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Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente” Relatório Final - Antropologia Março 2015

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Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente” Relatório Final - Antropologia Março 2015

Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente Relatório Final

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Ficha Técnica

Promotor

Direcção Regional de Cultura do Norte

Empreitada

STAP

Execução dos trabalhos arqueológicos

Archeo'Estudos, Lda

Coordenação

Paula Barreira Abranches

Equipa

Bruno Magalhães, bio antropólogo, arqueólogo

Sandra Salazar Ralha (vectorização registo gráfico)

Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente Relatório Final - Antropologia

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Índice

Resumo ....................................................................................................................................................4

Introdução .................................................................................................................................................5

Metodologia ..............................................................................................................................................6

Resultados e discussão ............................................................................................................................8

Conclusões ............................................................................................................................................. 16

Referências bibliográficas ....................................................................................................................... 17

Apêndice 1: Inventário do material osteológico recuperado.................................................................... 18

Apêndice 2: Fichas antropológicas de campo......................................................................................... 20

Apêndice 3: Registo Gráfico ................................................................................................................... 23

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Resumo

A intervenção arqueológica e antropológica na Igreja Matriz de Torre de Moncorvo realizou-se entre os

dias 21 e 24 de outubro de 2014 e o dia 2 de fevereiro de 2015, no âmbito do empreitada de reabilitação exterior

da sua cabeceira e respetiva envolvente. Foram abertos três poços/sondagens, para inspeção visual das

fundações das paredes de alvenaria e duas valas de drenagem. Foram registados 2 esqueletos articulados e

511 ossos ou fragmentos de ossos humanos soltos, que se encontravam, na generalidade, mal preservados. No

total, foi obtido um número mínimo de 4 indivíduos. Ambos os esqueletos foram registados gráfica e

fotograficamente e, de novo, tapados, uma vez que se encontravam em corte e não era necessário aprofundar a

cota de escavação. Foram ambos inumados em decúbito dorsal. Um com orientação canónica oeste-este e o

outro com orientação contrária, este-oeste. Não foram identificadas quaisquer lesões patológicas em todos os

ossos observados. Apesar da pequena área total intervencionada, foi possível perceber que, mais do que a

utilização única do adro da igreja, o antigo cemitério local circundaria totalmente a igreja matriz, quer os espaços

laterais, quer a sua área mais recuada, a sul.

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Introdução

A intervenção arqueológica e antropológica a que se refere este relatório realizou-se entre os dias 21 e

24 de outubro de 2014 e o dia 2 de fevereiro de 2015 no âmbito do acompanhamento arqueológico e de

antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de

Moncorvo e respetiva envolvente”. Neste contexto, estava prevista a abertura de algumas valas de drenagem e

de 3 poços/sondagens, estes últimos com o objetivo de inspecionar visualmente as fundações das paredes de

alvenaria da igreja.

A igreja matriz a que se refere este relatório, com orago a Nossa Senhora da Conceição, não terá sido a

primeira construída em Torre de Moncorvo. Com efeito, Abreu (1999a; 1999b) refere a existência, já em 1258, de

uma pequena povoação com aquele nome provida de igreja dedicada a São Tiago Maior. Esta igreja localizar-

se-ia, no entanto, a alguma distância de onde se edificou a nova, mais precisamente onde se encontra

atualmente o cemitério público local (Abreu, 1999b). A igreja a que nos reportamos, neste relatório, terá sido

erguida no local de um outro templo, neste caso a Igreja de Santa Maria (construída já durante o século XIV). As

obras de construção da atual matriz ter-se-ão iniciado durante os finais da primeira década do século XVI,

estando ainda em execução durante o século XVII (Abreu, 1999b). O edifício foi construído em cantaria granítica

em corpo retangular, com capela-mor com idêntica forma, ladeada por dois absidíolos de planta semicircular. As

paredes exteriores são rematadas com vários contrafortes (Abreu, 1999b).

É então de julgar como provável que o adro e interior da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo tenham

sido utilizados como cemitério pelo menos desde o século XVI; no entanto, e como o templo atual terá sido

erguido sobre um pré-existente, é possível que os enterramentos no local remontem a época Medieval, embora

possam ter sido afetados por obras posteriores.

Por outro lado, ter-se-á deixado de inumar no adro da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo em meados

do século XIX como, aliás, em grande parte dos cemitérios localizados nos adros e interiores das igrejas

portuguesas. Com efeito, o início da legislação cemiterial portuguesa que visa a proibição dos enterramentos nas

igrejas data de 1835 (Catroga, 1991; 1998; 1999; Cabral e Feijó, 1985) e é confirmada pelas Leis de Saúde de

1844 (Roque, 1982; Cabral e Feijó, 1985). No entanto, toda esta legislação provocou grandes tumultos em várias

zonas do país, levando algumas localidades a conseguirem adiar por vários anos a construção de um cemitério

público afastado do centro da povoação, que substituísse o anterior. É assim possível que o cemitério do adro da

igreja matriz tenha cessado a sua utilização por volta do ano de 1869, isto se atendermos à data que o portão do

cemitério atual de Torre de Moncorvo ostenta.

Atualmente, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição está classificada como Monumento

Nacional pelo decreto de 16-06-1910, DG 136 de 23 de junho, sendo propriedade do Estado, afeta à Direção

Regional de Cultura do Norte1.

1 http://www.culturanorte.pt/pagina,59,120.aspx (Consultado a 10-12-2014).

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O objetivo deste relatório é então descrever os trabalhos de antropologia que decorreram na Igreja

Matriz de Torre de Moncorvo, na tentativa de, quando possível, interpretar os dados obtidos nesta intervenção

referentes à antropologia funerária, paleodemografia e paleopatologia.

Metodologia Registo de campo

O registo osteológico humano de campo seguiu necessariamente o registo arqueológico, segundo a

Matriz e Harris, modelo desenvolvido por Edward Harris (1979). Para além disso, foi realizado o seu registo

fotográfico e gráfico à escala 1:20 e, quando necessário, à escala 1:10. O registo de campo visou especialmente

a Antropologia Funerária do local, sendo caraterizados aspetos como a tipologia da inumação, a sua posição e

orientação, a posição do crânio e dos membros ou o eventual espólio funerário associado.

Para todos os esqueletos exumados foi aberta e preenchida uma ficha antropológica de campo, sendo

que os ossos levantados eram todos enquadrados nos restantes registos arqueológicos, ao atribuir-se uma

unidade estratigráfica (UE) a cada novo esqueleto observado, ao enchimento da sepultura e à sua interface.

Quando o material osteológico se encontrava mais frágil era utilizada folha de alumínio para o seu

acondicionamento, de forma a tentar-se minimizar a sua fragmentação até à análise em laboratório.

Segundo as recomendações da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), os esqueletos

encontrados em corte eram definidos, registados gráfica e fotograficamente e novamente tapados com geotêxtil,

no caso de não se continuar a escavação. No caso da sua continuação em profundidade, as sondagens teriam

que ser alargadas de forma a escavar-se o esqueleto completo. No entanto, esta última hipótese não chegou a

verificar-se, pelo que os enterramentos foram selados.

Diagnóstico paleodemográfico

Na análise paleodemográfica foram tidos em conta três parâmetros: o número mínimo de indivíduos

(NMI), a diagnose sexual e a estimativa da idade à morte.

Para o NMI foram utilizados dois métodos: o desenvolvido por Herrmann (1990 in Silva, 1993) para os

ossos longos do esqueleto pós-craniano e o método descrito em Ubelaker (1974), para os restantes tipos de

peças ósseas completas e fragmentadas.

Infelizmente, não foi possível a aplicação de qualquer método para a diagnose sexual, quer devido ao

pequeno tamanho e fragmentação da amostra recuperada, quer devido ao não levantamento dos esqueletos

registados em campo.

Finalmente, para a análise da idade à morte, os intervalos etários em que se enquadraram os indivíduos

inumados foram confirmados através do tamanho dos ossos, da fusão das epífises e da erupção dentária, de

acordo com os critérios propostos em Scheuer e Black (2000). Quanto à confirmação da idade à morte dos

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adultos maduros e idosos as dificuldades foram maiores, dada a inexistência ou fragmentação dos coxais e

crânios, ossos onde normalmente se aplicam os métodos correspondentes.

Para este trabalho foram adaptados os intervalos etários de Cunha et al. (2009). A adaptação consistiu

em reduzir o limite máximo da faixa etária dos adultos jovens, de forma a fazê-la coincidir com a idade máxima a

que funde a extremidade esternal da clavícula segundo MacLaughlin (1990), isto é, os 29 anos (tabela 1).

Intervalo etário Idade (anos) 1ª infância Nascimento - 6 2ª infância 7 – 12

Adolescente 13 – 20 Adulto jovem 21 – 29

Adulto maduro 30 – 49 Adulto idoso > 50

Tabela 1. Intervalos etários de classificação adaptados de Cunha et al. (2009). Diagnóstico paleopatológico

Este capítulo teve como um dos objetivos essenciais o diagnóstico diferencial das alterações

encontradas nos restos osteológicos humanos. Para o conseguirmos, efetuámos uma cuidada análise

macroscópica de cada uma das peças ósseas, seguida do registo da alteração (quando existe) e do seu

eventual registo fotográfico. Os ossos articulados que não iam ser afetados pelo normal decorrer da obra foram

observados in situ, antes de serem novamente tapados.

Local de depósito do espólio osteológico

Todo o material osteológico humano recolhido, assim como o espólio funerário associado, encontra-se

depositado temporariamente na sede da empresa responsável pelos trabalhos arqueológicos, a Archeo’Estudos,

Investigação Arqueológica, lda., localizada na Rua da Igreja, nº226, 4415-937, Seixezelo – Vila Nova de Gaia.

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Resultados e discussão A intervenção arqueológica e antropológica e o material osteológico recuperado

A intervenção a que se refere este Relatório Antropológico de Campo diz respeito ao acompanhamento

arqueológico e antropológico realizado na área circundante à Igreja Matriz de Torre de Moncorvo (figuras 1 e 2),

com orago a Nossa Senhora da Conceição, no contexto do projeto de ‘Reabilitação exterior da cabeceira da

Igreja e respetiva envolvente’. Nesse sentido, tal como referido nas ‘Condições Técnicas Especiais’ do projeto de

obra, foram abertos três poços/sondagens de forma a conseguir-se a inspeção visual das fundações das

paredes de alvenaria. Como consequência, foram realizados trabalhos de acompanhamento arqueológico

aquando da sua abertura e que tinham em conta a grande probabilidade de aparecimento de material

osteológico humano, dado o local onde iriam ser abertas as sondagens.

Figura 1. Aspeto da fachada principal da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo.

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Figura 2. Aspeto geral do lado norte da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo, próximo de local onde seria aberto o

poço/sondagem 2.

O poço/sondagem 1, com a largura e comprimento máximos de cerca de 2,59x2,51 metros, foi

adossado às paredes norte e oeste da igreja matriz. Foram recuperados 95 ossos ou fragmentos de ossos

humanos na UE [102] e 32 na [107], num total de 127 (Tabela 2; Apêndice 1). Não foi registada a presença de

ossos em articulação.

O poço/sondagem 2, com a largura e comprimento máximos de cerca de 2,35x1,38 metros, foi

encostado a um dos contrafortes da parede sul da igreja matriz. Foram recolhidos 192 ossos ou fragmentos de

ossos humanos, 65 na UE [203], 65 na [204] e 62 na [207]. Para além dos ossos soltos, foi registada a presença

do enterramento do esqueleto 1, que não foi necessário levantar dado que, no local onde se encontrava, não se

aprofundou a escavação.

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Figura 3. Aspeto do local onde foi aberto o poço/sondagem 2.

Finalmente, o poço/sondagem 3, com a largura e comprimento máximos de cerca de 4,70x2,20 metros,

foi encostado a um contraforte e à parede sul da igreja matriz. Aqui, foram recuperados 66 ossos ou fragmentos

de ossos humanos na [303], 55 na [304] e 48 na [305], num total de 169. Para além dos ossos soltos, foi ainda

registada a presença do esqueleto 2 que, tal como no poço/sondagem anterior, não foi necessário levantar

(pelas mesmas razões).

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Figura 4. Aspeto do local onde foi aberto o poço/sondagem 3.

Sondagem UE Material osteológico Humano Fauna

1 102 95 3 107 32 -

2

203 65 - 204 65 - 207 62 -

3

303 66 29 304 55 - 305 48 3

Total - sondagens 488 35 Vala UE Material osteológico

Humano Fauna 1 002 5 6

003 9 2 2 003 9 3

Total - valas 23 11 Total – sondagens+valas 511 46

Tabela 2. Total do material osteológico humano e faunístico não articulado recuperado nos três poços/sondagens e duas valas abertos durante o acompanhamento arqueológico na Igreja Matriz de Torre de Moncorvo.

Para além destes três poços/sondagens, foram mais tarde abertas três valas de drenagem (vala 1, 2 e

3) na área exterior a sul da igreja. Na vala 1 foram recuperados 5 fragmentos de ossos humanos na UE [002] e 9

na [003], enquanto na vala 2 foram recolhidos 9 na [003].

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No total dos três poços/sondagens e três valas escavados foram recolhidos 511 ossos ou fragmentos

de ossos humanos soltos e dois esqueletos em articulação.

De assinalar que foram também recolhidos e separados em sacos próprios 35 ossos ou fragmentos de

ossos de fauna, 3 na sondagem 1 e 32 na sondagem 3. Já na vala 1 foram recolhidos 8 fragmentos de fauna,

enquanto na vala 2 foram recolhidos 3 fragmentos.

Preservação dos ossos humanos

Os dois esqueletos registados neste acompanhamento arqueológico evidenciavam diferentes graus de

preservação. O esqueleto 1 apresentava-se bem preservado, com a grande maioria dos ossos ainda in situ

(Apêndice 2). Já o esqueleto 2 apresentava-se bastante mal preservado, com poucos ossos presentes e, mesmo

estes, já bastante fragmentados. Esta situação pareceu-nos estar associada à diferente ação da humidade em

ambas as sondagens onde foram recuperados.

Quanto aos ossos soltos apresentavam-me, na generalidade, mal preservados, sendo disso prova a

grande quantidade de fragmentos de ossos indeterminados recuperados, em comparação com os ossos inteiros

ou pouco fragmentados (Apêndice 1).

Número mínimo de indivíduos (nmi)

O NMI obtido foi baixo, dada a pouca quantidade de ossos recuperados, assim como as pequenas

áreas escavadas. O osso mais representado em toda a amostra foi o fémur direito, com um total de 4 elementos

ósseos pertencentes a indivíduos adultos, seguido pelo cúbito e a tíbia esquerdos, ambos com 3 cada (tabela 3).

O NMI presente na amostra recuperada nos três poços/sondagens e valas de drenagem escavados na

Igreja Matriz de Torre de Moncorvo é, assim, de quatro indivíduos. Todos os ossos aqui representados têm as

epífises fundidas, pelo que foram considerados pertencentes a indivíduos adultos.

Osso Lateralidade Adulto Não-adulto Total Cúbito Esquerdo 3 - 3 Fémur Direito 4 - 4 Tíbia Esquerda 3 - 3

Tabela 3. Ossos com representatividade total superior a dois na amostra em estudo, no conjunto de enterramentos e ossos soltos recuperados nos poços/sondagens abertos e valas de drenagem durante o acompanhamento arqueológico na Igreja

Matriz de Torre de Moncorvo.

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Os enterramentos

Esqueleto 1

O esqueleto 1 foi registado com a UE [ 205] (figura 3; apêndice 2). Não foi identificada a sepultura onde

foi inumado, uma vez que, seguindo as indicações da tutela, foi apenas definido o esqueleto de forma a que

fosse afetado o mínimo possível. Ao nível da metade distal das tíbias o esqueleto encontrava-se para lá do corte

oeste da sondagem 2, pelo que foi realizado apenas o registo gráfico e fotográfico do indivíduo, tendo sido

depois coberto com geotêxtil e novamente tapado com terra. Foi, no entanto, ainda escavado parte daquele que

nos pareceu o enchimento da sepultura e ao qual foi atribuída a UE [204].

O indivíduo foi inumado com orientação este-oeste, isto é, contrária à norma canónica oeste-este

(Machado, 1999), para além de ter sido depositado em decúbito dorsal, posição que se encontra já dentro

daquela norma (Machado, 1999). O crânio encontra-se com ligeira inclinação para a esquerda (sudoeste), não

tendo sido possível perceber se seria propositado ou com origem tafonómica. Os membros superiores foram

cruzados ao nível dos pulsos (a mão direita por cima da esquerda). Também os membros inferiores foram

cruzados, neste caso ao nível da metade distal das tíbias, com a perna direita por cima da esquerda. Se a

posição dos membros superiores deve ser considerada relativamente normal, já o cruzamento de pernas não é

normalmente verificado em enterramentos de época Medieval, Moderna ou Contemporânea.

Uma vez que todas as epífises observáveis (incluindo as das clavículas) se encontravam já fundidas, o

indivíduo foi considerado adulto (>29 anos). Não foi possível determinar o sexo e não era observável qualquer

tipo de lesão que parecesse ter origem patológica.

Figura 5. Esqueleto 1, identificado com a UE [205], registado na sondagem 2.

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Associado a este enterramento foram recuperados dois alfinetes de cabeça e um fragmento de uma

peça indeterminada em bronze que podem pertencer ao esqueleto 1. Quanto ao prego, dado o local onde foi

recolhido, poderá pertencer ao caixão do esqueleto 1, ainda que com as devidas reservas.

Esqueleto 2

O esqueleto 2 (apêndice 2), tal como o anterior, foi registado gráfica e fotograficamente, tendo sido

posteriormente tapado com geotêxtil e terra. Foi registado com a UE [304] e foi inumado em sepultura aberta

diretamente no solo e registada com a interface [305]. Parte do tronco e todo o crânio encontravam-se para lá do

corte oeste da sondagem 3 (figura 4).

Apesar de se encontrar muito mal preservado, foi possível observar que foi depositado com a

orientação oeste-este e em posição de decúbito dorsal, ambas de acordo com a norma canónica (Machado,

1999). Dos membros superiores foi apenas possível observar que o braço direito foi depositado de forma fletida,

com o rádio, cúbito e mão sobre o tronco. Os ossos do braço esquerdo já não estavam presentes. Já os

membros inferiores foram colocados de forma distendida e paralela entre si. Apesar da sua muito má

preservação, o indivíduo foi também considerado adulto, uma vez que as epífises presente encontravam-se já

fundidas. Infelizmente, não foi possível a recolha de mais dados que possam caraterizar o perfil biológico do

indivíduo em estudo e foi apenas recolhido um fragmento de alfinete, que poderá pertencer ao enterramento 2,

dada a proximidade com que foi encontrado.

Figura 6. Esqueleto 2, identificado com a UE [304], registado na sondagem 3.

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Análise paleopatológica

Não foram identificadas quaisquer lesões patológicas nos ossos soltos recuperados, o que pode

relacionar-se com a sua pequena quantidade presente na amostra, quer com o seu grau de fragmentação

bastante elevado. Para além disso, os dois esqueletos registados na amostra não foram levantados (o que

dificultou a observação de possíveis lesões presentes), sendo que a observação realizada em campo também

não revelou qualquer tipo de lesão.

Limites do cemitério da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo

Com a escavação dos três pequenos poços/sondagens e posteriormente das valas de drenagem atrás

descritos, parece-nos algo difícil determinar quais os verdadeiros limites do cemitério da Igreja Matriz de Torre

de Moncorvo, até porque em nenhum deles a escavação foi completamente aprofundada até ao solo geológico.

No entanto, o acompanhamento arqueológico e antropológico permitiu perceber que a área de

enterramento abarca o adro da igreja, no seu espaço lateral e traseiro.

É, desta forma, bastante provável que toda a área que circunda a igreja tenha sido utilizada como

cemitério até meados/2ªmetade do século XIX, tal como aliás acontece com relativa normalidade em contextos

idênticos em inúmeros cemitérios um pouco por todo o país (Magalhães, 2014).

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Conclusões

A intervenção arqueológica e antropológica na Igreja Matriz de Torre de Moncorvo foi inserida na

“Empreitada de Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva

envolvente”, através do acompanhamento e registo de todos os passos inerentes à abertura de três

poços/sondagens que tinham como objetivo a inspeção visual das fundações das paredes de alvenaria da igreja

e três valas de drenagem.

Foi, desta forma, possível perceber que o antigo cemitério municipal terá utilizado as áreas laterais e

traseira do adro, no fundo, toda a área que circunda a igreja.

No geral, foi identificado um número mínimo de 4 indivíduos através do fémur direito, o osso mais

representado na amostra, todos adultos. Neste contexto, foram escavados dois indivíduos adultos, inumados em

decúbito dorsal. Se a orientação do esqueleto 2 está também dentro da norma canónica, já o esqueleto 1 foi

inumado com orientação este-oeste e com braços e pernas cruzados, posição que não é nada normal,

principalmente no que aos membros inferiores diz respeito.

O restante espólio osteológico recolhido corresponde a fragmentos descontextualizados e/ou sem

conexão anatómica.

Infelizmente, os poucos ossos recuperados em toda a amostra, assim como a sua má preservação e

grande fragmentação, não permitiram a identificação de lesões patológicas.

Os esqueletos 1 e 2 foram, segundo as recomendações da Direção Regional de Cultura do Norte

(DRCN), definidos, registados gráfica e fotograficamente e novamente tapados com geotêxtil e terras, uma vez

que foram encontrados em corte e não se revelou necessário intervir em profundidade.

Seixezelo, 3 de Março de 2015

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Apêndice 1 Inventário do material osteológico recuperado

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Sondagem UE Contexto Saco Osso/fragmento Lateralidade

1

102 Ossos soltos 4 - 3 frags. fauna - 102 Ossos soltos 6 - 30 frags. indets. - 102 Ossos soltos 7 - 28 frags. indets. - 102 Ossos soltos 8 - 37 frags. indets. - 107 Ossos soltos 13 32 frags. indets. -

2

203 Ossos soltos 14

- 38 frags. crânio - 1 frag. úmero - 1 frag. fémur

- 25 frags. indets.

- Esquerdo

Direito -

204 Ossos soltos 19

- 1 frag. ramo mandibular - 2 falanges

62 frags. indets.

Direito - -

207 Ossos soltos 23 - 1 cúbito

- 2 falanges - 59 frags. indets.

Esquerdo - -

3

303 Ossos soltos 28 - 29 frags. fauna - 303 Ossos soltos 29 - 66 frags. indets. -

304 Ossos que podem pertencer ao esqueleto 2 30 - 1 fragm. cúbito - 54 frags. indets.

Esquerdo -

305 Ossos soltos 31 - 3 frags. fauna -

305 Ossos soltos 32

- 1 fémur - 1 frag. tíbia adolescente

- 46 frags. inds.

Direito Esquerdo

-

Vala UE Contexto Saco Osso/fragmento Lateralidade

Vala 1 002 Ossos soltos 33

- 6 frags. fauna - 2 fragms rádio

- 2 frags. metatarsos - 1 frag. ind.

- Direito

- -

003 Ossos soltos 34 - 2 frags. fauna - 9 frags. inds.

- -

Vala 2 003 Ossos soltos 35

- 3 frags. fauna - 2 frags. crânio

- Patela - 1 frag. calcâneo

- 5 frags. inds.

- -

Direita - -

Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente Relatório Final - Antropologia

20

Apêndice 2 Fichas antropológicas de campo

Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente Relatório Final - Antropologia

21

Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente Relatório Final - Antropologia

22

Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente Relatório Final - Antropologia

23

Apêndice 3 Registo Gráfico

Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente Relatório Final - Antropologia

24

Empreitada de Reabilitação exterior da cebeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo

e respectiva envolvente - Acompanhamento Arqueológico e de Antropologia biológica

0 25cm

Investigação arqueológica, lda.

De

sen

ho

de

Ca

mp

o

De

sen

ho

de

Ga

bin

ete

Bruno Magalhães

Data

Sandra Ralha

Data

Dezembro 2014Outubro 2014

Sondagem 2

Plano UE 201 e UE 205

Osteológico

[205]

[201]

N

400.10

400.09

400.07

400.07

400.06

400.09

400.06

400.18

400.20

400.13400.11

400.10

400.11

400.08

400.10

400.12

400.56

M= 90621.82P= 167727.49

M= 90623.24P= 167727.84

Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente Relatório Final - Antropologia

25

De

sen

ho

de

Ca

mp

o

De

sen

ho

de

Ga

bin

ete

Bruno Magalhães

Data

Sandra Ralha

Data

Dezembro 2014Outubro 2014

Empreitada de Reabilitação exterior da cebeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvoe respectiva envolvente - Acompanhamento Arqueológico e de Antropologia biológica

Sondagem 2

Implantação UE 205

0 50cm

B'

B

[201]

[201]

Xisto Osteológico

[205]

M= 90621.09

P= 167728.43

M= 90623.39P= 167728.96

M= 90621.38

P= 167726.65M= 90623.61

P= 167727.16

B'

B

[208]

[201]

[201]

[201]

[208]400.59

400.56

399.60

400.25

399.64399.64

399.64

399.57

400.35

400.58

400.72

400.69

400.54

400.38

400.62400.56

400.27400.30

400.39

N

Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente Relatório Final - Antropologia

26

[301]

[304]

[305]

De

sen

ho

de

Ca

mp

o

De

sen

ho

de

Ga

bin

ete

Bruno Magalhães

Data

Sandra Ralha

Data

Dezembro 2014Outubro 2014

Empreitada de Reabilitação exterior da cebeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvoe respectiva envolvente - Acompanhamento Arqueológico e de Antropologia biológica

Sondagem 3

Plano UE 301, UE 302 e UE 305

0 25cm

Osteológico

401.35

401.52

400.88

400.90

400.99

400.97400.96

400.94

400.99

400.98

400.96

400.97

400.94

400.93

400.92

400.90

M= 90649.31P= 167735.18

M= 90650.77P= 167735.15

N

Acompanhamento arqueológico e de antropologia biológica da Empreitada de “Reabilitação exterior da cabeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo e respetiva envolvente Relatório Final - Antropologia

27

[304]

[305]

C

C'

[307]

[307]

[306]

[308]

[307]

[302]

[301]

[301]

[301]

[307]

[306]

M= 90648.88

P= 167735.96

401.35

401.00

401.18

401.05

401.34401.35

400.92400.88

401.39401.39

401.38

401.35

400.90

400.82

400.64 400.64

400.64

400.65

400.63

400.63

400.62 400.62

400.60

401.25

401.41

401.33401.33

400.83400.83 400.79

400.60400.65

400.61

401.52

M= 90653.86

P= 167737.05

M= 90653.69P= 167734.73

M= 90649.44P= 167733.80

De

sen

ho

de

Ca

mp

o

De

sen

ho

de

Ga

bin

ete

Bruno Magalhães

Data

Sandra Ralha

Data

Dezembro 2014Outubro 2014

Empreitada de Reabilitação exterior da cebeceira da Igreja Matriz de Torre de Moncorvo

e respectiva envolvente - Acompanhamento Arqueológico e de Antropologia biológica

Sondagem 3

Implantação UE 304

0 50cm

Xisto Granito Geológico

N

Contraforte da parede da Igreja

Osteológico