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A ESPERANÇA DE DIAS MELHORES: AS ANÁLISES DE SIMONE DE BEAUVOIR
ACERCA DA REVOLUÇÃO CUBANA A PARTIR DO JORNAL REVOLUCIÓN
(1960)
Ingrid Thibes Massambone1
Resumo: Nessa comunicação pretendemos analisar parte das reflexões de Simone de
Beauvoir presente no periódico cubano Revolución, utilizando duas fontes que nos
apresentam um pensamento em comum: a revolução cubana como um exemplo de Esperança,
que partiu da necessidade de gerar e garantir os direitos básicos da sua população. Um ano
após o triunfo revolucionário, em 1960, Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre visitaram
Cuba a convite de Carlos Franqui, diretor do periódico oficial do governo, o Revolución.
Ficaram em Cuba durante um período dos meses de fevereiro e março, onde conheceram os
lugares históricos e importantes de consolidação dos projetos revolucionário. Semanas após a
partida de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre de Cuba para o Brasil, o jornal Revolución
publicou no dia 15 de abril de 1960 uma matéria de Claude Julien, intitulada "La Revolución
vista por Simone de Beauvoir" e um texto assinado por Simone de Beauvoir intitulado "La
Revolución Cubana hace nascer una Esperanza", que serão as fontes analisadas.
Palavras-chave: Revolução Cubana, Cuba, Simone de Beauvoir, imprensa.
A guerrilha, o triunfo revolucionário e o periódico Revolución
Cada revolução tem suas particularidades, a cubana não seria diferente. Uma
revolução que triunfou em 1959, mas que teve seus inícios de enfrentamentos nos séculos
anteriores, após frustradas lutas contra o colonialismo espanhol, de suas heranças e do
neocolonialismo norte-americano.
Em 1952 Fulgencio Batista realizou um golpe ditatorial e passou a adotar uma política
de repressão aos opositores e uma política de desenvolvimento econômico que favorecia
apenas a elite cubana e os empresários norte-americanos. Segundo a historiadora Silvia
Miskulin (MISKULIN, 2016, p. 208)“[...]essa relação de subordinação e dependência gerava
uma grave crise social[...]”, que levou ao grupo, o que futuramente ficou conhecido como o
Movimento 26 de Julho2 (M-26-J), a tentar tomar o quartel Moncada.
Este grupo foi formado por Fidel Castro, advogado formado na Universidade de
Havana, depois que já havia tentado denunciar os crimes cometidos por Batista no tribunal de
Havana, mas não foram aceitas as suas acusações. Após esse acontecimento, segundo o 1 Graduanda de História na Universidade Estadual de Londrina, e-mail para contato:
2 O Movimento 26 de Julho foi fundado por Fidel Castro e seus companheiros em 1953, durante o tempo em que
estiveram presos após a tentativa de assalto ao Quartel Moncada. O nome além de relembrar o assalto, que
mesmo mal sucedido, foi escolhido para lembrar o ato que sucedeu no dia, escolhido por ser o ano do centenário
de nascimento de José Martí.
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historiador Emir Sader, perceberam que não conseguiriam mudanças de maneira legal e
constitucional e decidiram assaltar o quartel, que acabou não saindo como o planejado
(SADER, 1985, p. 19).
O assalto resultou em 32 mortes por parte do grupo e conforme foram sendo
descobertos e presos, eram conduzidos a ilha de Pinos, onde Fidel Castro foi separado de seus
companheiros, submetido a um “processo especial”. Fidel Castro escreveu sua própria defesa,
que foi nominada “A história me absolverá”3, posteriormente conhecida como o programa do
M-26-J. A defesa de Fidel foi responsável, de acordo com Sader, para denunciar as
arbitrariedades que foram submetidos, além também de revelar os assassinatos cometido
friamente e as torturas sofridas após serem aprisionados, nesse sentido a defesa rememorou
então, o direito a resistência e rebelião aos governos tiranos. Fidel e os outros dirigentes do
assalto foram condenados a quinze anos de prisão (SADER, 1985, pág. 24).
As razões históricas que levaram a ação dos jovens opositores estavam relacionadas
diretamente com o contexto, segundo Sader, foram
As condições de vida do povo constituem o quadro social ... 85% dos
pequenos camponeses pagavam renda e viviam sob ameaça permanente de
expulsão das suas terras. Enquanto mais da metade das melhores terras
estava em mãos estrangeiras. Duzentas mil famílias camponesas não tinham
acesso a nenhum pedaço de terra, enquanto extensas áreas improdutivas
permaneciam nas mãos de poderosos latifundiários (SADER, 1985, p. 22)
Outro dado apresentado por Sader foi em relação a precarização sanitária “[...]o índice
de 98% das crianças no campo (estavam) afetadas por parasitas[...]”, sendo que estas crianças
não possuíam chance de melhoras de vida com o governo atuante da época. Além dessa
situação Sader destacou que o desemprego durante o período entressafra chegava a um milhão
de trabalhadores, nesse período, segundo o autor, Cuba tinha uma população de cinco milhões
de habitantes (SADER, 1985, p. 22).
Devido a campanha para a anistia total dos presos políticos, Batista concedeu-a aos
prisioneiros em maio de 1955 e quando saíram da prisão, Fidel Castro e os membros do M-
26-J optaram por exilar-se no México, para conseguir reorganizar a guerrilha e retornar a
Cuba para o enfrentamento ao governo de Batista (SADER, 1985, p. 22). Segundo Fernandes,
“A guerrilha surgiu como uma solução militar madura para uma ‘revolução dentro da ordem’
3 Os juízes do processo perderam a defesa de Fidel, que teve que reescrevê-la durante sua prisão e depois foi
publicada como livro.
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falhada e impossível [...]transferiu a guerra latente para o plano da história vivida dia a dia e
da ação direta[...]” (FERNANDES, 1979, p. 70)
Fidel saiu da ilha dizendo o seguinte lema, “em 1956 seremos heróis ou mártires”, e
através de campanhas de arrecadação de finanças, de treinamento militar, de incorporação de
novos guerrilheiros4 e de propaganda política da luta insurrecional, Fidel reorganizou a
guerrilha para retornar a Cuba.
Nas palavras do historiador Barthon Favatto, “[...]É válido ressaltar que durante toda a
etapa de luta revolucionária em Cuba, o M-26/J se encontrava claramente dividido em duas
frentes de ação que se integravam, concluindo um único corpo [...]” (FAVATTO, 2014, p.
101). O MOV-26-J urbano, o llano, foi responsável por produzir material, manifestações,
organizar a logística de combate e por defender a moral dos guerrilheiros na Sierra Maestra.
Uma de suas primeiras grandes funções foi realizar manifestações no dia 30 de novembro de
1956, para despistar a polícia e os soldados, a data escolhida era a mesma prevista para a dos
guerrilheiros que estavam no México. A recepção para a chegada da guerrilha estava
destinada a liderança de Celia Sánchez, mas devido aos problemas surgidos no México, como
por exemplo, a compra do barco nomeado Granma, que não possuía muita capacidade para o
trabalho esperado, somado a lotação máxima de 30 pessoas ultrapassadas em 52 (vale lembrar
o peso dos armamentos e dos alimentos), chegaram alguns dias atrasados, em 2 de dezembro.
As manifestações foram realizadas, mas tiveram a reação policial contrária a
imaginada, que suspeitaram da ação e localizaram alguns dias depois os guerrilheiros. Com o
cansaço, fome e enjoo, devido ao atraso e as condições marítimas, os guerrilheiros não se
encontravam dispostos a seguir para Sierra Maestra imediatamente e foram surpreendidos
pelo Exército, perderam muitos companheiros nesse primeiro combate, pois os capturados
foram fuzilados no local, mas os sobreviventes conseguiram se esconder durante alguns dias
enquanto eram procurados.
Depois de reunirem-se, restando 22 homens dos 82 guerrilheiros, decidiram partir para
a Sierra Maestra. Já na Sierra Maestra começaram a se reorganizar e iniciaram o trabalho de
base na área rural, conhecendo a população camponesa, suas causas e ganhando sua
confiança, muitos incorporaram a guerrilha neste momento. Além do trabalho político de
propaganda revolucionária, a relação era de apoio as atividades cotidianas dos trabalhadores,
como por exemplo: ajuda sanitária, orientação médica, alfabetização da população; além de
4 Neste período foram incorporados a guerrilha Ernesto “Che” Guevara e Camilo Cienfuegos, que seriam
grandes líderes junto a Fidel do M-26-J em Cuba.
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sempre pagarem por tudo que consumiam, o que os diferencia da polícia rural e do Exército
de Batista.
Com um maior desenvolvimento da guerrilha e seu crescimento de participação
popular, o grupo começou a realizar pequenos assaltos na região, para organizar uma base
para a guerrilha (SADER, 1985, p.35). Conforme foram se estabelecendo e somando vitórias
aos ataques de Batista, o movimento passou a fase de enfrentamento e com o avanço das
colunas pelo território, Batista decide tentar realizar uma última tentativa para derrotar a
guerrilha, mandando atacá-los em Santa Clara, cidade tomada pela coluna de Che Guevara,
mas foram derrotados pelos revolucionários. Por estes motivos, Batista se viu sem saída e
fugiu de Cuba para a República Dominicana, após os Estados Unidos negar seu pedido de
asilo, e em 1 de janeiro de 1959, deixou o país sob governo militar.
Segundo Emir Sader, após a vitória o novo governo tomou algumas medidas
imediatas, como exemplo, a extinção da polícia de Batista, decreto de nulidade de Emenda
Platt, dissolução do congresso e tornou o Exército Rebelde a nova instituição armada do país.
Foi instaurado também os tribunais de justiça, conhecidos como paredón, após a própria
população ter começado a fazer justiça com as próprias mãos, para o autor, por este motivo
o governo instituiu tribunais de justiça com participação direta do povo, para
o reconhecimento dos acusados e para a prática dum tipo de justiça popular.
Advertindo que nenhum criminoso ficaria impune e que inclusive a pena de
morte seria utilizada contra os responsáveis por assassinatos, o governo
revolucionário evitava assim que a ira popular, consequência de tantos anos
de arbitrariedade e terror impunes, ficasse incontrolável. (SADER, 1985, p.
42-43)
De acordo com Sader, as primeiras medidas revolucionárias estavam ligadas a
elevação do nível de vida popular, como por exemplo, campanhas de alfabetização, crise
habitacional, desemprego, entre outras. Na tentativa de reconstruir o aparelho de poder, o
novo governo criou novos ministérios, institutos e associações, além das reduções de
aluguéis, eletricidade e de medicação (SADER, 1985, p.43).
Outra forma adotada pelo governo, apontada por Sader, foi a “[...]declaração do uso
público de todas as praias, as melhores das quais até esse momento eram de acesso privado e
reservadas aos clubes mais requintados[...]” (SADER, 1985, p.45), decretou também a
nacionalização dos clubes exclusivos, que eram comandadas por empresários estrangeiros. No
quesito de políticas públicas, no setor educacional os quartéis foram transformados em
escolas, e no cultural foi criado o Instituto Cubano de Arte e Cultura e Haydeé Santamaría
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criou a Casa de las Américas.
As medidas do novo governo não agradaram algumas classes e criou inimigos
externos, com o embargo econômico feito pelos Estados Unidos, que cortou as relações
comerciais entre os dois países e pressionou os outros países da américa latina a não
negociarem com Cuba, o governo cubano a negociar com países socialistas, com a União
Soviética e a China, os primeiros acordos comerciais, feitos através das viagens do Che
Guevara por esses países, apontados por Sader, foi em fevereiro de 1960 (SADER, 1985,
p.49).
Na interpretação de Sader, 1961 foi um ano importante para a educação, que foi um
grande sucesso, acabando com o analfabetismo na ilha,
Os estudantes foram convocados para participar de uma gigante campanha
de alfabetização por todo o país. Por um ano aulas foram suspensas nas
escolas e os alunos enviados para todos os rincões do país, munidos da
cartilha de alfabetização e de um lampião, símbolos da campanha. A
campanha visava não apenas acabar com o analfabetismo, mas também
promover o intercâmbio entre os estudantes e o povo, mais especificamente
com os camponeses, porque nas regiões rurais o índice de analfabetismo era
muito maior. Esse contato pela percepção direta aos jovens transformar sua
consciência ideológica pela percepção direta das condições de vida e dos
sentimentos dos trabalhadores do campo (SADER, 1985, p.50)
Outro acontecimento importante dos primeiros anos foi bombardeio dos
contrarrevolucionários, que aconteceu em abril de 1961, com o apoio de avião dos EUA,
invadiram a praia de Girón, na baia dos Porcos. Segundo Sader, a milícia popular e pelo
Exército conseguiram identifica-los e em derrota-los, após isso, Fidel Castro fez um discurso
assumindo o caráter socialista da revolução cubana.
E é nesse contexto, dos primeiros anos do governo revolucionário, de consolidação
dos programas revolucionários e de conflitos internos e externos, que o Revolución, antes um
órgão clandestino do M-26-J, passou a ser um órgão do governo. O periódico, dirigido por
Carlos Franqui, desde a época de guerrilha, pertencia ao movimento 26 de julho, que possuía
além do Revolución, a Rádio Rebelde como órgão de ferramenta de comunicação, o periódico
Revolución iniciou suas atividades em 1956 e a Rádio Rebelde fora inaugurada 1958.
A Rádio Rebelde, de acordo com Favatto, surgiu como uma necessidade tática, pois
além dos combates físicos, havia uma guerra de comunicação e o uso do rádio era mais
acessível para a população do que uma televisão (FAVATTO, 2014, p. 90-91). Segundo o
historiador, esses meios de comunicação foram tão importantes quanto a luta armada. Nas
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palavras de Franqui, “[...]O Revolución clandestino nasceu no ano de 1956 e não de uma
reunião, nem de um acordo, mas como uma condição minha para que eu integrasse ao MOV-
26-J[...]na tomada de poder, decidimos que tínhamos que fazer um jornal[...] (FRANQUI,
2006, p. 231 apud FAVATTO, 2014, p. 92)
Carlos Franqui criou o suplemento Lunes de Revolución, que teve seu início de
publicação em novembro de 1959, com a direção de Guillermo Cabrera e juntos tinham a
intenção de utilizar a cultura como veículos de transformações sociais. O Lunes de Revolución
não possuía uma ideologia definida, mas buscava publicar diferentes vertentes ideológicas,
muitas vezes polêmicas, o que causou seu fechamento em novembro de 1961, já que não
estava de acordo com a política cultural estabelecida por Fidel Castro, porque apesar de
assumirem um posicionamento de esquerda, eram críticos ao comunismo soviético
(MISKULIN, 2016, p. 223). Segundo Favatto, os interesses dos editores do Lunes de
Revolución era de aproximar a literatura e a vida de seus aspectos plurais, como a economia,
social e política (FAVATTO, 2014, p. 72).
O Revolución e o Lunes de Revolución não possuíam uma ideologia definida, mas isso
não quer dizer que não possuíam um pensamento ideológico. De acordo com o Favatto, essa
falta de uma ideologia garantia um dinamismo e uma desenvoltura da própria identidade da
revolução, nesse sentido ganhava uma autonomia e uma flexibilidade (FAVATTO, 2014, p.
113-114). Os intelectuais do Grupo R tinham um lugar privilegiado, já que possuíam um
respaldo do governo revolucionário, um exemplo desse privilégio era que Franqui podia
convidar personalidades intelectuais para visitar a ilha e estes ficavam como hóspedes do
governo revolucionário, e assim fez, convidando Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir.
Por fim, como podemos entender, o Revolución foi um importante veículo de
comunicação e de resistência ao governo de Batista, a partir do triunfo revolucionário, no
período de consolidação da revolução, o Grupo R apoio a revolução, de todas as maneiras,
apesar de não ter uma ideologia formada, fez da revolução sua ideologia. Apesar dos conflitos
entre os intelectuais cubanos, é inegável a importância do Revolución no processo de
construção de uma nova cultura cubana.
A visita de Simone de Beauvoir e as publicações do periódico Revolución no dia 15 de
abril de 1960
Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre chegaram ao aeroporto internacional cubano
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“José Martí” no dia 22 de fevereiro de 1960, como hóspedes do governo, convidados pelo
diretor do jornal Revolución, Carlos Franqui, permaneceram em Cuba até março. No
aeroporto foram recebidos pelos redatores e o diretor do Lunes de Revolución e, durante o
tempo que ficaram no país, visitaram alguns lugares, como por exemplo, Santiago de Cuba,
Sierra Maestra, Havana, Laguna, etc. Participaram de eventos importantes do país, como o
Carnaval da Reforma Agrária e a homenagem das vítimas do “ataque” ao “La Coubre” pelos
Estados Unidos, que posteriormente foi constatado que foi apenas um acidente.
Semanas após a partida de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre de Cuba para o
Brasil, o jornal Revolución publicou no dia 15 de abril de 1960 uma matéria do jornalista
francês Claude Julien, intitulada "La Revolución vista por Simone de Beauvoir" e um texto
assinado por Simone de Beauvoir intitulado "La Revolución Cubana hace nascer una
Esperanza".
A matéria de Claude Julien, que podemos observar no Anexo 1, não foi noticiada na
capa do dia do jornal, mas ocupa praticamente toda a segunda página do jornal e termina na
última página. Na segunda página, a matéria divide espaço com três fotografias: a primeira no
canto esquerdo superior, onde aparece Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre no enterro das
vítimas do “La Coubre”; a segunda, de Claude Julien, que encontra-se no centro da página,
identificando o entrevistador da matéria; a terceira, na parte inferior central, de Simone de
Beauvoir, Fidel Castro e Jean-Paul Sartre em algum campo cubano. A escolha por não incluir
na análise as fotografias tem por motivo principal a falta de qualidade das fotografias, que no
caso só é possível o reconhecimento dos filósofos e de Fidel Castro de maneira muito
superficial e com o apoio das legendas.
Pouco abaixo da primeira fotografia, ao lado do início da entrevista, foi adicionada
algumas informações sobre a matéria, sem identificação do autor, que traz as seguintes
informações:
Simone de Beauvoir, a grande escritora francesa que com Jean-Paul Sartre
passou um mês em Cuba vendo e estudando a obra criadora da Revolução
Cubana, começou a divulgar suas observações em entrevistas e artigos de
jornal. A seguir reproduzimos a entrevista que fez outro amigo de Cuba,
Claude Julien, para o periódico parisiense ‘France Observateur’
Apesar da informação apresentada pelo jornal Revolución, essa é a primeira matéria
identificada na pesquisa, nesse período, sobre a visão de Beauvoir sobre a Revolução Cubana.
Além disso, apesar do jornal apresentar que a filósofa começou a divulgar suas observações
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em entrevistas e artigos de jornal, o Revolución não as divulga, nem menciona onde podem
ser encontradas.
Pensando na quantidade de informações da matéria de Julien, o recorte feito foi
pensando nas aproximações dos dois textos, que nos apresentam um pensamento em comum:
a revolução cubana como um exemplo de Esperança, que partiu da necessidade de gerar e
garantir os direitos básicos da sua população.
Na primeira parte matéria de Claude Julien, La Revolución vista por Simone de
Beauvoir, o entrevistador perguntou para Beauvoir se a realidade cubana que a filósofa
francesa observou correspondeu as ideias que tinha antes da viagem5, que respondeu de
maneira positiva, já que antes, através do que tinha escutado sobre Cuba, possuía uma ideia
extremamente favorável, como podemos ver 6 “[...]É muito mais rica, mais complexa, mais
apaixonante do que imaginava. De acordo com os testemunhos que havia recolhido, tive uma
ideia extraordinariamente favorável a Revolução Cubana[...]” e que após seu mês em Cuba,
nas palavras de Beauvoir, “[...]Minha opinião era mais favorável ainda[...]”7.
Outro ponto tocado por Beauvoir foi a visão da imprensa francesa e estrangeira, que
insistia muito que a revolução tinha um caráter romântico, improvisado e desordenado, mas
que ao chegar em Havana, percebeu um outro lado revolucionário. Para Beauvoir,
[...]eu encontrei em Havana pessoas muito reflexivas, muito competentes,
muito ciente dos problemas que lhe são colocados; são jovens, é certo,
porém têm consciência disso [...] remediam esta inexperiência com muito
trabalho e reflexão[...]8.
Sobre o ritmo da revolução, Claude Julien afirmou que a revolução cubana não é nada
dogmática, Beauvoir o respondeu que a revolução cubana não parte de nenhum princípio a
priori, mas apesar disso, não quer dizer que seja improvisada. Segundo Beauvoir, que
[...] estes homens refletiram muito; conhecem íntima e concretamente seu
país, têm confrontado os problemas com outros países. Têm uma linha
diretriz. O que também me surpreendeu é que possuem uma extraordinária
5 “C.J. – Señora, acaba usted de pasar un mes en Cuba, ¿ La realidade que usted há visto corresponde a las ideas
que tenía antes de emprender ese viaje?[...]” 6 “[...]Es Mucho más rica, más compleja, más apasionante de lo que me imaginaba. De acuerdo com los
testimonios que había recogido, me había hecho una idea extraordinariamente favorable de la Revolución
Cubana[...]” 7 “[...]mi opinión era más favorable todavía [...]” 8 “[...] yo he encontrado en La Havana gentes muy reflexivas, muy competentes, muy al tanto de los problemas
que se les plantean; son jóvenes, es cierto, pero tienen consciencia de ello [...] remedian esta inexperiencia com
mucho trabajo y reflexión[...]”
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boa vontade, de uma perfeita boa fé; si se equivocam, admitem. Não têm
vaidade nem teimosia [...]
Podemos perceber esse discurso de Beauvoir em seu texto, publicado junto com a matéria, no
Revolución.
Em La Revolución Cubana hace nacer una Esperanza, Simone de Beauvoir começou
relembrando parte do discurso de Fidel Castro, na homenagem às vítimas da explosão do “La
Coubre”, e para a filósofa, sua visita em Cuba fez com que fosse testemunha do “[...]milagre
que transforma uma semicolonia subdesenvolvida em um país independente e próspero [...]”9.
No decorrer do texto, Beauvoir explicou sobre as modificações estruturais, feitas pela
revolução cubana, que transformou espaços usados para repressão da população, como
quartéis em escolas, também das construções de casas e hospitais, além da nova forma de
plantação, que modificou para melhor a qualidade de vida dos cubanos.
Nas palavras de Beauvoir,
[...] O mais surpreendente deste surpreendente triunfo, é que não se deve nada ao capricho nem
a sorte; os caminhos tomados pela Revolução estavam traçados há muito tempo; a simples e
assustadora invenção de Fidel Castro tem sido comprometer-se neles e segui-los; ao fazê-lo não
só a serviço a Cuba; tem mostrado a rota a todos os povos subdesenvolvidos; ao realizar a
revolução tem provado que ela é possível.
Singular, única, a Revolução Cubana é também um modelo, tem feito nascer no mundo inteiro,
para milhões de homens que não comem outra coisa que sua fome, uma mesma e imensa
esperança10.
Podemos concluir que em 1960 Simone de Beauvoir não pensava na revolução da
mesma forma que os franceses, mas sim que a juventude que produziu a revolução deveria ser
vista, e era, além de um exemplo, como uma esperança. Se pararmos para pensar no contexto
da América Latina e as ditaduras que foram impostas no século XX, o texto de Beauvoir foi
publicado enquanto estava viajando no Brasil, num contexto das repúblicas populistas.
Referências
BEAUVOIR, Simone de. Sob o signo da história. Vol. II. Trad. Maria Jacintha. São Paulo,
Difusão Editora do Livro, 1965.
FAVATTO Jr, Barthon. Entre o doce e o amargo: memórias de exilados cubanos: Carlos
Franqui e Guillermo Cabrera Infante. 1 ed. São Paulo: Alameda, 2014.
9 “[...] milagro que transforma uma semicolonia subdesarollada em um país independiente y próspero[...]”. 10 Podemos encontrar o texto original em espanhol no Anexo 2, como um recorte da fonte.
424
FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a revolução cubana. São Paulo: T. A.
Queiroz, 1979
FRANQUI, Carlos. Cuba, la Revolucion: ¿ Mito o Realidade? Memorias de um fantasma
socialista. Barcelona: Península, 2006.
JULIEN, CLAUDE. La Revolución Cubana vista por Simone de Beauvoir. Revolución, 2ª.
Ed. Havana, 15 de abril de 1960. NDPH- UEL: Londrina-PR.
MISKULIN, Silvia Cezar. A revolução cubana: conquistas e desafios na História das
Américas. In: BARBOSA, C. A. S. As revoluções contemporâneas paradigmáticas. Maringá,
PR: Editora da UEM, 2016.
SADER, Emir. A revolução cubana. São Paulo: Ed Morena, 1985
425
Anexo 1
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Anexo 2