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Josef AlbersCorArteObra
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A cor na obra de Josef Albers
1.1.
Homenagens ao Quadrado
Im not paying homage to the square. Its only the dish I serve my craziness about color in.
1
Homenagens ao Quadrado. primeira vista, uma srie mecnica, precisa,
esquemtica, puramente racional: a realizao adequada de um projeto.
Decepcionantemente simples e, no entanto, imensamente sofisticada2 -como
descreve Franois Bucher.
Num segundo momento, um enigma a ser desvendado: com alguns
segundos de observao, as cores refletidas pelo plano do quadro produzem
efeitos inesperados. As massas de cor parecem avanar, afastar, parecem
transparentes; as bordas vibram intensamente, as cores ganham uma intensidade
incomum. A tela transforma-se num campo de foras intensas, incessantes.
Quanto maior o tempo de observao, maior a amplitude desses efeitos.
Pela simplicidade, destaca-se a estrutura. Apenas trs ou quatro cores a leo,
planas; quadrados que parecem inseridos uns nos outros. Partindo do centro,
seguem uma proporo crescente, numa expansiva fora resultante. O suporte:
placas de aglomerado de madeira3 que o jardineiro e assistente de Albers, Albert
Powell, sob sua orientao, cuidadosamente preparava com sete camadas de base
branca de gesso.
A srie Homenagem ao Quadrado a culminao do esforo de uma vida,
perseguindo na pintura a alta luminosidade dos vitrais.4 A base dessas placas,
branqussimas e lisas, garantem uma alta reflexo
da luz pela superfcie,
aproveitando ao mximo a transparncia do meio a leo. O esquema a
depurao de um sofisticado pensamento sobre propores, objetivando a melhor
1 ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 67, folder 08 -Albers on Albers:
entrevista a Neil Welliver / Art News, janeiro 1966. The Josef and Anni Albers Foundation,
Orange, Connecticut.
2 BUCHER, Franois; ALBERS, Josef. Despite Straight lines. New Haven and London: Yale
University Press, 1961, p.17. 3 Essas placas so comercialmente denominadas Masonite, o nome da empresa de William H
Mason, o inventor desse processo, em 1924. 4 BARKER, Oliver. Josef Albers: Glass, Design, Engravings, Typography, Furniture. Paris:
Hazan, 2008, p. 224, nota 16.
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condio espacial para o acomodamento e intensificao das cores; para a
apreenso mais direta, simples e bela.
As formas geomtricas, abstratas, e a cor foram tpicos de investigao das
vanguardas histricas. Ao dizer que no presta homenagem ao quadrado, Albers
quer desviar o foco do passado, dos seus antecedentes, para a instabilidade da cor,
que seu objetivo. Logo, a estrutura -a calculada proporo- aquela que permite
a livre poesia da cor, em infinitas situaes ambientais.
As pinturas tm dimenses entre 28 x 28 cm e 121.92 x 121.92 cm, podendo
assumir, excepcionalmente, verses murais. A srie utiliza uma mesma estrutura
com apenas quatro variaes. H a verso com quatro quadrados, e mais trs
outras, que suprimem ora o primeiro quadrado (interno), ora o segundo ou o
terceiro intermedirios (de dentro pra fora). H ainda aquelas, raras, com
utilizao de apenas em linhas brancas indicando quadrados e a com cores
diferentes nos lados de um mesmo quadrado. Outro elemento constante a borda
branca que, sendo uma rea no interferida da branqussima base, como esta,
reflete o mximo de luminosidade para dentro da camada transparente de tinta
leo.
Figura 4. J. Albers, Estudo para Homenagem ao Quadrado Tranquilo (Tranquil), 1967. 1 2 x 81,2 cm. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
Figura 5. J. Albers, Homage to the Square Dense-Soft (Denso-Macio), 1969. madeira 101,6 x 101,6 cm. Yale University Art Gallery; Doa .
Figura 6. J. Albers, Estudo para Homenagem ao Quadrado Profundo, 1966. aglomerado de madeira, 101,6 x 101,6cm. Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Washington.
Figura 7. J. Albers, Estudo para Homenagem ao Quadrado Quem Sabe? (Who Knows?) 1969. leo sobre aglomerado de madeira, 40,6 x 40,6 cm.
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Figura 8. Esquema das propores das Homenagens ao Quadrado. Fonte: BUCHER, Franois; ALBERS, Josef. Despite Straight lines. New Haven and London: Yale University Press, 1961.
A proporo e o posicionamento dos quadrados resulta numa sensao de
profundidade, de diminuio dos quadrados internos pelo afastamento dos
elementos. Alm disso, pela disposio vertical dos quadrados mais prxima da
base, temos figuras que decrescem radicalmente em tamanho, o que sugere uma
escala monumental.
Sem se recorrer linhas o que temos so as bordas das cores que se tocam-
cria-se uma projeo. O crebro interpreta que os quadrados sejam do mesmo
tamanho por terem os quatro lados iguais, mas que paream diferentes por
afastamento, provocando a reduo das suas escalas. Suas quinas superiores
formam um ngulo agudo de 36 graus: um decrscimo veloz, como o afastamento
em profundidade. Supondo que o observador est com os ps no nvel do solo,
temos a projeo de um ponto de fuga baixo, no quarto (25%) inferior do
quadrado externo, o determina que este tenha um tamanho de trs vezes a altura
do olhar do observador. Por isso, apesar do tamanho das telas no ser grande em
comparao com a escala da pintura norte-americana, elas produzem uma situao
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arquitetnica; realizam de forma modelar o pressuposto moral de economia:
atingir o efeito mximo com o mnimo de meios.
A restrio fundamental- a deciso pelos simples planos slidos de cores
no-tonalizadas- gera uma exuberncia: infinitos efeitos das cores interagindo e
reverberando entre si, lanando radiaes para as bordas opostas, produzindo
gradaes mais intensas na base onde as linhas foram acumuladas, e que vo
dissipando para o alto, indicando uma evaporao. Daquela estrutura evidente,
simples, estvel, surgem mltiplos elementos dinmicos- um palco para as cores
irem, virem, bailarem...
Figura 9. Josef Albers, Estudo para Homenagem ao Quadrado, 1949. The Josef and
Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
O desejo de expanso notrio neste estudo para a srie: h experimentao
do contraste luminoso progressivo, ritmado. Um dos recursos mais utilizados a
luminosidade do quadrado intermedirio como sendo uma mdia entre as dos
quadrados interno e o externo. Quando este raciocnio aplicado cor, temos um
efeito de transparncia, de interseo entre planos. O quadrado intermedirio
pode tambm esfumaar-se, quase desaparecendo por completo. Alm disso,
Albers consegue sugerir volume somente com a utilizao de cores planas, sem
perder intensidade na degradao para os cinzas.
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Figura 10. Josef Albers, Homage to the Square, 1961. The Josef and Anni Albers
Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
A srie Homenagem ao Quadrado derivou diretamente de uma outra srie,
chamada Variantes, criada em 1947, quando o casal Josef e Anni Albers tira frias
de um ano sabtico na Escola de Black Mountain, onde lecionavam desde 1933.
Eles viajam do Canad ao Mxico, mas no estado norte americano do Novo
Mxico que Josef Albers se deixa impressionar profundamente pela interao
luminosa entre as fachadas das tradicionais casas de tijolos de barro e a intensa
luminosidade do cu da regio, e produz compulsivamente mais de 100 trabalhos:
a extensa srie chamada Variantes ou Adobes. Este um momento de virada
na sua obra: a partir desses estudos, em 1949, Albers comea duas das suas mais
importantes sries: as Constelaes Estruturais e as Homenagens ao
Quadrado.
Figura 11. Josef Albers, Adobe (Variant): Luminous Day, 1947/52. leo sobre masonite. 28 x 53.34cm. 2003 The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
Desde a sua migrao para a Amrica do Norte, Albers havia se deixado
impressionar pela potente natureza da Carolina do Norte e, apesar da sua obra no
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ser figurativa, h uma intensa correspondncia com a natureza: uma mmese,
considerando-se o termo como uma troca dialtica5.
Podemos perceber uma transformao nos mais de 20 anos de produo
dessa srie. As cores nos quadros dos primeiros anos da srie Homenagem ao
Quadrado so, como as da srie Variantes, mais oleosas e utilizam-se de alto
contraste. Nos primeiros quadros, as cores parecem mais primitivas por serem
utilizados pigmentos puros em leo, aplicados diretamente do tubo. Apesar da
impresso de desmaterializao dos tons em transparncia, os resultados
enfatizam o plano do quadro; a agressiva carga material de tinta tem um brilho to
intenso, que somente comparvel maneira de Van Gogh. Note-se como, na
Homenagem ao Quadrado Azul, Branco, Cinza, o branco slido, com grande
personalidade e contraste.
Figura 12. Josef Albers, Homage to the Square, 1950. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
Figura 13. Josef Albers, Homage to the Square Blue, White, Grey, 1951. The Josef and
Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
Figura 14. Josef Albers, Homage to the Square, Guarded, 1952. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
5 conceito delimitado na introduo deste trabalho. Ver p. 25-26.
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Em torno de 1957, identificamos em Albers uma busca por resultados
atmosfricos. Nota-se um privilgio dos tons terrosos, em desafiante contraste
com luminosos azuis, cinzas e negros sombrios. Aluses a horas do dia e da noite
so freqentes em quadros que carregam subttulos, como: Coruja, Sombras
noturnas, Meio dia, Troca tardia, Subida fresca.
Figura 15. Josef Albers, Homage to the Square, Night Shades, 1957. The Josef and
Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
Figura 16. Josef Albers, Homage to the Square, Tap Root, 1965. The Josef and Anni
Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
A partir da dcada de 1960, h um interesse por nuances das mesmas cores:
subsries em verdes, amarelos, vermelhos, cinzas, ou pretos. Albers passa a
explorar a vibrao tambm dos tons mais calmos, menos saturados. A aplicao
da tinta mais rala e com brilho reduzido, ao eliminar-se a camada superficial de
verniz que protegia os quadros anteriores. Um belo exemplar o da coleo
MAC-USP, cujo subttulo Signo Raro.
Figura 17. Josef Albers - Homage to the Square Rare Sign, 1967. Coleo MAC-USP.
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Figura 18. Josef Albers, Homage to the Square, 1959. The Josef and Anni Albers
Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
Figura 19. Josef Albers, Study for Homage to the Square, Equilibrant, 1962. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
Figura 20. Josef Albers, Homage to the Square, 1967. The Josef and Anni Albers
Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
Figura 21. Josef Albers, Study for Homage to the Square, 1972. The Josef and Anni
Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
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1.2.
A alta luminosidade dos vitrais
Numa declarao escrita em 1972, Albers reflete sobre e o atelier de vidro
na Bauhaus, na poca que ele ainda era estudante: este era considerado um ramo
da pintura mural. Discordando disso, para ele, a pintura mural lida com as cores
como luz refletida, mas a pintura em vidro, com a cor como luz direta. Albers
perseguia esta luz direta, intensa. Com os limitados recursos disponveis naquela
poca economicamente difcil, ele investe na criao de vitrais. E ento, revelia
da opinio dos demais professores, desenvolvendo esse estudo sozinho, realizou
belas assemblages com cacos de vidro. Estas lhe valeram o convite para reabrir o
atelier de vidro e ensin-lo. Com este, mais uma vez, Albers se destaca: seu
esforo reconhecido e ele ganha a titularidade do Vorkurs e das aulas de cor.
Seus vitrais inserem-se perfeitamente no ideal de sntese das artes: discute a
integrao entre exterior e interior para alm da neutralidade dos panos de vidro
nas fachadas, abordando a cor num material ao mesmo tempo extremamente
moderno e tambm tradicional. O efeito final, no entanto, em nada se parece com
o decorativismo dec, mas interfere construtivamente no espao arquitetnico,
contribuindo, com a transformao das fontes luminosas, para a sua
conscientizao.
Figura 22. Josef Albers. Vitral montado sobre grade, 1921. Dimenses: 33,4 x 30,2 cm.
The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York.
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A partir deste momento, Albers recebe encomendas de vitrais, como para as
casas Sommerfeld e Otte e para a ante sala do escritrio de Gropius.6
Figura 23. Josef Albers. Vitral montado no hall de entrada da casa Otte, Berlin, c. 1922-23. Destrudo. Foto: The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York.
Figura 24. Josef Albers, janela de ao inoxidvel e vidro (destruda). Sommerfeld House, Berlin, 1920/21. 2003 The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York.
Seus vitrais e assemblages deram origem s sofisticadas pinturas em
vidro, realizadas com uma tcnica em jato de areia que ele prprio desenvolveu,
encomendando-as a fabricantes industriais. Com estas, Albers considerou j ter
alcanado um status autnomo para a cor: eram construes precisas, que, vistas
a favor da luz, mantinham certa opacidade (eram leitosas), e contra a luz, a sua
6 Estes vitrais foram destrudos durante as guerras, mas destes restaram as imagens acima.
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relativa transparncia as transformava em emissores de luz. dessa poca a obra
City.7
Figura 25. Josef Albers. City, 1928. Vidro jateado. 28 x 55 cm. Coleo: Kunsthaus
Zurich.
Sobre o trabalho em vidro City, Albers descreve a conquista, com essa
tcnica, de um branco excepcionalmente luminoso, no oxidado, no amarelado,
como acontece com o pigmento em contato com o leo de linhaa na pintura.
Reconhecemos nestas obras a assimilao da estrutura neoplstica a grade- como
tambm a utilizao moderna do branco como cor, uma cor muito difcil por sua
impermanncia, e a mais limpa, pura. Albers explica as suas intenes e o
desenvolvimento dessa tcnica, com a qual consegue bordas extremamente
precisas:
As for the flashed glass, the flashed front color (in this case red) is not painted on
and then baked in, but is melted on by blowing the glass a second time. As a result a
hair thin layer of color covers (flashes) a thicker core. In the case of stained glass,
the latter usually consists of clear window glass. In opaque wall paintings, however,
the flashed color usually covers a core of milk glass which is of the purest white a white that is non-existent when looking through stained glass windows.
The white, however, is visible only after the covering flashed glass has been removed.
In this case, this was done by sand-blasting (using a compressed air blower) instead
of biting with liquid acid. While acids produce a smoother surface, sand-blasting
creates sharper edges and above all sharper corners.8
7 Ver o texto de Albers sobre City no anexo.
8 ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 43, folder 6- statement on City.
translated from: Jahresbericht 1960 of Zuercher Kunstgesellshaft.The Anni and Josef Albers
Foundation. Orange, Connecticut.
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Um elemento fundamental da sua potica, em toda a sua obra, o recurso ao
clculo matemtico para alcanar uma proporo mtrica das reas de cor. V-se
que este no apenas um fetiche tcnico, mas objetiva proporcionar os efeitos
visuais em luminosidade e saturao,9 que far sugerir afastamento e aproximao
dos planos -tanto em profundidade quanto lateralmente. Com esta, alcanando
tambm os efeitos de transparncia e sobreposio aprendidos na obra de Paul
Klee. Desta forma, como Albers bem afirma, h uma integrao entre cor,
estrutura e espacialidade:
In the case of City, the stenciling paper which was glued on, was cut in straight lines from edge to edge: the height was equally divided into 29 horizontals, the width
was divided into 20 verticals of varing width, but measured with the horizontal unit.
Despite this rectangular, frontal and, therefore, distinctly flat subdivision, there is a
feeling of a many-sided spaciousness.
This spaciousness is created above all through the constant change between
separating and joining within divided and undivided surfaces in red, white, black.
Furthermore, through a bundling the strips into groups of various widths and thus visually of different weight.
And thirdly, through varying placing the groups within those vertical columns which makes us read them as near and far.
This constant change between equal and unequal causes overlappings and
penetrations which thus lead us up and down, over and back, until we see three
dimensions and therefore volumes.
More important still, they make us perceive the strong accent red-black-white as
many colors. Apart from straight and mixed reds there even appear gradations within
white and black. And the three colors, although in reality opaque, are perceived as
being transparent
Josef Albers.10
Na declarao sobre City, destacamos, acima de tudo, um mtodo de
reverso e espelhamento para atingir tal heterogeneidade espacial que abrir uma
srie de questes importantes.
Alm da influncia da grade neoplstica, ainda no incio da dcada de 1920,
a estrutura de grade tambm foi assimilada atravs da viso area suprematista,
9 Como a lei de Weber-Fechner, que abordaremos no terceiro captulo.
10 ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 43, folder 6- statement on
City. translated from: Jahresbericht 1960 of Zuercher Kunstgesellshaft.The Anni and Josef
Albers Foundation. Orange, Connecticut.
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que produz na pintura um efeito grfico, com reas de cor bem delimitadas, o que
pode ser percebido claramente nesta obra em vidro, de 1931:
Figura 26. Josef Albers. Em vo, 1931. Vidro jateado montado sobre carto. 30,2 x 35
cm. Staatsgalerie Suttgart.
Como vemos em City, a opo pelas cores branco, preto e vermelho, em
sutis gradaes para cinzas, carmins e alaranjados, denota outra constante em sua
obra: a investigao das sutis variaes de cores, como vemos na obra da dcada
de 1970, um estudo para Homenagem ao Quadrado em trs vermelhos (figura
21).
Albers era extremamente concentrado em seu objetivo o nascimento das
formas. Sobre esses anos na Bauhaus, ele declara no ter se envolvido com
poltica, nem se associado a outros artistas e suas idias; somente o vidro o
interessava. A manipulao do vidro, da luz, da cor, dos efeitos visuais o
encantavam: I was determined not to follow anything. For me it was glass. I was
completely one-sided. I never went when the Constructivists and Surrealists
assembled. It was for me just glass. I was filled with it. 11
Albers era obcecado pelo vidro. Por que, ento, o abandonara em favor da
pintura depois da migrao para os EUA? Porque sem as dificuldades, sem
contraste, no existe dinamismo, vitalidade. Ao trabalhar com o previsvel vidro,
quase no h surpresa. A expectativa de Albers pelo novo, pelos desafios. Os
vitrais apresentam a luz transmitida diretamente. A cor, em luz, no apresenta
dificuldade, neste caso. Na pintura, Albers conquista uma luminosidade como a
dos vitrais com poucos recursos, mas com uma grande sabedoria. No leo The
11
ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 67, folder 08 -Albers on Albers.: entrevista a Neil Welliver / Art News, janeiro 1966. The Josef and Anni Albers
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Gate (O Porto), de 1936, j temos alguns desses recursos que sero usados nas
Homenagens ao Quadrado, como Margitt Rowell bem os evidencia:
Em O porto, de 1936, a aluso janela aberta (ou porto) bvia, ainda que sua abertura seja atenuada pela complexidade estrutural das formas entrelaadas. A
intensidade luminosa ou valor das duas cores um violeta externo e um cinza interno- to prxima que s podemos l-las como estando num mesmo plano. No
entanto, o triplo preto em volta do orifcio branco central introduz uma iluso de
atividade luminosa, a ser substituda, subseqentemente, por uma prpria atividade
fsica da luz.12
Figura 27. Josef Albers, The Gate, 1936. leo sobre aglomerado, 1 x 20 5/ . Yale University.
Com o controle dessas relaes de contraste, nesta obra, j evidencia-se o
real objetivo das Homenagens ao Quadrado: conquistar um efeito de luz direta na
luz indireta, subtrativa do plano pictrico. Mudar sua condio passiva de mero
refletor parcial e imperfeito da luz incidente. Este procedimento tcnico revela
uma outra ambio, moral e simblica, como j explicitamos na introduo desse
trabalho: o interesse de Albers est nas qualidades remanescentes,
intermedirias, subtrativas, tornadas ativas. Isto porque no h conquistas sem
atritos, sem contrastes, vistos como a real condio do viver. A estabilidade
absoluta ilusria, ideal. Sem os desafios, no ocorre a revelao da luz; no se
conquista a iluminao do conhecimento.
12
In The Gate of 1936, the open window (or gate) allusion is obvious, although its overtness is attenuated through the structural complexity of the interlocking forms. The light intensity or value
of the two colors an outer violet and an inner gray- is so close that we can only read them as in the same plane. However, the tripled black around the white central orifice introduces an illusion
of light activity which for the moment is only an illusion. It is a painting in of light activity, subsequently to be replaced by physical light activity itself. ROWELL, Margit. On Albers Color. In: ARTFORUM, vol. X, nmero 5. Nova York: janeiro, 1972, p. 37.
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Para tal, a experimentao confiante, livre necessria. Por isso, tambm
no basta o estudo das conquistas do passado; este deve ser questionado, revivido,
revigorado. Albers prope a libertao das regras e a investigao da sabedoria
consolidada na tradio. Assim, ele consuma o fenmeno visual como uma esfera
especfica de conhecimento, no acabado, no dogmtico, capaz de promover
tambm a autonomia de pensamento do indivduo.
1.3.
Cor e luz
A cor um elemento bsico da percepo humana, fundamental apreenso
dos fenmenos. A cor tem o poder de provocar a sensibilidade, transparecer o
ntimo dos homens. Sua natureza varivel, misteriosa, parece inexplicvel. Esta
dificuldade de entend-la e comunic-la nos proporciona um rico objeto; nesta
tentativa, h interao entre o ntimo e o coletivo, o objetivo e o subjetivo, o
racional e o irracional. Explic-la, reduzi-la, implica em escolhas: quando d-se
a construo dos valores especficos de uma sociedade: a multiplicidade dos
significados atribudos s cores comprova a historicidade das manifestaes
culturais.
O iluminismo, especialmente o francs, modificou radicalmente o modo
ocidental de apreenso dos fenmenos. Com Descartes, o mtodo cientfico
racional e verificvel- inverteu a hierarquia na relao entre o homem e natureza.
Antigas supersties foram sendo abolidas e, no incio dos oitocentos, Isaac
Newton, com a sua ptica, demonstrou a constituio fsica da luz.
Ousadamente, provou que a natureza da luz material, corpuscular. Desde
Aristteles, no surgira uma abordagem to inovadora. Newton cria um
significado objetivo para a luz, contrapondo-o ao maior smbolo cristo da
supremacia da alma sobre vida terrena. Assim, a cincia secularizou o mundo
fenomnico, criou um significado objetivo para o mundo. Apoiada nos seus
resultados prticos, sua difuso ajudou a construir aquela sua aparncia de
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infalibilidade da cincia, provocando nos homens otimismo e confiana.13
Contudo, a intensificao das pesquisas sobre a luz e a cor nos serve de
exemplo de como a cincia est longe de ter alcanado consensos sobre este tema.
Somente por volta da dcada de 1920, finalmente, com a mecnica quntica, a
comunidade cientfica concorda que a luz constituda tanto de matria quanto de
radiao, energia. Ou seja, a luz comporta-se como partcula e como onda: a
chamada dualidade onda-partcula ou dualidade matria-energia.
Desde a sua origem, o iluminismo comportou crticas internas. Giambattista
Vico, contemporneo de Newton, foi um grande inovador: props uma
abordagem especfica para a produo cultural. A importncia da obra de Vico
est em denunciar a super influncia das idias cartesianas j em seu tempo, que
superestimam as cincias matemticas em detrimento da eloqncia e da poesia.
Partindo do estudo da jurisprudncia, Vico coloca a necessidade de se reconhecer
a existncia de uma esfera intermediria entre verdadeiro e falso, o que tem uma
grande importncia filosfica: o reconhecimento do provvel e do verossmil.
Mesmo Newton no havia negligenciado a percepo, assegurando que a cor
uma sensao humana. Contudo, o significado de suas descobertas tenderam a
uma forte objetivao do mundo fenomnico: a repercusso pblica da sua tica
enfatizou a constituio fsica da luz e da cor.
Teoria da relatividade e fenomenologia so respostas a uma mesma crise de
uma mesma tradio.14
A prpria mecnica quntica comprovou que a
imparcialidade do cientista no pode mais servir como garantia de infalibilidade.
A teoria da relatividade revelou a influncia do observador sobre o objeto de
estudo: a cincia abandona o status absoluto de objetividade e reconsidera a
particularidade, a empiria, para fazer sobreviver o seu mtodo racional e a aporia
da verdade.
Dentre as vrias dimenses da cor, a que pde gerar, at hoje, concluses de
certo modo definitivas foi esta, acerca da sua constituio fsica de radiao e
partcula, de luz. Mas a cor no pode ser dissociada das caractersticas de
13
A confiana na Razo ocidental extremada pelo iluminismo, mas remonta ao pensamento de Toms de Aquino, o que tem implicaes culturais para a nossa pesquisa, devido a importncia da
catedral gtica para a valorizao da cultura nacional alem pelo Romantismo, como na obra de
Erwin Panofsky, Arquitetura Gtica e Escolstica. 14
para maior profundidade sobre a importncia da teoria da Relatividade para a cultura e os
variados saberes, ver : TASSINARI, Alberto. Einstein e a Modernidade. Novos estudos
CEBRAP no.75. So Paulo Julho 2006.
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superfcie, nem da fisiologia, da psicologia ou dos seus significados histricos e
culturais.
A cor ganha uma grande importncia como parmetro para a considerao
dos sentidos, da intuio como fator fundamental para a atividade cientfica. Os
significados atribudos cor nas obras de arte revelam a historicidade das
manifestaes culturais; a inconstncia da percepo exige a reconsiderao da
perspectiva da experincia humana, da dependncia dos contextos para a
construo dos significados, determinando para o cientista a manuteno de uma
atividade crtica constante na evidenciao do seu envolvimento pessoal.
De certa maneira, estamos hoje, com bastante atraso, dando conta de uma
longa tradio pouco refletida teoricamente, apesar de praticada nas artes. No
sabemos se a cor foi relegada a uma condio hierarquicamente inferior nos
debates tericos do ocidente apenas por reflexo de prejuzos culturais, ou se essa
ocorrncia denota uma incapacidade mais profunda da prpria cincia em
esclarecer um objeto altamente complexo. A cor envolve vrias dimenses,
contrariando os espritos positivistas mais ferrenhos. Dentro desta atual crise,
estamos nos localizando numa trilha reformuladora, opo partidria da
manuteno da crena na racionalidade, utilizando a subjetividade das
manifestaes humanas para a reavaliao dos valores ocidentais modernos que
sobrevivem no mundo contemporneo. Na nossa pesquisa, h nfase naquelas
aes construtivas, que buscam repor a confiana justamente na racionalidade.
Revendo-a, ao invs de simplesmente adot-la sem crticas ou simplesmente
refutando a nossa tradio cientfica.
Ao transformar-se no tempo de percepo, a cor revela sua condio
multidisciplinar intrnseca. Para dominar as muitas variveis da cor fazendo
destacar umas das outras numa atuao em conjunto, como vemos na obra de
Albers- necessrio entender as sucessivas etapas de sua formao at que ocorra,
finalmente, no crebro, a percepo visual.
Para que a cor se manifeste, ao menos trs etapas devem ser consideradas:
Em primeiro lugar, a fsica: necessrio um estmulo exterior uma
radiao, que deve estar dentro do limite dos comprimentos de onda visveis ao
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olho humano, o chamado espectro visvel. Esta radiao podendo ser emitida por
uma fonte de luz j colorida; ou refletida por uma superfcie.
Em segundo lugar, a fisiologia: um aparelho tico, capaz de codificar em
impulsos nervosos as sensaes produzidas por esses estmulos externos.
E ainda, em terceiro lugar, a psicologia: o crebro, que decodifica de
imediato e posteriormente interpreta esses impulsos.
Essas etapas -fsica, psicofsica e visual- que acontecem com a interao
entre o homem e ambiente, derivam ainda no que poderia ser considerado um
quarto passo: interpretao psquica, segue a depurao intelectual dessas
informaes ao longo do tempo; quando so associadas s cores, valores e
significados mais precisos. Assim, quando mais tempo lhes dedicamos, mais as
cores vo ganhando contornos subjetivos.
A dimenso humana da cor j fora proposta em Goethe: uma manifestao
emblemtica por ter se contraposto de imediato acepo positivista e
mecanicista da percepo estabelecida pela Fsica newtoniana da sua poca. Em
1810, Goethe publica suas teorias de cor, Farbenlehre, em clara oposio
ptica -que ateve-se aos estmulos exteriores: s cores fsicas (as radiaes que
impressionam diretamente a retina) e qumicas (as superfcies capazes de
transformar essas radiaes ao refleti-las)- Goethe segue observando as demais
etapas da percepo, onde incluem-se as iluses e interaes da cor (inclusive as
cores patolgicas, que surgem em condies anormais); comprova diversos
efeitos de imagem posterior, produzidos na mediao entre olhos e crebro.
Esses estudos, principalmente sobre os contrastes cromticos, to bem
observados por Goethe, foram fundamentais para o desenvolvimento das teorias
sobre as cores em outros cientistas, como o qumico francs M. E. Chevreul, que
influenciou diretamente a pintura impressionista. Por considerar a subjetividade, a
teoria de cor de Goethe uma referncia importante para os artistas como uma
resposta ao conservadorismo das instituies do sculo dezenove e,
principalmente para os artistas alemes, um modelo alternativo normatizao da
pintura pelas academias francesas.
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Desta forma, entende-se o observador no como um agente passivo, como
sugere Newton, mas como um organismo ativo -o que determina a variabilidade
do processo de percepo.
A constituio fsica da luz , portanto, apenas uma das dimenses da cor:
na percepo, temos ainda as variveis fisiolgicas e psicofsicas, psicolgicas,
culturais, e ainda as abordagens individuais. A natureza multidisciplinar da cor -a
amplitude das questes envolvidas- permite que a nossa pesquisa detenha-se neste
tema, apostando na diversidade de conexes tericas que possam surgir. Vamos
nos dedicar particularidade dos significados culturais.
Numa tradio que remonta ao renascimento, os pintores j haviam se dado
conta da reflexo da luz pelos objetos no espao; coube a eles conhecer, registrar
e reproduzir artisticamente esses fenmenos. Mas a cor no havia sido ainda
associada luz, apenas aos objetos -ainda que eles tenham percebido a existncia
de luzes mais brancas, azuladas ou amareladas, como no caso da perspectiva
area. Como vemos no seu estudo da figura 28, Leonardo j havia notado a
reflexo da luz pelos objetos, percebendo que os mais claros expandem-se:
parecem maior que os escuros, destacando-se. Entretanto, a cor, at o sculo XIX,
basicamente continuou sendo identificada com o mundo material; sendo os
pigmentos e anilinas capazes de transformar as suas superfcies, ao serem sobre
elas aplicadas. Foram sempre valorizados pela beleza perene que conseguiam
constituir.
Figura 28. Leonardo. Codex Urbinas and lost Libro A , 1508. Pena e tinta sobre papel. Biblioteca Vaticana. Fonte: . (Consultado em 15/07/2011).
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Ainda que Goethe tenha destacado a sua incompletude, a condio luminosa
do fenmeno cromtico, revelada por Sir Isaac Newton no sculo XVII, foi
determinante para o uso moderno da cor. No sculo XIX, desta descoberta
cientfica derivaram muitas outras sobre os fenmenos cromticos, dentre as
quais, as divulgadas pelo livro de M. E. Chevreul, De La Loi Du Contraste
Simultan des Coleurs,15
publicado em Paris, em 1839. Chevreul associou-as
prtica milenar dos teceles de justapor cores complementares para aumentar suas
intensidades. Este o efeito chamado contraste simultneo, que o fato de
visualizarmos, ao longo das bordas em uma forma colorida, uma radiao da sua
cor complementar. A interao das cores, como toda iluso cromtica,
dependente basicamente do contraste simultneo segundo Albers16. O tema por
ele to profundamente discutido j havia sido longamente descrito por Goethe,
mas nas obra dos coloristas desde Delacroix que a questo se desenvolver e
ganhar a importncia relegada cor pelos pintores modernistas -sendo esta
tradio dos coloristas franceses fundamental para a elaborao da cor em Albers.
Figura 29. Ilustrao do efeito de radiao complementar produzida pelo Contraste Simultneo, publicado na obra de M. E. Chevreul, De La Loi Du Contraste Simultan des Coleurs, op. cit. p. 161.
Os pintores impressionistas possuam a erudio das teorias de cor
sistematizadas por Chevreul: sabiam controlar os efeitos de contraste simultneo
e de imagens posteriores, que potencializam a saturao das cores. A
fundamentao cientfica, objetiva do impressionismo consistia no uso consciente
da tinta por sua capacidade de constituir as caractersticas tteis do plano
pictrico, dentre elas, o coeficiente de reflexo da luz incidente. Ou seja, desde E.
15
A edio consultada para este trabalho foi a editada e comentada por Faber Birren em 1981:
CHEVREUL, Michel Eugene. The principles of harmony and contrast of colors and their
applications to the arts. New York: Van Nostrand Reinald, 1981. 16
o contraste simultneo a causa de toda iluso cromtica. ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 50.
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Manet, percebemos, nos pintores, o entendimento da cor como um elemento de
controle da equao entre absoro e reflexo da luz que incide sobre as
superfcies.
Isto s possvel com a compreenso dos contrastes simultneo e
sucessivo. So contrastes no apenas de cor, mas tambm de luminosidade,
chamada tambm de valor (os tons de cinza). A figura 29, publicada no tratado de
Chevreul, explicita este contraste: uma mesma forma circular, exatamente no
mesmo tom de cinza, parece mais clara sobre um fundo escuro, e mais escura
sobre um fundo claro. o que percebemos na serigrafia do portflio Formulation
Articulation, onde Albers demonstra como formas exatamente no mesmo tom
pardo mudam a luminosidade de acordo com a percepo de contraste em relao
com fundo: quanto mais escuro, mais as linhas parecem claras.
Figura 30. Portfolio 1, folder 6. Fonte: ALBERS, Josef. Formulation: Articulation. Thames & Hudson, 2006.
Observamos que aqueles que mergulham no complexo e inesgotvel
universo do estudo da cor, num dado momento, deparam-se com a constatao da
limitao das cores-tinta em relao s cores em luz. As cores, quando percebidas
como um reflexo de uma superfcie material, so acrescidas de cinzas,
amortecidas pela absoro das superfcies -constituem-se de apenas uma parcela
da intensidade da luz que incide sobre tais superfcies. Essa dose de cinzas as
tonalizaes- multiplicam as cores puras em inmeras, incontveis variaes. No
entanto, quando uma fonte de luz transformada por uma superfcie translcida
colorida colocada entre os nossos olhos e essa fonte, o efeito muito mais
intenso. o que acontece com os vitrais. Para aquele que est iniciando um estudo
das cores, a intensidade, a saturao das luzes coloridas provoca um
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deslumbramento que deixa muito clara a idia moderna de autonomia da cor: a
sua presena ostensiva num ambiente, a capacidade de transform-lo.
Georges Seurat, observando a inevitvel adio de cinzas em qualquer
mistura de tintas (que, por isso, se definem subtrativas), buscou, em suas pinturas,
a cor mais pura -a cor aditiva, a prpria luz. Para isso, Seurat, em seu mtodo do
pontilhismo -elaborado sobre teorias de outros cientistas, como Ogden Rood-
justaps pontos de pigmentos puros, acreditando conseguir uma mistura aditiva
(quando a soma das cores seria acrescida de luminosidade). Na verdade, como em
qualquer tecelagem, a mistura tica resultante da viso distancia partitiva: a
luminosidade resultante a mdia ponderada das luminosidades das cores
originais. De todo modo, o brilho de suas telas impressionante, funcionando
como um marco histrico da compreenso do plano pictrico como um emissor de
radiao luminosa.
Por outro lado, a diferena impressionista foi como indica o termo- a
observao da luz como um dado perceptivo, varivel. Nestes artistas, as equaes
entre objetividade e subjetividade, variabilidade e universalidade ficam mais sutis,
detendo-se a uma condio intermediria entre fato fsico e interpretao: o corpo
humano sendo abordado como um organismo universal. Desta forma, a
modernidade foi buscada na pintura, primordialmente, como um realismo contra
as artificiais regras das academias. Os pintores impressionistas, ento, limitaram
as cores psicofsica da recepo tica, fundamentando-se nesses estudos sobre a
percepo, numa tentativa de protegerem-se da interpretao culturalmente
viciada das regras to fortemente institudas pela cultura acadmica. Em suas
obras, sob uma boa dose de cientificismo, a percepo baseada no
funcionamento humano geral. Esta base racional, impessoal, no entanto, no
limitou as poticas desses grandes artistas.
O aspecto subjetivo da percepo, j indicado por Goethe no sculo anterior,
ganharia terreno nos fauves e nos expressionistas, com o abandono da referncia
aos objetos exteriores e tambm de suas cores naturais, da chamada cor local.
Esses artistas rejeitaram a recorrncia das leis da percepo, produzindo imagens
fantsticas, imaginativas, particulares.
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No sculo XX, no caminho para a abstrao, a negao da tcnica do
chiaroscuro o sombreamento que provoca a iluso de volume- realizou-se em
favor das cores planas, elaboradas como metforas do absoluto. As obras dos
artistas de vertente construtiva utilizaram-se do aspecto preciso das cores puras
-as mais prximas das prismticas ou espectrais- aplicadas em grande extenso.
Neste conceito de pureza, o preto e o branco so to resolutos quanto as
primrias vermelho, amarelo e azul. Associadas s formas geomtricas, eles
enfatizaram ainda mais suas ambies universalistas.
Piet Mondrian ateve-se irredutibilidade das primrias tradicionais:
vermelho, amarelo e azul. A sua base um branco que, por ser um plano aberto,
amplo, numa extenso incomum, exclui o aspecto terreno da sombra, ou seja,
material, falvel, imperfeito. Tambm associadas idia de pureza e aplicados em
extenso, as cores puras usadas por K. Malvich tambm enfatizam o contraste
entre a emisso e a absoro da energia radiante. Priorizando o preto, o branco e o
vermelho (a cor mais saturada e, portanto, expansiva e destacada de todas), e suas
qualidades objetivas, Malvich designa significados msticos, atemporais,
supremos.
O vermelho, o azul e o amarelo foram intuitivamente consideradas
primrias pelos pintores modernistas por aproximarem-se daquelas cores que a
psicofsica verificou como as que mais se destacam na percepo humana -em
funo dos picos de atividade, de maior capacidade perceptiva dos cones na
retina, e que correspondem assim, s principais reas do espectro visvel. Estas se
definem em relao aos comprimentos de onda: os longos os vermelhos-, os
mdios verdes amarelados- e curtos azuis violetados.
Albers, por outro lado, no tem uma paleta reduzida. H, sim uma restrio
fundamental: desde que no misturadas, todas as cores produzidas com pigmentos
puros so bem vindas.17
Nesta deciso est evidente o aspecto no dogmtico de
sua potica, como atesta uma conservadora de suas pinturas: ainda que Albers se
17
somente algumas misturas at agora somente com branco- foram inevitveis: para tons de vermelho, como vermelho plido e cr de rosa, e para matizes fortes de azul, impossveis de serem
obtidos em tubos. Josef Albers. A CR EM MEUS QUADROS. THE INTERNATIONAL COUNCIL OF THE MUSEUM OF MODERN ART. Josef Albers: Homenagem ao Quadrado
(catlogo da exposio no Rio de Janeiro). New York: The Museum of Modern Art , 1964.
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interessasse pelo uso de bons materiais, ele no escolhia sua tinta pela qualidade.
Ao invs disso, seu verdadeiro objetivo era a descoberta de mais outra cor.18 No
h apenas as cores prismticas, super saturadas -vermelhos, amarelos, verdes,
azuis e violetas; h tambm inmeros terras, cinzas, brancos e pretos. No so
cores desencarnadas. Naturais ou qumicas, so cores do mundo, usadas,
praticadas, disponveis. De uma maneira geral, pode-se dizer que Albers objetiva
o reconhecimento imediato da cor, ao utilizar, em praticamente todos os casos nas
suas pinturas, tintas monopigmentares, da maneira como vieram dos fabricantes -
sem a adio de ceras ou solventes que transformariam sua aparncia, em
consistncia, brilho- para depois decepcionar o espectador dessa certeza.
Desta forma, a transformao mais evidente: aquelas cores fortes, que
aparecem como planos, reas de cores uniformes, deixam de s-lo e ganham
tonalizaes nas bordas, radiaes parasitas, efmeras, evanescentes. E que so,
comprovadamente, reais: imagens posteriores. Essa evidncia uma honestidade.
Todo o processo revelado. No h camadas acumuladas, no h um por detrs;
no h segredos. A tcnica auto-evidente e est sistematizada no livro
Interaction of Color. Isso faz a sua potica ser ainda mais surpreendente. A
multiplicao dos tons com a mera utilizao de monopigmentos quase
inacreditvel, levando geraes de pintores a ponder-la e mesmo a duvid-la.
No contexto das vanguardas histricas, o rompimento com as regras da
perspectiva levou os artistas a experimentar a cor mais explicitamente como
sensao autnoma; a privilegiar as cores mais saturadas, puras, no-derivadas,
cada vez misturando menos os pigmentos entre si. Albers no apresenta uma cor
como pura sensao, em grandes planos ou monocromos como em Yves Klein
Mark Rothko e Barnett Newman. Para Albers, o tamanho ideal das suas pinturas
aquele que possibilite uma apreenso total do conjunto, porque seu objetivo a
mgica de v-las se alterarem ao operarem coletivamente. Portanto, a meta no
propriamente a apresentao das cores em sua integridade, no sentido usual, mas
v-las em estimulante e surpreendente transformao.
18
Although Albers was interested in using fine materials, he did not choose his paint for its quality. Rather, his true objective was the discovery of yet another color. GARLAND, Patricia Sherwin. Josef Albers: His Paintings, Their Materials, Technique, and Treatment. Journal of
the American Institute for Conservation, Vol. 22, No. 2 (Spring, 1983), pp. 62-67
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Albers consegue produzir volume nas reas planas de cor, sem tonaliz-las
com claro-escuros. Assim, so objetos reais planos, massas de cor-, e no
reprodues de objetos com volume. Em toda a sua obra, Albers recusa o
chiaroscuro e a mistura de tintas (por produzir inevitavelmente cinzas que as
indeterminam), preferindo a aplicao simples de pigmentos puros;
excepcionalmente, Albers somente adiciona branco a pigmentos muito
transparentes. Isto porque quer suas pinturas como afirmaes fortes, evidentes,
precisas. As cores so sempre usadas em reas planas: como Henri Matisse,
Albers busca a forma-cor; a autonomia da cor sobre a linha, sobre a tradicional
autoridade do desenho. Por isso o esquema das Homenagens ao Quadrado
evidente e repetitivo, para enfatizar as cores. Surtem efeitos, delas interagindo
umas sobre as outras, que dependem dos seguintes fatores: as posies que elas
ocupam; a quantidade em termos de rea e recorrncia (repetio, ritmo); e os
seus contornos. Essas sofisticadas questes tcnicas, conhecidas pelos pintores
modernistas, foram sistematizadas por Albers no livro Interaction of Color. Ao
transformar esse conhecimento numa didtica, Albers d continuidade
conscientizao moderna dos meios. E, como nas grandes pinturas
impressionistas, o processo est explcito, sem transformar-se em retrica.
Em Interaction of Color, Albers continua a investigar a percepo humana.
A obra artstica, contudo, no a mera demonstrao desse conhecimento. Como
em qualquer grande trabalho, apesar de basear-se fortemente em tcnicas e
estudos, experimentos, a nfase est numa etapa posterior da percepo, quando
ocorre a interpretao das formas; quando surge um significado potico e
emocionante.
Para o nosso olho, a cor, em luz, o desequilbrio: quando preponderam
certas reas do espectro. No existe um comprimento de onda nico que defina a
luz branca: esta uma sensao provocada pela percepo equilibrada e
simultnea dos vrios comprimentos de onda visveis ao homem. As cores,
quando vistas diretamente em luz -emitidas por uma fonte de luz j colorida ou
transmitidas por um meio translcido colorido- aparecem em toda a sua pureza
em saturao mxima, sem perda. J o mundo material o universo derivativo dos
cinzas, uma vez que sempre h absoro, mesmo no mais puro branco nas
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superfcies: as cores so invariavelmente percebidas rebaixadas, misturadas s
demais dimenses tteis da matria, que interferem na trajetria dos raios.
Sir Isaac Newton demonstrou a caracterstica aditiva das misturas
luminosas, e subtrativa das materiais. O cinza -a absoro- no existe na emisso
luminosa quando algum olha diretamente para uma fonte de luz. O cinza um
elemento exclusivo do mundo material. justamente a composio da luz branca
por luzes coloridas, menos luminosas, o que parece mais inverossmil na teoria
newtoniana para Goethe: temos uma qualidade geral das cores: devem ser
consideradas incondicionalmente como meio luz, meio sombra, razo pela qual
surge um cinza, um sombreado, quando elas combinam suas qualidades
especficas anulando-se. Schopenhauer segue violentamente incrdulo quanto
mistura aditiva das cores, veementemente defendendo Goethe pela injustia
sofrida desaprovao pblica de sua doutrina. Nem Schopenhauer nem Goethe
haviam ainda percebido as distines entre os tipos de misturas. Alm da
reconhecida caracterstica subtrativa das misturas em tintas, a mistura aditiva (que
produz o branco) ocorre apenas para misturas de luzes diretas. Na demonstrao
newtoniana que eles criticam,19
que faz girar um crculo colorido, ocorre apenas
uma iluso tica, partitiva, onde no se perde nem ganha luminosidade.
Josef Albers, no incio do seu percurso, buscou, nos trabalhos em vidro, a
cor mais pura, mais intensa -a cor em luz- como uma fonte, e no como reflexo
rebaixada. Antes mesmo de entrar na Bauhaus, ele j dominava as tcnicas
artsticas sobre vidro, e l seguiu as desenvolvendo. Mas, mesmo depois de t-las
abandonado em favor da pintura na sua fase norte-americana, manteve, contudo, a
19
O mais escandaloso o esmero com o qual se ensinam as circunstncias secundrias destitudas de motivos e apenas calcadas na iluso, algumas das quais so invenes posteriores.
Isso revela, pois, a intencionalidade duradoura do embuste. No 392, n3 (edio de Paris, 1847),
por exemplo, descreve-se uma experincia para mostrar que o branco produzido pela unio das
supostas sete cores prismticas: pinta-se um disco de papelo de um p de dimetro, com duas
zonas pretas, uma em volta da borda, a outra em volta do furo central; entre as duas zonas colam-
se na direo dos raios as tiras de papel pintadas com as sete cores prismticas, repetidas vezes; em
seguida, desloca-se o disco em rpidos rodopios; desse modo, a zona colorida parecer branca.
Nenhuma palavra, porm, justificar as duas zonas pretas e, honestamente falando, seria
impossvel justific-las, um vez que elas inadequadamente diminuem a zona colorida que compe
a coisa. Para que elas esto l ento? Goethe de imediato lhes diria e na falta dele, sou obrigado a diz-lo: para que o contraste e o efeito posterior de preto destaquem o cinza infame produzido por aquela mistura cromtica de tal modo que ele possa passar por branco. Com essas trapaas
ilusionistas, os jovens estudantes franceses, portanto, so enganados in maiorem Neutoni gloriam!
(para a maior glria de Newton)... . SCHOPENHAUER, Arthur; PASCHOAL, Erlon Jos (trad.). Sobre a viso e as cores. So Paulo: Nova Alexandria, 2005, p. 143.
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investigao da cor mais luminosa, buscando tambm a transformao do plano
pictrico num emissor de luz. Ele no descansaria enquanto no solucionasse um
grande desafio, dentro do seu princpio moral de economia conseguir o melhor
efeito com o menor nmero de meios, conseguir tal luminosidade com as tintas,
que, por sua vez, definem-se pela subtrao de parte da luz incidente.
Tecnicamente, Albers consegue tal efeito tirar o mximo das tintas- em suas
Homenagens ao Quadrado, utilizando uma base muito branca e absorvente. Uma
borda branca tambm respeitada fora da pintura, ajudando a trazer luz para
dentro do quadro. E, aplicando uma nica camada, muito fina, de tinta leo, as
cores ficam muito transparentes, funcionado como filtros translcidos.
Albers seguiu o seu princpio de economia, entendido no sentido do
desenvolvimento do trabalho e dos materiais e no melhor uso destes para atingir o
efeito desejado.20 Trabalhar com um material j to luminoso, como o vidro, no
destacaria o valor da luminosidade a sua excepcionalidade. Albers precisaria
encontr-la na escurido do mundo material, humano, que se caracteriza por
absorver, muito mais do que refletir luz. Albers decidir ser seu desafio trazer luz
a este ambiente humano, no ideal, escurecido por definio. Este objetivo o guia.
Em sua economia, Albers ambiciona muito mais do que um mero aprimoramento
tcnico para a reduo dos custos de produo dos objetos industriais; a sua obra
quer tirar o melhor proveito do homem e das suas capacidades: it attempts to be a
training in flexibility providing the broadest possible [nontechnical] basis in order
not to let later specialization be isolated. It wants to lead to economical form.21
Esta base no tcnica essa forma econmica- a educao do olhar em si.
A inteligncia crtica seria encontrada no fazer humano, quanto mais este fosse
dedicado e honesto; sincero. Quanto maior a preciso dos objetos, maior a
manifestao da habilidade humana, seja num trabalho manual, como a aplicao
da tinta em suas Homenagens ao Quadrado, seja na ao da mquina, como o
corte industrial das Constelaes sobre frmica.
20
economy is understood in the sense of thrift in labor and materials and in the best possible use of these to achieve the desired effect. ALBERS, Josef. Creative Education, in: WINGLER, Hans M. The Bauhaus. Cambridge, London: The MIT Press, 1969, p. 142-143. 21
ALBERS, Josef. Creative Education, in: WINGLER, Hans M. The Bauhaus. Cambridge,
London: The MIT Press, 1969, p. 142-143.
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60
Figura 31. Josef Albers. Structural Constellation. Frmica. 2003 The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York.
Albers consegue a preciso nas Homenagens ao Quadrado tanto com as
linhas absolutamente retas nas verses em gravuras e entalhes, quanto com a
irregular aplicao da tinta leo nas pinturas, que tambm so precisas pela
deliberada repetio mecnica, repetitiva, impessoal.
As to the repetitious use of my square arrangement, one may refer the most
popular concept of general organization to a design fashion (or style) almost 40
years ago which I called die Reihung, meaning the now. Then the precision of machine production, made obvious in photos by presenting lines of equal products,
led to a new esthetic experience, emphasizing a belief in human ability...22
A adeso indstria operada pela Bauhaus o que distingue historicamente
essa escola, e tambm Albers. Os processos industriais, no entanto, s ajudariam o
homem se este fosse imbudo de uma relao sincera com o mundo da produo,
dando continuidade tica fundamentada no artesanato partilhado coletivamente,
instituda no perodo gtico. Os valores e os sentimentos de Albers fundam-se na
crena nesses fundamentos -morais e operacionais. No fundo, as suas pinturas
querem ser vitrais, iluminando e dando energia cromtica, alento e esperana
queles que esto na penumbra.
22
ALBERS, Josef. The Papers of Josef Albers, 1910-1976, Box 6, folder 20- entrevista a Lucy
Lippard / Art in America em fevereiro de 1967. The Anni and Josef Albers Foundation. Orange,
Connecticut.
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61
Nenhuma ao vazia, gratuita, sem sentido. S assim possvel acreditar
no desenvolvimento humano, algo que a obra de Albers realiza. O homem
constri incessantemente seus valores, colocando-os nos objetos; queira ou no,
esses o revelaro.
1.4.
Cor-matria e cor-material
Como Seurat, Albers almejava o plano de luz. S que, agora, ele tinha plena
conscincia da subtrao da luz inerente s cores palpveis, mesmo que
proporcionadas por pigmentos puros. A investigao dos efeitos de superfcie
conduziu-o s iluses ticas e aos contrastes previstos por Goethe e Chevreul.
Albers dominou tecnicamente esses efeitos com suas experimentaes didticas,
transformando-os em ferramentas para a sua potica.
A cor determinada pelas superfcies revela-se, por assim dizer, em duas
sensibilidades diversas: como material, estrutura, ou como matria, fatura,
dependendo da nfase: na sua construtividade espacial ou nas suas caractersticas
tteis, de superfcie. A distino entre os conceitos de material e matria ainda
hoje raramente compreendidos de fato, mesmo entre os artistas- foi considerada
parte importante na didtica de Albers. Seus cursos bsicos em design desde a
Bauhaus eram divididos em classes onde se desenvolviam exerccios
experimentais para esses dois tipos de abordagem: os Materialstudie e os
Materiestudie (ou em francs, matire, como Albers usualmente se referia).
Dois registros desses exerccios servem para explicitar esta distino
importante. O papelo corrugado, por exemplo, foi abordado estruturalmente
como material, ao ser tensionado e sustentar uma forma tridimensional; e
entendido como matria ao ter a sua rugosidade longitudinal desafiada no
exerccio de recorte, sendo comparvel a um papel listrado.
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62
Figura 32. Papelo corrugado, estudo de material. Curso preliminar da Bauhaus. Fonte: HOROWITZ, Frederick e DANILOWITZ, Brenda. Josef Albers: To Open Eyes: The Bauhaus, Black Mountain College, and Yale. New York: Phaidon Press, 2006, p.106.
Figura 33. Papelo corrugado, estudo de matria. Curso preliminar da Bauhaus. Fonte: Idem, p.112.
Percebe-se que a cor pode promover um tipo de sensibilidade estruturante
(ou tectnica, como Albers se referia) quando enfatiza bordas, delimita planos e
volumes, ao ser aplicada em reas predominantemente uniformes, funcionando,
ento, como um material construtivo quando inerente uma superfcie que
sustenta uma forma tridimensional. Ou seja, a cor percebida como material
quando capaz de promover uma experincia espao temporal. Atua, ento, como
um plano reflexivo de radiaes luminosas que delimitam volumetricamente o
espao. Ocorre na arquitetura modernista, como na casa Schroeder, de Gerrit
Rietweld. A cor, nesses casos, ao definir planos, ganha uma funo espacializante
como estrutura.
Outro caso o das mesas encaixveis com tampos em vidro colorido de
Albers. E a posterior assimilao do conceito de cor-material aparece, por
exemplo, na obra de Dan Flavin, que instala luzes fluorescentes coloridas,
reestruturando cromaticamente estruturas arquitetnicas. Frederick Horowitz, em
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63
seu extenso trabalho sobre a didtica de Albers, assim define os Materialstudie:
nos estudos de materiais, os estudantes realizavam pequenas construes como
uma forma de explorar as energias internas de variados materiais, por exemplo,
suas propriedades e personalidades e salienta que Albers afirmava que sua
introduo aos estudos dos materiais foi inovador e marcou uma ruptura decisiva
dos cursos de Itten.23 justamente o processo de criao de formas a partir da
observao das caractersticas dos materiais -desenvolvida nas classes de Albers-
um dos mais fortes legados da Bauhaus.
Figura 34. Gerrit Rietveld. Desenho da casa Rietveld Schroder. Utrecht, 1924.
Figura 35. Josef Albers, mesas encaixveis, ca. 1926. Compensado de madeira e vidro pintado. 62.5 x 60 x 40.3cm. 2003 The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York.
23
HOROWITZ, Frederick e DANILOWITZ, Brenda. Josef Albers: To Open Eyes: The Bauhaus, Black Mountain College, and Yale. New York: Phaidon Press, 2006, p.102.
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64
Figura 36. Dan Flavin. Instalao permanente sem ttulo, 1980-1990. Fonte: Coleo:
Chinati Foundation, Marfa, Texas: .
Outra sensibilidade para a cor como matria acontece quando h nfase em
suas caractersticas de superfcie sua aparncia bidimensional -o que percebido
em diferentes superfcies colocadas lado a lado. Essas diferenas e semelhanas
tteis (suavidade, aspereza, granulao, umidade, espessura, transparncia, brilho
e opacidade... texturas e faturas em geral) so percebidas visualmente. Esta
dimenso permitiu que Van Gogh, em suas telas, por exemplo, abordasse
expressivamente a tinta como um valor ttil. Vemos esses exerccios nas classes
de matire da Bauhaus, estas, sim, derivadas das classes de Itten, como as
colagens e fotogramas. Abaixo, alguns estudos com sementes e palitos, guimbas
de cigarro, po zimo e, especialmente, no quarto exemplo, vemos a cor amarela
comparada textura das pedras.
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Figura 37. Estudos de texturas, estudo de matria. Curso preliminar da Bauhaus. Fonte: HOROWITZ, Frederick e DANILOWITZ, Brenda. Josef Albers: To Open Eyes: The Bauhaus, Black Mountain College, and Yale. New York: Phaidon Press, 2006, p.112.
Quando as cores so emitidas diretamente por fontes luminosas, os seus
comprimentos de onda as definem completamente. No entanto, para as cores
refletidas pelas superfcies, to importantes quanto a sua caracterstica objetiva,
mensurvel, de comprimento de onda, so as demais sensaes tteis decorrentes
das caractersticas destas superfcies das quais essas no podem ser dissociadas.
Os dois sentidos tato e viso- completam-se; traduzem-se. Por isso, antes de
abordar as cores com tintas propriamente, Albers dedicou-se criao de texturas
na gravura -nos inmeros tipos de papis e superfcies de impresso, como veios
da madeira- entendendo as cores acromticas pretos, brancos e cinzas- como
cores positivas, ao manifestarem-se em reas slidas, no delimitadas. A tinta
negra, desta forma, deixa de ser linha e contorno, proveniente de uma tradio
renascentista idealizante, usadas como desenho -ou seja, como delimitao de
formatos- para transformar-se em massa corprea, que j enfatiza o fenmeno
emprico. Algo que Albers continuaria a desenvolver com as tintas coloridas.
Tambm na fotografia, temos muitos exemplos do patente interesse de
Albers pelas texturas, por exemplo, no reflexo ou nas transformaes na pelcula
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dgua do mar. Na gravura In the Water, a inteno de Albers foi reproduzir
aquela aparncia ininterrupta da superfcie dgua percebida numa viagem ao
litoral. Na gravura, tal inconstncia conseguida com a iluso tica de moir; as
linhas produzem alterao de massa e luminosidade, ao serem repetidas e
alargadas, em curvas espelhadas e revertidas, causando tambm o efeito de
transparncia. Percebe-se como Albers j est superando as noes de figura e
fundo os planos perpassando-se ininterruptamente.
Figura 38. Josef Albers, Brackwasser Biarritz VIII, 1929. Colagem fotogrfica. 29.5 x 41 cm 2007 The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York
Figura 39. Josef Albers, In the Water, 1931. Vidro jateado opaco. Josef Albers Museum,
Bottrop.
Em consequncia de haver desenvolvido na gravura, na fotografia e nos
papis de parede (mais um de seus workshops na Bauhaus) essa compreenso da
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cor como uma sensao ttil, Albers aplica irregularmente a tinta nas
Homenagens ao Quadrado pintadas a leo, como vemos na imagem em detalhe
abaixo:
Figura 40. Detalhe de Homenagem ao Quadrado. Fonte: DANILOWITZ, Brenda. Josef Albers e o Brasil. In: Catlogo da exposio Josef Albers: Cor e Luz. Homenagem ao Quadrado. Instituto Tomie Ohtake. So Paulo, 2009.
J nas gravuras dessa srie, a tatilidade explorada pela exaustiva
variedade de papis. Dois dos mais sofisticados exemplos desse caso so as sries
de gravuras em intaglios (entalhes), que transformam a aparncia da superfcie
apenas com diferentes nveis de presso exercidos sobre o papel; e a srie de
gravuras Midnight and Noon, onde as diferentes cores so variaes de uma
nica tinta aplicada em duas densidades e suportes diferentes, zinco e alumnio.
Nestes casos, fica ainda mais evidente como a cor pode ser entendida em
conjunto com outras manifestaes das caractersticas de superfcie.
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Figura 41. Josef Albers. Intaglio Duo E- F, 1958/59. Entalhe sem tinta com chapa de cobre. 56,2 x 75,9 cada. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
Figura 42. Josef Albers. Midnight and Noon 1 a 8, 1964. Sute de 8 litografias a zinco e alumnio. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
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H algo ainda mais excepcional no pensamento da cor em Albers. Ele usa a
cor como material e como matria, sem que essas esferas sejam excludentes. Seu
precedente histrico declarado para tais diferenciaes a arquitetura gtica, que
construa um ambiente e tambm intercalava mais de um material construtivo.
Sua precisa didtica, compreendendo tais distines, sem dvida, revelou-se
uma das contribuies mais importantes da Bauhaus. notrio que Albers tenha
alcanado esta clareza sobre as possibilidades tcnicas e expressivas dos
procedimentos artsticos, no apenas intuitivamente, como ocorre com a maior
parte dos artistas, mas que esse domnio terico tenha se manifestado muito cedo
num discurso elaborado, como pode-se perceber neste fragmento de uma palestra
proferida em 1928, no Sexto Congresso de Desenho, Educao Artstica e Arte
Aplicada, em Praga:
We come now to a different, more formal and freer area of experimentation, to the so
called exercises with matter. These alternate repeatedly during the semester with the material exercises. The exercises with matter are not concerned with the inner
qualities of the material but rather with its external appearance. The relationships of
the epidermis, the skin, of the material are explored according to relatedness or contrast. Like attracts like and opposites attract one another. Just as one color influences another by timbre, interval, tone, and tension, so surface qualities, visual
or tactilely experienced (with the fingertips), can be related
[The special interest in the exploration of matter appeared during the epochs which were particularly oriented toward structure; it has] been almost completely lost since
the Gothic era. At that time one still knew how to combine wood with iron or color,
[or] stone and glass and color, until the Renaissance began to build facades entirely
of one material, and garments continued entirely in one type of fabric.
[Furthermore] we are translating and producing factures and structures. The group
discussions of the results of the exercises induce accurate observation and a new way
of seeing.24
No gtico, h estruturao da matria em grande escala, sem que ocorra a
perda da dimenso visual do detalhe -da promenade do olhar pelas intrincadas
esculturas nas paredes ricamente decoradas. Desta forma, os materiais so
abordados pelas suas caractersticas construtivas, materiais, estruturais, e tambm
contribuindo para uma experincia ttil, como fatura.
24
ALBERS, Josef. Creative Education, in: WINGLER, Hans M. The Bauhaus. Cambridge,
London: The MIT Press, 1969, p. 142-143.
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Essas relaes afetam o modo de perceber. Nas catedrais gticas, o olho se
atm aos pormenores. Rebocos, madeira, ouro, pedras neutras e coloridas,
materiais esculpidos com riqueza de detalhes. A fatura faz a transcrio do ttil ao
tico, numa dimenso prxima, ntima. Alm dessa dimenso, h tambm o
estabelecimento de relaes e mensuraes espaciais. Ambientes claros e escuros;
as vigas listradas; fachadas douradas; os pisos em mosaicos ou em labirintos
funcionam como moduladores de espao, estabelecem distncias; percursos
temporais. O contraste como forma de estabelecer relaes quantitativas no
espao aparece no trabalho em vidro Catedral. Vemos sobras e luzes projetadas
determinando a expanso linear perpendicular, em verticais, horizontais e
diagonais.
Figura 43. Josef Albers. Cathedral, 1930. Vidro jateado opaco, 354 x 491 mm. The Josef and Anni Albers Foundation/ Artists Rights Society (ARS), New York.
A existncia de dimenses to dspares o prximo e o distante- no gtico
justifica-se nas almas extremamente sensveis, atormentadas pelos contrastes
existenciais salvao ou danao; riqueza e pobreza; inverno e vero... O
apaziguamento dessas relaes no renascimento, para Albers, significou a perda
de sensibilidade. Nos espaos renascentistas, tudo equilibrado, ponderado,
previsto, uniformizado em nome de uma unidade estrutural. Principalmente na
arquitetura das baslicas renascentistas, no h movimentos abruptos ou contrastes
dimensionais e prevalecem o branco e as cores claras e as transies suaves e
medidas proporcionais.
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Albers d cor no apenas a possibilidade de expanso pelo espao real
tridimensionalinteno partilhada com inmeros artistas do sculo XX- como
tambm explora as possibilidades de superfcie. Deste modo, caractersticas
mnimas e mximas so integradas detalhes e estruturas- contribuindo para uma
percepo extensiva do fenmeno visual, que apresenta um objeto autnomo ao
mundo. A cor arbitrria e industrial no obstante se refere ao sentimento medieval
de transmutao da matria: quanto menor o valor da matria original e maior a
energia de trabalho investido, maior o valor final da pea.
1.5. A cor construtiva, ou a forma-cor
Segundo Albers: [...] o contraste simultneo a causa de toda iluso
cromtica.25 So dois os casos possveis.
Primeiro: a iluso de volume numa rea uniforme tal qual o efeito de
canelura numa coluna drica. Quando uma rea totalmente uniforme de cor perde
essa caracterstica prximo s bordas, que podem ficar mais claras ou escuras ou
assimilar-se cor adjacente, constituindo assim um halo. No Estudo para
Homenagem ao Quadrado (figura 09), temos um exemplo bem simples. A faixa
central, cinza, tinge-se de preto (a cor interna) nas bordas externas e de branco (a
cor externa) nas bordas internas; pintada de maneira perfeitamente uniforme,
ganha volume com as radiaes reverberadas pelas cores vizinhas. Por ser uma
pintura em cores acromticas, est claro que o efeito ocorreu em funo da
luminosidade.
Vejamos abaixo um outro exemplo de iluso de volume retirado do livro A
Interao da Cor. O fator determinante a diferena de saturao de um mesmo
tom de vermelho. As reas de cor homogneas so influenciadas nos pontos de
contato nas duas direes, de acrscimo e de decrscimo, abaulando as duas
bordas.
25
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p.50.
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Figura 44. BAUER, Sally. Interseo. Ilustrao XV-2. In: ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Op. Cit., p 146.
Outro caso a iluso de espao. Ocorre em razo do contraste entre as
cores; elas apresentando-se frente ou atrs umas das outras, definindo uma
topografia, um efeito comparativo de recesso e avano: as cores so colocadas
acima ou abaixo uma da outra, ou em frente ou atrs uma da outra. Elas so
interpretadas em termos de aqui e ali, acol e mais adiante e, portanto, no
espao26. Desta forma, uma cor explicitamente define estar por baixo ou por
cima de outra. Como bem explica Albers, percebemos nessa movimentao o
estabelecimento de hierarquias -a organizao espacial da cor-, que por sua vez
define uma ao plstica: uma fora resultante com direo definida.
Abaixo, temos uma bela demonstrao realizada por um aluno de Albers.
Vermelho e amarelo vo se misturando na faixa central. medida que aumenta o
contedo de amarelo no sentido vertical, cresce a fora plstica nessa direo,
enquanto na base a fora preponderante horizontal. Temos dois eixos: o vertical
identifica-se com o amarelo, e o horizontal, com o vermelho. Note-se que o que
determina a fora resultante a borda menos definida, que faz com que a faixa
parea slida. Nas intersees mais ao alto, as bordas verticais desaparecem, e
mais embaixo, as horizontais. Onde h mais contraste, h maior distanciamento
espacial: os limites mais bem demarcados e, portanto, principais, so produto dos
contedos mais fortes dominantes, eles definem o movimento da mistura.27
26
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 40. 27
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Op. Cit., p 130.
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Figura 45. Clement, J. Transparncia e iluso de espao. Ilustrao XI-1. In: ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Op. Cit., p 129.
Ou seja, quanto maior o contraste o que ocorre nas primeiras e ltimas
faixas-, maior o vigor da ao plstica. Quanto menor o contraste, melhor
obtm-se um efeito especial de transparncia, chamado de cor transparente.28
Percebemos o incremento dessa transparncia nas faixas medianas, quando uma
cor parece mostrar-se atravs de outra.29
Esse efeito de transparncia ocorre quando uma cor, que uma mdia entre
as duas geratrizes, colocada entre elas. Esta cor intermediria pode ocorrer por
diferena de luminosidade ou de tonalidade ...e, na maioria dos casos, por ambas
ao mesmo tempo.30
Para tal iluso, tambm necessrio uma forma que favorea uma imagem
lgica, uma ideia de interseo: Para fazer com que o olho leia essa dupla iluso
de mistura e transparncia, as cores devem ser colocadas de tal modo que se
sobreponham. Albers explica, atravs do exemplo de mistura das cores em papel -
iluso de transparncia: as partes hachuradas pertencem a cada uma das formas
sobrepostas e so, portanto, o lugar lgico para a mistura [...].31
28
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 47. 29
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 32. 30
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 27. 31
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 32-33.
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Figura 46. Josef Albers. Mistura das cores em papel- Iluso de transparncia. In: ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Op. Cit., p 33.
H, contudo, uma variao muito especial desse tipo de iluso. Quando,
entre duas reas uniformes de cores, chega-se a uma terceira, que a mdia
perfeita das duas primeiras. Ento, a topografia fica ambgua: ora as trs parecem
estar equidistantes, num mesmo plano, ora alternam estar atrs ou frente umas
das outras:
Tudo isso parece mudar com as cores que produzem misturas mdias. s vezes,
elas parecem agrupadas no interior de um plano bidimensional; em outros
momentos, podem ser interpretadas reciprocamente- como mais altas ou mais baixas do que a mistura.
32
Esta perfeita simetria entre trs cores tm uma consequncia para as bordas:
faz com que a forma tenha todos os lados igualmente destacados.
o que est acontecendo na interseo mediana (na 5a. faixa da figura 45):
temos uma situao ambgua, porque a mistura mdia entre as duas cores
geratrizes. Os 4 lados so igualmente contrastantes, o que faz da terceira cor um
retngulo definido, uma forma em si. Uma mistura mdia parece frontal, uma cor
em si. Isso comparvel leitura de qualquer ordem simtrica, e a mistura mdia
ir comportar-se de maneira no-espacial, a menos que sua prpria forma ou as
formas circundantes produzam outro tipo de efeito.33
Comportar-se de maneira no espacial significa que entre as cores no se
define uma hierarquia: nenhuma parece estar frente ou atrs.
Uma verdadeira mistura mdia se distingue por ser eqidistante em luminosidade e matiz- de qualquer uma das cores geratrizes.
34
Depois de encontrar vrias misturas de pares diferentes de cores geratrizes,
tentamos encontrar a mistura mais significativa e mais difcil a mistura mdia. Topograficamente, essa mistura mdia requer uma colocao precisa, o que torna
necessria a utilizao de recursos suplementares medio.
32
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 40. 33
Idem, p.40-41. 34
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 48.
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Uma vez que a mistura mdia pressupe a equidistncia em relao s cores
geratrizes, ela depende igualmente da ausncia de qualquer predomnio de uma ou
outra destas.35
Concluindo, ento: quando maior o contraste entre as cores, maior a
separao topogrfica (espacial) entre elas maior a ao plstica. Percebemos
que se estabelece uma hierarquia entre as foras divergentes por luminosidade ou
tonalidade. Chega-se a uma constelao, ou um ritmo; uma progresso
determinada, que Albers compara, at certo ponto, a uma melodia, supondo a
mesma questo de intervalos, que pode ser medida como uma distncia exata.
Uma melodia pode ser reconhecida, mesmo se tocada por vozes ou instrumentos
diversos. Tambm constelaes de cores podem guardar as mesmas relaes
especficas -intervalos ascendentes ou descendentes-, nos termos de
diferenciao das cores: saturao e luminosidade.36
Logo: contraste determina separao de bordas. Quanto menor o contraste,
maior o efeito de transparncia. Mas o que acontece quando este nulo ou quase
nulo? Ocorre, que quando duas cores so muito semelhantes em tonalidade e
idnticas em intensidade de luminosidade, temos ento as rarssimas bordas
evanescentes- um terceiro e rarssimo caso de iluso cromtica:
2 tints, ochre and pink, are purposely shown in aggressive shapes, indicating 2
two-edged saws. At left they are separated, except for point connections. But when
fully connected, as at right, and when seen at some distance, the 10 sharp teeth,
clearly marked at left, almost disappear in a smooth merging of the 2 different
colors. The reason for this loss of form is the equal or near-equal light intensity of
the 2 colors.37
35
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 38. 36
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 46. 37
ALBERS, Josef. Interaction of Color. New Complete edition. New Haven: Yale University
Press/ The Josef and Anni Albers Foundation, 2009, p. 114.
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Figura 47. Albers, Josef. Igual Intensidade de Luz. Ilustrao XXIII-1. In: ALBERS, Josef. Interaction of Color. New Complete edition. New Haven: Yale University Press/ The Josef and Anni Albers Foundation, 2009.
Percebemos a nfase de Albers num desenho afiado como dentes, e que
unidos amaciam-se, integram-se. Esse um belo caso de transformao do
desenho pela cor e, mais importante, do ambiente ou clima a performance das
cores mudando personalidades, como a mscara facial de um ator.
Albers salienta em seu livro que muito difcil conseguir duas ou mais
cores com exatamente a mesma luminosidade ou seja, o mesmo valor ou tom de
cinza: Nossos estudos de transparncia ilusria demonstraram como difcil
encontrar uma mistura mdia.38 Quando se consegue tais cores, as bordas entre
elas se dissipam quase completamente. por isso que algumas Homenagens ao
Quadrado conseguem converter um quadrado num halo. o que confirma uma
declarao de Vollard, sobre Czanne exclamando, depois de cento e quinze
sesses para pintar o seu retrato: I hope to have made some progress by that
time. You understand, Monsieur Vollard, the contour keeps slipping away from
me!39
Esta dificuldade no foi um impedimento para Albers, que defende: a cor
tambm pode ser medida, pelo menos at certo ponto.40 Isto porque cores e
tonalidades se definem, como acontece com os tons musicais, pelo comprimento
de onda.41 No exemplo abaixo, a Homenagem ao Quadrado de 1964, a pintura
38
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Traduo de Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: Martins
Fontes, 2009, p. 48. 39
VOLLARD, Ambroise. Czanne by Ambroise Vollard. New York: Dover, 1984, p. 86. 40
ALBERS, Josef. A Interao da Cor. Op. Cit., p. 52. 41
Idem, p.44.
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tem bordas contrastantes entre o quadrado central e o mediano, enquanto este
quase idntico ao quadrado externo. Logo, o quadrado central, por ser mais
escuro, bem definido e os outros dois se dissipam. J na gravura Homenagem ao
Quadrado, 1967 SP VII, o contraste principal entre vermelho e azul- o de
tonalidade, enquanto o quadrado intermedirio, assemelhando-se mais ao azul,
nele funde sua orla.
Figura 48. Homage to the Square, 1964. 0 x 0 cm. The Josef and Anni Albers Foundation.
Figura 49. Homage to the Square, 1967 SP VII. Portflio de 12 serigrafias. Fonte: DANILOWITZ, Brenda. The Prints of Josef Albers A catalogue Raisonn 1915-1976. New York: Hudson Hills Press, 2001.
O efeito de volume tambm est ocorrendo nos dois exemplos acima.
Percebemos nitidamente como o quadrado central nos dois casos se modifica
prximo s bordas: na figura 48, o ocre escurece em comparao com os amarelos
claros; e na figura 49, o vermelho ganha saturao por receber radiaes
complementares das suas cores vizinhas. Ou seja, no primeiro caso, o contraste
de luminosidade e no segundo, de cor (complementaridade).
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Albers demonstra que esses efeitos so absolutamente controlveis. A
mensurabilidade destes o que permite cor transformar-se num elemento
construtivo, para alm de uma mera adjetividade, ao ser um fator primordial no
processo criativo -um papel antes relegado exclusivamente linha; ao formato. O
controle da ao plstica da cor -da separao ou conexo das bordas
contrastantes ou diludas, aprendido na obra de Czanne- a transforma num
elemento projetual uma ferramenta de criao. Ainda que esse aspecto
instrumental no garanta o aspecto construtivo de uma obra, sem esse controle a
construo da forma pela cor no possvel. Vejamos como Albers coloca isso.
Entendemos, nas suas palavras, medida (measure no texto original) como
uma ferramenta:
Ao exercitar a comparao e distino dos limites cromticos, adquire-se uma nova
e importante medida para a interpretao da ao plstica das cores, isto , para a
organizao espacial da cor. Uma vez que os limites menos marcados revelam uma
proximidade que implica conexo, os limites mais demarcados indicam distncia,
separao. 42
[Czanne], para evitar que as reas pintadas de maneira uniforme parecessem
chapadas e frontais, usava os limites mais vivos com parcimnia, em particular
onde precisava de uma separao espacial das reas cromticas adjacentes.43
A medio da luminosidade dos planos tecnicamente fundamental para a
transformao das cores que Albers utiliza em sua potica. amplamente
reconhecida a busca pela estruturao do plano pictrico por Czanne. Na
verdade, para Albers, este o grande segredo ou revelao aprendido na obra de
Czanne -o mtodo de diferenciao planar para Margitt Rowell:
[...] That Cezannes compositions are always fairly frontal in arrangement is significant, stressing that the modulated planar effects relate to the surface of the
canvas. Czanne was not