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A PROPAGANDA NA SALA DE AULA: Uma proposta de ensino
Autora: Sandra Mara Welter Toaldo1
Orientadora: Dra. Célia Bassuma Fernandes2
Linha de pesquisa: Análise de Discurso
Resumo
Sob o quadro teórico da Análise do Discurso de orientação francesa,
pretendemos estimular os sujeitos-alunos a lerem propagandas de forma crítica,
levando em conta as formações ideológicas nelas sedimentadas, bem como as
condições de sua produção. Após a leitura de textos publicitários, eles foram
orientados de modo a reconhecer os procedimentos discursivos utilizados para
convencer o sujeito-consumidor a adquirir determinado produto, bem como
problematizar questões ligadas à sociedade de consumo. Com este trabalho,
esperamos, também, que esses sujeitos se tornem aptos a identificar os vários
discursos e as ideologias presentes em outros gêneros textuais, contribuindo assim
para torná-los sujeitos-leitores competentes e cientes do seu lugar na sociedade.
Palavras-chave: propaganda; leitura; interpretação; cidadania
Introdução
Muito se tem discutido sobre a dificuldade de alunos do Ensino Fundamental
e Médio em fazer leitura e interpretação de textos e sobre a consequente falta de
análise crítica do que leem. Quem não lê criticamente, também não escreve da
mesma forma, além de ser facilmente influenciado por falsas ideologias ou por
ideologias tendenciosas e, por isso, é privado de seus direitos de cidadão.
1 Pós-graduação em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa pelo Centro Federal de
Educação Tecnológica do Paraná – CEFET. Graduação em Português e Inglês e respectivas literaturas pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Umuarama – FAFIU. Professora de Língua Portuguesa da Escola
Estadual Érico Veríssimo - Ensino Fundamental. 2 Doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professora de
Linguística do Departamento de Letras, da Universidade Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO. Membro do
Grupo de Pesquisa Interfaces entre Língua e Literatura, filiada à linha de pesquisa Texto, memória, cultura.
Membro do Laboratório de Estudos Linguísticos e Literários (LABELL), da Unicentro.
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Sabemos que, entre outras causas, a falta do gosto de ler é cultural.
Entretanto, além da família, é obrigação da escola possibilitar às gerações atuais e
futuras sua participação ativa nas mudanças políticas e sociais da nação, bem como
a compreensão desse processo. Portanto, é papel da escola trabalhar a leitura
qualitativamente e, por meio dela, estimular o aluno a pensar, levando-o a perceber
como os textos significam, quais discursos os perpassam, quais ideologias os
constituem. O interesse pela leitura existe, entretanto, para desenvolvê-lo, faz-se
necessário levar até nossos jovens e crianças um material que esteja de acordo com
seus anseios e necessidades, despertando, assim, seu interesse e estimulando a
sua criticidade.
Nossa sociedade é tecnológica e os alunos com os quais trabalhamos
convivem com essa tecnologia desde muito cedo, às vezes, até antes de serem
alfabetizados nas escolas. Diríamos que eles recebem a alfabetização digital muito
antes de receberem os primeiros letramentos. Então, como trabalhar com eles
questões ligadas à leitura impressa? Nas brincadeiras, cada um escolhe o brinquedo
que melhor lhe agrada e quando se trata de estimular a leitura, não pode ser
diferente. Nesse processo, cada um deve escolher o tipo de leitura que melhor lhe
agradar. É preciso, portanto, possibilitar ao educando o contato não só com livros,
mas também com jornais, revistas, gibis, etc., a fim de que ele decida o tipo de
leitura que deseja fazer, uma vez que ela deve ser tomada não como uma
obrigação, mas como uma forma de lazer, pois se trata de um processo inicial, em
que crianças, jovens e até mesmo adultos devem ler por prazer. É evidente que,
inclusive na escola, nem tudo o que se lê é por prazer. Entretanto, a partir do
momento em que a barreira do não gostar de ler for rompida, o processo ensino-
aprendizagem fluirá melhor.
Não podemos nos esquecer de que cabe também ao professor tornar um
livro, por exemplo, desejável. Comentários feitos sobre determinado livro ou matéria
lida em jornal ou revista caracterizam importantes estímulos para que os alunos
procurem lê-los. Mesmo textos de livros didáticos permitem que o professor desperte
a curiosidade do aluno e o conscientize de que também os livros são importantes
fontes de conhecimento. Uma leitura devidamente estimulada desenvolve no
educando o gosto pela leitura, desperta seu senso crítico e faz com que ele a veja
de forma diferente, uma vez que o faz descobrir o fantástico mundo das palavras. O
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fato é que, muitas vezes, o professor não é bom leitor e, consequentemente, não
consegue despertar no aluno o gosto pela leitura.
Na sociedade de consumo atual, a publicidade tem se expandido. Circula na
mídia com glamour, divulgando produtos, difundindo ideias, valores, formando
opiniões. Nesse contexto, a propaganda não pode ser ignorada no interior das salas
de aula. Em função dessas reflexões, assumimos o propósito de estimular o aluno a
ler propagandas de forma crítica, levando em conta as formações ideológicas nelas
sedimentadas, bem como as condições de sua produção. É importante conscientizar
os educandos de que, além do papel de persuadir o consumidor a adquirir
determinado produto, a propaganda também é importante agente formador de
opiniões. O objetivo principal de tal atividade é contribuir para a formação de jovens
cidadãos, cientes de seu lugar na sociedade.
A propaganda na escola
A palavra propaganda deriva do latim propagare, (coisas que devem ser
propagadas, difundidas). Refletir sobre a propaganda, na perspectiva da Análise de
Discurso, significa tomá-la como forma material inscrita em determinada formação
ideológica circulante nas formações sociais.
A mídia atual tem se manifestado como espaço privilegiado para divulgação,
difusão de ideologias , e a propaganda tem se valido desse espaço para propagar,
difundir ideias, serviços e produtos através de uma linguagem persuasiva e
sedutora. Em função disso, os textos publicitários, com suas múltiplas significações,
não podem passar despercebidos no contexto da sala de aula, pois é no âmbito da
escola que o educando será provido de condições para que leituras proficientes se
deem. Ler e interpretar com proficiência textos dessa natureza também constitui um
exercício de cidadania.
A propaganda tem o poder de seduzir, de convencer o sujeito-
consumidor/leitor a adquirir o produto que anuncia ou até mesmo de provocar nele
mudanças de atitudes e de comportamentos. Se cabe à escola promover
oportunidades de contato com um repertório variado de textos, certamente a
propaganda não deve ficar de fora, uma vez que ela faz parte ativa do cotidiano dos
alunos. Todos os dias a mídia “despeja” uma gama enorme de anúncios, que
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incorrem em múltiplos significados, pois são carregados de ideologias que terminam
por consolidar e/ou criar valores sociais.
Muitos professores baseiam seu trabalho em livros didáticos nos quais os
textos publicitários são pouco prestigiados e, por isso, trabalham pouco com o
funcionamento linguístico-discursivo desse tipo de texto. De acordo com Witzel e
Teixeira (2009), a eficiência de um texto publicitário está condicionada a
mecanismos que chamam a atenção do público consumidor, provocando seu
interesse; estimulam o desejo de compra; imprimem o nome do produto, criando a
convicção; e transformam o desejo em compra. Para isso, a propaganda cria no
sujeito-consumidor a ilusão de que, ao adquirir o produto anunciado, ele será capaz
de modificar sua vida, causando-lhe sensações de bem-estar, de realização pessoal,
etc. Nesse sentido, Vestergaard e Schroder (1988, p.84) afirmam que
os anúncios devem preencher a carência de identidade de cada leitor, a necessidade que cada pessoa tem de aderir a valores e estilos de vida que confirmem seus próprios valores e estilos de vida e lhe permitem compreender o mundo e seu lugar nele.
Trata-se, assim, de um “processo de significação no qual determinado
produto se torna a expressão de determinados valores ou estilos de vida”
(Fernandes, 2009, p.2).
Na Análise de Discurso, de orientação francesa, as condições de produção de
um processo discursivo, inclusive o publicitário, implicam em um mecanismo que
consiste na representação de imagens que o sujeito do discurso faz do outro, de si
próprio e do referente. Orlandi discorre sobre esse jogo de imagens no seguinte
excerto:
Como um jogo de xadrez, é melhor orador aquele que consegue antecipar o maior número de ‘jogadas’, ou seja, aquele que mobiliza melhor o jogo de imagens na constituição dos sujeitos [...] esperando-os onde eles estão, com as palavras que eles “querem” (gostariam de, deveriam etc.) ouvir (Orlandi, 2009, p.41).
Em outras palavras, o sujeito-enunciador deve ser capaz de antecipar o
sentido que suas palavras podem produzir junto ao seu interlocutor, no caso da
propaganda, no sujeito-consumidor. É essa antecipação que determina quais
argumentos discursivos “podem e devem” ser usados para levá-lo à
compra/consumo. Por isso, cabe à escola levar o aluno a identificar esses
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mecanismos discursivos, a fim de que não caia nas “armadilhas” criadas por
processos linguístico-discursivos cujo fim último é apenas o consumo (de um
serviço, produto, ideia). Faz-se necessário que, no interior das escolas, o senso
crítico seja cada vez mais refinado, instigado, pois só assim haverá a formação de
cidadãos plenos.
Fundamentação teórica
Por muito tempo, a leitura foi concebida como decodificação, como a
apreensão de um sentido já dado no texto. Porém, pela perspectiva discursiva, o
“gesto de interpretação”3 passou a ser entendido não como a apreensão de um
sentido, mas como a possibilidade de compreender como o texto é produzido. Para
Orlandi (2008a, p.38), “o leitor não apreende um sentido que está lá; o leitor atribui
sentidos ao texto. Ou seja: a leitura é produzida e se procura determinar o processo
e as condições de sua produção”, pois o sentido é determinado pelas posições
ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras são
produzidas.
Ainda para Orlandi (2008a), são condições de produção da leitura
componentes como a ideologia, os sujeitos (autor e leitor), os diferentes tipos de
discurso (religioso, político, jurídico), a distinção entre a leitura polissêmica (que
atribui múltiplos sentidos ao texto), e a parafrástica (que procura repetir o que o
autor disse), bem como a necessidade de se considerar as histórias da leitura do
texto e as do leitor, uma vez que, segundo a autora, toda leitura tem sua história, o
que implica afirmar que um mesmo texto pode ser lido diferentemente em épocas
diferentes, pelo mesmo sujeito ou por sujeitos também diferentes. Desse modo,
textos que no passado eram tidos como sagrados, hoje são lidos como literatura.
Isso significa que a época na qual um texto é lido faz parte do processo de sua
significação e, consequentemente, do processo de sua compreensão. Segundo
Orlandi (2008a), as leituras já feitas por um leitor e as leituras já feitas de um texto
3 Orlandi propõe considerar “o gesto de interpretação” na análise de discurso, deslocando o lugar da
observação da produção dos processos de significação no texto para o fato mesmo da interpretação que os
constitui. Desloca também o campo conceitual ligado ao histórico e ao social de uma perspectiva mais
dependente de uma produção teórica das ciências sociais, para uma perspectiva mais diretamente ligada à
linguagem” (Orlandi, 1996. p.98).
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compõem a história da leitura em seu aspecto previsível. Entretanto, a história pode
produzir a imprevisibilidade, pois do contexto histórico-social deriva a pluralidade
possível das leituras.
A variação do processo de significação de um texto também pode estar
condicionada a outro fenômeno de caráter social, a leitura de classe. Segundo
Orlandi (2008a, p.42), “há um modo de leitura que pode ser remetido às distinções
de classes sociais: um modo de leitura de classe média, por exemplo, que é o
estabelecido e o mais propagado (o dominante) pela escola”. Em síntese, a leitura
tem sua história, e para todo texto há leituras previstas, que não são absolutas, pois
sempre são possíveis novas leituras (Orlandi, 2008a). Dentre os vários elementos
que podem determinar a previsibilidade das leituras de um texto, Orlandi (idem)
destaca: a) Os sentidos têm sua história, segundo as condições de produção da
linguagem; e b) um texto tem relação com outros textos (a intertextualidade) que, por
sua vez, mostra como um texto deve ser lido.
Segundo Orlandi (2008a), o processo histórico da leitura é legitimado por
formas variadas nas diferentes instituições. Na Igreja cristã, por exemplo, essa
legitimação está a cargo do teólogo, e na escola, de especialistas, de críticos que
avaliam a importância de um texto, ao mesmo tempo em que lhe fixam um sentido
considerado ideal e, portanto, desejado. Assim, em seu trabalho pedagógico, o
professor retoma esse sentido ideal, cujo modelo é o do crítico ou do autor do livro
didático adotado.
Conforme Orlandi (2008a), todo leitor tem sua história de leitura4, e é das
leituras já feitas que deriva a compreensibilidade do texto. Nesse sentido, Orlandi
(idem) propõe que seja feita uma distinção entre inteligibilidade, interpretação e
compreensão. Conforme a analista de discurso, o enunciado “ele disse isso” é
inteligível, mas não é interpretável, pois não se sabe quem é “ele” e o que disse.
Segundo a autora, a interpretação se dá levando-se em conta as outras frases do
texto (o co-texto) e o contexto imediato. Sendo assim, a compreensão vai mais além,
pois compreender é saber como um objeto simbólico faz sentido. Ainda conforme a
autora , a compreensão procura tornar explícitos os processos de significação
4Conforme Orlandi (2008b, p.62), “o mesmo leitor não lê o mesmo texto da mesma maneira em
diferentes momentos e em condições distintas de produção de leitura, e o mesmo texto é lido de maneiras
diferentes em diferentes épocas, por diferentes leitores. É isso que entendemos quando afirmamos que há uma
história de leitura do texto e há uma história de leitura dos leitores”.
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existentes no texto e permite ao sujeito-leitor perceber outros sentidos que ali estão,
compreendendo como eles se constituem. Portanto, a compreensibilidade, isto é, a
capacidade de leitura, abrange tanto a inteligibilidade quanto a interpretabilidade
(Orlandi, 2008a).
Na escola, o texto é trabalhado como se houvesse uma leitura prevista para
ele, excluindo-se qualquer relação do texto e do leitor com o contexto histórico-
social, cultural e ideológico em que ambos estão inseridos. Uma vez ciente desse
processo constitutivo da produção de leitura, o professor pode modificar os gestos
de interpretação do aluno, seja dando-lhe condições para que construa sua história
de leituras, seja estabelecendo relações intertextuais e interdiscursivas , resgatando
a história dos sentidos do texto. Orlandi (2008a, p.44) afirma que “a previsibilidade
de alguns aspectos do processo da leitura permite a sua sistematização,
constituindo-se assim a proposta de um método de leitura”.
O que normalmente ocorre nas escolas é que as leituras previstas muitas
vezes se cristalizam nas leituras legitimadas pelo manual do professor, entre outros,
impossibilitando a instauração de novos sentidos pelo sujeito-leitor, e formando
“sujeitos-leitores modelos”, aos quais passa a ser negado um direito elementar: o de
ler um mesmo texto de formas diferentes, condenando-o a ficar preso a um modelo
de leitura, e fazendo com que perca sua capacidade de reflexão crítica. Portanto,
As leituras previstas para um texto devem entrar como um dos constituintes das condições de produção da leitura e não como o constituinte determinante delas, uma vez que, entre outros, a história das leituras do leitor também se constitui em fator muito relevante para o processo de interação que a leitura estabelece (Orlandi, 2008a, p.45).
Assim, no processo de produção da leitura, devemos levar em consideração a
polissemia, ou seja, a multiplicidade de sentidos inscritos num texto, lugar onde os
discursos se materializam, pois, conforme já adiantamos, determinada palavra ou
expressão tem seu sentido modificado de acordo com o contexto histórico-social em
que ela é usada. Devemos considerar, também, a sedimentação histórica dos
sentidos, haja vista que, conforme afirmamos anteriormente, um sentido pode
predominar sobre outros, em determinadas condições de produção. De acordo com
as circunstâncias pedagógicas, o ensino de leitura pode enfatizar tanto o sentido
dominante quanto as multiplicidades de sentidos (Orlandi, 2008a).
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Na constituição do sujeito-leitor, Orlandi (2008a, p.47) afirma que “a escola
tem excluído a relação dele com outras linguagens que não a verbal (a da música,
da pintura, do cinema, da computação, etc.) e sua prática de leitura não-escolar” e
vai mais além, salientando que “a imagem de um sujeito-leitor que se relaciona
somente com a linguagem verbal e no interior da escola tem sido o fundamento para
as metodologias da leitura que são propostas”. Diante do que foi exposto, parece
estar claro que a escola não tem levado em conta a história de leitura do leitor e o
seu papel enquanto sujeito histórico, inserido num contexto histórico-social
determinado, pois não raro propõe aos alunos a leitura de textos “politicamente
corretos”, conduzindo a uma interpretação, ou à atribuição de sentidos igualmente
“correta”, sem considerar que esses sujeitos-alunos leem fora da escola, sem a
censura do professor, baseados nas suas experiências histórico-sociais.
Fica aqui uma reflexão: Quantos de nós, educadores, temos consciência
disso? Não seria o momento de, nas aulas dedicadas à leitura, assumirmos uma
nova postura, já que, conforme Orlandi (2008a), “O aluno é sujeito-leitor de outras
formas de linguagem e também fora da escola”? Em “Discurso e Leitura”, a linguista
faz o seguinte questionamento:
Como agir na escola em relação à formação do sujeito-leitor? Ou mais simplesmente: dada a configuração histórica do sujeito-leitor produzido pela sociedade capitalista,
5 como trabalhar com a relação entre leitura parafrástica e
leitura polissêmica? (Orlandi, 2008a, p.50).
São reflexões as quais proponho que façamos também, no intuito de
minimizar problemas ligados aos gestos de interpretação em nossas escolas.
Para fundamentar essas reflexões, julgamos necessárias algumas
considerações sobre a Análise de Discurso, de orientação francesa. Segundo essa
teoria, não há distinção entre emissor e receptor, pois ambos realizam, ao mesmo
tempo, o processo de significação. Além disso, a Análise de Discurso propõe pensar
o discurso e não a mensagem, já que não se trata apenas da transmissão de
informação, mas de um processo complexo de constituição de sujeitos e produção
de sentidos (Orlandi, 2009).
Além disso, conforme Orlandi (1994), a ideologia, sob a perspectiva
discursiva, é definida pelo fato de que o sentido é historicamente determinado em
um imaginário social e político. A Análise de Discurso trata, pois, dos processos de
5Na sociedade capitalista, o sujeito-leitor é avaliado pela quantidade de livros que lê.
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constituição do discurso, resultado da relação que se estabelece entre sujeitos e
sentidos afetados pela língua e pela história. Para tanto, opera com alguns conceitos
básicos: a) Para a Análise de discurso (AD), o sujeito não é um organismo vivo, mas
um lugar, uma posição a partir da qual ele enuncia. Em outras palavras, essa teoria
não trabalha com o sujeito falante, com o sujeito de intenções, mas com a noção de
posição-sujeito; b) Quanto ao processo de significação, propõe uma relação do
discurso com a história (materialidade), objetivando mostrar que sujeito e sentido
são produzidos ao mesmo tempo; c) Partindo da concepção de que há uma relação
entre história e sociedade, a AD propõe uma outra relação, entre língua e discurso,
uma vez que o discurso é a materialidade específica da ideologia e a língua é a
materialização específica do discurso. Partindo desse princípio, a teoria em questão
trabalha a relação língua-discurso-ideologia.
Assim, a Análise de Discurso pode ser definida como uma teoria da
interpretação. Como o seu próprio nome indica, ela trata do discurso, palavra que,
etimologicamente, carrega em si a ideia de curso, de percurso, de movimento.
Orlandi (2009, p.15) afirma que “com o estudo do discurso, observa-se o homem
falando”, sem, contudo, deixar de levar em conta o homem e sua história, sem
deixar de considerar os processos e as condições de produção da linguagem.
Além de criticar qualquer tipo de leitura entendida como pura decodificação, a
Análise de Discurso critica também a concepção de língua em que não se
reconhece a materialidade histórica, e questiona o trabalho em que a interpretação
fica limitada à análise de conteúdo, cujo objeto é responder a questões como “o que
este texto quer dizer?”, uma vez que ela procura responder a um outro
questionamento: “como este texto significa?”. Para responder a essa questão, a AD
afirma que os sentidos se constituem na relação que se estabelece entre leitor e
texto, esse último, detentor de espessura semântica, de materialidade simbólica
própria e significativa, ou seja, a AD concebe o texto em sua discursividade (Orlandi,
2009). Em função da concepção de leitura proposta pela Análise de Discurso, o que
importa não é a estrutura sintática, a literalidade expressa pelos enunciados, mas o
deslize, a falha, a ambiguidade, pois o que interessa é o trabalho com possíveis
leituras centradas num contexto histórico-social e ideológico. Orlandi afirma que
10
(...) reconhecer a materialidade da língua na discursividade do arquivo6 é
reconhecer também a interpretação, ou melhor, é reconhecer que os fatos estão sujeitos à interpretação e que a língua, na medida em que é constituída pelo deslize, pela falha, pela ambiguidade, faz lugar para a interpretação (Orlandi, 1996, p.97).
Uma das principais contribuições da Análise de Discurso é a de trabalhar com
a estrutura e com o acontecimento da linguagem, uma vez que na compreensão de
cada gesto de interpretação (no sentido a que nos referimos anteriormente) são
levados em conta também aspectos relacionados ao acaso, ao equívoco e à forma
histórica da interpretação (Orlandi, 1996).
A autora afirma, ainda, que a Análise de Discurso propõe um distanciamento
na relação do sujeito com os sentidos, admite a opacidade da linguagem e faz
intervir no sujeito-analista o inconsciente e a ideologia, concebida como “efeito da
relação do sujeito com a língua e com a história em sua necessidade conjunta”
(Orlandi,1996, p.99).
Sendo assim, a singularidade do sujeito resulta do modo particular de como a
ideologia o afeta. Por isso, a autora afirma que a relação com o sentido é indireta,
sendo determinada pela história e pela ideologia (Orlandi, idem). Portanto, de acordo
com ela, a interpretação pode ser definida como um lugar de observação dos
processos de constituição dos sujeitos e da produção dos sentidos, ficando cada
gesto de interpretação caracterizado pela inscrição do sujeito em uma posição
ideológica. Conforme Orlandi (1996), as relações de sujeitos e de sentidos são
estabelecidas pela linguagem e seus efeitos são múltiplos e variados. Por isso, o
discurso é definido como efeito de sentidos entre locutores.
Em suma, língua, sujeito e história determinam o sentido das palavras, não
havendo discurso sem sujeito, nem sujeito sem ideologia (Orlandi, 1996). A linguista
ainda afirma que
Ler é saber que o sentido pode ser outro. Mesmo porque entender o funcionamento do texto enquanto objeto simbólico é entender o funcionamento da ideologia, vendo em todo texto a presença de um outro texto necessariamente excluído dele mas que o constitui. Não havendo univocidade entre pensamente/mundo e linguagem, haverá sempre o espaço da interpretação e do equívoco (Orlandi, 1996, p.138).
6 Nesse contexto, o arquivo é o discurso documental, institucionalizado, memória que se acumula. Deve
ser pensado como a memória funcionando com “versões enunciativas, imagens do dizer”, ela “inscreve o
discurso em filiações e o sentido que as representa está sempre sujeito a deslocamentos” (Orlandi, 1996, p.132).
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Segundo Pêcheux (l997a, p.160), para a teoria materialista do discurso, “[...]
as palavras, expressões, proposições, etc., mudam de sentido segundo as posições
sustentadas por aqueles que as empregam”. Assim, de acordo com o fundador da
teoria materialista do discurso, “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de
tornar-se outro, diferente de si mesmo, de se deslocar discursivamente de seu
sentido para derivar para um outro” (PÊCHEUX,1997c, p.53). Isso significa que as
palavras não têm um sentido que lhes seja único, literal, mas o adquirem em função
da posição ocupada por aquele que as enuncia, isto é, elas recebem seu sentido da
formação discursiva na qual os sujeitos se inscrevem, ou seja, o sentido é o
resultado da inscrição do sujeito em dada formação discursiva, pois para Pêcheux
(1997a, p.161), “os indivíduos são ‘interpelados’ em sujeitos do seu discurso pelas
formações discursivas, por ele definidas como aquilo que pode/deve ou não pode/
não deve ser dito a partir de uma posição numa dada conjuntura, e representam, ‘na
linguagem’, as formações ideológicas7 que lhes são correspondentes”. Isso significa
que as palavras “tiram” seu sentido dessas posições, isto é, em relação às
formações ideológicas, nas quais essas posições se encontram inscritas.
Por isso, cabe ao analista de discurso compreender os processos de
significação que trabalham o texto, procurando perceber em quais gestos de
interpretação a produção de sentidos de um texto se baseia. Como os sentidos e os
sujeitos com suas posições se constituem ao mesmo tempo, o analista busca,
assim, compreender os gestos de interpretação constitutivos dos sentidos e dos
sujeitos (Orlandi, 2008b).
Com base nisso, Orlandi (1996) afirma que o “gesto”8 do sujeito é
determinado por um dispositivo ideológico, enquanto o gesto do analista é
determinado pelo dispositivo teórico. Nesse sentido, o analista trabalha levando em
conta a questão da alteridade, visibilizando o modo como a ideologia opera. Esse
dispositivo teórico produz um deslocamento que permite ao analista de discurso
trabalhar as fronteiras das diferentes formações discursivas relativizando, assim, a
relação do sujeito com a interpretação.
7 Cada formação ideológica constitui, segundo Pêcheux (1997b, p.166), “um conjunto complexo de
atitudes e de representações que não são nem ‘individuais’ nem ‘universais’ mas se relacionam mais ou menos
diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras”. 8 Com base em Pêcheux, Orlandi (1996, p.18) aponta que “[...] a interpretação é um ‘gesto’, ou seja, é
um ato em nível simbólico”, e que essa expressão é usada para distanciar-se da perspectiva pragmática, “[...]
sem, no entanto, desconsiderá-la”.
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Para a linguista, “pelo processo de identificação, sabemos que o sujeito se
inscreve em uma formação pela qual suas palavras têm um sentido sob um modo
que lhe aparece como natural, como sendo o sentido-lá, transparente” (Orlandi,
2008b, p.26). Sendo assim, o sujeito se reconhece no movimento da interpretação,
identificando-se ao sentido sempre já-lá. Em outras palavras, quando um sujeito
produz um discurso, tem a ilusão de que o que ele diz é inédito, entretanto, outro
sujeito já o disse em outro lugar, sob determinadas condições de produção. É a
memória discursiva (ou interdiscurso)9 que regula todo o dizer e retorna no fio do
discurso (intradiscurso) sob a forma do pré-construído sustentando cada tomada de
palavra. O mesmo acontece durante o gesto de interpretação. Quando atribuímos
sentido a um texto, este sentido obviamente já está lá, mas o fato de lhe atribuirmos
um determinado sentido e não outro resulta da formação discursiva na qual
estamos inscritos. Essa formação discursiva, por sua vez, está relacionada às
formações ideológicas que, segundo Pêcheux (1997), constituem “um conjunto
complexo de atitudes e de representações que não são nem 'individuais' nem
'universais' mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classe em
conflito umas com as outras" (PÊCHEUX,1997, p.166). Portanto, ao pôr em prática o
gesto de interpretação, devemos fazê-lo levando em conta não somente a
linguagem, mas considerando também o contexto cultural, social e histórico em que
o texto em questão foi produzido.
Pela perspectiva da Análise de Discurso, o começo, o meio e o fim de um
texto são limites imaginários, porém necessários à sua materialização. Todavia, há
limite para ele enquanto unidade (imaginária) significativa. Para lidar com esse
imaginário, devemos trabalhar politicamente a relação dos sujeitos com os sentidos.
Desse modo, conforme Orlandi (2008b), ensinar a ler significa trabalhar o efeito-
leitor10 com o próprio aprendiz, interferindo na imagem que ele tem de texto e de
9De acordo com Orlandi (2008b, p.59), “o interdiscurso (ou memória discursiva) é o conjunto de dizeres
já ditos e esquecidos que determinam o que dizemos, sustentando a possibilidade mesma do dizer”. 10
“A multiplicidade de leituras, vista a partir dessa relação ‘imperfeita’ do texto com a discursividade,
deixa de ser algo psicológico, da vontade do sujeito, e passa a ter uma materialidade: a textualidade, enquanto
matéria discursiva, abre para várias possibilidades de leituras. Como a discursividade se textualiza com falhas,
há textos que expõem mais o sujeito aos efeitos da discursividade, face à abertura do simbólico, e, outros, menos.
Isso constitui o(s) efeito(s)-leitor” (Orlandi, 2008b, p.64).
13
leitura, mas para atingir esse objetivo, é preciso atuar na capacidade que esse
sujeito tem de construir arquivos.
Para que o sujeito construa arquivos, é necessário conhecer outros textos que
o ajudem a compreender um texto posto. A pergunta a ser feita não é que texto
apresentar ao sujeito, mas torná-lo atento aos sentidos produzidos por uma gama
deles, para que esse sujeito apreenda os processos de constituição dos sentidos.
Assim, o que importa não é a quantidade, mas a relação de sentidos na formação
(qualitativa) de arquivos (Orlandi, 2008b). Pensando a relação arquivo-interdiscurso,
não importa o que o sujeito lê, mas fazer com que compreenda que os sentidos
transitam. Desse modo, modifica-se a imagem que o leitor tem de leitura, pois lhes
são apresentadas outras maneiras de ler.
Sendo assim, a leitura passa a ser definida como “trabalho simbólico no
espaço aberto de significação que aparece quando há textualização do discurso”
(Orlandi, 2008b, p.71) Sob essa ótica, os efeitos-leitor produzidos a partir de um
texto são variados, sendo igualmente variadas as possibilidades de leitura, as quais
coexistem assim como coexistem as diferentes possibilidades de formulação de
significação.
Portanto, durante o gesto de interpretação, o texto não pode ser visto como
uma unidade fechada, como tendo um único sentido, pois ele estabelece relações
com outros textos, com suas condições de produção, com o interdiscurso e com o
sujeito afetado pela língua e pela história.
Aplicação do material didático
No decorrer das atividades com os alunos, percebemos sua dificuldade em
interpretar tanto aquilo que está dito quanto o que não está. Conforme já pontuamos,
a produção de discursos se dá conforme as condições histórico-sociais e a posição
ocupada pelo sujeito da enunciação, no momento em que produz determinado
discurso. Também a interpretação não pode ser vista como mera decodificação, já
que a linguagem é igualmente histórico-social e, portanto, os significados estão
condicionados a esses fatores.
Sob o quadro teórico da Análise de Discurso, Indursky afirma que a
diversidade da leitura pode ser discutida “não a partir de uma subjetividade pessoal,
14
mas do ponto de vista de um sujeito histórico, interpelado ideologicamente e, por
conseguinte, inscrito em uma formação discursiva determinada” (INDURSKY,1998,
p.189)11. Nesse sentido, conforme a autora, quando o sujeito-leitor pratica a leitura,
identifica-se com esse sujeito histórico e institui-se como efeito-sujeito.
Em função do que se afirmou acima, foi elaborada uma Unidade Didática com
textos publicitários previamente selecionados com o objetivo de estimular o aluno a
ler e interpretar propagandas de forma crítica, tornando-o apto a perceber o que as
motiva, quais ideologias veiculam, quais vantagens decorrem da aceitação/rejeição
do produto que elas anunciam, quem será beneficiado com a compra do produto em
questão e, em especial, reconhecer que procedimentos discursivos esse tipo de
texto utiliza para convencer o sujeito-consumidor a adquirir determinado produto. Na
sociedade em que vivemos, é importante conscientizar os educandos de que, além
do papel de persuadir o consumidor a adquirir determinado produto, a propaganda
também é importante agente formador de opiniões.
A Unidade Didática em questão foi elaborada a partir de campanhas de
conscientização sobre os malefícios provocados pelo consumo de cigarros, com
propagandas de cigarros da década de 80, e também propagandas de carros, as
quais podem ser acessadas pela internet, no endereço eletrônico informado junto ao
material. Recorremos a esse procedimento, devido à dificuldade de conseguir
cessão gratuita de direitos autorais junto às empresas e agências de publicidade.
Apesar dos percalços, procuramos seguir o propósito de trabalhar questões
ligadas à leitura e interpretação de textos curtos, tais como a propaganda, aos quais
foram atreladas, também, questões ligadas à ética e à cidadania.
Em primeiro lugar, gostaria de enfatizar que, apesar de o material didático ter
abordado propagandas da década de 80, entre outras, o trabalho com elas foi
bastante gratificante, pois permitiu mostrar aos sujeitos/leitores a forte carga
ideológica empregada pelas agências publicitárias no intuito de divulgar determinado
produto, bem como induzir o sujeito-consumidor a adquiri-lo.
Uma vez identificados os mecanismos linguísticos empregados nas
propagandas em questão para chamar a atenção do sujeito-consumidor, levando-o
ao consumo, foi possível compará-los com aqueles usados em tantas outras, tais
como nas de cerveja, calçados e até de cosméticos e produtos de limpeza.
11
(INDURSKY, Freda. A Prática Discursiva da Leitura. In: ORLANDI, Eni (org). A Leitura e os
Leitores. Campinas/SP: Pontes, 1998)
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Outro fato relevante é que foi possível discutir a legislação que regula a
criação e circulação de propagandas de produtos fumígeros e de bebidas alcoólicas,
bem como o diferente tratamento dado por ela aos dois produtos, apesar de serem
ambos prejudiciais à saúde da população. Nesse sentido, foi possível abordar temas
como ética e economia de mercado, mostrando que em uma sociedade capitalista, o
ganho de capital passa a ser mais importante que a saúde do cidadão. Discutimos,
ainda, a arrecadação de impostos gerada pelas indústrias desses produtos, bem
como as frentes de emprego por elas abertas. Além disso, foi possível discutir que
efeitos de sentido as imagens de crianças e de jovens produzem nesse tipo de texto,
levando os sujeitos-leitores a refletir sobre o porquê da proibição da participação
desses sujeitos em propagandas de cigarro e de bebida alcoólica. Cabe lembrar,
ainda, que já há algum tempo as propagandas de cigarro deixaram de circular na
mídia, mas o produto continua sendo vendido e consumido por boa parte da
população brasileira, tornando o tema sempre atual.
No laboratório de informática da escola, foram viabilizadas pesquisas sobre
as leis 9.294/96 e 10.167/2000. Essa última proíbe a participação de jovens e
crianças em propagandas desses produtos. Foram viabilizadas, ainda, pesquisas
sobre o índice de consumo de cigarros por pessoas dessa faixa etária, as quais
demonstraram que ele vem diminuindo desde a promulgação da referida lei.
Após o trabalho com os textos publicitários da unidade didática, desenvolvido
num período equivalente a dez aulas, foram organizados debates, nos quais foram
discutidas questões relativas à importância da leitura de textos em geral. A partir
dessas discussões, foram produzidas campanhas de conscientização sobre a
importância da leitura, da preservação dos livros didáticos, bem como dos livros da
biblioteca da escola. Essas campanhas de conscientização foram produzidas por
meio de slogans e textos de conscientização ilustrados, os quais foram
posteriormente expostos no saguão da escola para que os demais alunos pudessem
apreciá-los.
Implantação do projeto de leitura na escola
Com base em nossas reflexões acerca da leitura, e apesar de não constar em
nosso projeto apresentado ao PDE, ao retornarmos para a sala de aula, no segundo
16
semestre de 2011, surgiu o desejo de implantar um Projeto de Leitura na escola.
Embora nós, professores de Língua Portuguesa, já viéssemos fazendo um trabalho
de conscientização sobre a importância da leitura junto aos alunos, sentimos que se
tratava de um trabalho isolado e com resultados pouco expressivos. Por isso,
decidimos fazer um trabalho que envolvesse os demais colegas da escola,
acreditando que se todos os professores, e não somente os de Língua Portuguesa,
fossem envolvidos no processo de incentivo à leitura, os resultados poderiam ser
mais significativos.
A direção e a equipe pedagógica da escola abraçaram a proposta e, apesar
da reticência de alguns professores, inclusive de colegas de área, o projeto foi posto
em prática. Decidimos implantar, em caráter experimental, aulas de leitura uma vez
por semana, período em que professores e alunos se dedicariam a ela, afinal,
educa-se pelo exemplo. Essa atividade ocorreu na primeira aula de cada turno,
independentemente da disciplina, em dias diferentes, a partir da segunda-feira, de
modo que a carga horária e o cronograma de atividades dos professores não fossem
prejudicados.
A primeira dificuldade encontrada foi a pouca diversidade de material didático.
Apesar dela, foram selecionados livros de contos e crônicas disponíveis na
biblioteca, pouquíssimos jornais disponíveis na escola, algumas revistas sobre
história, geografia e ciência, mantidas pelo Estado, gibis conseguidos com verba
doada por empresa privada e uns poucos obtidos por assinatura da escola. Foram
disponibilizadas, também, revistas de circulação nacional, doadas por professores.
Além do material disponibilizado na caixa de leitura, o aluno pôde, ainda, optar por
fazer outro tipo de leitura trazida de casa ou obtida na biblioteca da escola.
Depois de algumas semanas, alunos e professores já estavam habituados a
consultar o calendário elaborado para essa atividade, o qual ficou afixado no mural
das salas de aula, programando-se para ela.
No primeiro semestre de 2012, nossa escola deu continuidade ao projeto. No
início do semestre, os alunos do 9º. ano foram levados ao laboratório de informática
e fizeram pesquisas sobre os benefícios da leitura. Em seguida fizemos uma
campanha de conscientização sobre a importância da leitura, com a confecção de
faixas e banners, divulgando seus benefícios. Um colega de área abraçou a causa e
trabalhou as características do panfleto com os alunos do 8º. ano que, em seguida,
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fizeram suas produções, as quais tratavam da conscientização sobre a importância
da leitura. Porém, percebemos que o trabalho de conscientização sobre esse tema
não poderia restringir-se ao espaço físico escolar, deveria também estender-se para
fora dos limites da escola. Para atingirmos nosso objetivo, fomos com nossos alunos
para as ruas, portando faixas e distribuindo panfletos, cuja confecção foi patrocinada
pela direção de nossa escola, no intuito de atingir um segmento maior da população
em relação a um assunto tão pouco debatido por nossa sociedade: a necessidade
de ler. Fizemos um trabalho de conscientização sobre a importância de ler no
contexto atual, dirigindo nossa fala principalmente aos pais, através de emissoras de
rádio e de jornais locais. Paralelamente a essa campanha, fizemos outra pedindo
doação de livros de literatura e gibis.
Conclusão
O trabalho com textos publicitários, junto a alunos do 9º. ano, atingiu os
resultados desejados. As atividades propostas lhes proporcionaram compreender os
mecanismos linguísticos empregados pelas propagandas para convencer o sujeito-
consumidor, a forma como são impostos valores junto ao público alvo, bem como as
ideologias que as perpassam. Foi-lhes possibilitado, ainda, compreender que
diferentes sentidos podem ser atribuídos a um mesmo texto, pois todo objeto
simbólico está sujeito às condições de sua produção, bem como às histórias de
leitura de cada um. Os sujeitos-alunos foram alertados para o fato de que esses
procedimentos discursivos entrecruzam diversos gêneros textuais, e não somente o
publicitário. Após as atividades propostas na Unidade Didática, embasadas na teoria
da Análise do Discurso, certamente os “gestos de leitura”, seja de propagandas ou
de qualquer outro gênero textual, não mais serão produzidas por esses sujeitos da
mesma forma que o eram antes.
Quanto ao Projeto de Leitura na escola, graças ao envolvimento dos
profissionais e apesar dos percalços já citados, inclusive da escassa “diversidade”
de material, concluímos que as aulas de leitura têm sido produtivas. É evidente que
nosso trabalho não atingiu cem por cento dos alunos da escola, pois, antes de mais
nada, faz-se necessária a conscientização dos sujeitos-educandos, de pais,
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inclusive de alguns colegas, sobre a importância da leitura, proposta inicial do
projeto.
Sabemos que esses resultados se manifestarão gradativamente, ao longo do
tempo, o que significa dizer anos, porém foram satisfatórios por se tratar de um
projeto implantado em caráter experimental. Desse modo, acreditamos que somente
sua continuidade proporcionará um resultado mais significativo, e temos
consciência de que somente o que foi feito no segundo semestre do ano de 2011 e
no primeiro semestre de 2012 não foi suficiente. Novas ações devem ser
implementadas, para que a leitura deixe de ser uma atividade “sofrível” para um
número considerável de alunos de nossas escolas e para que uma educação de
qualidade se torne possível. Entretanto, essa responsabilidade não pode recair
somente sobre os profissionais da educação, uma vez que entendemos que o
Estado também deve fazer sua parte. A partir disso, nos perguntamos: “Onde está o
investimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação pública?”, “Como
está a formação qualitativa de novos professores?” e “O que tem sido feito quanto
ao incentivo ao aperfeiçoamento e atualização daqueles que já atuam na rede
pública?”
A sociedade contemporânea requer uma educação voltada para a formação
de jovens criativos, de cidadãos críticos e reflexivos. Esse fato traz à tona a
necessidade de o professor estar sempre se atualizando, buscando novos saberes,
métodos e instrumentos que o auxiliem em sua missão. Estamos na era da
informação e as novas tecnologias batem à nossa porta, seja através de uma
propaganda, panfleto, seja através da televisão, rádio, celular ou internet. Nesse
contexto, o papel do educador, de incentivar os alunos a construírem sua criticidade
e a se relacionarem de forma seletiva com as informações relativas ao seu cotidiano,
é de fundamental importância.
Em relação à campanha de conscientização sobre a importância da leitura,
feita fora da escola, não temos ideia do alcance da mesma, uma vez que não
percebemos reação significativa da população em relação ao assunto. A campanha
caiu no vácuo? Possivelmente não. Porém, se dois professores e um grupo de
alunos utilizaram-se de boa vontade e da mídia local para conscientizar a população
sobre quão importante é o ato de ler, perguntamos: Por que os poderes públicos
estadual e federal ainda não se preocuparam com esse fato? Entretanto, em
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relação aos alunos, cremos ter atingido nosso objetivo, uma vez que, além de eles
tornarem públicos os benefícios da leitura, entraram em ação, tornando-se agentes
na divulgação de uma ideia que surgiu no interior da escola. Nesse sentido,
podemos dizer que eles tiveram um exemplo genuíno de prática da cidadania.
Quanto à campanha para a arrecadação de livros de literatura e gibis, qual foi
a nossa surpresa ao concluirmos que a nossa sociedade é totalmente desprovida
desse tipo de bem cultural, uma vez que recebemos, entre outras doações,
enciclopédias da década de 70, livros antigos sobre enfermagem, inúmeros
catálogos de roupas e telefonia celular e pouquíssimos gibis e livros de literatura.
Infelizmente, o que vivenciamos nas escolas é nada mais nada menos que o reflexo
da sociedade atual. Uma sociedade que tem muitas prioridades e que, infelizmente,
a leitura não é uma delas.
Portanto, conforme registramos, a formação de sujeitos-leitores não é tarefa
fácil e resultados significativos não podem ser observados em apenas um, dois
semestre ou de um ano para outro, e que a família não pode ser deixada fora desse
processo. Cabe aos profissionais da educação levar adiante seu trabalho junto a
alunos e pais, com responsabilidade. Trata-se de um “trabalho de formiguinha”, mas
com persistência e comprometimento de todos os envolvidos, resultados positivos
poderão ser alcançados.
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REFERÊNCIAS
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VESTERGAARD, T. e SCHRODER, K. A Linguagem da Propaganda. São Paulo: Martins Fontes, 1988. WITZEL, D.G. e TEIXEIRA, N.C. Texto publicitário: Implicações e aplicações no ensino de língua portuguesa. In: Carazzai, M.R.P. et al (orgs). Língua, leitura e literatura: Perspectivas de ensino. Guarapuava: Unicentro, 2009.