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i i MÁRCIA DE SOUZA HOBOLD A CONSTITUIÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DOCENTE: um estudo com professores de educação profissional ITAJAÍ (SC) 2004

A CONSTITUIÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DOCENTE: um …siaibib01.univali.br/pdf/MARCIA HOBOLD.pdf · correspondentes (PERRENOUD, 2002, ... de acordo com a ‘Teoria sobre os Ciclos

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MÁRCIA DE SOUZA HOBOLD

A CONSTITUIÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DOCENTE:

um estudo com professores de educação profissional

ITAJAÍ (SC)

2004

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UNIVALI

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

Centro de Educação de Ciências Humanas e da Comunicação - CECHOM

Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu

Programa de Mestrado Acadêmico em Educação - PMAE

MÁRCIA DE SOUZA HOBOLD

A CONSTITUIÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DOCENTE:

um estudo com professores de educação profissional

Dissertação apresentada como requisito parcial

para a obtenção do grau de Mestre em Educação

– área de concentração: Educação – (Linha de

Pesquisa: Formação Docente e Identidades

Profissionais; Grupo de Pesquisa – Formação

docente).

Orientadora: Professora Doutora Luciane Maria

Schlindwein

ITAJAÍ (SC)

2004

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UNIVALI

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

Centro de Educação de Ciências Humanas e da Comunicação - CECHOM

Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu

Programa de Mestrado Acadêmico em Educação - PMAE

CERTIFICADO DE APROVAÇÃO

MÁRCIA DE SOUZA HOBOLD

A CONSTITUIÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DOCENTE:

um estudo com professores de educação profissional

Dissertação avaliada e aprovada pela Comissão

Examinadora e referendada pelo Colegiado do PMAE

como requisito parcial para a obtenção do grau de

Mestre em Educação.

Itajaí (SC): 02 de setembro de 2004.

Orientadora:

______________________________________

Professora Doutora Luciane Maria Schlindwein

Membro Interno

______________________________________

Professora Doutora Verônica Gesser (UNIVALI)

Membro Externo ________________________________________

Professora Doutora Vera Maria Nigro de Souza

Placco (PUC/SP)

Membro representante do colegiado ______________________________________

Professora Doutora Cássia Ferri (UNIVALI)

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Dedico esta dissertação ao meu querido marido

Giovani Hobold, pelo amor e incentivos dados; à

minha mãe Tereza de Souza, pelo princípio de tudo;

e ao meu falecido pai Adelino de Souza que me

ensinou que o amor é eterno.

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AGRADECIMENTOS

Tenho a imensa satisfação em agradecer às pessoas que contribuíram para que esta

dissertação fosse tecida pelos emaranhados fios da pesquisa científica.

- Agradeço a Sra. Hildegarde Schlupp, pessoa admirável e competente, pelo

incentivo para que esta pesquisa fosse realizada.

- À minha orientadora Profª. Drª. Luciane Maria Schlindwein, pelo carinho e

paciência nas conversas e sugestões para que a pesquisa fosse realizada com rigor

científico.

- À Profª. Drª. Vera Placco que, desde que a conheci no Saber de 2001, tem me

inspirado com seu modelo de estudo e dedicação à pesquisa científica.

- À Profª. Drª. Verônica Gesser, pelas contribuições apresentadas a esta dissertação.

- À amiga Profª. Drª. Roselane Fátima Campos, pelas discussões e orientações.

- Aos professores de Educação Profissional da instituição pesquisada que,

gentilmente, participaram com suas narrativas.

- À minha amiga Rosane Santana Junckes, pela companhia nas idas e vindas.

- À minha amiga Vânia Maria da Conceição Lopes, pelas leituras e sugestões.

Enfim, agradeço a todos que estiveram próximos da conquista de mais este título.

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Um ‘professor reflexivo’ não pára de refletir a partir do momento em que consegue sobreviver na sala de aula, no momento em que consegue entender melhor sua tarefa e em que sua angústia diminui. Ele continua progredindo em sua profissão mesmo quando não passa por dificuldades e nem por situações de crise, por prazer ou porque não o pode evitar, pois a reflexão transformou-se em uma forma de identidade e de satisfação profissionais. Ele conquista métodos e ferramentas conceituais baseados em diversos saberes e, se for possível, conquista-os mediante interação com outros profissionais. Essa reflexão constrói novos conhecimentos, os quais, com certeza, são reinvestidos na ação. Um profissional reflexivo não se limita ao que aprendeu no período de formação inicial, nem ao que descobriu em seus primeiros anos de prática. Ele reexamina constantemente seus objetivos, seus procedimentos, suas evidências e seus saberes. Ele ingressa em um ciclo permanente de aperfeiçoamento, já que teoriza sua própria prática, seja consigo mesmo, seja com uma equipe pedagógica. O professor faz perguntas, tenta compreender seus fracassos, projeta-se no futuro; decide proceder de forma diferente quando ocorrer uma situação semelhante ou quando o ano seguinte se iniciar, estabelece objetivos mais claros, explica suas expectativas e seus procedimentos. A prática reflexiva é um trabalho que, para se tornar regular, exige uma postura e uma identidade particulares. Essa postura reflexiva e o habitus correspondente a ela não se constroem de forma espontânea. Se desejarmos transformar o ofício de professor em uma profissão plena e integral, a formação – inicial e contínua – deve desenvolver a postura reflexiva e oferecer os saberes e o savoir-faire correspondentes (PERRENOUD, 2002, p. 43-4).

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Caracterização dos professores entrevistados ........................................................... 26

Quadro 2 - Idade dos entrevistados, de acordo com a ‘Teoria sobre os Ciclos Vitais dos

Professores’ ............................................................................................................. 27

Quadro 3 - Análise do tempo de docência dos entrevistados ...................................................... 28

Quadro 4 - Tempo de atuação dos entrevistados na instituição, de acordo com os dados de

tempo de carreira de Huberman................................................................................ 29

Quadro 5 - Número de matrículas nos Cursos Técnicos, Cursos Superiores de Tecnologia e

Ensino Médio da instituição pesquisada ................................................................... 31

Quadro 6 - Distribuição dos colaboradores por área de atividade – 2003 ................................... 31

Quadro 7 - Nível de escolaridade dos colaboradores – 2003 ......... Erro! Indicador não definido.

Quadro 8 - Modelo apresentado por Jordell (1987), quanto à socialização do professor no

início de carreira ...................................................................................................... 34

Quadro 9 - A constituição dos saberes dos professores .............................................................. 43

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LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 - Roteiro de entrevista piloto (Testado com dois professores) ...................................... 90

Anexo 2 - Roteiro de entrevista oficial (Aquele utilizado definitivamente) ................................ 91

Anexo 3 - Quadro das unidades de enumeração ou freqüência de ocorrências das

subcategorias nas entrevistas ..................................................................................................... 92

Anexo 4 - Análise de conteúdo – unidade de análise/categorias de análise................................. 93

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LISTA DE ABREVIATURAS

CST – Curso Superior de Tecnologia.

CT – Curso Técnico.

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas.

EM – Ensino Médio.

EP – Educação Profissional.

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina.

UNIVILLE – Universidade da Região de Joinville.

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RESUMO

No contexto escolar da Educação Profissional, o vínculo entre teoria e prática converge para contextualizar e proporcionar a aprendizagem aos estudantes de tecnologia. A prática, como metodologia de ensino, fundamentava o processo de ensino-aprendizagem das Escolas de Educação Profissional até final da década de 80. A partir da década de 90, a demanda por mão-de-obra qualificada com a implantação do Sistema da Qualidade, representada pela ISO, Programa Nacional de Qualidade – PNQ, passaram a nortear as novas preocupações referentes à metodologia de ensino. A aptidão para resolver problemas utilizando novas soluções cognitivas e a necessidade de novas habilidades e posturas diante dos desafios profissionais e pessoais começam a integrar os requisitos para a eficácia do trabalho. A ação pedagógica do professor de EP torna-se indispensável para o desenvolvimento de competências necessárias ao ingresso e permanência do estudante no setor produtivo. Neste contexto, é o professor de EP o sujeito desta pesquisa de mestrado, que tem como objetivo central investigar quais são as dimensões constitutivas da profissionalidade dos professores desta modalidade de ensino. O eixo teórico da pesquisa foi constituído a partir de Tardif, Pimenta, Sacristán, Placco e Contreras, que discutem o conceito de profissionalidade docente e por Cunha, Peterossi e Kuenzer sobre a Educação Profissional. Para a pesquisa de campo, foram selecionados dez professores de uma Escola de Educação Profissional da cidade de Joinville. Utilizou-se como instrumento de pesquisa, a entrevista semi-estruturada. Para a entrevista, lançou-se mão de um roteiro que serviu como parâmetro para a “conversa”. Para a análise das narrativas dos entrevistados, a técnica utilizada foi a análise de conteúdo. Nas categorias de pesquisa, foram analisadas as seguintes dimensões constitutivas da profissionalidade dos professores de EP: percurso acadêmico, representado pela formação escolar dos entrevistados e o aproveitamento destes conhecimentos na prática da sala de aula; percurso profissional, apresentando a trajetória profissional dos professores pesquisados e a possível interferência desta trajetória na constituição da profissionalidade docente; momento de ingresso na docência, averiguando o modo como se deu a opção pela docência; fontes de aprendizagem, expondo as fontes utilizadas pelos professores para a aprendizagem da ação docente, os caminhos e recursos utilizados na constituição do fazer docente e do ser professor; significados da profissão professor, abordando o significado atribuído pelo professor de EP à profissão de professor; e identidade profissional – instrutor ou professor, analisando o modo de reconhecimento do professor de EP. A pesquisa apresenta considerações fundamentais sobre a trajetória acadêmica e profissional dos professores de EP e, evidenciou que estas instâncias da história pessoal são alicerçadas em conhecimentos pragmáticos. A docência não se configura enquanto uma escolha profissional que se define quase ao acaso. Entretanto, diante da falta do planejamento profissional para a docência, os professores investigados enfatizam, nas narrativas, uma significativa satisfação ao exercer a profissão professor. Os entrevistados explicitam interesse em aprender e debater sobre o processo de ensino-aprendizagem. A formação continuada dos professores que atuam na EP precisa ser organizada de forma a corresponder com a efetiva aprendizagem docente. Esta pesquisa pode indicar algumas pistas tanto para os professores que atuam na EP, quanto para possíveis delineamentos das políticas de formação nesta modalidade de ensino. Palavras-chave: Educação Profissional; Saberes Profissionais; Profissionalidade Docente;

Trajetória Acadêmica Profissional.

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ABSTRACT

In the Professional Education school context, the relation between theory and practice converges to contextualize and to provide the learning to the technology students. The practice, as teaching methodology, based the teaching-learning process of the Professional Education Schools until the end of 80th decade. From the 90th decade, the demand for qualified labor, with the introduction of the Quality System, represented by ISO, Quality National Program (PNQ), started directing the new worries concerned to the teaching methodology. The aptitude to solve problems using new cognitive solutions and the necessity of new skills and attitudes when facing the professional and personal challenges start to make part of the requirements to the work efficiency. The pedagogical action of the PE teacher is indispensable to the development of competences that are necessary to the entering and to the remaining of the student at the production setor. According to this context, the PE teacher is the subject of this master research, whose central objective is investigating which are the dimensions that form the professionalism of the teacher of this teaching modality. The research theoric exle was constituted from Tardif, Pimenta, Sacristán, Placco and Contreras, that discuss the teaching professionalism conception, and from Cunha, Peterossi and Keuzer on the Professional Education. For the fieldwork, it were selected ten teachers of a Professional Education School of Joinville city. It was created and used as research instrument, the semi-structured interview. For the interview, it was used an itinerary that served as standard to the “chating”. For the analysis of the interviewees’ reports, the used technique was the content analysis. At the research categories, it were analysed the following dimensions that constitute the PE teachers’ professionalism: academical course, represented by interviewees’ scholastic formation and the utilization of these knowledges in the classroom’s practice; professional course, representing the professional way of the interviewed teachers and its interference in the constitution of their professionalism; moment of starting in teaching, inquiring the way in which the option for teaching emerged; learning sources, exposing the sources used by teachers to learn the teaching actions, the ways and the resources used in the constitution of the teaching practices and of the own teacher; meanings on the teacher profession, approaching the meaning given by the PE teacher to the teacher profession; and professional identity – instructor or teacher, making an analysis on the way of recognition of the PE teachers. The research presented important considerations about PE teachers' academical life. It howed that these moments of their personal experience are based on pragmatical knowledges . The teaching isn't a professional choice but it is an activity which emerges by chance. However, the interviewed teachers say even lacking professional planning for teaching, they are satisfied with their job choice. The interviewers let clear their interest in learning and debating about the teaching - learning process. The PE teachers' will of learning requires organization to achieve these professional levels. These professionals should not be left without complete graduation programs.This research may indicate some steps for teacher who teach at PE as those ones who intend to be a PE teacher . Otherwise, this research may show some ways for the graduation policies of this teaching modality.

Key-words: Professional Education; Professional Knowledges; Teaching Professionalism;

Academic and Professional Trajectory.

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SUMÁRIO

LISTA DE QUADROS............................................................................................................. vi

LISTA DE ANEXOS............................................................................................................... vii

LISTA DE ABREVIATURAS...............................................................................................viii

RESUMO.................................................................................................................................. ix

ABSTRACT............................................................................................................................... x

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 12

1 ASPECTOS METODOLÓGICOS...................................................................................... 18

1.1 A Pesquisa........................................................................................................................... 18

1.2 A Seleção dos Entrevistados................................................................................................ 19

1.3 As Entrevistas ..................................................................................................................... 21

1.4 A Trajetória dos Entrevistados............................................................................................. 21

1.5 O Plano de Análise .............................................................................................................. 22

1.6 Caracterização dos Entrevistados......................................................................................... 25

1.7. O Campo de Pesquisa – A INSTUIÇÃO PESQUISADA.................................................... 30

2 REVISITANDO OS AUTORES.......................................................................................... 33

2.1 Socialização: O Início da Carreira Docente.......................................................................... 33

2.2 O Conceito de Profissionalidade.......................................................................................... 36

2.3 O Conceito de Saber............................................................................................................ 39

2.4 Os Saberes da Docência ...................................................................................................... 41

3 ANÁLISE DAS NARRATIVAS DOS PROFESSORES INVESTIGADOS ...................... 44

3.1 Percurso Acadêmico............................................................................................................ 44

3.2 Percurso Profissional ........................................................................................................... 52

3.3 Momento do Ingresso na Docência ...................................................................................... 58

3.4 Fontes de Aprendizagem – Constituição da PROFISSIONALIDADE Docente.................... 62

3.5 Significados e sentidos atribuídos À Profissão Professor ..................................................... 69

3.6 Identidade Profissional: Instrutor ou Professor..................................................................... 73

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 80

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 86

ANEXOS.................................................................................................................................. 89

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INTRODUÇÃO

No Brasil, a Escola de Educação Profissional, surge com o objetivo de formar mão-de-

obra qualificada. A partir da Segunda Guerra Mundial, com o fechamento das fronteiras e a

conseqüente suspensão da mão-de-obra qualificada, que era “importada” principalmente da

Europa, emerge, no contexto nacional, a necessidade de se implantar estratégias para a

geração de capital humano qualificado e atender às demandas de crescimento industrial

interno.

Em âmbito mundial, a implantação da Escola de Educação Profissional começou a

partir do século XIX ao passo que, no Brasil, este processo somente teve início nos primeiros

anos do século XX, mas precisamente em 1909, com as escolas dos aprendizes artífices. Esta

Educação Profissional de outrora, inspirada no trabalho manual, constituía o processo de

ensino-aprendizagem da construção de peças de artesanato e incluía a formação para as

profissões de sapateiro e alfaiate, por exemplo. Com a chegada das tecnologias, para atender

às necessidades das ferrovias, das empresas automobilísticas, da microeletrônica e demais

atividades, a escola de Educação Profissional manteve-se muito próxima do contexto social e

organizacional, com a missão de atender a esta demanda.

Em termos de legislação, analise-se a Lei de Diretrizes e Bases nº 5692/71, uma das

mais importantes no cenário educacional, que tornou o Ensino Técnico compulsório à maioria

dos jovens, no antigo Segundo Grau. Esta legislação previa, ao jovem, a possibilidade de dois

acessos: o acesso aos cursos técnicos e ao científico. Os jovens mais abastados, comumente,

se encaminhavam para o científico, que era destinado à aprovação nos vestibulares. As

disciplinas propedêuticas, tais como Biologia, Física, História, Química, Língua Portuguesa e

Literatura, Língua Estrangeira, Matemática e Geografia, constituíam a formação destinada à

preparação cultural desses jovens, geralmente oriundos da elite.

Na contramão desta ampla formação, encontrava-se a matriz curricular dos cursos

técnicos, que previa uma carga horária bastante reduzida para as disciplinas citadas

anteriormente. O objetivo dos cursos técnicos era preparar o jovem para ingressar no mercado

de trabalho. A carga horária reduzida para as disciplinas propedêuticas tornava-se

praticamente impeditiva de aprovação no vestibular. Acrescida a esta desvantagem, a

precariedade nos laboratórios dos cursos técnicos era outro aspecto lamentável. Em outras

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palavras, pode-se dizer que pairava uma obrigatoriedade em relação à oferta de cursos

técnicos, sem que existissem os devidos recursos para o seu adequado funcionamento.

Manfredi (2002, p. 95) para elucidar esta questão,

A política educacional do Estado Novo legitimou a separação entre o trabalho manual e o intelectual, erigindo uma arquitetura educacional que ressaltava a sintonia entre a divisão social do trabalho e a estrutura es, isto é, um ensino secundário destinado às elites condutoras e os ramos profissionais do ensino médio destinados às classes menos favorecidas.

Neste tocante, a pesquisadora recorda que, na escola pública estadual em que estudou,

no primeiro ano do antigo Segundo Grau, os cursos técnicos de Contabilidade, Secretariado e

Auxiliar de Administração aconteciam sem os devidos recursos tecnológicos necessários para

o conhecimento da prática do trabalho.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, de 1996, é a responsável por

apresentar, pela primeira vez, artigos específicos para a Educação Profissional. O Decreto nº

2.208/971 regulamenta os artigos 39, 40, 41 e 422 da LDB e possibilita, conforme o artigo 93,

que os docentes sejam selecionados a partir da sua experiência profissional.

Apesar do despropósito deste decreto ao “descoralizar”4 a Educação Profissional, a

partir do momento em que cindiu Ensino Médio e Educação Profissional5, é notável a atual

movimentação para discutir propostas para esta modalidade de ensino. Serve de ilustrativo

deste “início de conversa” o seminário ocorrido em Brasília, em 2003, com a temática

1 Utiliza-se este decreto em virtude da época em que ocorreu a pesquisa, ou seja, mesmo sabendo da revogação em 23/07/2004 pelo Decreto 5154/2004. 2 Art. 39 – A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Parágrafo único: O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional. Art. 40 – A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho. Art. 41 – O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos. Parágrafo único – Os diplomas de cursos de educação profissional de nível médio, quando registrados, terão validade nacional. Art. 42 – As escolas técnicas e profissionais, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade (BRASIL, jan. 2001, p. 29-30). 3 Art. 9 – As disciplinas do currículo do ensino técnico serão ministradas por professores, instrutores e monitores selecionados, principalmente, em função de sua experiência profissional, que deverão ser preparados para o magistério, previamente ou em serviço, através de cursos regulares de licenciatura ou de programas especiais de formação pedagógica. Parágrafo único. Os programas especiais de formação pedagógica a que se refere o caput serão disciplinados em ato do Ministério de Estado da Educação e do Desporto, ouvido o Conselho Nacional de Educação. 4 Para esta discussão, ler Kuenzer (1997 e 2001). 5 Na Educação Profissional, poderão ingressar estudantes que estejam cursando ou sejam egressos do Ensino Médio.

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“Educação Profission al: concepções, experiências, problemas e propostas”. Vale salientar

que, por muitos anos, o tema esteve à margem das preocupações dos setores governamentais,

revelando o descaso com a necessidade de políticas públicas que regulamentassem e

proporcionassem a valorização desta modalidade de ensino no cenário educacional.

Falar na valorização desta modalidade de ensino talvez implique direta e inicialmente

discutir sobre a formação dos professores que atuam na Educação Profissional, um dos

possíveis pontos-chave da questão, uma vez que estes profissionais geralmente advêm de

cursos de tecnologia e não são preparados para lecionar. A técnica do ‘fazer’ é parte da

cultura dos professores de Educação Profissional, visto que, desde a criação das escolas de

Educação Profissional, o critério de contratação dos professores passou a assentar-se na

experiência da indústria. A cultura da técnica do fazer ‘também’ foi intensificada pela política

de formação dos estudantes das escolas profissionalizantes, fundada em um modelo taylorista6

de sociedade.

Nas escolas de Educação Profissional, a prática pedagógica foi, por muito tempo,

constituída pelo estudo dirigido e, após esta fase, pelo ensino individualizado. Ambos exigiam

do professor apenas o conhecimento prático, ou seja, a experiência industrial, pois as aulas

chegavam às mãos dos professores planejadas e com os passos de aplicação. Era apenas

seguir o modelo destes módulos de aprendizagem, ou melhor, módulos de ensino, antiga

metodologia utilizada pelas escolas de Educação Profissional.

Porém, a instituição pesquisa é uma escola que tem como característica o

acompanhamento em relação às tendências do mercado industrial e social, sempre procurando

atualizar a sua prática pedagógica. A missão a que a instituição pesquisada se propõe, nos dias

de hoje, é a de contribuir para o fortalecimento da indústria e o desenvolvimento pleno e

sustentável do país, por meio da Educação Profissional e dos Serviços Técnicos e

Tecnológicos. Neste contexto, a preocupação com o corpo docente é um dos pilares de

manutenção do crescimento e qualidade no processo de ensino-aprendizagem preconizado

pela instituição.

O corpo docente da Educação Profissional precisa estar consciente de que as

exigências dos tempos atuais não são mais as mesmas de outrora, de que o período que

desponta vem trazendo consigo muitas mudanças sociais e o surgimento sempre constante de

novas tecnologias, e de que isso tudo implica a necessidade de outros saberes, para além do

“Essa proposta pedagógica foi , ao longo dos anos, reconhecidamente orgân ica às demandas de uma sociedade cujo modo dominante de produção, a partir de uma rigorosa divisão entre as tarefas intelectuais e as operacionais, catacterizava-se por tecnologia de base rígida, relativamente estável” (KUENZER, 2001).

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‘fazer’. Os professores da Educação Prof issional precisam estar engajados com a formação de

estudantes menos unilaterais, que aprendam, além da dimensão técnica, a ser, a conviver, a

inovar, a criar, a aprender etc. Enfim, o perfil do professor desta modalidade de ensino (e não

somente este) deve acompanhar as transformações do contexto nacional e internacional da

atualidade.

Estas transformações foram percebidas por esta pesquisadora, a partir de 1996, quando

foi convidada para atuar em uma escola profissional na função de Assistente Educacional.

Percebeu-se, então, a mudança no valor dado aos conhecimentos práticos. Vale destacar que,

durante o período em que a pesquisadora esteve na indústria, entre 1986 e 1991, o

reconhecimento pelo tipo de saber que primava pelo ‘fazer’ era predominante. Ap ós cinco

anos, a contar do último ano em que a pesquisadora esteve na indústria, a discussão começava

a se centrar na valorização do aprender para construir e reconstruir os saberes práticos e a

escola a se tornar um elemento fundamental para a aprendizagem de novos saberes. Em outras

palavras, a Educação Profissional começava, finalmente, a ser vista como um meio para

atingir um fim e não mais como um fim em si mesma.

Tudo isso corroborou a formulação do problema deste estudo, mas outros aspectos

merecem menção. Esta pesquisadora, até o momento do convite para a referida função, jamais

havia tido contato ou visitado uma escola com o perfil de profissionalização. Chamou a

atenção da pesquisadora, na primeira visita que fez à instituição para a entrevista de trabalho,

o fato de não haver crianças correndo pelo pátio, o ambiente formal e sério, as paredes sem o

colorido com o qual estava acostumada a ver no colégio em que trabalhava anteriormente.

Percebeu, também, o elevado número de professores homens pelos corredores, nas salas de

aula, na sala de professores e nos laboratórios. Nunca havia visto tanta máquina e

equipamento de uma única vez.

Ao ingressar na atividade, a pesquisadora, diante da nova função, iniciou a procura por

uma literatura especializada sobre a formação de professores de cursos técnicos, mas pouco

material encontrou a respeito. As pesquisas geralmente se referiam à Educação Básica, porém

a curiosidade em relação aos aspectos que envolvem a aprendizagem da docência sempre a

mobilizou, especialmente a aprendizagem dos professores recém-contratados e iniciados na

docência que, com o passar dos anos, se “transformavam” em professores. Perguntava -se

sobre os aspectos que levavam alguns profissionais a se constituírem professores com maior

facilidade do que outros, que histórias de formação profissional e acadêmica haveria por trás

da constituição do professor de Educação Profissional.

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Combinados, os aspectos expostos até o momento, corroboraram o surgimento dos

seguintes questionamentos, norteadores desta pesquisa: Como se constitui a trajetória

acadêmica e profissional dos professores de Educação Profissional? Quais as maiores fontes

de aprendizagem para a constituição da profissionalidade dos professores de Educação

Profissional? O que, para os professores de Educação Profissional, significa a profissão

professor? Desta forma, o problema central da pesquisa é: A partir de que dimensões os

Professores de Educação Profissional da instituição pesquisada constituem a sua

profissionalidade docente?

Conforme dito antes, há oito anos que a escola de Educação Profissional é o

contexto de trabalho desta pesquisadora. Então, conhecer os professores de Educação

Profissional, represente talvez algo muito maior, no sentido de levá-la a conhecer mais sobre

este contexto, adquirir mais ferramentas para destes profissionais se aproximar e compreender

seus anseios e conflitos.

Diante disto, consolidou-se como objetivo geral desta pesquisa a investigação das

dimensões constitutivas da profissionalidade dos professores que atuam na Educação

Profissional da instituição pesquisada. Para alcançá-lo, os seguintes objetivos específicos

foram traçados: delinear a trajetória acadêmica e profissional dos professores de Educação

Profissional; investigar como estes profissionais constroem os saberes e as suas experiências

no que se refere à docência; identificar qual o significado atribuído à profissão professor pelos

profissionais investigados.

Um dos fatores que contribuiu para a escolha da instituição pesquisada7 é o seu

processo de escolarização, que vem sendo constituído por diferentes níveis de aprendizagem,

fator relacionado ao perfil dos professores contratados. A instituição pesquisada, até o ano de

1999, atuava especificamente com os cursos de nível básico: qualificação. Em 1999, iniciou

com os Cursos Técnicos, em 2001, com os Cursos Superiores de Tecnologia e, em 2003, com

o Ensino Médio. Essa gama variada de cursos e níveis oferecidos acarretou uma mudança de

enfoque na contratação de professores. Não se contrata mais o professor somente pela

experiência profissional. A formação acadêmica para a contratação é fator decisivo. Se a

“cultura da instituição pesquisada” era antes constituída pela figura do instrutor – aquele que

ensina o ‘fazer’ –, hoje a cultura é constituída pela figura do professor – aquele que ensina a

ser, a aprender, a criar, a inovar etc., que considera mais do que a dimensão meramente

7 Optou-se por não divulgar o nome da Escola de Educação Profissional pesquisada.

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técnica no processo de ensino-aprendizagem. A ‘educação por competência’ 8, que desde 2002

vem consagrando a proposta pedagógica da instituição, visa, além da habilidade do ‘fazer’, o

saber aprender e o saber ser e conviver9, aspectos imprescindíveis para a educação do século

XXI. Esta nova concepção demanda um novo perfil de professor.

Feitas todas estas considerações e elucidadas as questões que se pretende investigar,

seguem apresentadas questões de ordem estrutural deste estudo. A disposição desta

investigação conta com a divisão em três capítulos, sendo o primeiro de exposição dos

aspectos metodológicos, incluindo a abordagem sobre o tipo de pesquisa, elaboração de

roteiro para a entrevista, seleção dos entrevistados etc. O segundo capítulo10 apresenta a

revisão da literatura, versando sobre a profissionalidade docente a partir da discussão de

autores como Tardif (2002), Pimenta (2000), Sacristán (1995), Contreras (2002), Placco

(2000 e 2002), Nóvoa (1995, 1997), bem como sobre a Educação Profissional a partir de

autores como Cunha (2000, 2004), Peterossi (1994) e Manfredi (2002). O terceiro capítulo

estrutura as categorias de análise e discute sobre cada uma delas. E, por fim, seguem as

considerações finais da pesquisadora acerca da pertinência e contribuição de sua pesquisa

para os estudos sobre Educação Profissional, bem como sua auto-avaliação quanto aos

objetivos atingidos.

8 A proposta pedagógica da instituição pesquisada está pautada na ‘educação por competência’. Para entender melhor esta proposta pedagógica, sugere-se a leitura de autores como Perrenoud (1999, 2000), Perrenoud e Thurler (2002) e Ramos (2001). 9 Sobre os quatro saberes da Educação – saber aprender, saber fazer, saber ser e saber conviver – consultar Delors (2000). 10 Optou-se pela inversão na seqüência entre os capítulos de aspectos metodológicos e de fundamentação teórica com o objetivo de facilitar a leitura e a apresentação da estrutura da pesquisa.

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1 ASPECTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi realizada em uma escola profissionalizante em virtude do interesse em

estudar a constituição da profissionalidade dos professores de EP. Apesar de, na instituição

pesquisada, também existir o Ensino Médio (Educação Básica), esta modalidade de ensino

não foi pesquisada, nem os professores desta modalidade foram considerados na listagem

fornecida pelo setor de Gestão de Pessoas. Para a realização desta pesquisa, cinco momentos

foram essenciais:

I. Levantamento dos estudos teóricos sobre os saberes da docência, sobre a

profissionalidade docente, um breve histórico da instituição pesquisada;

II. Escolha do tipo de pesquisa e técnica para a análise dos dados;

III. Construção do instrumento de pesquisa, ou seja, do roteiro de entrevista;

IV. Pesquisa de campo – entrevista com os professores;

V. Análise dos dados.

1.1 A PESQUISA

A partir das entrevistas gravadas, as narrativas dos professores sobre a

profissionalidade foram transcritas. Essas narrativas foram analisadas por meio da técnica da

análise de conteúdo. Os dados foram analisados qualitativamente, com o objetivo de

identificar os significados atribuídos pelos professores em relação à profissão, os modos de

constituição da sua profissionalidade docente etc. Neste tocante, vale mencionar Sousa (2003,

p. 16), para quem “[...] quando analisamos as narrativas produzidas pelos professores,

verificamos que elas podem revelar fatos e episódios dotados de significados para a

compreensão do desempenho docente na sala de aula e na escola como um todo”.

A pesquisa configurou-se de forma qualitativa por privilegiar a análise e a

interpretação dos dados apresentados nas narrativas dos professores, o que requer um

processo mais subjetivo. Os detalhes dos dados informados pelos professores sobre as

dimensões da profissionalidade foram indicadores essenciais para a análise das narrativas.

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Novamente conforme Sousa (2003, p. 18), “[...] o trabalho com a narrativa de professores

asseguram voz aos sujeitos, possibilitando a (re)afirmação de identidades e a produção de

subjetividades geradas em meio às contradições e aos conflitos inerentes ao fazer educativo”.

A entrevista semi-estruturada foi utilizada como instrumento para a coleta de dados. A

técnica da análise de conteúdo, de acordo com o já mencionado, serviu para organizar os

dados e as categorias de análise. A análise de conteúdo é, para Bardin (1977, p. 31),

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; [...] será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações.

Para Franco (1994, p. 165), “[...] a análise de conteúdo é uma técni ca de pesquisa cujo

objetivo é a busca do sentido ou dos sentidos de um texto”. Seu ponto de partida é, conforme

ainda Franco (2003, p. 13), “[...] a mensagem, seja ela verbal (oral ou escrita), gestual,

silenciosa, figurativa, documental ou indiretamente provocada”.

1.2 A SELEÇÃO DOS ENTREVISTADOS

O processo de seleção dos professores para a realização das entrevistas foi o momento

mais delicado da coleta de dados. Dentre um número de setenta professores/instrutores,

apresentados pelo Setor de Gestão de Pessoas, em novembro de 2003, foi preciso estabelecer

critérios para selecionar um grupo menor e, ao mesmo tempo, representativo do grande grupo.

Os três critérios para a seleção dos entrevistados foram:

Critério I – Da listagem fornecida pelo Setor de Gestão de Pessoas, 80%, ou seja, 56

professores eram provenientes de cursos de bacharelado e 20%, ou seja, 14 professores eram

provenientes dos cursos de licenciaturas. Para a escolha dos entrevistados, procedeu-se da

seguinte forma: dos 80% dos professores oriundos de cursos de bacharelado, foram

selecionados aqueles representativos das diferentes áreas da instituição, atribuindo-se, a cada

professor selecionado, um número.

Critério II – Estipulou-se como critério que os professores selecionados possuíssem

carga horária mínima de 20 horas semanais na instituição. Este critério foi estabelecido

visando entrevistar professores que tivessem um número considerável de aulas na instituição.

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Acredita-se que este critério facilita na análise das dimensões constitutivas da docência, visto

que o professor que fica mais tempo na escola tem a possibilidade de ter maior interação com

os colegas professores, com a própria filosofia da escola, dentre outros aspectos importantes

para a profissão.

Critério III – Para a seleção dos professores, considerou-se, também, a

representatividade dos três níveis da Educação Profissional: nível básico, ou seja, cursos de

qualificação, requalificação e reprofissionalização; nível técnico, ou seja, cursos técnicos; e

nível tecnológico, representado pelos cursos superiores de tecnologia. Os professores

selecionados pela área de formação e pela carga horária também se incluem como

representantes dos três níveis de educação profissional previstos.

As áreas de formação da graduação não foram repetidas, de modo que a amostra ficou

da seguinte forma disposta:

¬ Informática (Prof. 4);

¬ Engenharia Civil (Prof. 10);

¬ Engenharia Elétrica (Prof. 9);

¬ Engenharia Mecânica (Prof. 2);

¬ Tecnólogo em Gestão de Processos Industriais (Prof. 5);

¬ Engenharia de Materiais (Prof. 7);

¬ Bacharel em Estudos Sociais (Prof. 3);

¬ Licenciado em Física (Prof. 1);

¬ Licenciado em Língua Portuguesa (Prof. 6);

¬ Formação no Curso Técnico em Mecânica11 (Prof. 8).

No caso de alguém não aceitar participar da pesquisa, o seguinte da relação (com a

mesma formação acadêmica, porém com uma carga horária menor em relação à estipulada)

seria convidado.

11 Este professor foi escolhido para atender o critério III, visto que é o único que atua especificamente no curso de nível básico (qualificação), neste caso Curso de Qualificação em Mecânica Industrial.

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1.3 AS ENTREVISTAS

Todas as entrevistas foram realizadas pela pesquisadora e o contato com o professor

foi feito com antecedência para explicar os objetivos da pesquisa e pedir autorização para a

gravação. Os entrevistados também foram convidados, mediante o interesse de cada um, a

fazerem a leitura da dissertação ao término da mesma. A pesquisadora procurou deixá-los à

vontade para falar durante a ‘conversa’ 12 e solicitou que indagassem diante de qualquer

dúvida em relação às questões propostas.

As conversas aconteceram na própria instituição, sempre em uma sala reservada e em

horário alternativo, conforme a solicitação dos professores. É mister ressaltar que todos os

professores se mostraram prontamente receptivos ao convite. Três dos entrevistados

declararam-se privilegiados em participar da pesquisa. Foram realizadas duas entrevistas

pilotos com os professores e algumas questões foram redimensionadas em função das

respostas apresentadas.

A entrevista foi organizada com questões semi-estruturadas, visando que esta se

desenrolasse a partir de um esquema básico, mas não rígido, permitindo ao entrevistador fazer

as adaptações necessárias (LÜDKE & ANDRÉ, 1986).

Este tipo de entrevista pareceu adequado para a proposta desta investigação, uma vez

que conferir espaço para a fala dos entrevistados, sem interromper com a pergunta seqüente,

pudesse talvez gerar mais material para a análise. Em nenhum momento, procedeu-se com o

corte da fala do entrevistado para se fazer um outro questionamento. O próprio entrevistado

sentia que esgotava a resposta e indicava, desta forma, o momento oportuno para uma nova

pergunta.

1.4 A TRAJETÓRIA DOS ENTREVISTADOS

Procurou-se analisar as falas dos entrevistados frente às respostas dadas às questões

propostas, mas também foram consideradas as narrativas que perpassaram o previsto, ou seja,

12 Considerou-se o termo ‘conversa’, utilizado por Nilda Alves ( apud COUTINHO, 2003, p. 87), no livro “A Escola tem futuro?”, bastante apropriado à pesquisa qualitativa, inclusive por estabelecer a aproximação entre pesquisador e pesquisado.

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aquilo que emergiu na conversa, para além das questões propostas. É pertinente ressaltar, no

entanto, a perda acarretada pelas ‘conversas’ gravadas no que se refere à captação do aspecto

físico do entrevistado, como, por exemplo, a expressão facial de satisfação, ao recordar o

momento de ingresso na instituição pesquisada, a expressão de humildade, quando falam dos

pedidos recorrentes de ajuda aos professores mais experientes e, até mesmo, a expressão ao

falar do enfrentamento aos familiares para assumir a profissão de professor.

Optou-se por apresentar os entrevistados como professores, apesar de não existir esta

denominação para os profissionais que atuam na Educação Profissional da instituição

pesquisada - são todos registrados como instrutores13 – em respeito à forma de auto-

reconhecimento dos entrevistados14.

1.5 O PLANO DE ANÁLISE

Após a transcrição das entrevistas, o desafio encontrado foi o de extrair, das falas dos

professores, as dimensões constituintes da profissionalidade docente. A análise de conteúdo,

conforme já mencionado, foi, então, definida como técnica para a análise dos dados. Esta

técnica possibilita ao pesquisador “[...] efetuar inferências, com base numa lógica explicitada,

sobre mensagens cujas características foram inventariadas e sistematizadas” (VALA, 1986, p.

104).

Segundo as indicações de Vala (1986), a técnica de análise de conteúdo pressupõe a

definição de três unidades de análise: unidade de registro, unidade de contexto e unidade de

enumeração. Para o autor, uma unidade de registro é o elemento constitutivo de uma

categoria. A unidade de contexto é aquela que se evidencia através da linguagem (unidade de

registro) e a unidade de enumeração é a quantificação dos dados. Em outras palavras,

Uma unidade de registro é o segmento determinado de conteúdo que se caracteriza colocando-o numa dada categoria. [...] Distinguem-se habitualmente dois tipos de unidades: formais e semânticas. No primeiro caso, podemos incluir a palavra, a frase, uma personagem, a intervenção de

13 Na instituição pesquisada, todos profissionais da Educação Profissional são registrados na carteira de trabalho como instrutores. Nesta categoria, alguns benefícios são diferentes dos conquistados pelos professores. Por exemplo: a hora/aula dos instrutores é de 60 minutos e do professor é de, no máximo, 50 minutos; há ainda a questão da aposentadoria reduzida aos professores licenciados, diferentemente do tempo para os instrutores, dentre outras questões. Apenas os profissionais que atuam no Ensino Médio são registrados como professores, em virtude da licenciatura. 14 Dentre os entrevistado, 80% se reconheceram como professores (ou seja, oito dos dez entrevistados).

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um locutor numa discussão, uma interação ou ainda um item. No segundo caso, a unidade mais comum é o tema ou a unidade de informação. [...] A unidade de contexto é o segmento mais largo de conteúdo que o analista examina quando caracteriza uma unidade de registro [...]. [...] A unidade de enumeração é a unidade em função da qual se procede a quantificação (VALA, 1986, p. 114-5).

Para facilitar a análise, elaborou-se um quadro que apresenta como as subcategorias

foram aparecendo nas falas dos professores. As subcategorias, dentro de cada categoria, foram

ordenadas segundo a unidade de enumeração – freqüência nas falas dos professores para uma

determinada pergunta do roteiro de entrevista. As categorias, por sua vez, surgiram a partir do

roteiro da entrevista, exposto em anexo. As categorias, no quadro, estão representadas pelas

letras A, B, C, D, E, F, G. As subcategorias são correspondentes às letras da categoria, porém,

como o leque de respostas foi ampliado, a representação ficou da seguinte forma: Categoria A

– subcategorias – A1, A2, A3...

Também, no quadro, para comprovar a existência das subcategorias, é apresentada a

unidade de contexto. Neste caso, as falas dos professores que corroboram esta unidade. E, na

última coluna, segue exposta a unidade de enumeração, indicador quantitativo do conteúdo

observado.

As categorias surgiram após a realização das entrevistas. Foram elencadas com o

objetivo de contemplar os aspectos mencionados pelos professores em suas respostas,

relacionando-se às questões de pesquisa. Outros aspectos, além daqueles investigados,

poderiam ter surgido durante a entrevista, porém as categorias mantiveram-se relacionadas à

proposta das questões, procurando delimitar as informações obtidas por meio das narrativas

dos entrevistados. A seguir, apresentam-se os procedimentos para a elaboração de cada

categoria.

Questão 1. Como se constitui a trajetória acadêmica e profissional dos professores de

Educação Profissional?

Para responder a este questionamento, acreditou-se que analisar os percursos acadêmico e

profissional dos professores seria suficiente para conhecer sua trajetória e a contribuição desta

na profissionalidade docente dos entrevistados. A partir da leitura de alguns autores, tais como

Jordell, Nóvoa, Tardif, Pimenta, Placco, voltou-se o olhar para as trajetórias relacionadas à

vida do professor.

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Questão 2. Quais as maiores fontes de aprendizagem para a constituição da

profissionalidade dos professores de Educação Profissional?

As fontes de aprendizagem para a constituição da profissionalidade docente foi outra

dimensão surgida a partir da leitura de Tardif, Placco e Jordell. Esta dimensão contribuiu para

conhecer as relações estabelecidas entre o professor e o meio externo, e os critérios de

apreensão e mecanismos utilizados para a aprendizagem da docência.

Questão 3. O que, para os professores de Educação Profissional, significa a profissão

professor?

Deste questionamento surgiram as seguintes categorias: momento de ingresso na docência;

significados e sentidos atribuídos à profissão professor; identidade profissional – instrutor ou

professor. Autores como Contreras, que fala sobre a obrigação moral, o compromisso com a

comunidade e a competência profissional; Nóvoa, sobre a identidade profissional conciliada à

pessoa do professor; Tardif, sobre a profissionalidade; Placco, sobre a dimensão política,

técnica e humano-interacionista, fazem acreditar que a profissão de professor não está cindida

da identidade ou da imagem que este profissional faz sobre a sua função.

Desta forma, a partir das respostas para as questões de pesquisa, as categorias foram

delineadas, conforme abaixo:

- Percurso acadêmico: interface entre a história acadêmica e a constituição da

profissionalidade, principalmente no que tange à formação de ensino médio,

técnico e de graduação. Não se desconsideraram aspectos da formação do Ensino

Fundamental, narrados pelos professores entrevistados.

- Percurso profissional: esta dimensão foi analisada a partir dos dados sobre a

escolha da profissão de professor em detrimento ao trabalho na indústria. As

experiências profissionais também são referenciais de constituição da

profissionalidade docente.

- Momento de ingresso na docência: interessa aqui descobrir desde quando os

professores pensavam em ingressar na docência e, talvez, descobrir os motivos que

os levaram e os fizeram permanecer na profissão. Este momento de ingresso e/ou a

permanência na profissão também faz parte da constituição deste profissional.

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- Fontes de aprendizagem: esta categoria refere-se às fontes utilizadas pelo

professor para a aprendizagem da docência; implica descobrir os interlocutores

que participaram (e/ou participam) da constituição da docência do entrevistado.

- Significados e sentidos atribuídos à profissão professor: esta categoria pretende

descobrir os significados (idéia de coletivo) e sentidos (idéia particular/individual)

atribuídos pelo professor à docência, os sentidos que encontram para a execução

do seu trabalho de professor na sala de aula. Estes significados e sentidos atribuem

um valor à profissão e, também, são constituintes da profissionalidade do

professor.

- Identidade profissional – instrutor ou professor: reconhecimento da profissão

de professor e, conseqüentemente, do papel desta na sociedade. Esta categoria

implica investigar a identificação do entrevistado com a profissão de professor,

podendo agregar valor (ou não) à constituição da profissionalidade docente.

1.6 CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS

O quadro a seguir se propõe a apresentar dados gerais acerca da caracterização dos

professores entrevistados.

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Quadro 1 - Caracterização dos professores entrevistados – 2003

Escolaridade

Entrevistados Idade Tempo de Docência

(anos)

Tempo de instituição

(anos)

Tempo de atividade

na indústria

(anos)

Ensino Médio

(científico)

Ensino Médio mais Curso

Técnico

Graduação ou licenciatura Pós-graduação

Prof. 1 27 5 1 3 Mecânica de Refrigeração Física

Mestrado em Engenharia de

Materiais - Física

Prof. 2 42 10 4 14 Mecânica Engenharia Mecânica -

Prof. 3 30 7 3 ½ 5 Eletromecânica Estudos Sociais

Prof. 4 32 14 1 - Mecânica Sistemas de Informação

Especialização em Gestão

Educacional e Especializando

em Novas Tecnologias aplicadas à Educação.

Prof. 5 39 16 16 1 Eletrotécnica Tecnólogo de

Processos Industriais

-

Prof. 6 50 31 27 - X - Letras

Especialização em Letras e

Mestranda em Gestão

Empresarial

Prof. 7 28 4 3 ½ - X - Química Industrial

Mestre em Engenharia de

Materiais e Doutorando em Engenharia de

Materiais. Prof. 8 51 24 15 6 Mecânica - -

Prof. 9 34 6 2 8 Informática Engenharia Elétrica

Especializanda em

Psicopedagogia

Prof. 10 30 8 1 ½ 11 Piloto de avião - AFA

Engenharia Civil e Sistemas da Informação

-

Fonte: Entrevistas realizadas pela pesquisadora.

Após a apresentação, no quadro anterior, dos dados gerais acerca dos professores

entrevistados, optou-se por detalhá-los, a partir das idéias de alguns autores. Estas idéias,

entretanto, não necessariamente foram definitivas para a análise dos dez professores de EP

entrevistados, mas servem de interessante referencial inicial no que tange à constituição da

profissionalidade docente.

Um dos autores ao qual se recorreu foi Sikes15 (1990 apud GARCÍA, 1999, p. 63-4),

formulador da teoria sobre os ciclos vitais dos professores, de acordo com a idade destes. A

síntese de sua teoria está descrita no quadro a seguir, no qual também se procede a uma

análise da representatividade dos professores entrevistados por esta pesquisadora para cada

ciclo:

15 SIKES, G. Fostering Teacher Professionalism in Schools. In R. Elmore (ed). Restructuring schools. San Francisco: Jossey – Bass, 1990b. pp. 59-96.

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Quadro 2 - Idade dos entrevistados, de acordo com a ‘Teoria sobre os Ciclos Vitais dos

Professores’

Idade/anos Nº de Professores Fase Descrição da teoria

21 a 28 1 Exploração [...] é uma fase de exploração das possibilidades da vida adulta, e de início de uma estrutura estável de vida. Os problemas de disciplina são os que mais preocupam os professores, devido à ausência de autoridade. Além disso, preocupa-os os domínios dos conteúdos. É também uma fase de socialização profissional.

28 a 33 4 Transição È uma fase da estabilidade no posto de trabalho para uns e a procura de um novo emprego para outros. Nesta fase, os professores começam a estar mais interessados no ensino do que no domínio do conteúdo.

34 a 4016 2 Estabilização [...] encontram-se num período de grande capacidade física, e intelectual, o que significa energia, implicação, ambição e confiança em si mesmos. É uma fase de estabilização, normalização, na qual os professores tentam ser mais competentes no seu trabalho e às vezes procuram a promoção.

40 a 50/55 3 - É a fase em que os professores já se adaptaram à sua maturidade, adotando novos papéis na escola e no sistema educativo. Podem ser professores que mantêm os princípios e os costumes da escola, aqueles sobre quem recaem muitas das responsabilidades, e fazem-no porque acreditam que é o que devem fazer. Contudo, esta reação não é igual para todos. Alguns professores não se adaptam às mudanças e ficam amargurados, críticos e cínicos.

Fonte: Sikes (1990 apud GARCÍA, 1999, p. 63-4).

Segundo a teoria de Sikes, pode-se constatar que os professores entrevistados

encontram-se, de acordo com suas idades, predominantemente nas três últimas fases: fase de

transição, de estabilização e fase dos 40-50/55 anos. Este resultado parece indicar que 90%

dos entrevistados já adentraram um período de maior estabilidade na profissão, ou seja, não

são mais professores que estejam “tateando” na profissão. A idade tal vez já os auxilie a

ponderar mais sobre suas atitudes e, certamente, sua maior experiência de vida sirva para

auxiliar nas decisões e estratégias pedagógicas.

Huberman (1995), por sua vez, elabora sua análise com base no tempo de docência

dos entrevistados. Para isso, apresenta fases, mediante as quais, os professores entrevistados

seguem apresentados:

16 Registra-se que para Sikes, a fase da estabilização é de 30-40, porém, para não coincidir/duplicar a idade entre os entrevistados, a pesquisadora optou por alterar para 34-40 anos.

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Quadro 3 - Análise do tempo de docência dos entrevistados

Anos de carreira Nº de Prof. Fases/temas Descrição da fase 1-3 - Entrada na

carreira ou hesitação

‘Estágio de sobrevivência’ e de ‘descoberta’. O aspecto da sobrevivência traduz o que se chama vulgarmente o ‘choque do real’, a confrontação inicial com a complexidade da situação profissional: o tatear constante, a preocupação consigo próprio (‘Estou-me a agüentar?’), à distância entre os ideais e as realidades quotidianas da sala de aula, a fragmentação do trabalho, a dificuldade em fazer face, simultaneamente, à relação pedagógica e à transmissão de conhecimentos, a oscilação entre relações demasiado íntimas e demasiado distantes, dificuldades com alunos que criam problemas, com material didático inadequado, etc. O estágio da ‘descoberta’ traduz o entusiasmo inicial, a experimentação, a exaltação por estar, finalmente, em situação de responsabilidade (ter a sua sala de aula, os seus alunos, o seu programa), por se sentir colega num determinado corpo profissional.

4-6 3 Estabilização [...] trata-se, a um tempo, de uma escolha subjetiva (comprometer-se definitivamente) e de um ato administrativo (a nomeação oficial). Num dado momento as pessoas ‘passam a ser’ professores, quer aos seus olhos, quer aos olhos dos outros, sem necessariamente ter de ser por toda a vida, mas, ainda assim, por um período de 8 a 10 anos, no mínimo.

7-25 5 Diversificação Os professores [...] seriam, assim, os mais motivados, os mais dinâmicos, os mais empenhados nas equipes pedagógicas ou nas comissões de reforma (oficiais ou ‘selvagens’) que surgem em várias escolas.

25-35 2 Serenidade e distanciamento

afetivo

[...] poderá dizer-se que o nível de ambição desce, o que faz baixar igualmente o nível de investimento, enquanto a sensação de confiança e de serenidade aumentam. As pessoas nada mais têm a provar, aos outros ou a si próprias; reduzem a distância que separa os objetivos do início da carreira daquilo que foi possível conseguir até o momento, apresentando em termos mais modestos as metas a alcançar em anos futuros.

Fonte: Huberman (1995).

Norteando-se pelas fases apresentadas por Huberman, percebe-se que a metade dos

professores entrevistados encontra-se na fase da diversificação. Nesta fase, os professores

estariam bem motivados no exercício da profissão, procurando novas formas de inovação de

práticas pedagógicas e atribuindo um valor muito significativo à profissão de professor. Outro

fator interessante é que os professores já atravessaram a fase da estabilização, ao que parece,

tendo assumido a sala de aula como o novo espaço de trabalho. Esta análise é significativa

visto que o professor de Educação Profissional, antes de assumir a docência, é um profissional

do mercado industrial e que, a partir da fase de estabilização, passa a existir a possibilidade

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deste tirar a “vestimenta de engenheiro”, como se referenciou o PROF. 2 entrevistado, e se

assumir ou se visualizar com a “vestimenta de professor”.

Outra análise possível é a de transposição das fases de tempo de carreira descritas por

Huberman para o tempo de trabalho dos entrevistados na instituição pesquisada, donde

obteve-se o seguinte resultado:

Quadro 4 - Tempo de atuação dos entrevistados na instituição pesquisada, de acordo com os

dados de tempo de carreira de Huberman

Anos de instituição Número de Professores Fases/temas 1-3 4 Entrada na carreira ou hesitação 4-6 3 Estabilização

7-25 2 Diversificação 25-35 1 Serenidade e distanciamento

afetivo Fonte: Huberman (1995).

Analisando-se este quadro, a instituição pesquisada possui, dentre os entrevistados,

quatro professores na fase de entrada/tateamento, ou seja, na fase de conhecer a escola, no

início do ciclo de carreira na instituição, estágio este considerado como de ‘sobrevivência e

descoberta’ por Huberman. Três professores encontram -se, conforme o tempo de atuação na

referida instituição, na fase da estabilização, ou seja, na fase de assumir a docência como

profissão. Outros dois professores estão na fase da diversificação – fase da motivação,

dinamismo e inovações pedagógicas – e um professor encontra-se na fase descrita por

Huberman (1995) como da serenidade e distanciamento afetivo, ou seja, a fase em que o

profissional tem mais discernimento sobre a profissão e houve um rebaixamento da ansiedade.

Apesar desta última análise, não se tem a certeza que as fases de Huberman possam

ser transpostas para o momento em que o professor muda de instituição. Supõe-se, no entanto,

que, excluindo a fase de estabilização, aquela do reconhecimento da profissão professor, as

demais fases possam ser reiniciadas em novas instituições de trabalho, ainda que de forma

mais branda. Parece difícil que o professor não passe, ao menos, pela fase de

entrada/tateamento quando entra em uma nova instituição.

Não com o intuito de quantificar, mas de realizar uma análise mais profunda dos dados

da tabela de tempo de atuação na instituição pesquisada, percebe-se que sete, dentre os dez

professores entrevistados, ou seja, que 70% deles possui entre um e dez anos de docência na

instituição, sendo que a maioria possui menos de cinco, conforme dados do quadro IV. Com

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tempo entre onze e vinte anos, há um professor (10%) e, entre vinte e um e trinta e um anos,

há dois professores (20%). O número de sete professores que atuam na instituição há um

período de um a cinco anos representa o elevado número de contratações que foram realizadas

a partir de julho de 2003.

1.7. O CAMPO DE PESQUISA – A INSTUIÇÃO PESQUISADA17

A instituição pesquisada iniciou as atividades no município de Joinville, como uma

Unidade de Formação Profissional, com programas de Formação Industrial na área Elétrica e

Mecânica.

Na sua evolução, a instituição transformou-se em Centro de Formação Profissional,

tornando-se referência na preparação de recursos humanos para a indústria metal-mecânica da

região.

A instituição foi instalada numa área de 20.000 m2 de terreno, com 4.500 m2 de área

construída, contando com um parque de equipamentos e laboratórios da área metal-mecânica.

A instituição tornou-se, então, fundamental no processo de preparação de profissionais

na região, diversificando suas ações de qualificação e aperfeiçoamento voltados à mecânica

geral, ferramentaria, marcenaria, tornearia predial e industrial e mecânica automotiva.

Até final de julho de 2003, a instituição pesquisada tinha um total de setenta

funcionários (incluindo administrativos e professores), mas encerrou o ano com cento e vinte

e quatro funcionários, sendo que, até o final de fevereiro de 2004, já compunham o quadro de

profissionais da instituição cento e setenta e seis colaboradores. Este fator representa o

crescimento de estudantes na instituição. Pode-se dizer que o aumento do número de

estudantes e cursos na instituição pesquisada foi extremamente significativo para isso,

conforme se pode visualizar no quadro a seguir.

17 Vários dados deste subcapítulo foram extraídos de um texto recebido da secretaria da instituição, porém, sem autor e data. Trata-se de um documento/texto que não está disponível para a comunidade.

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Quadro 5 - Número de matrículas nos Cursos Técnicos, Cursos Superiores de Tecnologia e Ensino Médio na instituição.

Anos/cursos 2000 2001 2002 2003 2004 Cursos Técnicos 391 599 964 1.185 1.555 Cursos Superiores de Tecnologia 42 82 155 387 565 Ensino Médio - - - 120 300 Total 433 681 1.119 1.692 2.420 Fonte: Secretaria da instituição (2000-2004).

Estes dados justificam o aumento de contratação dos professores para atender os novos

estudantes que ingressaram na instituição. A instituição, especificamente, conta atualmente

(2004) com 2.420 estudantes matriculados e distribuídos nos Cursos Técnicos - CTs, Cursos

Superiores de Tecnologia - CSTs e Ensino Médio - EM. Vale ressaltar que vários cursos

foram aprovados para atender e diversificar a oferta de vagas à comunidade.

Abaixo, apresentam-se dados da instituição, quanto à distribuição dos colaboradores

no ano de 2003 e 2004. Estes dados podem ser conciliados com os dados apresentados sobre

o aumento do número de matrículas nos CTs, CSTs e EM. Certamente, o aumento de

estudantes na instituição é fator relacionado à ampliação das modalidades de ensino.

Quadro 6 - Distribuição dos colaboradores por área de atividade – 2003 - 2004

Atividade meio Número de colaboradores - 2003

Número de colaboradores - 2004

Docentes 124 226 Fonte: Setor de Gestão de Pessoas (2003-2004).

Em 2003, a instituição registrou 124 colaboradores, número aproximadamente 82%

superior ao total da força de trabalho em 2003. Este crescimento se deveu à contratação de

professores horistas que, até então, eram terceirizados. Tal adequação buscou, conforme

decisão da instituição, melhorar as relações institucionais com estes profissionais, incluindo-

os no quadro pessoal, com o objetivo de fortalecer a cultura de qualidade e excelência da

instituição.

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Pretende-se frisar que, a instituição, sempre esteve preocupada em atender e

acompanhar as tendências do mercado de trabalho. O investimento no professor, através de

cursos e treinamentos, sempre foi uma prática constante.

Conforme já visto, a instituição vem redirecionando, atualmente, sua atividade para

além dos conhecimentos práticos, mas também o próprio discurso governamental vem, aos

poucos, voltando os olhares para a Educação Profissional, como pode ser percebido na

Proposta de Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica transcrita abaixo:

A educação profissional e tecnológica, em termos universais, e, no Brasil, em particular, reveste-se cada vez mais de importância como elemento estratégico para a construção da cidadania e para uma melhor inserção de jovens e trabalhadores na sociedade contemporânea, plena de grandes transformações e marcadamente tecnológica. Suas dimensões, quer em termos conceituais quer em suas práticas, são amplas e complexas, não se restringindo, portanto a uma compreensão linear, que apenas treina o cidadão para a empregabilidade, e nem a uma visão reducionista, que objetiva simplesmente preparar o trabalhador para executar tarefas instrumentais. No entanto, a questão fundamental da educação profissional e tecnológica envolve necessariamente o estreito vínculo com o contexto maior da educação, circunscrita aos caminhos históricos percorridos por nossa sociedade (BRASIL, 2003, p. 9).

Este contexto de crescimento e transformação representa explicitamente as mudanças

ocorridas a partir da década de 90, quando o Ex-Presidente da República Fernando Collor de

Mello deu início ao processo de comercialização dos produtos internacionais no Brasil. A

partir de então, a demanda pela mão-de-obra qualificada, para melhorar a produção de

produtos nacionais, capazes de competir e se igualar com os produtos do mercado

internacional, passou a representar um grande desafio para a população de trabalhadores não

acostumados à outra exigência além da força de trabalho.

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2 REVISITANDO OS AUTORES

2.1 SOCIALIZAÇÃO: O INÍCIO DA CARREIRA DOCENTE

A entrada do professor no portão da escola pode-lhe causar receios e tensões ao iniciar

na docência. O professor deixa a sala de aula de formação inicial e inicia na sala de aula com

suas teorias, dúvidas e receios típicos de quem assume, de maneira oficial, a profissão de

professor. Segundo Contreras18 (apud GARCIA, 1999, p. 113),

[...] os primeiros anos de ensino são especialmente importantes porque os professores devem fazer a transição de estudantes para professores, e por isso, surgem dúvidas, tensões, sendo necessário adquirir um conhecimento e competência profissional adequados num curto espaço de tempo.

É nesse período que o profissional depara-se com o conflito de que precisa ensinar e a

incerteza de como acertar. Neste período inicial, o professor utiliza-se de recursos pessoais e

sociais para ‘alimentar’ sua profissão. Iniciar a carreira docente traz tensões e angústias

típicas da dificuldade de direcionar um barco sem bússola.

Garcia (1999) afirma que, no primeiro ano de carreira, os professores ainda não

possuem sua identidade profissional, e que, durante o segundo e o terceiro ano de profissão,

ainda estão tentando encontrar a própria identidade pessoal e profissional.

No entanto, para corresponder às expectativas, tanto da escola quanto pessoal, o

professor começa a atuar, na sala de aula, imitando modelos já memorizados pelas instituições

escolares que freqüentou ou mesmo observando os modelos pedagógicos de colegas que estão

ao seu redor. Valli19 (apud GARCIA, 1999, p. 114) afirma que,

[...] os problemas que mais ameaçam os professores principiantes são a imitação acrítica de condutas observadas noutros professores; o isolamento dos seus colegas; a dificuldade em transferir o conhecimento adquirido na sua etapa de formação e o desenvolvimento de uma concepção técnica do ensino.

18 Dados de identificação do autor não encontrados nas referências do livro do Garcia. 19 Dados de identificação do autor não encontrados nas referências do livro do Garcia.

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Jordell20 (1987, apud GARCIA, 1999) ilustra seu pensamento, quanto à socialização

do professor no início de carreira, a partir do modelo baseado em quatro níveis de influência

na socialização dos professores principiantes: dimensão pessoal, de classe, institucional e

social. A seguir, está apresentado o modelo do autor:

Quadro 8 - Modelo apresentado por Jordell (1987), quanto à socialização do professor no

início de carreira

Fonte: Jordell (1987 apud GARCIA, 1999, p. 117).

20 JORDELL, K. Structural and Personal Influences in the Socialization of Beginning Teachers. Teaching and teacher Educacion, v. 3, n. 3, pp. 165-177, 1987.

Estrutura Econômica Estrutura Social Estrutura Política Nível social

Currículo Aparelhos administrativo e judicial Sistema de objetivos Modelo e sistema de normas formais Governo Restrições e regulamentos

Colegas, pais, administradores

__________________________________________________________________

Nível institucional

PROFESSOR

Crenças, teorias do professor Pensamentos interativos do professor Planificação do professor Conduta do professor na classe

Experiências na formação de professores Experiências como aluno

Rendimento do estudante Conduta do estudante

Nível da

classe

Nível Pessoal

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Detalhando o quadro anterior, a partir de Jordell (1987 apud GARCIA, 1999),

entende-se que o primeiro nível de influência na profissão dos professores é a representação

que estes têm da figura de professor. Segundo o autor, este primeiro momento da carreira do

professor iniciante é reconhecido como nível pessoal. Neste momento, as experiências

anteriores do professor, assim como as experiências retidas na formação inicial, constituem as

ações iniciais do professor no contexto escolar.

O segundo nível que influencia na constituição da profissão é o nível de classe. Os

fatos relacionados com a sala de aula representam este nível. Para Jordell (1987 apud

GARCIA, 1999, p. 18), “[...] os estudantes, o ambiente da classe, a interação na aula são

elementos que influenciam na socialização dos professores iniciantes”.

O terceiro nível é o nível institucional. As situações que ocorrem com os colegas

professores, direção, coordenação, orientação e pais fazem com que o professor se aproprie

destas experiências vividas para si e se construa na docência.

O último e mais “discreto” nível que influencia os professores iniciantes está

relacionado às questões de estrutura econômica, social e política na qual a escola está

inserida. Para Jordell (1987 apud GARCIA, 1999), este último nível encontra-se distante e

oculto, ou seja, com baixa possibilidade de influenciar o professor iniciante, porém, não deve

ser descartado.

Faz-se considerável destacar a extrema relevância do nível pessoal, no que se refere à

incorporação de modelos de professores que atravessaram a vida no professor em início de

carreira. Na retrospectiva da história de estudante, o professor destaca aqueles personagens

que foram significativos e, a partir destes modelos de professores, elege as melhores práticas

para colocá-las em ação. Mesmo as experiências negativas, ou seja, atitudes que não servem

como referência, são analisadas sob o ponto de vista de não se incorrer no erro dos antigos

professores.

Exemplos de professores agressivos, sarcásticos, debochados podem ser ignorados por

aqueles que iniciam na docência, porém não há garantia da não repetição destes modelos.

Existem professores que, quando assumem a docência, sentem a necessidade de

extravasar/exteriorizar situações sofridas com maus professores. Mas não é objetivo deste

estudo se estender nesta discussão.

Os níveis propostos por Jordell certamente influenciam na constituição da

profissionalidade dos professores de Educação Profissional. O modelo deste autor será

utilizado como base para a análise das categorias na continuidade do trabalho, a fim de

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identificar como estes níveis estão implicados na constituição da profissionalidade do

professor e a possível menção destes níveis nas narrativas dos professores.

2.2 O CONCEITO DE PROFISSIONALIDADE

A formação profissional do professor é construída por diversificadas experiências que

compõem e fundamentam a prática pedagógica. Construir-se professor requer, desde a

formação inicial, a constante reflexão do que se faz, como se faz e como deveria ser feito.

Esse movimento de construir e reconstruir a prática pedagógica resulta no processo dialético

que norteará a formação profissional.

Uma vez que o objeto de pesquisa é a constituição da profissionalidade dos

professores de Educação Profissional, segue apresentado o esclarecimento deste conceito.

Sacristán (1995, p. 65) entende a profissionalidade como,

[...] a afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor. A discussão sobre a profissionalidade do professor é parte integrante do debate sobre os fins e as práticas do sistema escolar, remetendo para o tipo de desempenho e de conhecimentos específicos da profissão professor.

Popkewitz21 (1986 apud SACRISTÁN, 1995) declara existirem três fatores que

contribuem para a prática pedagógica do professor, isto é, fatores que constituem o fazer

docente. O autor considera o contexto propriamente pedagógico, o contexto profissional dos

professores e o contexto sócio-cultural. O primeiro está representado pela efetiva prática da

docência, aquelas adquiridas no fazer pedagógico, diário ou de rotina. O segundo refere-se ao

contexto da classe docente, ou seja, o fazer individual que se torna coletivo e é pinçado para o

campo individual. Em outras palavras, a classe de professores legitima determinadas ações

que constituem o específico de ser professor. O terceiro aspecto é representado pelo contexto

sócio-cultural, ou seja, os conteúdos e os valores eleitos pela própria cultura e legitimados

pela sociedade como o acervo fundamental para a formação dos estudantes. Estes conteúdos e

valores referenciam a prática docente e são validados pelos professores. Certamente que o

21 POPKEWITZ, T. “The social contexts of schooling, change and educacional research”. In Recent developments in curriculum studies [Ph. Taylor, ed.]. Windsor: NFER-Nelson, 1986, pp. 205-232.

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professor interage e ressignifica estes aspectos, porém, estes se constituem em situações

norteadoras da prática pedagógica.

Para Contreras (2002), a profissionalidade se refere às qualidades da prática

profissional dos professores em função das exigências do trabalho educativo. Nesta

perspectiva, falar de profissionalidade significa, “[...] não só descrever o desempenho do

trabalho de ensinar, mas também expressar valores e pretensões que se deseja alcançar e

desenvolver nesta profissão” (CONTRERAS, 2002, p. 74).

Para atender os requisitos da profissionalidade docente, Contreras (2002) apresenta

três dimensões constitutivas deste conceito:

I. A obrigação moral. Esta primeira dimensão é derivada do fato de que o ensino supõe

um compromisso de caráter moral para quem o realiza.

II. O compromisso com a comunidade. Esta segunda dimensão é derivada da relação

com a comunidade social na qual os professores devem realizar a prática profissional. Para

Contreras (2002), a educação não é um problema da vida privada do professor, mas uma

ocupação socialmente encomendada e responsabilizada publicamente.

III. A competência profissional. A obrigação moral dos professores e o compromisso

com a comunidade requerem uma competência profissional coerente com ambos. Segundo

Contreras (2002), há que se falar de competências profissionais complexas que combinam

habilidades, princípios e consciência do sentido e das conseqüências das práticas pedagógicas.

Como dimensão constitutiva da formação e prática do professor, discute-se também o

conceito de sincronicidade de Placco. A autora denomina sincronicidade do educador,

[...] a ocorrência crítica de componentes políticos, humano-interacionais e técnicos, que se traduz em sua ação, ocorrência essa que gera movimento que é ação de e entre professor-aluno-realidade. [...] A sincronicidade, concebida desta forma, não representa um estado do professor, mas um processo interno, mediador da ação pedagógica (PLACCO, 2002, p. 18).

Nesta perspectiva, segundo a referida autora, a sincronicidade se dá a partir de três

dimensões, que se complementam e não se excluem, funcionando de forma dinâmica:

Dimensão política: revela-se pela relação ética do educador com a realidade social mais ampla; pela busca de um relacionamento entre o que faz e a realidade do aluno; pela percepção de seu papel social e do papel social do aluno; pela busca em conhecer e analisar criticamente a realidade, buscando contextualizar o conteúdo programático e as formas de trabalho que desenvolve, para garantir a pertinência social de seus objetivos educacionais e sua responsabilidade diante da formação.

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Dimensão humano-interacional: revela-se pela relação socioafetiva e cognitiva que o educador busca construir entre ele e o aluno e entre aluno-aluno, pela observação e busca de conhecimentos da vida, do desenvolvimento e da aprendizagem do mesmo, pela preocupação em construir o grupo de educadores e educandos, garantindo um trabalho integrado e cooperativo na escola. Dimensão técnica: revela-se pelo conhecimento do educador em relação aos conteúdos e técnicas de sua área de trabalho; pela sua capacidade de planejamento e previsão, pela sua atitude avaliativa; pela preocupação em relacionar conteúdo e metodologia à realidade de vida do aluno, selecionando conteúdos e metodologias que sejam pertinentes (PLACCO, 2002, p. 20-1).

Diante disto, percebe-se que Placco, anteriormente a Contreras, já se referenciava à

consciência da prática do professor. As dimensões constitutivas da formação do professor, ou

melhor, da sua profissionalidade, são apontadas como necessárias à prática no contexto da

sala de aula. Para Placco (2002, p. 25),

[...] o educador, em atividade rotineiras, não refletidas, está consciente de seus atos, mas de forma mecânica. O que se deseja é um educador que saiba o resultado almejado, antecipe seus resultados na mente, saiba que os resultados almejados e as ações necessárias aos mesmos são-lhe significativos e fazem parte de sua maneira de ver a educação, o homem e a sociedade e saiba, ainda, avaliar suas ações, em relação aos resultados esperados.

Placco complementa as três dimensões citadas com outras seis dimensões, em um

artigo do livro “O coordenador pedagógico e a formação docente”: dimensão técnico -

científica; dimensão da formação continuada; dimensão do trabalho coletivo e da construção

coletiva do projeto pedagógico; dimensão dos saberes para ensinar; dimensão crítico-

reflexiva; dimensão avaliativa (PLACCO & SILVA, 2000). Estas dimensões serão abordadas

uma a uma no capítulo da análise dos dados.

O conceito de profissionalidade docente, diante deste apanhado de elucidações, é

explicitado como a subjetividade pedagógica apreendida e utilizada frente aos requisitos do

cotidiano escolar, principalmente, na diversidade de turbulências encontradas no processo de

ensino e aprendizagem. É um ‘saber fazer’ construído individualmente, a partir de referenciais

externos, porém, tornando-os próprios e únicos. São instrumentos construídos pelo próprio

professor para deles se utilizar na profissão, tornando-se um saber pessoal. Este saber não se

refere somente à prática, mas também à maneira de postar-se diante da profissão e entendê-la

na interação e contribuição social, ética e política.

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Com as leituras feitas até o momento, pode-se constatar que a profissionalidade se

constrói a partir das mais variadas dimensões da vida de um professor. Experiências escolares

e até mesmo experiências familiares compõem o repertório do ‘saber fazer’ de um professor.

No caso mais específico dos professores de Educação Profissional, pode-se incluir ainda,

muitas vezes, a dimensão da experiência profissional na indústria, anterior à docência. As

experiências desta dimensão também são trazidas pelo professor de Educação Profissional e

influenciam na constituição de sua profissionalidade docente.

Todas as dimensões apresentadas até o momento foram contempladas nas análises das

narrativas dos dez professores entrevistados, conforme será visto no capítulo a seguir.

Receberam, no entanto, destaque, para a análise da constituição da profissionalidade docente,

aspectos vinculados às vivências dos professores nos âmbitos pessoal, profissional e

acadêmico, verificando-se a influência destas ‘partículas’ na constituição do ‘ser’ docente.

2.3 O CONCEITO DE SABER

Beillerot22 (1989 apud ALTET, 2001, p. 28) afirma que “[.. .] saber é aquilo que, para

um determinado sujeito, é adquirido, construído, elaborado através do estudo ou da

experiência”. No entanto, a autora ainda faz a distinção entre os conceitos de informação,

conhecimento e saber, importantes para o entendimento da questão. A informação é de ordem

social e refere-se ao exterior ao sujeito; o conhecimento é de ordem pessoal e está integrado

ao sujeito; o saber situa-se entre os dois pólos, ou seja, é a interface entre a informação e o

conhecimento. O saber, segundo Altet (2001), constrói-se na interação entre o conhecimento e

a informação, entre o sujeito e o ambiente, na mediação e através dela.

Neste sentido, pode-se considerar o saber como algo apreendido a partir da junção

entre informação externa ao sujeito e experiência pessoal. O saber torna-se incorporado a

partir da aceitação do próprio sujeito. O saber é autorizado pelo indivíduo. Para a

incorporação do saber, há a necessidade de sua aceitação e de sua reelaboração. É a fusão

entre o saber existente e a nova informação que resulta em um outro saber – saber

diferenciado ou saber reelaborado, mais significado.

22 BEILLEROT, J. Savoir et rapport au savoir. Paris: Universitaires, 1989.

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Para complementar essa exposição, são importantes as concepções de Vygotsky, sobre

o aproveitamento que o sujeito faz das experiências estabelecidas com o meio ambiente.

Segundo Oliveira (2000, p. 17),

[...] Vygotsky trabalha explícita e constantemente com a idéia de reconstrução, de reelaboração, por parte do indivíduo, dos significados que lhe são transmitidos pelo grupo social. A consciência individual e os aspectos subjetivos que constituem cada pessoa são, para Vygotsky, elementos essenciais no desenvolvimento da pessoa humana, dos processos psicológicos superiores. A constante recriação da cultura por parte de cada um de seus membros é a base do processo histórico, sempre em transformação, das sociedades humanas.

Placco (2002, p. 26) afirma que,

[...] o aspecto mais marcante da consciência do educador é que ela se reconstrói e se transforma na relação com a realidade social e educacional, sendo causa e conseqüência de participação social e educacional e nesta encontrando sua possibilidade de ampliação ou alienação (construção e reconstrução).

De acordo com Schlindwein (2001, p. 107),

Ao traçar a compreensão histórico-cultural do desenvolvimento humano, Vygotsky afirma ser ele resultante de sucessivas internalizações ou apropriações de significados construídos nas e por meio das trocas sociais. Sob tal enfoque, o desenvolvimento humano constitui-se em interações homem-homem, que se consolidam em contextos histórico-sociais definidos. Confirmar o referido postulado implica investigar como o processo se efetiva, ou seja, desvelar como e em que medida o social origina o individual; como o individual modifica, por sua vez, o social, e qual o papel da mediação semiótica nesse processo.

Nesta perspectiva, pode-se dizer que o professor reelabora o seu saber em um

constante processo de construção/reconstrução, a partir das várias situações do contexto

pedagógico. Esta junção entre saber e conhecimento resulta nos saberes da experiência, ou

seja, o saber fazer do professor. As histórias dos professores e sua profissionalidade são

tecidas também na instituição em que leciona o professor, no sistema escolar, na sociedade,

pelas experiências da área produtiva, neste caso, as indústrias para os professores oriundos da

organização. Foi neste sentido que se procurou averiguar como os saberes profissionais são

construídos na profissionalidade do professor de Educação Profissional.

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2.4 OS SABERES DA DOCÊNCIA

Pimenta (2000) apresenta três modalidades de saberes docentes que constroem a

identidade profissional do professor. Para a autora, os saberes da docência se constituem a

partir da experiência, do conhecimento e dos saberes pedagógicos.

No que tange à experiência, Pimenta (2000) afirma que os estudantes que chegam à

formação inicial já trazem a imagem dos bons professores, aqueles que foram significativos

em suas vidas, bem como os estereótipos frisados pela sociedade quanto à profissão de

professor (baixo salário, dificuldade para se lidar com jovens rebeldes e crianças

desobedientes). Em outro nível, os saberes da experiência são também aqueles que os

professores constroem no seu cotidiano docente, num processo permanente de reflexão sobre

sua prática, mediatizada pela de outrem – seus colegas de trabalho, os textos produzidos por

outros educadores etc (PIMENTA, 2000).

O conhecimento, enquanto saber docente, segundo Pimenta (2000), está representado

pelos conhecimentos que perpassam os bancos escolares. A autora enfatiza a distinção entre

informação e conhecimento. A partir de Edgar Morin (1993), a autora apresenta a sua idéia de

conhecimento: “Conhecimento não se reduz à informação. Esta é um primeiro estágio

daquele. Conhecer implica um segundo estágio: o de trabalhar com as informações,

classificando-as, analisando-as e contextualizando-as” (PIMENTA, 2000, p. 21).

Por sua vez, os saberes pedagógicos, para a autora, se produzem na ação. Conforme

ela, “[...] os saberes sobre educação e sobre pedagogia não geram os saberes pedagógicos.

Estes só se constituem a partir da prática, que os confronta e os reelabora” (PIMENTA, 2000,

p. 26). Neste sentido, é na prática do dia-a-dia da sala de aula que o professor conhece a si

mesmo e se reelabora como profissional da educação.

No artigo “O trabalho docente: autonomia didática e construção do saber pedagógico”,

Azzi (2000, p. 43) conceitua o saber pedagógico como,

[...] o saber que o professor constrói no cotidiano de seu trabalho e que fundamenta sua ação docente, ou seja, é o saber que possibilita ao professor interagir com seus alunos, na sala de aula, no contexto da escola onde atua. A prática docente é, simultaneamente, expressão desse saber pedagógico construído e fonte de seu desenvolvimento.

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Altet (2001) apresenta dois tipos de saberes utilizados pelos professores quando estão

no cotidiano escolar. São eles os saberes teóricos e os saberes práticos. Os saberes teóricos,

segundo a autora, são da ordem do declarativo e, dentre eles, podemos distinguir os saberes a

serem ensinados e os saberes para ensinar. Os saberes a serem ensinados compreendem os

saberes disciplinares, constituídos pelas ciências e tornados didáticos a fim de permitir aos

alunos a aquisição dos saberes constituídos e exteriores; os saberes para ensinar incluem os

saberes pedagógicos sobre a gestão interativa em sala de aula, os didáticos nas diferentes

disciplinas e os saberes da cultura que os está transmitindo. Esses saberes teóricos são

indissociáveis.

Os saberes práticos, por sua vez, advêm das experiências cotidianas da profissão, são

contextualizados e adquiridos em situação de trabalho; são também chamados de saberes

empíricos ou da experiência. Pode-se, conforme Altet (2001), distingui-los em saberes sobre a

prática e saberes da prática. Os saberes sobre a prática são os saberes procedimentais sobre o

‘como fazer’ ou formalizados. Os saberes da prática advêm da experiência, constituindo -se

como o produto da ação que teve êxito, são os saberes da práxis, representados pelos saberes

condicionais de Stemberg (1985 apud ALTET, 2001) (saber quando e onde), ou seja, os

savoirs-faire23, e pelos saberes de ação, muitas vezes implícitos.

Tardif (2002) apresenta quatro saberes que constroem a profissão docente: os saberes

da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica), os saberes

disciplinares, os saberes curriculares e os saberes experienciais. O autor reforça a concepção

dos saberes experienciais como saberes surgidos na e pela prática, validados pelo professor e

acoplados na constituição de seu profissionalismo. Para o autor, os saberes experienciais se

constituem a partir da prática pedagógica e são renováveis.

O quadro a seguir apresenta a forma como, segundo Tardif (2002, p. 63), os saberes

dos professores são constituídos:

23 Para Altet, essa expressão refere-se ao ‘saber-fazer’ em determinada situação (idem, p. 30).

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Quadro 9 - A constituição dos saberes dos professores

Saberes dos Professores Fontes sociais de aquisição Modos de integração no trabalho docente

Saberes pessoais dos professores A família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato etc.

Pela história de vida e pela socialização primária.

Saberes provenientes da formação escolar anterior

A escola primária e secundária, os estudos pós-secundários não especializados etc.

Pela formação e pela socialização pré-profissionais.

Saberes provenientes da formação profissional para o magistério

Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de reciclagem etc.

Pela formação e pela socialização profissionais nas instituições de formação de professores.

Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho

A utilização das ‘ferramentas’ dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas etc.

Pela utilização das ‘ferramentas’ de trabalho, sua adaptação às tarefas.

Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola.

A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares etc.

Pela prática do trabalho e pela socialização profissional.

Fonte: Tardif (2002, p. 63).

Diante do apanhado feito neste subcapítulo sobre a questão do saber docente, pode-se

constatar a unanimidade dos autores estudados no que se refere à admissão da construção do

saber pedagógico a partir dos conhecimentos apreendidos do contexto social e significados

como aprendizagem individual.

Frente à desestabilização do apre(e)ndido, isto é, diante das angústias e conflitos do

cotidiano pedagógico, muitos professores recorrem a novas fontes de aprendizagem e

complementam seus saberes práticos. Porém, reconhece-se que podem existir professores que

preferem permanecer estáticos, fossilizados diante de novas aprendizagens, mantendo-se na

rotina do fazer pedagógico.

Em síntese, neste capítulo de fundamentação teórica, o principal objetivo foi

apresentar os conceitos que podem nortear a constituição da profissionalidade dos professores

de Educação Profissional. Concorda-se com os autores quanto à questão do professor interagir

com o contexto educacional e, a partir deste, ir se subjetivando professor. Nesta interação

dialética, na qual o sujeito não é passivo, a construção ocorre através da história de cada

professor. Estas histórias pessoais, acadêmicas e profissionais são tecidas a partir das

vivências com os estudantes, com a filosofia da instituição escolar em que atua, com sistema

escolar nacional, com a sociedade e, também, com os colegas professores. É neste tecer da

docência que muitos fios se envolvem, formando o ‘ser’ do professor de Educação

Profissional.

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3 ANÁLISE DAS NARRATIVAS DOS PROFESSORES INVESTIGADOS

As categorias de pesquisa foram delineadas com o objetivo de analisar as questões

propostas durante a entrevista e de elucidar outras ‘descobertas’, emergidas na narrativa dos

professores entrevistados. Os detalhes de como foram construídas já foram elucidados no

capítulo dos aspectos metodológicos. As categorias estão apresentadas na seqüência.

3.1 PERCURSO ACADÊMICO

A história acadêmica certamente é uma das dimensões constitutivas da prática

docente. Os professores carregam consigo as experiências vivenciadas desde o momento em

que ingressaram no sistema escolar. A sua formação, desde a educação infantil, passando pelo

ensino fundamental, ensino médio, curso técnico, até o ensino superior (bacharel, licenciatura

ou de tecnologia) e cursos de pós-graduação, compõe um agregado que passa a ser utilizado

na prática de sala de aula. Os conteúdos e os modelos da vida escolar podem influenciar nos

aspectos éticos, políticos, sociais e de conhecimentos elaborados para si e transpostos para os

estudantes. Para Tardif (2002, p. 64),

[...] o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc. Ora, quando estes saberes são mobilizados nas interações diárias em sala de aula, é impossível identificar imediatamente suas origens: os gestos são fluidos e os pensamentos, pouco importa as fontes, convergem para a realização da intenção educativa do momento.

As entrevistas realizadas com os professores de Educação Profissional, mais

especificamente no que se refere à questão do histórico acadêmico, identificam aspectos da

vida escolar que influenciam na prática pedagógica dos docentes entrevistados. É o que se

pode constatar a partir da narrativa do Prof. 10:

[...] quando eu comecei a trabalhar com o ensino, eu tinha a vestimenta de um engenheiro, a vestimenta de liderar, e eu vi que hoje não é assim que funciona. Você tem que estar próximo do aluno, próximo tanto em informação quanto fisicamente, chegar perto dele,

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escutar, às vezes sentar ao lado do aluno. É bem interessante hoje, coisa que eu não conseguia fazer antes [...].

A partir desta narrativa, pode-se depreender a idéia de que o engenheiro não é

preparado para se aproximar das pessoas, compreender e ensinar. Parece que a ‘vestimenta’

do engenheiro necessita de alguns atributos específicos para a docência. A aproximação do

professor em relação ao estudante para detectar se está havendo aprendizagem é um dos

fatores que deve ser incorporado pelo docente. É importante que o professor saiba se colocar

no lugar do estudante para perceber suas dificuldades, incertezas e angústias, ou seja, dar

vazão à relação humana e solidária em sua prática de sala de aula.

Quanto à formação do segundo grau, atual Ensino Médio, constatou-se que oito

professores, dentre os dez entrevistados, fizeram o Curso Técnico. Dentre estes oito

professores, cinco se formaram no Curso Técnico em Mecânica. Este dado pode estar

relacionado ao fato da instituição pesquisada contratar, com maior freqüência, profissionais

formados na referida área de atividade.

Além dos cinco entrevistados formados nos cursos de mecânica, os demais possuem as

seguintes formações, correspondentes ao nível do Ensino Médio: Curso Técnico em

Informática (1 professor), Curso Técnico de Eletrotécnica (1 professor), Magistério (1

professor), Curso Científico (1 professor) e curso técnico para piloto de avião, na Academia

da Força Aérea – AFA (1 professor).

Seguem as narrativas dos professores entrevistados quanto à formação escolar.

A 1 – “Eu tenho curso técnico, depois eu fiz engenharia na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Mecânica” (PROF. 2).

A 1 – “Quando eu fiz o profissionalizante [...], como tinha parte do bacharelado em licenciatura, fui obrigado a fazer as duas coisas e acabei caindo na profissão” (PROF. 3).

Pode-se deduzir, a partir da expressão “caindo na profissão”, a idéia de que o

estudante, na época da graduação, não pensava, necessariamente, em ser professor. Peterossi

(1994, p. 71), quanto a esse tipo de situação, salienta que “[...] a grande maioria dos

professores do ensino técnico traz na sua bagagem de formação apenas a experiência

profissional vivenciada ou o próprio curso profissional”.

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Prosseguindo nas narrativas, tem-se o seguinte:

A 1 – “A minha formação é ensino técnico em mecânica [...]. Comecei a fazer Sistema de Informação, bacharelado em Informática” (PROF. 4).

A 3 – “Eu fiz o supl etivo no Esquema Objetivo e comecei a fazer o 2º grau. Na metade do segundo ano, resolvi estudar no CIS. Lá tinha o curso técnico e fui para lá. Fiz o curso técnico em Mecânica em 3 anos e eliminei as disciplinas que havia feito no Esquema” (PROF. 8).

A 1 – “[...] no curso técnico de processamento de dados. [...], comecei a fazer a engenharia” (PROF. 9).

A 1 – “AFA é a Academia da Força Aérea, aí fui fazer engenharia civil. Fiz a engenharia civil juntamente com o processamento de dados [...], me formei na engenharia civil e no processamento de dados, seis meses uma da outra” (PROF. 10).

Dentre os professores entrevistados, dois fizeram o CT na instituição pesquisada,

conforme se pode perceber nas narrativas abaixo:

A 1 – [...] ingressei aqui na instituição, estudei um ano no curso de Mecânica de Refrigeração. [...] A minha formação inicial, o curso de graduação foi licenciatura plena em Física. Eu fui estudar física por uma questão bastante pessoal, foi uma questão de curiosidade; eu sempre tive uma curiosidade muito grande em saber como as coisas funcionam e não saber só o porquê que elas funcionam (PROF. 1).

A 1 – “Segundo grau na época, eu fiz o primeiro ano no Colégio Elias Moreira e os outros, fiz no CIS, atual CEDUP e também o técnico em Eletrotécnica. [...] E, em 2000, eu iniciei Tecnologia em Processos Industriais” (PROF. 5).

As narrativas até o momento apresentadas possibilitam sugerir o quanto a formação

acadêmica tecnológica contribui para a contratação dos professores na escola de Educação

Profissional e, também, inferir que os cursos de tecnologia absorvem profissionais sem curso

de licenciatura interessados em exercer a profissão de professor. Os conhecimentos

apreendidos nos cursos de Educação Profissional são aproveitados na docência na Educação

Profissional. A passagem pelas escolas de tecnologia cria laços entre o estudante e as formas

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do processo de ensino-aprendizagem estabelecidos nestas instituições. Neste caso, é a

dimensão pessoal, referenciada por Jordell (discutida no capítulo de fundamentação teórica),

que interfere diretamente na prática pedagógica. As experiências pessoais dos professores,

neste caso, representadas pelas experiências de vida e, também, pelas experiências na época

de estudante, são situações utilizadas na prática docente. Segundo Tardif (2002, p. 68),

[...] uma boa parte do que os professores sabem sobre o ensino provém de sua própria história de vida, principalmente de sua socialização enquanto alunos. Os professores são trabalhadores que ficaram imersos em seu lugar de trabalho durante aproximadamente 16 anos (em torno de 15.000 horas), antes mesmo de começarem a trabalhar. Essa imersão se expressa em toda uma bagagem de conhecimentos anteriores, de crenças, de representações e de certezas sobre a prática docente. Ora, o que se sabe hoje é que esse legado da socialização escolar permanece forte e estável através do tempo.

Retornando aos relatos, constata-se que dois professores tiveram formação de Ensino

Médio, o antigo científico.

A 2 – “[...] na minha época 2º grau [...], o primeiro ano do segundo grau e, após, estava fazendo o que na época se chamava de escola normal, hoje é o pedagógico. [...] depois o curso superior de Letras” (PROF. 6).

A 2 – “[...] não, normal, regular [...] científico [...]. A minha formação é em química industrial, fiz uma especialização na área metalúrgica, fiz o mestrado na área de engenharia de materiais e hoje estou fazendo o doutorado também na mesma área” (PROF. 7).

O fato de um reduzido número de professores com formação específica para a

docência, ou seja, de licenciatura, acarreta um problema, qual seja, seu não acesso aos

conhecimentos pedagógicos. Espera-se, apesar disso, que os conhecimentos adquiridos na

formação inicial (graduação) sejam suficientemente desencadeadores do aprender a aprender.

A iniciativa de continuar a investir no desenvolvimento profissional e acadêmico possa talvez

servir como espaço de aprendizagem e, conseqüentemente, de crescimento profissional. O

conhecimento teórico poderá, neste sentido, contribuir como alavanca para o crescimento e

reconstrução da prática docente. O professor, por meio da iniciativa de reavaliar a prática

pedagógica, a partir dos conhecimentos teóricos, poderá encontrar meios para ajustar sua

prática à cientificidade da profissão. Os professores investigados apontam para a necessidade

de estudos teóricos pedagógicos, como forma, de enriquecimento à prática da sala de aula.

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Infere-se como importante compreender, talvez em uma outra pesquisa, que a aprendizagem

destes professores que, na sua maioria, advêm do conhecimento prático (pragmáticos), deva

acontecer de forma diferenciada, ou seja, a teoria pedagógica talvez devesse ser apresentada a

partir da prática destes professores. De acordo com Sacristán (1995, p. 78),

[...] o apoio do conhecimento à prática é precário, convertendo-se numa das causas que levam muitos professores a agir de acordo com as suas convicções e com mecanismos adquiridos culturalmente através da socialização, mais do que com o suporte do saber especializado, de tipo pedagógico. A possibilidade da teoria fecundar a prática é limitada. Pelo contrário, é necessário incentivar a aquisição de uma consciência progressiva sobre a prática, sem desvalorizar a importância dos contributos teóricos. Neste sentido, a consciência sobre a prática surge com a idéia-força condutora da formação inicial e permanente dos professores. Esta afirmação não pretende corroborar o sentimento, muito corrente no seio dos professores, de que a teoria é irrelevante. Trata-se, apenas, de recusar uma linearidade (unívoca) entre o conhecimento teórico e a ação prática.

Desta forma, a formação acadêmica tem a especial missão de preparar o alicerce para

recepcionar os conteúdos necessários para o desenvolvimento da atividade docente. Uma

formação acadêmica de qualidade fundamenta as estruturas cognitivas para a melhoria

contínua da formação profissional do professor. Na mesma perspectiva, Tardif (2002, p. 69)

declara:

[...] tudo leva a crer que os saberes adquiridos durante a trajetória pré-admissional, isto é, quando da socialização primária e, sobretudo, quando da socialização escolar, têm um peso importante na compreensão da natureza dos saberes, do saber-fazer, e do saber-ser que serão mobilizados e utilizados em seguida quando da socialização profissional e no próprio exercício do magistério.

No entanto, não são apenas os conhecimentos da formação escolar que influenciam na

prática do professor. Os conhecimentos da formação continuada serão indispensáveis para a

constante revisão ou renovação da ação docente. Neste caso, ao falar sobre a dimensão

técnico-científica, Placco e Silva (2000) corroboram a idéia da importância de uma formação

acadêmica que prepare os estudantes para se aprimorar diante das constantes mudanças no

contexto da informação, através da formação continuada. Segundo as autoras,

[...] não há controvérsia sobre a necessidade de formar-se o professor do ponto de vista dos conhecimentos técnico-científicos relacionados à sua área. No entanto, há controvérsias quando se considera o atual progresso científico e a rapidez com que as mudanças ocorrem nos diferentes campos. Revê-se a idéia de formação específica universal e amplia-se a idéia de formação básica e sistematizada na área de conhecimento, a fim de garantir a flexibilidade para mudanças e ampliações do campo conceitual (PLACCO & SILVA, 2000, p. 26).

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Para tanto, Placco e Silva (2000, p. 26) discute a dimensão da formação continuada:

[...] se o profissional formado a partir da compreensão, explicitada anteriormente, não tiver possibilidade de continuar pesquisando, questionando sua área de conhecimento, buscando novas informações, analisando-as e incorporando-as à sua formação básica, o que ocorrerá? Esta flexibilidade, a habilidade de busca, o interesse e a motivação para prosseguir constituem ‘motores’ importantes no assumir da formação continuada.

A formação continuada quando proporcionada pela instituição de trabalho dos

professores de Educação Profissional, certamente contribui para a troca de idéias e construção

de novos fazeres pedagógicos.

A gente tem reunião mensal, sempre no final do mês, o curso é semestral. No final de cada mês a gente faz uma reunião, abrangendo assim os conteúdos, o que está acontecendo com os alunos, por exemplo: aluno tal o que está acontecendo, esse tipo de acompanhamento. [...] Primeiro quando a gente começa a trabalhar com os alunos em determinado curso, a gente não conhece. Assim quando a gente entra numa instituição nova muda um pouco a filosofia. Daí você tem que conhecer o perfil daquele aluno que você está trabalhando e isso daí eu faço da seguinte forma: o tempo que eu estou ensinando a disciplina, nesse tempo à gente faz um acompanhamento e pega o perfil do aluno. Em geral isso daí demora pra mim um semestre. É o suficiente para se ter mais ou menos o perfil apesar que, de um semestre para o outro, muda muito. O acompanhamento que eu faço é em termos de resultado, como o aluno estava quando ingressou e como ele saiu. Esse é o acompanhamento que eu faço. Se ele entrou e saiu como estava, alguma coisa está errada. Tenho que rever o processo, a forma de dar o curso, a forma como que eu estou passando o conteúdo, a relação que estou fazendo da prática com o conteúdo. É esse tipo de coisa que normalmente eu faço (PROF. 1).

É interessante constatar, também, que o percurso acadêmico de alguns professores de

Educação Profissional inclui as disciplinas de licenciatura, como é o caso do professor citado

acima. Vale a pena lembrar que, a partir dos dados coletados na instituição pesquisada, foi

evidenciado que apenas 20% do corpo docente é licenciado. A aprendizagem destas

disciplinas pedagógicas – que licenciam o professor a dar aula - nos indica que, valorizar e

complementar a formação profissional do professor de Educação Profissional com estes

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conhecimentos, apresenta resultados interessantes para o processo de ensino-aprendizagem.

Isto é confirmado ainda pelos dois pesquisados nas suas narrativas:

As disciplinas da licenciatura são importantes porque apesar de a gente ensinar uma coisa que é ciência exata, elas são importantes porque a gente precisa entender de que forma o conhecimento é construído em uma pessoa (PROF. 1).

As disciplinas da licenciatura ajudam à beça, às vezes é o que pode fazer a diferença entre as pessoas que tiveram a formação, como nós tivemos de professor. Nós tivemos a oportunidade de passar pela filosofia, pela didática, pela prática, eu me considero uma pessoa de sorte, feliz, porque tive no curso superior alguns dos professores que posso te dizer assim, excelentes; além de eu ter algumas coisas minhas, usava algumas coisas deles. Eu tive professores que me ajudaram a buscar mais ainda. Então são disciplinas que elas não podem se perder no meio do caminho e devem fazer parte da formação dos professores sempre (PROF. 6).

No caso destes professores, segundo suas narrativas, há uma preocupação com a

utilização ou a obtenção dos conhecimentos da licenciatura para a sua prática pedagógica;

demonstra a consciência da importância de o professor conhecer como os estudantes

aprendem. Esta consciência pode levar os professores a pensarem nas estratégias de ensino,

nas intervenções necessárias à aprendizagem do estudante e outros aspectos que norteiam a

questão do processo de ensino-aprendizagem. Esta situação de elaboração e avaliação da

prática pedagógica corrobora para compreender a “dimensão crítico -reflexiva”, de Placco e

Silva, importante para a pesquisa. Para as autoras a “dimensão crítico -reflexiva”, requer uma

formação muito especializada já na formação inicial dos professores, uma vez que “há

necessidade de se ressaltar o ‘desenvolvimento sobre o próprio funcionamento cognitivo

pessoal, e de habilidade de auto-regulação deste funcionamento’ (GATTI, 1997), fundamental

para e em qualquer processo formativo. Perceber-se e perceber as ações que realiza, avaliá-las

e modificá-las em função da percepção e avaliação são questões fundamentais e sensíveis na

formação do professor (...) (PLACCO & SILVA, 2000, p. 27 e 28). Neste sentido, os estudos

sobre o processo de ensino-aprendizagem são importantes para o exercício da docência.

A formação, segundo salienta Nóvoa (1997, p. 23), não se constrói por acumulação

(de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), “[...] mas sim através de um trabalho de

reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade

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pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da

experiência”.

Fazenda24 (1986 apud PLACCO e SILVA, 2000, p. 26) afirma que,

[...] o domínio do conteúdo não se restringe mais ao conhecimento consistente de uma área específica, mas se exige que esse conhecer se articule com outros saberes e práticas, criando espaços para uma produção que vai além das fronteiras disciplinares. É a busca de um conhecimento técnico-científico inter e transdisciplinar.

Nóvoa (1995a, p. 26), em relação à questão da formação do professor, ressalta:

[...] a formação de professores é, provavelmente, a área mais sensível das mudanças em curso no setor educativo: aqui não se formam apenas profissionais; aqui produz-se uma profissão. Ao longo da sua história, a formação de professores tem oscilado entre modelos acadêmicos, centrados nas instituições e em conhecimentos ‘fundamentais’, e modelos práticos, centrados nas escolas e em métodos ‘aplicados’. É p reciso ultrapassar esta dicotomia, que não tem hoje qualquer pertinência, adotando modelos profissionais, baseados em soluções de partenariado entre as instituições de ensino superior e as escolas, com um reforço dos espaços de tutoria e de alternância.

Se, nas próprias licenciaturas, pode-se imaginar questões a serem melhoradas no

processo de formação do professor, certamente, para os professores da Educação Profissional

que, segundo os dados da pesquisa, não estão habilitados legalmente para lecionar, existem

vários procedimentos pedagógicos que necessitam de estudo e discussão para profissionalizar

o processo de ensino-aprendizagem. Para auxiliar no processo da constituição da

profissionalidade dos professores de Educação Profissional à necessidade da instituição

repensar o processo de formação continuada dos professores, servindo assim como uma das

instâncias que pode e deve ajudar o professor no desenvolvimento dos aspectos que envolvem

os alicerces pedagógicos. Com esta iniciativa, possivelmente os professores ficarão cada vez

mais preparados, o que poderá resultar em uma melhor qualificação e desempenho do

estudante no processo industrial e nos demais setores da atividade produtiva.

24 FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade. Campinas: Papirus, 1986.

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3.2 PERCURSO PROFISSIONAL

A formação do estudante da Escola de Educação Profissional está diretamente

relacionada aos conhecimentos do trabalho industrial. Porém, há uma reciprocidade entre

estas duas instâncias: indústria e escola profissional. A Escola de Educação Profissional

qualifica para o contexto industrial e o contexto industrial, em algumas situações, qualifica

profissionais para serem os formadores da Escola de Educação Profissional. Neste caso, há

um número considerável de professores de EP que, antes da função de docente, exercia o

trabalho na indústria. Desde o princípio da escola profissional no Brasil, os instrutores eram

recrutados diretamente das indústrias. O Prof. 5 declara que:

[...] Na verdade, quando eu estava fazendo o curso de Educação Profissional, a TUPY me contratou, durante o curso ainda, isso em 1979 [...]. Entrei na instituição como instrutor em 1987.

No caso deste professor, a instituição pesquisada o formou, ele foi para a indústria, por

lá permaneceu durante sete anos e retornou para a instituição como instrutor. Retornou para a

instituição trabalhando como colega de seus ex-professores, conforme afirma ele:

[...] fiquei com mais dois instrutores, inclusive o meu professor, que foi meu professor, então eu trabalhei com ele [...] (PROF. 5).

Certamente que, o profissional que estudou na escola de Educação Profissional que se

candidata a trabalhar na própria instituição é conhecedor da filosofia da mesma. Esta questão

pode ser significativa não somente para a instituição pesquisada, mas, para outras instituições.

No caso da instituição pesquisada, os conhecimentos antecipados das normas e padrões

imbricados no cotidiano da escola, padronização esta que constitui a filosofia de trabalho da

escola, necessita da aceitação do profissional para ingressar na instituição.

Dentre os dez entrevistados, sete vieram do contexto industrial. Isto corrobora a idéia

da importância dos saberes práticos para a Educação Profissional. Concorda-se com Cunha

(2004, p. 12) quando este afirma, quanto a este contexto, que “[...] o lema tão implícito quanto

persistente, é o seguinte: ‘quem faz, sabe, portanto, pode ensinar’”.

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Além do professor citado há pouco, outros seis são oriundos do sistema industrial.

Seguem apresentadas as suas narrativas.

B 1 – [...] quando eu terminei minha formação fundamental [...] depois ingressei aqui na instituição, estudei um ano no curso de mecânica de refrigeração [...] Trabalhei um ano aproximadamente com refrigeração, depois saí de lá e fui trabalhar na CIPLA, na parte de produção [...] fui para a Multibrás (...) (PROF. 1).

B 1 – “Bom, eu tenho o curso técnico, depois fiz engenharia na UFSC e a partir do estágio trabalhei em industria de segmento muito forte aqui na região; trabalhei cinco anos e depois em outras empresas médias, pequenas [...]” (PROF. 2).

B 1 – “Quando eu fiz o profissionalizante, trabalhei durante cinco anos numa empresa como mecânico, depois eu fui pra área de planejamento [...]” (PROF. 3).

B 1 – “Eu comecei a trabalhar na indústria [...] na Cônsul. [...]. Trabalhei na Fundição TUPY, na HANSEN, na WETZEL industrial e uma trajetória curta na HM [...]. Depois da HM, eu vim para a instituição [...]” (PROF. 8).

B 1 – [...] quando entrei no curso de processamento de dados da ETT [...] eu não trabalhei na área por muito tempo [...]. Paralelo à atividade de trabalho, comecei a fazer engenharia elétrica [...]. Permaneci nesse estágio aqui em Joinville nessa empresa (de instalações industrias frigoríficas durante seis anos) (PROF. 9).

B 1 – [...] antes de eu me formar, eu tinha prestado um concurso para Companhia de Saneamento Básico de São Paulo, SABESP [...] aí eu fiz um concurso para fiscal de obras [...] depois prestei um novo concurso para engenheiro e passei também em terceiro lugar. [...] recebi um convite de um professor meu para assumir um lugar de um engenheiro de manutenção da Editora Abri.l [...] Tinha uma gerente do grupo (ela abriu uma empresa) me convidou para ser um dos diretores dela [...] (PROF. 10).

Os professores e suas falas indicam a passagem pelas indústrias. Nos primórdios da

Escola de Formação Profissional, o conhecimento pragmático era de extrema importância

para a entrada do professor na Educação Profissional. A formação acadêmica não decidia a

entrada do professor nas instituições profissionais. A experiência prática preponderava sobre a

formação escolar. Para Peterossi (1994, p. 90),

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[...] embora acompanhando as tendências mais gerais da evolução do próprio ensino técnico, a formação de seus professores guardou algumas características ao longo desses anos todos. Podem-se destacar duas como sendo principais: primeiro, os docentes sempre foram antes profissionais, tomado aqui o termo no sentido de estar ligado ao mundo produtivo e ser retirado do mercado de trabalho, do que um professor. Segundo, a universidade esteve alheia à formação desses professores.

O contexto industrial era ensinado de forma que se repetisse a prática do processo

produtivo. Recrutar professores da escola básica não era apropriado, considerada a falta dos

conhecimentos práticos necessários à docência na Educação Profissional. O Brasil importou,

por muito tempo, a “mão -de-obra” docente para a Escola de Educação Profissional. Segundo

Cunha (2004, p. 3-6),

[...] os mestres de ofício, por sua vez, vinham diretamente das fábricas, e seriam homens sem a necessária base teórica, que tinham a seu favor apenas a capacidade presumida de transmitir a seus discípulos os conhecimentos empíricos. [...] Ainda no que concerne aos docentes, a Era Vargas revelou uma atuação inédita do Estado: a busca de assistência técnica e de docentes estrangeiros para o ensino industrial. A primeira iniciativa foi a de contratar professores alemães para as escolas industrias, ainda antes da ‘lei’ orgânica. Para tanto, o Ministério da Educação enviou um emissário ao Deutch Arbeitsfront, em 1936. Diante das inconveniências surgidas, o recrutamento de professores alemães foi substituído pela contratação de docentes na Suíça, cuja neutralidade na guerra que se iniciara em 1939, representava um elemento não negligenciável na equação internacional. Em 1942, chegaram ao Brasil 29 técnicos contratados em Berna para lecionarem nas recém criadas escolas industrias da rede federal.

Retornando aos entrevistados, os três professores restantes ficam assim distribuídos: o

PROF. 6 cursou o magistério e, no ensino superior, o curso de letras, ingressando diretamente

na profissão; o PROF. 7 ingressou como professor pesquisador da UDESC e assumiu a

docência em seguida; e o Prof. 4 também ingressou na docência, após terminar o curso

técnico.

B 2 – “Eu, desde 1990, fina l de 89, início de 90, que trabalho em escola, era no RS [...]. Nunca trabalhei em empresa” (PROF. 4).

B 2 – “[...] comecei no município, logo em seguida na escola Técnica Tupy, em seguida já no Elias Moreira e em seguida aqui na instituição [...]” (PROF. 6).

B 2 – “[...] iniciou ainda lá na escola técnica, na época que eu estava na faculdade, na verdade iniciou em um centro de pesquisa, que tinha

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aqui em Joinville, e daí passei para a escola técnica, da escola técnica entrei para a UDESC. Eu comecei como bolsista [...]” (PROF. 7).

A dualidade entre ensino propedêutico e ensino técnico, apontado por Cunha (1990)

fazia/faz parte da visão educacional do país desde outrora. Segundo o autor,

[...] para as disciplinas da educação geral, os docentes foram selecionados segundo as normas incidentes para o ensino secundário, vale dizer, eram licenciados em grau superior nas respectivas disciplinas. Já para as disciplinas de educação profissional, o recrutamento de instrutores na indústria era a prática comum, como se fazia desde os tempos das escolas de aprendizes artífices (CUNHA, 2004, p. 6).

A fala de uma professora entrevistada ilustra a diferenciação estabelecida pelos

próprios colegas de trabalho entre aqueles oriundos das licenciaturas e os de origem técnica.

[...] eu iniciei aqui na instituição em 77. [...] todos os professores essencialmente eram homens, uma escola bastante masculina, bastante machista. [...] o distanciamento sempre foi muito grande. [...] eu não tinha nenhuma experiência como professora de 5ª e 6ª séries, principalmente com adolescentes. Além dessa dificuldade, a maior barreira foi em relação aos instrutores, exatamente porque a nossa formação era muito diferente e porque eles não acreditavam, não aceitavam em hipótese alguma mulher dando aula para os rapazes. Então eu passei inclusive pela situação de alguns instrutores saírem da sala deles, da oficina deles, passar pelo lado de fora, espiar pela janela, para olhar como é que eu estava trabalhando, se eu estava dando conta do recado. [...] Não havia, em hipótese alguma, forma de eles entenderem o que eu levava para a sala de aula, também porque a linguagem, a minha experiência era muito diferente da experiência deles. Eles tinham uma larga experiência como profissionais e eu posso dizer assim, eles eram instrutores. Eu os via diferentes de educadores, de professores (PROF. 6).

Concorda-se, neste estudo, com Peterossi (1994, p. 70), quando esta se reporta à época

do surgimento das escolas profissionais25,

[...] desde a sua criação, as Escolas de Aprendizes e Artífices contavam com dois tipos de professores: os professores normalistas, e nisso não se diferenciavam muito do ensino ministrado pelas escolas não-profissionais, e os professores recrutados diretamente das fábricas e oficinas. A esses professores, assim recrutados, faltavam a base teórica, os conhecimentos técnicos e a formação pedagógica.

25 Neste caso, pretende-se deixar claro que houve mudanças no critério de contratação dos professores na atualidade, porém, as idéias de Peterossi ilustram a prática, ou seja, a cultura que perdurou por muitos anos no critério de contratação de professores para as instituições profissionais.

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Ainda para Peterossi (1994), os conhecimentos da profissão na indústria não são

suficientes para o exercício do magistério. Salienta que, para assumir uma determinada

profissão, a pessoa deverá atender alguns requisitos necessários para ser considerado

profissional e admitido pelo mercado. Por exemplo, para ser um Técnico em Eletrônica, o

profissional precisa de conhecimentos na área da eletrônica digital, eletrônica analógica,

projetos eletrônicos e outros aspectos necessários à profissão além do diploma de Técnico na

área em questão. Porém, segundo a autora, quando se trata do professor de Educação

Profissional, não são requisitados conhecimentos específicos à docência. Ou seja, para ser

professor de Educação Profissional não se leva em consideração o tempo de serviço e

experiência na área da educação.

O ensino técnico, tão cioso em buscar profissionais no mercado de trabalho, não considera, em última análise, o exercício da docência uma profissão, uma vez que nele improvisa pessoas que na sua quase totalidade carece de qualquer tipo de formação voltada para as atividades profissionais docentes (PETEROSSI, p. 121).

O saber da profissão não é neutro de uma intervenção do professor. E o professor

precisa dos conhecimentos de ordem pedagógica para, com competência, exercer a profissão.

Peterossi (1994, p. 122) conceitua o ensino como arte.

[...] para ressaltar, no âmbito do conhecimento, que este ao transformar-se em conteúdo a ser ensinado sofre a mediação criativa do professor, na medida em que o ato de ensinar se fundamenta na comunicação e na projeção de uma experiência essencialmente individual. Assim o saber a ser transmitido é mediatizado pelo docente, que não é, enquanto pessoa, neutro e compromete a situação de ensino com o que é, acredita, diz e faz. Nesse sentido, ensino é arte pela singularidade que assume em cada docente em particular.

Para os entrevistados a construção desta singularidade se revela nas seguintes

narrativas:

Eu acho que eu aprendi muita coisa dentro da UDESC, principalmente a ser mais autônomo e buscar construir conhecimento. [...], eu comecei a ter a percepção da importância da educação, que até então eu tinha, a minha visão era muito da indústria, indústria e pesquisa, sem o contexto ensino (PROF. 7).

[...] ter a experiência de um professor que já passou por isso é bastante importante para quando acontecer isso com você, você já

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tenha mais ou menos uma direção pra onde ir, não que vá copiar, cada professor tem um estilo, uma maneira de pensar [...] (PROF. 1).

Diante disto, infere-se que os responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem de

uma escola profissional devam estar atentos para os momentos de estudo e discussão dos

conteúdos necessários à formação do professor de Educação Profissional. Certamente que as

políticas públicas de formação para os professores de Educação Profissional precisam criar

estratégias efetivas de realização à aprendizagem pedagógica destes professores.

As experiências da indústria são bem-vindas à prática pedagógica de sala de aula,

porém há a necessidade de se relacionar esses aspectos com a didática pedagógica para que

ocorra uma efetiva aprendizagem. A prática da sala de aula requer a utilização de

metodologias de ensino e, os professores oriundos da indústria, também precisam conhecer

estas metodologias. Sendo o percurso profissional uma das dimensões constitutivas da

profissionalidade docente, e, sabendo-se que grande parte dos professores de Educação

Profissional advêm das indústrias, a arte ao ensinar atravessa os conhecimentos pragmáticos

destes professores. Neste sentido, as discussões frente à didática do professor e a transmissão

de conhecimentos que não enfatizem apenas o saber fazer são fundamentais. Há de se

redobrar os cuidados sobre a formação dos estudantes de tecnologia, com o intuito de se evitar

uma formação voltada apenas para a execução prática de uma tarefa.

A prática, portanto, compreendida não como mera atividade, mas como enfrentamento de eventos, não se configura mais como mero fazer resultante do desenvolvimento de habilidades psicofísicas; ao contrário, aproxima-se do conceito de práxis, posto que depende cada vez mais de conhecimento teórico (KUENZER, 2004, p. 80).

A aplicação dos conhecimentos tecnológicos demanda atitudes que envolvam o mundo

das idéias, do pensamento pautado na resolução de problemas, pró-atividade e,

principalmente, a curiosidade pelo aprender.

Diga-se de passagem que muito se tem falado e escrito sobre a relação entre teoria e prática, mas pouco se avançou na práxis pedagógica comprometida com a emancipação dos trabalhadores em uma sociedade que, por ser atravessada pela base microeletrônica, passou a demandar o desenvolvimento das competências cognitivas complexas, particularmente no que se refere às competências comunicativas, ao desenvolvimento do raciocínio lógico-formal, ao trato transdisciplinar, à capacidade de tomar decisões e à capacidade para transferir aprendizagens anteriores para situações novas. E, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das competências afetivas vinculadas à capacidade para lidar com a incerteza, com a

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dinamicidade e com o estresse, de forma comprometida com uma concepção de homem e de sociedade (KUENZER, 2004, p. 71).

Neste sentido, torna-se necessário ao docente da escola de Educação Profissional

utilizar os conhecimentos práticos conciliando-os aos demais requisitos necessários ao

contexto escolar. Ressalta-se, desta forma, que é necessário que a escola de Educação

Profissional auxilie o professor a conhecer os aspectos importantes que envolvem a relação na

sala de aula, tais como: os processos de avaliação, a relação professor-estudante, a dificuldade

de aprendizagem, a didática de ensino, o desenvolvimento de estruturas cognitivas cada vez

mais elaboradas para atender aos requisitos de ascensão pessoal, profissional, relacional,

dentre outros.

Enfim, o percurso profissional do professor de EP pesa na constituição da

profissionalidade docência visto que, no dia-a-dia do segmento industrial, não há a

preocupação com o desenvolvimento de aspectos mais genéricos do sujeito. Aspectos como:

solidariedade, leitura do contexto social e político, aspectos culturais e artísticos não são,

necessariamente, considerados e vivenciados no processo produtivo. Porém, estes são

requisitos importantes para o profissional que atua no mercado de trabalho, mas, não é função

primordial do sistema produtivo desenvolvê-los no espaço de trabalho. Então, o professor de

Educação Profissional que, não articular a experiência industrial como estes aspectos que

devem ser desenvolvidos pela escola, não contribuirá para a formação integral dos estudantes

de tecnologia. Através da história profissional do professor, pode-se contribuir com a sua

formação pedagógica.

3.3 MOMENTO DO INGRESSO NA DOCÊNCIA

Nesta categoria de análise, identifica-se o momento em que o professor assume a

docência na Educação Profissional. Ao apresentar esta categoria, pretende-se conhecer a

origem da decisão do professor de Educação Profissional para ingressar ou, mesmo, continuar

na docência, corroborando para uns dos aspectos da profissionalidade docente (exposto no

conceito de Sacristan), apresentado pelo conjunto de comportamentos que constituem a

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especificidade de ser professor. Desta forma, o comportamento do professor de Educação

Profissional pode ser evidenciado a partir do motivo que o direcionou a escolha da profissão.

Peterossi (1994, p. 121) apresenta um dos possíveis motivos que impulsionam o

professor de Educação Profissional a assumir a docência.

[...] tenho observado que em época de recessão as escolas técnicas têm professores, mas não têm alunos, desestimulados pela falta de perspectivas profissionais ou pela necessidade de suprirem orçamentos familiares com seu emprego. Já em épocas de recuperação econômica, as escolas têm alunos, ansiosos por garantirem a sua oportunidade ocupacional, mas não têm professores, já que foram atraídos pelos melhores salários pagos pelo mercado.

Ainda na pesquisa feita por Peterossi (1994, p. 120), são apresentadas duas

origens significativas dos professores de Educação Profissional quando ingressam na

docência,

[...] o lógico seria a atuação profissional na área da disciplina, no entanto, o que é visto diariamente é o professor trazer para a sala de aula a sua bagagem de conhecimentos, quando muito da graduação, pois seu exercício profissional em nada corresponde aos conhecimentos e/ou habilidades que irá lecionar. É comum o profissional ser da área de vendas, administração, serviço público, portanto, distante do saber e fazer técnico que irá ensinar. Outro contingente significativo de professores é formado de profissionais, com uma breve ou nenhuma passagem pela empresa, que, entrando para o magistério, fizeram dele sua única profissão. Como justificar nesses casos a atualização de conhecimentos tecnológicos e/ou profissionais? Por outro lado, não se pode esquecer o número de estudantes lecionando. A estes faltariam a experiência e o conjunto de conhecimentos da área profissional.

Isso remete a se pensar nos estudantes de engenharia e de outros cursos de tecnologia

que, ao se confrontarem com os estudos no período diurno, que os impossibilita de trabalhar

nas indústrias, procuram as escolas de Educação Profissional (ou as demais escolas) como

fonte de trabalho. Na escola de Educação Profissional, é vasta a quantidade de currículos

recebidos de estudantes de engenharia, interessados em lecionar Matemática, Física, Química

e disciplinas relacionadas à sua área de estudo.

Seguem algumas narrativas dos entrevistados no que tange ao momento de ingresso na

docência:

C 1 - [...] na verdade, comecei minha carreira na escola como estagiário [...] como estagiário mesmo, desde fazer manutenção e tal [...]. Quando eu terminei o curso técnico [...] eu dei um curso de CAD na escola e o pessoal acabou gostando e pediu que eu trabalhasse algumas aulas, aí eu fiquei um ano como professor assistente, aí

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depois de um ano, então, eu fui assumir algumas disciplinas como professor titular [...] (PROF. 4).

Além dos alicerces práticos/experiência, os conhecimentos acadêmicos estão sendo

valorizados e priorizados pela instituição pesquisada. Na instituição, uma das regras para a

contratação de professor é que o candidato tenha a graduação concluída. Certamente que os

conhecimentos práticos são importantes, mas não decidem mais a contratação do professor.

C 2 - “[...] eu fiz o curso de ensino superior em engenharia elétrica [...] eu acabei sendo professora de matérias técnicas mesmo [...] durante os dois últimos anos de faculdade, tendo matérias em sala de aula, eu já era professora de eletrônica [...]” (PROF. 9).

C 2 – “[...] Na faculdade, quando eu comecei a ser professor substituto, e depois tive uma oportunidade de trabalhar no Colégio de Aplicação [...] eu também já trabalhava um pouco com treinamento na empresa [...] e aí eu fui tomando gosto, fui gostando da profissão” (PROF. 3).

Esta expressão “fui tomando gosto” é bem comum aos professores que gostam da

docência. Certamente que isto não acontece com todos. Alguns professores não se identificam

de forma alguma com a profissão e, na primeira oportunidade de ir trabalhar na empresa,

deixam a Educação Profissional aliviados. Felizmente, a opção pela docência também é

freqüente:

C 2 - “[ ...] em 97 foi também a primeira vez que comecei a trabalhar com educação profissional; trabalhava numa escola que era mantida pela Nestlé” (PROF. 3).

C 2 - “[...] ao mesmo tempo em que eu estava no curso superior de letras, eu atuei como professora de 1ª a 4ª série no município” (PROF. 6).

C 2 - “[...] depois de dois anos e meio na UDESC, também na UNIVILLE como professor horista, comecei a dar aula também no curso de tecnologia [...]” (PROF. 7).

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Outros professores terminaram o curso superior e foram se envolvendo com a

educação.

C 3 - “[...] depois terminei o curso técnico e ingressei no curso de física, terminei o curso de física e comecei a dar aulas na segunda fase do curso [...] quando desisti de trabalhar e fiz a opção de ensinar, lecionar [...]” (PROF. 1).

C 3 - “[...] Eu sempre dei aula, só que para minha família é uma profissão assim... que não é bem vista; sempre trabalhei de forma obscura, à noite, até dei aula na própria FACET, até dei aula como professor assim... auxiliar na Unicamp, [...] no Objetivo, no Anglo [...]” (PROF. 10).

Dois professores ingressaram na docência a partir da Educação Básica e foram

“tomando gosto” pelo contexto escolar.

[...] eu dei aula muito tempo no pró-saber, grupo de professores de reforço. [...] eu trabalhava com alunos com aula particular. [...] aí eu entrei nessa área de professor, depois trabalhei com física, matemática e também em escola pública. [...] UNIVILLE, trabalhei no Colégio de Aplicação lá [...] (PROF. 2).

A instituição pesquisada tem critérios estabelecidos para a contratação de professores.

O candidato a professor deverá atender a três critérios importantes de avaliação: a entrevista,

o curriculum e, se possível, se apresentar a uma banca de professores e coordenadores para

uma mini-aula de vinte minutos.

Os professores a seguir tiveram como “porta de entrada” um processo seletivo que

considerava uma prova de conhecimento específico. Era considerado pelos candidatos como

um concurso e, a partir dele, o ingresso na docência. Atualmente, o ingresso do professor não

é mais realizado com prova escrita, porém os critérios para contratação referidos

anteriormente são realmente aplicados.

“[...] fiz o concurso, aí eu entrei na instituição em 87 [...]” (PROF. 5).

“[...] após concluir o ensino técnico de mecânica, fiz um novo concurso, desta vez interno [...] assumi a vaga de instrutor de mecânica [...]” (PROF. 8).

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O momento de ingresso na docência é uma das dimensões constitutivas da

profissionalidade docente em virtude de evidenciar os motivos, tais como: estágio dos cursos

técnicos ou dos cursos superiores de tecnologia nos próprios laboratórios das escolas de

Educação Profissional; necessidade de trabalhar em uma escola de Educação Profissional ao

cursar as engenharias, diante da possibilidade de flexibilização de horário; recessão de

emprego; dentre outros, levaram o professor à escolha da docência como profissão. Desta

forma, percebe-se que a escolha espontânea aconteceu somente entre os professores que

cursaram a licenciatura. Os demais professores investigados ingressaram na docência pelos

motivos acima citados e, não de forma planejada ou inicialmente desejada. Neste caso,

considera-se, como fator significativo, a forma da inserção na docência para entender as

dificuldades encontradas por estes professores na prática da sala de aula. A partir daí, obtêm-

se subsídios para pensar nas possibilidades e necessidades de incorporar, nos momentos de

formação continuada (fator essencial para o aprimoramento da prática docente) as discussões

quanto às práticas pedagógicas.

Percebe-se, pelas narrativas dos professores, que a docência dos professores

entrevistados não havia sido planejada como profissão por eles, excetuando-se os PROF. 6 e o

PROF. 1.

3.4 FONTES DE APRENDIZAGEM – CONSTITUIÇÃO DA PROFISSIONALIDADE

DOCENTE

Os professores de Educação Profissional, a partir das experiências estabelecidas com o

contexto educacional, solidificam os saberes da profissão. Em resposta à categoria ‘Fontes de

Aprendizagem’, os professores recorrentemente fizeram mençã o à aprendizagem com os

demais colegas professores, apesar de terem também apresentado outras fontes. Neste caso,

Jordell (apud GARCIA, 1999, p.118) parece acertar quando afirma que, no nível institucional,

“[...] devem ser consideradas influências tais co mo as dos próprios colegas, dos diretores, e

pais. Também aqui se incluem as influências do currículo e da administração”. Vale ressaltar

que “[...] os professores aprendem sua profissão por vários caminhos, com a contribuição das

teorias conhecidas de ensino e aprendizagem e inclusive com a própria experiência”

(LIBÂNEO, 2002, p. 73).

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Sobre esta questão da aprendizagem a partir da experiência do contexto escolar, pode-

se citar Tardif (2002), quando este aborda o conceito de saberes experienciais. Para o autor,

estes saberes são pinçados do meio em que o sujeito interage, mas não de forma igual. Há

sempre uma reelaboração do aprendido antes de ser incorporado. O sujeito registra a sua

marca no conceito do outro, antes de torná-lo seu. Segundo ele, “[...] o que caracteriza os

saberes práticos ou experienciais, de um modo geral, é o fato de se originarem na prática

cotidiana da profissão e serem por ela validados” (TARDIF, 2002, p 48).

[...] gosto muito de conversar com outros professores, por que gosto muito de conversar com professores mais velhos de casa do que eu, que tenham muito mais experiência. [...] eu não tenho uma formação pedagógica, eu nunca busquei essa área pedagógica, eu tento é captar a informação que já foi filtrada; o profissional que já trabalha na área e que já conhece, acho que ele pode me ser muito útil, com a troca de informação (PROF. 10).

D 2 – [...] são experiências que eles têm, são situações que ocorrem só dentro da sala de aula, não ocorrem no curso [...] e ter a experiência de um professor que já teve, que já passou por isso, é bastante importante [...] não que vá copiar, cada professor tem um estilo, uma maneira de pensar, mas, de certa forma, é uma forma de conduzir um caminho mais certo (PROF. 1).

Nesse caso, inclui-se tanto a valorização pelos professores mais antigos como também

a troca com professores novos na profissão. Para Tardif (2002, p. 63),

[...] os saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola são adquiridos pela prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares, etc. e, os modos de integração no trabalho docente, acontecem pela prática do trabalho e pela socialização profissional.

Observe-se a seguinte narrativa do Prof. 10:

[...] eu considero aquela professora que me deu aula na quarta série do primário, aquela sim, é professora. Às vezes eu me espelho em coisas que ela fazia [...], na sua psicologia [...], eu tinha muito medo da minha professora, mas, ao mesmo tempo, eu tinha muito respeito por ela. Quando ia para casa, eu sentia saudade dela. Eu queria muito que meu aluno sentisse por mim o que eu sentia por esta professora do primário. É estranho, não é?

Este professor parece trazer consigo o modelo, o referencial da professora da quarta-

série. À imagem de respeito pela professora primária mistura-se à imagem de ternura e

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admiração. Estas sensações foram internalizadas de forma positiva e significativa e levaram o

professor entrevistado a sentir vontade que seu estudante tenha o mesmo carinho e admiração

pela sua imagem. É uma identidade docente que se constrói a partir das nuances experienciais

vividas ao longo das histórias de estudante e professor. É uma representação que se forma ao

longo de nossas vidas: a imagem dos professores imbuídos na pessoa do professor.

[...] eu me considero uma pessoa de sorte, feliz, porque tive no curso superior alguns professores... posso te dizer assim... excelentes professores. Além de eu ter as minhas maneiras para lecionar, eu usava maneiras deles. Eu tive professores que me ajudaram a buscar mais ainda (PROF. 6).

No caso dos professores de Educação Profissional, parece existir uma certa facilidade

de socialização das dificuldades encontradas no processo pedagógico. Talvez isto se deva ao

fato daquilo que se percebe na indústria, ou seja, quando uma máquina “quebra”, é comum

observar vários colegas discutindo o motivo pelo qual ela parou e, mesmo, buscando a

solução para que ela volte a funcionar. Este fator é comum de ser observado na Escola de

Educação Profissional, quando os professores ao redor de uma máquina trocam opinião sobre

seu mau funcionamento.

[...] na sala dos professores eu pelo menos tenho, considero que existe um grupo de pessoas bastante dispostas à conversa, para dar sugestões, tanto do ponto de vista técnico, como do ponto de vista pedagógico, nós trocamos bastante idéias, experiências. Até porque a questão da interdisciplinaridade é bastante incentivada e, para que isso dê certo, a gente precisa conversar bastante e trabalhar num ritmo parecido, tanto do ponto de vista do conhecimento como da prática pedagógica [...] (PROF. 9).

Para Placco e Silva (2000, p. 27), esta troca coletiva é uma das dimensões que devem

ser apresentadas na constituição da profissão professor.

[...] a dimensão do trabalho coletivo e da construção coletiva do projeto pedagógico: ficam cada dia mais evidentes a dificuldade e a ineficácia do trabalho isolado. É em torno de um projeto de escola, com claros objetivos de formação do aluno e do cidadão, que professores, diretores e outros profissionais da Educação devem-se congregar para um trabalho significativo junto aos alunos. E trabalhar em cooperação, integradamente, considerando as possibilidades e necessidades da transdisciplinaridade, não é uma ação espontânea, mas nasce de processos de formação intencionalmente desenvolvidos.

É interessante a observação de como os professores entrevistados se sentem à vontade

para tirar dúvidas e aprender com os demais colegas. Acredita-se que isso ocorra com

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naturalidade, em virtude da simplicidade dos professores da instituição. Não se refere aqui ao

conceito de simplicidade no sentido pejorativo, pobre, sem grandes valores, mas à

simplicidade na troca, na humildade em admitir dificuldade para transmitir certos conteúdos

solicitando ajuda a quem já passou pela experiência.

D 2 - “[...] todas as ações que eu vou tomar, converso com alguém, com algum professor [...] se as ações são viáveis, se não vai fugir muito do perfil que a gente tem que trabalhar” (PROF. 3).

Possivelmente, um dos fatores responsáveis por esta simplicidade é a demanda de

estudantes que chegam à escola que, oriundos de empresas, vêm para a instituição com várias

dúvidas, referentes à aplicação das tecnologias. Segundo o Prof. 2,

“[...] nossa escola tem uma vanta gem: nosso aluno, que já está dentro da indústria, na atividade, ele traz o real para nós, aquilo que realmente ele faz [...]”.

Assim sendo, ao que parece, os professores estão acostumados à dúvida, à pergunta, à

necessidade do outro para resolver questões do processo produtivo. Para o Prof. 3,

“[...] na Educação Profissional, os alunos já passaram por fase da vida, então já vêm um pouco mais objetivos daquilo que procuram, que querem [...]”.

Para Charlot (2002), esta busca de auxílio dos outros colegas professores demonstra

que inclusive a universidade está deixando de formar corretamente os professores. Demonstra

isso através da seguinte afirmação: “(...) a pesquisa educacional não entra ou pouco entra na

sala de aula, pois, os professores, na verdade, estão se formando mais com os outros

professores dentro das escolas do que nas aulas das universidades ou dos institutos de

formação” (CHARLOT, 2002, p. 90). Principalmente na escola de Educação Profissional,

talvez se possa dizer que os professores não só estão se formando com outros professores,

mas também com seus estudantes, diante da possibilidade de se trocar conhecimentos do

contexto industrial e tecnológico.

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A troca de experiência e, conseqüentemente, a oportunidade de observar a prática do

outro também é fator que pode contribuir para a mudança da ação pedagógica. De acordo com

o Prof. 1,

“[...] o que a gente faz no curso de tecnólogo é discutir como está o andamento da turma, entre os professores que lecionam naquela turma [...]”.

A análise que um professor ou coordenador faz sobre a prática de outro professor

também pode ser um fator de contribuição na melhoria das ações pedagógicas. O Prof. 8

afirma:

[...] quando eu passo por momentos difíceis com um aluno, eu procuro amenizar a situação. Eu procuro resolver com ele ou com o grupo. Procuro sempre resolver na paz. Quando encontro dificuldade para resolver sozinho, eu procuro a coordenação ou a orientação. Não tomo decisões sem falar com meus superiores.

Outro aspecto a se considerar são os parâmetros para mensurar a ação pedagógica,

benéficos para a reestruturação das práticas docentes. Nas palavras de Cação (2000, p. 62),

Somente em relação a outro indivíduo tornamo-nos capazes de perceber nossas características, de delinear nossas peculiaridades pessoais e nossas peculiaridades como profissionais, de diferenciar nossos interesses das metas alheias e de formular julgamento sobre nós próprios e sobre o nosso fazer. A partir do julgamento que os outros fazem de nós, do julgamento que fazemos dos outros e percebendo os julgamentos dos outros sobre nós próprios, tomamos consciência de nós mesmos, de nossas especificidades e de nossas determinações.

A presença de um outro professor para discutir e comparar a prática pedagógica são

funções essenciais para elaborar a profissionalidade.

[...] Na realidade em (...) eu trabalhei sozinho. Então foi meio difícil porque eu não tinha nenhuma experiência na docência. [...] então a gente foi levando do jeito que dava. [...]. [...] Surgiu essa vaga, daí eu vim para Joinville e fiquei com mais dois instrutores inclusive com o meu ex-professor. [...] Na realidade o que eu fiz, eu me encostei mais no Sr. (...) que foi meu professor e a gente foi aprendendo com ele a parte didática (PROF. 5).

Outro fator que contribui para o aprendizado com o outro, no interior da Escola de

Educação Profissional, é representado pela parceria existente entre escola e empresa. As

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chamadas às empresas são constantes e as solicitações de determinados conhecimentos, em

forma de cursos ou treinamentos, fazem parte da rotina de uma instituição de Educação

Profissional. Até mesmo a empresa, com a mais alta tecnologia, necessita da Escola de

Educação Profissional para proliferar o conhecimento entre seus funcionários e capacitar

pessoas da sociedade, para atender à demanda de trabalhos.

Trabalhar em uma Escola de Educação Profissional é conviver com as tecnologias

atuais e identificar que as mesmas têm data de validade, ou seja, o conhecimento é cíclico e a

postura deve ser a de reconhecimento do saber como algo a ser reconstruído constantemente.

Desta forma, o espírito de equipe entre os professores serve como fortalecimento, diante das

respostas rápidas e atualizadas necessárias a estes profissionais da educação. Para Perrenoud

(2002, p. 183) “o desenvolvimento das novas tecnologias, a diferenciação do ensino, os

procedimentos de projeto, a educação para a cidadania também passam a ser, cada vez mais,

ações coletivas”.

Ainda, quanto às trocas de experiências entre os professores, o Prof. 4 declara:

D 2 - [...] assisti muita aula, tive várias professoras como colegas de trabalho, e foi dali que a gente foi pegando um pouquinho de um, pouquinho de outro, uma característica daqui, outra de lá e sempre envolvido [...] 100% das vezes procurando ajuda com outros professores, pessoal já mais experiente, maior vivência em sala de aula.

Outra fonte de aprendizagem mencionada pelos professores como um recurso de

significativa aprendizagem é a leitura de bibliografias pedagógicas, consultadas para o

aprimoramento e complemento da aprendizagem do professor. Os professores que ressaltaram

esta questão são oriundos de cursos de licenciatura. Nas licenciaturas, a formação é

acadêmica, de cunho mais teórico que prático. A orientação para a leitura e pesquisa é

predominante, assim como a aprendizagem das disciplinas que licenciam o professor a

lecionar. O Prof. 6 e o Prof. 3 ponderam o seguinte:

[...] na faculdade, eu aprendi à beça [...] quem sabe, aprendi mais no próprio trabalhar, no próprio fazer; trabalhei bastante, estudei bastante sozinha e também, aos poucos, por trabalhar em outras escolas, fui encontrando mais parceiros de estudo [...] acredito que houve um crescimento [...] fui me auto-desenvolvendo como autodidata; eu estudei, fiz curso de pós-graduação, fiz outros cursos, sempre que havia cursos proporcionados pela escola, eu sempre participei e também outros pelos quais eu sempre procurava (PROF. 6).

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D 5 – “[...] eu tento buscar outras fontes, matéria que eu vejo que eu não domino o assunto [...] pesquiso, investigo, vou procurar alguma bibliografia na área [...]” (PROF. 3).

A narrativa do Prof. 1, já utilizada em uma categoria anterior, aborda a questão da

importância das disciplinas da licenciatura:

D 4 – “[...] são disciplinas que, no ca so, são importantes [...] a gente precisa entender de que forma o conhecimento é construído numa pessoa [...] sobre a parte de legislação, [...] as técnicas que você pode usar, laboratório, aulas práticas, teóricas, enfim, as técnicas de ensino [...]”.

Esta categoria, ‘Fontes de Aprendizagem’, apresenta a interação entre professor e seus

parceiros de trabalho, assim como as interações entre professores e suas histórias acadêmicas,

profissionais e pessoais. É nesta junção entre as mais variadas dimensões que há o surgimento

da profissionalidade do professor. As mais variadas experiências da vida profissional docente

certamente terão um valor para a formação do professor, sejam elas experiências com os

colegas professores, com a coordenação, com a direção, com os próprios estudantes, com os

modelos de ex-professores, com a filosofia da instituição, as parcerias com as empresas, as

leituras, pesquisas e/ou através da formação continuada ou inicial. Tudo isso serve para

fortalecer e aprimorar a essência pedagógica do professor.

Neste sentido, acredita-se, neste estudo, que as fontes de aprendizagem podem ser as

mais diversas possíveis, pois o professor ao interagir com as instâncias citadas constrói sua

identidade profissional. Desta forma, considera-se que a “ carteira de identidade profissional”

será registrada de acordo com os mecanismos experienciais realizados pelo professor e os

significados atribuídos a estas experiências. Porém, é importante que o professor se

predisponha a constantemente reelaborar sua prática pedagógica. Quando não se pensa em

aprender ou melhorar como profissional professor, não se buscam novas fontes de

aprendizagem e, conseqüentemente, não se constrói e reconstrói na ação profissional da

docência. Encerra-se esta categoria com Tardif (2002, p. 57), para quem,

[...] se uma pessoa ensina durante 30 anos, ela não faz simplesmente alguma coisa, ela faz também alguma coisa de si mesma: sua identidade carrega as marcas de sua própria atividade, e uma boa parte de sua existência é caracterizada por sua atuação profissional. [...] com o passar do tempo, ela vai-se tornando – aos seus próprios olhos e aos olhos dos outros – um professor, com sua cultura, seu ethos, suas idéias, suas funções, seus interesses, etc. Ora, se o trabalho modifica o trabalhador e a sua identidade,

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modifica também, sempre com o passar do tempo, o seu ‘saber trabalhar’. De fato, em toda ocupação, o tempo surge como um fator importante para compreender os saberes dos trabalhadores, uma vez que trabalhar remete a aprender a trabalhar, ou seja, a dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho: ‘ a vida é breve, a arte é longa’, diz o provérbio.

3.5 SIGNIFICADOS E SENTIDOS ATRIBUÍDOS À PROFISSÃO PROFESSOR

O sentido que o professor atribui à sua função é de extrema importância para o

desenvolvimento das aptidões profissionais. Valorizar ou acreditar na profissão são atributos

que servem de alavanca para a construção e reconstrução dos aspectos que envolvem a

metodologia de ensino-aprendizagem. O valor atribuído à docência certamente motivará o

professor para novas aprendizagens e reflexões sobre sua função e papel no contexto social.

Desta forma, a dimensão dos saberes para ensinar será mais facilmente utilizada e,

possivelmente, mais procurada pelo professor interessado em compor e ampliar a

aprendizagem didática, pedagógica e relacional, necessárias à qualidade do trabalho docente.

Entende-se aqui, que, quanto aos saberes para ensinar,

[...] esta dimensão abrange diferentes ângulos, dentre os quais o conhecimento produzido pelo professor sobre os alunos (sua origem social, suas experiências prévias, seus conhecimentos anteriores, sua capacidade de aprender, sua inserção na sociedade, suas expectativas e necessidades), o conhecimento sobre finalidades e utilização dos procedimentos didáticos (os mais úteis e eficazes para a realização da tarefa didática que devem desempenhar), o conhecimento sobre os objetivos educacionais e seus compromissos como cidadão e profissional (visão de Educação, objetivos da Educação, formação de determinado tipo de homem, tendo em vista um determinado e desejado tipo de sociedade) (PLACCO e SILVA, 2000, p. 27).

Sobre o sentido atribuído à profissão de professor, sete professores entrevistados

falaram abertamente sobre a gratificação pessoal encontrada na docência. Mesmo para o

PROF. 10, que deixou a função de diretor e o altíssimo salário em uma reconhecida empresa

no Rio de Janeiro, até a PROF. 6 que, na adolescência, já se direcionava para a docência, é

nítida a gratificação e orgulho em exercer a profissão professor. Segundo o Prof. 10,

E 1 – “[...] para mim, é a melhor coisa do mundo. Para mim, é o que me deixa contente todo dia, é o que me faz, que me dá alegria, de eu poder levantar e ir trabalhar com três jornadas diárias, e eu sempre quis fazer isso na minha vida”.

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O sentido que os professores atribuem à profissão é elemento muito significativo para

a sua formação. Este aspecto é, em grande parte, o responsável pela garantia (ou não) da

gratificação pessoal, fundamental para assegurar a permanência destes profissionais na

docência e necessário para o estímulo à ação pedagógica consciente. Esta dimensão

possibilita, com maior naturalidade, a troca de conhecimentos e a interação pedagógica com

outros professores e estudantes.

O Prof. 1 e o Prof. 5, respectivamente, também apresentam uma interpretação

gratificante em relação à profissão de professor:

E 1 – [...] eu sou um profissional assim... que sou bastante realizado, porque trabalhar com pessoas é uma coisa bem gratificante; não é muito fácil de fazer, mas é bastante gratificante quando você encontra um aluno que está bem, que evoluiu, você conseguiu plantar nele alguma coisa importante, que usou para construir a vida pessoal, nessa linha aí.

E 1 – “[...] quando você, digamos assim, está bem preparado é até gratificante, porque você vê que o aluno vai aprendendo, a gente vai conversando com o aluno, o aluno vai ficando contente”.

Tanto o Prof. 2 quanto o Prof. 3 demonstram satisfação diante da ocorrência de

aprendizagem em relação ao conteúdo ensinado; o professor sente-se agraciado pelo retorno

dado pelos estudantes. Os demais professores relataram o seguinte:

E 1 – [...] você está trabalhando na mais maravilhosa realização da natureza, que é o cérebro humano, maravilhoso por isso. Então isso é fantástico. Se você puder ajudar, tem uma satisfação muito grande quando você vê que alguma coisa que você contribui, surgiu o reflexo, quase de imediato, lá na atividade profissional desse nosso aluno, que trabalha na empresa’ (PROF. 2).

E 1 – “[...] eu acho que a profissão professor é muito, mas muito, muito importante [...]” (PROF. 4).

E 1 – [...] considero a melhor profissão. Para mim, a número um em todas as profissões. Considero berço de tudo. [...] eu entendo como a profissão do crescimento, da sabedoria e de abertura para o mundo. É uma verdadeira janela aberta, é um olhar pra dentro e ao mesmo tempo um olhar pra fora, eu considero como a melhor profissão, fantástica (PROF. 6).

E 1 – [...] é uma coisa que tem relação com vocação pessoal, com realização pessoal, com engrandecimento geral. Eu hoje sou muito

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feliz enquanto professora; acho que tenho uma responsabilidade enorme, tanto do ponto de vista de apoio e de suporte à indústria como de suporte ao próprio empregado ou futuro empregado (PROF. 9).

Outro fator recorrente é o compromisso social e ético assumido pelos professores de

Educação Profissional. Percebe-se, a partir da narrativa destes quatro professores, que eles

têm muita responsabilidade, ao assumir uma sala de aula. Diante desta atitude pode-se

constatar que os professores pesquisados têm a dimensão política presente na atividade

pedagógica.

A dimensão política revela-se pela relação ética do educador com a realidade social mais ampla; pela busca de um relacionamento entre o que faz e a realidade do aluno; pela percepção de seu papel social e do papel social do aluno; pela busca em conhecer e analisar criticamente a realidade, buscando contextualizar o conteúdo programático e as formas de trabalho que desenvolve, para garantir a pertinência social de seus objetivos educacionais e sua responsabilidade diante da formação (PLACCO, 2002, p 20).

Além disso, a exigência do estudante da Educação Profissional, mais maduro e com

experiência profissional, requer que o professor venha bem preparado para a sala de aula.

Neste caso, a experiência profissional dos estudantes pode ser o fator significativo. As

experiências que os estudantes trazem do universo empresarial facilitam a comunicação entre

professor e estudante e, conseqüentemente, a exigência do preparo do professor. Conforme o

Prof. 2,

“[...] não tem como enganar, fazer pose de sério, fazer pose de bravo, fazer pose de sabe; não sabe, não adianta, ele percebe que tu tem preparação, ele percebe que aquela aula foi ou não planejada, então não adianta fazer errado”.

E, ainda,

E 2 – [...] na área técnica, que a gente trabalha, a área técnica tem uma coisa, eu posso colocar no papel, mas isso tem que obedecer a âmbitos naturais, porque senão, lá na frente, na aplicação daquilo como técnica, hoje não funciona, e as lei naturais são infalíveis, não são humanas que é mais ou menos, ou é aquilo ou não é, então direcionamento, componente do processo tem que ser exato, senão dá um problema, você pode por em risco vida de pessoas dentro de empresa, você pode ter ‘n’ problemas, então existe essa compreensão, tem que ter (PROF. 2).

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E 2 – “[...] a educação profissional, que é a que eu conheço, que eu vi nos últimos anos aí, eu acho que ela é uma área muito importante, muito importante mesmo pra indústria, pra sociedade, pro desenvolvimento da pessoa, por exemplo” (PROF. 4).

E 2 – [...] acho que ser professor é uma das maiores responsabilidades. Exige que o professor tenha maior competência, porque ele vai estar formando essa competência do futuro. Então ele precisa se capacitar o suficiente, dentro da área de conhecimento dele e também pedagógica e como articular essa competência profissional que ele tem, as competências educacionais do ensino pra que ele também possa formar um profissional que tenha competência no mercado de trabalho (PROF. 7).

E 2 – “[...] Olha, imagine, se não tiver alguém para guiar o povo, como é que fica. Eu me sinto muito feliz em ensinar para o outro. Me preparo bastante” (PROF. 8).

A materialização dos conhecimentos ensinados pelo professor de Educação

Profissional, certamente, é mais rapidamente observável em relação ao que ocorre na

Educação Básica. Os próprios laboratórios encontrados na instituição, assim como a utilização

dos conhecimentos no setor produtivo das empresas em que trabalham os estudantes,

contribuem para isso.

Além dos aspectos mencionados, é a interação existente no âmbito escolar, o

reconhecimento da figura de autoridade encontrada no professor, que favorecem para a

continuidade na docência. É isso que se pode perceber na narrativa que segue:

E 3 – [...] a profissão de professor, pra mim ela não é um fim, é uma construção, porque eu acho que a partir das trocas, a gente consegue formar alguma coisa. Eu vejo como uma profissão muito feliz, porque eu pelo menos consigo ter essa relação de troca, consigo contribuir com o mínimo e extrair o máximo, pelo menos na parte profissional. Assim, na educação profissional, eu senti isso. Quando trabalhei ano passado, no ensino médio e no ensino fundamental, não consegui perceber isso, na educação profissional já consegui ver essa troca mesmo (PROF. 3).

Vale mencionar que os estudantes dos cursos de Educação Profissional,

principalmente os adultos, na maioria, são oriundos dos cursos supletivos, do processo

produtivo, e vêem no professor o profissional que lhes pode proporcionar os conhecimentos

para a ascensão profissional.

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Em síntese, a categoria aqui analisada repercute na constituição da profissionalidade

docente, visto que o significado atribuído pelo professor à sua profissão é algo muito

subjetivo e intimamente relacionado às representações externas/sociais (e a partir daí

internalizadas) construídas acerca desta profissão.

3.6 IDENTIDADE PROFISSIONAL: INSTRUTOR OU PROFESSOR

Antes de iniciar, vale ressaltar o porquê da idéia de apresentar as terminologias

instrutor ou professor. Esta era uma das questões do roteiro de entrevista e foi feita com o

objetivo de descobrir a identidade assimilada e reconhecida pelo profissional de Educação

Profissional. Na instituição pesquisada, todos os profissionais que atuam na Educação

Profissional são registrados como instrutores. A partir de 2003, com o início da modalidade

do Ensino Médio, houve, na instituição, definitivamente, uma cisão entre professor e instrutor,

ficando a denominação de professor para os que atuam no Ensino Médio e de instrutor aos

profissionais que atuam com os cursos de Educação Profissional (tanto no nível básico,

quanto técnico ou tecnológico).

Para compreender melhor esta separação de categorias de contratação, vale lembrar

que a profissão de professor tem direitos adquiridos legalmente, que não se atribuem à

profissão de instrutor. A Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, nos artigo 317 a 32426,

26 Art. 317. O exercício remunerado do magistério, em estabelecimentos particulares de ensino, exigirá apenas a habilitação geral e o registro do Ministério da Educação. Art. 318. Num mesmo estabelecimento de ensino não poderá o professor dar, por dia, mais de quatro aulas consecutivas, nem mais de seis, intercaladas. Art. 319. Aos professores são vedados, aos domingos, a regência de aulas e o trabalho em exames. Art. 320. A remuneração dos professores será fixada pelo número de aulas semanais, na conformidade dos horários. § 1º O pagamento far-se-á mensalmente, considerando-se para este efeito cada mês constituído de quatro semanas e meia. § 2º Vencido cada mês, será descontada, na remuneração dos professores, a importância correspondente ao número de aulas a que tiveram faltado. § 3º Não serão descontadas, no decurso de nove dias, as faltas verificadas por motivo de gala ou de luto em conseqüência de falecimento de cônjuge, do pai ou mãe, ou de filho. Art. 321. Sempre que o estabelecimento de ensino tiver necessidade de aumentar o número de aulas marcado nos horário, remunerará o professor, findo cada mês, com uma importância correspondente ao número de aulas excedentes. Art. 322. No período de exame e no de férias, escolares, é assegurado aos professores o pagamento, na mesma periodicidade contratual da remuneração por eles percebida, na conformidade dos horários, durante período de aulas.

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apresenta os direitos trabalhistas da categoria de professor. O instrutor, por exemplo, tem a

hora/aula de 60 minutos, enquanto para o professor esta é no máximo de 50 minutos; a

remuneração, nas férias, também é diferenciada. Há, ainda, outras vantagens, das quais

somente os que têm licenciatura podem usufruir.

A princípio, o conceito do termo instrutor está relacionado à atividade de instruir, a

qual parece apenas privilegiar o ensino e desconsiderar os processos de aprendizagem e as

variadas dimensões do estudante ou “in struído”. Recorrendo ao Dicionário Aurélio, encontra -

se a seguinte definição para o termo: “instrutor [...] que ou aquele que instrui, que ensina, que

adestra” (FERREIRA, 1988, p. 364).

A denominação para a contratação, ao que parece, não altera a imagem que o

profissional de Educação Profissional faz sobre a sua função, ou seja, se auto-reconhecendo,

muitas vezes, como professor. Conforme a entrevista feita com estes profissionais, diante da

pergunta “você se considera professor ou instrutor? Por quê?”, s ete professores disseram se

considerar professores, conforme segue:

F 1 – (...) a minha função é professor do ensino tecnólogo (PROF. 1).

F 1 – [...] eu me considero um professor, porque eu nunca procurei no dicionário saber o que significa ser professor mesmo, mas, no meu entendimento, professor é aquele que ensina, que, na realidade, não precisa ter a formação pedagógica, digamos assim. Então, eu me considero professor e o aluno também me considera professor, porque ele me chama de professor, porque antigamente [...] não me lembro agora... ah, o instrutor adestra e o professor ensina, e nessa nova filosofia de educação por competência na realidade você tem que ser professor. Você não pode ser instrutor, tanto que, se um instrutor adestra a gente, nessa nova filosofia, não pode sair daqui uma pessoa que simplesmente reproduz as tarefas que aprendeu, ele vai pensar, criar, vai realmente botar pra fora a sua competência. Eu me considero professor (PROF. 5).

Referindo-se ao estudante, o Prof. 2 menciona considerar-se professor,

Art. 323. Não será permitido o funcionamento do estabelecimento particular de ensino que não remunere condignamente os seus professores, ou não lhes pague pontualmente a remuneração de cada mês. Parágrafo único. Compete ao Ministério da Educação e Cultura ficar os critérios para a determinação da condigna remuneração devida aos professores bem como assegurar a execução do preceito estabelecido no presente artigo. Art. 324. Revogada pela L. 7.855, de 24.10.89, DOU de 25.10.89, LTr53/1418. (CLT, 1999, p. 229-233).

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F 1 – “[...] Tanto que a minha função aqui é que ele sinta -me como professor”.

F 1 – [...] Eu me considero um professor. [...] Porque eu penso que eu tenho algumas características que, digamos assim, que me colocam numa situação de professor e não apenas de instrutor porque, em alguns casos, por exemplo, você acaba... eu sempre trabalhei em tempo integral nas escolas, então você acaba não tendo só o contato com o aluno naquele instante em sala de aula, você acaba tendo envolvimento com o aluno (PROF. 4).

F 1 – [...] eu posso dizer que eu me considero professora, embora esse 'professora' muitas vezes também parece que passa a idéia de professar, de ser o maioral. Não me coloco nesse sentido, mas a pessoa que tem um conhecimento, uma informação, capaz de caminhar e buscar mais, aprender e de poder ajudar a abrir um espaço para as pessoas aprenderem também. Não me considero uma pessoa que está lá pra impor, pra colocar um monte de idéias na cabeça das pessoas do meu jeito e está acabado, mas compartilhar, socializar com eles, levar informações buscar, ser pesquisadora dentro desse trabalho, não como uma pessoa que detém a sabedoria; que bom se detivesse a sabedoria, mas eu me considero professora pegando um pouquinho da diferença entre um e outro (PROF. 6).

F 1 – [...] Professor. [...] Se nós, como professores, não mudarmos a nossa cultura de tratar o aluno e o aluno não mudar a cultura dele, nós vamos continuar formando profissionais que não sabem utilizar, de forma adequada, o conhecimento que aprenderam. Eles simplesmente vão reproduzir aquilo que aprenderam em sala de aula (PROF. 7).

F 1 – [...] Eu me considero uma professora, principalmente quando se refere a turmas com pessoas mais jovens, que precisam mais da gente do que os adultos. Vamos dizer assim: os adultos já são formados enquanto pessoas, já têm uma boa referência, uma orientação. O adulto precisa só de um instrutor, do ponto de vista técnico; ele já é uma pessoa com uma personalidade formada, ele tem a sua opinião, ele quer alguém mais para mais para poder trocar idéias do que propriamente para receber uma orientação ou, até mesmo, às vezes, um apoio pessoal. Então, uma professora... acho que se encaixa melhor hoje para mim (PROF. 9).

Dois dos entrevistados se identificaram como instrutores:

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F 2 – “[...] eu me considero instrutor. Eu, para dizer que sou professor, eu me considero muito defasado. Como instrutor, eu me considero bom. Como professor, eu acho que me falta a faculdade. Eu não tenho faculdade, principalmente direcionada às disciplinas pedagógicas” (PROF. 8).

F 2 – [...] olha, eu acho que me considero um instrutor. Eu até falo toda aula que chego, a primeira, o primeiro contato com a turma, eu, a princípio pareço que sou muito rígido, mas não sou. Eu falo com meus alunos assim... que eu não gosto nem de ser chamado como professor, eu gosto de ser chamado até pelo meu nome (PROF. 10).

Um dos entrevistados declara que, nos cursos técnicos, se sente instrutor e, no Curso

Superior de Tecnologia, se sente professor.

F 3 - [...] em determinado momento professor, em determinado momento instrutor. Quando eu estou no curso técnico, eu me sinto um instrutor. Porque a cadeira de curso técnico, a minha cadeira lida mais com treinamento, uma parte de treinamento: a gente trabalha a questão da qualidade, então eu me sinto mais instruindo a buscar aquele comportamento. No tecnólogo, já sinto mais professor. Ali, realmente tem a interação, me sinto mais professor no tecnólogo do que no técnico (PROF. 3).

Segundo Ferreira (1988, p. 531), professor é “[...] aquele que professa ou ensina uma

ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina; mestre. Homem perito ou adestrado. Aquele

que professa publicamente as verdades religiosas”.

Para Nóvoa (1995b, p. 16), a constituição do professor implica na absorção de alguns

requisitos fundamentais para o processo identitário do profissional da educação, de acordo

com o texto a seguir:

Como é que cada um se tornou no professor que é hoje? E porquê? De que forma a ação pedagógica é influenciada pelas características pessoais e pelo percurso de vida profissional de cada professor? As respostas levar-nos-iam longe demais. Mas talvez valha a pena mencionar brevemente os três AAA que sustentam o processo identitário dos professores: A de Adesão, A de Ação, A de Autoconsciência. - A de Adesão, porque ser professor implica sempre a adesão a princípios e

a valores, a adoção de projetos, um investimento positivo nas potencialidades das crianças e dos jovens.

- A de Ação, porque também aqui, na escolha das melhores maneiras de agir, se jogam decisões do foro profissional e do foro pessoal. Todos sabemos que certas técnicas e métodos ‘colam’ melhor com a nossa maneira de ser do que outros. Todos sabemos que o sucesso ou o insucesso de certas experiências ‘marcam’ a nossa postura pedagógica, fazendo-nos sentir bem ou mal com esta ou com aquela maneira de trabalhar na sala de aula.

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- A de Autoconsciência, porque em última análise tudo se decide no processo de reflexão que o professor leva a cabo sobre a sua própria ação. É uma dimensão decisiva da profissão docente, na medida em que a mudança e a inovação pedagógica estão intimamente dependentes deste pensamento reflexivo.

A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor (grifo do autor).

Vale ressaltar que, mesmo ao se reconhecer professor, os entrevistados ainda deixam

vestígios, em suas narrativas, da necessidade de, na sua formação, perpassarem pelos

conhecimentos pedagógicos, quais sejam a didática, estrutura e funcionamento do ensino,

metodologia do ensino, psicologia, filosofia, dentre outros.

Estes conhecimentos certamente possibilitam aos professores de Educação

Profissional aprimorar a sua identidade profissional diante dos requisitos citados por Nóvoa.

A Adesão, a Ação e a Autoconsciência são quesitos construídos na prática da sala de aula.

Aderir à profissão professor requer um comprometimento com a formação pessoal e

profissional dos estudantes de tecnologia que perpassam a vida do professor. Significa estar

consciência da importância que a profissão professor apresenta na vida do estudante e,

conseqüentemente à sociedade. O Aderir significa se imbricar de responsabilidade social,

técnico, política e cultural indispensável ao professor de Educação Profissional. A ação se

efetiva na prática da sala de aula. A função professor requer um movimento dos

conhecimentos pedagógicos. Este movimento é a ação docente. Porém, é na Autoconsciência

que o professor produz e aprimora seus conceitos e ações. A autoconsciência é a engrenagem

responsável pela regulação e averiguação da atividade docente. É a maneira de se construir e

reconstruir professor. O movimento desta “engrenagem” se dá na reflexão dos conhecimentos

de pedagógicos e nos momentos de interlocução entre os professores.

É interessante observar como os professores de Educação Profissional valorizam as

disciplinas de cunho pedagógico como se estas fossem a ‘receita’ contra os males do ofício.

No entanto, é fato que a licenciatura não garante a efetiva competência no processo de ensino-

aprendizagem. A educação básica não é imune a dificuldades. Observe-se a declaração do

Prof. 9:

(...) Minha vontade é fazer Mestrado em Educação. Eu acho que tenho muito mais a absorver do ponto de vista da educação do que do

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ponto de vista técnico. [...] No momento estou fazendo uma especialização em Psicopedagogia.

Neste sentido, pode-se dizer que a identidade do profissional de Educação

Profissional, mais especificamente dos entrevistados, está pautada na função de professor,

bem como salientar a defasagem detectada por eles próprios no que se refere às bases

pedagógicas para aprimorar os procedimentos da sala de aula e, conseqüentemente, melhorar

a sua função. Alguns professores demonstram estar resolvendo esta questão. É o caso do Prof.

4:

[...] já fiz uma especialização em Gestão Empreendedora da Educação e, atualmente, estou cursando outra Pós-Graduação em Novas Tecnologias aplicadas à Educação pela Faculdade Internacional do Paraná – FACINTER.

Estas questões ilustram que a

(...) identidade do professor não é herdada, mas, construída a partir de elementos do próprio sujeito e do coletivo no qual ele está inserido. Nessa perspectiva, ela precisa ser descoberta, construída e sustentada ativamente, a partir da prática pedagógica desenvolvida por esse profissional. Ao construir sua identidade profissional, o professor constrói um conjunto de significados inter-relacionados, os quais se mostram dotados de valor para ele. Essa identidade é originada pelo próprio docente, a partir do processo de individuação por ele desenvolvido em suas relações com os outros indivíduos (SOUSA, 2003, p. 19).

Todas estas considerações levaram à constatação de que a constituição da

profissionalidade docente é um amalgama de situações, experiências, vivências, realização e

conflitos que ocorrem na trajetória da vida de uma pessoa. O ser professor não pode ser algo

distinto, à parte deste profissional, ou seja, é uma dimensão integrante de sua vida. Sua

constituição profissional se dá juntamente com as histórias da sua pessoa. As escolhas ou

recusas de fatos da vida têm um significado e um porquê. Certamente, as narrativas aqui

analisadas apresentam um universo microscópio diante dos vários motivos e situações pelos

quais passam os professores ao longo da construção da profissionalidade docente. Porém,

acreditou-se, nesta investigação, que estas categorias poderão dão pistas interessantes sobre as

tessituras da profissão docente dos profissionais de Educação Profissional.

Estas pistas apresentadas pelas categorias de pesquisa ressaltam que o professor de

Educação Profissional é um profissional com uma identidade constituída de maneira diferente

dos professores de Educação infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Estes últimos são

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professores que escolheram, na sua grande maioria a licenciatura, enquanto que os professores

de Educação Profissional, no início de carreira não tinham a docência como idéia de atividade

profissional. Desta forma, em virtude das formações acadêmica e profissional estarem

fortemente marcados pelos conhecimentos pragmáticos há a necessidade de direcionar

esforços para o estudo da prática docente destes profissionais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa pretendeu-se investigar as dimensões constitutivas da profissionalidade

dos professores de Educação Profissional na instituição pesquisada. Os estudos sobre a

constituição da profissionalidade docente exigem um novo olhar sobre as questões que a

norteiam. E, neste estudo, as narrativas dos professores envolvidos constituíram-se no

referencial das análises empreendidas. Neste sentido, foram os dados coletados junto aos

professores da educação profissional que possibilitaram a constituição das categorias de

análise, ainda que, para a construção do roteiro de entrevistas, a pesquisadora tenha se

apoiado nos referenciais da pesquisa. Considera-se que, a partir dos dados coletados, foram

definidas seis as dimensões constitutivas da profissionalidade dos professores.

A primeira categoria discutida, Percurso Acadêmico, se referiu à história acadêmica do

professor, principalmente na formação do Ensino Técnico ou do curso de graduação. Neste

caso, oito dos dez entrevistados concluíram a formação no Curso Técnico, o que pode

demonstrar que a formação do professor de Educação Profissional já se inicia antes da

graduação. O curso técnico parece ter a mesma validade para a Educação Profissional em

relação à validade do Magistério para a Educação Básica.

Na categoria Percurso Profissional, há fortes indícios para se afirmar que os

professores da Educação Profissional, na sua grande maioria, são oriundos do sistema

industrial. Cunha (2004) esclarece que este fator se deve à mão-de-obra docente da Educação

Profissional outrora ser requisitada da indústria. Os primeiros professores, segundo o autor,

vieram das empresas da Alemanha e da Suíça. Os conhecimentos práticos certamente

alicerçaram a cultura da Escola de Educação Profissional. Porém, percebeu-se, nas

entrevistas, que nove professores já possuem a graduação acadêmica concluída no seu

curriculum. Se outrora o conhecimento prático era o responsável pelo critério de entrada do

professor na escola de Educação Profissional, atualmente este fator não prepondera mais. Nos

dados pesquisados no setor de Gestão de Pessoas da instituição pesquisada, nenhum professor

é mais contratado sem, no mínimo, apresentar o certificado de graduação, fator este

indispensável para atender aos requisitos de qualidade de formação de um profissional cada

vez mais preparado para atender a demanda do contexto social e empresarial. Desta forma,

constata-se a evolução, nos últimos tempos, no que tange às questões de fundo pedagógico da

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Educação Profissional. Em outras palavras, percebe-se que houve uma inversão nos critérios

de contratação: no lugar da experiência profissional é, a formação acadêmica quem agora

determina o ingresso do professor na Escola de Educação Profissional. Desta forma, não se

descarta que a conciliação de ambas, experiência profissional e formação acadêmica, seja

benéfica para a contratação do professor de Educação Profissional.

A partir da análise das categorias: Percurso Acadêmico e Percurso Profissional,

responde-se ao primeiro questionamento da pesquisa. As trajetórias acadêmica e profissional

dos professores de Educação Profissional, na maioria dos casos, acontecem nos alicerces dos

princípios da técnica e tecnologia, ou seja, em conhecimentos pragmáticos. Em função do

número de professores pesquisados que havia cursado o Ensino Técnico e, também, atuado na

indústria, constata-se que há uma imensa necessidade de aproximar os professores dos

conteúdos necessários à formação pedagógica. Neste caso, a aproximação aos conhecimentos

pedagógicos deve ser estimulada a partir da organização de espaços de desenvolvimento

profissional.

A terceira categoria, Momento de Ingresso na Docência, apresenta dados importantes

para os administradores das Escolas de Educação Profissional. Neste caso, é mister salientar

que os professores de Educação Profissional não cursam a graduação com a idéia de ser

professor. Esta questão deixa margem para outra pesquisa no sentido de aprofundar os

motivos que levaram o professor a ingressar na docência. Porém, com o dado da não eleição

da docência no primeiro momento de formação/opção, é importante que as escolas de

Educação Profissional atentem para o fato de oportunizar aos professores espaços de

desenvolvimento profissional. Os assuntos relacionados à formação pedagógica, tais como

psicologia, avaliação, processo de aprendizagem, seja de adultos (andragogia), ou de

adolescentes, são fundamentais para o aprimoramento profissional dos professores de

Educação Profissional.

A quarta categoria, Fontes de Aprendizagem, contribuiu, e muito, para os estudos

feitos até o momento sobre o processo de aprendizagem dos professores. Assim como nas

leituras de Pimenta, Placco, Tardif, Jordell e Garcia, dentre outros, percebe-se que o professor

de Educação Profissional aprende a ser professor com seus colegas professores, com seus

estudantes, com a direção/coordenação da escola, com a instituição em que atua, com

pesquisas, leituras, palestras com educadores, com os processos produtivos da indústria, com

a sociedade, ou seja, com as situações que interagem diretamente com sua função. Porém,

estes autores também enfatizam que, para se constituir professor, existe uma significação dada

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pelo próprio professor aos conhecimentos captados do meio externo, ou seja, não se aprende a

ser professor por osmose. Esta aprendizagem requer vários fatores intrínsecos da própria

personalidade do professor. É o professor que constrói a sua aprendizagem a partir de outrem,

de forma a dar significado àquilo que quer apreender para si. Esta categoria pode representar

um estilo de pensar dos professores de Educação Profissional, ou seja, aprendem com os

outros em maior evidência, o que dá margem a pensar que procuram estratégias prontas para

serem aplicadas em sala de aula. Certamente que isto pode ser um indicador importante para a

organização da formação continuada destes professores no sentido de proporcionar os

aspectos teóricos alicerçados aos conhecimentos práticos do contexto da sala de aula.

Constatou-se, durante a análise desta categoria, a necessidade, apontada inclusive

pelos próprios professores pesquisados, de além dos recursos utilizados por eles como leitura,

pesquisa, aprendizagem dos processos produtivos nas organizações, propiciar na escola de

Educação Profissional, espaços de interlocução que favoreçam a troca entre as experiências

profissionais dos que atuam na educação. Com esta categoria, considera-se ter respondido à

segunda questão da pesquisa: “quais as maiores fontes de aprendizagem para a constituição da

profissionalidade dos professores de Educação Profissional?”.

Os Sentidos à Profissão Professor, a quinta categoria analisada, apresentou o valor e a

percepção que tem o professor sobre a sua função. Trata-se de uma continuidade dos aspectos

levantados desde a primeira categoria e que vai se somando às demais para a constituição da

profissionalidade docente. Se o percurso acadêmico, o percurso profissional, o momento do

ingresso da docência, as fontes de aprendizagem participam da formação da profissionalidade

dos professores de Educação Profissional, certamente o significado que o professor atribui e

vê atribuído à docência também determina a escolha e/ou continuidade na profissão. Existe

uma valorização acadêmica e social pela profissão docente e, ao que parece, os profissionais

entrevistados estão nela porque gostam de exercê-la, uma vez que, tendo eles uma formação

em outra área específica como, por exemplo, engenharia, podem, possivelmente, encontrar

“um caminho fácil” para deixar a docência, caso não se sintam valorizados e integrados na

profissão. Além disso, os professores de Educação Profissional têm um bom acesso às

indústrias, o que facilitaria seu ingresso ou retorno ao processo produtivo industrial. Os

professores investigados vêem a docência como uma profissão de responsabilidade social e

ética visto que, tem uma significativa influência no futuro do estudante e, concomitantemente,

do país. Explicitam que a formação profissional oportuniza aos estudantes a ascensão pessoal

e, conseqüentemente, profissional. Nesta categoria, responde-se à terceira questão de

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pesquisa: “o que, para os professores de Educação Profissional , significa a profissão

professor?”.

A categoria, Identidade Profissional: Instrutor ou Professor indica a auto-imagem do

professor em relação à sua profissão, ou melhor, ao ‘ser’ professor. Mesmo que o profissional

tenha em seu registro de trabalho a identificação de instrutor, o que é o caso dos professores

de Educação Profissional da instituição pesquisada, o cenário composto por salas de aula,

estudantes, escola, requerem uma figura de professor e não de instrutor somente. O professor

de Educação Profissional vê, em sua função, requisitos além do instruir e do ensinar a fazer. O

reconhecimento pela identidade de professor, em detrimento da identidade de instrutor,

demonstra uma visão redimensionada em relação à sua função na escola de Educação

Profissional. O professor deve conduzir o estudante para além da instrução prática, deve

prepará-lo para os desafios, tanto do presente como do futuro, tais como: continuar

aprendendo, trabalhar em equipe, pró-atividade, auto-gestão, dentre outros.

Desta forma, pode-se concluir que as dimensões que constituem a profissionalidade

docente estão fortemente articuladas com a história de vida dos professores. Estas dimensões

indicam os significados atribuídos pelos professores aos acontecimentos, fases e

aprendizagens que perpassam os caminhos até a tomada de decisão pela docência. Quando o

professor de Educação Profissional ingressa em uma escola, não está desprovido das

aprendizagens de outrora e nem dispensado das futuras aprendizagens. Conforme já

mencionado, este é um momento oportuno para as pessoas que atuam na administração da

escola de Educação Profissional reflitam sobre sua possível contribuição para a formação do

professor. As experiências passadas podem ser ressignificadas pelo professor através de

oportunidades que podem ser criadas no interior da escola de Educação Profissional para que

estes profissionais construam e/ou reflitam sobre a sua prática pedagógica.

Garcia (1999, p. 145), afirma que “[...] o desenvolvimento profissional dos professores

está intrinsecamente relacionado com a melhoria das suas condições de trabalho, com a

possibilidade institucional de maiores índices de autonomia e capacidade de ação dos

professores individual e coletivamente”.

Ainda vale ressaltar que esta pesquisa deixa uma contribuição para a instituição

pesquisada visto que, a partir de 2003, teve início o projeto do Ensino Médio Articulado à

Educação Profissional. Esta mudança foi necessária uma vez que os estudantes jovens e ativos

freqüentam desde fevereiro de 2003 o Ensino Médio e, a partir de fevereiro de 2004, em

período integral, o Ensino Médio e um dos cursos técnicos oferecidos pela instituição. Ou

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seja, a instituição passa a receber uma nova clientela e precisa se adequar a ela. Se antes os

estudantes vinham com seus conhecimentos da indústria, a formação acadêmica na maioria

das vezes permeada pelo supletivo e, muitos anos sem estudar hoje, os jovens do Ensino

Médio estão ao lado dos laboratórios de Educação Profissional, e têm diariamente nas salas de

aulas as disciplinas de educação geral27. Também são jovens com um raciocínio

extremamente ágil e, pode-se dizer que mesmo sem a experiência industrial, possuem uma

vasta experiência tecnológica, representada pela utilização dos computadores, Internet,

controles remotos, montagem e desmontagens de brinquedos eletrônicos, dentre outros

recursos juvenis. Desta forma, há de se pensar que o modelo pedagógico terá que acompanhar

os novos requisitos juvenis. Neste caso, torna-se um desafio aos professores de Educação

Profissional aprimorar as estratégias pedagógicas. A instituição pesquisada iniciou um novo

ciclo que requer ainda mais preparo pedagógico dos seus professores de Educação

Profissional.

Dentre a bibliografia consultada sobre o desenvolvimento da profissionalidade

docente, outras dimensões foram apresentadas, como por exemplo, as dimensões “crítico -

reflexiva e avaliativa” (PLACCO & SILVA, 2000). Considera -se que estas dimensões exijam

características mais específicas da formação dos professores envolvidos nesta investigação e,

mesmo não tendo a licenciatura, os professores investigados apresentam iniciativas destas

duas dimensões. A primeira dimensão enunciada: “crítico -reflexiva” requer uma formação

muito especializada já na formação inicial dos professores, uma vez que “... implica

conhecimento sobre o próprio funcionamento cognitivo pessoal, e de habilidade de auto-

regulação deste funcionamento” (GATTI apud PLACCO & SILVA, 2000). Estes

conhecimentos, vinculados aos fundamentos de Psicologia da Educação praticamente

inexistem na formação dos professores aqui investigados, mas, os professores investigados

refletem sobre a sua prática e, tentam buscar novas estratégias pedagógicas com seus colegas

professores, nas leituras, pesquisas, com a instituição, com as empresas, dentre outros fatores

de aprendizagem.

Quanto a outra categoria: “avaliativa”, foi possível perceber que a própria pesquisa

constituiu-se em instrumento provocador, por assim dizer, no sentido de que os professores

envolvidos na pesquisa passaram a refletir sobre as questões pedagógicas de seus cotidianos

escolares, pelo simples fato de responderem aos questionamentos propostos. Entretanto,

27 Neste caso, a matriz curricular do Ensino Médio da instituição é composta de: Língua Portuguesa e Literatura, Língua Estrangeira (Espanhol ou Inglês), Artes, Educação Física, Matemática, Biologia, Física, Química, História, Geografia Filosofia, Sociologia e, na parte diversificada, Comunicação e Expressão e Psicologia.

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considera-se que, na perspectiva do desenvolvimento profissional, é necessário implantarem-

se políticas de formação continuada que garantam, aos docentes de Educação Profissional,

momentos de reflexão sobre suas práticas e sobre a estrutura pedagógica da escola. Apesar de

perceber um movimento nas duas dimensões entre os professores pesquisados, faltam ainda

subsídios pedagógicos que favorecem a efetiva reflexão e mudança na prática da sala de aula.

Neste sentido, fica o desafio futuro de pensar sobre os processos de aprendizagem dos

professores de Educação Profissional, tendo em vista a organização de um adequado espaço

de desenvolvimento profissional representado pela formação continuada.

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ANEXOS

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ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA PILOTO (TESTADO COM DOIS

PROFESSORES)

1. Há quantos anos você trabalha na Instituição?

2. Qual foi a sua graduação/formação inicial e por que optou pelo curso?

3. Como aconteceu a sua trajetória profissional?

4. Você mudaria alguma coisa na sua trajetória profissional? Por quê?

5. Descreva a sua função na instituição.

6. Como você realiza o seu aprimoramento ou desenvolvimento profissional a instituição?

7. Que saberes do cotidiano escolar foram ou são importantes para a constituição da sua

profissionalidade?

8. Você se sente um profissional realizado? Por quê?

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ANEXO 2 - ROTEIRO DE ENTREVISTA OFICIAL (AQUELE UTILIZADO

DEFINITIVAMENTE)

1. Há quanto tempo você trabalha na instituição?

2. Disciplina que leciona e turmas.

3. Histórico da formação escolar.

4. Histórico da trajetória profissional.

5. Comente sobre as maiores fontes de aprendizagem no seu percurso profissional da

docência.

6. Sua opinião sobre a profissão professor/docência.

7. Diante de alguma dificuldade nas questões pedagógicas como você procura resolver?

8. Você se considera professor ou instrutor? Por quê?

9. Quais as perspectivas quanto a sua carreira profissional?

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ANEXO 3 - QUADRO DAS UNIDADES DE ENUMERAÇÃO OU FREQÜÊNCIA DE

OCORRÊNCIAS DAS SUBCATEGORIAS NAS ENTREVISTAS

Categorias/subcategorias Total A. Percurso Acadêmico A. 1. Curso Técnico mais graduação 7 A. 2. Educação Básica mais curso superior 2 A. 3. Somente o curso técnico 1 B. Percurso Profissional B. 1. Da empresa para a docência 7 B. 2. Somente docência 3 C. Momento de ingresso na docência C. 1. Quando cursava o Ensino Técnico 1 C. 2. Quando cursava o Ensino Superior 4 C. 3. Depois de concluir o Ensino Superior 2 C. 4. Na Educação Básica 1 C. 5. Diretamente na instituição pesquisada 2 D. Fontes de Aprendizagem – constituição da profissionalidade docente D. 1. Aprende com outros professores 8 D. 2. Experiências profissionais extra sala de aula 1 D. 3. Aprende com os estudantes 2 D. 4. Aprende com as disciplinas pedagógicas/licenciaturas 2 D. 5. Aprende pesquisando/lendo 2 E. Significados e sentidos atribuídos à Profissão Professor E. 1. Gratificação Pessoal 7 E. 2. Compromisso pessoal 4 E. 3. Relação de troca – interatividade 1 F. Identidade Profissional – instrutor ou professor F. 1. Instrutor 2 F. 2. Professor 7 F. 3. Professor e instrutor 1

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ANEXO 4 - ANÁLISE DE CONTEÚDO – UNIDADE DE ANÁLISE/CATEGORIAS DE

ANÁLISE

Categoria – A

Unidade de registro

Unidade de contexto

Unidade de enumeração

Percurso Acadêmico (A1)

A1. Curso técnico mais graduação

(...) ingressei aqui na instituição, estudei um ano no curso de Mecânica de Refrigeração. (...) A minha formação inicial, o curso de graduação foi licenciatura plena em Física, eu fui estudar física por uma questão bastante pessoal, foi uma questão de curiosidade, eu sempre tive uma curiosidade muito grande em saber como as coisas funcionam e não saber só o porque que elas funcionam (PROF. 1). (...) eu tenho curso técnico, depois eu fiz engenharia na UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina – Departamento de Mecânica (PROF. 2). (...) Quando eu fiz o profissionalizante. (...) Como tinha parte do bacharelado em licenciatura fui obrigado a fazer as duas coisas e acabei caindo na profissão (PROF. 3). (...) a minha formação é ensino técnico em mecânica. (...) comecei a fazer Sistema de Informação, bacharelado em Informática (PROF. 4). (...) Segundo grau na época, eu fiz o primeiro ano no Colégio Elias Moreira e os outros, fiz no CIS, atual CEDUP e também o técnico em Eletrotécnica. (...) E, em 2000, eu iniciei Tecnologia em Processos Industriais (PROF. 5). (...) no curso técnico de processamento de dados. (...) comecei a fazer engenharia elétrica (PROF. 9). (...) AFA é Academia da Força Aérea, ai fui fazer engenharia civil. Fiz engenharia civil juntamente com o processamento de dados, juntos, me formei na engenharia civil e no processamento de dados, seis meses uma da outra (PROF. 10).

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Percurso Acadêmico (A2)

A2. Educação básica mais curso superior

(...) na minha época 2º grau (...), o primeiro ano do segundo grau e, após, estava fazendo o que na época se chamava de escola normal, hoje é o pedagógico. (...) depois o curso superior de Letras (PROF. 6). (...) na minha época 2º grau, o primeiro ano fazia no primeiro ano do segundo grau e ao mesmo tempo estava fazendo o que na época se chamava de escola normal, hoje é o pedagógico. (...) depois o curso superior de Letras (PROF. 6). (...) Não, normal, regular (...) Científico. (...) A minha formação é em química industrial, fiz uma especialização na área metalúrgica, fiz o mestrado na área de engenharia de materiais e hoje estou fazendo o doutorado também na mesma área (PROF. 7)

02

Percurso Acadêmico (A3)

A3. Somente o Curso Técnico

(...) Eu fiz o supletivo no Esquema Objetivo e comecei a fazer o 2º grau, na metade do segundo ano resolvi estudar no CIS. Lá tinha o curso técnico e fui para lá. Fiz o curso técnico em Mecânica em 3 anos e eliminei as disciplinas que havia feito no Esquema (PROF. 8).

01

Categoria – B

Unidade de registro

Unidade de contexto

Unidade de enumeração

Percurso Profissional (B1)

B1. Da empresa para a docência

(...) quando eu terminei minha formação fundamental (...) depois ingressei aqui na instituição, estudei um ano no curso de mecânica de refrigeração (...) Trabalhei um ano aproximadamente com refrigeração, depois saí de lá e fui trabalhar na CIPLA na parte de produção (...) fui para a

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MULTIBRÁS (...). (PROF. 1). “Bom, eu tenho o curso técnico, depois fiz engenharia na UFSC e a partir do estágio trabalhei em indústria de segmento muito forte aqui na região; trabalhei cinco anos e depois em outras empresas médias, pequenas (...)”. (PROF. 2) “Quando eu fiz o profissionalizan te, eu trabalhei durante cinco anos numa empresa, mecânico, depois eu fui para a área de planejamento (...)”. (PROF. 3) “Quando eu estava fazendo um cursos de Educação Profissional, a TUPY me contratou (...) eu fui estagiário, depois eu passei para eletricista praticante, depois pra eletricista profissional 1, eletricista profissional 2 (...)” (PROF. 5) “Eu comecei a trabalhar na indústria (...) na Cônsul (...) Trabalhei na Fundição TUPY, na HANSEN, na WETZEL Industrial e uma trajetória curta na HM (...) depois da HM eu vim para a instituição (...)”. (PROF. 8) “(...) quando entrei no curso de processamento de dados na ETT (...) eu não trabalhei na área por muito tempo (...). Paralelo a atividade de trabalho comecei a fazer engenharia elétrica (...) permaneci nesse estágio aqui em Joinville até o final do período curricular e trabalhei nessa empresa (de instalações industriais frigoríficas) durante seis anos” (PROF. 9) “(...) Antes de eu me formar, eu tinha prestado um concurso para a SABESP (...) aí eu fiz concurso pra fiscal de obras (...) depois prestei um novo concurso para engenheiro e passei em terceiro lugar (...) recebi um convite de um professor meu de assumir um lugar de um engenheiro de manutenção na editora Abril (...). Tinha uma gerente do grupo (ela abriu uma empresa) me convidou para ser um dos diretores dela (...)” (PROF. 10).

Percurso Profissional (B2) B2. Somente docência

“Eu, desde 1990, final de 89, início de 90, que trabalho em escola, era no RS (...). Nunca trabalhei em empresa” (PROF. 4) “Comecei no município, logo em seguida na escola Técnica TUPY, em seguida já no Elias Moreira e em seguida aqui na instituição (...)” (PROF. 6). (...) Iniciou ainda lá na escola técnica, na época que eu estava na faculdade; na verdade iniciou em um centro de pesquisa que tinha aqui em Joinville, e daí passei para a escola técnica, da escola técnica entrei pra UDESC, eu comecei como bolsista (...). (PROF. 7)

03

Categoria - C Unidade de registro Unidade de contexto Unidade de enumeração

Momento de ingresso na docência

(C1)

C1. Quando cursava o Ensino Técnico

“(...) na verdade comecei minha carreira na escola como estagiário. (...) como estagiário mesmo, desde fazer manutenção e tal (...) Quando eu terminei o curso técnico (...) eu dei um curso de CAD na escola e o pessoal acabou gostando e pediu que eu trabalhasse algumas aulas, aí eu fiquei um ano como professor assistente, aí depois de um ano então, eu fui assumir algumas disciplinas como professor titular (...)” (PROF. 4)

01

Momento de ingresso na docência

(C2)

C2. Quando cursava o Ensino Superior

“(...) em 97 foi também a primeira vez que comecei a trabalhar com educação profissional, trabalhava numa escola que era mantida pela NESTLÉ...) Na faculdade quando eu comecei a ser professor substituto, e depois tive uma oportunidade de trabalhar no colégio de aplicação (...) eu também já trabalhava um pouco com treinamento na empresa (...) e aí eu fui tomando gosto, fui gostando da profissão”. (PROF. 3)

04

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“(...) ao mesmo tempo que eu estava no curso superior de letras eu atuei como professora de 1ª a 4ª série no município” (PROF. 6). “(...) depois de dois anos e meio na UDESC, também na UNIVILLE como professor horista, e daí comecei a dar aula também no curso de tecnologia (...)” (PROF. 7) “(...) eu fiz o cur so de ensino superior em engenharia elétrica (...) eu acabei sendo professora de matérias técnicas mesmo (...) durante os dois últimos anos de faculdade tendo matérias em sala de aula eu já era professora de eletrônica (...)” (PROF. 9).

Momento de ingresso na docência

(C3)

C3. Depois de concluir o Ensino Superior

“Depois terminei o curso técnico e ingressei no curso de física; terminei o curso de física e comecei a dar aulas na segunda fase do curso, quando desisti de trabalhar e fiz a opção de ensinar, lecionar (...)”. (PROF. 1) “(...) Eu sempre dei aula, só que para minha família é uma profissão assim que não é bem vista, sempre trabalhei de forma obscura, a noite, até dei aula na própria FACET, até dei aula como professor assim auxiliar na Unicamp, (...) no objetivo, no Anglo (...)” (PROF. 10)

02

Momento de

ingresso na docência (C4)

BC. Na Educação Básica

“(...) eu dei aula muito tempo no pró -saber, grupo de professores de reforço (...) eu trabalhava com alunos com aula particular (...) aí eu entrei nessa área de professor, depois trabalhei com física, matemática e também em escola pública (...) UNIVILLE, trabalhei no colégio de aplicação lá (...)” (PROF. 2).

01

Momento de

ingresso na docência (C5)

C5. Diretamente na instituição pesquisada

“(...) fiz o concurso da instituição, aí eu entrei no em 87 (...)”. (PROF. 5) “(...) Após concluir o Ensino Técnico de Mecânica fiz um novo concurso, desta vez interno (...) assumi a vaga de instrutor de mecânica (...)”. (PROF. 8).

02

Categoria - D Unidade de registro Unidade de contexto Unidade de enumeração

Fontes de aprendizagem – constituição da

profissionalidade docente (D1)

D1. Aprende (u) com outros professores

“(...) são experiências que eles têm, são situações que ocorrem só dentro da sala de aula, não ocorrem no curso (...) e ter a experiência de um professor que já teve, que já passou por isso é bastante importante (...) não que vá copiar, cada professor tem um estilo, uma maneira de pensar, mas de certa forma é uma forma de conduzir um caminho mais certo” (PROF. 1) “(...) todas as ações que eu vou tomar converso com alguém, com algum professor (...) se as ações são viáveis, se não vai fugir muito do perfil que a gente tem que trabalhar” (PROF. 3) “(...) assisti muita aula, tive várias professoras como colegas de trabalho e foi dali que a gente foi pegando um pouquinho de um, pouquinho de outro, uma característica daqui, outra de lá e sempre envolvido (...)” (PROF. 4) “(...) 100% das vezes procurando ajuda com outros professores, pessoal mais experiência, maior vivência em sala de aula (...)” (PROF. 4)

04

Fontes de aprendizagem – constituição da

profissionalidade docente (D2)

D2. Experiências profissionais extras-salas de

aula

“(...) as experiências que eu tive foram em diversas áreas; a gente aprende com essas coisas, não trocaria nada” (PROF. 1)

01

Fontes de aprendizagem – constituição da

profissionalidade docente (D3)

D3. Aprende com os estudantes

“(...) eu trabalhava com alunos em aula particular, às vezes grupos (...) ali eu desenvolvi muito esse jeito de explicar e prestar atenção e perceber o que falta pra ele [aluno] mesmo perceber o que ele pode fazer” (PROF. 2)

01

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Fontes de aprendizagem – constituição da

profissionalidade docente (D4)

D4. Aprende com as disciplinas

pedagógicas/licenciatura

“S ão disciplinas que, no caso, são importantes (...) a gente precisa entender de que forma o conhecimento é construído numa pessoa (...) a parte de legislação, (...) as técnicas que você pode usar, laboratório, aulas práticas, teóricas, enfim, as técnicas de ensino (...)” (PROF. 1)

01

Fontes de aprendizagem – constituição da

profissionalidade docente (D5)

D5. Aprende pesquisando, lendo.

(...) eu tento buscar outras fontes, matéria que eu vejo que eu não domino o assunto (...) pesquiso, investigo, vou procurar alguma bibliografia na área (...)” (PROF. 3)

01

Categoria - E Unidade de registro Unidade de contexto Unidade de enumeração

Sentidos e significados

atribuídos a à Profissão Professor

(E1)

E1. Gratificação pessoal

(...) eu sou um profissional assim... que sou bastante realizado, porque trabalhar com pessoas é uma coisa bem gratificante, não é muito fácil de fazer, mas é bastante gratificante quando você encontra um aluno que está bem, que evoluiu; você conseguiu plantar nele alguma coisa importante que usou para construir a vida pessoal, nessa linha aí (PROF. 1). (...) você está trabalhando na mais maravilhosa realização da natureza, que é o cérebro humano, maravilhoso por isso. Então isso é fantástico; se você puder ajudar tem uma satisfação muito grande quando você vê que alguma coisa que você contribui surgiu o reflexo quase de imediato lá na atividade profissional desse nosso aluno que trabalha na empresa (PROF. 2). (...) eu acho que a profissão professor é muito, mas muito, muito importante eu acho que deveria ter um reconhecimento (PROF. 4). (...) quando você, digamos assim, está bem preparado é até gratificante porque você que o aluno vai aprendendo, a gente vai conversando com o aluno, o aluno vai ficando contente (PROF. 5). (...) considero a melhor profissão. Pra mim a número um em todas as profissões. Considero berço de tudo. (...) eu entendo como a profissão do crescimento, da sabedoria e de abertura para o mundo é uma verdadeira janela aberta é um olhar pra dentro e ao mesmo tempo um olhar pra fora, eu considero como a melhor profissão, fantástica (PROF. 6). (...) é uma coisa que tem relação com vocação pessoal com realização pessoal com engrandecimento geral, eu hoje sou muito feliz enquanto professora, acho que tenho uma responsabilidade enorme, tanto do ponto de vista de apoio e de suporte a indústria como de suporte ao próprio empregado ou futuro empregado (PROF. 9). (...) para mim é a melhor coisa do mundo. Para mim é o que me deixa contente todo dia, é o que me faz, que me dá alegria, de eu poder levantar e ir trabalhar com três jornadas diárias, e eu sempre quis fazer isso na minha vida (PROF. 10).

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Sentidos e significados

atribuídos a à Profissão Professor

(E2)

E2. Compromisso social

(...) na área técnica que a gente trabalha, a área técnica tem uma coisa, eu posso colocar no papel, mas isso tem que obedecer a âmbitos naturais, porque senão lá na frente na aplicação daquilo como técnica hoje não funciona e as lei naturais são infalíveis não são humanas que é mais ou menos, ou é aquilo ou não é, então direcionamento, componente do processo tem que ser exato senão dá um problema você pode por em risco vida de pessoas dentro de empresa, você pode ter “ene” problemas, então existe essa compreensão tem que ter (PROF. 2).

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(...) a educação profissional o que é a que eu conheço que eu vi nos últimos anos aí eu acho que ela é uma área muito importante, muito importante mesmo pra indústria, pra sociedade, pro desenvolvimento da pessoa, por exemplo (PROF. 4). (...) acho que ser professor é uma das maiores responsabilidades. Exige que o professor tenha maior competência, porque ele vai estar formando essa competência do futuro. Então ele precisa se capacitar o suficiente dentro da área de conhecimento dele, e também pedagógica e como articular essa competência profissional que ele tem as competências educacionais do ensino pra que ele também possa formar um profissional que tenha competência no mercado de trabalho (PROF. 7). (...) olha imagine se não tiver alguém para guiar o povo como é que fica. Eu me sinto muito feliz em ensinar para o outro. Me preparo bastante (PROF. 8).

Sentidos e significados

atribuídos a à Profissão Professor

(E3)

E3. Relação de troca – interatividade

(...) a profissão de professor pra mim ela não é um fim, é uma construção porque eu acho que a partir das trocas é que a gente consegue formar alguma coisa, eu vejo como uma profissão muito feliz porque eu pelo menos consigo ter essa relação de troca, consigo contribuir com o mínimo e extrair o máximo, pelo menos na parte profissional, assim na educação profissional eu senti isso, quando trabalhei ano passado no ensino médio e no ensino fundamental não consegui perceber isso, na educação profissional já consegui ver essa troca mesmo (PROF. 3).

01

Categoria - F Unidade de registro Unidade de contexto Unidade de enumeração

Identidade profissional - instrutor ou professor (F1)

F1. Instrutor

(...) eu me considero instrutor. Eu para dizer que sou professor, eu me considero muito defasado. Como instrutor, eu me considero bom. Como professor, eu acho que me falta a faculdade. Eu não tenho faculdade, principalmente direcionada às disciplinas pedagógicas (PROF. 8). (...) olha eu acho que me considero um instrutor. Eu até falo toda aula que chego, a primeira, o primeiro contato com a turma, eu, a princípio pareço que sou muito rígido, mas não sou, eu falo com meus alunos assim que eu não gosto nem de ser chamado como professor, eu gosto de ser chamado até pelo meu nome (PROF. 10).

02

Identidade profissional -

instrutor ou professor (F2)

F2. Professor

“A minha função é professor do ensino tecnólogo” (PROF. 1). (...) tanto que a minha função aqui é que ele sinta-me como professor (PROF. 2). (...) eu me considero um professor, porque eu nunca procurei no dicionário saber o que significa ser professor mesmo, mas, no meu entendimento, professor é aquele que ensina, que, na realidade, não precisa ter a formação pedagógica, digamos assim. Então, eu me considero professor e, o aluno, também me considera professor, porque ele me chama de professor, porque antigamente (...) não me lembro agora... ah, o instrutor adestra e o professor ensina, e nessa nova filosofia de educação por competência na realidade você tem que ser professor. Você não pode ser instrutor, tanto que, se

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um instrutor adestra a gente, nessa nova filosofia, não pode sair daqui uma pessoa que simplesmente reproduz as tarefas que aprendeu, ele vai pensar, criar, vai realmente botar pra fora a sua competência. Eu me considero professor (PROF. 5). (...) eu me considero um professor. (...) Porque eu penso que eu tenho algumas características que digamos assim que me colocam numa situação de professor e não apenas de instrutor porque em alguns casos, por exemplo, você acaba, eu sempre trabalhei em tempo integral nas escolas, então você acaba não tendo só o contato com o aluno naquele instante em sala de aula, você acaba tendo envolvimento com o aluno (PROF. 4). (...) eu posso dizer que eu me considero professora, embora esse professora muitas vezes também parece que passa a idéia de professar, de ser o maioral. Não me coloco nesse sentido, mas a pessoa que tem um conhecimento, uma informação, capaz de caminhar e buscar mais, aprender e de poder ajudar a abrir um espaço para as pessoas aprenderem também. Não em considero uma pessoa que está lá pra impor, pra colocar um monte de idéias na cabeça das pessoas do meu jeito e está acabado, mas compartilhar, socializar com eles, levar informações buscar, ser pesquisadora dentro desse trabalho, não como uma pessoa que detêm a sabedoria, que bom se detivesse a sabedoria, mas eu me considero professor, a pegando um pouquinho da diferença entre um e outro (PROF. 6).

Identidade profissional -

instrutor ou professor (F3)

F3. Professor e Instrutor

(...) em determinado momento professor, em determinado momento instrutor. Quando eu estou no curso técnico, eu me sinto um instrutor. Porque a cadeira de curso técnico, a minha cadeira lida mais com treinamento, uma parte de treinamento: a gente trabalha a questão da qualidade, então eu me sinto mais instruindo a buscar aquele comportamento. No tecnólogo, já sinto mais professor. Ali realmente tem a interação, me sinto mais professor no tecnólogo do que no técnico (PROF. 3).

01