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125 Revista JurisFIB | ISSN 2236-4498 | Volume III | Ano III | Dezembro 2012 | Bauru - SP RESUMO O presente trabalho trata da polêmica questão da progressividade fiscal do IPTU, imposto que muitos caracterizam como sendo de natureza real e, por tal razão, não deve ser submetido ao princípio da capacidade contributiva. Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 29/00 e da promulgação da Lei Federal nº 10.257/01, o Poder Público Municipal passou a contar com dois poderosos instrumentos para gerir o espaço urbano e desenvolver as funções sociais das cidades. Para compreensão do tema, fez-se necessário analisar o IPTU, sua natureza jurídica e finalidades. Após faremos a distinção entre as duas modalidades de progressividade abrigadas pela Constituição Federal, quais sejam, fiscal e extrafiscal, para só então, adentrarmos no tema principal, qual seja, a polêmica questão da progressividade fiscal do IPTU. A recente decisão do Supremo Tribunal A aplicação de progressividade no IPTU Cláudia Fernanda de Aguiar Pereira* Advogada e procuradora jurídica da Fazenda Pública Municipal de Bauru, Coordenadora do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Bauru, Professora de Direito Civil na mesma Instituição. Graduada em Direito, especialista em Direito Civil e em Direito Municipal e Mestre em Direito Constitucional.

A Aplicação de Progressividade No Iptu

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A Aplicação de Progressividade No Iptu

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  • 125Revista JurisFIB | ISSN 2236-4498 | Volume III | Ano III | Dezembro 2012 | Bauru - SP

    RESUMO

    O presente trabalho trata da polmica questo da progressividade fiscal do IPTU, imposto que muitos caracterizam como sendo de natureza real e, por tal razo, no deve ser submetido ao princpio da capacidade contributiva. Desde a promulgao da Emenda Constitucional n 29/00 e da promulgao da Lei Federal n 10.257/01, o Poder Pblico Municipal passou a contar com dois poderosos instrumentos para gerir o espao urbano e desenvolver as funes sociais das cidades. Para compreenso do tema, fez-se necessrio analisar o IPTU, sua natureza jurdica e finalidades. Aps faremos a distino entre as duas modalidades de progressividade abrigadas pela Constituio Federal, quais sejam, fiscal e extrafiscal, para s ento, adentrarmos no tema principal, qual seja, a polmica questo da progressividade fiscal do IPTU. A recente deciso do Supremo Tribunal

    A aplicao de progressividade no IPTUCludia Fernanda de Aguiar Pereira*

    Advogada e procuradora jurdica da Fazenda Pblica Municipal de Bauru, Coordenadora do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Bauru, Professora de Direito Civil na mesma Instituio. Graduada em Direito, especialista em Direito Civil e em Direito Municipal e Mestre em Direito Constitucional.

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    Federal acerca do assunto tambm ser motivo de estudo. O objetivo deste trabalho , atravs de pesquisa bibliogrfica e em revistas especializadas em direito tributrio, analisar as questes atinentes constitucionalidade da cobrana do IPTU atravs de alquotas progressivas, analisando posicionamentos dissonantes na doutrina e na jurisprudncia, para chegar, com clareza, na problemtica acerca do tema.

    Palavras-Chave: IPTU, progressividade, constitucionalidade.

    1 INTRODUO

    Este artigo visa abordar questes relacionadas a progressividade do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbano, o IPTU. Para que seja possvel atingir concluses srias acerca da sua constitucionalidade, desejvel que o estudo parta da anlise da natureza jurdica do tributo, da competncia concedida pela Constituio para sua criao e regulao, bem como da sua finalidade.

    Tema de suma relevncia, a sua abordagem justifica-se pela necessidade de averiguar-se a tendncia doutrinria e jurisprudencial da aplicabilidade da progressividade sobre o IPTU, aps as mudanas trazidas pela Emenda Constitucional n 29/2000, notadamente sobre o seu carter fiscal, vez que no h, ainda hoje, entendimento pacfico sobre tal questo.

    O intuito aplicativo de tal estudo se demonstra pelo fato de que diversos municpios vm aplicando em sua legislao tributria as mudanas trazidas textualmente pela Emenda Constitucional n 29/2000, muitos dos quais figuram hoje como rus em processos judiciais promovidos por contribuintes que sentem-se lesados pela progressividade instituda.

    Buscando atingir o objetivo, o trabalho foi estruturado em trs captulos, acrescidos a este introdutrio. Um dos captulos traz consideraes genricas acerca da natureza jurdica e finalidade do IPTU. Num segundo momento optou-se por apresentar as modalidades de progressividade previstas em nosso ordenamento jurdico.

    No ltimo captulo foi analisada a divergncia doutrinria e jurisprudencial que existe acerca da constitucionalidade da EC n 29/200 e por via de consequncia da instituio da progressividade fiscal do IPTU.

    interessante notar que referido tributo at a edio da nossa atual Constituio era entendido como unicamente real e fiscal, tendo obtido novos caracteres com o Texto de 1988. A partir de ento, passou a ser visto tambm como instrumento de poltica urbana.

    Cludia Fernanda de Aguiar Pereira

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    Ser possvel analisar a hiptese de progresso em sua cobrana tendo em vista sua natureza, bem como a relao entre progressividade da alquota e os princpios da capacidade contributiva e funo social da propriedade.

    Questo muito debatida por nossos juristas e que deve ser enfrentada a constitucionalidade ou no da instituio do IPTU progressivo fiscal autorizado pela Emenda Constitucional n 29/2000.

    No poderemos nos furtar ao estudo do leading case acerca do assunto que trata-se da Lei do Municpio de So Paulo n 13250/2001, submetida ao crivo do Supremo Tribunal Federal no ano passado.

    Para isso, foi necessrio fazer um breve histrico a respeito do posicionamento do Supremo Tribunal Federal para ento ser feita a anlise deste caso concreto que enfrentou a questo. Procura-se, assim, chamar a ateno para o tema da justia tributria como elemento essencial para o debate do assunto em estudo.

    2 PROBLEMA DE PESQUISA

    O poder de tributar balizado por regras e princpios previstos no Texto Constitucional. Na Constituio Federal de 1988 h princpios explcitos e implcitos que regulam a atividade do Fisco em face dos direitos fundamentais dos contribuintes. Dentre os princpios constitucionais tributrios, encontra-se o Princpio da Progressividade que, em resumo, consagra o aumento da carga tributria pela majorao da alquota aplicvel, na medida em que h o aumento da base de clculo.

    As questes que se pretende enfrentar so, basicamente, as seguintes: constitucional a instituio da progressividade fiscal na cobrana do IPTU,

    que imposto de competncia municipal?A instituio do IPTU progressivo consegue atingir, na prtica, ao que

    preceitua o princpio constitucional da igualdade e por consequncia da capacidade contributiva? De que maneira?

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    3 REFERENCIAL TERICO

    A Constituio Federal outorgou competncia aos Municpios para instituir o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), conforme preceitua o artigo 156 da Magna Carta.

    Dentre os diversos princpios aplicveis ao Direito Tributrio encontra-se o que prev a possibilidade da instituio da progressividade dos impostos. Trata-se de um princpio que consagra o aumento da carga tributria pela majorao da alquota, na medida em que h aumento da base de clculo. A progressividade tributria busca a realizao da justia fiscal, estando, portanto, intimamente ligada aos princpios da capacidade contributiva e isonomia.

    Os tributos, mormente os impostos, recebem uma classificao quanto a sua funo, que pode ser fiscal, extrafiscal ou parafiscal. A funo fiscal existe quando um tributo tem por finalidade precpua gerar receitas para o ente poltico. A funo extrafiscal existe quando um tributo tem por finalidade maior intervir no setor privado, o que normalmente ocorre sobre o domnio econmico, incentivando ou desestimulando uma atividade, como acontece, por exemplo, com os impostos de importao, exportao, sobre produtos industrializados e sobre operaes de cmbio, crdito e seguro; em segundo plano se encontra o interesse na arrecadao. Por fim, tem funo parafiscal, quando seu objetivo a arrecadao de recursos para o custeio de atividades que, em princpio, no integram funes prprias do Estado, mas que este as desenvolve atravs de entidades especficas. A ttulo de exemplo, pode-se citar as contribuies anuais pagas pelos profissionais rgos como OAB, CREA, CFC etc. (MACHADO, 2010)

    No que tange especificamente ao IPTU, a maioria da doutrina o classificava como um imposto com funo fiscal, ou seja, de gerar receitas para os Municpios ou Distrito Federal.

    Com o advento da Constituio Federal de 1988 esta classificao se tornou ultrapassada, na medida em que o IPTU passou a ser utilizado tambm como um instrumento de poltica urbana, nos termos do art. 182, 4, inciso II, da Constituio Federal. Da deflui que o IPTU pode ser extrafiscal quando tem a preocupao de atender funo social da propriedade.

    Acerca das progressividades extrafiscal e fiscal convm a lio que segue:

    Cludia Fernanda de Aguiar Pereira

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    Nos termos do inciso II, do 4, do art. 182 da Constituio Federal, o IPTU poder ser progressivo para regular a funo social da propriedade urbana. Nesse tipo de tributao, o fim visado no o aumento da arrecadao tributria, mas, o desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem-estar social de seus habitantes, tarefa conferida ao Poder Pblico municipal, nos termos do art. 182 caput da Carta Poltica.A progressividade fiscal, ou seja, aquela decretada no interesse da arrecadao, levando em conta a capacidade contributiva, tem seu fundamento no 1, do art. 145 da Constituio Federal, norma de natureza programtica que preconiza, sempre que possvel, a graduao do imposto segundo a capacidade contributiva. Essa capacidade aferida objetivamente. Nesse tipo de progressividade, somente o valor venal do imvel poder ser tomado como parmetro para progresso de alquotas, medida em que apenas ela espelha, objetivamente, a capacidade econmica do proprietrio-contribuinte. A considerao de qualquer outro fator ou elemento retira a natureza fiscal da progressividade. (HARADA,

    2002. p.345-358).

    No caso do IPTU, o atual 1 do art. 156 da Constituio Federal prev progressividade em funo da base de clculo (inciso I) e, ainda, estabelecimento de alquotas diferenciadas de acordo com a localizao e uso do imvel (inciso II), o que evidencia a adoo de uma progressividade fiscal, ou seja, fundada na presumvel capacidade econmica do contribuinte. J o art. 182, 4, II, da Constituio Federal prev a progressividade das alquotas no tempo, em razo da subutilizao ou subaproveitamento do solo urbano, com o objetivo de assegurar o cumprimento da funo social da propriedade urbana.

    4 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

    4.1 NATUREZA JURDICA DO IPTU

    O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), de competncia municipal, tem previso no artigo 156, I da Constituio Federal e no artigo 32 do Cdigo Tributrio Nacional. Sua hiptese de incidncia a propriedade, o domnio til ou a posse, de bem imvel por natureza ou acesso fsica, situado na zona urbana do Municpio, desde que servido por, no mnimo, dois dos melhoramentos arrolados no 1 daquele dispositivo.

    O IPTU foi classificado, ao longo dos anos, como imposto real, visto que seu lanamento leva em considerao exclusivamente as caractersticas do imvel tributado. Sua base de clculo o valor venal do imvel, nos termos do artigo 33 do Cdigo Tributrio Nacional.

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    Segundo ROSA JUNIOR (2001, p. 358), aquele que em sua instituio visa nica e exclusivamente matria tributvel, abstraindo, portanto, a pessoa do contribuinte. Difere portanto daqueles impostos institudos em funo do sujeito passivo, os ditos pessoais.

    Para MORAES (1999, p. 439), o IPTU como tpico imposto real que :

    calculado sem atender as condies pessoais do contribuinte, ou melhor, ignorando por completo a situao individual do contribuinte (o imposto grava uma riqueza dada ou uma situao da mesma maneira, qualquer que seja o sujeito passivo). Os impostos reais gravam o contribuinte tendo em vista apenas a matria tributvel, segundo seus caracteres objetivos especficos, independentemente das condies econmicas, jurdicas, pessoais ou de famlia, relativas ao contribuinte. A alquota tributria fixada exclusivamente em funo apenas das circunstncias materiais da situao de fato prevista na lei.

    H tributaristas renomados porm que refutam esta classificao alegando que todos os impostos atingem o patrimnio do contribuinte, visto que a relao se efetiva entre pessoas (Estado e contribuinte) e a propriedade mero objeto constituinte da obrigao, sendo o imposto de natureza pessoal, portanto. (COELHO, 1990)

    4.2. FINALIDADES DO IPTU

    A finalidade do IPTU tipicamente fiscal, ou seja, seu objetivo primordial a obteno de recursos financeiros para os Municpios. Porm, no mundo moderno difcil localizar um imposto que no tenha tambm funo extrafiscal, conforme entendimento de Hugo de Brito MACHADO (2010, p. 410).

    A extrafiscalidade, como define CARRAZZA (2011), consiste no uso de instrumentos do Direito Tributrio cuja finalidade principal a arrecadao para os cofres pblicos (a que se chama de finalidade fiscal) com fins diversos, ou seja, com fins no-fiscais ou extrafiscais. No caso, o uso extrafiscal dos tributos tem por objetivo disciplinar, favorecer ou desestimular os contribuintes a realizar determinadas aes, por consider-las convenientes ou nocivas ao interesse pblico.

    Para Paulo de Barros CARVALHO (2010, p. 286), temos que:

    Fala-se em fiscalidade sempre que a organizao jurdica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituio, ou que governam certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo de abastecer os cofres pblicos, sem que os outros interesses sociais, polticos ou econmicos interfiram no direcionamento da atividade impositiva. (CARVALHO, 2010, p. 286)

    Por outro lado, para o mesmo autor, a extrafiscalidade:

    Cludia Fernanda de Aguiar Pereira

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    (...) vem pontilhada de inequvocas providncias no sentido de prestigiar certas situaes, tidas como social, poltica ou economicamente valiosas, s quais o legislador dispensa

    tratamento mais confortvel ou menos gravoso. (CARVALHO, 2010, p. 287)

    Desde a entrada em vigor do Estatuto da Cidade (Lei Federal n 10257/2001), o IPTU passou a ser visto tambm com outros olhos, visando a adequao da propriedade a sua funo social, assunto que ser melhor tratado mais adiante. No caso prtico, para saber a funo do IPTU em cada caso necessrio perquirir se o imvel tributado est cumprindo ou no sua funo social, uma vez que se estiver, segue-se a regra - funo fiscal, se no a exceo funo extrafiscal.

    5 AS MODALIDADES DE ALQUOTAS PROGRESSIVAS DO IPTU

    A progressividade das alquotas significa, em linhas gerais, que o imposto deve ser cobrado por alquotas maiores, na medida em que se ampliar a base de clculo ou surgirem situaes concretas que o Estado pretende desestimular (por exemplo, o subaproveitamento de reas urbanas). o caso do imposto de renda.

    No caso do IPTU, cabe ao Municpio atravs de lei definir a alquota a ser cobrada, porque nem a Constituio nem o CTN a definiram nem criaram limitao expressa. No entanto a Norma Constitucional veda por fora do inciso IV do Art. 150 utilizar tributo com efeito de confisco, o qual caber ao judicirio, quando provocado, dizer se tem carter confiscatrio ou no.

    Sabe-se, tambm que a alquota do IPTU no poder ser superior a 15%, uma vez que este valor s utilizado em situaes extremas, quando a propriedade no esteja cumprindo sua funo social de acordo com o previsto no art. 7, 1 da Lei 10.257/2001 Estatuto das Cidades.

    A progressividade da alquota do IPTU d-se por duas maneiras no direito Brasileiro, a primeira prevista no art. 156, 1 e a outra no artigo 182, 4, ambos da Magna Carta.

    5.1 A PROGRESSIVIDADE NO TEMPO

    Para entendermos a progressividade no tempo ou extrafiscal, e conveniente tecermos alguns comentrios prvios acerca do principio da funo social da propriedade.

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    A propriedade o direito real por excelncia que confere ao seu titular os direitos, ou atributos, de uso, gozo e disposio de coisa, alm de poder reav-la de quem quer que injustamente a possua, conforme preceitua o artigo 524 do Cdigo Civil.

    Ocorre que a propriedade no , na atualidade, um direito absoluto em favor do seu titular. Ele pode e deve fazer uso do bem, mas sempre tendo em vista o bem social. Justamente nessa concepo que reside a ideia de funo social apregoada pela Constituio Federal de 1988.

    Essa condio, que determina o uso do bem em favor de todas as pessoas, e no apenas do titular, opera em relao a todas as formas de propriedade: mobiliria ou imobiliria, urbana ou rural.

    A Carta Brasileira atual garante o direito de propriedade no seu artigo 5, que traz o rol dos direitos e garantias fundamentais, contanto que atenda s exigncias da sua funo social:

    Artigo 5 - (...)(...) XXII - garantido o direito de propriedade;

    XXIII - a propriedade atender a sua funo social;

    Por outro lado, tambm manteve a propriedade e a sua funo social como um dos princpios conformadores da ordem econmica:

    Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios:(...)II - propriedade privada;

    III - funo social da propriedade;

    Assim, a propriedade em geral, de acordo com a tradio constitucional brasileira, no mais possui contornos de direito individual puro, nem deve ser entendida como uma instituio do Direito Privado. , ao revs, instituio pertencente ao Direito Pblico, eis que princpio constitucional da ordem econmica.

    O artigo 182, 2, que relaciona a funo social deste tipo de propriedade com as exigncias fundamentais de ordenao da cidade, expressas no plano diretor dispe que:

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    Art. 182. A poltica de desenvolvimento urbano, executada pelo poder pblico municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. 1. O plano diretor, aprovado pela Cmara Municipal, obrigatrio para cidades com mais de vinte mil habitantes, o instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e de expanso urbana. 2. A propriedade urbana cumpre sua funo social quando atende s exigncias

    fundamentais de ordenao da cidade expressas no plano diretor.

    Estas disposies so complementadas com o disposto pelo 4 do mesmo artigo, que permite ao Municpio impor at mesmo a desapropriao para o uso degenerado da propriedade urbana.

    Importante salientar, assim, que o proprietrio do imvel est sempre adstrito a uma obrigao de fazer para que o seu direito de propriedade cumpra a funo social que lhe destinada, consubstanciada na utilizao conforme o plano diretor. A imposio de comportamentos positivos caracterstica da funo social, conforme preceitua Eros Roberto GRAU (1997, p. 255), quando diz que:

    O que mais releva enfatizar, entretanto, o fato de que o princpio da funo social da propriedade impe ao proprietrio - ou a quem detm o poder de controle, na empresa - o dever de exerc-lo em benefcio de outrem, e no, apenas, de no o exercer em prejuzo de outrem. Isso significa que a funo social da propriedade atua como fonte de imposio de comportamentos positivos - prestao de fazer, portanto, e no, puramente, de no fazer ao detentor do poder que deflui da propriedade. (GRAU, 1997, p. 255)

    Justamente para o fim de estimular o proprietrio de imvel urbano a dar cumprimento a funo social da propriedade que surgiu a primeira modalidade de progressividade prevista por nossa Constituio Federal e que esta contida no art. 182, 4. E uma sano para a propriedade que no esteja cumprindo sua funo social estabelecida no plano diretor da cidade, e foi a partir dela que o IPTU passou a ter, tambm funo extrafiscal. Sua redao a seguinte:

    Art. 182. A poltica de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Pblico municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.(...) 4 - facultado ao Poder Pblico municipal, mediante lei especfica para rea includa no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietrio do solo urbano no edificado, subutilizado ou no utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:(...)II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo.

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    A progressividade do IPTU prevista neste dispositivo constitucional a progressividade especfica para ordenamento das funes sociais da propriedade de per si, s podendo ser exercitada atravs da modalidade ali prevista: a progressividade no tempo.

    Foi regulamentada pelo Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001), que surgiu como um interventor limitador da propriedade privada visando compelir os proprietrios de imveis urbanos a darem funo social a seus bens imveis. Para tanto criou mecanismos jurdicos, tais como o parcelamento e edificao compulsria de reas, desapropriao para fins de reforma urbana e o IPTU progressivo no tempo, entre outros.

    Na verdade o IPTU progressivo previsto em referido Estatuto um tributo ambiental, tendo como objetivo claro incentivar a mudana de comportamento dos agentes econmicos, mas a estes cabe a deciso de pagar o tributo ou adaptarem-se as regras urbansticas. Segundo SETTE (2007, p. 148), Se fosse sano no daria essa flexibilidade, e, sim, viria em forma de proibio sujeita a multa ou outra pena.

    No essa a opinio de BARBOSA (2007), para quem o IPTU progressivo do artigo 182 da CF verdadeira sano, vez que se o proprietrio do imvel o utiliza em violao aos fins urbansticos do Municpio, ele penalizado com imposto maior, progressivo. (BARBOSA, 2007, p. 100)

    A CF, ao estabelecer a prpria textura do direito de propriedade sobre bens imveis, no art. 182, 4, previu que, de forma sucessiva, poderia o Poder Pblico adotar vrios mecanismos para que se tivesse o adequado aproveitamento do imvel urbano, a comear da compulsoriedade, que o Estatuto previu nos arts. 5 e 6.

    Assim, de acordo com o art. 7 do Estatuto, no tendo havido o cumprimento das obrigaes impostas pela notificao ao particular no prazo e nas condies determinadas pelo Poder Pblico, abre-se espao para que se utilize o segundo mecanismo constitucional fixado para o adequado aproveitamento do imvel urbano, a saber, a progressividade do imposto sobre a propriedade territorial e urbana.

    Destarte, os pressupostos para o estabelecimento da progressividade do IPTU como instrumento de poltica urbana so: a) a existncia de um plano diretor; b) a existncia de uma lei municipal especfica para a rea includa no plano diretor; c) a existncia de notificao ao particular, devidamente averbada no registro de imveis, que fixe prazo e condies ao particular para que cumpra as obrigaes estatudas na lei municipal especfica; d) o descumprimento das obrigaes pelo particular.

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    Presentes referidos pressupostos poder o Poder Pblico, a partir do ano seguinte ao que se efetivou a alquota do imposto, consoante o fixado na lei municipal especfica da rea includa no plano diretor, majorar a alquota que no poder entretanto exceder a duas vezes a do ano em que se deu o descumprimento, respeitada a alquota mxima de quinze por cento.

    A jurisprudncia nunca discutiu a possibilidade de aplicao dessa modalidade de progressividade extrafiscal, visto que cumpria e cumpre a funo social da propriedade.

    5.2. A PROGRESSIVIDADE FISCAL

    O artigo 156 da Constituio Federal dispe in verbis:

    Art. 156. Compete aos Municpios instituir impostos sobre:I - propriedade predial e territorial urbana;(...) 1 Sem prejuzo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, 4, inciso II, o imposto previsto no inciso I poder: (Redao dada pela Emenda Constitucional n 29, de 2000)I - ser progressivo em razo do valor do imvel; e (Includo pela Emenda Constitucional n 29, de 2000)II - ter alquotas diferentes de acordo com a localizao e o uso do imvel. (Includo pela Emenda Constitucional n 29, de 2000)

    Segundo tal modalidade de progressividade, o que se leva em considerao no propriamente a boa ou m destinao dada ao imvel, mas a capacidade contributiva do sujeito passivo. Ou seja, quem tem imvel de maior valor tem maior capacidade de contribuio.

    O princpio da capacidade contributiva econmica do contribuinte (artigo 145, 1 da Constituio Federal) busca dar vida constitucional ao principio da igualdade, havendo de ser visto como uma consequncia deste ltimo.

    Em consonncia ao princpio da igualdade tributria desdobra-se o princpio da capacidade contributiva. Diante disso que, para uma completa efetividade do princpio da igualdade, deve ser almejada a mensurao da capacidade contributiva do sujeito passivo. Permite-se dessa forma, uma melhor identificao dos indivduos tributados, aplicando-lhes, conseqentemente, um gravame fiscal que melhor se aproprie sua posio financeira.

    Perante a capacidade contributiva, visa-se que cada indivduo venha contribuir para com a coletividade em funo de sua respectiva fora econmica, levando em

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    considerao a riqueza e o nus de cada tributo. Ademais, mediante tal princpio, atrelado ao da igualdade, que surge o poder atuante e controlador do contribuinte perante o Legislativo e o Judicirio no intento de desautorizar qualquer forma de tributao pervertida. J foi dito acima que o IPTU um imposto real e justamente por esse motivo a doutrina e jurisprudncia sempre debateram largamente acerca da adoo de critrios subjetivos (caracteres do contribuinte, local e uso do imvel) no clculo do referido tributo.

    A adoo da progressividade autorizada pelo artigo 156 da Constituio Federal autorizaria o Municpio a instituir, hipoteticamente, faixas de alquotas diferenciadas de acordo com o valor venal dos imveis. Assim, imveis mais simples teriam alquotas menores e imveis mais caros e luxuosos, alquotas maiores. Estabelecer-se-ia uma presuno de capacidade contributiva segundo o valor do imvel pertencente ao contribuinte.

    Roque Antnio Carrazza posiciona-se no sentido da aplicabilidade da capacidade contributiva ao IPTU. Afirma que aquele proprietrio com imveis de maior valor, no deve somente ser mais tributado, mas, sim, deve proporcionalmente ser mais tributado, ou seja, submetido a uma alquota maior. Exemplifica a situao o referido autor, do seguinte modo:

    Assim, se o imvel urbano de A vale 1.000 e o imvel urbano de B vale 10.000, o primeiro paga 1 e o outro, 10, ambos estaro pagando, proporcionalmente, o mesmo imposto, o que fere o princpio da capacidade contributiva. A Constituio exige, in casu, que A pague 1 e B pague, por hiptese, 30, j que, s por ser proprietrio do imvel mais caro, revela possuir maior capacidade contributiva do que A. Se ambos forem tributados com alquotas idnticas, estaro sendo tratados desigualmente, porque em desacordo com a capacidade contributiva de cada qual. (CARRAZZA, 2011, p. 91)

    Sendo um assunto extremamente polmico, que gera posicionamentos doutrinrios e jurisprudenciais diversos, optamos por discut-lo em tpico prprio a seguir.

    6 POSICIONAMENTO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDNCIA

    A progressividade do IPTU sempre mereceu posicionamentos divergentes tanto na doutrina quanto na jurisprudncia. Antes da edio da Emenda Constitucional n 29/2000, o STF sempre declarou inconstitucional a progressividade fiscal de Alquota do IPTU (Smula, 589) de competncia dos municpios. O entendimento

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    era de que o IPTU imposto real e, assim sendo, sob o imprio da Constituio no era admitida a progressividade fiscal (RE.153.771-MG e RE.199.281-6 SP). Segundo a referida Corte, apenas seria possvel a progressividade do IPTU nos termos do artigo 182, 4 da Lei Mxima, presentes assim, a destinao do imvel e o planejamento urbano.

    A sistemtica oposio do STF quanto progressividade do IPTU gerou a edio da Emenda Constitucional 29/2000, que possibilitou aos municpios a instituio de alquotas progressivas de IPTU em razo do valor, localizao e uso do imvel.

    relevante esclarecer que a grande discusso que mobiliza a doutrina e a jurisprudncia, reside na constitucionalidade ou no da progressividade fiscal do IPTU, contida no artigo 156, 1, incisos I e II. Ressalte-se que as discusses sobre constitucionalidade do IPTU progressivo no atingem o IPTU progressivo no tempo previsto no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257, de 10.07.2001) e fundamentado no artigo 182, II, 4, da Magna Carta.

    Os que defendem a inconstitucionalidade da EC 29/2000 entendem que a instituio da progressividade fiscal do IPTU no Texto Constitucional no guarda compatibilidade com as limitaes ao poder de emenda, e que a referida alterao seria contrria clusula ptrea que garante ao contribuinte o direito de ser tributado com alquotas progressivas somente diante de impostos pessoais.

    Sustentam que ao promulgar a referida Emenda, o Congresso Nacional detinha apenas o poder constituinte derivado, e que este no teria legitimidade para alterar a garantia dos contribuintes de s serem submetidos progressividade em face de impostos pessoais, por consistir em uma clusula ptrea.

    Parte da doutrina continuou a sustentar a inconstitucionalidade da progressividade do IPTU desta vez, com base na tese de inconstitucionalidade da prpria EC n 29/2000. A alegao de que ela contrariaria clusula ptrea, que seria a consubstanciada no artigo 145, 1 da Constituio Federal. Ou seja: somente impostos pessoais poderiam realizar o princpio da capacidade contributiva e, portanto, serem submetidos progressividade. Alm disso, alega-se que o princpio da isonomia seria violado quando da instituio da progressividade em funo do valor venal do imvel.

    Werner Nabia COELHO (2003) leciona que:

    A aplicao progressiva do IPTU significa uma forma de bitributao velada e espria, pois equipara o valor venal do imvel renda e ao preo, como se eventual valorizao nominal representasse renda nova ou transmisso em potencial de titularidade, quando, na verdade, mero valor presumido, passvel de dimensionamento para baixo no momento da transao de compra e venda de imveis, e, por outro lado fere o direito de propriedade,

    A aplicao de progressividade no IPTU

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    pois o transforma em peso economicamente proibitivo, configurando confisco, alm, claro, de ferir o direito igualdade, pois o valor do imvel no medida confivel para aferimento da capacidade contributiva ensejadora de progressividade, a progressividade requer riqueza nova realizada ou por realizar, atual ou iminente, portanto; ou seja, riqueza pecuniria e no meramente contbil. (COELHO, 2003, p. 8)

    Tal linha sustenta ainda a impossibilidade de se instituir o IPTU progressivo com base numa diferenciao tcnica entre impostos reais e impostos pessoais. O IPTU, nesse contexto, um imposto de carter real.

    Miguel REALE (2002) entende que esse enquadramento da propriedade urbana em um novo sistema tributrio, com acrscimo de um novo critrio para cobrana progressiva do IPTU, consistiu, inegavelmente, inovao que vem atingir um direito e garantia assegurados aos proprietrios pelo 4, inciso IV, do art. 60, da Lei Maior. Assim, efetivamente, com a edio da EC n 29/2000 houve leso de uma clusula ptrea constitucional.

    O STF, logo aps a edio da EC 29 editou a Smula 668, sem contudo analisar a questo da constitucionalidade da referida Emenda. A Smula dispe que:

    inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido antes da Emenda Constitucional 29/2000, alquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento

    da funo social da propriedade.

    Parte substancial da doutrina porm, defende a constitucionalidade da EC29/00 e, portanto, acredita na possibilidade da progressividade fiscal do IPTU, e traz como principais fundamentos a chamada subjetivao dos impostos reais, como o caso do IPTU, bem como a legitimidade da Emenda Constitucional para modificar clusula ptrea. Afirmam ainda que o STF, ao afastar, no passado, a progressividade fiscal do IPTU com fundamento em ele ser um imposto de carter real, baseou-se em fundamento equivocado.

    Defendem que no h incompatibilidade entre impostos reais e progressividade. Isto por que todo imposto no deixa de ser real e pessoal ao mesmo tempo, porque sempre ser devido por um sujeito de direito em razo do seu patrimnio. Assim a diferenciao mostra-se relativa, razo pela qual todos os impostos pessoais, quanto os reais, como o caso do IPTU, devem ser orientados pelo princpio da capacidade contributiva e da progressividade.

    Clmerson Merlin CLEVE (2001), defensor da constitucionalidade da Emenda afirma que ela tem, na verdade, carter declaratrio, pois a Lei Fundamental no s autoriza, como tambm exige, a progressividade como uma forma de realizao

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    do princpio da justia fiscal. As clusulas ptreas, antes de violadas, esto sendo concretizadas e realizadas pela alterao no regime jurdico de cobrana do IPTU.

    Segundo essa mesma corrente, o legislador constitucional, ao autorizar a progressividade em razo do valor venal do imvel, instituiu um instrumento de justia tributria que busca atuar no sentido de promoo de uma igualdade substancial, e no apenas formal, em relao aos contribuintes. (OLIVEIRA, 2006)

    A Constituio Brasileira estabelece como prprios objetivos do Brasil garantir o desenvolvimento nacional, reduzir as desigualdades sociais e assegurar a igualdade entre todos os cidados. uma consequncia natural de tais ditames que se proponha aceitar a progressividade no somente como uma mera possibilidade, mas como a possibilidade mais coerente com o Texto Constitucional.

    A norma constitucional tem presuno de aplicabilidade, portanto, enquanto este dispositivo perdurar na Constituio ser aplicvel hiptese de progressividade do IPTU em razo do valor do imvel, de sua localizao e de uso. (SOUZA, 2008)

    BARBOSA (2007) desenvolve um interessante raciocnio quanto a progressividade prevista no artigo 156 da Constituio Federal quando diz tratar-se tambm de progressividade extrafiscal e no puramente fiscal. Isso porque quando se leva em considerao o maior valor do imvel, sua luxuosidade, seu uso ou local onde est situado so adotados critrios urbansticos, polticos e sociais, ou seja, extrafiscais.

    O primeiro caso concreto submetido a apreciao do Judicirio foi a Lei n 13.250, de 27 de dezembro de 2001, do Municpio de So Paulo. O IPTU do referido municpio passou a ser regido de acordo com a destinao do imvel se residencial ou no variando sob tal ngulo de 1% a 1,5%. Com relao ao valor venal do imvel, a referida lei cria critrios de desconto e de acrscimo, conforme a faixa de valor do bem tributado.

    O Primeiro Tribunal de Alada Civil do Estado de So Paulo decidiu pela ilegalidade da Lei municipal acima mencionada, vez que no observou, dentre outros elementos, o princpio da funo social da propriedade.

    O Municpio de So Paulo no se conformou com a referida deciso e interps Recurso Extraordinrio junto ao Supremo Tribunal Federal (RE 423.768) alegando que entre as clausulas ptreas, no se inclui a vedao ao direito de se instituir imposto progressivo de natureza real. Alm disso, segundo o recurso, a instituio de alquotas diferenciadas em razo da localizao, do valor e do uso do imvel deu-se em respeito ao princpio da isonomia, atendendo assim ao princpio da capacidade contributiva.

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    Assim decidiu a Suprema Corte:

    IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO PROGRESSIVIDADE FUNCAO SOCIAL DA PROPRIEDADE EMENDA CONSTITUCIONAL N 29/2000 LEI POSTERIOR. Surge legitima, sob o ngulo constitucional, lei a prever alquotas diversas presentes imveis residenciais e comerciais, uma vez editada aps a Emenda Constitucional

    29/2000. (Recurso Extraordinrio 423.768 So Paulo, DJe 86, publicado em 10/05/2011)

    Em seu brilhante e extremamente didtico relatrio, o Ministro Marco Aurlio leciona que:

    Ora, a Emenda Constitucional 29/2000 no afastou direito ou garantia individual. E no o fez porquanto texto primitivo da Carta j versava a progressividade dos impostos, a considerao da capacidade econmica do contribuinte, no se cuidando, portanto, de inovao a afastar algo que pudesse ser tido como integrado ao patrimnio.

    O Tribunal Pleno do STF na analise do mesmo caso diz:

    O IPTU inequivocamente um imposto real. No entendo porm que do 1 do art. 145, possa-se inferir uma proibio a implementao da capacidade contributiva a impostos reais, ao contrario do que sustenta o acrdo recorrido. A Constituio apenas proclama sua preferencia pela criao de impostos pessoais, que, com certeza, so instrumentos que mais facilmente realizam a isonomia tributaria. No entanto, a progressividade, por garantir a observncia da capacidade contributiva, deve, sempre que possvel, ser utilizada. E essa foi a inteno da EC 29/2000.

    Segundo o mesmo relatrio, no caso de impostos reais no possvel auferir a capacidade contributiva global do contribuinte, porm perfeitamente presumvel que aqueles que possuem imveis de maior valor podem contribuir de forma mais onerosa do que aqueles que possuem imveis de menor valor.

    CARAZZA (2011) citado na deciso do Tribunal Pleno diz:

    Enfatizamos que a capacidade contributiva, para fins de tributao por via de IPTU e aferida em funo do prprio imvel (sua localizao, dimenses, luxo, caractersticas, etc), e no da fortuna em dinheiro de seu proprietrio. No fosse assim, alm da incerteza e insegurana, proliferariam situaes deste tipo: pessoa pobre, mas que adquiriu carssimo imvel em perodo economicamente faustoso de sua vida profissional, estaria a salvo do IPTU. Ou deste: num prdio de alto luxo, com um apartamento por andar, cada proprietrio pagaria um IPTU diferente (assim, v.g. o banqueiro bem sucedido pagaria o imposto no grau mximo e o aposentado, que recebe penso previdenciria do INSS, nada pagaria). (CARAZZA, 2011, p., 91)

    Para o citado autor, a propriedade de imvel de luxo j seria presuno absoluta da existncia de capacidade contributiva para pagamento de IPTU, no sendo o caso

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    de se analisar individualmente a situao econmica de cada contribuinte antes do lanamento do referido tributo. (CARAZZA, 2011)

    E prossegue o jurista:

    A capacidade contributiva revela-se no caso do IPTU, com o prprio imvel urbano. Do contrario, no se teria mais mos a medir. Apenas a guisa de exemplo, dois proprietrios de imveis urbanos idnticos pagariam IPTUs diferentes s porque um deles e rico industrial, modesto aposentado. No s isto, obviamente, o que a Constituio quer. O IPTU deve obedecer ao principio da capacidade contributiva e para isso, deve ser progressivo. Esta e

    a progressividade fiscal, de exigncia obrigatria. (CARAZZA, 2011, p, 92)

    Com clareza impar o autor acima citado nos remete a concluso de que a progressividade fiscal, na realidade, um mtodo de se dar validade aos princpios da capacidade contributiva e da isonomia, vez que dimensiona a carga tributria conforme a manifestao de riqueza do contribuinte.

    Com a deciso favorvel a legislao do Municpio de So Paulo, o Supremo Tribunal Federal acalma o debate acerca da constitucionalidade da Emenda Constitucional n 29/2000 e por consequncia da legalidade de leis municipais que venham a instituir progressividade fiscal para o IPTU.

    7 CONSIDERAES FINAIS

    Buscou-se atravs do presente artigo investigar as controvrsias que giram em torno da possibilidade de incidncia do Imposto Predial e Territorial Urbano IPTU atravs de alquotas progressivas.

    No decorrer deste estudo, foi de suma importncia a anlise dos conceitos que envolvem o imposto que ora se trata, principalmente sua classificao, to debatida na doutrina e na jurisprudncia, qual seja, se trata-se de imposto real ou pessoal.

    A atual Constituio Federal possui duas modalidades de IPTU progressivo, quais sejam:

    I) A progressividade fiscal, que relaciona-se ao artigo 156, 1, incisos I e II da Constituio Federal de 1.988, em que sua aplicao independente da ocorrncia dos pressupostos estabelecidos no art. 182, 4. No caso, seria aquela parcela fixa que todos os proprietrios de imveis pagam de IPTU e que se destina ao caixa nico para a administrao fazer frente s obrigaes governamentais. Nestes casos a progressividade dar-se- em

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    razo do valor do imvel ou de acordo com a localizao e uso do mesmo; e, II) A extrafiscal: relaciona-se ao IPTU progressivo no tempo, como coero, que incide quando o proprietrio do imvel urbano no cumpre o prazo da obrigao de parcelar ou edificar nos termos do plano urbanstico local, previsto no artigo 182, 4 da CF. A finalidade do poder pblico municipal na utilizao do IPTU progressivo no tempo no a arrecadao fiscal, mas sim a de induzir o proprietrio do imvel urbano a atender sua funo social mudar o comportamento do agente econmico. Neste caso, a parte da progressividade visa melhorar a destinao da propriedade de forma a proporcionar bem-estar e incentivar o atendimento aos direitos metaindividuais. (SETTE, 2007)O STF, antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional 29/00 entendeu pela impossibilidade da progressividade fiscal do IPTU, primeiramente por se tratar de um imposto de natureza real, no sujeito, portanto progressividade fiscal; segundo, por que entendeu que o inciso II, do 4, do art. 182 limitava a disposio do art. 154, 1, vez que apenas permitia a progressividade-sano, ou seja, para assegurar a funo social da propriedade, reputando-se inconstitucional qualquer outra forma de progressividade do referido imposto. Identificamos duas correntes, com idias e justificativas distintas no que tange possibilidade de termos uma progressividade fiscal na incidncia do IPTU. A primeira corrente afirma que incompatvel a progressividade fiscal com o IPTU por ser este um imposto de natureza real, e por esse motivo no pode ser progressivo em funo do valor venal do imvel, pois este no meio seguro para avaliar a capacidade contributiva do sujeito. Ademais, entendem que a EC 29/00 inconstitucional, porque alterou clusula ptrea, mudando a hiptese de incidncia do referido imposto, acabando com a garantia do contribuinte de no ser tributado atravs de alquotas progressivas fiscais. A segunda entende que possvel e, portanto, constitucional a incidncia da progressividade fiscal no IPTU, pelo fato de que h uma personalizao dos impostos reais, pois sempre quem onerado o sujeito, titular do bem tributado, e o valor do imvel do imvel uma presuno de capacidade contributiva, o que suficiente para onerar o contribuinte. Ainda, sustentam

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    que a EC 29/00 no trouxe inovao alguma e por isso no atingiu clusula ptrea, apenas explicitou o que j era previsto. O Supremo Tribunal Federal em recente deciso acerca da legalidade de Lei do Municpio de So Paulo que institui a progressividade fiscal para o IPTU posicionou-se no sentido de que a lei legal, vez que a Emenda Constitucional n 29/2000 no traz qualquer inconstitucionalidade.Segundo referido Tribunal Superior a Emenda no afasta qualquer clusula ptrea, conforme argumentam alguns, mas simplesmente d o real significado ao j disposto anteriormente pela Constituio Federal sobre a graduao dos tributos. possvel concluir assim que a instituio de alquotas progressivas do IPTU, quer seja em decorrncia do valor do imvel, seja em funo do uso ou de sua localizao, ou, ainda, a sua cobrana progressiva no tempo, quando o imvel se encontrar subutulizado ou no edificado so medidas que estimulam a destinao social do imvel e tambm preservam a necessria justia tributria.

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