Upload
baader
View
71
Download
15
Embed Size (px)
Citation preview
1
Ciência e Técnica
Carlos Emanuel Sautchuk
Introdução
A expressão ciência e técnica como designação de tipos de pesquisas ou temas
da Antropologia é recente no cenário brasileiro. Teve início nos anos 1990, firmando-se
como identificador explícito apenas neste século, quando se consolidou como forma de
reunir linhas de reflexão antropológica com orientações originais diferentes. Essa
situação se diferencia da Sociologia brasileira, onde a análise de fenômenos como as
políticas públicas e as profissões alavancou os estudos sobre ciência e tecnologia,
tornando-os um campo profícuo, que se desenvolve de maneira relativamente coesa e
bem estabelecida no seio da disciplina. Ao contrário, o que permite falar de
Antropologia da ciência e da técnica no cenário brasileiro é a reunião de linhas
diferentes de pesquisa convergindo para algumas questões semelhantes.
Pensando na produção atual e nas perspectivas futuras, três campos se conectam
a este movimento – ciência, cultura material e biotecnologia. Dito isso, é possível mirar
por dois ângulos a produção antropológica sobre ciência e técnica no Brasil. O primeiro
deles, ao qual esse texto se dedica, é diacrônico e particular, evidenciando que cada um
desses campos apresenta desenvolvimento próprio, tendo derivado para a reflexão sobre
ciência e técnica mais recentemente. O outro ponto de vista é sincrônico e comparativo,
indicando que nichos de investigação aparentemente distintos tem convergido para
discussões similares, recorrendo a reflexões de mesma ordem. Essa perspectiva permite
notar que a reunião dos três campos se apóia no fato dessas manifestações da
Antropologia feita no Brasil empreenderem uma análise sobre as formas de
sociabilidade ou sobre o estatuto do humano (ou da pessoa), a partir das relações
estabelecidas com diferentes tipos de não humanos, sejam eles extraterrestres, animais,
artefatos, grafismos, embriões ou genes.
Os diferentes estudos aqui analisados voltam-se, ainda que de maneira
particular, ao fato de que a dimensão não humana da vida social é extremamente
relevante para o enfoque das formas de sociabilidade e das noções de humanidade.
Guardadas as especificidades de cada área de estudo, esse intuito geral vale para o índio
Carlos Emanuel Sautchuk é professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília,
onde coordena o Laboratório de Antropologia da Ciência e da Técnica (LACT).
2
que trança um cesto, o cientista que observa um macaco ou o casal envolto nos
procedimentos de reprodução assistida. Ao focar esses tipos de situações, os
antropólogos têm analisado as construções cosmológicas que organizam a distribuição e
as características de humanos e não humanos. Num outro nível, isto aponta para
abordagens preocupadas, em diferentes graus e perspectivas, em repensar a dicotomia
entre cultura e natureza e suas tributárias (artificial e natural, sujeito e objeto etc.), que
perpassam tanto a modernidade de modo geral quanto o próprio fazer antropológico.1
No registro dessa preocupação com a manifestação da modernidade (na
antropologia e/ou em seus “objetos”), cabe comentar algo sobre a preferência pelo
termo técnica, e não tecnologia, na definição do escopo deste texto. Em primeiro lugar,
como fica evidente pelo próprio delineamento das abordagens tratadas neste artigo,
ciência e técnica não demarcam um objeto empírico – não se trata de abordagens
antropológicas voltadas ao domínio da “ciência & tecnologia” nos Estados modernos –
mas são noções tomadas antes na qualidade de categorias analíticas a orientar a
investigação antropológica.
Nesse sentido, adotar o termo técnica não indica rejeição, mas cautela em
relação a tecnologia. Se no contexto anglo-saxão e no Brasil de modo geral o vocábulo
tecnologia é mais acionado, entre francófonos técnica ganha mais importância e
abrangência. Veja-se a tão importante quanto pouco lembrada produção de Mauss
(2006) sobre o tema, onde tecnologia é compreendida como o estudo da técnica. É
verdade que existe alguma correspondência entre os dois termos, atestada, por exemplo,
na tradução para o inglês de autores como Latour, Foucault, Ellul, Daumas, Mauss,
Lemonnier, onde technique no original é vertido como technology. Mas essa
equivalência é parcial e pode dar margem a algumas confusões. Tanto assim, que
diversos autores franceses incomodam-se com o emprego do termo tecnologia,
considerando-o equivocado ou abusivo (Séris, 1994, p. 3-6; Sigaut 1994, p. 442; Latour
2001, p. 219). E mesmo Bryan Pfaffenberger, em Social Anthropology of Technology
1 Não foram consideradas aqui as pesquisas dedicadas à relação entre conhecimentos tradicionais e
ciência moderna, assim como aquelas relativas à cibercultura, ainda que, em alguma medida, elas
guardem proximidade com o tema. Além disso, dada a desproporção entre o campo a resenhar e as
dimensões do texto, pareceu-me necessário renunciar a qualquer pretensão de ser exaustivo, guardando,
entretanto, o objetivo de ser indicativo das principais tendências. Trechos deste trabalho receberam a
leitura de Mariza Peirano, Marcela Coelho de Souza e Guilherme Sá, a quem agradeço pelas observações,
as quais nem sempre consegui atender. Ao Guilherme devo também boas indicações sobre estudos
relativos ao tema; cabe a mim, igualmente, a responsabilidade por não ter incorporado devidamente todas
as informações repassadas. Versão inicial deste texto foi apresentada na II Reunião de Antropologia da
Ciência e da Tecnologia, em maio de 2009, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
3
(1992), propõe a substituição do termo tecnologia por técnica ou por sistema
sociotécnico.
Não se trata de fazer a defesa de uma linha de pensamento em detrimento da
outra seria, o que seria, no mínimo, prova de um estreitamento teórico inoportuno para
um esforço de mapeamento. O cenário brasileiro não permite que se tracem linhas
absolutas, pois se cruzam ambas as tradições e ambos os vocábulos. Portanto, a escolha
do termo técnica aqui justifica-se, antes de tudo, por abrangência e cautela.
Explicitemos isto a partir da seguinte indagação: dado que tecnologia não se
refere ao estudo da técnica, o que justifica a adição do sufixo “logos”? Tecnologia pode
sugerir o superlativo de técnica, no sentido de outra ordem, racional, mais sofisticada,
com métodos complexos, consciente dela mesma, de suas necessidades e finalidades,
informada por um saber especializado e científico, associado ao progresso. Opor-se-ia,
assim, às técnicas ditas “rudimentares”, baseadas no empirismo ou no conhecimento
intuitivo, arraigada nas convenções. Assim, o valor associado ao termo tecnologia
estaria conectado à dicotomia moderno-tradicional, enquanto transformação radical. Em
acepção um pouco diferente, tecnologia pode significar a dimensão intelectual da
técnica, isto é, os conhecimentos, saberes, conceitos relativos a alguma operação
material, o que remete à separação entre domínio ideal e material. Ainda que em certas
análises as transformações instauradas pelo mundo industrial ou as elaborações
abstratas relativas à técnica devam ganhar ênfase, parece injustificado admitir isso como
distinção a priori, extensiva a todas as situações.
Tecnologia pode também significar coletivo de técnicas. Este uso, consagrado
entre antropólogos anglo-saxões, remete à ideia de que as técnicas se reuniriam em
sistema, ou pelo menos num conjunto que se relacionaria com outros (de humanos,
símbolos etc.). Assim, artefatos estariam primariamente em relação com artefatos, e este
sistema, caracterizado pela cultura material, manteria uma relação de outra ordem com a
sociedade. Essa distinção fundamental entre o humano e o técnico (derivada do
pensamento hilemórfico, cf. Simondon [2001]) sustenta o dilema entre tecnotopia e
tecnofobia, tão característico do pensamento moderno (cf. Ribeiro, 1999). Note-se então
que considerar as técnicas enquanto um sistema próprio, em alguma medida exterior,
não raro dominado ou dominando a vida humana extratécnica, pode implicar em um
viés etnocêntrico, instaurando importantes limitações heurísticas. Ver-se-á que tal
dicotomia está em contradição com parte considerável do esforço reflexivo avançado
nos estudos analisados a seguir.
4
Enfim, a opção pelo termo técnica não se deve à afirmação de um tipo de
abordagem, mas à reserva epistemológica e à cautela empírica face aos pressupostos
que podem subjazer ao uso do termo tecnologia. Pode-se dizer, então, que o termo
técnica não se opõe, mas engloba os diferentes usos de tecnologia. Isso parece
especialmente importante quando se trata de designar todo o escopo de abrangência do
tema na Antropologia praticada no Brasil.
Cultura material
Ao introduzir um artigo sobre habitação popular, Luiz de Castro Faria notou que
os estudiosos das populações de origem africana no Brasil privilegiavam os aspectos
religiosos e sociológicos, um “unilateralismo” que prejudicava a compreensão dos
“bens materiais de cultura” (Castro Faria, 2000, p. 339-340). Esta frase, publicada em
1951, ressalta dois aspectos significativos sobre os desenvolvimentos ulteriores dos
estudos de cultura material na Antropologia brasileira. O primeiro deles é o alcance
relativamente limitado em que este campo de pesquisa se manteve no quadro de
interesses da antropologia no Brasil, se comparado com a qualidade dos estudos
realizados. Outro ponto é que a forma como Castro Faria buscou minorar essa carência,
no decurso de sua longa carreira como pesquisador e professor, pode ser tomada como
representativa dos tipos de preocupações que pautaram os antropólogos dedicados à
materialidade. Como se sabe, dentre sua vasta contribuição à formação da Antropologia
brasileira destacam-se a aproximação (e a crítica) aos museus, estudos arqueológicos,
escritos sobre a arte indígena, cursos sobre Antropologia econômica, além da
participação decisiva na implantação da legislação referente ao patrimônio histórico
cultural. Esse rol de temas explorados por Castro Faria, se não está na origem direta de
todas as abordagens contemporâneas à cultura material no Brasil, pode ser tomado
como um quadro indicativo delas, conforme apresentadas a seguir.
Comecemos por sua influência sobre os estudos de populações de pescadores.
Ela pode ser sentida na abordagem que, enfocando as questões ambientais e políticas,
não descuida da dimensão técnica e econômica, empreendendo descrição e análise
cuidada das diferentes formas de pescaria (Kant e Pereira, 1997). Os detalhados
resultados de uma pesquisa etnográfica ao longo da história de uma comunidade
pesqueira e as transformações em seu ambiente natural e sociopolítico podem ser vistos
5
na obra Gente das areias (Mello e Vogel, 2004), que situa boa parte de seu interesse nas
técnicas relacionadas ao ambiente.
A preocupação com o trabalho, como apropriação dos recursos valendo-se das
técnicas, é que articula os diferentes planos da análise, e define um papel importante na
dinâmica explicativa destas pesquisas para a dimensão econômica. Nisso pode ser
encontrado um traço mais geral dos estudos sobre sociedades de pescadores entre
pesquisadores brasileiros (por exemplo em Furtado, 1993; Chaves, 1973; Mussolini,
1980). Esse viés preocupa-se com os modos de apropriação dos recursos naturais, ainda
que priorize mais uma leitura socioeconômica do que propriamente técnica. Assim, a
ênfase recai sobre as formas de socialização e de relação com o ambiente, enquanto
modo de reprodução. Mas é notável que, se os estudos sobre pesca no Brasil emprestam
importantes balizas teóricas dos de campesinato (como o trabalho articulando ambiente,
economia e sociedade), eles investem mais na etnografia das atividades técnicas como
forma de compreensão das dimensões socioeconômicas.
Malgrado algumas referências rápidas, é curioso notar que as clássicas
contribuições de André Leroi-Gourhan (1983, 1984) à Antropologia da técnica não
ecoam nas correntes de pesquisa sobre cultura material no Brasil. Sem explorar aqui as
razões disso,2 limitemo-nos a apontar sua influência em trabalhos recentes. Em
dissertação sobre as transformações das habitações kaiowá, Mura (2000) explora o
ambiente doméstico indígena face aos diversos planos do contato interétnico,
recorrendo a três horizontes teóricos: a Antropologia da técnica francesa, a
Antropologia econômica de Godelier e a elaboração da etnicidade inspirada em Barth.
Assim, sua análise não adota a distinção entre técnica indígena e técnica ocidental,
buscando compreender a constituição da materialidade num ambiente de fluxos de
diferentes ordens (matérias-primas, mercadorias, conhecimentos etc.). Inspirado noutra
faceta de Leroi-Gourhan, abordei a gênese associada de humanos e técnicas, ou ainda, a
tecnogênese do humano (Sautchuk, 2007). Considerei as atividades de pesca costeira e
lacustre no estuário do Amazonas a partir da conexão entre habilidades técnicas (Ingold,
2000) e construção da pessoa, buscando compreender os sentidos de humanos e de não
humanos (como artefatos e animais) a partir dos engajamentos práticos.
2 Ausência tanto mais notável quanto Leroi-Gourhan se dedicou longa e profundamente à relação entre
técnica e estética e à própria noção de arte, que, veremos a seguir, são fundamentais nas abordagens da
cultura material indígena.
6
Por outra, anoto que um dos âmbitos da pesquisa sobre cultura material que tem
crescido em número e importância é influenciado pelas políticas públicas de
identificação de saberes e técnicas enquanto patrimônio cultural imaterial. É preciso
distinguir ao menos três níveis diferentes de implicação da Antropologia com esse
movimento: a atuação na identificação de bens culturais, a reflexão antropológica sobre
a patrimonialização (cf. Carneiro da Cunha, 2005; Coelho de Souza, 2005; Gallois,
2007) e os estudos de relevância antropológica associados a tais políticas. Sobre esse
último ponto, cito dois exemplos que indicam a diversidade e o valor que podem
assumir: a elegante etnografia sobre alfaiatarias em Curitiba (Santos et al., 2009) e a
valiosa pesquisa sobre os sistemas agrícolas do rio Negro (Emperaire et al., 2008;
Emperaire, 2005). Esta última apresenta dois pontos a ressaltar. O fato de a pesquisa ser
levada adiante por uma equipe capaz de lidar com múltiplas dimensões do fenômeno
agrícola – como sói acontecer nesse tipo de projeto – aponta provavelmente uma
tendência metodológica. Depois, por contribuir à redução da insondável lacuna nos
estudos sobre cultura material dedicados às técnicas de cultivo e aos processos de
disseminação agrícola, ela indica um dos campos potenciais para seu desenvolvimento.
Mas é nos trabalhos voltados às populações indígenas que a análise da
materialidade multiplicou-se, constituindo uma tradição de estudos. A começar pela
etnoarqueologia, que estabelece associações entre o passado de uma população e a
forma em que estão relacionados atualmente artefatos, conhecimentos e ambiente (cf.
Silva, 2009; Silva e Souza, 2002; Funari, 1998; Ribeiro, 1990). Para ilustrar o tom
recente deste debate – sobre a relação entre dados etnográficos e arqueológicos –
notemos que Silva (2007, p. 102) afirma, baseada em etnografia sobre fabricação e uso
de artefatos, que as formas de descrição e classificação através da qual são estabelecidas
as periodizações arqueológicas em geral, não levam em consideração os mecanismos
mais complexos de produção de identidades sociais externas e internas aos grupos. Tais
aspectos podem ser acessados pelo estudo etnográfico da produção e da circulação de
artefatos, associado às categorias êmicas usadas para referir-se a eles. Ao dar-se conta
das tensões entre tecnologia e agência, continuidade e mudança, a etnografia pode assim
auxiliar na melhor compreensão de comportamentos e trajetórias de populações. É
movida por estas preocupações que Silva (2002) escreve um dos raros trabalhos
realizados no Brasil em que se traça um panorama de propostas teóricas sobre a relação
entre técnica e significado no âmbito da Antropologia.
7
Por outro lado, são bem conhecidas as abordagens relacionando expressões
materiais e simbólicas das sociedades indígenas com base em material etnográfico. A
esse propósito sobressai o nome de Berta Ribeiro, que, além de suas próprias pesquisas,
organizou os três volumes da Suma Etnológica Brasileira (Ribeiro, 1986). Das várias
facetas de sua obra,3 sublinhemos duas: a ênfase na forma como um aspecto central na
descrição e classificação dos artefatos (Ribeiro, 1988); e o intuito de “estudar a cultura
material como uma iconografia étnica” (Ribeiro, 1986, p. 12; cf. também 1989), o que
confere à dimensão estética a chave de abertura para o sentido simbólico da vida
material indígena. Inclusive, é sob influência desse princípio que se desenvolve uma
linha importante de trabalhos acerca da iconografia indígena, em suas múltiplas
manifestações (Vidal, 1992).
Não se trata de negar que também compunha o programa de pesquisas de Berta
Ribeiro (1995) a “tecnoeconomia”, isto é, a dimensão da materialidade diretamente
voltada à relação com o ambiente e à subsistência, incluindo processos de fabricação e
uso. Mas digamos que estas duas disposições – a “forma” como dado privilegiado e a
“estética” como dimensão reveladora – são cursos principais de sua reflexão, assim
como da maneira como antropólogos brasileiros lidam com a cultura material. Penso
que, em alguma medida, isto seja um subproduto do fato mais geral de a etnologia no
Brasil se constituir em contraposição às interpretações materialistas de diferentes
ordens, enfatizando para tal a organização social e o simbolismo.
O texto de síntese de Vidal e Silva (1992) evidencia bem os pressupostos e as
potencialidades desse enquadramento. A ênfase na noção de um sistema de objetos
como base empírica e na articulação entre arte e cultura material como horizonte
compreensivo é fundamental. Mas o refinamento etnográfico alcançado por esses
trabalhos deve-se também à formação em artes ou museologia de parte considerável dos
antropólogos responsáveis por elas.4 Isto não é negligenciável, tanto mais se
considerarmos que um dos desdobramentos mais instigantes nesse cenário é a reflexão
sobre a noção ocidental de arte e o modo como ela incide na compreensão antropológica
(nessa linha, cf. Costa, 1988 e Velthem, 2000). A título de exemplo, citemos as ideias
de criatividade individual, autoria e autenticidade, que se revelam muito diferentes no
mundo indígena.
3 A esse respeito, ver Velthem (1999) e Botelho (2005).
4 É o caso de Berta Ribeiro, Heloísa Fénelon Costa, Lux Vidal, Lúcia van Velthem, Aristóteles Barcelos
Neto etc.
8
Contudo, este desdobramento na reflexão sobre a estética indígena somente pode
ser considerado em associação com outro fator, que diz respeito à etnologia de modo
geral. A partir da década de 1980 torna-se explícita a percepção de que há “necessidade
de se tomar o discurso indígena sobre a corporalidade e a pessoa como informador da
práxis social concreta” (Seeger et al., 1979, p. 16). Há então uma conexão produtiva
entre a tradição de pesquisa da materialidade em tela – com um olhar atento à
iconografia, inclusive à ornamentação corporal – e a aproximação às dinâmicas de
formação da pessoa através do idioma da corporalidade. Nessa direção, recente leva de
pesquisas renova os estudos sobre cultura material, basicamente operando com as
noções de alteridade e de agência, como Velthem (2003), Lagrou (2007), Barcelos Neto
(2008) e Miller (2009).
A trajetória de Lúcia van Velthem expressa os principais capítulos da
transformação na abordagem da cultura material na Antropologia brasileira. Suas
primeiras publicações, a exemplo da dissertação sobre a cestaria Wayana, dão prova do
rigor descritivo, da minúcia no tratamento da produção e da forma dos artefatos e de
seus motivos gráficos. Já em O belo é a fera, explorando o vínculo necessário entre
beleza e predação, Velthem (2003) compreende a estética Wayana frisando que os
objetos e os padrões figurativos não constituem obras puramente humanas, mas são
recebidos ou arrebatados de outros seres, sejam eles animais, inimigos, sobrenaturais
etc. De modo que a decoração é uma forma de “integrar o que lhe é estranho, de
assimilar o outro como condição da própria identidade, individual e coletiva, capacidade
esta veiculada através da arte que se revela para os Wayana enquanto possibilidade de
afirmação de humanidade” (idem, p. 389). Não só a relação com a alteridade é condição
de humanidade, mas dado que a “fabricação” tanto de coisas como de pessoas,
independente de sua constituição material, é concretizada de acordo com uma mesma
técnica, a grande questão aqui é detectar “o que há de „humano‟ nas coisas e o que há de
„coisa‟ nos humanos” (idem, p. 63, cf. Velthem, 2009).5
5 Dedicando-se mais recentemente ao estudo de populações ribeirinhas no Acre, Velthem (2008, p. 11)
constata que a fertilidade dos estudos sobre certas categorias artesanais dos povos indígenas (cestaria,
plumária, cerâmica) contrasta com o tratamento meramente utilitário dado aos objetos envolvidos nos
contextos produtivos de outras populações. Levando adiante essa constatação, seria o caso de acrescentar
que muitas vezes esse desequilíbrio se apresenta no próprio âmbito dos estudos sobre povos indígenas.
Nesse sentido, vale ressaltar que a emergência da noção de predação, que estende seu potencial heurístico
a diversos planos da vida indígena, não tem gerado entre pesquisadores brasileiros uma valorização das
aproximações etnográficas sobre a atividade cinegética propriamente dita. Aspecto que tem sido enfocado
por antropólogos de outras nacionalidades, como Descola (1986), Ingold (1988 e 2000) e Kohn (2002).
9
Em seu estudo sobre o estilo gráfico kaxinawa, Lagrou (2007; cf. também 2002)
também se afasta dos intentos classificatórios ou formalistas, que tendem, num segundo
momento, a desviar a atenção dos objetos para os sistemas de pensamento. Ela trata de
modo inseparável forma, sentido e ação, apoiando-se em Gell (1998) para levar adiante
uma abordagem de objetos, artefatos e arte “como se fossem pessoas”. Isto é, objetos
cujo sentido não está no plano contemplativo, semiótico ou linguístico, mas advém de
certas modalidades de agência, está em seus efeitos práticos (Lagrou, 2007, p. 54). A
ideia mesmo de poder criativo é alvo de exame, suscitando a rediscussão tanto dos
pressupostos de uma Antropologia da arte quanto da ideia de agência no mundo
indígena. De modo que “pensar sobre arte entre os ameríndios equivale a pensar a noção
de pessoa e de corpo. Porque objetos, pinturas e corpos são assuntos ligados no universo
indígena, no qual a pintura é feita para aderir a corpos e objetos são feitos para
completar a ação dos corpos” (idem, p. 50).
Esse movimento nas abordagens da cultura material, a partir das ideias de
fabricação de corpos e pessoas e da alteridade como dimensão constitutiva, reorganiza a
própria forma de atribuição da qualidade de sujeito e de objeto, estabelecendo um
quadro relacional e situacional para a compreensão do sentido dos seres e das coisas. É
de se prever, então, que isto oxigenaria fortemente temas próximos, como os associados
à circulação dos objetos. Refiro-me à inserção de objetos industrializados no meio
indígena (cf. Ramos e Albert, 2002) e, de outro lado, ao trânsito de objetos indígenas no
mundo não indígena, particularmente nas situações de sua comercialização e
musealização. Baseado em detalhado estudo sobre máscaras rituais xinguanas, Barcelos
Neto (2006 e 2008) estende-se a respeito dos múltiplos sentidos da musealização,
inclusive na ótica indígena, tema de interesse crescente (por exemplo em Gordon e
Silva, 2005). Por fim, é o caso de constatar que objetos (nos dois sentidos: artefatos e
temas de estudo) outrora relegados aos capítulos sobre cultura material, ganham vida no
cerne da etnologia contemporânea. Penso que isso faz parte de um deslocamento mais
amplo no modo de compreensão das populações indígenas – de suas concepções de
humanidade e práticas de socialidade –, que dá mostras de passar de modo cada vez
mais intenso pelos não humanos – artefatos, animais, espíritos.
Técnicas do vivo
10
Dos três temas definidos no escopo deste artigo, este é sem dúvida o mais
profuso e difuso, de modo que sobressairá mais aqui o caráter apenas indicativo das
referências e comentários. De sorte que inicio lembrando que os termos
técnica/tecnologia/biotecnologia são recorrentes nos estudos sobre as práticas de saúde
em geral, o mais das vezes conotando o processo mesmo de medicalização, remetendo
às dinâmicas de construção de gênero e/ou de subjetivação, com marcada influência
foucaultiana (a exemplo de Rohden, 2004; Leibing, 2004; Duarte e Leal, 1998). Visto
que a amplitude dessa produção escapa ao objetivo deste artigo, interessarão apenas
aqueles estudos que lidam mais explicitamente com a questão da técnica como
mediação entre o humano e o não humano na modernidade. Ou seja, os dedicados aos
problemas da fronteira ou da condição do humano; que remetem, por assim dizer, ao
dilema do ciborgue (Haraway, 2000).
Os textos comentados a seguir apresentam como tema central o humano
perpassado por suas próprias técnicas. A hipótese, trazida aqui como critério de
mapeamento, é que a dramaticidade com que tal questão se anuncia só pode ser
adequadamente apreciada na moldura da modernidade ocidental. Antes de tudo, porque
fora disso o drama tornar-se-ia banal – o humano sempre foi, por definição, alvo de suas
próprias técnicas (Leroi-Gourhan, 1983; Neves, 2006). Mas, mesmo que se queira
conceder preeminência às especificidades de nossa época, ainda assim a pertinência
antropológica do dilema do ciborgue – isto é do mal-estar com a técnica modificando o
seu autor – não está em se tratar de uma questão referente ao advento da modernidade
para a humanidade, mas às redefinições do humano na modernidade. Como os estudos
antropológicos abaixo denotam, por vias distintas, a inquietação gerada pelas
biotecnologias no Ocidente moderno deve ser tratada como um fenômeno êmico, cujas
chaves de inteligibilidade estão em sua própria cosmologia.
Uma das formas em que essa preocupação se verifica é nas aproximações aos
modos de diagnóstico derivados do saber biomédico. Chazan (2007) trata do ultrassom
obstétrico que, ao transportar o feto para o âmbito da visualidade, participa da
reorganização da gestação e da relação com o feto. As imagens e a forma como o
ultrassom obstétrico opera, por meio da psicologização e da fisicalização do feto,
promovem sua existência “social” (isto é, na forma do indivíduo) antes do nascimento –
a nomeação passa a ocorrer quando da determinação do sexo. Entre as consequências
deste dispositivo, está sua utilização política na controvérsia sobre o aborto, como prova
da condição de pessoa do feto, e a constituição do rito de visualização, onde há algo de
11
diagnóstico e algo de espetáculo. O exame pressupõe algum aprendizado visual e gira
em torno da fruição das imagens “decifradas” na tela.
Investindo preferencialmente no desenvolvimento laboratorial de diagnósticos,
Monteiro (2005) debruça-se sobre o surgimento de novos formatos de exame, pautados
na genética e na informática, que buscam detectar biomarcadores de câncer de próstata.
O foco é na forma como interagem percepções de corpo e de humano e no modo como
estes aspectos associam-se no plano político. No contexto das academias de ginástica,
delineei os modos de funcionamento da avaliação antropométrica, considerando o
manejo das dimensões íntimas (psíquicas) e internas (físicas) do indivíduo pela
elaboração sociotécnica da gordura (Sautchuk, 2007). Já Bonet (2004), trata justamente
da constituição do componente humano necessário aos dispositivos de diagnóstico e
terapêutica, pois enfoca o aprendizado prático de médicos em situação de residência.
Há igualmente pesquisadores voltados ao transbordamento de discursos e
dispositivos gerados no âmbito da ciência, movendo a atenção do contexto de sua
produção ou funcionamento para aquele da sua difusão. Veja-se os estudos sobre a
forma como as neurociências instituem novos marcadores de identificação pessoal e de
explicação de sintomas; enfim, como estes dispositivos biomédicos avançam sobre o
cotidiano extra-hospitalar, seja contribuindo à afirmação de um “sujeito cerebral”
(Azize, 2008, 2010), seja possibilitando o surgimento de um movimento de
“neurodiversidade”, que associa o individualismo com a noção de uma cultura cerebral
(Ortega, 2008). Sem mencionar aqui estudos voltados ao consumo de medicamentos,
assinalo que outra forma de explorar os desdobramentos da biotecnologia é enfocando
seus usos com o fim de gerar os ditos estados de alteração. Vargas (2006; 2008)
considera as drogas enquanto objetos sócio-técnicos, que não comportam sentido
intrínseco absoluto ou essencial, mas sim relacional. De modo que elas permanecem
indeterminadas até que os agenciamentos a constituam enquanto tais; afinal, elas
operam mediando formas particulares de engajamentos com o mundo. Para notar,
enfim, que o identificador “bio” aplica-se também a técnicas não ligadas à medicina,
veja-se Ferreira (2008), sobre o transe associado à música eletrônica.
Dado o escopo aqui fixado – a relação entre o humano e a técnica face à
modernidade – é preciso demorar um pouco mais nas novas técnicas reprodutivas, pois
se instaura entre antropólogos brasileiros um verdadeiro diálogo, marcado pela
influência considerável de Strathern (1992) e levando adiante por etnografias e
elaborações analíticas realizadas em diferentes direções (Grossi et al., 2003; Ramírez-
12
Gálvez, 2009). Nesse contexto, Salem (1997) circunscreve alguns pontos de referência,
dentre eles o emprego sistemático do aparato conceitual de Dumont, o que demonstra o
intuito de colocar em perspectiva a modernidade por meio de um de seus dilemas
fulcrais. Para ela, “o próprio modo de formular o dilema envolvido na manipulação de
embriões evidencia que, em última instância, está-se discutindo a Pessoa: o que
significa ser pessoa e quais as qualidades que instalam em um ser humano essa
condição” (idem, p. 84).
Consequência disso, a condição de inteligibilidade de toda a controvérsia, o
suposto de seus diferentes argumentos, é o Indivíduo, a categoria ocidental de pessoa.
Grosso modo, a controvérsia está em se o embrião é, e até quando, tecido celular ou
pessoa. E isso se definiria a partir da localização de certas características instauradoras
do indivíduo, que confluem para a “posse” de certas qualidades ou marcos.
Independentemente de que sejam defendidos atributos morais ou biológicos, trata-se
sempre de “uma realidade inerente ao indivíduo” um “domínio autocontido”,
“logicamente anterior às relações sociais” (idem, p. 84). Daí emergem questões sobre o
estatuto mesmo do embrião (intra ou extracorpóreo) e de como hierarquizar seus
“direitos” em relação aos da mãe.
A partir de quadro teórico próximo ao de Salem (1997), mas trabalhando com
dados oriundos de etnografia sobre processos de reprodução assistida, Naara Luna
(2007a e 2007b) insiste na questão sobre quais atributos confeririam ao embrião
subjetividade e identidade individual. Ela nota então a transferência dos critérios de
individualidade e autonomia do plano moral para o plano biológico, afirmando que
ocorre genetização, ou biologização do parentesco, o que se expressa de modo mais
geral:
A análise das novas tecnologias reprodutivas permite vislumbrar como Natureza e Cultura não
são domínios estanques, mas que há um fluxo contínuo de significados, um intercâmbio em que
significados naturais são culturalizados e significados culturais são naturalizados. A Natureza ora
serve de modelo à Cultura, ora o entendimento pela Cultura se impõe à Natureza. (Luna, 2004, p.
152)
Exemplo disso é o sangue, que comporta sentidos genéticos (DNA) e de
pertencimento familiar, acionando a importância do parentesco e da pessoa no âmbito
da herança. Ademais, emergem do universo biológico novas figuras de parentesco e,
portanto, de humanidade, como células, óvulos, fetos. Igualmente, se os limites da
concepção do humano e das relações de parentesco são redesenhados com as novas
13
técnicas reprodutivas, ressignificam-se também a paternidade e a maternidade (idem, p.
151).
É o que indica Fonseca (2005) sobre o exame de DNA para definição de
paternidade. Além disso, ela enfatiza que a verdade biológica abre um horizonte de
novas dúvidas, negociações e dilemas em torno do estabelecimento ou do rompimento
de vínculos de parentesco. Conclusão próxima à que Machado (2008) avança sobre a
alteração nas definições da interssexualidade: quanto mais se aguça a detecção de traços
de veracidade a respeito da definição do sexo, mais afloram ambiguidades entre
diferentes níveis (anatômico, genético etc.).
A partir de pesquisa sobre a tramitação da Lei de Biossegurança brasileira – que
permitiu sob certas condições o uso de células tronco de embriões inviáveis ou
congelados e a produção de alimentos transgênicos – Cesarino (2006) faz contribuições
importantes a este debate. Notadamente, ela promove uma articulação entre a
controvérsia no campo político-moral e o fator econômico, enfrentando o problema de
equacionar mercado e ciência nos dilemas cosmológicos da modernidade. Para
compreender os sentidos do debate político a respeito da Lei de Biossegurança –
articulando fatos científicos e mercadorias –, Cesarino associa de maneira muito
oportuna certos aspectos da Antropologia simétrica latouriana com a teoria dumontiana,
especialmente no que se refere à relação entre o individualismo e a autonomia da
economia na modernidade. Assim, se “o indivíduo é a forma assumida pelos humanos
no círculo de trocas do livre-mercado, a mercadoria seria a forma por excelência de
inserção dos não humanos no mercado capitalista” (Cesarino, 2006, p. 204-205). Adição
importante, já que o indivíduo não é, então, o único suposto no debate sobre a Lei de
Biossegurança: a mercadoria é o suposto oposto – a condição das coisas. No caso da
permissão para o uso de embriões, ela se vale da noção de englobamento para mostrar
como, sem deixar de ser o valor preeminente da modernidade, as qualidades do
indivíduo puderam ser consideradas tão diminuídas no pré-embrião a ponto de permitir
sua desumanização relativa e seu uso nas pesquisas, na qualidade de parte do mundo
natural, passível de manipulação (Cesarino, 2007, p. 373).
Identificando traços gerais aos trabalhos comentados aqui, ressalto a percepção
de que as biotecnologias remetem à questão da fronteira da humanidade, mas que
devem ser explorados frente aos quadros cosmológicos da modernidade. Associado a
isso temos a constatação de que estes permanecem muito bem assentados, ainda que
mobilizados de modo distinto. Tanto em relação à Lei de Biossegurança, como nos
14
demais casos referidos, a ciência não perde nada do seu vigor, assim como a separação
entre cultura e natureza. Seria o caso de dizer que, se as inovações técnicas causam
reordenações importantes, elas estão longe de reconfigurar as bases da cosmologia
moderna. Ao menos no plano formal (político, legal ou médico), as noções
fundamentais de Indivíduo, Mercado, Natureza permanecem operando e organizando
(ou estimulando) o funcionamento das novas técnicas. O que as etnografias mostram
são ajustes “pragmáticos”, que evidenciam plasticidades significativas, mas não uma
reordenação. Portanto, um dos aspectos mais interessantes evidenciados pelos estudos
sobre os dilemas biotecnológicos é o vigor e a agilidade com que suas categorias se
rearranjam (mercado, natureza, indivíduo) para dar conta dos fenômenos de fronteira.
Ciência
É um traço característico da Antropologia feita no Brasil o estudo da própria
configuração das Ciências Sociais enquanto especialidades científico-acadêmicas.
Como observou Peirano, há um conjunto de trabalhos nessa direção, que apresentam “o
propósito mais amplo de compreender a ciência como manifestação da modernidade”
(Peirano, 1999, p. 244). Tal é seu espaço na Antropologia feita no Brasil, que estes
trabalhos compõem uma das quatro denominações usadas pela autora para mapear a
produção nacional. Deve-se acrescentar que esse tema dá mostras de atualidade, a
exemplo do estudo de Garcia Jr. (2009) sobre a configuração dos programas de pós-
graduação e as diferentes correntes de pensamento. Tem igualmente se diversificado,
pois também a prática de antropólogos vinculados diretamente ao Estado e às ONG, que
tem se expandido nas últimas décadas (tanto como peritos na esfera jurídica, quanto
como técnicos na esfera administrativa), é alvo de uma auto-reflexão que se afigura
cada vez mais intensa e urgente (Silva et. at., 1994; Leite, 2005; Silva, 2008 e Leitão
2009). O eixo dessa reflexão, entretanto, volta-se predominantemente para a análise do
papel desempenhado pelo antropólogo, e para as questões daí derivadas – políticas,
éticas, jurídicas e epistemológicas.
Se essa abordagem antropológica em torno da prática científica, quando dirigida
à própria Antropologia, parece comum no cenário brasileiro, seu avanço sobre outros
empreendimentos científico-acadêmicos é menos evidente, a ponto de exigir, se não um
esforço explicativo, ao menos um gesto de afirmação (cf. Viveiros de Castro, 2003:
Marras e Sá, 2005; Monteiro, 2006 e 2010 e Branquinho e Santos, 2007). Uma das
15
razões é que estes trabalhos têm origem mais recente, que recua no máximo à última
década do século passado.
Pode-se detectar nessa produção duas orientações, ou dois momentos distintos.
Sem falar das publicações de escopo mais abrangente, tratando de modo geral da
ciência e suas crises (Ribeiro, 1999; El Far e Hikiji, 1998), há pesquisas sobre
manifestações particulares da atividade científica, que mantém em primeiro plano o
interesse por investigar suas relações com os aspectos constitutivos da modernidade.
Um estudo fundamental no movimento de posicionar a dinâmica interna à
ciência – a fala e o fazer dos cientistas – no centro da reflexão antropológica é
empreendido por Aranha Filho (1990, 2002), enfocando a busca por inteligência
extraterrestre na astronomia moderna. Mais especificamente, a mensagem enviada a
bordo da espaçonave não tripulada Voyager, destinada a vagar indefinidamente pelo
espaço sideral. A própria escolha do material empírico sobre o qual se desenvolve o
estudo é sintomática. O autor analisa publicações de cientistas como Carl Sagan,
referentes ao projeto de busca por contato com alguma inteligência extraterrestre,
demarcando um contraste significativo com os estudos sobre o fenômeno Ovni (Objetos
Voadores Não Identificados) e a ficção científica. Esses também foram tema de
antropólogos brasileiros, considerados enquanto mitos modernos (Ferreira Neto, 1984;
Leirner, 1992 e Lourenço, 2000),6 mas Aranha Filho opta por visar a própria atividade
científica. Desse modo, o autor diferencia-se da proposta de abordar aquilo que está em
torno da ciência – seu contexto ou desdobramentos – para explorar justamente o cerne
de sua atividade, os parâmetros que regem sua racionalidade e seu fazer. Ele delineia
então os vínculos da mensagem da Voyager com questões fundamentais para a
modernidade ocidental, como a relação entre humanidade, civilização e evolução
técnica.
Para Aranha Filho a mensagem tem uma função relativa ao próprio objetivo da
espaçonave, já que ela “desempenha uma função simbólica complementar, procurando
compensar o caráter de investida unilateral da sonda” (1990, p. 189). Ou seja,
contrabalançando o desígnio principal da nave, de exploração, o disco doa informações,
saúda e revela algo sobre nós – embaixador amistoso ao invés de espião, curiosidade
6 O professor Martin A. Ibañez-Novion propunha outro modo de aproximação à ficção científica. Nos
cursos que ministrou sobre o tema na UnB na virada dos anos 2000, pouco antes de falecer, ele
argumentava que as vertentes cinematográfica e literária da ficção científica são dotadas de um potencial
heurístico intrínseco – são uma espécie de vanguarda do pensamento sobre a ciência e a técnica. De modo
que caberia ao antropólogo estabelecer uma aproximação e notar seu caráter ativo no pensar sobre a
contemporaneidade e o futuro, mais do que tomá-las apenas na qualidade de objetos de análise.
16
científica e não apenas territorialidade militar. Mas nem por isso o autor deixa de
ressaltar as “funções terrestres” da mensagem, já que ela se constitui em convite ao
intercâmbio sideral com base no auto-retrato genealógico da humanidade, na
perspectiva da civilização ocidental. Ao mostrar os contrapontos (e as semelhanças) do
projeto de busca por inteligência extraterrestre em relação à ufologia, o autor caracteriza
o extraterrestre como um Outro para certa manifestação do pensamento ocidental, que
no período pós-colonial se considera em uma solidão cósmica: “seja pela violência
rubra do extermínio ou pela branca da aculturação, o resultado é o mesmo: a
globalização da cultura ocidental fez-se ao preço da extinção do outro, ou melhor, do
exterior” (1990, p. 208). Daí a premência da instauração (cósmica e científica) de uma
alteridade com a qual transacionar. Portanto, este trabalho tem o mérito de voltar o alvo
da reflexão antropológica para processos e lógicas constitutivos da ciência enquanto tal,
e não apenas a seu contexto, mostrando como a ciência opera através das categorias
fundantes da modernidade.
Em movimento semelhante a esse, mas já refletindo a difusão na Antropologia
local das propostas teórico-metodológicas oriundas dos estudos sociais da ciência, Sá
(2002 e 2004) ressalta as associações entre argumentos de matizes científico e religioso
nos debates sobre o Projeto Genoma Humano. O trabalho também não se detém na ideia
de que a ciência é uma forma de religião ou um mito moderno, assim como não se
limita a descrever um debate entre as duas perspectivas frente a uma noção de
humanidade una, apelando às noções de natureza e espírito. Sá ressalta justamente que
essa fronteira não é tão bem definida, o que fica demonstrado pelo fato de haver
biólogos lançando mão de argumentos oriundos do contexto religioso para dimensionar
e justificar suas descobertas, ao passo que religiosos buscam subsídios elaborados nas
pesquisas científicas para sustentar suas formulações.
A ideia moderna de distinção radical entre ciência e religião (ou verdade e
crença) é, em grande medida vinculada à dicotomia entre natureza e cultura, que
aparece como uma espécie de nódulo gerador das principais questões antropológicas
nos estudos sobre a ciência. É o que evidencia, por exemplo, o estudo de Marras (2002)
sobre o modo como a indústria farmacêutica busca subtrair da experiência laboratorial
toda manifestação subjetiva, como o “efeito placebo” ou a “sugestão”, na elaboração de
um medicamento. Ocorre que, malgrado os recursos investidos, isso não se realiza – o
medicamento permanece sempre um híbrido de molécula biologicamente ativa e efeitos
de “sugestão”. Inspirado no argumento de Pignarre (1999), Marras afirma que, dada a
17
impossibilidade de compreender e circunscrever o efeito placebo, o medicamento
assenta-se em uma verdade estatística; disso resulta que, apesar de tudo, sua eficácia
comporta os aspectos qualificados como subjetivos ou culturais.
Esses estudos mostram que a própria prática científica não pode ser distinguida
de modo absoluto da política, da religião, dos fatores subjetivos. Porém, Marras aponta
que a matriz dualista – natureza/cultura – revela-se frágil sobretudo “quando enfim
entramos empiricamente num laboratório e acompanhamos pari passu a feitura do fato
[...] desde a nascente da ciência dura até, enfim, surpreendermos a construção do dado”
(2002, p. 128). É a partir deste tipo de convicção que se instaura o que podemos chamar
de outra fase da abordagem da ciência entre antropólogos brasileiros, associando
Antropologia da ciência e etnografia de laboratório. Busca-se assim verificar o
surgimento dos fatos científicos a partir do cotidiano da ciência, implementando
alternativas interpretativas à visão genérica da Ciência e também à análise dos fatos já
consumados. Nesse sentido, a influência de autores como Latour (1994 e 1997) é
notável, tanto nas proposições metodológicas quanto na crítica aos desdobramentos
analíticos do dualismo natureza/cultura – seja o realismo-naturalismo ou o
construtivismo-sociologismo (Marras e Sá, 2005).
Marco dessa nova etapa dos estudos sobre ciência é o estudo desenvolvido por
Sá (2006) entre primatólogos no interior de Minas Gerais, pois lança mão da observação
participante para estudar a atividade de pesquisa. Envolvendo-se no cotidiano da relação
entre cientistas e primatas, Sá vai além de frisar os vínculos entre a prática científica e
os traços marcantes da modernidade. Ao deparar-se com a “personificação” através da
qual os cientistas tratam os macacos, o autor traça um quadro interpretativo elaborado,
buscando associar a visão objetificante (ou purificante, no jargão dos estudos sociais da
ciência) própria à empresa científica e a construção intersubjetiva do pesquisador e do
alvo da pesquisa. Atento aos discursos oficiais e oficiosos, Sá não faz uma inversão
simplista, que afirmaria serem os primatólogos animistas por definição: “trata-se (...) de
um tipo de curto-circuito animista dentro de um sistema bem mais amplo que funciona
segundo a lógica naturalista” (2006, p. 170). Ademais, não cabe falar em projeção de
características humanas sobre os macacos, já que não somente os primatas se
constituem na relação com o cientista, mas o inverso também.
Uma das conclusões de cunho mais abrangente, portanto, é que a distribuição
dos traços de subjetividade e de objetividade na atividade dos cientistas não é dada, mas
merece ser etnografada. Entre primatólogos e primatas a prática científica caracteriza-se
18
como relação intersubjetiva: a nomeação dos macacos, por exemplo, tem a dupla função
de batizar os filhotes não humanos e iniciar os neófitos humanos enquanto primatólogos
(Sá, 2006, p. 135). Sá adiciona ainda outro plano a esta análise, ligado ao fato de que o
antropólogo é também cientista: a semelhança dos ofícios acarreta alguns aspectos
particulares à aproximação etnográfica. Daí resultam conclusões epistemológicas
importantes sobre a especificidade da Antropologia da ciência, levando-o a propor uma
“Antropologia da aproximação”, em que entram em relação pelo menos três planos de
objetivação e subjetivação: o “objeto”, o cientista e o antropólogo.
É preciso ressaltar que vem crescendo o número de etnografias de processos
científicos e um breve panorama aponta a diversificação dos temas: obtenção e análise
de informações bioatmosféricas da Amazônia (Walford, 2008), relação entre cetólogos
e baleias (Calheiros, 2009), noção de risco entre epidemiologistas (Neves, 2008),
vinculações entre cobaias de laboratório e a teoria evolutiva de Darwin (Marras, 2009),
processos de classificação botânica de cientistas e de populações indígenas (Oliveira,
2009), etnografia histórica sobre mudanças em museus de História natural (Aranha
Filho, 2009) e sobre instrumentos de antropometria no Museu Nacional (Sá e Santos,
2008), controvérsias acerca de marcadores biológicos de diferenças raciais (González,
2009), trocas sanguíneas na sociedade ocidental (Jesus, 2009), análise da construção da
pessoa em laboratório de neurofisiologia (Carvalho, 2010).
O estado da produção, de certo modo ainda inicial nesse campo, não deve
enganar quanto ao ritmo acelerado de seu desenvolvimento, de que é prova o
surgimento de diferentes instâncias para o diálogo acadêmico. Mas o principal desafio
dessa tendência de estudos parece desdobrar de modo enfático uma questão que Peirano
(1995) assinala para a Antropologia de modo geral, referente ao papel e à importância
que assume a etnografia. Sem dúvida, o principal aporte da abordagem antropológica
aos estudos sociais da ciência reside justamente no valor que confere à dimensão
empírica e no seu modo particular de abordá-la (cf. também Peirano 2009; Sá, 2006).
Para ressaltar isso, parece necessário evitar a todo custo a circularidade a que podem
tender os quadros conceituais próprios de uma proposta que busca se afirmar. Seria o
caso então de reverberar aqui a expectativa de vários pesquisadores, de que a ênfase na
etnografia da ciência ande de par com a heterogeneidade e a reelaboração dos enfoques
teóricos.
Retorna-se, assim, ao eixo de articulação entre as diferentes perspectivas que
derivam para a configuração de uma Antropologia da ciência e da técnica no Brasil.
19
Afinal, se esse campo é conformado a partir de um diálogo entre tradições de pesquisa
de origens tão distintas quanto a cultura material, a biotecnologia e a etnografia da
ciência, o sentido dessa interlocução reside principalmente no trânsito e no manejo
criativo de propostas teóricas que promovam abordagens antropológicas voltadas aos
não humanos.
Referências bibliográficas
ARANHA FILHO, Jayme. Inteligência extraterrestre e evolução: as especulações sobre a possibilidade
de vida em outros planetas no meio científico moderno. 1990. Dissertação (Mestrado) – Museu
Nacional, Rio de Janeiro.
______. Jakobson a bordo da sonda espacial Voyager. In: PEIRANO, Mariza (Org.). O dito e o feito:
ensaios de antropologia dos rituais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 59-82.
______. Museus de história natural em duas câmeras. In: II Reunião de Antropologia da Ciência e da
Tecnologia, 2009. Anais... Belo Horizonte, 2009.
AZIZE, Rogério. Uma neuro weltanschauung? Fisicalismo e subjetividade na divulgação de doenças e
medicamentos do cérebro. Mana, v. 14, n. 1, p. 7-30, 2008.
______. A nova ordem cerebral: a concepção de „pessoa‟ na difusão neurocientífica. 2010. Tese
(Doutorado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro.
BARCELOS NETO, Aristóteles. Des villages indigènes aux musées d‟anthropologie. De la proprieté et
vente des objets rituels amazoniens. Gradhiva Revue D’Aanthropologie et de Muséologie, Paris, n. 4,
p. 86-95, 2006.
______. Apapaatai: rituais de máscaras no Alto Xingu. São Paulo: Edusp, 2008.
BONET, Octavio. Saber e sentir: uma etnografia da aprendizagem da biomedicina. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2004.
BOTELHO, Emília U. Berta Gleizer Ribeiro (1924-1997): Afinidade e autonomia. 2005. Dissertação
(Mestrado em História Cultural) – Universidade de Brasília, Brasília.
BRANQUINHO, Fátima; SANTOS, Jaqueline. Antropologia da Ciência, Educação Ambiental e Agenda
21 local. Educação e Realidade, n. 32, p. 35-50, 2007.
CALHEIROS, Orlando. As transformações do leviatã: praxiografia de um projeto de cetologia. 2009.
Dissertação (Mestrado) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Introdução: Patrimônio imaterial e biodiversidade. Revista do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 32, p. 15-27, 2005.
CARVALHO, Marcos C. Metamorfoses do humano: experimentações etnográficas em um laboratório de
neurociência. 2010. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Medicina Social,
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
CASTRO FARIA, Luiz de. Antropologia: espetáculo e excelência. Rio de Janeiro: UFRJ; Tempo
Brasileiro, 1993.
20
______. Antropologia: escritos exumados 2: dimensões do conhecimento antropológico. Niterói: EdUFF,
2000.
CESARINO, Letícia M. Acendendo as luzes da ciência para iluminar o caminho do progresso: uma
análise simétrica da Lei de Biossegurança Brasileira. 2006. Dissertação (Mestrado) – Departamento
de Antropologia, Universidade de Brasília, Brasília.
______. Nas fronteiras do “humano”: os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões.
Mana, n. 13, p. 347-380, 2007.
CHAVES, Luiz Gonzaga M. Trabalho e subsistência. Almofala: aspectos da tecnologia e das relações de
produção. 1973. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
CHAZAN, Lilian K. Meio quilo de gente! Um estudo antropológico sobre ultra-som obstétrico. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2007.
______. “É... tá grávida mesmo! E ele é lindo!” A construção de “verdades” na ultra-sonografia
obstétrica. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 15, n. 1, p. 99-116, 2008.
COELHO DE SOUZA, Marcela S. As propriedades da cultura no Brasil Central indígena. Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, v. 32, p. 316-335, 2005.
CORRÊA, Mariza (Org.). História da Antropologia no Brasil. Campinas: Ed. Unicamp, 1987.
COSTA, Maria Heloísa Fenelon. O mundo dos Mehinákue suas representações visuais. Brasília: Ed.
UnB, 1988.
DESCOLA, Philippe. La nature domestique. Symbolisme et praxis dans l‟écologie des Achuar. Paris:
Maison des Sciences de l‟Homme, 1986.
DUARTE, Luiz Fernando D.; ARANHA FILHO, Jayme. Um museu de História natural na encruzilhada:
a fundamentação conceitual para uma nova exposição no Museu Nacional. In: BITTENCOURT, J. et
al. (Org.). História representada: o dilema dos museus. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional,
2003. p. 197-218.
DUARTE, Luiz Fernando D.; LEAL, Ondina F. (Org.). Doença, sofrimento, perturbação: perspectivas
etnográficas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998.
EL FAR, Alessandra; HIJIKI, Rose S. G. Entre a paródia e a denúncia: trajetos de dois físicos nos
bosques das humanidades. Entrevista com Alan Sokal. Revista Antropologia, v. 41, n. 1, p. 215-233,
1998.
EMPERAIRE, Laure. A biodiversidade agrícola na Amazônia brasileira: recurso e patrimônio. Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, v. 32, p. 31-43, 2005.
EMPERAIRE, Laure; VELTHEM, Lúcia, van; OLIVEIRA, Ana G. Patrimônio cultural imaterial e
sistema agrícola: o manejo da diversidade agrícola no médio Rio Negro. In: Reunião Brasileira de
Antropologia, 26., 2008, Porto Seguro. Anais... Porto Seguro, 2008.
FERREIRA, Pedro Peixoto. Transe maquínico: quando som e movimento se encontram na música
eletrônica de pista. Horizontes Antropológicos, v.14, n.29, pp. 189-215, 2008.
FERREIRA NETO, José Fonseca. A ciência dos mitos e o mito da ciência. 1984. Dissertação (Mestrado
em Antropologia Social) – Universidade de Brasília, Brasília.
21
FONSECA, Cláudia L. W. DNA e paternidade: a certeza que pariu a dúvida. Florianópolis: Revista de
Estudos Feministas, v. 12, n. 2, p. 13-34, 2005.
FURTADO, Lourdes. Pescadores do rio Amazonas: um estudo antropológico da pesca ribeirinha numa
área amazônica. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1993.
GALLOIS, Dominique T. (Org.). Patrimônio cultural imaterial e povos indígenas. São Paulo: IEPÉ,
2007.
GARCIA JR., Afrânio. Fundamentos empíricos da razão antropológica: a criação do PPGAS e a seleção
das espécies científicas. Mana, v. 15, n. 2, p. 411-447, 2009.
GELL, Alfred. Art and agency: an anthropological theory. Oxford: University Press, 1998.
GONZÁLEZ, Elena Calvo. “Neutrófilo baixo quer dizer pé na cozinha”? O papel de cientistas e não
cientistas nos discursos sobre leucopenia e diferença “racial” no Brasil contemporâneo. In:
ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 33., 2009, Caxambu. Anais... Caxambu: Anpocs, 2009. (GT
Etnografando o Fazer Científico.)
GORDON, César e SILVA, Fabíola. A. Objetos vivos: a curadoria da coleção etnográfica Xikrin-Kayapó
no Museu de Arqueologia e Etnologia – MAE/USP. Estudos Históricos, n. 36, p. 93-110, 2005.
GROSSI, Miriam et al. (Org.) Novas tecnologias reprodutivas conceptivas: questões e desafios. Brasília:
Letras Livres, 2003.
HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século
XX. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.) Antropologia do Ciborgue: as vertigens do pós-humano.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 39-129.
INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London:
Routledge, 2000.
INGOLD, Tim et al. (Org.). Hunters and gatherers, property, power and ideology. Oxford: Berg, 1988, v.
2.
JESUS, Daniel Alves. Odisseia vermelha: da ambivalência do sangue ao sistema de trocas sanguíneas nas
sociedades ocidentais. 2009. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte.
KANT DE LIMA, Roberto; PEREIRA, Luciana. Pescadores de Itaipu: meio Ambiente, conflito e ritual
no litoral do Estado do Rio de Janeiro. Niterói: EdUFF, 1997.
KOHN, Eduardo. Natural engagements and ecological aesthetics among the Ávila Runa of amazonian
Ecuador. 2002. Dissertation (Ph.D.) – University of Winscosin-Madison.
LAGROU, Els. O que nos diz a arte Kaxinawá sobre a relação entre identidade e alteridade? Mana, 8, n.
1, p. 29-63, 2002.
______. A fluidez da forma. Arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre).
Rio de Janeiro: Topbooks, 2007.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia simétrica. São Paulo: Ed. Unesp,
1994.
______. Um coletivo de humanos e não-humanos: no labirinto de Dédalo. In: A esperança de Pandora.
Bauru: EDUSC, 2001. p. 201-246.
22
LATOUR, Bruno; WOOGAR, Steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 1997.
LEIBING, Annette (Org.). Tecnologias do corpo: uma Antropologia das medicinas no Brasil. Rio de
Janeiro: Nau, 2004.
LEIRNER, Piero C. Ficção científica: um mito moderno. Cadernos de campo, n. 2, 1992.
LEITÃO, Leonardo Rafael. A perícia antropológica: uma etnografia das Ciências Sociais aplicadas. In:
ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 33., 2009, Caxambu. Anais... Caxambu: Anpocs, 2009.
LEITE, Ilka Boaventura (Org.). Laudos periciais antropológicos em debate. Florianópolis: NUER/ABA,
2005.
LEROI-GOURHAN, André. O gesto e a palavra. Lisboa: Edições 70, 1983, 2 v.
______. Evolução e técnicas. Lisboa: Edições 70, 1984, 2 v.
LOURENÇO, André Luiz C. O melhor dos dois mundos: a representação do humano e do não humano
na ficção científica. 2000. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Rio de
Janeiro.
LUNA, Naara. Novas tecnologias reprodutivas: natureza e cultura em redefinição. Campos, v. 5, n. 2, p.
127-156, 2004.
______. A personalização do embrião humano: da transcendência na biologia. Mana, v. 13, n. 2, p. 411-
440, 2007a.
______. Provetas e clones: uma antropologia das novas tecnologias reprodutivas. Rio de Janeiro: Fiocruz,
2007b.
MACHADO, Paula S. Intersexualidade e o "Consenso de Chicago": as vicissitudes da nomenclatura e
suas implicações regulatórias. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, p. 109-124, 2008.
MARRAS, Stélio. Ratos e homens – e o efeito placebo: um reencontro da Cultura no caminho da
Natureza. Campos, v. 2, 2002. p. 117-133.
______. A propósito de águas virtuosas: formação e ocorrências de uma estação balneária no Brasil. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2004.
______. Recintos e evolução. In: II Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia, Belo Horizonte,
2009a.
______. Recintos e evolução: capítulos de Antropologia da ciência e da modernidade. 2009b. Tese
(Doutorado em Antropologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo.
MARRAS, Stélio e SÁ, Guilherme. J. S. Antropologia e ciência: desafios contemporâneos. Comunidade
Virtual de Antropologia, n. 28, 2005. Disponível em:
<http://www.antropologia.com.br/colu/colu28.htm>. Acesso em: 14 dez. 2009.
MAUSS, Marcel. Techniques, Technology and Civilisation. Oxford: Durkheim Press; Berghahn Books,
2006.
MELLO, Marco. A. D. S.; VOGEL, Arno. Gente das areias: história, meio ambiente e sociedade no
litoral brasileiro. Maricá, RJ – 1975 a 1995. Niterói: EdUFF, 2004.
MILLER, Joana. Things as persons: body ornaments and alterity among the Mamaindê (Nambikwara).
In: SANTOS-GRANERO, Fernando (Org.) The occult life of things: native Amazonian theories of
materiality and personhood. Tucson: The University of Arizona Press, 2009. p. 60-80.
23
MONTEIRO, Marko. Os dilemas do humano: reinventando o corpo numa era (bio)tecnológica. 2005.
Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
______. A pesquisa social na ciência e na biotecnologia. Educação em Foco, v. 11, n. 1, p. 135-150,
2006.
______. Antropologia, ciência e tecnologia. Jornal da Unicamp, n. 457, p. 2, 12 abr. 2010.
MURA, Fábio. Habitações kaiowa: formas, propriedades técnicas e organização social. 2000. Dissertação
(Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro.
MUSSOLINI, Gioconda. Ensaios de Antropologia indígena e caiçara. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
NEVES, Ednalva Maciel. Antropologia e ciência: uma etnografia do fazer científico na era do risco. São
Luís: EDUFMA; Fapema, 2008.
NEVES, José Pinheiro. O apelo do objecto técnico. A perspectiva sociológica de Deleuze e Simondon.
Porto: Campo das Letras, 2006.
OLIVEIRA, Joana Cabral. O lugar do sensível nas práticas de classificação botânica. In: REUNIÃO
BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 2., 2009, Belo
Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2009.
ORTEGA, Francisco. O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade. Mana, v. 14, n. 2, p. 477-
509, 2008.
PEIRANO, Mariza. A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
______. Antropologia no Brasil (alteridade contextualizada). In MICELI, Sérgio (Org.). O que ler na
ciência social brasileira (1970-1995). São Paulo: Editora Sumaré, Anpocs, 1999.
______. Três comentários cândidos sobre a antropologia da ciência. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE
ANTROPOLOGIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 2., 2009, Belo Horizonte. Anais... Belo
Horizonte, 2009.
PIGNARRE, Philippe. O que é o medicamento? Um objeto estranho entre ciência, mercado e sociedade.
São Paulo: Ed. 34, 1999.
PFAFFENBERGER, Bryan. Social Anthropology of Technology. Annual Review of Anthropology, n. 21,
p. 491-516, 1992.
RAMÍREZ-GÁLVEZ, Martha C. Corpos fragmentados e domesticados na reprodução assistida.
Cadernos Pagu, n. 32, p. 83-115, 2009.
RAMOS, Alcida R.; ALBERT, Bruce (Org.). Pacificando o branco: cosmologias do contato no norte-
amazônico. São Paulo: Edunesp/IRD/Imprensa Oficial, 2002.
RIBEIRO, Berta (Org.). Suma etnológica brasileira. Petrópolis: Vozes, 1986. 3 v. (v. 1: Etnobiologia; v.
2: Tecnologia indígena; v. 3: Arte índia)
______. Dicionário do artesanato indígena. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; Edusp, 1988.
______. Arte indígena: linguagem visual. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; Edusp, 1989.
______. Perspectivas etnológicas para arqueólogos: 1957-1988. BIB – Revista Brasileira de Informação
Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 29, p. 17-77, 1990.
______. Os índios das águas pretas: modo de produção e equipamento produtivo. São Paulo: Companhia
das Letras; Edusp, 1995.
24
RIBEIRO, Gustavo L. Tecnotopia versus tecnofobia. O mal-estar no século XXI. Série Antropologia, v.
248, Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, 1999. 15p
SÁ, Guilherme J. S. Uma história de nós mesmos: Considerações sobre o discurso determinista no
Projeto Genoma Humano. 2002. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional,
Rio de Janeiro.
______. O altar no laboratório: A ciência e o sagrado no Projeto Genoma Humano. Cadernos de Campo,
n. 12, p. 71-85, 2004.
______. Meus macacos são vocês: Um antropólogo seguindo primatólogos em campo. Anthropológicas,
v. 16, n. 2, p. 41-66, 2005.
______. No mesmo galho: ciência, natureza e cultura nas relações entre primatólogos e primatas. 2006.
Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro.
SÁ, Guilherme J. S.; SANTOS, R. V. et al. Crânios, corpos e medidas: a constituição do acervo de
instrumentos antropométricos do Museu Nacional na passagem do século XIX para o XX. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 15, p. 197-208, 2008.
SALEM, Tânia. As novas tecnologias reprodutivas: o estatuto do embrião e a noção de pessoa. Mana, v.
3, n. 1, p. 75-94, 1997.
SANTOS, Valéria et al. Alfaiatarias em Curitiba. Curitiba: Edição dos Autores, 2009.
SAUTCHUK, Carlos E. A medida da gordura: o interno e o íntimo na academia de ginástica. Mana, v.
13, n. 1, p. 153-179, 2007.
______. O arpão e o anzol: técnica e pessoa no estuário do Amazonas (Vila Sucuriju, Amapá). 2007.
Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade de Brasília, Brasília.
SEEGER, Anthony; DAMATTA, Roberto; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A construção da pessoa
nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Nacional, n. 32, p. 2-19, 1979.
SÉRIS, Jean-Pierre. La technique. Paris: Presses Universitaires de France, 1994.
SIGAUT, François. Technology. In: INGOLD, Tim (org.). Companion Encyclopedia of Anthropology.
Londres e Nova Yorque: Routledge, 1994. p. 420-459.
SILVA, Fabíola. As tecnologias e seus significados. Canindé – Revista do Museu de Arqueologia de
Xingó, Sergipe, n. 2, p. 119-138, 2002.
______. O significado da variabilidade artefatual: a cerâmica dos Asurini do Xingu e a plumária dos
Kayapó-Xikrin do Cateté. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, v. 2, n. 1, p. 91-103, 2007.
______. A etnoarqueologia na Amazônia: contribuições e perspectivas. Boletim do Museu Paranaense
Emilio Goeldi. Ciências Humanas, v. 4, n. 1, p. 77-89, 2009.
SILVA, Gláucia (Org.). Antropologia extramuros – novas responsabilidades sociais e políticas dos
antropólogos. Brasília: Paralelo 15, 2008.
SILVA, Orlando S.; LUZ, Lídia; HELM, Cecília (Org.). A perícia antropológica em processos judiciais.
Florianópolis: Ed. UFSC, 1994.
SILVA, Sergio e SOUZA, José Otávio Catafesto (Org.) Horizontes antropológicos: Arqueologia e
sociedades tradicionais, Porto Alegre, v. 18, n. 8, 2002.
SIMONDON, Gilbert. Du mode d'existence des objets techniques. Paris: Aubier, 2001.
25
STRATHERN, Marilyn. Reproducing the Future: Essays on Anthropology, Kinship and the New
Reproductive Technologies. Manchester: Manchester University Press, 1992.
VARGAS, Eduardo. Uso de drogas: a alter-ação como evento. Revista de Antropologia, v. 49, p. 581-
623, 2006.
______. Fármacos e outros objetos sócio-técnicos: notas para uma genealogia das drogas. In: LABATE,
B. et. al. (Org.). Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EdUFBA, 2008. p. 41-63
VELTHEM, Lúcia H. van. A Pele de Tuluperê: uma etnografia dos trançados Wayana. Belém:
FUNTEC/MPEG, 1998.
______. Berta Gleiser Ribeiro (1924-1997). Anuário Antropológico 97, p. 365-372, 1999.
______. Os primeiros tempos e os tempos atuais: Artes indígenas. In: AGUILAR, Nelson (Org.). Artes
indígenas. São Paulo: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000. p. 58-91.
______. O belo é a fera. A estética da produção e da predação entre os Wayana. Lisboa: Assirio &
Alvim, 2003.
______. Ações e relações dos objetos nas casas de farinha em Cruzeiro do Sul, Estado do Acre. In:
REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 26., 2008, Porto Seguro. Anais... Porto Seguro,
2008.
______. Mulheres de cera, argila e arumã: princípios criativos e fabricação material entre os Wayana.
Mana, v. 15, n. 1, 2009. p. 213-236.
VIDAL, Lux (Org.) Grafismo indígena. Estudos de Antropologia Estética. São Paulo: Nobel; Fapesp;
Edusp, 1992.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. AND. After-dinner speech given at Anthropology and Science. In:
The 5th Decennial Conference of the Association of Social Anthropologists of the UK and
Commonwealth. Manchester: University of Manchester, 2003.
WALFORD, Antonia C. Cumplicidade científica e etnográfica: explorando o LBA. 2008. Dissertação
(Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro.