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A IMPORTÂNCIA DA DIVERSIDADE CULTURAL NAS PRÁTICAS CURRICULARES
Seção VII Currículo e diversidade.
Seção VIII O cotidiano como biopolítica de tempos e espaços
escolares.Seção IX
Saberes sociais e saberes pedagógicos.
• SeçãoVII:refletirsobreasrelaçõesentrecurrículoe
diversidade cultural.
• SeçãoVIII:refletirsobreocotidianoesuasrelaçõesde
podernasignificaçãodetemposeespaçosescolares.
• SeçãoIX:refletirsobreas interaçõesentresaberes
sociais e saberes pedagógicos.Obje
tivos
A IMPORTÂNCIA DA DIVERSIDADE CULTURAL NAS PRÁTICAS CURRICULARES
seções 7 8 9
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SEÇÃO VIICURRÍCULO E DIVERSIDADE
Currículo e diversidade cultural são duas noções básicas
na construção social do pensamento pedagógico e do pensamento
antropológico. O primeiro remete às estratégias de organização
dos espaços escolares para a formação humana e produção do
conhecimento. A diversidade cultural, por sua vez, auxilia diferentes
tendênciasdaAntropologiaarefletiremsobreasdiferençasculturais
que orientam as diversas formas de organização social da espécie
humana no planeta.
SAIBA MAIS
Currículo: palavra derivada dovocábulolatinocurrerequesignifica carreira, caminho.Tem sido utilizada na tradição do pensamento educacional, no ocidente, para designar a organização das áreas deconhecimento e as práticasde ensino e aprendizagem que lhes correspondem. Pode ser interpretada também, num sentido mais amplo, como processo e produto da escolarização.
70 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Currículo e diversidade.Antropologia e Educação
É possível estabelecer conexões entre essas duas noções
numa busca de compreender como a Educação e a Antropologia
tentam lidar com a difícil tarefa de pensar a espécie humana como
uma única espécie, sem deixar de lado características particulares do
humano em determinados contextos sociais. Na verdade, a relação
entre o universal e o particular, tanto do ponto de vista da Educação,
quanto do ponto de vista da Antropologia, constitui a fonte dos
muitos debates que ainda se fazem presentes nestes dois campos
das ciências humanas.
Vejamos (grosso modo) como as teorias pedagógicas e as
teoriasantropológicastrataramasduasnoçõespara,posteriormente,
tentaridentificareixosdecomplementaridadeentreambas.
As pesquisas educacionais buscam desenvolver seus estudos,
partindo do pressuposto de que o currículo deve ser compreendido
a partir de uma dupla dimensão: currículo formal e currículo real. O
currículo formal compreende os programas escritos e guias curriculares
que organizam os princípios e conceitos educacionais presentes num
determinadocontextoescolar.Currículorealcorrespondeàspráticas
de ensino e experiências vividas no interior das escolas. Um e outro
são resultantes de uma construção social e cultural, na qual cada
sociedade organiza seus modelos de escola.
Segundo Santos (1995), as diretrizes de um currículo formal
criampadrõesuniversaisquebuscamdefiniroqueensinareoque
aprender, por que ensinar e por que aprender, como ensinar e como
aprender, quem ensina e quem aprende. O
currículoformalédefinidopelaspolíticas
de educação praticadas num determinado
país, segundo orientações gerais do
Estado e da Sociedade. O currículo real
incide sobre o cotidiano das escolas,
está relacionado comas vivências entre
educadores e educandos e nem sempre
corresponde ao currículo formal. Tal
distinção entre uma e outra dimensão
docurrículosupõedificuldadesemcompreenderasrelaçõesentreo
universal e o particular no campo dos processos de escolarização, em
diferentes contextos culturais.
Do ponto de vista da Antropologia, duas fortes tendências
trataram a diversidade cultural de maneira distinta. Vamos utilizar
aquiasideiasdeMontero(1999)queidentificataistendênciascomo
racionalismo e relativismo cultural. Os racionalistas procuram leis
e regrasuniversaisque justifiquemaunidadedaespéciehumana,
SAIBA MAIS
Racionalismo: pode ser compreendida em amplo sentido como todas as abordagens antropológicas que buscam conceitos universais para explicar a relação entre o homem e a cultura. Seus modelos interpretativos inspiram-se na física e na biologia e têm no evolucionismo sua matriz teórica mais importante.
Relativismo cultural: trata-se de um princípio interpretativo da Antropologia criado pelas primeiras experiências da etnografia.Através deste princípio, os antropólogos consideram que só é possível compreender a relação do homem com a cultura dentro do contexto social em que ela se produz. O trabalho da observação participante é decisivo para a concretização de uma postura relativista.
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valorizando características comuns a todos os humanos no planeta.
Apoiaram-se em conhecimentos da física e da biologia para sustentar
suas teorias, e foram duramente criticados pela tendência etnocêntrica
de compreender as outras culturas de um ponto de vista europeu.
Na contracorrente do racionalismo, o relativismo cultural procurou
mostrar a necessidade de se compreender as diferentes culturas
nosseuscontextosespecíficos.Aprincipalorientaçãodorelativismo
cultural é a aproximação do antropólogo das culturas que estuda, para
quepossacompreenderocontextoemqueestásituadodopontode
vistadosoutros.Acríticamaiscomumaestapráticadepensamento
éatendênciadasanálisesisoladasdecadapovoestudado,semque
hajaconexõesprofundascomaspectosmaisuniversaisdasculturas
presentes em povos de todo o planeta.
Num ensaio intitulado Os usos da diversidade, Geertz (2001)
chama a atenção para os riscos do etnocentrismo, presentes tanto
no racionalismo antropológico quanto no relativismo cultural. O autor
nosmostraque,nomundocontemporâneo,asdiferençasculturaisjá
não podem mais ser pensadas como aquilo que distingue selvagens
de civilizados, isto porque povos de diferentes origens circulam pelo
mundo inteiro. Há também os efeitos da mídia que, seja através
da televisão ou do uso do computador, nos torna mais próximos de
chineses, indianos, africanos, europeus e gente dos mais distantes
lugares do planeta. Para este autor, o desafio contemporâneo do
estudo da diversidade é a prática da etnografia como forma de
compreender também as diferenças mais sutis que nos distinguem
uns dos outros.
No que diz respeito ao trato com as questões de currículo,
háindicaçõesquesugerem,porexemplo,que“...ahistóriadevida
dosprofessorespoderáserumvaliosoinstrumentoparaoestudoda
práticapedagógicanointeriordeumadisciplina,desdequesecoloque
a experiência de vida do indivíduo dentro de um enquadramento
sócio-histórico...” (SANTOS, 1995, p.66). Esta indicação nos mostra
aimportânciadaetnografiaparaacompreensãodasrelaçõesentreo
cotidiano da escola e seus programas curriculares.
A esta altura das nossas reflexões, já podemos inferir
que a postura etnográfica, essa que nos orienta à interpretação e
compreensãocompartilhadadomundocomoutraspessoas,seafirma
como proposição para o reconhecimento da diversidade cultural,
comoprincípiodaconstruçãodaspráticascurricularesnasescolas.
Através da observação participante, os educadores poderão conhecer
mais a fundo as trajetórias de vida dos seus educandos e, com isto,
contribuirparaumacontextualizaçãoprofundadasdimensõesformal
72 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Currículo e diversidade.Antropologia e Educação
e real do currículo de suas escolas.
A título de síntese para a sistematização das ideias apresentadas
atéaqui,podemosafirmarque:
- currículoéoconjuntoarticuladodepráticasesaberesque
orientam a organização das instituições e processos de
escolarização de uma determinada sociedade;
- diversidade cultural é o conjunto articulado de diferenças
culturais que identificam práticas e saberes de diversos
indivíduosepovos,nosmaisvariadoscontextosgeográficos
e sociais.
Tais definições se interpenetram e compõem as dinâmicas
culturais que atravessam os contextos escolares com contextos sociais
mais amplos. Os exemplos estão por toda parte. A pandemia da gripe
suína que afetou o mundo inteiro, no ano de 2009, por exemplo, fez
com que as escolas do sul e sudeste do país ampliassem os seus
recessosdasfériasdeinverno.Outrasquestõesligadasàviolência,
sexualidade, meio-ambiente, artes e conflitos étnicos também
atravessam o mundo e as nossas escolas. É preciso que estejamos
atentos a observar e compreender o mundo diante de nós, para
podermos transformar nossos currículos escolares em instrumentos
de conversação com o mundo em que convivemos e, quem sabe,
assumirmosresponsabilidadescomasgeraçõesfuturas.
ATIVIDADE
• Organize suas dúvidas sob a forma de perguntas e busque respondê-las.
• Descreva os princípios da educação expostos pela Lei de Diretrizes e Bases da
EducaçãoBrasileira,buscandoestabelecerrelaçõespossíveiscomalgumasdassuas
experiências escolares.
• Com a ajuda dos seus colegas de curso, procure organizar um texto sobre o tema
currículo e diversidade
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No final da década de 90 do século passado o Ministério da EducaçãoBrasileiro adotou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) como programa de orientação para uma nova organização dos processos de escolarização nos níveisdoEnsinoFundamentaleMédio.OsPCNssugeremorientaçõesgeraissobreos conhecimentos básicos a serem ensinados e aprendidos em cada etapa doprocessodeescolarização.Asáreasdeconhecimentoqueconstamdodocumentosão: Português, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, EducaçãoFísica e Arte. O documento prevê ainda a organização das atividades de cada área a partir dos seguintes temas transversais: Ética, Saúde,Meio Ambiente,Pluralidade Cultural e Orientação Sexual. Estes temas devem compor conteúdos presentes no cotidiano de educadores e educandos ao longo de suas experiências em sala de aula.
No ano de 1998, a Revista Nova Escola publicou uma edição especial intitulada:ParâmetrosCurricularesNacionaisFáceisdeEntender.AlémdeexplicardetalhadamenteosPCNS,aRevistaapresentasugestõesdecomotrabalharcomostemastransversaisarticuladosàsáreasdoconhecimento.VejamoscomatençãoassugestõesdarevistaquantoaotrabalhocomotemadaPluralidadeCulturalemdisciplinascomoHistóriaeGeografia,LínguaPortuguesaeEducaçãoArtística.
“História e Geografia: os caminhos da imigração
O estudo da maneira pela qual o território brasileiro foi ocupado e de como
a população se formou pode ser feito reconstituindo o caminho das diversas
etniasqueaquichegaram.Issoépossívelaotratardetemasbásicos,como
a ocupação e a conquista do território nacional, a escravização – tanto dos
indígenas quanto dos negros trazidos da África -, a imigração de outros povos
para o Brasil e os movimentos de migração internos.
Muitos livros didáticos descrevem os indígenas brasileiros como
pertencentes a um único grande grupo. Eles seriam, simplesmente, ‘índios’.
Com os povos vindos do continente africano ocorre o mesmo: são todos ‘negros’.
Isso é completamente falso. Por ocasião da chegada dos europeus às Américas,
havia por aqui centenas de grupos indígenas que tinham línguas, tipos físicos
ehábitospróprioseestavamemdiferentesestágiosdedesenvolvimento.Na
Áfricaaconteciaomesmo.ForamtrazidosparaoBrasilmembrosdenações
completamentediferentesentresi.Suas línguas, religiões,hábitose traços
físicos eram bem diversos”.
“Língua Portuguesa: todo mundo fala com sotaque
Fora de casa todos são estrangeiros. Compreender o sentido dessa
frase é entender como é relativo o conceito do que é sotaque ou do que seja
usarexpressõesregionais.EmSãoPaulo,umpaulistapercebeimediatamente
quando fala com alguém natural do Rio Grande do Norte ou de Santa Catarina,
pela maneira como essa pessoa pronuncia as palavras. No entanto, não nota
nenhuma característica fora do usual quando fala com os seus conterrâneos.
Omesmopaulista,naBahia,teráderesponder,todavezqueabriraboca,
à pergunta: ‘você não é daqui, não é?’ Tal discussão permite desenvolver a
percepção do que é exatamente pluralidade.
Poucos países do tamanho do Brasil têm uma língua única, tão amplamente
LEITURA COMPLEMENTAR
74 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Currículo e diversidade.Antropologia e Educação
LEITURA RECOMENDADA
difundida e uniforme – sem dialeto – como é o Português entre nós. Por
outro lado, seus alunos devem saber que existem no país diferentes idiomas
falados pelas etnias indígenas e que muitos imigrantes preservam a língua de
origem. Essa é mais uma forma de conhecer a diversidade brasileira”.
“Educação Artística: cerâmica e berrante não são folclore
A transversalidade com Educação Artística existe quando é feita a relação
entreasdiversasmanifestaçõesartísticas,comocerâmica,músicasedanças
de certos grupos étnicos e o cotidiano de seus criadores. O que se quer não
émostrar apenas o folclore,mas a importância de taismanifestações na
organização da vida de um grupo. Por exemplo, o berrante, que pode ser
apreciado como um elemento decorativo, para o boiadeiro tem outra função:
reunir a boiada”.
Revista Nova Escola, Edição Especial, 1998
Assugestõesapresentadaspela revistanosajudamacompreenderdeformamaisprecisaanecessáriarelaçãoentreadiversidadeculturaldonossopaís e as disciplinas com as quais produzimos conhecimento na escola. Através dos Parâmetros Curriculares Nacionais, podemos encontrar novos caminhos para estabelecermosconexõescomaspropostascurricularesdenossasescolasecomapráticadeensinoquedesenvolvemoscotidianamente.
Assista ao filmeSociedade dos Poetas Mortos, de PeterWeir, procuremais informaçõessobre os Parâmetros Curriculares Nacionais. Conheça a experiência da Escola da Floresta, noestadodoPará,acessandoaosite:WWW.ideflor.pa.gov.br
RESUMINDO
Pensaro currículodopontodevistadadiversidade cultural supõe
oaprofundamentonodiálogoentreAntropologiaeEducação.Ocurrículoé
constituintedeumaduplafacedavidaescolar:a)delimitaconceitosepráticas
que orientam e disciplinam o conhecimento escolar; b) institui relações
sociais concretas que são marcadas por diferentes experiências culturais dos
indivíduos que participam do cotidiano escolar.
A etnografia pode ser compreendida como postura investigativa
de complementaridade na busca de compreensão das dinâmicas culturais
entre contextos locais e globais. No âmbito das pesquisas em educação,
as contribuições do trabalho etnográfico podem orientar abordagensmais
profundas entre a dimensão formal e real do currículo.
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O currículo é uma construção cotidiana. Para além dos conceitos
e princípios que referenciam suas orientações programáticas; os
cenáriossociaiseasdinâmicasculturais,nointeriordavidaescolar,
redimensionam suas teorias.
Vejamos um exemplo disto. A maioria dos programas curriculares
das nossas escolas sugere a formação ‘de sujeitos críticos’, no entanto
as regras para tal formação estão sujeitas à compreensão daqueles
quecontrolamedeterminamasorientaçõespedagógicas.Istoquer
dizer que o sujeito torna-se crítico a partir daquele que ensina. A
crítica, no seu sentido mais elementar, é a nossa habilidade intelectual
de questionar o mundo a partir das nossas experiências interpessoais.
Não nos tornamos mais ou menos críticos por frequentar uma escola.
No entanto, é na escola que aprendemos a exercitar a crítica através
da mediação dos conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos
que constituem os conteúdos de ensino delimitados pelo currículo. Na
maioriadasvezes,aspráticas curriculares subjugamacapacidade
crítica dos indivíduos, ensinando-os uma obediência a conteúdos
preestabelecidos. Os estudantes que questionam tais conteúdos e
as metodologias de ensino instituídas para a operacionalização do
conhecimento em sala de aula são considerados garotos e garotas
problema.
SEÇÃO VIIIO COTIDIANO COMO BIOPOLÍTICADE TEMPOS E ESPAÇOS ESCOLARES
76 Módulo 2 I Volume 1 EAD
O cotidiano como biopolítica de tempos e espaços escolaresAntropologia e Educação
A Antropologia contemporânea tem tentado compreender as
formas como o pensamento produz cultura e é produzido pela cultura.
Paradesenvolversuasanálises,osantropólogostêmbuscadodialogar
comosfilósofosqueanalisamasrelaçõesentresaberepoder.Isto
sedeveaofatodequetaisfilósofosnosajudamacompreenderas
nossas relações uns com os outros como relações de poder. Para
estabelecermos relações com outras pessoas estamos sujeitos a
regras, formas de controle e conformação de comportamentos.
Umadasgrandescontribuiçõesdadasparaodesenvolvimentodesta
interpretaçãodasrelaçõessociaistemasuaorigemnofilósofofrancês
Michel Foucault. Segundo Rabinow (2002), a noção de biopoder,
origináriadopensamentodeFoucault,nosauxilianacompreensão
decomoassociedadescontemporâneasprecisamdefinirumconceito
de humano e manter o controle do corpo humano para garantir a
ocupação e mobilidade das pessoas no tempo e no espaço das ordens
sociais vigentes.
Vamosaoutroexemplo.Escolaseafirmacomoescolaatravés
dosseusmobiliários,dosuniformesescolares,dassuasnormasde
convívio, da diferenciação dos lugares do professor, dos alunos, dos
diretores e dos demais funcionários das instituições educandárias.
A Escola, no seu sentido mais amplo, é um espaço padronizado
pelasregrasquedefinemassuasfunçõesenquanto instituição.No
entanto,àmedidaquerelaçõesinterpessoaisseestabelecemneste
lugar,outrasconfiguraçõespossíveisvãoseconstruindo.Escrevem-
se nos braços das carteiras escolares, acrescentam-se aos uniformes
acessórios de indumentária (brincos, pulseiras, cintos, nós nas
blusas), as paredes dos prédios escolares vão sendo coloridas,
conforme a criatividade daqueles que habitam este espaço. Entre
uma aula e outra, professores trocam receitas de bolos, comentam
sobreohoróscopododia,recomendamasliquidaçõesdahora,trocam
confidênciassobresuasvidaspessoais.Escolassãoinstituiçõesvivas.
Sãoinstituiçõescapazesdeseguirasdurasleisqueasdirigemede
subvertê-las, segundo a efervescência do convívio entre todos que a
frequentam.
Apesardosconceitosquefixamasidentidadesdeeducadores
eeducandos,asrelaçõesqueestesestabelecemnosseuscotidianos
sãotransformadorasdospadrõescomportamentaisqueasregulam.
Nos seus estudos sobre currículo e subjetividade, Antonio Viñao Frago
e Agustín Escolano (1998) nos mostram que os espaços escolares
são construções sociais, são definidos por um conjunto de signos
e símbolos que buscam dar sentido às suas ocupações enquanto
espaços institucionais. Os autores nos mostram, também, que são
Biopoder: a noção passou a ser utilizada a partir das contribuiçõesde Michel Foucault para a reflexão sobre as relaçõesde poder presentes nas experiências de vida cotidianas dos indivíduos. A Antropologia tem utilizado talnoçãoemsuasreflexõessobre cotidiano e vida comum, sobretudo pelo reconhecimento de que no dia a dia as pessoas criam formas de controle e manipulação das regras de convívio umas com as outras.
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asrelaçõescotidianasquetransformamtaisespaçosemlugares.Nos
seus estudos, o espaço se projeta e se imagina, o lugar se constrói
apartirdasrelaçõesqueosindivíduospassamaestabelecercoma
ideia instituída do espaço.
Partimos do pressuposto de que os cotidianos escolares são
atravessadospor relaçõesdepoder.Tais relações tornampossíveis
múltiplasformasdeconvivênciacomasregrasdeensinoeasdefinições
deaprendizagem.Predominamasregrasedefiniçõesestabelecidas
pelocurrículoformal,masasregrasedefiniçõescriadasdiariamente
no currículo real também existem e são capazes de significativas
inovaçõesnas formas comoaspessoaspensame vivemoespaço
escolar.
Para compreender a escola em sua complexidade e diversidade
cultural, é preciso compreender a maneira como os indivíduos
constroem suas relações cotidianas neste lugar. É fundamental
considerar seus biopoderes, ou seja suas formas de criar outras
ordens para estarem uns com os outros neste espaço.
Um dos problemas mais frequentes de muitas escolas tem sido
ocontroledisciplinardosseusestudantes.Brigas,situaçõesextremas
de violência, drogatização, desrespeito às regras de ocupação de
espaço são alguns dos principais dilemas dos contextos escolares
na atualidade. A indisciplina é tratada pelos regimentos escolares de
forma rígida: adverte-se, repreende-se, suspende-se e expulsa-se.
Ao se deparar com uma situação extrema, que induz ao processo
de expulsão, a escola entra em choque com o Estatuto da Criança e
do Adolescente, que indefere tal procedimento. O que fazer em tal
situação? Consideremos ainda que muitos estudantes indisciplinados
nemsemprecriamsituaçõesextremasnodescumprimentoderegras,
apenas cometem pequenas fraudes contra a disciplina. Tais alunos
passam a frequentar o Serviço de Orientação Pedagógica, às vezes a
sala do diretor e, um dia, acabam se acostumando com a pecha de
seremproblemáticos e incorrigíveis.Que fazer em situações como
essas?Taisquestõesnosindicamanecessidadedenãodissociaras
normas estabelecidas no papel das normas construídas no cotidiano
nas nossas escolas.
Para se chegar a tal compreensão, é fundamental observar e
participar mais de perto das inúmeras vivências da escola. Ver mais.
Ouvir mais. Conviver mais. É preciso apreender e aprender com essas
formas de poder que estão ao nosso alcance, mas que negamos por
reconhecermos, apenas, a dura e fria força da lei.
78 Módulo 2 I Volume 1 EAD
O cotidiano como biopolítica de tempos e espaços escolaresAntropologia e Educação
ATIVIDADE
• Organize suas dúvidas sob a forma de perguntas e busque respondê-las.
• A partir das suas experiências com a escola descreva formas de ocupação do
tempo e do espaço presentes no cotidiano escolar.
• aorganizaçãodohoráriodaescolaésempreproblemática,exigeoesforçode
adaptarostemposescolaresàscondiçõesdevidadosindivíduos.Desenvolvaum
textoemquevocêbuscaaprofundarestareflexão.
LEITURA COMPLEMENTAR
Roberto Sidnei Macedo é professor da Faculdade de Educação da UFBA, coordenador do FORMACCE, Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Paris, Saint-Dénis, com pós-doutorado em Currículo e Formação pela Universidade de Fribourg-Suiça. Possui vários livros e artigos publicados em Currículo eFormação.
A entrevista que se segue foi concedida com exclusividade para a elaboração desta aula. Cada questão busca articular os principais conceitos trabalhados nesta unidade e nas unidades anteriores, com a elaboração teórica de Macedo.
O entrevistado desenvolveu o conceito de etnopesquisa crítica e multirreferencialnaeducaçãoapartirdeinspiraçõesantropológicas,filosóficas,históricasesociológicas.Oseunomefiguranosdiasdehojeentreosmaioresnomes dos estudos sobre currículo no Brasil.
Entrevista a Roberto Sidnei Macedo
1. Qual a importância da Antropologia da Educação para os estudos sobre
currículo?
Em várias e importantes publicações, pesquisas e práticas envolvendo
problemáticas curriculares.Critica-seahistórica formaabstracionistade se
conceber componentes e dispositivos curriculares. Priorizam-se os modelos
teóricos hegemônicos, vindos dos centros de produção do conhecimento, que,
em geral, advogam para si a capacidade de dizer como devemos compreender o
mundo. Extremamente autocentrados, esses conhecimentos carregam consigo
umpoderquasesempre“escondido”, levandoemcontaoquesedenomina
nocampocurriculardecurrículooculto,deconfigurarvisõesdemundo,de
homem e de educação, sem que as pessoas tenham a oportunidade de discutir
e se posicionar, definindo situações curriculares. Hoje, em grandemedida,
não temos dúvida, que o currículo é um complexo dispositivo educacional
culturalmente configurado, bem como um (in)tenso produtor de culturas.
Podemosverificar,porexemplo,comoocampodos“estudosculturais”esua
provocante compreensão da dinâmica cultural, aparece na educação pelas
mãos dos nossosmais refinados curriculistas comoAntônio FlávioMoreira,
Tomaz Tadeu da Silva, Alfredo Veiga-Neto, Elizabeth Macedo, Alice Casimiro
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Lopes, Sandra Corazza, entre outros. É neste âmago, mas não só, que da
nossa perspectiva o currículo pode ser analisado hoje, como um território de
lutaporsignificados,assumindo,nummundoculturalmenteemtranse,uma
importânciaformativanuncaverificadanahistóriadaeducaçãosistematizada.
No seio do currículo a cultura é uma pauta política fundante. Nestes termos,
da nossa perspectiva, ou o currículo acolhe a multirreferencialidade como
política curricular ou ele será borrado, rasurado, queiramos ou não. É aqui
que os estudos antropológicos assumem uma centralidade formativa para mim
ineliminável.Atéporqueosespaços/temposformativosjánãopodem,desde
as suas concepções, desprezar a heterogeneidade como condição humana.
Os“novos”héteros chegam, não pedem mais licença, são protagonistas que
querem alterar, querem ser autores e co-autores de si, autorizam-se portanto,
não aceitando a reprodução colonialista como natural. Descolonizar o currículo
e conquistar a formação é a questão importante dos nossos tempos. Em sendo
essa uma realidade que não podemos mais negar, os atos de currículo se
deslocam e acabam nos mostrando a emergência da cultura como uma força
queconfigura,comoumarkhédoscenárioseducacionais,bemcomoumapauta
políticadecisivaparaosideáriosdemocratizantesdaeducação.
2. Nas suas investigações sobre práticas curriculares o senhor indica uma
etnopesquisa crítica e multi referencial, qual a relevância dessa proposta para a
compreensão do cotidiano como dimensão viva do currículo?
Tomando a etnometodologia, desenvolvida como uma teoria do social por
Garfinkel, como uma inspiraçãomaior, bem como levando em consideração
que currículo é um artefato/dispositivo socialmente construído por homens
e mulheres datados, situados e intencionados, compreendo que só há
possibilidade de compreendermos o processo curricular acontecendo, in situ,
em ato, se conseguirmos encontrar os atos de currículo na sua emergência
cotidiana. Não estamos desconhecendo as estruturas curriculares instituídas
e seu poder de reprodução, entretanto, até mesmo o fenômeno que se
reproduz se realiza por atos instituintes. Ademais, para a etnopesquisa, não
existepossibilidadedecompreensãodasnossasaçõessenãoindexalizarmos
essasaçõesàsbaciassemânticasemqueelasemergem,bemcomosenão
estabelecermos uma conversação compreensiva com os atores sociais e
seus etnométodos curriculares. É nestes termos que a etnopesquisa tem
umapossibilidade significativa de desnaturalizar osatos de currículo e suas
realizações.Éaquiquesuapotênciapolíticaapontaparanovoshorizontesde
estudos, principalmente quando se leva em consideração a importância que os
“novos”héterosatribuemhojeàsquestõescurricularesvinculadosà relação
com o conhecimento eleito como formativo. Atravessar esta fronteira é o nosso
desafioemtermosdeproduçãodeconhecimentonocampodaetnopesquisa
críticaedocurrículo,que,inclusive,játemumtítuloprovisório:“Etnopesquisa
Crítica e Ações Afirmativas”. Trabalhar com o conhecimento eleito como
formativo da perspectiva da etnopesquisa crítica e vislumbrar uma formação
afirmativaéoobjetivodestaobraqueaindaestáacaminho.
3. Osenhorconcordaqueasdefiniçõesdetempoeespaçoescolaressãoconstruídas
pelos biopoderes presentes na vida institucional das escolas?
80 Módulo 2 I Volume 1 EAD
O cotidiano como biopolítica de tempos e espaços escolaresAntropologia e Educação
De alguma forma a ideia de atos de currículo é enriquecida pelo conteúdo
que sua questão apresenta.QuandoGaston Pineau vemnos falar de um
bioquestionamento em crescimento, que reflete a maneira pela qual as
biotecas humanas e sua irredutível heterogeneidade começam a assumir,
uma certa, centralidade na compreensão das realidades que construímos.
“Pequenas”históriasimplicadas,narradasporatoressociais,queconstituem
seus saberes no dia a dia da vida, vêm demonstrando que explicitam melhor
um conjunto de realidades antes dissolvidas pelas e nas metanarrativas,
pela grande história, que, não raro, contavam a história e falavam da cultura
do vencedor. As consequências políticas dessa última opção foram terríveis
para a formação do povo brasileiro. Hoje, a cultura da escola, que não pode
ser confundida com a cultura escolar, instituída pelas pessoas concretas
queaconstituiéindispensávelparacompreendermosdeformarefinadade
como tempos e espaços curriculares se contextualizam, descontextualizam
e recontextualizam de forma única e, portanto singular. Para um curriculista
comprometido com o fazer curricular cotidiano isso é muito caro.
4. Recentementeosenhor lançouumaobraemquerefletesobreosAtosde
Currículo.Qualaimportânciadesteconceitoparaosestudosnessaárea?
Em alguns dos meus devaneios curriculares, algo me chamava a
atenção: como radicalizar em termos conceituais a processualidade
interativa e instituinte do currículo, no sentido de dar-lhe mais abertura
político-democrática.Comotornarocurrículoalgodoâmbitodaágora nas
nossas polis. Esse conceito caminhou seus caminhos, e, aos poucos, foi me
demonstrando a capacidade que tem de esgarçar o tecido do pensamento
curricular.Claroquenossasinfluênciasligadasàsteoriasacionalistasderam
base a esta inspiração conceitual, mas a experiência concreta tratando com
concepções,mudançaseacríticadaspráticas,possibilitoumaisrobustezao
conceito. Em realidade nossa intenção é de dizer de forma mais interativa e
construcionistapossível,viaesteconceito,queocurrículoéuma“tradição
inventada”, como nos revela Goodson. É um artefato concebido por homens
e mulheres intencionados e orientados por determinada concepção de
formação, para todos os fins práticos. Essa explicitação onde a formação
assume centralidade elucidativa vem assumindo no meu pensamento uma
importância cada vez maior, no seguinte sentido: como problematizar
o currículo, levando em conta os atos de currículo e seus etnométodos,
tomando a complexidade humana e pedagógica do fenômeno formação,
que, fundamentalmente é do âmbito da experiência. Compreender os atos
de currículo é compreender como se instituem os etnométodos daqueles que
concebem, organizam, implementam, institucionalizam e avaliam currículos,
bem como direta ou indiretamente interferem no seu dinamismo e nas suas
possibilidades formativas.
5. Sabemos que boa parte das tradições escolares dissocia as experiências
de vida dos indivíduos das experiências de ensino e aprendizagem na vida
escolar. O que o senhor pensa a respeito desta questão?
As instituições especializadas em educação adoram abstracionismos,
adoram instituir impérios teóricos que se especializaram em desprezar as
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experiências que não foram produzidas pelo ethos e pela ética das experiências
produzidas fora da ciência e da academia. Vejo isso como arrogância e
imoralidade, face aos epistemicídios que produzem, para citar Boaventura
deSouzaSantos.Avidaéumespetáculodeaprendizagensqueacontecea
partirdosváriosmundosexperienciaisqueconstituímosem interação.Mas
o prejuízo que constituímos desprezando os diversos mundos culturais e as
aprendizagens que constituem, fazem com que sejam criadas verdadeiras
esquizofrenias formativas, onde se imagina que o mundo do trabalho, o mundo
das experiências familiares, das próprias experiências escolares, são mundos
queapenasdevemserpreparadospararefletiremasfamigeradasformasde
aplicar o conhecimento especializado e requentado, bem como suas formas de
controle. Eis aqui o império da disciplina e suas lógicas seculares. Penso que,
emváriosmomentos,adisciplinaeoseuethos se transformam num delírio,
quando se avaliam como a última fronteira da verdade, ou mais alucinatório
ainda,averdadeemsi.Saberessãoconstruçõesantropossociaiscomplexas,
que inclui o não-saber e, muitas vezes, o não-construído.
Faz-senecessárioperguntardeformaproblematizanteporquesemprea
disciplina veio e vem primeiro? Porque a experiência não-disciplinar é colocada
nolugardoadorno,da“ponte”,doexemploqueilustra?Asrespostasaessas
perguntas nos abririam para uma história de colonização e violência ainda
hoje um tanto quanto em opacidade. Para o interesse de muitos!
6- AIntercríticaéocaminhoparaoestabelecimentodediálogosentresaberese
práticaspedagógicosesaberesepráticassociais?
Gratopelasapiênciacomquevocêorganizousuasquestõesparamim.Eles
se entretecem de forma cuidadosa em termos de argumento compreensivo.
Tomoacríticaaquicomoumacategoriafilosófica,queacolheainterpretação
que deseja explicitar, a demanda da falta, a vontade de questionamento, a
compreensão e o trabalho com contradição. Vejo-a como uma possibilidade
para todos, indistintamente, desde quando as condições sejam criadas.
Vejo-atambémcomoirredutível,pormaisquepossamvirdeidentificações
constituídas por segmentos sociais em processos interativos de entendimento.
O que não podemos admitir é que a crítica como explicitamos aqui seja
propriedade privada de alguém, ou condição única de um grupo, nem possa
se dissolver numa só perspectiva. É nestes termos que a crítica faz parte
também de uma política da diferença, ou seja, a intercriticidade implica numa
conversação onde a crítica não pode ser compreendida por analogias, formas
colonizadas de interpretação ou coisas como tal, mas como um encontro de
modos diferenciados de compreender o mundo, que, nas suas singularidades,
contribuem para essa compreensão, com possibilidades de interfecundação
de saberes. Nestes termos saberes escolares ou acadêmicos e saberes da
“prática”,semqualquertentativadeidentificarpurismonestessaberes,têm,
para nós, o mesmo status em termos de formação, são saberes de possibilidades
formativas, sem qualquer pretensão hierarquizante. São especificidades
quedevemser tratadas com refinado cuidadopelo senso crítico que tenta
qualificaraformação.Éassimquegostodepensarcurrículocomoágora. O
lugarondeasdiferençasseexpõemeseencontramnoesforçode,pelassuas
singularidades, produzirem o bem comum social via educação. Pensamos,
portanto, se existe verdade curricular é porque é discutível, intercriticamente.
82 Módulo 2 I Volume 1 EAD
O cotidiano como biopolítica de tempos e espaços escolaresAntropologia e Educação
RESUMINDO
ATIVIDADE
Após a leitura desta entrevista procure conhecer a história do currículo da escola
em que você trabalha. Utilize o recurso da entrevista à equipe pedagógica da escola
e consulte os principais documentos de referência da política curricular da instituição
em que você trabalha. Após a realização de tal levantamento produza um texto síntese
contendoassuasreflexõesacercadomaterialcoletado.
O cotidiano escolar é atravessado por dinâmicas de construção e
reconstruçãoculturaldocurrículo.Atravésdas relaçõesdepoder instituídas
entre os participantes deste cotidiano, são estabelecidas significações dos
tempos e espaços escolares. Algumas perspectivas teóricas da Antropologia
contemporânea buscam compreender os biopoderes, inerentes às ações
humanas, através dos discursos que instituem as práticas culturais. Deste
pontodevistaosconceitosquedefinemocurrículo,assimcomoaspráticas
de convivência intra-escolar, são compreendidos com biopolíticas de tempos e
espaços institucionais da escola.
LEITURA RECOMENDADA
Assista ao filme Os Incompreendidos, de François Truffaut, buscando refletir sobre asquestões apresentadas nesta seção. Conheça as ideias da escola nômade acessando:WWW.escolanomade.org.br, sobretudo no que diz respeito à proposta de autogestão do conhecimento. Leia o livro de David Gilmour intitulado: O Clube do Filme, trata-se de uma históriarealdatentativadeumpaiemofereceroutrasformasdeeducaçãodoprópriofilhoqueinconformadocomaspráticasdeensinodasuaescoladesistedeestudar.
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Os saberes produzidos nas escolas precisam dialogar com
os saberes produzidos fora da escola. É no meio da vida social
que os indivíduos experimentam a relação com o conhecimento,
transformando suas habilidades intelectuais e conteúdos acumulados
acerca dos mais variados temas, em atitudes concretas de interação
com outras pessoas.
Quandoaprendemossobredeterminadosassuntosquecompõe
o currículo escolar e não encontramos formas de interagir com este
assunto fora do ambiente escolar, logo o esquecemos. Esquecemos o
conteúdo e a forma de lidar com o conteúdo do assunto apreendido.
Vamos ao exemplo de uma tabela periódica, assunto recorrente nas
aulas de ciências e química. Fica difícil guardar na memória todos os
elementos químicos presentes na tabela e suas respectivas referências
quantitativasparaaaprendizagemsobreasdimensõesatômicasde
cadaelemento.Aoassociarmostaiselementoscomsituaçõesdevida
experimentadas socialmente, a aprendizagem da atomística assume
outrosignificadoparanós.
SEÇÃO IXSABERES SOCIAIS E SABERES PEDAGÓGICOS
84 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Saberes sociais e saberes pedagógicosAntropologia e Educação
Lembro-me de uma aula de biologia em que a professora
tentavaexplicarosignificadodasbactériassaprófitas(consumidoras
de matéria orgânica). Para digerir a matéria orgânica, tais bactérias
produzem uma enzima que, por sua vez, produz luz. No escuro,
no interiordeumcemitério,porexemplo,podemos identificar tais
bactérias, fazendo a digestão do seu alimento. Segundo a professora,
qualquer pessoa que desconhecesse tal dinâmica iria acreditar na
existência de fantasmas ou assombrações luminosas. Guardo este
exemplo na minha memória, porque foi uma das muitas experiências
com o saber escolar que me fez gostar da biologia, apesar de ter
seguido outro ramo das ciências modernas.
A separação entre saberes sociais e saberes escolares foi um
dosartifíciosdaeducaçãocientífica,namodernidade,queprejudicou,
de um lado, a compreensão de diversas formas não científicas de
produção autêntica do conhecimento. Tal separação produziu, ainda,
currículosescolaresemquearelaçãocomosabercientíficoignoraa
relação com outros saberes.
Em seus estudos sobre a aprendizagem da matemática,
D’Ambrosio (2002) elabora uma contundente crítica a esta separação
entre ciência e vida comum e reivindica o diálogo entre saberes
escolares e saberes sociais como uma estratégia de aproximação
daeducaçãocientíficadavidasocial,noseusentidomaisamploe
profundo. O autor diz o seguinte: “O currículo deve refletir o que
estáacontecendonasociedade[...]oproblema-chavenadinâmica
curricular é relacionar o momento social, o tempo e o lugar, na forma de
objetivos, conteúdos e métodos, de forma integrada...” (D’AMBROSIO,
2002, p.34). Tal argumento sustenta-se no reconhecimento de que
tanto a matemática quanto todas as demais ciências aprendidas
na escola só conseguirão transformar contextos sociais quando
conseguirem efetivamente encontrarem lugar na vida cotidiana dos
indivíduos.
Hápessoasque,apesardenãoteremfrequentadoaescola,
conseguem lidar com os conhecimentos matemáticos tais como a
contagem,medições,cálculosdeproporção,entreoutros.Noentanto,
quando passam a frequentar a escola sequer são consultados sobre
os saberes que construíram ao longo de suas vidas.
A Antropologia, ao longo de sua história como ciência humana,
tem demonstrado como diferentes povos produzem diferentes formas
de organização social e diferentes conhecimentos. Servem de exemplo
asexpressõesgeométricasdosdesenhostípicosdeetniasafricanas,
americanas ou australianas (só para citar alguns exemplos). Povos
espalhadospelomundointeirodesenvolveramcálculosparaaprática
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da caça, da colheita ou da pesca. Desenvolveram, ainda, diferentes
expressões de arquitetura para a ocupação dos espaços de suas
aldeias. Enfim,atravésdo trabalhodos antropólogosao longodas
últimas décadas, podemos compreender outras formas de ensinar e
aprender com a ciência.
Énecessárioressaltarqueaeducação,sejaelaescolarounão
escolar, exige pensar sociedade e cultura como processo e produto
da passagem da vida individual para a vida coletiva. À medida que
avançamos na relação com o conhecimento, aprofundamos nossas
relaçõesunscomosoutros.
Ao considerarmos a diversidade cultural como uma dimensão
articuladora de diferenças culturais, capaz de ampliar nossas
referências de ensino e aprendizagem, consideramos, também, a
transformação dos saberes com os quais confeccionamos nossas
práticaspedagógicas.
É importante que objetivos, conteúdos, métodos e contextos
de ensino e aprendizagem, presentes nos currículos escolares,
sejam mediados por outras expressões de saberes presentes na
vidaemsociedade.Alémderessaltarovalordeoutrastradiçõesde
pensamento,estamediaçãovalorizaráaciênciacomoexpressãoda
vida. O papel dos saberes pedagógicos será ampliar as condições
de compreensão da ciência, dentro e fora dela mesma. Em última
análise,istopoderágerarumacompreensãodaimportânciaprofunda
do papel da escola para a formação humana em seu sentido mais
amplo.
ATIVIDADE
• Organize suas dúvidas sob a forma de perguntas e busque respondê-las.
• Citeexemplosdeinter-relaçõesentresaberessociaisesaberespedagógicos.
• Procure descrever a experiência de aprendizagem de um conteúdo ou habilidade
escolar que se deu fora da escola. Tente descobrir tal experiência em sua
comunidade inspirada(o) na seguinte afirmação: Pessoas não alfabetizadas
desenvolvem relações com a leitura e a escrita, conseguem distinguir marcas
de produtos, linhas de ônibus urbanos e decifrar os calendários expostos nas
cozinhas de suas casas.
• Elabore um texto em que você expressa sua própria compreensão da relação
entre saberes sociais e saberes pedagógicos.
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Saberes sociais e saberes pedagógicosAntropologia e Educação
LEITURA COMPLEMENTAR
Durante a década de 90 do século passado, a Secretaria de Educação do Município de Porto Alegre produziu inúmeras mudanças no currículo do Serviço deEducaçãodeJovenseAdultos(SEJA).Duasdasprincipaisalterações foram:a) a mudança do conceito de seriação por Totalidades do Conhecimento; b) a organização do conhecimento a partir da construção de habilidades intelectuais. Alémdetrabalharemcomosconteúdosdasáreasdeconhecimentohistoricamenteconstruídas no processo de escolarização, os estudantes produzem textos e interagem com o conhecimento a partir de suas experiências vividas. Os textos dos estudantes foram organizados em publicações intituladasCadernos do Trabalhador. Nessas publicações, constam: o texto produzido, aescola em que foi produzido, a professora ou o professor que orientou o trabalho e o tema utilizado para desenvolver o trabalho. Vejamos a seguir um texto publicado no volume sétimo do Caderno do Trabalhador.
A Escola e a disciplina
“Os alunos da nossa escola mostram-se indecisos e dividem-se em suasrespostas. Mesmo que eles tenham respondido as perguntas que lhes foram citadas, nem sempre agem da maneira que relataram em relação a disciplina e ao agir, sabe-se que não é assim que funciona. Osprofessoressedividemnasopiniõessobreadisciplina,mostraramcomsuas respostas que cada aluno é um caso a se resolver, tomar como caso sem solução não seria correto. Não depende das suas atitudes, que certamente cada um deles tomaria e talvez resolvesse, mas tem que esperar a aprovação dos superiores. A direção mostrou dificuldades que tem para resolver o caso do nãocumprimentodasdisciplinas,conservaçãodaescolaeagressãoentrealunos,jáquedeclarouquealeiosproíbetomardecisõesenérgicas. Pensoquecomessapesquisaposso refletir commaiscertezasobreoqueacontece em nossa escola. Vejo que falta maior interesse tanto da direção e, principalmentedosalunosemmelhorarascondiçõesdaescola. Aprendi que quando os alunos não conservam a higiene dos banheiros e sala de aula, os prejudicados são eles próprios, e não estão atingindo diretamente a escola. Concordo que mais segurança na entrada da escola resolveria o problema de entradadepenetras,avendadedrogaseconsumodentrodopátio.Discordoque as regras das escolas particulares são obedecidas por ser uma empresa, acho que é uma questão de alunos conscientes e bem orientados pelos pais e pela própria direção da escola.”
Marta Margarete da Silva Espírito Santo, 35 anos
A autora do texto era estudante da Totalidade 3 do SEJA. Esta totalidade
correspondeaoprocessodealfabetizaçãoeprevêaconstruçãodassistematizações
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o9RESUMINDO
LEITURA RECOMENDADA
Contextualizarpráticasdeensinoeaprendizagem.Esteéodesafiodos
educadores que buscam operar sínteses entre as experiências de vida e as
experiências de escolarização dos seus educandos. Para cumprir tal tarefa é
precisocriarsituaçõesdediálogosentresaberessocaisesaberespedagógicos.
TaltarefasupõedapartedaAntropologia,oreconhecimentodasculturasdos
outros como legítimas para a produção do conhecimento escolar. Da parte da
Educaçãopressupõem-sereconstruçõesdeposturaspedagógicasemqueos
educadores aprendem com o universo cultural dos seus educandos, novas
formas de ensinar.
Conheça o documentário Escola e Inclusão Social disponível no site do Ministério da Educação.Paraacessá-loentreolinkDomínioPúblicoesolicitedocumentáriosdisponíveisna forma de vídeo. Conheça ainda os trabalhos desenvolvidos pelo Observatório de Favelas, no Rio de Janeiro, o site é WWW.observatoriodefavelas.org.br.
dos códigos escritos. Como se pode ver através do seu texto, além do domínio daescrita,aautoraconseguerealizarumaanálisecríticanarelaçãoentreescolae disciplina, questionando os modelos de autoridade vivenciados na sua escola. O texto foi produzido na Escola Municipal “Ildo Meneghetti” e orientado pelaprofessora Angelita Jussara Cruz Silva.
88 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Saberes sociais e saberes pedagógicosAntropologia e Educação
OsavançosconceituaisemetodológicosnaAntropologiaproduzemconcepções
de mundo marcadas pelas diferenças e diversidade cultural. Tais avanços
contribuem para que o campo teórico e metodológico da Educação transforme
tambémsuasconcepçõesbásicas.Nodebateatualoconceitodecurrículotem
sidoquestionadoemsuasambiçõesuniversaisegeneralizantesdeeducação
escolar.
Ao buscar sistematizar os processos educativos para a instituição
dos sistemas escolares, pensadores ocidentais inspiraram-se no conceito de
currículo para formular práticas disciplinares da organização dos tempos e
espaçosescolares.Oconceitodecurrículoformalpassouadefinirparâmetros
teóricos para o estabelecimento de regras, valores, saberes e práticas
pedagógicas.Noentanto,dadaadiversidadeculturaldasinstituiçõesemque
esteconceitoéaplicado,têm-seobservadoassuaslimitaçõesparaenglobar
osprocessosculturaisquecompõemoscotidianosescolares.Sobaóticadas
vivências cotidianas na escola emerge o conceito de currículo real, aquele
queseproduzatravésdasinteraçõesdosindivíduosqueparticipamdavida
escolar.
Entre o currículo formal e o currículo real existem distâncias. No
exercíciodacríticaàformarígidacomoaspráticascurricularesbuscameliminar
asespecificidadesculturaispresentesnasdinâmicasescolares,emnomeda
universalidade dos processos educativos, vários intelectuais buscam definir
o conceito de currículo oculto. As regras implícitas às ações dos currículos
formaisimpõemformasautocráticasdegestãodoscotidianosescolares.
Compreendendo as relações cotidianas nas escolas como relações
de poder, bem como a exigência de trocas simbólicas entre saberes sociais
e saberes pedagógicos na escola, a discussão atual sobre currículo busca
incorporar,nanoçãodediversidadecultural,novospostuladosparapráticas
curriculares comprometidas com a participação plural dos indivíduos que
ocupamoscenáriosescolares.
Antropologia e Educação constituem campos de saberes cooperantes
naproposiçãodenovasbasesparaa reflexão sobrepráticas curricularese
diversidade cultural.
RESUMINDO A UNIDADE III
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RE
FE
RÊ
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