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27/11/11 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
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Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do PortoProcesso: 0651306
Nº Convencional: JTRP00039526
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: MARCAS
VIOLAÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RP200610020651306Data do Acordão: 02-10-2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO. AGRAVO.
Decisão: PROVIDO O AGRAVO.
Indicações Eventuais: LIVRO 273 - FLS. 16.
Área Temática: .
Sumário: Se a causa de pedir invocada pelos AA. versa, essencialmente,sobre a violação de um direito privativo que se arrogam – o
direito à marca – a competência em razão da matéria compete,
no caso, ao Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia e não àsVaras Cíveis do Porto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
No Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, B……., S.P.A.,
C……., Lda. e D……., SA intentaram acção declarativa decondenação, com processo ordinário, contra E…….., Lda,
pedindo que:a) Seja ordenada a imediata apreensão e destruição de todos
os artigos ópticos de marca F…… que se encontrem nainstalações da Ré, quer na sua sede – Av. …….., …., …..º, sala
…, Porto, quer no seu salão de exposição sito na R. ……, …..,
Porto;
b) Seja ordenada a proibição de comercialização, em Portugal,
pela Ré, de artigos ópticos da marca Police não produzidos
pela legítima titular da marca em Portugal;
c) Seja ordenado o encerramento do site www……..pt;
d) Seja a Ré obrigada a abster-se de vender directamente ao
público os “restos” das colecções das marcas Rolling, Police,Vogart, Etro, Martini, Charme, La Perla, Dr Hi – Tech, Lozza, Fila
Old Ttaly que ainda tenha em stock, como se fossem actuais,
abaixo do preço de custo ou com redução de preço;
e) Seja a Ré obrigada a abster-se de, no exercício da sua
actividade e por qualquer meio, fazer referência ao nome da
primeira Autora, bem como a reproduzir os sinais distintivos da
terceira Autora;
f)Seja a Ré condenada a pagar á primeira Autora, uma
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indemnização equivalente à contrapartida decorrente da nãoentrada no património desta Autora do preço de uma licença de
exploração da marca Police para Portugal, a liquidar em
execução de sentença.
Alegaram para tanto, os fundamentos seguintes:
De facto:
1.º
A B…… S.P.A. é a sociedade mãe do grupo B….., que constitui
um dos principais grupos ópticos internacionais.
2.º
As empresas do grupo B…… fabricam, exportam e
comercializam artigos ópticos de marcas de que o própriogrupo é titular, isto é, registadas em seu nome nos principais
mercados internacionais, incluindo Portugal. É o caso das
marcas POLICE, STING, ROLLING e LOZZA,
3.ºBem como de marcas fabricadas e comercializadas ao abrigode Licenças de Exploração de Marca. É o caso das marcas
FENDI, FILA, ETRO, LA PERLA, ONYX, CELINE, LOEWE,GIVENCHY e PRADA.
4ºA F……, Lda é uma empresa portuguesa que se dedica à
importação e venda por grosso de artigos ópticos fornecendo,desta forma, os retalhistas que, por sua vez, vendem esses
produtos ao consumidor final.5º
Esta empresa é, actualmente, por via de um contrato dedistribuição comercial celebrado com o grupo B….., odistribuidor para o mercado português dos produtos
produzidos por este grupo.6.º
A D…… S.A., por seu turno, adquire, por grosso, produtosópticos que revende directamente aos consumidores finais,
através da numerosa cadeia de lojas que possui: 131 emEspanha e 10 em Portugal.
7.ºEm Fevereiro de 2000, esta cadeia de lojas foi adquirida em
100% pelo grupo B……, no âmbito de uma política de expansãona área da comercialização directa, desenvolvida por estegrupo.
8ºNo que respeita ao mercado português, a comercialização e
distribuição dos produtos produzidos pelo grupo B…… estãoorganizadas da seguinte forma: F……, Lda importa os produtos
fabricados por aquele grupo italiano e posteriormente procedeà sua distribuição pelos diversos retalhistas, que, por sua vez,
os revendem directamente ao consumidor final.9º
A Ré é uma empresa portuguesa constituída em 06/09/1990,
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que logrou obter o registo de uma firma que, como se podeconstatar, reproduz integralmente a firma da Autora D……. S.A.
10.ºNão obstante a marca internacional “D…….” nº 483246 se
encontrar validamente registada no nosso país (extensão aPortugal) desde 08/03/1985, em nome desta Autora.
11ºO que acarreta a anulabilidade da firma da Ré, por confundível
com o sinal daquela Autora anteriormente registado.12º
No entanto, como em 13/02/97, a D…… S.A. renunciou à referidamarca internacional, a Ré convenceu-se que tal renunciasanava a anulabilidade do seu registo,
13ºPor outro lado, desconhecia a concessão à D……, S.A. da
marca comunitária nº 573592, cujo depósito foi efectuado em10/07/97, mas com efeitos a partir de 15/01/97, por haver sido
reivindicada a prioridade de um pedido de registoanteriormente feito, naquela data, para a mesma marca em
Espanha - o que retira àquela renuncia qualquer efeito útil,porque aquando dessa renuncia, a denominação D…… já se
encontrava protegida em Portugal pela Marca Comunitária. 14.ºPor isso, intentou uma acção de anulação da marca
internacional nº483246 cuja extensão foi novamente registadaem Portugal em 14/02/97 e da firma da D…… S.A. - Sucursal em
Portugal registada em 1998. 15.º
Ao que a D……. S.A. respondeu com um pedido dereconvenção peticionando a anulação da firma da Ré.16.º
Mas este facto, e só este, constitui já objecto de processo
judicial próprio que corre termos na …ª Vara Cível de Lisboa, …ª secção, Proc. nº …./99.
17º
Apenas se refere aqui, para explicar a identidade das firmas da
Autora D…… S.A., que desenvolve a sua actividade emEspanha desde 1964 e está presente no mercado português
desde a década de 80, e da Ré, constituída em 1990, e o
carácter parasitário do decalque.
a marca police18º
A B……. é, como se disse, titular, entre outras, da marca
internacional POLICE, registada em Portugal sob o nº 502 734,para assinalar produtos da classe 9 (óculos e suas partes),
sendo que, a extensão desta marca internacional está
igualmente registada em nome da B…… nos seguintes países:
Alemanha, Áustria, Benelux, Egipto, França, Suiça e,obviamente, em Itália.
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19.º
No entanto, em Espanha a marca POLICE encontra-se
registada em nome de uma empresa espanhola denominada“G……., S.A,” totalmente independente da B……, quer do ponto
de vista jurídico quer económico.
20ºPor isso a B…… ou qualquer das empresas que integram o seu
grupo económico, não exporta, distribui ou comercializa, em
Espanha, produtos da marca POLICE, por si produzidos.
21ºCaso contrário estariam a ser violados os direitos de
propriedade industrial da referida G…… .
22.º
No entanto, já o inverso não acontece,23º
Porque a Ré está a importar e a comercializar em Portugal
óculos marcados com a designação POLICE, não produzidospela B……, ou por terceiro com o seu consentimento, que é a
legítima titular desta marca em Portugal.
24º
Mas sim pela referida G……, que é, como se viu, uma entidadejurídica e economicamente independente da G….. .
25º
Este facto está a causar à B…… prejuízos, que se traduzem,
por um lado no desvio de clientela - com a consequente quebranas vendas.
26º
Porque só a B……., ou terceiros por ela autorizados, podeproduzir, distribuir e comercializar, em Portugal, óculos desta
marca.
27º
Ou seja, a mais-valia do seu negócio, relativamente aos seusconcorrentes resulta precisamente desta exclusividade
conferida pelo registo.
28º
O que significa que, sendo-lhe retirada ilegalmente essaexclusividade – fazendo-se tábua rasa dos direitos de
propriedade industrial –, vê afectado o núcleo essencial da sua
actividade.29.º
E por outro, na depreciação do valor económico da própria
marca,
30.ºQue perde a sua capacidade distintiva, porque passam a existir
no mercado produtos idênticos, de origens diferentes,
marcados com o mesmo sinal.
31.ºCorrendo o seu legítimo titular o risco de lhe ser imputada a
inferior qualidade de produtos não produzidos por si, mas
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assinalados com uma marca idêntica e por isso confundívelcom a sua.
2.2. concorrência desleal
32.º
A Ré tem como objecto “o comércio por grosso, importação eexportação de artigos de óptica”, ou seja, não faz parte do seu
objecto a comercialização directa ao público, sendo por isso
formalmente uma concorrente da Autora F……, Lda,
encontrando-se ambas ao nível da distribuição.33.º
O sócio maioritário da Ré, H……, é também sócio maioritário
das seguintes empresas:I……, Lda, que tem como objecto “comércio por grosso,
importação e exportação de artigos de óptica”;
J……., Lda, que tem como objecto “comércio, importação e
exportação de artigos de óptica, aparelhos de precisão efotografia”;
Que, juntamente com a Ré, formam o autodenominado “L…….”.
34.º
Até 15.12.00 o grupo L……, primeiro através da J…… e depoisatravés da I……, manteve relações comerciais com a B……
S.p.A, com base num contrato de distribuição comercial
celebrado entre ambas, por via do qual aquelas empresasadquiriam por grosso à B…… os produtos produzidos por esta,
os quais revendiam aos diversos retalhistas a operar no
mercado português.
35.ºContudo, em 15.12.00, a I…… rescindiu unilateralmente o
contrato de distribuição com a B…… S.p.A. (então denominada
M….., s.r.l). 36.º
E, para além de não ter pago um conjunto de fornecimentos, no
valor de EUR 697.547,19, feitos pela B……, que se viu obrigada
a intentar a competente acção de cobrança - que se encontra acorrer termos na ….ª Vara Cível do Porto, …ª Secção, proc. nº
…../2001.
37.º
Ainda ameaçou a B……., em atitude de represália, de vender osprodutos que conservou em seu poder a preço de custo
conforme melhor resulta do fax que, em 22/01/2001, lhe dirigiu.
38.ºRecentemente as Autoras constaram que a Ré não só
concretizou as suas ameaças, como foi mais além.
39.º
Assim, como forma de escoar o seu stock, constituído,principalmente, por "restos" de colecções dos anos de 1998,
1999 e 2000, fugiu aos circuitos tradicionais de comercialização
e às normas que regulam as vendas em saldo e liquidação,
40.º
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E, usando um site Internet, no qual integrou, por decalque, o
conjunto gráfico-figurativo existente nas lojas da D……., S.A. e
fazendo referência ao nome da B….. sem que para tal estejaautorizada.
41.º
Passou a vender directamente ao público e a um preço único
de 25 euros, as marcas produzidas, distribuídos ecomercializados pelas Autoras, como verdadeiros artigos de
feira.
42.º
Criando em Portugal um verdadeiro mercado negro de artigos
ópticos.
43.ºDo teor do referido site destacamos as seguintes menções:
Vendemos lotes de 50 peças (armações e óculos de sol) das
marcas aqui representadas [ROLLING, POLICE, VOGART,
ETRO, FENDI, MARTINI, CHARME, LA PERLA, DR HI - TECH,
LOZZA, FILA, OLD ITALY] a 1.250 euros cada lote.
Não perca a oportunidade de adquirir peças de origem actuais
fabricadas pela M……, s.r.l. - Grupo B….., ……, ITÀLIAPreço único 25 euros
(sublinhado nosso)
44.º
As Autoras nada teriam a opor ao escoamento do stock da Ré
não fosse:
45.º
A utilização abusiva do conjunto gráfico-figurativo da D…….,S.A.;
46.º
A referência não autorizada ao nome da B……. S.p.A;
47.º
A venda directa ao público, vedada pelo seu objecto social que
é o comércio por grosso, importação e exportação de artigos
de óptica;
48.ºA venda de produtos depreciados como se fossem actuais;
9.º
A venda de produtos a abaixo do preço de custo:
50.º
Porque, tendo em conta que 1 € é o contravalor de 1936,27
LIRAS ITL (taxa fixa de conversão), todos os produtos
adquiridos por um preço superior a 48.406,75 LIRAS ITL(contravalor de € 25), deduzidos dos respectivos descontos de
quantidade ou outros, estão a ser vendidos a baixo do preço de
custo - em violação do disposto no Decreto-Lei nº 370/93, de
29/10.
51.º
Na verdade, estão a ser vendidos nestas condições os
produtos constantes das seguintes facturas que titularam a
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aquisição destes bens pela Ré:
Fact. nº 425/C3 - Doc. nº15
Fact. nº 609/A3 - Doc. nº29
Fact. nº 332/E3 - Doc. nº 16
Fact. nº 486/C3 - Doc. nº 30Fact. nº 332/E3 - Doc. nº 17
Fact. nº 262/A3 - Doc. nº 31
Fact. nº 177/E3 - Doc. nº 18
Fact. nº 158/E3 - Doc. nº32
Fact. nº 338/A3 - Doc. nº19
Fact. nº 213/E3 - Doc. nº 33
Fact. nº 259/E3 - Doc. nº20ºFact. nº 599/E3 - Doc. nº34
Fact. nº 562/A3 - Doc. nº21º
Fact. nº 599/E3 - Doc. nº35
Fact. nº 1172/A3 - Doc. nº22
Fact. nº1254/A3 -Doc. nº36
Fact. nº 1172/A3 - Doc. nº23
Fact. nº 625/E3 - Doc. nº37Fact. nº 1190/A3 - Doc. nº24
Fact. nº 631/C3 - Doc. nº38
Fact. nº 1190/A3 - Doc. nº 25
Fact. nº 694/E3 - Doc. nº39
Fact. nº 1380/A3 - Doc. nº26
Fact. nº 279/A3 - Doc. nº40
Fact. nº 83/A3 - Doc. nº27º
Fact. nº 514/A3 - Doc. nº41Fact. nº 83/A3 - Doc. nº28
Fact. nº 995/A3 - Doc. nº42
52.º
Quanto aos demais artigos, estão a ser vendidos com reduçãode preço, porque, quando actuais, eram vendidos pela Ré, a
preços, pelo menos, duas e três vezes mais elevados do que os
25 euros agora praticados.
53.º
Sem que, da oferta de venda, constem:
- os elementos suficientes para que os consumidores possam
ajuizar da natureza dos bens em causa;- a data do início da oferta e o período da sua duração;
- a referência aos preços anteriormente praticados para os
mesmos produtos e a percentagem da redução.
Na verdade,
54.º
A imagem da D…… S.A. e o nome da B……, S.p.A. estão a ser
indevidamente utilizados pela Ré e os preços praticados no
aludido site estão a perverter de forma flagrante as regras domercado.
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55.º
A situação é de tal forma gravosa e assumiu proporções tais,que os consumidores se vêm dirigindo, cada vez mais, às lojas
da D….., S.A. solicitando a venda dos produtos anunciados no
site em causa, nas condições e preços aí referidos.
56.º
Tanto assim é, que a D….., S.A. se viu obrigada a emitir um
comunicado na imprensa explicando aos seus consumidores a
inexistência de qualquer relação entre as suas lojas e o referido
site, demarcando-se de qualquer responsabilidade pelosprodutos aí anunciados.
57.º
Note-se, a título de exemplo, que as marcas vendidas pela Ré
no referido site, são comercializadas no mercado a preços
duas, três, quatro e cinco vezes mais elevados, do que os
praticados pela Ré no dito site.
58.ºCom o aludido anúncio a D……, S.A. pretendeu esclarecer os
seus clientes de que não era responsável por este site e,
portanto, não se responsabilizava pelo seu conteúdo.
59.º
A Ré, incapaz de justificar os seus actos nas instâncias
devidas, recorreu a meios torpes para atingir o bom nome e o
prestígio da D…… S.A.,60.º
Fazendo publicar na Imprensa o anúncio que se junto como
doc. nº 44.
61.º
No qual são atribuídos à D….. S.A., factos absolutamente falsos
e são formulados juízos ofensivos do seu bom-nome,
credibilidade e prestígio comerciais.
62.ºÉ, nomeadamente, o caso do trecho em que se refere que A
empresa espanhola D….. S.A. apresentando-se, falsamente, aos
olhos do público como titular de diversas marcas
internacionais de óculos (…)
63.º
Ora, em lado nenhum do anúncio publicado pela D….. S.A. se
diz que esta empresa é a titular de quaisquer marcas.64.º
Na verdade, a D….., S.A. só comercializa produtos com
autorização dos fabricantes e titulares das referidas marcas,
pelo que lhe foi imputada uma actuação conscientemente falsa,
com o único propósito de manchar o seu nome comercial.
65.º
Mais, tal afirmação nunca poderia ter sido feita porque quemfabrica e produz as aludidas marcas é a B…… S.p.A, que é,
como se disse, a sociedade mãe do grupo de empresas em que
está integrada a D….., S.A..
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66.º
Assim, a Ré acusou, na praça pública, a D……, S.A. de estar a
usar marcas ilegalmente,
67.º
Ou seja, acusa (falsamente) esta Autora da prática de um crime,p.p. pelo art. 264º do CPI.
68º
Continua o referido anúncio: (…) pôs a circular através de
anúncios na imprensa, a calúnia de que os óculos vendidos
pela E……, Lda (…) não seriam autênticos, mas sim
contrafacção das respectivas marcas registadas e, por isso,
venda ilegal.69º
Tal afirmação é também rotundamente falsa, pois em momento
algum se faz referência à E……, Lda, nem ao facto dos artigos
serem ou não contrafeitos,
70º
Diz-se sim, que a venda é ilegal, porque viola as regras da
concorrência e atento o decalque do conjunto gráfico-nominativo de que a D……, S.A. é a legítima titular.
71º
Por último, e mais recentemente, a Ré pôs a circular, entre os
agentes económicos do sector óptico, o fax que se junta como
doc. nº 45 - o próprio subscritor destas linhas foi brindado com
a recepção deste documento.
72.ºOnde, de forma descontextualizada, alardeia - numa clara
instrumentalização dos tribunais -, o desfecho da providência
que antecedeu a presente acção.
73.º
Com o único intuito de incutir no mercado a ideia falsa de que
aquela decisão lhe reconhece o direito de importar e
comercializar em Portugal produtos contrafeitos.
74.ºQuando é exactamente o contrário que resulta da decisão.
75.º
Na verdade é o próprio tribunal que reconhece que o direito à
marca POLICE de que a B….. é titular se encontra ameaçado.
76.º
Este facto, demonstra por si só, os princípios que pautam o
exercício da actividade da Ré e a sua forma de estar nomercado.
77º
Resulta evidente, dos factos acima descritos, que as
referências não autorizadas a sinais alheios, a venda directa ao
público, a venda de produtos depreciados como se fossem
actuais, a venda de produtos abaixo do preço de custo e a
venda com redução de preço sem a observância dos requisitoslegais, são factos susceptíveis de proporcionar à Ré a
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angariação efectiva de clientela à custa do desvio ilegal da
clientela das Autoras.
78º
Bem como, afectar gravemente o seu bom nome e reputação
comerciais, que demoram anos a ser conquistados e um par de
dias a ruir.
79.ºSendo certo que a confusão causada nos consumidores, que
se vêm dirigindo às lojas da D……, SA reclamando a compra
dos artigos anunciados no site nas condições e preço aí
anunciados, constitui só por si um dano efectivo.
80.º
Pois, a proibição da concorrência desleal tem por finalidade
disciplinar as actividades susceptíveis de ocasionar umprejuízo causado pela confusão com os produtos, os serviços
ou o crédito de uma empresa concorrente.
De direito
2. A violação do direito à marca
81ºPelas razões de direito que a seguir se expõem, pretendem as
Autoras, com a presente acção, a cessação imediata dos actos
contrários às normas da leal concorrência, descritos em 2.2..
82º
Trata-se pois, de uma acção que a doutrina tem classificado
como inibitória ou de cessação.
Assim sendo,83º
Nos termos do art. 167º nº 1 do CPI: “Aquele que adopta certa
marca para distinguir os produtos ou serviços de uma
actividade económica ou profissional gozará da propriedade e
do exclusivo dela desde que satisfaça as prescrições legais,
designadamente a relativa ao registo”
84ºCom efeito, “O titular do direito à marca adquire o direito de a
usar, em exclusivo – direito esse que comporta assim, um
círculo de permissão e outro de proibição -, nos produtos
indicados no seu pedido de registo, pelo que terceiro não pode
registar nem usar a marca igual ou confundível para os
mesmos produtos ou para produtos com afinidade
merceológica”. Ac. STJ de 02/04/98, in www.dgsi.pt, nº
convencional JSTJ00034746.85º
Trata-se de um direito sobre um bem imaterial – um sinal –, que
tem por conteúdo a exploração económica exclusiva desse
sinal, com vista a distinguir a proveniência empresarial de
determinado produto ou serviço.
86º
Tal conteúdo concretiza-se, em primeira linha, na possibilidade
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do titular apôr essa marca nos produtos a que se destina -
função distintiva da marca -, mas também na faculdade de seopor à sua utilização por terceiros – carácter da exclusividade.
87º
O que significa, conforme o acórdão supra citado, que um
terceiro não poderá utilizar o sinal que constitua a marca de
outrem em termos de lesar o correspondente direito.
88º
A questão que se coloca nos presentes autos, é pois, a desaber se a B……., enquanto titular da marca em Portugal, se
pode opor à importação e comercialização em Portugal de
produtos idênticos, assinalados com a mesma marca, mas
fabricados em Espanha por um terceiro estranho ao grupo
B…… .
89º
A resposta a esta questão há muito que foi dada pelo Tribunalde Justiça das Comunidades que, desde 1976, em Acórdãos
sucessivos, tem vindo a reconhecer - em sede de reenvio
prejudicial -, o direito do titular da marca se opor à importação e
comercialização de produtos idênticos, assinalados com a
mesma marca, mas colocados no mercado por um terceirojurídica e economicamente independente desse titular.
90ºPor isso não resistimos a citar a conclusão do Acórdão
TERRAPIN/TERRANOVA de 22/06/1976, (Proc. nº 119/75), quereza assim:
91º"É compatível com as disposições do Tratado da CEE, relativasà livre circulação de mercadorias, que uma empresa
estabelecida num Estado membro, titular de uma marcaregistada nos termos da legislação desse estado, possa
impedir a importação de produtos de uma empresaestabelecida noutro Estado membro, cujo nome, titulado
segundo a legislação desse Estado, dê origem a uma confusãocom a marca registada da primeira empresa, desde que nãoexistam acordos, entre ambas, restritivos da concorrência e
não hajam quaisquer laços, legais ou económicos, entre asempresas e que os respectivos direitos sobre a marca tenham
nascido independentes um do outro".92.º
Bem como do Acórdão proferido pelo mesmo tribunal no casoHAG II de 17/10/1990 (Proc. nº C-10/89), cujo ponto 16 do seusumário transmite o seguinte:
93.º"Com efeito a função da marca ficaria comprometida se o titular
do direito não pudesse exercer a faculdade que a legislaçãonacional lhe confere de se opor à importação do produto
similar com uma denominação susceptível de confusão com asua própria marca, pois nesse caso os consumidores não
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teriam a possibilidade de identificar com certeza a origem do
produto que exibe a marca e ao titular do direito de marca podiavir a ser imputada a má qualidade de um produto pelo qual não
seria de forma alguma responsável." 94.º
Mas, estranhamente, esta jurisprudência ainda não foiassimilada - ao arrepio da lei nacional e comunitária -, poralguns tribunais portugueses.
95.ºAssim, numa decisão inédita - em que se colocava exactamente
a mesma questão, à excepção da identidade da Ré, que eranaquele caso a "N……, S.A. -, o Tribunal da Relação de Lisboa
veio negar à B…… o direito de se opor à importação ecomercialização em Portugal, por esta empresa, dos óculos
produzidos pelo dita G…… .96.ºEsta decisão que veio, infelizmente, a ser considerada como
um case study, ensinado nas faculdades de direito ecomentado pela doutrina, como um bom exemplo da confusão
que paira na mente de alguns juristas, sobre conceitos como:Princípio da Territorialidade das Marcas, Princípio do
Esgotamento do Direito à Marca, Importações Paralelas,Contrafacção e Princípio da Livre Circulação de Bens eMercadorias no Mercado Comum,
97ºTem sido invocado pela Ré - nomeadamente fê-lo na
providência cautelar que antecedeu a presente acção -, paralegitimar a sua conduta prevaricadora.
98ºOra, este aresto foi largamente comentado pela doutrina, acujas considerações iremos lançar mão, porque valem ipsis
verbis para o presente caso.99º
Com efeito, o Tribunal da Relação de Lisboa, baseado numainterpretação, no mínimo, sui generis do art. 208º do Código da
Propriedade Industrial e socorrendo-se da opiniãoalegadamente defendida pela doutrina - neste caso por PedroSousa e Silva, na sua obra Direito Comunitário e Propriedade
Industrial -, considerou estar-se perante um caso deimportações paralelas, o que determinaria o esgotamento do
direito de exclusivo do titular da marca, a B……,100.º
Que por isso, careceria de qualquer legitimidade para se opor atais importações, bem como à sua comercialização emPortugal.
101.ºO autor citado, perante tão equivoca e inusitada interpretação
do referido dispositivo legal e a deturpação das suas palavras,sentiu necessidade de vir comentar o Acórdão em apreço, e fê-
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lo nos seguintes termos:102ºO recente acórdão da Relação de Lisboa, teve artes de decidir
de modo diametralmente oposto ao que impunham osprincípios e as normas, nacionais e comunitárias, com a
particularidade bizarra de o fazer invocando, como apoiodoutrinário, uma obra do autor destas linhas em que este
tentava – pelos vistos malogradamente – defender justamente ocontrário daquilo que foi decidido - Direito Industrial, Almedina,
Vol. II, pág. 251.103.ºDesde logo porque, e continuamos a citar Pedro Sousa e Silva,
não faz sentido sublinhar, como fez a Relação, que os óculosespanhóis tinham sido legalmente fabricados, ao abrigo de
uma marca registada, e posteriormente comercializados comautorização do titular da marca espanhola. Dizer isso, é ignorar
o princípio da territorialidade dos direitos de propriedadeindustrial e esquecer o carácter territorial dos direitos demarca: as marcas de registo nacional, aqui em causa, só
conferem protecção dentro dos limites do território do Estadoque as concede. (in, ob. cit. p.253)
104ºPelo que, a marca portuguesa e a espanhola não são uma
mesma e só marca, mas sim duas marcas independentes,pertencentes a empresas diversas, sem qualquer ligação entresi. E o facto de os dois sinais serem iguais ou parecidos não
torna igual a proveniência dos produtos, nem torna estesprodutos iguais, com a mesma qualidade e características.
105.ºOu seja, existem de facto, duas marcas idênticas mas em dois
países distintos e pertencentes a dois titulares tambémdistintos.106.º
Assim, os óculos POLICE produzidos e comercializados pelaB…… só podem ser comercializados no território português, e
em regime de exclusividade, e os óculos POLICE produzidos ecomercializados pela “G…….”, só podem ser comercializados
por esta ou por alguém com o seu consentimento no mercadoespanhol.107º
Como escreve o autor que temos acompanhado, à luz da leiportuguesa, estes óculos espanhóis não podem beneficiar de
qualquer legitimação, pois não foram fabricados ao abrigo damarca registada em Portugal, nem comercializados com
autorização do titular da marca portuguesa. Face à leiportuguesa, são produtos contrafeitos, cuja importação ecomercialização pode ser impedida pelo titular do registo
português. (ob. cit. pág. 253) (sublinhado nosso).108º
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Mas o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que tendo osditos óculos espanhóis sido comprados à “G……”, em
Espanha, onde a mesma é a legítima titular da marca, se estavaperante um caso de esgotamento do direito industrial nos
termos do art. 208º do CPI.109ºSegundo o qual os direitos conferidos pelo registo da marca
não permitem ao seu titular proibir o uso desta para produtoscomercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou
com o seu consentimento.110º
Donde a primeira conclusão que se deve retirar é, salvo odevido respeito, o completo desfasamento entre a normainvocada e a situação em apreço.
111ºPorque, como acentuadamente indica Pedro Sousa e Silva, o
esgotamento do direito à marca, nos termos do transcrito art.208º do CPI, acontece apenas quando essa introdução no
comércio seja imputável ao titular da marca no país em que aquestão da licitude se coloca, i.e., ao titular da marca no país daimportação. Ou seja, só haverá esgotamento do direito do
titular da marca portuguesa se a colocação do produto nomercado estrangeiro foi efectuada por si próprio, ou por
alguém que tenha agido com o seu consentimento (in ob. cit.pp. 253-254 sublinhados originais).
112.ºOra, não foi a B…… quem colocou os óculos em questão nomercado, foi uma Sociedade espanhola intitulada “G…….” que
os colocou no mercado espanhol, o único onde temlegitimidade para o fazer. Foi a Ré quem os importou para
Portugal e os revende no mercado português sem oconsentimento da B……., a legítima titular da marca POLICE em
Portugal. 113ºPelo que, não se está aqui, de forma alguma, perante um caso
de importação paralela e muito menos de esgotamento dodireito à marca, nos termos do art. 208º do CPI.
114.ºPara que não restem dúvidas leia-se, pela última vez, Pedro
Sousa e Silva, quando afirma que é isto aliás que resulta deuma leitura atenta do artigo 208º/1 do CPI: o esgotamentoabrange unicamente os produtos comercializados pelo titular
ou com o seu consentimento. E o “titular” de que a lei fala é,obviamente, o titular do registo da marca em Portugal. Ao
considerar que a colocação de um produto no mercado, feitapelo titular da marca espanhola, esgotava o direito relativo à
marca portuguesa, a Relação fez uma leitura errada destadisposição, invocando a despropósito a regra do esgotamentoe o princípio comunitário da livre circulação de mercadorias, em
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que tal regra assenta. Quando estão em causa titularesindependentes de marcas iguais ou confundíveis, não há
esgotamento, e prevalece o direito de marcas, cedendo nessecaso a liberdade de circulação de mercadorias, tal como se
previa expressamente no art. 36º do Tratado de Roma (in ob. ep. cit. sublinhados originais).
115.ºDonde a conclusão, óbvia, já por demais escrita, é que osóculos em questão são mercadoria contrafeita e a sua
importação e comercialização constituem uma violação dodireito à marca POLICE de que a B…… é titular em Portugal.
Isto posto, 116.º
A consequência imediata da violação do direito à marca é acessação dessa violação.117.º
Mas, havendo danos, é pacífico, na doutrina e najurisprudência, que sobre o responsável pela violação incide
uma obrigação de indemnizar o titular pelos prejuízoscausados com a sua conduta.
118.ºEstes prejuízos traduzem-se, no caso concreto, como se disse,por um lado, no desvio de clientela, - com a consequente
quebra nas vendas -, e por outro na depreciação do valoreconómico da marca.
119.ºNeste tipo de danos, assume especial relevo o problema da
quantificação, pois o desvio de clientela só poderá serconcebido como o dano concreto decorrente da violação dodireito à marca se se puderem identificar os consumidores que
se transferiram de um concorrente para outro na sequência daviolação.
120.ºApesar de tudo, e por forma a contornar esta tarefa quase
impossível, a jurisprudência e a doutrina, nos casos deviolação do direito à marca, vêm considerando que o prejuízo,nestes casos, é pelo menos igual ao valor de uma licença de
exploração da marca violada para o território onde ocorreu aviolação.
121.ºNeste sentido pronunciou-se recentemente o Tribunal da
Relação do Porto da seguinte forma: Condenado o arguido porcrimes de contrafacção, imitação de marca e concorrênciadesleal, tem o titular do direito de utilização e comercialização
da marca o direito a receber do arguido o valor equivalente àcontrapartida decorrente da não entrada no seu património do
"preço" da autorização para o seu uso. Ac. da RP de13/03/2002, in www.dgsi.pt, nº convencional JTRP00034160.
122.º
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Sucede que, a B……. não dispõe, actualmente, de elementos
que lhe permitam determinar o valor de uma licença deexploração da marca POLICE para Portugal, devendo tal valorser determinado mediante uma avaliação a realizar por peritos,
123.ºPelo que, atenta a impossibilidade de, nesta data, se determinar
o valor da indemnização devida a esta Autora, a liquidação damesma deverá ser relegada para execução de sentença.
3. a concorrência desleal124ºO art. 260º do CPI proíbe a prática de qualquer acto de
concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquerramo de actividade (..).”
125ºPortanto, são requisitos da concorrência desleal a prática de
um acto de concorrência e a inconformidade desse acto comas normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade.(Ac. da RP de 10/07/97, in www.dgsi.pt, nº convencional
JTRP00021145) (sublinhado nosso).126º
A conduta da Ré, traduzida nos actos acima cronicados,preenche na íntegra estes dois requisitos.
Senão vejamos,1) a prática de um acto de concorrência127º
Só é acto de concorrência aquele que tem repercussões sobreo mercado, influenciando directa ou indirectamente a clientela,
ou seja, é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela,posições vantajosas no mercado.
128ºPelo que, a concorrência só pode ser apreciada em concreto,pois o que interessa é saber se a actividade de um agente
económico atinge ou não a actividade de outro, através dadisputa da mesma clientela.
129ºAssim sendo, para se estar perante um acto de concorrência é
necessário existir um certa proximidade entre as actividadesdesenvolvidas pelos sujeitos económicos em causa.130º
Ora, neste caso, a Ré desenvolve a sua actividade no mesmoramo de mercado das Autoras ou seja, o sector óptico - mais
concretamente da F……, Lda e da D…… S.A. -, porque, como sealegou, vende os produtos que anuncia não só aos retalhistas
– como a F……, Lda -, mas também ao público em geral – comoa D…… S.A..
131ºEstas Autoras e a Ré disputam assim a mesma clientela, omesmo é dizer, são concorrentes.
2) a inconformidade desses actos com as normas e usos
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honestos de qualquer ramo de actividade
132ºAs normas a que o citado artigo 260º do CPI faz referência, não
são normas jurídicas, caso contrário, existiria concorrênciailícita e não desleal, mas sim normas constantes de códigos deconduta, elaborados, com crescente frequência, por diversas
associações profissionais, traduzindo uma manifestação daautonomia privada.
133ºPor outro lado, os usos honestos, a que este dispositivo
igualmente alude, também não são os usos jurídicos. Se assimfosse, não teria sentido o seu qualificativo como honestos.134º
São sim comportamentos sociais, ou melhor, padrões deconduta, de carácter ético.
135ºSomos assim levados para o conceito ético, para a consciência
ética do comerciante médio, pois o que está em causa é,fundamentalmente, a correcção profissional no exercício dedeterminada actividade.
136.ºAtento o que ficou dito, não pode deixar de considerar-se que:
137.ºQuer a venda de produtos contrafeitos,
138ºQuer a venda, directamente ao público, através do sitewww……..pt, de "restos" de colecções das marcas ROLLING,
POLICE, VOGART, ETRO, FENDI, MARTINI, CHARME, LAPERLA, DR HI - TECH, LOZZA, FILA OLD ITALY relativas aos
anos de 1998, 1999 e 2000, como se fossem actuais, abaixo dopreço de custo ou com redução de preço fazendo referência
não autorizada ao nome da primeira Autora e decalcando sinaisdistintivos da terceira Autora, 139º
Repugnam e agridem a consciência ética de qualquercomerciante médio, ou melhor,
140ºSão contrários as normas e usos honestos deste ramo
actividadePorque:141º
A violação do direito à marca não afecta só o seu titular, mastodos os intervenientes na cadeia de distribuição e
comercialização dos produtos dessa marca, nos quais seincluem as 2ª e 3ª Autoras.
142ºQue adquirem produtos originais para revenda, pagando o
respectivo preço, que é necessariamente mais elevado do queo dos produtos contrafeitos, repercutindo-se no preço final e,
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consequentemente, no volume de clientela – sofrendo, por
isso, com a actuação ilícita da Ré um rude golpe na suaactividade comercial.
143.ºA venda directa feita por grossistas - vedada pelo seu objecto
social -, permite-lhes praticar preços muito mais baixos que osretalhistas, na medida em que absorvem a margem de lucro quecaberia a estes.
144ºA venda de produtos depreciados, como se fossem actuais,
cria a falsa impressão no público de que as colecçõesfabricadas, distribuídas e comercializadas, respectivamente,
pelas Autoras, essas sim actuais, são as mesmas a que se fazreferência no site.145º
A venda abaixo do preço de custo é proibida pelo Decreto-Leinº 370/93, de 29 de Novembro, por constituir um factor
impeditivo da sã concorrência146.º
A venda com redução de preço, fora dos períodosestabelecidos por lei, sem a indicação dos elementossuficientes para que os consumidores possam ajuizar da
natureza dos bens em causa, sem a referência à data do inícioda oferta e o período da sua duração, sem a menção dos
preços anteriormente praticados para os mesmos produtos e apercentagem da redução, viola o disposto nos arts. 2º, 3º e 4º
do Decreto-Lei .nº 253/86, de 25 de Agosto, que para além daprotecção dos consumidores visa também a protecção daconcorrência e do mercado.
147.ºO decalque, pela Ré, dos sinais distintivos da D……, S.A., com
vista a criar confusão no público e a apropriar-se do prestígiodesta Autora, as falsas afirmações nos meios de comunicação
social, as referências não autorizadas ao grupo B……, comvista a criar a ilusão da existência de relações comerciais comesta empresa, afectam gravemente o bom nome e reputação
comercial das Autoras, mormente da B….. e da D….. S.A..148º
Se um consumidor depara com um site na Internet do teordaquele que está aqui em causa e no dia seguinte, enquanto
passeia num qualquer centro comercial, depara com a montrada D……, S.A., a primeira justificação que encontra para a
disparidade de preços anunciados, para produtosaparentemente iguais – é a falta de seriedade da D…… S.A..149º
Estes actos põe, assim, em causa o interesse protegido pelasregras da leal concorrência que é acima de tudo garantir a
preservação de uma estrutura de mercado caracterizado porser um mercado aberto, no qual as modificações da oferta e da
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procura se reflictam nos preços, a produção e a venda nãosejam artificialmente limitadas e a liberdade de escolha dosfornecedores, compradores e consumidores não seja posta em
causa.No entanto,
150ºPara além dos requisitos que ficaram expostos e segundo o
trecho inicial do proémio do art. 260º (quem, com intenção decausar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiroum benefício ilegítimo…), a concorrência desleal seria ainda
caracterizada por uma particular intenção do agente. 151.º
Este tipo de menção está ligado à construção de tipos penais.Funciona nestes como um elemento subjectivo da ilicitude e,
mais precisamente, como um dolo específico.152.ºÉ verdade que o art. 260º contém um tipo penal, cujo
preenchimento depende da verificação destes elementossubjectivos, no entanto quando se faz a transposição para o
civil, os elementos subjectivos da ilicitude deixam de relevar,surgindo a concorrência desleal não como um estado mas
como uma acção. Ou seja,153.º
A concorrência desleal como tipo legal de crime exige opreenchimento do elemento subjectivo da ilicitude, enquanto
que a concorrência desleal como ilícito civil se basta com aviolação das normas e usos honestos de qualquer ramo de
actividade.154ºApesar de tudo, embora irrelevante para a procedência da
presente acção, não podemos deixar de referir que, atendendoà abundância de factos lesivos dos direitos e interesses das
Autoras e à forma sistemática como a Ré os tem posto emprática, outra coisa não a moveu senão a intenção consciente
de causar prejuízos às Autoras e locupletar-se às suas custas.155.º
Quanto à verificação do prejuízo a situação é diversa porque,quer no ilícito penal quer no civil, basta a idoneidade daconduta contrária às normas e usos honestos para causar
dano, não sendo necessária a verificação efectiva desse dano 156º
Ou seja, no crime de concorrência desleal basta a simplesidoneidade do acto para atrair clientela alheia, bastando uma
probabilidade de dano e não sendo necessário o dano efectivo.Ac. da RP de 29/06/94, inwww.dgsi.pt, nº convencionalJTRP00012187.
157ºO mesmo se passando no plano civil em que, a proibição da
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concorrência desleal tem por finalidade disciplinar asactividades susceptíveis de ocasionar um prejuízo causado
pela confusão com os produtos, os serviços ou o crédito deuma empresa concorrente, não sendo essencial que do acto deconcorrência tenha resultado uma angariação efectiva de
clientela: basta a possibilidade de vir a atingir tal objectivo Ac.STJ de 12/12/96, in www.dgsi.pt, nº convencional
JSTJ00033423. (sublinhado nosso).158º
É, assim, pacífico na doutrina e na jurisprudência, que não écondição essencial que o acto de concorrência atinja o fimvisado, isto é, a angariação efectiva de clientela, bastando,
apenas a possibilidade de atingir esse fim.. 159º
No caso em espécie, resulta das regras da experiência comum,que a utilização abusiva e referências não autorizadas a sinais
alheios, a venda directa ao público, a venda de produtosdepreciados como se fossem actuais, a venda de produtosabaixo do preço de custo e a venda com redução de preço sem
a observância dos requisitos legais, são factosnecessariamente idóneos e susceptíveis de causar às Autoras
graves prejuízos que se traduzem prima facie no desvio declientes - sob uma perspectiva patrimonial -, e na ofensa ao seu
bom nome e reputação comerciais – sob uma perspectivamoral.Isto posto,
160ºEstão preenchidos os pressupostos legais para que a presente
acção proceda, pois a exigência de abstenção dos actosdesconformes com as normas da leal concorrência surge como
a consequência primária que ordem jurídica pretendeassegurar.
Citada, a Ré não contestou, tendo sido consideradosconfessados os factos articulados pelos Autores, nos termos
do art. 484, n.º 1 do CPC.
As Autoras apresentaram as suas alegações.
Seguidamente, foi proferida decisão, pela qual, se declarou o
Tribunal de Comércio incompetente, em razão da matéria, ecompetentes as Varas Cíveis do Porto, absolvendo-se a Ré dainstância.
Desta decisão, interpuseram as Autoras recurso de agravo e,
alegando, concluíram:1.Vem o recurso interposto da aliás douta sentença, nos termosda qual, o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia se
declarou incompetente em razão da matéria e, em
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consequência, absolveu a ré da instância, nos termos do art.150, n.º 1 do CPC.
2.Nos termos da sentença recorrida, a norma constante da al. f)do n.º 1 do art. 89 da LOTJ não deve ser interpretada no sentido
de incluir na competência dos tribunais de comércio todas asacções sobre concorrência desleal.3.De acordo ainda com a sentença em crise, o caso dos autos
configura, incontestavelmente, um caso de concorrênciadesleal, pelo que o Tribunal de Comércio não é o competente
para conhecer da acção principal mas sim as Varas Cíveis doPorto.
4. O legislador ao elaborar a LOFTJ e ao atribuir competênciaao tribunal do comércio para o julgamento das acções em quea causa de pedir verse sobre propriedade industrial em
qualquer das suas modalidades previstas no Código doPropriedade Industrial fê-lo em termos gerais e amplos, não
fazendo qualquer sentido restringir a aplicação da f) do n. 1 doartigo 89 LOFTJ unicamente aos direitos privativos da
propriedade industrial;5. A remissão que a LOFTJ faz para o CPI é genérica;6. Acresce que ao lançar-se mão de uma interpretação restritiva
tal como a que sustentou a sentença recorrida faz-nos cair numcontra-senso, na medida em que nos termos da mesma
disposição é aos tribunais do comércio quem cabe sindicar asdecisões proferidas pelo Conselho da concorrência que na sua
maioria, como se sabe, versam sobre matéria atinente àconcorrência desleal;7. É assim nos tribunais do comércio que devem ser intentadas
as acções por concorrência desleal, porquanto, a suarepressão integra a propriedade industrial, nos precisos termos
do artigo l do respectivo código;8. Por todo o exposto não deveria o Tribunal de Comércio de
Vila Nova de Gaia ter-se declarado materialmente incompetentee, em consequência, ter absolvido a Ré da instância;
9. Ainda que assim não se entenda sempre deveria o Tribunalter decidido de maneira diferente;10. A jurisprudência dominante vai no sentido de que os
tribunais de comércio não são incompetentes em razão damatéria para apreciar e julgar questões relativas à concorrência
desleal "tout court", por não se tratar de um direito dapropriedade industrial, um direito privativo;
11. No caso dos autos a questão essencial trazida pelasAutoras, ora recorrentes, foi:
a) que fosse ordenada a imediata apreensão e destruição detodos os artigos ópticos da marca POLICE que se encontremnas instalações da Ré;b) que fosse ordenada a proibição de comercialização, em
Portugal, pela Ré, de artigos ópticos da marca POLICE nãoproduzidos pela legitima titular da marca em Portugal;
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c) que fosse ordenado o encerramento do site www……..pt:d) ser a Ré obrigada a abster-se de vender directamente aopúblico os "restos" das colecções das marcas ROLLING,
POLICE, VOGART, ETRO, FENDI, MARTINI, CHARME, LAPERLA, DR HI-TECH, LOZZA, FILA OLD ITALY, ainda que tenhaem stock, como se fossem actuais, abaixo do preço de custoou com redução de preço;
e) ser a Ré obrigada a abster-se de, no exercício da suaactividade e por qualquer meio, fazer referência ao nome daprimeira Autora, bem como reproduzir os sinais distintivos daterceira Autora;f) ser a Ré condenada a pagar à primeira Autora B…… S.P.A.
uma indemnização equivalente à contrapartida decorrente danão entrada no património desta Autora do preço de umalicença de exploração da marca POLICE para Portugal, aliquidar em sede de execução de sentença12. Isto é, o pedido consistia, exactamente, na cessação
imediata dos actos contrários à leal concorrência levados acabo pela Ré, que se traduzem numa clara e inequívocaviolação do direito à marca;13. A prática dos actos de concorrência desleal levados a cabo
pela Ré surge como consequência da violação de um dosdireitos privativos da propriedade industrial, mormente, odireito à marca;14. Ora, quando a violação de direitos privativos se traduz emactos de concorrência desleal, são os tribunais de comércio
competentes para o julgamento dessas mesmas questões;15. No caso patente a questão essencial discutida é a violaçãodo direito à marca, isto é, saber se a Autora B……, enquantotitular de uma marca em Portugal se pode opor à importação ecomercialização em Portugal de produtos idênticos,
assinalados com a mesma marca, mas fabricados em Espanhapor terceiro sem nenhuma relação com a B……;16. O que leva a que não possa ser afastada a competência doTribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia para a resolução da
presente contenda;17. O douto acórdão recorrido, viola, pois, inequivocamente,por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 89, n.1 f) da LOFTJ.
Não houve contra-alegações.
Foi emitido despacho tabelar de sustentação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dasalegações do recorrente (arts. 684, n.º 3 e 690, n.º 1 do CPC).
A questão que temos de decidir, neste recurso, é a de saber
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qual o tribunal competente, em razão da matéria, para preparare julgar a presente acção:As Varas Cíveis do Porto (tribunal de competência específica),como foi decidido na 1.ª instância, ou o Tribunal de Comérciode Vila Nova de Gaia (tribunal de competência especializada),
como defendem as Autoras?
Na decisão recorrida, considerou-se que, por se tratar de umaacção cuja causa de pedir versa sobre actos de concorrênciadesleal, a competência para a sua preparação e julgamento não
cabe ao Tribunal de Comércio, mas sim às Varas Cíveis, emface do disposto no art. 89, n.º 1 al. f) da Lei 3/99, de 13 deJaneiro LOFTJ (Lei de Organização e Funcionamento dosTribunais Judiciais), preceito que não deve ser interpretado de
forma a incluir no seu âmbito as acções de concorrênciadesleal.
Defendem as Recorrentes, pelo contrário, que o referidopreceito não deve ser interpretado de forma a restringir a sua
aplicação aos chamados direitos privativos da propriedadeindustrial, abrangendo, também, as acções fundadas emconcorrência desleal.De qualquer modo, na presente acção, a questão essencial quese discute é a da violação do direito á marca, pelo que, não
poderia ser afastada a competência do Tribunal de Comérciopara a sua resolução.
Como é sabido, a competência jurisdicional (a competência é amedida de jurisdição de um tribunal) é aferida em relação ao
objecto apresentado pelo autor. [Cfr, por todos, Miguel Teixeirade Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns,Lex 1994, p.31 e ss.]O nexo de competência fixa-se no momento da propositura da
acção, sendo irrelevantes as modificações de facto queocorram posteriormente (art. 22, n.º 1 da LOFTJ).
Os tribunais judiciais de 1.ª instância são, consoante a matériadas causas que lhe são atribuídas, independentemente da
forma de processo aplicável, tribunais de competência genéricae tribunais de competência especializada, conhecendo estesde matérias determinadas. Há, ainda, tribunais de competênciaespecífica, aos quais compete, designadamente, conhecer dematérias determinadas pela espécie de acção ou pela forma de
processo aplicável (arts. 66, 67 e 69 do CPC e 64, 77, 78 e ss. e96 e ss. da LOFTJ).
Os tribunais de comércio são tribunais de competênciaespecializada (art. 78, al. e) da LOFTJ).
A sua competência está definida no art. 89 da LOFTJ,
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estabelecendo-se no seu n.º 1, al. f), que compete aos tribunaisde comércio preparar e julgar:
“As acções de declaração em que a causa de pedir verse sobrepropriedade industrial, em qualquer das modalidades previstasno Código da Propriedade Industrial”.
Não se desconhece a controvérsia que tem existido à volta da
interpretação desta norma, discutindo-se se as acçõesfundadas em concorrência desleal são ou não da competênciados tribunais de comércio.À data da entrada em vigor da LOFTJ, vigorava o Código dePropriedade Industrial de 1995 (aprovado pelo DL 16/95, de
24/01).Era ainda este Código de Propriedade Industrial que vigoravano momento da entrada da presente acção no Tribunalrecorrido (17/06/2003). [O novo Código da Propriedade
Industrial foi aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de Março, tendoentrado em vigor no dia 1 de Julho de 2003.]Estabelecia-se no art. 1 deste Código que: “A propriedade industrial desempenha a função social degarantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos
privativos no âmbito do presente diploma, bem como pelarepressão da concorrência desleal”.Questionava-se o Prof. Oliveira Ascensão, [ConcorrênciaDesleal, Almedina, 2002, p. 266] se as acções que tenham porcausa de pedir a concorrência desleal ficavam incluídas na
competência dos tribunais de comércio, escrevendo:“Só o poderiam estar por força do n.º 1 f. As outras previsõesnão lhes respeitam: inserem-se no domínio dos direitosprivativos.
Será a concorrência desleal uma acção cuja causa de pedirverse sobre propriedade industrial, em qualquer dasmodalidades previstas no Código da Propriedade Industrial?A concorrência desleal é prevista no Código da PropriedadeIndustrial. Mas não é, ela própria, propriedade industrial, é antes
sanção de formas anómalas de concorrência. Como tal escapaá previsão do n.º 1 f.Não poderá sustentar-se uma aplicação por analogia. Para alémdas dificuldades gerais da admissão da analogia nestedomínio, não há analogia entre o litígio sobre um direito
privativo e a impugnação por concorrência desleal. Isso resultaexuberantemente da diferença de natureza das duas figuras.Concluímos assim que, fosse ou não essa a intenção dolegislador, a concorrência desleal ficou excluída da
competência dos tribunais de comércio”. [Claro que,continuava o mesmo Autor, “Com isto se criam outrosproblemas.Com grande frequência, o autor numa acção invoca lesão deum direito privativo e a concorrência desleal, cumulativa ou
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subsidiariamente.Como proceder, então, uma vez que só a lesão do direitoprivativo está sujeita à competência do tribunal de comércio?Mas aqui temos apenas uma manifestação de dificuldades
gerais, relativas à extensão da competência dos tribunais decompetência especializada. Pelo que nos abstemos deexaminar este ponto”.]O Dr. Carlos Olavo sustentava, porém, uma posição diferente.Escrevia este Autor, em estudo datado de 14 de Janeiro de
2001, [Cfr. Revista da Ordem dos Advogados Ano 61, Janeiro2001, p. 193 e ss. O mesmo estudo foi publicado também emDireito Industrial vol. II, p. 113 e ss.] reportando-se ao art. 89, n.º1 al. f) da LOFTJ, que:
“A lei tem em vista, ainda que com terminologia pouco rigorosa,todas as espécies de acções declarativas, em contraposição ásacções executivas.Abrange assim as acções de simples apreciação, as decondenação e as constitutivas.
Destas acções, as mais frequentes são as por infracção contraa propriedade industrial.No que toca às acções por infracção contra a propriedadeindustrial, podem-se pretender actuar, por via delas,cumulativamente ou não, três pretensões:
a pretensão á abstenção da conduta lesiva;a pretensão à cessação da conduta lesiva e eliminação dosresultados da ilicitude praticada;a pretensão á indemnização pelos danos sofridos.
Desta sorte, se a acção tiver por objecto qualquer dasmencionadas pretensões (à abstenção de uma conduta lesiva,à cessação de uma conduta lesiva, à eliminação dos resultadosda ilicitude praticada, e à reparação dos danos sofridos), deveser proposta em tribunal de comércio, desde que se reporte a
qualquer das modalidades de propriedade industrial previstasno respectivo Código.É também no tribunal de comércio que deve ser intentada umaacção por concorrência desleal, porquanto a repressão daconcorrência desleal integra a propriedade industrial, nos
precisos termos do artigo 1 do respectivo Código”.Acrescentando, mais à frente, que:“A competência dos tribunais de comércio abrange ainda asacções que tenham causa de pedir complexa, desde que um
dos elementos dessa causa de pedir verse sobre propriedadeindustrial. É o caso por exemplo, de questão emergente decontrato de licença de marca.É ainda o caso de acção por enriquecimento sem causa, porfacto atinente a uma das modalidades de propriedade industrial
previstas no Código”.
Esta discussão subsiste, na vigência do Código da
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Propriedade Industrial de 2003, cujo art. 1 estabelece que:
“A propriedade industrial desempenha a função de garantir alealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativossobre os diversos processos técnicos de produção edesenvolvimento da riqueza”.Na linha da doutrina defendida pelo Prof. Oliveira Ascensão, no
Ac. do STJ de 6 de Julho de 2004, publicado na CJ Acs. STJAno XII, Tomo II, p. 131, entendeu-se que:“I - São realidades distintas, por um lado, a defesa dos váriossinais distintivos do comércio, que constitui uma protecçãoespecífica conferida ao respectivo titular, e, por outro, a
proibição da concorrência desleal que, com maior amplitude,desempenha uma função de protecção complementar daquelae cujas normas têm por escopo a tutela d empresa do industrialou do comerciante.
II - Por conseguinte, sem prejuízo de existirem claros pontos deencontro entre o direito industrial e a concorrência desleal, oinstituto da concorrência desleal é um instituto autónomo,podendo afirmar-se que a concorrência desleal não é, elaprópria, propriedade industrial, é antes sanção de formas
anómalas de concorrência.III - Não integra a previsão da al. f) do n.º 1 do art. 89 da LOFTJ,que atribui aos tribunais de comércio a competência para asacções em que a causa d pedir verse sobre propriedadeindustrial, uma acção em que a causa de pedir verse sobre
actos de concorrência desleal.IV - É da competência do tribunal cível e não do tribunal decomércio uma acção de indemnização que tem como causa depedir a prática de acto ilícitos praticados por terceiros, como
violação das regras de concorrência, pautados por deslealdadee abuso de posição qualificada na empresa lesada, com desviode funcionários para outras empresas, actos de confusão nomercado e utilização de informação confidencial” (Sumário).[No mesmo sentido, decidiram os Acs. da RL de 13-07-2005
(processo 6680/2005-6) e de 15-12-2005 (processo 11244/2005-6), ambos publicados em www.dgsi.pt.Em sentido oposto, Ac. da RL de 22 de Março de 2001, CJ AnoXXVI; Tomo II, p. 85.0]Ora, esta decisão do Supremo foi objecto de criticas
desencontradas.Contestou-a o Dr. Carlos Olavo. [Na ROA Ano 65, Junho 2005,p. 109.Do mesmo Autor, v., ainda, Introdução ao Direito Industrial,
Direito Industrial, vol. IV, p. 155 e ss.; Propriedade Industrial,volume I, 2.ª ed.; Protecção Jurídica do Titular da Marca, revistado CEJ, 1.º semestre 2006/ número 4, p. 203 e ss.]Segundo este Autor, o legislador quis unificar, em termosjurisdicionais, o contencioso da propriedade industrial,
integrando nele quer a disciplina dos direitos privativos, quer a
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concorrência desleal.“Embora a repressão da concorrência desleal e a protecçãodas várias categorias de direitos privativos constituam figuras
autónomas, trata-se de autonomia mitigada.Em termos substanciais, a própria lei portuguesa impõe umavisão unitária dessas duas figuras.Essa visão unitária, ou pensamento fundamental unificador,justifica-se plenamente tendo em atenção a função comum à
disciplina dos direitos privativos e à repressão da concorrênciadesleal”.Acrescendo não haver dúvidas de que, no estado actual donosso sistema jurídico, “a repressão da concorrência deslealnão tem autonomia formal relativamente à propriedade
industrial, encontrando-se as suas normas vazadas no Códigoda Propriedade Industrial”.Concluindo que:“Actualmente, pode-se considerar pacífico o entendimento
segundo o qual a protecção contra os actos de concorrênciadesleal tem, no nosso direito, um tratamento jurídico distinto daprotecção dos direitos privativos da propriedade industrial.Mas isso não significa que se trate de distintos ramos dedireito.
Menos significa pôr em causa a unidade fundamental docontencioso da propriedade industrial, que, por variadas elegítimas razões, o legislador quis preservar”.O referido Acórdão do Supremo mereceu, porém, aconcordância do Prof. Lebre de Freitas. [ROA Ano 65,
Dezembro de 2005, p. 763.]Visando “determinar se a causa de pedir em que se funda umpedido de indemnização baseado em acto de concorrênciadesleal que não importe violação de direito privativo protegido
pelo Código da Propriedade Industrial (CPI) versa, para o efeitodo referido art. 89 LOFTJ, sobre propriedade industrial”, tratoueste Autor de analisar o problema, considerando a sucessão notempo do CPI de 1995 e do de 2003, tendo em conta quevigorava o primeiro à data da entrada em vigor da LOFTJ.
Escreve o Autor ser, actualmente, pacífico que a concorrênciadesleal constitui um instituto autónomo.“Esta autonomia encontra-se hoje reconhecida no CPI de 2003,de cujo art. 1 desapareceu a referência à concorrência desleal,constante do CPI de 1995, ainda na linha da versão de 1925 do
art. 1-2 da Convenção da União de Paris.Tal não significa que entre direitos privativos e concorrênciadesleal não existam zonas em que os institutos são secantes(…); mas a legislação actual aponta, finalmente, para a recusa
duma íntima ligação entre o instituto da concorrência desleal eos direitos privativos da propriedade industrial”.O Autor defende, no entanto, “que já era assim ao tempo do CPIde 1995 e que tal resulta da diferente natureza dos dois
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institutos”.
Sendo certo que “os direitos privativos da propriedadeindustrial e a repressão da concorrência desleal desempenhamfunções distintas, na medida em que através dos primeiros seprocura proteger a utilização exclusiva de determinados bens
incorpóreos, enquanto através da repressão da concorrênciadesleal se pretende sancionar a violação de deveres a observarna concorrência entre os vários agentes económicos”.Escrevendo, adiante:“Verificado que as normas de repressão da concorrência
desleal têm autonomia perante as que regem os direitosprivativos da propriedade industrial e exercem função diversadestas, a sujeição à mesma competência das acções fundadasna violação destes e da de concorrência desleal nãocorresponde a um imperativo de coerência lógica, pelo que o
legislador estava livre de, como em França, atribuir a tribunaismaterialmente diferenciados a competência para uma e outra”.Tendo sido essa a clara opção do legislador português de1999.
Procedendo à interpretação da norma do art. 89, n.º 1 al. f) daLOFTJ, o mesmo Autor sustenta, então, que “o termomodalidade, referido à propriedade industrial, aponta nosentido de se reportar aos diferentes direitos que dela sãoprivativos, modos distintos de ser do direito de propriedade
industrial: a marca, a insígnia, o logótipo, etc. constituem bensincorpóreos distintos e sobre eles se constituem diferentesdireitos (quanto ao objecto e também quanto ao modo deaquisição e ao registo), todos eles de propriedade industrial. Apropriedade industrial terá, portanto, nesta acepção literal,
tantas modalidades quantos os tipos de direito privativo de quetrata o Código da Propriedade Industrial.Na sua versão de 1995, o Código não conhecia o termo“modalidades”, sendo, no seu art. 6-1, s vários tipos de direitos
privativos designados por “categorias”. Mas o termomodalidade da propriedade industrial, tal como a LOFTJ oemprega, comporta o mesmo sentido do termo categoria dedireito privativo” (confirmando esta interpretação literal, querum elemento histórico, quer um elemento sistemático).
E em seguida:“O novo CPI é, pois, expresso ao qualificar como modalidadesda propriedade industrial os vários tipos de direito privativo, enão estes em geral (como uma modalidade) e a concorrência
desleal (como outra modalidade). Coexistindo com o art. 89-1-fLOFTJ, que mantém a sua redacção, este novo preceitoconstitui interpretação autêntica do termo modalidade nesteutilizado”.Concluindo, nestes termos:
“Bem andaram, pois, os Tribunais Superiores, em qualquer dasdecisões inicialmente referidas, ao entender que a acção de
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indemnização fundada em factos ilícitos integradores daprevisão da norma penal do art. 317 CPI (anterior art. 260) e,como tal, constitutivos, por ia do art. 483-1 CC, do dever de
indemnizar, não integra a situação do art. 89-1-f LOFTJ, nãosendo da competência do tribunal de comércio, pelo que semantém a competência material genérica do tribunal cível”.[Sobre propriedade industrial e concorrência desleal, em geral,
v. também, entre outros, Jorge Patrício Paul, Breve Análise doregime da concorrência desleal no novo Código daPropriedade Industrial, Regulação e Concorrência, p. 107 e ss.;Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial;Adalberto Costa, Regime legal da Concorrência; José Mota
Maia, Propriedade Industrial, volume I.; Adelaide MenezesLeitão, Estudo de Direito Privado sobre a Cláusula Geral daConcorrência Desleal; Pupo Correia, Direito Comercial, Direitoda Empresa, 9.ª ed., p. 297 e ss.]
Cremos, em todo o caso, que o problema a que nos acabamosde referir (o de saber se a acção cível, fundada em actos deconcorrência desleal que não importem violação de direitoprivativo protegido pelo CPI, versa, para o efeito do referido noart. 89, n.º 1, al. f) da LOFTJ, sobre propriedade industrial) cuja
solução, em face do direito constituído, se nos afiguraduvidosa [No sentido de que a competência para a apreciaçãoe julgamento das causas de natureza civil cujo pedido oucausa de pedir verse sobre concorrência desleal,
independentemente de uma qualquer violação de direitosprivativos, cabe aos tribunais de comércio, pronunciou-se,recentemente, Nuno Filipe Moraes Esteves Fernando Bastos,Tribunais de Comércio e concorrência desleal, Lisboa 2005(relatório de mestrado apresentado na Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa)] não é, verdadeiramente, o que secoloca, nesta acção. Com efeito.Se atentarmos na estrutura do objecto do processo, (envolvida
pelo causa de pedir e pelo pedido, tal como se encontramdeduzidos na petição inicial), vemos que a presente acção seconfigura, basicamente, como uma acção de cessação de umasituação de violação do direito à marca, intentada nos termosdo art. 207 CPI de 1995 (a que corresponde o art. 258 do actual
CPI), ainda que, nela, confluam elementos de concorrênciadesleal, como os que se aludem nos arts. 32 e ss. da petição(cfr. art. 260, corpo e als. a), b) e c) do CPI de 1995, a quecorresponde o art. 317, corpo e als. a), b) e c) do CPI actual).[Sob a epígrafe “Direitos conferidos pelo registo”, preceitua o
art. 207 do CPI que:“O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir aterceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividadeeconómica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa
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marca para produtos ou serviços idênticos, ou afins paraaqueles aos quais aquele foi registada, ou que, emconsequência da identidade ou semelhança ente sinais ou daafinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito doconsumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de
associação entre o sinal e a marca”.] / [Informa Oliveiraascensão, obra citada, p. 260, que se fala hoje de “acçãoinibitória” para abranger as várias categorias de pretensões deproibição]
Invocando-se o direito de “propriedade e exclusivo da marca”(cfr. art. 167 do CPI de 1995, a que corresponde o art. 224, n.º 1do CPI de 2003), formulam-se vários pedidos, visando acessação e proibição da actividade violadora do direito à marcaimputada à Ré (v. als. a), b), c), d) e e) da conclusão da petição
inicial).Sendo certo que a questão fundamental que desde logo seequaciona é a de saber se a Autora B……, SPA (fabricanteitaliano), enquanto titular do registo internacional da marca“Police” para óculos de sol, que se encontra registada em
vários países, entre os quais, Portugal, onde sãocomercializados, se pode opor à importação e comercialização,de produtos idênticos com a mesma marca, fabricados emEspanha, por uma empresa, totalmente independente da
referida Autora, quer do ponto de vista jurídico, quereconómico. [Sobre esta questão, Pedro Sousa e Silva,“Esgotamento” do Direito Industrial e as “ImportaçõesParalelas”, Direito Industrial, vol. II, p. 233 e ss.] / [Sobre oconteúdo do direito à marca, v., entre outros, Coutinho de
Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. I, 4.ª ed., p. 379 e ss.;António Côrte-Real Cruz, O Conteúdo e Extensão do Direito àMarca: A Marca de Grande Prestígio, Direito Industrial, vol. I, p.79 e ss]Com a alegada violação do direito á marca, relaciona-se, por
sua vez, directamente, o pedido de indemnização (a liquidar emexecução de sentença), deduzido ao abrigo do disposto no art.483, n.º 1 do Cód. Civil (v. al. e) da conclusão da petição inicial).Ora, versando a acção, essencialmente, sobre a violação de um
direito privativo - o direito à marca -, a competência para a suaapreciação e julgamento compete ao tribunal de comércio, emface do disposto no art. 89, n.º 1 al. f) da LOFTJ.
Decisão:
Acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-sea decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra quejulgue competente, em razão da matéria, para preparar e julgara presente acção, o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia.Custas pela parte vencida.
Porto, 2 de Outubro de 2006
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Joaquim Matias de Carvalho Marques PereiraManuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingos