseqüência de planos heterodoxos de estabilizaçãoem curto período de tempo (cinco planos em cin-co anos) só fez aumentar a inflação e a sensaçãode instabilidade6 (Quadro 2).

QUADRO 2 - BRASIL: VARIÁVEIS MACROECONÔMICAS, 1980-1989

FONTE: IBGE (2000).

NOTA: 1. Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

ANO LONGO EMÉDIO PRAZO

CURTO PRAZO TOTAL

Page 5: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

59

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

Nesse contexto, o diálogo Norte-Sul, tradicio-nalmente pautado pela articulação do Grupo dos77, no contexto da bipolaridade Leste-Oeste, ad-quiriu um tom dissonante em relação ao Sul. Asacusações do Norte quanto ao cumprimento dosdireitos humanos, às pressões para adesão ao Tra-tado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), ao com-bate ao narcotráfico, ao terrorismo, à imigraçãoilegal, aos conflitos regionais e à democratizaçãoditam a agenda e condicionam as negociações in-ternacionais do país.

Conseqüentemente, não resta outra opção àdiplomacia brasileira que não o enfrentamento detemas até então tidos como inegociáveis, o queindica sua preocupação em responder positiva-mente às demandas políticas internacionais. A par-tir da segunda metade da década de 1980, o forta-lecimento da hegemonia norte-americana e aimplementação da "agenda de valores hegemônicosuniversalmente aceita" (VIGEVANI, CORREA &CINTRA, 1999) abriram novos contextos devulnerabilidade para o Brasil, que se caracterizari-

am pela adoção dos padrões internacionais de nor-mas de proteção do trabalho, dos direitos huma-nos, do meio-ambiente, dos inventos, dos consu-midores, entre outros. Esses foram somados acondicionamentos tradicionais, como os referen-tes à segurança e à exploração da Amazônia.

Frente ao quadro, tanto setores governamen-tais quanto da sociedade civil passaram a relativizara importância das relações Sul-Sul, compreenden-do que os países do Terceiro Mundo encontra-vam-se em situação igualmente insatisfatória doponto de vista político, financeiro e comercial,tornando-se incapazes de suprir as demandas na-cionais para a ampliação das exportações. Essapercepção é ratificada pela análise da situação dospaíses em desenvolvimento ao longo do períodoem que, imersos num processo de marginalizaçãoeconômica entre as décadas de 1970 e, mais subs-tancialmente, na de 1980, registram uma retraçãona participação no comércio mundial (Quadro 3),ao mesmo tempo em que há um aumento expres-sivo do endividamento externo (Quadro 4).

QUADRO 3 - PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NO COMÉRCIO MUNDIAL (EM % DOCOMÉRCIO GLOBAL)

FONTE: International Trade Statistics Yearbook apud Sennes, 2003, p. 78.

QUADRO 4 - INDICADORES DA DÍVIDA EXTERNA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO, 1980, 1988, 1995

FONTE: World Bank (1995).

bancários sobe de 5,7% em 1975 para 18,8% em 1984,sendo que a taxa libor e a prime rate atingiram, respectiva-

mente, 16,4% e 21,5%, no ano de 1980. Em conseqüência,o pagamento de juros sobre a dívida externa brasileira pas-

DÍVIDA TOTAL(BILHÕES $)

DÍVIDA COMO % DOPIB

SERVIÇO DA DÍVIDACOMO % DAS

EXPORTAÇÕES

Page 6: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

60

ADJUSTMENT CHANGES

Frente a esse cenário, e em meio às demandascomerciais e às dificuldades financeiras enfrenta-das pelo Brasil, depreende-se que o relacionamentocom os países africanos não é uma dimensão quepossa ser privilegiada, mesmo porque os Estadosafricanos não são capazes de favorecer um inter-câmbio político e comercial satisfatório. Dessaforma, apreende-se que a conjunção de variáveisde ordem doméstica e externa põe em xeque amanutenção da política externa que vinha sendodesenvolvida pelo país em relação ao TerceiroMundo. Para o continente africano, conseqüente-mente, essa política externa vê-se sensivelmenteabalada, pois a desarticulação da lógica terceiro-mundista e dos postulados diplomáticos nas suas

articulações frente ao embate Norte-Sul inviabilizaparte da legitimidade da ação diplomática que,mesmo não se declarando terceiro-mundista, ti-nha na identidade com o Terceiro Mundo um dosseus pilares básicos. A partir de então, o Brasilpassa a perder espaço no continente africano.

Os esforços diplomáticos do país são concen-trados no espaço sul-americano, onde a agendaseria sensivelmente pautada pela idéia de integraçãoregional. Como resultado, o peso doscondicionantes econômicos internacionais e a per-cepção governamental dessa situação alteram ne-gativamente as relações e perspectivas da políticaexterna nacional para o continente africano. Em

No caso dos países africanos, a situação éparticularmente agravada pela progressiva deteri-oração de sua capacidade econômico-financeira.Na região da África subsaariana, em menos dedez anos a dívida externa praticamente duplica,registrando uma evolução da dívida total de 84para 165 bilhões de dólares entre 1980-1988, oque corresponde, respectivamente, à evolução docomprometimento do PIB dos Estados da regiãode 31% para 67%. As relações comerciais dospaíses africanos são igualmente afetadas, uma vezque o serviço da dívida em relação à porcentagemdas exportações salta de 10% para 21% no mes-mo período.

A crise no comércio exterior africano, ressal-te-se, é particularmente severa. Embora se regis-tre que seu arrefecimento processe-se ao longo

da década de 1950, é precisamente entre as déca-das de 1980-1990 que sua participação no fluxointernacional de comércio diminui mais expressi-vamente (Quadro 5). Tal fato repercute diretamentena composição do fluxo de comércio, pois, amenor participação na corrente internacional decomércio inibe a capacidade de absorção de no-vas tecnologias e a própria eficácia e viabilizaçãode projetos estruturais. Em conseqüência, nesseperíodo, percebe-se que as exportações e impor-tações continuam a exibir os típicos padrões co-loniais de especialização: exportação de produtosagrícolas e matérias primas minerais, o que incluio petróleo, no caso de alguns países; e importa-ção de bens de capital, máquinas, bens manufatu-rados e energia, largamente adquirida pela maioriados países.

QUADRO 5 - ÁFRICA1: PARTICIPAÇÃO NAS IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES MUNDIAIS (EM %)

FONTE: Elaborado a partir de Unctad (1999, p. 35).

NOTA 1: Exclusive Oriente Médio.

sou de US$ 2,7 bilhões em 1978 para US$ 11,4 bilhões em1982. Nesse ínterim, o país entrou em um processo deinsolvência externa: o endividamento brasileiro acumuladoaté aquele momento chegou a US$ 93 bilhões de dólares em1983. Endividamento que, registre-se, perdurou ao longoda década e esteve na origem de vários problemas enfrenta-dos pelo Estado: a deterioração das contas internas (crisefiscal do Estado), a queda da atividade econômica e a dispa-

rada da inflação. Assim, não seria incorreto deduzir que acrise dos anos 1980 tem como origem o endividamentoexterno oriundo dos objetivos industrializantes da ditaduramilitar, no contexto das duas crises do petróleo e da explo-são dos juros internacionais.6 Nesse período, a taxa de inflação medida pelo ÍndiceGeral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) atingiuo patamar médio de 438% ao ano.

Page 7: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

61

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

boa medida porque, nesse contexto, a persistên-cia da crise no Brasil contrastava com o rápidocrescimento da economia mundial, impulsionadopela recuperação dos países afetados pelos cho-

ques do petróleo e pela dívida, bem como pelosurgimento de novas áreas dinâmicas entre ospaíses recentemente industrializados - NIC's: HongKong, Coréia, Cingapura e Taiwan (Quadro 6).

QUADRO 6 - BRASIL E NIC'S ASIÁTICOS: INDICADORES SOBRE PRODUÇÃO, RENDA E PARTICIPAÇÃONO COMÉRCIO INTERNACIONAL (EM %)

FONTE: Adaptado de Veiga (1991).

Os problemas econômicos brasileiros - taiscomo a queda no ritmo de expansão, a falta decapacidade para corrigir os desequilíbriosmacroeconômicos e o agravamento do quadrosocial - dificultavam a atualização e o aprimora-mento de nossos vínculos com o contexto mun-dial. O país não consegue beneficiar-se desse novodinamismo externo, sofrendo com a incapacida-de de ampliar sua participação nos fluxos de co-mércio e de investimento, de financiamento e de

tecnologia. Como demonstra o Quadro 7, mesmoquando comparado com outros países latino-ame-ricanos, a participação brasileira nos fluxos inter-nacionais de investimento direto é nitidamente re-duzida, passando de cerca de 5,2% entre 1977 e1980 para 3,31% entre 1981 e 1985, e menos de2% e 1%, respectivamente, entre a segunda me-tade da década de 1980 e o início da década de1990.

QUADRO 7 - BRASIL E PRINCIPAIS PAÍSES LATINO-AMERICANOS: PARTICIPAÇÕES NO FLUXO DEINVESTIMENTO DIRETO TOTAL, 1976-1992

FONTE: Bielschowski e Stumpo (1996, p. 10)

INDICADORES ANOS BRASIL NIC’sASIÁTICOS

Page 8: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

62

ADJUSTMENT CHANGES

Por conseqüência, a percepção governamen-tal é a de que o crescimento "generalizado"vivenciado no período militar arrefece-se e torna-se, claramente, desigual. Alguns países crescemsensivelmente mais do que outros e os processosde diferenciação acentuam-se. Entre as potênci-as, consolida-se a afirmação do Japão e da Co-munidade Econômica Européia e, com isso, ouniverso econômico torna-se multipolar; também,há a crescente diferenciação no Terceiro Mundo,com a distância entre os NIC's, os países africa-nos e os latino-americanos, na década de 1980.

Os dados descritos convergem para mi-nar a sustentabilidade da política brasileira em di-reção à África atlântica, sub-região com a qual o

relacionamento comercial brasileiro agora se viaadversamente afetado em função da crise que atin-ge a maioria dos países da África subsaariana epelo fim da política de incentivos às exportaçõessubsidiadas de bens e serviços pelo Brasil. Apóster experimentado seu apogeu nos anos 1960-1970, em decorrência de um conturbado períodode crise política e econômica pelo qual o país atra-vessava, o interesse brasileiro pelo continente afri-cano na segunda metade da década de 1980 en-contrava-se em acentuado declínio, registrando-se que, no curto período de 1985 a 1989, a parti-cipação da África na corrente de comércio doBrasil decresce de 7.8% para 2,81%, no caso dasexportações, e de 13,6% para 3,0% nas importa-ções (Quadro 8) .

QUADRO 8 - INTERCÂMBIO COMERCIAL BRASIL-ÁFRICA, 1985-1990 - US$ BILHÕES

FONTE: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Já no início dos anos 1990, as relações Brasil-África caracterizam-se por um processo de ajus-tes, em que se verifica a clara perda de importân-cia dos parceiros africanos para a projeção inter-nacional do país, uma vez que os Estados africa-nos haviam favorecido ao Brasil a possibilidadede acesso a novos mercados e o apoio nos fórunsinternacionais, como a Organização das NaçõesUnidas (ONU). Contribuem para esse processo,de forma conjugada, fatores econômicos e políti-cos. No primeiro caso, destaca-se a crise econô-mica internacional, que afeta os países em desen-volvimento, particularmente os Estados da Áfricasubsaariana e a conjuntura econômica domésticaadversa. No espectro político, pesam as transfor-mações por que passa a ordem internacional e aclara perda da capacidade de articulação dos paí-ses em desenvolvimento - em conseqüência, dospostulados que orientavam a diplomacia brasileirano âmbito das relações Sul-Sul.

A menor importância comercial dos países afri-canos não chegou a eliminar as perspectivas dapolítica externa brasileira para esse continente. Seas expectativas econômicas e comerciais viram-se frustradas, o mesmo não se pode dizer em re-lação ao lugar ocupado pelos Países Africanos deLíngua Oficial Portuguesa (Palop) e pelo próprioAtlântico Sul, na diplomacia brasileira. A instaura-ção do Instituto Internacional da Língua Portu-guesa (IILP), durante o governo José Sarney, em1989, e da Comunidade dos Países de LínguaPortuguesa (CPLP)7, em 1996, na gestão ItamarFranco, nesse sentido, não podem deixar de ser

7 A CPLP foi oficialmente criada em 17 de julho de 1996pela congregação dos sete países do globo que tem o portu-guês como língua oficial - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, re-gistrando-se a inclusão do Timor Leste, em 2002.

IMPORTAÇÃOEXPORTAÇÃO

Page 9: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

63

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

vistos como resultado de iniciativas do governobrasileiro que, em 1999, protagoniza o primeiroencontro dos Chefes de Estado dos Países de Lín-gua Portuguesa. Quanto ao Atlântico Sul, com aconstituição da Zona de Paz e Cooperação do Atlân-tico Sul8 (Zopacas), também na administraçãoSarney, passa a representar um espaço singularpara a projeção diplomática brasileira - um con-texto geopolítico no qual o Brasil vê-se particular-mente capaz de atuar como protagonista e media-dor entre os países da América do Sul e os daÁfrica subsaarina banhados pelo oceano.

Em todo caso, o cômputo geral das rela-ções Brasil-África subsaariana após a Guerra Friaindica que foi atribuída a elas uma dimensão demenor relevância para a inserção internacional dopaís, sobretudo quando comparada ao período doregime militar. Esse fenômeno, entretanto, nãopode ser relacionado propriamente à mudança deregime político ou simplesmente à lógica das rela-ções comerciais, mas à própria dificuldade de lei-tura e resposta do Brasil aos constrangimentosexternos que empurraram o país e, com maiorrapidez e intensidade, o continente africano, parauma situação marginal no ambiente internacional.

Os ajustes realizados sobre a política ex-terna brasileira para o continente africano deno-tam, assim, o processo de reorientação em queingressa a diplomacia brasileira frente ao cenáriointernacional das décadas de 1980 e 1990, mar-cado pelo fim da polarização estabelecida entre osEstados Unidos e a URSS e pela imposição de umsistema internacional de caráter transitórioimprevisível. Para o Brasil, esse período refleteuma nova postura do país no que diz respeito à

adesão a regimes internacionais e arranjos coope-rativos, em que a política externa em direção aocontinente africano passa a ter um "custo" relati-vamente elevado.

Ao longo da década de 1990, observa-seuma nova postura internacional do país no quediz respeito à adesão a regimes internacionais earranjos cooperativos, ganhando relevância a po-lítica regional em direção ao Mercado Comum doSul (Mercosul). As principais mudanças foramobservadas na área de segurança, culminando naassinatura do Tratado de Não-Proliferação Nuclear,nas relações econômicas externas, no novoposicionamento assumido nos temas do meioambiente e dos direitos humanos, bem como noaprofundamento da integração regional.

Nesse cenário, verifica-se que a diploma-cia brasileira, ao logo do governo FernandoHenrique Cardoso, passou a estar comprometidocom a modelagem de uma nova inserção interna-cional, particularmente orientada por uma maioraproximação econômico e comercial com os paí-ses desenvolvidos, tidos como os únicos capazesde garantir ao Brasil o ingresso no eixo dinâmicoda economia globalizada (Quadro 9). Conseqüen-temente, a promoção do comércio Sul-Sul e, emparticular, a expansão ou mesmo a manutençãodos níveis do comércio Brasil-África, encontrapoucos defensores. Sinal disso é que, a despeitodo fato de vários países africanos registrarem,entre 1993-2002, uma taxa de crescimento eco-nômico geral de 3,7%, contra menos de 1,0% emanos anteriores, não se observa mudança subs-tancial na conduta diplomática brasileira para aregião9 (Quadro 10).

8 A constituição da Zopacas tinha por objetivo essencialocupar o vazio estratégico representado pelo Atlântico Sul.Sua principal função seria a de evitar que a região pudessevir a se tornar foco de conflitos, como o que havia ocorridoem 1982, com a crise das Malvinas; e mesmo de projeção

QUADRO 9 - BRASIL: EXPORTAÇÕES POR BLOCOS ECONÔMICOS (EM %)

FONTE: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

NOTAS:1. Inclusive Porto Rico;2. Exclusive Oriente Médio.

da frota soviética no Atlântico Sul, após a instalação deregimes pró-comunistas nas ex-colônias portuguesas daÁfrica.9 Ainda que tais resultados econômicos permaneçam aquémdos níveis considerados desejáveis, dadas as demandas enecessidades a serem superadas, são sinais claros de

ANO ESTADOSUNIDOS1

ÁSIA² UNIÃO EUROPÉIA ALADI DEMAIS TOTAL

Page 10: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

64

ADJUSTMENT CHANGES

Nesse sentido, a agenda externa do governoFernando Henrique Cardoso manteria como obje-tivos constantes o fortalecimento da capacidadenegociadora do país mediante a consolidação doMercosul e sua possível ampliação. Por outro lado,os esforços diplomáticos voltar-se-iam para a pro-jeção internacional do país nos temas e cenáriosdos mais distintos. Ao longo dos oito anos, o go-verno trabalhou na negociação e assinatura doTratado de Não-Proliferação Nuclear, e ainda emtemas como desarmamento, terrorismo, meioambiente, direitos humanos e defesa da democra-cia, além de candidatar-se a uma vaga permanen-te no Conselho de Segurança da ONU.

Assim, tiveram lugar de destaque na agendaexterna do governo o acordo de livre comérciocom a União Européia, a integração hemisférica enegociações da ALCA, alianças no âmbito da Or-ganização Mundial do Comércio (OMC) e o de-senvolvimento de programas de cooperação para

a ampliação das relações bilaterais com parceirosimportantes, como a China e o Japão.

O conjunto de ações descritas revelou resulta-dos positivos para o Brasil, que passou a ser con-siderado como país merecedor de maior confian-ça no tabuleiro internacional. Sinal disso é que aatração de Investimento Estrangeiro Direto (IED),pelo país, tornou-se um dos aspectos mais signi-ficativos desse período. Como ilustra o Quadro11, ao longo do governo Fernando Henrique Car-doso, o Brasil tornou-se, em média, o receptor demetade dos ingressos de IED na América do Sul ede, aproximadamente, trinta por cento daqueleabsorvido pela América Latina e Caribe. Obser-vando-se, ainda, que o país registrou um cresci-mento apreciável na participação do fluxo de IEDpara o conjunto das Economias em Desenvolvi-mento entre 1996-2002; ainda que no fluxo mun-dial mantenha-se com participação media inferiora três por cento.

reaquecimento econômico. No decurso dos últimos anos,as taxas de crescimento ultrapassaram os 8% em três paí-ses (Lesotho, Ilhas Maurício e Uganda), oito países tive-ram um crescimento entre 6 e 8% e 12 registraram cresci-mento entre 3% e 6%. Indicadores que criam um ambientefavorável ao aumento dos fluxos de Investimento Estran-geiro Direto (IED).

QUADRO 10 - ÁFRICA: INGRESSO DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED), 1996-2002

FONTE: Elaborado a partir de Unctad, (2003), anexo, tabela B.1.

NOTA: 1. Média anual.

Page 11: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

65

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

Às expectativas do governo, no entanto, so-maram-se dados macroeconômicos negativos. Aolongo dos dois mandatos, a debilidade do cresci-mento econômico observado no Brasil (Quadro12) revelou-se um impeditivo às pretensões di-plomáticas do país. Ainda que, ao longo da déca-da de 1990, o crescimento brasileiro tenha sido omelhor da região, tendo inclusive sendo o menosafetado pelo desaquecimento da economia mun-dial que o resto da América Latina, seu desempe-nho nos anos 1990 foi, em geral, decepcionantequando comparado com o de outros países de

grande porte e com seu próprio desempenho emdécadas anteriores. Entre 1990 e 1999, a taxamédia de crescimento da economia foi de 1,78%ao ano. Se comparado com a década de 1980,quando a economia brasileira cresceu em média2,2% ao ano, constata-se os anos 1990 comouma década em que a economia esteve claramen-te comprometida. Em conseqüência, o fechamentode postos brasileiros no exterior, e particularmen-te no continente africano, veio sinalizar, por umlado, as debilidades orçamentárias da União, e, poroutro, as prioridades da política externa.

QUADRO 11 - BRASIL: INGRESSO DE IED (1991-2002)

FONTE: Elaborado a partir de Unctad (2003), anexo, tabela B1.

QUADRO 12 - TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB NO BRASIL E EM PAÍSES SELECIONADOS, 1991-2002(EM %)

FONTE: World Bank (2006, p. 30).

Com base nisso, a análise das relações Brasil-África indica, invariavelmente, que a vertenteatlântica deixara de representar uma dimensão de

relevância para a política externa brasileira. Aogoverno, passou a ser essencial garantir ao Brasiluma presença na nova arquitetura internacional,

1991-96MÉDIAANUAL

1991-93 1994-98 1999-02 1994-02

Page 12: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

66

ADJUSTMENT CHANGES

em que as relações Norte-Sul tornaram-se o eixode sustentação político e econômico-comercial dopaís, interessado em maior participação nos forosdecisórios internacionais e nos fluxos internacio-nais de comércio e investimento. A diplomacianacional, diante desses desafios, viu-seconstrangida pela falta de recursos financeiros, emesmo humanos, para exercer uma política exte-rior que fosse, ao mesmo tempo, hemisférica eglobal, optando por alguns eixos principais noconjunto de suas relações internacionais.

No âmbito dos países do Sul, a África, entre-tanto, não ocupou um lugar de destaque na agen-da externa do governo, que trabalhou a vertente

atlântica sob um foco de concentração eseletividade. Assim, a política externa em direçãoao continente africano orientou-se peloadensamento das relações do Brasil com poucospaíses (África do Sul, Angola e Moçambique) epela consolidação da CPLP.

Como visto no Quadro 13, as relações comer-ciais Brasil-África, a despeito do crescente volu-me das importações (que, entre o primeiro e osegundo mandato de Fernando Henrique Cardo-so, saltam, respectivamente, de cerca de 3,0%para 5,5%), e da própria mudança de cenário ocor-rida no continente africano, não registrou maio-res significados ao Brasil.

QUADRO 13 - INTERCÂMBIO COMERCIAL BRASIL-ÁFRICA*, 1995-2002 - US$ BILHÕES

FONTE: Elaborado a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

NOTA: 1. Exclusive Oriente Médio.

A consecução do processo de regionalização,com o Mercosul, e a fragilidade econômica ob-servada no Brasil e no outro lado do Atlântico ini-bem a política externa brasileira para a África, quepassa a ser focada no desenvolvimento de rela-ções preferenciais com os países membros daCPLP. A redução de diplomatas10, o contínuodeclínio das relações comerciais e a concentração

de relações com os Palop11 e com a África do Sulrevelam uma tendência geral de declínio das rela-

10 Dos 34 diplomatas brasileiros mantidos na África em1983, apenas 24 diplomatas lá estavam em 1993. Dadosque contrastam com a evolução do número de diplomatasservindo em outras partes do mundo que, entre 1983-1993,passaram, respectivamente, de 134 para 161, na Europa,de 44 para 52, na América do Norte, e de 68 para 77, naAmérica do Sul (SARAIVA, 1996, p. 217-218).

11 Sinal disso é que os PALOP são os maiores beneficiáriosda cooperação técnica internacional brasileira, observando-se que países latino-americanos seguem a uma distânciaconsiderável, como segundo lugar no tocante aos recursosaplicados. Com relação à cooperação técnica, cabe ressaltaro trabalho desenvolvido por algumas instituições brasilei-ras, como SENAI, SEBRAE, ENAP, FIOCRUZ. Contu-do, a manutenção e eficácia destes programas de coopera-ção estão, quase sempre, sob risco de paralisação ou mes-mo suspensões de suas atividades em função da falta derecursos brasileiros ou de problemas políticos locais. Poroutro lado, vale ressaltar a permanente participação de tro-pas brasileiras nas missões de Paz coordenadas pela ONUem países africanos de língua oficial portuguesa, como é ocaso da Primeira Missão de Verificação das Nações Unidasem Angola (UNAVEN I).

IMPORTAÇÃOEXPORTAÇÃO

Page 13: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

67

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

ções diplomáticas que se torna mais nítida com adecisão, ao longo da gestão Fernando HenriqueCardoso, de fechamento dos postos diplomáticosem Adis Abeba (Etiópia), Dar es Salam (Tanzânia),Iaundê (Camarões), Kinshasa (República Demo-crática do Congo), Lomé (Togo) e Lusaca(Zâmbia). Fato que acabou por limitar, portanto,a capacidade da política externa em alavancar osobjetivos estratégicos de caráter político e econô-mico na África.

Nesse contexto, percebe-se que a diplomaciabrasileira atravessava uma fase de redefinição desuas prioridades, voltando os vizinhos da Améri-ca do Sul a assumir lugar prioritário na agendaexterna do Brasil. A partir de então, a diplomaciabrasileira trabalha no sentido de: a) atualizar a agen-da externa do país, em consonância com o mo-mento internacional; b) redefinir as relações comos Estados Unidos, superando os contenciososentão existentes e c) retirar da política internacio-nal brasileira o seu caráter "terceiro-mundista"(HIRST & PINHEIRO, 1995).

No plano doméstico, a política de estabiliza-ção da economia e a reforma do Estado brasileiroexercem influências consideráveis, levando o paísa promover uma política de abertura comercialque privilegia as relações com os Estados Unidose a União Européia. Nesse cenário, percebe-se comnitidez que o declínio comercial Brasil-África ar-ticula-se à própria retração no papel do Estado naeconomia, caracterizada pela desregulamentaçãoe pela ampla privatização registradas ao longo doperíodo. Nesse aspecto, é forçoso reconhecer que,com raras exceções, as relações comerciais Bra-sil-África estiveram quase sempre apoiadas porprojetos de agências estatais. Fato que temfragilizado a promoção de uma política africanade maior vulto. A institucionalização da CPLP du-rante o governo Cardoso revela-se, assim,emblemática. A promoção e constituição da Co-munidade ocorrem estritamente no âmbito da es-fera diplomática, que passa a conferir aos Palopum papel prioritário no desenvolvimento da políti-ca externa para o continente africano.

O peso do continente africano na agenda di-plomática brasileira, entretanto, viria alterar-se coma eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presi-dência da República. Como será analisado nospróximo tópico, a partir de 2003 os países africa-nos serão merecedores de maior atenção e inves-timento diplomático brasileiro. A política africana

do Brasil sofre, a partir de então, um ponto deinflexão, voltando os parceiros africanos a ocu-par um lugar de destaque na agenda internacionaldo Brasil.

IV. POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO LULA:AJUSTES E INOVAÇÕES

Em que pese a apreensão de vários setorespolíticos e econômicos (tanto em plano domésti-co quanto externo), a eleição de Luiz Inácio Lulada Silva para a Presidência da República não che-gou a alterar de forma substantiva a condução dapolítica macroeconômica brasileira (PAULANI,2003). O governo Lula manteve os parâmetroseconômicos da gestão Fernando Henrique Cardo-so - o câmbio flexível associado a uma crescenteabertura financeira; um regime de metas de infla-ção e a realização de expressivos superavits pri-mários nas contas públicas. O argumento gover-namental para a manutenção desse "tripé" seria ode que somente a manutenção dos fundamentosde política macroeconômica seria capaz de ga-rantir a "credibilidade" do governo junto aos mer-cados financeiros. O que, ademais, imporia o es-forço de criar-se condições estruturalmente está-veis de financiamento do setor público, em espe-cial, e pela via de reformas constitucionais(previdenciária, tributária, independência do Ban-co Central, etc.) capazes de comprimir gastos ecristalizarem o referido "tripé" (PRATES & CU-NHA, 2004).

Por outro lado, o curso da política externa bra-sileira sofreu consideráveis ajustes de agenda,sobretudo quando em comparação com o gover-no Cardoso, que teve como preocupação e metaexterna a consolidação das relações com a cor-rente principal da economia global - Estados Uni-dos, Europa e Japão - em oposição às orientaçõesterceiro-mundistas. Contando com Celso Amorim,reconduzido ao cargo de Ministro das RelaçõesExteriores, o qual havia ocupado durante a gestãoItamar Franco, e com Marco Aurélio Garcia, comoassessor especial da Presidência da República paraAssuntos Internacionais, o governo Lula promo-veu mudanças significativas na política externa dopaís. Em grande medida pelo fato desses atoresserem, historicamente, favoráveis à aproximaçãopolítica e comercial do Brasil com o conjunto depaíses em desenvolvimento.

A agenda externa do governo seguiria no sen-tido de favorecer a integração com a Argentina e aconsolidação da Comunidade Sul-Americana de

Page 14: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

68

ADJUSTMENT CHANGES

Nações (CASA); promover as exportações e aarticulação de interesses com o Grupo dos 20países mais industrializados do mundo (G-20) nasnegociações da OMC; o fortalecimento domultilateralismo, com a reforma da ONU e doConselho de Segurança; o aprofundamento daparceria com a Índia e a África do Sul; a aproxi-mação com outras regiões do mundo em desen-volvimento, como a África, os países árabes e aAmérica Central (incluindo o Caribe) e o desen-volvimento das relações com parceiros tradicio-nais (Estados Unidos, Europa e Japão), além deChina e Rússia.

Como observa Lima, tais mudanças derivamdo projeto internacional do governo, respaldadopor sua visão do ordenamento internacional, ouseja, de que, no plano global, existe espaço parauma presença mais afirmativa do Brasil, o que re-flete "[...] uma certa avaliação da conjuntura mun-dial, que assume a existência de brechas para umapotência média como o Brasil, que, por via de umadiplomacia ativa e consistente, podem até serampliadas" (LIMA, 2003). Tal percepção sobre aordem internacional pode ser observada tanto nospronunciamentos quanto nas iniciativas do gover-no Lula. É basicamente endossada pela avaliaçãode que, a despeito do predomínio militar logradopelos Estados Unidos em plano global, a ordemeconômica ainda guarda possibilidades maispluralistas, pois, com a criação do euro, a UniãoEuropéia e sua moeda fortalecem-se, e, conse-qüentemente, o poder do dólar enfraquece-se.

Portanto, constata-se a existência de um mun-do menos homogêneo e mais competitivo, no qual,considera o atual governo, haveria espaço paraum movimento contra-hegemônico, cujos eixosestariam na Europa ampliada, com a inclusão daRússia, e na Ásia, onde potências como China eÍndia podem vir a representar um contraponto aosEstados Unidos na região. Por essa percepção, aunipolaridade não consegue legitimar-se, pois atentação imperial é permanente, e isso, simultane-amente, estimula o investimento das demais po-tências (idem).

Por tal perspectiva, a nomeação do embaixa-dor Celso Amorim para o Ministério das RelaçõesExteriores constituiu um sinal de que a políticaexterna não iria alterar significativamente seusrumos. Porém, procuraria rever os termos dasnegociações e parcerias internacionais do país,buscando a construção de alianças fora do hemis-

fério como forma de ampliar seu poder de influ-ência no âmbito internacional a partir de uma agen-da ativa e de um comportamento protagonista.

As prioridades externas seriam, assim, a con-solidação e possível ampliação do Mercosul e aintegração sul-americana, concebidos como umespaço para a promoção internacional brasileira.O governo passaria a dar ênfase à construção deacordos com outros parceiros, visando à aproxi-mação comercial e econômica que tem como pres-suposto que "a estratégia de inserção global nãodeve desprezar os países do sul, onde as oportu-nidades podem ser extremamente atraentes parao exportador brasileiro" (AMORIM, 2003). As-sim, tomou forma o projeto de integração na Amé-rica do Sul a partir da negociação do acordoMercosul-Comunidade Andina, ao qual se soma-ram aos acordos de complementação econômicafirmados com Chile e Bolívia e os entendimentosMercosul-Peru e Mercosul-Venezuela.

Paralelamente, organizaram-se esforços paraa exploração de outras possibilidades de aproxi-mação econômico-comercial com parceiros domundo em desenvolvimento, em particular com oMéxico, África do Sul, o mundo árabe e da Asso-ciação do Sudeste Asiático, China e Índia. Sobreesses dois últimos mercados, vale ter em menteque a China ascendeu à condição de quarto maiorimportador de produtos brasileiros em 2002, e queo comércio bilateral com o a Índia praticamentetriplicou em valor nos últimos anos da virada deséculo, alcançando 1,2 bilhões de dólares em 2003.

Quanto à África, o crescente interesse domés-tico por países africanos, como Angola, Namíbiae Moçambique, bem como por negócios e empre-endimentos conjuntos com o Brasil, tornarampossível a articulação, pelo governo brasileiro, danegociação de dois acordos de preferências comvistas à constituição de uma zona de livre comér-cio entre Mercosul-União Aduaneira da ÁfricaAustral e Mercosul-Comunidade para o Desen-volvimento da África Austral.

Como será visto mais adiante, no Atlântico, apolítica em direção ao continente africano tornar-se-ia prioridade. Sinal disso é que, durante seuprimeiro mandato, o Presidente Lula realizou seisviagens ao continente africano, visitando um totalde 20 países (Quadro 14). Fato substancialmenteconsiderável, sobretudo quando comparado aosgovernos predecessores que, em seu conjunto,não registraram mais do que sete viagens presi-

Page 15: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

69

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

denciais a países desse continente (Quadro 15).

Em seu conjunto, tais iniciativas viriam sinali-zar a intenção governamental de promover umequilíbrio em relação ao que permanece sendo fa-tores constantes na estratégia de inserção interna-cional do país ao longo das décadas de 1980 e1990: adensamento das relações com as grandespotências (com destaque para os Estados Unidos)e criação de condições necessárias ao ingresso deIED.

No que pese a importância desses dois ele-mentos para a promoção internacional brasileira,a partir do governo Lula observam-se esforçosconsideráveis para a construção de acordos e es-paços que garantam maiores alternativas e, con-seqüentemente, maior capacidade de barganha aopaís no plano global; a fim de que o Brasil sejacompreendido como ator de características dife-renciadas e, portanto, capaz de ter papel protago-nista em plano internacional. Considerando o ci-clo de liquidez internacional e que as condições de

QUADRO 14 - VIAGENS PRESIDENCIAIS AO CONTINENTE AFRICANO, 2003-2006

FONTE: Elaborado a partir de Garcia (2007) e Brasil (2009).

QUADRO 15 - VIAGENS PRESIDENCIAIS AO CONTINENTE AFRICANO, 1985-2002

FONTE: Elaborado a partir de Garcia (2007) e Brasil (2009).

NOTAS:

1. Não houve mais do que uma viagem a cada país;2. Não realizou nenhuma viagem;3. Considerados os dois mandatos (1995-99; 1999-2003).

financiamento externo apresentavam uma tendên-cia de melhora, tais ações convergiriam para rea-firmar, de forma significativamente otimista, ocaráter universalista da diplomacia brasileira emsua estratégia de diversificação de parcerias. Esseativismo do governo Lula também se traduziu naformação do G-20 e do IBAS (Índia, Brasil e Áfricado Sul). O primeiro foi formado pouco antes dareunião ministerial de Cancún, em setembro de2003, quando o Brasil buscou a formação de umgrupo de países interessados no fim dos subsídi-os internos às exportações de produtos agrícolase em um maior acesso aos mercados norte-ame-ricano, europeu e japonês.

Nessa coalizão, como em outras alianças Sul-Sul, a administração Lula procurou, para além daampliação dos benefícios econômicos individuais,a construção compartilhada de uma identidadecomum, calcada por compromissos com umaordem social e econômica mais "justa" e "igualitá-

MÊSANO PAÍSES VISITADOS

ANOGOVERNO PAÍSES VISITADOS

Page 16: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

70

ADJUSTMENT CHANGES

ria". Quanto ao IBAS, surgiu como proposta go-vernamental de criação de um foro de coordena-ção e cooperação que reúne Índia, Brasil e Áfricado Sul, descrito pelo atual Ministro das RelaçõesExteriores como "[...] um grupo que, juntamentecom China e Rússia, deverá assumir papel inter-nacional crescente nas próximas décadas"(AMORIM, 2005). Ou seja, o governo trabalhana construção de arranjos cooperativos entre pa-íses emergentes de relevo com o propósito deadensar tanto as dimensões políticas quanto decomércio internacional, na busca por novas es-tratégias de atuação frente às economias centrais.

Nos dois casos, depreende-se que o governosegue uma mesma proposta: articular uma agen-da comum entre o grupo de países exportadoresagrícolas do mundo em desenvolvimento em fa-vor de uma maior liberalização do comércio paraa agricultura e, portanto, contrária aos subsídiosagrícolas. Particularmente em relação à coalizãoBrasil, Índia e África do Sul, acrescente-se que setrata de uma política voltada para a concretizaçãode parcerias no âmbito Sul-Sul capaz de favore-cer o alcance de um objetivo constante da diplo-macia brasileira: o desenvolvimento, articulado auma estratégia pautada pela relativa autonomia quecria em relação às economias desenvolvidas.

Dessa forma, a diplomacia do governoLula tomaria lugar de destaque na agenda políticabrasileira. Como se pretende demonstrar, a preo-cupação em recuperar espaços na África e emconstruir novos acordos nos mais distintos forose regiões daria um tom marcadamente ativista àpolítica externa brasileira, que buscaria, na arti-culação com os países em desenvolvimento, apromoção de uma agenda comum; ao mesmo tem-po em que a diversificação dos vínculos com ospaíses desenvolvidos dar-se-ia para conseguiracesso a mercados e a investimentos, além daconquista de um assento permanente no Conse-lho de Segurança da ONU.

V. RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA: UM PONTODE INFLEXÃO

A despeito da continuidade observada no pla-no econômico, a política externa do governo Lulaé um dos setores que melhor reflete as posiçõestradicionais do PT, pois o discurso e a prática di-plomática convergem para construção de aliançaspreferenciais com parceiros no âmbito das rela-ções Sul-Sul. Sinal disso é que o continente afri-cano passou a ser encarado como uma das áreas

de maior investimento, em termos diplomáticos,do governo, que, ao longo do primeiro mandato,não apenas tornou prioritária a reabertura dos pos-tos diplomáticos fechados durante a administra-ção anterior, como ainda os ampliou, no conti-nente africano.

Desse modo, nos quatro primeiros anos, ogoverno Lula reabriu embaixadas desativadas nagestão Cardoso e inaugurou representações diplo-máticas e um consulado-geral, totalizando 13 no-vos postos; o que elevou a presença diplomáticabrasileira no continente africano de 18 para 30embaixadas e dois consulados-gerais. Movimen-to que, deve-se registrar, proporcionou maior in-tensidade nas relações Brasil-África, uma vez quetambém se pôde observar o interesse de váriosEstados africanos (a exemplo do Benin, Guiné-Conacri, Guiné Equatorial, Namíbia, Quênia,Sudão, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue) na abertu-ra de postos diplomáticos no Brasil. Entre 2003 e2006, o número de embaixadores africanos acre-ditados em Brasília saltou de 16 para 25.

Ademais, o governo Lula adotou medidas ad-ministrativas no âmbito do Ministério das Rela-ções Exteriores para assegurar a ampliação da pre-sença brasileira no continente africano; merecen-do destaque o desmembramento do Departamen-to da África e do Oriente Médio, que veio darlugar à reativação de um Departamento voltadoexclusivamente para o continente africano. Nesseponto, também se ressalta a criação da Divisão daÁfrica-III (DAF-III), que veio juntar-se às duasDivisões já existentes (DAF-I e DAF-II), uma vezque se ampliou o lugar ocupado pelos Estadosafricanos no quadro administrativo do Ministériodas Relações Exteriores (MRE), com o empregode um número maior de funcionários e de repassede recursos. A reabertura e ampliação de postosdiplomáticos, bem como a reestruturação admi-nistrativa, devem ser encaradas, portanto, comoconseqüência direta do interesse governamentalna ampliação da presença brasileira no continenteafricano; com conseqüente efeito inverso: o inte-resse dos Estados africanos em ampliar sua pre-sença no Brasil.

Nesses termos, não há como negar o fato deque, apesar de fragilizada, a política africana ain-da mantém vitalidade no plano diplomático brasi-leiro, adquirindo relevância singular quando con-siderada a condução da política africana pelo atu-al governo. Desse modo, verifica-se que há ajus-

Page 17: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

71

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

tes consideráveis na agenda diplomática brasilei-ra, que passa a privilegiar regiões e parcerias atéentão não valorizadas pelas gestões anteriores.Além disso, observa-se que a execução da políti-ca externa brasileira para a África distinguiu-seda prática desenvolvida pelos governos predeces-sores, que enfocaram sobremaneira as relaçõesdo Brasil com os Palop. Na atual gestão, verifica-se um nítido esforço para a ampliação do raio deatuação da diplomacia brasileira no continente afri-cano. O próprio roteiro das viagens presidenciaispelo continente africano é claro exemplo do inte-resse governamental em ampliar a presença brasi-leira na África, que procura não se limitar a ape-nas uma sub-região ou um organismo multilate-ral, como a CPLP12. Sem desconsiderar as par-cerias tradicionais, intenta-se favorecer oestreitamento das relações do Brasil com organis-mos regionais africanos (como a União Africana,a Nova Parceria para o Desenvolvimento de Áfri-ca (Nepad), a Comunidade Econômica dos Esta-dos da África Ocidental (Cedeao), União Adua-neira da África Austral (SACU) e Comunidade parao Desenvolvimento da África Austral (SADC)) demodo a aproveitar as possibilidades políticas eeconômicas no âmbito da cooperação Sul-Sul13.

Por esse prisma, é correto considerar que,apesar da aparente fragilidade do relacionamentocomercial afro-brasileiro, com participação mar-ginal no intercâmbio comercial do país ao longoda década de 1990, o continente africano aindadetém uma posição privilegiada para o Brasil. Cabeobservar, em particular, o potencial da CPLP e daZopacas, para a diplomacia brasileira, na constru-ção de acordos de âmbito multilaterais, mecanis-mos capazes de reunir grupos de nações que, emtorno de temas específicos ou genéricos, sejamcapazes de favorecer objetivos afins nos fórunsglobais. Ademais, tanto a CPLP quanto a Zopacasguardam como potencial servirem de lócus deintersecção entre vários processos de integraçãoeconômica em curso na região do Atlântico Sul.

No plano econômico, cabe destacar que a di-plomacia presidencial tem favorecido significati-vamente o setor empresarial brasileiro no conti-nente africano. Exemplo disso pode ser constata-do pelo crescente número de empresas brasilei-ras14, sobretudo as exportadoras de serviços, quese têm dirigido para a consecução de projetos nocontinente africano. Também merece destaque ofato da Companhia Vale do Rio Doce ter sido avencedora da concorrência para a exploração docomplexo carbonífero de Moatize, situado no nortede Moçambique, contribuindo, assim, para oestreitamento das relações com o Brasil. Paralela-mente, o Presidente Lula realizou o perdão de 95%da dívida pública que Moçambique tem com oBrasil em 2004 - o que equivale ao perdão de US$315 milhões do total US$ 331 milhões. O saldorestante, de US$ 16 milhões, foi re-escalonado15.

Em Angola, a interação política tem favoreci-do enormemente as relações comercias e os in-vestimentos brasileiros no país. O governo Lulaampliou as linhas de crédito ao Estado angolanode modo a atingir uma soma de US$ 580 milhõesno triênio 2005/2007, permitindo a conclusão daHidroelétrica de Capanda, as exportações de au-tomóveis e viaturas de polícia, além da contrataçãode novos projetos nas áreas de infra-estrutura,saneamento e agricultura. Os investimentos cres-centes da Petrobrás na África são outro exemploda consolidação da presença brasileira no conti-nente, registrando-se a ampliação de suas opera-ções na Tanzânia.

Também em 2004, foi negociado um acordode cooperação na área de transporte aéreo entre oBrasil e Cabo Verde16, pelo qual se estabeleceu

12 Dado ratificado pela assinatura, em 26 de abril de 2006,do Memorando de Entendimento entre Brasil e Gana paraa instalação, em Acra, do Escritório Regional da Embrapana África.13 Neste aspecto, ressalta-se a iniciativa brasileira quelevou à promoção da I Cúpula dos Chefes de Estado daÁfrica e da América do Sul, em Abuja, na Nigéria, entre 29de novembro e 1 de dezembro de 2006.

14 Entre as empresas brasileiras que estão ampliando ouiniciando sua atuação no continente africano pode-se citar:Adeco Agropecuária, Andrade Gutierrez, Aquamec Equi-pamentos Ltda., Camargo Corrêa, Companhia Vale do RioDoce (CVRD), Marcopolo S.A., Medabil, Odebrecht,Petrobrás S.A, Symnetics, Volkswagen e Weg S.A.15 Negociado desde 2000, o contrato foi assinado somentedurante a visita do presidente Joaquim Alberto Chissanoao Brasil, em agosto de 2004. Assim, Moçambique torna-se o quarto país a ter a dívida perdoada pelo presidenteLula somente em 2004. Os demais países foram: em julho,a Bolívia (que devia US$ 52 milhões), em agosto, e CaboVerde e Gabão, cujas dívidas eram de US$ 2,7 milhões eUS$ 36 milhões, respectivamente.16 No continente africano, até então, só a África do Sulpossui acordo similar com o Brasil.

Page 18: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

72

ADJUSTMENT CHANGES

vôos diretos entre a Ilha do Sal e Fortaleza. A pers-pectiva do governo brasileiro é a de que este acordovenha a converter-se na via preferencial de inter-câmbio com o Brasil não só com esse país, mascom toda a costa ocidental africana, ampliando ocontato e, possivelmente, os fluxos comerciais.

Cabe avaliar, portanto, em que medida tais trans-formações e oportunidades são ou podem vir a se-rem aproveitadas pelo Brasil e pelos parceiros afri-canos. No próximo tópico, são analisadas as rela-ções comerciais Brasil-África ao longo do períodoestudado. Como se verá, para além do crescimen-to da corrente de comércio, atualmente se abremoportunidades importantes para o adensamento eintensificação das relações entre Brasil e África. Oque, obviamente, coloca em debate a capacidadede articulação, em plano doméstico nacional, deestratégias e projetos capazes de contribuir para adinamização e a intensificação do fluxo de comér-cio e investimentos entre o Brasil e a África.

VI. A DINÂMICA COMERCIAL BRASIL-ÁFRI-CA

No que concerne às relações comerciais doBrasil com o continente africano, desde 2002 ovalor do intercâmbio triplicou. As exportaçõesbrasileiras para a África aumentaram mais de 487%no período que vai de 1996 a 2006, sendo que omaior crescimento foi observado no período de2002 a 2006: 315% em quatro anos. No que serefere às importações, houve um acréscimo de478% nos últimos dez anos, sendo que apenasnos últimos quatro anos as cifras saltaram de US$2,6 bilhões para US$ 8 bilhões, em 2006. A cor-rente de comércio nos dois sentidos passou de

US$ 6 bilhões em 2003 para US$ 15 bilhões em2006. Fato que levou o continente africano a as-cender, em seu conjunto, à posição de quartomaior parceiro comercial do Brasil, abaixo apenasdos Estados Unidos, Argentina e China.

Considerando estritamente o intercâmbio Bra-sil-África subsaariana, a África do Sul, a Angola ea Nigéria podem ser identificadas como alternati-vas estratégicas para a diplomacia brasileira, umavez que o potencial de crescimento e as deman-das por investimentos podem beneficiar um gran-de número de empresas, nos dois lados do atlân-tico. Essa percepção é sobremaneira corroboradaao analisar-se o intercâmbio comercial entre Bra-sil e o continente africano que, nos últimos anos,dá destaque às relações comerciais com Angola,Nigéria e África do Sul, que juntos representamem média 48% do total das exportações brasilei-ras para aquele continente e 53% das importaçõesafricanas para o Brasil.

As exportações brasileiras para esses três paí-ses atingem valores expressivos em relação aomontante comercializado com a África, como blo-co, permitindo observar uma grande similaridadenos valores por categorias de produtos no que serefere à Nigéria e África do Sul, que juntas repre-sentam 82% dos valores exportados pelo Brasilpara o continente africano no período de 2003 a2006. Ainda quanto à análise das relações comer-ciais por categorias de produtos (os fatores agre-gados), é importante ressaltar que as exportaçõesbrasileiras para os Estados africanos, ao longo dosúltimos 20 anos, indicam a predominância de pro-dutos manufaturados, seguidos em proporção bemmenor pelos produtos ditos básicos (Quadro 16).

QUADRO 16 - EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA A ÁFRICA1 POR FATORES AGREGADOS, 1985-2006 -US$ BILHÕES

FONTE: Elaborado a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

NOTA: 1. Exclusive Oriente Médio.

É relevante observar, ainda, que nos últimos20 anos o saldo comercial brasileiro é positivo nasrelações com Angola e África do Sul. Já com a

Nigéria, no entanto, o saldo é negativo devido àsimportações brasileiras de petróleo. Um recortedos últimos três anos dessas relações comerciais

Page 19: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

73

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

possibilita perceber uma continuidade no saldopositivo das relações comerciais brasileiras comAngola (+ US$ 1,1 bilhão) e África do Sul (+US$2,3 bilhões), porém não com a Nigéria (-US$ 3,1bilhões). Chama atenção o saldo positivo da ba-lança comercial brasileira com a Angola, nesseperíodo, que alcançou 42% do valor relativo aos

últimos 20 anos. Fato semelhante, mas em inten-sidade bem menor (22%), advém da África doSul, o que sugere um efetivo crescimento dasexportações com tais países. Uma caracterizaçãodos produtos exportados pelo Brasil para essespaíses pode ser observada no Quadro 17.

QUADRO 17 - TOTAIS DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA OS PRINCIPAIS PARCEIROS COMERCIAISNA ÁFRICA* POR FATORES AGREGADOS, 1985-2006 - US$ BILHÕES

FONTE: Elaborado a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

NOTA: 1. Exclusive Oriente Médio.

A balança comercial brasileira mantém-se ne-gativa com a Nigéria (Quadro 18). Apesar do no-tável recuo das importações brasileiras de petró-leo desse país no ano de 2005 - quando ocorreuma redução de 23,4% no dispêndio de divisascom a importação de óleos brutos de petróleo ereduções de 70,1% com gás liquefeito de petróleo(GLP) e 17,2% com gás propano -, em 2006 oBrasil retomou e superou a importação de óleos

brutos de petróleo nos níveis alcançados em 2004.Os recentes acontecimentos que levaram à nacio-nalização das reservas de gás bolivianas, com ospotenciais prejuízos ao abastecimento do merca-do brasileiro, poderão adensar ainda mais essasrelações comerciais, privilegiando as importaçõesde gás nigeriano, que no biênio 2005/2006 foraminexpressivas.

QUADRO 18 - EVOLUÇÃO DOS PRINCIPAIS PRODUTOS IMPORTADOS PELO BRASIL DA NIGÉRIA, 2004-2006 - US$ BILHÕES

FONTE: Elaborado a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Em vista dos dados expostos, é possível afir-mar que Angola, África do Sul e Nigéria, assimcomo um crescente número de Estados africa-

nos, voltaram a ocupar um lugar de destaque, nãoapenas na agenda política, mas também na agen-da comercial do Brasil. Nesse aspecto, a promo-

Page 20: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

74

ADJUSTMENT CHANGES

ção de políticas que valorizem investimentos naárea energética demonstra-se particularmente re-levante para o adensamento das relações Brasil-África. Fato que se torna mais nítido quando ava-liado o intercâmbio brasileiro com Angola, Áfricado Sul e Nigéria.

No período analisado, as relações comerciaisBrasil-Angola têm sido intensamente favorecidaspelas descobertas offshore. Nos últimos anos, aAngola transformou-se numa área líder em ex-ploração e prospecção de petróleo no Oeste daÁfrica, tornando-se o segundo maior produtor daÁfrica subsaariana, sendo Cabinda responsável pormais da metade da produção do petróleo angola-no. Atento a essas transformações, o Brasil tembuscado forjar projetos político-comerciais, ori-entando-se pela percepção de que Angola é umparceiro não apenas geográfico e cultural, masum parceiro economicamente promissor.

Em relação à África do Sul, a política externabrasileira é diretamente influenciada pelo início doprocesso de democratização e pela superação doapartheid, que durante décadas relegou o Estadosul-africano a uma condição marginalizada nosprincipais fóruns e organismos mundiais (PENNAFILHO, 2001). País com quem o Brasil mantémrelações comerciais desde a década de 1940, aÁfrica do Sul surge como parceiro em acordosentre o Mercosul e a União Aduaneira da ÁfricaAustral. Mesmo tendo poucas reservas de petró-leo, é um grande produtor e exportador de car-vão, além de base preferencial dos investidoresinternacionais interessados em atuar na Áfricasubsaariana. Por tais motivos, tem sido alvo deatenção brasileira, os investimentos realizados pelopaís na construção de uma indústria de combus-tíveis sintéticos (synfuel), altamente desenvolvi-da, e que utiliza não só as abundantes reservas decarvão, como também o condensado e o gás na-tural offshore de Mossel Bay.

Quanto à Nigéria, o comércio do Brasilcom o país tem sido intensificado desde a décadade 1980, quando a participação brasileira no mer-cado nigeriano foi tão importante entre 1985 e 1986que o Brasil chegou a ultrapassar a relevância eco-nômica das compras nigerianas da Inglaterra (SA-RAIVA, 1994). Membro da OPEP, a Nigéria é umdos maiores exportadores de petróleo do mundo,tendo a Nigerian National Petroleum Company,empresa estatal de petróleo, como o maior playerna indústria petrolífera do país, tanto no upstream

quanto no donwstream. A Chancelaria tem con-centrado esforços na criação de mecanismos quepermitam ao Brasil efetivamente promover maiordinamização das relações econômicas com aNigéria, atualmente centrados justamente na cons-tituição de canais que possibilitem a prospecção eimportação de petróleo por empresas brasileiras.

Nesses termos, constata-se que o adensamentodas relações comerciais Brasil-África tem se tor-nado uma realidade. Apesar de não ser possíveldeterminar com precisão quais sejam os impac-tos causados por tais movimentos, é fato consta-tar que eles não deixam de confirmar a posiçãoprivilegiada ocupada pelo continente africano naestratégia de inserção internacional desenvolvidapela política externa do governo Lula. O que, porconseqüência, impõe a necessidade de revisão deações diplomáticas e comerciais brasileiras para aÁfrica, implicando a identificação e avaliação decanais eficazes na sua promoção edimensionamento.

VII. CONCLUSÕES

Considerando o período selecionado, obtém-se que as relações político-comerciais Brasil-Áfricatêm se caracterizado por um processo de intensi-dade variável, que reflete os ajustes (adjustmentchanges) de agenda promovidos pelo conjunto degovernos estabelecidos após a Guerra Fria. Des-se modo, entre os governos Sarney e Lula, obser-va-se que a política externa brasileira em relaçãoao continente africano não chega a registrar mu-danças drásticas de agenda, mas de intensidade. Apolítica africana ajusta-se às variações registradasno plano internacional e na própria agenda diplo-mática brasileira. Desse modo, no período anlisado,as relações do Brasil com o continente africanosofreram variações apenas em sua intensidade.

Um, se não o principal condicionante des-se fenômeno diz respeito aos impactos geradospelo término da Guerra Fria, simbolizada pela que-da do muro de Berlim e da superação do mundobipolar, que implicou em profundas transforma-ções na ordem internacional, e, conseqüentemen-te, no padrão de atuação internacional dos Esta-dos. Os processos de globalização e trans-nacio-nalização, acompanhados da ampliação do comér-cio internacional, da progressiva complexidade dosmeios de comunicação e da informação, bemcomo da crescente importância dos atores não-estatais na configuração das relações internacio-nais, trouxeram aos Estados a necessidade de re-

Page 21: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

75

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

pensar, e até mesmo, de redefinir os pressupos-tos essenciais de suas políticas exteriores. No casodo Brasil, somou-se a essas demandas a necessi-dade de promover ações capazes de fazer preva-lecer suas prioridades e interesses emconcomitante à própria ampliação de seu grau deautonomia.

Assim, em seu conjunto, os governos JoséSarney, Fernando Collor, Itamar Franco eFernando Henrique Cardoso tomariam como cer-ta a necessidade de mudanças que garantissem aoBrasil uma participação ativa em plano global. Emque pese a retórica diplomática buscar, repetidasvezes, enfatizar a importância da tradição e dacontinuidade no processo de formulação da polí-tica externa, a análise das relações Brasil-Áfricaao longo desses governos deixa transparecer queo continente africano não seria uma região privi-legiada para a política externa brasileira. No planoeconômico, o mercado africano representava, emmédia, apenas 4% das exportações brasileiras,tornando o contexto atlântico menos relevante paraa inserção internacional do país, no qual ficampara trás "[...] os anos de ativa cooperação mútuae empreendimentos comuns sustentados na de-terminação do Estado brasileiro em desenvolverprojetos econômicos para a África, diversifican-do os parceiros do comércio internacional do país"(SARAIVA, 2002, p. 314).

O acirramento da crise internacional na segun-da metade dos anos 1980 leva o Brasil e o conti-nente africano a ingressarem num processo demarginalização no sistema internacional. O lugarocupado pela África no quadro geral da políticaexterna brasileira viu-se particularmente restringi-do. O vínculo comercial do país com o continentetorna-se claramente frágil. À exceção da atuaçãode algumas poucas empresas, em particular, daOdebrecht e Petrobrás, nota-se um acentuado de-sinteresse empresarial brasileiro pelo continenteafricano que, imerso numa profunda crise finan-ceira e político-institucional, registra um processocontínuo de fuga de capitais e investimentos.

Do ponto de vista político, as ações brasileirasrestringem-se à promoção do IILP e da Zopacas.Nos dois casos, observa-se um movimento quetange à concentração da política externa brasileiraem relação ao continente africano. Os laços como continente serão, para o Brasil, derivados dasinterações proporcionadas, por um lado, pela lín-gua portuguesa e, por outro, pelas dimensões de

segurança que envolvam os países ribeirinhos dooutro lado do Atlântico. O fluxo de comércio seráderivado substantivamente da exploração de pe-tróleo em países como Angola e Nigéria.

O retraimento diplomático no âmbito das rela-ções Brasil-África está ligado não apenas à lógicadas relações comerciais, pois verifica-se que eletambém se articula ao processo de reorientaçãoem que ingressa a diplomacia brasileira frente aocenário internacional, marcado pelo fim da Guer-ra Fria e pela imposição de um sistema internaci-onal de caráter transitório e imprevisível. Para oBrasil, esse período reflete uma nova postura dopaís no que diz respeito à adesão a regimes inter-nacionais e arranjos cooperativos, ganhando rele-vância a política regional em direção ao Mercosul.

A diplomacia brasileira atravessava uma fasede redefinição de suas prioridades, voltando osvizinhos da América do Sul a assumir lugarprioritário na agenda externa do Brasil. Como afir-maria o então Ministro das Relações Exterioresdo governo Fernando Henrique Cardoso, oChanceler Luiz Felipe Lampreia, semdesconsiderar: "[...] as relações com nossos par-ceiros econômicos tradicionais na África [...]",as prioridades da política externa traduzem-se no"[...] processo de consolidação do Mercosul, suaeventual ampliação com a incorporação de novosparceiros, seu relacionamento com outros espa-ços econômicos, notadamente a União Européia eo Nafta e sua incidência na estabilização econô-mica e na retomada do crescimento do Brasil [...]"(LAMPREIA, 1995, p. 119).

No quadro da política externa brasileira, entreas décadas de 1980 e 1990, o continente africanopassou a ser considerado como uma dimensãoeconomicamente deficitária e politicament e pou-co relevante para o governo brasileiro. Conse-qüentemente, o fechamento de postos e embaixa-das na África veio sinalizar mais claramente asopções e prioridades diplomáticas do país: a con-solidação do Mercosul e maior aproximação comas economias avançadas. As relações Brasil-Áfri-ca pautaram-se por uma política de concentraçãoe seletividade. À exceção das relações mantidascom a da África do Sul e Nigéria, a dinâmica Bra-sil-África é pautada pela afinidade cultural (lin-güística) e, conseqüentemente, pela priorizaçãodas relações com os Palop.

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, entre-tanto, trouxe uma nova dinâmica à política exter-

Page 22: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

76

ADJUSTMENT CHANGES

na brasileira. O discurso e a prática diplomáticadesse governo vieram convergir para a constru-ção de alianças preferenciais com parceiros noâmbito das relações Sul-Sul. Sinal disso é que ocontinente africano passou a ser encarado comouma das áreas de maior investimento em termosdiplomáticos do governo, em que o Presidente e oMinistro das Relações Exteriores realizaram umroteiro de visitas e acordos sem precedentes. Aagenda externa do governo, e, em particular, apolítica em direção à África, passou a ser um alvode atenção e acompanhamento constante de re-presentantes do setor privado, interessado em ini-ciar ou expandir suas atividades no continente afri-cano.

Considerando o discurso diplomático brasilei-ro, obtém-se, como justificativa para a promoçãodas relações Brasil-África, que a compreensão,bem como a própria formulação da política exter-na brasileira para os países africanos não podemser satisfatoriamente alcançadas sem o devido re-conhecimento do papel desempenhando pelos fa-tores étnico-culturais na formação da nacionali-dade brasileira.

"Como declarou o presidente Lula, oestreitamento das relações com a África constituipara o Brasil uma obrigação política, moral e his-tórica. Com 76 milhões de afrodescendentes, so-mos a segunda maior nação negra do mundo, atrásda Nigéria, e o governo está empenhado em refle-tir essa circunstância em sua atuação externa"(AMORIM, 2003a).

Entretanto, em que pese tais condicionantes, épouco razoável considerar que o Brasil possa sub-trair resultados políticos e comerciais de circuns-tâncias estritamente culturais. Julgar como factívela construção de uma política africana embasadana premissa de laços maternos pressupõe, no mí-nimo, uma visão distorcida da própria África, emque o Brasil, por meio de um discursopretensamente progressista, julga-se capaz de aju-dar os países africanos, promovendo uma políti-ca missionária, civilizacional. Numa palavra: "Su-põe a romantização da imagem de uma 'Mãe Áfri-ca' pura, sem conflitos, em estado permanente deequilíbrio" (SARAIVA, 2004, p. 301). O resultadodessa visão, inversamente, transparece na críticade políticos e de intelectuais africanos já na déca-da de 1960, que a interpretam como uma estraté-gia senão colonialista, interessada na manutençãodo status quo, em que o Brasil aparece como Es-

tado pretenso a conquistar um lugar na “nova par-tilha africana”.

Conseqüentemente, a política externa brasilei-ra para os países africanos não pode ser compre-endida sem o reconhecimento dos interesses es-tratégicos do continente. Dessa perspectiva, éimportante observar que a formulação, bem comoa execução da política externa brasileira para ospaíses africanos não podem ser satisfatoriamentedesempenhadas considerando estritamente os in-teresses brasileiros. Regiões colonizadas, a for-mação dos Estados nacionais na África pressu-pôs um processo de ruptura com a dominaçãocolonial, que se realizou paulatinamente ao longoda segunda metade do século XX. A exemplo daÁfrica do Sul, Angola e Nigéria, esses Estadosguardam em comum, ainda, a própria forma deinserção no processo internacional de acumula-ção do capital e da divisão de trabalho: aos res-pectivos países foi relegado um papel marginal noconjunto das relações centro-periferia. No entan-to, ao rejeitar a noção de que a política externa deEstados periféricos seja puramente reativa às de-terminações oriundas dos centros hegemônicos,torna-se importante reiterar o fato de que essesmesmos países, a exemplo do Brasil, atravessa-ram a segunda metade do século XX em busca decanais e mecanismos capazes de promover seusinteresses domésticos em plano externo.

Nesse sentido, a redefinição das relações in-ternacionais após a Guerra Fria tem atuado comovariável que, ao mesmo tempo em que impõe drás-ticas alterações aos tradicionais padrões de com-portamento político, econômicos e sociais, pro-move oportunidades para a redefinição da inser-ção internacional desses Estados. "El final de laGuerra Fria há dejado a África huérfana desuperpotencias, pero consciente de que a hora tienepor primera vez em sus manos su próprio destinocomo continente de naciones" (HUBAND, 2004,p. 17). Nesses termos, a cooperação com os pa-íses africanos apresenta-se para o Brasil como umelemento-chave, capaz de transformar situaçõese condições semelhantes, ainda que muitas vezesnegativas, em oportunidades de cooperação e be-nefício mútuo. Ter consciência dessas possibili-dades bem como de seus riscos, torna-se essen-cial para a análise da política externa uma vez quesobre ela recai a responsabilidade de adotar asprioridades corretas para consecução dos proje-tos nacionais em plano externo.

Page 23: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

77

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

Cláudio Oliveira Ribeiro ([email protected]) é Doutor em Ciência Política pela Universidadede São Paulo (USP) e Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIM, C. L. N. 2003a. O Brasil e o"renascimento africano". Folha de S. Paulo,p. A3, 25.mai.

_____. 2003b. Para Celso Amorim, Brasil vairedescobrir a África. Entrevista à Agência Bra-sil, Brasília, 1.out.

_____. 2005. Política externa do governo Lula :os dois primeiros anos. Observatório PolíticoSul-Americano, Rio de Janeiro, n. 4, mar. Dis-ponível em : http://observatorio.iuperj.br/a r t i gos_ re senhas /Ar t igo%20Ce l so%20Amorim.pdf. Acesso em : 17.nov.2009.

BIELSCHOWSKI, R. & STUMPO, G. 1996. Ainternacionalização da indústria brasileira: nú-meros e reflexões depois de alguns anos deabertura. In : BAUMAN, R. (org.). O Brasil ea economia global. Rio de Janeiro : Campus.

BITELLI. J. G. 1989. A política brasileira para aÁfrica e a descolonização dos territórios por-tugueses. In : DANESE, S. F. (org.). Ensaiosde história diplomática do Brasil. Brasília :Alexandre de Gusmão.

CHEIBUB, Z. B. 1985. Diplomacia e ConstruçãoInstitucional : o Itamaraty em uma perspecti-va histórica. Dados, Rio de Janeiro, v. 28, n.1, p. 113-131.

FREIXO, A. 2001. Do 25 de abril à CPLP : ainserção de Portugal nas relações internacio-nais contemporâneas. Rio de Janeiro. Disser-tação (Mestrado em História Política). Univer-sidade do Estado do Rio de Janeiro.

FREYRE, G. 1958. Sugestões em torno de umanova orientação para as relações internacio-nais do Brasil. São Paulo : Federação das In-dústrias de São Paulo.

_____. 1960. Uma Política Transnacional de Cul-tura para o Brasil de Hoje. Belo Horizonte :UFMG.

GARCIA, E. V. 2007. Cronologia das relaçõesinternacionais do Brasil. Rio de Janeiro :Contraponto.

GONÇALVES, W. S. 1994. O realismo dafraternidade. As relações Brasil-Portugal no go-verno Kubitschek. São Paulo. Tese (Doutora-do em Sociologia). Universidade de São Pau-lo.

HALLIDAY, F. 1999. Repensando as relações in-ternacionais. Porto Alegre : UFRGS.

HAZIN, E. A. L. 1997. 25 anos em 24 horas. Riode Janeiro : Gráfica Jornal do Brasil. Depoi-mento.

HERMANN, C. 1990. Changing Course : whenGovernments Choose to Redirect ForeignPolicy. International Studies Quarterly, v. 34,n. 1, Mar., p. 3-22. Disponível em : http://www.voxprof.com/cfh/hermann-pubs/Hermann-Changing%20Course%20When%20G o v e r n m e n t s % 2 0 C h o o s e % 2 0 t o % 2 0Redirect.pdf. Acesso em : 17.nov.2009.

HIRST, M. & PINHEIRO, L. 1995. A políticaexterior do Brasil em dois tempos. Revista Bra-sileira de Política Internacional, Brasília, v.38, n. 1, p. 5-23. Disponível em : http://www.ebah.com.br/politica-externa-do-brasil-em-dois-tempos-pdf-a26942.html. Acesso em :17.nov.2009.

HUBAND, M. 2004. África después de la GuerraFria. La promesa rota de un continente. Bar-celona : Paidós Ibérica.

JAGUARIBE, H. 1958. O nacionalismo na rea-lidade brasileira. Rio de Janeiro : ISEB.

LAMPRÉIA, L. F. 1995. Apresentação na Co-missão de Relações Exteriores da Câmara dosDeputados. Resenha de Política Exterior doBrasil, Brasília, n. 76.

LIMA, M. R. S. 2000. Globalização, InstituiçõesDemocráticas e Política Exterior. WORKSHOP"EL ESTADO DEL DEBATE CONTEMPO-RÁNEO EN RELACIONES INTERNACIO-NALES", Buenos Aires, 27-28.jul. BuenosAires : Universidad Torcuato Di Tella.Mimeografado.

Page 24: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

78

ADJUSTMENT CHANGES

_____. 2003. Na trilha de uma política externaafirmativa. In : IBASE. Observatório da Cida-dania. Rio de Janeiro : IBASE, p. 94-100.

LIMA, M. R. S. & SANTOS, F. 2001. O Con-gresso e a política de comércio exterior. LuaNova, São Paulo, n. 52, p. 121-149.

NEY, Jr., J. S. 1997. Understanding InternationalConflicts. New York : Longman.

PAULANI, L. M. 2003. Brasil delivery : razões,contradições e limites da política econômica nosprimeiros seis meses do governo Lula. In : SE-MINÁRIO "A POLÍTICA ECONÔMICA DONOVO GOVERNO", Vitória, 5-6.jun. Vitória :Universidade Federal do Espírito Santo.Mimeografado.

PENNA FILHO, P. 2001. Do pragmatismo cons-ciente à parceria estratégica : as relações Bra-sil-África do Sul (1918-2000). Brasília. Tese(Doutorado em História). Universidade deBrasília.

PINHEIRO, L. 1988. Ação e omissão : a ambi-güidade da política brasileira frente ao proces-so de descolonização africana, 1946-1960. Riode Janeiro. Dissertação (Mestrado em Rela-ções internacionais). Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro.

PRATES, D. M. & CUNHA, A. M. 2004. Ajustenas contas externas do Brasil : é o fim davulnerabilidade? In : ENCONTRO NACIONALDE ECONOMIA POLÍTICA, 9, Uberlândia.Anais... Uberlândia : Sociedade Brasileira deEconomia Política. Disponível em : http://www.sep.org.br/artigo/ixcongresso68.pdf?P H P S E S S I D = e 3 8 b d c 3 d e 5 b 5 e e 5 c 5 0b7a50fb4462232. Acesso em : 18.nov.2009.

QUADROS, J. 1961. Brazil's New Foreign Policy.Foreign Affairs, v. 40, n. 1, p. 19-27. Dispo-nível em : http://www.history.umd.edu/Faculty/DWilliams/Spring07/HIST251/quadros.pdf. Acesso em : 18.nov.2009.

SANTANA, I. 2003. Relações econômicas Bra-sil-África : a Câmara de Comércio Afro-Brasi-leira e a intermediação de negócios no merca-do africano. Estudos Afro-Asiáticos, v. 25,

n. 3, p. 517-555. Disponível em : http://www.scielo.br/pdf/eaa/v25n3/a06v25n3.pdf.Acesso em : 18.nov.2009.

SANTOS, J. S. 2001. CPLP : gênese e institui-ções. In : SARAIVA, J. F. S. (org.). Comunida-de dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) :solidariedade e ação política. Brasília : IBRI.

SARAIVA, J. F. S. 1994. Do silêncio a afirma-ção : as relações do Brasil com a África. In :CERVO A. L. (org.). O Desafio internacional: A Política Exterior do Brasil de 1930 a nossosdias. Brasília : Universidade de Brasília.

_____. 1996. O Lugar da África. A dimensãoatlântica da política externa brasileira (de 1946aos nossos dias). Brasília : Universidade deBrasília.

_____. 2002. O Diálogo Sul-Sul e a CPLP :globalização e desigualdade no mundo pós-11de setembro (oito pontos para a reflexão). In :SEMINÁRIO "A COMUNIDADE DOS PAÍ-SES DE LÍNGUA PORTUGUESA - CPLP :OPORTUNIDADES E PERSPECTIVAS",Brasília, 28-29.maio. Brasília : Itamaraty.Mimeografado.

_____. 2004. África e Brasil : o Fórum de Forta-leza e o relançamento da política africana doBrasil no governo Lula. In : COELHO, P. M. P.& SARAIVA, J. F. S. (orgs.). Fórum Brasil-África : política, cooperação e comércio.Brasília : IBRI.

SENNES, R. U. 2003. As mudanças da políticaexterna brasileira na década de 1980 : umapotência média recém-industrializada. "Cole-ção Estudos Internacionais". Porto Alegre :UFRGS.

SILVA, A. C. 1989. O vício da África e Outros.Lisboa : João Sá da Costa.

VEIGA, P. M. 1991. Texto para discussão, n. 5,FUNCEX, Rio de Janeiro.

VIGEVANI, T.; CORREA, P. R. & CINTRA,R. 1999. Globalização e segurança internacio-nal : a posição do Brasil. In : DUPAS, G. &VIGEVANI, T. (orgs.). O Brasil e as NovasDimensões da Segurança Internacional. SãoPaulo : Paz e Terra, p. 53-86.

Page 25: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

79

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.2009. Sítio de internet da Presidência da Re-pública Federativa do Brasil. Disponível em :http://www.presidencia.gov.br/. Acesso em :8.dez.2009.

CEPAL. 2005. La inversión extranjera en Améri-ca Latina y el Caribe 2004. Unidad deInversiones y Estrategias Empresariales de laDivisión de Desarrollo Productivo y Empresa-rial de la CEPAL. Santiago : Cepal.

IBGE. 2000. Sistema de Contas Nacionais Tri-mestrais. Brasília : Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística. Disponível em : http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicado-res/pib/defaultcnt.shtm. Acesso em :7.dez.2009.

OCDE. 2006. African Economic Outlook 2005.Paris : OECD.

UNCTAD. 1999. Handbook of International Tradeand Development Statistics. New York : UnitedNations.

_____. 2003. World Investment Report 2003. NewYork : United Nations, 322p. Disponível em:

http://www.unctad.org/Templates/webf l y e r . a s p ? d o c i d = 3 7 8 5 & i n t I t e m I D=2979&lang=1&mode=downloads. Acessoem : 8.dez.2009.

_____. 2005. Economic Development in Africa.Rethinking the Role of Foreign DirectInvestment. New York : United Nations, 106p.Disponível em : http://books.google.com/books?printsec=frontcover&vid=ISBN9211126711 &vid=LCCN2005481514#v=onepage&q =&f=false. Acesso em :18.nov.2009.

WORLD BANK. 1995. World Debt Tables. Wa-shington, D.C. : World Bank. Disponível em :http://www.icpsr.umich.edu/cgi-bin/bob/newark?study=8313&path=IDRC. Acesso em :7.dez.2009.

_____. 2006. Global Economic Prospects 2007 :Managing the Next Wave of Globalization. Wa-shington, D.C. : World Bank. Disponível em :http://www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/IW3P/IB/2006/12/06/000112742_20061206155022/Rendered/PDF/381400GEP2007.pdf. Acesso em :18.nov.2009.

OUTRAS FONTES

Page 26: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

234

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 233-238 FEV. 2010

TRANSNATIONAL ASSOCIATIVISM: AN ANALYTICAL AND CONCEPTUAL PROPOSAL

Luciana Ballestrin

Insofar as it has altered the national framework for the study of political, juridical, economical andcultural sociabilities in the modern world, globalization has imposed an urgent reinvention of theorieson the social sciences on some of its traditional analytical categories, as is made evident by thefrequent indiscriminate use of the terms “global”, “world[wide]” and “cosmopolitan.” The conceptof “civil society” has been included in this wide epistemological “redirecting”, creating controversiesthat are not only conceptual but also factual regarding the very actor of “global civil society” (GCS).This article is divided into two parts: the first maps out the trajectory of the concept of GCS througha review of the main contributions to the category, the second attempts to confront theoretical andnormative impasses that emerge from the perspectives of those who are enthusiastic and those whoare skeptical about GCSs, taking up the central argument posed by Mark Warren in his bookAssociation and Democracy. Taking off from the perception that the existing notions of GCS areidiosyncratic and that their political role in a globalized world is under constant theoretical dispute,the goal of this article is to suggest a tentative approach to (a) interpret the associative heterogeneitythat comes together through the category and (b) project some scenarios for more empirical studiesthat make it possible to verify their real democratic contribution to the globalized world. We believethat the idea of transnational associativism provides an analytical path for GCS actions and theirmultiple effects within the political sphere, among which democracy may prove to be just one.

KEYWORDS: globalization; Political Theory; civil society; global civil society; transnationalassociativism.

* * *

ADJUSTMENT CHANGES: BRAZIL’S AFRICAN POLICY DURING THE POST-COLD WARPERIOD

Cláudio Oliveira Ribeiro

This article analyzes Brazil’s foreign policy for Africa during the post-Cold War period. As apermanent theme within the Brazilian diplomatic agenda for decades, Brazil-Africa relations havetaken on a salient role within Lula administration foreign policy. We attempt to understand themeanings and possibilities that it opens up for Brazil throughout the African continent. We do this bygiving emphasis to the political and commercial dynamics between this country and its Africanpartners, and we employ the following analytical variables: the diplomatic actions and the commercialflows that Brazil has established with African countries of the sub-Sahara region. As our mainargument, we maintain that the end of the Cold War brought substantial change within the Braziliandiplomatic agenda, directly affecting Brazil’s relationship with its African partners. Thus, we arguethat Brazil-Africa relations have been characterized by intensely variable movement, with accentuateddecline between the decades of the 1980s and 1990s and recovery and possible intensificationduring the Lula administration. Our work can be divided into four parts. In the first, we present ageneral picture of Brazil-Africa relations during the period that precedes the 1980s. This is followedby a focus on the restrictive impact of international economic crises on African and Brazilian realities,seeking to identify their repercussion on Brazilian foreign policy with regard to Africa. The thirdpart looks at possible opening up toward Brazil on the African continent, placing emphasis on thedirectives and proposals for foreign policy developed by the Lula government. The last sectionattempts to provide a synthesis of the arguments that have been developed.

KEYWORDS: foreign policy; diplomatic agenda; commercial relations; Brazil; Africa.

* * *

Page 27: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

242

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 241-246 FEV. 2010

et de la relation dessin institutionel-accountability. La méthodologie utilisée consiste à organiser lesprincipaux arguments et à effectuer l’analyse théorique des articles et des livres d’auteurssélectionnés.

MOTS-CLÉS : accountability ; conception institutionnelle ; Schumpeter, théorie démocratique,l’agrégation des préférences.

* * *

ASSOCIATIVISME TRANSNATIONAL : UNE PROPOSITION ANALYTICO-CONCEPTUEL

Luciana Ballestrin

En changeant l’exclusivité du national en ce qui concerne la compréhension de la sociabilité politique,juridique, économique et culturelle dans le monde moderne, le processus de la mondialisation aimposé aux Sciences Sociales l’urgence de la réinvention théorique, assez souvent observée dansl’association indifférenciée des termes “global”, “mondial” ou “cosmopolite” à certaines de leurstraditionnelles catégories d’analyse. Le concept de “société civile” s’insère dans cette réorientationépistémologique ample, ce qui génère des constroverses non seulement conceptuelles, mais aussifactuelles, à l’égard de l’acteur “société civile globale” lui-même (SGG). L’article est divisé endeux parties : la première dresse une carte de la trajectoire du concept de SCG en s’appuyant sur larévision des principales contributions à cette catégorie ; la seconde, cherche à faire face à l’impassethéorico-normative présentée par les visions enthousiastes et céptiques de la SCG, en empruntantl’argument central de Mark Warren, dans son livre Association and Democracy. A partir de laperception selon laquelle les concepts de SCG disponibles sont idiosyncrétiques et que leur rôlepolitique dans un monde globalisé est en permanence en conflit théorique, l’objectif de cet article estd’entreprendre une approche qui essaie de (a) interpréter l’hétérogénéité associative subordonnéeà cette rubrique et (b) d’esquisser des scénarios pour les études plus empiriques favorisant lavérification de leur contribution démocratique concrète dans le monde globalisé. On pense quel’idée d’associativisme transnational favorise une voie analytique pour les actions de la SCG et sesmultiples effets dans la sphère politique, dont la démocratie n’en est qu’un.

MOTS-CLÉS : globalisation ; Théorie Politique ; société civile ; société civile globale ; associativismetransnational.

* * *

ADJUSTMENT CHANGES : LA POLITIQUE AFRICAINE DU BRÉSIL DANS L’APRÈSGUERRE FROIDE

Cláudio Oliveira Ribeiro

L’article analyse la politique étrangère adoptée par le Brésil à l’égard de l’Afrique dans la périodepostérieure à la Guerre froide. Parce que c’est un thème constant dans l’agenda diplomatique duBrésil depuis des décennies, les relations entre le Brésil et l’Afrique ont joué un rôle prépondérantdans la politique étrangère du gouvernement Lula. Nous voulons comprendre leur signification et lespossibilités qui s’ouvrent au Brésil sur le continent africain. Nous faisons cela en mettant en évidenceles actions politico-commerciales entre le pays et les partenaires africains, et nous mobilisons lesvariables suivantes : les actions diplomatiques et les flux d’échanges commerciaux établis par leBrésil avec les pays africains situés dans la région de l’Afrique sub-saharienne. Comme argumentprincipal, nous prétendons que la fin de la guerre froide conduit à un changement substantiel dansl’agenda diplomatique brésilienne, qui affecte directement la relation entre le Brésil et ses partenairesafricains. Ainsi, il est soutenu que les relations entre le Brésil et l’Afrique se sont caractérisées parun mouvement d’intensité variable, avec une baisse accentuée entre les années 1980 et 1990 et unerécupération et même une consolidation depuis l’administration Lula. L’article est divisé en quatreparties. La première présente un cadre général des relations entre le Brésil et l’Afrique dans la

Page 28: ADJUSTMENT CHANGES A POLÍTICA AFRICANA …Guerra Fria. Em meio ao processo de descolonização que se realizava no mundo afro-asiático, o Brasil identificava na África a possibi-lidade

243

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 241-246 FEV. 2010

période antérieure aux années 1980. Ensuite, l’accent est mis sur l’impact restrictif des criseséconomiques internationales sur la situation en Afrique et au Brésil tout en cherchant à identifierson impact sur la politique étrangère du Brésil vers l’Afrique. Le troisième thème porte son attentionsur le potentiel disponible au Brésil sur le continent africain, mettant l’accent sur les politiques et lespropositions de politique étrangère mises au point par le gouvernement Lula. La dernière sectiontente de résumer les arguments présentés.

MOTS-CLÉS : politique étrangère ; agenda politique ; relations commerciales ; Brésil ; Afrique.

* * *

CONSTRUCTION DE L’ÉTAT, CADRE POLITIQUE ET PROFESSIONNALISATION DUJOURNALISME AU BRÉSIL

Fernanda Rios Petrarca

Cet article analyse la relation entre le processus de construction de l’état et le projet proposé pourl’organisation des mondes profissionnels au Brésil, en ayant comme référence empirique le cas dujournalisme et sa professionnalisation. On a pris en compte la relation entre l’introduction des critèresformels d’entrée dans l’activité professionnelle, la création d’organismes représentant la catégorieprofessionnelle et la mise en oeuvre des institutions d’enseignement avec les usages sociaux de ceprocessus et les trajectoires des agents impliqués. L’un des principaux objectifs de ce texte consisteà fournir des éléments, base sur certains concepts théoriques et méthodologiques, qui puissentmener à la réflexion du processus d’organisation et d’institutionnalisation des professions au Brésilet son rapport au politique en général. Dans le contexte brésilien, on a observé que la dynamique dela construction d’une sphère politique et professionnelle se produit simultanément avec une forteinterférence entre elles. Donc, de l’expérience du journalisme il est demontré que la reconnaissanceprofessionnelle est devenue une ressource pour l’action dans la politique brésilienne.

MOTS-CLÉS : État ; profession ; journalisme ; politique.

* * *

LA REVUE CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA : PROJET D’ÉDITION ET RÉSISTANCECULTURELLE (1965-1968)

Rodrigo Czajka

Dans les premières années de la dictature militaire, instaurée au Brésil, en 1964, par un coup d’État,plusieurs institutions dispersées par la répression ont commencé un processus de résistance etd’opposition au régime militaire. La résistance culturelle a été l’un des moyens consacrés de résistancechez les intellectuels, artistes, enseignants, producteurs culturels, entre autres, et qui a aussi été unphénomène culturel et politique sans précédent dans l’histoire du Brésil. Politique, parce qu’il a misen oeuvre la réorganisation des partis de gauche et la révision des postulats idéologiques de leur partide premier plan, le Parti communiste brésilien. Culturel, parce que cette réorganisation a eu lieusouvent dans le cadre des productions culturelles, dans lequel la gauche a créé un espace decontestation et d’engagement par le biais des arts et des activités intellectuelles. C’est au cours dece processus que le magazine Civilisation Brésilienne a représenté un espace important pour laconstruction de cette résistance culturelle de gauche contre la dictature militaire, entre les années1965 et 1968. La revue s’est imposée avec une légitimité politique tout en participant activement à laformation d’un marché pour les biens culturels soutenu par ce qu’on appelle “l’hégémonie culturellede gauche”.

MOTS-CLÉS : presse communiste ; intellectuels de gauche, résistance culturelle, dictature militaire.

* * *