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A JUVENTUDE ON-LINE REPRESENTADA NA NOVELA GERAÇÃO BRASIL Evelyn Santos Pereira Jacqueline Gomes de Aguiar Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Luterana do Brasil A PÓS-MODERNIDADE Vivemos um período de grandes mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais que estão transformando as formas de viver dos sujeitos. Muitos autores, entre eles Baumam (2001), Sibilia (2008), Costa (2008), Kellner (2001) e Barbero (2002) têm se preocupado em pensar e escrever sobre este tempo e sobre estes sujeitos, cujas subjetividades estão sendo desenvolvidas a partir de uma lógica cultural pautada em princípios como individualidade, efemeridade, consumo, descartabilidade, visualidade e também comunicação tecnologicamente mediada. Essa nova ordem social contribui para o desenvolvimento de novas formas de perceber e agir no mundo e de se relacionar com o outro. Temos experimentado uma outra racionalidade: novos projetos sócio-culturais; outras relações com o trabalho e produção de renda; relações econômicas e de consumo divergentes das colocadas em circulação na era moderna; importantes avanços tecnológicos e midiáticos que acabam por definir novas formas de sociabilidade, comunicação, participação e também novas formas de produção cultural. E nesta conjuntura toma posição de destaque o fator definido pelo desenvolvimento tecnológico cada vez mais exacerbado e que apresenta mais e mais artefatos que colocam em evidência os novos processos e possibilidades de comunicação mediada pela tecnologia. Estamos vivendo novos tempos, tempos de uma dita convergência comunicativa tecnológica, oportunizada por múltiplos canais e meios de interação social tecno-midiáticos. Na contemporaneidade os sujeitos estão cada vez mais conectados. E essa possibilidade de interação e comunicação mediada pelos artefatos tecnológicos têm colaborado para a construção de identidades peculiares. Argumenta-se que especialmente

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A JUVENTUDE ON-LINE REPRESENTADA NA NOVELA GERAÇÃO BRASIL

Evelyn Santos Pereira

Jacqueline Gomes de Aguiar

Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Luterana do Brasil

A PÓS-MODERNIDADE

Vivemos um período de grandes mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais

que estão transformando as formas de viver dos sujeitos. Muitos autores, entre eles Baumam

(2001), Sibilia (2008), Costa (2008), Kellner (2001) e Barbero (2002) têm se preocupado em

pensar e escrever sobre este tempo e sobre estes sujeitos, cujas subjetividades estão sendo

desenvolvidas a partir de uma lógica cultural pautada em princípios como individualidade,

efemeridade, consumo, descartabilidade, visualidade e também comunicação

tecnologicamente mediada. Essa nova ordem social contribui para o desenvolvimento de

novas formas de perceber e agir no mundo e de se relacionar com o outro.

Temos experimentado uma outra racionalidade: novos projetos sócio-culturais; outras

relações com o trabalho e produção de renda; relações econômicas e de consumo divergentes

das colocadas em circulação na era moderna; importantes avanços tecnológicos e midiáticos

que acabam por definir novas formas de sociabilidade, comunicação, participação e também

novas formas de produção cultural. E nesta conjuntura toma posição de destaque o fator

definido pelo desenvolvimento tecnológico cada vez mais exacerbado e que apresenta mais e

mais artefatos que colocam em evidência os novos processos e possibilidades de comunicação

mediada pela tecnologia. Estamos vivendo novos tempos, tempos de uma dita convergência

comunicativa tecnológica, oportunizada por múltiplos canais e meios de interação social

tecno-midiáticos.

Na contemporaneidade os sujeitos estão cada vez mais conectados. E essa

possibilidade de interação e comunicação mediada pelos artefatos tecnológicos têm

colaborado para a construção de identidades peculiares. Argumenta-se que especialmente

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àquelas relacionadas à juventude, uma vez que podemos considerar estes sujeitos juvenis

como predispostos natos a possuírem habilidades tecnológicas e fluências midiáticas.

Marisa Vorraber Costa (2008), em suas pesquisas que buscam articular educação e

pós-modernidade, destaca a importância das novas tecnologias e da cultura da mídia para a

(re)configuração das diversas instâncias da vida. Para ela, todo o conjunto tecnológico e a

mídia, estão constantemente ensinando coisas, pois colocam em circulação artefatos que tem

como efeitos a “proliferação de preferências, desejos, estilos, modos de ser, condutas”

(COSTA, 2008, p. 4).

E é ancorado neste argumento que apresentamos o objeto de análise deste texto: o

artefato cultural representado pela novela Geração Brasil, produzida e exibida de segunda a

sábado pela Rede Globo, durante o período de maio a outubro de 2014.

REPRESENTAÇÕES DA JUVENTUDE ON-LINE

“Eu sou linda, sou rica, sou divertida, sexy, mas paciência

não é o meu forte” (Megan Lily Parker-Marra, site gshow).

Como recorte para fins analíticos, foram escolhidas duas personagens da trama:

Megan Lily Parker-Marra, uma jovem milionária, autocentrada e com comportamentos tidos

pelo senso comum como superficiais, e herdeira da empresa de tecnologia Marra International

e Manuela Yanes uma jovem proveniente da classe média, extremamente habilidosa

tecnologicamente e que obtém sucesso, reconhecimento profissional e social através de sua

fluência digital ampliada.

O objetivo deste texto será problematizar a representação de juventude, em especial,

da juventude feminina, veiculada através das duas personagens, mostrando como essas jovens

têm sido narradas ora como autossuficientes, sedutoras, irresponsáveis, consumistas,

superficiais, ora como produtivas, protagonistas em seu tempo, dotadas de ampliada fluência

digital e tecnológica, autoras em uma matriz comunicativa pós-moderna e convergente. Esta

análise está situada no Campo dos Estudos Culturais, e sua relevância justifica-se pela

centralidade que tal campo confere aos processos de representação. Entende-se que a

representação não só descreve algo, mas lhe dá sentido. Portanto, argumenta-se que as

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identidades postas em circulação são constituídas a partir de uma constante relação com as

representações construídas e evidenciadas no artefato cultural focalizado.

Bauman (2001) utiliza a metáfora dos líquidos para falar da atualidade que, segundo

ele, é fluída, efêmera, escorregadia e nos escapa a todo momento. Problematiza as novas

configurações sociais em torno das esferas do público e do privado, destacando o

desmantelamento ou mudança das fronteiras que demarcavam esses limites, e destacando que

há, de certa maneira, um embaralhamento desses lugares. As coisas da vida privada passam a

ser de âmbito público, as políticas da vida cotidiana são o grande interesse das esferas

públicas. Sobre isso, Costa (2008) diz que “nessa nova ordem, os poderes passaram do

“sistema” para a “sociedade”, da “política” para as “políticas da vida”, migraram do macro

para o micro” (COSTA, p. 5, 2008).

Barbero (2002) fala sobre o surgimento de um ecossistema comunicativo, cuja

importância social se compara a do ecossistema ambiental. Segundo ele, tal relevância se dá,

não só pelo massivo uso das tecnologias comunicativas e informativas, mas pelas

transformações nas sensibilidades dos sujeitos, na linguagem, na escrita e na forma de

perceber o tempo e o espaço. Tais mudanças se encontram mais acentuadas entre os jovens,

pois para essa geração, a gama de aparatos tecnológicos faz parte da experiência de

desenvolvimento desde a mais tenra idade. Neste sentido, estariam os jovens, rompendo com

uma cultura baseada nos princípios dos mais velhos, pais e avós, para inaugurarem uma nova

cultura.

Jenkins (2009), autor ícone dos estudos sobre a cultura da convergência, termo que

tem sido utilizado para reportar os movimentos de comunicação mediados pela tecnologia e

produzidos a partir de diferentes atores sociais e com diferentes impactos na

produção/consumo, apresenta aspectos que congregam, justapõem e condensam elementos

relacionados à evidência do meio material (computadores multifuncionais, celulares que

agregam diversas funções: fotografam, filmam; videogames com conexão à rede, televisões

que navegam na internet, etc) e da mensagem expressada através de diferentes aportes e

produtos culturais contemporâneos, época em que vivemos e onde a novela estava situada.

Para este autor o centro da questão, a maior mudança vivenciada por estes tempos líquidos, ou

por essa denominada cultura da convergência e conexão talvez seja o consumo

individualizado ou personalizado em rede, o que acaba por oportunizar novas formas de

produção, colaboração, participação e consumos culturais.

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Tomamos assim, a análise da personagem Megan Lily Parker-Marra, filha de um dos

principais personagens da novela, Jonas Marra. Jonas é o fundador e dono da empresa Marra

International que, de acordo com o enredo, revolucionou o mercado com aparelhos

eletrônicos que visavam popularizar a tecnologia e ampliar a conectividade. A novela tem

como plano de fundo a tecnologia, e os diferentes núcleos da trama se desenvolvem em torno

da Empresa Marra Brasil e Parker TV, emissora de televisão de Pamela Parker, mãe de

Megan e mulher de Jonas.

Dois núcleos (e modelos) de juventude são apresentados na narrativa. Um deles é a

juventude hiperconectada, empreendedora e com alta capacidade intelectual, e o outro, é

constituído por jovens, também muito ligados à tecnologia, porém, com um cunho

irresponsável, desleixado, que estão mais interessados em fazer sucesso na internet. A

personagem Megan é vista como a “riquinha e mimada filha do milionário rei da tecnologia”.

É irresponsável, impulsiva, consumista, volátil, sempre preocupada com sua imagem/beleza e

conectada às redes sociais. Seu grande objetivo é aproveitar a vida a qualquer custo e sem

preocupações.

É inegável a importância que as tecnologias têm na vida dos jovens. Parece que o

celular faz parte do figurino de todos eles. Muito além da utilidade inicialmente dada a esta

ferramenta, fazer ligações e mandar mensagens de texto, o celular hoje representa estar

conectado. E estar conectado, significa estar trocando informações em intensa velocidade, ter

acesso a um infinito de estímulos, sons e imagens, através das redes sociais, de jogos,

músicas, videoclipes, blogs, sites. É a operação da convivência individualizada em rede, na

prática.

A mídia e, em especial, a televisão é o principal veículo de informação e

entretenimento de grande parte da população. Canclini (2007) refere a realidade de uma

parcela de jovens, especialmente os latino-americanos, enfatizando papel de destaque às

condições políticas, sociais e econômicas destes locais que acabam por configurar algumas

tessituras sociais e culturais peculiares no que diz respeito a tecnologia. Por exemplo, quando

a massiva maioria dos jovens possui acesso irrestrito apenas a televisão de sinal aberto em

detrimento de mínimas parcelas com acesso à internet, é presumível que a informação

veiculada e recebida por estes públicos seja diferente, e que isso provoque comportamentos

também diferenciados. O autor nos lembra com esse argumento que devemos pensar a

juventude como uma condição onde as diferenças são extremas, e onde o aspecto social e

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político é determinante para a formação de comportamentos e modos de estar na conjuntura

social, política e econômica dos indivíduos, tornando-se o pressuposto principal para a

percepção e conformação também das identidades entendidas como juvenis.

Ainda que pese este argumento, é possível admitir que as narrativas ficcionais da

televisão carregam uma responsabilidade e papel ampliado na conformação das identidades

juvenis que estão sendo postas em circulação e que a espetacularização e glorificação da vida

de famosos, aciona nos jovens uma série de desejos em torno do ideal de realização e

felicidade. O que se vê nas novelas acerca da busca pelo corpo ideal, adereços, objetos,

comportamentos, modos e estilos de vida está constantemente sendo estimulado por uma série

de representações veiculadas pela mídia, em maior escala pela televisão, mas não somente ela.

Afirmar que a televisão ainda possui papel de destaque na conformação dos sujeitos é

admitir que a conjuntura sócio-econômica e cutural de um tempo e de um lugar são

responsáveis pelas formas de viver e interagir em uma sociedade. Neste sentido, entende-se

que toda essa gama de informações, representações e estímulos acionados pelas mídias, sejam

elas televisão, jornais, revistas, internet, etc, funcionam como pedagogias culturais, pois

acabam apresentando uma série de estratégias didáticas que ensinam formas de ser e estar no

mundo.

Apesar de Canclini (2007) apontar as diferenças extremas no acesso aos meios de

comunicação social, no Brasil a internet tem apresentado importantes índices de uso. Em

pesquisa realizada pela Secretaria de comunicação social da presidência da república

brasileira no ano de 2014 sobre o uso que os brasileiros declaram fazer atualmente sobre os

meios de comunicação social, cabe destacar a importante e massiva presença da televisão.

Nada menos que 97% dos lares apontam a presença deste eletrodoméstico e ainda informam

que a televisão fica ligada nos sete dias da semana.

No entanto, é relevante também destacar que a mesma pesquisa aponta uma tendência

para os próximos anos entre os mais jovens, ou a faixa-etária compreendida na pesquisa entre

16 e 25 anos, revelando a citação de preferência pelo acesso à internet, que chega ao índice de

77% de usuários que acessam a rede neste intervalo etário. Ao mesmo tempo em que a

preferência pela televisão cai neste intervalo para cerca de 70%. Assim, segundo este estudo

estatístico recente, o crescimento do uso e acesso à internet nos lares nacionais, especialmente

entre os sujeitos jovens, já apresenta patamares significativos e tende a continuar crescendo

vertiginosamente em pouco tempo.

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Outro dado que corrobora com os argumentos deste texto, estão aproximados também

através dos índices apresentados na referida pesquisa sobre o uso que se faz da internet,

quando em momentos de acesso. Quando perguntados sobre a principal atividade realizada na

rede em momentos de acesso, receberam destaque nas respostas dadas, as redes sociais.

Assim, é possível afirmar que o advento da internet e da massiva expansão das redes sociais

tornou possível a cada sujeito, editar e reeditar sua vida quantas vezes achar necessário, na

busca de transformar o cotidiano anônimo de cada um, como nomeou Sibilia (2008), em um

“show do eu”. Na trama da novela Geração Brasil, Megan utiliza o celular para fazer selfies e

postar em sua rede social. Sempre por dentro de tudo que acontece na vida das celebridades,

“antenada” nas tendências da moda e nas melhores festas, ela utiliza a tecnologia para fazer

da sua própria vida uma novela, onde cada episódio pode ser cuidadosamente planejado,

produzido e posto no ar/na rede.

A experiência da visualidade e visibilidade como uma forma de ler o mundo e de

autoproduzir-se, para si e para o outro, em junção com a grande proliferação do uso de

dispositivos eletrônicos móveis, como o celular, tem possibilitado que todos os momentos do

cotidiano sejam fotografados, como que na criação de um diário pessoal visual. A partir desse

diário, é possível selecionar a melhor forma de narrar-se. Essa relação com a imagem de si

torna a experiência humana um jogo de performances, onde o sentido das ações está na

imagem que pode ser produzida a partir dela. Costa (2008) fala que “o recurso à performance,

para além do prazer obtido com a visibilização do corpo, permite exercitar, sozinho ou com a

cumplicidade dos olhares externos, um certo trabalho de modelagem do eu em direção ao

modelo almejado” (COSTA, p. 11, 2008). Chama de “estranhos narcisos” esses sujeitos que

“miram-se e apaixonam-se, não simplesmente por si mesmos, mas pela miragem desejada de

sua própria imagem espetacularizada, que os conduz ao puro deleite estético” (COSTA, p. 11,

2008).

De acordo com Ribeiro (2007), atualmente, a juventude pode ser entendida como “um

ideal social”. O corpo, a saúde, a liberdade pessoal e flexibilidade nos relacionamentos e na

vida profissional, são valores associados a esta etapa (RIBEIRO, 2007). Neste sentido, a

juventude é uma posição que pode ser assumida ao longo de toda a vida. Rompe com uma

ideia linear de etapas da vida. Podendo o sujeito assumir um estado de juventude a qualquer

momento, independendo de sua idade. Este fascínio por ser jovem, está associado a uma ideia

de juventude que tem liberdade, que busca a felicidade, que pode saciar seus desejos

instantaneamente, sem grandes responsabilidades. A epígrafe no início deste texto, trata de

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uma fala da personagem Megan, que representa o ideal buscado por muitos jovens,

amplamente divulgado pela mídia e recriado nas páginas das redes sociais.

Megan representa um modelo de ser jovem, neste caso, jovem feminina, que

personifica a beleza, o dinheiro, o comportamento divertido e descontraído, o jogo de

sedução, a sexualidade e a autossuficiência como padrões ideais jovens. Portanto, faz sentido

que a juventude tenha se tornado “um ideal social”, uma vez que a ideia de felicidade está

estreitamente ligada ao desejo de ter um corpo e uma vida ativa, divertida e cheia de emoções.

Também é possível destacar partir da observação analítica das representações da

personagem Megan, que para além de ideários que perpassem a noção de juventude que

independem do gênero, percebe-se por trás das representações das meninas, discursos muito

ligados a estereótipos de feminilidade, associados a características e comportamentos como a

irracionalidade, a busca pelo amor romântico, o embelezamento e cuidado com o corpo, o

consumismo desenfreado, a superficialidade e a exposição do corpo e da sexualidade.

Entende-se gênero e sexualidade como construções históricas e culturais que dão

sentido as formas de viver as identidades em determinado tempo e espaço. Nesta perspectiva,

as identidades femininas e masculinas são aprendidas ao longo de toda a vida através de

múltiplas estratégias sociais. Felipe e Guizzo (2003) chamam de “pedofilização” o processo

de transformação protagonizado, em especial, pelo acesso da criança aos meios de

comunicação e pela centralidade que a infância ganhou para o mercado de consumo, em que a

representação da criança como um ser puro e angelical passa a se mesclar com imagens de

infantis extremamente erotizadas. Este conceito, serve para pensar sobre a forma como as

meninas, desde muito cedo, são subjetivadas a cuidarem do corpo e se preocuparem com a

beleza. Assim como, são reiteradamente ensinadas a cuidarem-se para o olhar do outro, a

seduzirem, porém, sem serem vulgares. Neste sentido, há um investimento social que ensina e

incita nas meninas uma preocupação exagerada em torno do corpo e da sexualidade, ao

mesmo tempo em que mantém uma vigilância e controle constante em torno destes corpos

femininos.

A preocupação em moldarem-se para as câmeras, para a tela do computador e do

celular, combinada com as pedagogias culturais que ensinam formas de ser feminina, estão

colocando as jovens em grande situação de vulnerabilidade. Têm sido cada vez mais

frequentes casos de meninas que tem suas vidas íntimas expostas, por elas próprias ou não,

nas redes sociais. Esta exposição do corpo e da intimidade, em especial, entre as meninas,

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muitas vezes acabam tendo desfechos traumáticos em que elas são culpabilizadas por causa da

erotização que foram estimuladas a desenvolver.

Continuando o exercício de reflexão a partir da análise cultural aqui proposta, e

tomando por ponto de partida as representações de juventude colocadas em evidência na

novela Geração Brasil, especialmente as femininas, fixaremos o olhar também na personagem

Manuela Yanes, ou simplesmente Manu, como fora denominada na trama. Esta personagem,

representante também de um modo de ser mulher, mulher em condição de juventude, carrega

em si características que denotam particularidades importantes e compõem um modo de viver

na contemporaneidade.

Proveniente de uma história familiar bem menos glamourosa que a de Megan, Manu

tem no pai a figura não de um milionário, mas de um presidiário. Traz consigo apelos

denotativos bem menos dotados de valor social aparente do que os atribuídos a Megan. Ou

seja, essa personagem desde os elementos mais concretos da representação, tais como a

materialidade de sua aparência, vale-se de um estilo menos espetacular. Seu modo de vestir

bastante distante do fashion ou chic glamouroso da outra personagem, faz dela a

representação de uma jovem mulher cotidiana, simples, demonstrada através da escolha de

estampas étnicas, tecidos artesanais e estilo despojado em oposição aos modelos brilhantes,

sensuais e caros de Megan.

Outro referente material que constrói o distanciamento entre as duas é o sotaque.

Enquanto uma traz as marcas vocais de um idioma estrangeiro, com maior valor social na

sociedade da visibilidade, aparência e espetáculo; a outra carrega traços sonoros marcantes da

região nordeste de nosso país. O sotaque nordestino surge em oposição ao estrangeiro e é

utilizado como marca de uma conjuntura social e econômica menos potente. São as marcas de

materialidade sonora contribuindo para a construção de uma representação para a jovem

mulher, advinda de classes mais populares, nacional em oposição ao estrangeiro.

Sobretudo é preciso destacar que esta jovem mulher mais cotidiana e menos

espetacular também domina e tem o poder da fluência tecnológica como força de identidade.

Manu pertence ao primeiro modelo de juventude apresentado no início desta sessão, uma

juventude hiperconectada, empreendedora e com alta capacidade intelectual, focada em

construir produtiva e participativamente seu papel na sociedade.

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Manu Vence pelo seu esforço e talento pessoal na gestão e possibilidades de

articulação tecno-midiática. Revela um poder feminino posto em ação e acaba assim

definindo caminhos da trama narrativa através de um uso responsável, atuante, participativo

em uma sociedade cada vez mais calcada em valores tecnológicos. Nesta novela, em uma

disputa sexista entre personagens centrais com similares conhecimentos sobre tecnologias, é a

mulher que recebe destaque, pois é Manu a escolhida para dirigir a empresa em que trabalha

em detrimento de adversários masculinos.

Este artefato está assim colaborando para a construção de uma representação onde não

é mais apenas o homem que domina a tecnologia, onde não é mais apenas o homem que deve

comandar espaços corporativos. E, sob o status de pedagogia cultural, constrói, através desta

personagem a figura de uma mulher inteligente, produtiva e atuante na sociedade, hoje

dominada por formas de sociabilidades tecnológicas e comunicação convergente,

materialmente e cognitivamente. A mulher, representada por Manu é mais que aparência,

espetáculo e visibilidade. Através desta personagem a jovem mulher pode também ser

inteligente, digitalmente capaz e com papéis detentores de poder corporativo, evidenciando

assim outras forças de trabalho e posicionamento na sociedade.

Macluan (1963), Levy (1996) e Jenkins (2009) são autores ícones dos estudos sobre a

compreendida e cada vez mais potente sociedade tecnológica e virtualizada. Desde a ideia da

“aldeia global” de Macluhan (SOUSA,2012) que se tenta observar com atenção os impactos e

as rupturas que podem ser causados pelas novas formas de enxergar os meios de

comunicação. A sociedade, o tecido social vigente, acaba por se reconfigurar de acordo com

as possibilidades de interação comunicativa dos sujeitos. A relativização dos tempos e dos

espaços ocasionada pelo avanço tecnológico oportuniza que os lugares e as pessoas se

aproximem. E é na interação entre estes pares que a comunicação se dá e onde as escolhas, os

gostos, as direções que as subjetividades e a racionalidade de um tempo se expressam.

Para McLuhan (1963), o estudo dos meios de comunicação poderia evidenciar mais

mudanças que apenas o estudo das mensagens veiculadas, para a sociedade. O autor, tido

como um determinista tecnológico por essa crença focada no material, acreditava, portanto, na

importância dos meios de comunicação, colocando a televisão no centro do processo, atitude

alinhada com os recursos de sua época, e, estabelecendo uma relação unidirecional de

veiculação e recepção de conteúdos. Nas palavras de SOUSA:

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“McLuhan testemunhou com olhos atentos a formação de uma tribo mundial que

agregava novos aparatos tecnológicos às comunicações, reestruturando métodos,

transformando mensagens e reformatando sociedades. Segundo o autor, a partir

dessa nova “ordem” os processos cognitivos seriam alterados e a própria cultura

impressa encontraria sua crítica mais pungente devido a seu compromisso quase

absoluto com a linearidade.(SOUSA et alli, 2012, p.71)”

Na década de noventa, o fenômeno da popularização da rede mundial de

computadores aparece como estopim para que o papel dos meios fossem, outra vez, colocados

em posição central no processo comunicacional. As evidências das profundas transformações

que esse novo canal poderia causar fizeram com que os pesquisadores da área da

comunicação se voltassem outra vez para a centralidade dos meios. Mas, foi Pierre Levy

(LEVY, 1996) que colocou em evidência a emergência de se considerar a ascensão da Internet

como meio fundamental para pensar em novas formas de interação entre sujeitos. Novas

formas de comunicação surgiram, agora transcendendo a barreira da verticalidade dos meios

analógicos de Mcluhan (1963), e gerando uma outra maneira de construção e interação

coletiva para criação e circulação de conteúdos na web.

A emergente e fantástica repercussão que este meio atribui a contemporaneidade

revoluciona modos de ser e estar no mundo. Há também na novela Geração Brasil papel de

destaque a estas possibilidades de interações virtuais. Tanto a personagem Megan como Manu

estão inscritas em uma sociedade da conexão. Usar as tecnologias, suas materialidades e

fundamentalmente parecer, criar valor social nestes meios, representando modos de ser

mulher em tempos de conexão é o principal constructo do artefato.

Problematizar as representações e tipos juvenis femininos inscritos em um tempo tido

por pós-moderno, desconstruindo valores anteriormente colocados no centro das questões de

convivência social, especialmente nas questões de visibilidade, de relação

masculino/feminino, nas relações de trabalho, de colocação social baseada em aparência,

conhecimentos e possibilidades ampliadas de uso das tecnologias, entalhado em modelos de

sociedades aceitas e representadas até então como essencialmente masculinas, toma corpo. A

evidência da busca de valor social, seja através da construção de uma vida espetacular e

espetacularizada ou sendo através da participação produtiva na sociedade tecnológica e

conectada sãos os modos de viver acionados pela novela Geração Brasil.

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AMPLIANDO AS DISCUSSÕES

Abrimos esta sessão do texto com a frase acima, pois não entendemos ser possível

encerrar ou finalizar as discussões acerca das representações de juventude que colaboram e

funcionam como pedagogias culturais, que ensinam modos de ser jovem na

contemporaneidade, acionados pelas mídias. A televisão, a internet, o cinema, as fotografias,

os jornais, as revistas e toda a sorte de artefatos culturais deste tempo constroem

representações que colaboram para a conformação das identidades juvenis compartilhadas.

Embora pesem as diferenças econômicas que condicionam acessos diferenciados para

os sujeitos deste tempo, conforme argumenta Canclini (2007), é inegável que novos aportes

de produção, circulação e consumo de informações e de modos de ser, estar e se relacionar no

mundo estão sendo postos em movimento.

Concordando que estes sujeitos jovens fazem parte de uma geração sem precedentes, e

que cabe também destacar a importância de estudos que sejam voltados a essas análises, que

possibilitem a problematização e reflexão sobre essas identidades é que realizamos tal estudo.

Urge a necessidade cada vez mais premente de que estas modalidades de estudos sejam

capazes de conferir atenção para a forma como socialmente estão sendo representados e,

portanto, a forma como estão sendo estabelecidas relações de representação com estes

sujeitos, para que seja possível olhá-los com menos estranheza e mais compreensão. Não

propomos esgotar ou finalizar as discussões, mas pelo contrário, propomos a continuidade dos

estudos, a ampliação do foco e do olhar para essa parcela que se faz central, das mediações

sociais atuais.

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