A Historiografia No Direito: Enunciados Construídos e Desnaturalizações Conceituais

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    A historiografia no direito: enunciados construdos e

    desnaturalizaes conceituais

    1. Apresentao

    Quando refletimos sobre: o que Histria? O senso comum nos oferece

    algumas ideias gerais, designando fortemente as obras com a narrativa dos

    acontecimentos histricos, a prpria dimenso temporal da vida humana, a sucesso

    temporal dos acontecimentos considerada materialmente, e mais especificamente, a

    cincia que estuda essa sucesso !m todas essas vis"es, patente a ideia de que

    algo sucede no tempo, uma dimenso de muta#o onde o suceder o mudar, o surgir

    e o desaparecer $orm a disperso de tais acontecimentos no tempo, torna comple%a

    a cria#o desse conhecimento

    & da disciplina, aceitar o desafio de acessar tal conhecimento, onde a

    comple%idade consiste na impossibilidade de acessar o ob'eto de estudo diretamente

    (a e%perincia brasileira recente, o ensino de histria tem seguido a rigor a

    metodologia positivista, naturali)ando desde muito cedo o car*ter dogm*tico da histria

    +que meramente nos informa, negando sua capacidade de transformar e criticar e seu

    vis sacrali)ador do presente, que consagra todos os fatos conhecidos a marcharem

    gloriosamente para o nosso ho'e O leg-timo e .nico presente poss-vel, a verdade

    monol-tica sobre o passado O passado, que desenhado imagem e semelhan#a do

    interesse daqueles que controlam esse discurso /egitimando0o se'a pela tradi#o, se'a

    pela evolu#o

    1 forma#o que nos imputada precocemente leva0nos a naturali)ar a viso

    2dita positivista3, e devido a desinforma#o, o senso comum se perpetua, chegando at

    os 'uristas (os cabe problemati)ar tal processo de tomada de conscincia, utili)ando

    as propostas metodolgicas que o movimento dos 1nnales vem propondo h* dcadas,

    transmigrando0o do vis historiogr*fico at o 'ur-dico 4ua estrutura, inten#"es e

    contrapropostas

    2. A naturalizao pelo historicismo: A escola dita positivista

    (o sculo 565, fortemente influenciado por 7omte, se buscar* nas cincias

    humanos o conhecimento positivo +tal qual '* se fa)ia nas cincias e%atas !ste

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    2esp-rito positivo3, que visou superar a metaf-sica e a racionalidade em troca do

    conhecimento emp-rico, far* que sur'a um antagonismo protagoni)ado pela filosofia da

    histria e a cincia da histria O pro'eto historicista, no geral, ir* negar os

    conhecimentos a priori, negar que histria uma cincia sobre leis universais,

    negando a e%istncia de modelos supra histricos !mbora a completa separa#o entre

    filosofia da cincia e cincia histrica, nunca tenha logrado %ito, as trs disposi#"es da

    histria cient-fica compartilham tal caracter-stica: 8an9e, ilthe; e aishistoriadores, podem ser classificados enquanto positivos, pois afastam0se do a priori

    se apro%imando do a posteriori, com perspectiva otimista e progressista 4egundo

    7hartier e 8evel +CDED, o car*ter positivo est* em trs elementos: +C o modelo de

    conhecimento ob'etivo, +@ o ideal de conhecimento verdadeiro e +F a sua heran#a

    +cr-tica ao te%to G verifica#o de autenticidade e decifra#o do sentido $or esse

    motivo, chamaremos tal movimento de !scola

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    contivesse todos os fatos, dispondo0os de forma cronolgica e modo que, ao final ter0

    se0ia a Jerdade histrica Jerdade que e%iste em si +res gestae), logo no criadaK

    mas e%tra-da de sua forma 2bruta3 nos documentos, o historiador acreditava resgatar

    o passado tal qual ocorreu

    1 preciso cient-fica que deveria ser buscada no discurso histrico, segundo

    pretendia /eopold von 8an9e na 1lemanha +e%atido que gerou o termo historicismo,

    foi levada para a =ran#a, onde historiadores como =ustel de 7olanges enunciaro que

    a histria uma cincia pura +portanto autossuficiente e que deveria buscar a

    compreenso do fato de forma e%ata, por meio da observa#o rigorosa dos te%tos

    $ara ele, esta observa#o conferia certe)a, tal qual a e%perimenta#o na qu-mica

    Os metdicos iro se deter ao fato enquanto unidade +curta dura#o, segundo=ernand Iraudel O foco ser* os grandes eventos pol-ticos onde os personagens so

    os heris +histria dos vencedores, '* que a fonte que recorrem so os documentos

    escritos estatais, a narrativa constru-da se confundir* com a prpria memria do

    estado >omando emprestado o darLinismo da biologia, se passar* a di)er que h*

    sociedades mais ou menos evolu-das Onde o *pice , evidentemente, o estado0

    nacional europeu, uma declara#o aberta de etnocentrismo 1 busca por rela#"es de

    causa e efeito ir* buscar a liga#o entre fatos descone%os, da- surge a interpreta#oteleolgica +telos G ordem ! a prpria viso atemporal que se assume nesse modelo,

    fomenta interpreta#"es anacrMnicas >ais v-cios metodolgicos e suas consequncias

    sero trabalhados agora

    . !ist"ria: uma construo inocente#

    esde o primeiro contato com a disciplina Histria, nas escolas prim*riasbrasileiras, fomos apresentados a histria dita 2positivista3, a corrente ma'orit*ria

    $assamos a naturali)ar a histria como, uma constru#o narrativa da memria humana

    de outras eras, como se tal disciplina fosse um enorme acervo fatos apod-ticos, que

    esto organi)ados de um 2.nico modo poss-vel3, pois comp"e o que se chama de

    2verdade histrica3 !ssa viso romanti)ada, preponderante no senso comum, vista

    por muitos enquanto uma estrutura monol-tica, que neutralmente e inocentemente nos

    d* a un-voca interpreta#o do passado 1 forma#o positivista subsiste at a academia,

    tornando0se servi#al do dogmatismo >udo isso pelo mesmo motivo: os v-cios

    metodolgicos do modelo metdico de historiografia

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    restringe a uma fornecedora de informa#"es? Ou enga'a0se de forma at subliminar

    para naturali)ar opini"es? 1 segunda op#o mais adequada, considerando as

    percep#"es que aparecerem a partir da escola dos 1nnales, denunciando

    naturali)a#"es for#adas na poca dos metdicos 1 fim de uma melhor did*tica, irei

    nomear tal forma de organi)ar os fatos +a fim naturali)ar determinadas ideia pela

    legitimidade histrica, de 2constru#"es interessadas3 >rabalhando trs e%emplos de

    constru#"es interessadas: a periodi)a#o eurocntrica, a naturali)a#o do estado e a

    legitima#o do nosso direito pelo direito romano

    O primeiro caso a periodi)a#o da Histria Neral Quando estudamos tal

    disciplina encontramos, que a estrutura#o da histria mundial, concentra0se somente

    na histria da !uropa 1 periodi)a#o cl*ssica consiste em: $r0histria +a pr%imaconstru#o interessada a ser desconstru-da, Histria 1ntiga, Histria

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    1 segunda constru#o interessada o estado enquanto elemento natural,

    buscando0se mostrar onipresente desde os mais remotos tempos (esse conte%to, a

    polis grega passou a ser chamadas paralelamente de cidade0estado 1 denomina#o

    estado surge enquanto estrutura pol-tica, apenas com (icolau odos os !stados, todos os governos que tiveram e tm autoridade sobre

    os homens, foram e so ou rep.blicas ou principados 1 renomea#o daquilo que

    houve antes da inven#o do !stado

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    contem problemas srios $ara come#ar, aquilo que chamamos direito romano, trata0se

    dos documentos escritos, que subsistiram as pilhagens e saques T cidade de 8oma

    estes documentos foram selecionados apenas os pareceres +apenas uma das fontes

    de direito da poca de prudentes romanos, que foram produ)idos entre os sculos 66

    a7 e 666 d7 este contingente, foram selecionados apenas os pareceres

    mencionados na /ei das 7ita#"es de U@B d7 para, por critrio de interesse, ser

    composta a mando de ustiniano +imperador bi)antino do sc J6 uma compila#o que

    se tornasse a legisla#o do imprio 7om isso, o 'urista >riboniano estava autori)ado a

    fa)er interpola#"es para que a lei mante0se viva, o que acabou por mudar

    completamente estrutura e significado do te%to original !nquanto o digesto ser*

    continuamente modificado em novas compila#"es no oriente, como a Iasili9* deIas-lio 6, no ocidente permanece adormecido at seu suposto renascimento nos

    sculos 566 e 56J (as universidades desse per-odo, todos as inten#"es originais so

    e%trapoladas $assa0se a buscar os valores universais e atemporais que 'ulgavam estar

    contidos nas normas, valores metaf-sicos divinos que foram revelados aos prudentes

    7om o passar o tempo esses valores 2dei%aram de ser3 divinos para serem valores

    racionais e portanto naturalmente natural, era o 'us naturalismo do sculo 5J66 (os

    sculos 5J666 e 565, com o fortalecimento do 'us positivismo a autoridade 'ur-dica semateriali)a na lei em si, onde se inicia um movimento de positiva#o das leis em

    cdigos escritos 7omo o 7digo 7ivil (apoleMnico em CVAU, que inspirar* o 7digo

    7ivil Irasileiro i)er que nosso direito civil advm linearmente do direito romano, no

    m-nimo um devaneio

    $. A historiografia dos Annales e suas possi%ilidades

    O modelo da escola metdica francesa, estava carregado de equ-vocos

    !%tremamente vinculado a interesses pol-ticos, estava impedido de ser neutro +algo

    que afirmavam ser 1 requisito de documentos escritos oficiais, acabou por representar

    a memria do estado 1 viso atemporal gerou o evolucionismo, anacronismo e

    teleologia, dando gnese ao efeito naturali)ador do status quo

    7ontemporneo a escola metdica, a historiografia relativista, com o historicismo

    presentista de Ienedetto 7roce e 7ollingLood, ou o pragmatismo da escola

    progressiva com ohn eLe;, no entendimento dos relativistas, o passado uma

    constru#o do presente Onde busca0se narrar os fatos de acordo com o ponto de vista

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    e interesses +da poca, escola historiogr*fica ou pessoal $osteriormente, os 1nnales

    sero em parte influenciados por esse pensamento, no sentido em que, o passado

    uma constru#o problemati)ada no presente

    a rea#o contra a escola metdica, Henri Ierr funda em CDAA a 2Revue de

    synthse historique3 +8evista de 4-ntese Histrica, em tradu!o livre, uma base para a

    funda#o de 1nnales alguns anos depois (esta revista, o economista =ran#ois

    4imiand escreve em CDAF, um artigo denominado 2"#thode historique et science

    sociale3 +

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    de busca da narrativa histrica, onde na escola metdica buscava0se a e%plica#o na

    curta dura#o atravs do recorte do fato, se buscar* em 1nnales no s o fato mas

    tambm as influncia que habitam a longa dura#o, todo o ambiente de significa#o

    contemporneo ao fato 1o assumir que o fato indissoci*vel de seu conte%to, com a

    proposta de analisar os condicionantes gerais do fato

    (a terceira gera#o, h* a 2revolu#o documental3 onde o documento escrito

    oficial dei%a de ser a .nica fonte histrica 4endo colocado no mesmo n-vel de outras

    fontes materiais +pinturas, esculturas, ob'etos em geral e at imateriais +l-ngua, dan#a,

    costumes, quaisquer fonte que contenha ind-cios da a#o humana

    (o geral, 1nnales vem para renovar o mtodo de produ#o do conhecimento

    histrico 1nalisando no apenas o fato, mas tambm os condicionantes na longadura#o 6ncorporando outras cincias nesse estudo 6ncorporando novas fontes, o que

    permitiu a abertura a novos temas >ais incorpora#"es, nos permitem construir a cr-tica

    ao modelo metdico e seus v-cios metodolgicos entre eles: evolucionismo,

    anacronismo, teleologia

    !nquanto a escola metdica trabalhara com a concep#o de um passado

    imut*vel, onde se valori)a as dimens"es pol-ticas e seus grandes personagens Os

    1nnales iro ampliar a narrativa para abarcar outros elementos envolvidos nosprocessos histricos $ara

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    algumas fun#"es da disciplina por diferentes estudiosos 4egundo Helmut 7oing,

    consiste em Rcompreender esse ordenamento como solu#o de um problema de

    ordena#o da sua prpria pocaS 8eiterando essa viso, =rit) 4chult) em %rin&ipien

    des rmischen Rechts +%rinc(pios do ireito Romano, fala que na forma#o do direito

    tanto sentimentos econMmicos e pol-ticos quanto concep#"es de costume e

    moralidadeK tais elementos subsidiam a rela#o 2quase gentica3 entre ordem 'ur-dica e

    ordem social, entender esta rela#o n3outras pocas primordial dentro desta

    concep#o ! tambm ressaltar a importncia da vastido da pesquisa da disciplina

    m servi#o T compreenso das polissemias, que nos apresentam no cada ve) mais, no

    campo da cultura 'ur-dica

    !m *ist+ria do ireito rasileiro, problemati)ado uma interessanteoposi#o na estrutura do tempo Onde o tempo, enquanto 2for#a incoerc-vel de

    corroso3 dos significados, contraposta pela inten#o da abstra#o ordenadora

    tipicamente humana 1 s-ntese que parece estar proposta, seria a autonomia do

    passado, uma resposta aos 2golpes oriundos da pr*tica3 que representam a mudan#a

    dos significados dos conceitos com passar do tempo, o que deforma a compreenso

    desses termos >al inten#o de um passado autMnomo aparenta ser compartilhada

    pelos 1nnales, se'a pela cr-tica T teleologia e anacronismos, se'a pelo entendimento dehistria fraturada e descont-nua que

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    distintivo 7om a metodologia de 1nnales, podemos ver que o documento embora se'a

    mais firme que o sub'etivismo da oralidade, a prpria sele#o dos fatos a serem

    narrados e as prprias 2perguntas que sero feitas ao documento3 anunciam presen#a

    e influncia do historiador

    1ntnio al conscincia significa: compreender o car*ter artificial daquilo que reali)ado na

    atividade historiogr*fica +no a verdade, tal qual aconteceuK compreender o car*ter

    poitico +criador do historiadorK e compreender a influncia de suas ra-)es

    socioculturais na produ#o dessa narrativa +impossibilidade da neutralidade

    7ompreender os v-cios metodolgicos, que estamos condicionados a sequer detectar,que servem a diversos fins $or e%emplo, fa)endo que o discurso histrico sobre o

    direito se reali)e em fun#o do prprio direito, o que um forte anseio do

    'uspositivismo

    7oncluindo cito *ist+ria do direitode