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Dissertação de mestrado sobre trabalho do cineasta Renato Tapajos
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1
Universidade de So Paulo
Escola de Comunicao e Artes
Krishna Gomes Tavares
A luta operria no cinema militante de Renato Tapajs
So Paulo
2011
2
Universidade de So Paulo
Escola de comunicao e Artes
A luta operria no cinema militante de Renato Tapajs
Krishna Gomes Tavares
Dissertao apresentada ao
Programa de Ps-Graduao em
Meios e Processos Audiovisuais da
Escola de Comunicao e Artes da
Universidade de So Paulo, para
obteno do ttulo de Mestre em
Meios e Processos Audiovisuais.
rea de Concentrao: Meios e
Processos Audiovisuais.
Orientador: Prof. Dr. Henri Pierre Arraes de Alencar Gervaiseau
So Paulo
2011
3
Autorizo a reproduo e divulgao total e parcial deste trabalho, por
qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa,
desde que citada a fonte.
Catalogao na Publicao Servio de Biblioteca e Documentao Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo Tavares, Krishna Gomes T231L A luta operria no cinema militante de Renato Tapajs / Krishna Gomes Tavares. - - So Paulo : K. G. Tavares, 2011. 145 p. Dissertao (Mestrado) - Escola de Comunicaes e Artes/USP, 2011. Orientador: Prof. Dr. Henri Pierre Arraes de Alencar Gervaiseau. Bibliografia 1. Cinema militante - Brasil 2. Documentrio - Brasil 3. Movimento sindical - Brasil 4. Educao sindical - Brasil 5. Histria do Brasil 6. Cineastas brasileiros 7. Tapajs, Renato I. Gervaiseau, Henri Pierre Arraes de Alencar II. Ttulo CDD 21.ed. - 791.430981
4
Nome: TAVARES, Krishna Gomes
Ttulo: A luta operria no cinema militante de Renato Tapajs
Dissertao apresentada ao
Programa de Ps-Graduao em
Meios e Processos Audiovisuais
da Escola de Comunicao e
Artes da Universidade de So
Paulo, para obteno do ttulo de
Mestre em Meios e Processos
Audiovisuais.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof.Dr.__________________________ Instituio__________________________
Julgamento_______________________ Assinatura__________________________
Prof.Dr.__________________________ Instituio___________________________
Julgamento_______________________ Assinatura___________________________
Prof.Dr.__________________________ Instituio____________________________
Julgamento_______________________ Assinatura____________________________
5
Dedicatria
minha me, pelo exemplo de luta.
s minhas filhas Yasmin e Helena, por existirem.
Ao Erich, por tudo.
6
Agradecimentos
Ao meu orientador, Prof. Dr. Henri Pierre Arraes de Alencar Gervaiseau, sou
muito grata por ter me orientado e incentivado a refletir sobre diversas questes de
ordem metodolgica e do contedo dessa dissertao, que agora apresento.
Certamente, essa experincia serviu de grande contribuio para o meu
amadurecimento intelectual.
banca examinadora da qualificao, composta pelo Prof. Dr. Marcos
Napolitano e pelo Prof. Dr. Eduardo Victorio Morettin, pelas sugestes oferecidas.
Aos meus colegas de orientao e de estudo.
Aos amigos, Danielle, Tatiana, Joo e Andr, que so muito mais que amigos
e, souberam cada um a seu modo, me alegrar, me confortar e me ajudar mesmo em
meio a grande tenso.
Aos meus pais, Carolina, Francisco e Nilton pelo incentivo aos estudos e,
sobretudo, pelo caminho oferecido.
Ao meu irmo Estevo, pelas conversas e debates.
Ao meu irmo Lucas, pelo cuidado e interesse.
s minhas filhas, por estarem sempre ao meu lado e por serem o que so.
Ao Erich, por tudo e, especialmente pelo seu olhar.
7
Restituir queles que lutam ao mesmo tempo
que o sentido estratgico de seu combate o
ardor, a inveno e o prazer que tambm h em
lutar? Pergunta inescapvel para todo o cinema
que se pretende militante. Questo que o obriga a
no ser unvoco, unilateral, monolgico. Porque se
uma luta fala, ela no diz jamais eu.
Serge Daney
8
Resumo
Este trabalho de pesquisa pretende desenvolver uma anlise de cinco
documentrios realizados pelo cineasta Renato Tapajs, entre 1977 e 1982, em
parceria com o Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo do Campo e Diadema:
Acidente de Trabalho (1977), Trabalhadoras Metalrgicas (1978), Greve de Maro
(1979), A luta do Povo (1980) e o longa-metragem Linha de Montagem (1981). O
objetivo refletir sobre essa experincia de produo de filmes militantes, destinada
educao sindical, durante a Ditadura Militar no Brasil.
Para isso, procuraremos identificar como se configura o ponto de vista dos
documentrios. Partiremos da anlise da relao entre as temticas apresentadas e
as diferentes locues que os filmes articulam, para investigar como o aspecto poltico
e ideolgico da representao da afirmao da identidade sindical, de contestao
social e de rearticulao do movimento sindical no ABC durante o regime militar
elaborado e organizado. Finalmente iremos relacionar algumas das referidas obras de
Renato Tapajs com outros modos de representao do operariado paulista presentes
na produo cinematogrfica brasileira no fim da dcada de 70.
Palavras-chave: cinema militante, documentrio, educao sindical, movimento
sindical, histria do Brasil.
9
Abstract
This research aims to develop an analysis of five documentaries made by
filmmaker Renato Tapajs, between 1977 and 1982, in partnership with the Sindicato
dos Metalrgicos de So Bernardo do Campo e Diadema (Metalworkers Union):
Acidente de Trabalho (Labour Accident) (1977), Trabalhadoras Metalrgicas
(Women Metalworkers) (1978), Greve de Maro (Strike in March) (1979), A luta do
Povo (The struggle of the People) (1980) and the feature film Linha de Montagem
(Assembly line) (1981).
For this, we will identify how the point of view configures itself on those
documentaries. Based on the analysis of the relationship between the issues presented
and the different voices that the films articulate, we intent to investigate how the
political and ideological representation of the union identity statement, social
contestation and the rearticulation of the union activity on ABC during the military
regime was prepared and organized. Finally, we will relate some of these films of
Renato Tapajs with other modes of representation from the metalworkers present in
So Paulo Brazilian films in the late 70's.
Keywords: committed cinema, documentary, union education, union activity, Brazilian
history.
10
Sumrio
Introduo 11
Captulo I - A Trajetria documentria de Renato Tapajs 16
nos anos 70 e o Movimento sindical do ABC paulista
Captulo II - Articulao das vozes e o ponto de vista 50
nos documentrios de Renato Tapajs
Captulo III - Linha de Montagem e a filmografia operria contempornea 106
A greve de 1979 e sua continuidade 110
A interveno no sindicato e a priso de Lula 115
A desarticulao do movimento grevista aps a interveno 118
A volta de Lula e a decretao da trgua de 45 dias 122
O 1 de maio de 1979 e o perodo de trgua 125
O fim da trgua 127
Braos Cruzados, Mquinas Paradas 134
Consideraes Finais 140
Referncias Bibliogrficas 143
11
Introduo
Entre os anos de 1970 e 1980, o movimento operrio nascido na regio do
ABC paulista experimentou um crescimento singular. Aps o golpe militar de 1964,
preocupadas com as atividades de educao sindical e em defesa de seus interesses
no Brasil, as lideranas sindicais em de So Bernardo do Campo, empenharam-se em
mobilizar os metalrgicos por meio de programaes culturais, planos de formao
poltica e projetos de comunicao. Naqueles anos, ao procurar organizar a categoria,
o Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo instituiu o campo da educao sindical
como uma estratgia de luta decisiva.
O cineasta Renato Tapajs, recm sado da priso em funo de seu
envolvimento com a guerrilha urbana, aproxima-se do Sindicato dos Metalrgicos de
So Bernardo, atravs de um curso de cinema ministrado para a diretoria no Centro
Educacional Tiradentes e desenvolve, a partir de ento, uma experincia de cinema
militante que buscava compreender e participar do processo poltico-social da poca.
Em seus anos de militncia, o cineasta registrou algumas das mais importantes
etapas da luta operria no Brasil e, em particular, no estado de So Paulo. Dos
movimentos grevistas s assemblias de moradores, da panfletagem aos comcios
partidrios, Tapajs buscou, atravs do cinema, expressar sua solidariedade
participativa aos trabalhadores do ABC.
A compreenso do contexto de militncia poltica de Tapajs junto ao
movimento operrio-sindical do ABC paulista, durante os anos mais duros da
represso poltica da ditadura militar no Brasil, a qual, em nome da ordem e do
desenvolvimento, promoveu uma desenfreada explorao econmica da classe
trabalhadora, pode contribuir para compreendermos de que maneira o conflito entre
empresrios e trabalhadores foi abordado pelo cineasta em seus filmes realizados
naquela fase.
Em parceria com o sindicato Renato Tapajs realizou, ento, seis filmes:
Acidente de Trabalho (1977), Trabalhadoras Metalrgicas (1978), Teatro Operrio
(1979), Greve de Maro (1979), A Luta do Povo (1980) e o longa-metragem Linha de
Montagem (1981).
Consideramos que os filmes citados constituem documentos importantes,
porque permitem o desenvolvimento de uma reflexo acerca da elaborao e
produo de significados sobre o mundo do trabalho daquele perodo histrico e,
12
tambm, por no se enquadrarem nas normas ideolgicas e estticas dominantes da
poca. Alm disso, eram destinados a ter uma circulao restrita, em funo das
dificuldades colocadas pelos rgos de censura do governo militar.
O entendimento dessa filmografia oferece subsdios para reviso e elaborao
de tcnicas e procedimentos audiovisuais voltados para a educao popular, bem
como para uma melhor compreenso dos modos diferenciados de expresso dos
cineastas frente aos conflitos ideolgicos e estticos na representao da temtica
popular.
O objetivo deste trabalho mostrar como os cinco documentrios constroem,
por meio das temticas apresentadas e dos diferentes modos de articulao da
narrativa nos filmes, os propsitos polticos e ideolgicos do Sindicato dos
Metalrgicos de So Bernardo do Campo e Diadema, quanto a afirmao da
identidade sindical, contestao social e rearticulao do movimento sindical durante o
regime militar. Portanto, a anlise dos filmes tambm contribui para que possamos
compreender o posicionamento dessa importante entidade no decorrer da dcada de
70.
Nesse sentido, procuramos identificar como se configura o ponto de vista
exposto nos documentrios, a partir da anlise da relao entre as temticas
apresentadas e as diferentes locues que os filmes articulam, para investigar o modo
pelo qual elaborado e organizado o aspecto poltico e ideolgico da representao
da afirmao de identidade sindical, de contestao social e de rearticulao do
movimento sindical no ABC durante o regime militar. Finalmente, cotejamos algumas
das referidas obras de Renato Tapajs com outros modos de representao do
operariado paulista, presentes na produo cinematogrfica brasileira no fim da
dcada de 70.
As realizaes daquela poca de Renato Tapajs fazem parte de uma
experincia de resistncia ao autoritarismo do regime militar e de rearticulao das
entidades sindicais do ABC. Podemos neles perceber a preocupao em discutir as
condies de trabalho do operariado brasileiro daquele momento, bem como de
viabilizar, atravs dos documentrios, um espao de exposio das diretrizes do
Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo e Diadema. Esses filmes constituem uma
iniciativa do Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo e Diadema, a qual
promoveu, dentre tantas outras, o reconhecimento da importncia poltica do
movimento sindical-operrio.
Todavia, consolidar um quadro terico de referncia, o qual possibilitasse
estudo bibliogrfico o mais adequado possvel aos objetivos desse trabalho, constituiu
13
um dos mais importantes desafios da pesquisa. Dentre os principais obstculos,
encontrava-se a necessidade de recorrermos a estudos produzidos na dcada de 70,
pois, nos dia de hoje, so escassas as referncias sobre a temtica. Assim, tivemos
que nos referir a obras de difcil acesso, as quais, apesar de exigirem uma releitura
crtica quanto aos modos de investigao cientfica da poca, ainda se revelam
pertinentes.
Para compreendermos os conflitos ideolgicos e estticos enfrentados por
Renato Tapajs em sua busca pela representao da voz operria, nas dcadas de 60
e 70, quando ento o intelectual-cineasta se encontrava em processo de reflexo
sobre seu lugar na relao com a temtica popular, recorremos a Jean Claude
Bernardet. As contribuies desse autor foram extradas da obra Cineastas e
Imagens do Povo e nos auxiliaram, tanto no estudo das questes relacionadas
representao do outro de classe1, quanto na identificao das diferentes formas de
locuo e hierarquia das vozes presentes nos documentrios que compem o foco
dessa pesquisa.
Outro aspecto importante para a escolha dessa obra, a definio do modelo
de interveno ou transparncia2 apresentados nas anlises especficas de filmes
sobre operrios e as greves de 78/79. Essa problematizao da funo do narrador ao
filmar operrios em greve, coloca em discusso a dimenso poltica da representao
e nos ajuda a refletir sobre a postura poltica de Tapajs frente a realizao dos
documentrios analisados.
Durante o processo de analise dos filmes nos deparamos com questes a
respeito da relao do enunciador com o espectador, em busca por alternativas para a
representao das questes e dos diferentes agentes sociais, que se diferenciassem
das estratgias utilizadas no documentrio clssico britnico. Nesse sentido,
recorremos ao pensamento de Julianne Burton, pois, a partir da anlise de
documentrios militantes na Amrica Latina do final dos anos 50, a autora coloca em
discusso as estratgias utilizadas pelos cineastas para remover, substituir ou
subverter o modo annimo e onisciente da voz-over (tipo voz de Deus).
Para discutir a definio de cinema poltico e militante no Brasil, buscamos
subsdios no estudo de Ana Maria Amado Cine Argentino y Poltico: La imagem justa.
Essa obra, alm de situar o trabalho de Renato Tapajs no cenrio geral da poca,
contribuiu para o questionamento da dimenso poltica nos filmes analisados nessa
1 Termo utilizado por Jean-Claude Bernardet em seu livro Cineastas e Imagens do Povo.
2 Jean-Claude Bernardet descreve esses modelos para analisar a funo do narrador dentro da estrutura de Greve, de Joo Baptista de Andrade e Braos Cruzados, Mquinas Paradas de Roberto Gervitz e Srgio Segal.
14
dissertao. A autora enfoca manifestaes que podem ser qualificadas como
polticas, tanto nas produes do cinema argentino contemporneo como no das
ltimas dcadas do sculo passado. As relaes estabelecidas pela autora entre
pocas e obras, permitem aludir s transformaes entre o mundo filmado e suas
referncias na realidade sociopoltica, histrica e cultural. As diferentes formas de
manifestao desses aspectos da sociedade exibidas nos filmes auxiliaram na
compreenso do processo de deslocamento da categoria do poltico no decorrer da
dcada de 1970 no Brasil.
Para entendermos como, a partir da anlise da situao ocupada de fato pelo
cineasta e sua equipe durante a filmagem e da relao estabelecida com os atores
sociais envolvidos, Renato Tapajs procurou elaborar um ponto de vista poltico em
seus filmes, nos apoiamos nos ensaios de Serge Daney, publicados em A rampa. De
fato, este autor traz contribuies significativas para a discusso sobre cinema
militante nos anos 1970. Escritos no calor dos acontecimentos polticos daquela
dcada, alguns textos da coletnea colocam em discusso a suposta dimenso
poltica dos filmes.
Entendemos que os documentrios realizados por Renato Tapajs, produzidos
em um contexto de militncia, a partir de intencionalidade, determinada pelas
propostas de educao sindical desenvolvidas naqueles anos, compem o quadro das
diferentes estratgias desenvolvidas pelo movimento operrio do ABC. Buscamos
examinar nos documentrios, como essa intencionalidade, compreendida dentro dos
objetivos ideolgicos almejados pelas atividades educativas e sindicais, permeia os
modos de articulao da narrativa, em busca por uma linguagem persuasiva, que seja
capaz de gerar, ao mesmo tempo, a construo de significados para a mobilizao da
classe trabalhadora e a interveno social. A compilao de artigos "Theorizing
Documentary" - em especial o artigo "Towards a Poetics of Documentary" de Michael
Renov, favoreceu-nos uma reflexo sobre as diferentes formas e funes de como as
abordagens da temtica nos documentrio tratam o esforo de persuaso dos
cineastas para nos convencer de uma determinada viso de mundo. Possibilitou,
igualmente, o estudo das diferentes funes que constituem o gnero documentrio.
Portanto, cabe indicar a maneira pela qual os assuntos propostos sero
abordados em cada captulo. O Captulo A Trajetria documentria de Renato
Tapajs nos anos 70 e o Movimento sindical do ABC paulista se debrua,
inicialmente, sobre a histria do Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo e
Diadema, nas dcadas de 60 e 70, com o objetivo de salientar o modo como a
estrutura sindical se desenvolveu em funo da conjuntura poltica, social e econmica
15
durante o regime militar no Brasil. Para tanto, o exame das propostas de educao
sindical elaboradas pelos metalrgicos do ABC, sero pontuais para essa pesquisa, na
medida em que possibilitam contextualizar e compreender a importncia dada s
iniciativas culturais e educativas na formao poltica dos trabalhadores, assim como o
surgimento de uma prtica de cinema militante dentro do sindicato.
No Captulo II, intitulado Articulao das vozes e o ponto de vista nos
documentrios de Renato Tapajs consiste na anlise interna dos cinco
documentrios selecionados. A partir da anlise da relao entre as temticas
apresentadas e a articulao dos recursos da imagem e do som, procuraremos
investigar de que maneira o aspecto poltico e ideolgico da representao daquele
contexto elaborado e organizado. Para tanto, qualificaremos as diferentes locues
apresentadas, no intuito de compreendermos a relao interna existente entre elas, de
que forma legitimam um discurso nos filmes, assim como as articulaes que
estabelecem com as propostas de educao sindical do Sindicato dos Metalrgicos de
So Bernardo e Diadema nos anos 70. O objetivo examinar, a partir da anlise do
lugar ocupado pelo enunciador nos documentrios, de que modo se constitui o ponto
de vista sobre a causa operria. Tambm procuraremos elucidar, na articulao
dessas diferentes locues, como so estabelecidos os limites entre educao e
persuaso. Tendo em vista verificar a maneira pela qual os modos de articulao das
diferentes locues vo se modificando, realizamos uma anlise comparativa entre os
filmes, identificando como se inscrevem, naquele momento, na elaborao da
filmografia de Renato Tapajs, o desenrolar dos acontecimentos histricos no decorrer
dos anos 70,
No terceiro captulo, Linha de Montagem e a filmografia operria
contempornea, a pesquisa buscou estabelecer relaes entre Linha de Montagem e
outras trs obras cinematogrficas brasileiras do mesmo perodo que abordam a
mesma temtica: ABC da Greve (Leon Hirzman, 1991), Braos Cruzados, Mquinas
Paradas (Roberto Gervitz e Sergio Toledo Segall, 1979) e Greve (Joo Baptista de
Andrade, 1979). O objetivo da anlise foi investigar qual o tratamento dado s greves
e aos operrios na construo das imagens nos diferentes filmes, para identificar o
que h de especfico nos filmes de Renato Tapajs.
16
I. A Trajetria documentria de Renato Tapajs nos anos 70 e o
Movimento sindical do ABC paulista
17
As lideranas sindicais de So Bernardo do Campo, preocupadas com as
atividades de formao sindical, empenharam-se em mobilizar os metalrgicos atravs
de programaes culturais, planos de formao poltica e projetos de comunicao em
defesa de seus interesses no Brasil aps o golpe militar de 1964. Ao procurarem
organizar a categoria, o Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo instituiu o campo
da cultura e da educao como uma estratgia de luta decisiva naqueles anos. Entre
os anos de 1970 e 1980, o Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo do Campo e
Diadema, desenvolveu um modelo de educao sindical, identificado com as
propostas do novo sindicalismo3, pautado por uma perspectiva autnoma, do ponto de
vista poltico-ideolgico e organizativo.
Analisar a importncia da formao sindical na elaborao das experincias
operrias4, atravs das prticas culturais e educacionais institudas pelos metalrgicos
do ABC paulista, nas dcadas de 70 e 80, nos permitir compreender como tais
prticas, potencializadas pela conjuntura poltica da poca possibilitaram ao cineasta
Renato Tapajs o desenvolvimento de uma proposta de cinema militante dentro do
sindicato.
Nesse sentido, denominamos educao sindical5 como, dentro outras, aquelas
prticas educativas mais sistemticas, intencionalmente programadas, como por
3 As lideranas sindicais de So Bernardo do Campo preocupadas em incentivar a organizao da categoria no sindicato e na fbrica desenvolvem algumas estratgias pontuais de mobilizao no decorrer dos anos 70, que so identificadas como aes de um novo sindicalismo. De acordo com Ktia Paranhos, tais aes compreendem a edio e veiculao do jornal a Tribuna Metalrgica, ampliao da sindicalizao, apoio efetivo s campanhas salariais, participao em congressos operrios, e ainda pela conduo de processos contra as empresas e as respectiva orientao aos metalrgicos sobre a legislao trabalhista, pelo incentivo luta nas fbricas Ver PARANHOS, Ktia Rodrigues. Era uma vez em So Bernardo. O discurso sindical dos metalrgicos de So Bernardo 1971/1982. Campinas: Unicamp, 1999, p. 148.
4 Para Eder Sader as atividades educativas desenvolvidas pelos dirigentes de So Bernardo e que se gestava dentro das fbricas, do sindicato e pelos bairros onde moravam os metalrgicos, contribua para a edificao de um efetivo centro de elaborao das experincias dos operrios (...) moldando uma linha de resistncia que terminou por alterar profundamente as relaes de trabalho nessas empresas e por influenciar o conjunto do pas. Ver SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena Experincias, Falas e Lutas dos Trabalhadores da Grande So Paula, 1970-1980. Rio e Janeiro: Paz e Terra, 1988, p.277.
5 Silvia Maria Manfredi aborda a questo da educao da classe trabalhadora a partir de duas vertentes. A primeira, tomando o termo educao em sua acepo mais ampla, pode-se falar do processo de auto-educao que a prpria classe operria se propicia, na famlia, no trabalho, atravs de sua participao em organizaes de classe (associaes, partidos, sindicatos) e em movimento sociais de natureza variada, tais como greves, campanhas salariais, movimentos de reivindicao de direitos sociais e polticos, etc. A segunda, inclui aquelas atividades educativas mais sistemticas, intencionalmente programadas para garantir a realizao de determinados objetivos. De acordo com a autora, as atividades educativas desenvolvidas para tal objetivo envolvem um nvel maior de intencionalidade na medida em que so programadas tendo em vista determinados fins e / ou objetivos, circunscrevem os
18
exemplo, os congressos, cursos, seminrios, etc. Caberia ainda incluir entre as
atividades de formao sindical aquelas iniciativas de formao poltico ideolgico que
se destinam a grandes grupos de trabalhadores a imprensa sindical, programas de
rdio e televiso, boletins, teatro, cinema, etc6.
Entretanto, fundamental ressaltar que essas prticas institudas pelo
sindicato, forjaram-se, sobretudo, na luta travada cotidianamente no interior das
fbricas e na solidariedade desenvolvida nos bairros operrios, a partir das aes de
resistncia, criadas pela que a prpria classe trabalhadora criou. Isso em funo de
sua participao nos movimentos grevistas e reivindicatrios, contra as formas de
dominao a que eram submetidos. Nesse contexto, no decorrer dos anos 70, o
Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo e Diadema buscou romper com o modelo
de formao sindical adotado nas dcadas anteriores7. A partir de ento, defendeu,
entre outras bandeiras de luta, a liberdade e a autonomia sindical, a organizao dos
trabalhadores no local de trabalho, o fim do controle do Ministrio do Trabalho sobre
os sindicatos, o direito de greve e a negociao direta entre patres e trabalhadores
sem a interferncia do Estado.
Desde seu surgimento em 1959, o Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo
do Campo e Diadema contava com uma base de 40 mil trabalhadores e seus
dirigentes j os estimulavam a participarem das manifestaes e greves por
reivindicaes tais como o abono de Natal, o qual seria transformado, que seria
transformado em julho de 1962, na conquista do 13 salrio; contra a carestia; pela
nacionalizao das indstrias estrangeiras; pelas reformas de base (Reforma Agrria,
Reforma Urbana, Reforma Educacional, entre outras.) prometidas pelo presidente
grupos de trabalhadores que delas participaram e requerem a potencializao de recursos humanos e financeiros para a sua efetivao. Essa intencionalidade est estritamente vinculada direcionalidade, na medida em que requer uma tomada de deciso quanto ao tipo de contedo a ser veiculado, a utilizao de determinadas estratgias metodolgicas para levar a contento os objetivos almejados e, principalmente, porque exige que algum assuma a atividade do ponto de vista de sua conduo e controle. Verificar MANFREDI, Silvia Maria. A educao sindical entre o conformismo e a crtica. So Paulo, Edies Loyola.1986, p.25-26.
6 MANFREDI, Silvia Maria. Formao Sindical: Histria de uma prtica cultural no Brasil. So Paulo: Escritura Editora, 1996, p.24.
7 Segundo Manfredi, durante o Estado Novo gestou-se um modelo de educao sindical articulado e conduzido pelo Estado, dentro de uma estrutura sindical corporativista, que concebia as atividades educativas como recreacionais e assistenciais, sem carter poltico ou intenes ideolgicas explicitas. Esse modelo de educao sindical, inaugurado nesse perodo sobreviver at a dcada de 60, combinando-se com outras iniciativas conduzidas por partidos e organizaes de esquerda, que se norteavam por uma perspectiva mais classista. Idem p. 41.
19
Goulart (1961-1964)8. De acordo com Ktia Paranhos, possvel constatar, desde a
sua fundao e a partir das lutas empreendidas pelas lideranas pr-64, a inteno de
combatividade do Sindicato e a luta desenvolvida com o intuito de organizar os
trabalhadores metalrgicos.
At as vsperas do golpe de 1964, somadas a tantas outras, essas iniciativas
de luta revelam o interesse do Sindicato pelas discusses polticas e participao
democrtica de base, alm de situar a questo sindical e operria no centro da vida
poltica brasileira. No entanto, tais iniciativas foram insuficientes, conforme afirma Jos
lvaro Moiss, para criar, de modo permanente, a autonomia e a liberdade sindical
to reclamadas pelas lideranas sindicais que emergiram nos anos 70 contra a
estrutura sindical corporativista, atrelada ao Estado, herana deixa pelo Estado
Novo9.
Todavia, as questes relacionadas autonomia e liberdade sindical no teriam
voz aps o golpe civil-militar de 1964. A classe trabalhadora sofreu a mais dura
represso poltica da histria do pas10. Alm das medidas repressivas e das
intervenes, o Estado imps as mais severas rdeas ao movimento sindical, ao
definir uma poltica salarial que estabelecia um salrio mnimo por regio, a
determinao de tetos para reajustes salariais e a implementao de leis que
cercearam os direitos dos trabalhadores11. O governo militar tambm extinguiu na
prtica qualquer possibilidade de garantia de estabilidade de emprego atravs da
criao do Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS)12.
Alm das medidas implementadas, no intuito de ter um forte controle dos
sindicatos, o governo afastou os dirigentes sindicais comprometidos com as lutas e
mobilizaes do perodo, nomeando interventores vinculados ao governo militar, os
quais tinham como tarefa afastar da vida sindical os trabalhadores envolvidos com o
8 PARANHOS, Ktia Rodrigues. Era uma vez em So Bernardo. O discurso sindical dos metalrgicos de So Bernardo 1971/1982. Op. cit.,p. 32.
9 MOISS, Jos lvaro. Lies de liberdade e opresso: os trabalhadores e a luta pela democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p.35.
10 Segundo dados citados por Ktia Paranhos, entre 1964 e 1970, o Estado efetuou 536 intervenes sindicais, sendo 483 em sindicatos, 49 em federaes e 4 em confederaes. PARANHOS, Ktia Rodrigues. Era uma vez em So Bernardo, op. cit., p.32.
11A lei n 4.725, de 1965, determinou que os percentuais de reajustes salariais, outrora fixados por acordos entre sindicato patronal e de empregados, passassem a ser estabelecidos pelo governo; a lei n. 57.637, de 13/01/66, proibiu as delegacias regionais do Ministrio do Trabalho de homologarem contratos coletivos de trabalho que propusessem divergncias das normas estabelecidas; o decreto-lei n 229, de 28/2/67 estabeleceu a anulidade de qualquer conveno ou acordo que, direta ou indiretamente, contrariasse as normas da poltica econmica do governo e a lei n 4.330, de 1/6/64, cerceou o direito de greve, garantido pela Constituio de 1946. Ver MANFREDI, Silvia Maria. Educao Sindical entre o conformismo e a crtica. op, cit., p. 88.
12 PARANHOS, Ktia Rodrigues. Era uma vez em So Bernardo, op. cit., p.32.
20
governo de Joo Goulart ou os que demonstrassem qualquer comprometimento com a
classe trabalhadora13. A interveno direta do Estado na arrecadao de impostos
sindicais e na fiscalizao dos recursos provindos dessa fonte obrigou os sindicatos a
restringir o uso desses recursos compra de imveis e assistncia mdico-dentrio,
tornando-os cada vez mais assistencialistas14.
Os anos que se seguiram aps o golpe silenciou a classe operria brasileira.
Eram anos de recesso e desemprego, resultados da poltica econmica. De acordo
com Ktia Paranhos, a represso policial era constante, as campanhas salariais eram
esvaziadas e meramente homologadas, pois os ndices de reajustes eram decretados
pelo governo militar, sem qualquer possibilidade de negociao direta com as
empresas15.
Tornou-se necessrio redimensionar as formas de lutas sindicais, consolidar
novas estratgias de organizao, de mobilizao e de demandas operrias, longe
das vistas do aparato repressivo do Estado e do controle das empresas. No incio da
dcada de 70, distante dos sindicatos, a classe trabalhadora, por sua vez, desenvolvia
silenciosamente uma experincia de resistncia no interior das fbricas. De acordo
com Amnris Maroni, a compreenso das greves pode ser assimilada como a
explicitao no social de uma prtica invisvel de resistncia, organizao e criao
de formas de luta e sociabilidade que teve sua gnese na vivncia de determinadas
condies de trabalho e desenvolvimento, durante toda a dcada de 70, no interior das
empresas16.
Aps o golpe militar de 1964, o Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo
perdeu sua funo poltica entre os trabalhadores, entretanto soube se transformar
em uma agncia de mobilizao e organizao dos trabalhadores na defesa de seus
direitos17. Para isso, mobilizou os metalrgicos, a partir de temas relacionados ao
cotidiano dos trabalhadores, tais como; condies de trabalho e salrio, custo de vida,
etc. O que possibilitou consequentemente, modificar a estrutura sindical a partir da
problematizao do local de trabalho.
Cabe mencionar que, nesse mesmo perodo, Renato Carvalho Tapajs filmou o
seu primeiro documentrio, Vila da Barca (1965) em Belm (PA), onde nasceu em
1943. O documentrio uma produo independente, a respeito de uma favela
construda sobre palafitas nas margens do rio Amazonas. Montado e editado em So
13 Idem, p. 34.
14 MANFREDI, Silvia Maria. Educao Sindical entre o conformismo e a crtica, op. cit., p.33.
15 PARANHOS, Ktia Rodrigues. Era uma vez em So Bernardo, op. cit., p.32.
16 MARONI, Amnris, A estratgia da recusa anlise das greves de maio de 78. So Paulo;
Editora Brasiliense, 1982, p. 16. 17
SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Op. Cit., p.285.
21
Paulo, o filme ganhou o prmio de melhor documentrio do Festival Internacional de
Curta-Metragem de Leipzig (RDA), em 1968. Aps a premiao de Vila da Barca,
Tapajs entrou para o movimento estudantil, na Universidade de So Paulo:
Fui ser militante do movimento estudantil, e produzi dois documentrios financiados pelo Grmio da Faculdade de Filosofia chamados Universidade em Crise, e o outro Um por Cento, sobre os vestibulares. Num certo sentido aprendi a fazer cinema elaborando esses filmes. Nesse perodo, at 1969, eu no era um profissional de cinema. Na verdade, o trabalho que desempenhei foi um free-lancer de jornalismo, porque escrevi para vrios dos pequenos jornais de imprensa alternativa que estavam surgindo na poca, como o jornal da UNE, Unio Nacional dos Estudantes, dirigido pelo Raimundo Pereira. Fazia free-lancer de crtica de cinema e ao mesmo tempo militava politicamente
18.
Seu segundo filme, Universidade em crise (1966), tinha como proposta inicial
realizar um registro sobre o movimento estudantil, tendo em vista mobilizar os
estudantes. Entretanto, no processo da montagem, a equipe constatou que as
imagens tomadas no traduziam a proposta inicial e perceberam que no tinham
conseguido evidenciar o clima do movimento. A montagem final do documentrio
mostra justamente o oposto, pois a filmagem captou a falta de perspectiva do
movimento estudantil e a possibilidade eminente de seu esvaziamento.19.
Em 1968, Renato Tapajs realiza Um por cento, seu ltimo documentrio
antes de entrar para a clandestinidade em decorrncia a sua adeso Ala Vermelha.
Em 1969, aos 26 anos, engajado nas propostas da Ala Vermelha, Renato Tapajs
lana-se na clandestinidade ao lado de companheiros do seu agrupamento. Neste
mesmo ano foi preso pela Oban (Operao Bandeirantes) e posteriormente, entre
1969 a 197420, encarcerado no Presdio Tiradentes e na Penitenciria do Carandiru.
Voltando a trajetria do sindicato, cabe ressaltar que, no final dos anos 60, as
lideranas sindicais debatiam-se com o desafio de reinventar o lugar do sindicato,
arraigado a uma estrutura corporativista extremamente desgastada e corrompida pelas
intervenes do regime militar. Nesse sentido, fundamental compreender a atuao
do Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo no decorrer da dcada de 70, e sua
complexa relao com os movimentos surgidos no interior das empresas, os quais
18 SILVA, Maria Carolina Granato da. O Cinema na greve e a greve no cinema: memrias dos metalrgicos do ABC 1979-1991. Tese (Doutorado), Niteri: Instituto de Cincias Humanas -, Universidade Federal Fluminense, 2008, p. 66.
19 A hora da reflexo. Entrevista com Renato Tapajs. Filme e Cultura (FC) 46. Rio de
Janeiro: Embrafilme, abril de 1986, p. 76. 20
Idem, p. 32.
22
desembocaram na deflagrao das greves no ABC e resultaram no surgimento de um
novo tipo de ao sindical21.
Durante os anos 1970, as condies de vida dos trabalhadores metalrgicos se
deterioravam drasticamente ao mesmo tempo em que a indstria automobilstica
sediada na regio do grande ABC prosperava enormemente, contribuindo para o
fortalecimento do parque industrial brasileiro, o qual tornava-se cada vez mais
moderno e complexo22. A economia crescia, eram os anos do milagre econmico.
Segundo Lus Flvio Rainho, o setor automobilstico, considerado a locomotiva da
economia brasileira, reunia na poca, operrios com caractersticas bastante
heterogneas: mais idosos, de idade mdia e jovens. Homens e mulheres. Migrantes
de todos os estados do Brasil, do interior de So Paulo e operrios que j nasceram
na regio. Alfabetizados e analfabetos. Altamente especializados, especializados,
semi-especializados, sem nenhuma especializao, e assim por diante23. No
obstante, apesar da grande diversidade de caractersticas, os metalrgicos de So
Bernardo estavam concentrados espacialmente, o que permitiu ao sindicato um papel
muito importante na articulao e progressiva elaborao da experincia que se
produzia nas bases24.
Alm das perdas salariais sofridas durante a dcada de 1970, em seu
cotidiano, os trabalhadores vivenciavam uma rotina que degradava sua condio de
ser humano. A poltica salarial das empresas alinhada com a poltica de reajuste
salarial do governo conseguiam controlar o salrio real de cada trabalhador ou grupo
de trabalhadores no interior das fbricas, por meio de um conjunto de normas,
funes, carreiras e faixas salariais, que dificultavam qualquer possibilidade de
21
ABRAMO, Las Wendel. O resgate da dignidade: greve metalrgica e subjetividade operria. Editora da Unicamp; So Paulo: Imprensa Oficial, 1999, p. 37.
22 De acordo com Abramo, a deteriorao das condies de trabalho nas fbricas na regio do grande ABC paulista deve-se, em um primeiro momento, pela defasagem entre os ndices de crescimento da indstria e a evoluo dos salrios dos trabalhadores. No incio da dcada de 70, as conseqncias das modificaes na poltica salarial introduzidas em 1964 pelo regime militar foram rapidamente sentidas pela categoria dos metalrgicos de So Bernardo. Entre 1972 e 1975, ocorreu uma nova reduo salarial, devido a manipulao governamental dos ndices do custo de vida. Somente em 1978, com os reajustes salariais conquistados por meio das greves, os nveis de remunerao do incio da dcada puderam ser recuperados e superados. ABRAMO, Las Wendel. O resgate da dignidade: greve metalrgica e subjetividade operria, op, cit., p.56-59.
23 RAINHO, Lus Flvio. Os pees do Grande ABC. Petrpolis: Vozes, 1980, p.24.
24 De acordo com dados apresentados por Las Abramo, em 1978, a base territorial do sindicato da categoria estava composta por menos de 600 fbricas. Apenas cinco empresas de grande porte, todas elas automobilsticas, eram responsveis pelo emprego de quase 50% da categoria. Nesse mesmo ano, 65% da categoria, composta ento de 125 mil trabalhadores, concentravam-se em fbricas com mais de mil empregados e 72% em fbricas com mais de 500. ABRAMO, Las Wendel. O resgate da dignidade: greve metalrgica e subjetividade operria. op. cit., p. 55.
23
negociao por reajustes para a categoria. Alm de constituir, tambm, um fator de
promoo da desigualdade e da competio entre os trabalhadores, da aceitao da
disciplina e da hierarquia nas relaes de trabalho25.
De acordo com Eder Sader26, o Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo
teve a capacidade de assimilar e estimular as mltiplas e difusas formas de resistncia
operria que ocorriam nas empresas, em geral margem do sindicato. Para diminuir a
distncia existente entre a fbrica e o sindicato, este mantinha-se presente atravs dos
diretores sindicais de base que permaneciam ligados produo. O trabalho dos
diretores de base consistia essencialmente na distribuio de material, e na
sindicalizao do maior nmero possvel de trabalhadores, oferecendo, alm de um
apelo menos assistencialista, maior apoio a categoria. Entretanto, essa atividade no
era fcil, pois colocava os diretores de base frente a desconfiana geral dos
trabalhadores e o clima repressivo das fbricas27.
Para se aproximar dos trabalhadores e demonstrar apoio a categoria, as
lideranas sindicais de So Bernardo comearam a desenvolver, a partir 1971,
atividades educativas. Inicialmente de forma desarticulada e sem um projeto explcito,
que tinham como objetivo a realizao de congressos operrios, dar nfase s
programaes culturais, aos planos de formao sindical e poltica, ao
desenvolvimento da imprensa sindical, a implantao do departamento cultural e do
Centro Educacional Tiradentes (CET) a escola de madureza e posteriormente de
supletivo do sindicato.
Tais iniciativas, no mbito da cultura e da educao, nas eleies em 1969,
foram impulsionadas pela vitria de Paulo Vidal para a presidncia do Sindicato o qual
j havia participado da gesto anterior. Luis Incio Lula da Silva comps a diretoria de
1969 como suplente do conselho fiscal. Por no fazer parte da diretoria executiva,
continuou trabalhando na fbrica at 1972, quando foi eleito primeiro secretrio.
Com muitos desafios, a diretoria eleita esforou-se para que o sindicato fosse
assumido pelos trabalhadores como um rgo de luta e no somente como uma sede
25 Outros fatores concorriam para agravar as condies de trabalho no interior das empresas, tais como: a adoo por parte das empresas de uma poltica de alta rotatividade no emprego, em decorrncia da instituio do FGTS e o fim de qualquer possibilidade de estabilidade no emprego; os trabalhadores, em funo da crescente perda do seu poder aquisitivo, viram-se obrigados a intensificar o ritmo e a extenso da jornada de trabalho atravs do cumprimento de horas extras. Consequentemente, esse quadro levava a degradao das condies de sade e segurana do trabalhador metalrgico, provocando um aumento nos ndices de acidente de trabalho e doenas profissionais. RAINHO, Lus Flvio. Os pees do Grande ABC. Op. cit.,p. 25.
26 SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. op. cit., p. 288.
27 ABRAMO, Las Wendel. O resgate da dignidade: greve metalrgica e subjetividade operria.
op. cit., p. 124.
24
com seus servios assistenciais. Todavia, a atividade sindical no perodo de 1969 at
1972 estava centralizada no empenho para dotar o sindicato de uma infra-estrutura
que atrasse os trabalhadores pelos servios prestados. Embora a diretoria
reafirmasse que sua funo principal consistia na defesa dos interesses dos
trabalhadores nas relaes de trabalho - o que de fato acontecia, na medida em que o
sindicato mostra sua eficcia no campo das causas trabalhistas levadas justia do
trabalho28 - ela aparentava dar-se conta de que a necessidade de atrair os operrios
tambm envolvia outros procedimentos, os quais deveriam corresponder expectativa
dominante entre eles.
Assim, preocupados em mobilizar os trabalhadores para a luta poltica, em
1971, o sindicato lana a primeira edio do jornal Tribuna Metalrgica, tarefa
assumida por Antonio Carlos Felix, redator-chefe do jornal, e pelos advogados do
sindicato, dentre eles, Antonio Possidnio Sampaio, militante desde os anos 60 na
Universidade de So Paulo e no PCB29. Em sua primeira edio, a escola profissional,
a construo da nova sede do sindicato e o prprio jornal seriam as principais notcias
daquele nmero. A inaugurao da nova sede em 1973 foi diversas vezes anunciada
na Tribuna Metalrgica, como a expresso da grandeza da prpria categoria30. De
acordo com Ktia Paranhos, o jornal representava uma iniciativa que revelava uma
estratgia fundamental de veiculao das vozes operrias, com o objetivo de atrair
os trabalhadores a participarem efetivamente do sindicato31.
A criao do personagem Joo Ferrador no jornal a Tribuna Metalrgica, o qual
se tornar o smbolo da categoria, ser mais uma tentativa de aproximao com os
trabalhadores metalrgicos. As cartas dirigidas s autoridades brasileiras, atravs do
personagem abordavam de forma irnica e sutil o cotidiano cruel dos operrios32. A
utilizao do personagem Joo Ferrador possibilitava ao sindicato driblar a censura
para tratar de assuntos essenciais para a categoria, como o custo de vida, as polticas
salariais e habitacionais e os acidentes de trabalho.
Em 1971, outra iniciativa importante foi a abertura da sub sede em Diadema.
Nas pginas do jornal do sindicato, o servio odontolgico apresentado como o
maior do sindicalismo paulista. A diretoria apresenta, ainda, no quadro de suas
realizaes: a instalao de um laboratrio de anlises clnicas; a compra de uma
28 Idem, p. 290.
29 PARANHOS, Ktia Rodriges. Mentes que brilham: Sindicalismo e prticas culturais dos metalrgicos de So Bernardo. Tese (Doutorado), Campinas: Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, 2002, p. 30.
30 PARANHOS, Ktia Rodrigues. Era uma vez em So Bernardo, op. cit., p.39.
31 Idem, p. 29.
32 Idem, p. 38.
25
ambulncia; a instalao de enfermaria; alm da farmcia, a ampliao de servios
jurdicos, mdicos, odontolgicos e de prtese, a ampliao de um posto de
abastecimento de gneros alimentcios, funcionando como um supermercado com
preos abaixo dos praticados pelo comrcio33.
Alm do jornal, as lideranas sindicais utilizaram outros meios para atrair e
mobilizar os trabalhadores. Nas campanhas salariais, distribuam massivamente nas
fbricas boletins informativos, panfletos e os suplementos com o objetivo de veicular
cotidianamente as notcias internas, a formao de quadros, realizao de
assemblias e encontros no porto das empresas. Enfim, um arsenal de informaes,
que focalizavam divulgar as propostas e objetivos dos lderes sindicais de So
Bernardo34.
Em agosto deste mesmo ano, o sindicato de So Bernardo empenhado em
promover atividades culturais e educativas, organiza um ciclo de conferncias,
realizado na Colnia de Frias da Federao dos Metalrgicos, na Praia Grande.
Contou com a participao de diretores e associados da entidade. Os temas discutidos
foram: Sindicalismo e Perspectivas futuras, Poltica Salarial e Conveno Coletiva,
Legislao Trabalhista e Previdncia Social no INPS35.
Outra instncia importante no cenrio da educao sindical foram os
Congressos da categoria, destinados a organizar os trabalhadores frente s
reivindicaes, a promover a aproximao entre os lderes sindicais e a base e o
desenvolvimento de propostas, no intuito de fortalecer as aes sindicais a partir dos
cursos de capacitao sindical para formao de quadros. Embora, o Sindicato dos
Metalrgicos de So Bernardo tenha realizado o seu primeiro congresso em 1974,
suas lideranas mantinham presena constante nos principais congressos nacionais e
internacionais da categoria. Essas lideranas realizavam palestras e, nos primeiros
anos da dcada de 70, ofereceram com certa regularidade, cursos de capacitao
sindical, trabalhista e previdenciria36. Os cursos, ministrados para as lideranas
sindicais, contavam com o apoio desenvolvido pelos tcnicos do Dieese37 e tinham
33 Ver SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena, op, cit., p. 288.
34 SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena, op, cit., 261.
35 PARANHOS, Ktia Rodrigues. Mentes que brilham: Sindicalismo e prticas culturais dos
metalrgicos de So Bernardo. op. cit., p. 42. 36
Em janeiro de 1973, o sindicato promove uma srie de cursos cujos temas eram Fundo de Garantia (FGTS), Programa de Integrao Social (PIS), Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS), Banco Nacional de Habitao (BNH), Leis trabalhistas e sindicalismo. A autora localizou essas informaes na edio n 15 da Metalrgica Tribuna, de 1973. Idem, p. 43
37 O Dieese Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos uma
sociedade civil, criada em 1955, por setores do movimento sindical para a sistematizao, produo de conhecimento tcnico-cientfico e assessoria. O Dieese composto por um
26
como objetivo promover anlise da conjuntura econmica e, particularmente, da
realidade do trabalho nas fbricas. Segundo Ktia Paranhos:
Paulo Vidal, juntamente com outros lderes sindicais, entre os quais, Luis Incio Lula da Silva, que veio a suced-lo na presidncia do sindicato, procuraram os tcnicos do Dieese e inauguraram uma estreita parceria, na qual existia a preocupao por parte desses tcnicos com a emergncia de um novo sindicalismo e posicionavam-se como instrumentadores do processo de renovao sindical(...) mediante a preparao de cursos, seminrios, onde deveriam ser propiciadas no s a formao da conscincia sindical, mas inclusive a formao de uma conscincia poltica
38.
Alm do jornal T.M e das iniciativas j citadas, as lideranas sindicais de So
Bernardo procuraram constantemente ampliar as possibilidades de ao da educao
sindical. Nesse sentido, desde 1971, atendendo a demanda de seus associados, do
incio oferta de cursos de madureza na sub sede de Diadema, no perodo noturno.
Em 1972, a chapa situacionista, encabeada por Paulo Vidal, vence uma vez
mais as eleies ao reivindicar a necessidade de um sindicalismo autntico, que no
primava pelo corporativismo, na medida em que buscava denunciar a dureza das leis
trabalhistas e sua inadequao para a classe operria39. Ao abordar questes
delicadas tais como contrato coletivo de trabalho, arrocho salarial, salrio mnimo
profissional, liberdade sindical, a chapa vencedora pretendia expressar para os
trabalhadores o posicionamento de uma categoria.
As questes abordadas no programa da chapa vencedora na eleio sindical
de 1972 expressam o incio das transformaes significativas que ocorrero no
discurso e nas aes do Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo no decorrer
daquela dcada. Essas transformaes revelam a ruptura progressiva da entidade
com o discurso desenvolvimentista da ditadura militar. De acordo com Abramo40, essa
ruptura ser o resultado da elaborao coletiva da idia de que os metalrgicos de
So Bernardo, por meio do seu trabalho, constituem um sujeito fundamental para o
quadro dirigente e de scios (de base sindical), ou seja, dirigentes eleitos nas respectivas instncias sindicais e um quadro tcnico. Ver MANFREDI, Silvia Maria. Formao Sindical no Brasil: histria de uma prtica cultural. op, cit., p. 117.
37 MANFREDI, Silvia Maria. Educao Sindical entre o conformismo e a crtica. op, cit., p. 110.
38 Idem, p 45.
39 PARANHOS, Ktia Rodigues. Era uma vez em So Bernardo, op. cit., p.42.
40 ABRAMO, Las Wendel. O resgate da dignidade: greve metalrgica e subjetividade operria.
op. cit, p. 154.
27
desempenho econmico do pas, assim como de que seu esforo nesse sentido no
estava sendo devidamente reconhecido e recompensado.
Nesse sentido, o sindicato ir desenvolver um grande esforo na defesa dos
interesses dos trabalhadores, em um primeiro momento nos dissdios salariais.
Todavia, a atuao do sindicato no se resumia demanda de reajuste salarial por
ocasio da renovao dos convnios coletivos de trabalho. Procurava, igualmente,
catalisar e transformar as situaes vividas no interior das empresas que prejudicavam
os trabalhadores em vrios aspectos, com vistas a desenvolver, por um lado a noo
de direito e, por outro, formas de defesa desses direitos, mobilizando-os na
construo de um movimento de resistncia coletiva aos abusos patronais e da
legislao trabalhista adotada pelo regime militar41.
Ao procurar abrir um espao de negociao, bloqueado pela legislao salarial
vigente, o sindicato buscou, para explicar como transcorriam os dissdios, mobilizar
cada vez mais a categoria atravs do jornal Tribuna Metalrgica, das assemblias e
das atividades educacionais. As campanhas salariais ocorridas no incio da dcada
(1970-1974) tinham como principal objetivo negociar com os patres, para flexibilizar a
poltica salarial em vigor. O mais importante argumento utilizado nessas primeiras
campanhas era a existncia de uma grande defasagem entre os reajustes salariais
recebidos, o aumento do custo de vida e a lucratividade das empresas.
Por outro lado, com a inaugurao da nova sede, o sindicato cumpre a
promessa de criar uma escola que tivesse cursos de madureza para atender aos
trabalhadores metalrgicos. A nova escola, nomeada Centro Educacional Tiradentes
(CET), em homenagem ao patrono da categoria, d incio as suas atividades em
dezembro de 1973. O CET funcionava nos perodos matutino, vespertino e noturno,
com classes preparatrias aos exames de madureza para o 1 e o 2 graus. Mais de
500 alunos freqentavam o curso. As turmas funcionavam em esquema de
revezamento, para atender aos metalrgicos que trabalhavam em diferentes turnos.
De acordo com Ktia Paranhos, a criao do CET, foi uma iniciativa de
membros da base sindical da diretoria como Luiz Incio Lula da Silva e Rubens
Teodoro. Eles mesmos, estudavam no nvel madureza de 1 grau, assim como Djalma
Bom, da Mercedes e Luis dos Santos, o Lulinha da Volks. Para a criao do CET, o
sindicato contou com a ajuda de Jos Roberto Michellazo, militante da Ala Vermelha, o
qual trabalhou como professor e tambm como coordenador do centro, desde sua
fundao at sua extino em 1979.
41 Idem, p. 159.
28
O CET constitui um veculo de educao de extrema importncia, que
possibilitou o encontro de professores de esquerda com o universo operrio. Segundo
Paranhos, alm de Jos Roberto Michellazo, militantes de outras organizaes
clandestinas de esquerda, tais como a Ao Popular (AP), o Movimento de
Emancipao do Proletariado (MEP), a Convergncia Socialista (CS) e a Ala
Vermelha, procuraram lecionar na escola do Sindicato dos Metalrgicos, pois tinham
como objetivo de alguma forma, fazer da educao sindical, uma prtica de resistncia
ao avano das foras conservadoras do regime militar42.
Havia, portanto, o interesse da diretoria em criar o curso de madureza para
atender s demandas dos metalrgicos de sua base, oferecendo-lhes a oportunidade
de resgatar o nvel da escolaridade perdida, assim como atra-los para as atividades
do sindicato. Alm do curso de madureza, o CET, em convnio com a escola Senai
(Servio Nacional de Aprendizagem Industrial) Almirante de Tamandar de So
Bernardo, passou a oferecer tambm, no segundo semestre de 1974, cursos
profissionalizantes.
Para as lideranas sindicais, a educao do trabalhador envolvia aspectos
culturais e polticos, na medida em que propiciava as ferramentas necessrias para a
compreenso das demandas da categoria, ao mesmo tempo em que demonstravam
uma prtica de fortalecimento da organizao sindical.
Dessa forma, ao procurar avanar no desenvolvimento das prticas educativas,
o sindicato organiza, em 1974, o I Congresso dos Metalrgicos de So Bernardo do
Campo, com o objetivo de promover o debate entre a direo e os militantes da base.
Os temas levantados durante a realizao do Congresso, que contou com a
assessoria do Dieese, possibilitou o levantamento de questes fundamentais com
relao situao do sindicalismo brasileiro e sua dependncia estrutural do Estado,
assim como a pouca representatividade dos sindicatos e seu distanciamento das
fbricas43.
As resolues finais desse primeiro congresso reafirmam a necessidade de
redefinir a estrutura sindical e reforar a preocupao com atividades educativas, que
pudessem ser utilizadas como espaos para atrair e estimular a participao dos
trabalhadores em seus sindicatos. Ressaltou-se, ainda, a necessidade de encaminhar
42 PARANHOS, Ktia Rodrigres. Mentes que brilham: Sindicalismo e prticas culturais dos metalrgicos de So Bernardo. Op. cit., p. 66. Ver SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena, op., cit., p 167-168 e p. 176-177.
43. MANFREDI, Silvia Maria. Formao Sindical no Brasil: histria de uma prtica cultural. Op. cit., p. 110. A autora recorreu ao documento apresentado no I Congresso dos Metalrgicos de So Bernardo e Diadema, realizado em setembro de 1975, p. 6.
29
para possveis solues os temas debatidos no encontro44. Para concretizar esse
trabalho, e com vistas a fortalecer e ampliar a estrutura destinada a educao sindical,
duas propostas foram deliberadas em sesso plenria:
1) Implantao e manuteno de cursos de capacitao sindical, destinados a
todos os associados. Os cursos tinham como objetivo ampliar a viso do
trabalhador com referncia aos problemas enfrentados em seu cotidiano,
propiciando conhecimentos mnimos para uma efetiva participao na vida
sindical
2) Realizao de assemblias mensais, sem carter deliberativo, nas quais
seriam esclarecidos assuntos de interesse dos trabalhadores, alm de oferecer
palestras proferidas por personalidades do mundo econmico, social e poltico
do pas
De acordo com Manfredi, o que h de novo nas propostas de encontros,
congressos e cursos de capacitao neste perodo o surgimento de uma perspectiva
de educao nascida da iniciativa dos prprios dirigentes e militantes sindicais, tendo
em vista as necessidades especficas do prprio movimento45.
A realizao do I Congresso dos Metalrgicos de So Bernardo contribuiu para
afirmar a importncia do sindicato entre os trabalhadores e distingui-lo como novo
sindicalismo, pois representou uma iniciativa que iniciou o estreitamento das relaes
entre a fbrica e o sindicato46. Segundo Las Abramo, essa iniciativa apontava para o
aprofundamento do trabalho de base e da democratizao da entidade (...), e, alm
disso, o congresso representar mais um esforo de autoconhecimento dos
metalrgicos de So Bernardo e de elaborao coletiva das representaes acerca da
sua especificidade e identidade como categoria47.
Aps essa digresso, que permitiu descrever brevemente a efervescncia das
lutas do Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo e Diadema, durante a conjuntura
opressiva dos governos militar da poca, retomamos a trajetria de Renato Tapajs e
sua insero no contexto como militante de esquerda, atravs dos filmes que produziu.
O perodo passado na cadeia permitiu a Renato Tapajs e aos seus
companheiros, aprofundar o contato com a literatura marxista e dos textos clssicos48,
o que possibilitou a elaborao do documento de autocrtica da Ala Vermelha. Tal
44 MANFREDI, Silvia Maria. Educao Sindical entre o conformismo e a crtica. So Paulo: Edies Loyola, 1986, p. 110-1.
45 Idem, Ibdem.
46 PARANHOS, Ktia Rodigues. Era uma vez em So Bernardo, op. cit., p. 115.
47 ABRAMO, Las Wendel. O resgate da dignidade: greve metalrgica e subjetividade operria. op. cit., p.168-9.
48 Idem, p. 35.
30
documento, intitulado Autocrtica, 1967-197349 fruto de uma anlise realizada pelos
presos polticos, mediante a necessidade de refletir sobre os motivos da derrota. Em
entrevista, Renato Tapajs afirma que a necessidade de elaborao da autocrtica no
consistia em uma condenao do enfrentamento armado como forma de luta, mas
que ns estamos abandonando aquele projeto de luta armada e recomendando aos
militantes que se liguem s massas, ou seja, vo morar em bairros operrios, entrem
nos sindicatos, faam trabalho junto s organizaes de bairro (...)50.
Ao sair da priso, nesse mesmo ano, Renato Tapajs se aproxima do Sindicato
dos Metalrgicos de So Bernardo do Campo e Diadema, por causa da realizao do
documentrio, Fim de Semana (1975), produo da Escola de Comunicao e Artes
da USP51. O filme retrata os problemas de moradia enfrentados pelas classes mais
pobres, usando como exemplo a situao de alguns municpios de So Paulo. O filme
mostra o esforo independente de trabalhadores que, nos finais de semana,
empenham-se em construir as prprias casas e pavimentar as ruas. No processo de
produo, montagem e exibio do filme, surgem problemas semelhantes queles
identificados na produo do documentrio Universidade em Crise, cuja tese
previamente formulada, confronta-se com a realidade diversa registrada nas imagens
e nas falas captadas dos estudantes. A produo do documentrio Fim de Semana
coloca novamente o cineasta frente aos mesmos dilemas com relao ao filme
documentrio, o qual abandonou ao optar pela luta armada nos anos anteriores.
Quando o filme ficou pronto eu fiquei profundamente chocado com o resultado na medida em que o que tinha fora no filme no era a tese. Ela atrapalhava. O que conferia ao filme algum tipo de vitalidade era justamente o que corria margem da tese. Essa experincia me levou a tentar conciliar duas coisas: de um lado estar aberto para o que est acontecendo no instante da filmagem e procurar uma viso descomprometida e propositadamente ingnua diante dos acontecimentos. E, ao mesmo tempo, ter alguma coisa capaz de nortear uma filmagem
52.
Em entrevista53, Renato Tapajs relata que a produo desse documentrio o
levou a se contrapor ao documentrio de tese e constituir seu estilo profundamente
49 Ttulo Original PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL ALA VERMELHA. Autocrtica, 1967-1973. Cpia doada Eloisa Arago Maus por Renato Tapajs, em 28/11/2007.
50 SILVA, Maria Carolina Granato da. O Cinema na greve e a greve no cinema: memrias dos metalrgicos do ABC 1979-1991.Op, Cit., p 68.
51 Idem Ibidem.
52 Idem, p.76.
53 A hora da reflexo. Entrevista com Renato Tapajs. Op, cit., p.76.
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marcado por militncia poltica e pelo processo de elaborao da Autocrtica na Ala
Vermelha. Esses primeiros filmes, produzidos em um contexto de militncia, revelam
os dilemas enfrentados pelo realizador, na busca por uma linguagem cinematogrfica
especfica, que evolua em torno do contexto social retratado e seja capaz de romper
com as armadilhas das formas ideolgicas tradicionais desenvolvidas ao longo da
histria do documentrio
Fim de Semana foi exibido em Santo Andr e na USP, e segundo o cineasta
teve boa repercusso entre o pblico operrio: o pessoal de Santo Andr apreendeu
do filme o que no vi em nenhum outro local ou platia. Sacaram bastante e nas
discusses eles foram bem mais longe que o filme54.
Na cidade de Salvador, no mesmo ano de 1975, o documentrio conquistou o
prmio Vasp da Jornada Brasileira de Curta Metragem, mais o valor de vinte mil
cruzeiros e duas passagens nacionais. Com esses recursos, Renato Tapajs em
sociedade com Francisco Ramalho, abriu a OCA, produtora co-responsvel pelas
primeiras parcerias entre o cineasta e o Sindicato55. Contudo, iremos abordar um
pouco mais adiante como ocorreu o desenvolvimento dessa parceria, assim como os
fatores que a possibilitaram.
Alm das atividades educativas e culturais desenvolvidas pelo sindicato, as
campanhas salariais conduzidas junto aos outros sindicatos da categoria, no decorrer
da dcada de 70, tambm tiveram importncia significativa para unific-la. A
compreenso das estratgias utilizadas pelas lideranas sindicais nas campanhas
salariais e de reposio pode contribuir para revelar nessa pesquisa, como as aes
no campo da educao e da cultura contriburam para a evoluo das formas de
conduo de tais questes pelo sindicato.
Antes mesmo da criao do Centro Educacional Tiradentes, na campanha
salarial de 1971, o sindicato recorreu, na campanha salarial de 1971, a um estudo do
Dieese que revelava a existncia de grande disparidade salarial, principalmente nas
empresas automobilsticas. Com essa iniciativa, as lideranas sindicais pretendiam
resgatar a importncia das campanhas salariais para unificar e mobilizar a categoria
frente aos seus interesses.
Nesse sentido, a diretoria props um aumento nico, que consistiria na
aplicao do reajuste decretado pelo governo sobre o total da folha de pagamento de
cada empresa, dividindo-se o resultado pelo nmero de empregados. Dessa forma,
54 Entrevista com Renato Tapajs, diretor do Fim de Semana. O filme parte sempre de um dado: o salrio no d: In Movimento, 27/9/76.
55 SILVA, Maria Carolina Granato da. O Cinema na greve e a greve no cinema: memrias dos metalrgicos do ABC 1979-1991.Op, Cit.,p.68.
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seriam mais beneficiados os que recebiam salrios mais baixos, que teriam maiores
percentuais de reajuste. Essa proposta dividiu a categoria e vrios outros sindicatos
metalrgicos, assim como a Federao dos Metalrgicos do Estado de So Paulo, os
quais no concordaram com a proposta apresentada por So Bernardo. Diante deste
impasse, pela primeira vez desde a instituio da poltica salarial do governo militar
(1965), o sindicato procurou desvincular-se do processo de negociao conduzida
pela Federao, promovendo um dissdio em separado56. Entretanto, no obteve
nenhum efeito prtico.
Em 1972, o sindicato retomou a proposta de reajuste nico sobre a folha de
pagamento apresentada dois anos antes. Dividido igualmente para todas as classes
de salrio, significaria o favorecimento dos que recebiam os menores salrios, o que
implicaria um ndice de 102%. O sindicato propunha que essa frmula fosse adotada
pelo conjunto dos sindicatos do interior. Porm, o processo de negociao foi
encaminhado em assemblia pela Federao dos Metalrgicos do Estado de So
Paulo em nome de 34 sindicatos, inclusive os do ABC, que aprovou entre outras
coisas o reajuste de 32% com base na produtividade.
Preocupados em estimular uma maior participao das bases na preparao
da campanha de 1973, a diretoria realizou uma campanha entre os trabalhadores para
levantar as reivindicaes e suas prioridades, e definir formas de encaminhar a
campanha salarial daquele ano, se em conjunto com os demais sindicatos do interior
ou em separado. Essa iniciativa do sindicato sinaliza para a categoria que para obter
qualquer tipo de conquista, era necessrio a participao de todos57.
56 A negociao em separado era uma possibilidade prevista em lei. Contudo, para cumprir as exigncias da lei, era necessrio realizar uma assemblia com pelo menos 1/8 dos scios do sindicato. O quorum no foi atingido e, assim, a categoria foi novamente representada pela Federao. A negociao promovida pelo Tribunal Regional do Trabalho, sem a presena dos dirigentes de So Bernardo, chegou a um acordo festejado pelos dirigentes da Federao: reajuste salarial de 18% (1,5% acima do ndice oficial); mesmo reajuste para os trabalhadores admitidos aps a data-base; piso salarial de Cr$ 368,16 para os empregados maiores; comprovante de pagamento de salrios fornecido obrigatoriamente pela empresa; desconto de taxa assistencial de Cr$ 10,00 em favor do sindicato; as recomendaes s empresas para facilitar a jornada de trabalho do operrio estudante; e a divulgao dos comunicados sindicais. A diretoria do sindicato considerou positivos alguns itens citados, observando, no entanto, que o reajuste salarial de 18% no condizia com os ndices de produtividade e lucro das empresas da regio. PARANHOS, Ktia Rodrigues. Era uma vez em So Bernardo, op. cit., 81. A autora consultou a TM, n 22, 1974, p.7. Ver tambm ABRAMO, Las Wendel. O resgate da dignidade: greve metalrgica e subjetividade operria. op. cit., p. 157.
57 Alm das reivindicaes econmicas habituais o reajuste, um piso salarial e abono de frias o sindicato apresentou outros itens na negociao com os patres: descontos de 10% referente taxa assistencial; doao das empresas de Cr$ 10,00 por empregado para o sindicato (para a construo da nova sede); delegado sindical com estabilidade; quadro de avisos do sindicato na empresa; linha especial de nibus em dia de assemblia do sindicato; reconhecimento da bolsa de emprego do sindicato; liberao de meio expediente para o
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Apesar do resultado da campanha no ter sido o esperado, o sindicato no
podia perder a legitimidade perante as bases. Assim, Paulo Vidal ressaltava a
necessidade de que a classe se mantivesse mobilizada em torno das reivindicaes
apresentadas durante a campanha salarial. Em razo das conquistas alcanadas pelo
sindicato dos metalrgicos da capital, tais como o piso salarial, o envelope de
pagamento e o uniforme gratuito, o mesmo considerava j existir uma conjuntura mais
favorvel para que as reivindicaes fossem atendidas na campanha salarial seguinte.
Em 1974, a pauta formulada para a campanha salarial de 1974 incorporava
todas as negociaes apresentadas no ano anterior, ressaltando como justificativa a
lucratividade, extremamente favorvel da indstria automobilstica nos anos
precedentes. Pela primeira vez em todo esse perodo, a campanha de 1975 se iniciou
sem a clareza de qual seria o ndice decretado pelo governo, j que tinham havido
mudanas nos clculos para os reajustes. Isso levou a diretoria do sindicato a
convocar toda a categoria, pois percebia que tudo dependeria da disposio
demonstrada pelos prprios trabalhadores58.
O outro ponto estratgico de conduo da campanha salarial continuava a ser
a possibilidade de negociar em separado. A primeira assemblia, em janeiro de 1975,
no deu qurum necessrio para um encaminhamento legal independente da
Federao, que assim assumiu a representao dos metalrgicos de So Bernardo. A
diretoria do sindicato recusou-se a encaminhar a discusso da pauta apresentada pela
FIESP e pela Federao, pois a seu ver faltava legitimidade, j que no havia sido
decidida em assemblia suficientemente representativa. Somente na campanha de
1976 o sindicato conseguiria fazer valer seus direitos, atravs de um encaminhamento
independente da Federao.
Em fevereiro de 1975, foram realizadas novas eleies sindicais. Pela primeira
vez na sua histria no havia chapa de oposio e a chapa nica, apresentada como
de continuidade da gesto que se encerrava, recebeu 97% dos votos. No lugar de
Paulo Vidal, assumia a presidncia do sindicato Luis Incio Lula da Silva.
No CET, Jos Roberto Michelazzo, incentivado por alguns trabalhadores,
contribuiu para a criao do Grupo Ferramenta de Teatro. A primeira apresentao do
dirigente para sindical no afastado da produo; comisso partidria composta por representantes de empregados e empregadores nas empresas com mais de mil empregados, para decidir sobre litgios internos. No entanto, mais uma vez os empresrios se recusaram a negociar, e o resultado do dissdio, julgado pelo TRT para o conjunto dos 34 sindicatos representados pela Federao, foi um reajuste salarial de 18%, seguindo o ndice oficial do governo, piso salarial de 10% sobre o salrio mnimo regional para todos os integrantes da categoria e desconto da taxa assistencial. ABRAMO, Las Wendel. O resgate da dignidade: greve metalrgica e subjetividade operria. op. cit., p. 162.
58 SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena, op., cit., p. 187.
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grupo ocorreu em abril de 1975, e a segunda, na festa da posse da nova diretoria,
presidida por Lula, no mesmo ano. Na ocasio, o grupo apresentou duas comdias de
Martins Pena: O Caixeiro da Taverna e Quem casa quer casa. De acordo com Ktia
Paranhos, a Tribuna Metalrgica, n 28, ressaltou que a apresentao foi feita pelo
grupo formado e mantido pelo sindicato, como parte de suas atividades culturais e
constitudo por associados da entidade59.
A chegada de Lula presidncia dava-se no contexto de um conflito interno
diretoria do sindicato. Entre 1973 e 1974, as diversas paralisaes ocorridas em So
Bernardo nas sees mais qualificadas das grandes empresas, alm de provocarem
forte presso sobre os patres, o que possibilitou conquistas que no haviam sido
obtidas de outra forma, produziram tambm mudanas significativas na orientao
poltica do sindicato. As paralisaes haviam ocorrido sem o direcionamento e, muitas
vezes, sem o conhecimento do sindicato.
O presidente Paulo Vidal no encarou com entusiasmo tais iniciativas, pois
segundo ele, punham em risco toda a atividade sindical e a segurana pessoal dos
trabalhadores. Desse modo, empenhou-se para uma retomada do controle da
resistncia operria por parte do sindicato, direcionando essas energias para as
campanhas salariais e desestimulando as mobilizaes autnomas nas empresas.
Entretanto, essa posio de Vidal, provocou uma profunda inquietao, em parte da
diretoria, principalmente nos diretores que trabalhavam nas fbricas em questo.
Estes entendiam, por um lado, que as lutas poderiam estreitar o vnculo com as bases
e fortalecer esses movimentos e, por outro, que as aes do sindicato deveriam ir ao
encontro dos interesses e necessidades dos trabalhadores.
O resultado principal deste conflito foi a criao, dentro da diretoria, do
Conselho de Coordenao do Trabalho de Base (CCTB) fruto do I Congresso dos
Metalrgicos, realizado em 1974. O principal objetivo do CCTB era dirigir o trabalho
dos diretores de base e abrir no sindicato um espao de atuao para uma ampla
camada de trabalhadores ativos em suas fbricas. O conselho tornou-se um
importante local de articulao sindical de uma prtica sindical nova que contribuiu
para a ascenso de Lula presidncia da entidade60.
Ao assumir a presidncia do sindicato, a nova diretoria encabeada por Lula
tomou algumas medidas importantes, tais como o fortalecimento do CCTB e a
reorientao dos servios assistenciais do sindicato, na tentativa diminuir a
importncia do seu papel na estrutura. Desse modo, aprovada em assemblia a
59
PARANHOS, Ktia Rodigues. Era uma vez em So Bernardo, op. cit., p. 262. 60
SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena, op., cit., p. 293.
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extino do Posto de Abastecimento de Gneros Alimentcios e a construo, no seu
lugar, de uma escola profissionalizante com o objetivo de promover a valorizao
profissional da categoria. Alm dessas medidas, o jornal do sindicato passa a divulgar
vrias crticas ao assistencialismo e amplia o Departamento Jurdico com a
contratao de advogados.
Em depoimento dado a Las Abramo, Lula descreve como a nova diretoria
comea a construir a reorientao da linha de atuao sindical, a partir de 1976:
Quando ns tomamos posse em abril de 1975 a gente tinha muitos problemas internos (...). O Sindicato ainda era bastante formal, ainda era muito prestador de assistncia mdica e sem um dimensionamento poltico claro para a categoria (...). Ns comeamos a descobrir que s tinha sentido a gente fazer sindicalismo se a gente pudesse passar um pouco mais de responsabilidade para a classe trabalhadora (...). Quando o trabalhador chegava no sindicato procurando soluo para um problema, a gente jogava dois problemas nas costas dele.
A gente dizia que o sindicato poderia resolver o problema dele de uma forma individual, mas que no iria solucion-lo definitivamente: em outra empresa ele ia ter aquele mesmo problema, na seo dele centenas de trabalhadores tambm, mesmo que o dele fosse resolvido, e por isso mesmo era preciso encontrar uma forma de resolver aquilo coletivamente. (...) A gente fazia ele voltar para a fbrica com a idia de que, se ele quisesse, e junto com os companheiros dele, ele poderia resolver definitivamente aquele problema, e no ficar procurando o Departamento Jurdico do Sindicato a cada empresa que ele arrumasse um trabalho novo
61.
A ascenso de Lula presidncia do sindicato dava-se em um quadro diferente
da conjuntura poltica e social anterior, que beneficiou significativamente tanto a
organizao, quanto os resultados obtidos na campanha salarial de 197662.
61
ABRAMO, Las Wendel. O resgate da dignidade: greve metalrgica e subjetividade operria. op. cit., p. 172. Declarao de Lula, concedida ao do jornal Em Tempo, n 0, novembro de 1977.
62 A partir de 1973, revelam-se as primeiras respostas mais articuladas e visveis da sociedade civil, em resistncia a extrema violncia exercida pelo regime militar, atravs da luta articulada em alguns setores da sociedade, tais como os estudantes, os intelectuais e parte da igreja, pelo respeito aos direitos humanos e pela liberdade de expresso. Uma das mais expressivas manifestaes, que significou um marco nesse sentido, foi a missa celebrada por dom Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de So Paulo, no dia 30 de maro, em homenagem ao estudante de geologia da Universidade de So Paulo, Alexandre Vanucchi, assassinado pela Operao Bandeirantes (OBAN). Em 1975, a morte do jornalista Vladimir Herzog, gerou um movimento de manifestao pblica e coletiva, em repdio ao repressiva do Estado, que marcou um novo momento de inflexo na luta contra a ditadura militar. Vrios setores da sociedade fizeram-se representar, o que demonstrou a possibilidade de um enfrentamento coletivo para tolher o poder repressivo do Estado. Ver EUGENIO, Marcos Francisco Napolitano de. Ns que nos amvamos tanto: Protestos de rua contra o regime militar na
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Naquele ano, mais uma vez, o sindicato organizou-se para o cumprimento do
ritual legal exigido pela negociao em separado. Desta vez, o quorum foi atingido em
assemblia realizada em janeiro deste mesmo ano. A legislao havia sido cumprida
at mesmo antes do prazo fixado e com isso estava garantida formalmente a
possibilidade de negociar em separado. Apesar da posio do sindicato de So
Bernardo ter sido desprezada mais uma vez pela Federao, a diretoria insistiu em
suas reivindicaes, recorrendo ao Tribunal Superior do Trabalho e culminou por
atendida. Alcanou, assim, sua primeira vitria significativa em todo aquele perodo e
ressaltou a importncia da luta sustentada nos ltimos trs anos, possibilitando a
construo de um espao prprio de negociao e reivindicao.
Todavia, de acordo com Sader, se os primeiros resultados obtidos atravs das
negociaes trabalhistas evidenciam a persistncia do sindicato em valorizar todas as
possibilidades legais para afirmar os direitos dos trabalhadores e sua capacidade de
catalisar e potencializar seus interesses, no significa que estes resultados possam
ser explicados apenas pelo trabalho rduo da diretoria e de seus advogados. A
abertura de um espao real de negociao entre a diretoria do sindicato e os
empresrios, tambm, est diretamente vinculada s medidas polticas de
distenso63, iniciados no governo do General Geisel e as aes de resistncia dos
trabalhadores no interior das fbricas64.
Como mostra de seu crescente interesse no campo cultural, em 1976, o
Sindicato dos Metalrgicos inaugura o Departamento de Cultura, com a palestra de
Valter Barelli, ento diretor tcnico do Dieese. O novo departamento tinha como
objetivo desenvolver atividades de cunho cultural e educativo, visando fortalecer a
Grande So Paulo 1977 / 1984. Tese (Doutorado) So Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, USP, 1994, p. 75-80.
63 A nomeao, em 1974, do general Ernesto Geisel, como terceiro presidente militar, inicia-se um processo de disteno poltica. Conforme depoimento de Geisel, citado por Abramo, a distenso era um projeto de remodelao do Estado e de suas relaes com a sociedade civil, principalmente com suas elites, na tentativa de antecipar-se crise poltica que se anunciava a partir do fim da fase dourada do milagre econmico. Desse modo, as eleies parlamentares de 1974 significavam um ponto importante no projeto de Geisel, para recuperar a legitimidade necessria, fortalecendo o ARENA, partido governista, para encaminhar as reformas pretendidas. Entretanto, o resultado majoritariamente oposicionista fortalece o partido de oposio (MDB), revelando a insatisfao da populao, principalmente nos bairros populares das cidades mais industrializadas do pas, e pode ser considerada a primeira manifestao ampla, massiva e abertamente poltica de oposio ditadura ocorrida desde 1968. As eleies controladas e bipartidrias, resultado da destruio arbitrria dos partidos polticos existentes at 1966, passam a partir desse momento a ter um carter plebiscitrio em que o regime passava a ser colocado em julgamento. Ver ABRAMO, Las Wendel. O resgate da dignidade: greve metalrgica e subjetividade operria. op. cit.,p.186-187. Ver depoimento prestado pelo General Ernesto Geisel ao Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil CPDOC.
64 SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena, op., cit., p. 288.
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formao poltica dos trabalhadores. Dessa forma, o sindicato centralizava suas
atividades culturais para incentivar a participao de seus scios e dos alunos do
CET65. A implementao do departamento cultural permitiu a realizao de diversos
eventos, dentre eles, a exibio de filmes, como o Meu dio ser sua herana (EUA,
1968) e Ver-te-ei-no inferno (1970), de Martin Ritt, sobre trabalhadores que ingressam
na clandestinidade e se transformam em terroristas numa mina na Pensilvnia66.
Segundo Maria Carolina Granato da Silva, alm da exibio de pelculas no
espao do sindicato, o jornal da entidade costumava comentar a programao de
cinema da cidade, indicando alguns filmes e denunciando a falta de qualidade de
outros67. Estes fatores e a produo do curta-metragem Fim de Semana (1975),
possibilitaram que Renato Tapajs fosse convidado para dar um curso de formao de
espectadores no Museu Lasar Segall.
Segundo relata Tapajs, no livro Em busca do Povo Brasileiro, de Marcelo
Ridente, o objetivo do curso era preparar o espectador para ser capaz de decodificar
ideologicamente os filmes68. Esse primeiro curso ocorreu em 1976 e foi oferecido
basicamente para estudantes. Em decorrncia do sucesso obtido, o museu organizou
um segundo curso, cujo pblico era formado por dirigentes do Sindicato de So
Bernardo do Campo trazidos por Jos Roberto Michelazzo. Mais uma vez o resultado
do curso foi positivo, o que possibilitou a realizao de um terceiro curso, mas agora
na sede do Sindicato e patrocinado pelo Museu Lasar Segal. Tapajs, em entrevista a
Ridente, relata que foi necessrio realizar um levantamento sobre as preferncias
flmicas dos dirigentes para a elaborao desse curso:
Nesses cursos exibamos um longa e depois fazamos um debate. L no sindicato, como a gente estava entrando em um outro territrio, fez-se toda uma pesquisa, tabulao de dados, para ver o que a gente tinha que mostrar para eles. Qual era o longa, o gnero de filme que teria mais apelo. E no deu outra, era o bom e velho bangue-bangue. Isso j no comeo de 1977
69.
A experincia bem sucedida do curso possibilitou o surgimento da idia de
fazer um filme na instituio sindical, por iniciativa da diretoria, ento composta por
65 PARANHOS, Ktia Rodrigres. Mentes que brilham: Sindicalismo e prticas culturais dos metalrgicos de So Bernardo. Op. cit., p.85.
66 PARANHOS, Ktia Rodigues. Era uma vez em So Bernardo, op. cit., p. 263.
67 SILVA, Maria Carolina Granato da. O Cinema na greve e a greve no cinema: memrias dos metalrgicos do ABC 1979-1991.Op, Cit., p. 81.
68 RIDENTE, Marcelo. Em busca do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 341.
69 Idem, p. 342.
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Lula e Djalma Bom. Entre 1977 e 1978, o sindicato continua a investir nas atividades
culturais e produz o seu primeiro documentrio Acidente de Trabalho (1977), realizado
por Renato Tapajs. O dos acidentes de trabalho, a partir da perspectiva do
trabalhador, sendo o principal prejudicado e a grande vtima das ocorrncias. De
acordo com Ridente, o resultado foi to bom em termos de resposta de pblico, que
outros filmes comearam a ser produzidos na sequncia70.
A escolha pelo tema do filme surgiu porque, desde o incio da dcada, a
incidncia dos acidentes de trabalho era uma preocupao constante por parte das
lideranas sindicais. Atravs de seu jornal, o sindicato de So Bernardo denunciava
constantemente a insegurana e a insalubridade existentes nos locais de trabalho,
assim como o aumento das doenas profissionais71.
Segundo Abramo, em 1974 e 1976, o Brasil conquistou o ttulo de campeo
mundial de acidentes de trabalho, de acordo com o estudo realizado pela Pontifcia
Comisso de Justia e Paz, a proporo de acidentes por dias teis de trabalho vinha
aumentando 10% ao ano naquele perodo. O estudo indica que os acidentes
decorriam no apenas de problemas nas condies tcnicas de segurana no
trabalho, mas tambm estava fortemente associado s prolongadas jornadas de
trabalho, (...) o tempo dos deslocamentos, a subnutrio e o prprio nvel de sade72.
Em setembro de 1976, o sindicato realiza com a ajuda do Dieese73, o II
Congresso dos Trabalhadores Metalrgicos de So Bernardo do Campo e Diadema. O
que possibilitou reiterar o objetivo que havia orientado a realizao do I Congresso
dois anos antes: reunir as bases, que, mais que ningum, sentem e vivem os
problemas do momento, desde os especficos de cada empresa, at os do conjunto da
classe74.
O congresso contou com a participao de cerca de 400 trabalhadores
representantes dos companheiros das fbricas, os quais discutiram os problemas
referentes categoria e s questes nacionais. As concluses do II Congresso
incidiram sobre os seguintes aspectos: questes salariais, h