13
A ÉTICA E O USO DAS CORES Adriana B. Ribeiro Mestranda em design [email protected] Lucy Niemeyer (orientadora / Esdi) Doutora em Comunicação e Semiótica ESDI/ Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ PPD/ Programa de Pós Graduação em Design Rio de Janeiro, RJ. Brasil RESUMO O presente artigo objetiva discutir ética e cultura nacional brasileira no contexto das relações humanas e da apreciação de seus territórios. Intencionamos fazê-lo a partir de estudo de caso inserido na obra do cineasta brasileiro Glauber Rocha. Começaremos com algumas considerações sobre o conceito de ética e de cultura brasileira antes do estudo de caso e de como estas noções estão representadas na manipulação do uso das cores no filme em questão. Keywords: Cinema. Ética. Cores. ABSTRACT The present article has the objective of discussing ethics and Brazilian national culture in the context of human relations and the appreciation of its territories. We intend to do so through the case study found within the work of the Brazilian filmmaker, Glauber Rocha. We

A ética e o uso das cores

Embed Size (px)

DESCRIPTION

RESUMO: O artigo discute ética e cultura nacional brasileira no contexto das relações humanas e da apreciação de seus territórios. Como ponto de partida, temos o estudo de caso inserido na obra do cineasta Glauber Rocha...

Citation preview

Page 1: A ética e o uso das cores

A ÉTICA E O USO DAS CORES

Adriana B. Ribeiro

Mestranda em design

[email protected]

Lucy Niemeyer (orientadora / Esdi)

Doutora em Comunicação e Semiótica

ESDI/ Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ

PPD/ Programa de Pós Graduação em Design

Rio de Janeiro, RJ. Brasil

RESUMO

O presente artigo objetiva discutir ética e cultura nacional brasileira no contexto das relações humanas e da apreciação de seus territórios. Intencionamos fazê-lo a partir de estudo de caso inserido na obra do cineasta brasileiro Glauber Rocha. Começaremos com algumas considerações sobre o conceito de ética e de cultura brasileira antes do estudo de caso e de como estas noções estão representadas na manipulação do uso das cores no filme em questão.

Keywords: Cinema. Ética. Cores.

ABSTRACT

The present article has the objective of discussing ethics and Brazilian national culture in the context of human relations and the appreciation of its territories. We intend to do so through the case study found within the work of the Brazilian filmmaker, Glauber Rocha. We intend to begin with some considerations about the concepts of ethics and Brazilian culture before the case presentation on how such notions would be represented in the manipulation of the use of the colors at the film in question.

Keywords: Cinema. Ethics. Colors.

Page 2: A ética e o uso das cores

A Ética e o Uso das Cores

O presente artigo tem como objetivo discutir casos identificados na filmografia do diretor de cinema brasileiro, Glauber Rocha, em que o uso das cores reflete uma consciência estratégica em relação à construção identitária de cultura que se afirme nacional brasileira frente ao cenário crítico internacional.

A título de uma breve introdução, podemos dizer que a relevância deste cineasta no cenário artístico, cinematográfico e intelectual brasileiro nas últimas décadas está amplamente comprovada por uma intelligentsia nacional e internacional contemporânea de Glauber. Devemos acrescentar que os temas propostos por seus filmes se perpetuam como questões de que a sociedade e a intelectualidade brasileiras ainda não se ocuparam por completo. Temas como a construção de uma identidade nacional, como os embates sociais frente aos desmandos do poder instituído, ainda são discutidos e colocam Glauber Rocha sempre de volta às discussões éticas e estéticas nos dias atuais.

A preocupação com aspectos éticos e políticos por parte do diretor Glauber Rocha se percebe com clareza no conjunto de toda sua filmografia. Esta consciência de Glauber em relação a seu entorno encontra ressonância no trabalho de teóricos do campo da ética e do pensamento teórico sobre os caminhos para o estudo da cultura nas sociedades contemporâneas.

Por meio do estudo da forma como conduzia seus filmes, vimos delinearem-se aspectos menos evidentes em relação à produção intelectual de Glauber, pois, tanto é notória sua trajetória como realizador cinematográfico quanto menos conhecidas suas habilidades como pensador crítico e estratégico na cultura brasileira. Apesar de Glauber Rocha, segundo suas palavras, ter escrito muito mais do que filmado, é na condução estética de suas cenas que encontramos expressos com maior vivacidade os conceitos éticos a que nos referimos.

Antes de demonstrarmos a capacidade estratégica de Glauber expressa nas cores de seus filmes devemos situar os conceitos de ética, de territorialidade e identidade nacional aos quais nos referimos. São necessárias algumas definições para que possamos dar prosseguimento à análise do uso das cores na filmografia do diretor em questão. Sobre o que entendemos ser o conceito de “pensamento ético” observamos os estudos de Felix Gattari. Para o que entendemos por “cultura brasileira” nos pautamos no que diz Renato Ortiz sobre o estudo das culturas. Acreditamos ser igualmente pertinente o que observa Manuel Castells sobre política e territorialidade.

A palavra ética designa significados de uma tal abrangência que, em face ao sem número de interpretações que a palavra ética sugere, estabelecemos aqui o seguinte parâmetro. Estamos nos referindo àquele âmbito da ética, que conforme nos apresentou Félix Guattarii, envolve indissociavelmente um comprometimento integral com as relações da subjetividade humana, sendo urgente para isso uma consciência e maturação no trato com os territórios possíveis de individuação e de coletividade. Nós nos alinhamos com Guattari quando entendemos que os registros ecológicos a que se refere, especialmente quando nos fala de uma ecologia da subjetividade humana e das relações sociais, se estende em articulações de cunho político e social e que tais

Page 3: A ética e o uso das cores

preocupações fizeram parte do discurso de Glauber durante toda sua vida estando preservadas em seus filmes e livros.

Desta maneira quando nos referimos a um “pensamento ético” estamos concordando com Guattari no sentido de que entendemos a ética no conjunto das relações humanas quando ocupadas também da preservação e valoração de seu entorno, seu ambiente e seus territórios de subjetividade.

... “Em todas as escalas individuais e coletivas, naquilo que concerne tanto à vida cotidiana quanto à reinvenção da democracia - no registro do urbanismo, da criação artística, do esporte etc. - trata-se, a cada vez, de se debruçar sobre o que poderiam ser os dispositivos de produção de subjetividade, indo no sentido de uma re-singularização individual e/ou coletiva, ao invés de ir no sentido de uma usinagem pela mídia, sinônimo de desolação e desespero.” (GUATTARI, 1990, pág.6)

Igualmente importante quando falamos da obra de Glauber Rocha é esta noção de ética vista através das relações políticas como chave das possibilidades de persuasão contidas na obra cinematográfica. No caso específico do filme em questão, O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, o uso das cores atua como ferramenta crucial para a afirmação de uma realidade. É inevitável uma referência ao trabalho de Manuel Castellsii quando analisamos o jogo de forças (ver Castells, 2007) presente não somente no cenário político brasileiro dos anos 1960 e 1970, mas também o jogo de forças presente na inserção intelectual de Glauber Rocha em meio ao cenário intelectual e crítico em âmbito internacional. Observamos, então, estas áreas de passagem e as regras rígidas que as regem.

Passando à definição de “cultura brasileira” nos alinhamos com aqueles que crêem na cultura como um sistema dinâmico e em constante mutação (ver ORTIZ, 2000), desta forma falamos não em cultura brasileira como algo planificado e catalogável, mas sim em uma “construção dinâmica” da interpretação territorialiii.

O que seria então a construção de um ideário nacional diante deste contexto universalizante da obra de Guattari, Ortiz e Castells? Sustentamos que a trajetória do cineasta Glauber Rocha aponta para o fato de que, o que há de permeável em relação a uma intelectualidade em âmbito mundial se dá a partir de um profundo entendimento e apreciação de seu entorno de origem.

Um filme em cores

Imbuídos destas noções abrangentes no tocante à ética e cultura, nos voltamos para as cores do filme O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (ou Antonio das Mortes como também é conhecido) e podemos identificar uma preocupação com a valorização de seu território objetivo, e subjetivo, de origem, em cores que o representem. Quando falamos em cores, falamos objetivamente das cores fotografadas, da direção de arte, mas também subjetivamente do espírito de sua terra delineando a construção de um imaginário representativo do sertão baiano. Neste filme as cores desempenham um papel especialmente importante na tradução do pensamento ético de Glauber em relação à Bahia. A preocupação com as cores deste filme aponta para o desenvolvimento de uma linguagem que se ocupasse de traduzir a Bahia e retratasse a luz dos trópicos em seus tons fortes, afirmando a valorização destas cores em posição diametralmente oposta ao que vinha sendo feito pelo cinema

Page 4: A ética e o uso das cores

europeu em cores suaves de filmes como O Acossado de Jean-Luc Godard (1959), Alphaville (1965) e Os Incompreendidos (1959), Jules et Jim (1954) de François Truffaut.

Filmado em 1968 e lançado em 1969 no Festival de Cannes, O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro é o quarto longa-metragem do cineasta e, apesar de Glauber ter filmado o curta-metragem Amazonas Amazonas para o Departamento de Turismo e Promoções do Estado do Amazonas em cores no ano de 1966, este é seu primeiro longa-metragem em cores.

O ano de 1968 foi ano de maior radicalização dos movimentos contra a ditadura militar instalada no Brasil em 1964 e também o ano que culminou com o AI-5 em dezembro. Glauber Rocha viaja para o município de Milagres no interior da Bahia, acompanhado da mãe, Lucia Rocha, que faria parte do figurino, da mulher, Rosa Maria Penna, atriz do filme, e de mais um conjunto de atores conhecidos – Odete Lara, Hugo Carvana, Maurício do Valle, Othon Bastos, Jofre Soares – e uma equipe técnica de renome: Affonso Beato na fotografia, Antonio Calmon na assistência de direção, Zelito Viana na produção, Walter Goulart no som, Hélio Eichbauer, Paulo Lima e Paulo Gil Soares na cenografia. As filmagens acontecem no inverno, no começo do segundo semestre, e as atividades de finalização ocuparam Glauber durante os últimos meses do ano. O filme pronto é enviado ao co-produtor francês Claude Antoine, para legendagem e versão francesa, em meio a prisões e instabilidade civil do país provocada pelo AI-5.

Em 1969, outros filmes importantes do Cinema Novo são lançados, como Macunaíma de Joaquim Pedro de Andrade e Brasil Ano 2000 de Walter Lima Jr. que, pelos valores evocados, pela coloração forte e acima de tudo pela mistura de valores

i ... “As formações políticas e as instâncias executivas parecem totalmente incapazes de apreender essa problemática no conjunto de suas implicações. Apesar de estarem começando a tomar uma consciência parcial dos perigos mais evidentes que ameaçam o meio ambiente natural de nossas sociedades, elas geralmente se contentam em abordar o campo dos danos industriais e, ainda assim, unicamente numa perspectiva tecnocrática, ao passo que só uma articulação ético-político – a que chamo ecosofia – entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana) é que poderia esclarecer conveniente tais questões.”(GUATTARI, 1990, pág.1)

ii ... “Entendo o poder como sendo a capacidade estrutural de um ator social para impor a sua vontade sobre outro ator (es) social. Todos os sistemas institucionais refletem relações de poder, bem como os limites dessas relações de poder sendo negociados por um processo histórico de dominação e contra-dominação. Assim, faço também uma análise o processo de formação do contra-poder, que entendo ser a capacidade de um ator social de resistir e desafiar relações de poder que são institucionalizadas. De fato, as relações de poder são conflituosas por natureza, uma vez que sociedades são diversas e contraditórias. Por isso, a relação entre tecnologia, comunicação, e poder reflete valores e interesses opostos, e emprega uma pluralidade de atores sociais no conflito.” (CASTELLS, 2007, pág.238)

iii ... a problemática da cultura encerra algo de qualitativamente diferente em relação às perspectivas trabalhadas antes? Creio que sim. A tradição das ciências sociais, nos seus diversos ramos disciplinares, confinava a esfera da cultura a certos gêneros específicos: na literatura, a discussão estética; na antropologia, a compreensão das sociedades indígenas... (ORTIZ, 2004)

Page 5: A ética e o uso das cores

arcaicos e modernos, dialogam com o movimento tropicalista, que despontava naquele momento nas artes plásticas e na música popular brasileira.

A atriz Odete Laraiv, protagonista do filme no papel de Lara, escreveu em seu diário durante sua estada em Milagres no interior da Bahia suas impressões no set de filmagem... "Mais uma cena que não havia no roteiro. Eu, de négligé roxo esvoaçante, surgindo no meio da caatinga carregando uma braçada enorme de flores de papel colorido... Penso que Glauber é também pintor”. (LARA, 1990, pág. 57)

Fig. 1) A atriz Odete Lara em fotocartaz de O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, acervo Tempo Glauber.

Glauber procurou o fotógrafo Affonso Beato no Rio de Janeiro com uma demanda bastante específica em relação a um efeito em uma determinada cena do filme, apesar de estarem afastados ambos, diretor e fotógrafo se uniram em nome do fazer cinematográfico... “Glauber e eu, na época, estávamos meio brigados. Nos falávamos só socialmente. Algo estava “pegando” naquele momento”... (BEATO, 2003, pág. 18). A partir desta articulação ética entre diretor e fotógrafo surgia a expressão do que é filmar o sertão baiano. Affonso Beato conta como eram as condições: “Não havia recursos. E isso fazia com que a densidade das cores ficasse muito alta e havia uma saturação, que era o que a gente queria das cores primárias. E isso tudo era meio combinado com o desenho de arte, cores, vestidos, onde houve uma interferência estética” (BEATO, 2003, pág. 18). A visão de Glauber quanto ao uso das cores neste filme retrata sua percepção do seu território de origem. Glauber, em um sentido oposto, fez com as cores baianas o que a nouvelle vague estabeleceu como padrão cromático nos filmes do período.

... Glauber me procurou no Rio de Janeiro com o projeto do Dragão, mas pra me fazer uma pergunta específica, ele queria fazer um efeito especial na câmera que era a explosão de luz quando o Santo Guerreiro, São Jorge, espeta a lança. Na época eu tinha uma fama de que conhecia bastante a tecnologia, então eu fiquei conversando com ele. Eu me lembro muito do Amarelinho, ali na Cinelândia, a gente estava tomando um chopinho e eu disse: “pô, Glauber, a meu ver esse é um efeito muito simples, entende? Quer dizer, o filme vai ser... é uma cena filmada de dia com o negativo... o diafragma da câmera deve ser onze, dezesseis, bem fechado... Eu faria uma coisa bem simples: na hora que o Santo Guerreiro espetasse eu abriria violentamente o diafragma da câmera e isso faria a luz explodir. Eu acho que isso cumpriria a façanha”. Ele adorou a simplicidade. (BEATO, 2008, pág. 3)

iv

Page 6: A ética e o uso das cores

A técnica para Glauber está a serviço de uma idéia e nunca o contrário. Não adotamos de forma alguma uma postura tecnofóbica, apenas apontamos para o que entendemos ser prioritário para o encaminhamento das relações humanas, que os ideais de simplicidade, preservação e humanidade se sobressaiam.

Da experiência em fotografar o “Dragão” no sertão baiano, na cidade de Milagres nasceu a técnica conhecida como “Tropicolor” que valoriza a luz saturada no sertão baiano. Sobre esta forma de fotografar, Affonso Beato escreveu:

...”A expressão ‘Tropicolor’ é uma invenção baiana. O que é tropicolor? Isso remete à idéia de uma cinematografia, de uma expressão, de um conjunto de filmes como Macunaíma, que fazem parte desse momento. Enfim, a busca de uma cor tropical em que o verde, os amarelos, os vermelhos são tão fortes, no sentido que a nouvelle vague sempre foi assim, aquele azulzinho, entende? A coisa das latitudes de clima temperado, entende? Tudo muito suave e tudo. E nós fizemos uma coisa de alto contraste e alta densidade, alta saturação. Tropicolor é o expressionismo tropical.” (BEATO, 2008, pág. 3)

Em entrevista à Maria do Rosário Caetano para a Revista de Cinema em 2003, Affonso Beato descreve o arrojo e ineditismo do “Tropicolor”. Um mês antes do início das filmagens, já tínhamos um arrojado projeto de cores, intenções e procedimentos para o filme... Aumentei o contraste, o que gerou resultado gráfico que causou grande impacto na época. (BEATO, 2003, pág. 18)

Fig. 2) Fotograma de O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. Acervo Tempo Glauber.

A repercussão

O filme recebeu a Palma de Ouro de Melhor Direção na edição do festival de Cannes de 1969 concorrendo com Easy Rider, de Dennis Hopper e Z de Costa Gavras, e sua repercussão ajudou a difundir o olhar de Glauber sobre a cultura brasileira. O cineasta Luchino Visconti, presidente do júri, tornou-se um entusiasta do filme, e segundo o Zelito Viana, produtor do filme, declarava abertamente sua admiração pela obra de Glauber. Paloma Rocha, filha do cineasta conta que o romancista Guimarães Rosa disse a Glauber que Antônio das Mortes (personagem principal que dá o

Page 7: A ética e o uso das cores

"segundo título" ao filme) ”resumia a ética sertaneja”.

Fig. 3) Glauber entre Claudia Cardinalle, Luccino Visconti e Ives Montand recebendo o prêmio em Cannes, 1969. Acervo Tempo Glauber.

A recepção do filme foi tão calorosa que mereceu a primeira capa em cores da revista Cahiers du Cinema tida como referência na crítica cinematográfica. Diversos críticos internacionais teceram elogios ao filme na época de seu lançamento, como Jean de Baroncelli, para o jornal Le Monde.

“Romanceiro, ópera barroca, poema épico atravessado de gritos de cólera e de sofrimento, “tapeçaria” de cores fulgurantes, canto de revolta e de esperança: O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro é tudo isso ao mesmo tempo. Mas essa obra calorosa e veemente é, além disso, o fruto de uma reflexão pessoal, de uma análise lúcida daquilo que devem ser as relações do cinema brasileiro com a realidade brasileira.” (BARONCELLI, 1969)

Fig. 4) Primeira capa colorida da revista francesa de cinema Cahiers du Cinema. Acervo Tempo Glauber.

No Brasil não foi diferente e o filme ficou dois meses em cartaz e sobre ele o historiador Alex Viany escreveu:

Page 8: A ética e o uso das cores

“Ópera-Macumba, sim. A definição do próprio Glauber Rocha é bastante boa. Mas o filme é mais, muito mais, em sua desembestada desarrumação, em sua alucinada tentativa de descobrir nossa bárbara verdade. Desarrumar o (aparentemente) arrumado é a missão não de Antônio das Mortes, mas de Glauber Rocha, provavelmente o mais importante e atuante de nossos artistas: um homem que, pegando e destroçando todas as noções culturais e subculturais que vai encontrando em sua rota, propõe, de fato, uma nova cultura para um novo povo” (VIANY, 1969)

O Restauro

Recentemente, o filme Dragão teve sua cópia restaurada com supervisão técnica do próprio diretor de fotografia do filme, Affonso Beato. O percurso traçado pelo filme até seu restauro é por si só heróico e resistente.

Os negativos do filme foram destruídos em 1972 por um incêndio nas dependências do laboratório GTC na França. Entretanto, o produtor francês Claude Antoine guardara uma cópia em bom estado dublada em francês. Esta cópia foi cedida em 1983 ao Museu Tempo Glauber, que abriga o acervo de Glauber no Rio de Janeiro, uma cópia do som em versão brasileira foi conseguida em Cuba e no início dos anos 1980 a Cinemateca Brasileira iniciou o restauro fotoquímico e gerou o primeiro internegativo para o processo de restauro do filme. Hoje, após trinta anos, através de um processo digital em um laboratório inglês, podemos ver este resultado nas telas em seu relançamento.

O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro em seu relançamento nos cinemas é hoje um documento importante a ser preservado, sendo retrato de um momento fértil da cinematografia nacional e pedra inaugural de uma técnica amplamente reconhecida e utilizada por filmes brasileiros do mesmo período.

À guisa de conclusão observamos como os conceitos apreendidos pelas noções propostas por Guattari, Casttels e Ortiz se fazem presentes e entremeiam o percurso deste filme de Glauber, ficando isto claro, primeiro no planejamento cuidadoso do uso das cores como ferramenta de afirmação da linguagem dos trópicos por parte do realizador Glauber Rocha através da invenção da técnica fotográfica do “Tropicolor”, em um segundo plano vimos os resultados desta valoração do território original de Glauber ser reconhecida com a validação e acolhimento da crítica nacional e internacional inserindo o sertão baiano idealizado por Glauber no contexto do cinema mundial e, por fim, o recente relançamento da cópia restaurada do filme evidenciando o interesse do público e de vários órgãos de fomento à cultura e a importância desta obra na construção de uma cultura que se afirme nacional brasileira.

REFERÊNCIAS

BARONCELLI, Jean de. Le Monde, Paris, França. 30 outubro 1969.

BEATO, Affonso. "Tropicolor: fotografando o sertão em cores". Jornal A Hora do Dragão, material de distribuição para o relançamento do filme restaurado. Rio de Janeiro, 20 de maio de 2008.

Page 9: A ética e o uso das cores

________. "Especial Glauber Rocha". Revista de Cinema, n0 5, pág. 12 . Rio de Janeiro, 2003.

CASTELLS, Manuel. Communication, Power and Counter-power in the Network Society. International Journal of Communication [Online] 1:1, 2007 Feb 8. Disponível em: http://ijoc.org/ojs/index.php/ijoc/article/view/46/35. Acesso em: 12 abr 2008.

GUATTARI, Félix. As três ecologias. 17ª ed. São Paulo: Papirus, 1990.

________. Caosmose: um novo paradigma estético. 4ª ed. São Paulo: Ed. 34, 1992.

LARA, Odete. Minha jornada interior. Best Seller, 1990.

ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira & Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 2000.

________. Estudos culturais. Tempo soc. , São Paulo, v. 16, n. 1, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702004000100007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 abr 2008. doi: 10.1590/S0103-20702004000100007.

VIANY, Alex. “Filme em Questão”, Jornal do Brasil, 13 junho 1969.