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1 A cor na obra de Josef Albers 1.1. Homenagens ao Quadrado I‟m not paying „homage to the square.‟ It‟s only the dish I serve my craziness about color in. 1 Homenagens ao Quadrado. À primeira vista, uma série mecânica, precisa, esquemática, puramente racional: a realização adequada de um projeto. “Decepcionantemente simples e, no entanto, imensamente sofisticada” 2 -como descreve François Bucher. Num segundo momento, um enigma a ser desvendado: com alguns segundos de observação, as cores refletidas pelo plano do quadro produzem efeitos inesperados. As massas de cor parecem avançar, afastar, parecem transparentes; as bordas vibram intensamente, as cores ganham uma intensidade incomum. A tela transforma-se num campo de forças intensas, incessantes. Quanto maior o tempo de observação, maior a amplitude desses efeitos. Pela simplicidade, destaca-se a estrutura. Apenas três ou quatro cores a óleo, planas; quadrados que parecem inseridos uns nos outros. Partindo do centro, seguem uma proporção crescente, numa expansiva força resultante. O suporte: placas de aglomerado de madeira 3 que o jardineiro e assistente de Albers, Albert Powell, sob sua orientação, cuidadosamente preparava com sete camadas de base branca de gesso. A série “Homenagem ao Quadrado” é a culminação do esforço de uma vida, perseguindo na pintura “a alta luminosidade dos vitrais”. 4 A base dessas placas, branquíssimas e lisas, garantem uma alta reflexão da luz pela superfície, aproveitando ao máximo a transparência do meio a óleo. O esquema é a depuração de um sofisticado pensamento sobre proporções, objetivando a melhor 1 ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 67, folder 08 -Albers on Albers: entrevista a Neil Welliver / Art News, janeiro 1966. The Josef and Anni Albers Foundation, Orange, Connecticut. 2 BUCHER, François; ALBERS, Josef. Despite Straight lines. New Haven and London: Yale University Press, 1961, p.17. 3 Essas placas são comercialmente denominadas “Masonite”, o nome da empresa de William H Mason, o inventor desse processo, em 1924. 4 BARKER, Oliver. Josef Albers: Glass, Design, Engravings, Typography, Furniture. Paris: Hazan, 2008, p. 224, nota 16.

A Cor Na Obra de Josef Albers

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    A cor na obra de Josef Albers

    1.1.

    Homenagens ao Quadrado

    Im not paying homage to the square. Its only the dish I serve my craziness about color in.

    1

    Homenagens ao Quadrado. primeira vista, uma srie mecnica, precisa,

    esquemtica, puramente racional: a realizao adequada de um projeto.

    Decepcionantemente simples e, no entanto, imensamente sofisticada2 -como

    descreve Franois Bucher.

    Num segundo momento, um enigma a ser desvendado: com alguns

    segundos de observao, as cores refletidas pelo plano do quadro produzem

    efeitos inesperados. As massas de cor parecem avanar, afastar, parecem

    transparentes; as bordas vibram intensamente, as cores ganham uma intensidade

    incomum. A tela transforma-se num campo de foras intensas, incessantes.

    Quanto maior o tempo de observao, maior a amplitude desses efeitos.

    Pela simplicidade, destaca-se a estrutura. Apenas trs ou quatro cores a leo,

    planas; quadrados que parecem inseridos uns nos outros. Partindo do centro,

    seguem uma proporo crescente, numa expansiva fora resultante. O suporte:

    placas de aglomerado de madeira3 que o jardineiro e assistente de Albers, Albert

    Powell, sob sua orientao, cuidadosamente preparava com sete camadas de base

    branca de gesso.

    A srie Homenagem ao Quadrado a culminao do esforo de uma vida,

    perseguindo na pintura a alta luminosidade dos vitrais.4 A base dessas placas,

    branqussimas e lisas, garantem uma alta reflexo

    da luz pela superfcie,

    aproveitando ao mximo a transparncia do meio a leo. O esquema a

    depurao de um sofisticado pensamento sobre propores, objetivando a melhor

    1 ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 67, folder 08 -Albers on Albers:

    entrevista a Neil Welliver / Art News, janeiro 1966. The Josef and Anni Albers Foundation,

    Orange, Connecticut.

    2 BUCHER, Franois; ALBERS, Josef. Despite Straight lines. New Haven and London: Yale

    University Press, 1961, p.17. 3 Essas placas so comercialmente denominadas Masonite, o nome da empresa de William H

    Mason, o inventor desse processo, em 1924. 4 BARKER, Oliver. Josef Albers: Glass, Design, Engravings, Typography, Furniture. Paris:

    Hazan, 2008, p. 224, nota 16.

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    condio espacial para o acomodamento e intensificao das cores; para a

    apreenso mais direta, simples e bela.

    As formas geomtricas, abstratas, e a cor foram tpicos de investigao das

    vanguardas histricas. Ao dizer que no presta homenagem ao quadrado, Albers

    quer desviar o foco do passado, dos seus antecedentes, para a instabilidade da cor,

    que seu objetivo. Logo, a estrutura -a calculada proporo- aquela que permite

    a livre poesia da cor, em infinitas situaes ambientais.

    As pinturas tm dimenses entre 28 x 28 cm e 121.92 x 121.92 cm, podendo

    assumir, excepcionalmente, verses murais. A srie utiliza uma mesma estrutura

    com apenas quatro variaes. H a verso com quatro quadrados, e mais trs

    outras, que suprimem ora o primeiro quadrado (interno), ora o segundo ou o

    terceiro intermedirios (de dentro pra fora). H ainda aquelas, raras, com

    utilizao de apenas em linhas brancas indicando quadrados e a com cores

    diferentes nos lados de um mesmo quadrado. Outro elemento constante a borda

    branca que, sendo uma rea no interferida da branqussima base, como esta,

    reflete o mximo de luminosidade para dentro da camada transparente de tinta

    leo.

    Figura 4. J. Albers, Estudo para Homenagem ao Quadrado Tranquilo (Tranquil), 1967. 1 2 x 81,2 cm. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    Figura 5. J. Albers, Homage to the Square Dense-Soft (Denso-Macio), 1969. madeira 101,6 x 101,6 cm. Yale University Art Gallery; Doa .

    Figura 6. J. Albers, Estudo para Homenagem ao Quadrado Profundo, 1966. aglomerado de madeira, 101,6 x 101,6cm. Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Washington.

    Figura 7. J. Albers, Estudo para Homenagem ao Quadrado Quem Sabe? (Who Knows?) 1969. leo sobre aglomerado de madeira, 40,6 x 40,6 cm.

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    Figura 8. Esquema das propores das Homenagens ao Quadrado. Fonte: BUCHER, Franois; ALBERS, Josef. Despite Straight lines. New Haven and London: Yale University Press, 1961.

    A proporo e o posicionamento dos quadrados resulta numa sensao de

    profundidade, de diminuio dos quadrados internos pelo afastamento dos

    elementos. Alm disso, pela disposio vertical dos quadrados mais prxima da

    base, temos figuras que decrescem radicalmente em tamanho, o que sugere uma

    escala monumental.

    Sem se recorrer linhas o que temos so as bordas das cores que se tocam-

    cria-se uma projeo. O crebro interpreta que os quadrados sejam do mesmo

    tamanho por terem os quatro lados iguais, mas que paream diferentes por

    afastamento, provocando a reduo das suas escalas. Suas quinas superiores

    formam um ngulo agudo de 36 graus: um decrscimo veloz, como o afastamento

    em profundidade. Supondo que o observador est com os ps no nvel do solo,

    temos a projeo de um ponto de fuga baixo, no quarto (25%) inferior do

    quadrado externo, o determina que este tenha um tamanho de trs vezes a altura

    do olhar do observador. Por isso, apesar do tamanho das telas no ser grande em

    comparao com a escala da pintura norte-americana, elas produzem uma situao

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    arquitetnica; realizam de forma modelar o pressuposto moral de economia:

    atingir o efeito mximo com o mnimo de meios.

    A restrio fundamental- a deciso pelos simples planos slidos de cores

    no-tonalizadas- gera uma exuberncia: infinitos efeitos das cores interagindo e

    reverberando entre si, lanando radiaes para as bordas opostas, produzindo

    gradaes mais intensas na base onde as linhas foram acumuladas, e que vo

    dissipando para o alto, indicando uma evaporao. Daquela estrutura evidente,

    simples, estvel, surgem mltiplos elementos dinmicos- um palco para as cores

    irem, virem, bailarem...

    Figura 9. Josef Albers, Estudo para Homenagem ao Quadrado, 1949. The Josef and

    Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    O desejo de expanso notrio neste estudo para a srie: h experimentao

    do contraste luminoso progressivo, ritmado. Um dos recursos mais utilizados a

    luminosidade do quadrado intermedirio como sendo uma mdia entre as dos

    quadrados interno e o externo. Quando este raciocnio aplicado cor, temos um

    efeito de transparncia, de interseo entre planos. O quadrado intermedirio

    pode tambm esfumaar-se, quase desaparecendo por completo. Alm disso,

    Albers consegue sugerir volume somente com a utilizao de cores planas, sem

    perder intensidade na degradao para os cinzas.

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    Figura 10. Josef Albers, Homage to the Square, 1961. The Josef and Anni Albers

    Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    A srie Homenagem ao Quadrado derivou diretamente de uma outra srie,

    chamada Variantes, criada em 1947, quando o casal Josef e Anni Albers tira frias

    de um ano sabtico na Escola de Black Mountain, onde lecionavam desde 1933.

    Eles viajam do Canad ao Mxico, mas no estado norte americano do Novo

    Mxico que Josef Albers se deixa impressionar profundamente pela interao

    luminosa entre as fachadas das tradicionais casas de tijolos de barro e a intensa

    luminosidade do cu da regio, e produz compulsivamente mais de 100 trabalhos:

    a extensa srie chamada Variantes ou Adobes. Este um momento de virada

    na sua obra: a partir desses estudos, em 1949, Albers comea duas das suas mais

    importantes sries: as Constelaes Estruturais e as Homenagens ao

    Quadrado.

    Figura 11. Josef Albers, Adobe (Variant): Luminous Day, 1947/52. leo sobre masonite. 28 x 53.34cm. 2003 The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    Desde a sua migrao para a Amrica do Norte, Albers havia se deixado

    impressionar pela potente natureza da Carolina do Norte e, apesar da sua obra no

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    ser figurativa, h uma intensa correspondncia com a natureza: uma mmese,

    considerando-se o termo como uma troca dialtica5.

    Podemos perceber uma transformao nos mais de 20 anos de produo

    dessa srie. As cores nos quadros dos primeiros anos da srie Homenagem ao

    Quadrado so, como as da srie Variantes, mais oleosas e utilizam-se de alto

    contraste. Nos primeiros quadros, as cores parecem mais primitivas por serem

    utilizados pigmentos puros em leo, aplicados diretamente do tubo. Apesar da

    impresso de desmaterializao dos tons em transparncia, os resultados

    enfatizam o plano do quadro; a agressiva carga material de tinta tem um brilho to

    intenso, que somente comparvel maneira de Van Gogh. Note-se como, na

    Homenagem ao Quadrado Azul, Branco, Cinza, o branco slido, com grande

    personalidade e contraste.

    Figura 12. Josef Albers, Homage to the Square, 1950. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    Figura 13. Josef Albers, Homage to the Square Blue, White, Grey, 1951. The Josef and

    Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    Figura 14. Josef Albers, Homage to the Square, Guarded, 1952. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    5 conceito delimitado na introduo deste trabalho. Ver p. 25-26.

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    Em torno de 1957, identificamos em Albers uma busca por resultados

    atmosfricos. Nota-se um privilgio dos tons terrosos, em desafiante contraste

    com luminosos azuis, cinzas e negros sombrios. Aluses a horas do dia e da noite

    so freqentes em quadros que carregam subttulos, como: Coruja, Sombras

    noturnas, Meio dia, Troca tardia, Subida fresca.

    Figura 15. Josef Albers, Homage to the Square, Night Shades, 1957. The Josef and

    Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    Figura 16. Josef Albers, Homage to the Square, Tap Root, 1965. The Josef and Anni

    Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    A partir da dcada de 1960, h um interesse por nuances das mesmas cores:

    subsries em verdes, amarelos, vermelhos, cinzas, ou pretos. Albers passa a

    explorar a vibrao tambm dos tons mais calmos, menos saturados. A aplicao

    da tinta mais rala e com brilho reduzido, ao eliminar-se a camada superficial de

    verniz que protegia os quadros anteriores. Um belo exemplar o da coleo

    MAC-USP, cujo subttulo Signo Raro.

    Figura 17. Josef Albers - Homage to the Square Rare Sign, 1967. Coleo MAC-USP.

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    Figura 18. Josef Albers, Homage to the Square, 1959. The Josef and Anni Albers

    Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    Figura 19. Josef Albers, Study for Homage to the Square, Equilibrant, 1962. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    Figura 20. Josef Albers, Homage to the Square, 1967. The Josef and Anni Albers

    Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    Figura 21. Josef Albers, Study for Homage to the Square, 1972. The Josef and Anni

    Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

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    1.2.

    A alta luminosidade dos vitrais

    Numa declarao escrita em 1972, Albers reflete sobre e o atelier de vidro

    na Bauhaus, na poca que ele ainda era estudante: este era considerado um ramo

    da pintura mural. Discordando disso, para ele, a pintura mural lida com as cores

    como luz refletida, mas a pintura em vidro, com a cor como luz direta. Albers

    perseguia esta luz direta, intensa. Com os limitados recursos disponveis naquela

    poca economicamente difcil, ele investe na criao de vitrais. E ento, revelia

    da opinio dos demais professores, desenvolvendo esse estudo sozinho, realizou

    belas assemblages com cacos de vidro. Estas lhe valeram o convite para reabrir o

    atelier de vidro e ensin-lo. Com este, mais uma vez, Albers se destaca: seu

    esforo reconhecido e ele ganha a titularidade do Vorkurs e das aulas de cor.

    Seus vitrais inserem-se perfeitamente no ideal de sntese das artes: discute a

    integrao entre exterior e interior para alm da neutralidade dos panos de vidro

    nas fachadas, abordando a cor num material ao mesmo tempo extremamente

    moderno e tambm tradicional. O efeito final, no entanto, em nada se parece com

    o decorativismo dec, mas interfere construtivamente no espao arquitetnico,

    contribuindo, com a transformao das fontes luminosas, para a sua

    conscientizao.

    Figura 22. Josef Albers. Vitral montado sobre grade, 1921. Dimenses: 33,4 x 30,2 cm.

    The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York.

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    A partir deste momento, Albers recebe encomendas de vitrais, como para as

    casas Sommerfeld e Otte e para a ante sala do escritrio de Gropius.6

    Figura 23. Josef Albers. Vitral montado no hall de entrada da casa Otte, Berlin, c. 1922-23. Destrudo. Foto: The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York.

    Figura 24. Josef Albers, janela de ao inoxidvel e vidro (destruda). Sommerfeld House, Berlin, 1920/21. 2003 The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York.

    Seus vitrais e assemblages deram origem s sofisticadas pinturas em

    vidro, realizadas com uma tcnica em jato de areia que ele prprio desenvolveu,

    encomendando-as a fabricantes industriais. Com estas, Albers considerou j ter

    alcanado um status autnomo para a cor: eram construes precisas, que, vistas

    a favor da luz, mantinham certa opacidade (eram leitosas), e contra a luz, a sua

    6 Estes vitrais foram destrudos durante as guerras, mas destes restaram as imagens acima.

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    relativa transparncia as transformava em emissores de luz. dessa poca a obra

    City.7

    Figura 25. Josef Albers. City, 1928. Vidro jateado. 28 x 55 cm. Coleo: Kunsthaus

    Zurich.

    Sobre o trabalho em vidro City, Albers descreve a conquista, com essa

    tcnica, de um branco excepcionalmente luminoso, no oxidado, no amarelado,

    como acontece com o pigmento em contato com o leo de linhaa na pintura.

    Reconhecemos nestas obras a assimilao da estrutura neoplstica a grade- como

    tambm a utilizao moderna do branco como cor, uma cor muito difcil por sua

    impermanncia, e a mais limpa, pura. Albers explica as suas intenes e o

    desenvolvimento dessa tcnica, com a qual consegue bordas extremamente

    precisas:

    As for the flashed glass, the flashed front color (in this case red) is not painted on

    and then baked in, but is melted on by blowing the glass a second time. As a result a

    hair thin layer of color covers (flashes) a thicker core. In the case of stained glass,

    the latter usually consists of clear window glass. In opaque wall paintings, however,

    the flashed color usually covers a core of milk glass which is of the purest white a white that is non-existent when looking through stained glass windows.

    The white, however, is visible only after the covering flashed glass has been removed.

    In this case, this was done by sand-blasting (using a compressed air blower) instead

    of biting with liquid acid. While acids produce a smoother surface, sand-blasting

    creates sharper edges and above all sharper corners.8

    7 Ver o texto de Albers sobre City no anexo.

    8 ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 43, folder 6- statement on City.

    translated from: Jahresbericht 1960 of Zuercher Kunstgesellshaft.The Anni and Josef Albers

    Foundation. Orange, Connecticut.

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    Um elemento fundamental da sua potica, em toda a sua obra, o recurso ao

    clculo matemtico para alcanar uma proporo mtrica das reas de cor. V-se

    que este no apenas um fetiche tcnico, mas objetiva proporcionar os efeitos

    visuais em luminosidade e saturao,9 que far sugerir afastamento e aproximao

    dos planos -tanto em profundidade quanto lateralmente. Com esta, alcanando

    tambm os efeitos de transparncia e sobreposio aprendidos na obra de Paul

    Klee. Desta forma, como Albers bem afirma, h uma integrao entre cor,

    estrutura e espacialidade:

    In the case of City, the stenciling paper which was glued on, was cut in straight lines from edge to edge: the height was equally divided into 29 horizontals, the width

    was divided into 20 verticals of varing width, but measured with the horizontal unit.

    Despite this rectangular, frontal and, therefore, distinctly flat subdivision, there is a

    feeling of a many-sided spaciousness.

    This spaciousness is created above all through the constant change between

    separating and joining within divided and undivided surfaces in red, white, black.

    Furthermore, through a bundling the strips into groups of various widths and thus visually of different weight.

    And thirdly, through varying placing the groups within those vertical columns which makes us read them as near and far.

    This constant change between equal and unequal causes overlappings and

    penetrations which thus lead us up and down, over and back, until we see three

    dimensions and therefore volumes.

    More important still, they make us perceive the strong accent red-black-white as

    many colors. Apart from straight and mixed reds there even appear gradations within

    white and black. And the three colors, although in reality opaque, are perceived as

    being transparent

    Josef Albers.10

    Na declarao sobre City, destacamos, acima de tudo, um mtodo de

    reverso e espelhamento para atingir tal heterogeneidade espacial que abrir uma

    srie de questes importantes.

    Alm da influncia da grade neoplstica, ainda no incio da dcada de 1920,

    a estrutura de grade tambm foi assimilada atravs da viso area suprematista,

    9 Como a lei de Weber-Fechner, que abordaremos no terceiro captulo.

    10 ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 43, folder 6- statement on

    City. translated from: Jahresbericht 1960 of Zuercher Kunstgesellshaft.The Anni and Josef

    Albers Foundation. Orange, Connecticut.

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  • 45

    que produz na pintura um efeito grfico, com reas de cor bem delimitadas, o que

    pode ser percebido claramente nesta obra em vidro, de 1931:

    Figura 26. Josef Albers. Em vo, 1931. Vidro jateado montado sobre carto. 30,2 x 35

    cm. Staatsgalerie Suttgart.

    Como vemos em City, a opo pelas cores branco, preto e vermelho, em

    sutis gradaes para cinzas, carmins e alaranjados, denota outra constante em sua

    obra: a investigao das sutis variaes de cores, como vemos na obra da dcada

    de 1970, um estudo para Homenagem ao Quadrado em trs vermelhos (figura

    21).

    Albers era extremamente concentrado em seu objetivo o nascimento das

    formas. Sobre esses anos na Bauhaus, ele declara no ter se envolvido com

    poltica, nem se associado a outros artistas e suas idias; somente o vidro o

    interessava. A manipulao do vidro, da luz, da cor, dos efeitos visuais o

    encantavam: I was determined not to follow anything. For me it was glass. I was

    completely one-sided. I never went when the Constructivists and Surrealists

    assembled. It was for me just glass. I was filled with it. 11

    Albers era obcecado pelo vidro. Por que, ento, o abandonara em favor da

    pintura depois da migrao para os EUA? Porque sem as dificuldades, sem

    contraste, no existe dinamismo, vitalidade. Ao trabalhar com o previsvel vidro,

    quase no h surpresa. A expectativa de Albers pelo novo, pelos desafios. Os

    vitrais apresentam a luz transmitida diretamente. A cor, em luz, no apresenta

    dificuldade, neste caso. Na pintura, Albers conquista uma luminosidade como a

    dos vitrais com poucos recursos, mas com uma grande sabedoria. No leo The

    11

    ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 67, folder 08 -Albers on Albers.: entrevista a Neil Welliver / Art News, janeiro 1966. The Josef and Anni Albers

    Foundation, Orange, Connecticut.

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    Gate (O Porto), de 1936, j temos alguns desses recursos que sero usados nas

    Homenagens ao Quadrado, como Margitt Rowell bem os evidencia:

    Em O porto, de 1936, a aluso janela aberta (ou porto) bvia, ainda que sua abertura seja atenuada pela complexidade estrutural das formas entrelaadas. A

    intensidade luminosa ou valor das duas cores um violeta externo e um cinza interno- to prxima que s podemos l-las como estando num mesmo plano. No

    entanto, o triplo preto em volta do orifcio branco central introduz uma iluso de

    atividade luminosa, a ser substituda, subseqentemente, por uma prpria atividade

    fsica da luz.12

    Figura 27. Josef Albers, The Gate, 1936. leo sobre aglomerado, 1 x 20 5/ . Yale University.

    Com o controle dessas relaes de contraste, nesta obra, j evidencia-se o

    real objetivo das Homenagens ao Quadrado: conquistar um efeito de luz direta na

    luz indireta, subtrativa do plano pictrico. Mudar sua condio passiva de mero

    refletor parcial e imperfeito da luz incidente. Este procedimento tcnico revela

    uma outra ambio, moral e simblica, como j explicitamos na introduo desse

    trabalho: o interesse de Albers est nas qualidades remanescentes,

    intermedirias, subtrativas, tornadas ativas. Isto porque no h conquistas sem

    atritos, sem contrastes, vistos como a real condio do viver. A estabilidade

    absoluta ilusria, ideal. Sem os desafios, no ocorre a revelao da luz; no se

    conquista a iluminao do conhecimento.

    12

    In The Gate of 1936, the open window (or gate) allusion is obvious, although its overtness is attenuated through the structural complexity of the interlocking forms. The light intensity or value

    of the two colors an outer violet and an inner gray- is so close that we can only read them as in the same plane. However, the tripled black around the white central orifice introduces an illusion

    of light activity which for the moment is only an illusion. It is a painting in of light activity, subsequently to be replaced by physical light activity itself. ROWELL, Margit. On Albers Color. In: ARTFORUM, vol. X, nmero 5. Nova York: janeiro, 1972, p. 37.

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    Para tal, a experimentao confiante, livre necessria. Por isso, tambm

    no basta o estudo das conquistas do passado; este deve ser questionado, revivido,

    revigorado. Albers prope a libertao das regras e a investigao da sabedoria

    consolidada na tradio. Assim, ele consuma o fenmeno visual como uma esfera

    especfica de conhecimento, no acabado, no dogmtico, capaz de promover

    tambm a autonomia de pensamento do indivduo.

    1.3.

    Cor e luz

    A cor um elemento bsico da percepo humana, fundamental apreenso

    dos fenmenos. A cor tem o poder de provocar a sensibilidade, transparecer o

    ntimo dos homens. Sua natureza varivel, misteriosa, parece inexplicvel. Esta

    dificuldade de entend-la e comunic-la nos proporciona um rico objeto; nesta

    tentativa, h interao entre o ntimo e o coletivo, o objetivo e o subjetivo, o

    racional e o irracional. Explic-la, reduzi-la, implica em escolhas: quando d-se

    a construo dos valores especficos de uma sociedade: a multiplicidade dos

    significados atribudos s cores comprova a historicidade das manifestaes

    culturais.

    O iluminismo, especialmente o francs, modificou radicalmente o modo

    ocidental de apreenso dos fenmenos. Com Descartes, o mtodo cientfico

    racional e verificvel- inverteu a hierarquia na relao entre o homem e natureza.

    Antigas supersties foram sendo abolidas e, no incio dos oitocentos, Isaac

    Newton, com a sua ptica, demonstrou a constituio fsica da luz.

    Ousadamente, provou que a natureza da luz material, corpuscular. Desde

    Aristteles, no surgira uma abordagem to inovadora. Newton cria um

    significado objetivo para a luz, contrapondo-o ao maior smbolo cristo da

    supremacia da alma sobre vida terrena. Assim, a cincia secularizou o mundo

    fenomnico, criou um significado objetivo para o mundo. Apoiada nos seus

    resultados prticos, sua difuso ajudou a construir aquela sua aparncia de

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  • 48

    infalibilidade da cincia, provocando nos homens otimismo e confiana.13

    Contudo, a intensificao das pesquisas sobre a luz e a cor nos serve de

    exemplo de como a cincia est longe de ter alcanado consensos sobre este tema.

    Somente por volta da dcada de 1920, finalmente, com a mecnica quntica, a

    comunidade cientfica concorda que a luz constituda tanto de matria quanto de

    radiao, energia. Ou seja, a luz comporta-se como partcula e como onda: a

    chamada dualidade onda-partcula ou dualidade matria-energia.

    Desde a sua origem, o iluminismo comportou crticas internas. Giambattista

    Vico, contemporneo de Newton, foi um grande inovador: props uma

    abordagem especfica para a produo cultural. A importncia da obra de Vico

    est em denunciar a super influncia das idias cartesianas j em seu tempo, que

    superestimam as cincias matemticas em detrimento da eloqncia e da poesia.

    Partindo do estudo da jurisprudncia, Vico coloca a necessidade de se reconhecer

    a existncia de uma esfera intermediria entre verdadeiro e falso, o que tem uma

    grande importncia filosfica: o reconhecimento do provvel e do verossmil.

    Mesmo Newton no havia negligenciado a percepo, assegurando que a cor

    uma sensao humana. Contudo, o significado de suas descobertas tenderam a

    uma forte objetivao do mundo fenomnico: a repercusso pblica da sua tica

    enfatizou a constituio fsica da luz e da cor.

    Teoria da relatividade e fenomenologia so respostas a uma mesma crise de

    uma mesma tradio.14

    A prpria mecnica quntica comprovou que a

    imparcialidade do cientista no pode mais servir como garantia de infalibilidade.

    A teoria da relatividade revelou a influncia do observador sobre o objeto de

    estudo: a cincia abandona o status absoluto de objetividade e reconsidera a

    particularidade, a empiria, para fazer sobreviver o seu mtodo racional e a aporia

    da verdade.

    Dentre as vrias dimenses da cor, a que pde gerar, at hoje, concluses de

    certo modo definitivas foi esta, acerca da sua constituio fsica de radiao e

    partcula, de luz. Mas a cor no pode ser dissociada das caractersticas de

    13

    A confiana na Razo ocidental extremada pelo iluminismo, mas remonta ao pensamento de Toms de Aquino, o que tem implicaes culturais para a nossa pesquisa, devido a importncia da

    catedral gtica para a valorizao da cultura nacional alem pelo Romantismo, como na obra de

    Erwin Panofsky, Arquitetura Gtica e Escolstica. 14

    para maior profundidade sobre a importncia da teoria da Relatividade para a cultura e os

    variados saberes, ver : TASSINARI, Alberto. Einstein e a Modernidade. Novos estudos

    CEBRAP no.75. So Paulo Julho 2006.

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  • 49

    superfcie, nem da fisiologia, da psicologia ou dos seus significados histricos e

    culturais.

    A cor ganha uma grande importncia como parmetro para a considerao

    dos sentidos, da intuio como fator fundamental para a atividade cientfica. Os

    significados atribudos cor nas obras de arte revelam a historicidade das

    manifestaes culturais; a inconstncia da percepo exige a reconsiderao da

    perspectiva da experincia humana, da dependncia dos contextos para a

    construo dos significados, determinando para o cientista a manuteno de uma

    atividade crtica constante na evidenciao do seu envolvimento pessoal.

    De certa maneira, estamos hoje, com bastante atraso, dando conta de uma

    longa tradio pouco refletida teoricamente, apesar de praticada nas artes. No

    sabemos se a cor foi relegada a uma condio hierarquicamente inferior nos

    debates tericos do ocidente apenas por reflexo de prejuzos culturais, ou se essa

    ocorrncia denota uma incapacidade mais profunda da prpria cincia em

    esclarecer um objeto altamente complexo. A cor envolve vrias dimenses,

    contrariando os espritos positivistas mais ferrenhos. Dentro desta atual crise,

    estamos nos localizando numa trilha reformuladora, opo partidria da

    manuteno da crena na racionalidade, utilizando a subjetividade das

    manifestaes humanas para a reavaliao dos valores ocidentais modernos que

    sobrevivem no mundo contemporneo. Na nossa pesquisa, h nfase naquelas

    aes construtivas, que buscam repor a confiana justamente na racionalidade.

    Revendo-a, ao invs de simplesmente adot-la sem crticas ou simplesmente

    refutando a nossa tradio cientfica.

    Ao transformar-se no tempo de percepo, a cor revela sua condio

    multidisciplinar intrnseca. Para dominar as muitas variveis da cor fazendo

    destacar umas das outras numa atuao em conjunto, como vemos na obra de

    Albers- necessrio entender as sucessivas etapas de sua formao at que ocorra,

    finalmente, no crebro, a percepo visual.

    Para que a cor se manifeste, ao menos trs etapas devem ser consideradas:

    Em primeiro lugar, a fsica: necessrio um estmulo exterior uma

    radiao, que deve estar dentro do limite dos comprimentos de onda visveis ao

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  • 50

    olho humano, o chamado espectro visvel. Esta radiao podendo ser emitida por

    uma fonte de luz j colorida; ou refletida por uma superfcie.

    Em segundo lugar, a fisiologia: um aparelho tico, capaz de codificar em

    impulsos nervosos as sensaes produzidas por esses estmulos externos.

    E ainda, em terceiro lugar, a psicologia: o crebro, que decodifica de

    imediato e posteriormente interpreta esses impulsos.

    Essas etapas -fsica, psicofsica e visual- que acontecem com a interao

    entre o homem e ambiente, derivam ainda no que poderia ser considerado um

    quarto passo: interpretao psquica, segue a depurao intelectual dessas

    informaes ao longo do tempo; quando so associadas s cores, valores e

    significados mais precisos. Assim, quando mais tempo lhes dedicamos, mais as

    cores vo ganhando contornos subjetivos.

    A dimenso humana da cor j fora proposta em Goethe: uma manifestao

    emblemtica por ter se contraposto de imediato acepo positivista e

    mecanicista da percepo estabelecida pela Fsica newtoniana da sua poca. Em

    1810, Goethe publica suas teorias de cor, Farbenlehre, em clara oposio

    ptica -que ateve-se aos estmulos exteriores: s cores fsicas (as radiaes que

    impressionam diretamente a retina) e qumicas (as superfcies capazes de

    transformar essas radiaes ao refleti-las)- Goethe segue observando as demais

    etapas da percepo, onde incluem-se as iluses e interaes da cor (inclusive as

    cores patolgicas, que surgem em condies anormais); comprova diversos

    efeitos de imagem posterior, produzidos na mediao entre olhos e crebro.

    Esses estudos, principalmente sobre os contrastes cromticos, to bem

    observados por Goethe, foram fundamentais para o desenvolvimento das teorias

    sobre as cores em outros cientistas, como o qumico francs M. E. Chevreul, que

    influenciou diretamente a pintura impressionista. Por considerar a subjetividade, a

    teoria de cor de Goethe uma referncia importante para os artistas como uma

    resposta ao conservadorismo das instituies do sculo dezenove e,

    principalmente para os artistas alemes, um modelo alternativo normatizao da

    pintura pelas academias francesas.

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  • 51

    Desta forma, entende-se o observador no como um agente passivo, como

    sugere Newton, mas como um organismo ativo -o que determina a variabilidade

    do processo de percepo.

    A constituio fsica da luz , portanto, apenas uma das dimenses da cor:

    na percepo, temos ainda as variveis fisiolgicas e psicofsicas, psicolgicas,

    culturais, e ainda as abordagens individuais. A natureza multidisciplinar da cor -a

    amplitude das questes envolvidas- permite que a nossa pesquisa detenha-se neste

    tema, apostando na diversidade de conexes tericas que possam surgir. Vamos

    nos dedicar particularidade dos significados culturais.

    Numa tradio que remonta ao renascimento, os pintores j haviam se dado

    conta da reflexo da luz pelos objetos no espao; coube a eles conhecer, registrar

    e reproduzir artisticamente esses fenmenos. Mas a cor no havia sido ainda

    associada luz, apenas aos objetos -ainda que eles tenham percebido a existncia

    de luzes mais brancas, azuladas ou amareladas, como no caso da perspectiva

    area. Como vemos no seu estudo da figura 28, Leonardo j havia notado a

    reflexo da luz pelos objetos, percebendo que os mais claros expandem-se:

    parecem maior que os escuros, destacando-se. Entretanto, a cor, at o sculo XIX,

    basicamente continuou sendo identificada com o mundo material; sendo os

    pigmentos e anilinas capazes de transformar as suas superfcies, ao serem sobre

    elas aplicadas. Foram sempre valorizados pela beleza perene que conseguiam

    constituir.

    Figura 28. Leonardo. Codex Urbinas and lost Libro A , 1508. Pena e tinta sobre papel. Biblioteca Vaticana. Fonte: . (Consultado em 15/07/2011).

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  • 52

    Ainda que Goethe tenha destacado a sua incompletude, a condio luminosa

    do fenmeno cromtico, revelada por Sir Isaac Newton no sculo XVII, foi

    determinante para o uso moderno da cor. No sculo XIX, desta descoberta

    cientfica derivaram muitas outras sobre os fenmenos cromticos, dentre as

    quais, as divulgadas pelo livro de M. E. Chevreul, De La Loi Du Contraste

    Simultan des Coleurs,15

    publicado em Paris, em 1839. Chevreul associou-as

    prtica milenar dos teceles de justapor cores complementares para aumentar suas

    intensidades. Este o efeito chamado contraste simultneo, que o fato de

    visualizarmos, ao longo das bordas em uma forma colorida, uma radiao da sua

    cor complementar. A interao das cores, como toda iluso cromtica,

    dependente basicamente do contraste simultneo segundo Albers16. O tema por

    ele to profundamente discutido j havia sido longamente descrito por Goethe,

    mas nas obra dos coloristas desde Delacroix que a questo se desenvolver e

    ganhar a importncia relegada cor pelos pintores modernistas -sendo esta

    tradio dos coloristas franceses fundamental para a elaborao da cor em Albers.

    Figura 29. Ilustrao do efeito de radiao complementar produzida pelo Contraste Simultneo, publicado na obra de M. E. Chevreul, De La Loi Du Contraste Simultan des Coleurs, op. cit. p. 161.

    Os pintores impressionistas possuam a erudio das teorias de cor

    sistematizadas por Chevreul: sabiam controlar os efeitos de contraste simultneo

    e de imagens posteriores, que potencializam a saturao das cores. A

    fundamentao cientfica, objetiva do impressionismo consistia no uso consciente

    da tinta por sua capacidade de constituir as caractersticas tteis do plano

    pictrico, dentre elas, o coeficiente de reflexo da luz incidente. Ou seja, desde E.

    15

    A edio consultada para este trabalho foi a editada e comentada por Faber Birren em 1981:

    CHEVREUL, Michel Eugene. The principles of harmony and contrast of colors and their

    applications to the arts. New York: Van Nostrand Reinald, 1981. 16

    o contraste simultneo a causa de toda iluso cromtica. ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 50.

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  • 53

    Manet, percebemos, nos pintores, o entendimento da cor como um elemento de

    controle da equao entre absoro e reflexo da luz que incide sobre as

    superfcies.

    Isto s possvel com a compreenso dos contrastes simultneo e

    sucessivo. So contrastes no apenas de cor, mas tambm de luminosidade,

    chamada tambm de valor (os tons de cinza). A figura 29, publicada no tratado de

    Chevreul, explicita este contraste: uma mesma forma circular, exatamente no

    mesmo tom de cinza, parece mais clara sobre um fundo escuro, e mais escura

    sobre um fundo claro. o que percebemos na serigrafia do portflio Formulation

    Articulation, onde Albers demonstra como formas exatamente no mesmo tom

    pardo mudam a luminosidade de acordo com a percepo de contraste em relao

    com fundo: quanto mais escuro, mais as linhas parecem claras.

    Figura 30. Portfolio 1, folder 6. Fonte: ALBERS, Josef. Formulation: Articulation. Thames & Hudson, 2006.

    Observamos que aqueles que mergulham no complexo e inesgotvel

    universo do estudo da cor, num dado momento, deparam-se com a constatao da

    limitao das cores-tinta em relao s cores em luz. As cores, quando percebidas

    como um reflexo de uma superfcie material, so acrescidas de cinzas,

    amortecidas pela absoro das superfcies -constituem-se de apenas uma parcela

    da intensidade da luz que incide sobre tais superfcies. Essa dose de cinzas as

    tonalizaes- multiplicam as cores puras em inmeras, incontveis variaes. No

    entanto, quando uma fonte de luz transformada por uma superfcie translcida

    colorida colocada entre os nossos olhos e essa fonte, o efeito muito mais

    intenso. o que acontece com os vitrais. Para aquele que est iniciando um estudo

    das cores, a intensidade, a saturao das luzes coloridas provoca um

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  • 54

    deslumbramento que deixa muito clara a idia moderna de autonomia da cor: a

    sua presena ostensiva num ambiente, a capacidade de transform-lo.

    Georges Seurat, observando a inevitvel adio de cinzas em qualquer

    mistura de tintas (que, por isso, se definem subtrativas), buscou, em suas pinturas,

    a cor mais pura -a cor aditiva, a prpria luz. Para isso, Seurat, em seu mtodo do

    pontilhismo -elaborado sobre teorias de outros cientistas, como Ogden Rood-

    justaps pontos de pigmentos puros, acreditando conseguir uma mistura aditiva

    (quando a soma das cores seria acrescida de luminosidade). Na verdade, como em

    qualquer tecelagem, a mistura tica resultante da viso distancia partitiva: a

    luminosidade resultante a mdia ponderada das luminosidades das cores

    originais. De todo modo, o brilho de suas telas impressionante, funcionando

    como um marco histrico da compreenso do plano pictrico como um emissor de

    radiao luminosa.

    Por outro lado, a diferena impressionista foi como indica o termo- a

    observao da luz como um dado perceptivo, varivel. Nestes artistas, as equaes

    entre objetividade e subjetividade, variabilidade e universalidade ficam mais sutis,

    detendo-se a uma condio intermediria entre fato fsico e interpretao: o corpo

    humano sendo abordado como um organismo universal. Desta forma, a

    modernidade foi buscada na pintura, primordialmente, como um realismo contra

    as artificiais regras das academias. Os pintores impressionistas, ento, limitaram

    as cores psicofsica da recepo tica, fundamentando-se nesses estudos sobre a

    percepo, numa tentativa de protegerem-se da interpretao culturalmente

    viciada das regras to fortemente institudas pela cultura acadmica. Em suas

    obras, sob uma boa dose de cientificismo, a percepo baseada no

    funcionamento humano geral. Esta base racional, impessoal, no entanto, no

    limitou as poticas desses grandes artistas.

    O aspecto subjetivo da percepo, j indicado por Goethe no sculo anterior,

    ganharia terreno nos fauves e nos expressionistas, com o abandono da referncia

    aos objetos exteriores e tambm de suas cores naturais, da chamada cor local.

    Esses artistas rejeitaram a recorrncia das leis da percepo, produzindo imagens

    fantsticas, imaginativas, particulares.

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  • 55

    No sculo XX, no caminho para a abstrao, a negao da tcnica do

    chiaroscuro o sombreamento que provoca a iluso de volume- realizou-se em

    favor das cores planas, elaboradas como metforas do absoluto. As obras dos

    artistas de vertente construtiva utilizaram-se do aspecto preciso das cores puras

    -as mais prximas das prismticas ou espectrais- aplicadas em grande extenso.

    Neste conceito de pureza, o preto e o branco so to resolutos quanto as

    primrias vermelho, amarelo e azul. Associadas s formas geomtricas, eles

    enfatizaram ainda mais suas ambies universalistas.

    Piet Mondrian ateve-se irredutibilidade das primrias tradicionais:

    vermelho, amarelo e azul. A sua base um branco que, por ser um plano aberto,

    amplo, numa extenso incomum, exclui o aspecto terreno da sombra, ou seja,

    material, falvel, imperfeito. Tambm associadas idia de pureza e aplicados em

    extenso, as cores puras usadas por K. Malvich tambm enfatizam o contraste

    entre a emisso e a absoro da energia radiante. Priorizando o preto, o branco e o

    vermelho (a cor mais saturada e, portanto, expansiva e destacada de todas), e suas

    qualidades objetivas, Malvich designa significados msticos, atemporais,

    supremos.

    O vermelho, o azul e o amarelo foram intuitivamente consideradas

    primrias pelos pintores modernistas por aproximarem-se daquelas cores que a

    psicofsica verificou como as que mais se destacam na percepo humana -em

    funo dos picos de atividade, de maior capacidade perceptiva dos cones na

    retina, e que correspondem assim, s principais reas do espectro visvel. Estas se

    definem em relao aos comprimentos de onda: os longos os vermelhos-, os

    mdios verdes amarelados- e curtos azuis violetados.

    Albers, por outro lado, no tem uma paleta reduzida. H, sim uma restrio

    fundamental: desde que no misturadas, todas as cores produzidas com pigmentos

    puros so bem vindas.17

    Nesta deciso est evidente o aspecto no dogmtico de

    sua potica, como atesta uma conservadora de suas pinturas: ainda que Albers se

    17

    somente algumas misturas at agora somente com branco- foram inevitveis: para tons de vermelho, como vermelho plido e cr de rosa, e para matizes fortes de azul, impossveis de serem

    obtidos em tubos. Josef Albers. A CR EM MEUS QUADROS. THE INTERNATIONAL COUNCIL OF THE MUSEUM OF MODERN ART. Josef Albers: Homenagem ao Quadrado

    (catlogo da exposio no Rio de Janeiro). New York: The Museum of Modern Art , 1964.

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  • 56

    interessasse pelo uso de bons materiais, ele no escolhia sua tinta pela qualidade.

    Ao invs disso, seu verdadeiro objetivo era a descoberta de mais outra cor.18 No

    h apenas as cores prismticas, super saturadas -vermelhos, amarelos, verdes,

    azuis e violetas; h tambm inmeros terras, cinzas, brancos e pretos. No so

    cores desencarnadas. Naturais ou qumicas, so cores do mundo, usadas,

    praticadas, disponveis. De uma maneira geral, pode-se dizer que Albers objetiva

    o reconhecimento imediato da cor, ao utilizar, em praticamente todos os casos nas

    suas pinturas, tintas monopigmentares, da maneira como vieram dos fabricantes -

    sem a adio de ceras ou solventes que transformariam sua aparncia, em

    consistncia, brilho- para depois decepcionar o espectador dessa certeza.

    Desta forma, a transformao mais evidente: aquelas cores fortes, que

    aparecem como planos, reas de cores uniformes, deixam de s-lo e ganham

    tonalizaes nas bordas, radiaes parasitas, efmeras, evanescentes. E que so,

    comprovadamente, reais: imagens posteriores. Essa evidncia uma honestidade.

    Todo o processo revelado. No h camadas acumuladas, no h um por detrs;

    no h segredos. A tcnica auto-evidente e est sistematizada no livro

    Interaction of Color. Isso faz a sua potica ser ainda mais surpreendente. A

    multiplicao dos tons com a mera utilizao de monopigmentos quase

    inacreditvel, levando geraes de pintores a ponder-la e mesmo a duvid-la.

    No contexto das vanguardas histricas, o rompimento com as regras da

    perspectiva levou os artistas a experimentar a cor mais explicitamente como

    sensao autnoma; a privilegiar as cores mais saturadas, puras, no-derivadas,

    cada vez misturando menos os pigmentos entre si. Albers no apresenta uma cor

    como pura sensao, em grandes planos ou monocromos como em Yves Klein

    Mark Rothko e Barnett Newman. Para Albers, o tamanho ideal das suas pinturas

    aquele que possibilite uma apreenso total do conjunto, porque seu objetivo a

    mgica de v-las se alterarem ao operarem coletivamente. Portanto, a meta no

    propriamente a apresentao das cores em sua integridade, no sentido usual, mas

    v-las em estimulante e surpreendente transformao.

    18

    Although Albers was interested in using fine materials, he did not choose his paint for its quality. Rather, his true objective was the discovery of yet another color. GARLAND, Patricia Sherwin. Josef Albers: His Paintings, Their Materials, Technique, and Treatment. Journal of

    the American Institute for Conservation, Vol. 22, No. 2 (Spring, 1983), pp. 62-67

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  • 57

    Albers consegue produzir volume nas reas planas de cor, sem tonaliz-las

    com claro-escuros. Assim, so objetos reais planos, massas de cor-, e no

    reprodues de objetos com volume. Em toda a sua obra, Albers recusa o

    chiaroscuro e a mistura de tintas (por produzir inevitavelmente cinzas que as

    indeterminam), preferindo a aplicao simples de pigmentos puros;

    excepcionalmente, Albers somente adiciona branco a pigmentos muito

    transparentes. Isto porque quer suas pinturas como afirmaes fortes, evidentes,

    precisas. As cores so sempre usadas em reas planas: como Henri Matisse,

    Albers busca a forma-cor; a autonomia da cor sobre a linha, sobre a tradicional

    autoridade do desenho. Por isso o esquema das Homenagens ao Quadrado

    evidente e repetitivo, para enfatizar as cores. Surtem efeitos, delas interagindo

    umas sobre as outras, que dependem dos seguintes fatores: as posies que elas

    ocupam; a quantidade em termos de rea e recorrncia (repetio, ritmo); e os

    seus contornos. Essas sofisticadas questes tcnicas, conhecidas pelos pintores

    modernistas, foram sistematizadas por Albers no livro Interaction of Color. Ao

    transformar esse conhecimento numa didtica, Albers d continuidade

    conscientizao moderna dos meios. E, como nas grandes pinturas

    impressionistas, o processo est explcito, sem transformar-se em retrica.

    Em Interaction of Color, Albers continua a investigar a percepo humana.

    A obra artstica, contudo, no a mera demonstrao desse conhecimento. Como

    em qualquer grande trabalho, apesar de basear-se fortemente em tcnicas e

    estudos, experimentos, a nfase est numa etapa posterior da percepo, quando

    ocorre a interpretao das formas; quando surge um significado potico e

    emocionante.

    Para o nosso olho, a cor, em luz, o desequilbrio: quando preponderam

    certas reas do espectro. No existe um comprimento de onda nico que defina a

    luz branca: esta uma sensao provocada pela percepo equilibrada e

    simultnea dos vrios comprimentos de onda visveis ao homem. As cores,

    quando vistas diretamente em luz -emitidas por uma fonte de luz j colorida ou

    transmitidas por um meio translcido colorido- aparecem em toda a sua pureza

    em saturao mxima, sem perda. J o mundo material o universo derivativo dos

    cinzas, uma vez que sempre h absoro, mesmo no mais puro branco nas

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  • 58

    superfcies: as cores so invariavelmente percebidas rebaixadas, misturadas s

    demais dimenses tteis da matria, que interferem na trajetria dos raios.

    Sir Isaac Newton demonstrou a caracterstica aditiva das misturas

    luminosas, e subtrativa das materiais. O cinza -a absoro- no existe na emisso

    luminosa quando algum olha diretamente para uma fonte de luz. O cinza um

    elemento exclusivo do mundo material. justamente a composio da luz branca

    por luzes coloridas, menos luminosas, o que parece mais inverossmil na teoria

    newtoniana para Goethe: temos uma qualidade geral das cores: devem ser

    consideradas incondicionalmente como meio luz, meio sombra, razo pela qual

    surge um cinza, um sombreado, quando elas combinam suas qualidades

    especficas anulando-se. Schopenhauer segue violentamente incrdulo quanto

    mistura aditiva das cores, veementemente defendendo Goethe pela injustia

    sofrida desaprovao pblica de sua doutrina. Nem Schopenhauer nem Goethe

    haviam ainda percebido as distines entre os tipos de misturas. Alm da

    reconhecida caracterstica subtrativa das misturas em tintas, a mistura aditiva (que

    produz o branco) ocorre apenas para misturas de luzes diretas. Na demonstrao

    newtoniana que eles criticam,19

    que faz girar um crculo colorido, ocorre apenas

    uma iluso tica, partitiva, onde no se perde nem ganha luminosidade.

    Josef Albers, no incio do seu percurso, buscou, nos trabalhos em vidro, a

    cor mais pura, mais intensa -a cor em luz- como uma fonte, e no como reflexo

    rebaixada. Antes mesmo de entrar na Bauhaus, ele j dominava as tcnicas

    artsticas sobre vidro, e l seguiu as desenvolvendo. Mas, mesmo depois de t-las

    abandonado em favor da pintura na sua fase norte-americana, manteve, contudo, a

    19

    O mais escandaloso o esmero com o qual se ensinam as circunstncias secundrias destitudas de motivos e apenas calcadas na iluso, algumas das quais so invenes posteriores.

    Isso revela, pois, a intencionalidade duradoura do embuste. No 392, n3 (edio de Paris, 1847),

    por exemplo, descreve-se uma experincia para mostrar que o branco produzido pela unio das

    supostas sete cores prismticas: pinta-se um disco de papelo de um p de dimetro, com duas

    zonas pretas, uma em volta da borda, a outra em volta do furo central; entre as duas zonas colam-

    se na direo dos raios as tiras de papel pintadas com as sete cores prismticas, repetidas vezes; em

    seguida, desloca-se o disco em rpidos rodopios; desse modo, a zona colorida parecer branca.

    Nenhuma palavra, porm, justificar as duas zonas pretas e, honestamente falando, seria

    impossvel justific-las, um vez que elas inadequadamente diminuem a zona colorida que compe

    a coisa. Para que elas esto l ento? Goethe de imediato lhes diria e na falta dele, sou obrigado a diz-lo: para que o contraste e o efeito posterior de preto destaquem o cinza infame produzido por aquela mistura cromtica de tal modo que ele possa passar por branco. Com essas trapaas

    ilusionistas, os jovens estudantes franceses, portanto, so enganados in maiorem Neutoni gloriam!

    (para a maior glria de Newton)... . SCHOPENHAUER, Arthur; PASCHOAL, Erlon Jos (trad.). Sobre a viso e as cores. So Paulo: Nova Alexandria, 2005, p. 143.

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  • 59

    investigao da cor mais luminosa, buscando tambm a transformao do plano

    pictrico num emissor de luz. Ele no descansaria enquanto no solucionasse um

    grande desafio, dentro do seu princpio moral de economia conseguir o melhor

    efeito com o menor nmero de meios, conseguir tal luminosidade com as tintas,

    que, por sua vez, definem-se pela subtrao de parte da luz incidente.

    Tecnicamente, Albers consegue tal efeito tirar o mximo das tintas- em suas

    Homenagens ao Quadrado, utilizando uma base muito branca e absorvente. Uma

    borda branca tambm respeitada fora da pintura, ajudando a trazer luz para

    dentro do quadro. E, aplicando uma nica camada, muito fina, de tinta leo, as

    cores ficam muito transparentes, funcionado como filtros translcidos.

    Albers seguiu o seu princpio de economia, entendido no sentido do

    desenvolvimento do trabalho e dos materiais e no melhor uso destes para atingir o

    efeito desejado.20 Trabalhar com um material j to luminoso, como o vidro, no

    destacaria o valor da luminosidade a sua excepcionalidade. Albers precisaria

    encontr-la na escurido do mundo material, humano, que se caracteriza por

    absorver, muito mais do que refletir luz. Albers decidir ser seu desafio trazer luz

    a este ambiente humano, no ideal, escurecido por definio. Este objetivo o guia.

    Em sua economia, Albers ambiciona muito mais do que um mero aprimoramento

    tcnico para a reduo dos custos de produo dos objetos industriais; a sua obra

    quer tirar o melhor proveito do homem e das suas capacidades: it attempts to be a

    training in flexibility providing the broadest possible [nontechnical] basis in order

    not to let later specialization be isolated. It wants to lead to economical form.21

    Esta base no tcnica essa forma econmica- a educao do olhar em si.

    A inteligncia crtica seria encontrada no fazer humano, quanto mais este fosse

    dedicado e honesto; sincero. Quanto maior a preciso dos objetos, maior a

    manifestao da habilidade humana, seja num trabalho manual, como a aplicao

    da tinta em suas Homenagens ao Quadrado, seja na ao da mquina, como o

    corte industrial das Constelaes sobre frmica.

    20

    economy is understood in the sense of thrift in labor and materials and in the best possible use of these to achieve the desired effect. ALBERS, Josef. Creative Education, in: WINGLER, Hans M. The Bauhaus. Cambridge, London: The MIT Press, 1969, p. 142-143. 21

    ALBERS, Josef. Creative Education, in: WINGLER, Hans M. The Bauhaus. Cambridge,

    London: The MIT Press, 1969, p. 142-143.

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  • 60

    Figura 31. Josef Albers. Structural Constellation. Frmica. 2003 The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York.

    Albers consegue a preciso nas Homenagens ao Quadrado tanto com as

    linhas absolutamente retas nas verses em gravuras e entalhes, quanto com a

    irregular aplicao da tinta leo nas pinturas, que tambm so precisas pela

    deliberada repetio mecnica, repetitiva, impessoal.

    As to the repetitious use of my square arrangement, one may refer the most

    popular concept of general organization to a design fashion (or style) almost 40

    years ago which I called die Reihung, meaning the now. Then the precision of machine production, made obvious in photos by presenting lines of equal products,

    led to a new esthetic experience, emphasizing a belief in human ability...22

    A adeso indstria operada pela Bauhaus o que distingue historicamente

    essa escola, e tambm Albers. Os processos industriais, no entanto, s ajudariam o

    homem se este fosse imbudo de uma relao sincera com o mundo da produo,

    dando continuidade tica fundamentada no artesanato partilhado coletivamente,

    instituda no perodo gtico. Os valores e os sentimentos de Albers fundam-se na

    crena nesses fundamentos -morais e operacionais. No fundo, as suas pinturas

    querem ser vitrais, iluminando e dando energia cromtica, alento e esperana

    queles que esto na penumbra.

    22

    ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 6, folder 20- entrevista a Lucy

    Lippard / Art in America em fevereiro de 1967. The Anni and Josef Albers Foundation. Orange,

    Connecticut.

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  • 61

    Nenhuma ao vazia, gratuita, sem sentido. S assim possvel acreditar

    no desenvolvimento humano, algo que a obra de Albers realiza. O homem

    constri incessantemente seus valores, colocando-os nos objetos; queira ou no,

    esses o revelaro.

    1.4.

    Cor-matria e cor-material

    Como Seurat, Albers almejava o plano de luz. S que, agora, ele tinha plena

    conscincia da subtrao da luz inerente s cores palpveis, mesmo que

    proporcionadas por pigmentos puros. A investigao dos efeitos de superfcie

    conduziu-o s iluses ticas e aos contrastes previstos por Goethe e Chevreul.

    Albers dominou tecnicamente esses efeitos com suas experimentaes didticas,

    transformando-os em ferramentas para a sua potica.

    A cor determinada pelas superfcies revela-se, por assim dizer, em duas

    sensibilidades diversas: como material, estrutura, ou como matria, fatura,

    dependendo da nfase: na sua construtividade espacial ou nas suas caractersticas

    tteis, de superfcie. A distino entre os conceitos de material e matria ainda

    hoje raramente compreendidos de fato, mesmo entre os artistas- foi considerada

    parte importante na didtica de Albers. Seus cursos bsicos em design desde a

    Bauhaus eram divididos em classes onde se desenvolviam exerccios

    experimentais para esses dois tipos de abordagem: os Materialstudie e os

    Materiestudie (ou em francs, matire, como Albers usualmente se referia).

    Dois registros desses exerccios servem para explicitar esta distino

    importante. O papelo corrugado, por exemplo, foi abordado estruturalmente

    como material, ao ser tensionado e sustentar uma forma tridimensional; e

    entendido como matria ao ter a sua rugosidade longitudinal desafiada no

    exerccio de recorte, sendo comparvel a um papel listrado.

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  • 62

    Figura 32. Papelo corrugado, estudo de material. Curso preliminar da Bauhaus. Fonte: HOROWITZ, Frederick e DANILOWITZ, Brenda. Josef Albers: To Open Eyes: The Bauhaus, Black Mountain College, and Yale. New York: Phaidon Press, 2006, p.106.

    Figura 33. Papelo corrugado, estudo de matria. Curso preliminar da Bauhaus. Fonte: Idem, p.112.

    Percebe-se que a cor pode promover um tipo de sensibilidade estruturante

    (ou tectnica, como Albers se referia) quando enfatiza bordas, delimita planos e

    volumes, ao ser aplicada em reas predominantemente uniformes, funcionando,

    ento, como um material construtivo quando inerente uma superfcie que

    sustenta uma forma tridimensional. Ou seja, a cor percebida como material

    quando capaz de promover uma experincia espao temporal. Atua, ento, como

    um plano reflexivo de radiaes luminosas que delimitam volumetricamente o

    espao. Ocorre na arquitetura modernista, como na casa Schroeder, de Gerrit

    Rietweld. A cor, nesses casos, ao definir planos, ganha uma funo espacializante

    como estrutura.

    Outro caso o das mesas encaixveis com tampos em vidro colorido de

    Albers. E a posterior assimilao do conceito de cor-material aparece, por

    exemplo, na obra de Dan Flavin, que instala luzes fluorescentes coloridas,

    reestruturando cromaticamente estruturas arquitetnicas. Frederick Horowitz, em

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  • 63

    seu extenso trabalho sobre a didtica de Albers, assim define os Materialstudie:

    nos estudos de materiais, os estudantes realizavam pequenas construes como

    uma forma de explorar as energias internas de variados materiais, por exemplo,

    suas propriedades e personalidades e salienta que Albers afirmava que sua

    introduo aos estudos dos materiais foi inovador e marcou uma ruptura decisiva

    dos cursos de Itten.23 justamente o processo de criao de formas a partir da

    observao das caractersticas dos materiais -desenvolvida nas classes de Albers-

    um dos mais fortes legados da Bauhaus.

    Figura 34. Gerrit Rietveld. Desenho da casa Rietveld Schroder. Utrecht, 1924.

    Figura 35. Josef Albers, mesas encaixveis, ca. 1926. Compensado de madeira e vidro pintado. 62.5 x 60 x 40.3cm. 2003 The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York.

    23

    HOROWITZ, Frederick e DANILOWITZ, Brenda. Josef Albers: To Open Eyes: The Bauhaus, Black Mountain College, and Yale. New York: Phaidon Press, 2006, p.102.

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  • 64

    Figura 36. Dan Flavin. Instalao permanente sem ttulo, 1980-1990. Fonte: Coleo:

    Chinati Foundation, Marfa, Texas: .

    Outra sensibilidade para a cor como matria acontece quando h nfase em

    suas caractersticas de superfcie sua aparncia bidimensional -o que percebido

    em diferentes superfcies colocadas lado a lado. Essas diferenas e semelhanas

    tteis (suavidade, aspereza, granulao, umidade, espessura, transparncia, brilho

    e opacidade... texturas e faturas em geral) so percebidas visualmente. Esta

    dimenso permitiu que Van Gogh, em suas telas, por exemplo, abordasse

    expressivamente a tinta como um valor ttil. Vemos esses exerccios nas classes

    de matire da Bauhaus, estas, sim, derivadas das classes de Itten, como as

    colagens e fotogramas. Abaixo, alguns estudos com sementes e palitos, guimbas

    de cigarro, po zimo e, especialmente, no quarto exemplo, vemos a cor amarela

    comparada textura das pedras.

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  • 65

    Figura 37. Estudos de texturas, estudo de matria. Curso preliminar da Bauhaus. Fonte: HOROWITZ, Frederick e DANILOWITZ, Brenda. Josef Albers: To Open Eyes: The Bauhaus, Black Mountain College, and Yale. New York: Phaidon Press, 2006, p.112.

    Quando as cores so emitidas diretamente por fontes luminosas, os seus

    comprimentos de onda as definem completamente. No entanto, para as cores

    refletidas pelas superfcies, to importantes quanto a sua caracterstica objetiva,

    mensurvel, de comprimento de onda, so as demais sensaes tteis decorrentes

    das caractersticas destas superfcies das quais essas no podem ser dissociadas.

    Os dois sentidos tato e viso- completam-se; traduzem-se. Por isso, antes de

    abordar as cores com tintas propriamente, Albers dedicou-se criao de texturas

    na gravura -nos inmeros tipos de papis e superfcies de impresso, como veios

    da madeira- entendendo as cores acromticas pretos, brancos e cinzas- como

    cores positivas, ao manifestarem-se em reas slidas, no delimitadas. A tinta

    negra, desta forma, deixa de ser linha e contorno, proveniente de uma tradio

    renascentista idealizante, usadas como desenho -ou seja, como delimitao de

    formatos- para transformar-se em massa corprea, que j enfatiza o fenmeno

    emprico. Algo que Albers continuaria a desenvolver com as tintas coloridas.

    Tambm na fotografia, temos muitos exemplos do patente interesse de

    Albers pelas texturas, por exemplo, no reflexo ou nas transformaes na pelcula

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  • 66

    dgua do mar. Na gravura In the Water, a inteno de Albers foi reproduzir

    aquela aparncia ininterrupta da superfcie dgua percebida numa viagem ao

    litoral. Na gravura, tal inconstncia conseguida com a iluso tica de moir; as

    linhas produzem alterao de massa e luminosidade, ao serem repetidas e

    alargadas, em curvas espelhadas e revertidas, causando tambm o efeito de

    transparncia. Percebe-se como Albers j est superando as noes de figura e

    fundo os planos perpassando-se ininterruptamente.

    Figura 38. Josef Albers, Brackwasser Biarritz VIII, 1929. Colagem fotogrfica. 29.5 x 41 cm 2007 The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York

    Figura 39. Josef Albers, In the Water, 1931. Vidro jateado opaco. Josef Albers Museum,

    Bottrop.

    Em consequncia de haver desenvolvido na gravura, na fotografia e nos

    papis de parede (mais um de seus workshops na Bauhaus) essa compreenso da

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  • 67

    cor como uma sensao ttil, Albers aplica irregularmente a tinta nas

    Homenagens ao Quadrado pintadas a leo, como vemos na imagem em detalhe

    abaixo:

    Figura 40. Detalhe de Homenagem ao Quadrado. Fonte: DANILOWITZ, Brenda. Josef Albers e o Brasil. In: Catlogo da exposio Josef Albers: Cor e Luz. Homenagem ao Quadrado. Instituto Tomie Ohtake. So Paulo, 2009.

    J nas gravuras dessa srie, a tatilidade explorada pela exaustiva

    variedade de papis. Dois dos mais sofisticados exemplos desse caso so as sries

    de gravuras em intaglios (entalhes), que transformam a aparncia da superfcie

    apenas com diferentes nveis de presso exercidos sobre o papel; e a srie de

    gravuras Midnight and Noon, onde as diferentes cores so variaes de uma

    nica tinta aplicada em duas densidades e suportes diferentes, zinco e alumnio.

    Nestes casos, fica ainda mais evidente como a cor pode ser entendida em

    conjunto com outras manifestaes das caractersticas de superfcie.

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  • 68

    Figura 41. Josef Albers. Intaglio Duo E- F, 1958/59. Entalhe sem tinta com chapa de cobre. 56,2 x 75,9 cada. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    Figura 42. Josef Albers. Midnight and Noon 1 a 8, 1964. Sute de 8 litografias a zinco e alumnio. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

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  • 69

    H algo ainda mais excepcional no pensamento da cor em Albers. Ele usa a

    cor como material e como matria, sem que essas esferas sejam excludentes. Seu

    precedente histrico declarado para tais diferenciaes a arquitetura gtica, que

    construa um ambiente e tambm intercalava mais de um material construtivo.

    Sua precisa didtica, compreendendo tais distines, sem dvida, revelou-se

    uma das contribuies mais importantes da Bauhaus. notrio que Albers tenha

    alcanado esta clareza sobre as possibilidades tcnicas e expressivas dos

    procedimentos artsticos, no apenas intuitivamente, como ocorre com a maior

    parte dos artistas, mas que esse domnio terico tenha se manifestado muito cedo

    num discurso elaborado, como pode-se perceber neste fragmento de uma palestra

    proferida em 1928, no Sexto Congresso de Desenho, Educao Artstica e Arte

    Aplicada, em Praga:

    We come now to a different, more formal and freer area of experimentation, to the so

    called exercises with matter. These alternate repeatedly during the semester with the material exercises. The exercises with matter are not concerned with the inner

    qualities of the material but rather with its external appearance. The relationships of

    the epidermis, the skin, of the material are explored according to relatedness or contrast. Like attracts like and opposites attract one another. Just as one color influences another by timbre, interval, tone, and tension, so surface qualities, visual

    or tactilely experienced (with the fingertips), can be related

    [The special interest in the exploration of matter appeared during the epochs which were particularly oriented toward structure; it has] been almost completely lost since

    the Gothic era. At that time one still knew how to combine wood with iron or color,

    [or] stone and glass and color, until the Renaissance began to build facades entirely

    of one material, and garments continued entirely in one type of fabric.

    [Furthermore] we are translating and producing factures and structures. The group

    discussions of the results of the exercises induce accurate observation and a new way

    of seeing.24

    No gtico, h estruturao da matria em grande escala, sem que ocorra a

    perda da dimenso visual do detalhe -da promenade do olhar pelas intrincadas

    esculturas nas paredes ricamente decoradas. Desta forma, os materiais so

    abordados pelas suas caractersticas construtivas, materiais, estruturais, e tambm

    contribuindo para uma experincia ttil, como fatura.

    24

    ALBERS, Josef. Creative Education, in: WINGLER, Hans M. The Bauhaus. Cambridge,

    London: The MIT Press, 1969, p. 142-143.

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  • 70

    Essas relaes afetam o modo de perceber. Nas catedrais gticas, o olho se

    atm aos pormenores. Rebocos, madeira, ouro, pedras neutras e coloridas,

    materiais esculpidos com riqueza de detalhes. A fatura faz a transcrio do ttil ao

    tico, numa dimenso prxima, ntima. Alm dessa dimenso, h tambm o

    estabelecimento de relaes e mensuraes espaciais. Ambientes claros e escuros;

    as vigas listradas; fachadas douradas; os pisos em mosaicos ou em labirintos

    funcionam como moduladores de espao, estabelecem distncias; percursos

    temporais. O contraste como forma de estabelecer relaes quantitativas no

    espao aparece no trabalho em vidro Catedral. Vemos sobras e luzes projetadas

    determinando a expanso linear perpendicular, em verticais, horizontais e

    diagonais.

    Figura 43. Josef Albers. Cathedral, 1930. Vidro jateado opaco, 354 x 491 mm. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.

    A existncia de dimenses to dspares o prximo e o distante- no gtico

    justifica-se nas almas extremamente sensveis, atormentadas pelos contrastes

    existenciais salvao ou danao; riqueza e pobreza; inverno e vero... O

    apaziguamento dessas relaes no renascimento, para Albers, significou a perda

    de sensibilidade. Nos espaos renascentistas, tudo equilibrado, ponderado,

    previsto, uniformizado em nome de uma unidade estrutural. Principalmente na

    arquitetura das baslicas renascentistas, no h movimentos abruptos ou contrastes

    dimensionais e prevalecem o branco e as cores claras e as transies suaves e

    medidas proporcionais.

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  • 71

    Albers d cor no apenas a possibilidade de expanso pelo espao real

    tridimensionalinteno partilhada com inmeros artistas do sculo XX- como

    tambm explora as possibilidades de superfcie. Deste modo, caractersticas

    mnimas e mximas so integradas detalhes e estruturas- contribuindo para uma

    percepo extensiva do fenmeno visual, que apresenta um objeto autnomo ao

    mundo. A cor arbitrria e industrial no obstante se refere ao sentimento medieval

    de transmutao da matria: quanto menor o valor da matria original e maior a

    energia de trabalho investido, maior o valor final da pea.

    1.5. A cor construtiva, ou a forma-cor

    Segundo Albers: [...] o contraste simultneo a causa de toda iluso

    cromtica.25 So dois os casos possveis.

    Primeiro: a iluso de volume numa rea uniforme tal qual o efeito de

    canelura numa coluna drica. Quando uma rea totalmente uniforme de cor perde

    essa caracterstica prximo s bordas, que podem ficar mais claras ou escuras ou

    assimilar-se cor adjacente, constituindo assim um halo. No Estudo para

    Homenagem ao Quadrado (figura 09), temos um exemplo bem simples. A faixa

    central, cinza, tinge-se de preto (a cor interna) nas bordas externas e de branco (a

    cor externa) nas bordas internas; pintada de maneira perfeitamente uniforme,

    ganha volume com as radiaes reverberadas pelas cores vizinhas. Por ser uma

    pintura em cores acromticas, est claro que o efeito ocorreu em funo da

    luminosidade.

    Vejamos abaixo um outro exemplo de iluso de volume retirado do livro A

    Interao da Cor. O fator determinante a diferena de saturao de um mesmo

    tom de vermelho. As reas de cor homogneas so influenciadas nos pontos de

    contato nas duas direes, de acrscimo e de decrscimo, abaulando as duas

    bordas.

    25

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p.50.

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  • 72

    Figura 44. BAUER, Sally. Interseo. Ilustrao XV-2. In: ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Op. Cit., p 146.

    Outro caso a iluso de espao. Ocorre em razo do contraste entre as

    cores; elas apresentando-se frente ou atrs umas das outras, definindo uma

    topografia, um efeito comparativo de recesso e avano: as cores so colocadas

    acima ou abaixo uma da outra, ou em frente ou atrs uma da outra. Elas so

    interpretadas em termos de aqui e ali, acol e mais adiante e, portanto, no

    espao26. Desta forma, uma cor explicitamente define estar por baixo ou por

    cima de outra. Como bem explica Albers, percebemos nessa movimentao o

    estabelecimento de hierarquias -a organizao espacial da cor-, que por sua vez

    define uma ao plstica: uma fora resultante com direo definida.

    Abaixo, temos uma bela demonstrao realizada por um aluno de Albers.

    Vermelho e amarelo vo se misturando na faixa central. medida que aumenta o

    contedo de amarelo no sentido vertical, cresce a fora plstica nessa direo,

    enquanto na base a fora preponderante horizontal. Temos dois eixos: o vertical

    identifica-se com o amarelo, e o horizontal, com o vermelho. Note-se que o que

    determina a fora resultante a borda menos definida, que faz com que a faixa

    parea slida. Nas intersees mais ao alto, as bordas verticais desaparecem, e

    mais embaixo, as horizontais. Onde h mais contraste, h maior distanciamento

    espacial: os limites mais bem demarcados e, portanto, principais, so produto dos

    contedos mais fortes dominantes, eles definem o movimento da mistura.27

    26

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins

    Fontes, 2009, p. 40. 27

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Op. Cit., p 130.

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  • 73

    Figura 45. Clement, J. Transparncia e iluso de espao. Ilustrao XI-1. In: ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Op. Cit., p 129.

    Ou seja, quanto maior o contraste o que ocorre nas primeiras e ltimas

    faixas-, maior o vigor da ao plstica. Quanto menor o contraste, melhor

    obtm-se um efeito especial de transparncia, chamado de cor transparente.28

    Percebemos o incremento dessa transparncia nas faixas medianas, quando uma

    cor parece mostrar-se atravs de outra.29

    Esse efeito de transparncia ocorre quando uma cor, que uma mdia entre

    as duas geratrizes, colocada entre elas. Esta cor intermediria pode ocorrer por

    diferena de luminosidade ou de tonalidade ...e, na maioria dos casos, por ambas

    ao mesmo tempo.30

    Para tal iluso, tambm necessrio uma forma que favorea uma imagem

    lgica, uma ideia de interseo: Para fazer com que o olho leia essa dupla iluso

    de mistura e transparncia, as cores devem ser colocadas de tal modo que se

    sobreponham. Albers explica, atravs do exemplo de mistura das cores em papel -

    iluso de transparncia: as partes hachuradas pertencem a cada uma das formas

    sobrepostas e so, portanto, o lugar lgico para a mistura [...].31

    28

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins

    Fontes, 2009, p. 47. 29

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins

    Fontes, 2009, p. 32. 30

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins

    Fontes, 2009, p. 27. 31

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins

    Fontes, 2009, p. 32-33.

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  • 74

    Figura 46. Josef Albers. Mistura das cores em papel- Iluso de transparncia. In: ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Op. Cit., p 33.

    H, contudo, uma variao muito especial desse tipo de iluso. Quando,

    entre duas reas uniformes de cores, chega-se a uma terceira, que a mdia

    perfeita das duas primeiras. Ento, a topografia fica ambgua: ora as trs parecem

    estar equidistantes, num mesmo plano, ora alternam estar atrs ou frente umas

    das outras:

    Tudo isso parece mudar com as cores que produzem misturas mdias. s vezes,

    elas parecem agrupadas no interior de um plano bidimensional; em outros

    momentos, podem ser interpretadas reciprocamente- como mais altas ou mais baixas do que a mistura.

    32

    Esta perfeita simetria entre trs cores tm uma consequncia para as bordas:

    faz com que a forma tenha todos os lados igualmente destacados.

    o que est acontecendo na interseo mediana (na 5a. faixa da figura 45):

    temos uma situao ambgua, porque a mistura mdia entre as duas cores

    geratrizes. Os 4 lados so igualmente contrastantes, o que faz da terceira cor um

    retngulo definido, uma forma em si. Uma mistura mdia parece frontal, uma cor

    em si. Isso comparvel leitura de qualquer ordem simtrica, e a mistura mdia

    ir comportar-se de maneira no-espacial, a menos que sua prpria forma ou as

    formas circundantes produzam outro tipo de efeito.33

    Comportar-se de maneira no espacial significa que entre as cores no se

    define uma hierarquia: nenhuma parece estar frente ou atrs.

    Uma verdadeira mistura mdia se distingue por ser eqidistante em luminosidade e matiz- de qualquer uma das cores geratrizes.

    34

    Depois de encontrar vrias misturas de pares diferentes de cores geratrizes,

    tentamos encontrar a mistura mais significativa e mais difcil a mistura mdia. Topograficamente, essa mistura mdia requer uma colocao precisa, o que torna

    necessria a utilizao de recursos suplementares medio.

    32

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins

    Fontes, 2009, p. 40. 33

    Idem, p.40-41. 34

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins

    Fontes, 2009, p. 48.

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  • 75

    Uma vez que a mistura mdia pressupe a equidistncia em relao s cores

    geratrizes, ela depende igualmente da ausncia de qualquer predomnio de uma ou

    outra destas.35

    Concluindo, ento: quando maior o contraste entre as cores, maior a

    separao topogrfica (espacial) entre elas maior a ao plstica. Percebemos

    que se estabelece uma hierarquia entre as foras divergentes por luminosidade ou

    tonalidade. Chega-se a uma constelao, ou um ritmo; uma progresso

    determinada, que Albers compara, at certo ponto, a uma melodia, supondo a

    mesma questo de intervalos, que pode ser medida como uma distncia exata.

    Uma melodia pode ser reconhecida, mesmo se tocada por vozes ou instrumentos

    diversos. Tambm constelaes de cores podem guardar as mesmas relaes

    especficas -intervalos ascendentes ou descendentes-, nos termos de

    diferenciao das cores: saturao e luminosidade.36

    Logo: contraste determina separao de bordas. Quanto menor o contraste,

    maior o efeito de transparncia. Mas o que acontece quando este nulo ou quase

    nulo? Ocorre, que quando duas cores so muito semelhantes em tonalidade e

    idnticas em intensidade de luminosidade, temos ento as rarssimas bordas

    evanescentes- um terceiro e rarssimo caso de iluso cromtica:

    2 tints, ochre and pink, are purposely shown in aggressive shapes, indicating 2

    two-edged saws. At left they are separated, except for point connections. But when

    fully connected, as at right, and when seen at some distance, the 10 sharp teeth,

    clearly marked at left, almost disappear in a smooth merging of the 2 different

    colors. The reason for this loss of form is the equal or near-equal light intensity of

    the 2 colors.37

    35

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins

    Fontes, 2009, p. 38. 36

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins

    Fontes, 2009, p. 46. 37

    ALBERS, Josef. Interaction of Color. New Complete edition. New Haven: Yale University

    Press/ The Josef and Anni Albers Foundation, 2009, p. 114.

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    Figura 47. Albers, Josef. Igual Intensidade de Luz. Ilustrao XXIII-1. In: ALBERS, Josef. Interaction of Color. New Complete edition. New Haven: Yale University Press/ The Josef and Anni Albers Foundation, 2009.

    Percebemos a nfase de Albers num desenho afiado como dentes, e que

    unidos amaciam-se, integram-se. Esse um belo caso de transformao do

    desenho pela cor e, mais importante, do ambiente ou clima a performance das

    cores mudando personalidades, como a mscara facial de um ator.

    Albers salienta em seu livro que muito difcil conseguir duas ou mais

    cores com exatamente a mesma luminosidade ou seja, o mesmo valor ou tom de

    cinza: Nossos estudos de transparncia ilusria demonstraram como difcil

    encontrar uma mistura mdia.38 Quando se consegue tais cores, as bordas entre

    elas se dissipam quase completamente. por isso que algumas Homenagens ao

    Quadrado conseguem converter um quadrado num halo. o que confirma uma

    declarao de Vollard, sobre Czanne exclamando, depois de cento e quinze

    sesses para pintar o seu retrato: I hope to have made some progress by that

    time. You understand, Monsieur Vollard, the contour keeps slipping away from

    me!39

    Esta dificuldade no foi um impedimento para Albers, que defende: a cor

    tambm pode ser medida, pelo menos at certo ponto.40 Isto porque cores e

    tonalidades se definem, como acontece com os tons musicais, pelo comprimento

    de onda.41 No exemplo abaixo, a Homenagem ao Quadrado de 1964, a pintura

    38

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins

    Fontes, 2009, p. 48. 39

    VOLLARD, Ambroise. Czanne by Ambroise Vollard. New York: Dover, 1984, p. 86. 40

    ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Op. Cit., p. 52. 41

    Idem, p.44.

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    tem bordas contrastantes entre o quadrado central e o mediano, enquanto este

    quase idntico ao quadrado externo. Logo, o quadrado central, por ser mais

    escuro, bem definido e os outros dois se dissipam. J na gravura Homenagem ao

    Quadrado, 1967 SP VII, o contraste principal entre vermelho e azul- o de

    tonalidade, enquanto o quadrado intermedirio, assemelhando-se mais ao azul,

    nele funde sua orla.

    Figura 48. Homage to the Square, 1964. 0 x 0 cm. The Josef and Anni Albers Foundation.

    Figura 49. Homage to the Square, 1967 SP VII. Portflio de 12 serigrafias. Fonte: DANILOWITZ, Brenda. The Prints of Josef Albers A catalogue Raisonn 1915-1976. New York: Hudson Hills Press, 2001.

    O efeito de volume tambm est ocorrendo nos dois exemplos acima.

    Percebemos nitidamente como o quadrado central nos dois casos se modifica

    prximo s bordas: na figura 48, o ocre escurece em comparao com os amarelos

    claros; e na figura 49, o vermelho ganha saturao por receber radiaes

    complementares das suas cores vizinhas. Ou seja, no primeiro caso, o contraste

    de luminosidade e no segundo, de cor (complementaridade).

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    Albers demonstra que esses efeitos so absolutamente controlveis. A

    mensurabilidade destes o que permite cor transformar-se num elemento

    construtivo, para alm de uma mera adjetividade, ao ser um fator primordial no

    processo criativo -um papel antes relegado exclusivamente linha; ao formato. O

    controle da ao plstica da cor -da separao ou conexo das bordas

    contrastantes ou diludas, aprendido na obra de Czanne- a transforma num

    elemento projetual uma ferramenta de criao. Ainda que esse aspecto

    instrumental no garanta o aspecto construtivo de uma obra, sem esse controle a

    construo da forma pela cor no possvel. Vejamos como Albers coloca isso.

    Entendemos, nas suas palavras, medida (measure no texto original) como

    uma ferramenta:

    Ao exercitar a comparao e distino dos limites cromticos, adquire-se uma nova

    e importante medida para a interpretao da ao plstica das cores, isto , para a

    organizao espacial da cor. Uma vez que os limites menos marcados revelam uma

    proximidade que implica conexo, os limites mais demarcados indicam distncia,

    separao. 42

    [Czanne], para evitar que as reas pintadas de maneira uniforme parecessem

    chapadas e frontais, usava os limites mais vivos com parcimnia, em particular

    onde precisava de uma separao espacial das reas cromticas adjacentes.43

    A medio da luminosidade dos planos tecnicamente fundamental para a

    transformao das cores que Albers utiliza em sua potica. amplamente

    reconhecida a busca pela estruturao do plano pictrico por Czanne. Na

    verdade, para Albers, este o grande segredo ou revelao aprendido na obra de

    Czanne -o mtodo de diferenciao planar para Margitt Rowell:

    [...] That Cezannes compositions are always fairly frontal in arrangement is significant, stressing that the modulated planar effects relate to the surface of the

    canvas. Czanne was not