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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 428 A PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS DOS IMPOSTOS E O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 419 TAX RATE PROGRESSIVITY AND THE OPINION OF THE FEDERAL SUPREME COURT Sandra Maria de Menezes Mendonça 420 Resumo O principal objetivo do trabalho é demonstrar, através de uma pesquisa bibliográfica, tanto de doutrinas como em decisões do Supremo Tribunal Federal, o enfrentamento da Côrte acerca de questões importantes ligadas ao tema progressividade de alíquotas, demonstrando a aplicação de princípios, no que tange ao direito fundamental do contribuinte à tributação progressiva. Concluindo que, embora recente no direito brasileiro, nosso sistema tributário busca, sempre que possível, na sua efetividade utilizar-se da justiça e da igualdade para efetivar o princípio da capacidade contributiva, que é um direito fundamental do contribuinte, nem sempre observado, mas tido como ideal republicano de justiça social. Recentemente o STF reformulou o seu entendimento acerca do tema, encampando a ideia da capacidade contributiva como direito fundamental do contribuinte. Palavras-chave: Progressividade de Alíquotas; Capacidade Contributiva; Direito Fundamental. Abstract The main purpose of this paper is to show, through a research of the literature, including both legal theories and decisions made by the Brazilian Federal Supreme 419 Artigo submetido em 06/04/2016, pareceres de aprovação em 27/04/2016, 28/04/2016 e 08/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016. 420 Especializanda em Direito do Estado na UEL- Universidade Estadual de Londrina; professora de Ciência Política na UNIESP-Nova Andradina-MS; e-mail: [email protected].

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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 428

A PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS DOS IMPOSTOSE O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL419

TAX RATE PROGRESSIVITY AND THE OPINION OF THE FEDERAL SUPREME COURT

Sandra Maria de Menezes Mendonça420

ResumoO principal objetivo do trabalho é demonstrar, através de uma pesquisa

bibliográfica, tanto de doutrinas como em decisões do Supremo Tribunal Federal, o enfrentamento da Côrte acerca de questões importantes ligadas ao tema progressividade de alíquotas, demonstrando a aplicação de princípios, no que tange ao direito fundamental do contribuinte à tributação progressiva. Concluindo que, embora recente no direito brasileiro, nosso sistema tributário busca, sempre que possível, na sua efetividade utilizar-se da justiça e da igualdade para efetivar o princípio da capacidade contributiva, que é um direito fundamental do contribuinte, nem sempre observado, mas tido como ideal republicano de justiça social. Recentemente o STF reformulou o seu entendimento acerca do tema, encampando a ideia da capacidade contributiva como direito fundamental do contribuinte.

Palavras-chave: Progressividade de Alíquotas; Capacidade Contributiva; Direito Fundamental.

AbstractThe main purpose of this paper is to show, through a research of the literature,

including both legal theories and decisions made by the Brazilian Federal Supreme

419 Artigo submetido em 06/04/2016, pareceres de aprovação em 27/04/2016, 28/04/2016 e 08/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016.

420 Especializanda em Direito do Estado na UEL- Universidade Estadual de Londrina; professora de Ciência Política na UNIESP-Nova Andradina-MS; e-mail: [email protected].

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Court, the position taken by the Court regarding important issues linked to tax rate progressivity, showing the application of principles related to the taxpayers’ fundamental right to progressive taxation. Although this is recent in Brazilian law, whenever possible our tax system seeks to effectively use fairness and equality to realize the ability-to-pay principle, a taxpayers’ fundamental right that is not always respected, but one that is considered a republican ideal of social justice. Recently, the Brazilian Federal Supreme Court restated its opinion on the subject, adopting the ability-to-pay idea as a fundamental right of taxpayers.

Keywords: Tax rate progressivity; ability-to-pay; fundamental right.

Introdução

A tributação progressiva é, antes de tudo um direito do contribuinte com reflexos não apenas no campo do Direito, como na Economia e nas Ciências Sociais.

A progressividade de alíquotas dos impostos, ditos reais, é tema de farta divergência doutrinária, pois, o Estado precisa garantir, pela tributação, sua mantença, bem como garantir os direitos fundamentais dos indivíduos que nele vivem. Por esta razão tem o indivíduo o direito e o dever de contribuir para o desenvolvimento da sociedade em que vive, sendo um dever de todos e são fundamentais os direitos que regulam a forma como os indivíduos participarão dessa tributação, visando não somente aspectos fiscais, como extrafiscais, e que essa tributação recaia tanto em tributos de natureza pessoal como os de natureza real.

Sob esse enfoque a tributação progressiva visa cumprir ideais republicanos, nas palavras de Roque Antônio Carrazza, pois, a República reconhece a todas as pessoas o direito de só serem tributadas em função do superior interesse do Estado.

O presente trabalho tem como principal objeto de estudo o direito fundamental do contribuinte brasileiro à tributação progressiva, dentro do contexto de sua capacidade econômica e contributiva, analisadas à luz do princípio da igualdade material. Foi realizada uma análise de decisões do Supremo Tribunal Federal e algumas discussões doutrinárias acerca do tema, sem, contudo, ter a pretensão de esgotá-lo.

Dentro desse contexto analisou-se algumas das principais decisões que levaram o STF à mudança acerca do entendimento quando enfrentou as questões importantes ligadas ao tema demonstrando a aplicação dos princípios envolvidos, em sua aplicação prática no que tange ao direito fundamental do contribuinte à tributação progressiva. Concluindo que, embora recente no direito brasileiro, nosso sistema tributário busca, sempre que possível, na sua efetividade utilizar-se da justiça e da igualdade para efetivar o princípio da capacidade contributiva, que é um direito fundamental do contribuinte, nem sempre observado, mas tido como ideal republicano de justiça social.

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2. Os Impostos e a Progressividade de Alíquotas

2.1 A Progressividade de alíquotas A progressividade de alíquotas antes de ser uma técnica é um direito que tem

o cidadão de ter retirado de seu patrimônio, a parcela que justamente corresponda ao seu patrimônio, quando for chamado a contribuir com a manutenção do Estado. Segundo SMITH421,

“os súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível, para a manutenção do Governo, em proporção às suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento de que cada um desfruta, sob a proteção do Estado”.

A técnica da progressividade tributária tem existência remota, por volta de 596 a.C, na legislatura de Sólon, em Atenas, com a instituição de uma tributação progressiva sobre a produção, dividindo em quatro classes a sociedade ateniense, usando o critério da quantidade da produção de cada um, em um determinado período de tempo. Porém, durante o Império Romano, a tributação direta foi abandonada minando as tentativas de instalação de uma tributação progressiva.422

Outros exemplos de tributação progressiva tiveram destaque na Europa, com o advento do medievo: fouages na França, poll taxes na Inglaterra, e o Rechsabsabschied no Império Germânico. Elizabeth Carrazza423 lembra ainda que, todos esses tributos levavam em consideração diferentes quantidades de

uma ou de algumas bases de tributáveis para o estabelecimento de patamares diferenciados de tributação, diminuindo o peso dos tributos sobre os mais pobres.

Durante o feudalismo, por causa da predominância do regime aristocrático, os regimes tributários eram predominantemente regressivos, sendo que apenas em algumas cidades e comunas, onde o ambiente era mais democrático encontrava-se alguma variação progressiva.424

A má utilização da progressividade teve experiências negativas, como na época dos Médicis na Itália, onde as pessoas foram levadas da riqueza à miséria, pela instituição da progressividade, que acabou sendo afastada até pelo menos, à época

421 SMITH, Adam, A Riqueza das Nações, São Paulo, 1985, pág.247. IN______Zilvete, Fernando Aurélio. Princípios de Direito Tributário e a Capacidade Contributiva. Editora Quartier Latin. 2004. São Paulo-SP.

422 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade Igualdade e Capacidade Contributiva. 2ª ed. Editora Quartier Latin. 2015. São Paulo-SP. Pág.112

423 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade Igualdade e Capacidade Contributiva. 2ª ed. Editora Quartier Latin. 2015. São Paulo-SP. Pág.112

424 Ibidem. Pág. 112-113

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das revoluções liberais.425

Na Saxônia o primeiro imposto progressivo foi instituído em 1.742. Nos Estados Unidos e Inglaterra começaram a utilizar a progressividade no séc. XVII.426

Acerca do século XX, a ilustre doutrinadora Elizabeth Carrazza427dispõe:

O século XX, todavia, foi marcado por uma crítica às progressividades exacerbadas, especialmente pela constatação empírica de que a ela não representava grande acréscimo nas receitas públicas- muito mais efetivo era ampliar a quantidade de pessoas tributadas do que concentrar o peso da tributação em alguns poucos- o que fez os tecnicistas do sistema tributário voltarem a atenção mais a instrumentos de praticabilidade e efetividade do que progressividade propriamente dita.

A progressividade é uma técnica de incidência de alíquotas variáveis, usada para majorar ou minorar um tributo. Com esta variação, a tributação irá atingir de forma mais igualitária, em termos percentuais, os diferentes níveis econômicos dos contribuintes.

A progressividade é forma encontrada para se fazer justiça no que se refere à cobrança de tributos, pois, o tributo será progressivo, ou seja, aumentará, à medida que aumentar a capacidade econômica do contribuinte. Tirando mais de quem tem mais e menos de quem tem menos.

A esse respeito, merecem destaque as lições de CARRAZZA428:

É por isso que, em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por que? Porque e graças a progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva.

Melhor esclarecendo, as leis que criam in abstracto os impostos devem estruturá-los de tal modo que suas alíquotas variem para mais a medida que forem aumentando suas bases de cálculo. Assim, quanto maior a base de cálculo do imposto, tanto maior haverá de ser a alíquota.

Há quem entenda ser a função essencial da progressividade dar concreção ao princípio da capacidade contributiva, assim entendeu o Ministro Ricardo Lewandowski429, no RE 562.045/RS:

425 Ibidem. Pág.113426 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade Igualdade e Capacidade Contributiva. 2ª

ed. Editora Quartier Latin. 2015. São Paulo-SP. Pág.113427 Ibidem428 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. Ed. Malheiros. 19ª ed.

2003. São Paulo-SP. Pág.78.429 LEWANDOWSKI, Ricardo. Supremo Tribunal Federal. http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/

paginador. DJe nº: 233. Acesso em 30/06/2015.

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A função essencial da progressividade consiste em dar concreção ao princípio da capacidade contributiva de modo a promover a justiça social em matéria tributária, servindo como importante instrumento de desconcentração da riqueza.

No mesmo sentido, concordando com o Ministro Lewandowski, acerca da progressividade como instrumento para atingir a capacidade contributiva do contribuinte, as lições do mestre Hugo de Brito Machado430:

Progressivo é o imposto cuja alíquota cresce em função do crescimento de sua base de cálculo. Essa a progressividade ordinária, que atende ao princípio da capacidade contributiva. A progressividade no tempo é um conceito diverso. Nesta, que é instrumento de política urbana, a alíquota do imposto cresce em função do tempo durante o qual o contribuinte se mantém em desobediência ao plano de urbanização da cidade. Seja como for, na progressividade tem-se que o imposto tem alíquotas que variam para mais em função de um elemento do fato gerador do imposto, em relação ao mesmo objeto tributado.

A progressividade fiscal, conforme se extrai das palavras do autor, não seria a progressividade no tempo, com a finalidade de modular comportamentos, não teria a função sancionatória por uma desobediência do indivíduo, mas sim, caráter de contribuir para a coletividade com o pagamento de tributos fiscais.

Elizabeth Nazar Carrazza, entende que, sendo a sociedade desigual, o Estado deve impor a progressividade para garantir essa contribuição para a coletividade de forma equivalente:

a tributação dentro de um Estado Social deve necessariamente observar a progressividade impositiva como forma de garantir sacrifícios equivalentes para todos e, através disso, promover uma redistribuição de utilidades em uma sociedade eminentemente desigual.431

A divergência que envolve o princípio da capacidade contributiva no que tange a graduação de impostos, está relacionada a uma classificação e a um princípio que, como vimos, está relacionado com o início da cobrança de tributos.

Em uma das classificações, os impostos, segundo alguns entendimentos, teriam caráter real ou pessoal, sendo que, conforme TORRES432:

Impostos pessoais são os que instituem em função da pessoa do obrigado; reais, os que se cobram em razão do patrimônio ou de considerações objetivas e econômicas independentes da situação do devedor.

430 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª ed. rev. atual. e ampl. Pág. 402.São Paulo-SP. Malheiros Editores, 2006.

431 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade Igualdade e Capacidade Contributiva. 2ª ed. Editora Quartier Latin. 2015. São Paulo-SP. Pág.80.

432 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12ª ed. 2005.pág.373. Ed. Renovar. São Paulo-SP.

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Portanto, podemos dizer que o imposto pessoal leva em consideração condições econômicas individuais, ou seja, subjetivas, da pessoa do contribuinte, sendo o mais clássico exemplo, o Imposto de Renda- IR, o qual possui alíquotas maiores, conforme o valor do salário do contribuinte.

Imposto real é o que incide sobre determinado bem, renda ou operação do contribuinte, não levando em consideração suas características patrimoniais individuais. Como exemplo podemos citar o Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana-IPTU.

Sendo o grande impasse que esteve presente em nossos tribunais, se os impostos reais poderiam ser gravados pelo princípio da capacidade contributiva.

A Constituição refere-se a impostos e considera a classificação dos impostos como pessoais e reais, no entanto, há autores para os quais essa classificação não deve ser considerada, ou melhor, seriam os impostos todos pessoais, conforme o professor HARADA,433 para quem a obrigação tributária é sempre pessoal, independentemente da classificação do imposto nessas duas espécies.

Este entendimento é compartilhado por outros doutrinadores, como GRUPENMACHER434:

todos os impostos são pessoais, na medida em que é sempre a pessoa do contribuinte, natural ou jurídica, que suporta o respectivo ônus financeiro, e ainda porque todos os impostos incidem sobre alguma forma de disponibilidade econômica (propriedade de imóvel urbano, propriedade de imóvel rural, renda, propriedade de veículo automotor, disponibilidade econômica decorrente de transmissão de imóveis).

No mesmo sentido Sacha Calmon Navarro Coelho435:

A classificação é falha, por isso que os impostos, quaisquer que sejam, são pagos sempre por pessoas. Mesmo o imposto sobre o patrimônio, o mais real deles, atinge o proprietário independentemente da coisa, pois o vínculo ambulat cum dominus, isto é, segue o seu dono.

Leandro Pausen436, destaca que não há incompatibilidade entre os impostos reais e progressividade:

433 HARADA, Kiyoshi. PROGRESSIVIDADE FISCAL DE IMPOSTO DE NATUREZA REAL.www.conteudojuridico.com.br. Acesso em 12/10/2015.

434 GRUPENMACHER, Betina Treiger. IPTU, ITBI, e Capacidade Contributiva: Diversidade de Bases de Cálculos e Critérios para a Progressividade. http://www.ibet.com.br/download/BetinaTreigerGrupenmacher. Acesso em 21/12/2015.

435 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 2009, p. 82. Editora: Forense. Rio de Janeiro-RJ

436 PAUSEN, Leandro. Direito tributário. 8ª. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, pág.476.

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Não há, por outro lado, incompatibilidade entre impostos reais e progressividade. Todo imposto não deixa de ser pessoal e real ao mesmo tempo, porque sempre será devido por um sujeito-de-direito em razão do seu patrimônio. A diferenciação, na verdade, mostra-se relativa, razão pela qual, tanto os impostos pessoais, quanto os reais – como é o caso do IPTU – devem ser orientados pelos princípios da capacidade contributiva e da progressividade

Em sua obra magistral, Alfredo Augusto Becker, destaca que a relação jurídica é sempre pessoal, conforme ensinamentos de PONTES DE MIRANDA437:

A regra jurídica, incidindo sobre os fatos, qualifica-os como jurídicos, juridiciza-os, dá-lhes cor jurídica, assinala-os. Essa função objetiva e heteronomia somente se pode exercer, pois que se destina ao regramento de relações inter-humanas, mediante ligação entre as pessoas. A regra jurídica dirige-se, então a essas, para que não seja vão o propósito, e as liga jurisdicizando relações.

Uma parte da doutrina entende que, para os impostos reais há impossibilidade de serem gravados com a progressividade de alíquotas, conforme os signos de riqueza, justamente pela natureza da base de cálculo, pois é coisa e coisa não tem capacidade para contribuir.

Há que se considerar, como observamos acima, que a doutrina não tem unanimidade em relação à classificação dos impostos em reais e pessoais. E também, para essa corrente doutrinária o princípio da capacidade contributiva, pode ser atendido na maioria dos impostos, pois a pessoalidade do contribuinte, que é aquele que retira uma parcela de seu patrimônio para contribuir com a sociedade, não tem relação com uma classificação doutrinária.

Nas palavras do doutrinador Paulo de Barros Carvalho438, a cobrança de tributos sempre teve como padrão de referência a capacidade contributiva do sujeito passivo:

a capacidade contributiva do sujeito passivo sempre foi o padrão de referência básico para aferir-se o impacto da carga tributária e o critério comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo.

Tal entendimento coaduna com o texto expresso na Constituição Federal de 1988, pontuando incisivamente a necessidade de fazer justiça fiscal, quando observa a necessidade de individualizar o contribuinte.

2.2 - A Progressividade no Direito Brasileiro437 PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, 1954. In_______ BECKER, Alfredo Augusto.

Teoria Geral do Direito Tributário. Lejus. 3ª ed.1988. Pág.341.438 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed.2013. Editora Saraiva. São

Paulo.Pág.172.

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Podemos afirmar que a progressividade de alíquotas, com base na capacidade contributiva, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma realidade. Caminha no sentido de expandir para outros tributos, conforme poderemos observar, mas, ainda caminha a passos muito lentos.

Teceremos algumas considerações acerca da progressividade no ordenamento pátrio acerca da progressividade de alguns impostos.

Na Constituição brasileira a possibilidade de gravar os tributos de maneira que lhes dê pessoalidade, e respeite o princípio da capacidade contributiva está estampada no próprio Art. 145, §1º.439

Quando a Constituição descreveu o caráter pessoal dos impostos, surgiu uma grande questão. Por natureza, o imposto pessoal é o Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), porque diz respeito, diretamente, ao sujeito passivo da relação jurídico-tributária, quando este aufere renda. Neste caso, as alíquotas têm uma variação de 0 até 27,5%. Nesse caso não há controvérsias.

No caso dos impostos de natureza dita real, reiterando que alguns autores discordam de tal classificação, dizem respeito a um bem, como é o caso do IPTU, ITR, ITCMD e ITBI, por exemplo.

O IPTU-Imposto Predial e Territorial Urbano- é o tributo que taxa a propriedade Urbana. Que desde a Constituição de 1988 assumiu novos contornos, dando à propriedade uma um viés de função social sem, contudo, tirar do proprietário o direito de propriedade, garantido constitucionalmente e também declarado no Código Civil de 2002. É um imposto que admite a progressividade fiscal como também a extrafiscal.

O Imposto aqui discutido, foi modificado através do tempo acompanhando o próprio conceito de propriedade no Brasil, o qual tem diferentes nuances no decorrer da História, desde a Constituição do Império até a atual, a constituição Cidadã, houveram mudanças no conceito de propriedade, tendo hoje um conceito ligado à função social e não à propriedade absoluta, como era no século passado.

A instituição do IPTU tem a possibilidade de ser progressiva, conforme o valor do imóvel, previsto na própria Constituição Federal, como pode ser observado no Art. 156, § 1º, bem como para cumprir a função social da propriedade, a Constituição permite a progressividade no Art. 182, II, par.4º.

Ocorre que, parte da doutrina e da jurisprudência discorda fortemente desta

439 (...) § 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a

capacidade econômica do contribuinte, facultado a administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (Grifo nosso)

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previsão constitucional, enfatizando que o IPTU, teria previsão constitucional de progressividade de alíquotas apenas para fins de extrafiscalidade, para o cumprimento da função social da propriedade, conforme estabelece o art. 182. §4º, II, e, conforme anterior interpretação, não poderia ter progressividade de alíquotas com finalidade fiscal.

A extrafiscalidade não tem como finalidade principal a arrecadação para os cofres públicos, sendo que na lição de Paulo de Barros Carvalho440 é uma “forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios”. Para o autor a extrafiscalidade consiste:

no emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias.

Afirma, ainda que o legislador deve pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais quando construir suas pretensões extrafiscais e observar sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria. Não se institui um regime especial e sim, dá outra finalidade ao manejo do tributo.

E, de acordo com os parâmetros constitucionais, citados por Paulo de Barros Carvalho, o IPTU não é um tributo extrafiscal por natureza, ou seja, sua atividade principal é primordialmente arrecadatória, sendo que ainda há muitas discussões doutrinárias acerca de sua progressividade, com finalidade fiscal.

Cita-se os argumentos de Ricardo Lobo Torres441:

Não cabe a progressividade do IPTU fundada em argumentos de capacidade contributiva ou de justiça tributária com relação a características intrínsecas do bem imóvel (localização, valor, cesta de serviços oferecida pelo Município etc.), em virtude de antinomia estrutural entre progressividade e incidência in rem. Pela indisfarçável subjetivação do tributo que incide objetivamente, implicaria discriminação entre os cidadãos, porque nada assegura ser o proprietário de um imóvel de valor elevado mais rico do que o proprietário de inúmeros bens de valores individuais menores.

Embora um dos fortes argumentos do autor seja a jurisprudência do STF ser consolidada, Elizabeth Nazar Carrazza entende que não há sentido em pugnar falso um entendimento doutrinário apenas por confrontar a jurisprudência consolidada. Tanto que, como veremos adiante, a própria Côrte mudou o entendimento.

440 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed.2013. Editora Saraiva. São Paulo. Págs.233-234.

441 TORRES, Ricardo Lobo. Proporcionalidade, Progressividade e Seletividade no IPTU. In: XVI Congresso Brasileiro de Direito Tributário. In_______ CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade Igualdade e Capacidade Contributiva. 2ª ed. Editora Quartier Latin. 2015. São Paulo-SP. Pág.185.

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Atualmente, depois da EC 29/2000, o STF adotou uma nova postura em relação ao IPTU, dando uma nova interpretação ao texto constitucional, como veremos em capítulo posterior

O ITR- Imposto sobre a propriedade Territorial Rural- é um imposto cuja competência para instituí-lo é da União, conforme o art.153, VI, §4º, l da Constituição Federal, sua progressividade está positivada no intuito de desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, ou seja, caráter extrafiscal.

No entanto conforme depreendemos do ensinamento do professor Paulo de Barros Carvalho442:

Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre outro.

Embora seja o ITR um imposto eminentemente extrafiscal, seu caráter de fiscalidade convive harmonicamente, no sentido de que para a União o ITR pode ser de difícil fiscalização e cobrança, mas, para muitos municípios a arrecadação tem força fiscal, muito mais do que extrafiscal.

Se o Município celebrar convênio com a União, poderá fiscalizar, lançar e cobrar o imposto em seu território, conforme o inciso III, que foi incluído pela EC 42/2003.

O ITBI- Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis-é um tributo cuja finalidade precípua é a de arrecadar recursos para o Município ou Distrito Federal, conforme preleciona Carneiro443. Não há qualquer previsão constitucional que disserte sobre a progressividade do ITBI.

Contudo, há divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da progressividade das alíquotas desse tributo. Exemplo dessa divergência é o art.10 da Lei que instituiu o imposto no Município de São Paulo, Lei Municipal nº 11.154/91, o qual previu uma variação na alíquota do imposto ente 2 a 6%.

É inconstitucional o art. 10 da Lei 11.154, de 30.12.91, do Município de São Paulo, que instituiu alíquotas progressivas para o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis» (súmula 45). Em um de seus acórdãos, explicita a argumentação: «A

442 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva.25ª Ed. 2013. São Paulo-SP. Pág.234.

443 CARNEIRO, Cláudio. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 4ª ed.2013. Editora Saraiva.pág.91.

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Constituição Federal, no parágrafo segundo do aludido art. 156, disciplinou vários aspectos do imposto de transmissão, sem qualquer referência à progressividade. Assim, a interpretação sistemática da seção V, que é específica aos impostos dos Municípios, leva à conclusão de que o constituinte não pretendeu estender a progressividade ao imposto de transmissão inter vivos” (Ac. un, da 9ª C. do 1° TAC SP - Ap. 547.879-5 - j. 19.9.95, in RT 726/273).

O STF chegou a editar a Súmula 656: “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI- com base no valor venal do imóvel”

O ITCMD- Imposto de Transmissão causa mortis e doação de qualquer natureza.

Acerca do ITCMD também não há qualquer menção constitucional sobre a progressividade, tampouco a Constituição veda a instituição de alíquotas progressivas.

A doutrina também é divergente, sendo que há autores que dizem que tal progressividade iria ferir cláusula pétrea da Constituição. Discordando totalmente de tal posicionamento, Sacha Calmon Navarro Coêlho:

o caráter pessoal do tributo, afirmando que além da transmissão de bens e direitos, o ITMCD traz consigo acréscimo ao patrimônio do beneficiário (seja ele herdeiro, legatário ou donatário), e que se não houvesse a tributação sobre a transmissão essa se daria na área do imposto de renda. A progressividade assegura a graduação dos impostos conforme a capacidade econômica do contribuinte, constituindo-se em consequente lógico do princípio da igualdade e, portanto, dispensando qualquer previsão expressa. Se a Constituição é enfática na vontade de assegurar a igualdade, é evidente que uma medida que assegure esta igualdade é repleta de constitucionalidade. A tributação progressiva do ITCMD não fere nenhum princípio constitucional, tampouco agride cláusula pétrea.

Recentemente o STF, mudou sua interpretação acerca da não progressividade do ITCMD, no Recurso Especial 562.045 do Rio Grande do Sul, dando aplicabilidade ao princípio da capacidade contributiva a todos os impostos, sejam pessoais ou reais, pois é possível aferir a capacidade econômica do contribuinte, de modo que não há motivos para impedir a progressividade dos impostos reais.

Sendo que, mesmo vencido, o Ministro Ricardo Lewandowski, concluiu:

por não considerar o imposto sobre transmissão “causa mortis” como um típico imposto de caráter real, mas, diferentemente, considerá-lo um imposto que revela efetiva capacidade contributiva de quem percebe a transferência patrimonial, considerando que se dá em caráter gratuito, tenho que não ofendia a Constituição o estabelecimento de alíquotas progressivas para a espécie.

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Demonstrando que, o STF, sob uma perspectiva histórica é absolutamente sujeito a mudanças de entendimento ao sabor de diversas influências externas, novas composições, momentos históricos e sociais etc, fazendo isso tudo parte da sua natureza de tribunal político-constitucional.444

3. Interpretação do STF sobre a ProgressividadeA questão do posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca da

progressividade de impostos de “natureza real” não é recente, sendo que mesmo que com o mesmo fundamento baseia-se no princípio republicano da igualdade e no princípio da capacidade contributiva esse tema já esteve presente em julgados com diferentes entendimentos.

O Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão da progressividade de tributos, em épocas diferentes e com questionamentos e conclusões divergentes acerca da progressividade de impostos, ora pela possibilidade de utilização da progressividade nos impostos de “natureza real”, com finalidade extrafiscal, ora fiscal e também por ferir cláusula pétrea.

Como já comentado acima, das Constituições brasileiras promulgadas, anteriores a de 1988, apenas a de 1946 havia normatizado a graduação dos tributos conforme a capacidade econômica do contribuinte. E no período ditatorial, as Constituições, sequer faziam menção à progressividade ou à capacidade contributiva445.

O Supremo, com a formação de Ministros sob a regência da Constituição de 1946, tinha uma postura mais democrática, devido ao momento histórico, final da Era Vargas.

No acórdão do RE 69.784446, do Município de Americana-SP, onde se discutia a constitucionalidade da Lei municipal 614/64, que instituiu alíquotas progressivas para o Imposto Territorial Urbano, foi desprovido o Recurso.

IMPOSTO TERRITORIAL URBANO - SEU CONCEITO (ART. 33 DO C.T. NACIONAL). INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2. DA LEI 614/64, DO MUNICÍPIO DE AMERICANA, POR VULNERAR O PAR. 6. DO ART. 19 E O ART.25, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.(RE 69784, Relator (a): Min. DJACI FALCAO, Tribunal Pleno, julgado em 05/03/1975, DJ 18-04-1975 PP-02524 EMENT VOL-00981-01 PP-00149 RTJ VOL-00077-01 PP-00172)

444 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade Igualdade e Capacidade Contributiva. 2ª ed. Editora Quartier Latin. 2015. São Paulo-SP. Pág.346.

445 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 4ª ed.2012. Editora Malheiros. São Paulo-SP. Pág.21.

446 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=165732. Acesso em 08/02/2016.

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O Ministro Relator Djaci Falcão entendeu que o lançamento do tributo era nulo por ter a Lei adotado o critério dúplice para lançamento de imposto, por ser uma parte calculada sobre o valor venal, e a outra, adicional variável ou progressivo para proprietários de mais de um lote.

Essa decisão teve como voto divergente o Ministro Aliomar Baleeiro:

Quando a Constituição Federal quer proibir a progressividade ou o gradualismo, ela expressamente estatui que a alíquota deve ser uniforme.

Nada veda, na Constituição Federal ou no Código Tributário Nacional, a progressividade do Imposto Territorial Urbano. Pelo contrário a analogia, a doutrina e a tradição aconselham que assim seja, como instrumento de Política Legislativa e de Política Fiscal para combate ao latifúndio (ou mesmo ao pavifúndio), acessibilidade dos terrenos às construções para habitação, guerra à especulação que os retêm para captação da chamada renda ricardiana, etc.

No voto do Ministro Aliomar Baleeiro observa-se a defesa da extrafiscalidade para a progressividade do Imposto Territorial Urbano, enquanto do Ministro Relator a defesa é quanto aos critérios usados para a variação de alíquota.

Essa decisão foi precedente para a Súmula 589 do STF: “É inconstitucional a fixação de adicional progressivo do imposto predial e territorial urbano em função do número de imóveis do contribuinte. ”

Uma nova discussão acerca da mesma Lei municipal 641/67 de Americana-SP, no RE 77.260/SP447

IMPOSTO TERRITORIAL RURAL E URBANO. MUNICÍPIO DE AMERICANA. LEI MUNICIPAL N 614/64, ART. 2, ACRÉSCIMOS. CONSTITUCIONALIDADE DESSA NORMA SOB A VIGENCIA DA CONSTITUIÇÃO DE 1946; INCONSTITUCIONALIDADE NO REGIME DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967. PRECEDENTES DO STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO, EM PARTE.(RE 77260, Relator(a): Min. LEITAO DE ABREU, Segunda Turma, julgado em 30/08/1977, DJ 17-10-1977 PP-07209 EMENT VOL-01074-01 PP-00212)

Onde o Ministro Relator Leitão de Abreu declarou que o Supremo Tribunal Federal possuía duas orientações a respeito da Lei: a) se o lançamento fiscal fosse anterior a Constituição Federal de 1967 quando ainda estava em vigor o texto constitucional de 1.946, sua cobrança era legítima. b) se o lançamento fosse posterior ao texto constitucional de 1.967, seria ilegítima a cobrança, por inconstitucionalidade da referida Lei.

Com o fim da ditadura militar e o advento da Constituição Federal de 1.988, o tema relativo às alíquotas progressivas para o IPTU, voltou ao cenário do Supremo Tribunal Federal.

447 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=172739

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A discussão que se tornou parâmetro foi em torno do Recurso Extraordinário nº 153.771448, além de ter se tornado um marco legislativo histórico e referencial sobre a progressividade de impostos, onde o Município de Belo Horizonte discutia com um contribuinte a Lei Municipal 5.641, de 1989, que instituía alíquotas progressivas entre 0,5% e 1,0% para o IPTU, com tabela de aumento de alíquotas prevista conforme o valor venal do imóvel.

A lei do Município de Belo Horizonte fixava alíquotas diferenciadas para os terrenos edificados em razão do padrão, que variava de padrão popular até padrão luxo de suas construções e alíquotas maiores e também escalonadas para os imóveis não edificados, conforme seu valor venal.

EMENTA: - IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. - Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). - A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. - Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte.(RE 153771, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/1996, DJ 05-09-1997 PP-41892 EMENT VOL-01881-03 PP-00496 RTJ VOL-00162-02 PP-00726)

A Corte entendeu que, conforme o texto constitucional, apenas quando a propriedade urbana não cumprisse sua função social, poderiam ser estabelecidas alíquotas progressivas, como estava previsto no art. 182, §4º449. Ou seja, apenas cumpriria a sua função extrafiscal, não podendo ser, portanto, um tributo com fins arrecadatórios.

Sempre deixando claro que a progressividade de alíquotas para o IPTU teria apenas caráter de extrafiscalidade, com vistas ao cumprimento da função social da propriedade, conforme preconiza o art.182, §4º.

448 h t t p : / / w w w . s t f . j u s . b r / p o r t a l / j u r i s p r u d e n c i a / v i s u a l i z a r E m e n t a .asp?s1=000109276&base=baseAcordaos. Acesso em 28/12/2015.

449 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:(....)

II- imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

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Por função social entende-se dar ao imóvel a utilização que ele pode ter, evitando por exemplo, a especulação. Neste sentido, leciona Fábio Konder Comparato450:

quando se fala em função social da propriedade não se indicam as restrições ao uso e gozo dos bens próprios. Estas últimas são limites negativos aos direitos do proprietário. Mas a noção de função, no sentido em que é empregado o termo nesta matéria, significa um poder, mais especificamente, o poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo.

A Corte declarou inconstitucional a lei municipal, porque ofenderia os princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária, por não ser possível aferir, em um imposto real, os sinais de riqueza pessoal do contribuinte.

No entanto, nesse mesmo Recurso, o entendimento do ministro Carlos Velloso, o único voto a não conhecer do Recurso, entendeu que o art.145, §1º451 da CF, autorizaria a progressividade de alíquotas com caráter de fiscalidade e não apenas de sanção, inclusive porque estaria respeitando o princípio da capacidade contributiva.

Em momento posterior, no RE 234.105-3, onde se discutia a inconstitucionalidade do art.10, II, da Lei 11.154 de 30/12/1991, do Município de São Paulo-SP, acerca da progressividade de alíquotas do ITBI- Imposto de Transmissão inter vivos de Bens Imóveis- os Ministros do STF usaram os mesmos argumentos utilizados no RE 153.771-0, que para impostos reais não havia previsão constitucional de progressividade de alíquotas e a impossibilidade de aferir a capacidade contributiva do sujeito passivo.

Firmou-se, então, um precedente, que fora seguido pelos tribunais, com muitas discussões e divergências sobre o tema.

A partir deste julgado foi editada a Súmula 656: “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão «inter vivos» de bens imóveis-ITBI- com base no valor venal do imóvel”.

Com a publicação da Emenda Constitucional 29/2000, a qual incluiu o parágrafo 1º ao Art. 156 da Constituição Federal, podemos dizer que houve outro marco legislativo em relação à interpretação acerca da progressividade dos impostos. Antes da Emenda havia muita divergência doutrinária, quanto à progressividade do

450 “Função Social da Propriedade dos Bens de Produção”, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 63/75. Apud Alexandre Levin. Parcelamento, edificação e utilização compulsórios de imóveis públicos urbanos. Dissertação de Mestrado. Puc- São Paulo-SP. 2008

451 § 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado a administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

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IPTU, pois, parte da doutrina dizia que este deveria ser progressivo com caráter de fiscalidade (Elizabeth Nazar Carrazza, Antônio

Roque Carrazza, Geraldo Ataliba, Sacha Calmon Navarro Coelho, Aliomar Baleeiro), para assim atender ao princípio da capacidade contributiva.

Por outro lado, havia também forte corrente, no sentido de dizer que a progressividade de alíquotas com caráter de fiscalidade, não tinha previsão constitucional para impostos reais, e que, justamente feriria o princípio da capacidade contributiva (Marco Aurélio Greco, Ives Gandra Martins).

A partir da EC 29 de 14/09/2000, deu-se nova interpretação e ampliação ao artigo 156, §1º da CF/88, de forma que este dispositivo passou a permitir a aplicação de alíquotas progressivas do IPTU conforme localização, valor venal e uso do imóvel452. Retirando da progressividade do tributo o viés eminentemente extrafiscal.

Então, com novo parâmetro e também a Côrte com nova formação de ministros, tomou outra postura conforme observa-se no RE 423.768. Onde um contribuinte pedia a declaração da inconstitucionalidade da EC 29/2000, por afrontar o art.60, § 4º da CF/88, ou seja, afrontar cláusula pétrea e que a progressividade com base no valor venal do imóvel teria caráter confiscatório. Não foi provido o Recurso, firmando, então, o entendimento da Corte no sentido de reconhecer a progressividade de alíquotas para impostos reais, com caráter de fiscalidade.

IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – PROGRESSIVIDADE – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000 – LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº 29/2000.(RE 423768, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 01/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-02 PP-00286)

A nova composição de ministros, nesse caso o Ministro Relator foi Marco Aurélio Mello, adotou uma nova postura tendo como fundamento a busca pela justiça tributária, através da progressividade das alíquotas conforme a capacidade contributiva do indivíduo.452 Art. 156 - Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; (...) § 1.º- Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4.º, inciso II, o

imposto previsto no inciso I, poderá: I - ser progressivo, em razão do valor venal do imóvel e II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e do uso do imóvel. III - Passa a ser permitida constitucionalmente a progressividade em razão do valor venal do

imóvel, bem como, a diferenciação de alíquotas, em função da localização e do uso do imóvel, consagrando a constitucionalidade em função da base de cálculo. (Grifos nossos)

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Ainda assim, após a EC: 29/2000, o STF reconheceu, pela edição da Súmula 668, que, para assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana poderia o IPTU estabelecer alíquotas progressivas:

É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana. (Grifos nossos)

Essa nova Súmula veio para dar entendimento ao caráter extrafiscal da progressividade do IPTU que já estava previsto na Constituição de 88 no art. 182, §4º453.

Passou, então, a alíquota do IPTU a variar de acordo com o índice de aproveitamento do terreno, com o tipo de construção, com sua localização e assim avante.454

Após essa nova orientação jurisprudencial, os questionamentos sobre a progressividade acerca de outros impostos de natureza real também ganharam Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal.

Em relação ao ITCMD- Imposto de transmissão Causa Mortis e Doação- também de natureza real, recentemente a Côrte, mudou sua interpretação acerca da não progressividade do imposto, dando provimento ao Recurso Especial 562.045-0455, de 06 de fevereiro de 2013, interposto pelo estado do Rio Grande do Sul, o qual tratou da possibilidade de instituir alíquotas progressivas para o ITCMD, sugerindo a aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva a todos os impostos, sejam pessoais ou reais, pois é possível aferir a capacidade econômica do contribuinte, de modo que não há motivos para impedir a progressividade dos impostos reais.

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL: PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTA DE IMPOSTO SOBRE

TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE BENS E DIREITOS. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 145, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL TRIBUTÁRIA. OBSERVÂNCIA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. (RE 562045, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2013, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-233 DIVULG 26-11-2013 PUBLIC 27-11-2013 EMENT VOL-02712-01 PP-00001)

453 É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento.

454 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade Igualdade e Capacidade Contributiva. 2ª ed. Editora Quartier Latin. 2015. São Paulo-SP. Pág.193.

455 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia. Acesso em 08/02/2016.

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A divergência foi suscitada pelo Ministro Eros Roberto Grau e seguida pela maioria dos ministros, garantindo o provimento do Recurso, declarando que todos os impostos estão sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, mesmo os que não tenham caráter pessoal, e que o que o dispositivo do art.145, § 1º estabelece é que os impostos, sempre que possível, deverão ter caráter pessoal, e que, todos os impostos, independentemente de sua classificação como de caráter real ou pessoal, podem e devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo.

Sendo que, mesmo vencido, em voto contrário, o Ministro Relator Ricardo Lewandowski, concluiu:

por não considerar o imposto sobre transmissão “causa mortis” como um típico imposto de caráter real, mas, diferentemente, considerá-lo um imposto que revela efetiva capacidade contributiva de quem percebe a transferência patrimonial, considerando que se dá em caráter gratuito, tenho que não ofendia a Constituição o estabelecimento de alíquotas progressivas para a espécie (Grifo nosso)

O ITCMD é classificado como imposto real, embora, como já abordado anteriormente, é apenas uma classificação. Com a nova postura da Côrte Suprema é um imposto que pode ser progressivo mesmo que a Constituição federal não tenha previsto expressamente.

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal adota uma interpretação que visa a plena relação da tributação guardando relação entre a progressividade e a capacidade contributiva do contribuinte, o que pode ser observado no RE 720.945456, que teve como Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, em sede de Recurso Extraordinário:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ITR. PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS EM PERÍODO ANTERIOR À EC

42/2003. LEI 8.847/1994. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE À REDAÇÃO ORIGINAL DO 153, § 4º, DA CF. ART. 145, § 1º, DA CF. NECESSIDADE DE TODOS OS IMPOSTOS GUARDAREM RELAÇÃO COM A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA DO SUJEITO PASSIVO, INDEPENDENTEMENTE DE POSSUIREM CARÁTER REAL OU PESSOAL. IMPOSTOS DIRETOS. UTILIZAÇÃO DE ALÍQUOTOAS PROGRESSIVAS. CONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Nos termos do art. 145, § 1º, da CF, todos os impostos, independentemente de seu caráter real ou pessoal, devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo e, tratando-se de impostos diretos, será legítima a adoção de alíquotas progressivas. II – Constitucionalidade da previsão de sistema progressivo de alíquotas para o imposto sobre a propriedade territorial rural mesmo antes da EC 42/2003. III – Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 720945 AgR, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 09/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 17-09-2014 PUBLIC 18-09-2014) (Grifo nosso).

456 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia. Acesso em 03/04/2015.

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Observa-se que o Relator menciona que todos os impostos devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo, independentemente de possuírem caráter pessoal ou real. Sendo que o princípio, também, pode ser também realizado por meio da técnica da progressividade, sem guardar relação com a classificação dos tributos. Independente de autorização constitucional para que sejam aplicadas alíquotas progressivas.

4 . Conclusão

O trabalho buscou demonstrar como o conceito sobre a progressividade de alíquotas evoluiu e as mudanças que ocorreram nos entendimentos da Suprema Corte, com o passar dos anos, e sua inserção histórica. Fundamentados no princípio da capacidade contributiva, como limite ao poder de tributar do Estado, bem como outro princípio atrelado a este, que é a garantia fundamental ao mínimo existencial, sendo este um limitador da tributação.

O trabalho analisou a questão da progressividade de alíquotas para tributos classificados como reais, com finalidade fiscal, visando a efetivação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, à luz do entendimento doutrinário e principalmente do entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Desta análise, observa-se que a Corte caminha no sentido de, cada vez mais, buscar a igualdade e estabelecer os parâmetros para tributar conforme a capacidade econômica de cada contribuinte e caminhando para um processo de justiça tributária.

Atualmente, o debate sobre a progressividade dos impostos reais ainda é tema de muitas controvérsias, seja na doutrina, seja na jurisprudência, com uma tendência a uma abrangência maior do princípio da capacidade contributiva, partindo da premissa ser este o início e a própria razão do Direito Tributário. Porém, o entendimento do Supremo Tribunal Federal caminha no sentido de ter a capacidade contributiva como uma forma de fazer justiça fiscal através da tributação progressiva.

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