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A Festa de Babette - Karen Blixen

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  • 5/20/2018 A Festa de Babette - Karen Blixen

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    KAREN

    BLIXEN

    A FESTA

    DE BABETTE

    traduoCassio de Arantes Leite

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    I. DUAS SENHORAS DE BERLEVAAG

    Na Noruega, existe um fiorde um brao longo e estreito de mar entre montanhas altas chamBerlevaag. No sop das montanhas, a cidadezinha de Berlevaag parece uma cidade de brinquedcom pequenas peas de madeira pintadas de cinza, amarelo, rosa e muitas outras cores.

    H sessenta e cinco anos, duas senhoras idosas moravam em uma das casas amarelas. Outramulheres dessa poca usavam anquinhas e as duas irms poderiam t-las usado com tanta graquanto qualquer uma delas, pois eram altas e esbeltas. Mas jamais possuram artigo algum da mhaviam se vestido com recato em cinza ou preto por toda a vida. Seus nomes de batismo eram

    e Philippa, em homenagem a Martinho Lutero e seu amigo Philipp Melanchthon. O pai delas fe profeta, fundador de algum grupo ou seita eclesistica devota, conhecida e respeitada em todNoruega. Seus membros renunciavam aos prazeres deste mundo, pois a terra e tudo que contineles no constituam seno um tipo de iluso, e a verdadeira realidade era a Nova Jerusalm aspiravam. Jamais praguejavam, sua comunicao se dava com sim sime no noe tratavam-saos outros por irmo e irm.

    O deo casara-se em idade provecta e por essa poca havia muito j morrera. Os discpulosminguavam ano aps ano, assim como a cor de seus cabelos, os prprios cabelos, a audio;tornavam-se at mesmo um pouco chorosos e briguentos, de modo que pequenos cismas surgia

    congregao. Mas continuavam a se reunir para ler e interpretar a Palavra. Todos haviam conhfilhas do deo desde garotinhas; para eles, continuavam a ser duas irms pequenas, preciosas pcausa do pai querido. Na casa amarela, sentiam que o esprito do Mestre estava entre eles; aliencontravam-se em casa e em paz.

    Essas duas senhoras tinham uma criada francesa, pau para toda a obra, Babette.Era uma coisa estranha para uma dupla de mulheres puritanas numa pequena cidade noruegu

    que tudo indica, chegou-se at a exigir uma explicao. O povo de Berlevaag encontrou a explinos sentimentos piedosos e na bondade de corao das irms. Pois as filhas do velho deo gasttempo e os pequenos rendimentos em obras de caridade; nenhuma criatura infeliz ou aflita bati

    porta em vo. E Babette chegara quela porta doze anos antes como uma fugitiva sem amigos,enlouquecida de dor e medo.

    Mas o verdadeiro motivo para a presena de Babette na casa das duas irms estava para serdescoberto buscando-se um pouco mais fundo no passado e nos domnios do corao humano.

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    II. O NAMORADO DE MARTINE

    Na juventude, Martine e Philippa haviam sido extraordinariamente belas, com a beleza quasesobrenatural das flores de rvores frutferas ou das neves perptuas. Nunca eram vistas nos bainas festas, mas as pessoas viravam a cabea quando passavam na rua e os rapazes de Berlevaaigreja para v-las caminhar pela nave lateral. A irm mais jovem era ainda dona de uma voz adque aos domingos enchia a igreja com sua graa. Para a congregao do deo, o amor terreno ede despos-lo constituam assuntos triviais, em si mesmos nada seno iluso; mesmo assim pque mais de um dos velhos irmos andasse cobiando as jovens como rubis e que tal o dessem

    entender ao pai delas. Mas o deo declarara que para ele e sua vocao as filhas eram sua mo e esquerda. Quem quereria priv-lo delas? E as formosas garotas haviam crescido sob o ideal dceleste; dele estavam repletas e no se deixavam ser tocadas pelas chamas deste mundo.

    E mesmo assim perturbaram a paz de esprito de dois cavalheiros provenientes do vasto munde Berlevaag.

    Havia um jovem oficial chamado Lorens Loewenhielm, que desfrutara de uma vida de dissipna cidade para onde fora destacado e contrara dvidas. No ano de 1854, quando Martine tinha de dezoito, e Philippa, dezessete, um indignado pai obrigou-o a fazer uma visita mensal tia evelha casa de campo em Fossum, perto de Berlevaag, onde teria tempo de refletir e melhorar s

    hbitos. Certo dia, cavalgou at a cidade e avistou Martine na praa do mercado. Do alto da mfitou a linda moa, que devolveu o olhar ao belo cavaleiro. Depois que ela passou e desaparecesem saber se devia acreditar nos prprios olhos.

    Na famlia Loewenhielm havia algo como uma lenda de que muito tempo antes um dos ancedesposara uma huldre, um esprito das montanhas norueguesas, to bela que o ar ao seu redor cse agita. Desde ento, de tempos em tempos, alguns membros da famlia tornaram-se clarivideovem Lorens at o momento no tomara cincia de nenhum dom espiritual particular em sua p

    natureza. Mas, naquele preciso instante, saltou diante de seus olhos uma viso sbita, poderosauma vida mais elevada e pura, sem credores, cartas de cobrana ou sermes paternos, sem

    desagradveis e secretas dores de conscincia e com um gentil anjo de cabelos dourados a guirecompens-lo.

    Por intermdio da tia devota, conseguiu ser admitido na casa do deo e viu que Martine era mais adorvel sem a touca. Seguia sua figura esguia com olhar de venerao, mas abominava edesprezava a figura que ele prprio fazia em sua presena. Ficava atnito e chocado com o fatoconseguir encontrar absolutamente nada para dizer e nenhuma inspirao no copo dgua pousdiante dele. A misericrdia e a verdade, caros irmos, encontraram uma outra, dizia o deoretido e a bem-aventurana beijaram uma outra. E os pensamentos do jovem estavam no mem que Lorens e Martine estariam beijando um ao outro. Repetia sua visita regularmente, e a c

    sentia-se menor, mais insignificante e desprezvel.Quando voltava noite para a casa da tia, chutava as paredes do quarto com as reluzentes bo

    montaria; chegou at a deitar a cabea na mesa e chorar.No ltimo dia de sua estadia, fez uma ltima tentativa de comunicar os sentimentos a Martin

    ento, sempre fora fcil para ele dizer a uma garota bonita que a amava, mas as palavras ternasficaram presas em sua garganta quando fitou o rosto da donzela. Aps se despedir dos demais,o acompanhou porta com um castial na mo. A luz brilhou em seus lbios e projetou-lhe nosombras de seus longos clios. Estava prestes a sair em mudo desespero quando, ali na soleira,subitamente agarrou sua mo e apertou-a contra os lbios.

    Vou partir para sempre!, gemeu. Nunca, nunca mais a verei! Pois aprendi aqui que o dest

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    severo e que neste mundo h coisas impossveis!Ao ver-se de volta cidade com sua guarnio, acreditou que a aventura terminara, descobri

    no gostava nem um pouco de pensar naquilo. Enquanto os outros jovens oficiais contavam seuamorosos, permanecia silencioso a respeito do seu. Pois, visto do rancho dos oficiais, o que eqdizer, visto aos olhos deles, a histria era deplorvel. Como fora acontecer de um tenente doshussardos se deixar derrotar e frustrar por um punhado de sectrios melanclicos, nas austerasdependncias sem tapetes da casa de um velho deo?

    Ento teve medo; o pnico se abateu sobre ele. Seria a loucura familiar que o levava a contin

    carregando consigo a imagem sonhadora de uma jovem to bela que fazia o ar em torno brilhapureza e santidade? No queria ser um sonhador; queria ser como seus irmos de armas.

    Assim, procurou se controlar e, no maior esforo de sua juventude, determinou-se a esqueceocorrido em Berlevaag. Dali em diante, resolveu, olharia para a frente, no para o passado. Iriaconcentrar em sua carreira e logo chegaria o dia em que faria uma figura brilhante num mundobrilhante.

    Sua me ficou satisfeita com o resultado da estadia em Fossum e em suas cartas expressava gratido tia. Mal sabia ela por que estranhos, tortuosos caminhos o filho alcanara aquela felperspectiva moral.

    O ambicioso jovem oficial em pouco tempo chamou a ateno dos superiores e foi promovirapidez extraordinria. Enviaram-no para Frana e Rssia e ao regressar casou-se com uma damcompanhia da rainha Sofia. Nesses altos crculos movia-se com graa e leveza, satisfeito com meio e consigo mesmo. Chegou at, com o correr do tempo, a tirar benefcio das palavras e atoficaram gravados em sua mente na casa do deo, pois o comportamento devoto agora estava emna corte.

    Na casa amarela de Berlevaag, Philippa s vezes desviava a conversa para o belo e silenciosque to subitamente aparecera para do mesmo modo tornar a desaparecer. A irm mais velha erespondia delicadamente, com o rosto sereno, imperturbvel, e encontrava outros assuntos para

    discutir.

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    III. O NAMORADO DE PHILIPPA

    Um ano mais tarde, uma pessoa ainda mais notvel do que o tenente Loewenhielm foi a BerlevO grande cantor Achille Papin, de Paris, cantara por um ano na pera Real, em Estocolmo, e

    como em toda parte, arrebatara seu pblico. Certa noite, uma dama da corte, que sonhava em tromance com o artista, descrevera-lhe a paisagem selvagem e grandiosa da Noruega. Sua prpnatureza romntica foi agitada pelo relato e ele incluiu no trajeto de volta Frana uma passagcosta norueguesa. Porm, sentiu-se pequeno naquele cenrio sublime; sem ningum com quemconversar, mergulhou numa melancolia em que via a si mesmo como um velho em fim de carr

    que num domingo, quando no conseguia imaginar outra coisa para fazer, foi igreja e ouviu Pcantar.Ento, num lampejo, percebeu e compreendeu tudo. Pois ali estavam os picos nevados, as fl

    selvagens e as brancas noites nrdicas traduzidas em sua prpria linguagem musical e levadas pela voz de uma jovem. Como Lorens Lowenhielm, teve uma viso.

    Deus Todo-Poderoso, pensou, Vosso poder no conhece limites e Vossa misericrdia eleat as nuvens! E aqui est uma prima-dona da pera que vai deixar Paris a seus ps.

    Achille Papin, nessa poca, era um belo quarento, com cabelos pretos encaracolados e bocavermelha. A idolatria de naes no o estragara; era uma pessoa de bom corao e honesto con

    mesmo.Foi direto casa amarela, deu seu nome que para o deo no dizia nada e explicou que p

    uma estadia em Berlevaag para cuidar da sade e, enquanto isso, ficaria feliz em ter a jovem dcomo sua pupila.

    No mencionou a pera de Paris, mas descreveu minuciosamente como seria lindo o canto dsenhorita Philippa na igreja, para a glria do Senhor.

    Em determinado momento cometeu um deslize, pois quando o deo perguntou se era um catromano, respondeu segundo a verdade, e o velho clrigo, que jamais vira um catlico romano, um tanto plido. Mesmo assim, o deo alegrou-se de poder exercitar o francs, que o lembrava

    dias de juventude, quando estudara as obras do grande escritor luterano francs Lefvre dtapcomo ningum era capaz de fazer frente a Achille Papin quando de fato punha todo seu empenassunto, no fim o pai acabou concordando, e observou para a filha: Os caminhos do Senhor copelo oceano e pelas montanhas nevadas, onde o olhar do homem no enxerga nenhum rastro.

    Assim, o grande cantor francs e a jovem aprendiz norueguesa puseram-se a trabalhar juntosexpectativas de Achille tornaram-se uma certeza e a certeza transformou-se em xtase. PensavErrei em pensar que estava ficando velho. Meus maiores triunfos encontram-se diante de mimmundo vai voltar a acreditar em milagres quando cantarmos juntos!.

    Aps algum tempo, no conseguiu mais guardar seus sonhos para si mesmo e contou a Phili

    sobre eles.Ela iria, disse, subir como uma estrela acima de qualquer diva do passado ou do presente. O

    imperador e a imperatriz, os prncipes, as nobres damas e bels espritsde Paris iriam ouvi-la e vlgrimas. As pessoas comuns tambm iriam vener-la e levaria consolo e fora aos injustiadooprimidos. Quando deixasse a Grand Opra de braos dados com o mestre, a multido a tirariacavalo e a conduziria nos ombros ao Caf Anglais, onde uma ceia magnfica a aguardava.

    Philippa no repetiu essas expectativas para seu pai ou sua irm e essa foi a primeira vez emvida que guardava um segredo deles.

    O professor agora dava pupila o papel de Zerlina na peraDon Giovanni, de Mozart, para eEle prprio, como tantas vezes antes, cantaria o papel de Don Giovanni.

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    Jamais em sua vida cantara como agora. No dueto do segundo ato chamado o dueto da sedflutuava de emoo com a msica celestial e as vozes celestiais. Quando a ltima nota comoveagonizou, agarrou as mos de Philippa, puxou-a para junto de si e beijou-a solenemente, comonoivo beijaria a noiva diante do altar. Ento a soltou. Pois o momento era sublime demais paraquaisquer outros gestos ou palavras; Mozart em pessoa olhava os dois l do alto.

    Philippa foi para casa, disse ao pai que no queria mais saber de aulas de canto e pediu-lhe pescrever e dizer tal coisa a Monsieur Papin.

    O deo disse: E os caminhos do Senhor correm pelos rios, minha criana.

    Quando Achille recebeu a carta do deo, sentou-se imvel por uma hora. Pensou: Eu me enMeu dia chegou. Nunca mais serei o divino Papin. E este pobre jardim inculto do mundo perderouxinol!.

    Um pouco depois, pensou: Fico me perguntando qual ser o problema com aquela diabinhaque por acaso a beijei?.

    No fim, pensou: Perdi minha vida por um beijo e no guardo a menor lembrana desse beijGiovanni beijou Zerlina e Achille Papin quem paga! Tal o destino do artista!.

    Na casa do deo, Martine pressentia que a questo era mais profunda do que parecia e perscrrosto da irm. Por um momento, com um ligeiro tremor, tambm imaginou que o cavalheiro c

    romano talvez houvesse tentado beijar Philippa. Mas no imaginava que a irm pudesse ter ficsurpresa e atemorizada com algo de sua prpria natureza.

    Achille Papin tomou o primeiro barco que saiu de Berlevaag.Sobre o visitante do grande mundo, as irms falaram muito pouco; faltavam-lhes as palavras

    que discuti-lo.

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    IV. UMA CARTA DE PARIS

    Quinze anos depois, numa noite chuvosa de junho, em 1871, a corda da campainha da casa ampuxada violentamente trs vezes. As donas da casa abriram a porta para uma mulher robusta, mmortalmente plida, com um pacote no brao, que as fitou com olhos arregalados, deu um passadiante e tombou sem sentidos sobre o limiar da porta. Quando as senhoras assustadas trouxerde novo conscincia, ela se sentou, lanou-lhes mais um relance com seus olhos fundos, o temtodo sem dizer palavra, tateou as roupas midas e apareceu com uma carta, que lhes estendeu.

    A carta era de fato endereada a elas, mas escrita em francs. As irms encostaram a cabea

    outra e a leram. Dizia o seguinte:Senhoras!Lembram-se de mim? Ah, quando penso nas senhoras meu corao se enche de lrios do vSer a lembrana da devoo de um francs capaz de comover seus coraes a ponto de svida de uma francesa?

    A portadora desta carta, Madame Babette Hersant, como minha linda imperatriz em peteve de fugir de Paris.A guerracivil assola nossas ruas. Mos de franceses tm derramadsangue francs. Os nobrescommunards, em defesa dos Direitos do Homem, foram esmaga

    aniquilados.O maridoe o filho de Madame Hersant, ambos eminentes cabeleireiros feminforam fuzilados. Ela mesma foi presa como umaptroleuse[1]e escapou por pouco das msanguinrias do general Galliffet. Perdeutodas suas as posses e no ousa permanecer naFrana.

    Um sobrinho dela cozinheiro a bordo do Anna Colbioernsson, com destino a Cristin, segundo creio, a capital da Noruega), e conseguiu uma oportunidade de embarcar sua agoraseu ltimo e triste recurso!

    Sabendo que fui outrora um visitante de seu magnfico pas, vem at mim, perguntandotenho conhecimento de alguma boa gente na Noruega, e me suplica que, se tal for o caso,

    fornea uma carta para essas pessoas. Estas duas palavras, boa gente, imediatamentetrouxeram-me diante dos olhos sua imagem, sagrada para meu corao. Eu a confio s seComo far para chegar de Cristinia a Berlevaag, no tenho ideia, tendo esquecido o mapNoruega. Mas uma francesa e descobriro que, mesmo em sua misria, ainda encontradesembarao, grandeza e estoicismo.

    Invejo-a em seu desespero: ela se ver diante de seus rostos.Quando a receberem misericordiosamente, enviem um pensamento misericordioso para

    Frana.Por quinze anos, senhorita Philippa, lamentei que sua voz no houvesse enchido a Gra

    Opra de Paris. Quando, esta noite, penso na senhora, sem dvida cercada por uma famle amorosa, e em mim, velho, solitrio, esquecido pelos que outrora me aplaudiram e adorsinto que deve ter escolhido a melhor parte da vida. O que a fama? O que a glria? Onos aguarda a todos!

    E ainda assim, minha Zerlina perdida, e ainda assim, soprano das regies geladas!, mque escrevo, sinto que o tmulo no o fim. No Paraso, ouvirei sua voz novamente. L a cantar, sem medos ou escrpulos, como Deus quis que cantasse. L ser a grande artistaDeus planejou. Ah, como encantar os anjos.

    Babette sabe cozinhar.Dignem-se receber, minhas senhoras, a humilde homenagem do amigo de outrora,

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    ACHIL

    No p da pgina, a ttulo de P.S., iam desenhados com capricho os dois primeiros compassos doentre Don Giovanni e Zerlina, assim:

    As duas irms, at o momento, contavam apenas com uma pequena empregada de quinze anosajud-las na casa e sentiam que no podiam se dar ao luxo de contratar uma governanta mais vexperiente. Mas Babette afirmou que serviria a boa gente de Monsieur Papin de graa e que naceitaria trabalhar para mais ningum. Se a mandassem embora, provavelmente morreria. Babpermaneceu na casa das filhas do deo por doze anos, at a poca desta histria.

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    V. NATUREZA-MORTA

    Babette chegara exaurida e com olhar esgazeado, como um animal sendo caado, mas, em seu ambiente de cordialidade, logo adquiriu a aparncia de uma criada confivel e respeitvel. Antparecera uma mendiga; agora, mostrava-se uma conquistadora. As feies serenas e o olhar firprofundo tinham qualidades magnticas; sob seus olhos, as coisas se moviam, sem fazer rudolugar apropriado.

    As donas da casa, no incio, estremeceram levemente, tal como o deo, no passado, ante a idacolher uma papista sob seu teto. Mas no lhes agradava aborrecer sua semelhante, uma criatu

    passara por to duras provaes, com catequizaes; tampouco estavam muito seguras do prpfrancs. Tacitamente concordaram que o exemplo de uma boa vida luterana seria o melhor meconverter a criada. Desse modo, a presena de Babette na casa tornou-se, por assim dizer, um amoral para suas moradoras.

    Desconfiaram da afirmativa de Monsieur Papin de que Babette podia cozinhar. Na Frana, esabiam, as pessoas comiam rs. Mostraram a Babette como preparar o bacalhau seco e uma socerveja com po; durante a demonstrao, o rosto da francesa ficou absolutamente impassvel.em uma semana Babette preparava bacalhau seco e sopa de cerveja com po to bem quanto quum nascido e criado em Berlevaag.

    A ideia do luxo e da extravagncia dos franceses foi o ponto seguinte a causar alarme e aprefilhas do deo. No primeiro dia em que Babette ficou a seu servio, chamaram-na e explicaramque eram pobres e que, para elas, comidas sofisticadas eram pecado. A alimentao delas tinhao mais simples possvel; eram os paneles de sopa e cestas para os pobres que importavam. Babalanou a cabea; quando menina, informou s senhoras, fora cozinheira de um velho padre qum santo. Ao ouvir isso, as irms resolveram suplantar o padre francs em ascetismo. E logodescobriram que, a partir do dia em que Babette encarregou-se da administrao da casa, seus foram milagrosamente reduzidos e as panelas de sopa e cestas adquiriram um poder novo e mide estimular e fortalecer os pobres e enfermos.

    O mundo do lado de fora da casa amarela tambm tomou conhecimento dos dotes de Babettrefugiada jamais aprendeu a falar a lngua de seu novo pas, mas com seu noruegus estropiadopechinchava preos com os mais empedernidos comerciantes de Berlevaag. Era tida com admino cais e na praa do mercado.

    Os velhos irmos e irms, que de incio olharam com desconfiana para a estrangeira em seuperceberam a feliz mudana na vida das irmzinhas e rejubilaram-se com isso e disso tiraramproveito. Descobriram que os problemas e preocupaes haviam desaparecido como que por enda existncia delas e que agora tinham dinheiro para dar, tempo para as queixas e confidnciasvelhos amigos e paz para meditar sobre assuntos celestiais. Com o correr do tempo, no foram

    os irmos e irms que incluram o nome de Babette em suas oraes, agradecendo a Deus pelasilenciosa estrangeira, a trigueira Marta na casa das duas claras Marias. A pedra que os construquase recusaram tornara-se a pedra angular.

    As senhoras da casa amarela eram as nicas a saber que sua pedra fundamental apresentava caracterstica misteriosa e alarmante, como que de certo modo relacionada pedra preta de Meprpria Caaba.

    Dificilmente Babette fazia referncia sua vida pregressa. Quando, nos primeiros dias, as irgentilmente prestaram-lhe as condolncias por suas perdas, tiveram contato com aquela grandeestoicismo sobre os quais Monsieur Papin havia escrito. O que as senhoras queriam?, respondando de ombros. o destino.

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    Mas um dia, inesperadamente, informou-as que por muitos anos tivera um bilhete da loteriafrancesa e que um amigo fiel em Paris continuava a renov-lo para ela todos os anos. Uma horganhar o grand prixde dez mil francos. Ao ouvir isso, sentiram que a velha bolsa de tapete de cozinheira era feita de um tapete mgico; num dado momento, ela poderia mont-la e ser levadlonge, de volta a Paris.

    E acontecia de Martine ou Philippa falarem com Babette e no obterem resposta e ficarem sperguntando se ao menos ela ouvira o que haviam dito. Encontravam-na na cozinha, os cotovefincados na mesa e as tmporas nas mos, perdida no estudo de um pesado livro negro que

    secretamente suspeitavam ser um livro de oraes papista. Ou ento ela se sentava imvel na cde trs pernas da cozinha, com as fortes mos no colo e os olhos escuros bem abertos, to enigfatal quanto uma pitonisa em sua trpode. Em momentos como esses, percebiam que Babette eprofunda e que no abismo de seu ser havia paixes, havia lembranas e desejos sobre os quais sabiam.

    Um pequeno calafrio percorreu-as e bem l no fundo pensaram: Quem sabe afinal de contatenha sido de fato umaptroleuse.

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    VI. A BOA SORTE DE BABETTE

    O dia 15 de dezembro teria sido o centsimo aniversrio do deo.Suas filhas havia muito ansiavam por esse dia e desejavam celebr-lo, como se seu estimado

    estivesse ainda entre os discpulos. Assim, foi triste e incompreensvel que naquele ano a discdissenso houvessem surgido entre o rebanho. Envidaram esforos para obter paz, mas estavamcientes de que haviam fracassado. Era como se o admirvel e afetuoso vigor da personalidade pai tivesse evaporado, assim como o analgsico de Hoffmann se deixado na prateleira numa gasem rolha. E sua partida deixara a porta entreaberta para coisas at ento desconhecidas das du

    irms, muito mais jovens do que os filhos espirituais de seu pai. De um passado meio sculo dquando as ovelhas sem pastor haviam se extraviado pelas montanhas, hspedes sinistros, noscalcanhares dos devotos, aproveitaram a brecha para penetrar sem serem convidados e lanaraos pequenos cmodos frio e escurido. Pecados dos velhos irmos e irms vieram tona com uremorso tardio e excruciante como dor de dente, e pecados de outros contra eles com o ressentamargo do sangue envenenado.

    Havia na congregao duas velhas senhoras que antes da converso haviam se difamadomutuamente, tendo assim arruinado os respectivos casamentos e uma herana. Agora, eram incde se lembrar de acontecimentos do dia anterior ou de uma semana antes, mas no esqueciam

    agravo de quarenta anos no passado e continuavam a remoer antigas histrias, rosnando uma poutra. Havia um velho irmo que subitamente se lembrou de como outro irmo, quarenta e cinantes, o tapeara num negcio; talvez houvesse desejado apagar o assunto de sua mente, mas aqpermanecia cravado ali como uma ferida purulenta. Havia um velho e honrado comandante deuma viva enrugada e devota que, na juventude, quando ela era esposa de outro homem, haviamamantes. Ultimamente, ambos comearam a se afligir, enquanto tiravam o fardo da culpa dos pombros e o jogavam um sobre o outro, para depois assumi-lo novamente, preocupando-se compossveis consequncias terrveis, por toda a eternidade, para si mesmos, provocadas pela pessno passado jurararam amar. Ficavam muito plidos durante as reunies na casa amarela e evita

    olhar um do outro. medida que a comemorao se aproximava, Martine e Philippa sentiam cada vez mais o p

    responsabilidade. Iria o pai que sempre lhes fora fiel olhar para as filhas l de cima e consideranfitris injustas? Discutiam bastante o assunto entre si e repetiam as palavras de seu pai: que caminhos do Senhor correm at pelo mar salgado e pelas montanhas cobertas de neve, onde o homem no enxerga nenhum rastro.

    Certo dia, nesse vero, o correio trouxe uma carta da Frana para Madame Babette Hersant. uma coisa em si mesma surpreendente, pois ao longo de doze anos Babette jamais recebera caralguma. As senhoras perguntavam-se o que poderia ela conter. Levaram-na cozinha para v-l

    e ler a carta. Babette a abriu, leu, ergueu os olhos do papel para o rosto das duas mulheres e disque sara seu nmero na loteria francesa. Ela havia ganho dez mil francos.

    A notcia causou tal impresso nas duas irms que ao longo de todo um minuto foram incapdizer palavra. Elas mesmas estavam acostumadas a receber sua penso modesta em pequenas pera-lhes difcil at imaginar a quantia de dez mil francos de uma vez. Ento apertaram a mo dBabette, suas prprias mos ligeiramente trmulas. Nunca haviam apertado a mo de uma pessum minuto antes entrara em posse de dez mil francos.

    Aps alguns instantes, deram-se conta de que aquele acontecimento dizia respeito tanto a elquanto a Babette. A nao francesa, sentiam, assomava lentamente no horizonte da criada e, decorrespondente, a prpria existncia delas afundava-lhes sob os ps. Os dez mil francos que a

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    tornaram rica quo pobre no tornaram a casa na qual servira! Uma a uma, antigas ansiedadpreocupaes esquecidas comearam a botar as cabecinhas para fora e espi-las dos quatro cancozinha. As felicitaes morriam em seus lbios e as duas senhoras devotas envergonhavam-seprprio silncio.

    Ao longo dos dias seguintes, anunciaram a notcia para os amigos com alegria estampada nomas fazia-lhes bem ver o rosto desses amigos ganhar uma expresso triste medida que a escuNingum era o sentimento geral da irmandade podia realmente pr a culpa em Babette: psregressam a seus ninhos e seres humanos ao pas onde nasceram. Mas ser que a boa e fiel cria

    dava conta de que partindo de Berlevaag estaria deixando tanta gente velha e pobre mergulhadaflio? Suas caras irmzinhas no teriam mais tempo para os enfermos e desvalidos. Sem somdvida, loterias eram uma coisa blasfema.

    No devido tempo, o dinheiro chegou por escritrios de Cristinia e Berlevaag. As duas senhajudaram Babette a cont-lo e deram-lhe uma caixa para guard-lo. Manusearam e ganharamfamiliaridade com os agourentos maos de papel.

    No ousavam perguntar a Babette sobre a data de sua partida. Ousariam esperar que permancom elas at o dia 15 de dezembro?

    As donas da casa nunca sabiam muito bem at que ponto a cozinheira acompanhava ou com

    suas conversas particulares. Assim, ficaram surpresas quando, numa noite de setembro, Babettna sala de visitas, mais humilde ou submissa do que jamais a viram, para pedir um favor. Rogadisse, que a deixassem preparar um jantar de comemorao para o aniversrio do deo.

    No fora inteno das senhoras que houvesse jantar algum. Uma ceia muito simples com umxcara de caf era a refeio mais suntuosa qual j haviam levado qualquer convidado a sentaos olhos negros de Babette eram ansiosos e suplicantes como os de um cachorro; concordaramfizesse as coisas do seu jeito. Ao ouvir isso, o rosto da cozinheira se iluminou.

    Mas tinha mais a dizer. Queria, disse, fazer um jantar francs, um autntico jantar francs, dnica vez. Martine e Philippa olharam uma para a outra. No gostaram da ideia; pressentiam q

    sabiam o que aquilo poderia implicar. Mas a prpria estranheza do pedido as desarmou. No tiargumentos com que fazer frente proposta de preparar um autntico jantar francs.

    Babette soltou um profundo suspiro de felicidade, mas continuou imvel. Tinha ainda uma pfazer. Rogava s donas da casa que lhe permitissem pagar o jantar francs com o prprio dinhe

    No, Babette!, exclamaram as senhoras. Como podia imaginar uma coisa dessas? Acreditaque lhe permitiriam gastar seu precioso dinheiro com comida e bebida ou com elas? No, Bde jeito nenhum.

    Babette deu um passo frente. Havia algo de formidvel nesse movimento, como uma ondaavolumando. Teria ela arremetido dessa forma, em 1871, para fincar uma bandeira vermelha nbarricada? Falou, em seu esquisito noruegus, com a clssica eloquncia francesa. Sua voz erauma cano.

    Senhoras! Alguma vez, nesses doze anos, pedira algum favor? No! E por que no? As senhque elevam suas preces todos os dias, conseguem imaginar o que significa para um corao huno ter prece alguma a fazer? Para o que Babette oraria? Nada! Esta noite, tinha uma prece a fafundo de seu corao. No sentem esta noite, minhas senhoras, ser sua incumbncia condescencom a mesma alegria com que o bom Deus tem condescendido a elas?

    As mulheres, por um minuto, nada disseram. Babette tinha razo; era a primeira coisa que p

    doze anos; muito provavelmente seria a ltima. Refletiram um pouco. Afinal, disseram a si mecozinha deles era melhor que a delas e um jantar no faria diferena para uma pessoa que poss

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    mil francos.Seu consentimento enfim mudou Babette completamente. Perceberam que na juventude fora

    linda mulher. E ficaram imaginando se nessa hora elas prprias no haviam, pela primeira veztornado para ela a boa gente da carta de Achille Papin.

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    VII. A TARTARUGA

    Em novembro, Babette saiu de viagem.Disse s donas da casa que tinha alguns preparativos para fazer e precisaria de uma folga de

    semana ou dez dias. O sobrinho, que outrora a levara at Cristinia, continuava a passar pela cem seu navio; tinha de v-lo e conversar alguns assuntos com ele. Babette era pssima marinhcontava sobre sua nica viagem martima, da Frana Noruega, como a experincia mais terrsua vida. Agora estava estranhamente controlada; as mulheres sentiam que seu corao j se acFrana.

    Dez dias depois, voltou a Berlevaag.Conseguira fazer os arranjos conforme desejara?, perguntaram as duas. Sim, respondeu, havencontrado com o sobrinho e lhe passado uma lista de artigos para trazer da Frana. Para MartPhilippa, aquilo era uma declarao obscura, mas no queriam se afligir em falar de sua partidmodo que no fizeram mais perguntas.

    Babette ficou um pouco nervosa ao longo das semanas seguintes. Mas, certo dia, em dezembanunciou triunfante s patroas que os artigos haviam chegado em Cristinia, de l foram baldenesse exato dia, tinham chegado a Berlevaag. E, acrescentou, havia combinado com um velho com um carrinho de mo para transport-los do porto at a casa.

    Mas que artigos, Babette?, perguntaram as senhoras. Ora, madames, replicou Babette, osingredientes do jantar de aniversrio. Louvado seja Deus, chegaram todos em bom estado de P

    A essa altura, Babette, como o gnio engarrafado do conto de fadas, inchara e crescera numadimenso tal que as donas da casa sentiram-se pequenas diante dela. Viam agora o jantar francvindo em sua direo, uma coisa de natureza e alcance incontrolveis. Mas jamais em suas vidhaviam quebrado uma promessa; entregaram-se s mos de sua cozinheira.

    Mesmo assim, quando Martine viu um carrinho de mo abarrotado de garrafas entrando pelacozinha, ficou paralisada. Tocou-as e ergueu uma delas. O que isto na garrafa, Babette?, peem voz baixa. Seria vinho? Vinho, madame!?, retrucou Babette. No, madame. um Clo

    Vougeot 1846! Aps um minuto, acrescentou: De Philippe, na Rue Montorgueil!. Martine jsuspeitara que vinhos pudessem ter nome, ento ficou em silncio.

    Mais para o final da tarde, abriu a porta ao ouvir o sino da campainha e novamente viu-se dicarrinho de mo, dessa vez com um pequeno marujo ruivo atrs dele, como se o velho houvessaltura ficado exausto. O jovem sorriu para ela conforme erguia um objeto grande, indefinvel, carrinho. luz do lampio, parecia um tipo de pedra verde-escura, mas ao ser pousada no chocozinha, subitamente ps para fora uma cabea em forma de serpente e moveu-se ligeiramentelado a outro. Martine j vira desenhos de tartarugas e chegara at a possuir uma tartaruga deestimao, quando criana, mas aquela coisa era de um tamanho monstruoso, terrvel de se olh

    Retrocedeu da cozinha sem emitir uma palavra.No ousava contar irm o que vira. Passou a noite praticamente insone; pensava no pai e s

    que justo na noite de seu aniversrio ela e a irm cediam sua casa para um sab de bruxas. Quaenfim pegou no sono, teve um sonho terrvel, em que via Babette envenenando os velhos irmoirms, Philippa e ela prpria.

    Bem cedo de manh ela se levantou, vestiu sua capa cinza e saiu para a rua escura. Caminhocasa em casa, abriu o corao para os irmos e irms e confessou sua culpa. Ela e Philippa, distiveram m inteno; haviam condescendido com uma prece de sua criada e no previram o qupoderia advir daquilo. Agora no saberia dizer o que, no aniversrio do pai, seria servido aosconvidados para comer e beber. No mencionou de fato a tartaruga, mas era algo presente em

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    rosto e sua voz.A gente mais velha, como j se contou, conhecia Martine e Philippa desde garotinhas; havia

    visto chorar amargamente por causa de uma boneca quebrada. As lgrimas de Martine trouxerlgrimas a seus prprios olhos. Reuniram-se tarde e conversaram sobre o problema.

    Antes de se separar outra vez, prometeram uns aos outros que, em nome de suas irmzinhasno grande dia, manter silncio quanto a qualquer tipo de comida ou bebida. Nada que pudesse posto diante deles, fossem rs ou lesmas, arrancaria uma palavra de seus lbios.

    Mesmo assim, disse um irmo de barbas brancas, a lngua um pequeno membro e jacta

    grandes coisas. No nasceu homem capaz de dom-la; um demnio rebelde, cheio de venenomortfero. No dia de nosso mestre, limparemos nossas lnguas de todo paladar e as purificaremtodo prazer ou averso dos sentidos, resguardando-as e preservando-as para coisas mais elevadlouvor e ao de graas.

    To poucas coisas j haviam acontecido na tranquila existncia da irmandade de Berlevaag qsentiram nesse momento profundamente comovidos e elevados. Apertaram as mos sobre suapromessa solene e foi como se o estivessem fazendo diante do rosto do mestre.

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    VIII. O HINO

    No domingo de manh, comeou a nevar. Os alvos flocos caam rpidos e espessos; as pequenvidraas da casa amarela ficaram forradas de neve.

    Mais cedo nesse dia um cavalario vindo de Fossum trouxe um bilhete s duas irms. A velhsenhora Loewenhielm ainda residia em sua casa de campo. Estava agora com noventa anos de surda como uma porta, e perdera todo o sentido do olfato ou do paladar. Mas fora uma das primseguidoras do deo e nem sua enfermidade, nem a viagem de tren impediriam-na de honrar sumemria. Agora, escrevia, o sobrinho, general Lorens Loewenhielm, aparecera inesperadamen

    uma visita; falara com profunda venerao do deo e a mulher rogava permisso para lev-lo jFaria-lhe bem, pois o caro rapaz parecia um pouco deprimido.Martine e Philippa, ao ler aquilo, lembraram-se do jovem oficial e de suas visitas; era um al

    para sua ansiedade presente falar a respeito dos velhos dias felizes. Escreveram de volta para do general Loewenhielm seria bem-vindo. Tambm chamaram Babette para inform-la que agoseriam doze para o jantar; acrescentaram que o ltimo convidado vivera em Paris por vrios anBabette pareceu feliz com a notcia e assegurou-lhes que a comida seria suficiente.

    As anfitris fizeram seus pequenos preparativos na sala de visitas. No ousavam pr o p nacozinha, pois Babette arranjara misteriosamente um ajudante de um navio do porto o mesmo

    percebeu Martine, que trouxera a tartaruga para auxili-la na cozinha e servir mesa, de modagora a mulher morena e o rapaz ruivo, como uma bruxa com seu demnio familiar, haviam toposse daquelas paragens. As duas senhoras no saberiam dizer que chamas queimavam ou quecaldeires borbulhavam ali desde antes do amanhecer.

    Toalhas e guardanapos e jogos de pratos haviam sido magicamente passados pela calandra upolidos outros, trouxeram-se copos e garrafas para servir licores, s Babette sabia de onde. A cdeo no possua doze cadeiras na sala de jantar, ento o comprido sof de crina de cavalo forada sala de estar, que, sempre escassamente mobiliada, agora parecia estranhamente grande edesguarnecida sem ele.

    Martine e Philippa fizeram o melhor possvel para embelezar os domnios deixados a elas. Fquais fossem os apertos que pudessem estar espera de seus convidados, em todo caso ao menpassariam frio; por todo o dia, as irms alimentaram o imenso aquecedor com tocos de btula.Penduraram uma coroa de zimbros em torno do retrato do pai na parede e puseram castiais napequena mesa de costura de sua me, sob ele; queimaram ramos de zimbro para espalhar um oagradvel pelo ambiente. Nesse nterim, perguntavam-se se com aquele tempo o tren vindo dFossum conseguiria chegar. No fim, arrumaram-se com seus melhores vestidos pretos velhos ecrucifixos de ouro da crisma. Sentaram-se, cruzaram as mos no colo e se consagraram a Deus

    Os velhos irmos e irms chegaram em pequenos grupos e entraram na sala lenta e solenem

    O cmodo baixo com seu piso nu e moblia parca era caro aos discpulos do deo. Alm de sanelas ficava o vasto mundo. Visto do lado de dentro, o vasto mundo em sua alvura hibernal e

    sempre lindamente delineado em rosa, azul e vermelho pela fileira de jacintos nos peitoris. E nvero, quando as janelas estavam abertas, o vasto mundo era emoldurado por cortinas levemenesvoaantes de branca musselina.

    Nessa noite, os convidados foram acolhidos na soleira pelo calor e o cheiro agradvel e fitarrosto do estimado mestre engrinaldado por sempre-vivas. Seus coraes, assim como os dedosadormecidos, se aqueceram.

    Um irmo muito idoso, aps alguns minutos de silncio, com a voz trmula comeou a entodos hinos escritos pelo prprio mestre:

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    Jerusalm, minha terra feliz,nome para mim sempre querido

    Uma a uma, as demais vozes se juntaram, finas e alquebradas vozes de mulheres, guturais vozde velhos confrades e lobos do mar, e acima de todas o lmpido soprano de Philippa, um poucopela idade, mas ainda angelical. Involuntariamente, o coro dera-se as mos. Cantaram o hino afim, mas no conseguiram parar e emendaram mais um:

    Descuida de roupa ou alimento,Zeloso, e tanta angstia

    As donas da casa tranquilizaram-se um pouco ao ouvi-lo, e as palavras da terceira estrofe

    Darias uma pedra, um rptil,De alimento a teu filho suplicante?

    calaram fundo no corao de Martine, enchendo-a de esperana.Na metade desse hino, sinos de tren foram ouvidos do lado de fora; os convidados de Fossu

    haviam chegado.Martine e Philippa foram receb-los e os acompanharam at a sala de visitas. A senhora

    Loewenhielm, com a idade, ficara um tanto mida, com um rosto plido como pergaminho e bimpassvel. A seu lado, o general Loewenhielm, alto, largo, rubicundo, com seu uniforme brilhpeito coberto de condecoraes, empertigava-se e cintilava como uma ave ornamental, um faisdourado ou um pavo, em meio ao austero grupo preto de corvos e gralhas.

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    IX. O GENERAL LOEWENHIELM

    O general Loewenhielm percorrera o trajeto de Fossum a Berlevaag num estranho estado de esNo visitava aquela parte do pas havia trinta anos. Viera agora para um descanso de sua atribuvida na corte, mas no encontrara descanso algum. A velha casa de Fossum era bastante tranquparecia de certo modo pateticamente pequena em comparao s Tulherias e ao Palcio de InvMas havia ali uma figura nada tranquila: o jovem tenente Loewenhielm passeava por seus apo

    O general Loewenhielm via a figura bela e esbelta passar diante dele. E, ao fazer isso, o jovelanava ao homem mais velho um rpido relance de olhos e um sorriso, o sorriso altivo e arrog

    que a juventude lana idade. O general poderia ter sorrido de volta, gentil e um pouco triste, idade sorri para a juventude, no fosse o fato de que no estava com a menor disposio para sestava, como a tia escrevera, deprimido.

    O general Loewenhielm conseguira tudo o que almejara na vida e era admirado e invejado ptodos. Somente ele tinha conhecimento de um fato esquisito, que trazia inquietao sua prspexistncia: o de que no era perfeitamente feliz. Alguma coisa estava errada em algum lugar e cuidadosamente apalpava o prprio eu espiritual aqui e ali, assim como algum aperta com o dpara determinar o local de um espinho profundamente encravado, invisvel.

    Gozava de grande favor junto realeza, sara-se bem em sua vocao, tinha amigos por toda

    O espinho no estava em nenhum desses lugares.Sua esposa era uma mulher inteligente e ainda bonita. Talvez negligenciasse um pouco a cas

    prol das visitas e festas; trocava de criados de trs em trs meses e as refeies do general na ccareciam de pontualidade. O general, que tinha a boa comida em alta conta na vida, sentia por uma certa amargura contra a mulher e secretamente a culpava pela dispepsia de que s vezes sAinda assim, o espinho no estava a, tampouco.

    No, mas uma coisa absurda vinha acontecendo ultimamente com o general Loewenhielm: pse preocupado com sua alma imortal. Haveria alguma razo para que o fizesse? Era uma pessomoral, leal a seu rei, sua esposa e seus amigos, um exemplo para todos. Mas havia momentos

    o mundo lhe parecia no uma questo moral, mas mstica. Olhava-se no espelho, examinava ode condecoraes em seu peito e suspirava: Vaidade, vaidade, tudo vaidade!.

    O estranho encontro em Fossum impelira-o a fazer o balano de sua vida.O Lorens Loewenhielm jovem atrara sonhos e fantasias como uma flor atrai abelhas e borb

    Lutara para se libertar deles; fugira e eles o seguiram. Tivera medo da huldreda lenda familiardeclinara de seu convite para acompanh-la montanha; rejeitara firmemente o dom da clariv

    O Lorens Loewenhielm velho pegou-se a desejar que um pequeno sonho cruzasse seu caminuma cinzenta mariposa do crepsculo fosse visit-lo antes que a noite casse. Pegou-se desejanfaculdade da clarividncia, assim como um cego almeja a faculdade normal da viso.

    Pode a soma de inmeras vitrias em muitos anos e em muitos pases constituir uma derrotageneral Loewenhielm cumprira os desejos do tenente Loewenhielm e mais do que satisfizera sambies. Podia-se dizer que ganhara o mundo todo. E acontecia agora que o imponente e vivihomem mais velho virava-se para a jovem e ingnua figura a fim de lhe perguntar, gravementecom amargura, com que proveito? Em algum lugar alguma coisa se perdera.

    Quando a senhora Loewenhielm contara ao sobrinho a respeito do aniversrio do deo e eleresolvera acompanh-la a Berlevaag, sua deciso no se resumira a aceitar um convite para jan

    Estava determinado, nessa noite, a fazer um ajuste de contas com o Lorens Loewenhielm jovque se mostrara uma figura tmida e triste na casa do deo e que, no fim, sacudira o p das botequitao. Deixaria o jovem lhe provar, de uma vez por todas, que trinta e um anos antes toma

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    escolha acertada. Os cmodos baixos, o hadoque e o copo dgua na mesa diante dele seriamchamados todos a testemunhar que em seu meio a existncia de Lorens Loewenhielm teria se tem pouco tempo pura infelicidade.

    Deixava sua mente divagar para longe. Em Paris, ganhara certa vez um concours hippiquee aclamado por altos oficiais da cavalaria francesa, entre eles, prncipes e duques. Um jantar emhomenagem fora dado no restaurante mais elegante da cidade. sua frente, na mesa, estava umda nobreza, uma famosa beldade a quem havia tempos cortejava. Na metade do jantar, ela erguolhos negros aveludados acima da borda de sua taa de champanhe e, sem dizer palavras, prom

    lhe a felicidade. No tren ele agora de repente lembrava-se de que, por um segundo, vira o rostMartine diante dele e o rejeitara. Por uns instantes ficou ouvindo o tilintar dos sininhos do trendepois sorriu ligeiramente ao refletir como iria nessa noite dominar as conversas em torno daqmesma mesa onde o jovem Lorens Loewenhielm se sentara mudo.

    Grandes flocos de neve caam densamente; na esteira do tren as marcas sumiam rapidamengeneral Loewenhielm permanecia sentado imvel ao lado da tia, o queixo afundado no espessocolarinho de pelo de seu casaco.

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    X. O JANTAR DE BABETTE

    Quando o diabinho ruivo de Babette abriu a porta para a sala de jantar e os convidados vagaroscruzaram a soleira, soltaram as mos uns dos outros e ficaram em silncio. Mas o silncio foiagradvel, pois em esprito continuavam de mos dadas e cantando.

    Babette dispusera uma fileira de velas no centro da mesa; as pequenas chamas lanaram umsobre os casacos e vestidos pretos e sobre o nico uniforme escarlate, refletindo-se nos olhos cmidos.

    O general Loewenhielm viu o rosto de Martine luz das velas assim como o vira quando os

    separaram, trinta anos antes. Que sinais trinta anos da vida em Berlevaag teriam deixado sobrecabelo dourado entremeava-se agora com fios prateados; o rosto como de uma flor transformarlentamente em alabastro. Mas quo serena era sua fronte, quo tranquilamente confiveis aqueolhos, quo pura e doce a boca, como se jamais uma palavra intempestiva houvesse deixado aqlbios.

    Quando todos estavam sentados, o membro mais velho da congregao disse a orao nas prpalavras do deo:

    Que meu alimento sustente meu corpo,

    que meu corpo sustente minha alma,que minha alma em gestos e palavrasd graas por todas as coisas ao Senhor.

    palavra alimento, os convidados, com as cabeas velhas inclinadas sobre as mos cruzadalembraram-se de como haviam feito a promessa de no pronunciar uma palavra sobre o assuntseu ntimo reforaram-na: no lhe dedicariam nem mesmo um pensamento! Estavam sentadosfazer uma refeio, certo, assim como as pessoas haviam feito nas bodas de Cana. E a graa descolhera se manifestar ali mesmo, no prprio vinho, to plena quanto em qualquer outra parte

    O assistente de Babette encheu um pequeno copo diante de cada membro do grupo. Erguerampara os lbios com ar grave, confirmando sua resoluo.O general Loewenhielm, um pouco desconfiado de seu vinho, deu um gole, sobressaltou-se,

    o copo primeiro at o nariz e depois na altura dos olhos e o pousou atnito. Isto muito estrapensou. Amontillado! E o melhor amontilladoque j provei em minha vida. Aps um momenfim de testar seus sentidos, tomou uma colherada de sopa, depois uma segunda colherada, e bacolher. Isto incrivelmente estranho!, disse de si para si. Pois sem dvida estou tomando sotartaruga e que sopa de tartaruga! Foi presa de um tipo esquisito de pnico e esvaziou o cop

    Geralmente, em Berlevaag, as pessoas no falam muito quando esto comendo. Mas de algu

    modo, nessa noite, as lnguas se soltaram. Um velho irmo contou a histria de seu primeiro encom o deo. Outro, falou sobre o sermo que sessenta anos antes levara-o converso. Uma seidosa, aquela a quem Martine primeiro confiara sua preocupao, lembrou s amigas como, emas aflies, qualquer irmo ou irm estava pronto para compartilhar o fardo alheio.

    O general Loewenhielm, que deveria dominar a conversa mesa do jantar, relatou que a colsermes do deo era o livro favorito da rainha. Mas quando um novo prato foi servido, ficou emsilncio. Incrvel!, disse para si mesmo. Blinis Demidoff! Olhou em torno para os comeTodos comiam tranquilamente seu Blinis Demidoff, sem o menor trao de surpresa ou aprovacomo se houvessem feito aquilo todos os dias por trinta anos.

    Uma irm do outro lado da mesa introduziu o assunto de estranhos acontecimentos que se p

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    quando o deo ainda se encontrava entre seus filhos e que se poderia ousar chamar de milagresse lembravam, perguntou, da vez em que prometera fazer um sermo de Natal na cidade do oudo fiorde? Por duas semanas, o tempo estivera to ruim que nenhum capito ou pescador arriscuma travessia. Os moradores da cidadezinha j haviam perdido a esperana, mas o deo lhes dse nenhum barco o levasse, iria at eles caminhando por sobre as ondas. E no que trs dias aNatal a tempestade amainou e uma densa camada de gelo cobriu as guas do fiorde de costa a isso foi algo que jamais acontecera antes, at onde todos se lembravam!

    O rapaz mais uma vez encheu os copos. Dessa vez, os irmos e irms sabiam que aquilo que

    era servido no era vinho, pois borbulhava. Devia ser algum tipo de limonada. A limonadaharmonizou-se com o estado de esprito exaltado de todos e pareceu ergu-los do solo, para umesfera mais elevada e pura.

    O general Loewenhielm mais uma vez baixou o copo, virou-se para o vizinho da direita e diMas sem dvida trata-se de um Veuve Clicquot 1860, no?. O homem lanou-lhe um olharbenvolo, sorriu e fez uma observao sobre o tempo.

    O ajudante de Babette tinha suas instrues; enchia os copos da irmandade apenas uma vez, voltava a encher o copo do general assim que esvaziava. O general o esvaziava rapidamente veoutra. Afinal, como deve se portar um homem de bom senso quando no pode confiar em seus

    sentidos? Melhor ficar bbado do que louco.Na maioria das vezes, os moradores de Berlevaag, no transcorrer de uma boa refeio, senti

    um pouco pesados. Nessa noite no foi assim. Os convivas sentiam-se cada vez mais leves, e desprito mais leve, quanto mais comiam e bebiam. J no precisavam mais lembrar-se de suapromessa. Era, percebiam, quando o homem no s esquecia completamente, como tambm refirmemente toda ideia de alimento e bebida que ele comia e bebia no esprito certo.

    O general Loewenhielm parou de mastigar e ficou imvel. Mais uma vez viu-se levado de vquele jantar em Paris do qual se lembrara no tren. Um prato incrivelmente refinado e saboroservido na ocasio; ele perguntara o nome para um colega ao lado, o coronel Galliffet, e o coro

    explicou-lhe sorridente que se chamava Cailles en Sarcophage. Posteriormente, contou-lhe qprato fora criado pelo chefdaquele mesmo caf onde jantavam, uma pessoa conhecida por todacomo o maior gnio culinrio da poca, e o mais surpreendente uma mulher! E de fato, dcoronel Galliffet, essa mulher est transformando um jantar no Caf Anglais numa espcie deenvolvimento amoroso num envolvimento amoroso daquela categoria nobre e romntica na qpessoa no mais distingue entre apetite ou saciedade, corporal e espiritual! J tive oportunidadfeita, de duelar em nome de uma bela dama. Por nenhuma mulher em toda Paris, meu jovem aderramaria meu sangue de mais boa vontade! O general Loewenhielm virou-se para o comensesquerda e disse: Mas isto Cailles en Sarcophage!. O vizinho, que estivera escutando a desde um milagre, fitou-o distraidamente, balanou a cabea e respondeu: Sim, sim, decerto. O qpoderia ser?.

    Dos milagres do mestre, a conversa em torno da mesa enveredara para os milagres menores bondade e obsequiosidade realizadas pelas suas filhas. O velho irmo que entoara o hino primecitou o deo dizendo: As nicas coisas que devemos levar conosco desta vida terrena so as qdoamos!. Os convivas sorriram que ricaas no seriam as pobres e simples donzelas no prxmundo!

    O general Loewenhielm no se espantava mais com nada. Quando, poucos minutos depois, v

    pssegos e figos frescos diante de si, riu para o comensal do outro lado da mesa e observou: Qlindas!. O vizinho replicou: E chegaram ao vale de Escol; l cortaram um ramo de videira co

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    cacho de uvas que levaram sobre uma vara.Ento o general sentiu que era hora de fazer um discurso. Ficou de p e aprumou-se todo.Ningum mais mesa do jantar se levantara para falar. A gente velha ergueu os olhos para o

    l no alto com uma expectativa grande e feliz. Estavam acostumados a ver marinheiros e vagacaindo de bbados com o grosseiro gim da terra, mas no reconheciam num guerreiro e cortesintoxicao provocada pelo vinho mais nobre do mundo.

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    XI. O DISCURSO DO GENERAL LOEWENHIELM

    A misericrdia e a verdade, meus amigos, encontraram uma outra, disse o general. A retidbem-aventurana devem beijar uma outra.

    Falava com uma voz lmpida que fora exercitada em campos de treinamento militar e ecoaraagradavelmente em sales da realeza e, mesmo assim, falava de uma maneira to nova para si e to estranhamente comovente que ao final da primeira frase teve de fazer uma pausa. Pois erhbito formar os discursos com cuidado, consciente de seu propsito, mas aqui, em meio congregao simples do deo, era como se toda a figura do general Loewenhielm, o peito cobe

    condecoraes, no fosse seno a porta-voz de uma mensagem destinada a vir a pblico.O homem, meus amigos, disse o general Loewenhielm, frgil e tolo. A todos j nos foia graa divina encontra-se por todo o universo. Mas em nossa tolice e miopia humanas, imaginser a graa finita. Por esse motivo, trememos Nunca, at aquele momento, o general afirmatremia; ficou genuinamente surpreso e at chocado de ouvir a prpria voz proclamar o fato.Trememos antes de fazer nossas escolhas na vida e aps t-las feito trememos de medo de terescolhido errado. Mas eis que chega o momento em que nossos olhos esto abertos e vemos epercebemos que a graa infinita. A graa, meus amigos, no exige nada de ns seno que aaguardemos com confiana e a reconheamos com gratido. A graa, irmos, no impe condi

    no escolhe nenhum de ns em particular; a graa nos toma a todos em seu seio e proclama angeral. Vejam! Aquilo que escolhemos nos dado e aquilo que recusamos nos igualmente, e amesmo tempo, concedido. Sim, que o que rejeitamos seja copiosamente vertido sobre ns. Poimisericrdia e a verdade encontraram uma outra e a retido e a bem-aventurana beijaram umoutra!

    Os irmos e irms no compreenderam inteiramente o discurso do general, mas seu rosto seinspirado e o som de palavras bem conhecidas e estimadas capturou e comoveu todos os coraDessa maneira, aps trinta e um anos, o general Loewenhielm triunfara em dominar a conversade jantar do deo.

    Sobre o que aconteceu mais tarde nessa noite, nada concreto pode ser afirmado. Nenhum doconvidados dali em diante guardou qualquer lembrana clara disso. S sabiam que os aposentocasa se encheram com uma luz celestial, como se inmeros pequenos halos houvessem se mistnuma nica e gloriosa radincia. Um bando de velhos taciturnos adquiriu o dom da glossolaliaouvidos que por anos estiveram quase surdos abriram-se para ela. O prprio tempo fundiu-se neternidade. Muito depois da meia-noite as janelas da casa brilhavam como ouro e canes doufluam atravs da janela invernal.

    As duas senhoras idosas que outrora haviam se difamado mutuamente agora em seus espritretrocediam muitos anos no passado, alm do perodo malvolo ao qual estavam presas, aos di

    mais tenra infncia quando, juntas, preparavam-se para a crisma e de mos dadas haviam enchruas de Berlevaag com cantorias. Um irmo na congregao deu em outro um soco nas costelaum bruto afago entre rapazes, e exclamou: Voc me tapeou com aquela madeira, seu patife!irmo assim abordado quase desmaiou numa sublime exploso de risadas, mas as lgrimas corlhe dos olhos. Sim, eu fiz isso, amado irmo, respondeu. Eu fiz isso. O Comandante HalvoMadame Oppergaarden de repente viram-se bem juntos um do outro num canto e trocaram umlongo beijo, para o qual o romance incerto e secreto da juventude jamais lhes dera tempo.

    O rebanho do velho deo era gente humilde. Quando, mais tarde em suas vidas, pensaram nenoite, nunca lhes ocorreu, a nenhum deles, que pudessem ter se exaltado por mrito prprio.Percebiam que a graa infinita sobre a qual o general Loewenhielm falara fora-lhes outorgada

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    mesmo se espantaram com o fato, pois se tratara da concretizao de uma esperana sempre prAs vs iluses deste mundo haviam se desmanchado diante de seus olhos como fumaa e viramuniverso como realmente . Foram agraciados com uma hora do milnio.

    A velha senhora Loewenhielm foi a primeira a sair. O sobrinho a acompanhou e suas anfitriiluminaram o caminho para eles. Enquanto Philippa ajudava a velha senhora com os inmerosagasalhos, o general tomou a mo de Martine e a segurou por longo tempo sem dizer palavra.Finalmente, falou:

    Tenho estado com voc todos os dias de minha vida. Sabe, no sabe, que tem sido assim?.

    Sei, disse Martine, sei que tem sido assim.E, prosseguiu ele, estarei com voc por todos os dias que ainda me restarem. Todas as no

    sentarei, se no em carne e osso, que nada significam, em esprito, que tudo, para jantarmos como esta noite. Pois esta noite descobri, querida irm, que neste mundo tudo possvel.

    Sim, assim , querido irmo, disse Martine. Neste mundo, tudo possvel.Com isso, separaram-se.Quando enfim o grupo se dispersou, a neve cessara. A cidade e as montanhas exibiam um es

    branco, sobrenatural, e o cu cintilava com milhares de estrelas. Na rua a neve era to profundficava difcil caminhar. Os convidados da casa amarela bambeavam em seus ps, cambaleavam

    sentavam-se abruptamente ou caam adiante sobre os joelhos e as mos, ficando cobertos de necomo se tivessem de fato lavado os pecados e os deixado brancos como l, e nesse inocente trarecuperado saltitassem como cordeirinhos. Foi um jbilo, para cada um deles, ter se tornado umcriana pequena. Foi tambm uma abenoada piada observar os velhos irmos e irms, que se to a srio, naquela espcie de segunda infncia celeste. Tropeavam e ficavam de p, seguiamcaminhando ou estacavam, as mos dadas no corpo e no esprito, por alguns momentos formangrande corrente de lanciersbeatficos.

    Deus abenoe, Deus abenoe, Deus abenoe, como uma reverberao da harmonia das esfecoava de todos os lados.

    Martine e Philippa permaneceram por um longo tempo nos degraus de pedra do lado de foracasa. No sentiam frio. As estrelas esto mais prximas, disse Philippa.

    E vo ficar todas as noites, disse Martine, calmamente. bem possvel que no neve nunmais.

    Nisso, contudo, estava enganada. Uma hora mais tarde comeou a nevar outra vez e foi umaforte como jamais se vira em Berlevaag. Na manh seguinte, as pessoas mal conseguiram abrirportas de to altos que estavam os montes de neve. As janelas das casas tinham uma camada tespessa, como se contou por anos a fio depois disso, que muitos pacatos cidados do lugar noperceberam o alvorecer e continuaram a dormir at bem tarde nesse dia.

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    XII. A GRANDE ARTISTA

    Quando Martine e Philippa trancaram a porta, lembraram-se de Babette. Uma pequena onda dee compaixo as percorreu: s Babette no compartilhara nem um pouco do xtase daquela noit

    Assim, foram at a cozinha, e Martine disse para Babette: Foi um jantar muito bom, BabettSeus coraes subitamente enchiam-se de gratido. Perceberam que nenhum dos convidados

    uma nica palavra sobre a comida. Na verdade, por mais que tentassem, eles mesmos noconseguiriam se lembrar de nenhum dos pratos que foram servidos. Martine recordou-se da tarNo era o que pareceu ento e agora lhe parecia muito vago e distante; era bem possvel que tu

    passasse de um pesadelo.Babette estava sentada no cepo de cortar, cercada por mais panelas escuras e engorduradas das donas da casa j haviam visto em toda a vida. Estava to plida e morta de cansao quanto nem que apareceu pela primeira vez, desmaiando na soleira da porta.

    Aps um longo tempo, fitou-as diretamente e disse: Eu fui cozinheira no Caf Anglais.Martine disse outra vez: Todos acharam o jantar muito bom. E quando Babette no disse u

    palavra, acrescentou: Vamos nos lembrar desta noite quando voc tiver ido embora para ParisBabette.

    Babette disse: No vou para Paris.

    No vai voltar para Paris?, exclamou Martine.No, disse Babette. O que vou fazer em Paris? Todo mundo se foi. Perdi todos eles, madOs pensamentos das irms dirigiram-se a Monsieur Hersant e seu filho, e disseram: Ai, pob

    Babette., todo mundo se foi, disse Babette. O duque de Morny, o duque de Decazes, o prncipe

    Narinshkine, o general Galliffet, Aurlian Scholl, Paul Daru, a princesa Pauline! Todos eles!Os estranhos nomes e ttulos de pessoas perdidas para Babette confundiram ligeiramente as

    senhoras, mas havia uma tal perspectiva infinita de tragdia no anncio que, em seu estado de receptivo, sentiram as perdas como se fossem pessoais e seus olhos encheram-se de lgrimas.

    No fim de outro longo silncio, Babette de repente soltou um leve sorriso e disse: E como voltar a Paris, madames? Estou sem dinheiro.

    Sem dinheiro?, exclamaram as irms como se fossem uma s.Isso, disse Babette.Mas e os dez mil francos?, perguntaram as irms, ofegantes de horror.Os dez mil francos foram gastos, madames, disse Babette.As irms se sentaram. Por um minuto, ficaram sem fala.Mas dez mil francos?, sussurrou lentamente Martine.O que queriam, madames, disse Babette com grande dignidade. Um jantar para doze no C

    Anglais custaria dez mil francos.As senhoras continuavam sem uma palavra para dizer. A novidade era-lhes incompreensvel

    ento muitas coisas nessa noite, de uma forma ou de outra, estavam alm da compreenso.Martine lembrou-se da histria contada por um amigo de seu pai que fora missionrio na f

    homem salvara a vida da esposa favorita de um velho chefe e, para mostrar sua gratido, o cheofereceu uma lauta refeio. Somente muito depois que o missionrio ficou sabendo por seu servial negro que aquilo que comera era um gordo netinho do chefe, preparado em honra do gcurandeiro cristo. Sentiu um calafrio.

    Mas o corao de Philippa se desmanchava em seu peito. Parecia-lhe que uma noite inesqueestava destinada a terminar com uma prova inesquecvel de lealdade e autossacrifcio de um se

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    humano.Querida Babette, disse, delicadamente, no deveria ter gasto tudo que tinha por nossa cauBabette lanou um olhar penetrante sua patroa, um olhar estranho. No haveria compaixo

    mesmo desdm, no fundo dele?Por sua causa?, retrucou. No. Foi por minha causa.Ergueu-se do toco e ficou de p diante das duas irms.Sou uma grande artista!, disse.Esperou um minuto e ento repetiu: Sou uma grande artista, madames.

    Mais uma vez, por um longo tempo houve silncio na cozinha.Depois, Martine disse: Ento vai ser pobre o resto da vida, Babette?.Pobre?, disse Babette. Sorriu para si mesma ao ouvir isso. No, nunca vou ser pobre. J l

    disse que sou uma grande artista. Uma grande artista, madames, nunca pobre. Temos algo, ma respeito do qual as outras pessoas no fazem a menor ideia.

    Embora as duas senhoras idosas no encontrassem mais nada que dizer, no corao de Philipvibraram cordas profundas, esquecidas. Pois outrora ouvira falar, muito tempo antes, do Caf AOutrora ouvira falar, muito tempo antes, dos nomes na trgica lista de Babette. Levantou-se e passo na direo da criada.

    Mas todas essas pessoas que mencionou, disse, esses prncipes e gente importante de Parnomes disse, Babette? Voc mesma lutou contra eles. Voc foi umacommunarde! O general qumencionou mandou matar seu marido e seu filho! Como pode sofrer por eles?

    Os olhos negros de Babette fitaram os de Philippa.Sim, disse ela, eu fui uma communarde. Graas a Deus, eu fui uma communarde! E as pe

    que mencionei, madames, eram ms e cruis. Deixaram o povo de Paris passar fome; levaramopresso e injustia aos pobres. Graas a Deus, eu fiquei numa barricada; descarreguei minha apor meus concidados! Mas mesmo assim, madames, no voltarei a Paris, agora que as pessoaquem falei j no esto mais por l.

    Ficou imvel, perdida em pensamentos.Vejam, madames, disse, finalmente, essas pessoas me pertenciam, eram minhas. Foram

    e educadas, a um custo to elevado que as senhoras, minhas queridas, jamais poderiam imaginacreditar, para compreender a grande artista que sou. Eu era capaz de torn-los felizes. Quandomelhor de mim, era capaz de torn-los perfeitamente felizes.

    Fez uma pausa.Foi assim tambm com Monsieur Papin, disse.Com Monsieur Papin?, perguntou Philippa.Sim, com seu Monsieur Papin, minha pobre senhora, disse Babette. Ele mesmo me conto

    terrvel e insuportvel para um artista, disse, ser encorajado a fazer, ser aplaudido por fazer, melhor. Disse: No mundo todo, um longo lamento emitido pelo corao do artista: Permitadar o mximo de mim!.

    Philippa foi at Babette e envolveu-a em seus braos. Sentiu o corpo da cozinheira como ummonumento de mrmore contra o seu, mas ela mesma tremia muito dos ps cabea.

    Por alguns instantes, no conseguiu falar nada. Ento sussurrou:Contudo, sinto que no o fim! Sinto, Babette, que isto no o fim. No Paraso, ser a gran

    artista que Deus planejou! Ah!, acrescentou, lgrimas escorrendo-lhe pelo rosto. Ah, como

    encantar os anjos!

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    1Mulheres que ateiam fogo s casas com petrleo.

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    SOBRE A AUTORA

    KAREN BLIXEN, tambm conhecida pelo pseudnimo de Isak Dinesen, nasceu em abril de 1885 eRungsted, na Dinamarca. Em 1914, casou-se com um primo distante e com ele iniciou uma plade caf no Qunia, na frica. A experincia desse perodo foi retratada posteriormente em suamais conhecida,A fazenda africana, adaptada para o cinema em 1985. Em 1931, o fracasso daplantao de caf e o trmino de seu casamento levaram-na de volta Dinamarca, onde deuseguimento carreira literria. Indicada diversas vezes para o Prmio Nobel de Literatura, KarBlixen foi agraciada com o Tagea Brandt Rejselegat em 1939. Morreu em 1962 em sua cidade

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    FICO

    The Revenge of the Truth(peas de marionetes, de 1904, 1915, 1926).Seven Gothic Tales. Nova York / Londres: Harrison Smith e Robert Haas / Putnam, 1934.Syv

    fantastiske Fortllinger. Copenhague: Reitzels, 1935.Out of Africa. Londres: Putnam, 1937; Nova York: Random House, 1938.Den afrikanske Farm

    Copenhague: Gyldendal, 1937.Winters Tales. Nova York / Londres: Random House / Putnam, 1942. Vinter-Eventyr. Copenha

    Gyldendal, 1942.

    Sorg-agre, in Winters Tales. Nova York / Londres: Random House /Putnam, 1942.Gengldelsens Veje, trad. para o dinamarqus Clara Svendsen. Copenhague: Gyldendal, 1944.Angelic Avengers[sob o pseudnimo Pierre Andrzel]. Londres: Putnam, 1946; Nova YorkRandom House, 1947.

    Last Tales. Nova York / Londres: Random House / Putnam, 1957. Sidste Fortllinger. CopenhGyldendal, 1958.

    necdotes of Destiny. Nova York / Londres: Random House / Michael Joseph, 1958.Skbne-Anekdoter. Copenhague: Gyldendal, 1960.Skygger paa Grsset. Copenhague: Gyldendal, 1960. Shadows on the Grass. Nova York / Lond

    Random House / Michael Joseph, 1961. Sob o pseudnimo Osceola, in Clara Svendsen (orgCopenhague: Gyldendal, 1962.

    Ehrengard. Nova York /Londres: Random House / Michael Joseph, 1963.Carnival: Entertainments and Posthumous Tales, prefcio de Frans Lasson. Chicago: The Univ

    of Chicago Press, 1977.

    ENSAIOS

    Daguerreotypes and Other Essays. Chicago: The University of Chicago Press, 1979.On Modern Marriage and Other Observations. Nova York: St. Martins Press, 1986.CORRESPONDNCIA

    Letters from Africa: 1914-1931, in Frans Lasson (org.), trad. Anne Born. Chicago: The UniversChicago Press, 1981.

    Karen Blixen i Danmark: Breve 1931-1962, 2 v., in Frans Lasson e Tom Engelbrecht (org.).Copenhague: Gyldendal, 1996.

    OBRAS ADAPTADAS PARA O CINEMA

    The Immortal Story[A histria imortal, Orson Welles, 1968]

    Out of Africa[Entre dois amores, Sydney Pollack, 1985]Babettes gaestebud[A festa de Babette, Gabriel Axel, 1987]

    NO BRASIL

    Sete novelas fantsticas, trad. Per Johns. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1979.Sete narrativas gticas, trad. Claudio Marcondes. So Paulo: Cosac Naify, 2007.

    fazenda africana, trad. Per Johns. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1979.fazenda africana, trad. Claudio Marcondes. So Paulo: Cosac Naify, 2005.nedotas do destino, trad. Cassio Arantes Leite. So Paulo: Cosac Naify, 2006.

    Campo de dor, in F. J. Billeskov Jansen e R. Wagner Hansen (orgs.).Panorama da literatura

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    dinamarquesa, trad. Per Johns. Rio de Janeiro: Nrdica, 1981.festa de Babette e outras anedotas do destino, trad. Isabel Paquete Araripe. Rio de Janeiro: R

    1986.Contos de inverno, trad. Anna Olga Barreto. So Paulo: Editora 34, 1993.Sombras na relva, trad. Maria Luiza Newlands. So Paulo: Editora 34, 1993.

    SOBRE KAREN BLIXEN

    Thorkild Bjornvig.Pagten. Copenhague: Gyldendal, 1974. The Pact: MyFriendship with IsakDinesen, trad. do dinamarqus Ingvar Schousboe e William Jay Smith. Baton Rouge: LouisState University Press, 1983.

    Errol Trzebinski. Silence will Speak: A Study of the Life of Denys Finch-Hatton and his Relatiowith Karen Blixen. Chicago: University of Chicago Press, 1985.

    Frans Lasson e Clara Selborn.Karen Blixen: Her Life in Pictures. Rungsted: Karen Blixen Mus1994.

    Heather Keenleyside. The Self and Stones of Isak Dinesen: A Dialogue on Narrative IdentityCritical Quarterly, 43, 3, 2001.

    Marianne Wirenfeldt. The Art of Karen Blixen: Drawings and Painting(catlogo). Rungsted: KBlixen Museet, 2002.

    NO BRASIL

    Paulo Rnai, Karen Blixen e / ou Isak Dinesen ou o desespero mgico, inPois . Rio de JaneNova Fronteira, 1970.

    Julio Cortzar, Alguns aspectos do conto, in Valise de cronpio, trad. Davi Arrigucci Jr. e JoAlexandre Barbosa. So Paulo: Perspectiva, 1974.

    Per Johns, As potncias numinosas de Isak Dinesen, inPolmica, n. 3. So Paulo: Moraes, 19

    __________ . Prometeu no jardim do den, Viagem alma adentro e Fico do assombro magias, inDioniso crucificado. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005.

    __________ . A frica perdida de Isak Dinesen, inDioniso crucificado. Rio de Janeiro: Topb2005. Com o mesmo ttulo, posfcio a Sete narrativas gticas. So Paulo: Cosac Naify, 200

    Judith Thurman.A vida de Isak Dinesen (Karen Blixen). Rio de Janeiro: Record, 1988.Eugene Walter. Isak Dinesen (Entrevista, 1956), in Os escritores, 2: As histricas entrevista

    Paris Review, seleo de Marcos Maffei, trad. Luiza Helena M. Correia et al. So Paulo:Companhia das Letras, 1989.

    Hannah Arendt, Isak Dinesen: 1885-1963, inHomens em tempos sombrios, trad. Denise Bottm

    So Paulo: Companhia das Letras, 1999.Mario Vargas Llosa, Os contos da baronesa, inA verdade das mentiras, trad. Cordelia Magal

    So Paulo: Arx, 2004.Truman Capote, Isak Dinesen, in Os ces ladram, trad. Antonio Celso Nogueira. Porto Alegr

    l&pm, 2006.

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    Coleo Porttil

    1Lero-lero, Cacaso2Khadji-Murt, Liev Tolsti3A sociedade contra o Estado, Pierre Clastres4 O amante, Marguerite Duras5 O africano, J. M. G. Le Clzio6 Como funciona a fico, James Wood

    7Degas dana desenho, Paul Valry8Leo-de-chcara, Joo Antnio9 O fim da histria da arte, Hans Belting10Antropologia estrutural, Claude Lvi-Strauss11 Teoria da vanguarda, Peter Brger12A prosa do mundo, Maurice Merleau-Ponty13 Carta a D., Andr Gorz14A festa de Babette, Karen Blixen15 O som e a fria, William Faulkner

    16A inveno da cultura, Roy Wagner17Esperando Foucault, ainda, Marshall Sahlins18 Uma criatura dcil, Fidor M. Dostoivski19 O pensamento alemo nosculo XX, volume 1, Jorge de Almeida, Wolfgang Bader20 O pensamento alemo no sculo XX, volume 2, Jorge de Almeida, Wolfgang Bader21Esttica domstica, Clement Greenberg22Este lado do paraso, F. Scott Fitzgerald23 Sobre o sacrifcio, Henri Hubert,Marcel Mauss24 O olho e o esprito, Maurice Merleau-Ponty

    25Ensaio sobre a ddiva, Marcel Mauss

    http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/2189/Ensaio-sobre-a-d%C3%A1diva---Port%C3%A1til-25.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/2189/Ensaio-sobre-a-d%C3%A1diva---Port%C3%A1til-25.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/2189/Ensaio-sobre-a-d%C3%A1diva---Port%C3%A1til-25.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1994/O-olho-e-o-esp%C3%ADrito---Port%C3%A1til-24.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1994/O-olho-e-o-esp%C3%ADrito---Port%C3%A1til-24.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1994/O-olho-e-o-esp%C3%ADrito---Port%C3%A1til-24.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1759/Este-lado-do-para%C3%ADso---Port%C3%A1til-22.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1759/Este-lado-do-para%C3%ADso---Port%C3%A1til-22.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1759/Este-lado-do-para%C3%ADso---Port%C3%A1til-22.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1835/Est%C3%A9tica-dom%C3%A9stica---Port%C3%A1til-21.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1835/Est%C3%A9tica-dom%C3%A9stica---Port%C3%A1til-21.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1835/Est%C3%A9tica-dom%C3%A9stica---Port%C3%A1til-21.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1925/O-pensamento-alem%C3%A3o-no-s%C3%A9culo-XX,-volume-1---port%C3%A1til-19--.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1925/O-pensamento-alem%C3%A3o-no-s%C3%A9culo-XX,-volume-1---port%C3%A1til-19--.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1925/O-pensamento-alem%C3%A3o-no-s%C3%A9culo-XX,-volume-1---port%C3%A1til-19--.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1857/Uma-criatura-d%C3%B3cil---Port%C3%A1til-18-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1857/Uma-criatura-d%C3%B3cil---Port%C3%A1til-18-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1857/Uma-criatura-d%C3%B3cil---Port%C3%A1til-18-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1858/Esperando-Foucault,-ainda---port%C3%A1til-17-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1858/Esperando-Foucault,-ainda---port%C3%A1til-17-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1858/Esperando-Foucault,-ainda---port%C3%A1til-17-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1714/O-som-e-a-f%C3%BAria---port%C3%A1til-15-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1714/O-som-e-a-f%C3%BAria---port%C3%A1til-15-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1742/A-festa-de-Babette---port%C3%A1til-14-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1742/A-festa-de-Babette---port%C3%A1til-14-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11665/A-prosa-do-mundo---port%C3%A1til-12.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11665/A-prosa-do-mundo---port%C3%A1til-12.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11665/A-prosa-do-mundo---port%C3%A1til-12.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11778/Teoria-da-vanguarda---port%C3%A1til-11-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11778/Teoria-da-vanguarda---port%C3%A1til-11-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11778/Teoria-da-vanguarda---port%C3%A1til-11-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11891/Antropologia-estrutural---port%C3%A1til-10.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11891/Antropologia-estrutural---port%C3%A1til-10.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11891/Antropologia-estrutural---port%C3%A1til-10.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11775/Le%C3%A3o-de-ch%C3%A1cara---port%C3%A1til-8-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11775/Le%C3%A3o-de-ch%C3%A1cara---port%C3%A1til-8-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11775/Le%C3%A3o-de-ch%C3%A1cara---port%C3%A1til-8-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11774/Degas-Dan%C3%A7a-Desenho---port%C3%A1til-7-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11774/Degas-Dan%C3%A7a-Desenho---port%C3%A1til-7-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11774/Degas-Dan%C3%A7a-Desenho---port%C3%A1til-7-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/2189/Ensaio-sobre-a-d%C3%A1diva---Port%C3%A1til-25.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1994/O-olho-e-o-esp%C3%ADrito---Port%C3%A1til-24.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1872/Sobre-o-sacrif%C3%ADcio---Port%C3%A1til-23.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1759/Este-lado-do-para%C3%ADso---Port%C3%A1til-22.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1835/Est%C3%A9tica-dom%C3%A9stica---Port%C3%A1til-21.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1899/O-pensamento-alem%C3%A3o-no-s%C3%A9culo-XX,-volume-2---port%C3%A1til-20-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1925/O-pensamento-alem%C3%A3o-no-s%C3%A9culo-XX,-volume-1---port%C3%A1til-19--.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1857/Uma-criatura-d%C3%B3cil---Port%C3%A1til-18-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1858/Esperando-Foucault,-ainda---port%C3%A1til-17-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1715/A-inven%C3%A7%C3%A3o-da-cultura---port%C3%A1til-16-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1714/O-som-e-a-f%C3%BAria---port%C3%A1til-15-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1742/A-festa-de-Babette---port%C3%A1til-14-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/1534/Carta-a-D---Hist%C3%B3ria-de-um-amor---port%C3%A1til-13-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11665/A-prosa-do-mundo---port%C3%A1til-12.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11778/Teoria-da-vanguarda---port%C3%A1til-11-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11891/Antropologia-estrutural---port%C3%A1til-10.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11901/O-fim-da-hist%C3%B3ria-da-arte---port%C3%A1til-9.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11775/Le%C3%A3o-de-ch%C3%A1cara---port%C3%A1til-8-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11774/Degas-Dan%C3%A7a-Desenho---port%C3%A1til-7-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11770/Como-funciona-a-fic%C3%A7%C3%A3o---port%C3%A1til-6-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11668/O-africano---port%C3%A1til-5-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11667/O-amante---port%C3%A1til-4-.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11887/A-sociedade-contra-o-Estado---port%C3%A1til-3.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11901/O-fim-da-hist%C3%B3ria-da-arte---port%C3%A1til-9.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11666/Lero-lero---port%C3%A1til-1.aspxhttp://editora.cosacnaify.com.br/HomeSecao/19/Port%C3%A1til.aspx
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    Cosac Naify, 2006, e-book, 2014

    Gyldendalske Boghandel, Nordisk ForlagA/S, 1956

    EDIOAlexandre Barbosa de SouzaASSISTENTE EDITORIALAna Paula MartiniPREPARAOBruno CostaREVISOCeclia FlorestaPROJETO GRFICO ORIGINALCosac NaifyPRODUO GRFICAAline Valli

    ADAPTAO E COORDENAO DIGITALAntonio HermidaPRODUO DE EPUBFabian J. Tonack

    1 edio eletrnica, 2014

    Nesta edio, respeitou-se o novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

    Ebook adquirido naLivrarialivros.com

    http://livrarialivros.com/
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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro,SP, Brasil)

    Blixen, Karen [1885-1962]A festa de Babette: Karen Blixen

    Ttulo original:Babette's feastTraduo: Cassio de Arantes LeiteSo Paulo: Cosac Naify, 2014

    ISBN978-85-405-0645-9

    1. Contos dinamarquesesI. Ttulo.II. Srie.

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Contos: Literatura dinamarquesa 839.81309

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    COSAC NAIFYrua General Jardim, 770, 2 andar

    01223-010 So PauloSPcosacnaify.com.br[11] 3218 1444atendimento ao professor [11] 3823 [email protected]

    mailto:[email protected]://cosacnaify.com.br/
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    http://http//www.youtube.com/user/cosacnaifyhttp://editora.cosacnaify.com.br/blog/http://twitter.com/cosacnaifyhttp://www.facebook.com/cosacnaify
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    Este e-book foi projetado e desenvolvido em dezembro de 2013, com base na 1 edio Naify Porttil, de 2012.

    FONTESMercury e Akzidenz-Grotesk ProSOFTWARESAdobe InDesigne Sigil

    https://code.google.com/p/sigil/http://www.adobe.com/br/products/indesign.html
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    Table of Contents

    I. DUAS SENHORAS DE BERLEVAAGII. O NAMORADO DE MARTINEIII. O NAMORADO DE PHILIPPAIV. UMA CARTA DE PARISV. NATUREZA-MORTAVI. A BOA SORTE DE BABETTE

    VII. A TARTARUGAVIII. O HINOIX. O GENERAL LOEWENHIELMX. O JANTAR DE BABETTEXI. O DISCURSO DO GENERAL LOEWENHIELMXII. A GRANDE ARTISTASOBRE A AUTORAColeoCrditosRedes SociaisColofo