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A JUVENTUDE ON-LINE REPRESENTADA NA NOVELA GERAÇÃO BRASIL
Evelyn Santos Pereira
Jacqueline Gomes de Aguiar
Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Luterana do Brasil
A PÓS-MODERNIDADE
Vivemos um período de grandes mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais
que estão transformando as formas de viver dos sujeitos. Muitos autores, entre eles Baumam
(2001), Sibilia (2008), Costa (2008), Kellner (2001) e Barbero (2002) têm se preocupado em
pensar e escrever sobre este tempo e sobre estes sujeitos, cujas subjetividades estão sendo
desenvolvidas a partir de uma lógica cultural pautada em princípios como individualidade,
efemeridade, consumo, descartabilidade, visualidade e também comunicação
tecnologicamente mediada. Essa nova ordem social contribui para o desenvolvimento de
novas formas de perceber e agir no mundo e de se relacionar com o outro.
Temos experimentado uma outra racionalidade: novos projetos sócio-culturais; outras
relações com o trabalho e produção de renda; relações econômicas e de consumo divergentes
das colocadas em circulação na era moderna; importantes avanços tecnológicos e midiáticos
que acabam por definir novas formas de sociabilidade, comunicação, participação e também
novas formas de produção cultural. E nesta conjuntura toma posição de destaque o fator
definido pelo desenvolvimento tecnológico cada vez mais exacerbado e que apresenta mais e
mais artefatos que colocam em evidência os novos processos e possibilidades de comunicação
mediada pela tecnologia. Estamos vivendo novos tempos, tempos de uma dita convergência
comunicativa tecnológica, oportunizada por múltiplos canais e meios de interação social
tecno-midiáticos.
Na contemporaneidade os sujeitos estão cada vez mais conectados. E essa
possibilidade de interação e comunicação mediada pelos artefatos tecnológicos têm
colaborado para a construção de identidades peculiares. Argumenta-se que especialmente
àquelas relacionadas à juventude, uma vez que podemos considerar estes sujeitos juvenis
como predispostos natos a possuírem habilidades tecnológicas e fluências midiáticas.
Marisa Vorraber Costa (2008), em suas pesquisas que buscam articular educação e
pós-modernidade, destaca a importância das novas tecnologias e da cultura da mídia para a
(re)configuração das diversas instâncias da vida. Para ela, todo o conjunto tecnológico e a
mídia, estão constantemente ensinando coisas, pois colocam em circulação artefatos que tem
como efeitos a “proliferação de preferências, desejos, estilos, modos de ser, condutas”
(COSTA, 2008, p. 4).
E é ancorado neste argumento que apresentamos o objeto de análise deste texto: o
artefato cultural representado pela novela Geração Brasil, produzida e exibida de segunda a
sábado pela Rede Globo, durante o período de maio a outubro de 2014.
REPRESENTAÇÕES DA JUVENTUDE ON-LINE
“Eu sou linda, sou rica, sou divertida, sexy, mas paciência
não é o meu forte” (Megan Lily Parker-Marra, site gshow).
Como recorte para fins analíticos, foram escolhidas duas personagens da trama:
Megan Lily Parker-Marra, uma jovem milionária, autocentrada e com comportamentos tidos
pelo senso comum como superficiais, e herdeira da empresa de tecnologia Marra International
e Manuela Yanes uma jovem proveniente da classe média, extremamente habilidosa
tecnologicamente e que obtém sucesso, reconhecimento profissional e social através de sua
fluência digital ampliada.
O objetivo deste texto será problematizar a representação de juventude, em especial,
da juventude feminina, veiculada através das duas personagens, mostrando como essas jovens
têm sido narradas ora como autossuficientes, sedutoras, irresponsáveis, consumistas,
superficiais, ora como produtivas, protagonistas em seu tempo, dotadas de ampliada fluência
digital e tecnológica, autoras em uma matriz comunicativa pós-moderna e convergente. Esta
análise está situada no Campo dos Estudos Culturais, e sua relevância justifica-se pela
centralidade que tal campo confere aos processos de representação. Entende-se que a
representação não só descreve algo, mas lhe dá sentido. Portanto, argumenta-se que as
identidades postas em circulação são constituídas a partir de uma constante relação com as
representações construídas e evidenciadas no artefato cultural focalizado.
Bauman (2001) utiliza a metáfora dos líquidos para falar da atualidade que, segundo
ele, é fluída, efêmera, escorregadia e nos escapa a todo momento. Problematiza as novas
configurações sociais em torno das esferas do público e do privado, destacando o
desmantelamento ou mudança das fronteiras que demarcavam esses limites, e destacando que
há, de certa maneira, um embaralhamento desses lugares. As coisas da vida privada passam a
ser de âmbito público, as políticas da vida cotidiana são o grande interesse das esferas
públicas. Sobre isso, Costa (2008) diz que “nessa nova ordem, os poderes passaram do
“sistema” para a “sociedade”, da “política” para as “políticas da vida”, migraram do macro
para o micro” (COSTA, p. 5, 2008).
Barbero (2002) fala sobre o surgimento de um ecossistema comunicativo, cuja
importância social se compara a do ecossistema ambiental. Segundo ele, tal relevância se dá,
não só pelo massivo uso das tecnologias comunicativas e informativas, mas pelas
transformações nas sensibilidades dos sujeitos, na linguagem, na escrita e na forma de
perceber o tempo e o espaço. Tais mudanças se encontram mais acentuadas entre os jovens,
pois para essa geração, a gama de aparatos tecnológicos faz parte da experiência de
desenvolvimento desde a mais tenra idade. Neste sentido, estariam os jovens, rompendo com
uma cultura baseada nos princípios dos mais velhos, pais e avós, para inaugurarem uma nova
cultura.
Jenkins (2009), autor ícone dos estudos sobre a cultura da convergência, termo que
tem sido utilizado para reportar os movimentos de comunicação mediados pela tecnologia e
produzidos a partir de diferentes atores sociais e com diferentes impactos na
produção/consumo, apresenta aspectos que congregam, justapõem e condensam elementos
relacionados à evidência do meio material (computadores multifuncionais, celulares que
agregam diversas funções: fotografam, filmam; videogames com conexão à rede, televisões
que navegam na internet, etc) e da mensagem expressada através de diferentes aportes e
produtos culturais contemporâneos, época em que vivemos e onde a novela estava situada.
Para este autor o centro da questão, a maior mudança vivenciada por estes tempos líquidos, ou
por essa denominada cultura da convergência e conexão talvez seja o consumo
individualizado ou personalizado em rede, o que acaba por oportunizar novas formas de
produção, colaboração, participação e consumos culturais.
Tomamos assim, a análise da personagem Megan Lily Parker-Marra, filha de um dos
principais personagens da novela, Jonas Marra. Jonas é o fundador e dono da empresa Marra
International que, de acordo com o enredo, revolucionou o mercado com aparelhos
eletrônicos que visavam popularizar a tecnologia e ampliar a conectividade. A novela tem
como plano de fundo a tecnologia, e os diferentes núcleos da trama se desenvolvem em torno
da Empresa Marra Brasil e Parker TV, emissora de televisão de Pamela Parker, mãe de
Megan e mulher de Jonas.
Dois núcleos (e modelos) de juventude são apresentados na narrativa. Um deles é a
juventude hiperconectada, empreendedora e com alta capacidade intelectual, e o outro, é
constituído por jovens, também muito ligados à tecnologia, porém, com um cunho
irresponsável, desleixado, que estão mais interessados em fazer sucesso na internet. A
personagem Megan é vista como a “riquinha e mimada filha do milionário rei da tecnologia”.
É irresponsável, impulsiva, consumista, volátil, sempre preocupada com sua imagem/beleza e
conectada às redes sociais. Seu grande objetivo é aproveitar a vida a qualquer custo e sem
preocupações.
É inegável a importância que as tecnologias têm na vida dos jovens. Parece que o
celular faz parte do figurino de todos eles. Muito além da utilidade inicialmente dada a esta
ferramenta, fazer ligações e mandar mensagens de texto, o celular hoje representa estar
conectado. E estar conectado, significa estar trocando informações em intensa velocidade, ter
acesso a um infinito de estímulos, sons e imagens, através das redes sociais, de jogos,
músicas, videoclipes, blogs, sites. É a operação da convivência individualizada em rede, na
prática.
A mídia e, em especial, a televisão é o principal veículo de informação e
entretenimento de grande parte da população. Canclini (2007) refere a realidade de uma
parcela de jovens, especialmente os latino-americanos, enfatizando papel de destaque às
condições políticas, sociais e econômicas destes locais que acabam por configurar algumas
tessituras sociais e culturais peculiares no que diz respeito a tecnologia. Por exemplo, quando
a massiva maioria dos jovens possui acesso irrestrito apenas a televisão de sinal aberto em
detrimento de mínimas parcelas com acesso à internet, é presumível que a informação
veiculada e recebida por estes públicos seja diferente, e que isso provoque comportamentos
também diferenciados. O autor nos lembra com esse argumento que devemos pensar a
juventude como uma condição onde as diferenças são extremas, e onde o aspecto social e
político é determinante para a formação de comportamentos e modos de estar na conjuntura
social, política e econômica dos indivíduos, tornando-se o pressuposto principal para a
percepção e conformação também das identidades entendidas como juvenis.
Ainda que pese este argumento, é possível admitir que as narrativas ficcionais da
televisão carregam uma responsabilidade e papel ampliado na conformação das identidades
juvenis que estão sendo postas em circulação e que a espetacularização e glorificação da vida
de famosos, aciona nos jovens uma série de desejos em torno do ideal de realização e
felicidade. O que se vê nas novelas acerca da busca pelo corpo ideal, adereços, objetos,
comportamentos, modos e estilos de vida está constantemente sendo estimulado por uma série
de representações veiculadas pela mídia, em maior escala pela televisão, mas não somente ela.
Afirmar que a televisão ainda possui papel de destaque na conformação dos sujeitos é
admitir que a conjuntura sócio-econômica e cutural de um tempo e de um lugar são
responsáveis pelas formas de viver e interagir em uma sociedade. Neste sentido, entende-se
que toda essa gama de informações, representações e estímulos acionados pelas mídias, sejam
elas televisão, jornais, revistas, internet, etc, funcionam como pedagogias culturais, pois
acabam apresentando uma série de estratégias didáticas que ensinam formas de ser e estar no
mundo.
Apesar de Canclini (2007) apontar as diferenças extremas no acesso aos meios de
comunicação social, no Brasil a internet tem apresentado importantes índices de uso. Em
pesquisa realizada pela Secretaria de comunicação social da presidência da república
brasileira no ano de 2014 sobre o uso que os brasileiros declaram fazer atualmente sobre os
meios de comunicação social, cabe destacar a importante e massiva presença da televisão.
Nada menos que 97% dos lares apontam a presença deste eletrodoméstico e ainda informam
que a televisão fica ligada nos sete dias da semana.
No entanto, é relevante também destacar que a mesma pesquisa aponta uma tendência
para os próximos anos entre os mais jovens, ou a faixa-etária compreendida na pesquisa entre
16 e 25 anos, revelando a citação de preferência pelo acesso à internet, que chega ao índice de
77% de usuários que acessam a rede neste intervalo etário. Ao mesmo tempo em que a
preferência pela televisão cai neste intervalo para cerca de 70%. Assim, segundo este estudo
estatístico recente, o crescimento do uso e acesso à internet nos lares nacionais, especialmente
entre os sujeitos jovens, já apresenta patamares significativos e tende a continuar crescendo
vertiginosamente em pouco tempo.
Outro dado que corrobora com os argumentos deste texto, estão aproximados também
através dos índices apresentados na referida pesquisa sobre o uso que se faz da internet,
quando em momentos de acesso. Quando perguntados sobre a principal atividade realizada na
rede em momentos de acesso, receberam destaque nas respostas dadas, as redes sociais.
Assim, é possível afirmar que o advento da internet e da massiva expansão das redes sociais
tornou possível a cada sujeito, editar e reeditar sua vida quantas vezes achar necessário, na
busca de transformar o cotidiano anônimo de cada um, como nomeou Sibilia (2008), em um
“show do eu”. Na trama da novela Geração Brasil, Megan utiliza o celular para fazer selfies e
postar em sua rede social. Sempre por dentro de tudo que acontece na vida das celebridades,
“antenada” nas tendências da moda e nas melhores festas, ela utiliza a tecnologia para fazer
da sua própria vida uma novela, onde cada episódio pode ser cuidadosamente planejado,
produzido e posto no ar/na rede.
A experiência da visualidade e visibilidade como uma forma de ler o mundo e de
autoproduzir-se, para si e para o outro, em junção com a grande proliferação do uso de
dispositivos eletrônicos móveis, como o celular, tem possibilitado que todos os momentos do
cotidiano sejam fotografados, como que na criação de um diário pessoal visual. A partir desse
diário, é possível selecionar a melhor forma de narrar-se. Essa relação com a imagem de si
torna a experiência humana um jogo de performances, onde o sentido das ações está na
imagem que pode ser produzida a partir dela. Costa (2008) fala que “o recurso à performance,
para além do prazer obtido com a visibilização do corpo, permite exercitar, sozinho ou com a
cumplicidade dos olhares externos, um certo trabalho de modelagem do eu em direção ao
modelo almejado” (COSTA, p. 11, 2008). Chama de “estranhos narcisos” esses sujeitos que
“miram-se e apaixonam-se, não simplesmente por si mesmos, mas pela miragem desejada de
sua própria imagem espetacularizada, que os conduz ao puro deleite estético” (COSTA, p. 11,
2008).
De acordo com Ribeiro (2007), atualmente, a juventude pode ser entendida como “um
ideal social”. O corpo, a saúde, a liberdade pessoal e flexibilidade nos relacionamentos e na
vida profissional, são valores associados a esta etapa (RIBEIRO, 2007). Neste sentido, a
juventude é uma posição que pode ser assumida ao longo de toda a vida. Rompe com uma
ideia linear de etapas da vida. Podendo o sujeito assumir um estado de juventude a qualquer
momento, independendo de sua idade. Este fascínio por ser jovem, está associado a uma ideia
de juventude que tem liberdade, que busca a felicidade, que pode saciar seus desejos
instantaneamente, sem grandes responsabilidades. A epígrafe no início deste texto, trata de
uma fala da personagem Megan, que representa o ideal buscado por muitos jovens,
amplamente divulgado pela mídia e recriado nas páginas das redes sociais.
Megan representa um modelo de ser jovem, neste caso, jovem feminina, que
personifica a beleza, o dinheiro, o comportamento divertido e descontraído, o jogo de
sedução, a sexualidade e a autossuficiência como padrões ideais jovens. Portanto, faz sentido
que a juventude tenha se tornado “um ideal social”, uma vez que a ideia de felicidade está
estreitamente ligada ao desejo de ter um corpo e uma vida ativa, divertida e cheia de emoções.
Também é possível destacar partir da observação analítica das representações da
personagem Megan, que para além de ideários que perpassem a noção de juventude que
independem do gênero, percebe-se por trás das representações das meninas, discursos muito
ligados a estereótipos de feminilidade, associados a características e comportamentos como a
irracionalidade, a busca pelo amor romântico, o embelezamento e cuidado com o corpo, o
consumismo desenfreado, a superficialidade e a exposição do corpo e da sexualidade.
Entende-se gênero e sexualidade como construções históricas e culturais que dão
sentido as formas de viver as identidades em determinado tempo e espaço. Nesta perspectiva,
as identidades femininas e masculinas são aprendidas ao longo de toda a vida através de
múltiplas estratégias sociais. Felipe e Guizzo (2003) chamam de “pedofilização” o processo
de transformação protagonizado, em especial, pelo acesso da criança aos meios de
comunicação e pela centralidade que a infância ganhou para o mercado de consumo, em que a
representação da criança como um ser puro e angelical passa a se mesclar com imagens de
infantis extremamente erotizadas. Este conceito, serve para pensar sobre a forma como as
meninas, desde muito cedo, são subjetivadas a cuidarem do corpo e se preocuparem com a
beleza. Assim como, são reiteradamente ensinadas a cuidarem-se para o olhar do outro, a
seduzirem, porém, sem serem vulgares. Neste sentido, há um investimento social que ensina e
incita nas meninas uma preocupação exagerada em torno do corpo e da sexualidade, ao
mesmo tempo em que mantém uma vigilância e controle constante em torno destes corpos
femininos.
A preocupação em moldarem-se para as câmeras, para a tela do computador e do
celular, combinada com as pedagogias culturais que ensinam formas de ser feminina, estão
colocando as jovens em grande situação de vulnerabilidade. Têm sido cada vez mais
frequentes casos de meninas que tem suas vidas íntimas expostas, por elas próprias ou não,
nas redes sociais. Esta exposição do corpo e da intimidade, em especial, entre as meninas,
muitas vezes acabam tendo desfechos traumáticos em que elas são culpabilizadas por causa da
erotização que foram estimuladas a desenvolver.
Continuando o exercício de reflexão a partir da análise cultural aqui proposta, e
tomando por ponto de partida as representações de juventude colocadas em evidência na
novela Geração Brasil, especialmente as femininas, fixaremos o olhar também na personagem
Manuela Yanes, ou simplesmente Manu, como fora denominada na trama. Esta personagem,
representante também de um modo de ser mulher, mulher em condição de juventude, carrega
em si características que denotam particularidades importantes e compõem um modo de viver
na contemporaneidade.
Proveniente de uma história familiar bem menos glamourosa que a de Megan, Manu
tem no pai a figura não de um milionário, mas de um presidiário. Traz consigo apelos
denotativos bem menos dotados de valor social aparente do que os atribuídos a Megan. Ou
seja, essa personagem desde os elementos mais concretos da representação, tais como a
materialidade de sua aparência, vale-se de um estilo menos espetacular. Seu modo de vestir
bastante distante do fashion ou chic glamouroso da outra personagem, faz dela a
representação de uma jovem mulher cotidiana, simples, demonstrada através da escolha de
estampas étnicas, tecidos artesanais e estilo despojado em oposição aos modelos brilhantes,
sensuais e caros de Megan.
Outro referente material que constrói o distanciamento entre as duas é o sotaque.
Enquanto uma traz as marcas vocais de um idioma estrangeiro, com maior valor social na
sociedade da visibilidade, aparência e espetáculo; a outra carrega traços sonoros marcantes da
região nordeste de nosso país. O sotaque nordestino surge em oposição ao estrangeiro e é
utilizado como marca de uma conjuntura social e econômica menos potente. São as marcas de
materialidade sonora contribuindo para a construção de uma representação para a jovem
mulher, advinda de classes mais populares, nacional em oposição ao estrangeiro.
Sobretudo é preciso destacar que esta jovem mulher mais cotidiana e menos
espetacular também domina e tem o poder da fluência tecnológica como força de identidade.
Manu pertence ao primeiro modelo de juventude apresentado no início desta sessão, uma
juventude hiperconectada, empreendedora e com alta capacidade intelectual, focada em
construir produtiva e participativamente seu papel na sociedade.
Manu Vence pelo seu esforço e talento pessoal na gestão e possibilidades de
articulação tecno-midiática. Revela um poder feminino posto em ação e acaba assim
definindo caminhos da trama narrativa através de um uso responsável, atuante, participativo
em uma sociedade cada vez mais calcada em valores tecnológicos. Nesta novela, em uma
disputa sexista entre personagens centrais com similares conhecimentos sobre tecnologias, é a
mulher que recebe destaque, pois é Manu a escolhida para dirigir a empresa em que trabalha
em detrimento de adversários masculinos.
Este artefato está assim colaborando para a construção de uma representação onde não
é mais apenas o homem que domina a tecnologia, onde não é mais apenas o homem que deve
comandar espaços corporativos. E, sob o status de pedagogia cultural, constrói, através desta
personagem a figura de uma mulher inteligente, produtiva e atuante na sociedade, hoje
dominada por formas de sociabilidades tecnológicas e comunicação convergente,
materialmente e cognitivamente. A mulher, representada por Manu é mais que aparência,
espetáculo e visibilidade. Através desta personagem a jovem mulher pode também ser
inteligente, digitalmente capaz e com papéis detentores de poder corporativo, evidenciando
assim outras forças de trabalho e posicionamento na sociedade.
Macluan (1963), Levy (1996) e Jenkins (2009) são autores ícones dos estudos sobre a
compreendida e cada vez mais potente sociedade tecnológica e virtualizada. Desde a ideia da
“aldeia global” de Macluhan (SOUSA,2012) que se tenta observar com atenção os impactos e
as rupturas que podem ser causados pelas novas formas de enxergar os meios de
comunicação. A sociedade, o tecido social vigente, acaba por se reconfigurar de acordo com
as possibilidades de interação comunicativa dos sujeitos. A relativização dos tempos e dos
espaços ocasionada pelo avanço tecnológico oportuniza que os lugares e as pessoas se
aproximem. E é na interação entre estes pares que a comunicação se dá e onde as escolhas, os
gostos, as direções que as subjetividades e a racionalidade de um tempo se expressam.
Para McLuhan (1963), o estudo dos meios de comunicação poderia evidenciar mais
mudanças que apenas o estudo das mensagens veiculadas, para a sociedade. O autor, tido
como um determinista tecnológico por essa crença focada no material, acreditava, portanto, na
importância dos meios de comunicação, colocando a televisão no centro do processo, atitude
alinhada com os recursos de sua época, e, estabelecendo uma relação unidirecional de
veiculação e recepção de conteúdos. Nas palavras de SOUSA:
“McLuhan testemunhou com olhos atentos a formação de uma tribo mundial que
agregava novos aparatos tecnológicos às comunicações, reestruturando métodos,
transformando mensagens e reformatando sociedades. Segundo o autor, a partir
dessa nova “ordem” os processos cognitivos seriam alterados e a própria cultura
impressa encontraria sua crítica mais pungente devido a seu compromisso quase
absoluto com a linearidade.(SOUSA et alli, 2012, p.71)”
Na década de noventa, o fenômeno da popularização da rede mundial de
computadores aparece como estopim para que o papel dos meios fossem, outra vez, colocados
em posição central no processo comunicacional. As evidências das profundas transformações
que esse novo canal poderia causar fizeram com que os pesquisadores da área da
comunicação se voltassem outra vez para a centralidade dos meios. Mas, foi Pierre Levy
(LEVY, 1996) que colocou em evidência a emergência de se considerar a ascensão da Internet
como meio fundamental para pensar em novas formas de interação entre sujeitos. Novas
formas de comunicação surgiram, agora transcendendo a barreira da verticalidade dos meios
analógicos de Mcluhan (1963), e gerando uma outra maneira de construção e interação
coletiva para criação e circulação de conteúdos na web.
A emergente e fantástica repercussão que este meio atribui a contemporaneidade
revoluciona modos de ser e estar no mundo. Há também na novela Geração Brasil papel de
destaque a estas possibilidades de interações virtuais. Tanto a personagem Megan como Manu
estão inscritas em uma sociedade da conexão. Usar as tecnologias, suas materialidades e
fundamentalmente parecer, criar valor social nestes meios, representando modos de ser
mulher em tempos de conexão é o principal constructo do artefato.
Problematizar as representações e tipos juvenis femininos inscritos em um tempo tido
por pós-moderno, desconstruindo valores anteriormente colocados no centro das questões de
convivência social, especialmente nas questões de visibilidade, de relação
masculino/feminino, nas relações de trabalho, de colocação social baseada em aparência,
conhecimentos e possibilidades ampliadas de uso das tecnologias, entalhado em modelos de
sociedades aceitas e representadas até então como essencialmente masculinas, toma corpo. A
evidência da busca de valor social, seja através da construção de uma vida espetacular e
espetacularizada ou sendo através da participação produtiva na sociedade tecnológica e
conectada sãos os modos de viver acionados pela novela Geração Brasil.
AMPLIANDO AS DISCUSSÕES
Abrimos esta sessão do texto com a frase acima, pois não entendemos ser possível
encerrar ou finalizar as discussões acerca das representações de juventude que colaboram e
funcionam como pedagogias culturais, que ensinam modos de ser jovem na
contemporaneidade, acionados pelas mídias. A televisão, a internet, o cinema, as fotografias,
os jornais, as revistas e toda a sorte de artefatos culturais deste tempo constroem
representações que colaboram para a conformação das identidades juvenis compartilhadas.
Embora pesem as diferenças econômicas que condicionam acessos diferenciados para
os sujeitos deste tempo, conforme argumenta Canclini (2007), é inegável que novos aportes
de produção, circulação e consumo de informações e de modos de ser, estar e se relacionar no
mundo estão sendo postos em movimento.
Concordando que estes sujeitos jovens fazem parte de uma geração sem precedentes, e
que cabe também destacar a importância de estudos que sejam voltados a essas análises, que
possibilitem a problematização e reflexão sobre essas identidades é que realizamos tal estudo.
Urge a necessidade cada vez mais premente de que estas modalidades de estudos sejam
capazes de conferir atenção para a forma como socialmente estão sendo representados e,
portanto, a forma como estão sendo estabelecidas relações de representação com estes
sujeitos, para que seja possível olhá-los com menos estranheza e mais compreensão. Não
propomos esgotar ou finalizar as discussões, mas pelo contrário, propomos a continuidade dos
estudos, a ampliação do foco e do olhar para essa parcela que se faz central, das mediações
sociais atuais.
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