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A ferrovia "The São Paulo Railway" (SPR) e a industrialização da cidade de São Paulo Palmira Petratti Teixeira Universidade do Grande ABC - Universidade Estadual Paulista As Grandes Metrópoles... "(...) são os maiores objetos cultu- ráis jamais construidos pelos homens"... nas últimas décadas - nao importam onde se situem - elas trabalham em compas- so em o ritmo do mundo (...)" (Santos: 1990:9) Resumo O estudo da "The São Paulo Railway Limited (SPR)" se torna tema instigante quando relacionado as transformagoes económicas e sociais que ocorreram a partir da segunda metade do século X I X . A o binomio café-ferrovia, acrescentamos a urbaniza- gao e a industrialização, passando pela Abolição e o advento da República. A estrada de ferro Santos a Jundiai ou "A inglesa" ou a São Paulo Railway (SPR), retrato da con- solidação do capitalismo em São Paulo e, responsável em grande parte pelas mudan- ças do cenário urbano desta cidade. Abstract To study the São Paulo Railway company's history becomes a very interesting theme, related to the economic and social changes which ocurred in São Paulo state since the mid 19 th century. To the coffee-railwaly bynomiun, one can add the urbanization and industria- lization processes, the end of slaverism and the republic's born too. This railroad, called also as "Santo a Jundiai Railway" or "A Inglesa" (The En- glish), expressed the consolidation of capitalism in S. Paulo state, due to dramatic chan- ges that its construction determined in the S. Paulo city urban aspects. Ao binomio café-ferrovias impulsionador de atividades económicas, devem ser acrescentados os fenómenos da urbanização e o da industrialização, ou seja, ati- vidade cafeeira e o advento ferroviario. Especialmente neste último podemos atri- buir grande peso na consolidação do sistema capitalista em São Paulo, e responsá- vel pelas mudanças do cenário espaço-social desta cidade. O café introduziu-se em São Paulo pelas vias fluminenses do litoral e planal- to, iniciando a quebra do dominio da exportação de cana-de-açúcar na segunda metade

A Ferrovia en San Paulo y Su Industrialización

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Historia social

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  • A ferrovia "The So Paulo Railway" (SPR) e a industrializao da cidade de So Paulo

    Palmira Petratti Teixeira Universidade do Grande ABC - Universidade Estadual Paulista

    As Grandes Metrpoles... "(...) so os maiores objetos cultu- ris jamais construidos pelos homens"... nas ltimas dcadas - nao importam onde se situem - elas trabalham em compas- so em o ritmo do mundo (...)" (Santos: 1990:9)

    Resumo O estudo da "The So Paulo Railway Limited (SPR)" se torna tema instigante

    quando relacionado as transformagoes econmicas e sociais que ocorreram a partir da segunda metade do sculo X I X . A o binomio caf-ferrovia, acrescentamos a urbaniza- gao e a industrializao, passando pela Abolio e o advento da Repblica. A estrada de ferro Santos a Jundiai ou "A inglesa" ou a So Paulo Railway (SPR), retrato da con- solidao do capitalismo em So Paulo e, responsvel em grande parte pelas mudan- as do cenrio urbano desta cidade.

    Abstract To study the So Paulo Railway company's history becomes a very interesting

    theme, related to the economic and social changes which ocurred in So Paulo state since the mid 19th century.

    To the coffee-railwaly bynomiun, one can add the urbanization and industria- lization processes, the end of slaverism and the republic's born too.

    This railroad, called also as "Santo a Jundiai Railway" or "A Inglesa" (The En- glish), expressed the consolidation of capitalism in S. Paulo state, due to dramatic chan- ges that its construction determined in the S. Paulo city urban aspects.

    Ao binomio caf-ferrovias impulsionador de atividades econmicas, devem ser acrescentados os fenmenos da urbanizao e o da industrializao, ou seja, ati- vidade cafeeira e o advento ferroviario. Especialmente neste ltimo podemos atri- buir grande peso na consolidao do sistema capitalista em So Paulo, e respons- vel pelas mudanas do cenrio espao-social desta cidade.

    O caf introduziu-se em So Paulo pelas vias fluminenses do litoral e planal- to, iniciando a quebra do dominio da exportao de cana-de-acar na segunda metade

  • do sculo XIX e, em 1854, j se observava o aumento das fazendas de caf, superando a supremacia do aucar (Teixeira: 2000).

    A poca foi significativa, pois passaria a So Paulo, a primazia da expanso cafeeira. E ao final do Imperio, com a vinda da imigrao europia ocorreu reflexo direto no aumento das culturas, inaugurando-se nova era para a fora de trabalho que durante todo o perodo colonial e imperial sustentava-se no brao escravo. O aumento da populao livre foi expressivo como se nota no quadro abaixo:

    Populaco Livre e Escrava de So Paulo

    Anos 1854 1872 1886 Pop. livre 291.612 680.742 1.114.065 Pop. escrava 117.238 156.612 107.329 Total 411.850 837.354 1.221.394

    Fontes: Populaoes da provincia de So Paulo - 1854, Estatstica organizada por Machado de Oliveira, in Discurso com que o ilustrssimo Sr. Dr. Roberto d'Almeida Vice-Presidente da provncia de So Paulo, abriu a Assemblia Legislativa Municipal no dia 18 de fevereiro de 1856, S. Paulo, 1856 (documento ane- xo), Recenseamento, 1872 - Quadros Gerais. Recenseamento da Populao do Imprio do Brasil a que se procede no dia 1 de agosto de 1872, Recenseamento Geral de 1886, Relatrio apresentado ao Exmo Sr. Presidente da Provncia de S.Paulo pela Comisso geral de Estatstica. 1888, pp. 12 e 56. Florestan Apud Fernandes, "Do escravo ao cidado". In Reaoes raciais entre negros e brancos em So Paulo, So Paulo, Ed. Anhembi Ltda, 1955, p. 40.

    Ainda que muitos fazendeiros resistissem abolio da escravatura, outros viam no novo sistema de arregimentao da mo-de-obra, vantagens advindas com o pagamento de salario.

    "(...) Realmente em uma organizacao quase capitalista que se esbocava nas fazendas de caf era incompatvel o trabalho escravo, pois esse correspondia com seu preco de compra a um adiantamento a longo prazo com lucro muitas vezes in- certo (...).1

    Embora o grosso da imigrao se constituiu do italiano que se dirigia para a agricultura ou pequenas propriedades, no devemos deixar de mencionar a pre- senca do imigrante alemao, suo e portugus, colaborando para o aumento da rea cafeeira cultivada.

    O caf cultivado em reas rurais transforma-se em atividade urbana no mo- mento de sua negociao para a exportao. O sistema precario das estradas de ro- dagem, especialmente a de difcil ligao So Paulo / Santos, e a presena da tropa de muares, representavam obstculos severos expanso cafeeira rumo ao oeste paulista.

    "O desenvolvimento da agricultura cafeeira em torno de Campinas e mesmo alm coloca uma dupla dificuldade: era preciso vencer mais de 200 Km em tropas de mulas e era preciso que o porto de Santos fosse equipado pela a manuteno de uma tonelagem crescente. Um viajante alemao, Tschudi, notou em 1860, que era imposs- vel plantar alm de Rio Claro pois a distancia a vencer era muito grande. Alguns anos

    1 Schorer Petrone, "Imigrao assalariada", in S. B. de Holanda, Historia Gera da Civlizao Brasileira, tomo

    II, volume 3, So Paulo, Difuso Europia do Livro, 1976, p. 276.

  • antes, em 1855, o governador do Estado calculou que 500.000 arrobas de gneros ex- portveis permaneciam no lugar da produo por causa do custo alto do transporte.2

    O autor Saes, estudioso da poca e do tema afirma "que o custo do trans- porte impedia realmente a exportao de produtos do interior paulista, constituin- do-se em obstculo circulao de mercadorias".3

    Ainda Saes, aponta a diferena entre o custo do transporte feito por mares e o feito por via frrea. Enquanto o primeiro, custava cerca de 440 ris por arroba de caf, o feito por via frrea poderia baixar a 140 ris, permitindo assim uma eco- nomia de mais de 60 % em beneficio do produtor.

    Outra questo importante referente ao tema e ao periodo enfocados, reside em mudanas nas relaes de trabalho, especialmente aps a Abolio, juntamen- te com o advento da Repblica.

    O trabalho escravo em So Paulo existia desde o sculo XVIII, na economia de subsistncia e se continuou a empregar a mo de obra escrava na economia au- careira at o final deste sculo, aumentando sensivelmente o nmero de escravos, o que denota um quadro estabelecido e organizado de mo escrava em So Paulo, quando se desenvolveu a atividade cafeeira.

    Este quadro comea a ser enfraquecido a partir dos problemas internacio- nais do trfico que foram abrandados atravs suprimento de mo pelo comrcio ne- greiro entre as provincias do Norte para o Sul.4

    H de observar em 1840, a tentativa da experincia de colonizao feita pe- lo senador Vergueiro tendo por base o sistema de parceria, inaugurando a presena dos imigrantes na propriedade dos fazendeiros e sob certas condies de trabalho. O senador organizou juntamente com seus filhos uma sociedade, que tambm se de- dicava ao comrcio e promoveu a imigrao para outros fazendeiros. Nos padres de tratamento escravista recebidos pelos imigrantes, estaria a explicao do fracas- so do sistema.

    Por essa poca a compra de escravos se tornara mais dificil - apesar da en- trada de escravos no Brasil ter aumentado nos anos anteriores extino do trfi- co (Bill Aberdeen), os senhores de engenho do Nordeste e os fazendeiros de caf flu- minense, se encarregaram de compr-los.

    Examente no momento em que se estabeleceu a produo cafeeira em Cam- pinas rumo ao Oeste paulista, o problema da mo-de-obra torna-se mais agudo. Se- gundo Saes, "a coincidncia significativa: a concesso para as colnias de parce- ria de Vergueiro 1846/47, a extino do trfico de 1850 e em 1851 a exportao ca- feeira pelo porto de Santos supera a exportao do acar, at ento predominante no Oeste paulista.5

    2 Pierre Monbeig, Pionniers etplanteurs de So Paulo, Paris, Librarie Armand Collin, 1952, p. 86. 3 Flavio A. M. Saes, As ferrovias de So Paulo 1870-1940: expanso e declnio ferroviario em So Paulo, So Paulo, HUCITEC, 1981, p. 40. 4 Flvio A. M. Saes, Caf, populao e ferrovias em So Paulo: o estabelecimento de diretrizes das estrada de ferro, So Paulo, HUCITEC, INL, 1981, p. 43. 5 Flvio A. M. Saes, A grande empresa de servios pblicos na economia cafeeira, Tese de doutoramento, USP, So Paulo, 1979, mineo.

  • A partir de 1870 retomada com vigor a questo da mo-de-obra. A poltica de incentivo imigrao emblemtica. Fazendeiros empenhavam-se em apresen- tar solues para os problemas do transporte. A "modernizao" chegara.6

    Por volta de 1860-1880 vinculou-se a expanso cafeeira ao advento ferrovi- rio. Surgiram as primeiras ferrovias dando incio ao predomnio de uma nova men- talidade, dirigida pelos interesses da cafeicultura, que fizeram de seus interesses, os interesses do Estado:

    "Os interesses de mo-de-obra e conseqentemente os do povoamento, os das vias de comunicao, os dos preos foram considerados e tratados antes de tu- do em funo dos interesses de fazendeiros: a marcha pioneira foi antes de mais na- da o seu negcio".7

    Fatores como o movimento de imigrao, a expanso da cultura cafeeira e a ferrovia, na segunda metade do sculo XIX, contriburam para a transferncia de- finitiva da liderana do caf para So Paulo, ocasio em que a cidade de Campinas tornou-se a "capital agrcola do Estado".

    Paralelos ao advento dessa cultura, outros fenmenos revelaram o aumen- to da populao: o advento do trabalho livre e o desenvolvimento de centros urba- nos. Do ponto de vista social e poltico destacou-se a ascenso dos fazendeiros, grandes proprietrios de terra de caf, englobando em torno de si a gerncia da vi- da regional e nacional.

    Muitos deles tornaram-se, durante a Primeira Republica, os "homens de es- tado" de fato e, muitas vezes de direito, apoiados que eram em suas fortunas prove- nientes do caf, as mesmas que acabariam em parte suscitando o surto industrial moderno e provocando a liderana poltico-econmica paulista. A mudana do ce- nrio urbano da cidade de So Paulo foi pr-requisito para o estabelecimento indus- trial.8

    "Representa para So Paulo a segunda metade do sculo XIX uma poca de profundas transformaes, atravs dos quais comeou a delinear-se a grande cida- de de nossos dias.9

    A cidade de So Paulo se constitui no ponto central dos negcios do caf, deixando para traz "o burgo de estudantes".

    A estrada de ferro Santos a Jundia (SPR), fazendo a ligao da capital a Jun- dia, ponto de expanso da lavoura cafeeira rumo oeste, fez da cidade de So Paulo, um centro de negcios financeiros. Atividades urbanas as mais variadas, como ban- cos, e prestadores de servios atraam no s comerciante e fazendeiros, mas tam- bm trabalhadores em busca de emprego.

    Surgia So Paulo como "Metrpole do Caf", acrescentando-se ao mesmo tempo sua ligao com o Porto de Santos. Esses fatos permitiram explicar o porque de

    6 Richard Grahan, A Gr-Bretanha e o inicio da industrializao no Brasil 1850-1914, So Paulo, Brasiliense, 1973, p. 37. 7 Pierre Monbeig, Pionniers..., op. cit., p.124. 8 Palmira Petratti Teixeira, A Instituio da So Paulo Railway, So Paulo, Kids, 2000, p. 24. 9 Raul de Andrade e Silva, Odilon Nogueira de Matos e Pasquale Petrone, "Evoluco urbana de So Pau- lo" In: Revista de Historia, So Paulo, 1955, pp.53 e segs.

  • So Paulo ter sofrido, em menor grau, os efeitos da crise provocada pela substituio do trabalho escravo pelo assalariado.

    Enfim, as atividades geradas pelo complexo cafeeiro, isto , o conjunto das atividades geradas por este produto se constituram em atividades urbanas diversi- ficadas de modo a estimular o advento industrial e alterar as relaes no espao so- cial, econmico e poltico.

    Esse fenmeno evidenciou-se mais na cidade de So Paulo, do que no nu- cleo urbano do Rio de Janeiro, de posio poltica, administrativa e comercial, an- tes do desenvolvimento da cultura cafeeira.

    Em So Paulo "(... ) localizando-se distncia relativamente curta do Rio de Ja- neiro e sediando o governo apenas em nvel provincial, veio a prosperar com ele (RJ) nas mesmas atividades econmicas, basicamente a industria manufatureira e o con- trole da produo do caf, atravs de mobilizao de capitais e terras, organizao de crdito, recrutamento e distribuio de mo-de-obra, implantao e explorao de transportes ferrovirios, e, em Santos, a comercializao internacional. Ao que se so- mam a explorao de servicos publicos e especulao urbana. Os centros urbanos passaram a ter um papel agregador de atividades econmicas variveis, chamariz pa- ra imigrantes de varias origens, responsveis pelo aumento da populao.10

    A tendncia ao crescimento da populao paulista ocorreu concomitante- mente ao desenvolvimento da cafeicultura. 0 recenseamento de 1872 atribuiu a So Paulo uma populao de 837.354 habitantes, e 14 anos depois em 1886, esse nume- ro havia se elevado em mais de 45% (1.221.394 indivduos).11

    Foi nos centros urbanos que as sociedades institudas de acionistas, origi- narem no centro urbano. "Aqui surgem os setores de servicos urbanos (transportes, bondes, iluminao, gua e energia) como os mais evidentes. Ao mesmo tempo, va- le observar o desenvolvimento do comrcio e dos bancos no perodo.12

    A expanso da cultura cafeeira incrementou a atividade comercial. As casas comissrias, prximas ao porto de Santos, geralmente de propriedade de estrangei- ros compravam o caf do produtor para export-lo. Havia um entrelaamento de in- teresses entre produtor de caf, ferrovias e comrcio exportador.

    essa rede de interesses juntou-se a atividade financeira. Os emprstimos concedidos aos fazendeiros quando o caf ainda estava no p, descontados na oca- sio da entrega do produto atraiu bancos estrangeiros a investir em agncias na pra- a de Santos ou de So Paulo.

    A "The So Paulo Railway" (SPR) ou "A Inglesa" inaugurou a construo fe- rroviria no Estado de So Paulo, ligando Santos Capital em 1865. Atingiu Jundia em 1868. Idealizada pelo Baro de Mau, passou para as mos dos ingleses em ne- gociao que desagradou a seu idealizador Mau.

    10 Maria Irene Szmrecsnyi, Razes em substituigo da metropole nacional, So Paulo, Revista USP n 17, marco-abril-maio 1993, p. 209. 11 Sueli Robles Queiroz, Escravido negra em So Paulo, Rio de Janeiro, Livraria Jos Olimpio Editora, 1977, p. 435. 12 Flvio A. M. Saes, A grande empresa..., op. cit.

  • O futuro Baro e Visconde de Mau, Irineu Evangelista de Souza, nasceu em 1813 no Rio de Grande do Sul. rfo de pai, aos nove anos de idade (1822), come- ou a trabalhar como caixeiro de uma loja comercial no Rio de Janeiro. Viveu at ou- tubro de 1889.

    Nesta casa comercial, o ingls Richard Carruthers, faria do estudioso caixei- ro seu protegido, depois seu amigo, scio e por fim compadre. Aprendeu ingls e tornou-se conhecedor dos segredos comerciais.

    Na Inglaterra (1840) recebeu forte influncia da Revoluo Industrial que ali se processava: o vapor, o carvo, a locomotiva, os jornais em massa e as cidades ilu- minadas.

    Os empreendimentos de Mau refletiam as profundas transformaes por- que passou a economia brasileira ao longo do Imprio, porm, muitas vezes sua atuao assumiu propores tamanha que influenciou a evoluo dos prprios acontecimentos. Assim, Mau tem duplo papel na histria do Brasil. Primeiro, como empresrio inserido no processo de transformaes de sua poca e segundo, Mau, o agente de importantes transformaes que, estava bem alm da viso da maior parte de seus pares.13

    O que nos importa, o significado de suas aes na sua poca. Abstemo-nos dos fatos que comprometeram seus sucedidos negcios e o levaram falncia em 1875.

    Mau, riqussimo aos trinta anos de idade se sentia atrado pela industria. Conseguiu lanar as bases das mesmas num perodo protecionista. Sofreu o efeito desastroso da retirada desta proteo e jamais se conformou com o fato do gover- no ter favorecido o caf em detrimento da industria.14 Era um empresrio liberal e abolicionista. No valorizava os ttulos nobilirios que recebera.

    Os produtos gerados pela tcnica da Revoluo Industrial, identificados mais em setores urbanos que propriamente industriais, comecaram a ser introduzi- dos no Brasil a partir de 1858, constituindo o processo chamado de modernizao (limitada a setores urbanos), uma vez que esta foi bloqueada pela presena do tra- balho escravo.

    Mau, imaginou um modelo de desenvolvimento baseado na industrializa- o, onde a industria pesada seria o eixo propulsor deste processo. Seus empreen- dimentos devem ser vistos como elementos do processo de constituio desse mo- delo e no simplesmente como investimentos realizados em funo de oportunida- de de momento.

    Representante do capital mercantil nacional deu passos no sentido indus- trial. As palavras de Mau atestam: "Causou-me forte impresso o que vi e observei, e logo a se gerou em meu esprito a idia de fundar em meu pas um estabelecimen- to a que me refiro".15

    13 Flvio A. M.Saes,"Mau e sua perseverana na economia brasileira do sculo XIX", In: Baro de Mau

    Empresrio & Poltico, So Paulo, Bianchi Editores, 1987, pp. 81-105. 14

    Ottaviano de Fiore Dicropani, "Mau e a Industrializao Brasileira", In: Baro de Mau Empresario..., op. cit., pp. 23-39. 15

    MAU, Exposio do Visconde de Mau aos credores de Mau e Cia., Rio de Janeiro, Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve & Cia., 1878, citado por Saes, p. 93.

  • Aps as primeiras investidas de Mau na industria ferroviria assistimos na dcada de 1870 uma onda de construcao de linhas e ramais especialmente na regio cafeeira.

    A autora Maria Lucia Lamonier chama ateno para a relao mo-de-obra e a Lei Rio Branco (1871) que dispunha sobre a libertao gradual dos escravos. "A partir de ento at a abolio da escravido vrias polticas foram realizadas na ten- tativa de resolver o problema da mo-de-obra e reorganizas as relaes de trabalho (...) na dcada de 1880, no intuito de garantir a contnua expanso cafeeira, o gover- no da Provncia de So Paulo, iniciou a poltica de imigrao subsidiada que resul- tou um grande afluxo de imigrantes italianos para Brasil.16

    Sendo a So Paulo Railway a unica linha paulista a atingir o porto de Santos e depois a cidade de Jundia prxima a grande regio produtora, toda a produo cafeeira utilizava o seu transporte. Motivo pelo qual a empresa no se interessou em ampliar sua malha ferroviria para chegar at Campinas.

    O sucesso econmico da Santos Jundia (SPR), foi fator decisivo para o in- vestimento ferrovirio. A ela seguiram-se inumeras companhias nacionais formadas por capital nacional, originrio da atividade rural ou do comrcio, provocando um impacto na urbanizao no s da capital provincial, mas tambm, nas cidades por onde passavam as ferrovias.

    A Cia Paulista de Estradas de Ferro (1875) foi constituda em sociedade an- nima, onde alguns grupos tinham presena destacada: Silva Prado, Souza Queiroz, Vergueiro e Pais de Barros. A origem de seu capital estava ligada a cafeicultura, in- termedirias entre produtor e exportador.

    A famlia Silva Prado, Antonio Queiroz Teles e Jos Estanislau do Amaral (grandes proprietrios de caf e o Baro do Tiet, presidente da empresa de Segu- ros Cia Unio Paulista) estavam entre os principais acionistas da Mogiana (1875). A Ituana (1873), controlada por grandes fazendeiros de caf, famlia Pais de Barros (Cia Paulista) e Pacheco Jordo.

    A empresa Sorocabana (1875), embora da mesma poca teve uma caracte- rstica distinta. A elevao dos preos do algodo no mercado internacional duran- te a Guerra de Secesso norte-americana, estimulou a plantao deste produto em So Paulo. A Sorocabana nasceu da necessidade da reduo dos custos de transpor- te dos proprietrios de terra ligados a esta cultura.17

    Posteriormente a regio dedicou-se cultura cafeeira, aparecendo nitida- mente relao de interesses entre plantadores de caf e atividade comercial urba- na, e dirigentes de empresas ferrovirias. Assim "(... ) o prolongamento da linha f- rrea uma condio para que novas reas sejam incorporadas produo cafeeira; por outro lado produo de caf representa para as ferrovias a garantia de eleva- da rentabilidade.18

    16 Maria Lucia Lamounier, Ferrovias. Agricultura de exportao e mo-de-obra no Brasil do Sculo XIX. His- tria Econmica & Histria de Empresas, So Paulo, HUCITEC/ABPHE, III. 1 (2000), pp. 42 e 43. 17 Flvio A. M. Saes, Estradas de Ferro e diversificao da..., op. cit., p. 182. Ver tambm Odilon Nogueira de Matos, A evoluo cafeeira em So Paulo, So Paulo, Alfa-Omega, 1974, pp. 59-70. 18 Flvio A. M. Saes, Estradas de Ferro e diversificao da..., op. cit., p. 183.

  • O entusiasmo pela construo de vias frreas na dcada de 1870, levou os empresarios a desbravarem novas zonas. Construiu-se nestes anos, mediante con- cesses do governo, dezenas de estradas. Complementaram-se umas as outras.19

    A cidade de So Paulo, passou a ser o lugar de residncia dos "bares de ca- f", acelerando a expanso das atividades urbanas e de servios de utilidade pblica. Isto nos confere a ntima relao entre atividades urbanas, fazendeiros e ferrovias.

    O cafeicultor em plena ascenso social deixou a residncia rural e passou na cidade seus "longs sjours". A instalao urbana, tornou-se permanente.

    A formao de empresas capitalistas e suas necessidades no eram compa- tveis com o modo de vida tradicional. Elas exigiam uma convivncia urbana... "Ago- ra, os fazendeiros de caf imprimiam um aspecto original a funo urbana ao final do sculo XIX".20

    Os cafeicultores diante da expanso das lavouras, preocuparam-se para que se obtivesse mo-de-obra suficiente. Assim que se fez a poltica de incentivo a imi- grao, pois o trabalhador estrangeiro representava a parcela mais alta do continen- te de mo-de-obra. Tambm as companhias de estradas de ferro ofereciam passa- gens gratuitas aos trabalhadores, como meio de facilitar o deslocamento da mo-de- obra. Saes, aponta o papel que os interesse dos cafeicultores exerciam na poca.21

    O papel poltico, econmico, social exercido pelos fazendeiros de caf, con- funda os interesses dos cafeicultores com os das demais camadas sociais: coman- davam a mo-de-obra, preos e direo das novas frentes.

    Dentro desta poltica de incentivo a imigrao e colocao da mo-de-obra, que observamos a instalao da Hospedaria dos Imigrantes, marcando um pro- gresso da cidade no espao. Foi So Paulo que distribuiu entre as varias regies ca- feeiras a leva de imigrantes desembarcados em Santos. Penses modestas nas vizin- hanas da Hospedaria e pequenos comrcios modificaram o cenrio urbano. So Paulo "era um mercado de trabalho, mais que um mercado de produtos agrcolas e industriais." O mercado de trabalho reforou a funo comercial da cidade.22

    O grande salto numrico da entrada de imigrantes europeus ocorreu justa- mente em 1887 quando foram beneficiados pelas leis provinciais. Foram 33.310 indi- vduos; nmero superior aos dos cinco anos anteriores somados. Dos imigrantes que entraram e se beneficiaram em 1887, 28.840 eram italianos, 2.523 portugueses, 199 espanhis e os demais pertenciam a varias nacionalidades.

    Entre 1887 e 1888 vieram 125.000. A maior parte dos imigrantes destinava- se suprir as necessidades de mo-de-obra das fazendas das zonas Oeste e Sul da Provncia, destacando-se neste perodo as regies de Campinas, Ribeiro Preto, Des- calvado, So Carlos do Pinhal e Casa Branca.23

    19 Gilberto Leite de Barros, A cidade e o planalto. Processo de dominncia da cidade de So Paulo, So Paulo,

    Livraria Martins Editora, p. 533. 20

    Pierre Monbeig, La croissance de la ville de So Paulo, Grenoble, Institut et Revue de Geographie Alfine, 1953, pp. 27-29. 21

    A. M. Flvio Saes, "Caf, populao...", op. cit., p. 41-42. 22

    Pierre Monbeig, Pionniers... , op. cit., pp. 123-124. 23

    Relatrio apresentado a Assemblia Legislativa Provincial de So Paulo pelo Presidente da Provncia de So Paulo Exmo Sr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, So Paulo, Typografia a Vapor de Sec- ker, 1888, pp. 35-36.

  • O fato da concentrao da malha ferroviaria se estabelecer na cidade de So Paulo, nos d uma idia da importancia da So Paulo Railway, na transformao ur- bana desta cidade e o adensamento econmico do capital, centro do grande comer- cio importador, de bancos nacionais e estrangeiros.

    Em 1899, a empresa canadense "The So Paulo Tramway Light and Power Co. Ltda", estabeleceu-se em So Paulo. Proprietria da concesso para construir e operar linhas de bondes com trao eltrica, expandiu-se passando a fornecer ener- gia eltrica na capital e no interior. Mais tarde incorporou a empresa de gs inglesa e a empresa telefnica nacional.

    Maria Lucia Lamounier, examinou as inter-relaes entre a construo das ferrovias, a expanso da agricultura de exportao e as transformaes do trabalho no Brasil.

    A construo ferroviaria abriu novo mercado de trabalho aos trabalhadores pobres. Inseridas nas mudancas do final do sculo XIX, as ferrovias interferiram nas relaes de trabalho. "A incorporao de imigrantes e a emancipao gradual da es- cravido, exigiam novas atitudes em relao ao trabalho (...)".24

    A atividade ferroviaria como j afirmamos teve impacto no processo de ur- banizao e no aparecimento de novas cidades ligadas s estaes ferrovirias, se- des e oficinas. Foi, tambm, fator decisivo, pouco mais tarde, quando da industria- lizao e da formao de bairros e vilas operrias. O industrial ao escolher um te- rreno para instalacao de sua industria levava em conta a proximidade com a esta- o ou ramal ferrovirio.

    Do ano de 1900 a 1907, com relacao ao crescimento industrial na capital, ob- servamos que o nmero de estabelecimentos cresceu em 126%, enquanto o nmero de operrios cresceu em 91%, o que tornava imperiosa a fixao da mo-de-obra.

    Assim, "o processo de urbanizao, iniciando a partir dos anos 70 do scu- lo XIX, foi extremamente rpido, impulsionado pela atividade cafeeira e pelo inicio da atividade industrial.

    No final da dcada de 1890, j se desenhava a configurao urbano espaco- social que foi acentuada e definida nas primeiras dcadas do sculo XX: na parte al- ta, no macio os bairros mais ricos e na parte baixa, rios Tiet e Tamanduate, na vrzea os bairros e vilas operrias".25

    A inegvel importncia dos cafeicultores paulistas na marcha para Oeste, contribuiu para englobar novas reas de cultivo e portanto para o aumento de pro- duo e crescimento populacional. Novas relaes econmicas se realizavam sobre- tudo nas cidades de So Paulo e Santos.

    Reiteremos a importncia da So Paulo Railway como detentora do mono- plio de transporte para o porto de Santos.

    O quadro abaixo, demonstra o crescimento das exportaes. Isto nos suge- re riqueza e crescimento para a "Companhia Inglesa" e indiretamente para a cidade e atividades urbanas.

    24 Maria Lucia Lamounier, Ferrovias..., op. cit., pp. 44-48. 25 Palmira Petratti Teixeira, A Fbrica do Sonho: trajetria do industrial Jorge Street, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1990, pp. 70-74.

  • Exportao de Caf

    Perodo Exportao de caf Brasil (1000) Valor (1000)

    Participao das exp. de caf no total (%)

    1821-25 4237740 17,5 1851-55 88364313 48,8 1881-85 11359 58,7

    Neste espao se fez notar a presena da So Paulo Railway, detentora do monoplio de zona para exportao para o ponto de Santos, em poca que o caf ditava as diretrizes da economia e poltica brasileira.

    A So Paulo Railway, inaugurada em 1867, com trecho da serra pelo sistema funicular, a bitola de 1.60 metros, foi uma das mais rentveis companhias de estra- da de ferro no Brasil, explicando em parte, o adensamento do capital e a mudana espacial e social da cidade de So Paulo.