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2º EXERCÍCIO DE HERMENÊUTICA – ARTUR STAMFORD INGEDORE KOCH – “LER E COMPREENDER” - CONCEPÇÃO DE LEITURA -Foco no autor -> a língua como representação do pensamento corresponde ao sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações - Foco no texto -> a língua como estrutura, como código corresponde ao sujeito determinado, “assujeitado” pelo sistema, caracterizado por uma espécie de “não consciência”. - Foco na interação autor-texto-leitor -> concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem e são construídos no texto. - PLURALIDADE DE LEITURAS E SENTIDOS - Considerar o leitor e seus conhecimentos e que esses conhecimentos são diferentes de um leitor para o outro implica aceitar uma pluralidade de leituras e de sentidos em relação a um mesmo texto. - CONTEXTO DE PRODUÇÃO E CONTEXTO DE USO - Depois de escrito, o texto tem uma existência independente de seu autor. Entre essa produção do texto escrito e a sua leitura por outra pessoa, pode existir um considerável intervalo de tempo, implicando na diferenciação das circunstâncias da escrita (contexto de produção), que podem ser absolutamente dissonantes das circunstâncias da leitura (contexto de uso), fato tal que interfere decisivamente na produção de sentido pelo leitor do texto. - TEXTO E LEITURA - É preciso inferir que a leitura é uma atividade que solicita intensa participação do leitor, pois, se o autor apresenta um texto incompleto, por pressupor a inserção do que foi dito em esquemas cognitivos compartilhados também pelo leitor, é preciso que este o complete, por meio de uma série de contribuições. Este pensamento de Koch nos faz lembrar a

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2º EXERCÍCIO DE HERMENÊUTICA – ARTUR STAMFORD

INGEDORE KOCH – “LER E COMPREENDER”

- CONCEPÇÃO DE LEITURA -Foco no autor -> a língua como representação do pensamento corresponde ao sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações - Foco no texto -> a língua como estrutura, como código corresponde ao sujeito determinado, “assujeitado” pelo sistema, caracterizado por uma espécie de “não consciência”. - Foco na interação autor-texto-leitor -> concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem e são construídos no texto.

- PLURALIDADE DE LEITURAS E SENTIDOS - Considerar o leitor e seus conhecimentos e que esses conhecimentos são diferentes de um leitor para o outro implica aceitar uma pluralidade de leituras e de sentidos em relação a um mesmo texto.

- CONTEXTO DE PRODUÇÃO E CONTEXTO DE USO - Depois de escrito, o texto tem uma existência independente de seu autor. Entre essa produção do texto escrito e a sua leitura por outra pessoa, pode existir um considerável intervalo de tempo, implicando na diferenciação das circunstâncias da escrita (contexto de produção), que podem ser absolutamente dissonantes das circunstâncias da leitura (contexto de uso), fato tal que interfere decisivamente na produção de sentido pelo leitor do texto. - TEXTO E LEITURA - É preciso inferir que a leitura é uma atividade que solicita intensa participação do leitor, pois, se o autor apresenta um texto incompleto, por pressupor a inserção do que foi dito em esquemas cognitivos compartilhados também pelo leitor, é preciso que este o complete, por meio de uma série de contribuições. Este pensamento de Koch nos faz lembrar a indeterminação intencional, trazida por Hans Kelsen, na qual uma margem de discricionariedade, segundo a “teoria da moldura”, era deixada para que os operadores do Direito, usando dos conhecimentos jurídicos compartilhados, completassem o sentido esperado pelo enunciado normativo.

Alliende & Condemarín -> a compreensão não requer que os conhecimentos do texto e os do leitor coincidam, mas que possam interagir dinamicamente.

PROCESSUAMENTO TEXTUAL - Dizer que o processamento textual é estratégico significa que os leitores, diante de um texto, realizam simultaneamente vários passos interpretativos finalisticamente orientados, efetivos, eficientes, flexíveis e extremamente rápidos.

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SISTEMAS DE CONHECIMENTOS (Segundo Koch) - Conhecimento linguístico - Abrange o conhecimento gramatical e literal -> organização do material linguístico, uso dos meios coesivos e seleção lexical adequada ao tema. - Conhecimento enciclopédico - Refere-se a conhecimentos gerais sobre o mundo, bem como a conhecimentos alusivos a vivências pessoais e eventos espácio-temporalmente situados, permitindo a produção de sentidos. - Conhecimento interacional - Conhecimento ilocucional -> Reconhecimento dos objetivos e dos propósitos pretendidos pelo produtor do texto, em uma dada situação interacional. - Conhecimento comunicacional -> Quantidade de informação necessária, numa situação comunicativa concreta; variante linguística adequada a cada situação; e adequação do gênero textual à situação comunicativa. - Conhecimento metacomunicativo -> Permite ao locutor assegurar a compreensão do texto e conseguir a aceitação pelo parceiro dos objetivos com que é produzido. (sinais de articulação e apoios textuais) - Conhecimento superestrutural -> Conhecimento sobre gêneros textuais. Permite a identificação de textos como exemplares adequados aos diversos eventos da vida social.

(CON)TEXTO, LEITURA E SENTIDO - Subjacente à concepção de leitura como atividade complexa de produção de sentido, temos que o pressuposto segundo o qual o sentido de um texto não existe a priori, mas é construído na interação sujeitos-texto. Assim sendo, na e para a produção de sentido, necessário se faz levar em conta o CONTEXTO. - Segundo Koch, na leitura de um texto, temos o contexto linguístico – o CO-TEXTO – que nos auxilia na construção de uma imagem do que o autor pretendia passar. Mas, além desse linguístico, a leitura do texto demanda a (re)ativação de outros conhecimentos armazenados na memória, de outros aspectos contextuais envolvidos. - Metáfora do ICEBERG -> Superfície à flor da água – EXPLÍCITO -> Imensa superfície subjacente – IMPLÍCITO - O contexto seria o iceberg como um TODO, isto é, tudo aquilo que contribui para ou determina a construção de sentido.- Inicialmente, na análise transfrástica, o contexto era somente considerado sob o aspecto de entorno verbal, ou seja, o co-texto. Com os pragmaticistas, começou a se considerar a necessidade de leva em conta a situação comunicativa para atribuir-se sentido aos elementos textuais, como os dêiticos e as expressões indiciais. Foi, então, que começou a se considerar outro tipo de contexto, o sociocognitivo. Para que duas ou mais pessoas possam compreender-se mutuamente, é preciso que seus contextos sociocognitivos sejam, pelo menos, parcialmente semelhantes, isto é, que seus conhecimentos enciclopédicos, textuais, devem ser, ao menos, parcialmente compartilhados entre autor e leitor.- O contexto engloba não só o co-texto, como também a situação de interação IMEDIATA, a situação MEDIATA (entorno sociopolítico-cultural) e o contexto cognitivo dos interlocutores.-> Vale salientar, trazendo para a seara jurídica, que o contexto permite preencher as lacunas do texto, isto é, estabelecer os “elos falantes”, por meio de “inferências-ponte”, o que

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acontece de forma semelhante no mundo do Direito, quando a norma, usualmente, deixa suas lacunas que somente são preenchidas por métodos de interpretação, como o sistemático, por exemplo, que leva em conta todo o ordenamento jurídico para inferir preceitos que completem o sentido da norma lacunosa.

INTERTEXTUALIDADE - Bakhtin diz: “cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados”. Assim, identificar a presença de outro(s) texto(s) em uma produção escrita depende e muito do conhecimento do leitor, do seu repertório de leitura. É válido destacar que a inserção de “velhos” e manjados enunciados em novos textos promoverá a constituição de novos sentidos.- Em sentido AMPLO, ela se faz presente em todo e qualquer texto, já que é condição mesma da existência de um texto, pois sempre há um já dito prévio a todo dizer.- Em sentido ESTRITO, ela se faz presente quando, em um texto, está inserido outro texto (intertexto), anteriormente produzido, que faz parte da memória social de uma coletividade.- Poderá ser EXPLÍCITA (com citação da fonte) ou IMPLÍCITA (quando não há citação da mesma).- No âmbito do Direito, neste sentido, ao analisar a construção textual das sentenças e acórdãos, nota-se que a intertextualidade está presente como recurso argumentativo. Trata-se do uso constante de referências que não são exclusivas do redator: remissões, citações de leis, jurisprudência e discurso reportado (de outros autores). A definição de intertextualidade foi proposta pela crítica literária francesa Julia Kristeva, segundo a qual, "todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é a absorção e transformação de um outro texto". A intertextualidade, entretanto, não é apenas a presença do "outro" no texto. A própria escolha de uma citação já a transforma, pois, por meio dos comentários, o redator vai utilizá-la para negar ou afirmar seu argumento. "O magistrado, ao escolher as palavras para elaborar a sentença, ao selecionar os argumentos das partes, imprime a sua marca pessoal, a sua postura ideológica, necessariamente”. É claro que o uso exacerbado de intertextos, de referências impróprias a outros textos, citações indevidas, podem desprestigiar a decisão judicial em certos casos, pois deve se fazer um uso balanceado dessa intertextualidade. É preciso, portanto, “encarar a intertextualidade nas decisões da Justiça como enriquecedora da leitura, como estratégia de composição textual e construção de sentidos no texto”.

LUIZ ANTONIO MARCUSCHI – “Produção textual, análise de gêneros e compreensão”

- Daí a ideia de que perceber é reconhecer com categorias ou esquemas internalizados (representações coletivas) e não apenas ver, sentir, ouvir, etc. pela sensação direta dos sentidos puros. Ver algo não é ainda perceber determinado objeto. Eu não vejo uma cadeira e sim um objeto que é percebido pelas condições cognitivas internalizadas e que então é identificado como cadeira.- Para Vygotsky, “conhecer é um ato social e não uma ação interior do indivíduo isolado”. Primeiramente, a pessoa se apropria da linguagem como uma ação social, para, só depois que internalizá-la, a partir de uma atividade intrapessoal, fazer o seu uso comum interpessoal.- Compreender, segundo Marcuschi, é muito mais uma forma de inserção no mundo e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro dentro de uma cultura e uma sociedade.

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- Na visão atual, o leitor não é um sujeito consciente e dono do texto, mas ele se acha inserido na realidade social e tem que operar sobre conteúdos e contextos socioculturais com os quais lida permanentemente.-> Angêla Kleiman: modelos de leitura.1) Psicologia cognitiva e linguística de texto: ideia do texto como “continente”. Via o leitor como sujeito ativo que utilizava e mobilizava conhecimentos pessoais para compreender, pois ele é inteligente, faz hipóteses e inferências, etc.2) Ciências sociais, letramento, sociolinguística interacional e análise crítica do discurso: esse novo contexto teórico considera as práticas sob um aspecto crítico e voltado para atividades, sobretudo sociointerativas. Ocorre a inserção do sujeito na sociedade e no contexto da interpretação ligado à realidade sociocultural.- A compreensão humana depende da cooperação mútua; sendo uma atividade de produção de sentidos colaborativa, tal compreensão não é um simples ato de identificação de informações, mas uma construção de sentidos com base em atividades inferenciais.

SENTIDO LITERAL- Segundo o autor, o sentido literal nada mais é que um sentido básico que entendemos quando usamos a língua em situações naturais, aquele sentido que é construído como preferencial. Não se pode vincular o sentido literal de forma automática a palavras, pois elas podem ter diversos sentidos literais, a depender do contexto.Sentido Literal -> Automático, obrigatório, normal, não-marcado, indispensável e não-figurativo.Sentido Não-literal -> Não-automático, opcional, fortuito, marcado, dispensável, figurativo e indireto.- Mesmo não sendo possível uma definição precisa de SL, Ariel tentou tratá-lo como um sentido rudimentar, sugerindo três caminhos para tomá-lo como básico ou mínimo:1) linguístico; (dicionário)2) psicolinguístico; (usos intencionais)3) interacional. (processos interativos)- Com isso, o SL não dá pra ser mais tomado pura e simplesmente como invariante contextual e como aquilo que é dito, completamente determinado e explícito, visto que não há mais uma diferença rígida, segundo Ariel, entre o SL e o SNL, pois os dois exigem um suporte contextual, o SL às vezes se dá por processamento inferencial e o SNL algumas vezes se dá automaticamente, etc.- Searle: muitos enunciados tomados em sentido literal exigem contextos para sua interpretação, sendo tais contextos muitas vezes transparentes e automáticos, no âmbito cognitivo, passando até despercebidos no processo de compreensão. Na leitura de um artigo legal, por exemplo, com a presença de termos especificamente jurídicos, que, geralmente, fazem parte do conhecimento enciclopédico do leitor desse tipo textual, esses contextos são facilmente identificado e relacionados de forma automática, muitas vezes não sendo percebido pelo leitor o contexto que está por trás da norma.- Lee: a polissemia das palavras tem relação com a incorporação nos sentidos literais de inferências que são feitas frequentemente e há um bom tempo (idade), isto é, contextos ao longo da história que passam a integrar o sentido literal de determinada palavra.

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COMPREENSÃO E ATIVIDADE INFERENCIAL1) Compreensão como decodificação -> língua como código (texto como continente).

- Os textos seriam portadores de significações e conteúdos objetivos por eles transportados e nós, como leitores ou ouvintes, teríamos a missão de apreender esses sentidos ali objetivamente instalados. Ensino escolar, pedagógico.

2) Compreensão como inferência -> língua como atividade (construção sociointerativa).- Toda compreensão será sempre atingida mediante processos em que atuam planos de atividades desenvolvidos em vários níveis e em especial com a participação decisiva do leitor ou ouvinte numa ação colaborativa.

- Memorizar não é o mesmo que compreender.- A compreensão de um texto é um processo cognitivo.- Compreender um texto é realizar inferências a partir das informações dadas no texto e situadas em contextos mais amplos.- Os conhecimentos prévios exercem uma influência muito grande ao compreendermos um texto.

IMPORTÂNCIA DA LÍNGUA- A língua é um fenômeno cultural, histórico, social e cognitivo que varia ao longo do tempo e de acordo com os falantes. Não é, segundo Bakhtin, um sistema monolítico e transparente, para “fotografar” a realidade, mas é heterogênea e sempre funciona situadamente na relação dialógica.- A língua é uma forma de ação pela qual podemos agir fazendo coisas.- A língua é semanticamente opaca e os textos podem produzir mais de um sentido (polissemia).- A língua permite a pluralidade de significações e as pessoas podem entender o que não foi pretendido pelo autor do texto.- Se o autor ou falante de um texto diz uma parte desse e supõe outra parte como de responsabilidade do leitor ou ouvinte, então a atividade de produção de sentidos é sempre uma atividade de co-autoria. Trazendo para a seara do Direito, o legislador, quando da confecção de normas, pode dar o suporte linguístico inicial e esperar que os operadores do Direito, por si próprios, como os magistrados, terminem a produção de sentido da mesma norma, na aplicação da mesma ao caso concreto.

TEXTO COMO EVENTO COMUNICATIVO- A língua é atividade interativa e não apenas forma e o texto é um evento comunicativo e não apenas um artefato ou produto.- Como o texto é um evento que se dá na relação interativa e na sua situacionalidade, sua função central não será a informativa. O sentido de um texto não está no leitor, nem no autor, nem no texto, mas se dá como um efeito das relações entre eles e das atividades desenvolvidas (interação autor-texto-leitor, de Koch).- Textos como sistemas instáveis, posto que sua estabilidade é sempre estado transitório de adaptação a determinado contexto ou objetivo.- Um texto é produzido sob certas condições, por um autor com certos conhecimentos e determinados objetivos e intenções. Os textos têm história, são históricos. Por isso, no mundo jurídico, podemos dizer que certas leis foram feitas sob diferentes intenções, posto que o

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contexto histórico variável exigia que certos assuntos fossem tratados legalmente e, hodiernamente, não fazem mais sentido nos nossos tratos jurídicos, havendo, muitas vezes, revogações de leis, artigos, entre outros.

CONTEXTO NO PROCESSO DE COMPREENSÃO- O contexto tem um papel central na interpretação de textos, sejam eles escritos ou orais. Em geral, postula-se que o leitor/ouvinte acha-se exposto a uma base (os materiais linguísticos que por vezes são tidos como o “sentido literal”) a partir da qual, usando o co-texto e o contexto, se dá a compreensão.- Ervin-Tripp: a interpretação de um ato indireto (SNL) exige uma inferência pragmática a fim de que se possa perceber a intenção do falante. (Ex.: Vocês estão brigando? – Mãe pergunta aos filhos -> Interrogação com sentido de censura).

NOÇÃO DE INFERÊNCIA- Texto como continente X Texto como evento.- A contribuição essencial das inferências na compreensão de textos é funcionarem como provedoras de contexto integrador para informações e estabelecimento de continuidade do próprio texto, dando-lhe coerência. Funcionam como hipóteses coesivas para o leitor processar o texto, como estratégias ou regras embutidas no processo.- Rickheit: “Uma inferência é a geração de informação semântica nova a partir de informação semântica velha num dado contexto”.- As inferências nada mais são que processos cognitivos nos quais os falantes ou ouvintes, partindo da informação textual e considerando o contexto presente, constroem uma nova representação semântica.- Compreender é, essencialmente, uma atividade de relacionar conhecimentos, experiências e ações num movimento interativo e negociado.- Ex.: “Aberto aos domingos”.- A inferência que no final resulta numa compreensão específica se dá como fruto de uma operação co-textual/contextual e cognitiva regida por certas regras.

COMPREENSÃO COMO PROCESSO1) Processo estratégico -> ação comunicativa otimizada, com escolha de alternativas mais

produtivas e eficazes.2) Processo flexível -> não há orientação única, podendo a compreensão dar-se tanto

num movimento global, quanto num local, a depender das necessidades dos interactantes e do contexto discursivo.

3) Processo interativo -> a compreensão é negociada, co-construída e não unilateral. 4) Processo inferencial -> o modo da produção de sentido se dá por uma atividade em

que conhecimentos de diversas procedências entram em ação por formas de raciocínio variadas.

- A compreensão não é atividade de precisão, mas também não se pode dizer que é uma atividade de “vale-tudo”, pois é uma atividade de seleção, reordenação e reconstrução, em que certa margem de criatividade é permitida. Um texto permite muitas leituras, mas não infinitas. Não podemos dizer quantas são as compreensões possíveis de um texto, mas podemos dizer que algumas delas não são possíveis. Normalmente, as redações

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normativas também restringem seus enunciados a determinadas interpretações, não aceitando que o leitor (operador do Direito) extraia qualquer absurdo que lhe venha à mente. Não se pode dizer que se compreendeu o que um artigo de determinada lei quis transmitir quando se entendeu o contrário do que está afirmado, pois a compreensão envolve a produção de modelos cognitivos compatíveis que preservem o valor-verdade do enunciado linguístico-normativo.- Marcelo Dascal: O texto como uma “cebola”:1) Camadas internas (cascas centrais) – informações objetivas, que qualquer um admite sem mudar os seus conteúdos.2) Cascas intermediárias – terreno das inferências, que é passível de receber interpretações diversas.3) Cascas mais longes do núcleo – domínio de nossas crenças e valores pessoais, camada mais complexa e sujeita a muitos equívocos.4) Últimas cascas – domínio das extrapolações, mais vulnerável e sobre ela pode-se discutir.

LUIZ ANTONIO MARCUSCHI – “Interação, contexto e sentido literal”

PREMISSAS1) Interação humana;2) Sentido como fenômeno socialmente construído, condicionado aos processos

interativos;3) Contexto, como inalienável de qualquer atividade interativa para produção de sentido;4) Sentido literal.

- Negação da dicotomia: sentido do enunciado x sentido do falante; distinção entre a “sentença” (responsável pelo que é dito) e a “asserção” (responsável pelo que é comunicado). Problemática da autonomia da intencionalidade, como imposição de um faltante na língua.

DUPLA HERANÇA BIOLÓGICA E CULTURAL- Ponto de vista cognitivo (sócio-biológico) -> o ser linguístico que somos define-se como ser social. Maturana: “tudo o que é dito é dito de um observador para outro observador”. Para tal autor, conhecer é um ato interativo e coordenado e a noção de sujeito envolve tanto o componente individual como o social.- A verdade seria como uma coerência entre mentes sociais, segundo Davidson.- Nossa percepção do mundo é uma construção cognitiva socialmente desenvolvida de tal modo que os diferentes povos apresentam diferentes formas de perceber, consoante Barbara Rogoff.- Aspecto cultural: lado social como fôrma incontornável para todo o ser humano.- Exageradamente, a nossa história é a história de nosso comportamento linguístico em situações cooperativas.- Deixando o lado biológico excessivo de lado, o que temos instalados na mente/cérebro não é a linguagem propriamente e sai uma disposição instintiva para atividades linguageiras que se desenvolvem como modos de convivência social e modos de coordenação de ações humanas.

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NOÇÃO DE “SENTIDO LITERAL”- Searle e as “suposições de base” -> inexistência do “contexto zero”.- SL x SNL (dicotomia bastante enfraquecida, hodiernamente, pela falta de uma definição consensual e teoricamente unificada de SL).- Gibbs x Grice - Para Gibbs, os enunciados não possuem um SL bem definido. E mesmo que tivessem, não seria o mais usual. Tal autor acredita que os falantes não julgam que o SL seja o mais relevante e sim o sentido contextualmente apropriado. E neste caso o SNL é o mais comum. Segundo Gibbs, as pessoas não precisam passar pelo SL para atingir o SNL, pois “não há razão para tomar o SL como uma parte especial e obrigatória para a compreensão dos enunciados”. A depender do contexto, tudo se dá como se o acesso ao SNL fosse direto. - A diferença dele para Grice, é que este último acreditava ser essencial, no processo de compreensão, que o leitor primeiro tivesse acesso ao sentido literal, para só depois, em sequência, fazer inferências relacionadas ao contexto (implicatura sequencial), adquirindo compreensão, assim.- Giora: substituição do SL pelo sentido saliente gradual.

TRÊS TIPOS DE SENTIDO MÍNIMO (ARIEL)- Como vimos, a dicotomia entre SL e SNL é quase nula, atualmente. Também é válido dizer que a definição clássica de SL tem problemas pois não comporta a satisfação de seus objetivos simultaneamente. Para tanto, criou-se, por Ariel, a ideia de sentido mínimo, com três tipos desse:1) SL¹: perspectiva linguística -> esse SL linguístico seria obtido por meio da decodificação e não pela inferência, sendo automático, obrigatório e não afetado por contextos imediatos.2) SL²: perspectiva psicolinguística -> comporta a construção do sentido num processo dinâmico do tempo real, levando em conta aspectos psicológicos. Ex.: olho grande3) SL³: perspectiva interacional -> sentido comunicado, sentido contextual mínimo, sendo interacionalmente significante. Baseia-se em inferências e não apenas no código. As inferências não seriam sequenciais, mas sim, imediatas e próprias do ato enunciativo.- Embora essa posição de Ariel não seja simples de se operacionalizar, já que pode dar a entender a existência de sentido literal com ausência de contexto (SL¹), ele faz muito bem em ressaltar a impossibilidade do sentido literal como simples perspectiva lexical, ressaltando a importância da construção do sentido e da interação, num dado contexto, também na formação de tal sentido literal (SL² e SL³).

GRICE x GIBBS- Gibbs investe contra a tese da pragmática estândar (griceana) para a qual primeiro temos de processar inteiramente os sentidos literais e só então entender ou acessar os sentidos figurativos ou indiretos. Isto quer dizer que para tal teoria, o sentido literal teria preferência e só depois viriam os demais sentidos e contextos. Para Gibbs, no entanto, a psicolinguística mostra que, quando um contexto forte atua, as pessoas comumente entendem os sentidos não literais diretamente sem primeiro acessar o que se convenciona chamar sentido literal. Gibbs não aceita o processo inferencial como uma atividade pós-semântica. Trata-se do modelo do acesso direto (gibbeano).

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- Grice dizia que primeiro se daria uma interpretação literal e então se chegaria, por processos extra, ao sentido pretendido. Isso quer dizer que entender sentidos não literais demandaria maior esforço e maior tempo, pois passaria primeiro pela literalidade do enunciado.- Gibbs não nega que nunca os falantes acessam as palavras em seus sentidos literais, mas, ele só contrapunha a ideia de que isso se fazia por via composicional, sequencial. Metáforas literárias novas e complexas devem demandar maior tempo, não pelo fato de haver um processamento literal pleno para ter uma rejeição e ficar com o pragmático, mas sim pelo fato de haver uma integração da metáfora num contexto apropriado.

QUANDO ENTRA O CONTEXTO?(a) Modelo pragmático estândar -> Essa teoria postula que inicialmente se daria uma

compreensão literal obrigatória e só então ocorreria uma interpretação de outros sentidos compatíveis com a contextualização, o que seria algo assim como um ajuste de sentido. O SL sempre é o primeiro a ser acessado e o SNL é acessado posteriormente por processos inferenciais de ajuste ao contexto. Esse é o modelo das implicaturas de Grice.

(b) A perspectiva do acesso direto -> Assume-se que a informação lexical interage com os processos lexicais desde o início. A consequência disso é que só é acessível a significação compatível com o contexto e não o contrário. Não se trata de um ajuste e sim de uma interpretação desde o início adequada ao contexto em questão. Rymond Gibbs como principal expoente.

(c) A hipótese de saliência gradual (HSG) -> Essa hipótese postula a prioridade dos sentidos salientes (proeminentes, independentes de contexto), dizendo que esses são processados primeiro, independentemente de sentido literal ou contextual. Essa saliência é um questão de grau (espécie de gradação) determinada pela frequência da exposição e familiaridade experiencial com as significações em questão. As significações salientes são percebidas, assumidas e acessadas de imediato e as significações menos salientes são acessadas depois. Giora: “a predição da hipótese da saliência gradual é tal que quando a força do contexto e da saliência forem balanceadas, o contexto não inibirá (bloqueará) a significação saliente, quando não pretendida”.- Aspectos da saliência:1) Frequência – probabilidade de ocorrência de acordo com a frequência. ex.: manga no RS e manga em PE.2) Familiaridade – presença de um termo num dado contexto familiar a alguém ou a um grupo.3) Convencionalidade – relação entre regularidade linguística, a situação de uso e a população que se conformou com tal regularidade.4) Prototipicidade/estereotipia – o mais prototípico é aquele que primeiro e mais facilmente vem à mente.

ACESSO LEXICAL E EFEITO CONTEXTUAL- Acesso lexical:1) Modelo do acesso exaustivo (modularismo) -> Todos os sentidos são acessados imediatamente e de modo completo. Aproxima-se da ideia de Giora de admitir um

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início lexical e não contextual, pois assume a hipótese do acesso lexical invariante diante dos contextos. O acesso lexical seria autônomo e exaustivo e todos os sentidos seriam acessados em um só relance.2) Modelo do acesso seletivo (contextualismo) -> Ao contrário da visão modularista, esse modelo dá prioridade ao acesso pelo contexto, postulando que o contexto age desde o início e ative apenas a informação contextualmente relevante. Segundo ele, o contexto meio que seleciona os sentidos adequados a ele, excluindo os inadequados. Para Giora, isso só era possível quando um sentido saliente compatível com o contexto era acessado logo de início.3) Modelo do acesso ordenado -> O sentido saliente é acessado primeiro. Sentidos mais salientes são acessados primeiros, e depois os sentidos menos salientes independentemente do viés contextual. Ideia de que o tempo de pouso do olhar é maior quando o contexto desambiguador viesse DEPOIS do item lexical que tinha provocado a ambiguidade.4) Acesso reordenado -> Tanto a informação saliente como a contextual afetam o acesso ao sentido. Nesse caso, o acesso é sempre relacionado, inicialmente, à saliência mais forte, mas tal acesso poderá ser modificado ou confirmado se o contexto, que vem depois, for compatível ou incompatível. Para Giora, isso prova que o contexto não inibe a saliência, sendo ela sempre primeira e ele segundo.- Giora: “A informação contextual não pode dominar inteiramente nosso pensamento, pois, se o contexto dominasse inteiramente o nosso pensamento, ele solaparia o código linguístico”.Significados contextuais -> mudança linguísticaSignificados salientes -> estabilidade linguística

CONCLUSÕES

- Recanati: Tudo leva a crer que tanto no nível do que é dito como do que é implicado (inferenciado) deve haver consciência dos atos e das escolhas, pois são níveis públicos de produção de sentido. Tem-se um ato perceptivo primário e um ato pragmático secundário na produção de sentido, mas ambos conscientes.- Interpretação final de um enunciado como uma ironia tem ou não como sua 1ª entrada uma interpretação literal? Recanati responde dizendo: “a interpretação não-literal do enunciado global não pressupõe sua interpretação literal, contrariamente ao que acontece no nível dos constituintes”. Essa afirmação do autor nos traz a tese do processamento em paralelo, isto é, os enunciados são processados simultaneamente nos dois níveis (literal e não-literal), sem haver uma precedência temporal entre um e outro dos processamentos, o que gerou tanta discussão entre Grice e Gibbs. Essa nova tese enfraqueceu mais ainda a dicotomia entre SL e SNL.