210

arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora

O Texto corpo voz e linguagem

O Texto corpo voz e linguagem

Coleccedilatildeo Mestrado em LinguiacutesticaVolume 13

Franca2018

Camila de Arauacutejo Beraldo LudoviceAline Maria Paciacutefi co ManfrimMaria Flaacutevia Figueiredo

ORGANIZADORAS

COPYRIGHT copy COLECcedilAtildeO MESTRADO EM LINGUIacuteSTICA

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

CATALOGACcedilAtildeO NA FONTE

BIBLIOTECA CENTRAL DA UNIVERSIDADE DE FRANCA

B94c

EXPE

DIEN

TELudovice Camila de Arauacutejo Beraldo

L975t O texto corpo voz e linguagem Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice Aline Maria Paciacutefi co Manfrim Maria Flaacutevia Figueiredo organizadores Franca SP Universidade de Franca 2018

208 p (Coleccedilatildeo Mestrado em Linguiacutestica 13)

ISBN ndash 978-85-60114-69-6

1 LINGUIacuteSTICA ndash ESTUDO E ENSINO 2 LINGUIacuteSTICA ndash ESTUDOS BAKTHINIANOS 3 LINGUIacuteSTICA ndash PRODUCcedilAtildeO ACADEcircMICA 4 LINGUIacuteSTICA ndash RETOacuteRICA E ARGUMENTACcedilAtildeO I MANFRIM ALINE MARIA PACIacuteFICO II FIGUEIREDO MARIA FLAacuteVIA III UNIVERSIDADE DE FRANCA

CDU ndash 801(07)

REITORIA

PROacute-REITORIA DE GRADUACcedilAtildeO

PROacute-REITORIA DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

PROFA DRA KAacuteTIA JORGE CIUFFI

PROF DR EacuteLCIO RIVELINO RODRIGUES

PROFA DRA KAacuteTIA JORGE CIUFFI

COORDENACcedilAtildeO

ORIENTACcedilAtildeO

EXECUCcedilAtildeO

PROJETO GRAacuteFICO

PROFA MA ANA MAacuteRCIA ZAGO

PROF ESP RODRIGO A DE SOUZA

MATHEUS CUNHA DIVERNO

SEacuteRGIO RIBEIRO

NUacuteCLEO DE PROJETOS E PESQUISAEM DESIGN

CONSELHO EDITORIAL

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice (UNIFRAN)

Deacutebora Raquel Hettwer Massman (UNIVAacuteS)

Dominique Maingueneau (Paris-Sorbonne)

Edna Maria Fernandes dos Santos Nascimento (UNESP)

Erasmo DrsquoAlmeida Magalhatildees (USP)

Fernanda Mussalim (UFU)

Fernando Aparecido Ferreira (UNIFRAN)

Glenda Cristina Valim de Melo (UNIRIO)

Ivan Darrault-Harris (UNILIM - Franccedila)

Luciana Carmona Garcia Manzano (UNIFRAN)

Luiz Antocircnio Ferreira (PUC-SP)

Juscelino Pernambuco (UNIFRAN)

Maria da Gloacuteria Di Fanti (PUC-RS)

Maria Flaacutevia Figueiredo (UNIFRAN)

Mariacutelia Giselda Rodrigues (UNIFRAN)

Marina Ceacutelia Mendonccedila (UNESP)

Marlon Leal Rodrigues (UEMS)

Matheus Nogueira Schwartzmann (UNESP)

Renata Coelho Marchezan (UNESP)

Sueli Cristina Marquezi (PUC-SP)

Vera Luacutecia Rodella Abriata (UNIFRAN)

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 8

a construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto NORMAL HUMANIZADO

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim 15

dissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemCamila de Arauacutejo Beraldo Ludovice39

corpo e(m) (dis)curso da re-existecircncia Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann59

coisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie STRANGER THINGS

Fernando Aparecido Ferreira79

la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicaGerardo Ramiacuterez Vidal99

a autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular unicampLucas Vinicio de Carvalho Maciel121

a retoacuterica das paixotildees revisitadaMaria Flaacutevia Figueiredo 141

quando a lingua(gem) me afetaMoacir Lopes de Camargos 159

embodied language and its functionality in meaning constructionRosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Antocircnio Suaacuterez Abreu 175

os autores201

- 8 -

COLECcedilAtildeO MESTRADO EM LINGUIacuteSTICA

- 8 -

APRESENTACcedilAtildeO

Ao contraacuterio da memoacuteria das maacutequinas a memoacuteria coletiva supotildee dois suportes discursivos o objeto e o corpo O objeto cultural como portador de memoacuteria e o corpo como indicador de singularidade porque sem o corpo dos sujeitos que entre-transmitem algo de fundamental se perde a entonaccedilatildeo e com ela o valor O valor enquanto assinatura que atesta minha participaccedilatildeo singular e responsaacutevel no ser da cultura

Mariacutelia Amorim

A Coleccedilatildeo Mestrado em Linguiacutestica do programa de Mestrado em Linguiacutestica da Universidade de Franca (UNIFRAN) chega ao seu volume de nuacutemero 13 com o tiacutetulo O Texto corpo voz e linguagem Esta coleccedilatildeo foi organizada por trecircs professoras da aacuterea de estudos do texto e estaacute composta por nove capiacutetulos escritos por vaacuterios pesquisadores de diferentes universidades do Brasil e outros paiacuteses

Esta publicaccedilatildeo faz parte dos estudos desenvolvidos tambeacutem na linha de pesquisa ldquoProcessos e praacuteticas textuais caracterizaccedilotildees e abordagens teoacutericasrdquo do Mestrado em Linguiacutestica da UNIFRAN E tem como objetivo difundir as refl exotildees acadecircmicas que tratam dentro da temaacutetica proposta de abordagens teoacutericas e objetos diversos

Nos capiacutetulos deste livro o leitor encontraraacute discussotildees acerca das questotildees sobre corpo voz e linguagem manifestados das mais diversas formas e em variados gecircneros discursivos e tambeacutem analisados sob diferentes perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas

O primeiro capiacutetulo ldquoA construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto normal humanizadordquo escrito por Aline Maria Paciacutefi co Manfrim discute um tema bastante contemporacircneo e pouquiacutessimo debatido o parto normal humanizado Para tratar da temaacutetica a autora analisa cinco textos verbo-visuais postados no perfi l do Instagram de uma doula (mulher geralmente enfermeira que durante e apoacutes o parto fornece suporte emocional e fiacutesico a parturientes) e demonstra de que maneira os discursos aiacute veiculados se contrapotildeem com o modelo obsteacutetrico hegemocircnico no Brasil paiacutes que ocupa a posiccedilatildeo de segundo no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea Na esteira dos estudos bakhtinianos ao longo da anaacutelise a pesquisadora toma cada um dos enunciados presentes nos posts como um acontecimento enunciativo concreto uacutenico e irrepetiacutevel A relevacircncia do capiacutetulo repousa no fato de que a autora traz agrave baila um discurso que vai de encontro com aquele recorrente no paiacutes qual seja o que busca naturalizar a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo em detrimento do parto natural ou normal

Em ldquoDissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemrdquo a professora doutora Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice propotildee discutir a dissertaccedilatildeo como um gecircnero discursivo singular e por isso as vozes que o constituem e o estilo desse gecircnero tambeacutem merecem ser objeto de anaacutelise A partir de uma minuciosa revisatildeo bibliograacutefi ca dos estudos bakhtinianos que tratam desses conceitos e de refl exotildees realizadas pelos estudiosos de Bakhtin a professora mostra uma anaacutelise de uma dissertaccedilatildeo levando em conta os diaacutelogos realizados pela autora da dissertaccedilatildeo quando seleciona e mobiliza os enunciados para a materializaccedilatildeo de seu projeto de dizer Essa anaacutelise permitiu mostrar que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e concretiza a relaccedilatildeo entre o sujeito pesquisador e a liacutengua Os excertos analisados evidenciaram assim um posicionamento individual social e de mundo na

- 9 -

argumentaccedilatildeo produzida na dissertaccedilatildeo comprovado pelas marcas de expressatildeo deixadas na escrita

Deacutebora Massmann e Patriacutecia Brasil Massmann escreveram o capiacutetulo ldquoCorpo e(m) (dis)curso da re-existecircnciardquo As autoras tomam o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que o corpo eacute considerado como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Nessa perspectiva as autoras afi rmam que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Para ilustrar o processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia as autoras analisaram um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora As autoras analisaram o trecho sobre a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz e refl etiram sobre essa questatildeo como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tecircm de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio

No capiacutetulo ldquoCoisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie Stranger Th ingsrdquo o professor doutor Fernando Aparecido Ferreira faz uma anaacutelise minuciosa da intertextualidade que constitui a seacuterie Stranger

- 10 -

Th ings Para ele este recurso de linguagem estudado pela Linguiacutestica Textual eacute decisivo para a grande adesatildeo de puacuteblico ao enredo e aos recursos multimodais da narrativa porque funciona retoricamente como uma fi gura de comunhatildeo garantindo assim o sucesso na argumentaccedilatildeo construiacuteda pela seacuterie A partir da construccedilatildeo de uma identidade baseada na intertextualidade temaacutetica estiliacutestica por meio de recursos sonoros e audiovisuais das produccedilotildees dos anos 80 e da intertextualidade impliacutecita Stranger Th ings conclui o autor possibilita despertar no puacuteblico uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu garantindo assim aproximaccedilatildeo e familiaridade a cada sequecircncia narrativa da seacuterie

Gerardo Ramiacuterez Vidal da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico trouxe uma brilhante contribuiccedilatildeo para o livro por meio do capiacutetulo ldquoLa hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicardquo Com o conhecimento e a erudiccedilatildeo de um fi loacutelogo claacutessico o autor apresenta um percurso histoacuterico desde a Greacutecia antiga ateacute os dias atuais sobre a arte da expressatildeo oral ou hypokritikē (arte geral da pronuacutencia) Nos estudos linguiacutesticos da atualidade esse campo de estudo abarca o que conhecemos como prosoacutedia ou seja o conjunto de fenocircmenos focircnicos que se localiza aleacutem ou acima (hierarquicamente) da representaccedilatildeo segmental linear dos fonemas Para apresentar um levantamento diacrocircnico do uso do termo o pesquisador divide seu capiacutetulo em trecircs partes a primeira discorre sobre a palavra hypoacutekrisis e sua utilizaccedilatildeo em fontes antigas a segunda discute as imprecisotildees do termo e a terceira evidencia o caraacuteter transversal desse campo de estudo Ao longo do texto Ramiacuterez Vidal esclarece entatildeo a relevacircncia da expressatildeo oral (ou prosoacutedia) dentro dos estudos retoacutericos e por meio de uma ampla revisatildeo da literatura demonstra que esse campo de estudos foi primeiramente considerado como parte da retoacuterica por Aristoacuteteles tendo recebido atenccedilatildeo de autores gregos e posteriormente de latinos como Teofrasto Hermaacutegoras de Temnos Filodemo Casio

- 11 -

Longino e em especial Quintiliano que dedica a esse assunto um amplo capiacutetulo Depois de discorrer sobre as imprecisotildees do termo hypoacutekrisis e sobre o caraacuteter transversal que assumiu ao longo dos tempos ao fi nal do capiacutetulo o autor enfatiza que dada a relevacircncia do tema e a sua ampla aplicaccedilatildeo nos estudos retoacutericos eacute necessaacuterio que nos aprofundemos nos elementos prosoacutedicos sobretudo no que se refere a seu ensino e aplicaccedilatildeo praacutetica o que ressalta o pesquisador tem sido feito atualmente no Brasil pela pesquisadora Maria Flaacutevia Figueiredo docente do programa de poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica da Universidade de Franca

O capiacutetulo intitulado ldquoA autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular UNICAMPrdquo foi escrito pelo professor doutor Lucas Vinicio de Carvalho Maciel e trata sobre a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo sob a perspectiva do Ciacuterculo de Bakhtin A relevacircncia da autoconsciecircncia foi explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreendeu um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise o escopo do capiacutetulo aborda textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo Por essa incursatildeo o capiacutetulo evidenciou que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

- 12 -

A professora doutora Maria Flaacutevia Figueiredo escreveu o capiacutetulo ldquoA retoacuterica das paixotildees revisitadardquo com o propoacutesito de refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para tanto revisitou um dos mais relevantes legados de Aristoacuteteles a retoacuterica das paixotildees Segundo a autora refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para fi ns distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber Para alcanccedilar seus objetivos a pesquisadora perscrutou a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade para compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

No capiacutetulo ldquoQuando a lingua(gem) me afetardquo o professor doutor Moacir Lopes de Camargos elabora uma refl exatildeo sobre si a partir das accedilotildeesrespostas que os outros produziram sobre ele em alguns momentos de sua vida Ele aponta que elas contribuiacuteram para a sua formaccedilatildeo como sujeito social e fi caram marcadas no seu corpo e na sua memoacuteria pelo fato de serem accedilotildees violentas porque negaram a diferenccedila e tinham como objetivo forccedilar uma identidade que natildeo pertencia a ele Ao mesmo tempo em que a linguagem se tornou denuacutencia e sofrimento no capiacutetulo ela tambeacutem funcionou como caminho para elaboraccedilatildeo de uma retrospectiva de 50 anos da Histoacuteria de Brasil e de sua proacutepria histoacuteria em que social e individual se juntam para permitir com leveza e com o recurso esteacutetico das letras de muacutesica uma nova possibilidade de ldquocaminharrdquo sendo professor educador e formador de opiniatildeo em uma universidade

Os professores doutores Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues e Antocircnio Suaacuterez Abreu escreveram o capiacutetulo ldquoEmbodied language and its functionality in meaning constructionrdquo e partiram de questionamentos tais como Qual eacute o papel do corpo humano na cogniccedilatildeo e por que o usamos para entender as coisas do mundo Espaccedilos mentais satildeo estados fiacutesicos Se noacutes humanos tiveacutessemos um corpo diferente teriacuteamos uma cogniccedilatildeo diferente Das teorias fundadoras da metaacutefora conceptual (LAKOFF JOHNSON 1980) e dos esquemas imageacuteticos (LAKOFF 1987) a operaccedilotildees mentais mais modernas como o blending ou integraccedilatildeo conceitual (FAUCONNIER TURNER 2002) um novo ponto de vista sobre a linguagem humana emergiu da noccedilatildeo de cogniccedilatildeo corporifi cada Neste capiacutetulo foram discutidas essas questotildees e apresentados esses constructos da Linguiacutestica Cognitiva para lanccedilar luz sobre aspectos que viabilizam os blendings como as aff ordances (GIBSON 1979) a partir dos quais se pode notar a criatividade humana acontecendo na comunicaccedilatildeo Ao comparar usos em diferentes liacutenguas verifi caram a manifestaccedilatildeo da cogniccedilatildeo corporifi cada na construccedilatildeo de (novos) signifi cados Ao mostrarem exemplos de usos em expressotildees do Portuguecircs e do Inglecircs fi ca evidente que projetaram percepccedilatildeo cultura e histoacuteria para a realidade o que eacute plausiacutevel porque o nosso corpo funciona como uma caixa de ferramentas onde o ceacuterebro estaacute para nos fazer funcionar Assim o corpo eacute usado como gatilho para construir signifi cado

Com esta apresentaccedilatildeo e breve resumo dos capiacutetulos esperamos incitar a acircnsia pela leitura e por novas pesquisas Desejamos a descoberta de formas ineacuteditas de ver entender e expressar o corpo a voz e a linguagem

Camila de Arauacutejo Beraldo LudoviceAline Maria Paciacutefi co Manfrim

Maria Flaacutevia Figueiredo

- 15 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim

INTRODUCcedilAtildeO

Na posiccedilatildeo de segundo paiacutes no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea (ONUBR 2017) em um contexto em que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede recomenda que se realize esse tipo de praacutetica somente em situaccedilotildees necessaacuterias devido aos riscos maiores de complicaccedilotildees se for comparada com o parto natural ou normal no Brasil circula um discurso em que se naturaliza a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo

Dentre as razotildees para a hegemonia da cesaacuterea estaacute a forma como o parto eacute compreendido e reforccedilado pelo discurso meacutedico Palharini (2017) destaca que existe no Brasil uma perspectiva patoloacutegica da gravidez e do parto e uma supervalorizaccedilatildeo das tecnologias desenvolvidas na aacuterea meacutedica que contribuem para a compreensatildeo dessas duas situaccedilotildees como momentos em que as vidas das matildees e dos bebecircs se colocam em situaccedilatildeo de risco e por isso devem ser salvas

Diante desse modelo obsteacutetrico hegemocircnico a autora aponta que

Os movimentos sociais por mudanccedila na assistecircncia ao parto e nascimento esbarrariam nesta primeira questatildeo a difi culdade de diaacutelogo com a classe

A CONSTRUCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DO CORPO DA VOZ E DA LINGUAGEM EM ENUNCIADOS VERBO-VISUAIS

SOBRE O PARTO NORMAL HUMANIZADO

- 16 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

meacutedica tradicional devido agrave grande resistecircncia por mudanccedilas Para o discurso hegemocircnico a autoridade meacutedica eacute invisiacutevel e portanto natildeo haacute o que ser questionado Os argumentos envoltos por uma retoacuterica de cientifi cidade justifi cados pelo seu fi m natildeo signifi cam autoridade mas sim verdade Isso faz com que nem se discutam os procedimentos teacutecnicos e as praacuteticas que satildeo colocadas em xeque Todo discurso contraacuterio questionador e militante eacute desqualifi cado (PALHARINI 2017 p 30)

Essa desqualifi caccedilatildeo ocorre inclusive na falta de espaccedilo discursivo e fiacutesico para a discussatildeo a respeito do tema nas instituiccedilotildees de sauacutede de modo que a violecircncia obsteacutetrica por consequecircncia quase natildeo ganha forccedila para ser evidenciada

Esse discurso hegemocircnico poreacutem natildeo impede que os profi ssionais engajados na defesa dos partos normal (parto vaginal) e natural (normal mas sem nenhuma intervenccedilatildeo meacutedica como anestesia eou outras substacircncias que aceleram o parto como a ocitocina artifi cial) atuem defendam e divulguem informaccedilotildees para que as gestantes ao menos tomem conhecimento de outras possibilidades de se entender a gravidez e o parto desvinculados do campo semacircntico da patologia e serem associados a situaccedilotildees naturais e humanas que as mulheres vivenciam Nesse caso portanto tudo o que pode ser vinculado ao parto ndash entrar em trabalho de parto sentir as dores as contraccedilotildees o rompimento da bolsa e as teacutecnicas para passar por este momento de forma segura consciente e humanizada ndash tambeacutem eacute visto como natural

Para Diniz (2005 p 629)

As propostas de humanizaccedilatildeo do parto no SUS como no setor privado tecircm o meacuterito de criar novas possibilidades de imaginaccedilatildeo e de exerciacutecio de direitos de viver a maternidade a sexualidade a

- 17 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

paternidade a vida corporal Enfi m de reinvenccedilatildeo do parto como experiecircncia humana onde antes soacute havia a escolha precaacuteria entre a cesaacuterea como parto ideal e a vitimizaccedilatildeo do parto violento

No contexto da humanizaccedilatildeo do parto o papel da doula torna-se importante Atualmente entende-se por doulas ldquomulheres que datildeo suporte fiacutesico e emocional a outras mulheres antes durante e apoacutes o partordquo (DUARTE 2018 sp) Sendo assim tais mulheres satildeo contratadas e atuam no acompanhamento de gestantes que possuem grande interesse em parir de forma normal eou natural Por essa razatildeo as doulas assumiram um forte papel de militacircncia em defesa desse tipo de parto nos espaccedilos em que podem defender essa praacutetica

Na visatildeo apresentada por Barbosa et al (2018 p 427)

Um importante movimento da doula parece ser a sororidade com a gestante pois satildeo mulheres que usam suas experiecircncias de parto positivas ou negativas aliando o conhecimento e a sensibilidade em prol de um parto respeitoso Estatildeo centradas no bem-estar da mulher e em seu empoderamento durante o trabalho de parto e natildeo na realizaccedilatildeo de teacutecnicas e procedimentos focados somente no nascimento de um concepto saudaacutevel

Apesar dessa caracteriacutestica da sororidade atribuiacuteda agraves doulas a maioria das gestantes natildeo sabem da existecircncia dessa profi ssional e cabe agraves proacuteprias doulas divulgar seu trabalho mesmo diante do discurso obsteacutetrico hegemocircnico que minimiza as vantagens do parto normalnatural

Um espaccedilo de divulgaccedilatildeo muito utilizado pelas doulas satildeo as redes sociais Confi gurando-se como um meio de divulgaccedilatildeo e militacircncia por esse tipo de parto Facebook e Instagram acabam se

- 18 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

tornando um territoacuterio possiacutevel de discussatildeo contato e formaccedilatildeo de opiniatildeo sobre o trabalho realizado pela doula

A vantagem dessas redes eacute o faacutecil acesso agraves pessoas e aos discursos uma vez que as postagens multimodais possuem forte apelaccedilatildeo e podem ser grandes instrumentos de convencimento No Instagram por exemplo a comunicaccedilatildeo entre perfi s e seguidores eacute permeada fortemente por enunciados verbo-visuais

Este capiacutetulo delimitou como escopo de anaacutelise um perfi l do Instagram que pertence a uma doula e eacute intitulado celesteparteira Nesse perfi l haacute muitas formas de tratamento do parto normalnatural e diante delas os enunciados verbo-visuais se mostraram pertinentes pelo fato de no embate pela defesa de uma compreensatildeo do parto como algo natural agrave gestante produzir argumentos que concretizam o distanciamento do discurso da patologizaccedilatildeo da gravidez e do parto

Esse distanciamento discursivo faz associaccedilotildees semacircnticas que cotejam temas como a ancestralidade a simbologia da circularidade a potecircncia do corpo feminino a singularidade de cada gestante e a necessidade de formaccedilatildeo de uma rede de apoio para a viabilizaccedilatildeo do nascimento social do bebecirc e da proacutepria possibilidade de materializaccedilatildeo de um parto mais humanizado

O ENUNCIADO VERBO-VISUAL

Eacute possiacutevel pensar em texto na concepccedilatildeo bakhtiniana poreacutem temos que nos deslocar do viacutenculo direto que normalmente se faz com os estudos da Linguiacutestica Textual Esta disciplina possui um histoacuterico independente dos estudos bakhtinianos de modo que na fase chamada de virada sociocognitivo-interacionista (KOCH 2015) incorpora em suas teorias a importacircncia da interaccedilatildeo verbal concordando que quando produzimos textos elaboramos na realidade engajamentos em contextos sociais conforme os

- 19 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

papeis sociais que podem ser assumidos na produccedilatildeo enunciativa

Da mesma forma os estudos bakhtinianos possuem um caminho de refl exatildeo independente da Linguiacutestica Textual Inseridos em uma trajetoacuteria de investigaccedilatildeo sobre a linguagem considerando a forte relaccedilatildeo entre eacutetica e esteacutetica que se interliga por meio dos traccedilos culturais e o embate das relaccedilotildees hieraacuterquicas entre os interlocutores esses estudos natildeo priorizam somente o conteuacutedo interno de um texto porque nessa perspectiva esse conteuacutedo interno nada mais eacute do que o resultado de um trabalho muito mais visceral com a linguagem que envolve assumir-se como locutor elaborar e executar um projeto de dizer que estaacute inteiramente endereccedilado ao outro desde a escolha do gecircnero ateacute o tom expressivo que eacute confi gurado e tambeacutem compreender que o que estaacute sendo produzido tem uma funccedilatildeo social e por isso motivo para existir de forma concreta

Devido a isso em um dos primeiros livros publicados pelo Ciacuterculo Marxismo e fi losofi a da linguagem com autoria atribuiacuteda a Voloshinov as primeiras orientaccedilotildees para uma anaacutelise mais ampla da linguagem caracterizadas como meacutetodo socioloacutegico ateacute entatildeo (o qual depois vai ser compreendido e nomeado no Brasil de estudos dialoacutegicos) satildeo

1) Natildeo se pode isolar a ideologia da realidade material do signo (ao inseri-la na ldquoconsciecircnciardquo ou em outros campos instaacuteveis e imprecisos)

2) Natildeo se pode isolar o signo das formas concretas da comunicaccedilatildeo social (pois o signo eacute uma parte da comunicaccedilatildeo social organizada e natildeo existe como tal fora dela pois se tornaria um simples objeto fiacutesico)

3) Natildeo se pode isolar a comunicaccedilatildeo e suas formas da base material (VOLOSHINOV [1929] 2017 p 110)

- 20 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Posteriormente com o desenvolvimento dos estudos dos gecircneros do discurso pelo Ciacuterculo a noccedilatildeo de enunciado se mostrou muito mais potente como unidade concreta da comunicaccedilatildeo pelo fato de considerar quando trata das particularidades do enunciado (BAKHTIN 2003a) as relaccedilotildees dialoacutegicas existentes na interaccedilatildeo verbal que envolvem o acabamento provisoacuterio do enunciado uma vez que ele tem como delimitaccedilatildeo a possibilidade de resposta do outro o endereccedilamento a algueacutem jaacute que ele eacute uma resposta concreta a um sujeito concreto (e natildeo necessariamente real) e por fi m o tom expressivo o qual estaacute ligado agraves outras particularidades e a disputa pelos sentidos no processo comunicativos sendo a palavra (enunciado) considerada a arena de luta (BAKHTIN [1929] 2017) Essas trecircs caracteriacutesticas mostram o quanto o enunciado estaacute atrelado ao acontecimento enunciativo daiacute tambeacutem vem a relevacircncia de chamaacute-lo de concreto uacutenico e irrepetiacutevel

Nessa perspectiva a noccedilatildeo de texto considerada neste capiacutetulo se aproximaria muito mais da noccedilatildeo de enunciado tal como defende o Ciacuterculo de Bakhtin o que permite considerar que um enunciado seja um fi lme um tweet uma palestra uma propaganda uma imagem o corpo ou forma como uma cidade eacute estruturada por exemplo

No caso dos textos (com a noccedilatildeo explicitada acima) verbo-visuais Grillo (2012) discute a possibilidade de anaacutelise por meio dos estudos bakhtinianos pelo fato de esses estudos natildeo terem se restringido a enunciados verbais e pelo fato de terem ampliado as refl exotildees sobre a interaccedilatildeo humana e a produccedilatildeo de linguagem a diversos campos da cultura Essa pesquisadora aponta que a noccedilatildeo de tema e de gecircneros do discurso satildeo indiacutecios concretos da possibilidade de se compreender os textos verbo-visuais agrave luz dessa linha de anaacutelise porque elas propotildeem um deslocamento para aleacutem dos limites do conteuacutedo em si

- 21 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao tema

[hellip] a teoria bakhtiniana natildeo rejeita a possibilidade e a pertinecircncia da anaacutelise estrutural das unidades constituintes mas funda sua abordagem no estudo das propriedades globais dos enunciados concretos incorporando interpretaccedilotildees decorrentes dos discursos ndash esferas ndash e das associaccedilotildees culturais ndash elementos imprescindiacuteveis na teoria bakhtiniana A teoria bakhtiniana calca sua proposta no princiacutepio gestaltista de que o todo do enunciado natildeo pode ser determinado exclusivamente a partir de seus constituintes (GRILLO 2012 p 242)

A noccedilatildeo de tema amplia a compreensatildeo de enunciado para aleacutem de seus constituintes porque trata do novo propiciado pelo acontecimento da interaccedilatildeo (VOLOSHINOV [1929] 2017) Orienta as anaacutelises para o encontro entre sujeito e seu outro e acaba se tornando tambeacutem a porta de entrada para a relaccedilatildeo entre liacutengua e vida diferente da signifi caccedilatildeo que abarca a parte reiteraacutevel da liacutengua No caso dos textos verbo-visuais pode-se considerar a produccedilatildeo do novo no cotejamento entre verbal e natildeo verbal proporcionado pelo autor e no acontecimento da interaccedilatildeo entre interlocutor e enunciado

Em relaccedilatildeo ao gecircnero

A partir da distinccedilatildeo entre forma arquitetocircnica e forma composicional ou entre projeto de discurso do falante e construccedilatildeo composicional do gecircnero entendemos que a dimensatildeo verbo-visual dos enunciados de divulgaccedilatildeo cientiacutefi ca eacute por um lado um momento da organizaccedilatildeo do material verbo-visual na construccedilatildeo composicional e por outro a materializaccedilatildeo do projeto discursivo do autor [hellip] A teoria do Ciacuterculo ao abordar enunciados concretos inclui a autoria como seu objeto de estudo Os

- 22 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enunciados e seus gecircneros satildeo a concretizaccedilatildeo do projeto discursivo de seus autores Embora constituam um todo para o leitor cada um desses dois planos de expressatildeo pode ser elaborado por instacircncias autorais distintas (GRILLO 2012 p 244-245)

Nesse trecho a autora destaca que a noccedilatildeo de gecircneros do discurso proposta pelo Ciacuterculo permite considerar o trabalho que o sujeitoautor realiza quando trabalha a linguagem em suas diversas manifestaccedilotildees por meio de diaacutelogos com a estrutura composicional e com a singularidade que se concretiza quando organiza sua resposta ao outro dentro das possibilidades que tem e que cria Nesse sentido tambeacutem se pode associar aqui o conceito de estilo tanto o estilo do gecircnero quanto o estilo de autor

Neste capiacutetulo por meio da discussatildeo sobre o trabalho realizado com textos verbo-visuais (tambeacutem considerados como enunciados) que tratam da gravidez e do parto em uma paacutegina de uma doula que incentiva o parto normal e humanizado na rede Instagram seratildeo apresentadas refl exotildees sobre a) o projeto de dizer proposto com a publicaccedilatildeo das imagens selecionadas considerando a questatildeo da construccedilatildeo temaacutetica nesses enunciados e b) a noccedilatildeo de corpo como lugar social para a construccedilatildeo do direito ao parto humanizado em espaccedilos ofi ciais

A LINGUAGEM VERBO-VISUAL COMO ESPACcedilO DE EMBATE PELO DIREITO AO PARTO NORMAL HUMA-NIZADO

A palavra eacute ato eacutetico accedilatildeo sobre o mundo e o outro Faz-nos contrair uma responsabilidade concreta e ontoloacutegica ao mesmo tempo para com o mundo e com o outro e eacute nossa maneira de ser e existir neste mundo e na transcendecircncia

Bubnova Baronas e Tonelli

- 23 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As refl exotildees de Bubnova Baronas e Tonelli (2011 p 3) destacam a importacircncia de considerar as vozes do processo dialoacutegico como ldquoposiccedilotildees eacutetico-ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozesrdquo

Nesse cenaacuterio dialoacutegico e singular ao mesmo tempo esses autores vatildeo aprofundar a refl exatildeo do direcionamento dos enunciados aos outros mostrando que na teoria translinguiacutestica proposta por Bakhtin e o Ciacuterculo a concepccedilatildeo de mundo adotada considera o sentido material e o moral de modo que o espaccedilo eacute o lugar em que o outro sempre estaacute e por isso no processo interativo tem que entrar no espaccedilo seja pelo gesto tarefa ou expressatildeo

Esse exerciacutecio de ldquoentrar no espaccedilo que jaacute existe um outrordquo faz com que o eu assuma responsabilidades de modo que precisa entrar em um processo de construir sua presenccedila e cooperaccedilatildeo com o outro

Ainda para esses autores essa relaccedilatildeo interlocutiva e dialoacutegica torna o ato de enunciar um encontro com o outro evidenciando assim o caraacuteter de acontecimento do ser chamado de acontecimento entre noacutes A construccedilatildeo de sentidos tem seu caraacuteter de accedilatildeo

Eacute desse lugar de produccedilatildeo dinacircmica de sentidos que os autores chamam a atenccedilatildeo para a produccedilatildeo dinacircmica de enunciados e assim essa complexidade de articulaccedilatildeo entre liacutengua (que estaacute em tudo) e vida torna-se muito mais importante para os estudos bakhtinianos do que a distinccedilatildeo entre oralidade e escrita informalidade ou formalidade nos processos comunicativos

Os autores tambeacutem destacam que o fi loacutesofo russo da linguagem Mikhail Bakhtin apesar de natildeo ter se ocupado do folclore e da tradiccedilatildeo oral mas da literatura escrita canocircnica utiliza amplamente o vocabulaacuterio relacionado ao oral agrave voz agrave audiccedilatildeo agrave escuta ao tom agrave tonalidade agrave entonaccedilatildeo ao acento etc

- 24 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Diferentemente de outros teoacutericos Bakhtin natildeo trata a oralidade como um domiacutenio agrave parte da escrita e natildeo faz uma draacutestica divisatildeo entre a cultura oral e a cultura escrita como dois acircmbitos contrastantes Ao contraacuterio o mundo pensado por ele tanto o da voz quanto o da letra aparece unifi cado pela produccedilatildeo dinacircmica dos sentidos gerados e transmitidos pelas vozes personalizadas que representam posiccedilotildees eacuteticas e ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e um intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozes (BUBNOVA BARONAS TONELLI 2011 p 2)

Sendo assim discutem ser o essencial dos estudos bakhtinianos tratar da produccedilatildeo de linguagem integrada em todos os tipos de atos revelando uma compreensatildeo do verbal como um discurso oral traduzido em letras sendo portanto uma ldquovoz escritardquo

O discurso frente a tais refl exotildees pode ser compreendido como uma forma de autoexpressatildeo do ser humano que envolve vocalizaccedilatildeo gestos expressotildees pausas ausecircncias respostas taacutecitas e sentidos mudos

Essas consideraccedilotildees a respeito das relaccedilotildees dialoacutegicas e da concepccedilatildeo de discurso na perspectiva bakhtiniana podem auxiliar na forma de interpretaccedilatildeo de enunciados verbo-visuais como uma voz multimodal que traz uma articulaccedilatildeo de posicionamentos por meio da qual a busca por entrar no espaccedilo que jaacute eacute territoacuterio do outro torna-se um confl ito necessaacuterio para garantir o lugar do eu

Desse modo a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de uma voz que defenda o parto normal humanizado em um paiacutes em que existe um dos maiores iacutendices de cesaacutereas do mundo (ldquoEnquanto a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) estabelece em ateacute 15 a proporccedilatildeo recomendada de partos por cesariana no Brasil esse percentual eacute de 57rdquo ONUBR 2017 sp) signifi ca entrar em um embate com o jaacute institucionalizado daiacute a necessidade de se buscar estrateacutegias e frestas para dar concretude a essa possibilidade de embate por meio de escolhas que possibilitem trazer o novo

- 25 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(construccedilatildeo temaacutetica) e os gecircneros que ofereceratildeo suporte agrave consolidaccedilatildeo do espaccedilo de resistecircncia

SOBRE O CORPUS DE ANAacuteLISE

As imagens selecionadas para anaacutelise foram postadas por uma doula em seu perfi l do Instagram o qual tem por objetivo divulgar o trabalho realizado por ela de doulagem e defender o parto normal humanizado Ela eacute enfermeira e aleacutem da atividade de doulagem oferece cursos para a formaccedilatildeo de futuras doulas

Em seu perfi l essa doula tambeacutem busca esclarecer as informaccedilotildees sobre o parto normal humanizado e desmitifi car preacute-conceitos e inverdades a respeito desse tipo de parto Defende a importacircncia da cesaacuterea quando ela salva vidas mas tenta mostrar que o corpo da mulher tem condiccedilotildees de parir um fi lho sem a cirurgia quando a mulher estaacute bem informada e decide por essa opccedilatildeo

Esse posicionamento se explicita no perfi l por meio das fotos dos partos dos quais participa fotos dos cursos que ministra divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees teacutecnicas e teoacutericas postagem de depoimentos que reforccedilam a realizaccedilatildeo profi ssional dela exposiccedilatildeo de depoimentos de matildees e outras doulas em formaccedilatildeo e por fi m postagem de enunciados verbo-visuais que tratam da gravidez e do parto visando atingir tambeacutem pessoas que natildeo estejam diretamente ligadas a ela mas que buscam esclarecimento Satildeo estes uacuteltimos enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise deste capiacutetulo

Cinco deles seratildeo discutidos aqui Todos eles ressaltam a necessidade de integraccedilatildeo entre matildee bebecirc sociedade e entorno Apresentam tambeacutem fi guras circulares referentes ao ciclo do gerar nascer e habitar o planeta e instruem para a importacircncia de a matildee estar conectada com a questatildeo da integraccedilatildeo para assim haver a possibilidade de materializaccedilatildeo do parto normal de forma integrada com a naturezauniverso

- 26 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em termos simboacutelicos o ciacuterculo representa ldquoausecircncia de distinccedilatildeo ou divisatildeo [hellip] o movimento circular eacute perfeito imutaacutevel sem comeccedilo nem fi m e nem variaccedilotildees o que o habilita a simbolizar o tempordquo (CHEVALIER GHEERBRANT 1988 p 250) Jung (1964) mostra que o ciacuterculo eacute o siacutembolo da psiquegrave Para esse autor em diversas culturas e suas respectivas crenccedilas os elementos circulares representam a indissociabilidade entre a alma e o divino

Essa ideia de continuidade associada agrave gravidez e ao parto no corpus de anaacutelise deste capiacutetulo reforccedila a ideia do parto normal como um ritual de pertenccedila e conexatildeo com o todo A mulher que vai parir o bebecirc nessa concepccedilatildeo e aproximaccedilatildeo de ideias natildeo eacute dissociada de sua histoacuteria da ancestralidade e se conecta tambeacutem ao porvir por meio do bebecirc que nasce

Nos enunciados analisados constroacutei-se um espaccedilo discursivo propiacutecio para a concretizaccedilatildeo da gestaccedilatildeo via parto normal Com isso materializam-se lugares de empoderamento e embate que abrem as possibilidades para as matildees saberem seus direitos terem acesso a informaccedilotildees e se sentirem fi rmes para vivenciar esse tipo de parto caso seja esaa a opccedilatildeo

Essas consideraccedilotildees iniciais sobre o corpus jaacute evidenciam que a linguagem verbo-visual contribui para a constituiccedilatildeo de um espaccedilo de militacircncia pelo direito ao parto normal humanizado e traz a voz natildeo da ldquoescritardquo ofi cial e institucionalizada para construir seus argumentos mas a da ancestralidade da praacutetica de partos anteriores aos registros e dados estatiacutesticos considerados pela cultura da cesaacuterea como uma forma mais segura de parto existente no Brasil

A incorporaccedilatildeo simboacutelica e material das tecnologias na situaccedilatildeo da cesariana atualiza as possibilidades corporais e sociais inclusive driblando imperativos da natureza a cesaacuterea marcada transforma profundamente a experiecircncia do parto retirando

- 27 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

da cena elementos como coacutelicas contraccedilotildees rompimento de bolsa espasmos gritos e o tempo de espera com suas expectativas incertezas e ansiedades A teacutecnica ciruacutergica e seus usos reapresentam o parto agraves mulheres (NAKANO BONAN TEIXEIRA 2015 sem paacutegina)

Frente agraves mudanccedilas acarretadas pela cesaacuterea marcada a cada postagem a doula se coloca em embate com essa realidade abrindo espaccedilos de disputa pelos sentidos atribuiacutedos ao parto Nesse espaccedilo discursivo regado de exemplos de espaccedilos fiacutesicos (maternidade SUS plano de sauacutede parto em casa parto na aacutegua etc) revela-se a imagem do corpo de mulher graacutevida e a aprendizagem de lidar com esse corpo por meio de uma voz (o discurso de defesa do parto normal a vocalizaccedilatildeo na accedilatildeo de parir o acolhimento da doula) que constitui a materialidade do verbal natildeo verbal e do proacuteprio bebecirc que nasce biologicamente e socialmente voz esta integralmente conectada com o universo que a cerca

PROJETOS DE DIZERES E O CORPO INTEGRACcedilAtildeO DA GRAVIDEZ AO PARTO

A seguir seratildeo apresentadas algumas refl exotildees sobre cada um dos cinco enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise Em termos metodoloacutegicos seguindo o que os estudos bakhtinianos entendem ser tarefa das pesquisas em ciecircncias humanas os enunciados satildeo interpretados considerando o acontecimento de interaccedilatildeo entre o pesquisador e o dado de pesquisa com o intuito principal de construir uma compreensatildeo (BAKHTIN 2003b)

A partir disso o resultado da compreensatildeo se aproxima de uma verdade que o Circulo chama de Pravda isto eacute aquilo que se atinge no evento singular uma vez que eacute ela que consegue abarcar o ato eacutetico (BAJTIacuteN 1997) sem pretensatildeo de se chegar a uma verdade generalizante e universal (Istna)

- 28 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Bakhtin (2003b p 400) aponta que ldquotoda interpretaccedilatildeo eacute um correlacionamento de dado texto com outros textosrdquo Entatildeo o pesquisador ao planejar realizar e divulgar seu trabalho tambeacutem passa por um processo interpretativo da realidade sobre a qual se debruccedila Nesse mesmo capiacutetulo aponta as etapas do movimento dialoacutegico da interpretaccedilatildeo que satildeo a) o ponto de partida isto eacute um corpus um enunciado b) o movimento retrospectivo ou seja a realizaccedilatildeo do diaacutelogo com o passado e c) o movimento prospectivo que diz respeito agraves respostas produzidas a partir de um projeto de dizer iniciando assim um futuro contexto As anaacutelises realizadas neste capiacutetulo buscaram seguir esse movimento interpretativo

O Enunciado 1 jaacute trata de valorizar a possibilidade real e da preparaccedilatildeo bioloacutegica do corpo da mulher para parir em contraponto com a aceitaccedilatildeo de imediato de uma cesaacuterea desnecessaacuteria

Enunciado 1 10 afi rmaccedilotildees para o momento do parto

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 29 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O design arredondado tanto da imagem (a elipse rosa os coraccedilotildees a barriga o rosto da mulher o posicionamento de conexatildeo entre os braccedilos e entre as pernas) quanto dos ciacuterculos brancos que abrangem cada uma das dez afi rmaccedilotildees remetem agrave conexatildeo entre corpo voz e linguagem no que se refere agrave ligaccedilatildeo entre corpo bioloacutegico aquele que apresenta condiccedilotildees para a efetivaccedilatildeo de um parto normal e a consciecircncia (mente) em termos de preparaccedilatildeo emocional para tal ato

Por meio da linguagem as vozes mobilizadas (no caso as dez afi rmaccedilotildees) e o comentaacuterio realizado pela enfermeira (reforccedilando a positividade entre pensamento afi rmaccedilotildees e parto) possibilitam a concretizaccedilatildeo e a preparaccedilatildeo para esse tipo de parto

Nesse caso o tom apreciativo centralizado no ldquoeurdquo ldquobebecircrdquo e ldquovidardquo eacute de empoderamento da accedilatildeo de parir como se a repeticcedilatildeo dessas palavras materializasse a forccedila e o encorajamento necessaacuterios para assumir essa opccedilatildeo de parto

Sob a responsabilidade do ldquoeurdquo (matildee) estatildeo conseguir relaxar amar e estar pronta Em relaccedilatildeo ao bebecirc atribui-se o saber nascer No que se refere agrave vida reforccedila-se o fl uir Sobre a integraccedilatildeo matildeebebecirc designa-se a harmonia entre ambos

A questatildeo do tom se modifi ca um pouco quando de trata da dor do parto As afi rmaccedilotildees sobre a dor e sobre as contraccedilotildees natildeo minimizam o fato de que elas existem mas deslocam os sentidos para focalizar na necessidade delas para que o nascimento ocorra concentrando na importacircncia delas para a movimentaccedilatildeo do bebecirc e da produtividade de natildeo estabelecer a ligaccedilatildeo entre dor e sofrimento Para isso utilizam-se os verbos no infi nitivo sentir dor e ter o bebecirc O corpo eacute o centro da imagem o centro da geraccedilatildeo do bebecirc e a conexatildeo material entre os discursos que empoderam a mulher e a possibilidade de parir empoderada

O Enunciado 2 propotildee o cotejamento de uma construccedilatildeo temaacutetica por meio da conexatildeo da matildee com a ancestralidade

- 30 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 2 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

Novamente valendo-se da circularidade das imagens para evidenciar o ciclo da vida a imagem reforccedila a ligaccedilatildeo entre a matildee o bebecirc a placenta e a terra (matildee terra) A barriga da matildee central na imagem representa a uniatildeo desses elementos remetendo agrave visatildeo do universo como algo holiacutestico em que homem universo e natureza estatildeo interligados Assim como a placenta envolve o bebecirc a nova vida o universo envolve a matildee a que gera Nas laterais da imagem a matildee aparece envolvendo o bebecirc e por sua vez o bebecirc em posiccedilatildeo fetal eacute envolvido pela placenta

Essa relaccedilatildeo metafoacuterica entre universo matildee e bebecirc na gravidez retoma a ideia da conexatildeo holiacutestica entre corpo voz e linguagem Em relaccedilatildeo ao corpo este passa a ser o elo entre passado e futuro

- 31 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de forma que se torna o presente da possibilidade de materializaccedilatildeo e continuidade da vida A voz trazida pelo comentaacuterio (ldquoSobre gratidatildeordquo) direciona o corpo para o posicionamento de curvar-se diante do universo reconhecer a divindade da vida e aceitar as o ciclo universal do nascer crescer e morrer Ao mesmo tempo em que nasce o bebecirc nasce a placenta com desenho muito semelhante a uma aacutervore seus galhos e raiacutezes e tambeacutem nasce a matildee A linguagem verbal vem a se conectar com esse tom apreciativo de agradecimento

O Enunciado 3 propotildee uma construccedilatildeo temaacutetica que reforccedila a rede de apoio no ato de parir

Enunciado 3 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 32 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com o intuito de parabenizar os meacutedicos obstetras pelo seu dia a doula posta a imagem acima que remete agraves enfermeiras que medem os batimentos cardiacuteacos do coraccedilatildeo do bebecirc e controlam a dilataccedilatildeo da matildee durante o trabalho de parto aos meacutedicos que realizam o preacute-natal e o parto e portanto jaacute possuem uma conexatildeo com a matildee e aos acompanhantes de parto Tal rede faz parte do que se considera chamar ldquoparto humanizadordquo porque todos de forma colaborativa contribuem para que haja um ambiente propiacutecio seguro e tranquilo para que a matildee possa parir seu bebecirc

Eacute interessante ressaltar que essa rede tambeacutem representada por um ciacuterculo na imagem caracteriza os envolvidos no parto por meio de vaacuterias cores da pele de formato de cabelo isto eacute tambeacutem pode representar a importacircncia desse elo de respeito aos direitos da mulher graacutevida em diversas culturas considerando as diferenccedilas nas diversas instacircncias sociais inclusive nos diferentes tipos de corpos que vatildeo parir

A construccedilatildeo do discurso de defesa do parto normal passa nesse enunciado pela construccedilatildeo temaacutetica da importacircncia de se considerar as singularidades e o contexto da matildee que estaacute parindo

O Enunciado 4 volta-se ao bebecirc receacutem-nascido

- 33 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 4 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

O ciacuterculo azul ao mesmo tempo que se refere agrave bolsa de aacutegua que carrega o bebecirc remete a um planeta isto eacute a um mundo novo que se inicia O entorno da imagem reforccedila essa ideia de anunciaccedilatildeo do novo dentre as demais estrelas constelaccedilotildees e galaacutexias jaacute existentes A luz que ela deseja no comentaacuterio se direciona para a vibraccedilatildeo de positividade para a matildee e o bebecirc mas tambeacutem agrave fase do parto normal denominada coroaccedilatildeo do bebecirc a qual corresponde agrave saiacuteda da cabeccedila no canal vaginal da matildee Essa fase tambeacutem eacute conhecida como ciacuterculo de fogo (luz) porque quando a cabeccedila sai a matildee sente uma espeacutecie de queimaccedilatildeo

- 34 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As matildeos que aparecem no enunciado formam uma espeacutecie de caacutelice pela posiccedilatildeo em que estatildeo e acolhem a cabeccedila do bebecirc Em termos de construccedilatildeo temaacutetica aqui existe uma associaccedilatildeo com o discurso religioso ao aproximar a questatildeo do formato do caacutelice com a praacutetica do recebimento do sangue de Cristo pela hoacutestia sagrada

O Enunciado 5 se volta para a questatildeo da singularidade do trabalho de parto incentivando a matildee a natildeo se basear em uma ideia fechada de como ocorreraacute seu parto

Enunciado 5 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 35 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Na parte verbal do enunciado pode ser identifi cada uma voz que se coloca em embate direto com as visotildees estereotipadas que denigrem o parto normal e com as comparaccedilotildees que satildeo feitas entre as mulheres que jaacute pariram dessa forma Concretizado em primeira pessoa ele se torna uma espeacutecie de mantra para que a mulher internalize esse fato de modo que se sinta confi ante para ir adiante caso escolha ter seu fi lho assim

A organizaccedilatildeo da folhagem em volta do bebecirc e as pinturas na pele dele podem ser associadas agrave particularizaccedilatildeo tatildeo potente que pode ateacute ser associada a um DNA especiacutefi co O biotipo da matildee entatildeo eacute colocado como capaz de parir o fi lho que existe dentro dela

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Por meio dos enunciados verbo-visuais foi realizada uma discussatildeo agrave luz dos estudos bakhtinianos sobre as formas de composiccedilatildeo temaacutetica realizada para defender o parto normal humanizado A proacutepria escolha do gecircnero para a produccedilatildeo dos enunciados (postagem no Instagram) local de compartilhamento do cotidiano jaacute pode ser compreendida como um lugar de resistecircncia e militacircncia possiacutevel para tal tese cuja forccedila pode se igualar aos demais espaccedilos que reforccedilam ou incentivam somente o parto via cesaacuterea (discurso dominante)

A profi ssatildeo de enfermeira e sua experiecircncia de doulagem tambeacutem autorizam a doula a sustentar a defesa de seus argumentos e no caso dos enunciados analisados neste capiacutetulo a tentativa de esclarecimento divulgaccedilatildeo e incentivo ao parto normal torna-se uma forma de fazer com que as matildees saibam da existecircncia desse parto de forma humanizada e faccedilam uma escolha consciente entre ele e a cesaacuterea

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 36 -

Os enunciados tambeacutem reforccedilam que caso esse tipo de parto seja escolhido a tarefa natildeo eacute soacute da mulher pois haacute que se consolidar uma rede de apoio que possibilite a concretizaccedilatildeo desse parto de forma mais saudaacutevel e consciente possiacutevel em relaccedilatildeo ao corpo a voz e a linguagem

No que se refere ao corpo durante a gravidez se incentiva uma conexatildeo com a ancestralidade reforccedilando assim uma busca por uma forccedila e uma tranquilidade que eacute encontrada na natureza uma vez que o corpo tem condiccedilotildees de parir dessa forma

Em relaccedilatildeo agrave voz o discurso que predomina eacute o de empoderamento e confi anccedila de modo que toda a dor que aparecer seja fiacutesica ou emocional tenha uma relaccedilatildeo com a histoacuteria de minimizaccedilatildeo do poder feminino devido agraves posiccedilotildees de prestiacutegio machistas que desenvolveram teorias sobre o parto sem necessariamente considerar as questotildees femininas do gerar parir amamentar e cuidar

Esse cenaacuterio estaacute permeado pela linguagem nas suas mais distintas possibilidades de construccedilatildeo de enunciados As frestas que se tentam abrir para que o parto normal humanizado seja valorizado na sociedade brasileira soacute podem ganhar forccedila nas praacuteticas comunicativas que constituem e satildeo constituiacutedas pelas interaccedilotildees humanas

Nas anaacutelises buscou-se realizar associaccedilotildees que fossem aleacutem do que seria reiteraacutevel na linguagem considerando o projeto de dizer e as respostas produzidas quando postava os enunciados verbo-visuais em seu perfi l do Instagram

REFEREcircNCIAS

BAJTIN M Hacia uma fi losofi a del acto eacutetico De los borradores y otros escrito Trad Tatiana Bubnova Barcelona Anthropos San Juan Universidade de Puerto Rico 1997

- 37 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BAKHTIN M M Os gecircneros do discurso In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003a

______ Metodologia das ciecircncias humanas In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003b

BARBOSA M B B et al Doulas como dispositivos para humanizaccedilatildeo do parto hospitalar do voluntariado agrave mercantilizaccedilatildeo Sauacutede Debate Rio de Janeiro v 42 n 117 p 420-429 abr-jun 2018

BUBNOVA T BARONAS R L TONELLI F Voz sentido e diaacutelogo em Bakhtin Bakhtiniana Satildeo Paulo v 6 n 1 p 268-280 agodez 2011

CHEVALIER J GHEERBRANT A Dicionaacuterio de siacutembolos Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1998

DINIZ C S G Humanizaccedilatildeo da assistecircncia ao parto no Brasil os muitos sentidos de um movimento Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 10 n 3 p 627-637 2015

DUARTE A C O que eacute ldquodoulardquo Disponiacutevel em lthttpswwwdoulascombroquephpgt Acesso em 4 nov 2018

GRILLO S V C Fundamentos bakhtinianos para a anaacutelise de enunciados verbo-visuais Filologia e linguiacutestica portuguesa v 14 n 2 p 235-246 2012

JUNG Carl G O homem e seus siacutembolos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1964

KOCH I V Introduccedilatildeo agrave linguiacutestica textual trajetoacuteria e grandes temas Contexto Satildeo Paulo 2015

NAKANO A R BONSN C TEIXEIRA L A A normalizaccedilatildeo da cesaacuterea como modo de nascer cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil Physis v 25 n 3 July-Sep 2015

ONUBR (2017) UNICEF alerta para elevado nuacutemero de cesarianas no Brasil Disponiacutevel em lthttpsnacoesunidasorgunicef-alerta-para-elevado-numero-de-cesarianas-no-brasilgt Acesso em 5 nov 2018

PALHARINI L A Autonomia para quem O discurso meacutedico hegemocircnico sobre a violecircncia obsteacutetrica no Bras il Cadernos pagu (49) 2017e174907

- 38 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 39 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Este capiacutetulo de livro tem como tema o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado em busca de examinarmos esse texto cientiacutefi co que o pesquisador elabora em um momento de transiccedilatildeo no seu processo de formaccedilatildeo na atividade de pesquisa compreendendo que de um lado a graduaccedilatildeo representa um estaacutegio mais inicial de formaccedilatildeo em pesquisa e de outro lado o doutorado representa um estaacutegio de consolidaccedilatildeo do exerciacutecio investigativo do pesquisador

Concebemos o curso de mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador considerando que nesse estaacutegio o estudante se encontra ainda como assevera Severino (2009) em uma fase de aprendizagem da pesquisa e de formaccedilatildeo como pesquisador Corrobora tambeacutem a nossa posiccedilatildeo de conceber o mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador o niacutevel de exigecircncia dos textos e trabalhos produzidos durante esse estaacutegio no que concerne por exemplo ao tipo de refl exatildeo empreendida tendo em conta que a escrita da dissertaccedilatildeo de mestrado se apresenta ainda para muitos como a ldquo[] primeira manifestaccedilatildeo de trabalho pessoal sistemaacutetico de pesquisa []rdquo (SEVERINO 2009 p 24)

A pesquisa justifi ca-se pelo fato de a dissertaccedilatildeo de mestrado merecer ainda muitos estudos com respeito ao que a constitui como gecircnero ao seu estilo e agraves vozes que transitam nas relaccedilotildees dialoacutegicas presentes na esfera acadecircmica

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO VOZES ESTILO E LINGUAGEM

- 40 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A proposta eacute verifi car que vozes emanam de relaccedilotildees dialoacutegicas no gecircnero do discurso dissertaccedilatildeo de mestrado e verifi car como essas relaccedilotildees colaboram na construccedilatildeo do estilo no discurso acadecircmico Objetiva-se analisar em uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada o modo como as vozes se manifestam e constroem por meio da linguagem o estilo do autor no posicionamento nos debates de sua esfera de pesquisa Para o suporte teoacuterico retomam-se as refl exotildees de Bakhtin e de estudiosos de sua obra sobre conceitos tais como relaccedilotildees dialoacutegicas gecircnero e estilo

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM BAKHTIN

O fi loacutesofo da linguagem M Bakhtin centrou seus estudos nos aspectos poliacuteticos da linguagem Seus questionamentos sobre a linguagem elucidam que as refl exotildees emanadas de seus trabalhos natildeo estatildeo ligadas apenas a uma teoria linguiacutestica ou literaacuteria mas com todas as esferas de comunicaccedilatildeo que envolvem o homem em uma relaccedilatildeo com o outro Entre essas refl exotildees estaacute sem duacutevida a preocupaccedilatildeo de Bakhtin com a dimensatildeo histoacuterica e ideoloacutegica e a consequente constituiccedilatildeo dialoacutegica da linguagem a insistecircncia na preocupaccedilatildeo com a natureza social e interativa da palavra e a interdiscursividade como condiccedilatildeo da linguagem Tambeacutem se dedicou ao estudo da literatura sobretudo ao romance O seu nome aparece sempre associado ao chamado Ciacuterculo de Bakhtin do qual fazem parte P Medvieacutedev e V N Volochiacutenov e tambeacutem a outros integrantes do Ciacuterculo

De Bakhtin e o do Ciacuterculo interessam-nos neste trabalho os estudos sobre o estilo associado ao gecircnero discursivo dissertaccedilatildeo de mestrado com intenccedilatildeo de verifi car algumas das diversas possibilidades de manifestaccedilotildees estiliacutesticas nesse gecircnero

Bakhtin afi rma o caraacuteter dialoacutegico da linguagem por isso em seus textos teoacutericos destaca-se o diaacutelogo Segundo o fi loacutesofo a

- 41 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

liacutengua em seu uso concreto e real tem a propriedade de ser dialoacutegica BakhtinVoloshiacutenov (2006 p 3) afi rmam que a ldquoenunciaccedilatildeo estaacute na fronteira entre a vida e o aspecto verbal do enunciado ela por assim dizer bombeia energia de uma situaccedilatildeo da vida para o discurso verbal ela daacute a qualquer coisa linguisticamente estaacutevel o seu momento histoacuterico vivo o seu caraacuteter uacutenicordquo

O enunciado eacute extremamente importante quando se trata de manifestaccedilatildeo da linguagem pois eacute por meio dele que a liacutengua se concretiza e conforme Bakhtin (2003 p 265) ldquoa liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua O enunciado eacute um nuacutecleo problemaacutetico de importacircncia excepcionalrdquo

Bakhtin em suas refl exotildees entende que os diaacutelogos sociais natildeo satildeo repetidos de maneira absoluta e tambeacutem natildeo satildeo completamente novos pois retomam as marcas histoacutericas e sociais de determinada cultura e sociedade

Nesse contexto teoacuterico a palavra diaacutelogo pode causar confusatildeo pois natildeo eacute o diaacutelogo do senso comum entendido nos tipos de estrutura gramatical ou com o sentido de acordo de consenso

Marchezan (2006 p 123) explicaA palavra diaacutelogo ao contraacuterio eacute bem entendida no contexto bakhtiniano como reaccedilatildeo da palavra a palavra de outrem como ponto de tensatildeo entre o eu e o outro entre ciacuterculos de valores entre forccedilas sociais A essa perspectiva natildeo interessa a palavra passiva e solitaacuteria mas a palavra na atuaccedilatildeo complexa e heterogecircnea dos sujeitos sociais vinculada a situaccedilotildees a falas passadas e antecipadas

- 42 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O diaacutelogo fundamenta a linguagem em ato e funciona como uma reacuteplica social O estudo dialoacutegico do texto requer um esforccedilo para compreendecirc-lo como um organismo vivo e atuante e tambeacutem vivenciaacute-lo Depois examinar o texto de fora com a visatildeo do cronoacutetopo e sem confundir os seus posicionamentos A relaccedilatildeo dialoacutegica natildeo coincide com a relaccedilatildeo existente entre as reacuteplicas de um diaacutelogo real por ser mais extensa mais variada e mais complexa Dois enunciados separados um do outro podem revelar uma relaccedilatildeo dialoacutegica mediante uma confrontaccedilatildeo do sentido desde que haja alguma convergecircncia do sentido ou seja uma reacuteplica social Os diaacutelogos satildeo assim sociais e natildeo se repetem de maneira absoluta nem satildeo completamente novos reiteram marcas histoacutericas e sociais que caracterizam uma dada cultura numa dada sociedade

Bakhtin propocircs uma abertura conceitual que permitisse a anaacutelise das vaacuterias formas de manifestaccedilatildeo da linguagem e natildeo apenas da retoacuterica Com essa abertura eacute possiacutevel considerar as vaacuterias formaccedilotildees discursivas no campo da comunicaccedilatildeo Assim ele possibilitou situar o universo das interaccedilotildees dialoacutegicas constituiacutedo por diferentes realizaccedilotildees discursivas E quando passa a valorizar o estudo dos gecircneros o dialogismo descobre uma forma para analisar e estudar o hibridismo a heteroglossia e a pluralidade dos sistemas de signos na cultura

De acordo com Bakhtin o contexto comunicativo eacute de suma importacircncia para a assimilaccedilatildeo do repertoacuterio que se pretende utilizar em uma determinada mensagem pois os gecircneros discursivos satildeo formas comunicativas e como tais natildeo satildeo adquiridos em manuais mas em processos interativos a liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua

Dependendo do conhecimento dessas formas discursivas eacute que poderaacute ser verifi cada a liberdade de uso dos gecircneros e isso depende

- 43 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de uma postura do usuaacuterio da liacutengua nos processos comunicativos Os gecircneros fazem parte de uma cadeia que une e dinamiza as relaccedilotildees entre pessoas sistemas de linguagem e tambeacutem entre interlocutor e receptor

O gecircnero natildeo deve ser pensado fora da dimensatildeo de espaccedilo e tempo pois as suas formas de representaccedilatildeo satildeo justamente orientadas pelo espaccedilo e pelo tempo ldquoEssa eacute outra coordenada importante da teoria dialoacutegica dos gecircneros apresentada por Bakhtin em sua revisatildeo da teoria dos gecircneros da Poeacutetica de Aristoacuteteles em nome das relaccedilotildees espaacutecio-temporais das representaccedilotildees e da interatividade discursiva animadas em seu interiorrdquo (MACHADO 2007 p 158) Dessa forma Bakhtin tenta mostrar que os gecircneros adquirem uma existecircncia cultural a partir de seus estudos sobre cronoacutetopo E na teoria do dialogismo o gecircnero se insere numa cultura em que tanto a experiecircncia como a representaccedilatildeo satildeo manifestaccedilotildees marcadas pela temporalidade

A riqueza e a diversidade dos gecircneros discursivos satildeo incalculaacuteveis pois a possibilidade de comunicaccedilatildeo humana eacute que diversifi ca as possibilidades de repertoacuterio dos gecircneros ldquoPode parecer que a heterogeneidade dos gecircneros discursivos eacute tatildeo grande que natildeo haacute nem pode haver um plano uacutenico para o seu estudordquo (BAKHTIN 2003 p 262)

O gecircnero natildeo deve ser desassociado do estilo pois serve para a identifi caccedilatildeo deste De acordo com Bakhtin (2003 p 265) ldquoTodo estilo estaacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e agraves formas tiacutepicas de enunciados ou seja aos gecircneros do discursordquo

A heterogeneidade dos gecircneros eacute grande e associada ao estilo se torna maior ainda pois a escolha do vocabulaacuterio das construccedilotildees e adequaccedilotildees linguiacutesticas juntamente com a forma do conteuacutedo defi ne um modo de ver E neste modo de ver encontra-se presente um simulacro de uma enunciaccedilatildeo ou seja um parecer verdadeiro suposto pelo proacuteprio estilo

- 44 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sobre isso Bakhtin vai dizer que ldquoem diferentes gecircneros podem revelar-se diferentes camadas e aspectos de uma personalidade individual o estilo individual pode encontrar-se em diversas relaccedilotildees de reciprocidade com a liacutengua nacionalrdquo (2003 p 266)

Segundo Bakhtin (2003 p 267) a separaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre estilos e gecircneros eacute nociva para a anaacutelise pois ldquoas mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo Assim os gecircneros modifi cam-se e adaptam-se de acordo com o espaccedilo e tempo em que circulam

ldquoOs enunciados e seus tipos isto eacute seus gecircneros discursivos satildeo correias de transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a histoacuteria da linguagemrdquo (BAKHTIN 2003 p 268) O enunciado eacute defi nido a partir de uma comunicaccedilatildeo discursiva e consequentemente pela alternacircncia dos sujeitos do discurso De acordo com Bakhtin (2003 p 275) ldquoo enunciado natildeo eacute uma unidade convencional mas uma unidade real precisamente delimitada da alternacircncia dos sujeitos do discurso a qual termina com a transmissatildeo da palavra ao outrordquo Essa alternacircncia de sujeitos natildeo eacute somente mas eacute tambeacutem a alternacircncia simples que presenciamos no diaacutelogo real do cotidiano com as vaacuterias reacuteplicas que criam limites precisos nos enunciados em diversos campos da atividade de comunicaccedilatildeo Para Bakhtin (2003 p 276)

essas relaccedilotildees soacute satildeo possiacuteveis entre enunciaccedilotildees de diferentes sujeitos do discurso pressupotildeem outros (em relaccedilatildeo ao falante) membros da comunicaccedilatildeo discursiva Essas relaccedilotildees entre enunciaccedilotildees plenas natildeo se prestam agrave gramaticalizaccedilatildeo uma vez que reiteramos natildeo satildeo possiacuteveis entre unidades da liacutengua e isso tanto no sistema da liacutengua quanto no interior do enunciado

- 45 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De acordo com Brait (2007 p 80) ldquoo estilo se apresenta como um dos conceitos centrais para se perceber a contrapelo o que signifi ca no conjunto das refl exotildees bakhtinianas dialogismo ou seja esse elemento constitutivo da linguagem esse princiacutepio que rege a produccedilatildeo e a compreensatildeo dos sentidos essa fronteira em que euoutro se interdefi nem se interpenetram sem se fundirem ou se confundiremrdquo

Podemos considerar como estilo tambeacutem os estilos de linguagem dialetos mas a investigaccedilatildeo eacute mais no sentido de perceber como em que perspectiva dialoacutegica esse estilo aparece no texto no enunciado Pois para Bakhtin o acircngulo dialoacutegico natildeo pode ser analisado apenas por criteacuterios linguiacutesticos essas relaccedilotildees dialoacutegicas pertencem mais especifi camente ao discurso

A estiliacutestica deve basear-se natildeo apenas e nem tanto na linguiacutestica quanto na metalinguiacutestica que estuda a palavra natildeo no sistema da liacutengua e nem num ldquotextordquo tirado da comunicaccedilatildeo dialoacutegica mas precisamente no campo propriamente dito da comunicaccedilatildeo dialoacutegica ou seja no campo da vida autecircntica da palavra A palavra natildeo eacute um objeto mas um meio constantemente ativo constantemente mutaacutevel de comunicaccedilatildeo dialoacutegica Ela nunca basta a uma consciecircncia a uma voz (BAKHTIN 1997 p 14)

O estilo natildeo se esgota na genuinidade de um indiviacuteduo mas se revela tambeacutem na liacutengua e nos usos historicamente situados que fazemos dela

Para Brait (2007 p 87)

a escrita se destaca como sendo a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e consequentemente sua forma de utilizaccedilatildeo da liacutengua Via material impresso transparece na verdade a relaccedilatildeo do autor com a vida

- 46 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

ou seja o estilo artiacutestico natildeo trabalha com palavras mas com os componentes do mundo com os valores do mundo e da vida podendo portanto o estilo ser defi nido como o conjunto dos procedimentos de formaccedilatildeo e de acabamento do homem e do seu mundo E eacute esse estilo que determina tambeacutem a relaccedilatildeo com o material com a palavra

Entatildeo eacute por meio da linguagem que o estilo se manifesta e mostra como se daacute a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e com a forma como esse autor se apropria da liacutengua O estilo natildeo pode ser analisado por apenas uma caracteriacutestica mas por um conjunto de recursos que revelam o homem e suas relaccedilotildees com o mundo

ldquoUm grande estilo representa acima de tudo uma visatildeo de mundo e somente depois eacute meio de elaborar um materialrdquo (BAKHTIN 1992 p 217) O autor reuacutene na expressatildeo do estilo a sua visatildeo de mundo e consequentemente eacute direcionado por essa visatildeo que elabora o material linguiacutestico ldquoA visatildeo do mundo estrutura e unifi ca o horizonte do homem o estilo estrutura e unifi ca seu ambienterdquo (BAKHTIN 1992 p 217)

Na perspectiva de Bakhtin a defi niccedilatildeo de gecircneros discursivos inclui dentre outros aspectos que eles transitam por todas as esferas de atividade humana e devem ser considerados culturalmente a partir de temas formas de composiccedilatildeo e estilo Entatildeo todas as atividades humanas implicam gecircneros e necessariamente estilos

A utilizaccedilatildeo da liacutengua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e uacutenicos que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana O enunciado refl ete as condiccedilotildees especiacutefi cas e as fi nalidades de cada uma dessas esferas natildeo soacute por seu conteuacutedo (temaacutetico) e por seu estilo verbal ou seja pela seleccedilatildeo operada nos recursos da liacutengua ndash recursos lexicais fraseoloacutegicos e gramaticais - mas tambeacutem e sobretudo por sua construccedilatildeo

- 47 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

composicional Estes trecircs elementos (conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles satildeo marcados pela especifi cidade de uma esfera da comunicaccedilatildeo (BAKHTIN 1992 p 279)

Bakhtin continua suas refl exotildees a esse respeito fazendo referecircncia ao fato de que o estilo eacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e a formas tiacutepicas de enunciado que satildeo os gecircneros Assim se o enunciado refl ete a individualidade de quem fala ou escreve nas mais diversas formas e esferas de comunicaccedilatildeo ele possui um estilo individual Bakhtin reitera que nem todos os gecircneros satildeo propiacutecios da mesma forma ao estilo individual alguns satildeo mais favoraacuteveis e outros menos O fi loacutesofo ainda completa que certos gecircneros satildeo apropriados a determinadas esferas e portanto esses gecircneros possuem determinados estilos Brait (2003 p 89) comenta a partir do texto ldquoO discurso na vida e o discurso na arterdquo que Bakhtin

vai considerar que o estilo tambeacutem depende do tipo de relaccedilatildeo existente entre o locutor e os outros parceiros da comunicaccedilatildeo verbal ou seja o ouvinte o leitor o interlocutor proacuteximo e o imaginado (o real e o presumido) o discurso do outro etc Mesmo no caso dos gecircneros altamente estratifi cados sua diversidade deve-se ao fato de eles variarem conforme as circunstacircncias a posiccedilatildeo social e o relacionamento pessoal dos parceiros

Nesse sentido existem os gecircneros de estilo elevado estritamente ofi ciais e haacute tambeacutem o estilo familiar que comporta diversos graus de intimidade Os gecircneros ofi ciais satildeo muito mais estaacuteveis prescritivos e normativos

Assim de acordo com Bakhtin (2003) quando mudamos o estilo de um gecircnero para outro natildeo nos limitamos a modifi car

- 48 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

simplesmente o gecircnero mas desconstruiacutemos e reconstruiacutemos o proacuteprio gecircnero Percebemos assim que o conceito bakhtiniano de estilo se defi ne a partir da interlocuccedilatildeo reciacuteproca com vaacuterios domiacutenios da cultura

Outra questatildeo que interessa aqui ao nosso trabalho e eacute citada por Brait (2007 p 94-95) eacute a seguinte

o estilo entra como elemento na unidade de gecircnero de um enunciado O estilo pode ser objeto de um estudo especiacutefi co especializado considerando-se dentre outras coisas que os estilos tecircm a ver tambeacutem com gecircnero o que implica coerccedilotildees linguiacutesticas enunciativas e discursivas proacuteprias da atividade em que se insere Aleacutem disso um outro aspecto constitutivo e inalienaacutevel eacute o fato de o enunciado dirigir-se a algueacutem de estar voltado para o destinataacuterio

Bakhtin em ldquoGecircneros do Discursordquo esclarece que o estilo depende do modo de compreensatildeo e percepccedilatildeo do seu destinataacuterio e do modo como a compreensatildeo responsiva ativa eacute presumida

Este destinataacuterio pode ser o parceiro e interlocutor direto do diaacutelogo na vida cotidiana pode ser o conjunto diferenciado de especialistas em alguma aacuterea especializada da comunicaccedilatildeo cultural pode ser o auditoacuterio diferenciado dos contemporacircneos dos partidaacuterios dos adversaacuterios e inimigos dos subalternos dos chefes dos inferiores dos superiores dos proacuteximos dos estranhos etc pode ateacute ser de modo absolutamente indeterminado o outro natildeo concretizado [] Essas formas e concepccedilotildees do destinataacuterio se determinam pela aacuterea da atividade humana e da vida cotidiana a que se reporta um dado enunciado A quem se dirige o enunciado

- 49 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como o locutor (ou o escritor) percebe e imagina seu destinataacuterio Qual eacute a forccedila da infl uecircncia deste sobre o enunciado Eacute disso que depende a composiccedilatildeo e sobretudo o estilo do enunciado Cada um dos gecircneros do discurso em cada uma das aacutereas da comunicaccedilatildeo verbal tem sua concepccedilatildeo padratildeo do destinataacuterio que o determina como gecircnero (BAKHTIN 1992 p 320)

Assim o destinataacuterio real ou imaginado infl uencia sobremaneira a forma de composiccedilatildeo e o estilo do enunciado Existem formas mais padronizadas do destinataacuterio a que se destinam diferentes gecircneros mas haacute tambeacutem destinataacuterios que satildeo pressupostos pelas esferas de atividade humana e vida cotidiana

O estilo eacute indissociaacutevel de determinadas unidades temaacuteticas e ndash o que eacute de especial importacircncia ndash de determinadas unidades composicionais de determinados tipos de construccedilatildeo do conjunto de tipos do seu acabamento de tipos da relaccedilatildeo do falante com outros participantes da comunicaccedilatildeo discursiva ndash com os ouvintes os leitores os parceiros o discurso do outro etc O estilo integra a unidade de gecircnero do enunciado como seu elemento (BAKHTIN 2003 p 266)

Como eacute sabido o estilo eacute um dos elementos que constitui para Bakhtin o gecircnero do discurso e como tal eacute indissociaacutevel dos outros elementos conteuacutedo temaacutetico e estrutura composicional por isso deve ser entendido no conjunto relacionando seu tipo de acabamento as relaccedilotildees estabelecidas com o destinataacuterio enfi m com a atuaccedilatildeo do gecircnero em determinada esfera de atuaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

ldquoA separaccedilatildeo dos estilos em relaccedilatildeo aos gecircneros manifesta-se de forma particularmente nociva na elaboraccedilatildeo de uma seacuterie

- 50 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de questotildees histoacutericas As mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo (BAKHTIN 2003 p 267)

Por isso neste estudo pretende-se analisar o estilo vinculado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com a intenccedilatildeo de verifi car em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto jaacute que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e como acontece tal apropriaccedilatildeo Faz-se necessaacuterio assim esclarecer neste momento do que se trata o objeto escolhido para anaacutelise

A DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Segundo Severino (2011 p 221) a dissertaccedilatildeo de mestrado ldquotrata-se da comunicaccedilatildeo dos resultados de uma pesquisa e de uma refl exatildeo que versa sobre um tema igualmente uacutenico e delimitado Deve ser elaborada de acordo com as mesmas diretrizes metodoloacutegicas teacutecnicas e loacutegicas do trabalho cientiacutefi co como na tese de doutoramentordquo

Nessa direccedilatildeo podemos complementar que eacute difiacutecil eliminar da dissertaccedilatildeo de mestrado o seu caraacuteter demonstrativo Pois ela deve demonstrar uma proposiccedilatildeo e natildeo apenas explanar um assunto Esta parece ser uma exigecircncia loacutegica de todo trabalho desde que tenha objetivos de natureza cientiacutefi ca bem defi nidos (SEVERINO 2011) Na concepccedilatildeo deste autor

tanto a tese de doutorado como a dissertaccedilatildeo de mestrado satildeo pois monografi as cientiacutefi cas que abordam temas uacutenicos delimitados servindo-se de um raciociacutenio rigoroso de acordo com as diretrizes loacutegicas de conhecimento humano em que haacute lugar tanto para a argumentaccedilatildeo puramente dedutiva como para o raciociacutenio indutivo baseado

- 51 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na observaccedilatildeo e na experimentaccedilatildeo (SEVERINO 2011 p 222)

Aproveitando-nos do dizer de Amorim (2009 p 2) baseado no pensamento bakhtiniano segundo o qual ldquoquando se estaacute escrevendo ouvem-se vozes faz-se falar algumas delas e a elas respondendo consegue-se chegar (ou natildeo) a fazer ouvir sua proacutepria vozrdquo o que nos interessa aqui eacute examinar os diaacutelogos que constituem o dizer do jovem pesquisador para tentar entender como este na relaccedilatildeo com os seus outros constroacutei o seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e como ele se constitui como sujeitopesquisador em seu campo do saber

Assim podemos dizer que o texto cientiacutefi co eacute um tecido no qual diferentes vozes portadoras de enunciados do campo da ciecircncia relacionam-se cruzam-se num contiacutenuo diaacutelogo entre textos e discursos sendo seu produtor aquele sujeito responsaacutevel por articulaacute-las na construccedilatildeo de um projeto de dizer Por vezes essas vozes que o produtor convoca em seu texto estatildeo laacute explicitadas devidamente creditadas a uma fonte do dizer outras tantas vezes essas vozes satildeo assimiladas como palavras proacuteprias sem qualquer menccedilatildeo de uma fonte confi gurando aquilo que Amorim (2009) denomina quando faz referecircncia ao pensamento bakhtiniano de esquecimento da alteridade O esquecimento da alteridade remete agrave noccedilatildeo de monologizaccedilatildeo da consciecircncia que estaacute diametralmente oposta ao dialogismo tal como foi concebido pelo pensamento bakhtiniano

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM UMA DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Para analisar o estilo conforme nossa proposta exposta anteriormente tomamos como exemplo trechos de uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada da aacuterea de Educaccedilatildeo intitulada

- 52 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso

A dissertaccedilatildeo aborda a questatildeo da identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a sua produccedilatildeo escrita abordando os mecanismos ideoloacutegicos presentes no seu discurso que naturalizam determinados sentidos e natildeo outros as vivecircncias e as formaccedilotildees imaginaacuterias que permeiam a sua escrita enfi m elementos que podem infl uenciar e muito a construccedilatildeo do discurso escrito bem como afetar o posicionamento do sujeito como autor

O texto cientiacutefi co mais especifi camente o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado eacute apropriado para verifi car como no processo de escrita o jovem pesquisador ouve vozes fala de algumas vozes e a partir de algumas vozes E consegue assim chegar ou natildeo a fazer ouvir a proacutepria voz ou pelo menos uma tentativa de fazer ouvir sua proacutepria voz E entatildeo na relaccedilatildeo com outras vozes constroacutei seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e tambeacutem se constroacutei e mostra sua constituiccedilatildeo como sujeito pesquisador

Seguem alguns excertos selecionados para demonstrar tais possibilidades

Durante os estaacutegios obrigatoacuterios minha decepccedilatildeo com o curso de Magisteacuterio foi aumentando a Psicologia que tanto me encantou estava longe das salas de aula e a didaacutetica entatildeo nem se fala Natildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulas No curso existiam poucos momentos de refl exatildeo acerca do que era observado nos estaacutegios um espaccedilo para discussatildeo que confrontasse a praacutetica observada as teacutecnicas e algumas poucas teorias estudadas nas disciplinas (ASSEF 2014 p 12)

O trecho traz um posicionamento da autora natildeo apenas porque utiliza a primeira pessoa do singular o que natildeo eacute tatildeo comum

- 53 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

no trabalho acadecircmico mas tambeacutem porque traz indiacutecios de uma posiccedilatildeo social que consequentemente dialoga com outras vozes quando se diz decepcionada com o curso de Magisteacuterio quando relata o descontentamento ao perceber que a praacutetica escolar destoa em relaccedilatildeo agraves propostas teoacutericas

Diante dessa realidade decepcionamo-nos com o Magisteacuterio e mesmo gostando da ideia de atuarmos como professora ocuparmos essa posiccedilatildeo tornou-se inviaacutevel natildeo nos sentiacuteamos capacitada para tanto Entatildeo buscamos outros caminhos signifi car outros sentidos uma nova aacuterea com a qual nos identifi caacutessemos Nosso objetivo era obter uma formaccedilatildeo mais completa e cursar a graduaccedilatildeo em Psicologia em uma universidade puacuteblica Concluiacutedo o curso de Magisteacuterio iniciamos nossa preparaccedilatildeo para o vestibular e ingressamos em um cursinho preparatoacuterio Depois de um ano inteiro de muita dedicaccedilatildeo e estudo ingressamos no curso de Psicologia na UNESP em Assis (ASSEF 2014 p 12)

Quando a autora aqui demonstra explicitamente sua decepccedilatildeo com o Magisteacuterio e a sensaccedilatildeo de incapacidade de atuar como educadora na verdade seu testemunho revela um posicionamento no mundo que estaacute relacionado natildeo apenas com este momento de formaccedilatildeo mas com o que a autora carrega de antes desse momento anseios e preocupaccedilotildees acerca de uma formaccedilatildeo docente e preocupaccedilatildeo em ser natildeo apenas uma mera profi ssional mas uma profi ssional capacitada para tal atuaccedilatildeo Aqui a posiccedilatildeo da autora pesquisadora por meio da linguagem seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos como tambeacutem de marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de

- 54 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Aliaacutes o encantamento com a AD e a identifi caccedilatildeo com a teoria ocorreram na medida em que fomos percebendo o quanto a linguagem nos constitui e a relevacircncia do discurso no processo de aprendizagem e constituiccedilatildeo do outro A instauraccedilatildeo de novos gestos de leitura desencadeada a cada nova anaacutelise instigava-nos a aprofundar os estudos sobre a teoria A Anaacutelise do Discurso nos permite refl etir sobre a linguagem natildeo nos conformar com as supostas evidecircncias analisar o entremeio do histoacuterico com o linguiacutestico lugar em que se daacute a proacutepria materialidade do discurso (ASSEF 2014 p 12)

Nesse trecho quando a autora manifesta encantamento e identifi caccedilatildeo podemos remeter a algo individual mas ainda assim trata-se da manifestaccedilatildeo do estilo construiacutedo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas estabelecidas anteriormente no momento da formaccedilatildeo acadecircmica dos anseios com relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo profi ssional enfi m ao que aconteceu antes

Destacamos tambeacutem na introduccedilatildeo o nosso interesse pelo assunto e pela linha de pesquisa adotada e embora natildeo sendo usual mas em consonacircncia com a nossa fi liaccedilatildeo teoacuterica a Anaacutelise do Discurso que natildeo separa teoria e praacutetica ao falar da nossa praacutetica recorremos agrave teoria Mesmo que de forma incipiente abordamos o embasamento teoacuterico que sustenta nossas investigaccedilotildees bem como apresentamos uma breve explanaccedilatildeo sobre a metodologia que utilizamos para a coleta de dados e constituiccedilatildeo do corpus (ASSEF 2014 p 14)

- 55 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Haacute aqui tambeacutem um posicionamento autoral na escolha do tema e linha de pesquisa o estilo presente tambeacutem mostra que esse posicionamento natildeo eacute totalmente individual mas fruto de vozes variadas que se relacionam ao posicionamento do sujeito autor da praacutetica adquirida pela experiecircncia e de toda vivecircncia anterior do sujeito autor

Sabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teorias que a tomam como objeto de investigaccedilatildeo por ser assim destacamos que optamos por uma forma particular de se signifi car a liacutengua qual seja a Anaacutelise do Discurso pecheutiana (ASSEF 2014 p 16)

Nesse trecho a autora jaacute se assume como sujeito pesquisador que demonstra ter conhecimento sobre outras teorias e outras possibilidades de anaacutelise para o mesmo objeto mas inicia a justifi cativa pela escolha da Anaacutelise do Discurso Francesa Notamos a presenccedila de outras vozes que jaacute a constituem como pesquisadora autora de seu trabalho que consegue mostrar e justifi car sua escolha e seu posicionamento que embora se manifeste estilisticamente como individual mostra ao mesmo tempo em que perspectiva dialoacutegica esse estilo se constroacutei

ldquoConvidamos o leitor a nos acompanhar pelos percursos teoacutericos que conduziratildeo nossas refl exotildees e que nos possibilitaratildeo pensar sobre questotildees referentes agrave concepccedilatildeo de liacutengua que adotamos no presente trabalhordquo (ASSEF 2014 p 18) Neste trecho podemos identifi car um estilo bem individual da autora que se aproxima do leitor mesmo se tratando de trabalho acadecircmico e convida para a leitura de maneira mais proacutexima do leitor Trata-se de um estilo um pouco mais individual e menos comum no texto cientiacutefi co que costumeiramente faz uso de uma linguagem mais fria e distante do interlocutor

- 56 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Eacute nesse espaccedilo que a AD pretende trabalhar com a materialidade especiacutefi ca do discurso desconstruindo a ilusatildeo de transparecircncia da liacutengua ao considerar o deslocamento discursivo do sentido jaacute que existem os pontos de deriva que oferecem lugar agrave interpretaccedilatildeo Como analistas do discurso ao trabalharmos com a interpretaccedilatildeo precisamos estar atentos agraves relaccedilotildees existentes entre as fi liaccedilotildees identitaacuterias e histoacutericas do sujeito discursivo que se datildeo nas relaccedilotildees sociais em redes de signifi cantes e nas memoacuterias discursivas que os constituem (PEcircCHEUX 2008) Relaccedilotildees que transcendem a obviedade da liacutengua pois ocorrem no exterior da proacutepria linguagem (ASSEF 2014 p 22)

Nesse excerto na posiccedilatildeo de pesquisadora a autora seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos mas marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Os excertos em geral mostram que a autora se posiciona diante do problema exposto e com um estilo que ao escolher expressotildees tais como ldquodecepcionamo-nos com o Magisteacuteriordquo ldquoNatildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulasrdquo ldquobuscamos outros caminhos signifi car outros sentidosrdquo ldquofomos percebendo o quanto a linguagem nos constituirdquo ldquoSabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teoriasrdquo se posiciona socialmente se coloca ocupando um lugar no mundo

O estilo nesse caso natildeo eacute apenas uma expressatildeo individual mas nota-se por meio desse estilo uma totalidade de discursos Isso reforccedila a afi rmaccedilatildeo que Bakhtin faz sobre os gecircneros ao dizer que em gecircneros diferentes os aspectos estiliacutesticos se mostram tambeacutem de formas diferentes Notam-se relaccedilotildees dialoacutegicas de

- 57 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma individualidade com uma totalidade que se desdobram em formaccedilotildees ideoloacutegicas advindas de uma cultura

Eacute importante lembrar que Bakhtin (1992) refl ete sobre a questatildeo de o gecircnero ser mais ou menos individual dependendo da esfera em que circula E nem todos os gecircneros satildeo da mesma forma propiacutecios a estilos individuais alguns satildeo mais propiacutecios e outros menos Assim a dissertaccedilatildeo de mestrado deve ser considerada um gecircnero do discurso que nessa perspectiva eacute menos propiacutecia por ser mais estabilizada com caracteriacutesticas muito proacuteprias e estrutura composicional muito defi nida

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A proposta deste estudo foi analisar o estilo associado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com o intento de averiguar em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto visto que eacute por meio da linguagem que ele se afi rma e evidencia a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua

Tomou-se por base o estilo como conceito central em Bakhtin para entender o que representa isto eacute como princiacutepio que conduz a produccedilatildeo e compreensatildeo dos sentidos por meio da linguagem do gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado Foi possiacutevel perceber em que perspectiva o estilo aparece no texto por meio da palavra viva autecircntica e em constante mudanccedila pois como em qualquer outro gecircnero na dissertaccedilatildeo de mestrado tambeacutem a comunicaccedilatildeo eacute dialoacutegica

Foi possiacutevel verifi car que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do sujeito pesquisador com a liacutengua e como acontece essa apropriaccedilatildeo ou seja na esfera de atividade acadecircmica o conhecimento vai se produzindo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas que emanam vaacuterias vozes e de vaacuterias vozes construiacutedas tambeacutem em vaacuterias possibilidades de estilo

- 58 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

REFEREcircNCIAS

AMORIM M Freud e a escrita de pesquisa - uma leitura bakhtiniana Eutomia v 2 p 0114 2009

ASSEF Aline Ester de Carvalho A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso Dissertaccedilatildeo (Mestrado) apresentada agrave Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto - Universidade de Satildeo Paulo ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo 2014

BAKHTIN M Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Gecircneros do discurso In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Problemas da poeacutetica de Dostoievski Satildeo Paulo Forense Universitaacuteria 1997

BAKHTIN M O problema do texto na linguiacutestica na fi lologia e em outras ciecircncias humanas In ______ In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 307-335

BAKHTIN M Apontamentos de 1970-191 In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 367-392

BAKHTIN M (V N Volochinov) Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem TradMichel Lahud e Yara Frateschi 12 ed Satildeo Paulo Hucitec 2006

BRAIT Beth Estilo In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MACHADO Irene Gecircneros discursivos In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MARCHEZAN Renata C Diaacutelogo In BRAIT Beth Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo Paulo Contexto 2006

SEVERINO A J Metodologia do trabalho cientiacutefi co 23 ed Satildeo Paulo Cortez 2011

- 59 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann

La iglesia dice El cuerpo es una culpaLa ciencia dice El cuerpo es una maacutequina

La publicidad dice El cuerpo es un negocioEl cuerpo dice Yo soy una fi esta

Eduardo Galeano

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Ao buscar compreender o modo como o corpo vem sendo signifi cado toma-se conhecimento de diferentes domiacutenios epistemoloacutegicos que se dedicaram (e ainda se dedicam) ao seu estudo De fato na histoacuteria da humanidade o corpo despertou o interesse de pesquisadores oriundos de aacutereas do conhecimento distintas como por exemplo religiosos meacutedicos fi loacutesofos artistas desportistas juristas criminologistas socioacutelogos e antropoacutelogos entre outros Assim ao adentrar no universo das pesquisas que tratam do corpo pelo seu caraacuteter multidisciplinar defrontamo-nos com questotildees heterogecircneas que vatildeo por exemplo desde a visatildeo materialista ateacute a crenccedila de sobrevida Desse modo tomar o corpo como objeto de investigaccedilatildeo implica em tese percorrer caminhos ecleacuteticos que passam pela ciecircncia pelo social e pelo teoloacutegico

De nossa parte conhecendo a diversidade de pesquisas que se interessam por este objeto vale destacar que neste estudo tomamos o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais

CORPO E(M) (DIS)CURSO DA RE-EXISTEcircNCIA

- 60 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que para noacutes o corpo eacute considerando como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Na epiacutegrafe que abre essa refl exatildeo jaacute temos uma amostra disso Ela apresenta alguns dizeres que de lugares especiacutefi cos contribuem para a produccedilatildeo de signifi caccedilotildees em torno do corpo Trata-se de um conjunto de discursos de e sobre o corpo que apontam para o funcionamento do poliacutetico na linguagem De nossa posiccedilatildeo teoacuterica compreender jaacute de iniacutecio o funcionamento dos discursos de e sobre o corpo eacute crucial para o percurso analiacutetico que propomos neste estudo A noccedilatildeo de discurso de e de discurso sobre eacute desenvolvida1 por Orlandi (1990[2008]) na obra ldquoTerra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundordquo Para autora essa noccedilatildeo pode ser descrita da seguinte maneira

os lsquodiscursos sobrersquo satildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de) Assim o discurso sobre o samba o discurso sobre o cinema satildeo parte integrante da arregimentaccedilatildeo (interpretaccedilatildeo) dos sentidos dos discursos do samba do cinema etcrdquo (ORLANDI 1990[2008] p 44)

Compreende-se entatildeo jaacute num gesto de anaacutelise que na epiacutegrafe os dizeres da igreja da ciecircncia e da publicidade retomados por Galeano (2001 p 109) inscrevem-se como discursos sobre o corpo A partir dos lugares legitimados que ocupam na sociedade igreja ciecircncia e publicidade institucionalizam sentidos para o corpo Desse modo colocam em funcionamento uma memoacuteria discursiva que parece se amparar no senso comum em sentidos

1 Essa noccedilatildeo foi retomada posteriormente e detalhada por Mariani (1998) e Costa (2014)

- 61 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

supostamente estabilizados que circulam e satildeo (re)produzidos cotidianamente em nossa sociedade Orlandi (1990[2008]) alerta para o fato de que essa memoacuteria discursiva eacute estabilizada e reforccedilada pelo discurso histoacuterico (Orlandi 2008) Compreendemos entatildeo que os discursos sobre o corpo nesta epiacutegrafe organizam e disciplinam a memoacuteria condensando-a e sintentizando-a agravequelas relaccedilotildees predicativas ali expostas Ali o corpo natildeo fala Ele eacute falado

A esses discursos sobre Galeano (2001 p 109) contrapotildee o discurso (hipoteacutetico) do corpo que por sua vez pode ser compreendido aqui como um dizer que produz equiacutevoco jaacute que rompe com uma estrutura fundada no silecircncio e produz assim outros efeitos de sentido Efeitos natildeo previstos efeitos que apontam para a falha constitutiva do funcionamento da linguagem Nessa perspectiva dizer que o corpo se predica como ldquoa festardquo em ldquoyo soy la festardquo (GALEANO 2001 p 109) - signifi ca desestabilizar preacute-construiacutedos e dar visibilidade a outras formas de signifi caccedilatildeo e de inscriccedilatildeo do corpo na histoacuteria e na sociedade Trata-se de pensar o corpo como parte constitutiva de um processo histoacuterico de signifi caccedilatildeo ou mais especifi camente de pensar o corpo em sua materialidade na relaccedilatildeo com o sujeito e com os sentidos Em outras palavras compreendemos com Orlandi que ldquoa signifi caccedilatildeo do corpo natildeo pode ser pensada sem a materialidade do sujeito E vice-versa ou seja natildeo podemos pensar a materialidade do sujeito sem pensar sua relaccedilatildeo com o corpordquo (ORLANDI 2012 p 83)

Fundada epistemologicamente a partir de questionamentos agrave linguiacutestica agrave psicanaacutelise e ao materialismo histoacuterico a anaacutelise de discurso dedicou-se amplamente ao estudo da materialidade da histoacuteria e da liacutengua Entretanto a materialidade do sujeito tem sido pouco explorada ainda que seja inquestionaacutevel a sua natildeo transparecircncia Para Orlandi (2012 p 84) essa lacuna teoacuterico-analiacutetica se deve ao fato de que ldquoeacute na questatildeo da materialidade do sujeito que estaacute a negaccedilatildeo do sujeito como origem quer de si quer dos sentidosrdquo

- 62 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Pelo diaacutelogo desafi ador e basilar que a anaacutelise de discurso estabeleceu com o materialismo histoacuterico compreendemos que os ldquomodos de produccedilatildeo da vida material condicionam o conjunto de processos da vida social e poliacuteticardquo (ORLANDI 2012 p85) Eacute em condiccedilotildees anaacutelogas agraves descritas pela autora no que tange a presenccedila do materialismo histoacuterico no funcionamento da linguagem que o discurso se produz e simultaneamente a ele sujeito e sentidos se constituem (ainda que se tenha a ilusatildeo de que eles estatildeo sempre laacute) Esse funcionamento destaca Orlandi (2012 p85) ldquoeacute efeito da ideologia em sua materialidaderdquo Tal processo tambeacutem afeta o corpo do sujeito que uma vez interpelado pela ideologia se textualiza se signifi ca se discursiviza e se inscreve na histoacuteria a partir da relaccedilatildeo do poliacutetico com o simboacutelico Eacute importante destacar que natildeo transparentes linguagem sujeito e histoacuteria estatildeo agrilhoados ao funcionamento da ideologia Esta compreendida aqui como uma praacutetica estaacute apensa ao processo de signifi caccedilatildeo do discurso e consequentemente do sujeito e dos sentidos Nessa perspectiva refl etir discursivamente sobre o corpo signifi ca compreender que ldquoa forma sujeito histoacuterica tem sua materialidade e que o indiviacuteduo interpelado em sujeito pela ideologia traz seu corpo por ela tambeacutem interpeladordquo (ORLANDI 2012 87) Dizemos entatildeo que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Eacute no e pelo corpo que transitam e circulam praacuteticas de signifi caccedilatildeo que se constituem na histoacuteria pelo funcionamento da linguagem na sociedade O corpo signifi ca entatildeo em sua forma material Ele se constitui como dizer em curso Ou ainda corpodiscurso (SOUZA 2010)

- 63 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O CORPO E(M) MOVIMENTO

Trabalhar discursivamente com o corpo compreendendo-o materialidade do sujeito implica levar em consideraccedilatildeo linguagem histoacuteria e ideologia Essa triangulaccedilatildeo (linguagem histoacuteria e ideologia) produz efeitos de sentido sobre o corpo discursivizando-o tornando-o corpodiscurso (SOUSA 2010) Compreende-se assim que o corpo eacute ldquoa materialidade do sujeito apropriada pelo Estado remarcado pelas instacircncias ideoloacutegicas e enformado por uma dialeacutetica poliacuteticardquo (SOUSA 2010 p 1) Esse funcionamento eacute fundador do processo de constituiccedilatildeo do sujeito em que a ideologia comparece interpelando pelo simboacutelico o indiviacuteduo em forma-sujeito-histoacuterica (ORLANDI 2003 2012) Essa forma-sujeito-histoacuterica capitalista de acordo com Orlandi (2012) estaacute suportada no juriacutedico atraveacutes de um conjunto de normas (direitos e deveres) que regulam de certa maneira os processos de individu(aliz)accedilatildeo do sujeito pelo Estado sendo este compreendido aqui a partir de instituiccedilotildees e discursos

Considerando entatildeo que o corpo signifi ca em sua forma material e tomando como condiccedilatildeo de produccedilatildeo a loacutegica capitalista temos que ao longo da histoacuteria esse corpo foi se constituindo tanto pela opressatildeo quanto pela manipulaccedilatildeo uma vez que ele era compreendido como uma ldquomaacutequinardquo ou melhor a fonte de acuacutemulo de capital (BARBOSA MATOS E COSTA 2011) Esse processo de formataccedilatildeo (manipulaccedilatildeo) do corpo na era capitalista produziu efeitos de sentidos nos modos de sua movimentaccedilatildeo e de sua inserccedilatildeo na sociedade A forma-sujeito-histoacuterica capitalista que se sustenta no juriacutedico em um conjunto de normas (direitos e deveres) conforme apresentamos acima produziu efeitos de normatizaccedilotildees para o corpo Trata-se de uma forma de poder O poder disciplinar O Estado por meio de instituiccedilotildees e discursos exerceu coercitivamente o controle do corpo no espaccedilo no tempo na sociedade Instala-se assim o poder normatizador do Estado que estabelece o ldquonormalrdquo como coerccedilatildeo social (FOUCAULT 2002) e porque natildeo dizer como coerccedilatildeo ideoloacutegica e ldquodessa maneira vatildeo

- 64 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

moldando padronizando homogeneizando corpos sujeitos e sentidosrdquo (MASSMANN 2018 p 44) De acordo com Barbosa Matos e Costa (2011 p 29) esse processo de disciplinarizaccedilatildeo do corpo na sociedade capitalista permanece ainda vigente hodiernamente ainda que por meio de funcionamentos que se alinham agraves condiccedilotildees de produccedilatildeo do seacuteculo XXI

As novas tecnologias de produccedilatildeo em massa desencadearam um processo de homogeneizaccedilatildeo de gestos e haacutebitos que se estendeu a outras esferas sociais entre elas a educaccedilatildeo do corpo que passou a identifi car-se natildeo soacute com as teacutecnicas mas tambeacutem com os interesses da produccedilatildeo (Hobsbawm 1996) Assim o ser humano eacute colocado a serviccedilo da economia e da produccedilatildeo gerando um corpo produtor que portanto precisa de ter sauacutede para melhor produzir (BARBOSA MATOS E COSTA 2011 p 29)

A partir das palavras das autoras compreende-se que o controle e a padronizaccedilatildeo do corpo passam a circular na sociedade dita moderna como resultado de um processo biopoliacutetico (FOUCAULT 2002) em que os corpos satildeo ldquodomesticadosrdquo para se formatar se enquadrar e se adequar a padrotildees sociais que se sustentam ideologicamente em relaccedilotildees de poder e consequentemente de dominaccedilatildeo Nesse sentido o poder e seus mecanismos de controle se manifestam no corpo compelindo-o agrave objetifi caccedilatildeo e agrave estandardizaccedilatildeo sob a forma de modelos preacute-estabelecidos historicamente que vatildeo ressignifi cando em funccedilatildeo das condiccedilotildees de produccedilatildeo

Esse movimento de supremacia do corpo tem sido reforccedilado com o advento de novas tecnologias que se alinham agrave loacutegica da produccedilatildeo De fato cada vez mais se impotildeem ao corpo modelos de sauacutede de eacutetica e de esteacutetica O corpo que destoa desses padrotildees instituiacutedos aparentemente como sendo ldquouniversaisrdquo eacute visto

- 65 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

como corpo-desvio corpo-a-normal corpo-doente Este corpo eacute colocado agrave margem da sociedade discriminado Este corpo agrave beira estaacute maculado pois como nos ensina Quijano (2009) ele traz em sua materialidade traccedilos vestiacutegios rastros do funcionamento das estruturas do poder e dos processos de categorizaccedilatildeo inclusatildeo e exclusatildeo que daiacute derivam Por vezes este eacute o corpo que acaba se tornando (in)visiacutevel Entretanto a partir de uma perspectiva discursiva podemos dizer que este eacute o corpo que em sua forma material encarna a ruptura a falha o equiacutevoco Eacute o corpo-re-existecircncia Ou ainda corpo-poliacutetico aquele que produz fi ssuras nas discursividades da sociedade contemporacircnea (MASSMANN 2018) A noccedilatildeo de corpo-poliacutetico eacute de suma importacircncia para a refl exatildeo que propomos e decorre justamente da posiccedilatildeo em que nos inserimos a saber agravequela de analista de discurso que considera a relaccedilatildeo do simboacutelico com o poliacutetico como fundamental para a compreensatildeo do funcionamento da linguagem De acordo com Massmann (2018 p 41)

o funcionamento da linguagem eacute poliacutetico e este por sua vez eacute compreendido por noacutes analistas de discurso como divisatildeo ldquodivisatildeo da sociedade divisatildeo dos sujeitos divisatildeo do sentido em que faz funcionar na sociedade capitalista relaccedilotildees de poder simbolizadasrdquo (ORLANDI 2013 p 28) Em relaccedilatildeo ao poliacutetico vale acrescentar ainda que uma vez compreendido discursivamente sempre como dividido eacute importante destacar que essa ldquodivisatildeo tem uma direccedilatildeo que eacute afetada pelas relaccedilotildees de forccedila advindas da forma da sociedade na histoacuteriardquo conforme Orlandi (1998 p 4) Dessa perspectiva o poliacutetico pode ser entendido como confl ito a partir das posiccedilotildees sujeito que satildeo assumidas (MASSMANN 2018 p 41)

- 66 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A partir do exposto considera-se que o corpo-poliacutetico eacute aquele cuja materialidade do sujeito produz rupturas nesse conjunto de normatizaccedilotildees sustentadas em relaccedilotildees de forccedila e de poder

O CORPO MACULADO

A fi m de ilustrar esse processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia debruccedilamo-nos sobre um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)2rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio publicada pela Editora 34 expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora O fragmento que selecionamos para essa refl exatildeo foi retirado do capiacutetulo Tatuagem3 que compotildee a primeira parte da obra em que se apresentam escritos sobre a vida em um campo de concentraccedilatildeo A narrativa se compotildee a partir do olhar da fi lha que conduz o leitor num percurso inicial de leitura em relaccedilatildeo ao corpo da matildee O ponto de partida de nosso recorte eacute justamente o enquadramento que a autora produz em relaccedilatildeo agrave tatuagem da matildee judia que em 1944 foi levada pelos nazistas ao campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz4 2 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012 3 Os fragmentos que satildeo analisados neste artigo natildeo apresentam o nuacutemero da paacutegina de onde foram retirados Eles foram transcritos a partir da leitura do capiacutetulo ldquoTatuagemrdquo na voz de Noemiacute Jaffe no episoacutedio ldquoO trabalho libertardquo da 1ordf Temporada de ldquoAs fi lhas da guerrardquo que foi ao ar em 17 de agosto de 2015 no Projeto Humanos Esse episoacutedio estaacute disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018 O Projeto Humanos eacute um podcast storytelling dedicado a contar histoacuterias reais de pessoas reais Eacute produzido por Ivan Mizanzuk desde 2015 Para mais informaccedilotildees acesse lt httpswwwprojetohumanoscombrgt Acesso em 01 set 2018 4 De acordo com o Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau ldquoo campo de concentraccedilatildeo nazista alematildeo de Auschwitz tornou-se para o mundo um siacutembolo do Holocausto de genociacutedio e terror Foi criado pelos alematildees na metade do ano de 1940 na periferia de Oświęcim cidade polaca que foi anexada ao Terceiro Reich pelos nazistas A cidade recebeu o nome alematildeo de ldquoAuschwitzrdquo que foi usado tambeacutem para determinar o nome do campo Konzentrationslager Auschwitz Na fase de auge de seu funcionamento o campo de Auschwitz era formado de trecircs partes principais 1) A primeira e mais antiga das partes

- 67 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 1

ldquoO nuacutemero no braccedilo dela eacute A16334 Os judeus da seacuterie ldquoArdquo foram presos a partir de maio de 1944 Foram contabilizados 20 mil homens e 29354 mulheres Dentre estas mulheres era a de nuacutemero 16334rdquo

De acordo com o arquivo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau5 os judeus que eram enviados a este campo de concentraccedilatildeo passaram por diferentes sistemas de identifi caccedilatildeo sendo a tatuagem um deles Auschwitz foi o uacutenico campo a instituir a tatuagem como meio de identifi caccedilatildeo de prisioneiros O modelo utilizado natildeo tinha um padratildeo uacutenico poderia ser empregado apenas um conjunto numeacuterico ou uma mescla de nuacutemeros e letras Em ambos os casos a composiccedilatildeo produzia o efeito de um nuacutemero de seacuterie O arquivo do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos destaca por sua vez que a implementaccedilatildeo desse sistema de identifi caccedilatildeo em Auschwitz comeccedilou entre 1941 e 1942 eacutepoca em que chegaram muitos prisioneiros de guerra sobretudo judeus sovieacuteticos No total foram identifi cadas o uso de pelo menos trecircs

foi Auschwitz I chamada de Stammlager (a quantidade de prisioneiros era de 12-20 tys) formada na metade do ano de 1940 no terreno e nos edifiacutecios do quartel polaco de antes da guerra e que foi sistematicamente aumentado para as necessidades do campo 2) A segunda parte foi o campo Auschwitz II-Birkenau (em 1944 contou com mais de 90 mil prisioneiros) a maior do complexo de campos Auschwitz Sua construccedilatildeo foi iniciada no outono de 1941 num terreno distante 3 km de Oświęcim na aldeia de Brzezinka de onde a populaccedilatildeo polaca foi expulsa e suas casas desmontadas Em Birkenau surgiu o maior centro de extermiacutenio em massa da Europa sob ocupaccedilatildeo ndash cacircmaras de gaacutes ndash onde os nazistas assassinaram a maior parte dos Judeus deportados ao campo 3) Terceira parte ndash campo Auschwitz III Monowitz (tambeacutem chamado de Buna no veratildeo de 1944 contava com mais de 11 mil prisioneiros) Inicialmente foi um dos subcampos de Auschwitz formado no ano de 1942 em Monowice distante 6 km de Oświęcim ao lado das fabricas de gasolina e borracha sinteacutetica Buna-Werke construiacutedas durante a guerra pela corporaccedilatildeo alematilde IG arbenindustrie Em novembro de 1944 o subcampo de Buna tornou-se independente e fi cou sendo chamado de KL Monowitz A maioria dos subcampos de Auschwitz estava sob sua administraccedilatildeordquo Fonte Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 20185 Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

- 68 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seacuteries numeacutericas a primeira e segunda seacuteries estavam destinadas ao grupo masculino e a terceira ao grupo feminino

A fi m de evitar a atribuiccedilatildeo de nuacutemeros excessivamente altos da seacuterie geral ao grande nuacutemero de judeus huacutengaros chegando em 1944 as autoridades da SS introduziram novas sequecircncias de nuacutemeros em meados de maio de 1944 Esta seacuterie precedida pela letra A comeccedilou com ldquo1rdquo e terminou em ldquo20000rdquo Quando o nuacutemero 20000 foi atingido uma nova seacuterie comeccedilando com a seacuterie ldquoBrdquo foi introduzida Cerca de 15000 homens receberam tatuagens da seacuterie ldquoBrdquo Por uma razatildeo desconhecida a seacuterie ldquoArdquo para mulheres natildeo parou em 20000 e continuou para 300006

Como podemos observar nesta citaccedilatildeo considerado o grande nuacutemero de prisioneiros enviados a Auschwitz da posiccedilatildeo sujeito-nazista a inclusatildeo das letras nas tatuagens de identifi caccedilatildeo visava em tese evitar a atribuiccedilatildeo de ordens numeacutericas extremamente altas Essa parece ser a justifi cativa que fi cou registrada nos inuacutemeros documentos produzidos pelos nazistas durante esse periacuteodo Entretanto da parte dos sobreviventes o emprego e o sentido da letra ldquoArdquo eacute uma questatildeo ainda em aberto sobretudo para Lili Jaff e Em outra passagem da narrativa em anaacutelise podemos acompanhar a reproduccedilatildeo de um diaacutelogo entre Noemiacute e sua matildee

6 Nossa traduccedilatildeo ldquoIn order to avoid the assignment of excessively high numbers from the general series to the large number of Hungarian Jews arriving in 1944 the SS authorities introduced new sequences of numbers in mid-May 1944 Th is series prefaced by the letter A began with ldquo1rdquo and ended at ldquo20000rdquo Once the number 20000 was reached a new series be-ginning with ldquoBrdquo series was introduced Some 15000 men received ldquoBrdquo series tattoos For an unknown reason the ldquoArdquo series for women did not stop at 20000 and continued to 30000rdquo In Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-sys-tem-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

- 69 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 2

- ldquoMatildee vocecirc sabe o que signifi ca esse ldquoArdquo na sua tatuagemrdquo- ldquoSei Eacute Auchiwtz Natildeo natildeo eacute Eacute arbeiten trabalho

Neste entremeio da duacutevida constitutiva do discurso de Lili agrave primeira vista eacute possiacutevel dizer que a letra ldquoArdquo pode signifi car Auschwitz ou ainda como ela nos mostra pode estar relacionada ao substantivo ldquoarbeitenrdquo que em alematildeo signifi ca ldquotrabalhordquo Os gestos de interpretaccedilatildeo de Lili Jaff e nos levam a refl etir sobre o sentido da palavra ldquotrabalhordquo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo a que ela nos remete a saber o nazismo Natildeo podemos esquecer que as condiccedilotildees de produccedilatildeo satildeo fundamentais no processo discursivo elas compreendem a situaccedilatildeo os sujeitos e a memoacuteria discursiva (ORLANDI 2002) Por exemplo se tomarmos a interpretaccedilatildeo dessa palavra (trabalho) nas condiccedilotildees de produccedilatildeo atuais (seacuteculo XXI) os sentidos produzidos satildeo completamente diferentes Entatildeo faz-se necessaacuterio estarmos atentos a essas questotildees para que nossa interpretaccedilatildeo natildeo se sustente naquilo que chamamos de evidecircncia de sentidos

Nesse movimento da interpretaccedilatildeo o sentido aparece como evidecircncia como se ele estivesse jaacute sempre laacute Interpreta-se e ao mesmo tempo nega-se a interpretaccedilatildeo colocando-a no grau zero Naturaliza-se o que eacute produzido na relaccedilatildeo do histoacuterico e do simboacutelico Por esse mecanismo - ideoloacutegico de apagamento da interpretaccedilatildeo haacute transposiccedilotildees de formas materiais em outras construindo-se transparecircncias ndash como se a linguagem e a histoacuteria natildeo tivessem espessura sua opacidade ndash para serem interpretadas por determinaccedilotildees histoacutericas que se apresentam como imutaacuteveis naturalizadas Este eacute o trabalho da ideologia produzir evidecircncias colocando o homem na relaccedilatildeo imaginaacuteria com suas condiccedilotildees materiais de existecircncia (ORLANDI 2002 p 46)

- 70 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com suas palavras Orlandi nos conduz a compreender que a linguagem natildeo eacute transparente Eacute pois pela fresta do funcionamento da linguagem na sua relaccedilatildeo com a histoacuteria que podemos entrever discursivamente para aleacutem dessa evidecircncia dos sentidos Isso signifi ca que de nossa posiccedilatildeo visualizamos outras possibilidades de interpretaccedilatildeo que levam em conta as condiccedilotildees de produccedilatildeo do nazismo e de seus gestos na relaccedilatildeo com a memoacuteria discursiva natildeo soacute no que diz respeito agraves crenccedilas do povo judeu mas tambeacutem no que concerne agrave palavra ldquotrabalhordquo

Analisando o sistema de identifi caccedilatildeo nazista descrito anteriormente compreende-se que naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo a tatuagem imposta como forma de identifi caccedilatildeo parece ter sido usada para fi ns absolutamente crueacuteis e desumanos Devemos considerar que para os judeus conforme a Torah livro sagrado e fundador do judaiacutesmo o corpo eacute uma ldquosantidade especial por ser um invoacutelucro para alma por este motivo ele deve ser tratado com respeitordquo7 Soma-se a isso ainda o fato de que para o judaiacutesmo a tatuagem eacute considerada uma forma de agressatildeo ao corpo e ao fazecirc-la infringe-se uma importante orientaccedilatildeo do livro Vayicraacute (Leviacutetico 1928) da Torah8 a saber ldquoNatildeo fareis laceraccedilotildees na vossa carne pelos mortos nem no vosso corpo imprimireis qualquer marca Eu sou o Senhorrdquo Desse modo a tatuagem no nazismo pode ser descrita como um gesto macabro e aniquilador Gesto que marca no corpo do judeu na sua carne e na sua memoacuteria de forma inapagaacutevel o oacutedio o poder a crueldade a desumanidade e o autoritarismo nazistas Dito de outra forma a tatuagem no corpo do judeu feito prisioneiro pode ser considerada como o genociacutedio inscrito na pele Com efeito os nazistas aleacutem de aprisionar e subjugar os judeus dilaceraram e violaram seus corpos e suas

7 In Associaccedilatildeo Israelita de Benefi cecircncia Beit Chabad do Brasil Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018 8 In Chabad Lubavitch Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

- 71 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

crenccedilas com tatuagens que lhes imputaram e lhes classifi caram como corpos maculados corpo agrave margem da hegemonia nazista da humanidade e de seu proacuteprio povo agrave medida que com a tatuagem exterminavam-se natildeo soacute as crenccedilas mas tambeacutem os laccedilos e processos de identifi caccedilatildeo entre os judeus

Em relaccedilatildeo agrave possibilidade de a letra ldquoArdquo que antecedia a sequecircncia numeacuterica na tatuagem de Lili Jaff e signifi car o substantivo ldquoarbeitenrdquo (ou seja ldquotrabalhordquo em alematildeo) eacute importante pensar aqui no funcionamento histoacuterico dos sentidos em torno da palavra ldquotrabalhordquo e tambeacutem considerar os efeitos de sentido da tatuagem na histoacuteria da humanidade De fato para os gregos e romanos por exemplo as tatuagens constituiacuteam uma forma de puniccedilatildeo Elas marcavam escravos e ladrotildees Criminosos E essas marcas na pele no corpo impediam que em caso de fuga os tatuados pudessem viver livremente em sociedade O corpo marcado era excluiacutedo do conviacutevio social Com base no exposto se levarmos em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees de produccedilatildeo do periacuteodo do nazismo podemos entrever nesse batimento com a histoacuteria da humanidade outrosnovos sentidos que satildeo postos em funcionamento a partir da tatuagem e tambeacutem da palavra ldquotrabalhordquo supostamente signifi cada na letra ldquoArdquo trata-se do trabalho escravo dos judeus em Auschwitz

DO CORPO-POLIacuteTICO AO CORPO-RE-EXISTEcircNCIA

A partir da refl exatildeo que propomos podemos considerar que a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo inscreveu-se como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente ou seja durante o periacuteodo do nazismo mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tiveram (tecircm) de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio O corpo

- 72 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

judeu foi marcado para sempre pelo fl agelo da monstruosidade nazista

Compreendemos entatildeo que a tatuagem no corpo de Lili Jaff e a signifi ca como prisioneira de guerra E produz assim um discurso do corpo Corpo feito refeacutem de um dos momentos mais terriacuteveis da histoacuteria da humanidade A tatuagem faz signifi car a histoacuteria daquele corpo ao mesmo que tempo que o conecta e o signifi ca na relaccedilatildeo com o corpo social neste caso o povo judeu O discurso do corpo estaacute pois materializado na tatuagem que (re)atualiza diariamente por diferentes gestos de interpretaccedilatildeo a memoacuteria do holocausto

Haacute que se refl etir ainda em relaccedilatildeo ao discurso sobre o corpo Para isso retomamos as palavras de Orlandi (1990[2008] p 44) para quem os discursos sobre ldquosatildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de)rdquo De fato se tomarmos os recortes em estudo podemos verifi car que nas duas passagens analisadas temos o funcionamento de discursos sobre a tatuagem de Lili Jaff e (e consequentemente sobre seu corpo) Enquanto o primeiro trata do nuacutemero o segundo ao trazer um diaacutelogo entre matildee e fi lha discorre sobre a letra tatuada e os possiacuteveis sentidos que dela derivam O discurso sobre a tatuagem de Lili Jaff e funciona entatildeo como uma espeacutecie de discurso mediador9 discurso de entremeio que vai se produzir e se constituir entre o discurso do10 corpo que traz materialmente a marca do holocausto e o interlocutor11 que com seus gestos de leitura e de interpretaccedilatildeo diz sobre esse corpo e essa marca em determinadas condiccedilotildees de produccedilatildeo 9 Ou discurso intermediaacuterio nas palavras de Mariani (1998 p 60) 10 O discurso de segundo Mariani (1998 p 60) pode ser compreendido como um discurso-origem11 Neste caso os interlocutores satildeo tanto Lili Jaffe que diz de sua tatuagem quanto Noemiacute sua fi lha

- 73 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enquanto discurso intermediaacuterio como forma de institucionalizaccedilatildeo dos sentidos o discurso sobre constitui uma interpretaccedilatildeo ou melhor ao se situar entre o discurso-origem e um interlocutor ele resulta de uma interpretaccedilatildeo ao mesmo tempo ele interveacutem na construccedilatildeo imaginaacuteria do interlocutor do sujeito e do dizer (COSTA 2014 p 34)

Nessa perspectiva tanto o diaacuterio de Lili Jaff e quanto os documentos12 que fazem parte do acervo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau e tambeacutem a obra13 em estudo constituem pois discursos sobre o corpo materializando diferentes vozes que tentam signifi car ou melhor que tentam dizer e interpretar o discurso do corpo de Lili Jaff e Esses discursos de e sobre trabalham incessantemente o limiar da intepretaccedilatildeo que natildeo reveladora demanda incansavelmente que se produza sentidos Eacute nessa relaccedilatildeo constitutiva entre discurso de e sobre o corpo judeu que se presentifi ca o memoraacutevel (re)atualiza a memoacuteria discursiva e a histoacuteria materializando-se assim sob a forma de corpo-poliacutetico

Eacute pois na brecha na fi ssura ainda que minuacutescula entre o discurso de e o discurso sobre que emerge a tensatildeo do poliacutetico com o simboacutelico confronto constitutivo do funcionamento da linguagem No caso do material analisado nesta refl exatildeo a noccedilatildeo de condiccedilotildees de produccedilatildeo conforme discutido anteriormente comparece de forma vigorosa no movimento de sentidos que faz derivar corpo-poliacutetico para corpo-re-existecircncia como podemos observar no fragmento abaixo tambeacutem retirado da obra que serviu de base para as anaacutelises aqui propostas

12 Documentos nazistas que fazem alguma referecircncia agrave ela a partir de seu nuacutemero de prisioneira13 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 74 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 3

Quando a fi lha visitou o museu do Holocausto em Yad Vashem em Jerusaleacutem em 2010 buscando encontrar o diaacuterio dela que estaacute laacute guardado a diretora do museu encontrou casualmente um registro de funcionaacuterias da cozinha de Auchiwitz de 1944 Era um registro elaborado por um ofi cial nazista Laacute estavam o nome e o nuacutemero dela aleacutem do de vaacuterias outras companheiras O efeito de ver o nuacutemero no braccedilo dela jaacute como parte de seu corpo e da composiccedilatildeo de sua fi gura tanto que ningueacutem o percebe mais e o efeito de ver o seu nome e o nuacutemero escrito numa folha de registro do campo grafados por um ofi cial nazista eacute radicalmente diferente Era como se a fi lha a estivesse vendo pela primeira vez Como se nunca soubesse que a matildee tinha um nuacutemero tatuado no braccedilo nem mesmo que ela tivesse sido prisioneira Entatildeo aquela histoacuteria contada em casa na sala na cozinha na infacircncia tambeacutem estaacute guardada em registros ofi ciais Aconteceu de verdade Tudo aquilo que foi contado que tem dimensatildeo de realidade somente dentro da imaginaccedilatildeo de quem escuta e na lembranccedila de quem viveu teve corpo tamanho volume tambeacutem nas matildeos de um soldado Ele escreveu o nome e o nuacutemero dela14

Dadas as condiccedilotildees de produccedilatildeo o corpo-poliacutetico agrave medida que na tensatildeo entre relaccedilotildees de forccedila do discurso de e do discurso sobre encontra uma forma de resistir e assim de (re)signifi car e ser (re)signifi cado Ao natildeo se deixar subjugar o corpo-poliacutetico resiste (corpo-re-existecircncia) e rompe Explode E assim produz a efervescecircncia de signifi caccedilotildees do corpo de Lili Jaff e e sobre o corpo de Lili Jaff e

Natildeo era exatamente a infraccedilatildeo que os nazistas tatuavam no corpo dos prisioneiros mas a

14 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 75 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

identifi caccedilatildeo inapagaacutevel de que se tratava de um prisioneiro Servia para facilitar o trabalho dos nazistas e para escrever na carne do condenado sua maior infraccedilatildeo existir Aquilo que fi ca escrito na carne como as rugas a fl acidez mas acima de tudo a tatuagem adquire e daacute agrave pessoa o sentido da existecircncia Ela existe porque tem essa marca e tem a marca porque existe15

REFEREcircNCIAS

ASSOCIACcedilAtildeO ISRAELITA DE BENEFICEcircNCIA BEIT CHABAD DO BRASIL Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018

BARBOSA M R MATOS P M amp COSTA M E ldquoUm olhar sobre o corpo o corpo ontem e hojerdquo In Psicologia amp Sociedade n 23 Vol1) 24-34 2011 Disponiacutevel em httpwwwscielobrpdfpsocv23n1a04v23n1pdf Acesso em 18 ago 2018

CHABAD LUBAVITCH Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

COSTA G C Sentidos de miliacutecia Entre a lei e o crime Campinas Editora da Unicamp 2014

FOUCAULT M Microfiacutesica do poder 17Ed Rio de Janeiro Ed Graal 2002

GALEANO E Las palabras andantes 5Ed Buenos Aires Cataacutelogos SRL 2001

HOBSBAWM E J A era do capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

15 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 76 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

MARIANI B O PCB e a imprensa os comunistas no imaginaacuterio dos jornais (1922-1989) Rio de JaneiroCampinas RevamEditora da Unicamp 1998

MASSMANN D O poliacutetico nada arte Instituiccedilotildees discursos resistecircncias In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL AUSCHWITZ-BIRKENAU History Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL DO HOLOCAUSTO DOS ESTADOS UNIDOS Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-system-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

QUIJANO A Colonialidade do poder e classifi caccedilatildeo social In SANTOS B de amp MENESES M P (Orgs) Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009

SOUZA L L de O discurso encarnado ou a passagem da carne ao corpodiscurso In Entremeios revista de estudos do discurso v1 n1 jul2010 Disponiacutevel em httpwwwentremeiosinfbr Acesso em 19 ago 2018

ORLANDI E P Sujeitos invisiacuteveis Sujeitos agrave interpretaccedilatildeo In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

- 77 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

_____ Ser diferente eacute ser diferente a quem interessam as Minorias In ORLANDI E P Linguagem sociedade poliacuteticas Pouso Alegre UNIVAacuteSCampinas RG Editores 2014

_____ Discurso em anaacutelise sujeito sentido ideologia Campinas Pontes Editores 2012

_____ Terra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundo Campinas Editora da Unicamp 1990[2008]

_____ Cidade dos sentidos Campinas SP Pontes 2004

_____ A linguagem e seu funcionamento as formas do discurso Campinas Pontes 1996

PROJETO HUMANOS Episoacutedio 2 ldquoO trabalho libertardquo In ldquoAs fi lhas da guerrardquo Disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018

- 78 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 79 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fernando Aparecido Ferreira

Conforme aprendemos com Bakhtin cujo postulado dialoacutegico foi incorporado pela Linguiacutestica Textual um texto (enunciado) natildeo existe nem pode ser avaliado eou compreendido isoladamente ele sempre estaacute em diaacutelogo com outros textos De acordo com Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 9) ldquotodo texto revela uma relaccedilatildeo radical do seu interior com seu exteriorrdquo Ainda segundo essas autoras de um texto ldquofazem parte outros textos que lhe datildeo origem que o predeterminam com os quais dialoga que ele retoma a que alude ou aos quais se opotildeemrdquo (KOCH BENTES e CAVALCANTE 2008 p 9) Chegamos assim ao conceito de intertextualidade criado na deacutecada de 1960 pela criacutetica literaacuteria francesa Julia Kristeva com base nas premissas de Bakhtin Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 14) afi rmam que para Kristeva ldquoqualquer texto se constroacutei como um mosaico de citaccedilotildees e eacute a absorccedilatildeo e transformaccedilatildeo de um outro textordquo

Propomos aqui neste trabalho tratar do emprego da intertextualidade como uma estrateacutegia retoacuterica analisando um texto audiovisual (portanto sincreacutetico e multimodal) no qual a relaccedilatildeo com outros textos (visuais verbais sonoros) foi deliberadamente utilizada como uma forma de contribuir para a adesatildeo de um auditoacuterio espectador Importante ressaltar que aqui trabalhamos com uma concepccedilatildeo moderna de texto que natildeo inclui

COISAS ESTRANHAS COISAS FAMILIARES A

INTERTEXTUALIDADE COMO ESTRATEacuteGIA RETOacuteRICA NA

WEBSEacuteRIE STRANGER THINGS

- 80 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

somente o verbal sendo portanto segundo Cavalcante (2013 p 17) texto tudo aquilo que constitui ldquouma unidade de linguagem dotada de sentidordquo que cumpre ldquoum propoacutesito comunicativo direcionado a um certo puacuteblico numa situaccedilatildeo especiacutefi ca de uso dentro de uma determinada eacutepoca em uma dada cultura que se situam os participantes desta enunciaccedilatildeordquo Em outras palavras tambeacutem podemos dizer que fazemos aqui uma anaacutelise textual de um discurso retoacuterico

O nosso objeto de estudo eacute a webseacuterie Stranger Th ings (ldquoCoisas estranhasrdquo mas que natildeo obteve traduccedilatildeo para o portuguecircs) Lanccedilada em julho de 2016 pelo canal de streaming NETFLIX Stranger Th ings eacute uma produccedilatildeo norte-americana criada produzida e dirigida pelos irmatildeos Matt e Ross Duff er Ambientada nos anos 1980 (mais especifi camente em 1983) e fi lmada tal como se fosse uma produccedilatildeo do mesmo periacuteodo a seacuterie cuja narrativa trafega entre o drama a aventura e o horror foi um imediato sucesso de criacutetica e de puacuteblico e jaacute eacute objeto de culto Tendo como marca identitaacuteria justamente o modo como evoca na forma e no conteuacutedo seacuteries e fi lmes norte-americanos da deacutecada de 1980 Stranger Th ings se vale ostensivamente da intertextualidade com produccedilotildees audiovisuais e visuais do periacuteodo recurso que contribuiu signifi cativamente para a adesatildeo de seu auditoacuterio-espectador Buscamos portanto refl etir rapidamente sobre o papel argumentativo da intertextualidade na seacuterie verifi cando em quais niacuteveis essa relaccedilatildeo com outros textos visuais e audiovisuais se manifesta

Tratando aqui da efi ciecircncia de uma comunicaccedilatildeo adentramo-nos portanto no universo da Retoacuterica que ldquovisa agrave adesatildeo dos espiacuteritosrdquo segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 16) Por meio das anaacutelises cabe dizer que em Stranger Th ings a intertextualidade eacute empregada como uma estrateacutegia retoacuterica contribuindo para despertar o interesse de espectadores pela seacuterie promovendo-lhes um resgate de memoacuterias afetivas

- 81 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

despertando-lhes os pathe da amizade e da confi anccedila Vaacuterios tipos de intertextualidade ndash temaacutetica estiliacutestica impliacutecita expliacutecita ndash se manifestam na seacuterie atestando a presenccedila consciente desse artifiacutecio como recurso retoacuterico e argumentativo

Vejamos como isso ocorre

Narrativas audiovisuais se destinam a provocar seus espectadores ativando seus afetos sentimentos e emoccedilotildees Esses aspectos satildeo componentes essenciais para angariar o interesse de um auditoacuterio-espectador pela trama ou temaacutetica de uma narrativa por seus personagens pela mensagem que pretende passar etc Num texto audiovisual narrativo e seriado essa preocupaccedilatildeo eacute fundamental para a garantia da adesatildeo e interesse do espectador aos episoacutedios que seguiratildeo e para a consequente produccedilatildeo de novos grupos de episoacutedios ndash as chamadas ldquotemporadasrdquo Cabe assim aos diretores produtores e roteiristas (os oradores desses discursos) saber bem o que pretendem comunicar ter competecircncia teacutecnica para utilizar a linguagem audiovisual para se expressar e conhecer bem aqueles que seratildeo os seus espectadores para conseguirem ativar neles as emoccedilotildees que desejam para que por fi m a interlocuccedilatildeo seja efi ciente

Em linhas gerais Stranger Th ings se desenvolve narrativamente a partir do desaparecimento de um garoto numa pequena e pacata cidade norte-americana e prossegue com os estranhos acontecimentos que satildeo revelados no processo das buscas para encontraacute-lo De imediato eacute possiacutevel perceber que a seacuterie tem uma intertextualidade temaacutetica com uma seacuterie lanccedilada no ano de 1990 Twin Peaks do cineasta David Lynch

Por intertextualidade temaacutetica entendemos a relaccedilatildeo entre textos que pertencem a uma mesma escola ou que partilham temas assuntos Ambas as seacuteries Stranger Th ings e Twin Peaks tecircm o mesmo fi o condutor um caso misterioso que ocorre em uma pequena cidade norte-americana cujas investigaccedilotildees satildeo conduzidas

- 82 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

principalmente por um homem da lei protagonista da seacuterie que se depara com questotildees sobrenaturais Enquanto em Twin Peaks o motivo condutor era ldquoQuem matou a jovem Laura Palmerrdquo em Stranger Th ings eacute ldquoO que aconteceu com o garoto Will Byersrdquo E se no primeiro a investigaccedilatildeo era protagonizada pelo agente do FBI Dale Cooper em Stranger Th ings a busca eacute conduzida pelo xerife local Jim Hopper Essa primeira intertextualidade temaacutetica daacute base para outras que promovem uma associaccedilatildeo mais imediata agraves produccedilotildees audiovisuais dos anos 1980 e defi ne como jaacute foi dito a identidade da webseacuterie Elencamos aqui quatro temas facilmente identifi caacuteveis

1) grupos de garotos nerds aventureiros

2) paranormalidade ou mais especifi camente crianccedila com po-deres paranormais

3) seres de outras dimensotildees

4) mundos paralelos

Esses temas satildeo recorrentes em vaacuterias produccedilotildees dos anos 1980 em fi lmes hoje considerados claacutessicos da eacutepoca No primeiro tema exemplifi camos com fi lmes como ET (1982) Explorers (Viagem ao mundo dos sonhos 1985) Th e Goonies (Os Goonies 1985) Stand by me (Conta comigo 1986) Th e Lost Boys (Os garotos perdidos 1987) Em Stranger Th ings apesar do protagonismo do xerife (e tambeacutem da matildee do garoto desaparecido interpretada pela atriz Winona Ryder) um grupo de meninos amigos do garoto Will que tambeacutem paralelamente buscam encontraacute-lo torna-se um dos principais pontos afetivos da seacuterie evocando os garotos de vaacuterias produccedilotildees de Steven Spielberg (o grande nome do cinema de entretenimento dos anos 1980)

Integrando o grupo de personagens principais da seacuterie haacute em Stranger Th ings a garota Eleven cujos poderes paranormais

- 83 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

evocam personagens de outras produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Poltergeist (1982) Firestarter (Chamas da vinganccedila 1984) Th e Shining (O iluminado 1980) e Th e Dead Zone (A hora da zona morta 1983) bem algumas do fi nal dos anos 1970 que reverberaram nos anos 1980 ndash por suas exibiccedilotildees na TV e lanccedilamento em videocassete ndash como Carrie (Carrie a estranha 1976) e Th e Fury (A fuacuteria 1978) Estabelece-se na evocaccedilatildeo a esses fi lmes mais uma intertextualidade temaacutetica dessa vez dentro do tema ldquoparanormalidaderdquo ou ldquocrianccedila com poderes paranormaisrdquo

Um dos misteacuterios de Stranger Th ings envolve um ser monstruoso de outra dimensatildeo tema tambeacutem recorrente em produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Alien (Alien o oitavo passageiro 1979) e sua continuaccedilatildeo Aliens (Aliens o resgate 1986) Predator (O Predador 1987) Th e Th ing (O enigma de outro mundo 1982) Outra intertextualidade temaacutetica eacute a que se refere a mundos paralelos ou sobrenaturais evocando fi lmes como Altered States (Viagens alucinantes 1980) Evil Dead (Uma noite alucinante a morte do democircnio 1981) e Evil Dead II (Uma noite alucinante II 1987) Nightmare on Elm Street (A hora do pesadelo 1984) e suas continuaccedilotildees sendo trecircs lanccediladas na deacutecada de 1980 e mais uma vez Poltergeist (1982) e suas duas continuaccedilotildees lanccediladas em 1986 e 1988

Corroborando a intertextualidade temaacutetica haacute tambeacutem uma relaccedilatildeo estiliacutestica de Stranger Th ings com produccedilotildees dos anos 1980 Conforme Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 19) ldquoa intertextualidade estiliacutestica ocorre por exemplo quando o produtor do texto com objetivos variados repete imita parodia certos estilosrdquo A cinematografi a da seacuterie Stranger Th ings com seus enquadramentos movimentos de cacircmera iluminaccedilotildees e tons cromaacuteticos repete a qualidade visual de algumas das produccedilotildees jaacute citadas como ET Explorers Th e Goonies e Alien mas tambeacutem especialmente nas cenas ambientadas no coleacutegio (onde as crianccedilas

- 84 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

estudam) ou nas que se enquadram no nuacutecleo adolescente na seacuterie Nessas cenas a luz e as cores de comeacutedias juvenis como Th e Breakfast Club (Clube dos cinco 1985) Sixteen Candles (Gatinhas e gatotildees 1984) Ferris Buellers Day Off (Curtindo a vida adoidado 1986) Weird Science (Mulher nota 1000 1985) e Pretty in Pink (Garota de rosa-shocking 1986) (Fig 1)

Figura 1 Cena do ambiente escolar de Stranger Th ings (topo) comparada agrave cinematografi a de fi lmes adolescentes dos anos 1980

como Ferris Buellers Day Off e Th e Breakfast Club

- 85 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fonte NETFLIX

Eacute possiacutevel tambeacutem identifi car uma intertextualidade estiliacutestica no acircmbito sonoro e graacutefi co-visual da seacuterie No primeiro nos referimos agrave trilha sonora executada com sintetizadores muito populares em arranjos de temas musicais da deacutecada de 1980 especialmente em produccedilotildees cinematograacutefi cas de suspense e terror A trilha musical de Stranger Th ings evoca a sonoridade e os acordes de composiccedilotildees de muacutesicos como John Carpenter Harry Manfredini Joe Renzetti Charles Bernstein Giorgio Moroder e Harold Faltermeyer responsaacuteveis pelas trilhas sonoras de fi lmes como Th e Fog (A bruma assassina 1980) Halloween (1981) Christine (1983) Th ey Live (Eles vivem 1988) Friday the 13th (Sexta-Feira 13 1980) Poltergeist III (1988) Childrsquos Play (Brinquedo Assassino 1988) Nightmare on Elm Street Flashdance (1983) Neverending Story (A histoacuteria sem fi m 1984) Beverly Hills Cop (Um tira da pesada 1984) e Top Gun (Ases indomaacuteveis 1986)

No acircmbito graacutefi co-visual temos na abertura de Stranger Th ings (Fig 2) uma alusatildeo agraves composiccedilotildees e estilos tipograacutefi cos empregados nas capas de livros do autor Stephen King lanccedilados na mesma eacutepoca (Fig 3) King foi um autor de grande popularidade

- 86 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na deacutecada de 1980 e uma parte signifi cativa dos fi lmes com os quais Stranger Th ings mantem uma relaccedilatildeo de intertextualidade (Th e Dead Zone Firestarter Stand by Me para citar alguns) foram baseados em suas obras O logotipo de Stranger Th ings (que aparece na abertura da seacuterie) eacute apresentado em caixa alta centralizado em duas linhas com os caracteres iniciais e fi nais da primeira palavra maiores que os demais aludindo ao design do nome de Stephen King nas capas de seus livros

Figura 2 Cena da abertura de Stranger Th ings com o logotipo da webseacuterie

Fonte NETFLIX

- 87 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 3 Capa da obra Misery de Stephen King

Fonte httpsenwikipediaorgwikiMisery_(novel) Acesso em 18 de julho de 2018

Em Stranger Th ings a intertextualidade estiliacutestica conecta-se a um outro tipo de intertextualidade a impliacutecita Segue abaixo a defi niccedilatildeo de Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 30)

Tem-se a intertextualidade impliacutecita quando se introduz no proacuteprio texto intertexto alheio sem qualquer menccedilatildeo expliacutecita da fonte com o objetivo quer de seguir-lhe a orientaccedilatildeo argumentativa quer de contraditaacute-lo colocaacute-lo em questatildeo de ridicularizaacute-lo ou argumentar em sentido contraacuterio

Encontramos em Stranger Th ings uma intertextualidade impliacutecita do primeiro caso parafraacutestica sendo aquilo que SantrsquoAnna (1985) denomina ldquointertextualidade das semelhanccedilasrdquo e Greacutesillon

- 88 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e Maingueneau (1984 apud KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M 2008 p30) chamam de ldquocaptaccedilatildeordquo Na webseacuterie encontramos citaccedilotildees natildeo explicitadas de sequecircncias de muitos fi lmes jaacute citados aqui como ET Stand by me (Fig 4) Altered States Alien Explorers e Nightmare on Elm Street e de fi lmes ainda natildeo citados como Birdy (Asas da liberdade 1984) e Commando (Comando para matar 1985)

Figura 4 Comparaccedilotildees entre Stand by me de 1986 (lado esquer-do) e Stranger Th ings (lado direito)

Fonte httpsipinimgcomoriginals8e057f8e057fea4381769eeb37053026653065jpg Acesso em 18 jul 2018

- 89 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 5 Comparaccedilotildees entre Altered States de 1980 (topo) e Stranger Th ings

Fonte httpswwwimdbcomtitlett0080360 Acesso em 18 jul 2018

Tambeacutem chama atenccedilatildeo mais uma vez a abertura da seacuterie (Fig 6) cujo movimento das letras remete agrave abertura do fi lme Dead Zone (Fig 7)

- 90 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 6 Cenas da sequecircncia de abertura de Stranger Th ings

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlestranger-things Acesso em 18 jul 2018

Figura 7 Cenas da sequecircncia de abertura do fi lme Dead Zone (1983)

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlethe-dead-zone Acesso em 18 jul 2018

Percebe-se que os produtores de Stranger Th ings lanccedilam matildeo dessas ldquoparaacutefrasesrdquo argumentativamente recriando cenas memoraacuteveis criando no auditoacuterio-espectador uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu criando assim uma sensaccedilatildeo de familiaridade e facilitando

- 91 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

a adesatildeo do seu auditoacuterio-espectador Por outro lado eles reaproveitam soluccedilotildees visuais jaacute testadas sobre como apresentar uma situaccedilatildeo ou um personagem reforccedilando o uso da intertextualidade como uma forma de seguir a orientaccedilatildeo argumentativa de claacutessicos e sucessos do entretenimento audiovisual (no caso aplicado em uma instacircncia narrativa) que incluem fi lmes notoriamente benquistos como ET Th e Goonies Poltergeist e Alien os principais textos-fontes de Stranger Th ings O meacuterito da seacuterie estaacute em conseguir realizar um mosaico de intertextos sem perder sua coesatildeo narrativa

O que chama a atenccedilatildeo eacute o fato de Stranger Th ings natildeo depender do reconhecimento do intertexto pelo espectador algo diferente do que ocorre em fi lmes-paroacutedia por exemplo nos quais o humor soacute se estabelece totalmente se ocorrer a ativaccedilatildeo do texto-fonte na memoacuteria discursiva do espectador A natildeo recuperaccedilatildeo do intertexto em Stranger Th ings natildeo compromete o processo de construccedilatildeo de sentido Isso se explica pela proximidade da seacuterie com seus textos-fontes num ponto que quase se confi gura um plaacutegio sendo mesmo uma ldquocaptaccedilatildeordquo que no entanto exime os oradores do plagiato por natildeo haver uma intenccedilatildeo de camufl ar ou apagar as fontes do intertexto Nesse sentido eacute que podemos dizer que a intertextualidade foi aqui empregada retoricamente pois funciona tanto como um recurso para a construccedilatildeo de uma narrativa de apelo e faacutecil adesatildeo (valendo-se de foacutermulas jaacute testadas e sabidamente agradaacuteveis aos espectadores) como tambeacutem um recurso que desperte a curiosidade sirva como argumento promocional e possibilite a participaccedilatildeo ativa do espectador no processo de recuperaccedilatildeo dos intertextos ndash algo que se manifestou nas inuacutemeras postagens nas redes sociais nas quais os espectadores da seacuterie revelavam suas descobertas

Em Stranger Th ings a referecircncia ao universo audiovisual dos anos 1980 eacute tambeacutem feita claramente mencionando esses textos Temos aiacute portanto uma intertextualidade expliacutecita que eacute aquela

- 92 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que ocorre quando no proacuteprio texto eacute mencionada a fonte do intertexto Na seacuterie vemos isso ocorrendo tanto no niacutevel verbal como visual No verbal temos como exemplo quando no primeiro episoacutedio a matildee de Will o convida para ir ao cinema assistir Poltergeist Tambeacutem ocorre quando um dos personagens chama a namorada para assistir ao fi lme All the Right Moves (A chance 1983) estrelado por Tom Cruise No campo visual vemos uma intertextualidade expliacutecita nos programas de TV que satildeo vistos pelos personagens como o desenho animado He-Man (Fig 8) e a seacuterie Night Rider (A super maacutequina) como tambeacutem nos pocircsteres de fi lmes que decoram as casas dos garotos notadamente dos fi lmes Th e Th ing e Evil Dead (Fig 9) A presenccedila da intertextualidade expliacutecita comprova a natildeo tentativa de camufl ar a intertextualidade impliacutecita eximindo os produtoresdiretores da acusaccedilatildeo de plaacutegio No caso de Stranger Th ings a intertextualidade impliacutecita se manifesta como homenagem aos fi lmes dos anos 1980 Ainda cabe inferir que a intertextualidade expliacutecita se apresenta principalmente como um recurso argumentativo para contextualizar um periacuteodo dar credibilidade para a reconstituiccedilatildeo da eacutepoca em que se passa a narrativa Tanto que podemos dizer que essa referecircncia expliacutecita natildeo soacute eacute comum como tambeacutem necessaacuteria em fi lmes de eacutepoca ou mesmo contemporacircneos para um bom estabelecimento do tempo e do espaccedilo em que se desenvolve a trama ou seja para uma signifi cativa e convincente construccedilatildeo da diegese

- 93 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 8 He-Man visto na TV em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Figura 9 Cartaz do fi lme Evil Dead em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Sendo a referecircncia aos textos visuais e audiovisuais dos anos 1980 a identidade de Stranger Th ings eacute interessante verifi car como esse recurso argumentativo tambeacutem se estendeu para o seu material promocional (cartazes e trailersteasers) Para o design do cartaz da seacuterie o artista Kyle Lambert seguiu o estilo dos trabalhos de Drew Struzan famoso pelos cartazes que fez para fi lmes como Th e Goonies Indiana Jones and the Temple of Doom (Indiana Jones e o Templo da Perdiccedilatildeo 1984) Back to the Future (De volta para

- 94 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o futuro 1985) Dreamscape (A morte nos sonhos 1984) e Big Trouble in Little China (Aventureiros do bairro proibido 1986) Nesse caso o cartaz de Stranger Th ings tem uma intertextualidade estiliacutestica com os cartazes cinematograacutefi cos dos anos 1980 (Fig 10)

Figura 10 Cartaz de Kyle Lambert para Stranger Th ings e cartaz de Drew Struzan para Back to the Future II

Fonte httpwwwimpawardscom Acesso em 18 jul 2018

Cabe destacar tambeacutem o viacutedeo lanccedilado para promover a seacuterie entre os espectadores brasileiros que contou com a presenccedila da apresentadora Xuxa reproduzindo um quadro do seu extinto programa na Rede Globo de Televisatildeo o Xou da Xuxa tambeacutem surgido nos anos 1980 (Fig 11) Nessa intertextualidade expliacutecita

- 95 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

confi gurada aqui como um pastiche1 a apresentadora recebe uma carta da matildee do garoto Will Byers solicitando ajuda para encontrar seu fi lho desaparecido Xuxa faz uma imitaccedilatildeo de si proacutepria inclusive fazendo referecircncias aos boatos e ldquolendasrdquo que lhe eram associados na eacutepoca do seu programa como o fato de ter feito um pacto com forccedilas ocultas que resultaram em bonecas possuiacutedas que atacavam crianccedilas e discos que revelavam mensagens sinistras quando tocados ao contraacuterio Nesse viacutedeo promocional divulgado no Facebook e no YouTube o humor foi empregado como um recurso argumentativo para despertar o interesse do auditoacuterio

Figura 11 Cena do viacutedeo promocional para Stranger Th ings com a apresentadora Xuxa

Fonte httpswwwyoutubecomwatchv=2t-AIbErqts Acesso em 30 jul 2018

Segundo Aristoacuteteles (2012 p 13) ldquopersuade-se pela disposiccedilatildeo dos ouvintes quando estes satildeo levados a sentir emoccedilatildeo por meio do discursordquo E quando temos uma argumentaccedilatildeo que se fundamenta no estado emocional do auditoacuterio temos

1 ldquoO pastiche se caracteriza pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor ou de traccedilos de sua autoria () caracteriza-se pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor de um fi lme enfi m mas com fi nalidade satiacuterica ()rdquo (CAVALCANTE 2013 p 165-166) No caso em anaacutelise ndash um viacutedeo promocional de Stranger Things ndash eacute feita uma imitaccedilatildeo do quadro do programa Xou da Xuxa (ainda que com a proacutepria apresentadora) com fi ns satiacutericos

- 96 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma argumentaccedilatildeo fundada no pathos As paixotildees despertadas infl uenciam psicologicamente o auditoacuterio e por conseguinte afetam tambeacutem seus julgamentos Nesse sentido Stranger Th ings eacute um discurso que tenta provocar no auditoacuterio-espectador uma disposiccedilatildeo emocional adequada agrave recepccedilatildeo da tese que propotildee ser aceita a saber criar um entretenimento que natildeo soacute desperte o interesse mas que tambeacutem promova uma adesatildeo emocional e afetiva

Figura 12 As crianccedilas de Stranger Th ings (topo) e ET e Th e Goonies

Fonte httpswwwimdbcom Acesso em 18 jul 2018

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 97 -

Pode-se inferir que as intertextualidades presentes em Stranger Th ings contribuem retoricamente para o sucesso da seacuterie por despertar no auditoacuterio paixotildees eufoacutericas com as da amizade e da confi anccedila Da amizade porque as situaccedilotildees narrativas apresentadas bem como os personagens (em suas intertextualidades temaacuteticas estiliacutesticas e impliacutecitas) contribuem para criar no auditoacuterio uma relaccedilatildeo de proximidade uma familiaridade uma empatia imediata2 Os garotos da seacuterie se apresentam como personagens que jaacute conhecemos com os quais jaacute temos amizade e por quem sentimos carinho Eles tecircm o DNA dos amados personagens de ET Goonies e Poltergeist (Fig 12) Da paixatildeo da amizade decorre a paixatildeo da confi anccedila Sobre a paixatildeo da confi anccedila Aristoacuteteles afi rma

A confi anccedila eacute o contraacuterio do medo e o que inspira confi anccedila eacute o contraacuterio do que inspira medo de modo que a esperanccedila eacute acompanhada pela representaccedilatildeo de que as coisas que estatildeo proacuteximas podem salvar-nos ao passo que as que causam temor natildeo existem ou estatildeo longe (ARISTOacuteTELES 2012 p 103)

Em Stranger Th ings a amizade despertada pela familiaridade afasta o receio de ldquoperder tempordquo e gera a confi anccedila de que a seacuterie seraacute boa de que vale a pena assisti-la

Por fi m cabe dizer que em termos argumentativos a intertextualidade presente em Stranger Th ings funciona como uma fi gura de comunhatildeo Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 201) ldquoas fi guras de comunhatildeo satildeo aquelas em que mediante procedimentos literaacuterios o orador empenha-se em criar ou confi rmar a comunhatildeo com o auditoacuteriordquo Os autores complementam ldquoAmiuacutede essa comunhatildeo eacute obtida mercecirc de referecircncias a uma cultura a uma tradiccedilatildeo a um passado comunsrdquo

2 ldquoA camaradagem a familiaridade o parentesco e outras relaccedilotildees semelhantes satildeo espeacutecies de amizaderdquo (ARISTOacuteTELES 2012 P 98)

- 98 -

Tendo como auditoacuterio aqueles que detecircm a cultura do cinema de entretenimento norte-americano os oradores de Stranger Th ings buscaram comungar com ele (esse auditoacuterio) por meio do resgate de uma memoacuteria afetiva (ligada agrave infacircncia e agrave adolescecircncia)

REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel dos Nascimento Pena Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

CAVALCANTE M M Os sentidos do texto Satildeo Paulo Contexto 2013

KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M Intertextualidade diaacutelogos possiacuteveis 2 ed Satildeo Paulo Cortez 2008

NETFLIX Stranger Th ings Disponiacutevel em httpswwwnetfl ixcombr Acesso em 12 jul 2018

PERELMAN C OLBRECHTS-TYTECA L Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo Maria Ermentina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 2005

SANTrsquoANNA A R Paroacutedia paraacutef rase e cia Satildeo Paulo Aacutetica 1985

- 99 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Gerardo Ramiacuterez Vidal

En relacioacuten con la hypoacutekrisis que en latiacuten se traduce como actio y pronuntiatio se conocen con mucha claridad las fuentes antiguas la enorme importancia que tuvo esa praacutectica y los diversos elementos que se tomaban en cuenta ya sea en su estudio como en su praacutectica De manera paradoacutejica un anaacutelisis semaacutentico maacutes puntual de esa palabra griega muestra que su aplicacioacuten a la ejecucioacuten retoacuterica no fue apropiada pues se limitaba a algunos elementos prosoacutedicos pero no al gesto a los ademanes y al movimiento del cuerpo De cualquier modo en la Grecia antigua puede individualizarse un arte general de la pronunciacioacuten llamada hypokritikē o hipocriacutetica que Aristoacuteteles habiacutea previsto pero no alcanzoacute a desarrollarse De tal manera en las paacuteginas siguientes muestro primero la importancia de este elemento en la praacutectica oratoria luego su insufi ciencia en el caso de la ejecucioacuten retoacuterica y por uacuteltimo los fundamentos y elementos de esa disciplina general llamada hypocriacutetica

EL TEacuteRMINO HYPOacuteKRISIS EN LAS FUENTES ANTI-GUAS

En cuanto a las fuentes antiguas brevemente diremos que Aristoacuteteles fue el primero en considerar la hypoacutekrisis como una parte u ofi cio de la retoacuterica hizo algunas observaciones puntuales acerca de este asunto1 y sentildealoacute que tambieacuten es competencia de otras

1 Cf sobre todo Arist Rh III 1403b18-1404a19 pasaje sobre el cual volveremos

LA HIPOCRIacuteTICA O ARTE DE LA EXPRESIOacuteN ORAL

EN LA RETOacuteRICA GRIEGA CLAacuteSICA

- 100 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

artes la tragedia la poeacutetica y la rapsoacutedica Su disciacutepulo Teofrasto dedicoacute a ese tema un tratado especial el Περὶ ὑποκρίσεως en un libro seguacuten la lista de Dioacutegenes Laercio aunque soacutelo se conserva el tiacutetulo y dos referencias Sobre el caraacutecter y contenido de esta obra es difiacutecil pronunciarse2 En la segunda mitad del siglo II a C Hermaacutegoras de Temnos la consideroacute como una parte de la retoacuterica y es probable que de eacutel provenga el origen del desarrollo latino de este ofi cio del orador3 Filodemo abordoacute aspectos importantes pero de manera aislada4 Ya en eacutepoca imperial Casio Longino resume el asunto brevemente5 y algunos otros autores griegos transmiten los conocimientos mencionados6 Sin embargo fueron los latinos quienes expusieron de manera maacutes amplia y sistemaacutetica la actio y pronuntiatio en particular Quintiliano quien dedica a este asunto el amplio capiacutetulo 3 del libro XI7

2 En Vitae Philosophorum 54812 Dioacutegenes Laercio registra el tiacutetulo Περὶ ὑποκρίσεως entre las 225 obras de Teofrasto incluida entre los 24 tratados de retoacuterica Esta obra es independiente del Arte retoacuterica que aparece en la lista dos obras antes y que a su vez podriacutea abordar la hypoacutekrisis De la obra sobre la actuacioacuten se conservan dos referencias frr 712 y 713 (Fortenbaugh 1992 vol II) La primera proviene de Atanasio (Prol In Herm De statibus en RhGr xiv 1773-8 Rabe) se puede suponer que su contenido podriacutea contener (a) la valoracioacuten de la hypoacutekrisis como el instrumento maacutes importante del orador (b) las pasiones del alma y el anaacutelisis de ellas asiacute como sus fundamentos y (c) conjuncioacuten del movimiento del cuerpo y del tono de la voz (τὴν κίνησιν τοῦ σώματος καὶ τὸν τόνον τῆς φωνῆς) en el entero conocimiento de ese ofi cio del orador (cf Vallozza 2000 273-274) se hace una referencia clara al orador y no al actor La segunda se encuentra en Ciceroacuten (De or iii 221) donde el autor se refi ere en especial a la importancia del sentido de la vista en la accioacuten oratoria Sin embargo el caraacutecter retoacuterico y el contenido de la obra teofrastea son soacutelo hipoteacuteticos lo uacutenico seguro es la referencia de Ciceroacuten (De or III 221) de que un tal Taurisco (seguacuten Teofrasto) sentildealaba que el orador que ejecuta su discurso con los ojos fi jos se asemeja a un actor que recita estando de espaldas al puacuteblico3 Seguacuten Matthes la hypoacutekrisis seriacutea la cuarta y uacuteltima parte de la retoacuterica despueacutes de la heacuteuresis la oikonomiacutea y la mnēmē (Hermag 1962 p vi)4 Philod Rh I 1963 ss Sudh (sobre la hypoacutekrisis como parte de la retoacuterica) I 20116 ss Sudh (sobre la adecuacioacuten de la hypoacutekrisis a los diferentes tipos de personas)5 Cassius Longinus Ars rhetorica 1 p 566-567 Walz (tambieacuten en L Spengel (ed) Rhetores Graeci vol 1 Leipzig Teubner 1853 pp 310-312)6 Cf Theo Progymn 1 p 66 Walz con escolio (Walz I p 257) el anoacutenimo Prolegomena de la retoacuterica 6 pp 35-36 Walz7 Cf Frachet 2011-2012 y un esbozo reciente en Hilder 2018

- 101 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

La importancia de la hypoacutekrisis o actio-pronuntiatio fue un toacutepico recurrente en la retoacuterica antigua El testimonio de Aristoacuteteles es fundamental Al hablar de las partes de la retoacuterica al comienzo del libro III de su Retoacuterica afi rma que en primer lugar son los asuntos en segundo el estilo y en tercero ldquoaquello que tiene el mayor poder de persuasioacuten los elementos de la hypoacutekrisis8 La idea del enorme poder de la actuacioacuten se presenta auacuten con mayor evidencia en la aneacutecdota sobre Demoacutestenes quien consideraba que la retoacuterica se reduciacutea a esa parte9 y en Ciceroacuten quien afi rma que la elocuencia no es nada sin la actio y que eacutesta en cambio sin ella es una gran cosa pues su poder discursivo es muy grande10 En fi n Quintiliano (Inst or XI 34-8) presenta algunos ejemplos notables de la importancia de esta parte de la retoacuterica y expresa que la pronuntiatio tiene en siacute misma una efi cacia y un poder extraordinarios en la oratoria11 y que un mal discurso confi ado a la fuerza de la actuacioacuten tiene maacutes efi cacia que un buen

8 Arist Rh 1403b20-22 Τρίτον δὲ τούτων ὃ δύναμιν μὲν ἔχει μεγίστην οὔπω δ ἐπικεχείρηται τὰ περὶ τὴν ὑπόκρισιν9 El autor anoacutenimo de la Vida de Demoacutestenes cuenta una historia muy conocida en la Antiguumledad (cf Plu Dem 7 Cic Or 56 y De or III 213 Quint Inst or XI 36) descorazonado Demoacutestenes por su fracaso en una asamblea el actor Androacutenico le dijo que sus palabras estaban bien pero que le faltaba lo relativo a la ὑπόκρισις ([Plu] Mor 845a7-8 ὁ ὑποκριτὴς Ἀνδρόνικος εἰπὼν ὡς οἱ μὲν λόγοι καλῶς ἔχοιεν λείποι δ αὐτῷ τὰ τῆς ὑποκρίσεως) Para mostrar lo anterior el actor repitioacute el discurso pronunciado por el orador en la asamblea y al notar la diferencia Demoacutestenes siguioacute las lecciones de Androacutenico Ya reconocido como gran orador poliacutetico cuando alguien le preguntaba queacute era lo primero en la retoacuterica respondiacutea que la pronunciacioacuten queacute lo segundo la pronunciacioacuten y queacute lo tercero la pronunciacioacuten ([Plut] Mor 845b3-5 ὅθεν ἐρομένου αὐτόν ltτινοςgt τί πρῶτον ἐν ῥητορικῇ εἶπεν lsquoὑπόκρισιςrsquomiddot καὶ τί δεύτερον lsquoὑπόκρισιςrsquomiddotκαὶ τί τρίτον lsquoὑπόκρισιςrsquo)10 Cf Cic Or 56 si enim eloquentia nulla sine hac haec autem sine eloquentia tanta est certe plurimum in dicendo potest Cf tambieacuten Cic De or 213 Rh Her III 19 Pronuntiationem multi maxime utilem oratori dixerunt esse et ad persuadendum plurimum ualere 11 Cf Quint Inst or XI 32 habet autem res ipsa miram quandam in orationibus vim ac potestatem

- 102 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

discurso privada de ella12 En consecuencia podemos observar que la hypoacutekrisis actio o pronuntiatio fue considerada en la Antiguumledad claacutesica como el elemento maacutes importante de la retoacuterica o por lo menos como el punto culminante del discurso

IMPRECISIONES DEL TEacuteRMINO

Sin embargo el asunto es maacutes complejo de lo que parece sobre todo por las siguientes razones primero la hypoacutekrisis no es un teacutermino adecuado para la ejecucioacuten oratoria segundo la nocioacuten teniacutea una connotacioacuten negativa como elemento de la oratoria tercero esa palabra indica en su origen soacutelo una parte de lo que hoy entendemos por ejecucioacuten discursiva Sobre estos tres puntos me detendreacute brevemente

En primer lugar la terminologiacutea empleada en el aacutembito retoacuterico es imprecisa para el estudioso moderno En griego el teacutermino hypoacutekrisis13 se refi ere a una forma de hablar imitando 12 Cf Quint Inst or XI 35 Equidem vel mediocrem orationem commendatam viribus actionis adfi rmarim plus habituram esse momenti Quam optimam eadem illa destitutam 13 El sustantivo de accioacuten ὑπόκρισις y el sustantivo agente ὺποκριτής provienen del verbo en voz media ὑποκρίνομαι que podiacutea tener tres signifi cados (1) lsquoresponderrsquo verbalmente a o pronunciarse sobre alguna situacioacuten o asunto sin necesidad de que existiera una pregunta (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix notas 10 y 17) por ejemplo lsquointerpretarrsquo los suentildeos sentido que ya aparece en el verbo simple (cf el teacutermino onirokriacutetica aunque es de eacutepoca posterior) a partir del sentido originario lsquosepararrsquo o lsquo escogerrsquo y de ahiacute lsquodecidirrsquo lsquojuzgarrsquo (2) De manera especiacutefi ca lsquoresponder a una preguntarsquo (cf LSJ sv ὑποκρίνω) siendo en este caso equivalente en aacutetico a ἀποκρίνομαι (cf Gonzaacutelez 2013 notas 9 y 12 del Appendix) Designa la accioacuten de lsquoresponderrsquo por parte del inteacuterprete en los oraacuteculos y de ahiacute se pasa al sentido comuacuten de lsquoresponderrsquo (3) En aacutetico signifi ca lsquorecitarrsquo lsquodeclamarrsquo lsquotomar el papel de alguien en la escenarsquo o lsquosimularrsquo lsquofi ngirrsquo como veremos maacutes adelante Es en este tercer sentido que podriacutea haberse utilizado el sustantivo agente hypokritēs que ya existiacutea en el siglo VI antes de ser aplicado al actor traacutegico con los sentidos de lsquoejecutantersquo o lsquointeacuterpretersquo (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix nota 4) La idea de que el teacutermino hypokritēs se empleaba en el sentido de apokritēs (aacutetico) como el personaje que responde al coro resulta poco apropiada (emplear un teacutermino no aacutetico en una praacutectica aacutetica cuando existiacutea otro teacutermino apropiado para ello)

- 103 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o fi ngiendo ser una persona o como la defi ne el reacutetor Casio Longino ldquouna imitacioacuten de actitudes y pasionesrdquo siendo eacutesta una imitacioacuten expresiva que reproduce los supuestos modos de hablar de alguien14 Eso es lo que hacen los actores en el teatro claacutesico al hablar imitan actitudes y emociones fi ngen las caracteriacutesticas prosoacutedicas de un determinado personaje

Aristoacuteteles y maestros posteriores designaron con ese teacutermino teatral el ofi cio del orador relativo a la exposicioacuten discursiva aunque no era adecuado para designar la praacutectica de la ejecucioacuten oratoria pues mientras el fi ngir o imitar es algo apropiado y necesario en la obra dramaacutetica mdash que trata de fi cciones para divertir al puacuteblico y no de cuestiones de la vida ordinaria mdash es algo condenable en la oratoria que trata sobre asuntos reales sobre problemas sociales y poliacuteticos o sobre cuestiones judiciales La ejecucioacuten oratoria es muy diferente de la dramaacutetica simplemente porque aqueacutella no tiene como fi nalidad imitar actitudes y pasiones para purifi car el alma del oyente sino expresar con mayor claridad los argumentos adecuaacutendolos a los humores del auditorio y buscando modifi car o reforzar sus decisiones15 Quintiliano sentildealaba con eacutenfasis sobre el caraacutecter moderado de la actuacioacuten oratoria (Inst or XI 3183-

14 C Long Rh 56713 Ὑπόκρισίς ἐστι μίμησις τῶν κατ ἀλήθειαν ἑκάστῳ παρισταμένων ἠθῶν καὶ παθῶν καὶ διάθεσις σώματός τε καὶ τόνου φωνῆς πρόσφορος τοῖς ὑποκειμένοις πράγμασι ldquoLa hypoacutekrisis es una imitacioacuten de las actitudes y pasiones presentadas en cada caso de acuerdo con la verdad y una disposicioacuten tanto del cuerpo como de la entonacioacuten de la voz uacutetil para los asuntos de que se tratardquo15 En el aacutembito de la oratoria aacutetica el verbo ὑποκρίνομαι aparece soacutelo en Demoacutestenes con la connotacioacuten negativa de lsquoactuarrsquo como en 185 donde el escolio lo interpreta con el signifi cado de lsquohacer falsas acusacionesrsquo Cf escolio a Dem 18153 en Scholia Demosthenica Ed MR Dilts Leipzig Teubner vol 1 1983 ad loc (apud TLG) ὑποκρίνεται] ἀντὶ τοῦ ψευδῶς κατηγορεῖ ὑπόκρισις γάρ ἐστιν ἡ προσποίησις ἡ ἐκτὸς οὖσα τῆς ἀληθείας ldquoHypoacutekrisis] en vez de hacer acusaciones falsas En efecto hypoacutekrisis es la reclamacioacuten de que estaacute fuera de la verdadrdquo

- 104 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

184) Desgraciadamente los estudios modernos han resaltado sobre todo las semejanzas entre el teatro y la oratoria pero no las enormes diferencias que los apartan y los distinguen16

Los romanos por su parte al tener que traducir el teacutermino griego no encontraron una palabra correspondiente y recurrieron a dos teacuterminos que refl ejan ese ofi cium mejor que la palabra griega actio y pronuntiatio la primera referida al movimiento la segunda a la voz Quintiliano prefi ere utilizar esta uacuteltima (Inst or XI 34 etc) La actio puede entenderse como teacutermino juriacutedico (de agere) relacionada en este caso con la accioacuten judicial aunque se piensa maacutes bien que indica la forma en que se ejecuta o debe ejecutarse el discurso durante el proceso La actio en este sentido requiere de voz gesto movimiento y todo lo que el actor necesite para la emisioacuten exitosa del discurso forense No se trata del actor dramaacutetico De tal manera la terminologiacutea latina en este caso parece ser maacutes adecuada que la griega En espantildeol los dos teacuterminos latinos se han vertido como lsquoactuacioacutenrsquo y lsquopronunciacioacutenrsquo y en ingleacutes se prefi ere lsquoperformancersquo o lsquodeliveryrsquo

En segundo lugar en cuanto a las connotaciones negativas de hypoacutekrisis ya se ha hecho un sentildealamiento en relacioacuten con Demoacutestenes (cf nota 15) iquestPor queacute Aristoacuteteles prefi rioacute emplear el teacutermino teatral y no alguacuten otro como hermēneacuteia o diaacutethesis Parece contradictorio decir primero que la hypoacutekrisis tiene el mayor poder de persuasioacuten y quince liacuteneas despueacutes que se trata de ldquoun asunto vulgarrdquo17 o media paacutegina maacutes adelante afi rmar que la lexis y en consecuencia tambieacuten la hypoacutekrisis es una phantasiacutea18 Pero

16 Cf al respecto Fantham 2003 263 Frachet 2011-2012 126 afi rma ldquoSi de prime abord la fi gure de lrsquoacteur et celle de lrsquoorateur semblent se ressembler elles sont sensiblement diffeacuterentes Lrsquoacteur joue un rocircle doit srsquoapproprier un personnage quand lrsquoorateur joue son propre personnage et met sa persona en jeurdquo 17 Arist Rh 1403b35 δοκεῖ φορτικὸν εἶναι18 Arist Rh 1404a11 ἅπαντα φαντασία ταῦτ ἐστί

- 105 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

si se observa en su contexto podraacute decirse que ambas afi rmaciones son enteramente coherentes la hypoacutekrisis asiacute como la lexis19 son recursos de enorme poder de persuasioacuten como observa el fi loacutesofo que sucediacutea en la actividad discursiva en la vida poliacutetica de Atenas Sin embargo desde el punto de vista fi losoacutefi co considera que ambas praacutecticas son mecanismos vulgares u ordinarios porque su funcioacuten es mover las pasiones no mostrar la verdad Asimismo sentildeala que la lexis asiacute como tambieacuten la hypoacutekrisis son phantasiacuteai aunque no en el sentido de lsquopura ilusioacutenrsquo o lsquoaparienciarsquo sino en el puramente retoacuterico de representaciones que el orador produce en el destinatario afectando directamente las pasiones de eacuteste con el propoacutesito de persuadirlo20 De esta manera al emplear ese teacutermino teatral Aristoacuteteles resaltaba los aspectos negativos de la accioacuten oratoria es decir que el arte de fi ngir propio de un actor en el escenario se colocaba en un plano superior a las partes dignas de la oratoria como la demostracioacuten o el orden

Aquiacute podraacute observarse que en el aacutembito de la retoacuterica de la eacutepoca claacutesica el teacutermino es empleado soacutelo por Aristoacuteteles Los oradores no recurren a la palabra hypoacutekrisis (Demoacutestenes la emplea pocas veces) y tampoco los maestros de oratoria Por ejemplo Isoacutecrates y Alcidamante ambos maestros del discurso no utilizan ese teacutermino sino otros como rhētoreacuteia y hermēneacuteia El autor de la Retoacuterica a Alejandro no menciona el teacutermino Por si fuera poco el concepto tuvo escasa importancia en los autores griegos desde el punto de vista teoacuterico como una parte de la retoacuterica Walz registra soacutelo cuatro veces esa palabra en el iacutendice de los nueve voluacutemenes de su Rhetores graeci y un nuacutemero igual se encuentra en Spengel21

19 Cf Gonzaacutelez 2013 sect133 ldquoφορτικόν applies not only to ὑπόκρισις but to λέξις as a wholerdquo20 Cf Gonzaacutelez 2013 sect13621 Afi rma Edwards 2013 p 15 ldquothe surviving theoretical material is

- 106 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tampoco se elaboroacute una teoriacutea al respecto en el campo del drama durante la eacutepoca claacutesica22 por lo menos antes de Teofrasto a cuyo tratado ya nos hemos referido Podraacute sentildealarse al respecto que Aristoacuteteles en las cuatro liacuteneas sobre la voz no expone una teoriacutea que tenga que ver con causas o principios defi niciones y clasifi caciones sino una serie de praacutecticas transmitidas en el aacutembito teatral volumen tono y rapidez de la voz Pero en el caso del fi loacutesofo las razones de esta falta de sistematizacioacuten en la teoriacutea dramaacutetica son de otra naturaleza En efecto al principio del III libro de su Retoacuterica Aristoacuteteles observa que la hypoacutekrisis es un don de la naturaleza poco susceptible de reducirse a reglas Por tener esta naturaleza la teacutecnica respectiva se habiacutea desarrollado tarde inclusive en la tragedia y en la recitacioacuten eacutepica Sentildeala que eso se debiacutea a que en un principio fueron los propios poetas quienes representaban las tragedias (Arist Rh 1403b23-24)

De cualquier modo en el aacutembito de la retoacuterica el estudio de la ejecucioacuten no se habiacutea desarrollado Dos siglos y medio despueacutes el autor anoacutenimo de la Retoacuterica a Herenio afi rmaba tambieacuten ldquopuesto que nadie ha tratado sobre este asunto de manera detenida []rdquo23 lo que indica que las cosas no habiacutean cambiado mucho

Fueron los romanos quienes subsanaron ese vaciacuteo con los amplios desarrollos a los que ya nos hemos referido En eacutepoca posterior el estudio de la actuacioacuten como parte de la retoacuterica fue perdiendo importancia y soacutelo ocasionalmente se incluyoacute en su ensentildeanza dentro de esa disciplina Navarre 1900 pasa en

preponderantly Romano-centric [hellip] Nothing in the Rhetorica ad Alexandrum and only a few unsatisfactory chapters in Aristotlersquos Rhetoric (313-10) as well as a few other brief pointers such as a reference to speakers shouting at Rhetoric 375 Hellenistic treatises are lostrdquo22 En un principio no habiacutea actores profesionales y eran los propios tragedioacutegrafos (o poetas) quienes las representaban soacutelo cuando surgieron los actores se empezaron a establecer reglas Debe entenderse que en su primera fase los conocimientos eran de caraacutecter praacutectico la formacioacuten de una doctrina empieza con los maestros de teatro cuando se prepara a los actores23 Rh Her III 19 quia nemo de ea re diligenter scripsit

- 107 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

completo silencio ese aspecto en su Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Volkman le dedica soacutelo ocho paacuteginas de un total de 580 Mortara Garavelli 2003 menos de una paacutegina de su extenso libro De manera paradoacutejica las refl exiones sobre el cuerpo en el campo de la fi losofiacutea y otras disciplinas la han convertido en un importante toacutepico de nuestra eacutepoca24

En tercer lugar ademaacutes de que la nocioacuten de hypoacutekrisis es poco adecuada para la ejecucioacuten retoacuterica y del desintereacutes en su sistematizacioacuten en la Grecia claacutesica habraacute que observar que la hypoacutekrisis en el drama griego se reduce a lo auditivo y deja fuera lo visual En el teatro en efecto se utilizan maacutescaras elemento dramaacutetico riacutegido sin vida de modo que todo lo referente a la expresioacuten del rostro resulta innecesario por ello podriacuteamos suponer que la importancia de los movimientos de las manos y del cuerpo tambieacuten se reduce Los elementos prosoacutedicos tienen el predominio25

El ejemplo de la hypoacutekrisis en Demoacutestenes muestra que ese teacutermino se referiacutea soacutelo a la voz Seguacuten cuenta Plutarco en la vida del orador eacuteste desilusionado por sus fracasos en la tribuna confesoacute al actor Saacutetiro que los marineros ignorantes agradaban maacutes al pueblo que eacutel a pesar de los enormes esfuerzos que habiacutea puesto en su formacioacuten oratoria Saacutetiro entonces le mostroacute cuaacutel era la razoacuten de sus fracasos Le pidioacute que dijera de memoria alguacuten pasaje de Euriacutepides o Soacutefocles Para lsquodecir de memoriarsquo Plutarco emplea

24 Cf Fogen 2009 p 16 y notas25 Salvo pocas excepciones los estudiosos ndash a mi juicio ndash no han logrado entender cabalmente el asunto Por ejemplo la expresioacuten δοκεῖ φορτικὸν εἶναι se refi ere a la lexis pero se ha pensado que se ha de vincular soacutelo a la hypoacutekrisis Asimismo al referirse a la lexis el fi loacutesofo afi rma que se desarrolloacute tarde (1403b23) pero los estudiosos piensan que se refi ere a la hypoacutekrisis Se refi ere a ambas Cf Arist Rh 1404a19ndash22 ἤρξαντο μὲν οὖν κινῆσαι τὸ πρῶτον ὥσπερ πέφυκεν οἱ ποιηταίmiddot τὰ γὰρ ὀνόματα μιμήματα ἐστίν ὑπῆρξε δὲ καὶ ἡ φωνὴ πάντων μιμητικώτατον τῶν μορίων ἡμῖν ldquoen efecto los poetas fueron los primeros en poner en movimiento lo anterior puesto que las palabras son susceptibles de imitacioacuten y la voz en particular es la maacutes imitable de todas las partes nuestrasrdquo expresioacuten que para Gonzaacutelez (2013 sect132) es ldquothe cause of much dismay for some scholarsrdquo

- 108 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la expresioacuten εἰπεῖν ἀπὸ στόματος Una vez hecho esto el actor retomoacute el mismo pasaje y lo moduloacute y recitoacute con un tono y modo adecuados26 Plutarco emplea πλάσαι καὶ διεξελθεῖν para indicar lsquomodular y recorrerrsquo el pasaje de la tragedia Utiliza tambieacuten ἦθος y διάθεσις

para lsquotonorsquo y lsquomodorsquo de la voz Demoacutestenes quedoacute convencido de que la hypoacutekrisis otorga al discurso orden y gracia y consideroacute que la ensentildeanza es poca cosa y nada vale si no se da importancia a la pronunciacioacuten y el modo de las palabras27 Para estas uacuteltimas expresiones el bioacutegrafo emplea los teacuterminos προφορά y διάθεσις Prosigue Plutarco narrando que luego de esa demostracioacuten Demoacutestenes se dedicoacute con ahiacutenco y durante muchos diacuteas a modelar su diccioacuten y trabajar su voz28 Como podemos observar las referencias son exclusivamente a la voz en cambio los gestos y los movimientos no intervienen en absoluto

Aristoacuteteles parece refl ejar esa situacioacuten al limitar la hypoacutekrisis a la voz intensidad tonos y rapidez o lentitud Dice en efecto

Eacutesta radica en la voz coacutemo debe eacutesta ser usada para expresar cada pasioacuten ya sea fuerte ya baja o ya mediana y coacutemo los tonos (de la voz) es decir agudo grave y medio o circunfl ejo y algunos ritmos para cada cual En efecto tres son los temas que se deben observar que son volumen armoniacutea y ritmo de la voz29

26 Plut Dem 74 μεταλαβόντα τὸν Σάτυρον οὕτω πλάσαι καὶ διεξελθεῖν ἐν ἤθει πρέποντι καὶ διαθέσει τὴν αὐτὴν ῥῆσιν ὥστ εὐθὺς ὅλως ἑτέραν τῷ Δημοσθένει φανῆναι27 Plut Dem 75 πεισθέντα δ ὅσον ἐκ τῆς ὑποκρίσεως τῷ λόγῳ κόσμου καὶ χάριτος πρόσεστι μικρὸν ἡγήσασθαι καὶ τὸ μηδὲν εἶναι τὴν ἄσκησιν ἀμελοῦντι τῆς προφορᾶς καὶ διαθέσεως τῶν λεγομένων 28 Plut Dem 76 πλάττειν τὴν ὑπόκρισιν καὶ διαπονεῖν τὴν φωνήν29 Arist Rh 1403b27-31 ἔστιν δὲ αὕτη μὲν ἐν τῇ φωνῇ πῶς αὐτῇ δεῖ χρῆσθαι πρὸς ἕκαστον πάθος οἷον πότε μεγάλῃ καὶ πότε μικρᾷ καὶ μέσῃ καὶ πῶς τοῖς τόνοις οἷον ὀξείᾳ καὶ βαρείᾳ καὶ μέσῃ καὶ ῥυθμοῖς τίσι πρὸς ἕκαστα τρία γάρ ἐστιν περὶ ἃ σκοποῦσινmiddot ταῦτα δ ἐστὶ μέγεθος ἁρμονία ῥυθμός El rhytmoacutes indica la pronunciacioacuten de miembros de la frase con efectos riacutetmicos evitando por ejemplo que sea entrecortado y agitado (cf [Long] De subl 41)

- 109 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De tal manera la lexis o estilo se refi ere a la articulacioacuten artiacutestica de sonidos y palabras y se combina con la hypoacutekrisis o elemento prosoacutedico del lenguaje30 en la elaboracioacuten concreta del material del discurso frente a la generacioacuten y organizacioacuten abstracta o mental de ese material objeto de la invencioacuten y la disposicioacuten31 Debido a ello no es extrantildeo que Aristoacuteteles aborde la hypoacutekrisis en combinacioacuten o correspondencia con el tratamiento de la lexis debido a que son procesos afi nes32 Esta labor concomitante crea una aparente irregularidad que ha provocado malos entendidos entre los estudiosos

EL CARAacuteCTER TRANSVERSAL DE LA HYPOacuteKRISIS

Luego de subrayar algunos aspectos de la hypoacutekrisis que reducen su materia a los elementos prosoacutedicos es necesario observar que ese elemento expresivo tiene un campo de accioacuten que rebasa ampliamente la praacutectica oratoria debido al caraacutecter transversal

30 Luego de estudiar de modo minucioso la relacioacuten entre lexis e hypoacutekrisis Gonzaacutelez 2013 concluye que ldquoIt is impossible therefore to divorce the philosopherrsquos notions of λέξις and ὑπόκρισιςrdquo Me cuesta trabajo sin embargo aceptar su hipoacutetesis de que los tres elementos a los que se refi ere Aristoacuteteles en Rh 1403b18-22 pisteis lexis e hypoacutekrisis deberiacutean reducirse a dos las pisteis y la lexis dividieacutendose este segundo elemento en dos partes la lexis propiamente dicha y la hypoacutekrisis (Gonzaacutelez 2013 sect132 con nota 17) A mi juicio son procesos diferentes estando la lexis orientada hacia la electio y compositio del material linguumliacutestico y la segunda reducida a los fenoacutemenos prosoacutedicos que no estaacuten en la lengua o sistema pues son ldquosuprasegmentalesrdquo (cf Figueiredo 2017) sino en el habla y referidos a las propiedades de la boca y demaacutes elementos fiacutesicos que producen volumen armoniacutea ritmo velocidad pausas y otros fenoacutemenos31 Cf las interesantes observaciones de Baldwin al respecto (1959 21-24)32 Cf Baldwin 1959 174 ldquothe visual values of representation were indeed realized in gesture and pose though less in scenery and spectacle they were realized as never perhaps since in group movements but the auditory values the sounding line the phrase harmony of the chant always enhanced representation by strong rhythmical suggestionrdquo siendo los valores auditivos los elementos originales de la hypoacutekrisis

- 110 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que Aristoacuteteles logra observar Para ello podraacute empezarse con el siguiente pasaje del fi loacutesofo en su Retoacuterica (1403b24-26)

δῆλον οὖν ὅτι καὶ περὶ τὴν ῥητορικήν ἐστι τὸ τοιοῦτον ὥσπερ καὶ περὶ τὴν ποιητικήν ὅπερ ἕτεροί ltτέgt τινες ἐπραγματεύθησαν καὶ Γλαύκων ὁ ΤήιοςEs evidente que tal asunto [la hypoacutekrisis] tiene que ver con la retoacuterica tanto como con la poeacutetica de lo que algunos han tratado ademaacutes de Glaucoacuten de Teos

Independientemente de la identidad de este Glaucoacuten de Teos33 el pasaje aristoteacutelico mostrariacutea la transversalidad de la hypoacutekrisis Otro pasaje atinente a esta caracteriacutestica se encuentra en un pasaje al fi nal de la Poeacutetica donde el mismo fi loacutesofo trata de responder a la pregunta de cuaacutel imitacioacuten es mejor la eacutepica o la traacutegica Asiacute la primera tiene destinatarios honestos y la segunda ordinarios o vulgares de manera que aqueacutellos no necesitan de variaciones en las formas ya sea de la expresioacuten o de los movimientos del cuerpo Por eso la eacutepica es mejor En seguida hace algunas acotaciones (Po 22 1462a5-9)

πρῶτον μὲν οὐ τῆς ποιητικῆς ἡ κατηγορία ἀλλὰ τῆς ὑποκριτικῆς ἐπεὶ ἔστι περιεργάζεσθαι τοῖς σημείοις καὶ ῥαψῳδοῦντα [hellip] καὶ διᾴδοντα [] εἶτα οὐδὲ κίνησις ἅπασα ἀποδοκιμαστέα εἴπερ μηδrsquo ὄρχησις ἀλλrsquo ἡ φαύλωνEn primer lugar la acusacioacuten no es contra el arte poeacutetica sino contra el arte hypokriacutetikē puesto que

33 Glaucoacuten de Teos que se acostumbra identifi car con Glaucos de Regio (cf el comentario de Racionero al pasaje en comento) quien habriacutea escrito una obra intitulada Acerca de los poetas y muacutesicos de la Antiguumledad el primer tratado de criacutetica literaria conocido Por lo menos en esta obra el intereacutes no se orienta a la retoacuterica sino a la eacutepica y a la tragedia uno de cuyos temas de estudio seriacutea la rhapsōdiacutea y la hypoacutekrisis respectivamente Pero la identifi cacioacuten no es segura

- 111 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

son el rapsōdos y el cantor quienes exageran con los signos [hellip] En segundo no todo movimiento del cuerpo es reprobable y tampoco la danza sino aquella que es vulgar

Ademaacutes de la distincioacuten patente entre las artes de naturaleza vocal y las de naturaleza kineacutesica como el arte de la danza (orkhēstikē ὀρχηστική) el texto muestra que la hypokriacutetikē abarca la rapsodia y el canto

Sobre este asunto trata otro pasaje de la Retoacuterica (Rh 1404a12-15)

ἐκείνη μὲν οὖν ὅταν ἔλθῃ ταὐτὸ ποιήσει τῇ ὑποκριτικῇ ἐγκεχειρήκασι δὲ ἐπrsquo ὀλίγον περὶ αὐτῆς εἰπεῖν τινες οἷον Θρασύμαχος ἐν τοῖς ἘλέοιςAhora bien cuando eacutesta [el estudio de la lexis] llegue tendraacute la misma funcioacuten que el arte hipocriacutetica acerca de la cual algunos han ya empezado a tratar aunque en poca medida como Trasiacutemaco en su Consolaciones

Aristoacuteteles estaacute previendo la emergencia de dos nuevas artes paralelas del discurso una relativa a la lexis y otra a la pronunciacioacuten llamada hypokritikē la cual se encuentra en sus inicios con las Consolaciones de Trasiacutemaco obra que contendriacutea cierto tipo de recursos verbales propios de ese geacutenero de obras y que tambieacuten ldquohabiacutea llegado tarde a la ejecucioacuten traacutegica y rapsoacutedica pues en un principio eran los poetas quienes pronunciaban sus tragediasrdquo34 En relacioacuten con lo anterior el pasaje 1403b27-28 de la Retoacuterica ofrece una breve pero signifi cativa presentacioacuten de la hypoacutekrisis y en los capiacutetulos 2-12 desarrolla una teoriacutea de la lexis vinculada en parte a la hypoacutekrisis

34 Arist Rh 1403b23-24 καὶ γὰρ εἰς τὴν τραγικὴν καὶ ῥαψῳδίαν ὀψὲ παρῆλθενmiddot ὑπεκρίνοντο γὰρ αὐτοὶ τὰς τραγῳδίας οἱ ποιηταὶ τὸ πρῶτον

- 112 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tambieacuten en la Poeacutetica Aristoacuteteles trata de la lexis (capiacutetulos 19 y 20) y reenviacutea a un arte llamado hypokriacutetikē de la siguiente manera (Po 19 1456b8-14)

τῶν δὲ περὶ τὴν λέξιν ἓν μέν ἐστιν εἶδος θεωρίας τὰ σχήματα τῆς λέξεως ἅ ἐστιν εἰδέναι τῆς ὑποκριτικῆς καὶ τοῦ τὴν τοιαύτην ἔχοντος ἀρχιτεκτονικήν οἷον τί ἐντολὴ καὶ τί εὐχὴ καὶ διήγησις καὶ ἀπειλὴ καὶ ἐρώτησις καὶ ἀπόκρισις καὶ εἴ τι ἄλλο τοιοῦτονDe los temas relativos al estilo una forma de estudio son los modos de la expresioacuten [oral] cuyo conocimiento es propio de la hypokritikē y de quien domine un conocimiento arquitectoacutenico como eacutese por ejemplo queacute es orden queacute plegaria queacute narracioacuten queacute amenaza queacute pregunta queacute respuesta y queacute es otra forma si la hay

Protaacutegoras y Alcidamante ya habiacutean hecho una divisioacuten semejante de estos modos de expresioacuten que ellos llamaron ldquobases del discursordquo35

Asiacute la hypokriacutetikē (ὑποκριτική) es el arte o teacutecnica (θεώρημα) de la pronunciacioacuten o diccioacuten de la voz que estudia los elementos prosoacutedicos que permiten distinguir los diversos modos de expresioacuten No seriacutea un arte propia de la retoacuterica ni de la poeacutetica sino que se extenderiacutea a las diversas artes discursivas como la narracioacuten rapsoacutedica (rhapsōdiacutea ῥαψῳδία) la pronunciacioacuten teatral (hypoacutekrisis ὑπόκρισις) basada en el diaacutelogo (preguntas y

35 DL 953-4 διεῖλέ τε τὸν λόγον πρῶτος εἰς τέτταραmiddot εὐχωλήν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν (οἱ δὲ εἰς ἑπτάmiddot διήγησιν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν ἀπαγγελίαν εὐχωλήν κλῆσιν) οὓς καὶ πυθμένας εἶπε λόγων Ἀλκιδάμας δὲ τέτταρας λόγους φησίmiddot φάσιν ἀπόφασιν ἐρώτησιν προσαγόρευσιν ldquoFue el primero que dividioacute el discurso en cuatro clases deseo pregunta respuesta y orden (seguacuten otros en siete narracioacuten pregunta respuesta orden exposicioacuten plegaria e invocacioacuten) a las que tambieacuten llamoacute bases de discursos Alcidamante dice que son cuatro los discursos afi rmacioacuten negacioacuten interrogacioacuten alocucioacutenrdquo

- 113 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

respuestas) y la oratoria (hermēneacuteia ἑρμηνείᾳ)36 ademaacutes de otras ejecuciones orales37

Una vez defi nida la teacutekhnē hypokritikē y deslindado su campo habriacutea que proceder a caracterizar la tipologiacutea de las tres artes enunciativas particulares en la eacutepoca claacutesica Si se atiende al tercer criterio establecido por Aristoacuteteles en su Poeacutetica (3 1448a19-23) relativo al modo de la imitacioacuten se tendriacutean tres especies de pronunciacioacuten emotiva el narrador imita poniendo la voz en los personajes (rapsoacutedica) el sujeto narrador imita directamente por siacute mismo (la retoacuterica) y el poeta presenta a los personajes actuando (dramaacutetica) En cuanto a su funcioacuten ahora bien para la hermēneacuteia oratoria es la persuasioacuten para la traacutegica la purifi cacioacuten (katharsis) de las pasiones y para la rapsoacutedica la transmisioacuten y conservacioacuten del pasado eacutepico

36 Para Alcidamante la pronunciacioacuten oratoria (que llama hermēneacuteia) es diferente de la del teatro y la eacutepica Cf Alcid 14  ἀνάγκη δ ἐστίν ὅταν τις τὰ μὲν αὐτοσχεδιάζῃ τὰ δὲ τυποῖ τὸν λόγον ἀνόμοιον ὄντα ψόγον τῷ λέγοντι παρασκευάζειν καὶ τὰ μὲν ὑποκρίσει καὶ ῥαψῳδίᾳ παραπλήσια δοκεῖν εἶναι τὰ δὲ ταπεινὰ καὶ φαῦλα φαίνεσθαι παρὰ τὴν ἐκείνων ἀκρίβειαν ldquoes preciso que cuando uno improvisa unas partes y otras las escribe se repruebe al orador por ser el discurso desigual y que aqueacutellas parezcan ser cercanas a la pronunciacioacuten teatral y eacutepica y eacutestas en cambio se muestren pobres y sin valor frente al cuidado de aquellasrdquo37 Es necesario deslindar la ejecucioacuten retoacuterica (hermēneia o hermēneutikē) de la hypoacutekrisis teatral de la rhapsōdiacutea eacutepica muy difundida en eacutepoca claacutesica y de las ejecuciones de la poesiacutea liacuterica ya sea en las festividades populares en las ceremonias religiosas o en las reuniones simposiales Existen numerosos testimonios literarios de la Grecia antigua que ponen de manifi esto extraordinarias capacidades de actuacioacuten y declamacioacuten en los maacutes diversos aacutembitos de las praacutecticas culturales de los griegos y por otro lado se puede arguumlir que estas capacidades fueron objeto de la ensentildeanza El caso de los rapsodas declamadores profesionales formados en las antiguas academias de recitacioacuten es uno de los maacutes conocidos y la rapsōdiacutea fue el primer teacutermino utilizado para indicar la ensentildeanza de la recitacioacuten eacutepica En torno de los rapsodas existiacutea organizaciones sometidas a intereses de peso poliacutetico y social Por tanto es equivocado e inoperante emplear el teacutermino hypoacutekrisis para todo tipo de ejecuciones Del mismo modo las diferencias entre los geacuteneros oratorios impiden generalizar las nociones al respecto Una ejecucioacuten se requeriacutea para el tribunal otra para la tribuna puacuteblica y otra muy diferente para el discurso demostrativo

- 114 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Se conocen algunos procedimientos de la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral (hē hypokritikē) En primer lugar su regla maacutes importante seriacutea la siguiente a mayor precisioacuten del lenguaje menos hypoacutekrisis La expresioacuten escrita es maacutes precisa la oral menos Para que la expresioacuten escrita cumpla su funcioacuten basta con que esteacute elaborada de manera correcta y precisa En cambio la oral requiere de mayor hypoacutekrisis esto es de un mayor control voluntario de la modulacioacuten de la voz intensidad tono y duracioacuten con la fi nalidad de afectar al destinatario38

Por otra parte como los geacuteneros deliberativo y judicial son fundamentalmente orales requieren de mayor hypoacutekrisis (Rh 1413b3-9) Pero entre ambos hay una gran diferencia pues a mayor nuacutemero de oyentes menor precisioacuten (Arist Rh 1414a16) De alliacute se desprende otra regla que es la siguiente a mayor nuacutemero de oyentes maacutes hypoacutekrisis sobre todo en cuanto a la fuerza de la voz Asiacute en la asamblea es maacutes necesaria que en el tribunal Ademaacutes entre menor sea el nuacutemero de jueces seraacute menos necesaria Ante un solo juez no tendriacutea necesidad de hypoacutekrisis pero siacute de precisioacuten

Es posible incluso describir los elementos o eidē de la hypokritikē en dos oacuterdenes uno es el de las cualidades prosoacutedicas y otro los modos de expresioacuten Como ya hemos visto en el pasaje de Aristoacuteteles (Rh 1403b27-31) se aborda las infl exiones de la voz volumen armoniacutea o tono y ritmo o duracioacuten Pertenecen a este arte de la pronunciacioacuten emocional (frente al texto escrito) el estilo suelto que se caracteriza por la falta de conjunciones y

38 Cf Alcid 13 οἱ γὰρ εἰς τὰ δικαστήρια τοὺς λόγους γράφοντες φεύγουσι τὰς ἀκριβείας καὶ μιμοῦνται τὰς τῶν αὐτοσχεδιαζόντων ἑρμηνείας καὶ τότε κάλλιστα γράφειν δοκοῦσιν ὅταν ἥκιστα γεγραμμένοις ὁμοίους πορίσωνται λόγους ldquoquienes escriben discursos para los tribunales huyen de la precisioacuten e imitan las expresiones de quienes improvisan y parecen escribir textos bien elaborados cuando preparan discursos que son lo menos semejantes a los discursos escritosrdquo

- 115 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

por repeticiones anafoacutericas de lo cual Aristoacuteteles ofrece algunos ejemplos enriquecidos con las observaciones de Demetrio en su Acerca del estilo39 Otros son los llamados skhēmata lexeōs o ldquomodos de expresioacutenrdquo (Po 191456b8-14) orden plegaria pregunta narracioacuten amenaza respuesta que aparecen tambieacuten de manera diferente en Protaacutegoras y Alcidamante Estos modos deberiacutean tener su propio tono de voz intensidad y ritmo Por ejemplo una orden requiere de una mayor intensidad de la voz etc

Pareceriacutea entonces que en torno a la modulacioacuten oral expresiva estrechamente vinculada con el estilo sus elementos fueran susceptibles de estructurarse en niveles que abarca los fonemas y las palabras los fenoacutemenos sintaacutecticos (por la falta de conjunciones y a la repeticioacuten anafoacuterica) y los modos discursivos

De tal modo a semejanza de la memoria la actuacioacuten retoacuterica (voz y movimiento) no habriacutea sido en su origen una de las partes de la retoacuterica sino un conocimiento generalizado y una praacutectica muy difundida en todas las expresiones orales desde la eacutepoca homeacuterica Por ello podemos decir que la ejecucioacuten o performance retoacuterica en la Grecia claacutesica fue una praacutectica cultural que integraba en primer lugar la hypoacutekrisis o modulacioacuten oral correspondiente a la pronuntiatio y en segundo los elementos performativos que teniacutean que ver con la vista la gestualidad facial (en particular los ojos) los movimientos de las manos (la kheironomiacutea) y las posturas del cuerpo (gimnastikē) Las diferentes actividades discursivas del ser humano habriacutean desarrollado esas praacutecticas en el campo de

39 Dem Sobre el estilo 193-195 Sentildeala que el estilo suelto o sin conjunciones es propio del estilo ἐναγώνιος es decir propio del debate mientras que el escrito es maacutes propio de la lectura pues estaacute compacto y asegurado con conjunciones

- 116 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la recitacioacuten eacutepica el teatro ateniense la oratoria40 que fueron adecuaacutendose a las circunstancias en el tiempo y el espacio41

A fi nales del siglo V se empezaron a sistematizar varias artes de la pronunciacioacuten en primer lugar la del arte eacutepico o rhapsōdiacutea del dramaacutetico o hypoacutekrisis y del oratorio o hermeneacuteia las cuales junto con otras se pueden agrupar en una teoriacutea general de la pronunciacioacuten o hipocriacutetica (hypokritikē) cuyos fundamentos y elementos ha sido posible delinear en este espacio La hipocriacutetica se refi ere al estudio de la voz de modo que abarca soacutelo una parte de numerosos procedimientos que se utilizaban en las praacutecticas discursivas de la Grecia antigua que incluiacutean ademaacutes de la voz los gestos del rostro los ademanes los movimientos del cuerpo e incluso el vestuario que en la retoacuterica de los siglos V y IV teniacutean una funcioacuten importante para la produccioacuten de emociones con el fi n de persuadir como lo sentildeala el propio Aristoacuteteles42 Aunque en el campo de la retoacuterica estos aspectos ya habiacutean sido observados por el fi loacutesofo alcanzaron su plena sistematizacioacuten praacutectica en la retoacuterica latina de la eacutepoca de Ciceroacuten y Quintiliano vinculaacutendoseles a todos ellos bajo el nombre de actio o pronuntiatio

40 La ejecucioacuten fue un elemento de primera importancia desde el punto de vista praacutectico no porque sea un don natural sino porque los elementos de los que consta son susceptibles maacutes de la observacioacuten de la imitacioacuten y de la ensentildeanza praacutectica maacutes que de la descripcioacuten teoacuterica41 Ademaacutes de distinguir entre la ejecucioacuten en diferentes geacuteneros literarios y especies discursivas es necesario considerar tambieacuten la evolucioacuten de las praacutecticas discursivas al adaptarse a las cambiantes condiciones de circulacioacuten En el aacutegora griega y el foro romano la ejecucioacuten no podiacutea ser la misma Un juez o algunos jueces requieren de una ejecucioacuten diferente de la que se da en un jurado de cientos de personas que desconocen en principio el asunto que se las va a presentar De la misma manera el siglo VI presentaba condiciones muy diferentes a las de los siglos V y IV a C La ejecucioacuten estaba sometida a una constante originalidad42 Arist Rh 1386ordf33-35 ἀνάγκη τοὺς συναπεργαζομένους σχήμασι καὶ φωναῖς καὶ ἐσθῆσι καὶ ὅλως ὑποκρίσει ἐλεεινοτέρους εἶναι (ἐγγὺς γὰρ ποιοῦσι φαίνεσθαι τὸ κακόν πρὸ ὀμμάτων ποιοῦντες []) ldquoes necesario que quienes elaboran su discurso con la ayuda de posturas voces y vestidos en todo con modulacioacuten oral parecen maacutes dignos de compasioacuten (pues hacen que el mal aparezca cerca ponieacutendolo ante los ojos [])

- 117 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Es necesario auacuten profundizar en los fundamentos y los elementos de la hipocriacutetica y sobre todo en su ensentildeanza y su aplicacioacuten praacutectica estrechamente vinculados a los fenoacutemenos prosoacutedicos actualmente estudiados por Maria Flaacutevia Figueiredo de la Universidad de Franca Satildeo Paolo Brasil (Figueiredo 2017 etc)

BIBLIOGRAFIacuteA

Fuentes y obras de consulta

ALCIDAMANTE Orazioni e frammenti Testo introduzione traduzione e note a cura de G Avezzugrave Roma ldquoLrsquoErmardquo de Bretschneider 1982

ARISTOacuteTELES Retoacuterica 4a ed bilinguumle griego-espantildeol Traduccioacuten proacutelogo y notas de Antonio Tovar Madrid Centro de Estudios Constitucionales 1990

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Quintiacuten Racionero Madrid Gredos 1999

HERMAGORAE Temnitae testimonia et fragmenta Collegit D Matthes Leipzig Teubner 1962

ISOCRATE Discours vol I texte eacutetabli et traduit par G Mathieu and Eacute Breacutemond Paris Les Belles Lettres 19724

ISOCRATE Orazioni Panegirico Areopagitico Sulla pace Filippo Panatenaico introduzione traduzione e note di Ch Ghirga e Roberta Romussi testo greco a fronte Milano Rizzoli 2001

SPENGEL L Rhetores Graeci 3 vols 2a ed del vol I 2 por C Hammer Leipzig Teubner 1853-1856 1853 (I) 1854 (II) 1856 (III)

WALZ C Rhetores Graeci 9 vols Stuttgart-Tubinga Cotta 1832-1836 1932 (I) 1833 (IV V VII pars 1) 1934 (III VI VII pars 2 VIII) VI) 1835 (II) 1936 (IX)

- 118 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BALDWIN Ch S Ancient Rhetoric and Poetic Interpretated from Representative Works 3 vols NY Macmillan 1924 || Reimpr Gloucester (Mass) Peter Schmith 1959

EDWARDS M ldquoHypokritēs in Action Delivery in Greek Rhetoricrdquo Christos Kremmydas Jonathan Powell Lene Rubinstein Profession and Performance Aspects of oratory in the Greco-Roman world School of Advanced Study University of London Institute of Classical Studies 2013 15-25

FANTHAM E ldquoRhetor andet actorrdquo Greek and Roman Actors Aspects of an Ancient Profession edited by Pat Easterling Edith Hall Camridge Cambridge University Press 2002 362-376

FIGUEIREDO M F y A R Radi ldquoNuances do dizer efeitos retoacutericos da prosoacutediardquo en L A Ferreira (Org) Artimanhas do dizer retoacuterica oratoacuteria e eloquecircncia Satildeo Paulo Blucher 2017 125-138

FRACHET Ceacutecile ldquoLrsquoactiorsquo oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctorrsquo de la rsquoRheacutetorique agrave Herenniusrsquo Ciceacuteron et Quintilienrdquo Litteacuteratures 2012 ltdumas-00705366gt

FORTENBAUGH William et al (eds) Th eophrastus of Eresus Sources for His Life Writings Th ought and Infl uence Parts 1-2 2nd Ed Leiden-New York-Koumlln Brill 1992

FRACHET Ceacutecile Lrsquoactio oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctor de la Rheacutetorique agrave Herennius Ciceacuteron et Quintilien Meacutemoire de Master Speacutecialiteacute Litteacuteratures ndash Parcours PLC Lettres classiques Sous la direction de Madame Sophie Aubert‐Baillot Universiteacute Stendhal (Grenoble3) UFR LLASIC ndash Langage Lettres et Arts du spectacle Information et Communication Anneacutee universitaire 2011‐2012

GONZAacuteLEZ Joseacute M Th e Epic Rhapsode and His Craft Homeric Performance in a Diachronic Perspective Hellenic Studies Series 47 Washington DC Center for Hellenic Studies 2013 httpnrsharvardeduurn-3hulebookCHS_GonzalezJTh e_Epic_Rhapsode_and_his_Craft2013

HILDER Jennifer ldquoTh e Politics of Pronuntiatio Th e Rhetorica ad Herennium and Delivery in the First Century bcrdquo en Gray Christa et

- 119 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

al Reading Republican Oratory Reconstructions Contexts Receptions Oxford Oxford University Press 2018

MORTARA GARAVELLI B Manuale di retorica Milano Bompiani 2003

NAVARRE O Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Paris 1900

VALLOZZA M ldquoLa testimonianza di Atanasio sul Περὶ ὑποκρίσεως di Teofrasto (177 3-8 Rabe = 712 FHSampG)rdquo Papers on Rhetoric III (edited by Lucia Calboli Montefusco) (2000) 271-281

VOLKMANN R Die Rhetorik der Griechen und Roumlmer in systematischer Oumlbersicht dargestellt Leipzig Teubner 18852

- 120 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 121 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel

INTRODUCcedilAtildeO

Discorrer sobre Bakhtin seus textos como eacute possiacutevel interpretaacute-los parece ser sempre um desafi o devido a vaacuterias questotildees Uma sempre lembrada eacute a ainda controversa questatildeo da autoria de textos que ora se reputam a Bakhtin ora se admitem como produtos da pena de Voloacutechinov ou Medvieacutedev Outro ponto delicado satildeo as traduccedilotildees que embasaram as discussotildees em solo brasileiro por longo tempo Se hoje felizmente conta-se no Brasil como boas traduccedilotildees de parte consideraacutevel da produccedilatildeo do assim chamado Ciacuterculo de Bakhtin eacute necessaacuterio reconhecer que traduccedilotildees nem sempre tatildeo adequadas resultaram em problemas na interpretaccedilatildeo da jaacute de per si nada faacutecil obra do Ciacuterculo

E eacute exatamente essa interpretaccedilatildeo que se quer focalizar nesse introito A questatildeo do corpo nos escritos de Bakhtin (leia-se doravante de seu Ciacuterculo) eacute surpreendente e complexa sendo considerada de perspectivas ricamente diacutespares ainda que natildeo absolutamente divergentes em diferentes obras

Em ldquoA cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelaisrdquo (20131965) por exemplo Bakhtin versaraacute sobre as representaccedilotildees do corpo ldquogrotescordquo assinalando como fi zera a respeito de outros pontos da esteacutetica rabelaisiana a ambiguidade constitutiva dessa representaccedilatildeo que natildeo deve ser tomada como simples exagero depreciador

A AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO

VESTIBULAR UNICAMP

- 122 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Outra perspectiva de contemplaccedilatildeo do corpo estaacute presente no admiraacutevel ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que Bakhtin aborda a questatildeo ponderando a respeito da imagem exterior e interior dos homens na vida real e das personagens no mundo fi ccional a fi m de entender a posiccedilatildeo excedente do homem ou autor em relaccedilatildeo ao outro outrem ou personagem

Concepccedilatildeo bastante similar a respeito do corpo eacute expressa nas paacuteginas de ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111929) embora nessa obra Bakhtin se atenha sobretudo agrave autoconsciecircncia como centro organizador da vivecircncia do homem tanto psicologicamente como de seu (corpo) exterior

Assim haacute se natildeo vaacuterios pelo menos alguns modos de entender o corpo nos escritos do Ciacuterculo Por isso rememorando o que se disse no iniacutecio deste preacircmbulo sendo tantas as discussotildees e intepretaccedilotildees possiacuteveis eacute importante destacar por quais caminhos se buscaraacute entender o corpo a voz e a linguagem neste capiacutetulo em especiacutefi co

Esclarece-se entatildeo de antematildeo que se buscaraacute analisar especialmente a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo Em algum sentido seraacute uma quase negaccedilatildeo da importacircncia do corpo fiacutesico pautando-se a exposiccedilatildeo pelas ideias bakhtinianas a respeito do corpo como resultado da autoconsciecircncia Frise-se eacute apenas umas das interpretaccedilotildees possiacuteveis

AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO ORGANIZA-DOR DA VIDA E DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP

Em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo Bakhtin (2003 [192-] p 46 grifo do autor) observa

- 123 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De fato mal a pessoa comeccedila a vivenciar a si mesma de dentro depara imediatamente com atos de reconhecimento e de amor de pessoas iacutentimas da matildee que partem de fora ao encontro dela dos laacutebios da matildee e de pessoas iacutentimas a crianccedila recebe todas as defi niccedilotildees de si mesma Dos laacutebios delas no tom volitivo-emocional do seu amor a crianccedila ouve e comeccedila a reconhecer o seu nome a denominaccedilatildeo de todos os elementos relacionados ao seu corpo e agraves vivecircncias e estados interiores satildeo palavras de pessoas que ama as primeiras palavras sobre ela as mais autorizadas que pela primeira vez lhe determinam de fora a personalidade e vatildeo ao encontro da sua proacutepria e obscura auto-sensaccedilatildeo interior dando-lhe forma e nome em que pela primeira vez ela toma consciecircncia de si e se localiza como algo

O modo como cada indiviacuteduo sentiraacute e reconheceraacute seu proacuteprio corpo eacute dado pela primeira vez pela palavra do outro Eacute do outro que deriva a percepccedilatildeo a denominaccedilatildeo e a valoraccedilatildeo das partes do corpo Natildeo se trata de um reconhecimento faacutetico fi sioloacutegico fiacutesico externo Natildeo eacute o tocar o proacuteprio corpo que cria para o sujeito a dimensatildeo de sua realidade corpoacuterea esta eacute construiacuteda pela palavra do outro

Ressalte-se que a palavra do outro para fornecer pela primeira vez a ideia do corpo exterior precisa adentrar a autoconsciecircncia do indiviacuteduo ali destacando para o ldquoeurdquo a sua proacutepria condiccedilatildeo fiacutesica nomeando e valorando seu corpo estabelecendo pela primeira vez sua corporeidade exterior O corpo exterior eacute organizado pela autoconsciecircncia prenhe das palavras alheias

A relevacircncia da autoconsciecircncia tambeacutem seraacute explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreende um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia

- 124 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Na autoconsciecircncia se desenvolve o diaacutelogo interior repleto de vozes alheias com as quais o sujeito dialoga e em meio as quais ele mesmo se organiza inclusive em termos da percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo

Por isso segundo Bakhtin (20111963) a questatildeo do corpo externo das personagens seraacute pouco explorada nas obras dostoievskianas cujo centro de interesse seratildeo os diaacutelogos por meio dos quais se constituem as autoconsciecircncias das personagens

Especialmente nos romances classifi cados por Bakhtin como polifocircnicos o centro da representaccedilatildeo literaacuteria eacute a autoconsciecircncia inacabada e inacabaacutevel da personagem Inacabada pois nem autor narrador ou qualquer outra personagem estaacute autorizada a dar a palavra fi nal sobre o outro ndash inclusive sobre o corpo do outro Inacabaacutevel pois a personagem natildeo consegue se distanciar de si para atraveacutes de um olhar externo se autoconferir um acabamento de seu interior e de seu (corpo) exterior

Conforme assinala Tezza (2003 p 182) ldquoNa obra polifocircnica os heroacuteis natildeo se defi nem pela biografi a nem se determinam pelo seu passado natildeo podem nem mesmo ser defi nidos por suas caracteriacutesticas fiacutesicas pelo olhar de fora []rdquo

A vida das personagens dostoievskianas gravita ao redor de suas autoconsciecircncias alimentadas pelos inuacutemeros diaacutelogos que travam com outros e consigo mesmas Eacute por esse vieacutes que podem vir a se interessar pelo proacuteprio corpo caso o outro lhes aguce o olhar O corpo soacute aparece como centro de interesse para a personagem caso algueacutem lhe incite a isso caso algueacutem lhe faccedila se deter a contemplar sua proacutepria realidade corporal Acontecimento de todo modo raro na obra dostoievskiana

- 125 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Para prosseguir nessa questatildeo cabe perguntar se assim eacute na sofi sticada prosa dostoeivskiana como seria em outros gecircneros discursivos em outros autores Buscando responder a essas questotildees passa-se agrave anaacutelise de duas redaccedilotildees escritas no contexto do vestibular Unicamp e eleitas pela Comissatildeo Permanente do Vestibular Unicamp (Comvest) entre as melhores dos anos em que foram elaboradas

REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP AUTOCONS-CIEcircNCIA E CORPO

Em ldquoOs gecircneros do discursordquo (2003 [1952-1953]) mas tambeacutem em outros textos como ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo e ldquoO discurso no romancerdquo (2015 [1930-1936] entre outros Bakhtin sublinha a importacircncia de comparar os fenocircmenos linguiacutesticos em diferentes gecircneros discursivos dado que em cada um eacute possiacutevel ser distinto o emprego da linguagem verbal

Por isso se eacute fundamental a questatildeo da autoconsciecircncia como centro da vida e portanto do corpo nos romances polifonocircnicos de Dostoieacutevski pretende-se divisar como essa questatildeo aparece em outros gecircneros Para a realizaccedilatildeo dessa anaacutelise elege-se no escopo deste capiacutetulo textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo ndash conforme denominaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo proposta por Cocircrrea (2010)

Para dar iniacutecio agrave discussatildeo transcreve-se a proposta do Vestibular Unicamp 2000 para o Tema B narraccedilatildeo (COMVEST 2000 p 113-114)

- 126 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A seguir transcreve-se uma redaccedilatildeo (COMVEST 2000 p 132-137)1 que atendeu a essa proposta

1 A autora do texto eacute a vestibulanda Gabriela Abreu Guedes Natildeo se omite o nome da candidata pois eacute puacuteblica a autoria das redaccedilotildees que compotildeem as coletacircneas de redaccedilotildees organizadas pela Comvest Aleacutem disso eacute meritoacuteria a referecircncia a candidatos cujos textos se destacam no conjunto dos milhares que a cada ano satildeo avaliados pela Comvest

TEMA B

No dia 5 de outubro de 1999 terccedila-feira o jornal Correio Popular de Campinas SP publicou a seguinte manchete de primeira paacutegina acompanhada de breve texto

100 mil fi cam sem aacutegua em Sumareacute

Um crime ambiental provocou a suspensatildeo do abastecimento de aacutegua de cerca de 100 mil moradores de Sumareacute A medida foi tomada na sexta-feira quando uma mancha de oacuteleo de aproximadamente 3 quilocircmetros de extensatildeo surgiu nas aacuteguas do rio Atibaia Anteontem uma nova mancha apareceu nas proximidades da Estaccedilatildeo de Tratamento de Aacutegua I na divisa entre o bairro Nova Veneza e o municiacutepio de Pauliacutenia A situaccedilatildeo somente seraacute normalizada na quinta-feira A Cetesb investiga o caso e os teacutecnicos acreditam que o produto (oacuteleo diesel ou gasolina) foi despejado em esgoto domeacutestico em Pauliacutenia

Leve em conta essa notiacutecia e privilegie a hipoacutetese dos teacutecnicos apresentada no fi nal do texto A partir desses elementos escreva uma narraccedilatildeo em terceira pessoa caracterizando adequadamente personagens e ambiente Crie um detetive ou um repoacuterter investigativo que quando tenta resolver o ldquocrime ambientalrdquo descobre que o ocorrido eacute parte de uma conspiraccedilatildeo maior

- 127 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sexta-feira 1ordm de outubro de 1999

A mancha tomava conta do rio pouco a pouco O rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordens Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram Respaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

Saacutebado 02 de outubro de 1999

Na redaccedilatildeo o calor era toacuterrido O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado Os colegas achavam graccedila ldquoseraacute que vocecirc escolheu a profi ssatildeo certardquo perguntavam Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria

- 128 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila Quando o editor pediu que ele fosse conferir a ldquotal manchardquo no rio ele foi com a mesma solicitude indiferente de sempre

Domingo 03 de outubro de 1999

No dia anterior havia feito inuacutemeras entrevistas engenheiros teacutecnicos autoridades Havia a possibilidade de a poluiccedilatildeo ter sido intencional mas tal hipoacutetese geralmente sussurrada ou dita de modo sorrateiro parecia causar incocircmodo Apenas o ldquofocardquo se interessou pela teoria ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo O bip chamava deveria ir a Pauliacutenia pois havia uma nova mancha por laacute

Segunda-feira 04 de outubro de 1999

Mal o editor deixara a sala vieram os colegas felicitaacute-lo pela reportagem a mateacuteria seria manchete de primeira paacutegina Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes Ao sair recebeu sinal para subir Falando com o engenheiro-chefe entendeu

- 129 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido O telefone tocou

Terccedila-feira 05 de outubro de 1999

O ldquofocardquo chegava ao lugar marcado com quinze minutos de antecedecircncia Pelo telefone a pessoa apenas informou a hora e o local em que deveriam se encontrar Natildeo se identifi cou e natildeo disse como estaria Aparentemente um boteco como qualquer outro adentrou o local relutante entre a curiosidade e a cautela Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado Ao sentar-se agrave mesa recebeu um bilhete que o mandava subir Obedeceu cauteloso No andar superior conversou com uma pessoa que por sua vez conduziu-o a outra sala Estava comeccedilando a assustar-se A sala estava escura e ele natildeo podia ver quem laacute estava Apenas ouvia uma voz que o advertia a natildeo fazer perguntas A voz o informou de que um grupo politicamente oposto ao governo vigente tentava sabotaacute-lo poluindo criminosamente o rio o que aleacutem de indispor a simpatia da populaccedilatildeo contra as autoridades traria um grande prejuiacutezo econocircmico agrave cidade Falou mais e o jornalista ouvia eufoacuterico entendendo a dimensatildeo do que ouvia Ao sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceu

Quarta-feira 06 de outubro de 1999

O rapaz afrouxava a gravata Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

- 130 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A redaccedilatildeo daacute destaque a duas personagens o ldquofocardquo e o ldquorapaz de gravatardquo Quanto a este uacuteltimo haacute algumas passagens que falam de seu corpo ou pelo menos tomam-no de uma perspectiva externa como nas passagens ldquoO rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordensrdquo ldquoRespaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar []rdquo e ldquoO rapaz afrouxava a gravatardquo Acerca do foca a uacutenica passagem em que se observa seu corpo exterior eacute ldquoAo sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceurdquo

Esse olhar externo que o narrador de sua distacircncia exterior lanccedila sobre as personagens defi nindo-as natildeo eacute comum na prosa dostoievskiana mas cabe observar que mesmo nessa redaccedilatildeo de vestibular esse procedimento ocupa um espaccedilo composicional bastante diminuto se comparado ao que se dedica agrave observaccedilatildeo da autoconsciecircncia das personagens

Observe-se por exemplo que todas as longas passagens a seguir se voltam agrave autoconsciecircncia do ldquohomem de gravatardquo

(i) Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram [] procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo

- 131 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

(ii) Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

Por sua vez tambeacutem agrave autoconsciecircncia do ldquofocardquo eacute dedicado extenso espaccedilo composicional

(i) O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado [] Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila

(ii) ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo

(iii) Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes [] Falando com o engenheiro-chefe entendeu que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato

- 132 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido

(iv) Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado

Esses longos excertos os quais perfazem boa parte da estrutura composicional da redaccedilatildeo comprovam ser a autoconsciecircncia um aspecto tambeacutem muito relevante na composiccedilatildeo desse gecircnero A candidata ao escrever daacute destaque aos diaacutelogos interiores das personagens em detrimento de descriccedilotildees fiacutesicas

Todavia se poderaacute sempre arguir por oacutebvio que se trata apenas de um texto a partir do qual eacute temeraacuterio caracterizar todos os demais do mesmo gecircnero Aleacutem disso poder-se-ia aventar que a proposta de escrita infl uenciou na composiccedilatildeo de redaccedilotildees que focalizassem as questotildees da consciecircncia em prejuiacutezo de um desenvolvimento mais detalhado acerca do corpo das personagens

Sem de modo algum desconsiderar como vaacutelidas e pertinentes essas ressalvas passa-se ao exame de uma outra redaccedilatildeo cuja proposta supotildee-se poderia levar a uma maior atenccedilatildeo ao corpo fiacutesico das personagens

- 133 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

PROPOSTA B

Trabalhe sua narrativa a partir do seguinte recorte temaacutetico

O avanccedilo da tecnologia e da ciecircncia meacutedica desmistifi ca muitos dos preconceitos em torno das doenccedilas Entretanto algumas delas consideradas atualmente problemas de sauacutede puacuteblica como obesidade alcoolismo diabetes AIDS entre outras continuam a trazer difi culdades de autoaceitaccedilatildeo e de relacionamento social

Instruccedilotildees

1 - Imagine uma personagem que receba o diagnoacutestico de uma doenccedila que eacute tema de campanhas preventivas

2 - Narre as difi culdades vividas pela personagem no conviacutevio com a doenccedila

3 - Sua histoacuteria pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa

Segue a Proposta B do Vestibular Unicamp 2008 (COMVEST 2008 p 42)

A seguir transcreve-se a redaccedilatildeo (COMVEST 2008 p 142-

- 134 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Luta

O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava Teve de terminar a corrida seu exerciacutecio matinal e voltar para a casa Dormir descansar Depois mais exerciacutecio No caminho teve vontade de devorar vorazmente um cachorro-quente da barraquinha do seu Zeacute o fi el Zezinho Afastou a ideia natildeo podia mais comer porcarias E o bolo na geladeira Isso tudo natildeo era faacutecil Era estranho mas natildeo dependia da vontade dele O desejo era maior do que suas forccedilas

A corrida era seu exerciacutecio matinal desde a semana passada Era difiacutecil para ele correr mas ordens meacutedicas devem ser cumpridas Ao menos agora pois natildeo escutara os conselhos de seu meacutedico durante toda a vida O doutor sempre com aquele ar pomposo que aparentemente diz ldquoO mundo eacute meu e eu mando nelerdquo reafi rmou que seu fi el mas desatencioso paciente estava obeso e que era urgente a perda de peso Urgente Entatildeo vieram dieta e indicaccedilotildees de exerciacutecios fiacutesicos E ele tinha que cumprir ou sua sauacutede correria grave risco Todos falavam isso natildeo soacute o meacutedico Falavam de outra maneira eacute claro Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo Isso era um alerta

Finalmente chegou em casa Se enterrou no sofaacute e tentou de todo modo dormir Mas natildeo conseguia Sua barriga roncava gritava doiacutea Hoje soacute tinha tomado um leve cafeacute da manhatilde e ainda faltavam duas horas para o almoccedilo Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

- 135 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles Tinha que lutar A barriga pedia Ele a escutava Os roncos quase que falavam

Em um impulso levantou-se do sofaacute foi ateacute a geladeira O bolo estava laacute Imponente como um castelo medieval o poderoso artefato que saciaria sua vontade acalmaria seu desejo Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade Seu corpo pedia isso Levou o bolo para a sala pousou-o no colo e fi cou olhando para o doce O estocircmago nervoso incitava-o

Aquela bandeja a sua frente cheia de chocolate coco e caramelo aquele belo edifiacutecio de prazeres estava a seu alcance Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia O estocircmago dialogava com o bolo com uma voz aacutespera A resposta vinha doce e melodiosa Natildeo o meacutedico dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

Jogou furiosamente o bolo ao chatildeo Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado Chorou Chorou mais Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez Natildeo continuou

145)2 que atendeu agrave essa proposta

Nessa redaccedilatildeo o candidato opta por descrever os confl itos pelos quais passa uma pessoa obesa lutando para seguir as ordens meacutedicas e sociais que lhe accedilulam a emagrecer e sua voz interior 2 O autor do texto eacute Ricardo Amarante Turatti

- 136 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na qual essas vozes externas se conjugam com sua necessidade de comer ldquomais que as demais pessoasrdquo para se saciar

Pelo proacuteprio conteuacutedo temaacutetico a ser desenvolvido eacute de se esperar que a questatildeo do corpo apareccedila no texto De fato em comparaccedilatildeo agrave redaccedilatildeo anterior eacute possiacutevel observar uma maior atenccedilatildeo agrave descriccedilatildeo fiacutesica da personagem em passagens como

(i) O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava

(ii) Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo

(iii) Sua barriga roncava gritava doiacutea

(iv) Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles

(v) Seu corpo pedia isso

(vi) Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado [] Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo

Todavia em vaacuterias passagens o narrador se deteacutem a descrever a autoconsciecircncia da personagem

(i) Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

(ii) Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade

(iii) Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia [] Natildeo o meacutedico

- 137 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

(iv) Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea [] A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez

Mais relevante poreacutem que contrastar o espaccedilo composicional dedicado a cada aspecto eacute observar que mesmo as menccedilotildees ao corpo provecircm das vozes que o protagonista ouviu de outros sujeitos Assim ver-se como o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo eacute ver-se pelos olhos dos outros ou para usar um termo mais proacuteprio ao universo bakhtiniano pelas vozes dos outros Satildeo essas vozes alheias que lhe falam sobre o seu corpo Vozes que lhe habitam a autoconsciecircncia a partir de onde se organiza interior mas tambeacutem exteriormente

Receba uma maior ou menor atenccedilatildeo do narrador seja mais ou menos tematizado nas vozes de personagens ou do proacuteprio heroacutei o corpo ndash como toda a vida eacute imprescindiacutevel sublinhar ndash na perspectiva bakhtiniana natildeo eacute uma realidade faacutetica exterior simplesmente reconheciacutevel O corpo eacute construiacutedo pelo discurso Primeiro pelo discurso alheio que pela primeira vez nomeia mas tambeacutem valora o corpo do outro Essas vozes alheias passam a habitar a autoconsciecircncia do sujeito organizando sua vivecircncia organizando o modo como se vecirc como sujeito inclusive em termos de seu corpo fiacutesico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo do corpo nos escritos em Bakhtin pode ser vista a partir de diferentes vieses Neste capiacutetulo propugnou-se ver o corpo como resultante da autoconsciecircncia Para isso buscou-se apoio principalmente nas observaccedilotildees de Bakhtin expostas em dois textos (i) em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que o pensador russo a pretexto de fazer uma

- 138 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

distinccedilatildeo entre ldquocorpo interiorrdquo e ldquocorpo exteriorrdquo acaba por afi rmar o primado da autoconsciecircncia (interior) com fonte de percepccedilatildeo e valorizaccedilatildeo do corpo exterior e (ii) em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111969) em que a primazia da autoconsciecircncia como centro organizador da vida e do corpo eacute exemplifi cado na anaacutelise de obras dostoievskianas

Dessa fundamentaccedilatildeo teoacuterica passou-se agrave anaacutelise de ldquoredaccedilotildees de vestibularrdquo (CORREcircA 2011) um gecircnero bastante diverso daqueles examinados por Bakhtin Pretendeu-se por essa incursatildeo evidenciar que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Como se espera ter mostrado mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

Ao realizar a refl exatildeo proposta neste capiacutetulo parece possiacutevel entender que da perspectiva bakhtiniana o corpo assim como todos os demais elementos do homem ndash personagem ou natildeo ndash resulta das vozes com as quais o sujeito entra em contato no transcurso de sua vida Mais uma vez entatildeo impotildeem-se considerar o homem no acircmbito de suas complexas relaccedilotildees dialoacutegicas (MACIEL 2014) atraveacutes das quais pelo outro ele se constitui pela primeira vez para si mesmo

O corpo eacute resultado de relaccedilotildees dialoacutegicas atraveacutes das quais enunciados alheios adentram a autoconsciecircncia do sujeito aiacute entrando em confronto com outras vozes proacuteprias e alheias Essa autoconsciecircncia porque resulta do infi ndo diaacutelogo em sentido amplo que o sujeito nunca deixa de estabelecer eacute inacabada

- 139 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(BAKHTIN 19191921) sendo importante lembrar que a percepccedilatildeo do corpo proacuteprio ou alheio eacute sempre mutaacutevel

As vozes alimentam a autoconsciecircncia de onde deriva a percepccedilatildeo do corpo A percepccedilatildeo da realidade fiacutesica portanto para Bakhtin decorre do exerciacutecio da linguagem A percepccedilatildeo do corpo deriva da voz a percepccedilatildeo do corpo resulta da linguagem

REFEREcircNCIAS

BAKHTIN M M (19191921) Para uma fi losofi a do ato Traduccedilatildeo natildeo revisada para fi ns didaacuteticos e acadecircmicos realizada por Carlos Alberto Faraco e Cristovam Tezza [SI sn] [2005-2006]

______ [192-] O autor e a personagem na atividade esteacutetica In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

______ [1930-1936] O discurso no romance In ______ A teoria do romance I A estiliacutestica Traduccedilatildeo prefaacutecio notas e glossaacuterio de Paulo Bezerra Satildeo Paulo Hucitec 2015

______ Os gecircneros do discurso In ______ Os gecircneros do discurso Organizaccedilatildeo traduccedilatildeo posfaacutecio e notas Paulo Bezerra Satildeo Paulo Editora 34 2016a p11-69 [1952-1953]

______ (1963) Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Trad Paulo Bezerra 5 ed (2 tiragem) Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2011

______ (1965) A cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelais Trad Yara Frateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec 2013

COMVEST Redaccedilotildees do Vestibular Unicamp 2000 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Proacute-Reitoria de Extensatildeo e Assuntos Comunitaacuterios Campinas Editora da Unicamp 2000

- 140 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

______ Vestibular Unicamp redaccedilotildees 2008 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Campinas Editora da Unicamp 2008

CORREcircA M L G Encontros entre praacutetica de pesquisa e ensino oralidade e letramento no ensino da escrita Perspectiva Florianoacutepolis v 28 n 2 p 625-648 juldez 2010

MACIEL L V C Relaccedilotildees dialoacutegicas em narrativas Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas 2014

- 141 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Maria Flaacutevia Figueiredo

Os discursos retoacutericos buscam por primazia despertar no auditoacuterio a adesatildeo agraves teses defendidas pelo orador Assim no jogo argumentativo toda e qualquer estrateacutegia capaz de potencializar o alcance persuasivo do argumento defendido conta positivamente para o orador e por essa razatildeo desperta o interesse da retoacuterica que por sua vez se ocupa de averiguar o que gera em cada caso o convencimento e a persuasatildeo1

Nesse processo persuasivo uma das estrateacutegias mais efi cazes eacute o despertar de paixotildees no auditoacuterio Segundo Aristoacuteteles esse recurso funciona de maneira muito efetiva uma vez que as emoccedilotildees humanas (paixotildees) quando despertadas causam necessariamente alteraccedilatildeo nos indiviacuteduos que as sentem e introduzem mudanccedilas em seus juiacutezos o que altera e direciona seus julgamentos

Esse tema de extrema relevacircncia para o entendimento do ser humano e de grande implicaccedilatildeo para o processo persuasivo foi proposto pelo fi loacutesofo de Estagira no livro II de sua Retoacuterica2 Neste trabalho optamos por trazecirc-lo novamente agrave baila e lanccedilar sobre ele outros olhares com base em estudos retoacutericos desenvolvidos na

1 Agradeccedilo ao meu orientando Valmir Ferreira dos Santos Juacutenior pelas sugestotildees dadas agrave redaccedilatildeo deste capiacutetulo2 Sobre a composiccedilatildeo fi nal dessa obra dividida em trecircs livros Quintiacuten Racionero (tradu-tor de Aristoacuteteles diretamente do grego para o espanhol) explica que se deu a partir de 355 aC durante a segunda estada de Aristoacuteteles em AtenasO primeiro livro se ocupa da estrutura da arte retoacuterica da defi niccedilatildeo dos argumentos e tambeacutem dos gecircneros retoacutericos judicial (que visa acusar ou defender) deliberativo (que objetiva discorrer sobre a utilidade ou natildeo de uma problemaacutetica em prol de uma deci-satildeo) e epidiacutetico (que elogia ou censura) O segundo livro se ocupa das paixotildees humanas do caraacuteter dos sujeitos e da estrutura loacutegica do raciociacutenio retoacuterico O terceiro aborda o estilo as fi guras retoacutericas e a composiccedilatildeo do discurso e de suas partes

A RETOacuteRICA DAS PAIXOtildeES REVISITADA

- 142 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

atualidade e com o auxiacutelio de perspectivas contemporacircneas sobre a temaacutetica

Nosso percurso investigativo tem entatildeo por objetivo refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para que possamos discorrer sobre tais processos adentraremos primeiramente a fonte de suas refl exotildees em acircmbito retoacuterico a Retoacuterica das paixotildees

Esse tiacutetulo foi dado ao livro II da Retoacuterica aristoteacutelica que aqui no Brasil recebeu uma ediccedilatildeo biliacutengue (portuguecircs ndash grego) e foi prefaciada com notaacutevel profundidade fi losoacutefi ca por Michel Meyer No prefaacutecio o pensador belga perscruta a obra do estagirita de forma distinta trazendo refl exotildees sobre a gecircnese das emoccedilotildees desde os diaacutelogos platocircnicos ateacute a descriccedilatildeo de Aristoacuteteles passando tambeacutem pelas modulaccedilotildees que a mateacuteria discursiva pode sofrer em funccedilatildeo dos diversos fi ns retoacutericos

Em um dos trechos de seu texto Meyer (2000 p XL) assim se pronuncia ldquolugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircnciardquo Nessa barganha da identidade em detrimento da diferenccedila o campo emotivo ganha lugar para angariar o convencimento e a persuasatildeo do outro Isto eacute as paixotildees em um processo argumentativo satildeo pontes que permitem a conexatildeo e a proximidade dos homens por meio da identifi caccedilatildeo de traccedilos defl agrados em comum

Ciente do papel que exercem no discurso Aristoacuteteles descreve com perspicaacutecia contundente as paixotildees que acometem a alma humana e a fazem subjugar Assim o mestre abre o livro II com a seguinte refl exatildeo ldquovisto que a retoacuterica tem como fi m um julgamento [] eacute necessaacuterio natildeo soacute atentar para o discurso a fi m de que ele seja demonstrativo e digno de feacute mas tambeacutem pocircr-se a si proacuteprio e ao juiz em certas disposiccedilotildeesrdquo (ARISTOacuteTELES

- 143 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

2000 p 3) Esse trecho jaacute nos permite antever a funccedilatildeo primordial das paixotildees qual seja a de encontrar ou suscitar no auditoacuterio as paixotildees disponiacuteveis A esse respeito discorreremos com mais vagar nos paraacutegrafos que se seguem

Seguindo essa linha de raciociacutenio o sistematizador da retoacuterica se dispotildee a mostrar ldquoque as paixotildees constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencerrdquo (MEYER 2000 p XLI) Portanto com vistas a uma argumentaccedilatildeo efetiva que alcance a persuasatildeo o orador precisa ser capaz de acessar o campo emocional de seu auditoacuterio por meio do uso adequado de processos discursivos que possam afl orar as afecccedilotildees de quem testemunha seu ato argumentativo

Para o mestre estagirita as paixotildees humanas ou emoccedilotildees ldquosatildeo as causas que fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanccedilas nos seus juiacutezos na medida em que elas comportam dor e prazerrdquo (ARISTOacuteTELES 2015 p 116) Ao observar essa refl exatildeo conseguimos compreender que elas funcionam como direcionadores sentimentais que visam introduzir um estado em um sujeito para entatildeo tornar sua visatildeo sobre determinada questatildeo favoraacutevel a quem profere o discurso A esse respeito tambeacutem refl etimos sobre o que versa Aristoacuteteles (2000 p 3) no seguinte trecho ldquopara as pessoas que amam as coisas natildeo parecem ser as mesmas que para aquelas que odeiam nem para os dominados pela coacutelera as mesmas que para os tranquilosrdquo Aqui temos a confi rmaccedilatildeo de que as paixotildees possuem o poder de alterar a oacutetica de quem observa uma questatildeo fazendo seu julgamento variar de acordo com a afecccedilatildeo introduzida em sua alma

A refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para propoacutesitos distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia De fato os apontamentos do fi loacutesofo

- 144 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sobre a temaacutetica guiam direta ou indiretamente novas concepccedilotildees acerca das emoccedilotildees ateacute os dias atuais Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber

Acreditamos que os apontamentos aristoteacutelicos tecircm sido profiacutecuos principalmente em funccedilatildeo daquilo que nos recorda Meyer (2000 p XXXIX) ldquoPara Aristoacuteteles [] as paixotildees estatildeo intimamente associadas ao apetite sensiacutevel o qual eacute fl utuante e por isso desestabiliza o homemrdquo Por meio dessa transiccedilatildeo instaacutevel que fundamenta o campo sensiacutevel humano eacute entatildeo que as paixotildees ganham campo para infl igir dor ou prazer em quem as sente Eacute importante ressaltar poreacutem que na retoacuterica especifi camente as paixotildees satildeo entendidas como ldquoresposta a outra pessoa e mais precisamente agrave representaccedilatildeo que ela faz de noacutes em seu espiacuterito As paixotildees refl etem no fundo as representaccedilotildees que fazemos dos outros considerando-se o que eles satildeo para noacutes realmente ou no domiacutenio de nossa imaginaccedilatildeordquo (MEYER 2000 p XLI) Sendo assim nesse campo do saber as paixotildees estatildeo relacionadas a situaccedilotildees transitoacuterias provocadas pelo orador por essa razatildeo natildeo satildeo entendidas como virtudes ou viacutecios permanentes (cf FONSECA 2000 p XV)

Visto que discorremos sobre as delimitaccedilotildees que compreendem as paixotildees humanas passemos agraves caracterizaccedilotildees desses estados de que o orador lanccedila matildeo com o intuito de transformar as disposiccedilotildees em que se encontram os homens Como explicita Meyer (2000 p XXXIX) em seu prefaacutecio cada uma das paixotildees remonta a um turbilhatildeo uma confusatildeo que apesar de desorientadora e altamente modifi cadora eacute transitoacuteria moacutevel capaz de ser revertida e subvertida Aleacutem disso eacute um refl exo sensiacutevel do outro ou seja eacute a ponte que conecta os homens por meio do campo passional Ademais e sobretudo cada paixatildeo despertada por um orador defl agra muito da existecircncia do proacuteprio sujeito que testemunha o ato discursivo Por meio do afl orar dos sentimentos o indiviacuteduo

- 145 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

abre entatildeo as portas do seu campo sensiacutevel deixando que o outro conheccedila suas disponibilidades e por consequecircncia suas motivaccedilotildees e valores

Fica clara entatildeo a importacircncia dessa instacircncia para o campo da retoacuterica uma vez que ao saber quais satildeo os valores com os quais o auditoacuterio compactua o orador pode seguir seu caminho argumentativo de forma muito mais segura e precisa Eacute nesse sentido que como estrateacutegia retoacuterica as paixotildees satildeo consideradas uma das premissas do entimema (silogismo retoacuterico) (cf SILVA 2013 p 13)

Para nos aprofundarmos ainda mais nesse universo eacute preciso visitar a classifi caccedilatildeo das paixotildees descritas por Aristoacuteteles na obra mencionada Vejamos entatildeo as 14 paixotildees apresentadas na Retoacuterica ira calma amizade (amor) inimizade (oacutedio) temor (medo) confi anccedila amabilidade (favor) vergonha desvergonha (impudecircncia) piedade (compaixatildeo) indignaccedilatildeo inveja emulaccedilatildeo e indelicadeza (desprezo)

De acordo com o exposto podemos compreender que as paixotildees compotildeem um arcabouccedilo no qual se inserem as mais diversas nuances dos estados da alma humana O orador pode e deve entatildeo adentrar e explorar tal arcabouccedilo com o intuito de infl amar a paixatildeo que mais se adeacuteque ao objetivo de seu discurso Mediante as paixotildees elencadas tambeacutem eacute possiacutevel compreender que uma vez confi gurados tais estados transitoacuterios que transformam o julgamento humano desencadeia-se um processo para seus devidos efeitos A descriccedilatildeo de tal processo constitui o cerne do presente trabalho

Antes poreacutem de investigar os caminhos que as paixotildees percorrem no campo afetivo eacute necessaacuterio descrever cada uma delas Vejamos entatildeo uma breve explanaccedilatildeo para cada uma dessas afecccedilotildees

Coacutelera eacute um impulso de vinganccedila causado por injustifi cada negligecircncia em relaccedilatildeo ao outro ou aos que satildeo seus queridos

- 146 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Essa paixatildeo reequilibra a diferenccedila causada pela insolecircncia pelo despeito e pelo desprezo Consiste na tentaccedilatildeo de causar desgosto ao outro Tange portanto ao pessoal a questotildees particulares entre sujeitos

Calma eacute o contraacuterio e talvez o antiacutedoto da coacutelera Confi gura o estado de apaziguamento apoacutes um tormento estrondoso e recria a simetria entre os indiviacuteduos

Amor eacute desejar para algueacutem aquelas coisas que vocecirc considera boas (desejando-as para o outro e natildeo para si) e tentar ao maacuteximo fazer com que elas ocorram Eacute entatildeo o laccedilo de identidade com o outro

Oacutedio eacute dissociador Eacute a acircnsia por querer causar mal ao outro Diferentemente da coacutelera o oacutedio diz respeito agrave inimizade em relaccedilatildeo ao geral agraves classes natildeo ao particular Odeiam-se aos ladrotildees malfeitores e carrascos agraves classes natildeo aos sujeitos Quem sente coacutelera quer que o causador de seu tormento sinta em seu lugar seu mal enquanto quem sente oacutedio deseja que seu alvo desapareccedila

Temor uma dor ou distuacuterbio decorrente da projeccedilatildeo de um mal iminente que tem caracterizaccedilatildeo destrutiva e penosa Eacute acompanhado de uma expectativa Temem-se entatildeo os maus que podem nos arruinar ou arruinar quem nos eacute querido

Confi anccedila (seguranccedila) eacute o oposto do medo Eacute acompanhada da esperanccedila (antecipaccedilatildeo) das coisas que levam agrave seguranccedila como algo proacuteximo enquanto as causas do medo parecem inexistentes ou distantes

Vergonha valoriza a imagem que o outro cria de noacutes eacute dor ou perturbaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao presente passado ou futuro que achamos que tenderaacute ao nosso descreacutedito de acordo com a visatildeo de outrem Caracteriza a inferioridade que sentimos em relaccedilatildeo ao outro

- 147 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Impudecircncia (desvergonha) tambeacutem ocorre de acordo com a imagem que criam de noacutes poreacutem essa concepccedilatildeo natildeo nos traz dor alguma pelo contraacuterio cria indiferenccedila que anula qualquer possibilidade do desgosto Defl agra a posiccedilatildeo de superioridade em que nos colocamos em relaccedilatildeo ao julgamento do outro

Favor (obsequiosidade) bondade desinteressada em fazer ou devolver o bem ao outro

Compaixatildeo (piedade) sentimento de dor considerado como sendo um mal destrutivo ou doloroso que recai sobre quem natildeo o merece Eacute despertada quando pensamos que noacutes mesmos ou algueacutem proacuteximo a noacutes poderia sofrer tal mal sobretudo quando essa possibilidade parece real e alardeadora

Indignaccedilatildeo compreende uma dor ao avistar o destino de algueacutem que natildeo o mereceu

Inveja anguacutestia perturbadora dirigida agrave boa sorte de um igual A dor eacute sentida natildeo porque se deseja algo mas porque as outras pessoas o tecircm Eacute relacionada entatildeo ao sentimento de querer tirar ou destruir o que eacute de outrem

Emulaccedilatildeo relaciona-se ao movimento de imitaccedilatildeo ao outro Sentimento em relaccedilatildeo aos bens ou conquistas de outrem que consideramos desejaacuteveis e que estatildeo ao nosso alcance Eacute uma dor sentida natildeo porque as outras pessoas tenham tais bens mas porque natildeo os temos tambeacutem o que nos impele a querer possuiacute-los

Desprezo antiacutetese da emulaccedilatildeo As pessoas que estatildeo em posiccedilatildeo de serem imitadas tendem a sentir desprezo por aqueles que estatildeo sujeitos a quaisquer males (defeitos e desvantagens) Assim o desprezo pressupotildee que o outro natildeo merece o que tem pelo fato de ser inferior ao seu destino

Ao observar as defi niccedilotildees das 14 paixotildees aristoteacutelicas descritas no livro II podemos compreender melhor as mais diversas

- 148 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nuances que alteram o juiacutezo do homem Ainda nessa perspectiva a teoacuterica Carmen Trueba Atienza apoacutes estudar as obras Da alma Retoacuterica e Poeacutetica de Aristoacuteteles elabora uma ldquoteoria aristoteacutelica das emoccedilotildeesrdquo3 Refl itamos entatildeo brevemente sobre as proposiccedilotildees da pesquisadora em seu estudo de 2009

O objetivo do trabalho de Trueba Atienza eacute reconstruir a parte central das diferentes abordagens sobre as paixotildees que se encontram de acordo com a autora dispersas no corpus aristoteacutelico Ao analisar e discutir os aspectos interpretativos mais recorrentes na atualidade a autora investiga as diversas engrenagens passionais (como por exemplo os processos fi sioloacutegicos e as sensaccedilotildees fiacutesicas) Ademais refl ete sobre os estados e processos cognitivos para entatildeo propor uma visatildeo cognitivista das paixotildees aristoteacutelicas

A primeira proposiccedilatildeo apresentada eacute que por meio das evidecircncias deixadas no corpus aristoteacutelico ldquoAristoacuteteles considera as paixotildees ou emoccedilotildees afecccedilotildees psicofiacutesicas associadas a alteraccedilotildees fi sioloacutegicas e que envolvem sensaccedilotildees de dor ou prazerrdquo4

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 152 traduccedilatildeo nossa) Essas alteraccedilotildees natildeo satildeo instauradas apenas na alma humana mas tambeacutem no corpo de quem estaacute agrave mercecirc de uma das paixotildees O sentido de dorprazer aqui se estende para um campo que foge do psiacutequico adentrando o campo sensorial Uma vez desencadeados os sentimentos de dor ou prazer estados e processos cognitivos se manifestam Isto eacute tal sentimento instaura um estado mental em quem o sente fazendo o sujeito criar signifi caccedilotildees cognitivas tais como sensaccedilotildees ou percepccedilotildees impressotildees sensiacuteveis ou racionais e crenccedilas ou julgamentos

A partir da manifestaccedilatildeo desses processos o indiviacuteduo cujo juiacutezo e corpo sofreram alteraccedilotildees passionais eacute lanccedilado a posiccedilotildees 3 Em espanhol La teoria aristoteacutelica de las emociones4 ldquoAristoacuteteles considera las pasiones o emociones afecciones psicofiacutesica associadas com alteraciones fi sioloacutegicas y que conllevan sensaciones de dolor yo placerrdquo (TRUE-BA ATIENZA 2009 p 152)

- 149 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e determinaccedilotildees em relaccedilatildeo ao mundo e agrave questatildeo relacionada ao desencadeamento das paixotildees Isso por fi m gera os desejos ou impulsos que remetem ao movimentoaccedilatildeo daquele sujeito em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica que alterou seu campo emocional em um niacutevel psicofiacutesico

Trueba Atienza (2009) entatildeo a partir do arcabouccedilo aristoteacutelico afi rma que as emoccedilotildees satildeo afecccedilotildees psicofiacutesicas complexas que envolvem segundo o proacuteprio fi loacutesofo

1) alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos

2) sentimentos de prazer eou dor

3) estados ou processos cognitivos tais como

a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis)

b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia)

c) crenccedilas (doxai) ou julgamentos (hypolepsis)

4) atitudes ou disposiccedilotildees para com o mundo e

5) desejos ou impulsos (orexis)5

De acordo com a autora (2009 p 168 traduccedilatildeo nossa) ldquoa atenccedilatildeo que Aristoacuteteles dedica a cada um desses cinco aspectos das emoccedilotildees depende em grande parte da relaccedilatildeo que eles tecircm com as questotildees fi losoacutefi cas que ele analisa e discute nos diferentes lugares em que lida com emoccedilotildees ou faz alguma alusatildeo a elasrdquo6 Podemos ainda observar que cada uma dessas cinco instacircncias satildeo de alguma maneira elementos constitutivos das emoccedilotildees

5 Reorganizado com base no original em espanhol6 ldquoLa atencioacuten que Aristoacuteteles le dedica a cada uno de estos cinco aspectos de las emociones depende en gran medida de la relacioacuten que ellos guardan con las cuestiones fi losoacutefi cas que eacutel analiza y discute en los diferentes lugares del corpus en los que se ocupa de las emociones o hace alguna alusioacuten a ellasrdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 150 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao terceiro item do esquema os componentes cognitivos da emoccedilatildeo podem ser separados uns dos outros mas (como veremos por meio do exemplo da autora) haacute casos que admitiriam combinaccedilotildees dependendo do grau de complexidadeintensidade da emoccedilatildeo em questatildeo Assim

o medo poderia vir acompanhado da percepccedilatildeo de um objeto (o fogo) e da impressatildeo avaliativa de que se trata de um perigo iminente da crenccedila de que o fogo eacute de tal magnitude que pode causar grandes danos e do julgamento de que temos que fugir neste momento [] o medo do fogo seria acompanhado de palidez eou tremor a sensaccedilatildeo de dor a atitude de alerta e o desejo de ser salvo7

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 168 traduccedilatildeo nossa)

Por meio desse exemplo a autora demonstra que o alcance passional de cada um dos componentes da emoccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a natureza de cada afecccedilatildeo e tambeacutem de acordo com a disposiccedilatildeo das pessoas e as circunstacircncias particulares nas quais elas experimentam tais paixotildees Isso faz com que lancemos matildeo de outro autor da atualidade para compreender melhor a instacircncia do pathos dentro da Retoacuterica

Antes poreacutem eacute importante ressaltar que o pathos ao lado do ethos e do logos integra o tripeacute retoacuterico Enquanto o primeiro se refere ao auditoacuterio e ao conjunto de paixotildees por ele sentidas o veacutertice do ethos pode ser relacionado ao orador ou seja

7 ldquoel temor podriacutea ir acompanhado de la percepcioacuten de un objeto (el fuego) y de la impresioacuten evaluativa de que se trata de un peligro inminente de la creencia de que el fuego es de tal magnitud que puede acarrear un gran dantildeo y del juicio de que hay que huir en este momento Pero en cualquier caso los componentes cognitivos iriacutean acompantildeados del resto de los componentes de las emociones Retomando el ejemplo anterior el temor por el fuego iriacutea acompanhado de la palidez yo el temblor la sensacioacuten de dolor la actitud alerta y el deseo de sal-varserdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 151 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

compreende agrave construccedilatildeo imageacutetica que ele proacuteprio sustenta de si ademais tudo o que remonta agrave imagem que o auditoacuterio cria de seu orador O logos por sua vez abrange toda a mateacuteria que compotildee o discurso proferido ou seja as provas os argumentos as fi guras os exemplos a linguagem o estilo

De volta ao primeiro veacutertice no artigo ldquoO que eacute pathosrdquo Francisco Martins discorre sobre as vaacuterias acepccedilotildees do termo desde sua origem ligada ao ato de fi losofar ateacute os dias atuais Cada uma dessas defi niccedilotildees faz alusatildeo a um determinado campo do saber o que possibilita diversas conexotildees semacircnticas entre as inuacutemeras caracterizaccedilotildees apresentadas

Passando pela concepccedilatildeo contemporacircnea do termo bastante simplifi cadora por sinal Martins (1999 p 65) recorda que a palavra pathos (transformada em um radical) direciona quase que exclusivamente ldquoa uma concepccedilatildeo de doenccedila na sua forma meacutedica atualrdquo daiacute os termos patoloacutegico patologia patologista Poreacutem o autor enfatiza que essa palavra teve uma origem fi losoacutefi ca e eacute este o ponto que nos interessa na abordagem aqui proposta A esse respeito leiamos o que elucida o pesquisador

O conceito de pathos traz consigo possibilidades e problemas mais amplos que o sentido de doenccedila natildeo fazendo parte de um soacute campo de estudos como a palavra ldquopatologiardquo indica Investigando-se com mais cuidado percebe-se que se trata de uma dimensatildeo essencial humana O pathos seria compreendido como uma disposiccedilatildeo (Stimmung) originaacuteria do sujeito que estaacute na base do que eacute proacuteprio do humano Assim o pathos atravessa toda e qualquer dimensatildeo humana permeando todo o universo do ser Natildeo seria entatildeo uma surpresa redescobrir o pathos como estando na base da fi losofi a que infl uenciou toda a construccedilatildeo do mundo moderno e em

- 152 -

AS CRISES NADA CONTEMPORANEIDADE ANAacuteLISES DISCURSIVAS

especial da ciecircncia a fi losofi a grega Toda e qualquer tentativa de elucidar o pathos de maneira mais aprofundada passaria natildeo somente pelas regionalizaccedilotildees do ponto de vista de aacutereas de conhecimento especiacutefi cas mas pela fi losofi a na sua totalidade Eacute do horizonte do logos que se torna possiacutevel um panorama organizador desta questatildeo humana Evidencia-se a impossibilidade de que o pathos possa vir a ser objeto de estudo de uma soacute disciplina ele eacute um conceito inerente ao ser (MARTINS 1999 p 66 grifos nossos)

A partir dessa visatildeo mais ampla do termo nos eacute conveniente neste trabalho retornar agrave concepccedilatildeo originaacuteria do termo e tomaacute-lo de acordo com o autor como ldquouma disposiccedilatildeo originaacuteria do sujeitordquo E natildeo paramos por aiacute Seguindo a linha de raciociacutenio proposta no artigo essa ldquodisposiccedilatildeordquo faz tambeacutem referecircncia agravequilo que natildeo estaacute ocupado por consequecircncia que se encontra livre desimpedido E eacute exatamente sobre esta concepccedilatildeo que iremos nos debruccedilar pois eacute ela que julgamos mais produtiva na compreensatildeo da instacircncia do pathos dentro da retoacuterica Como veremos a seguir nossa proposta partiraacute especifi camente dessa concepccedilatildeo

Com base nas refl exotildees apresentadas propomos abaixo uma possiacutevel trajetoacuteria das paixotildees tal como acreditamos suceder dentro do processo persuasivo Para tanto estabelecemos os seguintes estaacutegios

- 153 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 1 ndash A trajetoacuteria da paixatildeo

Fonte elaboraccedilatildeo da autora

Nos paraacutegrafos que se seguem nos dedicaremos a caracterizar cada um dos estaacutegios supracitados e que compotildeem a trajetoacuteria da paixatildeo conforme nossa leitura da obra aristoteacutelica

I - Disponibilidade

Dentro da Retoacuterica a instacircncia do pathos se refere ao auditoacuterio e suas paixotildees Portanto para que um discurso seja persuasivo sugere-se que o orador ao elaborar sua argumentaccedilatildeo recorra ao terreno emocional de seu ouvinte Natildeo obstante esse caminho soacute se torna viaacutevel quando as emoccedilotildees do auditoacuterio se encontram disponiacuteveis para a exploraccedilatildeo do orador Para isso eacute necessaacuteria uma disponibilidade afetiva por parte do auditoacuterio que permita criar espaccedilo para a paixatildeo preconizada por quem profere o ato argumentativo Em outras palavras um auditoacuterio soacute sentiraacute determinada paixatildeo (afecccedilatildeo) se estiver aberto de acordo com sua preacute-disposiccedilatildeo cognitiva a experimentar aquela emoccedilatildeo

O estaacutegio da Disponibilidade portanto tange a aceitaccedilatildeo e a disposiccedilatildeo emocional do auditoacuterio agraves emoccedilotildees propostas em um

- 154 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

determinado discurso Nessa etapa uma vez que a paixatildeo lanccedilada pelo orador encontra espaccedilo no campo afetivo do auditoacuterio a trajetoacuteria das paixotildees recebe aval para percorrer de forma imbatiacutevel a maacutequina humana Atinge-se assim o segundo estaacutegio

II - Identifi caccedilatildeoNessa etapa tem lugar um aspecto primordial do processo

persuasivo sem o qual nenhum dos passos subsequentes se fariam possiacuteveis Trata-se da Identifi caccedilatildeo Por meio dela acionam-se estados ou processos cognitivos tais como a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis) e b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia) Vemos nesse estaacutegio uma coincidecircncia com aquilo que Trueba Atienza (2009) pocircde verifi car no arcabouccedilo aristoteacutelico

Eacute tambeacutem por meio da Identifi caccedilatildeo que as paixotildees conseguem exercer sua ldquofunccedilatildeo intelectual epistecircmica operam como imagens mentais informam-me sobre mim e sobre o outro tal como ele age em mimrdquo (MEYER 2000 p XLII) Dessa maneira fi ca evidente que soacute vou me sensibilizar se antes conseguir me identifi car Quando isso acontece passamos ao terceiro estaacutegio da trajetoacuteria

III - Alteraccedilatildeo psicofiacutesica

Nessa fase em decorrecircncia dos processos identitaacuterios como parte integrante do auditoacuterio passo a experienciar alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos seguidos de sentimentos de prazer eou dor tal como descritos por Aristoacuteteles

Seguindo essa linha de raciociacutenio Trueba Atienza (2009 p 149 traduccedilatildeo e grifos nossos) fundamentada na obra Da alma assim se expressa ldquoAs afecccedilotildees da alma parecem se dar com o corpo lsquovalor docilidade medo compaixatildeo ousadia assim como a alegria o amor e o oacutedio O corpo desde entatildeo resulta afetado conjuntamente em todos esses casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo8 8 ldquoLas afecciones del alma parecen darse con el cuerpo lsquovalor dulzura miedo compasioacuten osadiacutea asiacute como la alegriacutea el amor y el odio El cuerpo desde luego resulta

- 155 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Vemos entatildeo que a paixatildeo natildeo se limita a exercer uma funccedilatildeo intelectual ou epistecircmica como ressaltado no estaacutegio anterior Aqui ela atinge tambeacutem o corpo e o interpela e o conduz juntamente com a mente a uma mudanccedila de julgamento Assim atingimos o estaacutegio subsequente

IV - Mudanccedila de julgamentoNessa fase podemos observar uma alteraccedilatildeo nos estados ou

processos cognitivos no que tangem as crenccedilas (doxai) ou os julgamentos (hypolepsis) do auditoacuterio Essa alteraccedilatildeo decorre da mudanccedila ocorrida no espiacuterito em funccedilatildeo da experiecircncia de dor eou de prazer Como nos recorda Aristoacuteteles (2015 p 116) ldquonesse estado observa-se uma notaacutevel diferenccedila nos julgamentos proferidosrdquo9

Dessa maneira assistimos agrave conjunccedilatildeo do corpo e da mente impulsionados por uma mesma causa Nessa sintonia e instigado pela Mudanccedila de julgamento o auditoacuterio se vecirc convocado agrave accedilatildeo Assim caminhamos fi nalmente para o aacutepice da trajetoacuteria passional o estaacutegio da Accedilatildeo

V - Accedilatildeo

Por fi m o processo persuasivo atinge seu objetivo uacuteltimo qual seja o de conduzir o auditoacuterio agrave accedilatildeo Como enfatiza Abreu (2002 p 25) ldquoPersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para agirrdquo

Nesse estaacutegio portanto podemos assistir ao espetaacuteculo das atitudes ou disposiccedilotildees do auditoacuterio para com o mundo Assim na esteira aristoteacutelica sistematizada por Trueba Atienza (2009) o auditoacuterio poderaacute por fi m e inevitavelmente dar vazatildeo a seus desejos ou impulsos (orexis) Esse processo nos faz recordar as palavras do

afectado (paacuteschei) conjuntamente en todos estos casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo9 Por essa razatildeo Solomon (1980 p 35 traduccedilatildeo nossa) defende que ldquouma emoccedilatildeo eacute necessariamente um julgamento apressado em resposta a uma situaccedilatildeo difiacutecilrdquo (ldquoAn emotion is a necessarily hasty judgment in response to a diffi cult situationrdquo) Nesse sentido uma emoccedilatildeo jaacute eacute potencialmente um julgamento

- 156 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

fi loacutesofo belga quando afi rma ldquoA paixatildeo tornada incontornaacutevel exige a accedilatildeo Daiacute a obrigatoacuteria relaccedilatildeo eacutetica com a paixatildeo pois a moral se estriba numa justa deliberaccedilatildeo capaz de ensejar a accedilatildeordquo (MEYER 2000 p XXXIV)

Somente assim podemos considerar que o processo persuasivo chegou ao seu fi m e podemos entatildeo assistir ao fechamento do ciclo Nesse estaacutegio por tanto todas as demais fases precedentes exercem seu papel e estabelecem sua importacircncia ldquoO circuito estaacute fechado haacute paixatildeo porque haacute accedilatildeo e essa reciprocidade inscreve-se como interaccedilatildeo de diferenccedilas no seio de uma mesma identidade de uma mesma comunidaderdquo (MEYER 2000 p XXXVII)

Como balanccedilo da trajetoacuteria das paixotildees por noacutes proposta gostariacuteamos de fi nalizar com um dos trechos mais emblemaacuteticos sobre o assunto e que ao nosso ver transita por todo o percurso passional aqui sugerido

A paixatildeo eacute decerto uma confusatildeo mas eacute antes de tudo um estado de alma moacutevel reversiacutevel sempre suscetiacutevel de ser contrariado invertido uma representaccedilatildeo sensiacutevel do outro uma reaccedilatildeo agrave imagem que ele cria de noacutes uma espeacutecie de consciecircncia social inata que refl ete nossa identidade tal como esta se exprime na relaccedilatildeo incessante com outrem Reequiliacutebrio que assegura a constacircncia na variaccedilatildeo multiforme que o outro assume em sociedade a paixatildeo eacute resposta julgamento refl exatildeo sobre o que somos porque o outro eacute pelo exame do que o outro eacute para noacutes Lugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircncia (MEYER 2000 p XXXIX-XL)

- 157 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Mediante a amplitude do arcabouccedilo aristoteacutelico e seu inegaacutevel impacto para o avanccedilo intelectual da humanidade no presente capiacutetulo tivemos o propoacutesito revisitar um de seus mais relevantes legados sua retoacuterica das paixotildees Para isso buscamos perscrutar a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade pois nosso intuito foi desde o princiacutepio compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

Acreditamos ter cumprido nosso objetivo e esperamos que a proposiccedilatildeo da trajetoacuteria das paixotildees aqui empreendida sirva de estiacutemulo para os investigadores da aacuterea e constitua tambeacutem um caminho mais curto frente ao complexo e inacabado entendimento do universo passional do homem e de suas consequecircncias

REFEREcircNCIAS

ABREU A S A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo 5 ed Cotia Ateliecirc Editorial 2002

ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Prefaacutecio de Michel Meyer Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

______ Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo do grego Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena Satildeo Paulo Folha de S Paulo 2015 (Coleccedilatildeo Folha Grandes nomes do pensamento v 1)

- 158 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

HOUAISS Dicionaacuterio eletrocircnico Rio de Janeiro HouaissObjetiva 2009

MARTINS Francisco O que eacute pathos Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental Satildeo Paulo v 2 n 4 p 62-80 OctDec 1999

MEYER Michel Aristoacuteteles ou a retoacuterica das paixotildees (Prefaacutecio) In ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p XVII-LI

SILVA Christiani Margareth de Menezes A dimensatildeo cognitiva da paixatildeo em Aristoacuteteles EIDampA ndash Revista Eletrocircnica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentaccedilatildeo Ilheacuteus n 4 p 13-23 jun 2013

SOLOMON Robert C Emotions and choice Th e Review of Metaphysics v 27 n 1 p 20-41 Sep 1973 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable20126349seq=1page_scan_tab_contentsgt Acesso em 28 out 2017

TRUEBA ATIENZA Carmen La teoriacutea aristoteacutelica de las emociones Signos fi losoacutefi cos Meacutexico v 11 n 22 juldic 2009

- 159 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Moacir Lopes de Camargos

Como se fosse um raio que quebra seus ossos e te deixa varado no meu paacutetio

Julio Cortaacutezar

PARA INICIAR

No ano em que completo 50 anos tambeacutem completa 50 anos de AI5 Ato Institucional nuacutemero 5 decretado pelo General Meacutedici Se por um lado posso comemorar minha data o que escolhi natildeo fazecirc-lo tendo em vista que por destino talvez nesta minha data completo tambeacutem 10 anos na cidade de inverno frio deste ditador Por outro restam perguntas e medos e ainda ecoam signos (prisatildeo censura tortura morte) que refl etem e refratam uma realidade outra mas natildeo distante A memoacuteria natildeo pode apagar a (minha) nossa histoacuteria latino-americana mas do silecircncio vem as formas signifi cativas de muitas possiacuteveis respostas Como mostra a canccedilatildeo La memoria do cantor e compositor argentino Leoacuten Gieco

Los viejos amores que no estaacutenLa ilusioacuten de los que perdieronTodas las promesas que se van

Y los que en cualquier guerra cayeron

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historia

QUANDO A LINGUA(GEM) ME AFETA

- 160 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El engantildeo y la complicidadDe los genocidas que estaacuten sueltos

El indulto y el punto fi nalA las bestias de aquel infi erno

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historiaLa memoria despierta para herir

A los pueblos dormidosQue no la dejan vivirLibre como el viento

Los desaparecidos que se buscanCon el color de sus nacimientos

El hambre y la abundancia que se juntanEl mal trato con su mal recuerdo

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

Dos mil comeriacutean por un antildeoCon lo que cuesta un minuto militar

Cuaacutentos dejariacutean de ser esclavosPor el precio de una bomba al mar

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

La memoria pincha hasta sangrarA los pueblos que la amarran

Y no la dejan andarLibre como el viento

Todos los muertos de la amIaY de la embajada de israel

- 161 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El poder secreto de las armasLa justicia que mira y no ve

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

Fue cuando se callaron las iglesiasCuando el fuacutetbol se lo comioacute todoQue los padres palotinos y angelelli

Dejaron su sangre en el lodo

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

La memoria estalla hasta vencerA los pueblos que la aplastan

Y no la dejan serLibre como el viento

La bala a chico meacutendez en brasil150000 Guatemaltecos

Los mineros que enfrentan al fusilRepresioacuten estudiantil en meacutexico

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historia

Ameacuterica con almas destruidasLos chicos que mata el escuadroacutenSuplicio de mugica por las villas

Dignidad de rodolfo walsh

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historiaLa memoria apunta hasta matar

- 162 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A los pueblos que la callanY no la dejan volar

Libre como el viento

E como tudo estaacute clavado na nossa memoacuteria como nos ensina a canccedilatildeo seja individual ou coletiva busco em minhas memoacuterias narrativas de experiecircncias para trazer outras perguntas e assim gestar outras possiacuteveis respostas ou continuar com outras perguntas Sobre a experiecircncia o professor Larrosa (2004) nos mostra que

O sujeito da experiecircncia eacute um sujeito ex-posto Do ponto de vista da experiecircncia o importante natildeo eacute nem a posiccedilatildeo (nossa maneira de pocircr-nos) nem a o-posiccedilatildeo (nossa maneira de opor-nos) nem a im-posiccedilatildeo (nossa maneira de impor-nos) nem a pro-posiccedilatildeo (nossa maneira de propor-nos) mas a exposiccedilatildeo nossa maneira de ex-por-nos com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e risco Por isso eacute incapaz de experiecircncia aquele que se potildee ou se opotildee ou se impotildee ou se propotildee mas natildeo se ex-potildee Eacute incapaz da experiecircncia aquele a quem nada lhe passa a quem nada lhe acontece a quem nada lhe sucede a quem nada lhe toca nada lhe chega nada lhe afeta a quem nada lhe ameaccedila a quem nada lhe fere (LARROSA 2004 p 161)

Assim busco em outras vozes para narrar um pouco do que me afeta e me toca neste momento Embora este texto apareccedila em primeira pessoa natildeo sou o autor absoluto pois outras vozes e enunciados me constituem e me modifi cam constantemente Se a historia eacute minha eu natildeo sou a uacutenica voz que a compotildee porque como escreve Daniel Viglietti1

1 Muacutesica otra voz canta do cd A dos vocecircs de Daneil Viglietti

- 163 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Por detraacutes de mi voz-escucha escucha -

otra voz canta

Viene de detraacutes de lejosViene de sepultadas

boca y canta

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha ndashmientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Escucha escuchaOtra voz canta

Dicen que ahora vivenEn tu mirada

(sosteacutenlos con tus ojoscon tus palabras

sosteacutenlos con tu vidaque no se pierdanque no se caigan)

Escucha escuchaOtra voz canta

No son soacutelo memoriaSon vida abierta

Continua y anchaSon camino que empieza

Cantan conmigoConmigo cantan

- 164 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha-mientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Cantan conmigoConmigo cantan

Tomando a perspectiva bakhtiniana sobre autor este eacute polifocircnico pois escuta as vozes (ante)passadas as vozes presentes e responde a elas Assim

a seleccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo impliacutecita daquilo que se elege para ser contado conferem ao narrador a condiccedilatildeo de autor Eacute uma histoacuteria que tendo em vista minha histoacuteria uacutenica e irrepetiacutevel que reside na memoacuteria social do grupo essa historia natildeo eacute soacute minha Desse modo natildeo posso ser a autora dela mas somente da narrativa circunscrita ao meu projeto de dizer Aos motivos que me levaram a narraacute-la Por ser a histoacuteria do grupo faz parte da tradiccedilatildeo coletiva (LIMA 2005 p52)

Trago entatildeo uma primeira narrativa2 para contar algo do passado ()

Pois se eles querem meu sangue Teratildeo o meu sangue soacute no fi m

E se eles querem meu corpo Soacute se eu estiver morto soacute assim

(Querem meu sangue - Cidade Negra)

2 As narrativas deste texto satildeo narradas segundo minha memoacuteria mas as palavras natildeo foram apagadas apenas omiti detalhes

- 165 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Cidadezinha qualquer de Minas sob a atmosfera pluacutembea no iniacutecio dos anos 80 mas pode ser (ainda hoje) de qualquer lugar do Brasil uma pracinha tranquila uma pensatildeo velha com um boteco em frente e um corpo abjeto agonizante na calccedilada do bar Um corte profundo em seu nariz seguindo pelo seu rosto Borbulhas de sangue em seus olhos Gritos agudos desesperados Apenas um vestido surrado e sandaacutelias velhas Mais sangue pelo corpo pela calccedilada pelos cacos de vidro Gritos Em instantes uma multidatildeo curiosa Filho da puta ladratildeo Chutes Pontapeacutes Socos E a rapidez da poliacutecia encanta impressiona nesses momentos Alguma coisa fora da ordem Poliacutecia para quem precisa Mais gritos prisatildeo para o Joatildeo Muieacute boacuteia-fria favelado sem vergonha vagabundo vira omi Seu corpo ensanguentado rosto com choro cortado arrastado e espancado diante da multidatildeo jogado dentro do camburatildeo Corpo pichador da cidade A multidatildeo feliz Risos Mais um fi nal feliz Nesse instante minha mudez me delatou apenas continuei com a imagem do rosto ensanguentado Era o meu vizinho era aquele corpo natildeo permitido de caminhar na cidade ldquolimpardquo Adolescentemente continuei mudo perplexo e natildeo entendi nada Meus olhos fi caram parados Eu tinha apenas 15 anos mas jaacute conhecia muito bem as diferentes violecircncias Natildeo soube caminhar naquele instante tinha que voltar ao bar e limpar o sangue os cacos E a cidadezinha continuou devagar homem mulher cachorro burro e poliacutecia Paz Seraacute que Drummond diria ecircta vida besta meu deus

Haacute um iacutenterim entre essa narrativa e tantas outras vividas na infacircncia e adolescecircncia no campo e numa cidade do interior Passaram os acontecimentos mas natildeo passou jamais a dor e a(s) paisagem(ns) que me recuso a revecirc-las Eacute um tempo do qual eu

- 166 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo quero guardar lembranccedilas Eacute um tempo que queria esquecer para sempre mas como natildeo posso fazecirc-lo pois minha memoacuteria insiste em trazecirc-los agrave tona escrevo

Assim segue a segunda narrativa

Quando completei 20 anos ainda em tempos sombrios sem democracia (1988) eu estava em meu primeiro emprego lavar pratos em uma cozinha de um drive in para sexo e drogas na cidade de Uberlacircndia MG Trabalhava de 17 horas as 5 da manhatilde e voltava para casa becircbado de sono em uma rua empoeirada A Lagoinha periferia fi cava a 40 minutos desse trabalho Eu dormia o dia todo e isso era bom pois economizava a comida ou seja comia uma uacutenica vez no dia na casa de conhecidos que me receberam Em um dos retornos para casa quase chegando em casa eis que uma viatura da poliacutecia em um fi at 147 cor bege me parou em frente ao centro do bairro um local com preacutedios tipo uma escola com quadra para esporte Era ali onde os moradores daquela periferia se reuniam para cursos diversos atividades esportivas pegar livros da Kombi itinerante da biblioteca municipal dentre tantas outras atividades Havia dois policiais na viatura O motorista me disse -Pare Era frio de junho e com minhas roupas rotas o frio aumentou e senti todo meu corpo tremer Tinha um xerox de minha identidade no bolso e nas matildeos uma sacolinha de plaacutestico com caixinhas vazias de catupiri que sempre levava para as crianccedilas brincarem pois o sabor de tal queijo nunca tiacutenhamos saboreado talvez em sonhos Os dois policiais desceram rapidamente do carro e gritaram com as matildeos em suas armas -Matildeos na grade Natildeo havia muro que cercava o centro de bairro era uma grade de metal que protegia o local De repente levei um empurratildeo e senti minha cara

- 167 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sendo amassada na tela grossa de arame Natildeo podia mover-me apenas olhei a sala iluminada com as maacutequinas de escrever todas manuais Era ali onde eu sonhava em ter um trabalho importante decente digno pois 3 vezes por semana driblava o cansaccedilo e a fome para sentir o tic tac estalado das maacutequinas de escrever em meus sonhos meu futuro Segurei forte nos arames enquanto um deles gritou - Vagabundo preguiccediloso natildeo sabe falar natildeo tem ouvido Onde cecirc mora O que taacute fazendo na rua a essa hora Gritou forte e senti o cassetete pressionar meu pescoccedilo apertar minha cara na tela de arame Eu natildeo podia falar nada estava sem voz sem lingua(gem) Senti apenas uma dor profunda de uma ponta de arame que penetrou meu rosto e senti o sangue escorrer Meu medo aumentou Ele torceu o meu braccedilo e gritou - Viado fi lho da puta cecirc merece muita porrada Continuei mudo semi-morto Recebi um chute e o aliacutevio no pescoccedilo quando o cassetete foi retirado Quando me virei um deles me apontava a arma e gritou - Some daqui agora Peguei as caixinhas vazias na calccedilada e sai socircfrego tremendo e eles riam de deboche do meu corpo magro fraacutegil enfi m de minha diferenccedila O sangue escorria pelo rosto e a roupa velha surrada estava vermelha Nem pude chorar sabia que natildeo podia falar nada a ningueacutem Meu irmatildeo era policial mas jamais contaria a ele Era uma vergonha se contasse para ele ou algueacutem tudo aquilo eu natildeo tinha amigos Quem poderia acreditar De quem seria a verdade Me restavam a cicatriz na cara e na memoacuteria

Desta narrativa de violecircncia vinham a mim outras palavras que me acompanhavam desde a infacircncia lepra teacutetano paralisia fome morte Poreacutem assim como na muacutesica dos Titatildes o pulso ainda tinha que pulsar

- 168 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O pulso

O pulso ainda pulsaO pulso ainda pulsa

Peste bubocircnicaCacircncer pneumonia

Raiva rubeacuteolaTuberculose e anemiaRancor cisticercoseCaxumba difteria

Encefalite faringiteGripe e leucemia

E o pulso ainda pulsaE o pulso ainda pulsa

Hepatite escarlatinaEstupidez paralisia

Toxoplasmose sarampoEsquizofrenia

Uacutelcera tromboseCoqueluche hipocondria

Siacutefi lis ciuacutemesAsma cleptomania

E o corpo ainda eacute poucoE o corpo ainda eacute pouco

Assim

Reumatismo raquitismoCistite disritmia

Heacuternia pediculoseTeacutetano hipocrisia

- 169 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Brucelose febre tifoacuteideArteriosclerose miopiaCatapora culpa caacuterieCatildeibra lepra afasia

O pulso ainda pulsaE o corpo ainda eacute pouco

Ainda pulsaAinda eacute pouco

PulsoPulsoPulsoPulso

Assim

E o meu corpo ainda tem a memoacuteria daquelas dores violentas da liacutengua(gem) que me marcou Ainda carrego essas marcas siacutegnicas profundas e busco algo de positivo disso tudo natildeo tenho saudades alguma ndash no plural ndash daqueles tempos de adolescecircncia e vida adulta de miseacuteria e violecircncias Nada desses sentimentos me trazem a sensaccedilatildeo de uma falta que pode gestar uma saudade As palavras de violecircncia com quais me feriram quando me veem agrave mente tocam na memoacuteria de minha pele e me remetem aquele corpo fragilizado que tentava circular mas natildeo era desejado na cidade letrada (Rama 1985) Naquele momento fi m da deacutecada de 1980 noacutes da periferia sabiacuteamos que natildeo eacuteramos parte da cidade letrada e ateacute as crianccedilas aprendiam cedo que a ldquocidaderdquo era outro lugar outro mundo teriacuteamos que descer o morro para ldquochegarrdquo a ela Noacutes estaacutevamos fora dela e junto estavam nossos corpos nossa voz nossa lingua(gem) e nossa diferenccedila que nos delatava E como ouvi do Betinho um vizinho - Ce tem sorte de ser branco porque eu tocirc ferrado Quando os homi me pegou eu vinha do coleacutegio a noite e um deles gritou mete porrada nesse macaco Fui parar no hospital

- 170 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como explicam Silva e Alencar (2013 p 137)

dito de outro modo quando um sujeito ou grupo de sujeitos usa a liacutengua para diminuir depreciar desdenhar ou abominar um grupo social ou indiviacuteduo especiacutefi co ele ou ela estaacute usando a liacutengua violentamente ie estaacute afetando uma estrutura de afetos que se sustenta na linguagem

E como naquele poema de Quintana esta foi uma das vezes que me (nos) violentaram que me (nos) assassinaram infelizmente natildeo a primeira como relata o poeta

Da vez primeira em que me assassinaramPerdi um jeito de sorrir que eu tinhaDepois a cada vez que me mataramForam levando qualquer coisa minha

Hoje dos meu cadaacuteveres eu souO mais desnudo o que natildeo tem mais nada

Arde um toco de Vela amareladaComo uacutenico bem que me fi cou

Vinde Corvos chacais ladrotildees de estradaPois dessa matildeo avaramente adunca

Natildeo haveratildeo de arrancar a luz sagrada

Aves da noite Asas do horror VoejaiQue a luz trecircmula e triste como um aiA luz de um morto natildeo se apaga nunca

Natildeo posso narrar ainda das tantas vezes que me assassinaram violentamente pelanacom a lingua(gem) mas sei bem tive que olhar meu cadaacutever morto desnudo e construir asas para alccedilar novo voo sonhar assim como Iacutecaro sem saber onde seria o meu porto Mesmo se eu fosse afogado nas aacuteguas profundas teria que

- 171 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seguir meu voo Deveria voar mesmo que em silecircncio mas seguir voando E palavras me acompanhariam em toda essa trajetoacuteria natildeo poderia esquivar-me delas de seu poder porque como escreve Voloacutechinov

Na realidade nunca pronunciamos ou ouvimos palavras mas ouvimos uma verdade ou mentira algo bom ou mal relevante ou irrelevante agradaacutevel ou desagradaacutevel e assim por diante A palavra estaacute sempre repleta de conteuacutedo e de signifi caccedilatildeo ideoloacutegica ou cotidiana Eacute apenas essa palavra que compreendemos e respondemos que nos atinge por meio da ideologia ou do cotidiano (VOLOacuteCHINOV 2017 p 181 grifos do original)

Ao fi m

Neste ano completo tambeacutem 25 anos de professor de liacutenguas e pensar corpo voz e a lingua(gem) implica em postular que esta pode violar o corpo ou uma estrutura de afetos o que me leva a afi rmar que a linguagem natildeo eacute mera representaccedilatildeo de eventos ou situaccedilotildees no mundo mas uma forma de agir no caso em que descrevo violentamente (Silva e Alencar 2013 p136)

E para ser professor saiacute do campo me instalei na periferia e alcei voo para o centro da cidade letrada No entanto vejo ainda mais evidente que a lingua(gem) continua exercendo seu poder ora violento ou natildeo produzindo inclusotildees e muitas exclusotildees O que me faz professor me leva a olhar para a lingua(gem) que me constitui pois ela eacute meu objeto de trabalho e por meio dela projeto um futuro Surgem diversas questotildees maldito ou bendito poder da linguagem Qual o meu papel de professor em uma universidade de periferia onde trabalho haacute 10 anos Que partido devo tomar nesse jogo Ficam estas perguntas e muitas outras mas mesmo assim necessito dessa lingua(gem) - esse arame farpado

- 172 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nos dizeres de Gnerre (1991) - para me interagir no mundo me sustentar me guiar e seguir caminhando

Caminando

Caminando caminandoiexclcaminando

Voy sin rumbo caminandocaminandovoy sin plata caminandocaminandovoy muy triste caminandocaminando

Estaacute lejos quien me buscacaminandoquien me espera estaacute maacutes lejoscaminandoy ya empentildeeacute mi guitarracaminando

Aylas piernas se ponen durascaminandolos ojos ven desde lejoscaminandola mano agarra y no sueltacaminando

Al que yo coja y lo aprietecaminando

eacutese la paga por todos caminando

a eacutese le parto el pescuezocaminando

- 173 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

y aunque me pida perdoacutenme lo como y me lo bebome lo bebo y me lo comocaminando caminando

caminando

Assim deixo meu breve relato de experiecircncia e para fi nalizar temporariamente tomo as palavras do pensador francecircs Michel Foucault para natildeo dizer que natildeo falei de teorias

Cada vez que eu tentei fazer um trabalho teoacuterico foi a partir de elementos de minha experiecircncia sempre em relaccedilatildeo com processos que eu vi desenrolar em torno de mim Eacute porque pensei conhecer nas coisas que vi nas instituiccedilotildees agraves quais estava ligado nas minhas relaccedilotildees com os outros fi ssuras abalos surdos disfunccedilotildees que eu empreendia um trabalho alguns fragmentos de autobiografi a Natildeo sou um ativista recuado que hoje gostaria de retomar o serviccedilo Meu modo de trabalho natildeo tem mudado muito mas o que eu espero dele eacute que continue a me mudar (FOUCAULT 1994 p 182)

REFEREcircNCIAS

FOUCAULT M Est-il donc importante de penser Entrevista com Didier Eribon Libeacuteration nordm 15 30-31 maio de 1981 p21 Traduzido a partir de FOUCAULT M Dits et eacutecrits Paris Gallimard 1994 vol IV p 178-182 por Wanderson Flor do Nascimento

GNERRE M Linguagem e poder 3 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1991

LARROSA J Habitantes de Babel Belo Horizonte Autecircntica 2004

LIMA M E C C Sobre a estranheza de se contarem histoacuterias ou da narrativa como mediaccedilatildeo In LIMA M E CC Sentidos do trabalho a

- 174 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

educaccedilatildeo continuada de professores Belo Horizonte Autecircntica 2005

RAMA A A cidade letrada Trad Emir Sader Satildeo Paulo Brasiliense 1985

SILVA D N ALENCAR C N A propoacutesito da violecircncia na linguagem In Cadernos de Estudos Linguiacutesticos v 55 n 2 juldez 2013 p 129-146

VOLOacuteCHINOV V Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircncia da linguagem Traduccedilatildeo notas e glossaacuterio de Sheila Grillo e Ekaterina Voacutelkova Ameacuterico Satildeo Paulo Editora 34 2017

- 175 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Rosana Ferrareto Lourenccedilo RodriguesAntocircnio Suaacuterez Abreu

Why is it that in academic settings students are typically asked to raise their hands to indicate that they want to answer or ask a question Very often people do Math with fi ngers and write down a complex Math problem getting help from an external device such as a calculator We write deadlines on a calendar Also you have often closed your eyes to remember past or imagine future

Th ese are all actions taken in the physical world as attempts to make a mental task faster easier and more reliable Motor actions support cognition Mind is not a perfect machine and there are constraints of attention and memory We understand abstract things using concrete prompts Th ese should be the answers to those questions

What the role of the human body in cognition is and why we use it to make sense of things in the world will then guide our discussions here Th is is what Cognitive Linguistics names as embodied language

SET TING THE SCENE

First-generation theories in Cognitive Sciences in the 1950s and 1960s were closely linked to Computer Science and conceived reason apart from the body as in formal logic following the tradition proposed by Descartes Like a computer

EMBODIED LANGUAGE AND ITS FUNCTIONALITY IN MEANING

CONSTRUCTION

- 176 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

the fi rst-generation mind would process information as largely independent from specifi c brains bodies and sensory modalities Th is viewpoint on language and thought gives rise to the Generative Grammar theory In 1957 Syntactic Structures was published by Noam Chomsky spreading the idea that grammar is a system of rules that generates exactly those combinations of words that form grammatical sentences in a given language

In contrast empirical research is the basis of second-generation Cognitive Science which evidences a strong dependence of human reasoning on human embodiment Mind is not merely viewed as a computer anymore but mind is a brain-body-world system In the 1970s studies on visual perception image schemas metaphor metonymy frames and mental spaces began to contradict previous generation rationalism (cf LAKOFF JOHNSON 1999 p 75-77) In Metaphors we live by (1980) especially in the chapter Personifi cation Lakoff and Johnsonacutes theory of the conceptual metaphors gives idea of the use of the human body and its biological and cultural features as a source of metaphors in examples (LAKOFF JOHNSON 1999 p 33) such as

Infl ation is eating up our profi tsTh e Michel-Morley experiment gave birth to a new physical theoryLife has cheated meHis religion tells him that he cannot drink fi ne French vine

From the fundamental theories of conceptual metaphors and image schemas to more modern mental operations such as the one conceived as blending (or conceptual integration) a new viewpoint on human language has risen from embodied cognition In this chapter we are going to present those cognitive constructs

- 177 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and shed light on one of the things that make blending viable ndash the notion of aff ordance

FROM CONCEPTUAL METAPHORS AND IMAGE SCHEMAS TO AFFORDANCES AND BLENDING

Th is new viewpoint on human language from embodied cognition has strongly spread through many publications which refi ned the initial assumptions and it is especially noticed cross-linguistically Conceptual metaphors are employed as to instantiate image schemas in utterances such as

In PortugueseEstamos dando os primeiros passos em nosso projetoO nosso relacionamento chegou ao fi m da linhaConsegui me sair bem na prova

In EnglishTh ese are the key steps to a successful projectOur relationship is a dead-end streetOne way to get out of trouble is to keep quiet

Th e term image schema was introduced by Lakoff (1987) and Johnson (1987) in the late 1980s Th ese schemas build the niche in which the body positions and acts

An important publication was Embodiment and Cognitive Science (GIBBS JUNIOR 2005) According to Gibbs Junior (2005 p 14-15)

A body is not just something that we own it is something that we are I claim that the regularities in peoplersquos kinesthetic-tactile experience not only

- 178 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

constitute the core of their self-conceptions as persons but form the foundation for higher-order cognition

Th e embodied cognition is manifested in language through notions of SOURCE_PATH_GOAL movement CONTAINMENT SUPPORT and VERTICALITY which are some of the most common image schemas

Th e SOURCE_PATH_GOAL image schema for instance is based on the capacity of the human body to move from a source passing through a trajectory to head to a destination Th e CONTAINER image schema refers to the human capacity to keep things in containers and also voluntarily entering containers such as caves and houses or involuntarily in prisons for example For mental or aff ective states examples would be ldquoone can get out of a depressionrdquo and ldquopeople fall in loverdquo

Expressions such as ldquothe fl ow of moneyrdquo ldquolife is a journey1rdquo and ldquoto walk the linerdquo denote PATH One example would be the concept of ldquomarriagerdquo as where two individuals go through life together ldquoMarriagerdquo may also be conceptualized as a CONTAINER refl ected by metaphors like ldquomarriage is a prisonrdquo ldquomarriage is a safe harborrdquo and ldquoopen marriagerdquo

SUPPORT denotes a relationship between two objects in which one object off ers physical (or abstract) support to the other We can ldquooff er support to a friend in needrdquo and ldquoput in a good word for someonerdquo which instantiate SUPPORT and CONTAINMENT

VERTICALITY refers to the relative position such as highlow and abovebelow or dynamical movement up-down for vertical orientation VERTICALITY is instantiated by the conceptual

1 For ldquoLIFE IS A JOURNEY an animated metaphorrdquo (FORCEVILLE 2014) see lthttpswwwyoutubecomwatchv=MvocTKD5o5Aampt=11sgt

- 179 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

metaphors of UP is good and DOWN is bad and is used for emotional scale between happinesssadness as well as social status in expressions such as ldquoto fall from gracerdquo ldquoto be high in spiritrdquo ldquoto feel downrdquo and ldquoto climb the career ladderrdquo

Image schemas are abstract conceptual templates of spatiotemporal object relations with the body acquired since early infancy (LAKOFF 1987) Image schemas help us to think concretely as we move in space and as the time changes We use our bodies ndash gestures for example ndash as prompts to construct meaning When we indicate with hands up in the air that a car made a right at the intersection we are using a material anchor to communicate

Image schemas are also built on the idea of aff ordances An aff ordance is a feature of an object or the environment that allows a person or animal to do something A cup can be described as a CONTAINER because its features obviously defi ne its use we can drink liquids from it Metaphorical sayings such as ldquonot my cup of teardquo or ldquomake a storm in a teacuprdquo also reveal a cupacutes properties as a container its boundaries for in and out If something is not your cup of tea you do not like it or you are not interested IN it A storm in a teacup refers to a small event that has been exaggerated OUT of proportion

A chair is an object providing SUPPORT Th e chair of a company is the person who is in charge ldquoEmpty chairrdquo can be used as choice of not participating ldquoDavid Cameron could be lsquoempty chairedrsquo in TV debates as Labor accuse him of lsquorunning scaredrsquordquo2 Th e chairacutes aff ordances built on the concept of SUPPORT ndash which frames for approve of and help ndash make it possible to metaphorically say that ldquoan empty chairrdquo means to embarrass a person who refuses

2 lthttpswwwtelegraphcouknews11451072David-Cameron-could-be-empty-chaired-in-TV-debates-as-Labour-accuse-him-of-running-scaredhtmlgt

- 180 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

to take part in a debate by leaving an empty seat or space which represents them

VERTICALITY is an image schema instantiated by conceptual metaphors such as conscious is up unconscious is down Healthy is up sick is down Happy is up sad is down Good is up bad is down More is up less is down Life is up death is down It is built on objects and bodies aff ordances If a computer system is down it is not working Down can be used for saying that someone has an illness as in ldquoPoor Susan went down with fl u just before Christmasrdquo

VERTICALITY is a concept that shows how our human mind is infl uenced by the body that we own Human beings walk erect in space If we lay down fl at on the ground we cannot move and thus cannot function As we move upright in space time changes Time is perceived through space Th at makes us perceive change based upon time When we say that ldquoFall is approachingrdquo we understand that the new season is not walking physically towards us It means that the weather change is emergent in both space and time

Feeling hungry and then having been fed for a child who is not really aware of the abstract concept of time raise the perception of change Th e change from ldquohungryrdquo to ldquonot hungryrdquo clockwise conceived is not only a compression of time but also causation ndash having food makes us not feel hungry anymore Time and causation are vital conceptual relations to promote change

Th e embodiment of time is also present in a perceived change between the struggle to climb stairs now and how easy it used to be to climb them years ago Th is indicates time passing in terms of calendar We compress this change saying that these stairs are more and more tiring projecting our perception of growing older (change in time) to the feeling of an object in space Th e same happens when we want to convey that our eyes are not as good as

- 181 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

they used to be because we grew older We project that change in time over space and object we say that the letters on the page are getting tinier and tinier and thus more and more diffi cult to read

We use our bodies to compress time over space Our body anchors blends According to Turner (2006) the blend of input mental spaces is often accompanied by compression of vital relations between them

We relate one idea to another We think of the child as related to the adult it became through vital relations of time change identity analogy and cause-eff ect Mentally Ohio and California are connected by a conceptual relation of space Ohio and the United States are connected by a conceptual relation of part-whole Mary and a picture of Mary are connected through conceptual relations of representation and analogy (TURNER 2006 p 17)

Blending or conceptual integration is a basic mental operation Th e fi rst full presentation of research on blending appeared in 2002 in Th e way we think a book by Gilles Fauconnier and Mark Turner Compared to the theory of conceptual metaphor which is the one of a cross-domain mapping between two spaces (a concrete source and an abstract target) the blending process is held among the conceptual structure of an input 1 and the conceptual structure of an input 2 a generic space which maps each of the inputs and contains what both inputs have in common and the blended space where there is a selective projection of the inputs to the blend Th e blended space has an emergent conceptual structure because it accounts for properties that do not exist in either of the input spaces

Blending is something that humans are designed to do Th e human brain is constantly trying to blend diff erent things unconsciously Every human brain is making many attempts to

- 182 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

blend at every moment Any two things activated simultaneously in the mind are candidate for blending (TURNER 2014) Th is is the claim of Mark Turner in the book Th e origin of ideas (2014 p 4) ldquothe human spark comes from our advanced ability to blend ideas to make new ideas Blending is the origin of ideasrdquo

A common example of blending is the one of driving and sports in utterances such as ldquoTh e team took their foot off the pedal in the second halfrdquo (in English) and ldquoO time tirou um pouco o peacute no segundo tempordquo (in Portuguese) ldquoTake your foot off the pedalrdquo and ldquotirar o peacuterdquo mean ldquostop stepping on the accelerator pedal to slow downrdquo and by extension ldquomake less eff ort and start to relaxrdquo Th ese are some examples (in English and in Portuguese)

In handballHungarian side Pick Szeged remain unbeaten after three rounds and are full of fi re leading by seven at one point in the second half in their match against Ukrainian side Zaporozhye but after taking their foot off of the pedal a little too soon they managed to ride out the storm in the last seconds3

In American footballIf there were a thing to be critical about with the off ense it would be their performance coming out of halftime Th e Redskins have not scored a touchdown in the second half and has been outscored 20-12 Th is is not simply a ball control issue the Redskins from a play-calling standpoint do not take their

3 lthttpwwwehfclcomen2018-19mennewsAzhF3nCWIWbkxza-PzFKnQNantes_stop_Skjern25e225802599s_offence_to_take_fi rst_two_pointsgt

- 183 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

foot off the pedal Washington must keep the same intensity stop the lax approaches to the second half limit penalties and fi nish more drives in the end zone Th e Redskins complacency issues in the early going can and will come back to bite them in bigger games4

In Brazilian soccerAs mudanccedilas no entanto natildeo mudaram muito o panorama da partida O Fluminense seguia perdido em campo O Internacional tirou um pouco o peacute e mesmo assim teve grande chance de ampliar aos 17 em nova falha do adversaacuterio Gum entregou a bola para William Pottker que avanccedilou livre mas chutou em cima do goleiro Juacutelio Ceacutesar5

In these examples driving is the source domain (Input 1) and sports is the target domain (Input 2) Th e conceptual domain of sports is blended with the conceptual domain of driving (Generic Space) to create a new idea (Blended space) where a player is not a car but can stop accelerating in the game not on the road by ldquotaking off his foot off the accelerator pedalrdquo to slow down in the sense of relaxing Figure 1 shows the schema of this blend

4 lthttpswwwhogshavencom201892717905000redskins-offensive-fi rst-quarter-progress-reportgt5 lthttpswwwfutebolinteriorcombrfutebolBrasileiroSerie-A2018noticias2018-08inter-aproveita-falhas-do-fl u-e-alcanca-terceira-vitoria-consecutivagt

- 184 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 1 ndash Blending of driving and sports

Source Own Construction (2018)

Th is blend is possible because humans can play sports and can drive What humans are designed to and not to do because of the minds and bodies they own and how blends are mapped onto language is discussed as follows

EMBODIED COGNITIO N amp EMBODIED LANGUAGE AND THEIR AFFORDANCES

We can understand what humans are designed to do and not to do as aff ordances Blending is a mental human aff ordance Aff ordances are the qualities or properties of an object that defi ne its possible uses or make clear how it can or should be used For instance we sit or stand on a chair because those aff ordances are fairly obvious

- 185 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th e term aff ordance was fi rst introduced by Gibson in the 1970s

Aff ordances enable animals to recognize what prey they eat what predators my possibly eat them what trees may be climbed to escape danger and so on Imagine the color texture taste and smell of a pineapple Th ese properties of the object are its aff ordances which become variously is relative to the perceiving object so that for example in looking at a window one perceives not just an aperture but an aperture that present the possibility on onersquos looking through it (BERMUDES 1995) Perception and embodied action are therefore inseparable in the perception-action cycle (NEISSER 1976) in with exploration of the visual word for example is directed by anticipatory schemes for perceptual action (GIBSON 1979 apud GIBBS JUNIOR 2005 p 43-44)

According to Gibson (1979 p 132) ldquoany substance any surface any layout has some aff ordance for benefi t or injury to someonerdquo

Refl ecting on the interaction of the animal ndash the human being ndash with its environment in terms of perception Gibson (1979) is revisiting the approach taken by the pre-Socratic philosophers who held that there are four elements from which matter is made up ndash earth air fi re and water6 Th e author uses three of these four elements discarding the fi re Th e solid earth as well as the water and the air enable the movement of an animate body if we think of land animals such as fi sh and birds Water and air unlike solids are usually transparent Th e air besides enabling us to breathe ndash by being transparent to the radiation and the reverberation of the

6 The pre-Socratics also known as natural philosophers proposed that matter was composed of these four elements earth water air and fi re

- 186 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

light ndash also allows us to see Being a vehicle capable of transmitting vibrations it allows us to hear and consequently use articulate language to communicate Sound does not propagate in a vacuum Air as it is formed by gases is also capable of transmitting olfactory sensations Th ese properties enable us to perceive aff ordances

Concerning perception aff ordances are within the latency domain Latency domain7 refers to the whole range of things one can do and also the things heshe cannot do A dog for instance can bark wag its tail and bite but it cannot fl y Chickens can cackle eat corn and lay eggs but they cannot lay cubic eggs or bark Within the latency domain of a living being we are also aware of what we can do with it We can breed chicken for poultry Dogs can be best guards and best friends We are very aware of what we cannot do with living beings too We cannot play chess against a chicken or ride on dog pets Th e awareness about the latency domain of a being is not innate It is acquired through experience by irrational and rational animals and by humans learned from other peopleacutes experience both in informal and formal education ndash through reading for example

As defi ned by Gibson (1979) and revisited by Gibbs Junior (2005) the aff ordance is part of the latency domain of beings but it is restricted to what can be done with them Th is implies personal and cultural choices In France for example people eat horse meat which is not a practice in Brazil Th is also implies historical changes For hundreds of years humans imprisoned birds in cages because it was the only way they could listen to music without having to produce it themselves Since the emergence of the radio the record players and other more sophisticated devices

7 ldquoLatency domainrdquo is a term coined by Abreu for this chapter based on the frameworks of Philosophy - latency (perception) and Electric Engineering (circuitslinks human beings perceive between their environment and themselves) Affordances are then constitutive of the latency domain and are elements that help us build the image schemas we use to frame meaning

- 187 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

for music playing putting birds in cages has almost ceased to be a cultural practice

Technology8 is a cultural practice accounting for what human beings cannot do physically in thought and in language for communication and interaction because of body limitations How does technology account for human aff ordances Th e human eyes cannot zoom in and zoom out but a camera can Our minds zoom in and out in memory and imagination because remembering the past and inferring for the future are mental operations Being in the same place and time simultaneously is not possible as well as repeating and making slow motion But fi lm editing makes those happen We are constantly constructing counter facts and shifting our viewpoints about life events so we fi nd technology to move a mental operation from imagination to perception Media were invented for making things in our imagination available

Media are able to exist because mind is sophisticated and that is why humans can aff ord to create technology For instance in fi lms changes in time look like magic tricks if we understand some scenes literally When a movie characteracutes face appears almost simultaneously on the screen in a young version and then in an old version (or vice-versa) we grasp the idea that time has passed We are not deluded in thinking that that change has suddenly happened thanks to our capacity of time compression blending of causation Th e scene shift denotes time change Time change is marked in body change Getting old is within human latency domain

8 These considerations about technology mind and media are based on the course Mind amp Media by Professor Mark Turner Department of Cognitive Science Case Western Reserve University (CWRU) ClevelandOH USA (lthttpmarkturnerorgcourseshtmlCOGS311gt) Ideas on the sections ldquoBlending amp Creativity for meaning constructionrdquo and ldquoWrapping-uprdquo in this chapter are also inspired by Prof Turneracutes thoughts and quotes in the classes of this course taken by Rodrigues in the Fall 2018 at CWRU

- 188 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Body is a media platform for humans to interact within the world to form meaning Brain comes as an output device built to run the body Th at makes up our aff ordances as humans Our body shows them and so does language Embodied cognition and embodied language account for our aff ordances because as humans this is what we can do with our bodies

THE HUMAN BODY AND ITS AFFORDANCES

If humans are aware of the aff ordances of their surroundings they are certainly also aware of their own aff ordances What can I do with my body I can walk run grab things using my hands hug and kiss people look upward and downward look around forward and backward (if I turn my head or my body)

However I am aware that I cannot jump out of a building start fl ying or look backward while looking forward If I am a man I know that I can procreate by making a woman pregnant If I am a woman I know I can procreate by conceiving a child in my womb Th ese are our physical characteristics and body properties Th ese are manifested in language in utterances such as

In Portuguese

Natildeo consigo ver aonde vocecirc quer chegar com essas ideiasMesmo com todo o seu sucesso vocecirc precisa prestar atenccedilatildeo agraves pessoas que estatildeo abaixo de vocecircO piloto teve de abortar duas vezes a decolagem Haacute um projeto em gestaccedilatildeo no Congresso sobre o voto impresso

- 189 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English

Where do you want to come up with these ideasOffi cers below the rank of captain receive no special privilegesTh e mission had to be aborted because of a technical problemItrsquos unclear just how long it took for the idea for the website to gestate

Come up with (= chegar a algum lugar no plano das ideias) means to think of something such as an idea or a plan Th is metaphorical use of come (= chegar) is instantiated by the image schema SOURCE_PATH_GOAL with focus on the GOAL as a resolution or a measure Th e means (PATH) is to use ideas or plans in order to reach such a destination which is not physical We are not deluded when we hear such an expression because we mentally compress vital relations as time space agency and causality to understand it as an abstract PROCESS Compression is a feature of conceptual integration Many aspects of mental space networks can be compressed under blending ndash a basic mental operation at the heart of human singularity (TURNER 2006)

Being below or above someone in a hierarchical control system is a linguistic manifestation of the conceptual metaphor CONTROL is UP and is in the image schema of VERTICALITY Giving birth to business meaning to create it or conceive it as well as gestating an idea are projections of processes which the human body undertakes in order to procreate Again we are aware that these expressions mean ldquostart to exist not as a personrdquo they all refer to something Abort in aborting a mission means a disruption to the schematic PATH of coming to a GOAL as resolution it means to stop something before it is fi nished (BLOCKAGE) because it would be diffi cult or dangerous to continue

- 190 -

Th ese physical characteristics and body properties manifested in language through these utterances are fi rst-degree aff ordances9 because they refer to our physical features and capacities However humans are adaptive complex systems which interact with environments that constantly change concerning culture and history Th is triggers what we understand and call second-degree aff ordances which have their origins in the adaptation of the human body to its physical and cultural environment at specifi c moments in history

One of these fi rst-degree aff ordances is how we count things We can use the ten fi ngers of our hands which is known as the decimal system We can also use the duodecimal system (also known as base 12 or a dozen) We buy a dozen eggs we count 12 months in a year 60 minutes in an hour and 24 hours in a day Where do these ideas come from

Th e duodecimal system was inherited from Babylon the ancient capital of Sumer in the second millennium BC Th e Babylonians counted using the thumb of one hand to touch the phalanges of the other fi ngers Since we have three phalanges in each of these 4 fi ngers the total becomes 12 hence the base 12 (See Figure 2) In order to store the result of each fi lled hand they used the fi ngers of the other hand thus 5 x 12 = 60 hence the origin of the hour with 60 minutes 12 hours of the day plus 12 hours of the night equals 24 hours An alternative is to use 12 AM and 12 PM

9 The classifi cation of affordances in fi rst and second degrees has been coined by Abreu for this chapter First-degree affordances refer to the human bodyphysical ldquousabilityrdquo as in ldquolook up tordquo (eyes) ldquohead somewhererdquo (VERTICALITY of the body through a PATH) etc Second-degree affordances refer to ldquousabilityrdquo linked to culture for example ldquokick off (foot) a meetingrdquo = start a meeting (sport metaphor) ldquopatients are bombarded with radiationrdquo = their bodies receive the ldquobombsrdquo (war metaphor in cancer treatment) etc

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 191 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 2 ndash The rationale of the duodecimal system

Source lthttpsipemspwordpresscomtagsistema-duodecimalgt

When things are countable we can say one two three chairs or half a dozen eggs (if we use the duodecimal system) But when things are non-countable like water and sand we cannot say three sands or ten waters In order to tackle this problem humans have created partitive classifi ers to express a part-whole relation through linguistic constructions made up from human body names Using parts of the body we can say ldquoa handful of sandrdquo and ldquoa head of lettucerdquo Using ldquoarmsrdquo we can say an ldquoarmful of fl owersrdquo or ldquoan armful of logsrdquo

For size reference or measurement systems we can use diff erent parts of the body according to the scale For reference to small and medium devices we can call a USB fl ash drive ldquoa thumb driverdquo because it is the size of a thumb A palmtop is a personal computer which is approximately pocket calculator-sized and fi ts the palm of your hand To measure the ground it is more comfortable to use

- 192 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

footsteps or feet Using this embodied system American aviation has conveyed that airplanes are for example 22000 feet high

Many fi rst-degree aff ordances are linked to sex concerning males and females While ldquoeating the frogrdquo or ldquoengolir sapordquo (= swallow frogs)10 can be used metaphorically from both the frames of male and female bodies ldquoabort a fl ightrdquo or ldquogestate an ideardquo is clearly from a female body input Th ese uses are seen as second-degree aff ordances because they reveal what cultures think about the role of man and his body and what they think about the role of the woman and her body When Steve Jobs insisted on his strange food diets and his mother was desperate he would jokingly say ldquoI am frugivore and will only eat leaves harvested by virgins in the moonlightrdquo (ISAACSON 2011 p 161) Th is is in his biography and it is confi gured as an idea imposed by culture upon the purity of virgin women which is used by a vegetarian as input to a blending with green leaves which would be purer and healthier food

Humans have also culturally adapted their bodies to play sports And the relationship between body and sports continually produces a large number of conceptual metaphors such as ldquothe ballrsquos in their courtrdquo Th is phrase comes from tennis or basketball and in business it means yoursquove done your part of the work or deal and ldquohit the ball into their courtrdquo so yoursquore waiting for ldquothe ballrdquo or information paperwork product etc to come back to you Alternatively the ball could be ldquoin your courtrdquo meaning people are waiting on your action

Another expression from the North-American culture is ldquocarry the ballrdquo as it is shown in the following example in the political discourse domain

10 ldquoEating the frogrdquo means just do it otherwise the frog will eat you if you end up procrastinating it the whole day ldquoEngolir saposrdquo (swallow frogs) means to bear an unpleasant situation without manifesting against it

- 193 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th ank you guys Th at Walker of Wisconsin has proved that he can get both Democrat and Republican votes Hersquos not a bomb thrower He enters to end the public sector unions are draining the state economically and hersquos able to carry the ball (SPOK Talk of the Nation 2012)

Th is is due to the fact that in American football the action of carrying the ball is important so that a player enters the end zone of the opposing team and performs the touchdown scoring 6 points

Similar to ldquocarrying the ballrdquo in American football ndash metaphorically meaning achieving a goal in the sense of doing something that you decided that you wanted to do ndash in Portuguese there is the expression ldquobater na traverdquo (= hit the goalpost) In Brazilian soccer it refers to the moment when the player almost scores a goal but is unable to because the ball hits one of the sticks that make up the goal frame Th is expression is employed metaphorically when someone narrowly fails to get a try as in ldquoEle tentou passar no vestibular mas lsquobateu na traversquo pois faltou um ponto apenasrdquo (= He tried to pass the entrance examination but ldquohit the goalpostrdquo because he missed one point)

Comparing uses of diff erent languages is known as linguistic typology Embodied language has to do with aff ordances because of its cultural features printed on language

AFFORDANCES amp L INGUISTIC TYPOLOGY

Linguistic typology refers to the study and classifi cation of languages according to their structural and functional features Its aim is to describe and explain the common properties and the structural diversity of the worldrsquos languages Concerning fi rst-

- 194 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

degree and second-degree aff ordances we can compare physical andor metaphorical uses of embodied language in English and Portuguese and establish diff erences and similarities

Th e use of similar sport metaphor in English and in Portuguese ndash ldquocarrying the ballrdquo and ldquobater na traverdquo ndash reveals that every language manifests physical bodily aff ordances very similarly but also very diversely For instance in both English and Portuguese we would use the word ldquohandrdquo to mean ldquohelprdquo11 in utterances such as ldquoCan you give me a handrdquo which means when translated into Portuguese exactly the same ldquoVocecirc pode me dar uma matildeordquo On the other hand in ldquoHe is heading homerdquo would be translated into Portuguese as ldquoEle estaacute se dirigindo para casardquo where heading = dirigindo (driving)

As for the partitive classifi ers the equivalent of a handful would be ldquopunhadordquo (derived from punho = fi st) a handful of sand would be ldquopunhado de areiardquo Using ldquoarmsrdquo (= braccedilo) similarly to ldquoan armful of fl owers or logsrdquo in Portuguese you can say ldquouma braccedilada de fl ores ou de lenhardquo For size and measurement reference we would use in Portuguese ldquoquatro palmos de tecidordquo (palmos = palms) to mean ldquofour spans of fabricrdquo For small size such as an inch we use ldquopolegadardquo in Portuguese (polegar = thumb) in utterances like ldquoTh is bar is two inches widerdquo to mean ldquobarra de duas polegadas de largurardquo

Th ere is also a great number of idioms which are related to body parts

11 In English depending on the context giving someone a hand can also mean to applaud or clap For example ldquoPlease give all our dedicated volunteers a hand for their hard workrdquo

- 195 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English12stand on oneacutes own legsa pain in the neckfoot in mouthcost an arm and a legget off my backcold shouldercold feeta sight for sore eyesa fi nger in every pieoff the top of my head

In Portuguese13dar o braccedilo a torcerdar a matildeo agrave palmatoacuteriadar um puxatildeo de orelhanatildeo estou nem aiacute rei na barrigaisso tem o dedo da sua matildee

Th ese idioms built on parts of the human body occur in every language and some have cross-linguistic equivalence Th ey are fi rst-degree aff ordances Second-degree aff ordances would be present in metaphorical idioms such as ldquodrop the ballrdquo or ldquopisar na bolardquo (for fail mess up) ldquobe connedrdquo or ldquolevar uma bola nas costasrdquo (for being cheated) ldquoestar na marca de pecircnaltirdquo or ldquoa close shaverdquo (for when you come very close to a dangerous situation) Th ey are

12 For meanings see lthttpswwwecenglishcomlearnenglishlessonsbody-idiomsgt13 For meanings see lthttpscomunidaderockcontentcomexpressoes-idiomaticasgt

- 196 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

linked to viewpoint and culture Some are sport metaphors usually blended with business and politics and most of them are built under image schemas

Besides these second-degree aff ordances present in metaphorical uses of embodied language linguistic universals14 are built on the idea of the fi rst-degree aff ordances in uses of the historic present which consists of either the employment of the present tense when narrating past events or the employment of the present tense to describe future events such as in

Th e Berlin Wall falls on November 9 1989I was at the mall yesterday when I bump into an old friend of mineTh e bus leaves tomorrow at nineTh e American president hosts the German chancellor for a visit tomorrow

Both uses of the historic present for past and future events are linked to the bodily exercise of our vision Since we can only see what is physically before us we can only see what is in our present moment too Th erefore we compress past and future into the present time so as to mentally ldquoseerdquo an action creating an eff ect of reality Th is is compressed blending Blending can be compressed over time space causation and agency ldquoTh e sweep of human thought is vast extending over time space causation and agency creating mental ideas that go far beyond our local experiencerdquo (TURNER 2017 p 2)

Taking back the blend shown in Figure 1 between driving and sports the vital relations compressed are the ones of causation (stop stepping on the accelerator pedal = take off the foot in soccer) agency (driver = player) time (slow down = relax) and space (road = game)

14 A linguistic universal is a pattern that occurs systematically across natural languages potentially true for all of them

- 197 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A basic technique for constructing meaning across an extended mental network is to use as an input to that network some very compressed congenial concept in order to provide familiar compressed structure to the blend (TURNER 2017 p 2)

Th e hearer of a sports narration may not be familiar with the script of a sports game but tends to be more acquainted with driving experiences Th e blending is successful when compressions work over prior shared knowledge Th us pushing ideas from driving to convey similar ideas in sports shows the sports narratoracutes ability to create new ideas using imagination Creativity is within human minds aff ordances Th e level of conceptual creativity and mental force required to manufacture blends is astounding (TURNER 2014)

Also it is interesting to point out that concerning linguistic typology the structure of the construction (in terms of form and meaning) ldquotake off the foot in a sports gamerdquo has the same functional feature of conveying the idea of ldquorelax in the game as you would if you were slowing down by not stepping on the accelerator pedal when driving a carrdquo

Whereas metaphorical projections are directional mappings through plausible possibilities across mental spaces ndash for example a human foot is a car accelerator pedal ndash blends are plausible impossibilities because they raise original ideas such as the one brought up by the notion of a player being an agent in a game to score a goal as a driver is when driving a car to reach a destination and both having to slow down at a certain point in order to achieve the intended result Hearers of a sports narration are able to decompress this blend and thus create meaning out of the linguistic material

- 198 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BLENDING amp CREATIVITY FOR MEANING C ONS-TRUCTION

Humans have the ability to think of do and create something new interesting and diff erent and represent it in language According to Turner (2006) outer-space relations of representation is compressed under mental blending and human bodies are capable of mediating this process Th us there is no need for new constructions in language but new structure for new meaning

New meanings arise through language because ldquowe construct mappings across diff erent mental spaces and project from them selectively to create a blend from these inputs that has additional emergent structure not contained in any of themrdquo (TURNER 2017 p 2)

Human minds are built to store information in memory make inferences trace analogies and represent them in language for meaning construction Th ings do not mean We attribute meaning to them upon what we know guided by our perceptions from which our bodies work as fi lters Th is is what mind does to fi ll something with meaning I blend I compress I represent I perform I mean You unpack my blends you interpret you understand Th at is where new ideas come from and that is why we are so innovative

WRAPPING-UP

In a nutshell this chapter about embodied language and its functionality in meaning construction has been produced to shed light on the role of the human body in cognition and language We started by setting the scene of Cognitive Linguistics ndash from theories such as the Conceptual Metaphors and Image Schemas

- 199 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and then went on to the notion of aff ordances and the theory of Blending for the sake of creativity in meaning construction

In order to go through this path we discussed embodied cognition and embodied language and the aff ordances of the human body also related to linguistic typology a notion from where we provided examples of utterances in English and in Portuguese We also showed that many times our mind is merged with technology because we use it to project perception to reality

Our fi nal remarks are that as human beings we are exceptionally good at innovation because we can hold onto new ideas once they are formed (TURNER 2014) From image schemas ndash which help us think ndash and from conceptual metaphors to the advanced mental operation of blending originality is compressed through causality agency time and space as vital relations and representations which work to construct meaning Th is is all possibly plausible because human beings have a body Our human bodies work as a tool box where the brain is built to run us We use our body as a prompt to construct meaning

ACKNOWLEDGMENTS

Th is work is within the scope of a post-doctoral project partially supported by FAPESP (Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado de Satildeo Paulo) grant 201715988-2 Additional support is provided by Instituto Federal de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia de Satildeo Paulo Ordinance 2348 26 July 2018 Both grants are for Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues

REFERENCES

FAUCONNIER Gilles TURNER Mark Th e way we think conceptual blending and the mindrsquos hidden complexities New York Basic Books 2002

- 200 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

GIBBS JR Raymond Embodiment and cognitive science Cambridge Cambridge University Press 2005

GIBSON James J Th e ecological approach to visual perception New York Classic Edition 2015

ISAACSON Walter Steve Jobs New York Simon amp Schuster e-books 2011

JOHNSON Mark Th e Body in the mind the bodily basis of meaning imagination and reason Chicago University of Chicago Press 1987

LAKOFF George JOHNSON Mark Philosophy in the fl esh the embodied mind and its challenge to western thought New York Basic Books 1999

LAKOFF George JOHNSON Mark Metaphors we live by Chicago Th e University of Chicago Press 1980

LAKOFF George Women fi re and dangerous things what categories reveal about the mind Chicago University of Chicago Press 1987

TURNER Mark Compression and representation Language and Literature v 15 n 1 p 17-27 SAGE Publications London 2006 Retrieved from lthttplalsagepubcomgt (October 19 2018)

TURNER Mark Multimodal form-meaning pairs for blended classic joint attention Linguistics Vanguard v 3 (s1) 20160043 De Gruyter Mouton 2017

TURNER Mark Th e origin of ideas blending creativity and the human spark Oxford Oxford University Press 2014

- 201 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim Eacute professora e pesquisadora formada em Letras pelo Departamento de Letras da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar2002) Eacute mestre em Linguiacutestica Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp2006) e doutora em Linguiacutestica Aplicada pelo mesmo instituto (2013) Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado na Universidade de Franca de dez2013 a jan2015 Atuou como professora temporaacuteria no curso de Letras da UFSCar nos anos de 2012 2013 e 2015 e professora substituta no Instituto Federal de Satildeo Paulo nos anos de 2015 e 2016 Seus principais estudos estatildeo centrados no ensino e aprendizagem de liacutengua materna letramento e gecircneros do discurso em uma perspectiva sociointeracionista embasada nos estudos bakhtinianos Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica da Universidade de FrancaContato alinemariamanfrimgmailcom

Antocircnio Suaacuterez Abreu Professor titular de liacutengua portuguesa da UNESP e professor associado da USP Possui mestrado doutorado e livre-docecircncia pela USP e poacutes-doutorado pela UNICAMP Publicou os livros Curso de Redaccedilatildeo (Editora Aacutetica) Texto e Gramaacutetica ndash uma visatildeo Funcional para a Leitura e a Escrita (Editora Melhoramentos) A Arte de Argumentar Gerenciando Razatildeo e Emoccedilatildeo O Design da Escrita ndash Redigindo com Criatividade e Beleza ndash Inclusive fi cccedilatildeo Linguiacutestica Cognitiva ndash uma Visatildeo Geral e Aplicada Gramaacutetica Miacutenima para Domiacutenio da Liacutengua Padratildeo e Gramaacutetica Integral da Liacutengua Portuguesa uma Visatildeo Praacutetica e

OS AUTORES

- 202 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Funcional os cinco uacuteltimos pela Ateliecirc Editorial Eacute membro da Academia Campinense de LetrasContato tom_abreuuolcombr

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice Possui graduaccedilatildeo em Letras-Habilitaccedilatildeo em Portuguecircs e Inglecircs pela Universidade de Franca eacute mestre em Linguiacutestica pela Universidade de Franca e Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela FCLAr ndash UNESP de Araraquara Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado no Departamento de Educaccedilatildeo Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo na Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto ndash Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob a supervisatildeo da Profa Dra Soraya Maria Romano Paciacutefi co Eacute vice-lider do GEBGEcirc ndash Grupo de Pesquisas em Estudos Bakhtinianos dos Gecircneros do Discurso ndash certifi cado pelo CNPQ junto com o Prof Dr Juscelino Pernambuco Atualmente eacute professora permanente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (Mestrado) da Universidade de Franca e professora dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia Aacutereas de atuaccedilatildeo e conhecimento Linguiacutestica do Texto Estudos Bakhtinianos Anaacutelise do Discurso Semioacutetica Liacutengua e Literatura LatinaContato camilaludovicegmailcom

Deacutebora Massmann Eacute doutora em Letras pela Universidade de Satildeo Paulo (USP) (2009) mestre e graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (2005 e 2002) Realizou estaacutegio Poacutes-doutoral em Semacircntica no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2014) Eacute docente permanente e coordenadora adjunta do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias da Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaiacute Atua como docente nos cursos de Graduaccedilatildeo em Letras Histoacuteria e Tecnologia em Gastronomia da Universidade do Vale do Sapucaiacute (UNIVAacuteS) Em 2018 foi professora convidada

- 203 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na Universidade de Turim (Itaacutelia) Tem experiecircncia em teoria e anaacutelise linguiacutestica principalmente na aacuterea de semacircntica anaacutelise de discurso retoacuterica e argumentaccedilatildeo Em suas pesquisas destaca-se o interesse pelo funcionamento dos discursos juriacutedico poliacutetico e artiacutestico Contato deboramassmannunivasedubr ou deboraquelhmgmailcom

Fernando Aparecido Ferreira Eacute doutor em Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo na aacuterea de Estudos dos Meios e da Produccedilatildeo Mediaacutetica pela Escola de Comunicaccedilatildeo e Artes (ECA) da Universidade de Satildeo Paulo (USP 2008) mestre em Comunicaccedilatildeo Midiaacutetica pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESP 2002) Graduado em Desenho Industrial (habilitaccedilatildeo em Programaccedilatildeo Visual 1995) Eacute professor da Universidade de Franca (UNIFRAN) desde 2000 integrando o corpo docente do Curso de Graduaccedilatildeo em Design Graacutefi co desde essa data e o corpo docente do Programa de Mestrado em Linguiacutestica desde setembro de 2011 Atualmente desenvolve e orienta trabalhos nos campos da Linguiacutestica Textual e da Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica em projetos de pesquisa que abarcam a relaccedilatildeo do texto verbal com o texto imageacutetico bem como a retoacuterica da imagem tendo como objetos de estudo histoacuterias em quadrinhos produccedilotildees audiovisuais peccedilas publicitaacuterias etc Eacute vice-liacuteder do grupo PARE - Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica vinculado ao CNPq Integra o Nuacutecleo Docente Estruturante dos cursos de Design da UNIFRANContato ff erreiradguolcombr

Gerardo Ramiacuterez Vidal Doutor em Letras Claacutessicas Pesquisador e Docente em tempo integral no Centro de Estudos Claacutessicos do Instituto de Investigaccedilotildees Filoloacutegicas da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico (UNAM) Atua como fi loacutelogo claacutessico e tradutor de textos gregos Suas linhas de pesquisa abordam a

- 204 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sofiacutestica a retoacuterica e a hermeneacuteutica Dentre suas publicaccedilotildees destacam-se La retoacuterica de Antifonte (2000) La palabra y la fl echa anaacutelisis retoacuterico de textos literarios de la Grecia antigua (2005) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e El arte de la memoria en la Rhetorica christiana de Diego Valadeacutes (2016) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e Paixotildees aristoteacutelicas (2017) Eacute membro do Sistema Nacional de Investigadores SNI (CONACyT) Niacutevel II Contato grvidal18gmailcom

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel Eacute Professor Adjunto A da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar) Atuou de 2010 a 2016 na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) Doutor (2014) e Mestre (2008) em Linguiacutestica Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Possui graduaccedilatildeo (2005) em Licenciatura em Letras - Portuguecircs pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Atua no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (PPGL-UFSCar) Atualmente desempenha a funccedilatildeo de coordenador do Bacharelado em Linguiacutestica Lidera juntamente ao Prof Dr Luiz Andreacute Neves de Brito o grupo de pesquisa Escrita e leitura na contemporaneidade cadastrado no CNPq Tem experiecircncia na aacuterea de Linguiacutestica com ecircnfase em Linguiacutestica Aplicada atuando principalmente nos seguintes temas gecircneros do discurso estilo de escrita teoria bakhtiniana aquisiccedilatildeo da linguagem escrita e escolaContato lucasvcmacielyahoocombr

Maria Flaacutevia Figueiredo Eacute Doutora em Linguiacutestica pela Unesp-Araraquara com estaacutegio poacutes-doutoral em Retoacuterica na PUC-SP Especializaccedilatildeo em Liacutenguas Estrangeiras pela State University of New York (SUNY-Albany) formaccedilatildeo em Psicanaacutelise pela APVP (Associaccedilatildeo Psicanaliacutetica do Vale do Paraiacuteba) e Graduaccedilatildeo em Letras pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

- 205 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica e dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia da Universidade de Franca Eacute liacuteder do grupo PARE (Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica) e membro do grupo ERA (Estudos de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo) ambos certifi cados pelo CNPq Tem experiecircncia nas aacutereas de Linguiacutestica (com ecircnfase em Retoacuterica Linguiacutestica Textual e Fonologia) Liacutengua Portuguesa Liacutengua Inglesa e Metodologia de Pesquisa Realiza pesquisas nos seguintes temas relaccedilotildees entre ethos retoacuterico e gecircnero do discurso Linguiacutestica e Psicanaacutelise gecircneros textuaisdiscursivos e ensino ethos pathos e logos intertextualidade como estrateacutegia persuasiva e questotildees de autoria no texto cientiacutefi co Dentre outras publicaccedilotildees eacute organizadora das obras Retoacuterica e multimodalidade (2018) Paixotildees aristoteacutelicas (2017) e O animal que nos habita a retoacuterica das paixotildees em Relatos Selvagens (2016) Contato mariafl aviafi gueiredoyahoocombr

Moacir Lopes de Camargos Possui graduaccedilatildeo em Letras - PortuguecircsFrancecircs pela Universidade Federal de Uberlacircndia (1995) mestrado em Linguiacutestica Aplicada (Liacutengua estrangeira) pela Universidade Estadual de Campinas (2003) doutorado em Linguiacutestica tambeacutem nesta instituiccedilatildeo (2007) poacutes-doutorado em Humanidades pela Universidade de Coacuterdoba Argentina (2008) poacutes-doutorado em Literatura Francoacutefona pela University of Guelph Canadaacute (2017) Tem experiecircncia docente na aacuterea de Letras francecircs espanhol portuguecircs e literatura em escolas da rede puacuteblica (ensino fundamental e meacutedio) e em cursos de formaccedilatildeo de professores tambeacutem atua no Ensino Superior (na aacuterea de Letras - graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo) Seu trabalho prioriza os seguintes temas interculturalidade e aprendizagem de liacutengua(s) e literatura Contato lopesdecamargosgmailcom

- 206 -

Patriacutecia Brasil Massmann Eacute doutoranda (Bolsa Filantropia Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Bolsa CAPESPROSUPBOLSA) e Mestre em Direito Poliacutetico e Econocircmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Bolsa CAPESPROSUP) Professora do Curso de Direito da UNIMetrocamp - Campinas Advogada Graduada em Direito pela Universidade da Amazocircnia (2003) Graduada em Administraccedilatildeo de Empresas e Comeacutercio Exterior pelo Centro Universitaacuterio do Estado do Paraacute (2002) Membro de diferentes grupos de pesquisa a saber ldquoMulher Sociedade e Direitos Humanosrdquo (UPM) ldquoA Constituiccedilatildeo Recuperadardquo (UPMCECEC) e a equipe do Projeto de Pesquisa ldquoA Constituinte Recuperadardquo (CEDECUPMFAPESP)Contato patriciabrasilmetrocampedubr

Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa (Unesp 2012) com estaacutegio poacutes-doutoral no Departamento de Ciecircncias Cognitivas da Case Western Reserve University ClevelandOH EUA (2018-2019) Mestre em Linguiacutestica (Unifran 2010) Especialista em Design Instrucional (Unifei 2015) e em Liacutengua Inglesa (Unifran 2006) Licenciada em Letras (Unifeg 1997) Eacute professora EBTT do IFSP Satildeo Joatildeo da Boa Vista Atua nas seguintes aacutereas Comunicaccedilatildeo Cientiacutefi ca Linguiacutestica Cognitiva Gramaacutetica Funcional Retoacuterica e Estiliacutestica Tecnologias e Educaccedilatildeo e Avaliaccedilatildeo Eacute organizadora de dois volumes da obra Temas e Rumos nas Pesquisas em Linguiacutestica (Aplicada) Questotildees empiacutericas eacuteticas e praacuteticas (2015 2017) Contato rosanaferraretoifspedubr

- 207 -

- 208 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Page 2: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora

O Texto corpo voz e linguagem

Coleccedilatildeo Mestrado em LinguiacutesticaVolume 13

Franca2018

Camila de Arauacutejo Beraldo LudoviceAline Maria Paciacutefi co ManfrimMaria Flaacutevia Figueiredo

ORGANIZADORAS

COPYRIGHT copy COLECcedilAtildeO MESTRADO EM LINGUIacuteSTICA

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

CATALOGACcedilAtildeO NA FONTE

BIBLIOTECA CENTRAL DA UNIVERSIDADE DE FRANCA

B94c

EXPE

DIEN

TELudovice Camila de Arauacutejo Beraldo

L975t O texto corpo voz e linguagem Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice Aline Maria Paciacutefi co Manfrim Maria Flaacutevia Figueiredo organizadores Franca SP Universidade de Franca 2018

208 p (Coleccedilatildeo Mestrado em Linguiacutestica 13)

ISBN ndash 978-85-60114-69-6

1 LINGUIacuteSTICA ndash ESTUDO E ENSINO 2 LINGUIacuteSTICA ndash ESTUDOS BAKTHINIANOS 3 LINGUIacuteSTICA ndash PRODUCcedilAtildeO ACADEcircMICA 4 LINGUIacuteSTICA ndash RETOacuteRICA E ARGUMENTACcedilAtildeO I MANFRIM ALINE MARIA PACIacuteFICO II FIGUEIREDO MARIA FLAacuteVIA III UNIVERSIDADE DE FRANCA

CDU ndash 801(07)

REITORIA

PROacute-REITORIA DE GRADUACcedilAtildeO

PROacute-REITORIA DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

PROFA DRA KAacuteTIA JORGE CIUFFI

PROF DR EacuteLCIO RIVELINO RODRIGUES

PROFA DRA KAacuteTIA JORGE CIUFFI

COORDENACcedilAtildeO

ORIENTACcedilAtildeO

EXECUCcedilAtildeO

PROJETO GRAacuteFICO

PROFA MA ANA MAacuteRCIA ZAGO

PROF ESP RODRIGO A DE SOUZA

MATHEUS CUNHA DIVERNO

SEacuteRGIO RIBEIRO

NUacuteCLEO DE PROJETOS E PESQUISAEM DESIGN

CONSELHO EDITORIAL

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice (UNIFRAN)

Deacutebora Raquel Hettwer Massman (UNIVAacuteS)

Dominique Maingueneau (Paris-Sorbonne)

Edna Maria Fernandes dos Santos Nascimento (UNESP)

Erasmo DrsquoAlmeida Magalhatildees (USP)

Fernanda Mussalim (UFU)

Fernando Aparecido Ferreira (UNIFRAN)

Glenda Cristina Valim de Melo (UNIRIO)

Ivan Darrault-Harris (UNILIM - Franccedila)

Luciana Carmona Garcia Manzano (UNIFRAN)

Luiz Antocircnio Ferreira (PUC-SP)

Juscelino Pernambuco (UNIFRAN)

Maria da Gloacuteria Di Fanti (PUC-RS)

Maria Flaacutevia Figueiredo (UNIFRAN)

Mariacutelia Giselda Rodrigues (UNIFRAN)

Marina Ceacutelia Mendonccedila (UNESP)

Marlon Leal Rodrigues (UEMS)

Matheus Nogueira Schwartzmann (UNESP)

Renata Coelho Marchezan (UNESP)

Sueli Cristina Marquezi (PUC-SP)

Vera Luacutecia Rodella Abriata (UNIFRAN)

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 8

a construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto NORMAL HUMANIZADO

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim 15

dissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemCamila de Arauacutejo Beraldo Ludovice39

corpo e(m) (dis)curso da re-existecircncia Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann59

coisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie STRANGER THINGS

Fernando Aparecido Ferreira79

la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicaGerardo Ramiacuterez Vidal99

a autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular unicampLucas Vinicio de Carvalho Maciel121

a retoacuterica das paixotildees revisitadaMaria Flaacutevia Figueiredo 141

quando a lingua(gem) me afetaMoacir Lopes de Camargos 159

embodied language and its functionality in meaning constructionRosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Antocircnio Suaacuterez Abreu 175

os autores201

- 8 -

COLECcedilAtildeO MESTRADO EM LINGUIacuteSTICA

- 8 -

APRESENTACcedilAtildeO

Ao contraacuterio da memoacuteria das maacutequinas a memoacuteria coletiva supotildee dois suportes discursivos o objeto e o corpo O objeto cultural como portador de memoacuteria e o corpo como indicador de singularidade porque sem o corpo dos sujeitos que entre-transmitem algo de fundamental se perde a entonaccedilatildeo e com ela o valor O valor enquanto assinatura que atesta minha participaccedilatildeo singular e responsaacutevel no ser da cultura

Mariacutelia Amorim

A Coleccedilatildeo Mestrado em Linguiacutestica do programa de Mestrado em Linguiacutestica da Universidade de Franca (UNIFRAN) chega ao seu volume de nuacutemero 13 com o tiacutetulo O Texto corpo voz e linguagem Esta coleccedilatildeo foi organizada por trecircs professoras da aacuterea de estudos do texto e estaacute composta por nove capiacutetulos escritos por vaacuterios pesquisadores de diferentes universidades do Brasil e outros paiacuteses

Esta publicaccedilatildeo faz parte dos estudos desenvolvidos tambeacutem na linha de pesquisa ldquoProcessos e praacuteticas textuais caracterizaccedilotildees e abordagens teoacutericasrdquo do Mestrado em Linguiacutestica da UNIFRAN E tem como objetivo difundir as refl exotildees acadecircmicas que tratam dentro da temaacutetica proposta de abordagens teoacutericas e objetos diversos

Nos capiacutetulos deste livro o leitor encontraraacute discussotildees acerca das questotildees sobre corpo voz e linguagem manifestados das mais diversas formas e em variados gecircneros discursivos e tambeacutem analisados sob diferentes perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas

O primeiro capiacutetulo ldquoA construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto normal humanizadordquo escrito por Aline Maria Paciacutefi co Manfrim discute um tema bastante contemporacircneo e pouquiacutessimo debatido o parto normal humanizado Para tratar da temaacutetica a autora analisa cinco textos verbo-visuais postados no perfi l do Instagram de uma doula (mulher geralmente enfermeira que durante e apoacutes o parto fornece suporte emocional e fiacutesico a parturientes) e demonstra de que maneira os discursos aiacute veiculados se contrapotildeem com o modelo obsteacutetrico hegemocircnico no Brasil paiacutes que ocupa a posiccedilatildeo de segundo no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea Na esteira dos estudos bakhtinianos ao longo da anaacutelise a pesquisadora toma cada um dos enunciados presentes nos posts como um acontecimento enunciativo concreto uacutenico e irrepetiacutevel A relevacircncia do capiacutetulo repousa no fato de que a autora traz agrave baila um discurso que vai de encontro com aquele recorrente no paiacutes qual seja o que busca naturalizar a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo em detrimento do parto natural ou normal

Em ldquoDissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemrdquo a professora doutora Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice propotildee discutir a dissertaccedilatildeo como um gecircnero discursivo singular e por isso as vozes que o constituem e o estilo desse gecircnero tambeacutem merecem ser objeto de anaacutelise A partir de uma minuciosa revisatildeo bibliograacutefi ca dos estudos bakhtinianos que tratam desses conceitos e de refl exotildees realizadas pelos estudiosos de Bakhtin a professora mostra uma anaacutelise de uma dissertaccedilatildeo levando em conta os diaacutelogos realizados pela autora da dissertaccedilatildeo quando seleciona e mobiliza os enunciados para a materializaccedilatildeo de seu projeto de dizer Essa anaacutelise permitiu mostrar que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e concretiza a relaccedilatildeo entre o sujeito pesquisador e a liacutengua Os excertos analisados evidenciaram assim um posicionamento individual social e de mundo na

- 9 -

argumentaccedilatildeo produzida na dissertaccedilatildeo comprovado pelas marcas de expressatildeo deixadas na escrita

Deacutebora Massmann e Patriacutecia Brasil Massmann escreveram o capiacutetulo ldquoCorpo e(m) (dis)curso da re-existecircnciardquo As autoras tomam o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que o corpo eacute considerado como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Nessa perspectiva as autoras afi rmam que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Para ilustrar o processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia as autoras analisaram um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora As autoras analisaram o trecho sobre a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz e refl etiram sobre essa questatildeo como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tecircm de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio

No capiacutetulo ldquoCoisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie Stranger Th ingsrdquo o professor doutor Fernando Aparecido Ferreira faz uma anaacutelise minuciosa da intertextualidade que constitui a seacuterie Stranger

- 10 -

Th ings Para ele este recurso de linguagem estudado pela Linguiacutestica Textual eacute decisivo para a grande adesatildeo de puacuteblico ao enredo e aos recursos multimodais da narrativa porque funciona retoricamente como uma fi gura de comunhatildeo garantindo assim o sucesso na argumentaccedilatildeo construiacuteda pela seacuterie A partir da construccedilatildeo de uma identidade baseada na intertextualidade temaacutetica estiliacutestica por meio de recursos sonoros e audiovisuais das produccedilotildees dos anos 80 e da intertextualidade impliacutecita Stranger Th ings conclui o autor possibilita despertar no puacuteblico uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu garantindo assim aproximaccedilatildeo e familiaridade a cada sequecircncia narrativa da seacuterie

Gerardo Ramiacuterez Vidal da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico trouxe uma brilhante contribuiccedilatildeo para o livro por meio do capiacutetulo ldquoLa hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicardquo Com o conhecimento e a erudiccedilatildeo de um fi loacutelogo claacutessico o autor apresenta um percurso histoacuterico desde a Greacutecia antiga ateacute os dias atuais sobre a arte da expressatildeo oral ou hypokritikē (arte geral da pronuacutencia) Nos estudos linguiacutesticos da atualidade esse campo de estudo abarca o que conhecemos como prosoacutedia ou seja o conjunto de fenocircmenos focircnicos que se localiza aleacutem ou acima (hierarquicamente) da representaccedilatildeo segmental linear dos fonemas Para apresentar um levantamento diacrocircnico do uso do termo o pesquisador divide seu capiacutetulo em trecircs partes a primeira discorre sobre a palavra hypoacutekrisis e sua utilizaccedilatildeo em fontes antigas a segunda discute as imprecisotildees do termo e a terceira evidencia o caraacuteter transversal desse campo de estudo Ao longo do texto Ramiacuterez Vidal esclarece entatildeo a relevacircncia da expressatildeo oral (ou prosoacutedia) dentro dos estudos retoacutericos e por meio de uma ampla revisatildeo da literatura demonstra que esse campo de estudos foi primeiramente considerado como parte da retoacuterica por Aristoacuteteles tendo recebido atenccedilatildeo de autores gregos e posteriormente de latinos como Teofrasto Hermaacutegoras de Temnos Filodemo Casio

- 11 -

Longino e em especial Quintiliano que dedica a esse assunto um amplo capiacutetulo Depois de discorrer sobre as imprecisotildees do termo hypoacutekrisis e sobre o caraacuteter transversal que assumiu ao longo dos tempos ao fi nal do capiacutetulo o autor enfatiza que dada a relevacircncia do tema e a sua ampla aplicaccedilatildeo nos estudos retoacutericos eacute necessaacuterio que nos aprofundemos nos elementos prosoacutedicos sobretudo no que se refere a seu ensino e aplicaccedilatildeo praacutetica o que ressalta o pesquisador tem sido feito atualmente no Brasil pela pesquisadora Maria Flaacutevia Figueiredo docente do programa de poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica da Universidade de Franca

O capiacutetulo intitulado ldquoA autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular UNICAMPrdquo foi escrito pelo professor doutor Lucas Vinicio de Carvalho Maciel e trata sobre a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo sob a perspectiva do Ciacuterculo de Bakhtin A relevacircncia da autoconsciecircncia foi explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreendeu um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise o escopo do capiacutetulo aborda textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo Por essa incursatildeo o capiacutetulo evidenciou que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

- 12 -

A professora doutora Maria Flaacutevia Figueiredo escreveu o capiacutetulo ldquoA retoacuterica das paixotildees revisitadardquo com o propoacutesito de refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para tanto revisitou um dos mais relevantes legados de Aristoacuteteles a retoacuterica das paixotildees Segundo a autora refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para fi ns distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber Para alcanccedilar seus objetivos a pesquisadora perscrutou a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade para compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

No capiacutetulo ldquoQuando a lingua(gem) me afetardquo o professor doutor Moacir Lopes de Camargos elabora uma refl exatildeo sobre si a partir das accedilotildeesrespostas que os outros produziram sobre ele em alguns momentos de sua vida Ele aponta que elas contribuiacuteram para a sua formaccedilatildeo como sujeito social e fi caram marcadas no seu corpo e na sua memoacuteria pelo fato de serem accedilotildees violentas porque negaram a diferenccedila e tinham como objetivo forccedilar uma identidade que natildeo pertencia a ele Ao mesmo tempo em que a linguagem se tornou denuacutencia e sofrimento no capiacutetulo ela tambeacutem funcionou como caminho para elaboraccedilatildeo de uma retrospectiva de 50 anos da Histoacuteria de Brasil e de sua proacutepria histoacuteria em que social e individual se juntam para permitir com leveza e com o recurso esteacutetico das letras de muacutesica uma nova possibilidade de ldquocaminharrdquo sendo professor educador e formador de opiniatildeo em uma universidade

Os professores doutores Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues e Antocircnio Suaacuterez Abreu escreveram o capiacutetulo ldquoEmbodied language and its functionality in meaning constructionrdquo e partiram de questionamentos tais como Qual eacute o papel do corpo humano na cogniccedilatildeo e por que o usamos para entender as coisas do mundo Espaccedilos mentais satildeo estados fiacutesicos Se noacutes humanos tiveacutessemos um corpo diferente teriacuteamos uma cogniccedilatildeo diferente Das teorias fundadoras da metaacutefora conceptual (LAKOFF JOHNSON 1980) e dos esquemas imageacuteticos (LAKOFF 1987) a operaccedilotildees mentais mais modernas como o blending ou integraccedilatildeo conceitual (FAUCONNIER TURNER 2002) um novo ponto de vista sobre a linguagem humana emergiu da noccedilatildeo de cogniccedilatildeo corporifi cada Neste capiacutetulo foram discutidas essas questotildees e apresentados esses constructos da Linguiacutestica Cognitiva para lanccedilar luz sobre aspectos que viabilizam os blendings como as aff ordances (GIBSON 1979) a partir dos quais se pode notar a criatividade humana acontecendo na comunicaccedilatildeo Ao comparar usos em diferentes liacutenguas verifi caram a manifestaccedilatildeo da cogniccedilatildeo corporifi cada na construccedilatildeo de (novos) signifi cados Ao mostrarem exemplos de usos em expressotildees do Portuguecircs e do Inglecircs fi ca evidente que projetaram percepccedilatildeo cultura e histoacuteria para a realidade o que eacute plausiacutevel porque o nosso corpo funciona como uma caixa de ferramentas onde o ceacuterebro estaacute para nos fazer funcionar Assim o corpo eacute usado como gatilho para construir signifi cado

Com esta apresentaccedilatildeo e breve resumo dos capiacutetulos esperamos incitar a acircnsia pela leitura e por novas pesquisas Desejamos a descoberta de formas ineacuteditas de ver entender e expressar o corpo a voz e a linguagem

Camila de Arauacutejo Beraldo LudoviceAline Maria Paciacutefi co Manfrim

Maria Flaacutevia Figueiredo

- 15 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim

INTRODUCcedilAtildeO

Na posiccedilatildeo de segundo paiacutes no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea (ONUBR 2017) em um contexto em que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede recomenda que se realize esse tipo de praacutetica somente em situaccedilotildees necessaacuterias devido aos riscos maiores de complicaccedilotildees se for comparada com o parto natural ou normal no Brasil circula um discurso em que se naturaliza a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo

Dentre as razotildees para a hegemonia da cesaacuterea estaacute a forma como o parto eacute compreendido e reforccedilado pelo discurso meacutedico Palharini (2017) destaca que existe no Brasil uma perspectiva patoloacutegica da gravidez e do parto e uma supervalorizaccedilatildeo das tecnologias desenvolvidas na aacuterea meacutedica que contribuem para a compreensatildeo dessas duas situaccedilotildees como momentos em que as vidas das matildees e dos bebecircs se colocam em situaccedilatildeo de risco e por isso devem ser salvas

Diante desse modelo obsteacutetrico hegemocircnico a autora aponta que

Os movimentos sociais por mudanccedila na assistecircncia ao parto e nascimento esbarrariam nesta primeira questatildeo a difi culdade de diaacutelogo com a classe

A CONSTRUCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DO CORPO DA VOZ E DA LINGUAGEM EM ENUNCIADOS VERBO-VISUAIS

SOBRE O PARTO NORMAL HUMANIZADO

- 16 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

meacutedica tradicional devido agrave grande resistecircncia por mudanccedilas Para o discurso hegemocircnico a autoridade meacutedica eacute invisiacutevel e portanto natildeo haacute o que ser questionado Os argumentos envoltos por uma retoacuterica de cientifi cidade justifi cados pelo seu fi m natildeo signifi cam autoridade mas sim verdade Isso faz com que nem se discutam os procedimentos teacutecnicos e as praacuteticas que satildeo colocadas em xeque Todo discurso contraacuterio questionador e militante eacute desqualifi cado (PALHARINI 2017 p 30)

Essa desqualifi caccedilatildeo ocorre inclusive na falta de espaccedilo discursivo e fiacutesico para a discussatildeo a respeito do tema nas instituiccedilotildees de sauacutede de modo que a violecircncia obsteacutetrica por consequecircncia quase natildeo ganha forccedila para ser evidenciada

Esse discurso hegemocircnico poreacutem natildeo impede que os profi ssionais engajados na defesa dos partos normal (parto vaginal) e natural (normal mas sem nenhuma intervenccedilatildeo meacutedica como anestesia eou outras substacircncias que aceleram o parto como a ocitocina artifi cial) atuem defendam e divulguem informaccedilotildees para que as gestantes ao menos tomem conhecimento de outras possibilidades de se entender a gravidez e o parto desvinculados do campo semacircntico da patologia e serem associados a situaccedilotildees naturais e humanas que as mulheres vivenciam Nesse caso portanto tudo o que pode ser vinculado ao parto ndash entrar em trabalho de parto sentir as dores as contraccedilotildees o rompimento da bolsa e as teacutecnicas para passar por este momento de forma segura consciente e humanizada ndash tambeacutem eacute visto como natural

Para Diniz (2005 p 629)

As propostas de humanizaccedilatildeo do parto no SUS como no setor privado tecircm o meacuterito de criar novas possibilidades de imaginaccedilatildeo e de exerciacutecio de direitos de viver a maternidade a sexualidade a

- 17 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

paternidade a vida corporal Enfi m de reinvenccedilatildeo do parto como experiecircncia humana onde antes soacute havia a escolha precaacuteria entre a cesaacuterea como parto ideal e a vitimizaccedilatildeo do parto violento

No contexto da humanizaccedilatildeo do parto o papel da doula torna-se importante Atualmente entende-se por doulas ldquomulheres que datildeo suporte fiacutesico e emocional a outras mulheres antes durante e apoacutes o partordquo (DUARTE 2018 sp) Sendo assim tais mulheres satildeo contratadas e atuam no acompanhamento de gestantes que possuem grande interesse em parir de forma normal eou natural Por essa razatildeo as doulas assumiram um forte papel de militacircncia em defesa desse tipo de parto nos espaccedilos em que podem defender essa praacutetica

Na visatildeo apresentada por Barbosa et al (2018 p 427)

Um importante movimento da doula parece ser a sororidade com a gestante pois satildeo mulheres que usam suas experiecircncias de parto positivas ou negativas aliando o conhecimento e a sensibilidade em prol de um parto respeitoso Estatildeo centradas no bem-estar da mulher e em seu empoderamento durante o trabalho de parto e natildeo na realizaccedilatildeo de teacutecnicas e procedimentos focados somente no nascimento de um concepto saudaacutevel

Apesar dessa caracteriacutestica da sororidade atribuiacuteda agraves doulas a maioria das gestantes natildeo sabem da existecircncia dessa profi ssional e cabe agraves proacuteprias doulas divulgar seu trabalho mesmo diante do discurso obsteacutetrico hegemocircnico que minimiza as vantagens do parto normalnatural

Um espaccedilo de divulgaccedilatildeo muito utilizado pelas doulas satildeo as redes sociais Confi gurando-se como um meio de divulgaccedilatildeo e militacircncia por esse tipo de parto Facebook e Instagram acabam se

- 18 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

tornando um territoacuterio possiacutevel de discussatildeo contato e formaccedilatildeo de opiniatildeo sobre o trabalho realizado pela doula

A vantagem dessas redes eacute o faacutecil acesso agraves pessoas e aos discursos uma vez que as postagens multimodais possuem forte apelaccedilatildeo e podem ser grandes instrumentos de convencimento No Instagram por exemplo a comunicaccedilatildeo entre perfi s e seguidores eacute permeada fortemente por enunciados verbo-visuais

Este capiacutetulo delimitou como escopo de anaacutelise um perfi l do Instagram que pertence a uma doula e eacute intitulado celesteparteira Nesse perfi l haacute muitas formas de tratamento do parto normalnatural e diante delas os enunciados verbo-visuais se mostraram pertinentes pelo fato de no embate pela defesa de uma compreensatildeo do parto como algo natural agrave gestante produzir argumentos que concretizam o distanciamento do discurso da patologizaccedilatildeo da gravidez e do parto

Esse distanciamento discursivo faz associaccedilotildees semacircnticas que cotejam temas como a ancestralidade a simbologia da circularidade a potecircncia do corpo feminino a singularidade de cada gestante e a necessidade de formaccedilatildeo de uma rede de apoio para a viabilizaccedilatildeo do nascimento social do bebecirc e da proacutepria possibilidade de materializaccedilatildeo de um parto mais humanizado

O ENUNCIADO VERBO-VISUAL

Eacute possiacutevel pensar em texto na concepccedilatildeo bakhtiniana poreacutem temos que nos deslocar do viacutenculo direto que normalmente se faz com os estudos da Linguiacutestica Textual Esta disciplina possui um histoacuterico independente dos estudos bakhtinianos de modo que na fase chamada de virada sociocognitivo-interacionista (KOCH 2015) incorpora em suas teorias a importacircncia da interaccedilatildeo verbal concordando que quando produzimos textos elaboramos na realidade engajamentos em contextos sociais conforme os

- 19 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

papeis sociais que podem ser assumidos na produccedilatildeo enunciativa

Da mesma forma os estudos bakhtinianos possuem um caminho de refl exatildeo independente da Linguiacutestica Textual Inseridos em uma trajetoacuteria de investigaccedilatildeo sobre a linguagem considerando a forte relaccedilatildeo entre eacutetica e esteacutetica que se interliga por meio dos traccedilos culturais e o embate das relaccedilotildees hieraacuterquicas entre os interlocutores esses estudos natildeo priorizam somente o conteuacutedo interno de um texto porque nessa perspectiva esse conteuacutedo interno nada mais eacute do que o resultado de um trabalho muito mais visceral com a linguagem que envolve assumir-se como locutor elaborar e executar um projeto de dizer que estaacute inteiramente endereccedilado ao outro desde a escolha do gecircnero ateacute o tom expressivo que eacute confi gurado e tambeacutem compreender que o que estaacute sendo produzido tem uma funccedilatildeo social e por isso motivo para existir de forma concreta

Devido a isso em um dos primeiros livros publicados pelo Ciacuterculo Marxismo e fi losofi a da linguagem com autoria atribuiacuteda a Voloshinov as primeiras orientaccedilotildees para uma anaacutelise mais ampla da linguagem caracterizadas como meacutetodo socioloacutegico ateacute entatildeo (o qual depois vai ser compreendido e nomeado no Brasil de estudos dialoacutegicos) satildeo

1) Natildeo se pode isolar a ideologia da realidade material do signo (ao inseri-la na ldquoconsciecircnciardquo ou em outros campos instaacuteveis e imprecisos)

2) Natildeo se pode isolar o signo das formas concretas da comunicaccedilatildeo social (pois o signo eacute uma parte da comunicaccedilatildeo social organizada e natildeo existe como tal fora dela pois se tornaria um simples objeto fiacutesico)

3) Natildeo se pode isolar a comunicaccedilatildeo e suas formas da base material (VOLOSHINOV [1929] 2017 p 110)

- 20 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Posteriormente com o desenvolvimento dos estudos dos gecircneros do discurso pelo Ciacuterculo a noccedilatildeo de enunciado se mostrou muito mais potente como unidade concreta da comunicaccedilatildeo pelo fato de considerar quando trata das particularidades do enunciado (BAKHTIN 2003a) as relaccedilotildees dialoacutegicas existentes na interaccedilatildeo verbal que envolvem o acabamento provisoacuterio do enunciado uma vez que ele tem como delimitaccedilatildeo a possibilidade de resposta do outro o endereccedilamento a algueacutem jaacute que ele eacute uma resposta concreta a um sujeito concreto (e natildeo necessariamente real) e por fi m o tom expressivo o qual estaacute ligado agraves outras particularidades e a disputa pelos sentidos no processo comunicativos sendo a palavra (enunciado) considerada a arena de luta (BAKHTIN [1929] 2017) Essas trecircs caracteriacutesticas mostram o quanto o enunciado estaacute atrelado ao acontecimento enunciativo daiacute tambeacutem vem a relevacircncia de chamaacute-lo de concreto uacutenico e irrepetiacutevel

Nessa perspectiva a noccedilatildeo de texto considerada neste capiacutetulo se aproximaria muito mais da noccedilatildeo de enunciado tal como defende o Ciacuterculo de Bakhtin o que permite considerar que um enunciado seja um fi lme um tweet uma palestra uma propaganda uma imagem o corpo ou forma como uma cidade eacute estruturada por exemplo

No caso dos textos (com a noccedilatildeo explicitada acima) verbo-visuais Grillo (2012) discute a possibilidade de anaacutelise por meio dos estudos bakhtinianos pelo fato de esses estudos natildeo terem se restringido a enunciados verbais e pelo fato de terem ampliado as refl exotildees sobre a interaccedilatildeo humana e a produccedilatildeo de linguagem a diversos campos da cultura Essa pesquisadora aponta que a noccedilatildeo de tema e de gecircneros do discurso satildeo indiacutecios concretos da possibilidade de se compreender os textos verbo-visuais agrave luz dessa linha de anaacutelise porque elas propotildeem um deslocamento para aleacutem dos limites do conteuacutedo em si

- 21 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao tema

[hellip] a teoria bakhtiniana natildeo rejeita a possibilidade e a pertinecircncia da anaacutelise estrutural das unidades constituintes mas funda sua abordagem no estudo das propriedades globais dos enunciados concretos incorporando interpretaccedilotildees decorrentes dos discursos ndash esferas ndash e das associaccedilotildees culturais ndash elementos imprescindiacuteveis na teoria bakhtiniana A teoria bakhtiniana calca sua proposta no princiacutepio gestaltista de que o todo do enunciado natildeo pode ser determinado exclusivamente a partir de seus constituintes (GRILLO 2012 p 242)

A noccedilatildeo de tema amplia a compreensatildeo de enunciado para aleacutem de seus constituintes porque trata do novo propiciado pelo acontecimento da interaccedilatildeo (VOLOSHINOV [1929] 2017) Orienta as anaacutelises para o encontro entre sujeito e seu outro e acaba se tornando tambeacutem a porta de entrada para a relaccedilatildeo entre liacutengua e vida diferente da signifi caccedilatildeo que abarca a parte reiteraacutevel da liacutengua No caso dos textos verbo-visuais pode-se considerar a produccedilatildeo do novo no cotejamento entre verbal e natildeo verbal proporcionado pelo autor e no acontecimento da interaccedilatildeo entre interlocutor e enunciado

Em relaccedilatildeo ao gecircnero

A partir da distinccedilatildeo entre forma arquitetocircnica e forma composicional ou entre projeto de discurso do falante e construccedilatildeo composicional do gecircnero entendemos que a dimensatildeo verbo-visual dos enunciados de divulgaccedilatildeo cientiacutefi ca eacute por um lado um momento da organizaccedilatildeo do material verbo-visual na construccedilatildeo composicional e por outro a materializaccedilatildeo do projeto discursivo do autor [hellip] A teoria do Ciacuterculo ao abordar enunciados concretos inclui a autoria como seu objeto de estudo Os

- 22 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enunciados e seus gecircneros satildeo a concretizaccedilatildeo do projeto discursivo de seus autores Embora constituam um todo para o leitor cada um desses dois planos de expressatildeo pode ser elaborado por instacircncias autorais distintas (GRILLO 2012 p 244-245)

Nesse trecho a autora destaca que a noccedilatildeo de gecircneros do discurso proposta pelo Ciacuterculo permite considerar o trabalho que o sujeitoautor realiza quando trabalha a linguagem em suas diversas manifestaccedilotildees por meio de diaacutelogos com a estrutura composicional e com a singularidade que se concretiza quando organiza sua resposta ao outro dentro das possibilidades que tem e que cria Nesse sentido tambeacutem se pode associar aqui o conceito de estilo tanto o estilo do gecircnero quanto o estilo de autor

Neste capiacutetulo por meio da discussatildeo sobre o trabalho realizado com textos verbo-visuais (tambeacutem considerados como enunciados) que tratam da gravidez e do parto em uma paacutegina de uma doula que incentiva o parto normal e humanizado na rede Instagram seratildeo apresentadas refl exotildees sobre a) o projeto de dizer proposto com a publicaccedilatildeo das imagens selecionadas considerando a questatildeo da construccedilatildeo temaacutetica nesses enunciados e b) a noccedilatildeo de corpo como lugar social para a construccedilatildeo do direito ao parto humanizado em espaccedilos ofi ciais

A LINGUAGEM VERBO-VISUAL COMO ESPACcedilO DE EMBATE PELO DIREITO AO PARTO NORMAL HUMA-NIZADO

A palavra eacute ato eacutetico accedilatildeo sobre o mundo e o outro Faz-nos contrair uma responsabilidade concreta e ontoloacutegica ao mesmo tempo para com o mundo e com o outro e eacute nossa maneira de ser e existir neste mundo e na transcendecircncia

Bubnova Baronas e Tonelli

- 23 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As refl exotildees de Bubnova Baronas e Tonelli (2011 p 3) destacam a importacircncia de considerar as vozes do processo dialoacutegico como ldquoposiccedilotildees eacutetico-ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozesrdquo

Nesse cenaacuterio dialoacutegico e singular ao mesmo tempo esses autores vatildeo aprofundar a refl exatildeo do direcionamento dos enunciados aos outros mostrando que na teoria translinguiacutestica proposta por Bakhtin e o Ciacuterculo a concepccedilatildeo de mundo adotada considera o sentido material e o moral de modo que o espaccedilo eacute o lugar em que o outro sempre estaacute e por isso no processo interativo tem que entrar no espaccedilo seja pelo gesto tarefa ou expressatildeo

Esse exerciacutecio de ldquoentrar no espaccedilo que jaacute existe um outrordquo faz com que o eu assuma responsabilidades de modo que precisa entrar em um processo de construir sua presenccedila e cooperaccedilatildeo com o outro

Ainda para esses autores essa relaccedilatildeo interlocutiva e dialoacutegica torna o ato de enunciar um encontro com o outro evidenciando assim o caraacuteter de acontecimento do ser chamado de acontecimento entre noacutes A construccedilatildeo de sentidos tem seu caraacuteter de accedilatildeo

Eacute desse lugar de produccedilatildeo dinacircmica de sentidos que os autores chamam a atenccedilatildeo para a produccedilatildeo dinacircmica de enunciados e assim essa complexidade de articulaccedilatildeo entre liacutengua (que estaacute em tudo) e vida torna-se muito mais importante para os estudos bakhtinianos do que a distinccedilatildeo entre oralidade e escrita informalidade ou formalidade nos processos comunicativos

Os autores tambeacutem destacam que o fi loacutesofo russo da linguagem Mikhail Bakhtin apesar de natildeo ter se ocupado do folclore e da tradiccedilatildeo oral mas da literatura escrita canocircnica utiliza amplamente o vocabulaacuterio relacionado ao oral agrave voz agrave audiccedilatildeo agrave escuta ao tom agrave tonalidade agrave entonaccedilatildeo ao acento etc

- 24 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Diferentemente de outros teoacutericos Bakhtin natildeo trata a oralidade como um domiacutenio agrave parte da escrita e natildeo faz uma draacutestica divisatildeo entre a cultura oral e a cultura escrita como dois acircmbitos contrastantes Ao contraacuterio o mundo pensado por ele tanto o da voz quanto o da letra aparece unifi cado pela produccedilatildeo dinacircmica dos sentidos gerados e transmitidos pelas vozes personalizadas que representam posiccedilotildees eacuteticas e ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e um intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozes (BUBNOVA BARONAS TONELLI 2011 p 2)

Sendo assim discutem ser o essencial dos estudos bakhtinianos tratar da produccedilatildeo de linguagem integrada em todos os tipos de atos revelando uma compreensatildeo do verbal como um discurso oral traduzido em letras sendo portanto uma ldquovoz escritardquo

O discurso frente a tais refl exotildees pode ser compreendido como uma forma de autoexpressatildeo do ser humano que envolve vocalizaccedilatildeo gestos expressotildees pausas ausecircncias respostas taacutecitas e sentidos mudos

Essas consideraccedilotildees a respeito das relaccedilotildees dialoacutegicas e da concepccedilatildeo de discurso na perspectiva bakhtiniana podem auxiliar na forma de interpretaccedilatildeo de enunciados verbo-visuais como uma voz multimodal que traz uma articulaccedilatildeo de posicionamentos por meio da qual a busca por entrar no espaccedilo que jaacute eacute territoacuterio do outro torna-se um confl ito necessaacuterio para garantir o lugar do eu

Desse modo a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de uma voz que defenda o parto normal humanizado em um paiacutes em que existe um dos maiores iacutendices de cesaacutereas do mundo (ldquoEnquanto a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) estabelece em ateacute 15 a proporccedilatildeo recomendada de partos por cesariana no Brasil esse percentual eacute de 57rdquo ONUBR 2017 sp) signifi ca entrar em um embate com o jaacute institucionalizado daiacute a necessidade de se buscar estrateacutegias e frestas para dar concretude a essa possibilidade de embate por meio de escolhas que possibilitem trazer o novo

- 25 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(construccedilatildeo temaacutetica) e os gecircneros que ofereceratildeo suporte agrave consolidaccedilatildeo do espaccedilo de resistecircncia

SOBRE O CORPUS DE ANAacuteLISE

As imagens selecionadas para anaacutelise foram postadas por uma doula em seu perfi l do Instagram o qual tem por objetivo divulgar o trabalho realizado por ela de doulagem e defender o parto normal humanizado Ela eacute enfermeira e aleacutem da atividade de doulagem oferece cursos para a formaccedilatildeo de futuras doulas

Em seu perfi l essa doula tambeacutem busca esclarecer as informaccedilotildees sobre o parto normal humanizado e desmitifi car preacute-conceitos e inverdades a respeito desse tipo de parto Defende a importacircncia da cesaacuterea quando ela salva vidas mas tenta mostrar que o corpo da mulher tem condiccedilotildees de parir um fi lho sem a cirurgia quando a mulher estaacute bem informada e decide por essa opccedilatildeo

Esse posicionamento se explicita no perfi l por meio das fotos dos partos dos quais participa fotos dos cursos que ministra divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees teacutecnicas e teoacutericas postagem de depoimentos que reforccedilam a realizaccedilatildeo profi ssional dela exposiccedilatildeo de depoimentos de matildees e outras doulas em formaccedilatildeo e por fi m postagem de enunciados verbo-visuais que tratam da gravidez e do parto visando atingir tambeacutem pessoas que natildeo estejam diretamente ligadas a ela mas que buscam esclarecimento Satildeo estes uacuteltimos enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise deste capiacutetulo

Cinco deles seratildeo discutidos aqui Todos eles ressaltam a necessidade de integraccedilatildeo entre matildee bebecirc sociedade e entorno Apresentam tambeacutem fi guras circulares referentes ao ciclo do gerar nascer e habitar o planeta e instruem para a importacircncia de a matildee estar conectada com a questatildeo da integraccedilatildeo para assim haver a possibilidade de materializaccedilatildeo do parto normal de forma integrada com a naturezauniverso

- 26 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em termos simboacutelicos o ciacuterculo representa ldquoausecircncia de distinccedilatildeo ou divisatildeo [hellip] o movimento circular eacute perfeito imutaacutevel sem comeccedilo nem fi m e nem variaccedilotildees o que o habilita a simbolizar o tempordquo (CHEVALIER GHEERBRANT 1988 p 250) Jung (1964) mostra que o ciacuterculo eacute o siacutembolo da psiquegrave Para esse autor em diversas culturas e suas respectivas crenccedilas os elementos circulares representam a indissociabilidade entre a alma e o divino

Essa ideia de continuidade associada agrave gravidez e ao parto no corpus de anaacutelise deste capiacutetulo reforccedila a ideia do parto normal como um ritual de pertenccedila e conexatildeo com o todo A mulher que vai parir o bebecirc nessa concepccedilatildeo e aproximaccedilatildeo de ideias natildeo eacute dissociada de sua histoacuteria da ancestralidade e se conecta tambeacutem ao porvir por meio do bebecirc que nasce

Nos enunciados analisados constroacutei-se um espaccedilo discursivo propiacutecio para a concretizaccedilatildeo da gestaccedilatildeo via parto normal Com isso materializam-se lugares de empoderamento e embate que abrem as possibilidades para as matildees saberem seus direitos terem acesso a informaccedilotildees e se sentirem fi rmes para vivenciar esse tipo de parto caso seja esaa a opccedilatildeo

Essas consideraccedilotildees iniciais sobre o corpus jaacute evidenciam que a linguagem verbo-visual contribui para a constituiccedilatildeo de um espaccedilo de militacircncia pelo direito ao parto normal humanizado e traz a voz natildeo da ldquoescritardquo ofi cial e institucionalizada para construir seus argumentos mas a da ancestralidade da praacutetica de partos anteriores aos registros e dados estatiacutesticos considerados pela cultura da cesaacuterea como uma forma mais segura de parto existente no Brasil

A incorporaccedilatildeo simboacutelica e material das tecnologias na situaccedilatildeo da cesariana atualiza as possibilidades corporais e sociais inclusive driblando imperativos da natureza a cesaacuterea marcada transforma profundamente a experiecircncia do parto retirando

- 27 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

da cena elementos como coacutelicas contraccedilotildees rompimento de bolsa espasmos gritos e o tempo de espera com suas expectativas incertezas e ansiedades A teacutecnica ciruacutergica e seus usos reapresentam o parto agraves mulheres (NAKANO BONAN TEIXEIRA 2015 sem paacutegina)

Frente agraves mudanccedilas acarretadas pela cesaacuterea marcada a cada postagem a doula se coloca em embate com essa realidade abrindo espaccedilos de disputa pelos sentidos atribuiacutedos ao parto Nesse espaccedilo discursivo regado de exemplos de espaccedilos fiacutesicos (maternidade SUS plano de sauacutede parto em casa parto na aacutegua etc) revela-se a imagem do corpo de mulher graacutevida e a aprendizagem de lidar com esse corpo por meio de uma voz (o discurso de defesa do parto normal a vocalizaccedilatildeo na accedilatildeo de parir o acolhimento da doula) que constitui a materialidade do verbal natildeo verbal e do proacuteprio bebecirc que nasce biologicamente e socialmente voz esta integralmente conectada com o universo que a cerca

PROJETOS DE DIZERES E O CORPO INTEGRACcedilAtildeO DA GRAVIDEZ AO PARTO

A seguir seratildeo apresentadas algumas refl exotildees sobre cada um dos cinco enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise Em termos metodoloacutegicos seguindo o que os estudos bakhtinianos entendem ser tarefa das pesquisas em ciecircncias humanas os enunciados satildeo interpretados considerando o acontecimento de interaccedilatildeo entre o pesquisador e o dado de pesquisa com o intuito principal de construir uma compreensatildeo (BAKHTIN 2003b)

A partir disso o resultado da compreensatildeo se aproxima de uma verdade que o Circulo chama de Pravda isto eacute aquilo que se atinge no evento singular uma vez que eacute ela que consegue abarcar o ato eacutetico (BAJTIacuteN 1997) sem pretensatildeo de se chegar a uma verdade generalizante e universal (Istna)

- 28 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Bakhtin (2003b p 400) aponta que ldquotoda interpretaccedilatildeo eacute um correlacionamento de dado texto com outros textosrdquo Entatildeo o pesquisador ao planejar realizar e divulgar seu trabalho tambeacutem passa por um processo interpretativo da realidade sobre a qual se debruccedila Nesse mesmo capiacutetulo aponta as etapas do movimento dialoacutegico da interpretaccedilatildeo que satildeo a) o ponto de partida isto eacute um corpus um enunciado b) o movimento retrospectivo ou seja a realizaccedilatildeo do diaacutelogo com o passado e c) o movimento prospectivo que diz respeito agraves respostas produzidas a partir de um projeto de dizer iniciando assim um futuro contexto As anaacutelises realizadas neste capiacutetulo buscaram seguir esse movimento interpretativo

O Enunciado 1 jaacute trata de valorizar a possibilidade real e da preparaccedilatildeo bioloacutegica do corpo da mulher para parir em contraponto com a aceitaccedilatildeo de imediato de uma cesaacuterea desnecessaacuteria

Enunciado 1 10 afi rmaccedilotildees para o momento do parto

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 29 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O design arredondado tanto da imagem (a elipse rosa os coraccedilotildees a barriga o rosto da mulher o posicionamento de conexatildeo entre os braccedilos e entre as pernas) quanto dos ciacuterculos brancos que abrangem cada uma das dez afi rmaccedilotildees remetem agrave conexatildeo entre corpo voz e linguagem no que se refere agrave ligaccedilatildeo entre corpo bioloacutegico aquele que apresenta condiccedilotildees para a efetivaccedilatildeo de um parto normal e a consciecircncia (mente) em termos de preparaccedilatildeo emocional para tal ato

Por meio da linguagem as vozes mobilizadas (no caso as dez afi rmaccedilotildees) e o comentaacuterio realizado pela enfermeira (reforccedilando a positividade entre pensamento afi rmaccedilotildees e parto) possibilitam a concretizaccedilatildeo e a preparaccedilatildeo para esse tipo de parto

Nesse caso o tom apreciativo centralizado no ldquoeurdquo ldquobebecircrdquo e ldquovidardquo eacute de empoderamento da accedilatildeo de parir como se a repeticcedilatildeo dessas palavras materializasse a forccedila e o encorajamento necessaacuterios para assumir essa opccedilatildeo de parto

Sob a responsabilidade do ldquoeurdquo (matildee) estatildeo conseguir relaxar amar e estar pronta Em relaccedilatildeo ao bebecirc atribui-se o saber nascer No que se refere agrave vida reforccedila-se o fl uir Sobre a integraccedilatildeo matildeebebecirc designa-se a harmonia entre ambos

A questatildeo do tom se modifi ca um pouco quando de trata da dor do parto As afi rmaccedilotildees sobre a dor e sobre as contraccedilotildees natildeo minimizam o fato de que elas existem mas deslocam os sentidos para focalizar na necessidade delas para que o nascimento ocorra concentrando na importacircncia delas para a movimentaccedilatildeo do bebecirc e da produtividade de natildeo estabelecer a ligaccedilatildeo entre dor e sofrimento Para isso utilizam-se os verbos no infi nitivo sentir dor e ter o bebecirc O corpo eacute o centro da imagem o centro da geraccedilatildeo do bebecirc e a conexatildeo material entre os discursos que empoderam a mulher e a possibilidade de parir empoderada

O Enunciado 2 propotildee o cotejamento de uma construccedilatildeo temaacutetica por meio da conexatildeo da matildee com a ancestralidade

- 30 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 2 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

Novamente valendo-se da circularidade das imagens para evidenciar o ciclo da vida a imagem reforccedila a ligaccedilatildeo entre a matildee o bebecirc a placenta e a terra (matildee terra) A barriga da matildee central na imagem representa a uniatildeo desses elementos remetendo agrave visatildeo do universo como algo holiacutestico em que homem universo e natureza estatildeo interligados Assim como a placenta envolve o bebecirc a nova vida o universo envolve a matildee a que gera Nas laterais da imagem a matildee aparece envolvendo o bebecirc e por sua vez o bebecirc em posiccedilatildeo fetal eacute envolvido pela placenta

Essa relaccedilatildeo metafoacuterica entre universo matildee e bebecirc na gravidez retoma a ideia da conexatildeo holiacutestica entre corpo voz e linguagem Em relaccedilatildeo ao corpo este passa a ser o elo entre passado e futuro

- 31 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de forma que se torna o presente da possibilidade de materializaccedilatildeo e continuidade da vida A voz trazida pelo comentaacuterio (ldquoSobre gratidatildeordquo) direciona o corpo para o posicionamento de curvar-se diante do universo reconhecer a divindade da vida e aceitar as o ciclo universal do nascer crescer e morrer Ao mesmo tempo em que nasce o bebecirc nasce a placenta com desenho muito semelhante a uma aacutervore seus galhos e raiacutezes e tambeacutem nasce a matildee A linguagem verbal vem a se conectar com esse tom apreciativo de agradecimento

O Enunciado 3 propotildee uma construccedilatildeo temaacutetica que reforccedila a rede de apoio no ato de parir

Enunciado 3 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 32 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com o intuito de parabenizar os meacutedicos obstetras pelo seu dia a doula posta a imagem acima que remete agraves enfermeiras que medem os batimentos cardiacuteacos do coraccedilatildeo do bebecirc e controlam a dilataccedilatildeo da matildee durante o trabalho de parto aos meacutedicos que realizam o preacute-natal e o parto e portanto jaacute possuem uma conexatildeo com a matildee e aos acompanhantes de parto Tal rede faz parte do que se considera chamar ldquoparto humanizadordquo porque todos de forma colaborativa contribuem para que haja um ambiente propiacutecio seguro e tranquilo para que a matildee possa parir seu bebecirc

Eacute interessante ressaltar que essa rede tambeacutem representada por um ciacuterculo na imagem caracteriza os envolvidos no parto por meio de vaacuterias cores da pele de formato de cabelo isto eacute tambeacutem pode representar a importacircncia desse elo de respeito aos direitos da mulher graacutevida em diversas culturas considerando as diferenccedilas nas diversas instacircncias sociais inclusive nos diferentes tipos de corpos que vatildeo parir

A construccedilatildeo do discurso de defesa do parto normal passa nesse enunciado pela construccedilatildeo temaacutetica da importacircncia de se considerar as singularidades e o contexto da matildee que estaacute parindo

O Enunciado 4 volta-se ao bebecirc receacutem-nascido

- 33 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 4 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

O ciacuterculo azul ao mesmo tempo que se refere agrave bolsa de aacutegua que carrega o bebecirc remete a um planeta isto eacute a um mundo novo que se inicia O entorno da imagem reforccedila essa ideia de anunciaccedilatildeo do novo dentre as demais estrelas constelaccedilotildees e galaacutexias jaacute existentes A luz que ela deseja no comentaacuterio se direciona para a vibraccedilatildeo de positividade para a matildee e o bebecirc mas tambeacutem agrave fase do parto normal denominada coroaccedilatildeo do bebecirc a qual corresponde agrave saiacuteda da cabeccedila no canal vaginal da matildee Essa fase tambeacutem eacute conhecida como ciacuterculo de fogo (luz) porque quando a cabeccedila sai a matildee sente uma espeacutecie de queimaccedilatildeo

- 34 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As matildeos que aparecem no enunciado formam uma espeacutecie de caacutelice pela posiccedilatildeo em que estatildeo e acolhem a cabeccedila do bebecirc Em termos de construccedilatildeo temaacutetica aqui existe uma associaccedilatildeo com o discurso religioso ao aproximar a questatildeo do formato do caacutelice com a praacutetica do recebimento do sangue de Cristo pela hoacutestia sagrada

O Enunciado 5 se volta para a questatildeo da singularidade do trabalho de parto incentivando a matildee a natildeo se basear em uma ideia fechada de como ocorreraacute seu parto

Enunciado 5 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 35 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Na parte verbal do enunciado pode ser identifi cada uma voz que se coloca em embate direto com as visotildees estereotipadas que denigrem o parto normal e com as comparaccedilotildees que satildeo feitas entre as mulheres que jaacute pariram dessa forma Concretizado em primeira pessoa ele se torna uma espeacutecie de mantra para que a mulher internalize esse fato de modo que se sinta confi ante para ir adiante caso escolha ter seu fi lho assim

A organizaccedilatildeo da folhagem em volta do bebecirc e as pinturas na pele dele podem ser associadas agrave particularizaccedilatildeo tatildeo potente que pode ateacute ser associada a um DNA especiacutefi co O biotipo da matildee entatildeo eacute colocado como capaz de parir o fi lho que existe dentro dela

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Por meio dos enunciados verbo-visuais foi realizada uma discussatildeo agrave luz dos estudos bakhtinianos sobre as formas de composiccedilatildeo temaacutetica realizada para defender o parto normal humanizado A proacutepria escolha do gecircnero para a produccedilatildeo dos enunciados (postagem no Instagram) local de compartilhamento do cotidiano jaacute pode ser compreendida como um lugar de resistecircncia e militacircncia possiacutevel para tal tese cuja forccedila pode se igualar aos demais espaccedilos que reforccedilam ou incentivam somente o parto via cesaacuterea (discurso dominante)

A profi ssatildeo de enfermeira e sua experiecircncia de doulagem tambeacutem autorizam a doula a sustentar a defesa de seus argumentos e no caso dos enunciados analisados neste capiacutetulo a tentativa de esclarecimento divulgaccedilatildeo e incentivo ao parto normal torna-se uma forma de fazer com que as matildees saibam da existecircncia desse parto de forma humanizada e faccedilam uma escolha consciente entre ele e a cesaacuterea

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 36 -

Os enunciados tambeacutem reforccedilam que caso esse tipo de parto seja escolhido a tarefa natildeo eacute soacute da mulher pois haacute que se consolidar uma rede de apoio que possibilite a concretizaccedilatildeo desse parto de forma mais saudaacutevel e consciente possiacutevel em relaccedilatildeo ao corpo a voz e a linguagem

No que se refere ao corpo durante a gravidez se incentiva uma conexatildeo com a ancestralidade reforccedilando assim uma busca por uma forccedila e uma tranquilidade que eacute encontrada na natureza uma vez que o corpo tem condiccedilotildees de parir dessa forma

Em relaccedilatildeo agrave voz o discurso que predomina eacute o de empoderamento e confi anccedila de modo que toda a dor que aparecer seja fiacutesica ou emocional tenha uma relaccedilatildeo com a histoacuteria de minimizaccedilatildeo do poder feminino devido agraves posiccedilotildees de prestiacutegio machistas que desenvolveram teorias sobre o parto sem necessariamente considerar as questotildees femininas do gerar parir amamentar e cuidar

Esse cenaacuterio estaacute permeado pela linguagem nas suas mais distintas possibilidades de construccedilatildeo de enunciados As frestas que se tentam abrir para que o parto normal humanizado seja valorizado na sociedade brasileira soacute podem ganhar forccedila nas praacuteticas comunicativas que constituem e satildeo constituiacutedas pelas interaccedilotildees humanas

Nas anaacutelises buscou-se realizar associaccedilotildees que fossem aleacutem do que seria reiteraacutevel na linguagem considerando o projeto de dizer e as respostas produzidas quando postava os enunciados verbo-visuais em seu perfi l do Instagram

REFEREcircNCIAS

BAJTIN M Hacia uma fi losofi a del acto eacutetico De los borradores y otros escrito Trad Tatiana Bubnova Barcelona Anthropos San Juan Universidade de Puerto Rico 1997

- 37 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BAKHTIN M M Os gecircneros do discurso In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003a

______ Metodologia das ciecircncias humanas In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003b

BARBOSA M B B et al Doulas como dispositivos para humanizaccedilatildeo do parto hospitalar do voluntariado agrave mercantilizaccedilatildeo Sauacutede Debate Rio de Janeiro v 42 n 117 p 420-429 abr-jun 2018

BUBNOVA T BARONAS R L TONELLI F Voz sentido e diaacutelogo em Bakhtin Bakhtiniana Satildeo Paulo v 6 n 1 p 268-280 agodez 2011

CHEVALIER J GHEERBRANT A Dicionaacuterio de siacutembolos Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1998

DINIZ C S G Humanizaccedilatildeo da assistecircncia ao parto no Brasil os muitos sentidos de um movimento Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 10 n 3 p 627-637 2015

DUARTE A C O que eacute ldquodoulardquo Disponiacutevel em lthttpswwwdoulascombroquephpgt Acesso em 4 nov 2018

GRILLO S V C Fundamentos bakhtinianos para a anaacutelise de enunciados verbo-visuais Filologia e linguiacutestica portuguesa v 14 n 2 p 235-246 2012

JUNG Carl G O homem e seus siacutembolos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1964

KOCH I V Introduccedilatildeo agrave linguiacutestica textual trajetoacuteria e grandes temas Contexto Satildeo Paulo 2015

NAKANO A R BONSN C TEIXEIRA L A A normalizaccedilatildeo da cesaacuterea como modo de nascer cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil Physis v 25 n 3 July-Sep 2015

ONUBR (2017) UNICEF alerta para elevado nuacutemero de cesarianas no Brasil Disponiacutevel em lthttpsnacoesunidasorgunicef-alerta-para-elevado-numero-de-cesarianas-no-brasilgt Acesso em 5 nov 2018

PALHARINI L A Autonomia para quem O discurso meacutedico hegemocircnico sobre a violecircncia obsteacutetrica no Bras il Cadernos pagu (49) 2017e174907

- 38 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 39 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Este capiacutetulo de livro tem como tema o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado em busca de examinarmos esse texto cientiacutefi co que o pesquisador elabora em um momento de transiccedilatildeo no seu processo de formaccedilatildeo na atividade de pesquisa compreendendo que de um lado a graduaccedilatildeo representa um estaacutegio mais inicial de formaccedilatildeo em pesquisa e de outro lado o doutorado representa um estaacutegio de consolidaccedilatildeo do exerciacutecio investigativo do pesquisador

Concebemos o curso de mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador considerando que nesse estaacutegio o estudante se encontra ainda como assevera Severino (2009) em uma fase de aprendizagem da pesquisa e de formaccedilatildeo como pesquisador Corrobora tambeacutem a nossa posiccedilatildeo de conceber o mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador o niacutevel de exigecircncia dos textos e trabalhos produzidos durante esse estaacutegio no que concerne por exemplo ao tipo de refl exatildeo empreendida tendo em conta que a escrita da dissertaccedilatildeo de mestrado se apresenta ainda para muitos como a ldquo[] primeira manifestaccedilatildeo de trabalho pessoal sistemaacutetico de pesquisa []rdquo (SEVERINO 2009 p 24)

A pesquisa justifi ca-se pelo fato de a dissertaccedilatildeo de mestrado merecer ainda muitos estudos com respeito ao que a constitui como gecircnero ao seu estilo e agraves vozes que transitam nas relaccedilotildees dialoacutegicas presentes na esfera acadecircmica

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO VOZES ESTILO E LINGUAGEM

- 40 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A proposta eacute verifi car que vozes emanam de relaccedilotildees dialoacutegicas no gecircnero do discurso dissertaccedilatildeo de mestrado e verifi car como essas relaccedilotildees colaboram na construccedilatildeo do estilo no discurso acadecircmico Objetiva-se analisar em uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada o modo como as vozes se manifestam e constroem por meio da linguagem o estilo do autor no posicionamento nos debates de sua esfera de pesquisa Para o suporte teoacuterico retomam-se as refl exotildees de Bakhtin e de estudiosos de sua obra sobre conceitos tais como relaccedilotildees dialoacutegicas gecircnero e estilo

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM BAKHTIN

O fi loacutesofo da linguagem M Bakhtin centrou seus estudos nos aspectos poliacuteticos da linguagem Seus questionamentos sobre a linguagem elucidam que as refl exotildees emanadas de seus trabalhos natildeo estatildeo ligadas apenas a uma teoria linguiacutestica ou literaacuteria mas com todas as esferas de comunicaccedilatildeo que envolvem o homem em uma relaccedilatildeo com o outro Entre essas refl exotildees estaacute sem duacutevida a preocupaccedilatildeo de Bakhtin com a dimensatildeo histoacuterica e ideoloacutegica e a consequente constituiccedilatildeo dialoacutegica da linguagem a insistecircncia na preocupaccedilatildeo com a natureza social e interativa da palavra e a interdiscursividade como condiccedilatildeo da linguagem Tambeacutem se dedicou ao estudo da literatura sobretudo ao romance O seu nome aparece sempre associado ao chamado Ciacuterculo de Bakhtin do qual fazem parte P Medvieacutedev e V N Volochiacutenov e tambeacutem a outros integrantes do Ciacuterculo

De Bakhtin e o do Ciacuterculo interessam-nos neste trabalho os estudos sobre o estilo associado ao gecircnero discursivo dissertaccedilatildeo de mestrado com intenccedilatildeo de verifi car algumas das diversas possibilidades de manifestaccedilotildees estiliacutesticas nesse gecircnero

Bakhtin afi rma o caraacuteter dialoacutegico da linguagem por isso em seus textos teoacutericos destaca-se o diaacutelogo Segundo o fi loacutesofo a

- 41 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

liacutengua em seu uso concreto e real tem a propriedade de ser dialoacutegica BakhtinVoloshiacutenov (2006 p 3) afi rmam que a ldquoenunciaccedilatildeo estaacute na fronteira entre a vida e o aspecto verbal do enunciado ela por assim dizer bombeia energia de uma situaccedilatildeo da vida para o discurso verbal ela daacute a qualquer coisa linguisticamente estaacutevel o seu momento histoacuterico vivo o seu caraacuteter uacutenicordquo

O enunciado eacute extremamente importante quando se trata de manifestaccedilatildeo da linguagem pois eacute por meio dele que a liacutengua se concretiza e conforme Bakhtin (2003 p 265) ldquoa liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua O enunciado eacute um nuacutecleo problemaacutetico de importacircncia excepcionalrdquo

Bakhtin em suas refl exotildees entende que os diaacutelogos sociais natildeo satildeo repetidos de maneira absoluta e tambeacutem natildeo satildeo completamente novos pois retomam as marcas histoacutericas e sociais de determinada cultura e sociedade

Nesse contexto teoacuterico a palavra diaacutelogo pode causar confusatildeo pois natildeo eacute o diaacutelogo do senso comum entendido nos tipos de estrutura gramatical ou com o sentido de acordo de consenso

Marchezan (2006 p 123) explicaA palavra diaacutelogo ao contraacuterio eacute bem entendida no contexto bakhtiniano como reaccedilatildeo da palavra a palavra de outrem como ponto de tensatildeo entre o eu e o outro entre ciacuterculos de valores entre forccedilas sociais A essa perspectiva natildeo interessa a palavra passiva e solitaacuteria mas a palavra na atuaccedilatildeo complexa e heterogecircnea dos sujeitos sociais vinculada a situaccedilotildees a falas passadas e antecipadas

- 42 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O diaacutelogo fundamenta a linguagem em ato e funciona como uma reacuteplica social O estudo dialoacutegico do texto requer um esforccedilo para compreendecirc-lo como um organismo vivo e atuante e tambeacutem vivenciaacute-lo Depois examinar o texto de fora com a visatildeo do cronoacutetopo e sem confundir os seus posicionamentos A relaccedilatildeo dialoacutegica natildeo coincide com a relaccedilatildeo existente entre as reacuteplicas de um diaacutelogo real por ser mais extensa mais variada e mais complexa Dois enunciados separados um do outro podem revelar uma relaccedilatildeo dialoacutegica mediante uma confrontaccedilatildeo do sentido desde que haja alguma convergecircncia do sentido ou seja uma reacuteplica social Os diaacutelogos satildeo assim sociais e natildeo se repetem de maneira absoluta nem satildeo completamente novos reiteram marcas histoacutericas e sociais que caracterizam uma dada cultura numa dada sociedade

Bakhtin propocircs uma abertura conceitual que permitisse a anaacutelise das vaacuterias formas de manifestaccedilatildeo da linguagem e natildeo apenas da retoacuterica Com essa abertura eacute possiacutevel considerar as vaacuterias formaccedilotildees discursivas no campo da comunicaccedilatildeo Assim ele possibilitou situar o universo das interaccedilotildees dialoacutegicas constituiacutedo por diferentes realizaccedilotildees discursivas E quando passa a valorizar o estudo dos gecircneros o dialogismo descobre uma forma para analisar e estudar o hibridismo a heteroglossia e a pluralidade dos sistemas de signos na cultura

De acordo com Bakhtin o contexto comunicativo eacute de suma importacircncia para a assimilaccedilatildeo do repertoacuterio que se pretende utilizar em uma determinada mensagem pois os gecircneros discursivos satildeo formas comunicativas e como tais natildeo satildeo adquiridos em manuais mas em processos interativos a liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua

Dependendo do conhecimento dessas formas discursivas eacute que poderaacute ser verifi cada a liberdade de uso dos gecircneros e isso depende

- 43 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de uma postura do usuaacuterio da liacutengua nos processos comunicativos Os gecircneros fazem parte de uma cadeia que une e dinamiza as relaccedilotildees entre pessoas sistemas de linguagem e tambeacutem entre interlocutor e receptor

O gecircnero natildeo deve ser pensado fora da dimensatildeo de espaccedilo e tempo pois as suas formas de representaccedilatildeo satildeo justamente orientadas pelo espaccedilo e pelo tempo ldquoEssa eacute outra coordenada importante da teoria dialoacutegica dos gecircneros apresentada por Bakhtin em sua revisatildeo da teoria dos gecircneros da Poeacutetica de Aristoacuteteles em nome das relaccedilotildees espaacutecio-temporais das representaccedilotildees e da interatividade discursiva animadas em seu interiorrdquo (MACHADO 2007 p 158) Dessa forma Bakhtin tenta mostrar que os gecircneros adquirem uma existecircncia cultural a partir de seus estudos sobre cronoacutetopo E na teoria do dialogismo o gecircnero se insere numa cultura em que tanto a experiecircncia como a representaccedilatildeo satildeo manifestaccedilotildees marcadas pela temporalidade

A riqueza e a diversidade dos gecircneros discursivos satildeo incalculaacuteveis pois a possibilidade de comunicaccedilatildeo humana eacute que diversifi ca as possibilidades de repertoacuterio dos gecircneros ldquoPode parecer que a heterogeneidade dos gecircneros discursivos eacute tatildeo grande que natildeo haacute nem pode haver um plano uacutenico para o seu estudordquo (BAKHTIN 2003 p 262)

O gecircnero natildeo deve ser desassociado do estilo pois serve para a identifi caccedilatildeo deste De acordo com Bakhtin (2003 p 265) ldquoTodo estilo estaacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e agraves formas tiacutepicas de enunciados ou seja aos gecircneros do discursordquo

A heterogeneidade dos gecircneros eacute grande e associada ao estilo se torna maior ainda pois a escolha do vocabulaacuterio das construccedilotildees e adequaccedilotildees linguiacutesticas juntamente com a forma do conteuacutedo defi ne um modo de ver E neste modo de ver encontra-se presente um simulacro de uma enunciaccedilatildeo ou seja um parecer verdadeiro suposto pelo proacuteprio estilo

- 44 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sobre isso Bakhtin vai dizer que ldquoem diferentes gecircneros podem revelar-se diferentes camadas e aspectos de uma personalidade individual o estilo individual pode encontrar-se em diversas relaccedilotildees de reciprocidade com a liacutengua nacionalrdquo (2003 p 266)

Segundo Bakhtin (2003 p 267) a separaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre estilos e gecircneros eacute nociva para a anaacutelise pois ldquoas mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo Assim os gecircneros modifi cam-se e adaptam-se de acordo com o espaccedilo e tempo em que circulam

ldquoOs enunciados e seus tipos isto eacute seus gecircneros discursivos satildeo correias de transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a histoacuteria da linguagemrdquo (BAKHTIN 2003 p 268) O enunciado eacute defi nido a partir de uma comunicaccedilatildeo discursiva e consequentemente pela alternacircncia dos sujeitos do discurso De acordo com Bakhtin (2003 p 275) ldquoo enunciado natildeo eacute uma unidade convencional mas uma unidade real precisamente delimitada da alternacircncia dos sujeitos do discurso a qual termina com a transmissatildeo da palavra ao outrordquo Essa alternacircncia de sujeitos natildeo eacute somente mas eacute tambeacutem a alternacircncia simples que presenciamos no diaacutelogo real do cotidiano com as vaacuterias reacuteplicas que criam limites precisos nos enunciados em diversos campos da atividade de comunicaccedilatildeo Para Bakhtin (2003 p 276)

essas relaccedilotildees soacute satildeo possiacuteveis entre enunciaccedilotildees de diferentes sujeitos do discurso pressupotildeem outros (em relaccedilatildeo ao falante) membros da comunicaccedilatildeo discursiva Essas relaccedilotildees entre enunciaccedilotildees plenas natildeo se prestam agrave gramaticalizaccedilatildeo uma vez que reiteramos natildeo satildeo possiacuteveis entre unidades da liacutengua e isso tanto no sistema da liacutengua quanto no interior do enunciado

- 45 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De acordo com Brait (2007 p 80) ldquoo estilo se apresenta como um dos conceitos centrais para se perceber a contrapelo o que signifi ca no conjunto das refl exotildees bakhtinianas dialogismo ou seja esse elemento constitutivo da linguagem esse princiacutepio que rege a produccedilatildeo e a compreensatildeo dos sentidos essa fronteira em que euoutro se interdefi nem se interpenetram sem se fundirem ou se confundiremrdquo

Podemos considerar como estilo tambeacutem os estilos de linguagem dialetos mas a investigaccedilatildeo eacute mais no sentido de perceber como em que perspectiva dialoacutegica esse estilo aparece no texto no enunciado Pois para Bakhtin o acircngulo dialoacutegico natildeo pode ser analisado apenas por criteacuterios linguiacutesticos essas relaccedilotildees dialoacutegicas pertencem mais especifi camente ao discurso

A estiliacutestica deve basear-se natildeo apenas e nem tanto na linguiacutestica quanto na metalinguiacutestica que estuda a palavra natildeo no sistema da liacutengua e nem num ldquotextordquo tirado da comunicaccedilatildeo dialoacutegica mas precisamente no campo propriamente dito da comunicaccedilatildeo dialoacutegica ou seja no campo da vida autecircntica da palavra A palavra natildeo eacute um objeto mas um meio constantemente ativo constantemente mutaacutevel de comunicaccedilatildeo dialoacutegica Ela nunca basta a uma consciecircncia a uma voz (BAKHTIN 1997 p 14)

O estilo natildeo se esgota na genuinidade de um indiviacuteduo mas se revela tambeacutem na liacutengua e nos usos historicamente situados que fazemos dela

Para Brait (2007 p 87)

a escrita se destaca como sendo a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e consequentemente sua forma de utilizaccedilatildeo da liacutengua Via material impresso transparece na verdade a relaccedilatildeo do autor com a vida

- 46 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

ou seja o estilo artiacutestico natildeo trabalha com palavras mas com os componentes do mundo com os valores do mundo e da vida podendo portanto o estilo ser defi nido como o conjunto dos procedimentos de formaccedilatildeo e de acabamento do homem e do seu mundo E eacute esse estilo que determina tambeacutem a relaccedilatildeo com o material com a palavra

Entatildeo eacute por meio da linguagem que o estilo se manifesta e mostra como se daacute a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e com a forma como esse autor se apropria da liacutengua O estilo natildeo pode ser analisado por apenas uma caracteriacutestica mas por um conjunto de recursos que revelam o homem e suas relaccedilotildees com o mundo

ldquoUm grande estilo representa acima de tudo uma visatildeo de mundo e somente depois eacute meio de elaborar um materialrdquo (BAKHTIN 1992 p 217) O autor reuacutene na expressatildeo do estilo a sua visatildeo de mundo e consequentemente eacute direcionado por essa visatildeo que elabora o material linguiacutestico ldquoA visatildeo do mundo estrutura e unifi ca o horizonte do homem o estilo estrutura e unifi ca seu ambienterdquo (BAKHTIN 1992 p 217)

Na perspectiva de Bakhtin a defi niccedilatildeo de gecircneros discursivos inclui dentre outros aspectos que eles transitam por todas as esferas de atividade humana e devem ser considerados culturalmente a partir de temas formas de composiccedilatildeo e estilo Entatildeo todas as atividades humanas implicam gecircneros e necessariamente estilos

A utilizaccedilatildeo da liacutengua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e uacutenicos que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana O enunciado refl ete as condiccedilotildees especiacutefi cas e as fi nalidades de cada uma dessas esferas natildeo soacute por seu conteuacutedo (temaacutetico) e por seu estilo verbal ou seja pela seleccedilatildeo operada nos recursos da liacutengua ndash recursos lexicais fraseoloacutegicos e gramaticais - mas tambeacutem e sobretudo por sua construccedilatildeo

- 47 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

composicional Estes trecircs elementos (conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles satildeo marcados pela especifi cidade de uma esfera da comunicaccedilatildeo (BAKHTIN 1992 p 279)

Bakhtin continua suas refl exotildees a esse respeito fazendo referecircncia ao fato de que o estilo eacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e a formas tiacutepicas de enunciado que satildeo os gecircneros Assim se o enunciado refl ete a individualidade de quem fala ou escreve nas mais diversas formas e esferas de comunicaccedilatildeo ele possui um estilo individual Bakhtin reitera que nem todos os gecircneros satildeo propiacutecios da mesma forma ao estilo individual alguns satildeo mais favoraacuteveis e outros menos O fi loacutesofo ainda completa que certos gecircneros satildeo apropriados a determinadas esferas e portanto esses gecircneros possuem determinados estilos Brait (2003 p 89) comenta a partir do texto ldquoO discurso na vida e o discurso na arterdquo que Bakhtin

vai considerar que o estilo tambeacutem depende do tipo de relaccedilatildeo existente entre o locutor e os outros parceiros da comunicaccedilatildeo verbal ou seja o ouvinte o leitor o interlocutor proacuteximo e o imaginado (o real e o presumido) o discurso do outro etc Mesmo no caso dos gecircneros altamente estratifi cados sua diversidade deve-se ao fato de eles variarem conforme as circunstacircncias a posiccedilatildeo social e o relacionamento pessoal dos parceiros

Nesse sentido existem os gecircneros de estilo elevado estritamente ofi ciais e haacute tambeacutem o estilo familiar que comporta diversos graus de intimidade Os gecircneros ofi ciais satildeo muito mais estaacuteveis prescritivos e normativos

Assim de acordo com Bakhtin (2003) quando mudamos o estilo de um gecircnero para outro natildeo nos limitamos a modifi car

- 48 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

simplesmente o gecircnero mas desconstruiacutemos e reconstruiacutemos o proacuteprio gecircnero Percebemos assim que o conceito bakhtiniano de estilo se defi ne a partir da interlocuccedilatildeo reciacuteproca com vaacuterios domiacutenios da cultura

Outra questatildeo que interessa aqui ao nosso trabalho e eacute citada por Brait (2007 p 94-95) eacute a seguinte

o estilo entra como elemento na unidade de gecircnero de um enunciado O estilo pode ser objeto de um estudo especiacutefi co especializado considerando-se dentre outras coisas que os estilos tecircm a ver tambeacutem com gecircnero o que implica coerccedilotildees linguiacutesticas enunciativas e discursivas proacuteprias da atividade em que se insere Aleacutem disso um outro aspecto constitutivo e inalienaacutevel eacute o fato de o enunciado dirigir-se a algueacutem de estar voltado para o destinataacuterio

Bakhtin em ldquoGecircneros do Discursordquo esclarece que o estilo depende do modo de compreensatildeo e percepccedilatildeo do seu destinataacuterio e do modo como a compreensatildeo responsiva ativa eacute presumida

Este destinataacuterio pode ser o parceiro e interlocutor direto do diaacutelogo na vida cotidiana pode ser o conjunto diferenciado de especialistas em alguma aacuterea especializada da comunicaccedilatildeo cultural pode ser o auditoacuterio diferenciado dos contemporacircneos dos partidaacuterios dos adversaacuterios e inimigos dos subalternos dos chefes dos inferiores dos superiores dos proacuteximos dos estranhos etc pode ateacute ser de modo absolutamente indeterminado o outro natildeo concretizado [] Essas formas e concepccedilotildees do destinataacuterio se determinam pela aacuterea da atividade humana e da vida cotidiana a que se reporta um dado enunciado A quem se dirige o enunciado

- 49 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como o locutor (ou o escritor) percebe e imagina seu destinataacuterio Qual eacute a forccedila da infl uecircncia deste sobre o enunciado Eacute disso que depende a composiccedilatildeo e sobretudo o estilo do enunciado Cada um dos gecircneros do discurso em cada uma das aacutereas da comunicaccedilatildeo verbal tem sua concepccedilatildeo padratildeo do destinataacuterio que o determina como gecircnero (BAKHTIN 1992 p 320)

Assim o destinataacuterio real ou imaginado infl uencia sobremaneira a forma de composiccedilatildeo e o estilo do enunciado Existem formas mais padronizadas do destinataacuterio a que se destinam diferentes gecircneros mas haacute tambeacutem destinataacuterios que satildeo pressupostos pelas esferas de atividade humana e vida cotidiana

O estilo eacute indissociaacutevel de determinadas unidades temaacuteticas e ndash o que eacute de especial importacircncia ndash de determinadas unidades composicionais de determinados tipos de construccedilatildeo do conjunto de tipos do seu acabamento de tipos da relaccedilatildeo do falante com outros participantes da comunicaccedilatildeo discursiva ndash com os ouvintes os leitores os parceiros o discurso do outro etc O estilo integra a unidade de gecircnero do enunciado como seu elemento (BAKHTIN 2003 p 266)

Como eacute sabido o estilo eacute um dos elementos que constitui para Bakhtin o gecircnero do discurso e como tal eacute indissociaacutevel dos outros elementos conteuacutedo temaacutetico e estrutura composicional por isso deve ser entendido no conjunto relacionando seu tipo de acabamento as relaccedilotildees estabelecidas com o destinataacuterio enfi m com a atuaccedilatildeo do gecircnero em determinada esfera de atuaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

ldquoA separaccedilatildeo dos estilos em relaccedilatildeo aos gecircneros manifesta-se de forma particularmente nociva na elaboraccedilatildeo de uma seacuterie

- 50 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de questotildees histoacutericas As mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo (BAKHTIN 2003 p 267)

Por isso neste estudo pretende-se analisar o estilo vinculado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com a intenccedilatildeo de verifi car em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto jaacute que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e como acontece tal apropriaccedilatildeo Faz-se necessaacuterio assim esclarecer neste momento do que se trata o objeto escolhido para anaacutelise

A DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Segundo Severino (2011 p 221) a dissertaccedilatildeo de mestrado ldquotrata-se da comunicaccedilatildeo dos resultados de uma pesquisa e de uma refl exatildeo que versa sobre um tema igualmente uacutenico e delimitado Deve ser elaborada de acordo com as mesmas diretrizes metodoloacutegicas teacutecnicas e loacutegicas do trabalho cientiacutefi co como na tese de doutoramentordquo

Nessa direccedilatildeo podemos complementar que eacute difiacutecil eliminar da dissertaccedilatildeo de mestrado o seu caraacuteter demonstrativo Pois ela deve demonstrar uma proposiccedilatildeo e natildeo apenas explanar um assunto Esta parece ser uma exigecircncia loacutegica de todo trabalho desde que tenha objetivos de natureza cientiacutefi ca bem defi nidos (SEVERINO 2011) Na concepccedilatildeo deste autor

tanto a tese de doutorado como a dissertaccedilatildeo de mestrado satildeo pois monografi as cientiacutefi cas que abordam temas uacutenicos delimitados servindo-se de um raciociacutenio rigoroso de acordo com as diretrizes loacutegicas de conhecimento humano em que haacute lugar tanto para a argumentaccedilatildeo puramente dedutiva como para o raciociacutenio indutivo baseado

- 51 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na observaccedilatildeo e na experimentaccedilatildeo (SEVERINO 2011 p 222)

Aproveitando-nos do dizer de Amorim (2009 p 2) baseado no pensamento bakhtiniano segundo o qual ldquoquando se estaacute escrevendo ouvem-se vozes faz-se falar algumas delas e a elas respondendo consegue-se chegar (ou natildeo) a fazer ouvir sua proacutepria vozrdquo o que nos interessa aqui eacute examinar os diaacutelogos que constituem o dizer do jovem pesquisador para tentar entender como este na relaccedilatildeo com os seus outros constroacutei o seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e como ele se constitui como sujeitopesquisador em seu campo do saber

Assim podemos dizer que o texto cientiacutefi co eacute um tecido no qual diferentes vozes portadoras de enunciados do campo da ciecircncia relacionam-se cruzam-se num contiacutenuo diaacutelogo entre textos e discursos sendo seu produtor aquele sujeito responsaacutevel por articulaacute-las na construccedilatildeo de um projeto de dizer Por vezes essas vozes que o produtor convoca em seu texto estatildeo laacute explicitadas devidamente creditadas a uma fonte do dizer outras tantas vezes essas vozes satildeo assimiladas como palavras proacuteprias sem qualquer menccedilatildeo de uma fonte confi gurando aquilo que Amorim (2009) denomina quando faz referecircncia ao pensamento bakhtiniano de esquecimento da alteridade O esquecimento da alteridade remete agrave noccedilatildeo de monologizaccedilatildeo da consciecircncia que estaacute diametralmente oposta ao dialogismo tal como foi concebido pelo pensamento bakhtiniano

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM UMA DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Para analisar o estilo conforme nossa proposta exposta anteriormente tomamos como exemplo trechos de uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada da aacuterea de Educaccedilatildeo intitulada

- 52 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso

A dissertaccedilatildeo aborda a questatildeo da identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a sua produccedilatildeo escrita abordando os mecanismos ideoloacutegicos presentes no seu discurso que naturalizam determinados sentidos e natildeo outros as vivecircncias e as formaccedilotildees imaginaacuterias que permeiam a sua escrita enfi m elementos que podem infl uenciar e muito a construccedilatildeo do discurso escrito bem como afetar o posicionamento do sujeito como autor

O texto cientiacutefi co mais especifi camente o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado eacute apropriado para verifi car como no processo de escrita o jovem pesquisador ouve vozes fala de algumas vozes e a partir de algumas vozes E consegue assim chegar ou natildeo a fazer ouvir a proacutepria voz ou pelo menos uma tentativa de fazer ouvir sua proacutepria voz E entatildeo na relaccedilatildeo com outras vozes constroacutei seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e tambeacutem se constroacutei e mostra sua constituiccedilatildeo como sujeito pesquisador

Seguem alguns excertos selecionados para demonstrar tais possibilidades

Durante os estaacutegios obrigatoacuterios minha decepccedilatildeo com o curso de Magisteacuterio foi aumentando a Psicologia que tanto me encantou estava longe das salas de aula e a didaacutetica entatildeo nem se fala Natildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulas No curso existiam poucos momentos de refl exatildeo acerca do que era observado nos estaacutegios um espaccedilo para discussatildeo que confrontasse a praacutetica observada as teacutecnicas e algumas poucas teorias estudadas nas disciplinas (ASSEF 2014 p 12)

O trecho traz um posicionamento da autora natildeo apenas porque utiliza a primeira pessoa do singular o que natildeo eacute tatildeo comum

- 53 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

no trabalho acadecircmico mas tambeacutem porque traz indiacutecios de uma posiccedilatildeo social que consequentemente dialoga com outras vozes quando se diz decepcionada com o curso de Magisteacuterio quando relata o descontentamento ao perceber que a praacutetica escolar destoa em relaccedilatildeo agraves propostas teoacutericas

Diante dessa realidade decepcionamo-nos com o Magisteacuterio e mesmo gostando da ideia de atuarmos como professora ocuparmos essa posiccedilatildeo tornou-se inviaacutevel natildeo nos sentiacuteamos capacitada para tanto Entatildeo buscamos outros caminhos signifi car outros sentidos uma nova aacuterea com a qual nos identifi caacutessemos Nosso objetivo era obter uma formaccedilatildeo mais completa e cursar a graduaccedilatildeo em Psicologia em uma universidade puacuteblica Concluiacutedo o curso de Magisteacuterio iniciamos nossa preparaccedilatildeo para o vestibular e ingressamos em um cursinho preparatoacuterio Depois de um ano inteiro de muita dedicaccedilatildeo e estudo ingressamos no curso de Psicologia na UNESP em Assis (ASSEF 2014 p 12)

Quando a autora aqui demonstra explicitamente sua decepccedilatildeo com o Magisteacuterio e a sensaccedilatildeo de incapacidade de atuar como educadora na verdade seu testemunho revela um posicionamento no mundo que estaacute relacionado natildeo apenas com este momento de formaccedilatildeo mas com o que a autora carrega de antes desse momento anseios e preocupaccedilotildees acerca de uma formaccedilatildeo docente e preocupaccedilatildeo em ser natildeo apenas uma mera profi ssional mas uma profi ssional capacitada para tal atuaccedilatildeo Aqui a posiccedilatildeo da autora pesquisadora por meio da linguagem seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos como tambeacutem de marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de

- 54 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Aliaacutes o encantamento com a AD e a identifi caccedilatildeo com a teoria ocorreram na medida em que fomos percebendo o quanto a linguagem nos constitui e a relevacircncia do discurso no processo de aprendizagem e constituiccedilatildeo do outro A instauraccedilatildeo de novos gestos de leitura desencadeada a cada nova anaacutelise instigava-nos a aprofundar os estudos sobre a teoria A Anaacutelise do Discurso nos permite refl etir sobre a linguagem natildeo nos conformar com as supostas evidecircncias analisar o entremeio do histoacuterico com o linguiacutestico lugar em que se daacute a proacutepria materialidade do discurso (ASSEF 2014 p 12)

Nesse trecho quando a autora manifesta encantamento e identifi caccedilatildeo podemos remeter a algo individual mas ainda assim trata-se da manifestaccedilatildeo do estilo construiacutedo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas estabelecidas anteriormente no momento da formaccedilatildeo acadecircmica dos anseios com relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo profi ssional enfi m ao que aconteceu antes

Destacamos tambeacutem na introduccedilatildeo o nosso interesse pelo assunto e pela linha de pesquisa adotada e embora natildeo sendo usual mas em consonacircncia com a nossa fi liaccedilatildeo teoacuterica a Anaacutelise do Discurso que natildeo separa teoria e praacutetica ao falar da nossa praacutetica recorremos agrave teoria Mesmo que de forma incipiente abordamos o embasamento teoacuterico que sustenta nossas investigaccedilotildees bem como apresentamos uma breve explanaccedilatildeo sobre a metodologia que utilizamos para a coleta de dados e constituiccedilatildeo do corpus (ASSEF 2014 p 14)

- 55 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Haacute aqui tambeacutem um posicionamento autoral na escolha do tema e linha de pesquisa o estilo presente tambeacutem mostra que esse posicionamento natildeo eacute totalmente individual mas fruto de vozes variadas que se relacionam ao posicionamento do sujeito autor da praacutetica adquirida pela experiecircncia e de toda vivecircncia anterior do sujeito autor

Sabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teorias que a tomam como objeto de investigaccedilatildeo por ser assim destacamos que optamos por uma forma particular de se signifi car a liacutengua qual seja a Anaacutelise do Discurso pecheutiana (ASSEF 2014 p 16)

Nesse trecho a autora jaacute se assume como sujeito pesquisador que demonstra ter conhecimento sobre outras teorias e outras possibilidades de anaacutelise para o mesmo objeto mas inicia a justifi cativa pela escolha da Anaacutelise do Discurso Francesa Notamos a presenccedila de outras vozes que jaacute a constituem como pesquisadora autora de seu trabalho que consegue mostrar e justifi car sua escolha e seu posicionamento que embora se manifeste estilisticamente como individual mostra ao mesmo tempo em que perspectiva dialoacutegica esse estilo se constroacutei

ldquoConvidamos o leitor a nos acompanhar pelos percursos teoacutericos que conduziratildeo nossas refl exotildees e que nos possibilitaratildeo pensar sobre questotildees referentes agrave concepccedilatildeo de liacutengua que adotamos no presente trabalhordquo (ASSEF 2014 p 18) Neste trecho podemos identifi car um estilo bem individual da autora que se aproxima do leitor mesmo se tratando de trabalho acadecircmico e convida para a leitura de maneira mais proacutexima do leitor Trata-se de um estilo um pouco mais individual e menos comum no texto cientiacutefi co que costumeiramente faz uso de uma linguagem mais fria e distante do interlocutor

- 56 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Eacute nesse espaccedilo que a AD pretende trabalhar com a materialidade especiacutefi ca do discurso desconstruindo a ilusatildeo de transparecircncia da liacutengua ao considerar o deslocamento discursivo do sentido jaacute que existem os pontos de deriva que oferecem lugar agrave interpretaccedilatildeo Como analistas do discurso ao trabalharmos com a interpretaccedilatildeo precisamos estar atentos agraves relaccedilotildees existentes entre as fi liaccedilotildees identitaacuterias e histoacutericas do sujeito discursivo que se datildeo nas relaccedilotildees sociais em redes de signifi cantes e nas memoacuterias discursivas que os constituem (PEcircCHEUX 2008) Relaccedilotildees que transcendem a obviedade da liacutengua pois ocorrem no exterior da proacutepria linguagem (ASSEF 2014 p 22)

Nesse excerto na posiccedilatildeo de pesquisadora a autora seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos mas marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Os excertos em geral mostram que a autora se posiciona diante do problema exposto e com um estilo que ao escolher expressotildees tais como ldquodecepcionamo-nos com o Magisteacuteriordquo ldquoNatildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulasrdquo ldquobuscamos outros caminhos signifi car outros sentidosrdquo ldquofomos percebendo o quanto a linguagem nos constituirdquo ldquoSabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teoriasrdquo se posiciona socialmente se coloca ocupando um lugar no mundo

O estilo nesse caso natildeo eacute apenas uma expressatildeo individual mas nota-se por meio desse estilo uma totalidade de discursos Isso reforccedila a afi rmaccedilatildeo que Bakhtin faz sobre os gecircneros ao dizer que em gecircneros diferentes os aspectos estiliacutesticos se mostram tambeacutem de formas diferentes Notam-se relaccedilotildees dialoacutegicas de

- 57 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma individualidade com uma totalidade que se desdobram em formaccedilotildees ideoloacutegicas advindas de uma cultura

Eacute importante lembrar que Bakhtin (1992) refl ete sobre a questatildeo de o gecircnero ser mais ou menos individual dependendo da esfera em que circula E nem todos os gecircneros satildeo da mesma forma propiacutecios a estilos individuais alguns satildeo mais propiacutecios e outros menos Assim a dissertaccedilatildeo de mestrado deve ser considerada um gecircnero do discurso que nessa perspectiva eacute menos propiacutecia por ser mais estabilizada com caracteriacutesticas muito proacuteprias e estrutura composicional muito defi nida

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A proposta deste estudo foi analisar o estilo associado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com o intento de averiguar em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto visto que eacute por meio da linguagem que ele se afi rma e evidencia a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua

Tomou-se por base o estilo como conceito central em Bakhtin para entender o que representa isto eacute como princiacutepio que conduz a produccedilatildeo e compreensatildeo dos sentidos por meio da linguagem do gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado Foi possiacutevel perceber em que perspectiva o estilo aparece no texto por meio da palavra viva autecircntica e em constante mudanccedila pois como em qualquer outro gecircnero na dissertaccedilatildeo de mestrado tambeacutem a comunicaccedilatildeo eacute dialoacutegica

Foi possiacutevel verifi car que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do sujeito pesquisador com a liacutengua e como acontece essa apropriaccedilatildeo ou seja na esfera de atividade acadecircmica o conhecimento vai se produzindo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas que emanam vaacuterias vozes e de vaacuterias vozes construiacutedas tambeacutem em vaacuterias possibilidades de estilo

- 58 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

REFEREcircNCIAS

AMORIM M Freud e a escrita de pesquisa - uma leitura bakhtiniana Eutomia v 2 p 0114 2009

ASSEF Aline Ester de Carvalho A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso Dissertaccedilatildeo (Mestrado) apresentada agrave Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto - Universidade de Satildeo Paulo ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo 2014

BAKHTIN M Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Gecircneros do discurso In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Problemas da poeacutetica de Dostoievski Satildeo Paulo Forense Universitaacuteria 1997

BAKHTIN M O problema do texto na linguiacutestica na fi lologia e em outras ciecircncias humanas In ______ In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 307-335

BAKHTIN M Apontamentos de 1970-191 In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 367-392

BAKHTIN M (V N Volochinov) Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem TradMichel Lahud e Yara Frateschi 12 ed Satildeo Paulo Hucitec 2006

BRAIT Beth Estilo In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MACHADO Irene Gecircneros discursivos In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MARCHEZAN Renata C Diaacutelogo In BRAIT Beth Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo Paulo Contexto 2006

SEVERINO A J Metodologia do trabalho cientiacutefi co 23 ed Satildeo Paulo Cortez 2011

- 59 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann

La iglesia dice El cuerpo es una culpaLa ciencia dice El cuerpo es una maacutequina

La publicidad dice El cuerpo es un negocioEl cuerpo dice Yo soy una fi esta

Eduardo Galeano

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Ao buscar compreender o modo como o corpo vem sendo signifi cado toma-se conhecimento de diferentes domiacutenios epistemoloacutegicos que se dedicaram (e ainda se dedicam) ao seu estudo De fato na histoacuteria da humanidade o corpo despertou o interesse de pesquisadores oriundos de aacutereas do conhecimento distintas como por exemplo religiosos meacutedicos fi loacutesofos artistas desportistas juristas criminologistas socioacutelogos e antropoacutelogos entre outros Assim ao adentrar no universo das pesquisas que tratam do corpo pelo seu caraacuteter multidisciplinar defrontamo-nos com questotildees heterogecircneas que vatildeo por exemplo desde a visatildeo materialista ateacute a crenccedila de sobrevida Desse modo tomar o corpo como objeto de investigaccedilatildeo implica em tese percorrer caminhos ecleacuteticos que passam pela ciecircncia pelo social e pelo teoloacutegico

De nossa parte conhecendo a diversidade de pesquisas que se interessam por este objeto vale destacar que neste estudo tomamos o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais

CORPO E(M) (DIS)CURSO DA RE-EXISTEcircNCIA

- 60 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que para noacutes o corpo eacute considerando como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Na epiacutegrafe que abre essa refl exatildeo jaacute temos uma amostra disso Ela apresenta alguns dizeres que de lugares especiacutefi cos contribuem para a produccedilatildeo de signifi caccedilotildees em torno do corpo Trata-se de um conjunto de discursos de e sobre o corpo que apontam para o funcionamento do poliacutetico na linguagem De nossa posiccedilatildeo teoacuterica compreender jaacute de iniacutecio o funcionamento dos discursos de e sobre o corpo eacute crucial para o percurso analiacutetico que propomos neste estudo A noccedilatildeo de discurso de e de discurso sobre eacute desenvolvida1 por Orlandi (1990[2008]) na obra ldquoTerra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundordquo Para autora essa noccedilatildeo pode ser descrita da seguinte maneira

os lsquodiscursos sobrersquo satildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de) Assim o discurso sobre o samba o discurso sobre o cinema satildeo parte integrante da arregimentaccedilatildeo (interpretaccedilatildeo) dos sentidos dos discursos do samba do cinema etcrdquo (ORLANDI 1990[2008] p 44)

Compreende-se entatildeo jaacute num gesto de anaacutelise que na epiacutegrafe os dizeres da igreja da ciecircncia e da publicidade retomados por Galeano (2001 p 109) inscrevem-se como discursos sobre o corpo A partir dos lugares legitimados que ocupam na sociedade igreja ciecircncia e publicidade institucionalizam sentidos para o corpo Desse modo colocam em funcionamento uma memoacuteria discursiva que parece se amparar no senso comum em sentidos

1 Essa noccedilatildeo foi retomada posteriormente e detalhada por Mariani (1998) e Costa (2014)

- 61 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

supostamente estabilizados que circulam e satildeo (re)produzidos cotidianamente em nossa sociedade Orlandi (1990[2008]) alerta para o fato de que essa memoacuteria discursiva eacute estabilizada e reforccedilada pelo discurso histoacuterico (Orlandi 2008) Compreendemos entatildeo que os discursos sobre o corpo nesta epiacutegrafe organizam e disciplinam a memoacuteria condensando-a e sintentizando-a agravequelas relaccedilotildees predicativas ali expostas Ali o corpo natildeo fala Ele eacute falado

A esses discursos sobre Galeano (2001 p 109) contrapotildee o discurso (hipoteacutetico) do corpo que por sua vez pode ser compreendido aqui como um dizer que produz equiacutevoco jaacute que rompe com uma estrutura fundada no silecircncio e produz assim outros efeitos de sentido Efeitos natildeo previstos efeitos que apontam para a falha constitutiva do funcionamento da linguagem Nessa perspectiva dizer que o corpo se predica como ldquoa festardquo em ldquoyo soy la festardquo (GALEANO 2001 p 109) - signifi ca desestabilizar preacute-construiacutedos e dar visibilidade a outras formas de signifi caccedilatildeo e de inscriccedilatildeo do corpo na histoacuteria e na sociedade Trata-se de pensar o corpo como parte constitutiva de um processo histoacuterico de signifi caccedilatildeo ou mais especifi camente de pensar o corpo em sua materialidade na relaccedilatildeo com o sujeito e com os sentidos Em outras palavras compreendemos com Orlandi que ldquoa signifi caccedilatildeo do corpo natildeo pode ser pensada sem a materialidade do sujeito E vice-versa ou seja natildeo podemos pensar a materialidade do sujeito sem pensar sua relaccedilatildeo com o corpordquo (ORLANDI 2012 p 83)

Fundada epistemologicamente a partir de questionamentos agrave linguiacutestica agrave psicanaacutelise e ao materialismo histoacuterico a anaacutelise de discurso dedicou-se amplamente ao estudo da materialidade da histoacuteria e da liacutengua Entretanto a materialidade do sujeito tem sido pouco explorada ainda que seja inquestionaacutevel a sua natildeo transparecircncia Para Orlandi (2012 p 84) essa lacuna teoacuterico-analiacutetica se deve ao fato de que ldquoeacute na questatildeo da materialidade do sujeito que estaacute a negaccedilatildeo do sujeito como origem quer de si quer dos sentidosrdquo

- 62 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Pelo diaacutelogo desafi ador e basilar que a anaacutelise de discurso estabeleceu com o materialismo histoacuterico compreendemos que os ldquomodos de produccedilatildeo da vida material condicionam o conjunto de processos da vida social e poliacuteticardquo (ORLANDI 2012 p85) Eacute em condiccedilotildees anaacutelogas agraves descritas pela autora no que tange a presenccedila do materialismo histoacuterico no funcionamento da linguagem que o discurso se produz e simultaneamente a ele sujeito e sentidos se constituem (ainda que se tenha a ilusatildeo de que eles estatildeo sempre laacute) Esse funcionamento destaca Orlandi (2012 p85) ldquoeacute efeito da ideologia em sua materialidaderdquo Tal processo tambeacutem afeta o corpo do sujeito que uma vez interpelado pela ideologia se textualiza se signifi ca se discursiviza e se inscreve na histoacuteria a partir da relaccedilatildeo do poliacutetico com o simboacutelico Eacute importante destacar que natildeo transparentes linguagem sujeito e histoacuteria estatildeo agrilhoados ao funcionamento da ideologia Esta compreendida aqui como uma praacutetica estaacute apensa ao processo de signifi caccedilatildeo do discurso e consequentemente do sujeito e dos sentidos Nessa perspectiva refl etir discursivamente sobre o corpo signifi ca compreender que ldquoa forma sujeito histoacuterica tem sua materialidade e que o indiviacuteduo interpelado em sujeito pela ideologia traz seu corpo por ela tambeacutem interpeladordquo (ORLANDI 2012 87) Dizemos entatildeo que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Eacute no e pelo corpo que transitam e circulam praacuteticas de signifi caccedilatildeo que se constituem na histoacuteria pelo funcionamento da linguagem na sociedade O corpo signifi ca entatildeo em sua forma material Ele se constitui como dizer em curso Ou ainda corpodiscurso (SOUZA 2010)

- 63 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O CORPO E(M) MOVIMENTO

Trabalhar discursivamente com o corpo compreendendo-o materialidade do sujeito implica levar em consideraccedilatildeo linguagem histoacuteria e ideologia Essa triangulaccedilatildeo (linguagem histoacuteria e ideologia) produz efeitos de sentido sobre o corpo discursivizando-o tornando-o corpodiscurso (SOUSA 2010) Compreende-se assim que o corpo eacute ldquoa materialidade do sujeito apropriada pelo Estado remarcado pelas instacircncias ideoloacutegicas e enformado por uma dialeacutetica poliacuteticardquo (SOUSA 2010 p 1) Esse funcionamento eacute fundador do processo de constituiccedilatildeo do sujeito em que a ideologia comparece interpelando pelo simboacutelico o indiviacuteduo em forma-sujeito-histoacuterica (ORLANDI 2003 2012) Essa forma-sujeito-histoacuterica capitalista de acordo com Orlandi (2012) estaacute suportada no juriacutedico atraveacutes de um conjunto de normas (direitos e deveres) que regulam de certa maneira os processos de individu(aliz)accedilatildeo do sujeito pelo Estado sendo este compreendido aqui a partir de instituiccedilotildees e discursos

Considerando entatildeo que o corpo signifi ca em sua forma material e tomando como condiccedilatildeo de produccedilatildeo a loacutegica capitalista temos que ao longo da histoacuteria esse corpo foi se constituindo tanto pela opressatildeo quanto pela manipulaccedilatildeo uma vez que ele era compreendido como uma ldquomaacutequinardquo ou melhor a fonte de acuacutemulo de capital (BARBOSA MATOS E COSTA 2011) Esse processo de formataccedilatildeo (manipulaccedilatildeo) do corpo na era capitalista produziu efeitos de sentidos nos modos de sua movimentaccedilatildeo e de sua inserccedilatildeo na sociedade A forma-sujeito-histoacuterica capitalista que se sustenta no juriacutedico em um conjunto de normas (direitos e deveres) conforme apresentamos acima produziu efeitos de normatizaccedilotildees para o corpo Trata-se de uma forma de poder O poder disciplinar O Estado por meio de instituiccedilotildees e discursos exerceu coercitivamente o controle do corpo no espaccedilo no tempo na sociedade Instala-se assim o poder normatizador do Estado que estabelece o ldquonormalrdquo como coerccedilatildeo social (FOUCAULT 2002) e porque natildeo dizer como coerccedilatildeo ideoloacutegica e ldquodessa maneira vatildeo

- 64 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

moldando padronizando homogeneizando corpos sujeitos e sentidosrdquo (MASSMANN 2018 p 44) De acordo com Barbosa Matos e Costa (2011 p 29) esse processo de disciplinarizaccedilatildeo do corpo na sociedade capitalista permanece ainda vigente hodiernamente ainda que por meio de funcionamentos que se alinham agraves condiccedilotildees de produccedilatildeo do seacuteculo XXI

As novas tecnologias de produccedilatildeo em massa desencadearam um processo de homogeneizaccedilatildeo de gestos e haacutebitos que se estendeu a outras esferas sociais entre elas a educaccedilatildeo do corpo que passou a identifi car-se natildeo soacute com as teacutecnicas mas tambeacutem com os interesses da produccedilatildeo (Hobsbawm 1996) Assim o ser humano eacute colocado a serviccedilo da economia e da produccedilatildeo gerando um corpo produtor que portanto precisa de ter sauacutede para melhor produzir (BARBOSA MATOS E COSTA 2011 p 29)

A partir das palavras das autoras compreende-se que o controle e a padronizaccedilatildeo do corpo passam a circular na sociedade dita moderna como resultado de um processo biopoliacutetico (FOUCAULT 2002) em que os corpos satildeo ldquodomesticadosrdquo para se formatar se enquadrar e se adequar a padrotildees sociais que se sustentam ideologicamente em relaccedilotildees de poder e consequentemente de dominaccedilatildeo Nesse sentido o poder e seus mecanismos de controle se manifestam no corpo compelindo-o agrave objetifi caccedilatildeo e agrave estandardizaccedilatildeo sob a forma de modelos preacute-estabelecidos historicamente que vatildeo ressignifi cando em funccedilatildeo das condiccedilotildees de produccedilatildeo

Esse movimento de supremacia do corpo tem sido reforccedilado com o advento de novas tecnologias que se alinham agrave loacutegica da produccedilatildeo De fato cada vez mais se impotildeem ao corpo modelos de sauacutede de eacutetica e de esteacutetica O corpo que destoa desses padrotildees instituiacutedos aparentemente como sendo ldquouniversaisrdquo eacute visto

- 65 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

como corpo-desvio corpo-a-normal corpo-doente Este corpo eacute colocado agrave margem da sociedade discriminado Este corpo agrave beira estaacute maculado pois como nos ensina Quijano (2009) ele traz em sua materialidade traccedilos vestiacutegios rastros do funcionamento das estruturas do poder e dos processos de categorizaccedilatildeo inclusatildeo e exclusatildeo que daiacute derivam Por vezes este eacute o corpo que acaba se tornando (in)visiacutevel Entretanto a partir de uma perspectiva discursiva podemos dizer que este eacute o corpo que em sua forma material encarna a ruptura a falha o equiacutevoco Eacute o corpo-re-existecircncia Ou ainda corpo-poliacutetico aquele que produz fi ssuras nas discursividades da sociedade contemporacircnea (MASSMANN 2018) A noccedilatildeo de corpo-poliacutetico eacute de suma importacircncia para a refl exatildeo que propomos e decorre justamente da posiccedilatildeo em que nos inserimos a saber agravequela de analista de discurso que considera a relaccedilatildeo do simboacutelico com o poliacutetico como fundamental para a compreensatildeo do funcionamento da linguagem De acordo com Massmann (2018 p 41)

o funcionamento da linguagem eacute poliacutetico e este por sua vez eacute compreendido por noacutes analistas de discurso como divisatildeo ldquodivisatildeo da sociedade divisatildeo dos sujeitos divisatildeo do sentido em que faz funcionar na sociedade capitalista relaccedilotildees de poder simbolizadasrdquo (ORLANDI 2013 p 28) Em relaccedilatildeo ao poliacutetico vale acrescentar ainda que uma vez compreendido discursivamente sempre como dividido eacute importante destacar que essa ldquodivisatildeo tem uma direccedilatildeo que eacute afetada pelas relaccedilotildees de forccedila advindas da forma da sociedade na histoacuteriardquo conforme Orlandi (1998 p 4) Dessa perspectiva o poliacutetico pode ser entendido como confl ito a partir das posiccedilotildees sujeito que satildeo assumidas (MASSMANN 2018 p 41)

- 66 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A partir do exposto considera-se que o corpo-poliacutetico eacute aquele cuja materialidade do sujeito produz rupturas nesse conjunto de normatizaccedilotildees sustentadas em relaccedilotildees de forccedila e de poder

O CORPO MACULADO

A fi m de ilustrar esse processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia debruccedilamo-nos sobre um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)2rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio publicada pela Editora 34 expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora O fragmento que selecionamos para essa refl exatildeo foi retirado do capiacutetulo Tatuagem3 que compotildee a primeira parte da obra em que se apresentam escritos sobre a vida em um campo de concentraccedilatildeo A narrativa se compotildee a partir do olhar da fi lha que conduz o leitor num percurso inicial de leitura em relaccedilatildeo ao corpo da matildee O ponto de partida de nosso recorte eacute justamente o enquadramento que a autora produz em relaccedilatildeo agrave tatuagem da matildee judia que em 1944 foi levada pelos nazistas ao campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz4 2 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012 3 Os fragmentos que satildeo analisados neste artigo natildeo apresentam o nuacutemero da paacutegina de onde foram retirados Eles foram transcritos a partir da leitura do capiacutetulo ldquoTatuagemrdquo na voz de Noemiacute Jaffe no episoacutedio ldquoO trabalho libertardquo da 1ordf Temporada de ldquoAs fi lhas da guerrardquo que foi ao ar em 17 de agosto de 2015 no Projeto Humanos Esse episoacutedio estaacute disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018 O Projeto Humanos eacute um podcast storytelling dedicado a contar histoacuterias reais de pessoas reais Eacute produzido por Ivan Mizanzuk desde 2015 Para mais informaccedilotildees acesse lt httpswwwprojetohumanoscombrgt Acesso em 01 set 2018 4 De acordo com o Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau ldquoo campo de concentraccedilatildeo nazista alematildeo de Auschwitz tornou-se para o mundo um siacutembolo do Holocausto de genociacutedio e terror Foi criado pelos alematildees na metade do ano de 1940 na periferia de Oświęcim cidade polaca que foi anexada ao Terceiro Reich pelos nazistas A cidade recebeu o nome alematildeo de ldquoAuschwitzrdquo que foi usado tambeacutem para determinar o nome do campo Konzentrationslager Auschwitz Na fase de auge de seu funcionamento o campo de Auschwitz era formado de trecircs partes principais 1) A primeira e mais antiga das partes

- 67 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 1

ldquoO nuacutemero no braccedilo dela eacute A16334 Os judeus da seacuterie ldquoArdquo foram presos a partir de maio de 1944 Foram contabilizados 20 mil homens e 29354 mulheres Dentre estas mulheres era a de nuacutemero 16334rdquo

De acordo com o arquivo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau5 os judeus que eram enviados a este campo de concentraccedilatildeo passaram por diferentes sistemas de identifi caccedilatildeo sendo a tatuagem um deles Auschwitz foi o uacutenico campo a instituir a tatuagem como meio de identifi caccedilatildeo de prisioneiros O modelo utilizado natildeo tinha um padratildeo uacutenico poderia ser empregado apenas um conjunto numeacuterico ou uma mescla de nuacutemeros e letras Em ambos os casos a composiccedilatildeo produzia o efeito de um nuacutemero de seacuterie O arquivo do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos destaca por sua vez que a implementaccedilatildeo desse sistema de identifi caccedilatildeo em Auschwitz comeccedilou entre 1941 e 1942 eacutepoca em que chegaram muitos prisioneiros de guerra sobretudo judeus sovieacuteticos No total foram identifi cadas o uso de pelo menos trecircs

foi Auschwitz I chamada de Stammlager (a quantidade de prisioneiros era de 12-20 tys) formada na metade do ano de 1940 no terreno e nos edifiacutecios do quartel polaco de antes da guerra e que foi sistematicamente aumentado para as necessidades do campo 2) A segunda parte foi o campo Auschwitz II-Birkenau (em 1944 contou com mais de 90 mil prisioneiros) a maior do complexo de campos Auschwitz Sua construccedilatildeo foi iniciada no outono de 1941 num terreno distante 3 km de Oświęcim na aldeia de Brzezinka de onde a populaccedilatildeo polaca foi expulsa e suas casas desmontadas Em Birkenau surgiu o maior centro de extermiacutenio em massa da Europa sob ocupaccedilatildeo ndash cacircmaras de gaacutes ndash onde os nazistas assassinaram a maior parte dos Judeus deportados ao campo 3) Terceira parte ndash campo Auschwitz III Monowitz (tambeacutem chamado de Buna no veratildeo de 1944 contava com mais de 11 mil prisioneiros) Inicialmente foi um dos subcampos de Auschwitz formado no ano de 1942 em Monowice distante 6 km de Oświęcim ao lado das fabricas de gasolina e borracha sinteacutetica Buna-Werke construiacutedas durante a guerra pela corporaccedilatildeo alematilde IG arbenindustrie Em novembro de 1944 o subcampo de Buna tornou-se independente e fi cou sendo chamado de KL Monowitz A maioria dos subcampos de Auschwitz estava sob sua administraccedilatildeordquo Fonte Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 20185 Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

- 68 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seacuteries numeacutericas a primeira e segunda seacuteries estavam destinadas ao grupo masculino e a terceira ao grupo feminino

A fi m de evitar a atribuiccedilatildeo de nuacutemeros excessivamente altos da seacuterie geral ao grande nuacutemero de judeus huacutengaros chegando em 1944 as autoridades da SS introduziram novas sequecircncias de nuacutemeros em meados de maio de 1944 Esta seacuterie precedida pela letra A comeccedilou com ldquo1rdquo e terminou em ldquo20000rdquo Quando o nuacutemero 20000 foi atingido uma nova seacuterie comeccedilando com a seacuterie ldquoBrdquo foi introduzida Cerca de 15000 homens receberam tatuagens da seacuterie ldquoBrdquo Por uma razatildeo desconhecida a seacuterie ldquoArdquo para mulheres natildeo parou em 20000 e continuou para 300006

Como podemos observar nesta citaccedilatildeo considerado o grande nuacutemero de prisioneiros enviados a Auschwitz da posiccedilatildeo sujeito-nazista a inclusatildeo das letras nas tatuagens de identifi caccedilatildeo visava em tese evitar a atribuiccedilatildeo de ordens numeacutericas extremamente altas Essa parece ser a justifi cativa que fi cou registrada nos inuacutemeros documentos produzidos pelos nazistas durante esse periacuteodo Entretanto da parte dos sobreviventes o emprego e o sentido da letra ldquoArdquo eacute uma questatildeo ainda em aberto sobretudo para Lili Jaff e Em outra passagem da narrativa em anaacutelise podemos acompanhar a reproduccedilatildeo de um diaacutelogo entre Noemiacute e sua matildee

6 Nossa traduccedilatildeo ldquoIn order to avoid the assignment of excessively high numbers from the general series to the large number of Hungarian Jews arriving in 1944 the SS authorities introduced new sequences of numbers in mid-May 1944 Th is series prefaced by the letter A began with ldquo1rdquo and ended at ldquo20000rdquo Once the number 20000 was reached a new series be-ginning with ldquoBrdquo series was introduced Some 15000 men received ldquoBrdquo series tattoos For an unknown reason the ldquoArdquo series for women did not stop at 20000 and continued to 30000rdquo In Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-sys-tem-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

- 69 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 2

- ldquoMatildee vocecirc sabe o que signifi ca esse ldquoArdquo na sua tatuagemrdquo- ldquoSei Eacute Auchiwtz Natildeo natildeo eacute Eacute arbeiten trabalho

Neste entremeio da duacutevida constitutiva do discurso de Lili agrave primeira vista eacute possiacutevel dizer que a letra ldquoArdquo pode signifi car Auschwitz ou ainda como ela nos mostra pode estar relacionada ao substantivo ldquoarbeitenrdquo que em alematildeo signifi ca ldquotrabalhordquo Os gestos de interpretaccedilatildeo de Lili Jaff e nos levam a refl etir sobre o sentido da palavra ldquotrabalhordquo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo a que ela nos remete a saber o nazismo Natildeo podemos esquecer que as condiccedilotildees de produccedilatildeo satildeo fundamentais no processo discursivo elas compreendem a situaccedilatildeo os sujeitos e a memoacuteria discursiva (ORLANDI 2002) Por exemplo se tomarmos a interpretaccedilatildeo dessa palavra (trabalho) nas condiccedilotildees de produccedilatildeo atuais (seacuteculo XXI) os sentidos produzidos satildeo completamente diferentes Entatildeo faz-se necessaacuterio estarmos atentos a essas questotildees para que nossa interpretaccedilatildeo natildeo se sustente naquilo que chamamos de evidecircncia de sentidos

Nesse movimento da interpretaccedilatildeo o sentido aparece como evidecircncia como se ele estivesse jaacute sempre laacute Interpreta-se e ao mesmo tempo nega-se a interpretaccedilatildeo colocando-a no grau zero Naturaliza-se o que eacute produzido na relaccedilatildeo do histoacuterico e do simboacutelico Por esse mecanismo - ideoloacutegico de apagamento da interpretaccedilatildeo haacute transposiccedilotildees de formas materiais em outras construindo-se transparecircncias ndash como se a linguagem e a histoacuteria natildeo tivessem espessura sua opacidade ndash para serem interpretadas por determinaccedilotildees histoacutericas que se apresentam como imutaacuteveis naturalizadas Este eacute o trabalho da ideologia produzir evidecircncias colocando o homem na relaccedilatildeo imaginaacuteria com suas condiccedilotildees materiais de existecircncia (ORLANDI 2002 p 46)

- 70 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com suas palavras Orlandi nos conduz a compreender que a linguagem natildeo eacute transparente Eacute pois pela fresta do funcionamento da linguagem na sua relaccedilatildeo com a histoacuteria que podemos entrever discursivamente para aleacutem dessa evidecircncia dos sentidos Isso signifi ca que de nossa posiccedilatildeo visualizamos outras possibilidades de interpretaccedilatildeo que levam em conta as condiccedilotildees de produccedilatildeo do nazismo e de seus gestos na relaccedilatildeo com a memoacuteria discursiva natildeo soacute no que diz respeito agraves crenccedilas do povo judeu mas tambeacutem no que concerne agrave palavra ldquotrabalhordquo

Analisando o sistema de identifi caccedilatildeo nazista descrito anteriormente compreende-se que naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo a tatuagem imposta como forma de identifi caccedilatildeo parece ter sido usada para fi ns absolutamente crueacuteis e desumanos Devemos considerar que para os judeus conforme a Torah livro sagrado e fundador do judaiacutesmo o corpo eacute uma ldquosantidade especial por ser um invoacutelucro para alma por este motivo ele deve ser tratado com respeitordquo7 Soma-se a isso ainda o fato de que para o judaiacutesmo a tatuagem eacute considerada uma forma de agressatildeo ao corpo e ao fazecirc-la infringe-se uma importante orientaccedilatildeo do livro Vayicraacute (Leviacutetico 1928) da Torah8 a saber ldquoNatildeo fareis laceraccedilotildees na vossa carne pelos mortos nem no vosso corpo imprimireis qualquer marca Eu sou o Senhorrdquo Desse modo a tatuagem no nazismo pode ser descrita como um gesto macabro e aniquilador Gesto que marca no corpo do judeu na sua carne e na sua memoacuteria de forma inapagaacutevel o oacutedio o poder a crueldade a desumanidade e o autoritarismo nazistas Dito de outra forma a tatuagem no corpo do judeu feito prisioneiro pode ser considerada como o genociacutedio inscrito na pele Com efeito os nazistas aleacutem de aprisionar e subjugar os judeus dilaceraram e violaram seus corpos e suas

7 In Associaccedilatildeo Israelita de Benefi cecircncia Beit Chabad do Brasil Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018 8 In Chabad Lubavitch Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

- 71 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

crenccedilas com tatuagens que lhes imputaram e lhes classifi caram como corpos maculados corpo agrave margem da hegemonia nazista da humanidade e de seu proacuteprio povo agrave medida que com a tatuagem exterminavam-se natildeo soacute as crenccedilas mas tambeacutem os laccedilos e processos de identifi caccedilatildeo entre os judeus

Em relaccedilatildeo agrave possibilidade de a letra ldquoArdquo que antecedia a sequecircncia numeacuterica na tatuagem de Lili Jaff e signifi car o substantivo ldquoarbeitenrdquo (ou seja ldquotrabalhordquo em alematildeo) eacute importante pensar aqui no funcionamento histoacuterico dos sentidos em torno da palavra ldquotrabalhordquo e tambeacutem considerar os efeitos de sentido da tatuagem na histoacuteria da humanidade De fato para os gregos e romanos por exemplo as tatuagens constituiacuteam uma forma de puniccedilatildeo Elas marcavam escravos e ladrotildees Criminosos E essas marcas na pele no corpo impediam que em caso de fuga os tatuados pudessem viver livremente em sociedade O corpo marcado era excluiacutedo do conviacutevio social Com base no exposto se levarmos em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees de produccedilatildeo do periacuteodo do nazismo podemos entrever nesse batimento com a histoacuteria da humanidade outrosnovos sentidos que satildeo postos em funcionamento a partir da tatuagem e tambeacutem da palavra ldquotrabalhordquo supostamente signifi cada na letra ldquoArdquo trata-se do trabalho escravo dos judeus em Auschwitz

DO CORPO-POLIacuteTICO AO CORPO-RE-EXISTEcircNCIA

A partir da refl exatildeo que propomos podemos considerar que a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo inscreveu-se como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente ou seja durante o periacuteodo do nazismo mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tiveram (tecircm) de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio O corpo

- 72 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

judeu foi marcado para sempre pelo fl agelo da monstruosidade nazista

Compreendemos entatildeo que a tatuagem no corpo de Lili Jaff e a signifi ca como prisioneira de guerra E produz assim um discurso do corpo Corpo feito refeacutem de um dos momentos mais terriacuteveis da histoacuteria da humanidade A tatuagem faz signifi car a histoacuteria daquele corpo ao mesmo que tempo que o conecta e o signifi ca na relaccedilatildeo com o corpo social neste caso o povo judeu O discurso do corpo estaacute pois materializado na tatuagem que (re)atualiza diariamente por diferentes gestos de interpretaccedilatildeo a memoacuteria do holocausto

Haacute que se refl etir ainda em relaccedilatildeo ao discurso sobre o corpo Para isso retomamos as palavras de Orlandi (1990[2008] p 44) para quem os discursos sobre ldquosatildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de)rdquo De fato se tomarmos os recortes em estudo podemos verifi car que nas duas passagens analisadas temos o funcionamento de discursos sobre a tatuagem de Lili Jaff e (e consequentemente sobre seu corpo) Enquanto o primeiro trata do nuacutemero o segundo ao trazer um diaacutelogo entre matildee e fi lha discorre sobre a letra tatuada e os possiacuteveis sentidos que dela derivam O discurso sobre a tatuagem de Lili Jaff e funciona entatildeo como uma espeacutecie de discurso mediador9 discurso de entremeio que vai se produzir e se constituir entre o discurso do10 corpo que traz materialmente a marca do holocausto e o interlocutor11 que com seus gestos de leitura e de interpretaccedilatildeo diz sobre esse corpo e essa marca em determinadas condiccedilotildees de produccedilatildeo 9 Ou discurso intermediaacuterio nas palavras de Mariani (1998 p 60) 10 O discurso de segundo Mariani (1998 p 60) pode ser compreendido como um discurso-origem11 Neste caso os interlocutores satildeo tanto Lili Jaffe que diz de sua tatuagem quanto Noemiacute sua fi lha

- 73 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enquanto discurso intermediaacuterio como forma de institucionalizaccedilatildeo dos sentidos o discurso sobre constitui uma interpretaccedilatildeo ou melhor ao se situar entre o discurso-origem e um interlocutor ele resulta de uma interpretaccedilatildeo ao mesmo tempo ele interveacutem na construccedilatildeo imaginaacuteria do interlocutor do sujeito e do dizer (COSTA 2014 p 34)

Nessa perspectiva tanto o diaacuterio de Lili Jaff e quanto os documentos12 que fazem parte do acervo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau e tambeacutem a obra13 em estudo constituem pois discursos sobre o corpo materializando diferentes vozes que tentam signifi car ou melhor que tentam dizer e interpretar o discurso do corpo de Lili Jaff e Esses discursos de e sobre trabalham incessantemente o limiar da intepretaccedilatildeo que natildeo reveladora demanda incansavelmente que se produza sentidos Eacute nessa relaccedilatildeo constitutiva entre discurso de e sobre o corpo judeu que se presentifi ca o memoraacutevel (re)atualiza a memoacuteria discursiva e a histoacuteria materializando-se assim sob a forma de corpo-poliacutetico

Eacute pois na brecha na fi ssura ainda que minuacutescula entre o discurso de e o discurso sobre que emerge a tensatildeo do poliacutetico com o simboacutelico confronto constitutivo do funcionamento da linguagem No caso do material analisado nesta refl exatildeo a noccedilatildeo de condiccedilotildees de produccedilatildeo conforme discutido anteriormente comparece de forma vigorosa no movimento de sentidos que faz derivar corpo-poliacutetico para corpo-re-existecircncia como podemos observar no fragmento abaixo tambeacutem retirado da obra que serviu de base para as anaacutelises aqui propostas

12 Documentos nazistas que fazem alguma referecircncia agrave ela a partir de seu nuacutemero de prisioneira13 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 74 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 3

Quando a fi lha visitou o museu do Holocausto em Yad Vashem em Jerusaleacutem em 2010 buscando encontrar o diaacuterio dela que estaacute laacute guardado a diretora do museu encontrou casualmente um registro de funcionaacuterias da cozinha de Auchiwitz de 1944 Era um registro elaborado por um ofi cial nazista Laacute estavam o nome e o nuacutemero dela aleacutem do de vaacuterias outras companheiras O efeito de ver o nuacutemero no braccedilo dela jaacute como parte de seu corpo e da composiccedilatildeo de sua fi gura tanto que ningueacutem o percebe mais e o efeito de ver o seu nome e o nuacutemero escrito numa folha de registro do campo grafados por um ofi cial nazista eacute radicalmente diferente Era como se a fi lha a estivesse vendo pela primeira vez Como se nunca soubesse que a matildee tinha um nuacutemero tatuado no braccedilo nem mesmo que ela tivesse sido prisioneira Entatildeo aquela histoacuteria contada em casa na sala na cozinha na infacircncia tambeacutem estaacute guardada em registros ofi ciais Aconteceu de verdade Tudo aquilo que foi contado que tem dimensatildeo de realidade somente dentro da imaginaccedilatildeo de quem escuta e na lembranccedila de quem viveu teve corpo tamanho volume tambeacutem nas matildeos de um soldado Ele escreveu o nome e o nuacutemero dela14

Dadas as condiccedilotildees de produccedilatildeo o corpo-poliacutetico agrave medida que na tensatildeo entre relaccedilotildees de forccedila do discurso de e do discurso sobre encontra uma forma de resistir e assim de (re)signifi car e ser (re)signifi cado Ao natildeo se deixar subjugar o corpo-poliacutetico resiste (corpo-re-existecircncia) e rompe Explode E assim produz a efervescecircncia de signifi caccedilotildees do corpo de Lili Jaff e e sobre o corpo de Lili Jaff e

Natildeo era exatamente a infraccedilatildeo que os nazistas tatuavam no corpo dos prisioneiros mas a

14 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 75 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

identifi caccedilatildeo inapagaacutevel de que se tratava de um prisioneiro Servia para facilitar o trabalho dos nazistas e para escrever na carne do condenado sua maior infraccedilatildeo existir Aquilo que fi ca escrito na carne como as rugas a fl acidez mas acima de tudo a tatuagem adquire e daacute agrave pessoa o sentido da existecircncia Ela existe porque tem essa marca e tem a marca porque existe15

REFEREcircNCIAS

ASSOCIACcedilAtildeO ISRAELITA DE BENEFICEcircNCIA BEIT CHABAD DO BRASIL Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018

BARBOSA M R MATOS P M amp COSTA M E ldquoUm olhar sobre o corpo o corpo ontem e hojerdquo In Psicologia amp Sociedade n 23 Vol1) 24-34 2011 Disponiacutevel em httpwwwscielobrpdfpsocv23n1a04v23n1pdf Acesso em 18 ago 2018

CHABAD LUBAVITCH Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

COSTA G C Sentidos de miliacutecia Entre a lei e o crime Campinas Editora da Unicamp 2014

FOUCAULT M Microfiacutesica do poder 17Ed Rio de Janeiro Ed Graal 2002

GALEANO E Las palabras andantes 5Ed Buenos Aires Cataacutelogos SRL 2001

HOBSBAWM E J A era do capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

15 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 76 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

MARIANI B O PCB e a imprensa os comunistas no imaginaacuterio dos jornais (1922-1989) Rio de JaneiroCampinas RevamEditora da Unicamp 1998

MASSMANN D O poliacutetico nada arte Instituiccedilotildees discursos resistecircncias In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL AUSCHWITZ-BIRKENAU History Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL DO HOLOCAUSTO DOS ESTADOS UNIDOS Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-system-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

QUIJANO A Colonialidade do poder e classifi caccedilatildeo social In SANTOS B de amp MENESES M P (Orgs) Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009

SOUZA L L de O discurso encarnado ou a passagem da carne ao corpodiscurso In Entremeios revista de estudos do discurso v1 n1 jul2010 Disponiacutevel em httpwwwentremeiosinfbr Acesso em 19 ago 2018

ORLANDI E P Sujeitos invisiacuteveis Sujeitos agrave interpretaccedilatildeo In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

- 77 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

_____ Ser diferente eacute ser diferente a quem interessam as Minorias In ORLANDI E P Linguagem sociedade poliacuteticas Pouso Alegre UNIVAacuteSCampinas RG Editores 2014

_____ Discurso em anaacutelise sujeito sentido ideologia Campinas Pontes Editores 2012

_____ Terra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundo Campinas Editora da Unicamp 1990[2008]

_____ Cidade dos sentidos Campinas SP Pontes 2004

_____ A linguagem e seu funcionamento as formas do discurso Campinas Pontes 1996

PROJETO HUMANOS Episoacutedio 2 ldquoO trabalho libertardquo In ldquoAs fi lhas da guerrardquo Disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018

- 78 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 79 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fernando Aparecido Ferreira

Conforme aprendemos com Bakhtin cujo postulado dialoacutegico foi incorporado pela Linguiacutestica Textual um texto (enunciado) natildeo existe nem pode ser avaliado eou compreendido isoladamente ele sempre estaacute em diaacutelogo com outros textos De acordo com Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 9) ldquotodo texto revela uma relaccedilatildeo radical do seu interior com seu exteriorrdquo Ainda segundo essas autoras de um texto ldquofazem parte outros textos que lhe datildeo origem que o predeterminam com os quais dialoga que ele retoma a que alude ou aos quais se opotildeemrdquo (KOCH BENTES e CAVALCANTE 2008 p 9) Chegamos assim ao conceito de intertextualidade criado na deacutecada de 1960 pela criacutetica literaacuteria francesa Julia Kristeva com base nas premissas de Bakhtin Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 14) afi rmam que para Kristeva ldquoqualquer texto se constroacutei como um mosaico de citaccedilotildees e eacute a absorccedilatildeo e transformaccedilatildeo de um outro textordquo

Propomos aqui neste trabalho tratar do emprego da intertextualidade como uma estrateacutegia retoacuterica analisando um texto audiovisual (portanto sincreacutetico e multimodal) no qual a relaccedilatildeo com outros textos (visuais verbais sonoros) foi deliberadamente utilizada como uma forma de contribuir para a adesatildeo de um auditoacuterio espectador Importante ressaltar que aqui trabalhamos com uma concepccedilatildeo moderna de texto que natildeo inclui

COISAS ESTRANHAS COISAS FAMILIARES A

INTERTEXTUALIDADE COMO ESTRATEacuteGIA RETOacuteRICA NA

WEBSEacuteRIE STRANGER THINGS

- 80 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

somente o verbal sendo portanto segundo Cavalcante (2013 p 17) texto tudo aquilo que constitui ldquouma unidade de linguagem dotada de sentidordquo que cumpre ldquoum propoacutesito comunicativo direcionado a um certo puacuteblico numa situaccedilatildeo especiacutefi ca de uso dentro de uma determinada eacutepoca em uma dada cultura que se situam os participantes desta enunciaccedilatildeordquo Em outras palavras tambeacutem podemos dizer que fazemos aqui uma anaacutelise textual de um discurso retoacuterico

O nosso objeto de estudo eacute a webseacuterie Stranger Th ings (ldquoCoisas estranhasrdquo mas que natildeo obteve traduccedilatildeo para o portuguecircs) Lanccedilada em julho de 2016 pelo canal de streaming NETFLIX Stranger Th ings eacute uma produccedilatildeo norte-americana criada produzida e dirigida pelos irmatildeos Matt e Ross Duff er Ambientada nos anos 1980 (mais especifi camente em 1983) e fi lmada tal como se fosse uma produccedilatildeo do mesmo periacuteodo a seacuterie cuja narrativa trafega entre o drama a aventura e o horror foi um imediato sucesso de criacutetica e de puacuteblico e jaacute eacute objeto de culto Tendo como marca identitaacuteria justamente o modo como evoca na forma e no conteuacutedo seacuteries e fi lmes norte-americanos da deacutecada de 1980 Stranger Th ings se vale ostensivamente da intertextualidade com produccedilotildees audiovisuais e visuais do periacuteodo recurso que contribuiu signifi cativamente para a adesatildeo de seu auditoacuterio-espectador Buscamos portanto refl etir rapidamente sobre o papel argumentativo da intertextualidade na seacuterie verifi cando em quais niacuteveis essa relaccedilatildeo com outros textos visuais e audiovisuais se manifesta

Tratando aqui da efi ciecircncia de uma comunicaccedilatildeo adentramo-nos portanto no universo da Retoacuterica que ldquovisa agrave adesatildeo dos espiacuteritosrdquo segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 16) Por meio das anaacutelises cabe dizer que em Stranger Th ings a intertextualidade eacute empregada como uma estrateacutegia retoacuterica contribuindo para despertar o interesse de espectadores pela seacuterie promovendo-lhes um resgate de memoacuterias afetivas

- 81 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

despertando-lhes os pathe da amizade e da confi anccedila Vaacuterios tipos de intertextualidade ndash temaacutetica estiliacutestica impliacutecita expliacutecita ndash se manifestam na seacuterie atestando a presenccedila consciente desse artifiacutecio como recurso retoacuterico e argumentativo

Vejamos como isso ocorre

Narrativas audiovisuais se destinam a provocar seus espectadores ativando seus afetos sentimentos e emoccedilotildees Esses aspectos satildeo componentes essenciais para angariar o interesse de um auditoacuterio-espectador pela trama ou temaacutetica de uma narrativa por seus personagens pela mensagem que pretende passar etc Num texto audiovisual narrativo e seriado essa preocupaccedilatildeo eacute fundamental para a garantia da adesatildeo e interesse do espectador aos episoacutedios que seguiratildeo e para a consequente produccedilatildeo de novos grupos de episoacutedios ndash as chamadas ldquotemporadasrdquo Cabe assim aos diretores produtores e roteiristas (os oradores desses discursos) saber bem o que pretendem comunicar ter competecircncia teacutecnica para utilizar a linguagem audiovisual para se expressar e conhecer bem aqueles que seratildeo os seus espectadores para conseguirem ativar neles as emoccedilotildees que desejam para que por fi m a interlocuccedilatildeo seja efi ciente

Em linhas gerais Stranger Th ings se desenvolve narrativamente a partir do desaparecimento de um garoto numa pequena e pacata cidade norte-americana e prossegue com os estranhos acontecimentos que satildeo revelados no processo das buscas para encontraacute-lo De imediato eacute possiacutevel perceber que a seacuterie tem uma intertextualidade temaacutetica com uma seacuterie lanccedilada no ano de 1990 Twin Peaks do cineasta David Lynch

Por intertextualidade temaacutetica entendemos a relaccedilatildeo entre textos que pertencem a uma mesma escola ou que partilham temas assuntos Ambas as seacuteries Stranger Th ings e Twin Peaks tecircm o mesmo fi o condutor um caso misterioso que ocorre em uma pequena cidade norte-americana cujas investigaccedilotildees satildeo conduzidas

- 82 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

principalmente por um homem da lei protagonista da seacuterie que se depara com questotildees sobrenaturais Enquanto em Twin Peaks o motivo condutor era ldquoQuem matou a jovem Laura Palmerrdquo em Stranger Th ings eacute ldquoO que aconteceu com o garoto Will Byersrdquo E se no primeiro a investigaccedilatildeo era protagonizada pelo agente do FBI Dale Cooper em Stranger Th ings a busca eacute conduzida pelo xerife local Jim Hopper Essa primeira intertextualidade temaacutetica daacute base para outras que promovem uma associaccedilatildeo mais imediata agraves produccedilotildees audiovisuais dos anos 1980 e defi ne como jaacute foi dito a identidade da webseacuterie Elencamos aqui quatro temas facilmente identifi caacuteveis

1) grupos de garotos nerds aventureiros

2) paranormalidade ou mais especifi camente crianccedila com po-deres paranormais

3) seres de outras dimensotildees

4) mundos paralelos

Esses temas satildeo recorrentes em vaacuterias produccedilotildees dos anos 1980 em fi lmes hoje considerados claacutessicos da eacutepoca No primeiro tema exemplifi camos com fi lmes como ET (1982) Explorers (Viagem ao mundo dos sonhos 1985) Th e Goonies (Os Goonies 1985) Stand by me (Conta comigo 1986) Th e Lost Boys (Os garotos perdidos 1987) Em Stranger Th ings apesar do protagonismo do xerife (e tambeacutem da matildee do garoto desaparecido interpretada pela atriz Winona Ryder) um grupo de meninos amigos do garoto Will que tambeacutem paralelamente buscam encontraacute-lo torna-se um dos principais pontos afetivos da seacuterie evocando os garotos de vaacuterias produccedilotildees de Steven Spielberg (o grande nome do cinema de entretenimento dos anos 1980)

Integrando o grupo de personagens principais da seacuterie haacute em Stranger Th ings a garota Eleven cujos poderes paranormais

- 83 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

evocam personagens de outras produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Poltergeist (1982) Firestarter (Chamas da vinganccedila 1984) Th e Shining (O iluminado 1980) e Th e Dead Zone (A hora da zona morta 1983) bem algumas do fi nal dos anos 1970 que reverberaram nos anos 1980 ndash por suas exibiccedilotildees na TV e lanccedilamento em videocassete ndash como Carrie (Carrie a estranha 1976) e Th e Fury (A fuacuteria 1978) Estabelece-se na evocaccedilatildeo a esses fi lmes mais uma intertextualidade temaacutetica dessa vez dentro do tema ldquoparanormalidaderdquo ou ldquocrianccedila com poderes paranormaisrdquo

Um dos misteacuterios de Stranger Th ings envolve um ser monstruoso de outra dimensatildeo tema tambeacutem recorrente em produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Alien (Alien o oitavo passageiro 1979) e sua continuaccedilatildeo Aliens (Aliens o resgate 1986) Predator (O Predador 1987) Th e Th ing (O enigma de outro mundo 1982) Outra intertextualidade temaacutetica eacute a que se refere a mundos paralelos ou sobrenaturais evocando fi lmes como Altered States (Viagens alucinantes 1980) Evil Dead (Uma noite alucinante a morte do democircnio 1981) e Evil Dead II (Uma noite alucinante II 1987) Nightmare on Elm Street (A hora do pesadelo 1984) e suas continuaccedilotildees sendo trecircs lanccediladas na deacutecada de 1980 e mais uma vez Poltergeist (1982) e suas duas continuaccedilotildees lanccediladas em 1986 e 1988

Corroborando a intertextualidade temaacutetica haacute tambeacutem uma relaccedilatildeo estiliacutestica de Stranger Th ings com produccedilotildees dos anos 1980 Conforme Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 19) ldquoa intertextualidade estiliacutestica ocorre por exemplo quando o produtor do texto com objetivos variados repete imita parodia certos estilosrdquo A cinematografi a da seacuterie Stranger Th ings com seus enquadramentos movimentos de cacircmera iluminaccedilotildees e tons cromaacuteticos repete a qualidade visual de algumas das produccedilotildees jaacute citadas como ET Explorers Th e Goonies e Alien mas tambeacutem especialmente nas cenas ambientadas no coleacutegio (onde as crianccedilas

- 84 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

estudam) ou nas que se enquadram no nuacutecleo adolescente na seacuterie Nessas cenas a luz e as cores de comeacutedias juvenis como Th e Breakfast Club (Clube dos cinco 1985) Sixteen Candles (Gatinhas e gatotildees 1984) Ferris Buellers Day Off (Curtindo a vida adoidado 1986) Weird Science (Mulher nota 1000 1985) e Pretty in Pink (Garota de rosa-shocking 1986) (Fig 1)

Figura 1 Cena do ambiente escolar de Stranger Th ings (topo) comparada agrave cinematografi a de fi lmes adolescentes dos anos 1980

como Ferris Buellers Day Off e Th e Breakfast Club

- 85 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fonte NETFLIX

Eacute possiacutevel tambeacutem identifi car uma intertextualidade estiliacutestica no acircmbito sonoro e graacutefi co-visual da seacuterie No primeiro nos referimos agrave trilha sonora executada com sintetizadores muito populares em arranjos de temas musicais da deacutecada de 1980 especialmente em produccedilotildees cinematograacutefi cas de suspense e terror A trilha musical de Stranger Th ings evoca a sonoridade e os acordes de composiccedilotildees de muacutesicos como John Carpenter Harry Manfredini Joe Renzetti Charles Bernstein Giorgio Moroder e Harold Faltermeyer responsaacuteveis pelas trilhas sonoras de fi lmes como Th e Fog (A bruma assassina 1980) Halloween (1981) Christine (1983) Th ey Live (Eles vivem 1988) Friday the 13th (Sexta-Feira 13 1980) Poltergeist III (1988) Childrsquos Play (Brinquedo Assassino 1988) Nightmare on Elm Street Flashdance (1983) Neverending Story (A histoacuteria sem fi m 1984) Beverly Hills Cop (Um tira da pesada 1984) e Top Gun (Ases indomaacuteveis 1986)

No acircmbito graacutefi co-visual temos na abertura de Stranger Th ings (Fig 2) uma alusatildeo agraves composiccedilotildees e estilos tipograacutefi cos empregados nas capas de livros do autor Stephen King lanccedilados na mesma eacutepoca (Fig 3) King foi um autor de grande popularidade

- 86 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na deacutecada de 1980 e uma parte signifi cativa dos fi lmes com os quais Stranger Th ings mantem uma relaccedilatildeo de intertextualidade (Th e Dead Zone Firestarter Stand by Me para citar alguns) foram baseados em suas obras O logotipo de Stranger Th ings (que aparece na abertura da seacuterie) eacute apresentado em caixa alta centralizado em duas linhas com os caracteres iniciais e fi nais da primeira palavra maiores que os demais aludindo ao design do nome de Stephen King nas capas de seus livros

Figura 2 Cena da abertura de Stranger Th ings com o logotipo da webseacuterie

Fonte NETFLIX

- 87 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 3 Capa da obra Misery de Stephen King

Fonte httpsenwikipediaorgwikiMisery_(novel) Acesso em 18 de julho de 2018

Em Stranger Th ings a intertextualidade estiliacutestica conecta-se a um outro tipo de intertextualidade a impliacutecita Segue abaixo a defi niccedilatildeo de Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 30)

Tem-se a intertextualidade impliacutecita quando se introduz no proacuteprio texto intertexto alheio sem qualquer menccedilatildeo expliacutecita da fonte com o objetivo quer de seguir-lhe a orientaccedilatildeo argumentativa quer de contraditaacute-lo colocaacute-lo em questatildeo de ridicularizaacute-lo ou argumentar em sentido contraacuterio

Encontramos em Stranger Th ings uma intertextualidade impliacutecita do primeiro caso parafraacutestica sendo aquilo que SantrsquoAnna (1985) denomina ldquointertextualidade das semelhanccedilasrdquo e Greacutesillon

- 88 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e Maingueneau (1984 apud KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M 2008 p30) chamam de ldquocaptaccedilatildeordquo Na webseacuterie encontramos citaccedilotildees natildeo explicitadas de sequecircncias de muitos fi lmes jaacute citados aqui como ET Stand by me (Fig 4) Altered States Alien Explorers e Nightmare on Elm Street e de fi lmes ainda natildeo citados como Birdy (Asas da liberdade 1984) e Commando (Comando para matar 1985)

Figura 4 Comparaccedilotildees entre Stand by me de 1986 (lado esquer-do) e Stranger Th ings (lado direito)

Fonte httpsipinimgcomoriginals8e057f8e057fea4381769eeb37053026653065jpg Acesso em 18 jul 2018

- 89 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 5 Comparaccedilotildees entre Altered States de 1980 (topo) e Stranger Th ings

Fonte httpswwwimdbcomtitlett0080360 Acesso em 18 jul 2018

Tambeacutem chama atenccedilatildeo mais uma vez a abertura da seacuterie (Fig 6) cujo movimento das letras remete agrave abertura do fi lme Dead Zone (Fig 7)

- 90 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 6 Cenas da sequecircncia de abertura de Stranger Th ings

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlestranger-things Acesso em 18 jul 2018

Figura 7 Cenas da sequecircncia de abertura do fi lme Dead Zone (1983)

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlethe-dead-zone Acesso em 18 jul 2018

Percebe-se que os produtores de Stranger Th ings lanccedilam matildeo dessas ldquoparaacutefrasesrdquo argumentativamente recriando cenas memoraacuteveis criando no auditoacuterio-espectador uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu criando assim uma sensaccedilatildeo de familiaridade e facilitando

- 91 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

a adesatildeo do seu auditoacuterio-espectador Por outro lado eles reaproveitam soluccedilotildees visuais jaacute testadas sobre como apresentar uma situaccedilatildeo ou um personagem reforccedilando o uso da intertextualidade como uma forma de seguir a orientaccedilatildeo argumentativa de claacutessicos e sucessos do entretenimento audiovisual (no caso aplicado em uma instacircncia narrativa) que incluem fi lmes notoriamente benquistos como ET Th e Goonies Poltergeist e Alien os principais textos-fontes de Stranger Th ings O meacuterito da seacuterie estaacute em conseguir realizar um mosaico de intertextos sem perder sua coesatildeo narrativa

O que chama a atenccedilatildeo eacute o fato de Stranger Th ings natildeo depender do reconhecimento do intertexto pelo espectador algo diferente do que ocorre em fi lmes-paroacutedia por exemplo nos quais o humor soacute se estabelece totalmente se ocorrer a ativaccedilatildeo do texto-fonte na memoacuteria discursiva do espectador A natildeo recuperaccedilatildeo do intertexto em Stranger Th ings natildeo compromete o processo de construccedilatildeo de sentido Isso se explica pela proximidade da seacuterie com seus textos-fontes num ponto que quase se confi gura um plaacutegio sendo mesmo uma ldquocaptaccedilatildeordquo que no entanto exime os oradores do plagiato por natildeo haver uma intenccedilatildeo de camufl ar ou apagar as fontes do intertexto Nesse sentido eacute que podemos dizer que a intertextualidade foi aqui empregada retoricamente pois funciona tanto como um recurso para a construccedilatildeo de uma narrativa de apelo e faacutecil adesatildeo (valendo-se de foacutermulas jaacute testadas e sabidamente agradaacuteveis aos espectadores) como tambeacutem um recurso que desperte a curiosidade sirva como argumento promocional e possibilite a participaccedilatildeo ativa do espectador no processo de recuperaccedilatildeo dos intertextos ndash algo que se manifestou nas inuacutemeras postagens nas redes sociais nas quais os espectadores da seacuterie revelavam suas descobertas

Em Stranger Th ings a referecircncia ao universo audiovisual dos anos 1980 eacute tambeacutem feita claramente mencionando esses textos Temos aiacute portanto uma intertextualidade expliacutecita que eacute aquela

- 92 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que ocorre quando no proacuteprio texto eacute mencionada a fonte do intertexto Na seacuterie vemos isso ocorrendo tanto no niacutevel verbal como visual No verbal temos como exemplo quando no primeiro episoacutedio a matildee de Will o convida para ir ao cinema assistir Poltergeist Tambeacutem ocorre quando um dos personagens chama a namorada para assistir ao fi lme All the Right Moves (A chance 1983) estrelado por Tom Cruise No campo visual vemos uma intertextualidade expliacutecita nos programas de TV que satildeo vistos pelos personagens como o desenho animado He-Man (Fig 8) e a seacuterie Night Rider (A super maacutequina) como tambeacutem nos pocircsteres de fi lmes que decoram as casas dos garotos notadamente dos fi lmes Th e Th ing e Evil Dead (Fig 9) A presenccedila da intertextualidade expliacutecita comprova a natildeo tentativa de camufl ar a intertextualidade impliacutecita eximindo os produtoresdiretores da acusaccedilatildeo de plaacutegio No caso de Stranger Th ings a intertextualidade impliacutecita se manifesta como homenagem aos fi lmes dos anos 1980 Ainda cabe inferir que a intertextualidade expliacutecita se apresenta principalmente como um recurso argumentativo para contextualizar um periacuteodo dar credibilidade para a reconstituiccedilatildeo da eacutepoca em que se passa a narrativa Tanto que podemos dizer que essa referecircncia expliacutecita natildeo soacute eacute comum como tambeacutem necessaacuteria em fi lmes de eacutepoca ou mesmo contemporacircneos para um bom estabelecimento do tempo e do espaccedilo em que se desenvolve a trama ou seja para uma signifi cativa e convincente construccedilatildeo da diegese

- 93 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 8 He-Man visto na TV em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Figura 9 Cartaz do fi lme Evil Dead em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Sendo a referecircncia aos textos visuais e audiovisuais dos anos 1980 a identidade de Stranger Th ings eacute interessante verifi car como esse recurso argumentativo tambeacutem se estendeu para o seu material promocional (cartazes e trailersteasers) Para o design do cartaz da seacuterie o artista Kyle Lambert seguiu o estilo dos trabalhos de Drew Struzan famoso pelos cartazes que fez para fi lmes como Th e Goonies Indiana Jones and the Temple of Doom (Indiana Jones e o Templo da Perdiccedilatildeo 1984) Back to the Future (De volta para

- 94 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o futuro 1985) Dreamscape (A morte nos sonhos 1984) e Big Trouble in Little China (Aventureiros do bairro proibido 1986) Nesse caso o cartaz de Stranger Th ings tem uma intertextualidade estiliacutestica com os cartazes cinematograacutefi cos dos anos 1980 (Fig 10)

Figura 10 Cartaz de Kyle Lambert para Stranger Th ings e cartaz de Drew Struzan para Back to the Future II

Fonte httpwwwimpawardscom Acesso em 18 jul 2018

Cabe destacar tambeacutem o viacutedeo lanccedilado para promover a seacuterie entre os espectadores brasileiros que contou com a presenccedila da apresentadora Xuxa reproduzindo um quadro do seu extinto programa na Rede Globo de Televisatildeo o Xou da Xuxa tambeacutem surgido nos anos 1980 (Fig 11) Nessa intertextualidade expliacutecita

- 95 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

confi gurada aqui como um pastiche1 a apresentadora recebe uma carta da matildee do garoto Will Byers solicitando ajuda para encontrar seu fi lho desaparecido Xuxa faz uma imitaccedilatildeo de si proacutepria inclusive fazendo referecircncias aos boatos e ldquolendasrdquo que lhe eram associados na eacutepoca do seu programa como o fato de ter feito um pacto com forccedilas ocultas que resultaram em bonecas possuiacutedas que atacavam crianccedilas e discos que revelavam mensagens sinistras quando tocados ao contraacuterio Nesse viacutedeo promocional divulgado no Facebook e no YouTube o humor foi empregado como um recurso argumentativo para despertar o interesse do auditoacuterio

Figura 11 Cena do viacutedeo promocional para Stranger Th ings com a apresentadora Xuxa

Fonte httpswwwyoutubecomwatchv=2t-AIbErqts Acesso em 30 jul 2018

Segundo Aristoacuteteles (2012 p 13) ldquopersuade-se pela disposiccedilatildeo dos ouvintes quando estes satildeo levados a sentir emoccedilatildeo por meio do discursordquo E quando temos uma argumentaccedilatildeo que se fundamenta no estado emocional do auditoacuterio temos

1 ldquoO pastiche se caracteriza pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor ou de traccedilos de sua autoria () caracteriza-se pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor de um fi lme enfi m mas com fi nalidade satiacuterica ()rdquo (CAVALCANTE 2013 p 165-166) No caso em anaacutelise ndash um viacutedeo promocional de Stranger Things ndash eacute feita uma imitaccedilatildeo do quadro do programa Xou da Xuxa (ainda que com a proacutepria apresentadora) com fi ns satiacutericos

- 96 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma argumentaccedilatildeo fundada no pathos As paixotildees despertadas infl uenciam psicologicamente o auditoacuterio e por conseguinte afetam tambeacutem seus julgamentos Nesse sentido Stranger Th ings eacute um discurso que tenta provocar no auditoacuterio-espectador uma disposiccedilatildeo emocional adequada agrave recepccedilatildeo da tese que propotildee ser aceita a saber criar um entretenimento que natildeo soacute desperte o interesse mas que tambeacutem promova uma adesatildeo emocional e afetiva

Figura 12 As crianccedilas de Stranger Th ings (topo) e ET e Th e Goonies

Fonte httpswwwimdbcom Acesso em 18 jul 2018

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 97 -

Pode-se inferir que as intertextualidades presentes em Stranger Th ings contribuem retoricamente para o sucesso da seacuterie por despertar no auditoacuterio paixotildees eufoacutericas com as da amizade e da confi anccedila Da amizade porque as situaccedilotildees narrativas apresentadas bem como os personagens (em suas intertextualidades temaacuteticas estiliacutesticas e impliacutecitas) contribuem para criar no auditoacuterio uma relaccedilatildeo de proximidade uma familiaridade uma empatia imediata2 Os garotos da seacuterie se apresentam como personagens que jaacute conhecemos com os quais jaacute temos amizade e por quem sentimos carinho Eles tecircm o DNA dos amados personagens de ET Goonies e Poltergeist (Fig 12) Da paixatildeo da amizade decorre a paixatildeo da confi anccedila Sobre a paixatildeo da confi anccedila Aristoacuteteles afi rma

A confi anccedila eacute o contraacuterio do medo e o que inspira confi anccedila eacute o contraacuterio do que inspira medo de modo que a esperanccedila eacute acompanhada pela representaccedilatildeo de que as coisas que estatildeo proacuteximas podem salvar-nos ao passo que as que causam temor natildeo existem ou estatildeo longe (ARISTOacuteTELES 2012 p 103)

Em Stranger Th ings a amizade despertada pela familiaridade afasta o receio de ldquoperder tempordquo e gera a confi anccedila de que a seacuterie seraacute boa de que vale a pena assisti-la

Por fi m cabe dizer que em termos argumentativos a intertextualidade presente em Stranger Th ings funciona como uma fi gura de comunhatildeo Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 201) ldquoas fi guras de comunhatildeo satildeo aquelas em que mediante procedimentos literaacuterios o orador empenha-se em criar ou confi rmar a comunhatildeo com o auditoacuteriordquo Os autores complementam ldquoAmiuacutede essa comunhatildeo eacute obtida mercecirc de referecircncias a uma cultura a uma tradiccedilatildeo a um passado comunsrdquo

2 ldquoA camaradagem a familiaridade o parentesco e outras relaccedilotildees semelhantes satildeo espeacutecies de amizaderdquo (ARISTOacuteTELES 2012 P 98)

- 98 -

Tendo como auditoacuterio aqueles que detecircm a cultura do cinema de entretenimento norte-americano os oradores de Stranger Th ings buscaram comungar com ele (esse auditoacuterio) por meio do resgate de uma memoacuteria afetiva (ligada agrave infacircncia e agrave adolescecircncia)

REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel dos Nascimento Pena Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

CAVALCANTE M M Os sentidos do texto Satildeo Paulo Contexto 2013

KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M Intertextualidade diaacutelogos possiacuteveis 2 ed Satildeo Paulo Cortez 2008

NETFLIX Stranger Th ings Disponiacutevel em httpswwwnetfl ixcombr Acesso em 12 jul 2018

PERELMAN C OLBRECHTS-TYTECA L Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo Maria Ermentina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 2005

SANTrsquoANNA A R Paroacutedia paraacutef rase e cia Satildeo Paulo Aacutetica 1985

- 99 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Gerardo Ramiacuterez Vidal

En relacioacuten con la hypoacutekrisis que en latiacuten se traduce como actio y pronuntiatio se conocen con mucha claridad las fuentes antiguas la enorme importancia que tuvo esa praacutectica y los diversos elementos que se tomaban en cuenta ya sea en su estudio como en su praacutectica De manera paradoacutejica un anaacutelisis semaacutentico maacutes puntual de esa palabra griega muestra que su aplicacioacuten a la ejecucioacuten retoacuterica no fue apropiada pues se limitaba a algunos elementos prosoacutedicos pero no al gesto a los ademanes y al movimiento del cuerpo De cualquier modo en la Grecia antigua puede individualizarse un arte general de la pronunciacioacuten llamada hypokritikē o hipocriacutetica que Aristoacuteteles habiacutea previsto pero no alcanzoacute a desarrollarse De tal manera en las paacuteginas siguientes muestro primero la importancia de este elemento en la praacutectica oratoria luego su insufi ciencia en el caso de la ejecucioacuten retoacuterica y por uacuteltimo los fundamentos y elementos de esa disciplina general llamada hypocriacutetica

EL TEacuteRMINO HYPOacuteKRISIS EN LAS FUENTES ANTI-GUAS

En cuanto a las fuentes antiguas brevemente diremos que Aristoacuteteles fue el primero en considerar la hypoacutekrisis como una parte u ofi cio de la retoacuterica hizo algunas observaciones puntuales acerca de este asunto1 y sentildealoacute que tambieacuten es competencia de otras

1 Cf sobre todo Arist Rh III 1403b18-1404a19 pasaje sobre el cual volveremos

LA HIPOCRIacuteTICA O ARTE DE LA EXPRESIOacuteN ORAL

EN LA RETOacuteRICA GRIEGA CLAacuteSICA

- 100 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

artes la tragedia la poeacutetica y la rapsoacutedica Su disciacutepulo Teofrasto dedicoacute a ese tema un tratado especial el Περὶ ὑποκρίσεως en un libro seguacuten la lista de Dioacutegenes Laercio aunque soacutelo se conserva el tiacutetulo y dos referencias Sobre el caraacutecter y contenido de esta obra es difiacutecil pronunciarse2 En la segunda mitad del siglo II a C Hermaacutegoras de Temnos la consideroacute como una parte de la retoacuterica y es probable que de eacutel provenga el origen del desarrollo latino de este ofi cio del orador3 Filodemo abordoacute aspectos importantes pero de manera aislada4 Ya en eacutepoca imperial Casio Longino resume el asunto brevemente5 y algunos otros autores griegos transmiten los conocimientos mencionados6 Sin embargo fueron los latinos quienes expusieron de manera maacutes amplia y sistemaacutetica la actio y pronuntiatio en particular Quintiliano quien dedica a este asunto el amplio capiacutetulo 3 del libro XI7

2 En Vitae Philosophorum 54812 Dioacutegenes Laercio registra el tiacutetulo Περὶ ὑποκρίσεως entre las 225 obras de Teofrasto incluida entre los 24 tratados de retoacuterica Esta obra es independiente del Arte retoacuterica que aparece en la lista dos obras antes y que a su vez podriacutea abordar la hypoacutekrisis De la obra sobre la actuacioacuten se conservan dos referencias frr 712 y 713 (Fortenbaugh 1992 vol II) La primera proviene de Atanasio (Prol In Herm De statibus en RhGr xiv 1773-8 Rabe) se puede suponer que su contenido podriacutea contener (a) la valoracioacuten de la hypoacutekrisis como el instrumento maacutes importante del orador (b) las pasiones del alma y el anaacutelisis de ellas asiacute como sus fundamentos y (c) conjuncioacuten del movimiento del cuerpo y del tono de la voz (τὴν κίνησιν τοῦ σώματος καὶ τὸν τόνον τῆς φωνῆς) en el entero conocimiento de ese ofi cio del orador (cf Vallozza 2000 273-274) se hace una referencia clara al orador y no al actor La segunda se encuentra en Ciceroacuten (De or iii 221) donde el autor se refi ere en especial a la importancia del sentido de la vista en la accioacuten oratoria Sin embargo el caraacutecter retoacuterico y el contenido de la obra teofrastea son soacutelo hipoteacuteticos lo uacutenico seguro es la referencia de Ciceroacuten (De or III 221) de que un tal Taurisco (seguacuten Teofrasto) sentildealaba que el orador que ejecuta su discurso con los ojos fi jos se asemeja a un actor que recita estando de espaldas al puacuteblico3 Seguacuten Matthes la hypoacutekrisis seriacutea la cuarta y uacuteltima parte de la retoacuterica despueacutes de la heacuteuresis la oikonomiacutea y la mnēmē (Hermag 1962 p vi)4 Philod Rh I 1963 ss Sudh (sobre la hypoacutekrisis como parte de la retoacuterica) I 20116 ss Sudh (sobre la adecuacioacuten de la hypoacutekrisis a los diferentes tipos de personas)5 Cassius Longinus Ars rhetorica 1 p 566-567 Walz (tambieacuten en L Spengel (ed) Rhetores Graeci vol 1 Leipzig Teubner 1853 pp 310-312)6 Cf Theo Progymn 1 p 66 Walz con escolio (Walz I p 257) el anoacutenimo Prolegomena de la retoacuterica 6 pp 35-36 Walz7 Cf Frachet 2011-2012 y un esbozo reciente en Hilder 2018

- 101 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

La importancia de la hypoacutekrisis o actio-pronuntiatio fue un toacutepico recurrente en la retoacuterica antigua El testimonio de Aristoacuteteles es fundamental Al hablar de las partes de la retoacuterica al comienzo del libro III de su Retoacuterica afi rma que en primer lugar son los asuntos en segundo el estilo y en tercero ldquoaquello que tiene el mayor poder de persuasioacuten los elementos de la hypoacutekrisis8 La idea del enorme poder de la actuacioacuten se presenta auacuten con mayor evidencia en la aneacutecdota sobre Demoacutestenes quien consideraba que la retoacuterica se reduciacutea a esa parte9 y en Ciceroacuten quien afi rma que la elocuencia no es nada sin la actio y que eacutesta en cambio sin ella es una gran cosa pues su poder discursivo es muy grande10 En fi n Quintiliano (Inst or XI 34-8) presenta algunos ejemplos notables de la importancia de esta parte de la retoacuterica y expresa que la pronuntiatio tiene en siacute misma una efi cacia y un poder extraordinarios en la oratoria11 y que un mal discurso confi ado a la fuerza de la actuacioacuten tiene maacutes efi cacia que un buen

8 Arist Rh 1403b20-22 Τρίτον δὲ τούτων ὃ δύναμιν μὲν ἔχει μεγίστην οὔπω δ ἐπικεχείρηται τὰ περὶ τὴν ὑπόκρισιν9 El autor anoacutenimo de la Vida de Demoacutestenes cuenta una historia muy conocida en la Antiguumledad (cf Plu Dem 7 Cic Or 56 y De or III 213 Quint Inst or XI 36) descorazonado Demoacutestenes por su fracaso en una asamblea el actor Androacutenico le dijo que sus palabras estaban bien pero que le faltaba lo relativo a la ὑπόκρισις ([Plu] Mor 845a7-8 ὁ ὑποκριτὴς Ἀνδρόνικος εἰπὼν ὡς οἱ μὲν λόγοι καλῶς ἔχοιεν λείποι δ αὐτῷ τὰ τῆς ὑποκρίσεως) Para mostrar lo anterior el actor repitioacute el discurso pronunciado por el orador en la asamblea y al notar la diferencia Demoacutestenes siguioacute las lecciones de Androacutenico Ya reconocido como gran orador poliacutetico cuando alguien le preguntaba queacute era lo primero en la retoacuterica respondiacutea que la pronunciacioacuten queacute lo segundo la pronunciacioacuten y queacute lo tercero la pronunciacioacuten ([Plut] Mor 845b3-5 ὅθεν ἐρομένου αὐτόν ltτινοςgt τί πρῶτον ἐν ῥητορικῇ εἶπεν lsquoὑπόκρισιςrsquomiddot καὶ τί δεύτερον lsquoὑπόκρισιςrsquomiddotκαὶ τί τρίτον lsquoὑπόκρισιςrsquo)10 Cf Cic Or 56 si enim eloquentia nulla sine hac haec autem sine eloquentia tanta est certe plurimum in dicendo potest Cf tambieacuten Cic De or 213 Rh Her III 19 Pronuntiationem multi maxime utilem oratori dixerunt esse et ad persuadendum plurimum ualere 11 Cf Quint Inst or XI 32 habet autem res ipsa miram quandam in orationibus vim ac potestatem

- 102 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

discurso privada de ella12 En consecuencia podemos observar que la hypoacutekrisis actio o pronuntiatio fue considerada en la Antiguumledad claacutesica como el elemento maacutes importante de la retoacuterica o por lo menos como el punto culminante del discurso

IMPRECISIONES DEL TEacuteRMINO

Sin embargo el asunto es maacutes complejo de lo que parece sobre todo por las siguientes razones primero la hypoacutekrisis no es un teacutermino adecuado para la ejecucioacuten oratoria segundo la nocioacuten teniacutea una connotacioacuten negativa como elemento de la oratoria tercero esa palabra indica en su origen soacutelo una parte de lo que hoy entendemos por ejecucioacuten discursiva Sobre estos tres puntos me detendreacute brevemente

En primer lugar la terminologiacutea empleada en el aacutembito retoacuterico es imprecisa para el estudioso moderno En griego el teacutermino hypoacutekrisis13 se refi ere a una forma de hablar imitando 12 Cf Quint Inst or XI 35 Equidem vel mediocrem orationem commendatam viribus actionis adfi rmarim plus habituram esse momenti Quam optimam eadem illa destitutam 13 El sustantivo de accioacuten ὑπόκρισις y el sustantivo agente ὺποκριτής provienen del verbo en voz media ὑποκρίνομαι que podiacutea tener tres signifi cados (1) lsquoresponderrsquo verbalmente a o pronunciarse sobre alguna situacioacuten o asunto sin necesidad de que existiera una pregunta (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix notas 10 y 17) por ejemplo lsquointerpretarrsquo los suentildeos sentido que ya aparece en el verbo simple (cf el teacutermino onirokriacutetica aunque es de eacutepoca posterior) a partir del sentido originario lsquosepararrsquo o lsquo escogerrsquo y de ahiacute lsquodecidirrsquo lsquojuzgarrsquo (2) De manera especiacutefi ca lsquoresponder a una preguntarsquo (cf LSJ sv ὑποκρίνω) siendo en este caso equivalente en aacutetico a ἀποκρίνομαι (cf Gonzaacutelez 2013 notas 9 y 12 del Appendix) Designa la accioacuten de lsquoresponderrsquo por parte del inteacuterprete en los oraacuteculos y de ahiacute se pasa al sentido comuacuten de lsquoresponderrsquo (3) En aacutetico signifi ca lsquorecitarrsquo lsquodeclamarrsquo lsquotomar el papel de alguien en la escenarsquo o lsquosimularrsquo lsquofi ngirrsquo como veremos maacutes adelante Es en este tercer sentido que podriacutea haberse utilizado el sustantivo agente hypokritēs que ya existiacutea en el siglo VI antes de ser aplicado al actor traacutegico con los sentidos de lsquoejecutantersquo o lsquointeacuterpretersquo (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix nota 4) La idea de que el teacutermino hypokritēs se empleaba en el sentido de apokritēs (aacutetico) como el personaje que responde al coro resulta poco apropiada (emplear un teacutermino no aacutetico en una praacutectica aacutetica cuando existiacutea otro teacutermino apropiado para ello)

- 103 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o fi ngiendo ser una persona o como la defi ne el reacutetor Casio Longino ldquouna imitacioacuten de actitudes y pasionesrdquo siendo eacutesta una imitacioacuten expresiva que reproduce los supuestos modos de hablar de alguien14 Eso es lo que hacen los actores en el teatro claacutesico al hablar imitan actitudes y emociones fi ngen las caracteriacutesticas prosoacutedicas de un determinado personaje

Aristoacuteteles y maestros posteriores designaron con ese teacutermino teatral el ofi cio del orador relativo a la exposicioacuten discursiva aunque no era adecuado para designar la praacutectica de la ejecucioacuten oratoria pues mientras el fi ngir o imitar es algo apropiado y necesario en la obra dramaacutetica mdash que trata de fi cciones para divertir al puacuteblico y no de cuestiones de la vida ordinaria mdash es algo condenable en la oratoria que trata sobre asuntos reales sobre problemas sociales y poliacuteticos o sobre cuestiones judiciales La ejecucioacuten oratoria es muy diferente de la dramaacutetica simplemente porque aqueacutella no tiene como fi nalidad imitar actitudes y pasiones para purifi car el alma del oyente sino expresar con mayor claridad los argumentos adecuaacutendolos a los humores del auditorio y buscando modifi car o reforzar sus decisiones15 Quintiliano sentildealaba con eacutenfasis sobre el caraacutecter moderado de la actuacioacuten oratoria (Inst or XI 3183-

14 C Long Rh 56713 Ὑπόκρισίς ἐστι μίμησις τῶν κατ ἀλήθειαν ἑκάστῳ παρισταμένων ἠθῶν καὶ παθῶν καὶ διάθεσις σώματός τε καὶ τόνου φωνῆς πρόσφορος τοῖς ὑποκειμένοις πράγμασι ldquoLa hypoacutekrisis es una imitacioacuten de las actitudes y pasiones presentadas en cada caso de acuerdo con la verdad y una disposicioacuten tanto del cuerpo como de la entonacioacuten de la voz uacutetil para los asuntos de que se tratardquo15 En el aacutembito de la oratoria aacutetica el verbo ὑποκρίνομαι aparece soacutelo en Demoacutestenes con la connotacioacuten negativa de lsquoactuarrsquo como en 185 donde el escolio lo interpreta con el signifi cado de lsquohacer falsas acusacionesrsquo Cf escolio a Dem 18153 en Scholia Demosthenica Ed MR Dilts Leipzig Teubner vol 1 1983 ad loc (apud TLG) ὑποκρίνεται] ἀντὶ τοῦ ψευδῶς κατηγορεῖ ὑπόκρισις γάρ ἐστιν ἡ προσποίησις ἡ ἐκτὸς οὖσα τῆς ἀληθείας ldquoHypoacutekrisis] en vez de hacer acusaciones falsas En efecto hypoacutekrisis es la reclamacioacuten de que estaacute fuera de la verdadrdquo

- 104 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

184) Desgraciadamente los estudios modernos han resaltado sobre todo las semejanzas entre el teatro y la oratoria pero no las enormes diferencias que los apartan y los distinguen16

Los romanos por su parte al tener que traducir el teacutermino griego no encontraron una palabra correspondiente y recurrieron a dos teacuterminos que refl ejan ese ofi cium mejor que la palabra griega actio y pronuntiatio la primera referida al movimiento la segunda a la voz Quintiliano prefi ere utilizar esta uacuteltima (Inst or XI 34 etc) La actio puede entenderse como teacutermino juriacutedico (de agere) relacionada en este caso con la accioacuten judicial aunque se piensa maacutes bien que indica la forma en que se ejecuta o debe ejecutarse el discurso durante el proceso La actio en este sentido requiere de voz gesto movimiento y todo lo que el actor necesite para la emisioacuten exitosa del discurso forense No se trata del actor dramaacutetico De tal manera la terminologiacutea latina en este caso parece ser maacutes adecuada que la griega En espantildeol los dos teacuterminos latinos se han vertido como lsquoactuacioacutenrsquo y lsquopronunciacioacutenrsquo y en ingleacutes se prefi ere lsquoperformancersquo o lsquodeliveryrsquo

En segundo lugar en cuanto a las connotaciones negativas de hypoacutekrisis ya se ha hecho un sentildealamiento en relacioacuten con Demoacutestenes (cf nota 15) iquestPor queacute Aristoacuteteles prefi rioacute emplear el teacutermino teatral y no alguacuten otro como hermēneacuteia o diaacutethesis Parece contradictorio decir primero que la hypoacutekrisis tiene el mayor poder de persuasioacuten y quince liacuteneas despueacutes que se trata de ldquoun asunto vulgarrdquo17 o media paacutegina maacutes adelante afi rmar que la lexis y en consecuencia tambieacuten la hypoacutekrisis es una phantasiacutea18 Pero

16 Cf al respecto Fantham 2003 263 Frachet 2011-2012 126 afi rma ldquoSi de prime abord la fi gure de lrsquoacteur et celle de lrsquoorateur semblent se ressembler elles sont sensiblement diffeacuterentes Lrsquoacteur joue un rocircle doit srsquoapproprier un personnage quand lrsquoorateur joue son propre personnage et met sa persona en jeurdquo 17 Arist Rh 1403b35 δοκεῖ φορτικὸν εἶναι18 Arist Rh 1404a11 ἅπαντα φαντασία ταῦτ ἐστί

- 105 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

si se observa en su contexto podraacute decirse que ambas afi rmaciones son enteramente coherentes la hypoacutekrisis asiacute como la lexis19 son recursos de enorme poder de persuasioacuten como observa el fi loacutesofo que sucediacutea en la actividad discursiva en la vida poliacutetica de Atenas Sin embargo desde el punto de vista fi losoacutefi co considera que ambas praacutecticas son mecanismos vulgares u ordinarios porque su funcioacuten es mover las pasiones no mostrar la verdad Asimismo sentildeala que la lexis asiacute como tambieacuten la hypoacutekrisis son phantasiacuteai aunque no en el sentido de lsquopura ilusioacutenrsquo o lsquoaparienciarsquo sino en el puramente retoacuterico de representaciones que el orador produce en el destinatario afectando directamente las pasiones de eacuteste con el propoacutesito de persuadirlo20 De esta manera al emplear ese teacutermino teatral Aristoacuteteles resaltaba los aspectos negativos de la accioacuten oratoria es decir que el arte de fi ngir propio de un actor en el escenario se colocaba en un plano superior a las partes dignas de la oratoria como la demostracioacuten o el orden

Aquiacute podraacute observarse que en el aacutembito de la retoacuterica de la eacutepoca claacutesica el teacutermino es empleado soacutelo por Aristoacuteteles Los oradores no recurren a la palabra hypoacutekrisis (Demoacutestenes la emplea pocas veces) y tampoco los maestros de oratoria Por ejemplo Isoacutecrates y Alcidamante ambos maestros del discurso no utilizan ese teacutermino sino otros como rhētoreacuteia y hermēneacuteia El autor de la Retoacuterica a Alejandro no menciona el teacutermino Por si fuera poco el concepto tuvo escasa importancia en los autores griegos desde el punto de vista teoacuterico como una parte de la retoacuterica Walz registra soacutelo cuatro veces esa palabra en el iacutendice de los nueve voluacutemenes de su Rhetores graeci y un nuacutemero igual se encuentra en Spengel21

19 Cf Gonzaacutelez 2013 sect133 ldquoφορτικόν applies not only to ὑπόκρισις but to λέξις as a wholerdquo20 Cf Gonzaacutelez 2013 sect13621 Afi rma Edwards 2013 p 15 ldquothe surviving theoretical material is

- 106 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tampoco se elaboroacute una teoriacutea al respecto en el campo del drama durante la eacutepoca claacutesica22 por lo menos antes de Teofrasto a cuyo tratado ya nos hemos referido Podraacute sentildealarse al respecto que Aristoacuteteles en las cuatro liacuteneas sobre la voz no expone una teoriacutea que tenga que ver con causas o principios defi niciones y clasifi caciones sino una serie de praacutecticas transmitidas en el aacutembito teatral volumen tono y rapidez de la voz Pero en el caso del fi loacutesofo las razones de esta falta de sistematizacioacuten en la teoriacutea dramaacutetica son de otra naturaleza En efecto al principio del III libro de su Retoacuterica Aristoacuteteles observa que la hypoacutekrisis es un don de la naturaleza poco susceptible de reducirse a reglas Por tener esta naturaleza la teacutecnica respectiva se habiacutea desarrollado tarde inclusive en la tragedia y en la recitacioacuten eacutepica Sentildeala que eso se debiacutea a que en un principio fueron los propios poetas quienes representaban las tragedias (Arist Rh 1403b23-24)

De cualquier modo en el aacutembito de la retoacuterica el estudio de la ejecucioacuten no se habiacutea desarrollado Dos siglos y medio despueacutes el autor anoacutenimo de la Retoacuterica a Herenio afi rmaba tambieacuten ldquopuesto que nadie ha tratado sobre este asunto de manera detenida []rdquo23 lo que indica que las cosas no habiacutean cambiado mucho

Fueron los romanos quienes subsanaron ese vaciacuteo con los amplios desarrollos a los que ya nos hemos referido En eacutepoca posterior el estudio de la actuacioacuten como parte de la retoacuterica fue perdiendo importancia y soacutelo ocasionalmente se incluyoacute en su ensentildeanza dentro de esa disciplina Navarre 1900 pasa en

preponderantly Romano-centric [hellip] Nothing in the Rhetorica ad Alexandrum and only a few unsatisfactory chapters in Aristotlersquos Rhetoric (313-10) as well as a few other brief pointers such as a reference to speakers shouting at Rhetoric 375 Hellenistic treatises are lostrdquo22 En un principio no habiacutea actores profesionales y eran los propios tragedioacutegrafos (o poetas) quienes las representaban soacutelo cuando surgieron los actores se empezaron a establecer reglas Debe entenderse que en su primera fase los conocimientos eran de caraacutecter praacutectico la formacioacuten de una doctrina empieza con los maestros de teatro cuando se prepara a los actores23 Rh Her III 19 quia nemo de ea re diligenter scripsit

- 107 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

completo silencio ese aspecto en su Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Volkman le dedica soacutelo ocho paacuteginas de un total de 580 Mortara Garavelli 2003 menos de una paacutegina de su extenso libro De manera paradoacutejica las refl exiones sobre el cuerpo en el campo de la fi losofiacutea y otras disciplinas la han convertido en un importante toacutepico de nuestra eacutepoca24

En tercer lugar ademaacutes de que la nocioacuten de hypoacutekrisis es poco adecuada para la ejecucioacuten retoacuterica y del desintereacutes en su sistematizacioacuten en la Grecia claacutesica habraacute que observar que la hypoacutekrisis en el drama griego se reduce a lo auditivo y deja fuera lo visual En el teatro en efecto se utilizan maacutescaras elemento dramaacutetico riacutegido sin vida de modo que todo lo referente a la expresioacuten del rostro resulta innecesario por ello podriacuteamos suponer que la importancia de los movimientos de las manos y del cuerpo tambieacuten se reduce Los elementos prosoacutedicos tienen el predominio25

El ejemplo de la hypoacutekrisis en Demoacutestenes muestra que ese teacutermino se referiacutea soacutelo a la voz Seguacuten cuenta Plutarco en la vida del orador eacuteste desilusionado por sus fracasos en la tribuna confesoacute al actor Saacutetiro que los marineros ignorantes agradaban maacutes al pueblo que eacutel a pesar de los enormes esfuerzos que habiacutea puesto en su formacioacuten oratoria Saacutetiro entonces le mostroacute cuaacutel era la razoacuten de sus fracasos Le pidioacute que dijera de memoria alguacuten pasaje de Euriacutepides o Soacutefocles Para lsquodecir de memoriarsquo Plutarco emplea

24 Cf Fogen 2009 p 16 y notas25 Salvo pocas excepciones los estudiosos ndash a mi juicio ndash no han logrado entender cabalmente el asunto Por ejemplo la expresioacuten δοκεῖ φορτικὸν εἶναι se refi ere a la lexis pero se ha pensado que se ha de vincular soacutelo a la hypoacutekrisis Asimismo al referirse a la lexis el fi loacutesofo afi rma que se desarrolloacute tarde (1403b23) pero los estudiosos piensan que se refi ere a la hypoacutekrisis Se refi ere a ambas Cf Arist Rh 1404a19ndash22 ἤρξαντο μὲν οὖν κινῆσαι τὸ πρῶτον ὥσπερ πέφυκεν οἱ ποιηταίmiddot τὰ γὰρ ὀνόματα μιμήματα ἐστίν ὑπῆρξε δὲ καὶ ἡ φωνὴ πάντων μιμητικώτατον τῶν μορίων ἡμῖν ldquoen efecto los poetas fueron los primeros en poner en movimiento lo anterior puesto que las palabras son susceptibles de imitacioacuten y la voz en particular es la maacutes imitable de todas las partes nuestrasrdquo expresioacuten que para Gonzaacutelez (2013 sect132) es ldquothe cause of much dismay for some scholarsrdquo

- 108 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la expresioacuten εἰπεῖν ἀπὸ στόματος Una vez hecho esto el actor retomoacute el mismo pasaje y lo moduloacute y recitoacute con un tono y modo adecuados26 Plutarco emplea πλάσαι καὶ διεξελθεῖν para indicar lsquomodular y recorrerrsquo el pasaje de la tragedia Utiliza tambieacuten ἦθος y διάθεσις

para lsquotonorsquo y lsquomodorsquo de la voz Demoacutestenes quedoacute convencido de que la hypoacutekrisis otorga al discurso orden y gracia y consideroacute que la ensentildeanza es poca cosa y nada vale si no se da importancia a la pronunciacioacuten y el modo de las palabras27 Para estas uacuteltimas expresiones el bioacutegrafo emplea los teacuterminos προφορά y διάθεσις Prosigue Plutarco narrando que luego de esa demostracioacuten Demoacutestenes se dedicoacute con ahiacutenco y durante muchos diacuteas a modelar su diccioacuten y trabajar su voz28 Como podemos observar las referencias son exclusivamente a la voz en cambio los gestos y los movimientos no intervienen en absoluto

Aristoacuteteles parece refl ejar esa situacioacuten al limitar la hypoacutekrisis a la voz intensidad tonos y rapidez o lentitud Dice en efecto

Eacutesta radica en la voz coacutemo debe eacutesta ser usada para expresar cada pasioacuten ya sea fuerte ya baja o ya mediana y coacutemo los tonos (de la voz) es decir agudo grave y medio o circunfl ejo y algunos ritmos para cada cual En efecto tres son los temas que se deben observar que son volumen armoniacutea y ritmo de la voz29

26 Plut Dem 74 μεταλαβόντα τὸν Σάτυρον οὕτω πλάσαι καὶ διεξελθεῖν ἐν ἤθει πρέποντι καὶ διαθέσει τὴν αὐτὴν ῥῆσιν ὥστ εὐθὺς ὅλως ἑτέραν τῷ Δημοσθένει φανῆναι27 Plut Dem 75 πεισθέντα δ ὅσον ἐκ τῆς ὑποκρίσεως τῷ λόγῳ κόσμου καὶ χάριτος πρόσεστι μικρὸν ἡγήσασθαι καὶ τὸ μηδὲν εἶναι τὴν ἄσκησιν ἀμελοῦντι τῆς προφορᾶς καὶ διαθέσεως τῶν λεγομένων 28 Plut Dem 76 πλάττειν τὴν ὑπόκρισιν καὶ διαπονεῖν τὴν φωνήν29 Arist Rh 1403b27-31 ἔστιν δὲ αὕτη μὲν ἐν τῇ φωνῇ πῶς αὐτῇ δεῖ χρῆσθαι πρὸς ἕκαστον πάθος οἷον πότε μεγάλῃ καὶ πότε μικρᾷ καὶ μέσῃ καὶ πῶς τοῖς τόνοις οἷον ὀξείᾳ καὶ βαρείᾳ καὶ μέσῃ καὶ ῥυθμοῖς τίσι πρὸς ἕκαστα τρία γάρ ἐστιν περὶ ἃ σκοποῦσινmiddot ταῦτα δ ἐστὶ μέγεθος ἁρμονία ῥυθμός El rhytmoacutes indica la pronunciacioacuten de miembros de la frase con efectos riacutetmicos evitando por ejemplo que sea entrecortado y agitado (cf [Long] De subl 41)

- 109 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De tal manera la lexis o estilo se refi ere a la articulacioacuten artiacutestica de sonidos y palabras y se combina con la hypoacutekrisis o elemento prosoacutedico del lenguaje30 en la elaboracioacuten concreta del material del discurso frente a la generacioacuten y organizacioacuten abstracta o mental de ese material objeto de la invencioacuten y la disposicioacuten31 Debido a ello no es extrantildeo que Aristoacuteteles aborde la hypoacutekrisis en combinacioacuten o correspondencia con el tratamiento de la lexis debido a que son procesos afi nes32 Esta labor concomitante crea una aparente irregularidad que ha provocado malos entendidos entre los estudiosos

EL CARAacuteCTER TRANSVERSAL DE LA HYPOacuteKRISIS

Luego de subrayar algunos aspectos de la hypoacutekrisis que reducen su materia a los elementos prosoacutedicos es necesario observar que ese elemento expresivo tiene un campo de accioacuten que rebasa ampliamente la praacutectica oratoria debido al caraacutecter transversal

30 Luego de estudiar de modo minucioso la relacioacuten entre lexis e hypoacutekrisis Gonzaacutelez 2013 concluye que ldquoIt is impossible therefore to divorce the philosopherrsquos notions of λέξις and ὑπόκρισιςrdquo Me cuesta trabajo sin embargo aceptar su hipoacutetesis de que los tres elementos a los que se refi ere Aristoacuteteles en Rh 1403b18-22 pisteis lexis e hypoacutekrisis deberiacutean reducirse a dos las pisteis y la lexis dividieacutendose este segundo elemento en dos partes la lexis propiamente dicha y la hypoacutekrisis (Gonzaacutelez 2013 sect132 con nota 17) A mi juicio son procesos diferentes estando la lexis orientada hacia la electio y compositio del material linguumliacutestico y la segunda reducida a los fenoacutemenos prosoacutedicos que no estaacuten en la lengua o sistema pues son ldquosuprasegmentalesrdquo (cf Figueiredo 2017) sino en el habla y referidos a las propiedades de la boca y demaacutes elementos fiacutesicos que producen volumen armoniacutea ritmo velocidad pausas y otros fenoacutemenos31 Cf las interesantes observaciones de Baldwin al respecto (1959 21-24)32 Cf Baldwin 1959 174 ldquothe visual values of representation were indeed realized in gesture and pose though less in scenery and spectacle they were realized as never perhaps since in group movements but the auditory values the sounding line the phrase harmony of the chant always enhanced representation by strong rhythmical suggestionrdquo siendo los valores auditivos los elementos originales de la hypoacutekrisis

- 110 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que Aristoacuteteles logra observar Para ello podraacute empezarse con el siguiente pasaje del fi loacutesofo en su Retoacuterica (1403b24-26)

δῆλον οὖν ὅτι καὶ περὶ τὴν ῥητορικήν ἐστι τὸ τοιοῦτον ὥσπερ καὶ περὶ τὴν ποιητικήν ὅπερ ἕτεροί ltτέgt τινες ἐπραγματεύθησαν καὶ Γλαύκων ὁ ΤήιοςEs evidente que tal asunto [la hypoacutekrisis] tiene que ver con la retoacuterica tanto como con la poeacutetica de lo que algunos han tratado ademaacutes de Glaucoacuten de Teos

Independientemente de la identidad de este Glaucoacuten de Teos33 el pasaje aristoteacutelico mostrariacutea la transversalidad de la hypoacutekrisis Otro pasaje atinente a esta caracteriacutestica se encuentra en un pasaje al fi nal de la Poeacutetica donde el mismo fi loacutesofo trata de responder a la pregunta de cuaacutel imitacioacuten es mejor la eacutepica o la traacutegica Asiacute la primera tiene destinatarios honestos y la segunda ordinarios o vulgares de manera que aqueacutellos no necesitan de variaciones en las formas ya sea de la expresioacuten o de los movimientos del cuerpo Por eso la eacutepica es mejor En seguida hace algunas acotaciones (Po 22 1462a5-9)

πρῶτον μὲν οὐ τῆς ποιητικῆς ἡ κατηγορία ἀλλὰ τῆς ὑποκριτικῆς ἐπεὶ ἔστι περιεργάζεσθαι τοῖς σημείοις καὶ ῥαψῳδοῦντα [hellip] καὶ διᾴδοντα [] εἶτα οὐδὲ κίνησις ἅπασα ἀποδοκιμαστέα εἴπερ μηδrsquo ὄρχησις ἀλλrsquo ἡ φαύλωνEn primer lugar la acusacioacuten no es contra el arte poeacutetica sino contra el arte hypokriacutetikē puesto que

33 Glaucoacuten de Teos que se acostumbra identifi car con Glaucos de Regio (cf el comentario de Racionero al pasaje en comento) quien habriacutea escrito una obra intitulada Acerca de los poetas y muacutesicos de la Antiguumledad el primer tratado de criacutetica literaria conocido Por lo menos en esta obra el intereacutes no se orienta a la retoacuterica sino a la eacutepica y a la tragedia uno de cuyos temas de estudio seriacutea la rhapsōdiacutea y la hypoacutekrisis respectivamente Pero la identifi cacioacuten no es segura

- 111 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

son el rapsōdos y el cantor quienes exageran con los signos [hellip] En segundo no todo movimiento del cuerpo es reprobable y tampoco la danza sino aquella que es vulgar

Ademaacutes de la distincioacuten patente entre las artes de naturaleza vocal y las de naturaleza kineacutesica como el arte de la danza (orkhēstikē ὀρχηστική) el texto muestra que la hypokriacutetikē abarca la rapsodia y el canto

Sobre este asunto trata otro pasaje de la Retoacuterica (Rh 1404a12-15)

ἐκείνη μὲν οὖν ὅταν ἔλθῃ ταὐτὸ ποιήσει τῇ ὑποκριτικῇ ἐγκεχειρήκασι δὲ ἐπrsquo ὀλίγον περὶ αὐτῆς εἰπεῖν τινες οἷον Θρασύμαχος ἐν τοῖς ἘλέοιςAhora bien cuando eacutesta [el estudio de la lexis] llegue tendraacute la misma funcioacuten que el arte hipocriacutetica acerca de la cual algunos han ya empezado a tratar aunque en poca medida como Trasiacutemaco en su Consolaciones

Aristoacuteteles estaacute previendo la emergencia de dos nuevas artes paralelas del discurso una relativa a la lexis y otra a la pronunciacioacuten llamada hypokritikē la cual se encuentra en sus inicios con las Consolaciones de Trasiacutemaco obra que contendriacutea cierto tipo de recursos verbales propios de ese geacutenero de obras y que tambieacuten ldquohabiacutea llegado tarde a la ejecucioacuten traacutegica y rapsoacutedica pues en un principio eran los poetas quienes pronunciaban sus tragediasrdquo34 En relacioacuten con lo anterior el pasaje 1403b27-28 de la Retoacuterica ofrece una breve pero signifi cativa presentacioacuten de la hypoacutekrisis y en los capiacutetulos 2-12 desarrolla una teoriacutea de la lexis vinculada en parte a la hypoacutekrisis

34 Arist Rh 1403b23-24 καὶ γὰρ εἰς τὴν τραγικὴν καὶ ῥαψῳδίαν ὀψὲ παρῆλθενmiddot ὑπεκρίνοντο γὰρ αὐτοὶ τὰς τραγῳδίας οἱ ποιηταὶ τὸ πρῶτον

- 112 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tambieacuten en la Poeacutetica Aristoacuteteles trata de la lexis (capiacutetulos 19 y 20) y reenviacutea a un arte llamado hypokriacutetikē de la siguiente manera (Po 19 1456b8-14)

τῶν δὲ περὶ τὴν λέξιν ἓν μέν ἐστιν εἶδος θεωρίας τὰ σχήματα τῆς λέξεως ἅ ἐστιν εἰδέναι τῆς ὑποκριτικῆς καὶ τοῦ τὴν τοιαύτην ἔχοντος ἀρχιτεκτονικήν οἷον τί ἐντολὴ καὶ τί εὐχὴ καὶ διήγησις καὶ ἀπειλὴ καὶ ἐρώτησις καὶ ἀπόκρισις καὶ εἴ τι ἄλλο τοιοῦτονDe los temas relativos al estilo una forma de estudio son los modos de la expresioacuten [oral] cuyo conocimiento es propio de la hypokritikē y de quien domine un conocimiento arquitectoacutenico como eacutese por ejemplo queacute es orden queacute plegaria queacute narracioacuten queacute amenaza queacute pregunta queacute respuesta y queacute es otra forma si la hay

Protaacutegoras y Alcidamante ya habiacutean hecho una divisioacuten semejante de estos modos de expresioacuten que ellos llamaron ldquobases del discursordquo35

Asiacute la hypokriacutetikē (ὑποκριτική) es el arte o teacutecnica (θεώρημα) de la pronunciacioacuten o diccioacuten de la voz que estudia los elementos prosoacutedicos que permiten distinguir los diversos modos de expresioacuten No seriacutea un arte propia de la retoacuterica ni de la poeacutetica sino que se extenderiacutea a las diversas artes discursivas como la narracioacuten rapsoacutedica (rhapsōdiacutea ῥαψῳδία) la pronunciacioacuten teatral (hypoacutekrisis ὑπόκρισις) basada en el diaacutelogo (preguntas y

35 DL 953-4 διεῖλέ τε τὸν λόγον πρῶτος εἰς τέτταραmiddot εὐχωλήν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν (οἱ δὲ εἰς ἑπτάmiddot διήγησιν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν ἀπαγγελίαν εὐχωλήν κλῆσιν) οὓς καὶ πυθμένας εἶπε λόγων Ἀλκιδάμας δὲ τέτταρας λόγους φησίmiddot φάσιν ἀπόφασιν ἐρώτησιν προσαγόρευσιν ldquoFue el primero que dividioacute el discurso en cuatro clases deseo pregunta respuesta y orden (seguacuten otros en siete narracioacuten pregunta respuesta orden exposicioacuten plegaria e invocacioacuten) a las que tambieacuten llamoacute bases de discursos Alcidamante dice que son cuatro los discursos afi rmacioacuten negacioacuten interrogacioacuten alocucioacutenrdquo

- 113 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

respuestas) y la oratoria (hermēneacuteia ἑρμηνείᾳ)36 ademaacutes de otras ejecuciones orales37

Una vez defi nida la teacutekhnē hypokritikē y deslindado su campo habriacutea que proceder a caracterizar la tipologiacutea de las tres artes enunciativas particulares en la eacutepoca claacutesica Si se atiende al tercer criterio establecido por Aristoacuteteles en su Poeacutetica (3 1448a19-23) relativo al modo de la imitacioacuten se tendriacutean tres especies de pronunciacioacuten emotiva el narrador imita poniendo la voz en los personajes (rapsoacutedica) el sujeto narrador imita directamente por siacute mismo (la retoacuterica) y el poeta presenta a los personajes actuando (dramaacutetica) En cuanto a su funcioacuten ahora bien para la hermēneacuteia oratoria es la persuasioacuten para la traacutegica la purifi cacioacuten (katharsis) de las pasiones y para la rapsoacutedica la transmisioacuten y conservacioacuten del pasado eacutepico

36 Para Alcidamante la pronunciacioacuten oratoria (que llama hermēneacuteia) es diferente de la del teatro y la eacutepica Cf Alcid 14  ἀνάγκη δ ἐστίν ὅταν τις τὰ μὲν αὐτοσχεδιάζῃ τὰ δὲ τυποῖ τὸν λόγον ἀνόμοιον ὄντα ψόγον τῷ λέγοντι παρασκευάζειν καὶ τὰ μὲν ὑποκρίσει καὶ ῥαψῳδίᾳ παραπλήσια δοκεῖν εἶναι τὰ δὲ ταπεινὰ καὶ φαῦλα φαίνεσθαι παρὰ τὴν ἐκείνων ἀκρίβειαν ldquoes preciso que cuando uno improvisa unas partes y otras las escribe se repruebe al orador por ser el discurso desigual y que aqueacutellas parezcan ser cercanas a la pronunciacioacuten teatral y eacutepica y eacutestas en cambio se muestren pobres y sin valor frente al cuidado de aquellasrdquo37 Es necesario deslindar la ejecucioacuten retoacuterica (hermēneia o hermēneutikē) de la hypoacutekrisis teatral de la rhapsōdiacutea eacutepica muy difundida en eacutepoca claacutesica y de las ejecuciones de la poesiacutea liacuterica ya sea en las festividades populares en las ceremonias religiosas o en las reuniones simposiales Existen numerosos testimonios literarios de la Grecia antigua que ponen de manifi esto extraordinarias capacidades de actuacioacuten y declamacioacuten en los maacutes diversos aacutembitos de las praacutecticas culturales de los griegos y por otro lado se puede arguumlir que estas capacidades fueron objeto de la ensentildeanza El caso de los rapsodas declamadores profesionales formados en las antiguas academias de recitacioacuten es uno de los maacutes conocidos y la rapsōdiacutea fue el primer teacutermino utilizado para indicar la ensentildeanza de la recitacioacuten eacutepica En torno de los rapsodas existiacutea organizaciones sometidas a intereses de peso poliacutetico y social Por tanto es equivocado e inoperante emplear el teacutermino hypoacutekrisis para todo tipo de ejecuciones Del mismo modo las diferencias entre los geacuteneros oratorios impiden generalizar las nociones al respecto Una ejecucioacuten se requeriacutea para el tribunal otra para la tribuna puacuteblica y otra muy diferente para el discurso demostrativo

- 114 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Se conocen algunos procedimientos de la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral (hē hypokritikē) En primer lugar su regla maacutes importante seriacutea la siguiente a mayor precisioacuten del lenguaje menos hypoacutekrisis La expresioacuten escrita es maacutes precisa la oral menos Para que la expresioacuten escrita cumpla su funcioacuten basta con que esteacute elaborada de manera correcta y precisa En cambio la oral requiere de mayor hypoacutekrisis esto es de un mayor control voluntario de la modulacioacuten de la voz intensidad tono y duracioacuten con la fi nalidad de afectar al destinatario38

Por otra parte como los geacuteneros deliberativo y judicial son fundamentalmente orales requieren de mayor hypoacutekrisis (Rh 1413b3-9) Pero entre ambos hay una gran diferencia pues a mayor nuacutemero de oyentes menor precisioacuten (Arist Rh 1414a16) De alliacute se desprende otra regla que es la siguiente a mayor nuacutemero de oyentes maacutes hypoacutekrisis sobre todo en cuanto a la fuerza de la voz Asiacute en la asamblea es maacutes necesaria que en el tribunal Ademaacutes entre menor sea el nuacutemero de jueces seraacute menos necesaria Ante un solo juez no tendriacutea necesidad de hypoacutekrisis pero siacute de precisioacuten

Es posible incluso describir los elementos o eidē de la hypokritikē en dos oacuterdenes uno es el de las cualidades prosoacutedicas y otro los modos de expresioacuten Como ya hemos visto en el pasaje de Aristoacuteteles (Rh 1403b27-31) se aborda las infl exiones de la voz volumen armoniacutea o tono y ritmo o duracioacuten Pertenecen a este arte de la pronunciacioacuten emocional (frente al texto escrito) el estilo suelto que se caracteriza por la falta de conjunciones y

38 Cf Alcid 13 οἱ γὰρ εἰς τὰ δικαστήρια τοὺς λόγους γράφοντες φεύγουσι τὰς ἀκριβείας καὶ μιμοῦνται τὰς τῶν αὐτοσχεδιαζόντων ἑρμηνείας καὶ τότε κάλλιστα γράφειν δοκοῦσιν ὅταν ἥκιστα γεγραμμένοις ὁμοίους πορίσωνται λόγους ldquoquienes escriben discursos para los tribunales huyen de la precisioacuten e imitan las expresiones de quienes improvisan y parecen escribir textos bien elaborados cuando preparan discursos que son lo menos semejantes a los discursos escritosrdquo

- 115 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

por repeticiones anafoacutericas de lo cual Aristoacuteteles ofrece algunos ejemplos enriquecidos con las observaciones de Demetrio en su Acerca del estilo39 Otros son los llamados skhēmata lexeōs o ldquomodos de expresioacutenrdquo (Po 191456b8-14) orden plegaria pregunta narracioacuten amenaza respuesta que aparecen tambieacuten de manera diferente en Protaacutegoras y Alcidamante Estos modos deberiacutean tener su propio tono de voz intensidad y ritmo Por ejemplo una orden requiere de una mayor intensidad de la voz etc

Pareceriacutea entonces que en torno a la modulacioacuten oral expresiva estrechamente vinculada con el estilo sus elementos fueran susceptibles de estructurarse en niveles que abarca los fonemas y las palabras los fenoacutemenos sintaacutecticos (por la falta de conjunciones y a la repeticioacuten anafoacuterica) y los modos discursivos

De tal modo a semejanza de la memoria la actuacioacuten retoacuterica (voz y movimiento) no habriacutea sido en su origen una de las partes de la retoacuterica sino un conocimiento generalizado y una praacutectica muy difundida en todas las expresiones orales desde la eacutepoca homeacuterica Por ello podemos decir que la ejecucioacuten o performance retoacuterica en la Grecia claacutesica fue una praacutectica cultural que integraba en primer lugar la hypoacutekrisis o modulacioacuten oral correspondiente a la pronuntiatio y en segundo los elementos performativos que teniacutean que ver con la vista la gestualidad facial (en particular los ojos) los movimientos de las manos (la kheironomiacutea) y las posturas del cuerpo (gimnastikē) Las diferentes actividades discursivas del ser humano habriacutean desarrollado esas praacutecticas en el campo de

39 Dem Sobre el estilo 193-195 Sentildeala que el estilo suelto o sin conjunciones es propio del estilo ἐναγώνιος es decir propio del debate mientras que el escrito es maacutes propio de la lectura pues estaacute compacto y asegurado con conjunciones

- 116 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la recitacioacuten eacutepica el teatro ateniense la oratoria40 que fueron adecuaacutendose a las circunstancias en el tiempo y el espacio41

A fi nales del siglo V se empezaron a sistematizar varias artes de la pronunciacioacuten en primer lugar la del arte eacutepico o rhapsōdiacutea del dramaacutetico o hypoacutekrisis y del oratorio o hermeneacuteia las cuales junto con otras se pueden agrupar en una teoriacutea general de la pronunciacioacuten o hipocriacutetica (hypokritikē) cuyos fundamentos y elementos ha sido posible delinear en este espacio La hipocriacutetica se refi ere al estudio de la voz de modo que abarca soacutelo una parte de numerosos procedimientos que se utilizaban en las praacutecticas discursivas de la Grecia antigua que incluiacutean ademaacutes de la voz los gestos del rostro los ademanes los movimientos del cuerpo e incluso el vestuario que en la retoacuterica de los siglos V y IV teniacutean una funcioacuten importante para la produccioacuten de emociones con el fi n de persuadir como lo sentildeala el propio Aristoacuteteles42 Aunque en el campo de la retoacuterica estos aspectos ya habiacutean sido observados por el fi loacutesofo alcanzaron su plena sistematizacioacuten praacutectica en la retoacuterica latina de la eacutepoca de Ciceroacuten y Quintiliano vinculaacutendoseles a todos ellos bajo el nombre de actio o pronuntiatio

40 La ejecucioacuten fue un elemento de primera importancia desde el punto de vista praacutectico no porque sea un don natural sino porque los elementos de los que consta son susceptibles maacutes de la observacioacuten de la imitacioacuten y de la ensentildeanza praacutectica maacutes que de la descripcioacuten teoacuterica41 Ademaacutes de distinguir entre la ejecucioacuten en diferentes geacuteneros literarios y especies discursivas es necesario considerar tambieacuten la evolucioacuten de las praacutecticas discursivas al adaptarse a las cambiantes condiciones de circulacioacuten En el aacutegora griega y el foro romano la ejecucioacuten no podiacutea ser la misma Un juez o algunos jueces requieren de una ejecucioacuten diferente de la que se da en un jurado de cientos de personas que desconocen en principio el asunto que se las va a presentar De la misma manera el siglo VI presentaba condiciones muy diferentes a las de los siglos V y IV a C La ejecucioacuten estaba sometida a una constante originalidad42 Arist Rh 1386ordf33-35 ἀνάγκη τοὺς συναπεργαζομένους σχήμασι καὶ φωναῖς καὶ ἐσθῆσι καὶ ὅλως ὑποκρίσει ἐλεεινοτέρους εἶναι (ἐγγὺς γὰρ ποιοῦσι φαίνεσθαι τὸ κακόν πρὸ ὀμμάτων ποιοῦντες []) ldquoes necesario que quienes elaboran su discurso con la ayuda de posturas voces y vestidos en todo con modulacioacuten oral parecen maacutes dignos de compasioacuten (pues hacen que el mal aparezca cerca ponieacutendolo ante los ojos [])

- 117 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Es necesario auacuten profundizar en los fundamentos y los elementos de la hipocriacutetica y sobre todo en su ensentildeanza y su aplicacioacuten praacutectica estrechamente vinculados a los fenoacutemenos prosoacutedicos actualmente estudiados por Maria Flaacutevia Figueiredo de la Universidad de Franca Satildeo Paolo Brasil (Figueiredo 2017 etc)

BIBLIOGRAFIacuteA

Fuentes y obras de consulta

ALCIDAMANTE Orazioni e frammenti Testo introduzione traduzione e note a cura de G Avezzugrave Roma ldquoLrsquoErmardquo de Bretschneider 1982

ARISTOacuteTELES Retoacuterica 4a ed bilinguumle griego-espantildeol Traduccioacuten proacutelogo y notas de Antonio Tovar Madrid Centro de Estudios Constitucionales 1990

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Quintiacuten Racionero Madrid Gredos 1999

HERMAGORAE Temnitae testimonia et fragmenta Collegit D Matthes Leipzig Teubner 1962

ISOCRATE Discours vol I texte eacutetabli et traduit par G Mathieu and Eacute Breacutemond Paris Les Belles Lettres 19724

ISOCRATE Orazioni Panegirico Areopagitico Sulla pace Filippo Panatenaico introduzione traduzione e note di Ch Ghirga e Roberta Romussi testo greco a fronte Milano Rizzoli 2001

SPENGEL L Rhetores Graeci 3 vols 2a ed del vol I 2 por C Hammer Leipzig Teubner 1853-1856 1853 (I) 1854 (II) 1856 (III)

WALZ C Rhetores Graeci 9 vols Stuttgart-Tubinga Cotta 1832-1836 1932 (I) 1833 (IV V VII pars 1) 1934 (III VI VII pars 2 VIII) VI) 1835 (II) 1936 (IX)

- 118 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BALDWIN Ch S Ancient Rhetoric and Poetic Interpretated from Representative Works 3 vols NY Macmillan 1924 || Reimpr Gloucester (Mass) Peter Schmith 1959

EDWARDS M ldquoHypokritēs in Action Delivery in Greek Rhetoricrdquo Christos Kremmydas Jonathan Powell Lene Rubinstein Profession and Performance Aspects of oratory in the Greco-Roman world School of Advanced Study University of London Institute of Classical Studies 2013 15-25

FANTHAM E ldquoRhetor andet actorrdquo Greek and Roman Actors Aspects of an Ancient Profession edited by Pat Easterling Edith Hall Camridge Cambridge University Press 2002 362-376

FIGUEIREDO M F y A R Radi ldquoNuances do dizer efeitos retoacutericos da prosoacutediardquo en L A Ferreira (Org) Artimanhas do dizer retoacuterica oratoacuteria e eloquecircncia Satildeo Paulo Blucher 2017 125-138

FRACHET Ceacutecile ldquoLrsquoactiorsquo oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctorrsquo de la rsquoRheacutetorique agrave Herenniusrsquo Ciceacuteron et Quintilienrdquo Litteacuteratures 2012 ltdumas-00705366gt

FORTENBAUGH William et al (eds) Th eophrastus of Eresus Sources for His Life Writings Th ought and Infl uence Parts 1-2 2nd Ed Leiden-New York-Koumlln Brill 1992

FRACHET Ceacutecile Lrsquoactio oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctor de la Rheacutetorique agrave Herennius Ciceacuteron et Quintilien Meacutemoire de Master Speacutecialiteacute Litteacuteratures ndash Parcours PLC Lettres classiques Sous la direction de Madame Sophie Aubert‐Baillot Universiteacute Stendhal (Grenoble3) UFR LLASIC ndash Langage Lettres et Arts du spectacle Information et Communication Anneacutee universitaire 2011‐2012

GONZAacuteLEZ Joseacute M Th e Epic Rhapsode and His Craft Homeric Performance in a Diachronic Perspective Hellenic Studies Series 47 Washington DC Center for Hellenic Studies 2013 httpnrsharvardeduurn-3hulebookCHS_GonzalezJTh e_Epic_Rhapsode_and_his_Craft2013

HILDER Jennifer ldquoTh e Politics of Pronuntiatio Th e Rhetorica ad Herennium and Delivery in the First Century bcrdquo en Gray Christa et

- 119 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

al Reading Republican Oratory Reconstructions Contexts Receptions Oxford Oxford University Press 2018

MORTARA GARAVELLI B Manuale di retorica Milano Bompiani 2003

NAVARRE O Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Paris 1900

VALLOZZA M ldquoLa testimonianza di Atanasio sul Περὶ ὑποκρίσεως di Teofrasto (177 3-8 Rabe = 712 FHSampG)rdquo Papers on Rhetoric III (edited by Lucia Calboli Montefusco) (2000) 271-281

VOLKMANN R Die Rhetorik der Griechen und Roumlmer in systematischer Oumlbersicht dargestellt Leipzig Teubner 18852

- 120 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 121 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel

INTRODUCcedilAtildeO

Discorrer sobre Bakhtin seus textos como eacute possiacutevel interpretaacute-los parece ser sempre um desafi o devido a vaacuterias questotildees Uma sempre lembrada eacute a ainda controversa questatildeo da autoria de textos que ora se reputam a Bakhtin ora se admitem como produtos da pena de Voloacutechinov ou Medvieacutedev Outro ponto delicado satildeo as traduccedilotildees que embasaram as discussotildees em solo brasileiro por longo tempo Se hoje felizmente conta-se no Brasil como boas traduccedilotildees de parte consideraacutevel da produccedilatildeo do assim chamado Ciacuterculo de Bakhtin eacute necessaacuterio reconhecer que traduccedilotildees nem sempre tatildeo adequadas resultaram em problemas na interpretaccedilatildeo da jaacute de per si nada faacutecil obra do Ciacuterculo

E eacute exatamente essa interpretaccedilatildeo que se quer focalizar nesse introito A questatildeo do corpo nos escritos de Bakhtin (leia-se doravante de seu Ciacuterculo) eacute surpreendente e complexa sendo considerada de perspectivas ricamente diacutespares ainda que natildeo absolutamente divergentes em diferentes obras

Em ldquoA cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelaisrdquo (20131965) por exemplo Bakhtin versaraacute sobre as representaccedilotildees do corpo ldquogrotescordquo assinalando como fi zera a respeito de outros pontos da esteacutetica rabelaisiana a ambiguidade constitutiva dessa representaccedilatildeo que natildeo deve ser tomada como simples exagero depreciador

A AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO

VESTIBULAR UNICAMP

- 122 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Outra perspectiva de contemplaccedilatildeo do corpo estaacute presente no admiraacutevel ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que Bakhtin aborda a questatildeo ponderando a respeito da imagem exterior e interior dos homens na vida real e das personagens no mundo fi ccional a fi m de entender a posiccedilatildeo excedente do homem ou autor em relaccedilatildeo ao outro outrem ou personagem

Concepccedilatildeo bastante similar a respeito do corpo eacute expressa nas paacuteginas de ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111929) embora nessa obra Bakhtin se atenha sobretudo agrave autoconsciecircncia como centro organizador da vivecircncia do homem tanto psicologicamente como de seu (corpo) exterior

Assim haacute se natildeo vaacuterios pelo menos alguns modos de entender o corpo nos escritos do Ciacuterculo Por isso rememorando o que se disse no iniacutecio deste preacircmbulo sendo tantas as discussotildees e intepretaccedilotildees possiacuteveis eacute importante destacar por quais caminhos se buscaraacute entender o corpo a voz e a linguagem neste capiacutetulo em especiacutefi co

Esclarece-se entatildeo de antematildeo que se buscaraacute analisar especialmente a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo Em algum sentido seraacute uma quase negaccedilatildeo da importacircncia do corpo fiacutesico pautando-se a exposiccedilatildeo pelas ideias bakhtinianas a respeito do corpo como resultado da autoconsciecircncia Frise-se eacute apenas umas das interpretaccedilotildees possiacuteveis

AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO ORGANIZA-DOR DA VIDA E DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP

Em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo Bakhtin (2003 [192-] p 46 grifo do autor) observa

- 123 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De fato mal a pessoa comeccedila a vivenciar a si mesma de dentro depara imediatamente com atos de reconhecimento e de amor de pessoas iacutentimas da matildee que partem de fora ao encontro dela dos laacutebios da matildee e de pessoas iacutentimas a crianccedila recebe todas as defi niccedilotildees de si mesma Dos laacutebios delas no tom volitivo-emocional do seu amor a crianccedila ouve e comeccedila a reconhecer o seu nome a denominaccedilatildeo de todos os elementos relacionados ao seu corpo e agraves vivecircncias e estados interiores satildeo palavras de pessoas que ama as primeiras palavras sobre ela as mais autorizadas que pela primeira vez lhe determinam de fora a personalidade e vatildeo ao encontro da sua proacutepria e obscura auto-sensaccedilatildeo interior dando-lhe forma e nome em que pela primeira vez ela toma consciecircncia de si e se localiza como algo

O modo como cada indiviacuteduo sentiraacute e reconheceraacute seu proacuteprio corpo eacute dado pela primeira vez pela palavra do outro Eacute do outro que deriva a percepccedilatildeo a denominaccedilatildeo e a valoraccedilatildeo das partes do corpo Natildeo se trata de um reconhecimento faacutetico fi sioloacutegico fiacutesico externo Natildeo eacute o tocar o proacuteprio corpo que cria para o sujeito a dimensatildeo de sua realidade corpoacuterea esta eacute construiacuteda pela palavra do outro

Ressalte-se que a palavra do outro para fornecer pela primeira vez a ideia do corpo exterior precisa adentrar a autoconsciecircncia do indiviacuteduo ali destacando para o ldquoeurdquo a sua proacutepria condiccedilatildeo fiacutesica nomeando e valorando seu corpo estabelecendo pela primeira vez sua corporeidade exterior O corpo exterior eacute organizado pela autoconsciecircncia prenhe das palavras alheias

A relevacircncia da autoconsciecircncia tambeacutem seraacute explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreende um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia

- 124 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Na autoconsciecircncia se desenvolve o diaacutelogo interior repleto de vozes alheias com as quais o sujeito dialoga e em meio as quais ele mesmo se organiza inclusive em termos da percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo

Por isso segundo Bakhtin (20111963) a questatildeo do corpo externo das personagens seraacute pouco explorada nas obras dostoievskianas cujo centro de interesse seratildeo os diaacutelogos por meio dos quais se constituem as autoconsciecircncias das personagens

Especialmente nos romances classifi cados por Bakhtin como polifocircnicos o centro da representaccedilatildeo literaacuteria eacute a autoconsciecircncia inacabada e inacabaacutevel da personagem Inacabada pois nem autor narrador ou qualquer outra personagem estaacute autorizada a dar a palavra fi nal sobre o outro ndash inclusive sobre o corpo do outro Inacabaacutevel pois a personagem natildeo consegue se distanciar de si para atraveacutes de um olhar externo se autoconferir um acabamento de seu interior e de seu (corpo) exterior

Conforme assinala Tezza (2003 p 182) ldquoNa obra polifocircnica os heroacuteis natildeo se defi nem pela biografi a nem se determinam pelo seu passado natildeo podem nem mesmo ser defi nidos por suas caracteriacutesticas fiacutesicas pelo olhar de fora []rdquo

A vida das personagens dostoievskianas gravita ao redor de suas autoconsciecircncias alimentadas pelos inuacutemeros diaacutelogos que travam com outros e consigo mesmas Eacute por esse vieacutes que podem vir a se interessar pelo proacuteprio corpo caso o outro lhes aguce o olhar O corpo soacute aparece como centro de interesse para a personagem caso algueacutem lhe incite a isso caso algueacutem lhe faccedila se deter a contemplar sua proacutepria realidade corporal Acontecimento de todo modo raro na obra dostoievskiana

- 125 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Para prosseguir nessa questatildeo cabe perguntar se assim eacute na sofi sticada prosa dostoeivskiana como seria em outros gecircneros discursivos em outros autores Buscando responder a essas questotildees passa-se agrave anaacutelise de duas redaccedilotildees escritas no contexto do vestibular Unicamp e eleitas pela Comissatildeo Permanente do Vestibular Unicamp (Comvest) entre as melhores dos anos em que foram elaboradas

REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP AUTOCONS-CIEcircNCIA E CORPO

Em ldquoOs gecircneros do discursordquo (2003 [1952-1953]) mas tambeacutem em outros textos como ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo e ldquoO discurso no romancerdquo (2015 [1930-1936] entre outros Bakhtin sublinha a importacircncia de comparar os fenocircmenos linguiacutesticos em diferentes gecircneros discursivos dado que em cada um eacute possiacutevel ser distinto o emprego da linguagem verbal

Por isso se eacute fundamental a questatildeo da autoconsciecircncia como centro da vida e portanto do corpo nos romances polifonocircnicos de Dostoieacutevski pretende-se divisar como essa questatildeo aparece em outros gecircneros Para a realizaccedilatildeo dessa anaacutelise elege-se no escopo deste capiacutetulo textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo ndash conforme denominaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo proposta por Cocircrrea (2010)

Para dar iniacutecio agrave discussatildeo transcreve-se a proposta do Vestibular Unicamp 2000 para o Tema B narraccedilatildeo (COMVEST 2000 p 113-114)

- 126 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A seguir transcreve-se uma redaccedilatildeo (COMVEST 2000 p 132-137)1 que atendeu a essa proposta

1 A autora do texto eacute a vestibulanda Gabriela Abreu Guedes Natildeo se omite o nome da candidata pois eacute puacuteblica a autoria das redaccedilotildees que compotildeem as coletacircneas de redaccedilotildees organizadas pela Comvest Aleacutem disso eacute meritoacuteria a referecircncia a candidatos cujos textos se destacam no conjunto dos milhares que a cada ano satildeo avaliados pela Comvest

TEMA B

No dia 5 de outubro de 1999 terccedila-feira o jornal Correio Popular de Campinas SP publicou a seguinte manchete de primeira paacutegina acompanhada de breve texto

100 mil fi cam sem aacutegua em Sumareacute

Um crime ambiental provocou a suspensatildeo do abastecimento de aacutegua de cerca de 100 mil moradores de Sumareacute A medida foi tomada na sexta-feira quando uma mancha de oacuteleo de aproximadamente 3 quilocircmetros de extensatildeo surgiu nas aacuteguas do rio Atibaia Anteontem uma nova mancha apareceu nas proximidades da Estaccedilatildeo de Tratamento de Aacutegua I na divisa entre o bairro Nova Veneza e o municiacutepio de Pauliacutenia A situaccedilatildeo somente seraacute normalizada na quinta-feira A Cetesb investiga o caso e os teacutecnicos acreditam que o produto (oacuteleo diesel ou gasolina) foi despejado em esgoto domeacutestico em Pauliacutenia

Leve em conta essa notiacutecia e privilegie a hipoacutetese dos teacutecnicos apresentada no fi nal do texto A partir desses elementos escreva uma narraccedilatildeo em terceira pessoa caracterizando adequadamente personagens e ambiente Crie um detetive ou um repoacuterter investigativo que quando tenta resolver o ldquocrime ambientalrdquo descobre que o ocorrido eacute parte de uma conspiraccedilatildeo maior

- 127 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sexta-feira 1ordm de outubro de 1999

A mancha tomava conta do rio pouco a pouco O rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordens Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram Respaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

Saacutebado 02 de outubro de 1999

Na redaccedilatildeo o calor era toacuterrido O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado Os colegas achavam graccedila ldquoseraacute que vocecirc escolheu a profi ssatildeo certardquo perguntavam Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria

- 128 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila Quando o editor pediu que ele fosse conferir a ldquotal manchardquo no rio ele foi com a mesma solicitude indiferente de sempre

Domingo 03 de outubro de 1999

No dia anterior havia feito inuacutemeras entrevistas engenheiros teacutecnicos autoridades Havia a possibilidade de a poluiccedilatildeo ter sido intencional mas tal hipoacutetese geralmente sussurrada ou dita de modo sorrateiro parecia causar incocircmodo Apenas o ldquofocardquo se interessou pela teoria ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo O bip chamava deveria ir a Pauliacutenia pois havia uma nova mancha por laacute

Segunda-feira 04 de outubro de 1999

Mal o editor deixara a sala vieram os colegas felicitaacute-lo pela reportagem a mateacuteria seria manchete de primeira paacutegina Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes Ao sair recebeu sinal para subir Falando com o engenheiro-chefe entendeu

- 129 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido O telefone tocou

Terccedila-feira 05 de outubro de 1999

O ldquofocardquo chegava ao lugar marcado com quinze minutos de antecedecircncia Pelo telefone a pessoa apenas informou a hora e o local em que deveriam se encontrar Natildeo se identifi cou e natildeo disse como estaria Aparentemente um boteco como qualquer outro adentrou o local relutante entre a curiosidade e a cautela Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado Ao sentar-se agrave mesa recebeu um bilhete que o mandava subir Obedeceu cauteloso No andar superior conversou com uma pessoa que por sua vez conduziu-o a outra sala Estava comeccedilando a assustar-se A sala estava escura e ele natildeo podia ver quem laacute estava Apenas ouvia uma voz que o advertia a natildeo fazer perguntas A voz o informou de que um grupo politicamente oposto ao governo vigente tentava sabotaacute-lo poluindo criminosamente o rio o que aleacutem de indispor a simpatia da populaccedilatildeo contra as autoridades traria um grande prejuiacutezo econocircmico agrave cidade Falou mais e o jornalista ouvia eufoacuterico entendendo a dimensatildeo do que ouvia Ao sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceu

Quarta-feira 06 de outubro de 1999

O rapaz afrouxava a gravata Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

- 130 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A redaccedilatildeo daacute destaque a duas personagens o ldquofocardquo e o ldquorapaz de gravatardquo Quanto a este uacuteltimo haacute algumas passagens que falam de seu corpo ou pelo menos tomam-no de uma perspectiva externa como nas passagens ldquoO rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordensrdquo ldquoRespaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar []rdquo e ldquoO rapaz afrouxava a gravatardquo Acerca do foca a uacutenica passagem em que se observa seu corpo exterior eacute ldquoAo sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceurdquo

Esse olhar externo que o narrador de sua distacircncia exterior lanccedila sobre as personagens defi nindo-as natildeo eacute comum na prosa dostoievskiana mas cabe observar que mesmo nessa redaccedilatildeo de vestibular esse procedimento ocupa um espaccedilo composicional bastante diminuto se comparado ao que se dedica agrave observaccedilatildeo da autoconsciecircncia das personagens

Observe-se por exemplo que todas as longas passagens a seguir se voltam agrave autoconsciecircncia do ldquohomem de gravatardquo

(i) Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram [] procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo

- 131 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

(ii) Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

Por sua vez tambeacutem agrave autoconsciecircncia do ldquofocardquo eacute dedicado extenso espaccedilo composicional

(i) O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado [] Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila

(ii) ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo

(iii) Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes [] Falando com o engenheiro-chefe entendeu que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato

- 132 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido

(iv) Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado

Esses longos excertos os quais perfazem boa parte da estrutura composicional da redaccedilatildeo comprovam ser a autoconsciecircncia um aspecto tambeacutem muito relevante na composiccedilatildeo desse gecircnero A candidata ao escrever daacute destaque aos diaacutelogos interiores das personagens em detrimento de descriccedilotildees fiacutesicas

Todavia se poderaacute sempre arguir por oacutebvio que se trata apenas de um texto a partir do qual eacute temeraacuterio caracterizar todos os demais do mesmo gecircnero Aleacutem disso poder-se-ia aventar que a proposta de escrita infl uenciou na composiccedilatildeo de redaccedilotildees que focalizassem as questotildees da consciecircncia em prejuiacutezo de um desenvolvimento mais detalhado acerca do corpo das personagens

Sem de modo algum desconsiderar como vaacutelidas e pertinentes essas ressalvas passa-se ao exame de uma outra redaccedilatildeo cuja proposta supotildee-se poderia levar a uma maior atenccedilatildeo ao corpo fiacutesico das personagens

- 133 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

PROPOSTA B

Trabalhe sua narrativa a partir do seguinte recorte temaacutetico

O avanccedilo da tecnologia e da ciecircncia meacutedica desmistifi ca muitos dos preconceitos em torno das doenccedilas Entretanto algumas delas consideradas atualmente problemas de sauacutede puacuteblica como obesidade alcoolismo diabetes AIDS entre outras continuam a trazer difi culdades de autoaceitaccedilatildeo e de relacionamento social

Instruccedilotildees

1 - Imagine uma personagem que receba o diagnoacutestico de uma doenccedila que eacute tema de campanhas preventivas

2 - Narre as difi culdades vividas pela personagem no conviacutevio com a doenccedila

3 - Sua histoacuteria pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa

Segue a Proposta B do Vestibular Unicamp 2008 (COMVEST 2008 p 42)

A seguir transcreve-se a redaccedilatildeo (COMVEST 2008 p 142-

- 134 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Luta

O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava Teve de terminar a corrida seu exerciacutecio matinal e voltar para a casa Dormir descansar Depois mais exerciacutecio No caminho teve vontade de devorar vorazmente um cachorro-quente da barraquinha do seu Zeacute o fi el Zezinho Afastou a ideia natildeo podia mais comer porcarias E o bolo na geladeira Isso tudo natildeo era faacutecil Era estranho mas natildeo dependia da vontade dele O desejo era maior do que suas forccedilas

A corrida era seu exerciacutecio matinal desde a semana passada Era difiacutecil para ele correr mas ordens meacutedicas devem ser cumpridas Ao menos agora pois natildeo escutara os conselhos de seu meacutedico durante toda a vida O doutor sempre com aquele ar pomposo que aparentemente diz ldquoO mundo eacute meu e eu mando nelerdquo reafi rmou que seu fi el mas desatencioso paciente estava obeso e que era urgente a perda de peso Urgente Entatildeo vieram dieta e indicaccedilotildees de exerciacutecios fiacutesicos E ele tinha que cumprir ou sua sauacutede correria grave risco Todos falavam isso natildeo soacute o meacutedico Falavam de outra maneira eacute claro Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo Isso era um alerta

Finalmente chegou em casa Se enterrou no sofaacute e tentou de todo modo dormir Mas natildeo conseguia Sua barriga roncava gritava doiacutea Hoje soacute tinha tomado um leve cafeacute da manhatilde e ainda faltavam duas horas para o almoccedilo Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

- 135 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles Tinha que lutar A barriga pedia Ele a escutava Os roncos quase que falavam

Em um impulso levantou-se do sofaacute foi ateacute a geladeira O bolo estava laacute Imponente como um castelo medieval o poderoso artefato que saciaria sua vontade acalmaria seu desejo Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade Seu corpo pedia isso Levou o bolo para a sala pousou-o no colo e fi cou olhando para o doce O estocircmago nervoso incitava-o

Aquela bandeja a sua frente cheia de chocolate coco e caramelo aquele belo edifiacutecio de prazeres estava a seu alcance Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia O estocircmago dialogava com o bolo com uma voz aacutespera A resposta vinha doce e melodiosa Natildeo o meacutedico dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

Jogou furiosamente o bolo ao chatildeo Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado Chorou Chorou mais Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez Natildeo continuou

145)2 que atendeu agrave essa proposta

Nessa redaccedilatildeo o candidato opta por descrever os confl itos pelos quais passa uma pessoa obesa lutando para seguir as ordens meacutedicas e sociais que lhe accedilulam a emagrecer e sua voz interior 2 O autor do texto eacute Ricardo Amarante Turatti

- 136 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na qual essas vozes externas se conjugam com sua necessidade de comer ldquomais que as demais pessoasrdquo para se saciar

Pelo proacuteprio conteuacutedo temaacutetico a ser desenvolvido eacute de se esperar que a questatildeo do corpo apareccedila no texto De fato em comparaccedilatildeo agrave redaccedilatildeo anterior eacute possiacutevel observar uma maior atenccedilatildeo agrave descriccedilatildeo fiacutesica da personagem em passagens como

(i) O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava

(ii) Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo

(iii) Sua barriga roncava gritava doiacutea

(iv) Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles

(v) Seu corpo pedia isso

(vi) Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado [] Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo

Todavia em vaacuterias passagens o narrador se deteacutem a descrever a autoconsciecircncia da personagem

(i) Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

(ii) Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade

(iii) Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia [] Natildeo o meacutedico

- 137 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

(iv) Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea [] A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez

Mais relevante poreacutem que contrastar o espaccedilo composicional dedicado a cada aspecto eacute observar que mesmo as menccedilotildees ao corpo provecircm das vozes que o protagonista ouviu de outros sujeitos Assim ver-se como o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo eacute ver-se pelos olhos dos outros ou para usar um termo mais proacuteprio ao universo bakhtiniano pelas vozes dos outros Satildeo essas vozes alheias que lhe falam sobre o seu corpo Vozes que lhe habitam a autoconsciecircncia a partir de onde se organiza interior mas tambeacutem exteriormente

Receba uma maior ou menor atenccedilatildeo do narrador seja mais ou menos tematizado nas vozes de personagens ou do proacuteprio heroacutei o corpo ndash como toda a vida eacute imprescindiacutevel sublinhar ndash na perspectiva bakhtiniana natildeo eacute uma realidade faacutetica exterior simplesmente reconheciacutevel O corpo eacute construiacutedo pelo discurso Primeiro pelo discurso alheio que pela primeira vez nomeia mas tambeacutem valora o corpo do outro Essas vozes alheias passam a habitar a autoconsciecircncia do sujeito organizando sua vivecircncia organizando o modo como se vecirc como sujeito inclusive em termos de seu corpo fiacutesico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo do corpo nos escritos em Bakhtin pode ser vista a partir de diferentes vieses Neste capiacutetulo propugnou-se ver o corpo como resultante da autoconsciecircncia Para isso buscou-se apoio principalmente nas observaccedilotildees de Bakhtin expostas em dois textos (i) em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que o pensador russo a pretexto de fazer uma

- 138 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

distinccedilatildeo entre ldquocorpo interiorrdquo e ldquocorpo exteriorrdquo acaba por afi rmar o primado da autoconsciecircncia (interior) com fonte de percepccedilatildeo e valorizaccedilatildeo do corpo exterior e (ii) em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111969) em que a primazia da autoconsciecircncia como centro organizador da vida e do corpo eacute exemplifi cado na anaacutelise de obras dostoievskianas

Dessa fundamentaccedilatildeo teoacuterica passou-se agrave anaacutelise de ldquoredaccedilotildees de vestibularrdquo (CORREcircA 2011) um gecircnero bastante diverso daqueles examinados por Bakhtin Pretendeu-se por essa incursatildeo evidenciar que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Como se espera ter mostrado mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

Ao realizar a refl exatildeo proposta neste capiacutetulo parece possiacutevel entender que da perspectiva bakhtiniana o corpo assim como todos os demais elementos do homem ndash personagem ou natildeo ndash resulta das vozes com as quais o sujeito entra em contato no transcurso de sua vida Mais uma vez entatildeo impotildeem-se considerar o homem no acircmbito de suas complexas relaccedilotildees dialoacutegicas (MACIEL 2014) atraveacutes das quais pelo outro ele se constitui pela primeira vez para si mesmo

O corpo eacute resultado de relaccedilotildees dialoacutegicas atraveacutes das quais enunciados alheios adentram a autoconsciecircncia do sujeito aiacute entrando em confronto com outras vozes proacuteprias e alheias Essa autoconsciecircncia porque resulta do infi ndo diaacutelogo em sentido amplo que o sujeito nunca deixa de estabelecer eacute inacabada

- 139 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(BAKHTIN 19191921) sendo importante lembrar que a percepccedilatildeo do corpo proacuteprio ou alheio eacute sempre mutaacutevel

As vozes alimentam a autoconsciecircncia de onde deriva a percepccedilatildeo do corpo A percepccedilatildeo da realidade fiacutesica portanto para Bakhtin decorre do exerciacutecio da linguagem A percepccedilatildeo do corpo deriva da voz a percepccedilatildeo do corpo resulta da linguagem

REFEREcircNCIAS

BAKHTIN M M (19191921) Para uma fi losofi a do ato Traduccedilatildeo natildeo revisada para fi ns didaacuteticos e acadecircmicos realizada por Carlos Alberto Faraco e Cristovam Tezza [SI sn] [2005-2006]

______ [192-] O autor e a personagem na atividade esteacutetica In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

______ [1930-1936] O discurso no romance In ______ A teoria do romance I A estiliacutestica Traduccedilatildeo prefaacutecio notas e glossaacuterio de Paulo Bezerra Satildeo Paulo Hucitec 2015

______ Os gecircneros do discurso In ______ Os gecircneros do discurso Organizaccedilatildeo traduccedilatildeo posfaacutecio e notas Paulo Bezerra Satildeo Paulo Editora 34 2016a p11-69 [1952-1953]

______ (1963) Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Trad Paulo Bezerra 5 ed (2 tiragem) Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2011

______ (1965) A cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelais Trad Yara Frateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec 2013

COMVEST Redaccedilotildees do Vestibular Unicamp 2000 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Proacute-Reitoria de Extensatildeo e Assuntos Comunitaacuterios Campinas Editora da Unicamp 2000

- 140 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

______ Vestibular Unicamp redaccedilotildees 2008 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Campinas Editora da Unicamp 2008

CORREcircA M L G Encontros entre praacutetica de pesquisa e ensino oralidade e letramento no ensino da escrita Perspectiva Florianoacutepolis v 28 n 2 p 625-648 juldez 2010

MACIEL L V C Relaccedilotildees dialoacutegicas em narrativas Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas 2014

- 141 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Maria Flaacutevia Figueiredo

Os discursos retoacutericos buscam por primazia despertar no auditoacuterio a adesatildeo agraves teses defendidas pelo orador Assim no jogo argumentativo toda e qualquer estrateacutegia capaz de potencializar o alcance persuasivo do argumento defendido conta positivamente para o orador e por essa razatildeo desperta o interesse da retoacuterica que por sua vez se ocupa de averiguar o que gera em cada caso o convencimento e a persuasatildeo1

Nesse processo persuasivo uma das estrateacutegias mais efi cazes eacute o despertar de paixotildees no auditoacuterio Segundo Aristoacuteteles esse recurso funciona de maneira muito efetiva uma vez que as emoccedilotildees humanas (paixotildees) quando despertadas causam necessariamente alteraccedilatildeo nos indiviacuteduos que as sentem e introduzem mudanccedilas em seus juiacutezos o que altera e direciona seus julgamentos

Esse tema de extrema relevacircncia para o entendimento do ser humano e de grande implicaccedilatildeo para o processo persuasivo foi proposto pelo fi loacutesofo de Estagira no livro II de sua Retoacuterica2 Neste trabalho optamos por trazecirc-lo novamente agrave baila e lanccedilar sobre ele outros olhares com base em estudos retoacutericos desenvolvidos na

1 Agradeccedilo ao meu orientando Valmir Ferreira dos Santos Juacutenior pelas sugestotildees dadas agrave redaccedilatildeo deste capiacutetulo2 Sobre a composiccedilatildeo fi nal dessa obra dividida em trecircs livros Quintiacuten Racionero (tradu-tor de Aristoacuteteles diretamente do grego para o espanhol) explica que se deu a partir de 355 aC durante a segunda estada de Aristoacuteteles em AtenasO primeiro livro se ocupa da estrutura da arte retoacuterica da defi niccedilatildeo dos argumentos e tambeacutem dos gecircneros retoacutericos judicial (que visa acusar ou defender) deliberativo (que objetiva discorrer sobre a utilidade ou natildeo de uma problemaacutetica em prol de uma deci-satildeo) e epidiacutetico (que elogia ou censura) O segundo livro se ocupa das paixotildees humanas do caraacuteter dos sujeitos e da estrutura loacutegica do raciociacutenio retoacuterico O terceiro aborda o estilo as fi guras retoacutericas e a composiccedilatildeo do discurso e de suas partes

A RETOacuteRICA DAS PAIXOtildeES REVISITADA

- 142 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

atualidade e com o auxiacutelio de perspectivas contemporacircneas sobre a temaacutetica

Nosso percurso investigativo tem entatildeo por objetivo refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para que possamos discorrer sobre tais processos adentraremos primeiramente a fonte de suas refl exotildees em acircmbito retoacuterico a Retoacuterica das paixotildees

Esse tiacutetulo foi dado ao livro II da Retoacuterica aristoteacutelica que aqui no Brasil recebeu uma ediccedilatildeo biliacutengue (portuguecircs ndash grego) e foi prefaciada com notaacutevel profundidade fi losoacutefi ca por Michel Meyer No prefaacutecio o pensador belga perscruta a obra do estagirita de forma distinta trazendo refl exotildees sobre a gecircnese das emoccedilotildees desde os diaacutelogos platocircnicos ateacute a descriccedilatildeo de Aristoacuteteles passando tambeacutem pelas modulaccedilotildees que a mateacuteria discursiva pode sofrer em funccedilatildeo dos diversos fi ns retoacutericos

Em um dos trechos de seu texto Meyer (2000 p XL) assim se pronuncia ldquolugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircnciardquo Nessa barganha da identidade em detrimento da diferenccedila o campo emotivo ganha lugar para angariar o convencimento e a persuasatildeo do outro Isto eacute as paixotildees em um processo argumentativo satildeo pontes que permitem a conexatildeo e a proximidade dos homens por meio da identifi caccedilatildeo de traccedilos defl agrados em comum

Ciente do papel que exercem no discurso Aristoacuteteles descreve com perspicaacutecia contundente as paixotildees que acometem a alma humana e a fazem subjugar Assim o mestre abre o livro II com a seguinte refl exatildeo ldquovisto que a retoacuterica tem como fi m um julgamento [] eacute necessaacuterio natildeo soacute atentar para o discurso a fi m de que ele seja demonstrativo e digno de feacute mas tambeacutem pocircr-se a si proacuteprio e ao juiz em certas disposiccedilotildeesrdquo (ARISTOacuteTELES

- 143 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

2000 p 3) Esse trecho jaacute nos permite antever a funccedilatildeo primordial das paixotildees qual seja a de encontrar ou suscitar no auditoacuterio as paixotildees disponiacuteveis A esse respeito discorreremos com mais vagar nos paraacutegrafos que se seguem

Seguindo essa linha de raciociacutenio o sistematizador da retoacuterica se dispotildee a mostrar ldquoque as paixotildees constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencerrdquo (MEYER 2000 p XLI) Portanto com vistas a uma argumentaccedilatildeo efetiva que alcance a persuasatildeo o orador precisa ser capaz de acessar o campo emocional de seu auditoacuterio por meio do uso adequado de processos discursivos que possam afl orar as afecccedilotildees de quem testemunha seu ato argumentativo

Para o mestre estagirita as paixotildees humanas ou emoccedilotildees ldquosatildeo as causas que fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanccedilas nos seus juiacutezos na medida em que elas comportam dor e prazerrdquo (ARISTOacuteTELES 2015 p 116) Ao observar essa refl exatildeo conseguimos compreender que elas funcionam como direcionadores sentimentais que visam introduzir um estado em um sujeito para entatildeo tornar sua visatildeo sobre determinada questatildeo favoraacutevel a quem profere o discurso A esse respeito tambeacutem refl etimos sobre o que versa Aristoacuteteles (2000 p 3) no seguinte trecho ldquopara as pessoas que amam as coisas natildeo parecem ser as mesmas que para aquelas que odeiam nem para os dominados pela coacutelera as mesmas que para os tranquilosrdquo Aqui temos a confi rmaccedilatildeo de que as paixotildees possuem o poder de alterar a oacutetica de quem observa uma questatildeo fazendo seu julgamento variar de acordo com a afecccedilatildeo introduzida em sua alma

A refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para propoacutesitos distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia De fato os apontamentos do fi loacutesofo

- 144 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sobre a temaacutetica guiam direta ou indiretamente novas concepccedilotildees acerca das emoccedilotildees ateacute os dias atuais Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber

Acreditamos que os apontamentos aristoteacutelicos tecircm sido profiacutecuos principalmente em funccedilatildeo daquilo que nos recorda Meyer (2000 p XXXIX) ldquoPara Aristoacuteteles [] as paixotildees estatildeo intimamente associadas ao apetite sensiacutevel o qual eacute fl utuante e por isso desestabiliza o homemrdquo Por meio dessa transiccedilatildeo instaacutevel que fundamenta o campo sensiacutevel humano eacute entatildeo que as paixotildees ganham campo para infl igir dor ou prazer em quem as sente Eacute importante ressaltar poreacutem que na retoacuterica especifi camente as paixotildees satildeo entendidas como ldquoresposta a outra pessoa e mais precisamente agrave representaccedilatildeo que ela faz de noacutes em seu espiacuterito As paixotildees refl etem no fundo as representaccedilotildees que fazemos dos outros considerando-se o que eles satildeo para noacutes realmente ou no domiacutenio de nossa imaginaccedilatildeordquo (MEYER 2000 p XLI) Sendo assim nesse campo do saber as paixotildees estatildeo relacionadas a situaccedilotildees transitoacuterias provocadas pelo orador por essa razatildeo natildeo satildeo entendidas como virtudes ou viacutecios permanentes (cf FONSECA 2000 p XV)

Visto que discorremos sobre as delimitaccedilotildees que compreendem as paixotildees humanas passemos agraves caracterizaccedilotildees desses estados de que o orador lanccedila matildeo com o intuito de transformar as disposiccedilotildees em que se encontram os homens Como explicita Meyer (2000 p XXXIX) em seu prefaacutecio cada uma das paixotildees remonta a um turbilhatildeo uma confusatildeo que apesar de desorientadora e altamente modifi cadora eacute transitoacuteria moacutevel capaz de ser revertida e subvertida Aleacutem disso eacute um refl exo sensiacutevel do outro ou seja eacute a ponte que conecta os homens por meio do campo passional Ademais e sobretudo cada paixatildeo despertada por um orador defl agra muito da existecircncia do proacuteprio sujeito que testemunha o ato discursivo Por meio do afl orar dos sentimentos o indiviacuteduo

- 145 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

abre entatildeo as portas do seu campo sensiacutevel deixando que o outro conheccedila suas disponibilidades e por consequecircncia suas motivaccedilotildees e valores

Fica clara entatildeo a importacircncia dessa instacircncia para o campo da retoacuterica uma vez que ao saber quais satildeo os valores com os quais o auditoacuterio compactua o orador pode seguir seu caminho argumentativo de forma muito mais segura e precisa Eacute nesse sentido que como estrateacutegia retoacuterica as paixotildees satildeo consideradas uma das premissas do entimema (silogismo retoacuterico) (cf SILVA 2013 p 13)

Para nos aprofundarmos ainda mais nesse universo eacute preciso visitar a classifi caccedilatildeo das paixotildees descritas por Aristoacuteteles na obra mencionada Vejamos entatildeo as 14 paixotildees apresentadas na Retoacuterica ira calma amizade (amor) inimizade (oacutedio) temor (medo) confi anccedila amabilidade (favor) vergonha desvergonha (impudecircncia) piedade (compaixatildeo) indignaccedilatildeo inveja emulaccedilatildeo e indelicadeza (desprezo)

De acordo com o exposto podemos compreender que as paixotildees compotildeem um arcabouccedilo no qual se inserem as mais diversas nuances dos estados da alma humana O orador pode e deve entatildeo adentrar e explorar tal arcabouccedilo com o intuito de infl amar a paixatildeo que mais se adeacuteque ao objetivo de seu discurso Mediante as paixotildees elencadas tambeacutem eacute possiacutevel compreender que uma vez confi gurados tais estados transitoacuterios que transformam o julgamento humano desencadeia-se um processo para seus devidos efeitos A descriccedilatildeo de tal processo constitui o cerne do presente trabalho

Antes poreacutem de investigar os caminhos que as paixotildees percorrem no campo afetivo eacute necessaacuterio descrever cada uma delas Vejamos entatildeo uma breve explanaccedilatildeo para cada uma dessas afecccedilotildees

Coacutelera eacute um impulso de vinganccedila causado por injustifi cada negligecircncia em relaccedilatildeo ao outro ou aos que satildeo seus queridos

- 146 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Essa paixatildeo reequilibra a diferenccedila causada pela insolecircncia pelo despeito e pelo desprezo Consiste na tentaccedilatildeo de causar desgosto ao outro Tange portanto ao pessoal a questotildees particulares entre sujeitos

Calma eacute o contraacuterio e talvez o antiacutedoto da coacutelera Confi gura o estado de apaziguamento apoacutes um tormento estrondoso e recria a simetria entre os indiviacuteduos

Amor eacute desejar para algueacutem aquelas coisas que vocecirc considera boas (desejando-as para o outro e natildeo para si) e tentar ao maacuteximo fazer com que elas ocorram Eacute entatildeo o laccedilo de identidade com o outro

Oacutedio eacute dissociador Eacute a acircnsia por querer causar mal ao outro Diferentemente da coacutelera o oacutedio diz respeito agrave inimizade em relaccedilatildeo ao geral agraves classes natildeo ao particular Odeiam-se aos ladrotildees malfeitores e carrascos agraves classes natildeo aos sujeitos Quem sente coacutelera quer que o causador de seu tormento sinta em seu lugar seu mal enquanto quem sente oacutedio deseja que seu alvo desapareccedila

Temor uma dor ou distuacuterbio decorrente da projeccedilatildeo de um mal iminente que tem caracterizaccedilatildeo destrutiva e penosa Eacute acompanhado de uma expectativa Temem-se entatildeo os maus que podem nos arruinar ou arruinar quem nos eacute querido

Confi anccedila (seguranccedila) eacute o oposto do medo Eacute acompanhada da esperanccedila (antecipaccedilatildeo) das coisas que levam agrave seguranccedila como algo proacuteximo enquanto as causas do medo parecem inexistentes ou distantes

Vergonha valoriza a imagem que o outro cria de noacutes eacute dor ou perturbaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao presente passado ou futuro que achamos que tenderaacute ao nosso descreacutedito de acordo com a visatildeo de outrem Caracteriza a inferioridade que sentimos em relaccedilatildeo ao outro

- 147 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Impudecircncia (desvergonha) tambeacutem ocorre de acordo com a imagem que criam de noacutes poreacutem essa concepccedilatildeo natildeo nos traz dor alguma pelo contraacuterio cria indiferenccedila que anula qualquer possibilidade do desgosto Defl agra a posiccedilatildeo de superioridade em que nos colocamos em relaccedilatildeo ao julgamento do outro

Favor (obsequiosidade) bondade desinteressada em fazer ou devolver o bem ao outro

Compaixatildeo (piedade) sentimento de dor considerado como sendo um mal destrutivo ou doloroso que recai sobre quem natildeo o merece Eacute despertada quando pensamos que noacutes mesmos ou algueacutem proacuteximo a noacutes poderia sofrer tal mal sobretudo quando essa possibilidade parece real e alardeadora

Indignaccedilatildeo compreende uma dor ao avistar o destino de algueacutem que natildeo o mereceu

Inveja anguacutestia perturbadora dirigida agrave boa sorte de um igual A dor eacute sentida natildeo porque se deseja algo mas porque as outras pessoas o tecircm Eacute relacionada entatildeo ao sentimento de querer tirar ou destruir o que eacute de outrem

Emulaccedilatildeo relaciona-se ao movimento de imitaccedilatildeo ao outro Sentimento em relaccedilatildeo aos bens ou conquistas de outrem que consideramos desejaacuteveis e que estatildeo ao nosso alcance Eacute uma dor sentida natildeo porque as outras pessoas tenham tais bens mas porque natildeo os temos tambeacutem o que nos impele a querer possuiacute-los

Desprezo antiacutetese da emulaccedilatildeo As pessoas que estatildeo em posiccedilatildeo de serem imitadas tendem a sentir desprezo por aqueles que estatildeo sujeitos a quaisquer males (defeitos e desvantagens) Assim o desprezo pressupotildee que o outro natildeo merece o que tem pelo fato de ser inferior ao seu destino

Ao observar as defi niccedilotildees das 14 paixotildees aristoteacutelicas descritas no livro II podemos compreender melhor as mais diversas

- 148 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nuances que alteram o juiacutezo do homem Ainda nessa perspectiva a teoacuterica Carmen Trueba Atienza apoacutes estudar as obras Da alma Retoacuterica e Poeacutetica de Aristoacuteteles elabora uma ldquoteoria aristoteacutelica das emoccedilotildeesrdquo3 Refl itamos entatildeo brevemente sobre as proposiccedilotildees da pesquisadora em seu estudo de 2009

O objetivo do trabalho de Trueba Atienza eacute reconstruir a parte central das diferentes abordagens sobre as paixotildees que se encontram de acordo com a autora dispersas no corpus aristoteacutelico Ao analisar e discutir os aspectos interpretativos mais recorrentes na atualidade a autora investiga as diversas engrenagens passionais (como por exemplo os processos fi sioloacutegicos e as sensaccedilotildees fiacutesicas) Ademais refl ete sobre os estados e processos cognitivos para entatildeo propor uma visatildeo cognitivista das paixotildees aristoteacutelicas

A primeira proposiccedilatildeo apresentada eacute que por meio das evidecircncias deixadas no corpus aristoteacutelico ldquoAristoacuteteles considera as paixotildees ou emoccedilotildees afecccedilotildees psicofiacutesicas associadas a alteraccedilotildees fi sioloacutegicas e que envolvem sensaccedilotildees de dor ou prazerrdquo4

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 152 traduccedilatildeo nossa) Essas alteraccedilotildees natildeo satildeo instauradas apenas na alma humana mas tambeacutem no corpo de quem estaacute agrave mercecirc de uma das paixotildees O sentido de dorprazer aqui se estende para um campo que foge do psiacutequico adentrando o campo sensorial Uma vez desencadeados os sentimentos de dor ou prazer estados e processos cognitivos se manifestam Isto eacute tal sentimento instaura um estado mental em quem o sente fazendo o sujeito criar signifi caccedilotildees cognitivas tais como sensaccedilotildees ou percepccedilotildees impressotildees sensiacuteveis ou racionais e crenccedilas ou julgamentos

A partir da manifestaccedilatildeo desses processos o indiviacuteduo cujo juiacutezo e corpo sofreram alteraccedilotildees passionais eacute lanccedilado a posiccedilotildees 3 Em espanhol La teoria aristoteacutelica de las emociones4 ldquoAristoacuteteles considera las pasiones o emociones afecciones psicofiacutesica associadas com alteraciones fi sioloacutegicas y que conllevan sensaciones de dolor yo placerrdquo (TRUE-BA ATIENZA 2009 p 152)

- 149 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e determinaccedilotildees em relaccedilatildeo ao mundo e agrave questatildeo relacionada ao desencadeamento das paixotildees Isso por fi m gera os desejos ou impulsos que remetem ao movimentoaccedilatildeo daquele sujeito em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica que alterou seu campo emocional em um niacutevel psicofiacutesico

Trueba Atienza (2009) entatildeo a partir do arcabouccedilo aristoteacutelico afi rma que as emoccedilotildees satildeo afecccedilotildees psicofiacutesicas complexas que envolvem segundo o proacuteprio fi loacutesofo

1) alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos

2) sentimentos de prazer eou dor

3) estados ou processos cognitivos tais como

a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis)

b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia)

c) crenccedilas (doxai) ou julgamentos (hypolepsis)

4) atitudes ou disposiccedilotildees para com o mundo e

5) desejos ou impulsos (orexis)5

De acordo com a autora (2009 p 168 traduccedilatildeo nossa) ldquoa atenccedilatildeo que Aristoacuteteles dedica a cada um desses cinco aspectos das emoccedilotildees depende em grande parte da relaccedilatildeo que eles tecircm com as questotildees fi losoacutefi cas que ele analisa e discute nos diferentes lugares em que lida com emoccedilotildees ou faz alguma alusatildeo a elasrdquo6 Podemos ainda observar que cada uma dessas cinco instacircncias satildeo de alguma maneira elementos constitutivos das emoccedilotildees

5 Reorganizado com base no original em espanhol6 ldquoLa atencioacuten que Aristoacuteteles le dedica a cada uno de estos cinco aspectos de las emociones depende en gran medida de la relacioacuten que ellos guardan con las cuestiones fi losoacutefi cas que eacutel analiza y discute en los diferentes lugares del corpus en los que se ocupa de las emociones o hace alguna alusioacuten a ellasrdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 150 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao terceiro item do esquema os componentes cognitivos da emoccedilatildeo podem ser separados uns dos outros mas (como veremos por meio do exemplo da autora) haacute casos que admitiriam combinaccedilotildees dependendo do grau de complexidadeintensidade da emoccedilatildeo em questatildeo Assim

o medo poderia vir acompanhado da percepccedilatildeo de um objeto (o fogo) e da impressatildeo avaliativa de que se trata de um perigo iminente da crenccedila de que o fogo eacute de tal magnitude que pode causar grandes danos e do julgamento de que temos que fugir neste momento [] o medo do fogo seria acompanhado de palidez eou tremor a sensaccedilatildeo de dor a atitude de alerta e o desejo de ser salvo7

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 168 traduccedilatildeo nossa)

Por meio desse exemplo a autora demonstra que o alcance passional de cada um dos componentes da emoccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a natureza de cada afecccedilatildeo e tambeacutem de acordo com a disposiccedilatildeo das pessoas e as circunstacircncias particulares nas quais elas experimentam tais paixotildees Isso faz com que lancemos matildeo de outro autor da atualidade para compreender melhor a instacircncia do pathos dentro da Retoacuterica

Antes poreacutem eacute importante ressaltar que o pathos ao lado do ethos e do logos integra o tripeacute retoacuterico Enquanto o primeiro se refere ao auditoacuterio e ao conjunto de paixotildees por ele sentidas o veacutertice do ethos pode ser relacionado ao orador ou seja

7 ldquoel temor podriacutea ir acompanhado de la percepcioacuten de un objeto (el fuego) y de la impresioacuten evaluativa de que se trata de un peligro inminente de la creencia de que el fuego es de tal magnitud que puede acarrear un gran dantildeo y del juicio de que hay que huir en este momento Pero en cualquier caso los componentes cognitivos iriacutean acompantildeados del resto de los componentes de las emociones Retomando el ejemplo anterior el temor por el fuego iriacutea acompanhado de la palidez yo el temblor la sensacioacuten de dolor la actitud alerta y el deseo de sal-varserdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 151 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

compreende agrave construccedilatildeo imageacutetica que ele proacuteprio sustenta de si ademais tudo o que remonta agrave imagem que o auditoacuterio cria de seu orador O logos por sua vez abrange toda a mateacuteria que compotildee o discurso proferido ou seja as provas os argumentos as fi guras os exemplos a linguagem o estilo

De volta ao primeiro veacutertice no artigo ldquoO que eacute pathosrdquo Francisco Martins discorre sobre as vaacuterias acepccedilotildees do termo desde sua origem ligada ao ato de fi losofar ateacute os dias atuais Cada uma dessas defi niccedilotildees faz alusatildeo a um determinado campo do saber o que possibilita diversas conexotildees semacircnticas entre as inuacutemeras caracterizaccedilotildees apresentadas

Passando pela concepccedilatildeo contemporacircnea do termo bastante simplifi cadora por sinal Martins (1999 p 65) recorda que a palavra pathos (transformada em um radical) direciona quase que exclusivamente ldquoa uma concepccedilatildeo de doenccedila na sua forma meacutedica atualrdquo daiacute os termos patoloacutegico patologia patologista Poreacutem o autor enfatiza que essa palavra teve uma origem fi losoacutefi ca e eacute este o ponto que nos interessa na abordagem aqui proposta A esse respeito leiamos o que elucida o pesquisador

O conceito de pathos traz consigo possibilidades e problemas mais amplos que o sentido de doenccedila natildeo fazendo parte de um soacute campo de estudos como a palavra ldquopatologiardquo indica Investigando-se com mais cuidado percebe-se que se trata de uma dimensatildeo essencial humana O pathos seria compreendido como uma disposiccedilatildeo (Stimmung) originaacuteria do sujeito que estaacute na base do que eacute proacuteprio do humano Assim o pathos atravessa toda e qualquer dimensatildeo humana permeando todo o universo do ser Natildeo seria entatildeo uma surpresa redescobrir o pathos como estando na base da fi losofi a que infl uenciou toda a construccedilatildeo do mundo moderno e em

- 152 -

AS CRISES NADA CONTEMPORANEIDADE ANAacuteLISES DISCURSIVAS

especial da ciecircncia a fi losofi a grega Toda e qualquer tentativa de elucidar o pathos de maneira mais aprofundada passaria natildeo somente pelas regionalizaccedilotildees do ponto de vista de aacutereas de conhecimento especiacutefi cas mas pela fi losofi a na sua totalidade Eacute do horizonte do logos que se torna possiacutevel um panorama organizador desta questatildeo humana Evidencia-se a impossibilidade de que o pathos possa vir a ser objeto de estudo de uma soacute disciplina ele eacute um conceito inerente ao ser (MARTINS 1999 p 66 grifos nossos)

A partir dessa visatildeo mais ampla do termo nos eacute conveniente neste trabalho retornar agrave concepccedilatildeo originaacuteria do termo e tomaacute-lo de acordo com o autor como ldquouma disposiccedilatildeo originaacuteria do sujeitordquo E natildeo paramos por aiacute Seguindo a linha de raciociacutenio proposta no artigo essa ldquodisposiccedilatildeordquo faz tambeacutem referecircncia agravequilo que natildeo estaacute ocupado por consequecircncia que se encontra livre desimpedido E eacute exatamente sobre esta concepccedilatildeo que iremos nos debruccedilar pois eacute ela que julgamos mais produtiva na compreensatildeo da instacircncia do pathos dentro da retoacuterica Como veremos a seguir nossa proposta partiraacute especifi camente dessa concepccedilatildeo

Com base nas refl exotildees apresentadas propomos abaixo uma possiacutevel trajetoacuteria das paixotildees tal como acreditamos suceder dentro do processo persuasivo Para tanto estabelecemos os seguintes estaacutegios

- 153 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 1 ndash A trajetoacuteria da paixatildeo

Fonte elaboraccedilatildeo da autora

Nos paraacutegrafos que se seguem nos dedicaremos a caracterizar cada um dos estaacutegios supracitados e que compotildeem a trajetoacuteria da paixatildeo conforme nossa leitura da obra aristoteacutelica

I - Disponibilidade

Dentro da Retoacuterica a instacircncia do pathos se refere ao auditoacuterio e suas paixotildees Portanto para que um discurso seja persuasivo sugere-se que o orador ao elaborar sua argumentaccedilatildeo recorra ao terreno emocional de seu ouvinte Natildeo obstante esse caminho soacute se torna viaacutevel quando as emoccedilotildees do auditoacuterio se encontram disponiacuteveis para a exploraccedilatildeo do orador Para isso eacute necessaacuteria uma disponibilidade afetiva por parte do auditoacuterio que permita criar espaccedilo para a paixatildeo preconizada por quem profere o ato argumentativo Em outras palavras um auditoacuterio soacute sentiraacute determinada paixatildeo (afecccedilatildeo) se estiver aberto de acordo com sua preacute-disposiccedilatildeo cognitiva a experimentar aquela emoccedilatildeo

O estaacutegio da Disponibilidade portanto tange a aceitaccedilatildeo e a disposiccedilatildeo emocional do auditoacuterio agraves emoccedilotildees propostas em um

- 154 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

determinado discurso Nessa etapa uma vez que a paixatildeo lanccedilada pelo orador encontra espaccedilo no campo afetivo do auditoacuterio a trajetoacuteria das paixotildees recebe aval para percorrer de forma imbatiacutevel a maacutequina humana Atinge-se assim o segundo estaacutegio

II - Identifi caccedilatildeoNessa etapa tem lugar um aspecto primordial do processo

persuasivo sem o qual nenhum dos passos subsequentes se fariam possiacuteveis Trata-se da Identifi caccedilatildeo Por meio dela acionam-se estados ou processos cognitivos tais como a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis) e b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia) Vemos nesse estaacutegio uma coincidecircncia com aquilo que Trueba Atienza (2009) pocircde verifi car no arcabouccedilo aristoteacutelico

Eacute tambeacutem por meio da Identifi caccedilatildeo que as paixotildees conseguem exercer sua ldquofunccedilatildeo intelectual epistecircmica operam como imagens mentais informam-me sobre mim e sobre o outro tal como ele age em mimrdquo (MEYER 2000 p XLII) Dessa maneira fi ca evidente que soacute vou me sensibilizar se antes conseguir me identifi car Quando isso acontece passamos ao terceiro estaacutegio da trajetoacuteria

III - Alteraccedilatildeo psicofiacutesica

Nessa fase em decorrecircncia dos processos identitaacuterios como parte integrante do auditoacuterio passo a experienciar alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos seguidos de sentimentos de prazer eou dor tal como descritos por Aristoacuteteles

Seguindo essa linha de raciociacutenio Trueba Atienza (2009 p 149 traduccedilatildeo e grifos nossos) fundamentada na obra Da alma assim se expressa ldquoAs afecccedilotildees da alma parecem se dar com o corpo lsquovalor docilidade medo compaixatildeo ousadia assim como a alegria o amor e o oacutedio O corpo desde entatildeo resulta afetado conjuntamente em todos esses casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo8 8 ldquoLas afecciones del alma parecen darse con el cuerpo lsquovalor dulzura miedo compasioacuten osadiacutea asiacute como la alegriacutea el amor y el odio El cuerpo desde luego resulta

- 155 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Vemos entatildeo que a paixatildeo natildeo se limita a exercer uma funccedilatildeo intelectual ou epistecircmica como ressaltado no estaacutegio anterior Aqui ela atinge tambeacutem o corpo e o interpela e o conduz juntamente com a mente a uma mudanccedila de julgamento Assim atingimos o estaacutegio subsequente

IV - Mudanccedila de julgamentoNessa fase podemos observar uma alteraccedilatildeo nos estados ou

processos cognitivos no que tangem as crenccedilas (doxai) ou os julgamentos (hypolepsis) do auditoacuterio Essa alteraccedilatildeo decorre da mudanccedila ocorrida no espiacuterito em funccedilatildeo da experiecircncia de dor eou de prazer Como nos recorda Aristoacuteteles (2015 p 116) ldquonesse estado observa-se uma notaacutevel diferenccedila nos julgamentos proferidosrdquo9

Dessa maneira assistimos agrave conjunccedilatildeo do corpo e da mente impulsionados por uma mesma causa Nessa sintonia e instigado pela Mudanccedila de julgamento o auditoacuterio se vecirc convocado agrave accedilatildeo Assim caminhamos fi nalmente para o aacutepice da trajetoacuteria passional o estaacutegio da Accedilatildeo

V - Accedilatildeo

Por fi m o processo persuasivo atinge seu objetivo uacuteltimo qual seja o de conduzir o auditoacuterio agrave accedilatildeo Como enfatiza Abreu (2002 p 25) ldquoPersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para agirrdquo

Nesse estaacutegio portanto podemos assistir ao espetaacuteculo das atitudes ou disposiccedilotildees do auditoacuterio para com o mundo Assim na esteira aristoteacutelica sistematizada por Trueba Atienza (2009) o auditoacuterio poderaacute por fi m e inevitavelmente dar vazatildeo a seus desejos ou impulsos (orexis) Esse processo nos faz recordar as palavras do

afectado (paacuteschei) conjuntamente en todos estos casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo9 Por essa razatildeo Solomon (1980 p 35 traduccedilatildeo nossa) defende que ldquouma emoccedilatildeo eacute necessariamente um julgamento apressado em resposta a uma situaccedilatildeo difiacutecilrdquo (ldquoAn emotion is a necessarily hasty judgment in response to a diffi cult situationrdquo) Nesse sentido uma emoccedilatildeo jaacute eacute potencialmente um julgamento

- 156 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

fi loacutesofo belga quando afi rma ldquoA paixatildeo tornada incontornaacutevel exige a accedilatildeo Daiacute a obrigatoacuteria relaccedilatildeo eacutetica com a paixatildeo pois a moral se estriba numa justa deliberaccedilatildeo capaz de ensejar a accedilatildeordquo (MEYER 2000 p XXXIV)

Somente assim podemos considerar que o processo persuasivo chegou ao seu fi m e podemos entatildeo assistir ao fechamento do ciclo Nesse estaacutegio por tanto todas as demais fases precedentes exercem seu papel e estabelecem sua importacircncia ldquoO circuito estaacute fechado haacute paixatildeo porque haacute accedilatildeo e essa reciprocidade inscreve-se como interaccedilatildeo de diferenccedilas no seio de uma mesma identidade de uma mesma comunidaderdquo (MEYER 2000 p XXXVII)

Como balanccedilo da trajetoacuteria das paixotildees por noacutes proposta gostariacuteamos de fi nalizar com um dos trechos mais emblemaacuteticos sobre o assunto e que ao nosso ver transita por todo o percurso passional aqui sugerido

A paixatildeo eacute decerto uma confusatildeo mas eacute antes de tudo um estado de alma moacutevel reversiacutevel sempre suscetiacutevel de ser contrariado invertido uma representaccedilatildeo sensiacutevel do outro uma reaccedilatildeo agrave imagem que ele cria de noacutes uma espeacutecie de consciecircncia social inata que refl ete nossa identidade tal como esta se exprime na relaccedilatildeo incessante com outrem Reequiliacutebrio que assegura a constacircncia na variaccedilatildeo multiforme que o outro assume em sociedade a paixatildeo eacute resposta julgamento refl exatildeo sobre o que somos porque o outro eacute pelo exame do que o outro eacute para noacutes Lugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircncia (MEYER 2000 p XXXIX-XL)

- 157 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Mediante a amplitude do arcabouccedilo aristoteacutelico e seu inegaacutevel impacto para o avanccedilo intelectual da humanidade no presente capiacutetulo tivemos o propoacutesito revisitar um de seus mais relevantes legados sua retoacuterica das paixotildees Para isso buscamos perscrutar a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade pois nosso intuito foi desde o princiacutepio compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

Acreditamos ter cumprido nosso objetivo e esperamos que a proposiccedilatildeo da trajetoacuteria das paixotildees aqui empreendida sirva de estiacutemulo para os investigadores da aacuterea e constitua tambeacutem um caminho mais curto frente ao complexo e inacabado entendimento do universo passional do homem e de suas consequecircncias

REFEREcircNCIAS

ABREU A S A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo 5 ed Cotia Ateliecirc Editorial 2002

ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Prefaacutecio de Michel Meyer Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

______ Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo do grego Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena Satildeo Paulo Folha de S Paulo 2015 (Coleccedilatildeo Folha Grandes nomes do pensamento v 1)

- 158 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

HOUAISS Dicionaacuterio eletrocircnico Rio de Janeiro HouaissObjetiva 2009

MARTINS Francisco O que eacute pathos Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental Satildeo Paulo v 2 n 4 p 62-80 OctDec 1999

MEYER Michel Aristoacuteteles ou a retoacuterica das paixotildees (Prefaacutecio) In ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p XVII-LI

SILVA Christiani Margareth de Menezes A dimensatildeo cognitiva da paixatildeo em Aristoacuteteles EIDampA ndash Revista Eletrocircnica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentaccedilatildeo Ilheacuteus n 4 p 13-23 jun 2013

SOLOMON Robert C Emotions and choice Th e Review of Metaphysics v 27 n 1 p 20-41 Sep 1973 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable20126349seq=1page_scan_tab_contentsgt Acesso em 28 out 2017

TRUEBA ATIENZA Carmen La teoriacutea aristoteacutelica de las emociones Signos fi losoacutefi cos Meacutexico v 11 n 22 juldic 2009

- 159 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Moacir Lopes de Camargos

Como se fosse um raio que quebra seus ossos e te deixa varado no meu paacutetio

Julio Cortaacutezar

PARA INICIAR

No ano em que completo 50 anos tambeacutem completa 50 anos de AI5 Ato Institucional nuacutemero 5 decretado pelo General Meacutedici Se por um lado posso comemorar minha data o que escolhi natildeo fazecirc-lo tendo em vista que por destino talvez nesta minha data completo tambeacutem 10 anos na cidade de inverno frio deste ditador Por outro restam perguntas e medos e ainda ecoam signos (prisatildeo censura tortura morte) que refl etem e refratam uma realidade outra mas natildeo distante A memoacuteria natildeo pode apagar a (minha) nossa histoacuteria latino-americana mas do silecircncio vem as formas signifi cativas de muitas possiacuteveis respostas Como mostra a canccedilatildeo La memoria do cantor e compositor argentino Leoacuten Gieco

Los viejos amores que no estaacutenLa ilusioacuten de los que perdieronTodas las promesas que se van

Y los que en cualquier guerra cayeron

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historia

QUANDO A LINGUA(GEM) ME AFETA

- 160 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El engantildeo y la complicidadDe los genocidas que estaacuten sueltos

El indulto y el punto fi nalA las bestias de aquel infi erno

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historiaLa memoria despierta para herir

A los pueblos dormidosQue no la dejan vivirLibre como el viento

Los desaparecidos que se buscanCon el color de sus nacimientos

El hambre y la abundancia que se juntanEl mal trato con su mal recuerdo

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

Dos mil comeriacutean por un antildeoCon lo que cuesta un minuto militar

Cuaacutentos dejariacutean de ser esclavosPor el precio de una bomba al mar

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

La memoria pincha hasta sangrarA los pueblos que la amarran

Y no la dejan andarLibre como el viento

Todos los muertos de la amIaY de la embajada de israel

- 161 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El poder secreto de las armasLa justicia que mira y no ve

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

Fue cuando se callaron las iglesiasCuando el fuacutetbol se lo comioacute todoQue los padres palotinos y angelelli

Dejaron su sangre en el lodo

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

La memoria estalla hasta vencerA los pueblos que la aplastan

Y no la dejan serLibre como el viento

La bala a chico meacutendez en brasil150000 Guatemaltecos

Los mineros que enfrentan al fusilRepresioacuten estudiantil en meacutexico

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historia

Ameacuterica con almas destruidasLos chicos que mata el escuadroacutenSuplicio de mugica por las villas

Dignidad de rodolfo walsh

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historiaLa memoria apunta hasta matar

- 162 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A los pueblos que la callanY no la dejan volar

Libre como el viento

E como tudo estaacute clavado na nossa memoacuteria como nos ensina a canccedilatildeo seja individual ou coletiva busco em minhas memoacuterias narrativas de experiecircncias para trazer outras perguntas e assim gestar outras possiacuteveis respostas ou continuar com outras perguntas Sobre a experiecircncia o professor Larrosa (2004) nos mostra que

O sujeito da experiecircncia eacute um sujeito ex-posto Do ponto de vista da experiecircncia o importante natildeo eacute nem a posiccedilatildeo (nossa maneira de pocircr-nos) nem a o-posiccedilatildeo (nossa maneira de opor-nos) nem a im-posiccedilatildeo (nossa maneira de impor-nos) nem a pro-posiccedilatildeo (nossa maneira de propor-nos) mas a exposiccedilatildeo nossa maneira de ex-por-nos com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e risco Por isso eacute incapaz de experiecircncia aquele que se potildee ou se opotildee ou se impotildee ou se propotildee mas natildeo se ex-potildee Eacute incapaz da experiecircncia aquele a quem nada lhe passa a quem nada lhe acontece a quem nada lhe sucede a quem nada lhe toca nada lhe chega nada lhe afeta a quem nada lhe ameaccedila a quem nada lhe fere (LARROSA 2004 p 161)

Assim busco em outras vozes para narrar um pouco do que me afeta e me toca neste momento Embora este texto apareccedila em primeira pessoa natildeo sou o autor absoluto pois outras vozes e enunciados me constituem e me modifi cam constantemente Se a historia eacute minha eu natildeo sou a uacutenica voz que a compotildee porque como escreve Daniel Viglietti1

1 Muacutesica otra voz canta do cd A dos vocecircs de Daneil Viglietti

- 163 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Por detraacutes de mi voz-escucha escucha -

otra voz canta

Viene de detraacutes de lejosViene de sepultadas

boca y canta

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha ndashmientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Escucha escuchaOtra voz canta

Dicen que ahora vivenEn tu mirada

(sosteacutenlos con tus ojoscon tus palabras

sosteacutenlos con tu vidaque no se pierdanque no se caigan)

Escucha escuchaOtra voz canta

No son soacutelo memoriaSon vida abierta

Continua y anchaSon camino que empieza

Cantan conmigoConmigo cantan

- 164 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha-mientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Cantan conmigoConmigo cantan

Tomando a perspectiva bakhtiniana sobre autor este eacute polifocircnico pois escuta as vozes (ante)passadas as vozes presentes e responde a elas Assim

a seleccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo impliacutecita daquilo que se elege para ser contado conferem ao narrador a condiccedilatildeo de autor Eacute uma histoacuteria que tendo em vista minha histoacuteria uacutenica e irrepetiacutevel que reside na memoacuteria social do grupo essa historia natildeo eacute soacute minha Desse modo natildeo posso ser a autora dela mas somente da narrativa circunscrita ao meu projeto de dizer Aos motivos que me levaram a narraacute-la Por ser a histoacuteria do grupo faz parte da tradiccedilatildeo coletiva (LIMA 2005 p52)

Trago entatildeo uma primeira narrativa2 para contar algo do passado ()

Pois se eles querem meu sangue Teratildeo o meu sangue soacute no fi m

E se eles querem meu corpo Soacute se eu estiver morto soacute assim

(Querem meu sangue - Cidade Negra)

2 As narrativas deste texto satildeo narradas segundo minha memoacuteria mas as palavras natildeo foram apagadas apenas omiti detalhes

- 165 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Cidadezinha qualquer de Minas sob a atmosfera pluacutembea no iniacutecio dos anos 80 mas pode ser (ainda hoje) de qualquer lugar do Brasil uma pracinha tranquila uma pensatildeo velha com um boteco em frente e um corpo abjeto agonizante na calccedilada do bar Um corte profundo em seu nariz seguindo pelo seu rosto Borbulhas de sangue em seus olhos Gritos agudos desesperados Apenas um vestido surrado e sandaacutelias velhas Mais sangue pelo corpo pela calccedilada pelos cacos de vidro Gritos Em instantes uma multidatildeo curiosa Filho da puta ladratildeo Chutes Pontapeacutes Socos E a rapidez da poliacutecia encanta impressiona nesses momentos Alguma coisa fora da ordem Poliacutecia para quem precisa Mais gritos prisatildeo para o Joatildeo Muieacute boacuteia-fria favelado sem vergonha vagabundo vira omi Seu corpo ensanguentado rosto com choro cortado arrastado e espancado diante da multidatildeo jogado dentro do camburatildeo Corpo pichador da cidade A multidatildeo feliz Risos Mais um fi nal feliz Nesse instante minha mudez me delatou apenas continuei com a imagem do rosto ensanguentado Era o meu vizinho era aquele corpo natildeo permitido de caminhar na cidade ldquolimpardquo Adolescentemente continuei mudo perplexo e natildeo entendi nada Meus olhos fi caram parados Eu tinha apenas 15 anos mas jaacute conhecia muito bem as diferentes violecircncias Natildeo soube caminhar naquele instante tinha que voltar ao bar e limpar o sangue os cacos E a cidadezinha continuou devagar homem mulher cachorro burro e poliacutecia Paz Seraacute que Drummond diria ecircta vida besta meu deus

Haacute um iacutenterim entre essa narrativa e tantas outras vividas na infacircncia e adolescecircncia no campo e numa cidade do interior Passaram os acontecimentos mas natildeo passou jamais a dor e a(s) paisagem(ns) que me recuso a revecirc-las Eacute um tempo do qual eu

- 166 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo quero guardar lembranccedilas Eacute um tempo que queria esquecer para sempre mas como natildeo posso fazecirc-lo pois minha memoacuteria insiste em trazecirc-los agrave tona escrevo

Assim segue a segunda narrativa

Quando completei 20 anos ainda em tempos sombrios sem democracia (1988) eu estava em meu primeiro emprego lavar pratos em uma cozinha de um drive in para sexo e drogas na cidade de Uberlacircndia MG Trabalhava de 17 horas as 5 da manhatilde e voltava para casa becircbado de sono em uma rua empoeirada A Lagoinha periferia fi cava a 40 minutos desse trabalho Eu dormia o dia todo e isso era bom pois economizava a comida ou seja comia uma uacutenica vez no dia na casa de conhecidos que me receberam Em um dos retornos para casa quase chegando em casa eis que uma viatura da poliacutecia em um fi at 147 cor bege me parou em frente ao centro do bairro um local com preacutedios tipo uma escola com quadra para esporte Era ali onde os moradores daquela periferia se reuniam para cursos diversos atividades esportivas pegar livros da Kombi itinerante da biblioteca municipal dentre tantas outras atividades Havia dois policiais na viatura O motorista me disse -Pare Era frio de junho e com minhas roupas rotas o frio aumentou e senti todo meu corpo tremer Tinha um xerox de minha identidade no bolso e nas matildeos uma sacolinha de plaacutestico com caixinhas vazias de catupiri que sempre levava para as crianccedilas brincarem pois o sabor de tal queijo nunca tiacutenhamos saboreado talvez em sonhos Os dois policiais desceram rapidamente do carro e gritaram com as matildeos em suas armas -Matildeos na grade Natildeo havia muro que cercava o centro de bairro era uma grade de metal que protegia o local De repente levei um empurratildeo e senti minha cara

- 167 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sendo amassada na tela grossa de arame Natildeo podia mover-me apenas olhei a sala iluminada com as maacutequinas de escrever todas manuais Era ali onde eu sonhava em ter um trabalho importante decente digno pois 3 vezes por semana driblava o cansaccedilo e a fome para sentir o tic tac estalado das maacutequinas de escrever em meus sonhos meu futuro Segurei forte nos arames enquanto um deles gritou - Vagabundo preguiccediloso natildeo sabe falar natildeo tem ouvido Onde cecirc mora O que taacute fazendo na rua a essa hora Gritou forte e senti o cassetete pressionar meu pescoccedilo apertar minha cara na tela de arame Eu natildeo podia falar nada estava sem voz sem lingua(gem) Senti apenas uma dor profunda de uma ponta de arame que penetrou meu rosto e senti o sangue escorrer Meu medo aumentou Ele torceu o meu braccedilo e gritou - Viado fi lho da puta cecirc merece muita porrada Continuei mudo semi-morto Recebi um chute e o aliacutevio no pescoccedilo quando o cassetete foi retirado Quando me virei um deles me apontava a arma e gritou - Some daqui agora Peguei as caixinhas vazias na calccedilada e sai socircfrego tremendo e eles riam de deboche do meu corpo magro fraacutegil enfi m de minha diferenccedila O sangue escorria pelo rosto e a roupa velha surrada estava vermelha Nem pude chorar sabia que natildeo podia falar nada a ningueacutem Meu irmatildeo era policial mas jamais contaria a ele Era uma vergonha se contasse para ele ou algueacutem tudo aquilo eu natildeo tinha amigos Quem poderia acreditar De quem seria a verdade Me restavam a cicatriz na cara e na memoacuteria

Desta narrativa de violecircncia vinham a mim outras palavras que me acompanhavam desde a infacircncia lepra teacutetano paralisia fome morte Poreacutem assim como na muacutesica dos Titatildes o pulso ainda tinha que pulsar

- 168 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O pulso

O pulso ainda pulsaO pulso ainda pulsa

Peste bubocircnicaCacircncer pneumonia

Raiva rubeacuteolaTuberculose e anemiaRancor cisticercoseCaxumba difteria

Encefalite faringiteGripe e leucemia

E o pulso ainda pulsaE o pulso ainda pulsa

Hepatite escarlatinaEstupidez paralisia

Toxoplasmose sarampoEsquizofrenia

Uacutelcera tromboseCoqueluche hipocondria

Siacutefi lis ciuacutemesAsma cleptomania

E o corpo ainda eacute poucoE o corpo ainda eacute pouco

Assim

Reumatismo raquitismoCistite disritmia

Heacuternia pediculoseTeacutetano hipocrisia

- 169 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Brucelose febre tifoacuteideArteriosclerose miopiaCatapora culpa caacuterieCatildeibra lepra afasia

O pulso ainda pulsaE o corpo ainda eacute pouco

Ainda pulsaAinda eacute pouco

PulsoPulsoPulsoPulso

Assim

E o meu corpo ainda tem a memoacuteria daquelas dores violentas da liacutengua(gem) que me marcou Ainda carrego essas marcas siacutegnicas profundas e busco algo de positivo disso tudo natildeo tenho saudades alguma ndash no plural ndash daqueles tempos de adolescecircncia e vida adulta de miseacuteria e violecircncias Nada desses sentimentos me trazem a sensaccedilatildeo de uma falta que pode gestar uma saudade As palavras de violecircncia com quais me feriram quando me veem agrave mente tocam na memoacuteria de minha pele e me remetem aquele corpo fragilizado que tentava circular mas natildeo era desejado na cidade letrada (Rama 1985) Naquele momento fi m da deacutecada de 1980 noacutes da periferia sabiacuteamos que natildeo eacuteramos parte da cidade letrada e ateacute as crianccedilas aprendiam cedo que a ldquocidaderdquo era outro lugar outro mundo teriacuteamos que descer o morro para ldquochegarrdquo a ela Noacutes estaacutevamos fora dela e junto estavam nossos corpos nossa voz nossa lingua(gem) e nossa diferenccedila que nos delatava E como ouvi do Betinho um vizinho - Ce tem sorte de ser branco porque eu tocirc ferrado Quando os homi me pegou eu vinha do coleacutegio a noite e um deles gritou mete porrada nesse macaco Fui parar no hospital

- 170 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como explicam Silva e Alencar (2013 p 137)

dito de outro modo quando um sujeito ou grupo de sujeitos usa a liacutengua para diminuir depreciar desdenhar ou abominar um grupo social ou indiviacuteduo especiacutefi co ele ou ela estaacute usando a liacutengua violentamente ie estaacute afetando uma estrutura de afetos que se sustenta na linguagem

E como naquele poema de Quintana esta foi uma das vezes que me (nos) violentaram que me (nos) assassinaram infelizmente natildeo a primeira como relata o poeta

Da vez primeira em que me assassinaramPerdi um jeito de sorrir que eu tinhaDepois a cada vez que me mataramForam levando qualquer coisa minha

Hoje dos meu cadaacuteveres eu souO mais desnudo o que natildeo tem mais nada

Arde um toco de Vela amareladaComo uacutenico bem que me fi cou

Vinde Corvos chacais ladrotildees de estradaPois dessa matildeo avaramente adunca

Natildeo haveratildeo de arrancar a luz sagrada

Aves da noite Asas do horror VoejaiQue a luz trecircmula e triste como um aiA luz de um morto natildeo se apaga nunca

Natildeo posso narrar ainda das tantas vezes que me assassinaram violentamente pelanacom a lingua(gem) mas sei bem tive que olhar meu cadaacutever morto desnudo e construir asas para alccedilar novo voo sonhar assim como Iacutecaro sem saber onde seria o meu porto Mesmo se eu fosse afogado nas aacuteguas profundas teria que

- 171 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seguir meu voo Deveria voar mesmo que em silecircncio mas seguir voando E palavras me acompanhariam em toda essa trajetoacuteria natildeo poderia esquivar-me delas de seu poder porque como escreve Voloacutechinov

Na realidade nunca pronunciamos ou ouvimos palavras mas ouvimos uma verdade ou mentira algo bom ou mal relevante ou irrelevante agradaacutevel ou desagradaacutevel e assim por diante A palavra estaacute sempre repleta de conteuacutedo e de signifi caccedilatildeo ideoloacutegica ou cotidiana Eacute apenas essa palavra que compreendemos e respondemos que nos atinge por meio da ideologia ou do cotidiano (VOLOacuteCHINOV 2017 p 181 grifos do original)

Ao fi m

Neste ano completo tambeacutem 25 anos de professor de liacutenguas e pensar corpo voz e a lingua(gem) implica em postular que esta pode violar o corpo ou uma estrutura de afetos o que me leva a afi rmar que a linguagem natildeo eacute mera representaccedilatildeo de eventos ou situaccedilotildees no mundo mas uma forma de agir no caso em que descrevo violentamente (Silva e Alencar 2013 p136)

E para ser professor saiacute do campo me instalei na periferia e alcei voo para o centro da cidade letrada No entanto vejo ainda mais evidente que a lingua(gem) continua exercendo seu poder ora violento ou natildeo produzindo inclusotildees e muitas exclusotildees O que me faz professor me leva a olhar para a lingua(gem) que me constitui pois ela eacute meu objeto de trabalho e por meio dela projeto um futuro Surgem diversas questotildees maldito ou bendito poder da linguagem Qual o meu papel de professor em uma universidade de periferia onde trabalho haacute 10 anos Que partido devo tomar nesse jogo Ficam estas perguntas e muitas outras mas mesmo assim necessito dessa lingua(gem) - esse arame farpado

- 172 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nos dizeres de Gnerre (1991) - para me interagir no mundo me sustentar me guiar e seguir caminhando

Caminando

Caminando caminandoiexclcaminando

Voy sin rumbo caminandocaminandovoy sin plata caminandocaminandovoy muy triste caminandocaminando

Estaacute lejos quien me buscacaminandoquien me espera estaacute maacutes lejoscaminandoy ya empentildeeacute mi guitarracaminando

Aylas piernas se ponen durascaminandolos ojos ven desde lejoscaminandola mano agarra y no sueltacaminando

Al que yo coja y lo aprietecaminando

eacutese la paga por todos caminando

a eacutese le parto el pescuezocaminando

- 173 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

y aunque me pida perdoacutenme lo como y me lo bebome lo bebo y me lo comocaminando caminando

caminando

Assim deixo meu breve relato de experiecircncia e para fi nalizar temporariamente tomo as palavras do pensador francecircs Michel Foucault para natildeo dizer que natildeo falei de teorias

Cada vez que eu tentei fazer um trabalho teoacuterico foi a partir de elementos de minha experiecircncia sempre em relaccedilatildeo com processos que eu vi desenrolar em torno de mim Eacute porque pensei conhecer nas coisas que vi nas instituiccedilotildees agraves quais estava ligado nas minhas relaccedilotildees com os outros fi ssuras abalos surdos disfunccedilotildees que eu empreendia um trabalho alguns fragmentos de autobiografi a Natildeo sou um ativista recuado que hoje gostaria de retomar o serviccedilo Meu modo de trabalho natildeo tem mudado muito mas o que eu espero dele eacute que continue a me mudar (FOUCAULT 1994 p 182)

REFEREcircNCIAS

FOUCAULT M Est-il donc importante de penser Entrevista com Didier Eribon Libeacuteration nordm 15 30-31 maio de 1981 p21 Traduzido a partir de FOUCAULT M Dits et eacutecrits Paris Gallimard 1994 vol IV p 178-182 por Wanderson Flor do Nascimento

GNERRE M Linguagem e poder 3 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1991

LARROSA J Habitantes de Babel Belo Horizonte Autecircntica 2004

LIMA M E C C Sobre a estranheza de se contarem histoacuterias ou da narrativa como mediaccedilatildeo In LIMA M E CC Sentidos do trabalho a

- 174 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

educaccedilatildeo continuada de professores Belo Horizonte Autecircntica 2005

RAMA A A cidade letrada Trad Emir Sader Satildeo Paulo Brasiliense 1985

SILVA D N ALENCAR C N A propoacutesito da violecircncia na linguagem In Cadernos de Estudos Linguiacutesticos v 55 n 2 juldez 2013 p 129-146

VOLOacuteCHINOV V Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircncia da linguagem Traduccedilatildeo notas e glossaacuterio de Sheila Grillo e Ekaterina Voacutelkova Ameacuterico Satildeo Paulo Editora 34 2017

- 175 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Rosana Ferrareto Lourenccedilo RodriguesAntocircnio Suaacuterez Abreu

Why is it that in academic settings students are typically asked to raise their hands to indicate that they want to answer or ask a question Very often people do Math with fi ngers and write down a complex Math problem getting help from an external device such as a calculator We write deadlines on a calendar Also you have often closed your eyes to remember past or imagine future

Th ese are all actions taken in the physical world as attempts to make a mental task faster easier and more reliable Motor actions support cognition Mind is not a perfect machine and there are constraints of attention and memory We understand abstract things using concrete prompts Th ese should be the answers to those questions

What the role of the human body in cognition is and why we use it to make sense of things in the world will then guide our discussions here Th is is what Cognitive Linguistics names as embodied language

SET TING THE SCENE

First-generation theories in Cognitive Sciences in the 1950s and 1960s were closely linked to Computer Science and conceived reason apart from the body as in formal logic following the tradition proposed by Descartes Like a computer

EMBODIED LANGUAGE AND ITS FUNCTIONALITY IN MEANING

CONSTRUCTION

- 176 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

the fi rst-generation mind would process information as largely independent from specifi c brains bodies and sensory modalities Th is viewpoint on language and thought gives rise to the Generative Grammar theory In 1957 Syntactic Structures was published by Noam Chomsky spreading the idea that grammar is a system of rules that generates exactly those combinations of words that form grammatical sentences in a given language

In contrast empirical research is the basis of second-generation Cognitive Science which evidences a strong dependence of human reasoning on human embodiment Mind is not merely viewed as a computer anymore but mind is a brain-body-world system In the 1970s studies on visual perception image schemas metaphor metonymy frames and mental spaces began to contradict previous generation rationalism (cf LAKOFF JOHNSON 1999 p 75-77) In Metaphors we live by (1980) especially in the chapter Personifi cation Lakoff and Johnsonacutes theory of the conceptual metaphors gives idea of the use of the human body and its biological and cultural features as a source of metaphors in examples (LAKOFF JOHNSON 1999 p 33) such as

Infl ation is eating up our profi tsTh e Michel-Morley experiment gave birth to a new physical theoryLife has cheated meHis religion tells him that he cannot drink fi ne French vine

From the fundamental theories of conceptual metaphors and image schemas to more modern mental operations such as the one conceived as blending (or conceptual integration) a new viewpoint on human language has risen from embodied cognition In this chapter we are going to present those cognitive constructs

- 177 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and shed light on one of the things that make blending viable ndash the notion of aff ordance

FROM CONCEPTUAL METAPHORS AND IMAGE SCHEMAS TO AFFORDANCES AND BLENDING

Th is new viewpoint on human language from embodied cognition has strongly spread through many publications which refi ned the initial assumptions and it is especially noticed cross-linguistically Conceptual metaphors are employed as to instantiate image schemas in utterances such as

In PortugueseEstamos dando os primeiros passos em nosso projetoO nosso relacionamento chegou ao fi m da linhaConsegui me sair bem na prova

In EnglishTh ese are the key steps to a successful projectOur relationship is a dead-end streetOne way to get out of trouble is to keep quiet

Th e term image schema was introduced by Lakoff (1987) and Johnson (1987) in the late 1980s Th ese schemas build the niche in which the body positions and acts

An important publication was Embodiment and Cognitive Science (GIBBS JUNIOR 2005) According to Gibbs Junior (2005 p 14-15)

A body is not just something that we own it is something that we are I claim that the regularities in peoplersquos kinesthetic-tactile experience not only

- 178 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

constitute the core of their self-conceptions as persons but form the foundation for higher-order cognition

Th e embodied cognition is manifested in language through notions of SOURCE_PATH_GOAL movement CONTAINMENT SUPPORT and VERTICALITY which are some of the most common image schemas

Th e SOURCE_PATH_GOAL image schema for instance is based on the capacity of the human body to move from a source passing through a trajectory to head to a destination Th e CONTAINER image schema refers to the human capacity to keep things in containers and also voluntarily entering containers such as caves and houses or involuntarily in prisons for example For mental or aff ective states examples would be ldquoone can get out of a depressionrdquo and ldquopeople fall in loverdquo

Expressions such as ldquothe fl ow of moneyrdquo ldquolife is a journey1rdquo and ldquoto walk the linerdquo denote PATH One example would be the concept of ldquomarriagerdquo as where two individuals go through life together ldquoMarriagerdquo may also be conceptualized as a CONTAINER refl ected by metaphors like ldquomarriage is a prisonrdquo ldquomarriage is a safe harborrdquo and ldquoopen marriagerdquo

SUPPORT denotes a relationship between two objects in which one object off ers physical (or abstract) support to the other We can ldquooff er support to a friend in needrdquo and ldquoput in a good word for someonerdquo which instantiate SUPPORT and CONTAINMENT

VERTICALITY refers to the relative position such as highlow and abovebelow or dynamical movement up-down for vertical orientation VERTICALITY is instantiated by the conceptual

1 For ldquoLIFE IS A JOURNEY an animated metaphorrdquo (FORCEVILLE 2014) see lthttpswwwyoutubecomwatchv=MvocTKD5o5Aampt=11sgt

- 179 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

metaphors of UP is good and DOWN is bad and is used for emotional scale between happinesssadness as well as social status in expressions such as ldquoto fall from gracerdquo ldquoto be high in spiritrdquo ldquoto feel downrdquo and ldquoto climb the career ladderrdquo

Image schemas are abstract conceptual templates of spatiotemporal object relations with the body acquired since early infancy (LAKOFF 1987) Image schemas help us to think concretely as we move in space and as the time changes We use our bodies ndash gestures for example ndash as prompts to construct meaning When we indicate with hands up in the air that a car made a right at the intersection we are using a material anchor to communicate

Image schemas are also built on the idea of aff ordances An aff ordance is a feature of an object or the environment that allows a person or animal to do something A cup can be described as a CONTAINER because its features obviously defi ne its use we can drink liquids from it Metaphorical sayings such as ldquonot my cup of teardquo or ldquomake a storm in a teacuprdquo also reveal a cupacutes properties as a container its boundaries for in and out If something is not your cup of tea you do not like it or you are not interested IN it A storm in a teacup refers to a small event that has been exaggerated OUT of proportion

A chair is an object providing SUPPORT Th e chair of a company is the person who is in charge ldquoEmpty chairrdquo can be used as choice of not participating ldquoDavid Cameron could be lsquoempty chairedrsquo in TV debates as Labor accuse him of lsquorunning scaredrsquordquo2 Th e chairacutes aff ordances built on the concept of SUPPORT ndash which frames for approve of and help ndash make it possible to metaphorically say that ldquoan empty chairrdquo means to embarrass a person who refuses

2 lthttpswwwtelegraphcouknews11451072David-Cameron-could-be-empty-chaired-in-TV-debates-as-Labour-accuse-him-of-running-scaredhtmlgt

- 180 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

to take part in a debate by leaving an empty seat or space which represents them

VERTICALITY is an image schema instantiated by conceptual metaphors such as conscious is up unconscious is down Healthy is up sick is down Happy is up sad is down Good is up bad is down More is up less is down Life is up death is down It is built on objects and bodies aff ordances If a computer system is down it is not working Down can be used for saying that someone has an illness as in ldquoPoor Susan went down with fl u just before Christmasrdquo

VERTICALITY is a concept that shows how our human mind is infl uenced by the body that we own Human beings walk erect in space If we lay down fl at on the ground we cannot move and thus cannot function As we move upright in space time changes Time is perceived through space Th at makes us perceive change based upon time When we say that ldquoFall is approachingrdquo we understand that the new season is not walking physically towards us It means that the weather change is emergent in both space and time

Feeling hungry and then having been fed for a child who is not really aware of the abstract concept of time raise the perception of change Th e change from ldquohungryrdquo to ldquonot hungryrdquo clockwise conceived is not only a compression of time but also causation ndash having food makes us not feel hungry anymore Time and causation are vital conceptual relations to promote change

Th e embodiment of time is also present in a perceived change between the struggle to climb stairs now and how easy it used to be to climb them years ago Th is indicates time passing in terms of calendar We compress this change saying that these stairs are more and more tiring projecting our perception of growing older (change in time) to the feeling of an object in space Th e same happens when we want to convey that our eyes are not as good as

- 181 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

they used to be because we grew older We project that change in time over space and object we say that the letters on the page are getting tinier and tinier and thus more and more diffi cult to read

We use our bodies to compress time over space Our body anchors blends According to Turner (2006) the blend of input mental spaces is often accompanied by compression of vital relations between them

We relate one idea to another We think of the child as related to the adult it became through vital relations of time change identity analogy and cause-eff ect Mentally Ohio and California are connected by a conceptual relation of space Ohio and the United States are connected by a conceptual relation of part-whole Mary and a picture of Mary are connected through conceptual relations of representation and analogy (TURNER 2006 p 17)

Blending or conceptual integration is a basic mental operation Th e fi rst full presentation of research on blending appeared in 2002 in Th e way we think a book by Gilles Fauconnier and Mark Turner Compared to the theory of conceptual metaphor which is the one of a cross-domain mapping between two spaces (a concrete source and an abstract target) the blending process is held among the conceptual structure of an input 1 and the conceptual structure of an input 2 a generic space which maps each of the inputs and contains what both inputs have in common and the blended space where there is a selective projection of the inputs to the blend Th e blended space has an emergent conceptual structure because it accounts for properties that do not exist in either of the input spaces

Blending is something that humans are designed to do Th e human brain is constantly trying to blend diff erent things unconsciously Every human brain is making many attempts to

- 182 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

blend at every moment Any two things activated simultaneously in the mind are candidate for blending (TURNER 2014) Th is is the claim of Mark Turner in the book Th e origin of ideas (2014 p 4) ldquothe human spark comes from our advanced ability to blend ideas to make new ideas Blending is the origin of ideasrdquo

A common example of blending is the one of driving and sports in utterances such as ldquoTh e team took their foot off the pedal in the second halfrdquo (in English) and ldquoO time tirou um pouco o peacute no segundo tempordquo (in Portuguese) ldquoTake your foot off the pedalrdquo and ldquotirar o peacuterdquo mean ldquostop stepping on the accelerator pedal to slow downrdquo and by extension ldquomake less eff ort and start to relaxrdquo Th ese are some examples (in English and in Portuguese)

In handballHungarian side Pick Szeged remain unbeaten after three rounds and are full of fi re leading by seven at one point in the second half in their match against Ukrainian side Zaporozhye but after taking their foot off of the pedal a little too soon they managed to ride out the storm in the last seconds3

In American footballIf there were a thing to be critical about with the off ense it would be their performance coming out of halftime Th e Redskins have not scored a touchdown in the second half and has been outscored 20-12 Th is is not simply a ball control issue the Redskins from a play-calling standpoint do not take their

3 lthttpwwwehfclcomen2018-19mennewsAzhF3nCWIWbkxza-PzFKnQNantes_stop_Skjern25e225802599s_offence_to_take_fi rst_two_pointsgt

- 183 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

foot off the pedal Washington must keep the same intensity stop the lax approaches to the second half limit penalties and fi nish more drives in the end zone Th e Redskins complacency issues in the early going can and will come back to bite them in bigger games4

In Brazilian soccerAs mudanccedilas no entanto natildeo mudaram muito o panorama da partida O Fluminense seguia perdido em campo O Internacional tirou um pouco o peacute e mesmo assim teve grande chance de ampliar aos 17 em nova falha do adversaacuterio Gum entregou a bola para William Pottker que avanccedilou livre mas chutou em cima do goleiro Juacutelio Ceacutesar5

In these examples driving is the source domain (Input 1) and sports is the target domain (Input 2) Th e conceptual domain of sports is blended with the conceptual domain of driving (Generic Space) to create a new idea (Blended space) where a player is not a car but can stop accelerating in the game not on the road by ldquotaking off his foot off the accelerator pedalrdquo to slow down in the sense of relaxing Figure 1 shows the schema of this blend

4 lthttpswwwhogshavencom201892717905000redskins-offensive-fi rst-quarter-progress-reportgt5 lthttpswwwfutebolinteriorcombrfutebolBrasileiroSerie-A2018noticias2018-08inter-aproveita-falhas-do-fl u-e-alcanca-terceira-vitoria-consecutivagt

- 184 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 1 ndash Blending of driving and sports

Source Own Construction (2018)

Th is blend is possible because humans can play sports and can drive What humans are designed to and not to do because of the minds and bodies they own and how blends are mapped onto language is discussed as follows

EMBODIED COGNITIO N amp EMBODIED LANGUAGE AND THEIR AFFORDANCES

We can understand what humans are designed to do and not to do as aff ordances Blending is a mental human aff ordance Aff ordances are the qualities or properties of an object that defi ne its possible uses or make clear how it can or should be used For instance we sit or stand on a chair because those aff ordances are fairly obvious

- 185 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th e term aff ordance was fi rst introduced by Gibson in the 1970s

Aff ordances enable animals to recognize what prey they eat what predators my possibly eat them what trees may be climbed to escape danger and so on Imagine the color texture taste and smell of a pineapple Th ese properties of the object are its aff ordances which become variously is relative to the perceiving object so that for example in looking at a window one perceives not just an aperture but an aperture that present the possibility on onersquos looking through it (BERMUDES 1995) Perception and embodied action are therefore inseparable in the perception-action cycle (NEISSER 1976) in with exploration of the visual word for example is directed by anticipatory schemes for perceptual action (GIBSON 1979 apud GIBBS JUNIOR 2005 p 43-44)

According to Gibson (1979 p 132) ldquoany substance any surface any layout has some aff ordance for benefi t or injury to someonerdquo

Refl ecting on the interaction of the animal ndash the human being ndash with its environment in terms of perception Gibson (1979) is revisiting the approach taken by the pre-Socratic philosophers who held that there are four elements from which matter is made up ndash earth air fi re and water6 Th e author uses three of these four elements discarding the fi re Th e solid earth as well as the water and the air enable the movement of an animate body if we think of land animals such as fi sh and birds Water and air unlike solids are usually transparent Th e air besides enabling us to breathe ndash by being transparent to the radiation and the reverberation of the

6 The pre-Socratics also known as natural philosophers proposed that matter was composed of these four elements earth water air and fi re

- 186 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

light ndash also allows us to see Being a vehicle capable of transmitting vibrations it allows us to hear and consequently use articulate language to communicate Sound does not propagate in a vacuum Air as it is formed by gases is also capable of transmitting olfactory sensations Th ese properties enable us to perceive aff ordances

Concerning perception aff ordances are within the latency domain Latency domain7 refers to the whole range of things one can do and also the things heshe cannot do A dog for instance can bark wag its tail and bite but it cannot fl y Chickens can cackle eat corn and lay eggs but they cannot lay cubic eggs or bark Within the latency domain of a living being we are also aware of what we can do with it We can breed chicken for poultry Dogs can be best guards and best friends We are very aware of what we cannot do with living beings too We cannot play chess against a chicken or ride on dog pets Th e awareness about the latency domain of a being is not innate It is acquired through experience by irrational and rational animals and by humans learned from other peopleacutes experience both in informal and formal education ndash through reading for example

As defi ned by Gibson (1979) and revisited by Gibbs Junior (2005) the aff ordance is part of the latency domain of beings but it is restricted to what can be done with them Th is implies personal and cultural choices In France for example people eat horse meat which is not a practice in Brazil Th is also implies historical changes For hundreds of years humans imprisoned birds in cages because it was the only way they could listen to music without having to produce it themselves Since the emergence of the radio the record players and other more sophisticated devices

7 ldquoLatency domainrdquo is a term coined by Abreu for this chapter based on the frameworks of Philosophy - latency (perception) and Electric Engineering (circuitslinks human beings perceive between their environment and themselves) Affordances are then constitutive of the latency domain and are elements that help us build the image schemas we use to frame meaning

- 187 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

for music playing putting birds in cages has almost ceased to be a cultural practice

Technology8 is a cultural practice accounting for what human beings cannot do physically in thought and in language for communication and interaction because of body limitations How does technology account for human aff ordances Th e human eyes cannot zoom in and zoom out but a camera can Our minds zoom in and out in memory and imagination because remembering the past and inferring for the future are mental operations Being in the same place and time simultaneously is not possible as well as repeating and making slow motion But fi lm editing makes those happen We are constantly constructing counter facts and shifting our viewpoints about life events so we fi nd technology to move a mental operation from imagination to perception Media were invented for making things in our imagination available

Media are able to exist because mind is sophisticated and that is why humans can aff ord to create technology For instance in fi lms changes in time look like magic tricks if we understand some scenes literally When a movie characteracutes face appears almost simultaneously on the screen in a young version and then in an old version (or vice-versa) we grasp the idea that time has passed We are not deluded in thinking that that change has suddenly happened thanks to our capacity of time compression blending of causation Th e scene shift denotes time change Time change is marked in body change Getting old is within human latency domain

8 These considerations about technology mind and media are based on the course Mind amp Media by Professor Mark Turner Department of Cognitive Science Case Western Reserve University (CWRU) ClevelandOH USA (lthttpmarkturnerorgcourseshtmlCOGS311gt) Ideas on the sections ldquoBlending amp Creativity for meaning constructionrdquo and ldquoWrapping-uprdquo in this chapter are also inspired by Prof Turneracutes thoughts and quotes in the classes of this course taken by Rodrigues in the Fall 2018 at CWRU

- 188 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Body is a media platform for humans to interact within the world to form meaning Brain comes as an output device built to run the body Th at makes up our aff ordances as humans Our body shows them and so does language Embodied cognition and embodied language account for our aff ordances because as humans this is what we can do with our bodies

THE HUMAN BODY AND ITS AFFORDANCES

If humans are aware of the aff ordances of their surroundings they are certainly also aware of their own aff ordances What can I do with my body I can walk run grab things using my hands hug and kiss people look upward and downward look around forward and backward (if I turn my head or my body)

However I am aware that I cannot jump out of a building start fl ying or look backward while looking forward If I am a man I know that I can procreate by making a woman pregnant If I am a woman I know I can procreate by conceiving a child in my womb Th ese are our physical characteristics and body properties Th ese are manifested in language in utterances such as

In Portuguese

Natildeo consigo ver aonde vocecirc quer chegar com essas ideiasMesmo com todo o seu sucesso vocecirc precisa prestar atenccedilatildeo agraves pessoas que estatildeo abaixo de vocecircO piloto teve de abortar duas vezes a decolagem Haacute um projeto em gestaccedilatildeo no Congresso sobre o voto impresso

- 189 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English

Where do you want to come up with these ideasOffi cers below the rank of captain receive no special privilegesTh e mission had to be aborted because of a technical problemItrsquos unclear just how long it took for the idea for the website to gestate

Come up with (= chegar a algum lugar no plano das ideias) means to think of something such as an idea or a plan Th is metaphorical use of come (= chegar) is instantiated by the image schema SOURCE_PATH_GOAL with focus on the GOAL as a resolution or a measure Th e means (PATH) is to use ideas or plans in order to reach such a destination which is not physical We are not deluded when we hear such an expression because we mentally compress vital relations as time space agency and causality to understand it as an abstract PROCESS Compression is a feature of conceptual integration Many aspects of mental space networks can be compressed under blending ndash a basic mental operation at the heart of human singularity (TURNER 2006)

Being below or above someone in a hierarchical control system is a linguistic manifestation of the conceptual metaphor CONTROL is UP and is in the image schema of VERTICALITY Giving birth to business meaning to create it or conceive it as well as gestating an idea are projections of processes which the human body undertakes in order to procreate Again we are aware that these expressions mean ldquostart to exist not as a personrdquo they all refer to something Abort in aborting a mission means a disruption to the schematic PATH of coming to a GOAL as resolution it means to stop something before it is fi nished (BLOCKAGE) because it would be diffi cult or dangerous to continue

- 190 -

Th ese physical characteristics and body properties manifested in language through these utterances are fi rst-degree aff ordances9 because they refer to our physical features and capacities However humans are adaptive complex systems which interact with environments that constantly change concerning culture and history Th is triggers what we understand and call second-degree aff ordances which have their origins in the adaptation of the human body to its physical and cultural environment at specifi c moments in history

One of these fi rst-degree aff ordances is how we count things We can use the ten fi ngers of our hands which is known as the decimal system We can also use the duodecimal system (also known as base 12 or a dozen) We buy a dozen eggs we count 12 months in a year 60 minutes in an hour and 24 hours in a day Where do these ideas come from

Th e duodecimal system was inherited from Babylon the ancient capital of Sumer in the second millennium BC Th e Babylonians counted using the thumb of one hand to touch the phalanges of the other fi ngers Since we have three phalanges in each of these 4 fi ngers the total becomes 12 hence the base 12 (See Figure 2) In order to store the result of each fi lled hand they used the fi ngers of the other hand thus 5 x 12 = 60 hence the origin of the hour with 60 minutes 12 hours of the day plus 12 hours of the night equals 24 hours An alternative is to use 12 AM and 12 PM

9 The classifi cation of affordances in fi rst and second degrees has been coined by Abreu for this chapter First-degree affordances refer to the human bodyphysical ldquousabilityrdquo as in ldquolook up tordquo (eyes) ldquohead somewhererdquo (VERTICALITY of the body through a PATH) etc Second-degree affordances refer to ldquousabilityrdquo linked to culture for example ldquokick off (foot) a meetingrdquo = start a meeting (sport metaphor) ldquopatients are bombarded with radiationrdquo = their bodies receive the ldquobombsrdquo (war metaphor in cancer treatment) etc

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 191 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 2 ndash The rationale of the duodecimal system

Source lthttpsipemspwordpresscomtagsistema-duodecimalgt

When things are countable we can say one two three chairs or half a dozen eggs (if we use the duodecimal system) But when things are non-countable like water and sand we cannot say three sands or ten waters In order to tackle this problem humans have created partitive classifi ers to express a part-whole relation through linguistic constructions made up from human body names Using parts of the body we can say ldquoa handful of sandrdquo and ldquoa head of lettucerdquo Using ldquoarmsrdquo we can say an ldquoarmful of fl owersrdquo or ldquoan armful of logsrdquo

For size reference or measurement systems we can use diff erent parts of the body according to the scale For reference to small and medium devices we can call a USB fl ash drive ldquoa thumb driverdquo because it is the size of a thumb A palmtop is a personal computer which is approximately pocket calculator-sized and fi ts the palm of your hand To measure the ground it is more comfortable to use

- 192 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

footsteps or feet Using this embodied system American aviation has conveyed that airplanes are for example 22000 feet high

Many fi rst-degree aff ordances are linked to sex concerning males and females While ldquoeating the frogrdquo or ldquoengolir sapordquo (= swallow frogs)10 can be used metaphorically from both the frames of male and female bodies ldquoabort a fl ightrdquo or ldquogestate an ideardquo is clearly from a female body input Th ese uses are seen as second-degree aff ordances because they reveal what cultures think about the role of man and his body and what they think about the role of the woman and her body When Steve Jobs insisted on his strange food diets and his mother was desperate he would jokingly say ldquoI am frugivore and will only eat leaves harvested by virgins in the moonlightrdquo (ISAACSON 2011 p 161) Th is is in his biography and it is confi gured as an idea imposed by culture upon the purity of virgin women which is used by a vegetarian as input to a blending with green leaves which would be purer and healthier food

Humans have also culturally adapted their bodies to play sports And the relationship between body and sports continually produces a large number of conceptual metaphors such as ldquothe ballrsquos in their courtrdquo Th is phrase comes from tennis or basketball and in business it means yoursquove done your part of the work or deal and ldquohit the ball into their courtrdquo so yoursquore waiting for ldquothe ballrdquo or information paperwork product etc to come back to you Alternatively the ball could be ldquoin your courtrdquo meaning people are waiting on your action

Another expression from the North-American culture is ldquocarry the ballrdquo as it is shown in the following example in the political discourse domain

10 ldquoEating the frogrdquo means just do it otherwise the frog will eat you if you end up procrastinating it the whole day ldquoEngolir saposrdquo (swallow frogs) means to bear an unpleasant situation without manifesting against it

- 193 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th ank you guys Th at Walker of Wisconsin has proved that he can get both Democrat and Republican votes Hersquos not a bomb thrower He enters to end the public sector unions are draining the state economically and hersquos able to carry the ball (SPOK Talk of the Nation 2012)

Th is is due to the fact that in American football the action of carrying the ball is important so that a player enters the end zone of the opposing team and performs the touchdown scoring 6 points

Similar to ldquocarrying the ballrdquo in American football ndash metaphorically meaning achieving a goal in the sense of doing something that you decided that you wanted to do ndash in Portuguese there is the expression ldquobater na traverdquo (= hit the goalpost) In Brazilian soccer it refers to the moment when the player almost scores a goal but is unable to because the ball hits one of the sticks that make up the goal frame Th is expression is employed metaphorically when someone narrowly fails to get a try as in ldquoEle tentou passar no vestibular mas lsquobateu na traversquo pois faltou um ponto apenasrdquo (= He tried to pass the entrance examination but ldquohit the goalpostrdquo because he missed one point)

Comparing uses of diff erent languages is known as linguistic typology Embodied language has to do with aff ordances because of its cultural features printed on language

AFFORDANCES amp L INGUISTIC TYPOLOGY

Linguistic typology refers to the study and classifi cation of languages according to their structural and functional features Its aim is to describe and explain the common properties and the structural diversity of the worldrsquos languages Concerning fi rst-

- 194 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

degree and second-degree aff ordances we can compare physical andor metaphorical uses of embodied language in English and Portuguese and establish diff erences and similarities

Th e use of similar sport metaphor in English and in Portuguese ndash ldquocarrying the ballrdquo and ldquobater na traverdquo ndash reveals that every language manifests physical bodily aff ordances very similarly but also very diversely For instance in both English and Portuguese we would use the word ldquohandrdquo to mean ldquohelprdquo11 in utterances such as ldquoCan you give me a handrdquo which means when translated into Portuguese exactly the same ldquoVocecirc pode me dar uma matildeordquo On the other hand in ldquoHe is heading homerdquo would be translated into Portuguese as ldquoEle estaacute se dirigindo para casardquo where heading = dirigindo (driving)

As for the partitive classifi ers the equivalent of a handful would be ldquopunhadordquo (derived from punho = fi st) a handful of sand would be ldquopunhado de areiardquo Using ldquoarmsrdquo (= braccedilo) similarly to ldquoan armful of fl owers or logsrdquo in Portuguese you can say ldquouma braccedilada de fl ores ou de lenhardquo For size and measurement reference we would use in Portuguese ldquoquatro palmos de tecidordquo (palmos = palms) to mean ldquofour spans of fabricrdquo For small size such as an inch we use ldquopolegadardquo in Portuguese (polegar = thumb) in utterances like ldquoTh is bar is two inches widerdquo to mean ldquobarra de duas polegadas de largurardquo

Th ere is also a great number of idioms which are related to body parts

11 In English depending on the context giving someone a hand can also mean to applaud or clap For example ldquoPlease give all our dedicated volunteers a hand for their hard workrdquo

- 195 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English12stand on oneacutes own legsa pain in the neckfoot in mouthcost an arm and a legget off my backcold shouldercold feeta sight for sore eyesa fi nger in every pieoff the top of my head

In Portuguese13dar o braccedilo a torcerdar a matildeo agrave palmatoacuteriadar um puxatildeo de orelhanatildeo estou nem aiacute rei na barrigaisso tem o dedo da sua matildee

Th ese idioms built on parts of the human body occur in every language and some have cross-linguistic equivalence Th ey are fi rst-degree aff ordances Second-degree aff ordances would be present in metaphorical idioms such as ldquodrop the ballrdquo or ldquopisar na bolardquo (for fail mess up) ldquobe connedrdquo or ldquolevar uma bola nas costasrdquo (for being cheated) ldquoestar na marca de pecircnaltirdquo or ldquoa close shaverdquo (for when you come very close to a dangerous situation) Th ey are

12 For meanings see lthttpswwwecenglishcomlearnenglishlessonsbody-idiomsgt13 For meanings see lthttpscomunidaderockcontentcomexpressoes-idiomaticasgt

- 196 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

linked to viewpoint and culture Some are sport metaphors usually blended with business and politics and most of them are built under image schemas

Besides these second-degree aff ordances present in metaphorical uses of embodied language linguistic universals14 are built on the idea of the fi rst-degree aff ordances in uses of the historic present which consists of either the employment of the present tense when narrating past events or the employment of the present tense to describe future events such as in

Th e Berlin Wall falls on November 9 1989I was at the mall yesterday when I bump into an old friend of mineTh e bus leaves tomorrow at nineTh e American president hosts the German chancellor for a visit tomorrow

Both uses of the historic present for past and future events are linked to the bodily exercise of our vision Since we can only see what is physically before us we can only see what is in our present moment too Th erefore we compress past and future into the present time so as to mentally ldquoseerdquo an action creating an eff ect of reality Th is is compressed blending Blending can be compressed over time space causation and agency ldquoTh e sweep of human thought is vast extending over time space causation and agency creating mental ideas that go far beyond our local experiencerdquo (TURNER 2017 p 2)

Taking back the blend shown in Figure 1 between driving and sports the vital relations compressed are the ones of causation (stop stepping on the accelerator pedal = take off the foot in soccer) agency (driver = player) time (slow down = relax) and space (road = game)

14 A linguistic universal is a pattern that occurs systematically across natural languages potentially true for all of them

- 197 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A basic technique for constructing meaning across an extended mental network is to use as an input to that network some very compressed congenial concept in order to provide familiar compressed structure to the blend (TURNER 2017 p 2)

Th e hearer of a sports narration may not be familiar with the script of a sports game but tends to be more acquainted with driving experiences Th e blending is successful when compressions work over prior shared knowledge Th us pushing ideas from driving to convey similar ideas in sports shows the sports narratoracutes ability to create new ideas using imagination Creativity is within human minds aff ordances Th e level of conceptual creativity and mental force required to manufacture blends is astounding (TURNER 2014)

Also it is interesting to point out that concerning linguistic typology the structure of the construction (in terms of form and meaning) ldquotake off the foot in a sports gamerdquo has the same functional feature of conveying the idea of ldquorelax in the game as you would if you were slowing down by not stepping on the accelerator pedal when driving a carrdquo

Whereas metaphorical projections are directional mappings through plausible possibilities across mental spaces ndash for example a human foot is a car accelerator pedal ndash blends are plausible impossibilities because they raise original ideas such as the one brought up by the notion of a player being an agent in a game to score a goal as a driver is when driving a car to reach a destination and both having to slow down at a certain point in order to achieve the intended result Hearers of a sports narration are able to decompress this blend and thus create meaning out of the linguistic material

- 198 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BLENDING amp CREATIVITY FOR MEANING C ONS-TRUCTION

Humans have the ability to think of do and create something new interesting and diff erent and represent it in language According to Turner (2006) outer-space relations of representation is compressed under mental blending and human bodies are capable of mediating this process Th us there is no need for new constructions in language but new structure for new meaning

New meanings arise through language because ldquowe construct mappings across diff erent mental spaces and project from them selectively to create a blend from these inputs that has additional emergent structure not contained in any of themrdquo (TURNER 2017 p 2)

Human minds are built to store information in memory make inferences trace analogies and represent them in language for meaning construction Th ings do not mean We attribute meaning to them upon what we know guided by our perceptions from which our bodies work as fi lters Th is is what mind does to fi ll something with meaning I blend I compress I represent I perform I mean You unpack my blends you interpret you understand Th at is where new ideas come from and that is why we are so innovative

WRAPPING-UP

In a nutshell this chapter about embodied language and its functionality in meaning construction has been produced to shed light on the role of the human body in cognition and language We started by setting the scene of Cognitive Linguistics ndash from theories such as the Conceptual Metaphors and Image Schemas

- 199 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and then went on to the notion of aff ordances and the theory of Blending for the sake of creativity in meaning construction

In order to go through this path we discussed embodied cognition and embodied language and the aff ordances of the human body also related to linguistic typology a notion from where we provided examples of utterances in English and in Portuguese We also showed that many times our mind is merged with technology because we use it to project perception to reality

Our fi nal remarks are that as human beings we are exceptionally good at innovation because we can hold onto new ideas once they are formed (TURNER 2014) From image schemas ndash which help us think ndash and from conceptual metaphors to the advanced mental operation of blending originality is compressed through causality agency time and space as vital relations and representations which work to construct meaning Th is is all possibly plausible because human beings have a body Our human bodies work as a tool box where the brain is built to run us We use our body as a prompt to construct meaning

ACKNOWLEDGMENTS

Th is work is within the scope of a post-doctoral project partially supported by FAPESP (Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado de Satildeo Paulo) grant 201715988-2 Additional support is provided by Instituto Federal de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia de Satildeo Paulo Ordinance 2348 26 July 2018 Both grants are for Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues

REFERENCES

FAUCONNIER Gilles TURNER Mark Th e way we think conceptual blending and the mindrsquos hidden complexities New York Basic Books 2002

- 200 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

GIBBS JR Raymond Embodiment and cognitive science Cambridge Cambridge University Press 2005

GIBSON James J Th e ecological approach to visual perception New York Classic Edition 2015

ISAACSON Walter Steve Jobs New York Simon amp Schuster e-books 2011

JOHNSON Mark Th e Body in the mind the bodily basis of meaning imagination and reason Chicago University of Chicago Press 1987

LAKOFF George JOHNSON Mark Philosophy in the fl esh the embodied mind and its challenge to western thought New York Basic Books 1999

LAKOFF George JOHNSON Mark Metaphors we live by Chicago Th e University of Chicago Press 1980

LAKOFF George Women fi re and dangerous things what categories reveal about the mind Chicago University of Chicago Press 1987

TURNER Mark Compression and representation Language and Literature v 15 n 1 p 17-27 SAGE Publications London 2006 Retrieved from lthttplalsagepubcomgt (October 19 2018)

TURNER Mark Multimodal form-meaning pairs for blended classic joint attention Linguistics Vanguard v 3 (s1) 20160043 De Gruyter Mouton 2017

TURNER Mark Th e origin of ideas blending creativity and the human spark Oxford Oxford University Press 2014

- 201 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim Eacute professora e pesquisadora formada em Letras pelo Departamento de Letras da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar2002) Eacute mestre em Linguiacutestica Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp2006) e doutora em Linguiacutestica Aplicada pelo mesmo instituto (2013) Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado na Universidade de Franca de dez2013 a jan2015 Atuou como professora temporaacuteria no curso de Letras da UFSCar nos anos de 2012 2013 e 2015 e professora substituta no Instituto Federal de Satildeo Paulo nos anos de 2015 e 2016 Seus principais estudos estatildeo centrados no ensino e aprendizagem de liacutengua materna letramento e gecircneros do discurso em uma perspectiva sociointeracionista embasada nos estudos bakhtinianos Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica da Universidade de FrancaContato alinemariamanfrimgmailcom

Antocircnio Suaacuterez Abreu Professor titular de liacutengua portuguesa da UNESP e professor associado da USP Possui mestrado doutorado e livre-docecircncia pela USP e poacutes-doutorado pela UNICAMP Publicou os livros Curso de Redaccedilatildeo (Editora Aacutetica) Texto e Gramaacutetica ndash uma visatildeo Funcional para a Leitura e a Escrita (Editora Melhoramentos) A Arte de Argumentar Gerenciando Razatildeo e Emoccedilatildeo O Design da Escrita ndash Redigindo com Criatividade e Beleza ndash Inclusive fi cccedilatildeo Linguiacutestica Cognitiva ndash uma Visatildeo Geral e Aplicada Gramaacutetica Miacutenima para Domiacutenio da Liacutengua Padratildeo e Gramaacutetica Integral da Liacutengua Portuguesa uma Visatildeo Praacutetica e

OS AUTORES

- 202 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Funcional os cinco uacuteltimos pela Ateliecirc Editorial Eacute membro da Academia Campinense de LetrasContato tom_abreuuolcombr

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice Possui graduaccedilatildeo em Letras-Habilitaccedilatildeo em Portuguecircs e Inglecircs pela Universidade de Franca eacute mestre em Linguiacutestica pela Universidade de Franca e Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela FCLAr ndash UNESP de Araraquara Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado no Departamento de Educaccedilatildeo Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo na Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto ndash Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob a supervisatildeo da Profa Dra Soraya Maria Romano Paciacutefi co Eacute vice-lider do GEBGEcirc ndash Grupo de Pesquisas em Estudos Bakhtinianos dos Gecircneros do Discurso ndash certifi cado pelo CNPQ junto com o Prof Dr Juscelino Pernambuco Atualmente eacute professora permanente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (Mestrado) da Universidade de Franca e professora dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia Aacutereas de atuaccedilatildeo e conhecimento Linguiacutestica do Texto Estudos Bakhtinianos Anaacutelise do Discurso Semioacutetica Liacutengua e Literatura LatinaContato camilaludovicegmailcom

Deacutebora Massmann Eacute doutora em Letras pela Universidade de Satildeo Paulo (USP) (2009) mestre e graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (2005 e 2002) Realizou estaacutegio Poacutes-doutoral em Semacircntica no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2014) Eacute docente permanente e coordenadora adjunta do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias da Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaiacute Atua como docente nos cursos de Graduaccedilatildeo em Letras Histoacuteria e Tecnologia em Gastronomia da Universidade do Vale do Sapucaiacute (UNIVAacuteS) Em 2018 foi professora convidada

- 203 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na Universidade de Turim (Itaacutelia) Tem experiecircncia em teoria e anaacutelise linguiacutestica principalmente na aacuterea de semacircntica anaacutelise de discurso retoacuterica e argumentaccedilatildeo Em suas pesquisas destaca-se o interesse pelo funcionamento dos discursos juriacutedico poliacutetico e artiacutestico Contato deboramassmannunivasedubr ou deboraquelhmgmailcom

Fernando Aparecido Ferreira Eacute doutor em Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo na aacuterea de Estudos dos Meios e da Produccedilatildeo Mediaacutetica pela Escola de Comunicaccedilatildeo e Artes (ECA) da Universidade de Satildeo Paulo (USP 2008) mestre em Comunicaccedilatildeo Midiaacutetica pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESP 2002) Graduado em Desenho Industrial (habilitaccedilatildeo em Programaccedilatildeo Visual 1995) Eacute professor da Universidade de Franca (UNIFRAN) desde 2000 integrando o corpo docente do Curso de Graduaccedilatildeo em Design Graacutefi co desde essa data e o corpo docente do Programa de Mestrado em Linguiacutestica desde setembro de 2011 Atualmente desenvolve e orienta trabalhos nos campos da Linguiacutestica Textual e da Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica em projetos de pesquisa que abarcam a relaccedilatildeo do texto verbal com o texto imageacutetico bem como a retoacuterica da imagem tendo como objetos de estudo histoacuterias em quadrinhos produccedilotildees audiovisuais peccedilas publicitaacuterias etc Eacute vice-liacuteder do grupo PARE - Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica vinculado ao CNPq Integra o Nuacutecleo Docente Estruturante dos cursos de Design da UNIFRANContato ff erreiradguolcombr

Gerardo Ramiacuterez Vidal Doutor em Letras Claacutessicas Pesquisador e Docente em tempo integral no Centro de Estudos Claacutessicos do Instituto de Investigaccedilotildees Filoloacutegicas da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico (UNAM) Atua como fi loacutelogo claacutessico e tradutor de textos gregos Suas linhas de pesquisa abordam a

- 204 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sofiacutestica a retoacuterica e a hermeneacuteutica Dentre suas publicaccedilotildees destacam-se La retoacuterica de Antifonte (2000) La palabra y la fl echa anaacutelisis retoacuterico de textos literarios de la Grecia antigua (2005) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e El arte de la memoria en la Rhetorica christiana de Diego Valadeacutes (2016) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e Paixotildees aristoteacutelicas (2017) Eacute membro do Sistema Nacional de Investigadores SNI (CONACyT) Niacutevel II Contato grvidal18gmailcom

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel Eacute Professor Adjunto A da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar) Atuou de 2010 a 2016 na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) Doutor (2014) e Mestre (2008) em Linguiacutestica Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Possui graduaccedilatildeo (2005) em Licenciatura em Letras - Portuguecircs pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Atua no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (PPGL-UFSCar) Atualmente desempenha a funccedilatildeo de coordenador do Bacharelado em Linguiacutestica Lidera juntamente ao Prof Dr Luiz Andreacute Neves de Brito o grupo de pesquisa Escrita e leitura na contemporaneidade cadastrado no CNPq Tem experiecircncia na aacuterea de Linguiacutestica com ecircnfase em Linguiacutestica Aplicada atuando principalmente nos seguintes temas gecircneros do discurso estilo de escrita teoria bakhtiniana aquisiccedilatildeo da linguagem escrita e escolaContato lucasvcmacielyahoocombr

Maria Flaacutevia Figueiredo Eacute Doutora em Linguiacutestica pela Unesp-Araraquara com estaacutegio poacutes-doutoral em Retoacuterica na PUC-SP Especializaccedilatildeo em Liacutenguas Estrangeiras pela State University of New York (SUNY-Albany) formaccedilatildeo em Psicanaacutelise pela APVP (Associaccedilatildeo Psicanaliacutetica do Vale do Paraiacuteba) e Graduaccedilatildeo em Letras pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

- 205 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica e dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia da Universidade de Franca Eacute liacuteder do grupo PARE (Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica) e membro do grupo ERA (Estudos de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo) ambos certifi cados pelo CNPq Tem experiecircncia nas aacutereas de Linguiacutestica (com ecircnfase em Retoacuterica Linguiacutestica Textual e Fonologia) Liacutengua Portuguesa Liacutengua Inglesa e Metodologia de Pesquisa Realiza pesquisas nos seguintes temas relaccedilotildees entre ethos retoacuterico e gecircnero do discurso Linguiacutestica e Psicanaacutelise gecircneros textuaisdiscursivos e ensino ethos pathos e logos intertextualidade como estrateacutegia persuasiva e questotildees de autoria no texto cientiacutefi co Dentre outras publicaccedilotildees eacute organizadora das obras Retoacuterica e multimodalidade (2018) Paixotildees aristoteacutelicas (2017) e O animal que nos habita a retoacuterica das paixotildees em Relatos Selvagens (2016) Contato mariafl aviafi gueiredoyahoocombr

Moacir Lopes de Camargos Possui graduaccedilatildeo em Letras - PortuguecircsFrancecircs pela Universidade Federal de Uberlacircndia (1995) mestrado em Linguiacutestica Aplicada (Liacutengua estrangeira) pela Universidade Estadual de Campinas (2003) doutorado em Linguiacutestica tambeacutem nesta instituiccedilatildeo (2007) poacutes-doutorado em Humanidades pela Universidade de Coacuterdoba Argentina (2008) poacutes-doutorado em Literatura Francoacutefona pela University of Guelph Canadaacute (2017) Tem experiecircncia docente na aacuterea de Letras francecircs espanhol portuguecircs e literatura em escolas da rede puacuteblica (ensino fundamental e meacutedio) e em cursos de formaccedilatildeo de professores tambeacutem atua no Ensino Superior (na aacuterea de Letras - graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo) Seu trabalho prioriza os seguintes temas interculturalidade e aprendizagem de liacutengua(s) e literatura Contato lopesdecamargosgmailcom

- 206 -

Patriacutecia Brasil Massmann Eacute doutoranda (Bolsa Filantropia Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Bolsa CAPESPROSUPBOLSA) e Mestre em Direito Poliacutetico e Econocircmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Bolsa CAPESPROSUP) Professora do Curso de Direito da UNIMetrocamp - Campinas Advogada Graduada em Direito pela Universidade da Amazocircnia (2003) Graduada em Administraccedilatildeo de Empresas e Comeacutercio Exterior pelo Centro Universitaacuterio do Estado do Paraacute (2002) Membro de diferentes grupos de pesquisa a saber ldquoMulher Sociedade e Direitos Humanosrdquo (UPM) ldquoA Constituiccedilatildeo Recuperadardquo (UPMCECEC) e a equipe do Projeto de Pesquisa ldquoA Constituinte Recuperadardquo (CEDECUPMFAPESP)Contato patriciabrasilmetrocampedubr

Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa (Unesp 2012) com estaacutegio poacutes-doutoral no Departamento de Ciecircncias Cognitivas da Case Western Reserve University ClevelandOH EUA (2018-2019) Mestre em Linguiacutestica (Unifran 2010) Especialista em Design Instrucional (Unifei 2015) e em Liacutengua Inglesa (Unifran 2006) Licenciada em Letras (Unifeg 1997) Eacute professora EBTT do IFSP Satildeo Joatildeo da Boa Vista Atua nas seguintes aacutereas Comunicaccedilatildeo Cientiacutefi ca Linguiacutestica Cognitiva Gramaacutetica Funcional Retoacuterica e Estiliacutestica Tecnologias e Educaccedilatildeo e Avaliaccedilatildeo Eacute organizadora de dois volumes da obra Temas e Rumos nas Pesquisas em Linguiacutestica (Aplicada) Questotildees empiacutericas eacuteticas e praacuteticas (2015 2017) Contato rosanaferraretoifspedubr

- 207 -

- 208 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Page 3: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora

COPYRIGHT copy COLECcedilAtildeO MESTRADO EM LINGUIacuteSTICA

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

CATALOGACcedilAtildeO NA FONTE

BIBLIOTECA CENTRAL DA UNIVERSIDADE DE FRANCA

B94c

EXPE

DIEN

TELudovice Camila de Arauacutejo Beraldo

L975t O texto corpo voz e linguagem Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice Aline Maria Paciacutefi co Manfrim Maria Flaacutevia Figueiredo organizadores Franca SP Universidade de Franca 2018

208 p (Coleccedilatildeo Mestrado em Linguiacutestica 13)

ISBN ndash 978-85-60114-69-6

1 LINGUIacuteSTICA ndash ESTUDO E ENSINO 2 LINGUIacuteSTICA ndash ESTUDOS BAKTHINIANOS 3 LINGUIacuteSTICA ndash PRODUCcedilAtildeO ACADEcircMICA 4 LINGUIacuteSTICA ndash RETOacuteRICA E ARGUMENTACcedilAtildeO I MANFRIM ALINE MARIA PACIacuteFICO II FIGUEIREDO MARIA FLAacuteVIA III UNIVERSIDADE DE FRANCA

CDU ndash 801(07)

REITORIA

PROacute-REITORIA DE GRADUACcedilAtildeO

PROacute-REITORIA DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

PROFA DRA KAacuteTIA JORGE CIUFFI

PROF DR EacuteLCIO RIVELINO RODRIGUES

PROFA DRA KAacuteTIA JORGE CIUFFI

COORDENACcedilAtildeO

ORIENTACcedilAtildeO

EXECUCcedilAtildeO

PROJETO GRAacuteFICO

PROFA MA ANA MAacuteRCIA ZAGO

PROF ESP RODRIGO A DE SOUZA

MATHEUS CUNHA DIVERNO

SEacuteRGIO RIBEIRO

NUacuteCLEO DE PROJETOS E PESQUISAEM DESIGN

CONSELHO EDITORIAL

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice (UNIFRAN)

Deacutebora Raquel Hettwer Massman (UNIVAacuteS)

Dominique Maingueneau (Paris-Sorbonne)

Edna Maria Fernandes dos Santos Nascimento (UNESP)

Erasmo DrsquoAlmeida Magalhatildees (USP)

Fernanda Mussalim (UFU)

Fernando Aparecido Ferreira (UNIFRAN)

Glenda Cristina Valim de Melo (UNIRIO)

Ivan Darrault-Harris (UNILIM - Franccedila)

Luciana Carmona Garcia Manzano (UNIFRAN)

Luiz Antocircnio Ferreira (PUC-SP)

Juscelino Pernambuco (UNIFRAN)

Maria da Gloacuteria Di Fanti (PUC-RS)

Maria Flaacutevia Figueiredo (UNIFRAN)

Mariacutelia Giselda Rodrigues (UNIFRAN)

Marina Ceacutelia Mendonccedila (UNESP)

Marlon Leal Rodrigues (UEMS)

Matheus Nogueira Schwartzmann (UNESP)

Renata Coelho Marchezan (UNESP)

Sueli Cristina Marquezi (PUC-SP)

Vera Luacutecia Rodella Abriata (UNIFRAN)

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 8

a construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto NORMAL HUMANIZADO

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim 15

dissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemCamila de Arauacutejo Beraldo Ludovice39

corpo e(m) (dis)curso da re-existecircncia Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann59

coisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie STRANGER THINGS

Fernando Aparecido Ferreira79

la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicaGerardo Ramiacuterez Vidal99

a autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular unicampLucas Vinicio de Carvalho Maciel121

a retoacuterica das paixotildees revisitadaMaria Flaacutevia Figueiredo 141

quando a lingua(gem) me afetaMoacir Lopes de Camargos 159

embodied language and its functionality in meaning constructionRosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Antocircnio Suaacuterez Abreu 175

os autores201

- 8 -

COLECcedilAtildeO MESTRADO EM LINGUIacuteSTICA

- 8 -

APRESENTACcedilAtildeO

Ao contraacuterio da memoacuteria das maacutequinas a memoacuteria coletiva supotildee dois suportes discursivos o objeto e o corpo O objeto cultural como portador de memoacuteria e o corpo como indicador de singularidade porque sem o corpo dos sujeitos que entre-transmitem algo de fundamental se perde a entonaccedilatildeo e com ela o valor O valor enquanto assinatura que atesta minha participaccedilatildeo singular e responsaacutevel no ser da cultura

Mariacutelia Amorim

A Coleccedilatildeo Mestrado em Linguiacutestica do programa de Mestrado em Linguiacutestica da Universidade de Franca (UNIFRAN) chega ao seu volume de nuacutemero 13 com o tiacutetulo O Texto corpo voz e linguagem Esta coleccedilatildeo foi organizada por trecircs professoras da aacuterea de estudos do texto e estaacute composta por nove capiacutetulos escritos por vaacuterios pesquisadores de diferentes universidades do Brasil e outros paiacuteses

Esta publicaccedilatildeo faz parte dos estudos desenvolvidos tambeacutem na linha de pesquisa ldquoProcessos e praacuteticas textuais caracterizaccedilotildees e abordagens teoacutericasrdquo do Mestrado em Linguiacutestica da UNIFRAN E tem como objetivo difundir as refl exotildees acadecircmicas que tratam dentro da temaacutetica proposta de abordagens teoacutericas e objetos diversos

Nos capiacutetulos deste livro o leitor encontraraacute discussotildees acerca das questotildees sobre corpo voz e linguagem manifestados das mais diversas formas e em variados gecircneros discursivos e tambeacutem analisados sob diferentes perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas

O primeiro capiacutetulo ldquoA construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto normal humanizadordquo escrito por Aline Maria Paciacutefi co Manfrim discute um tema bastante contemporacircneo e pouquiacutessimo debatido o parto normal humanizado Para tratar da temaacutetica a autora analisa cinco textos verbo-visuais postados no perfi l do Instagram de uma doula (mulher geralmente enfermeira que durante e apoacutes o parto fornece suporte emocional e fiacutesico a parturientes) e demonstra de que maneira os discursos aiacute veiculados se contrapotildeem com o modelo obsteacutetrico hegemocircnico no Brasil paiacutes que ocupa a posiccedilatildeo de segundo no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea Na esteira dos estudos bakhtinianos ao longo da anaacutelise a pesquisadora toma cada um dos enunciados presentes nos posts como um acontecimento enunciativo concreto uacutenico e irrepetiacutevel A relevacircncia do capiacutetulo repousa no fato de que a autora traz agrave baila um discurso que vai de encontro com aquele recorrente no paiacutes qual seja o que busca naturalizar a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo em detrimento do parto natural ou normal

Em ldquoDissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemrdquo a professora doutora Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice propotildee discutir a dissertaccedilatildeo como um gecircnero discursivo singular e por isso as vozes que o constituem e o estilo desse gecircnero tambeacutem merecem ser objeto de anaacutelise A partir de uma minuciosa revisatildeo bibliograacutefi ca dos estudos bakhtinianos que tratam desses conceitos e de refl exotildees realizadas pelos estudiosos de Bakhtin a professora mostra uma anaacutelise de uma dissertaccedilatildeo levando em conta os diaacutelogos realizados pela autora da dissertaccedilatildeo quando seleciona e mobiliza os enunciados para a materializaccedilatildeo de seu projeto de dizer Essa anaacutelise permitiu mostrar que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e concretiza a relaccedilatildeo entre o sujeito pesquisador e a liacutengua Os excertos analisados evidenciaram assim um posicionamento individual social e de mundo na

- 9 -

argumentaccedilatildeo produzida na dissertaccedilatildeo comprovado pelas marcas de expressatildeo deixadas na escrita

Deacutebora Massmann e Patriacutecia Brasil Massmann escreveram o capiacutetulo ldquoCorpo e(m) (dis)curso da re-existecircnciardquo As autoras tomam o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que o corpo eacute considerado como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Nessa perspectiva as autoras afi rmam que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Para ilustrar o processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia as autoras analisaram um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora As autoras analisaram o trecho sobre a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz e refl etiram sobre essa questatildeo como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tecircm de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio

No capiacutetulo ldquoCoisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie Stranger Th ingsrdquo o professor doutor Fernando Aparecido Ferreira faz uma anaacutelise minuciosa da intertextualidade que constitui a seacuterie Stranger

- 10 -

Th ings Para ele este recurso de linguagem estudado pela Linguiacutestica Textual eacute decisivo para a grande adesatildeo de puacuteblico ao enredo e aos recursos multimodais da narrativa porque funciona retoricamente como uma fi gura de comunhatildeo garantindo assim o sucesso na argumentaccedilatildeo construiacuteda pela seacuterie A partir da construccedilatildeo de uma identidade baseada na intertextualidade temaacutetica estiliacutestica por meio de recursos sonoros e audiovisuais das produccedilotildees dos anos 80 e da intertextualidade impliacutecita Stranger Th ings conclui o autor possibilita despertar no puacuteblico uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu garantindo assim aproximaccedilatildeo e familiaridade a cada sequecircncia narrativa da seacuterie

Gerardo Ramiacuterez Vidal da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico trouxe uma brilhante contribuiccedilatildeo para o livro por meio do capiacutetulo ldquoLa hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicardquo Com o conhecimento e a erudiccedilatildeo de um fi loacutelogo claacutessico o autor apresenta um percurso histoacuterico desde a Greacutecia antiga ateacute os dias atuais sobre a arte da expressatildeo oral ou hypokritikē (arte geral da pronuacutencia) Nos estudos linguiacutesticos da atualidade esse campo de estudo abarca o que conhecemos como prosoacutedia ou seja o conjunto de fenocircmenos focircnicos que se localiza aleacutem ou acima (hierarquicamente) da representaccedilatildeo segmental linear dos fonemas Para apresentar um levantamento diacrocircnico do uso do termo o pesquisador divide seu capiacutetulo em trecircs partes a primeira discorre sobre a palavra hypoacutekrisis e sua utilizaccedilatildeo em fontes antigas a segunda discute as imprecisotildees do termo e a terceira evidencia o caraacuteter transversal desse campo de estudo Ao longo do texto Ramiacuterez Vidal esclarece entatildeo a relevacircncia da expressatildeo oral (ou prosoacutedia) dentro dos estudos retoacutericos e por meio de uma ampla revisatildeo da literatura demonstra que esse campo de estudos foi primeiramente considerado como parte da retoacuterica por Aristoacuteteles tendo recebido atenccedilatildeo de autores gregos e posteriormente de latinos como Teofrasto Hermaacutegoras de Temnos Filodemo Casio

- 11 -

Longino e em especial Quintiliano que dedica a esse assunto um amplo capiacutetulo Depois de discorrer sobre as imprecisotildees do termo hypoacutekrisis e sobre o caraacuteter transversal que assumiu ao longo dos tempos ao fi nal do capiacutetulo o autor enfatiza que dada a relevacircncia do tema e a sua ampla aplicaccedilatildeo nos estudos retoacutericos eacute necessaacuterio que nos aprofundemos nos elementos prosoacutedicos sobretudo no que se refere a seu ensino e aplicaccedilatildeo praacutetica o que ressalta o pesquisador tem sido feito atualmente no Brasil pela pesquisadora Maria Flaacutevia Figueiredo docente do programa de poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica da Universidade de Franca

O capiacutetulo intitulado ldquoA autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular UNICAMPrdquo foi escrito pelo professor doutor Lucas Vinicio de Carvalho Maciel e trata sobre a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo sob a perspectiva do Ciacuterculo de Bakhtin A relevacircncia da autoconsciecircncia foi explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreendeu um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise o escopo do capiacutetulo aborda textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo Por essa incursatildeo o capiacutetulo evidenciou que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

- 12 -

A professora doutora Maria Flaacutevia Figueiredo escreveu o capiacutetulo ldquoA retoacuterica das paixotildees revisitadardquo com o propoacutesito de refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para tanto revisitou um dos mais relevantes legados de Aristoacuteteles a retoacuterica das paixotildees Segundo a autora refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para fi ns distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber Para alcanccedilar seus objetivos a pesquisadora perscrutou a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade para compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

No capiacutetulo ldquoQuando a lingua(gem) me afetardquo o professor doutor Moacir Lopes de Camargos elabora uma refl exatildeo sobre si a partir das accedilotildeesrespostas que os outros produziram sobre ele em alguns momentos de sua vida Ele aponta que elas contribuiacuteram para a sua formaccedilatildeo como sujeito social e fi caram marcadas no seu corpo e na sua memoacuteria pelo fato de serem accedilotildees violentas porque negaram a diferenccedila e tinham como objetivo forccedilar uma identidade que natildeo pertencia a ele Ao mesmo tempo em que a linguagem se tornou denuacutencia e sofrimento no capiacutetulo ela tambeacutem funcionou como caminho para elaboraccedilatildeo de uma retrospectiva de 50 anos da Histoacuteria de Brasil e de sua proacutepria histoacuteria em que social e individual se juntam para permitir com leveza e com o recurso esteacutetico das letras de muacutesica uma nova possibilidade de ldquocaminharrdquo sendo professor educador e formador de opiniatildeo em uma universidade

Os professores doutores Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues e Antocircnio Suaacuterez Abreu escreveram o capiacutetulo ldquoEmbodied language and its functionality in meaning constructionrdquo e partiram de questionamentos tais como Qual eacute o papel do corpo humano na cogniccedilatildeo e por que o usamos para entender as coisas do mundo Espaccedilos mentais satildeo estados fiacutesicos Se noacutes humanos tiveacutessemos um corpo diferente teriacuteamos uma cogniccedilatildeo diferente Das teorias fundadoras da metaacutefora conceptual (LAKOFF JOHNSON 1980) e dos esquemas imageacuteticos (LAKOFF 1987) a operaccedilotildees mentais mais modernas como o blending ou integraccedilatildeo conceitual (FAUCONNIER TURNER 2002) um novo ponto de vista sobre a linguagem humana emergiu da noccedilatildeo de cogniccedilatildeo corporifi cada Neste capiacutetulo foram discutidas essas questotildees e apresentados esses constructos da Linguiacutestica Cognitiva para lanccedilar luz sobre aspectos que viabilizam os blendings como as aff ordances (GIBSON 1979) a partir dos quais se pode notar a criatividade humana acontecendo na comunicaccedilatildeo Ao comparar usos em diferentes liacutenguas verifi caram a manifestaccedilatildeo da cogniccedilatildeo corporifi cada na construccedilatildeo de (novos) signifi cados Ao mostrarem exemplos de usos em expressotildees do Portuguecircs e do Inglecircs fi ca evidente que projetaram percepccedilatildeo cultura e histoacuteria para a realidade o que eacute plausiacutevel porque o nosso corpo funciona como uma caixa de ferramentas onde o ceacuterebro estaacute para nos fazer funcionar Assim o corpo eacute usado como gatilho para construir signifi cado

Com esta apresentaccedilatildeo e breve resumo dos capiacutetulos esperamos incitar a acircnsia pela leitura e por novas pesquisas Desejamos a descoberta de formas ineacuteditas de ver entender e expressar o corpo a voz e a linguagem

Camila de Arauacutejo Beraldo LudoviceAline Maria Paciacutefi co Manfrim

Maria Flaacutevia Figueiredo

- 15 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim

INTRODUCcedilAtildeO

Na posiccedilatildeo de segundo paiacutes no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea (ONUBR 2017) em um contexto em que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede recomenda que se realize esse tipo de praacutetica somente em situaccedilotildees necessaacuterias devido aos riscos maiores de complicaccedilotildees se for comparada com o parto natural ou normal no Brasil circula um discurso em que se naturaliza a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo

Dentre as razotildees para a hegemonia da cesaacuterea estaacute a forma como o parto eacute compreendido e reforccedilado pelo discurso meacutedico Palharini (2017) destaca que existe no Brasil uma perspectiva patoloacutegica da gravidez e do parto e uma supervalorizaccedilatildeo das tecnologias desenvolvidas na aacuterea meacutedica que contribuem para a compreensatildeo dessas duas situaccedilotildees como momentos em que as vidas das matildees e dos bebecircs se colocam em situaccedilatildeo de risco e por isso devem ser salvas

Diante desse modelo obsteacutetrico hegemocircnico a autora aponta que

Os movimentos sociais por mudanccedila na assistecircncia ao parto e nascimento esbarrariam nesta primeira questatildeo a difi culdade de diaacutelogo com a classe

A CONSTRUCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DO CORPO DA VOZ E DA LINGUAGEM EM ENUNCIADOS VERBO-VISUAIS

SOBRE O PARTO NORMAL HUMANIZADO

- 16 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

meacutedica tradicional devido agrave grande resistecircncia por mudanccedilas Para o discurso hegemocircnico a autoridade meacutedica eacute invisiacutevel e portanto natildeo haacute o que ser questionado Os argumentos envoltos por uma retoacuterica de cientifi cidade justifi cados pelo seu fi m natildeo signifi cam autoridade mas sim verdade Isso faz com que nem se discutam os procedimentos teacutecnicos e as praacuteticas que satildeo colocadas em xeque Todo discurso contraacuterio questionador e militante eacute desqualifi cado (PALHARINI 2017 p 30)

Essa desqualifi caccedilatildeo ocorre inclusive na falta de espaccedilo discursivo e fiacutesico para a discussatildeo a respeito do tema nas instituiccedilotildees de sauacutede de modo que a violecircncia obsteacutetrica por consequecircncia quase natildeo ganha forccedila para ser evidenciada

Esse discurso hegemocircnico poreacutem natildeo impede que os profi ssionais engajados na defesa dos partos normal (parto vaginal) e natural (normal mas sem nenhuma intervenccedilatildeo meacutedica como anestesia eou outras substacircncias que aceleram o parto como a ocitocina artifi cial) atuem defendam e divulguem informaccedilotildees para que as gestantes ao menos tomem conhecimento de outras possibilidades de se entender a gravidez e o parto desvinculados do campo semacircntico da patologia e serem associados a situaccedilotildees naturais e humanas que as mulheres vivenciam Nesse caso portanto tudo o que pode ser vinculado ao parto ndash entrar em trabalho de parto sentir as dores as contraccedilotildees o rompimento da bolsa e as teacutecnicas para passar por este momento de forma segura consciente e humanizada ndash tambeacutem eacute visto como natural

Para Diniz (2005 p 629)

As propostas de humanizaccedilatildeo do parto no SUS como no setor privado tecircm o meacuterito de criar novas possibilidades de imaginaccedilatildeo e de exerciacutecio de direitos de viver a maternidade a sexualidade a

- 17 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

paternidade a vida corporal Enfi m de reinvenccedilatildeo do parto como experiecircncia humana onde antes soacute havia a escolha precaacuteria entre a cesaacuterea como parto ideal e a vitimizaccedilatildeo do parto violento

No contexto da humanizaccedilatildeo do parto o papel da doula torna-se importante Atualmente entende-se por doulas ldquomulheres que datildeo suporte fiacutesico e emocional a outras mulheres antes durante e apoacutes o partordquo (DUARTE 2018 sp) Sendo assim tais mulheres satildeo contratadas e atuam no acompanhamento de gestantes que possuem grande interesse em parir de forma normal eou natural Por essa razatildeo as doulas assumiram um forte papel de militacircncia em defesa desse tipo de parto nos espaccedilos em que podem defender essa praacutetica

Na visatildeo apresentada por Barbosa et al (2018 p 427)

Um importante movimento da doula parece ser a sororidade com a gestante pois satildeo mulheres que usam suas experiecircncias de parto positivas ou negativas aliando o conhecimento e a sensibilidade em prol de um parto respeitoso Estatildeo centradas no bem-estar da mulher e em seu empoderamento durante o trabalho de parto e natildeo na realizaccedilatildeo de teacutecnicas e procedimentos focados somente no nascimento de um concepto saudaacutevel

Apesar dessa caracteriacutestica da sororidade atribuiacuteda agraves doulas a maioria das gestantes natildeo sabem da existecircncia dessa profi ssional e cabe agraves proacuteprias doulas divulgar seu trabalho mesmo diante do discurso obsteacutetrico hegemocircnico que minimiza as vantagens do parto normalnatural

Um espaccedilo de divulgaccedilatildeo muito utilizado pelas doulas satildeo as redes sociais Confi gurando-se como um meio de divulgaccedilatildeo e militacircncia por esse tipo de parto Facebook e Instagram acabam se

- 18 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

tornando um territoacuterio possiacutevel de discussatildeo contato e formaccedilatildeo de opiniatildeo sobre o trabalho realizado pela doula

A vantagem dessas redes eacute o faacutecil acesso agraves pessoas e aos discursos uma vez que as postagens multimodais possuem forte apelaccedilatildeo e podem ser grandes instrumentos de convencimento No Instagram por exemplo a comunicaccedilatildeo entre perfi s e seguidores eacute permeada fortemente por enunciados verbo-visuais

Este capiacutetulo delimitou como escopo de anaacutelise um perfi l do Instagram que pertence a uma doula e eacute intitulado celesteparteira Nesse perfi l haacute muitas formas de tratamento do parto normalnatural e diante delas os enunciados verbo-visuais se mostraram pertinentes pelo fato de no embate pela defesa de uma compreensatildeo do parto como algo natural agrave gestante produzir argumentos que concretizam o distanciamento do discurso da patologizaccedilatildeo da gravidez e do parto

Esse distanciamento discursivo faz associaccedilotildees semacircnticas que cotejam temas como a ancestralidade a simbologia da circularidade a potecircncia do corpo feminino a singularidade de cada gestante e a necessidade de formaccedilatildeo de uma rede de apoio para a viabilizaccedilatildeo do nascimento social do bebecirc e da proacutepria possibilidade de materializaccedilatildeo de um parto mais humanizado

O ENUNCIADO VERBO-VISUAL

Eacute possiacutevel pensar em texto na concepccedilatildeo bakhtiniana poreacutem temos que nos deslocar do viacutenculo direto que normalmente se faz com os estudos da Linguiacutestica Textual Esta disciplina possui um histoacuterico independente dos estudos bakhtinianos de modo que na fase chamada de virada sociocognitivo-interacionista (KOCH 2015) incorpora em suas teorias a importacircncia da interaccedilatildeo verbal concordando que quando produzimos textos elaboramos na realidade engajamentos em contextos sociais conforme os

- 19 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

papeis sociais que podem ser assumidos na produccedilatildeo enunciativa

Da mesma forma os estudos bakhtinianos possuem um caminho de refl exatildeo independente da Linguiacutestica Textual Inseridos em uma trajetoacuteria de investigaccedilatildeo sobre a linguagem considerando a forte relaccedilatildeo entre eacutetica e esteacutetica que se interliga por meio dos traccedilos culturais e o embate das relaccedilotildees hieraacuterquicas entre os interlocutores esses estudos natildeo priorizam somente o conteuacutedo interno de um texto porque nessa perspectiva esse conteuacutedo interno nada mais eacute do que o resultado de um trabalho muito mais visceral com a linguagem que envolve assumir-se como locutor elaborar e executar um projeto de dizer que estaacute inteiramente endereccedilado ao outro desde a escolha do gecircnero ateacute o tom expressivo que eacute confi gurado e tambeacutem compreender que o que estaacute sendo produzido tem uma funccedilatildeo social e por isso motivo para existir de forma concreta

Devido a isso em um dos primeiros livros publicados pelo Ciacuterculo Marxismo e fi losofi a da linguagem com autoria atribuiacuteda a Voloshinov as primeiras orientaccedilotildees para uma anaacutelise mais ampla da linguagem caracterizadas como meacutetodo socioloacutegico ateacute entatildeo (o qual depois vai ser compreendido e nomeado no Brasil de estudos dialoacutegicos) satildeo

1) Natildeo se pode isolar a ideologia da realidade material do signo (ao inseri-la na ldquoconsciecircnciardquo ou em outros campos instaacuteveis e imprecisos)

2) Natildeo se pode isolar o signo das formas concretas da comunicaccedilatildeo social (pois o signo eacute uma parte da comunicaccedilatildeo social organizada e natildeo existe como tal fora dela pois se tornaria um simples objeto fiacutesico)

3) Natildeo se pode isolar a comunicaccedilatildeo e suas formas da base material (VOLOSHINOV [1929] 2017 p 110)

- 20 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Posteriormente com o desenvolvimento dos estudos dos gecircneros do discurso pelo Ciacuterculo a noccedilatildeo de enunciado se mostrou muito mais potente como unidade concreta da comunicaccedilatildeo pelo fato de considerar quando trata das particularidades do enunciado (BAKHTIN 2003a) as relaccedilotildees dialoacutegicas existentes na interaccedilatildeo verbal que envolvem o acabamento provisoacuterio do enunciado uma vez que ele tem como delimitaccedilatildeo a possibilidade de resposta do outro o endereccedilamento a algueacutem jaacute que ele eacute uma resposta concreta a um sujeito concreto (e natildeo necessariamente real) e por fi m o tom expressivo o qual estaacute ligado agraves outras particularidades e a disputa pelos sentidos no processo comunicativos sendo a palavra (enunciado) considerada a arena de luta (BAKHTIN [1929] 2017) Essas trecircs caracteriacutesticas mostram o quanto o enunciado estaacute atrelado ao acontecimento enunciativo daiacute tambeacutem vem a relevacircncia de chamaacute-lo de concreto uacutenico e irrepetiacutevel

Nessa perspectiva a noccedilatildeo de texto considerada neste capiacutetulo se aproximaria muito mais da noccedilatildeo de enunciado tal como defende o Ciacuterculo de Bakhtin o que permite considerar que um enunciado seja um fi lme um tweet uma palestra uma propaganda uma imagem o corpo ou forma como uma cidade eacute estruturada por exemplo

No caso dos textos (com a noccedilatildeo explicitada acima) verbo-visuais Grillo (2012) discute a possibilidade de anaacutelise por meio dos estudos bakhtinianos pelo fato de esses estudos natildeo terem se restringido a enunciados verbais e pelo fato de terem ampliado as refl exotildees sobre a interaccedilatildeo humana e a produccedilatildeo de linguagem a diversos campos da cultura Essa pesquisadora aponta que a noccedilatildeo de tema e de gecircneros do discurso satildeo indiacutecios concretos da possibilidade de se compreender os textos verbo-visuais agrave luz dessa linha de anaacutelise porque elas propotildeem um deslocamento para aleacutem dos limites do conteuacutedo em si

- 21 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao tema

[hellip] a teoria bakhtiniana natildeo rejeita a possibilidade e a pertinecircncia da anaacutelise estrutural das unidades constituintes mas funda sua abordagem no estudo das propriedades globais dos enunciados concretos incorporando interpretaccedilotildees decorrentes dos discursos ndash esferas ndash e das associaccedilotildees culturais ndash elementos imprescindiacuteveis na teoria bakhtiniana A teoria bakhtiniana calca sua proposta no princiacutepio gestaltista de que o todo do enunciado natildeo pode ser determinado exclusivamente a partir de seus constituintes (GRILLO 2012 p 242)

A noccedilatildeo de tema amplia a compreensatildeo de enunciado para aleacutem de seus constituintes porque trata do novo propiciado pelo acontecimento da interaccedilatildeo (VOLOSHINOV [1929] 2017) Orienta as anaacutelises para o encontro entre sujeito e seu outro e acaba se tornando tambeacutem a porta de entrada para a relaccedilatildeo entre liacutengua e vida diferente da signifi caccedilatildeo que abarca a parte reiteraacutevel da liacutengua No caso dos textos verbo-visuais pode-se considerar a produccedilatildeo do novo no cotejamento entre verbal e natildeo verbal proporcionado pelo autor e no acontecimento da interaccedilatildeo entre interlocutor e enunciado

Em relaccedilatildeo ao gecircnero

A partir da distinccedilatildeo entre forma arquitetocircnica e forma composicional ou entre projeto de discurso do falante e construccedilatildeo composicional do gecircnero entendemos que a dimensatildeo verbo-visual dos enunciados de divulgaccedilatildeo cientiacutefi ca eacute por um lado um momento da organizaccedilatildeo do material verbo-visual na construccedilatildeo composicional e por outro a materializaccedilatildeo do projeto discursivo do autor [hellip] A teoria do Ciacuterculo ao abordar enunciados concretos inclui a autoria como seu objeto de estudo Os

- 22 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enunciados e seus gecircneros satildeo a concretizaccedilatildeo do projeto discursivo de seus autores Embora constituam um todo para o leitor cada um desses dois planos de expressatildeo pode ser elaborado por instacircncias autorais distintas (GRILLO 2012 p 244-245)

Nesse trecho a autora destaca que a noccedilatildeo de gecircneros do discurso proposta pelo Ciacuterculo permite considerar o trabalho que o sujeitoautor realiza quando trabalha a linguagem em suas diversas manifestaccedilotildees por meio de diaacutelogos com a estrutura composicional e com a singularidade que se concretiza quando organiza sua resposta ao outro dentro das possibilidades que tem e que cria Nesse sentido tambeacutem se pode associar aqui o conceito de estilo tanto o estilo do gecircnero quanto o estilo de autor

Neste capiacutetulo por meio da discussatildeo sobre o trabalho realizado com textos verbo-visuais (tambeacutem considerados como enunciados) que tratam da gravidez e do parto em uma paacutegina de uma doula que incentiva o parto normal e humanizado na rede Instagram seratildeo apresentadas refl exotildees sobre a) o projeto de dizer proposto com a publicaccedilatildeo das imagens selecionadas considerando a questatildeo da construccedilatildeo temaacutetica nesses enunciados e b) a noccedilatildeo de corpo como lugar social para a construccedilatildeo do direito ao parto humanizado em espaccedilos ofi ciais

A LINGUAGEM VERBO-VISUAL COMO ESPACcedilO DE EMBATE PELO DIREITO AO PARTO NORMAL HUMA-NIZADO

A palavra eacute ato eacutetico accedilatildeo sobre o mundo e o outro Faz-nos contrair uma responsabilidade concreta e ontoloacutegica ao mesmo tempo para com o mundo e com o outro e eacute nossa maneira de ser e existir neste mundo e na transcendecircncia

Bubnova Baronas e Tonelli

- 23 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As refl exotildees de Bubnova Baronas e Tonelli (2011 p 3) destacam a importacircncia de considerar as vozes do processo dialoacutegico como ldquoposiccedilotildees eacutetico-ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozesrdquo

Nesse cenaacuterio dialoacutegico e singular ao mesmo tempo esses autores vatildeo aprofundar a refl exatildeo do direcionamento dos enunciados aos outros mostrando que na teoria translinguiacutestica proposta por Bakhtin e o Ciacuterculo a concepccedilatildeo de mundo adotada considera o sentido material e o moral de modo que o espaccedilo eacute o lugar em que o outro sempre estaacute e por isso no processo interativo tem que entrar no espaccedilo seja pelo gesto tarefa ou expressatildeo

Esse exerciacutecio de ldquoentrar no espaccedilo que jaacute existe um outrordquo faz com que o eu assuma responsabilidades de modo que precisa entrar em um processo de construir sua presenccedila e cooperaccedilatildeo com o outro

Ainda para esses autores essa relaccedilatildeo interlocutiva e dialoacutegica torna o ato de enunciar um encontro com o outro evidenciando assim o caraacuteter de acontecimento do ser chamado de acontecimento entre noacutes A construccedilatildeo de sentidos tem seu caraacuteter de accedilatildeo

Eacute desse lugar de produccedilatildeo dinacircmica de sentidos que os autores chamam a atenccedilatildeo para a produccedilatildeo dinacircmica de enunciados e assim essa complexidade de articulaccedilatildeo entre liacutengua (que estaacute em tudo) e vida torna-se muito mais importante para os estudos bakhtinianos do que a distinccedilatildeo entre oralidade e escrita informalidade ou formalidade nos processos comunicativos

Os autores tambeacutem destacam que o fi loacutesofo russo da linguagem Mikhail Bakhtin apesar de natildeo ter se ocupado do folclore e da tradiccedilatildeo oral mas da literatura escrita canocircnica utiliza amplamente o vocabulaacuterio relacionado ao oral agrave voz agrave audiccedilatildeo agrave escuta ao tom agrave tonalidade agrave entonaccedilatildeo ao acento etc

- 24 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Diferentemente de outros teoacutericos Bakhtin natildeo trata a oralidade como um domiacutenio agrave parte da escrita e natildeo faz uma draacutestica divisatildeo entre a cultura oral e a cultura escrita como dois acircmbitos contrastantes Ao contraacuterio o mundo pensado por ele tanto o da voz quanto o da letra aparece unifi cado pela produccedilatildeo dinacircmica dos sentidos gerados e transmitidos pelas vozes personalizadas que representam posiccedilotildees eacuteticas e ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e um intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozes (BUBNOVA BARONAS TONELLI 2011 p 2)

Sendo assim discutem ser o essencial dos estudos bakhtinianos tratar da produccedilatildeo de linguagem integrada em todos os tipos de atos revelando uma compreensatildeo do verbal como um discurso oral traduzido em letras sendo portanto uma ldquovoz escritardquo

O discurso frente a tais refl exotildees pode ser compreendido como uma forma de autoexpressatildeo do ser humano que envolve vocalizaccedilatildeo gestos expressotildees pausas ausecircncias respostas taacutecitas e sentidos mudos

Essas consideraccedilotildees a respeito das relaccedilotildees dialoacutegicas e da concepccedilatildeo de discurso na perspectiva bakhtiniana podem auxiliar na forma de interpretaccedilatildeo de enunciados verbo-visuais como uma voz multimodal que traz uma articulaccedilatildeo de posicionamentos por meio da qual a busca por entrar no espaccedilo que jaacute eacute territoacuterio do outro torna-se um confl ito necessaacuterio para garantir o lugar do eu

Desse modo a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de uma voz que defenda o parto normal humanizado em um paiacutes em que existe um dos maiores iacutendices de cesaacutereas do mundo (ldquoEnquanto a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) estabelece em ateacute 15 a proporccedilatildeo recomendada de partos por cesariana no Brasil esse percentual eacute de 57rdquo ONUBR 2017 sp) signifi ca entrar em um embate com o jaacute institucionalizado daiacute a necessidade de se buscar estrateacutegias e frestas para dar concretude a essa possibilidade de embate por meio de escolhas que possibilitem trazer o novo

- 25 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(construccedilatildeo temaacutetica) e os gecircneros que ofereceratildeo suporte agrave consolidaccedilatildeo do espaccedilo de resistecircncia

SOBRE O CORPUS DE ANAacuteLISE

As imagens selecionadas para anaacutelise foram postadas por uma doula em seu perfi l do Instagram o qual tem por objetivo divulgar o trabalho realizado por ela de doulagem e defender o parto normal humanizado Ela eacute enfermeira e aleacutem da atividade de doulagem oferece cursos para a formaccedilatildeo de futuras doulas

Em seu perfi l essa doula tambeacutem busca esclarecer as informaccedilotildees sobre o parto normal humanizado e desmitifi car preacute-conceitos e inverdades a respeito desse tipo de parto Defende a importacircncia da cesaacuterea quando ela salva vidas mas tenta mostrar que o corpo da mulher tem condiccedilotildees de parir um fi lho sem a cirurgia quando a mulher estaacute bem informada e decide por essa opccedilatildeo

Esse posicionamento se explicita no perfi l por meio das fotos dos partos dos quais participa fotos dos cursos que ministra divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees teacutecnicas e teoacutericas postagem de depoimentos que reforccedilam a realizaccedilatildeo profi ssional dela exposiccedilatildeo de depoimentos de matildees e outras doulas em formaccedilatildeo e por fi m postagem de enunciados verbo-visuais que tratam da gravidez e do parto visando atingir tambeacutem pessoas que natildeo estejam diretamente ligadas a ela mas que buscam esclarecimento Satildeo estes uacuteltimos enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise deste capiacutetulo

Cinco deles seratildeo discutidos aqui Todos eles ressaltam a necessidade de integraccedilatildeo entre matildee bebecirc sociedade e entorno Apresentam tambeacutem fi guras circulares referentes ao ciclo do gerar nascer e habitar o planeta e instruem para a importacircncia de a matildee estar conectada com a questatildeo da integraccedilatildeo para assim haver a possibilidade de materializaccedilatildeo do parto normal de forma integrada com a naturezauniverso

- 26 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em termos simboacutelicos o ciacuterculo representa ldquoausecircncia de distinccedilatildeo ou divisatildeo [hellip] o movimento circular eacute perfeito imutaacutevel sem comeccedilo nem fi m e nem variaccedilotildees o que o habilita a simbolizar o tempordquo (CHEVALIER GHEERBRANT 1988 p 250) Jung (1964) mostra que o ciacuterculo eacute o siacutembolo da psiquegrave Para esse autor em diversas culturas e suas respectivas crenccedilas os elementos circulares representam a indissociabilidade entre a alma e o divino

Essa ideia de continuidade associada agrave gravidez e ao parto no corpus de anaacutelise deste capiacutetulo reforccedila a ideia do parto normal como um ritual de pertenccedila e conexatildeo com o todo A mulher que vai parir o bebecirc nessa concepccedilatildeo e aproximaccedilatildeo de ideias natildeo eacute dissociada de sua histoacuteria da ancestralidade e se conecta tambeacutem ao porvir por meio do bebecirc que nasce

Nos enunciados analisados constroacutei-se um espaccedilo discursivo propiacutecio para a concretizaccedilatildeo da gestaccedilatildeo via parto normal Com isso materializam-se lugares de empoderamento e embate que abrem as possibilidades para as matildees saberem seus direitos terem acesso a informaccedilotildees e se sentirem fi rmes para vivenciar esse tipo de parto caso seja esaa a opccedilatildeo

Essas consideraccedilotildees iniciais sobre o corpus jaacute evidenciam que a linguagem verbo-visual contribui para a constituiccedilatildeo de um espaccedilo de militacircncia pelo direito ao parto normal humanizado e traz a voz natildeo da ldquoescritardquo ofi cial e institucionalizada para construir seus argumentos mas a da ancestralidade da praacutetica de partos anteriores aos registros e dados estatiacutesticos considerados pela cultura da cesaacuterea como uma forma mais segura de parto existente no Brasil

A incorporaccedilatildeo simboacutelica e material das tecnologias na situaccedilatildeo da cesariana atualiza as possibilidades corporais e sociais inclusive driblando imperativos da natureza a cesaacuterea marcada transforma profundamente a experiecircncia do parto retirando

- 27 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

da cena elementos como coacutelicas contraccedilotildees rompimento de bolsa espasmos gritos e o tempo de espera com suas expectativas incertezas e ansiedades A teacutecnica ciruacutergica e seus usos reapresentam o parto agraves mulheres (NAKANO BONAN TEIXEIRA 2015 sem paacutegina)

Frente agraves mudanccedilas acarretadas pela cesaacuterea marcada a cada postagem a doula se coloca em embate com essa realidade abrindo espaccedilos de disputa pelos sentidos atribuiacutedos ao parto Nesse espaccedilo discursivo regado de exemplos de espaccedilos fiacutesicos (maternidade SUS plano de sauacutede parto em casa parto na aacutegua etc) revela-se a imagem do corpo de mulher graacutevida e a aprendizagem de lidar com esse corpo por meio de uma voz (o discurso de defesa do parto normal a vocalizaccedilatildeo na accedilatildeo de parir o acolhimento da doula) que constitui a materialidade do verbal natildeo verbal e do proacuteprio bebecirc que nasce biologicamente e socialmente voz esta integralmente conectada com o universo que a cerca

PROJETOS DE DIZERES E O CORPO INTEGRACcedilAtildeO DA GRAVIDEZ AO PARTO

A seguir seratildeo apresentadas algumas refl exotildees sobre cada um dos cinco enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise Em termos metodoloacutegicos seguindo o que os estudos bakhtinianos entendem ser tarefa das pesquisas em ciecircncias humanas os enunciados satildeo interpretados considerando o acontecimento de interaccedilatildeo entre o pesquisador e o dado de pesquisa com o intuito principal de construir uma compreensatildeo (BAKHTIN 2003b)

A partir disso o resultado da compreensatildeo se aproxima de uma verdade que o Circulo chama de Pravda isto eacute aquilo que se atinge no evento singular uma vez que eacute ela que consegue abarcar o ato eacutetico (BAJTIacuteN 1997) sem pretensatildeo de se chegar a uma verdade generalizante e universal (Istna)

- 28 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Bakhtin (2003b p 400) aponta que ldquotoda interpretaccedilatildeo eacute um correlacionamento de dado texto com outros textosrdquo Entatildeo o pesquisador ao planejar realizar e divulgar seu trabalho tambeacutem passa por um processo interpretativo da realidade sobre a qual se debruccedila Nesse mesmo capiacutetulo aponta as etapas do movimento dialoacutegico da interpretaccedilatildeo que satildeo a) o ponto de partida isto eacute um corpus um enunciado b) o movimento retrospectivo ou seja a realizaccedilatildeo do diaacutelogo com o passado e c) o movimento prospectivo que diz respeito agraves respostas produzidas a partir de um projeto de dizer iniciando assim um futuro contexto As anaacutelises realizadas neste capiacutetulo buscaram seguir esse movimento interpretativo

O Enunciado 1 jaacute trata de valorizar a possibilidade real e da preparaccedilatildeo bioloacutegica do corpo da mulher para parir em contraponto com a aceitaccedilatildeo de imediato de uma cesaacuterea desnecessaacuteria

Enunciado 1 10 afi rmaccedilotildees para o momento do parto

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 29 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O design arredondado tanto da imagem (a elipse rosa os coraccedilotildees a barriga o rosto da mulher o posicionamento de conexatildeo entre os braccedilos e entre as pernas) quanto dos ciacuterculos brancos que abrangem cada uma das dez afi rmaccedilotildees remetem agrave conexatildeo entre corpo voz e linguagem no que se refere agrave ligaccedilatildeo entre corpo bioloacutegico aquele que apresenta condiccedilotildees para a efetivaccedilatildeo de um parto normal e a consciecircncia (mente) em termos de preparaccedilatildeo emocional para tal ato

Por meio da linguagem as vozes mobilizadas (no caso as dez afi rmaccedilotildees) e o comentaacuterio realizado pela enfermeira (reforccedilando a positividade entre pensamento afi rmaccedilotildees e parto) possibilitam a concretizaccedilatildeo e a preparaccedilatildeo para esse tipo de parto

Nesse caso o tom apreciativo centralizado no ldquoeurdquo ldquobebecircrdquo e ldquovidardquo eacute de empoderamento da accedilatildeo de parir como se a repeticcedilatildeo dessas palavras materializasse a forccedila e o encorajamento necessaacuterios para assumir essa opccedilatildeo de parto

Sob a responsabilidade do ldquoeurdquo (matildee) estatildeo conseguir relaxar amar e estar pronta Em relaccedilatildeo ao bebecirc atribui-se o saber nascer No que se refere agrave vida reforccedila-se o fl uir Sobre a integraccedilatildeo matildeebebecirc designa-se a harmonia entre ambos

A questatildeo do tom se modifi ca um pouco quando de trata da dor do parto As afi rmaccedilotildees sobre a dor e sobre as contraccedilotildees natildeo minimizam o fato de que elas existem mas deslocam os sentidos para focalizar na necessidade delas para que o nascimento ocorra concentrando na importacircncia delas para a movimentaccedilatildeo do bebecirc e da produtividade de natildeo estabelecer a ligaccedilatildeo entre dor e sofrimento Para isso utilizam-se os verbos no infi nitivo sentir dor e ter o bebecirc O corpo eacute o centro da imagem o centro da geraccedilatildeo do bebecirc e a conexatildeo material entre os discursos que empoderam a mulher e a possibilidade de parir empoderada

O Enunciado 2 propotildee o cotejamento de uma construccedilatildeo temaacutetica por meio da conexatildeo da matildee com a ancestralidade

- 30 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 2 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

Novamente valendo-se da circularidade das imagens para evidenciar o ciclo da vida a imagem reforccedila a ligaccedilatildeo entre a matildee o bebecirc a placenta e a terra (matildee terra) A barriga da matildee central na imagem representa a uniatildeo desses elementos remetendo agrave visatildeo do universo como algo holiacutestico em que homem universo e natureza estatildeo interligados Assim como a placenta envolve o bebecirc a nova vida o universo envolve a matildee a que gera Nas laterais da imagem a matildee aparece envolvendo o bebecirc e por sua vez o bebecirc em posiccedilatildeo fetal eacute envolvido pela placenta

Essa relaccedilatildeo metafoacuterica entre universo matildee e bebecirc na gravidez retoma a ideia da conexatildeo holiacutestica entre corpo voz e linguagem Em relaccedilatildeo ao corpo este passa a ser o elo entre passado e futuro

- 31 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de forma que se torna o presente da possibilidade de materializaccedilatildeo e continuidade da vida A voz trazida pelo comentaacuterio (ldquoSobre gratidatildeordquo) direciona o corpo para o posicionamento de curvar-se diante do universo reconhecer a divindade da vida e aceitar as o ciclo universal do nascer crescer e morrer Ao mesmo tempo em que nasce o bebecirc nasce a placenta com desenho muito semelhante a uma aacutervore seus galhos e raiacutezes e tambeacutem nasce a matildee A linguagem verbal vem a se conectar com esse tom apreciativo de agradecimento

O Enunciado 3 propotildee uma construccedilatildeo temaacutetica que reforccedila a rede de apoio no ato de parir

Enunciado 3 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 32 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com o intuito de parabenizar os meacutedicos obstetras pelo seu dia a doula posta a imagem acima que remete agraves enfermeiras que medem os batimentos cardiacuteacos do coraccedilatildeo do bebecirc e controlam a dilataccedilatildeo da matildee durante o trabalho de parto aos meacutedicos que realizam o preacute-natal e o parto e portanto jaacute possuem uma conexatildeo com a matildee e aos acompanhantes de parto Tal rede faz parte do que se considera chamar ldquoparto humanizadordquo porque todos de forma colaborativa contribuem para que haja um ambiente propiacutecio seguro e tranquilo para que a matildee possa parir seu bebecirc

Eacute interessante ressaltar que essa rede tambeacutem representada por um ciacuterculo na imagem caracteriza os envolvidos no parto por meio de vaacuterias cores da pele de formato de cabelo isto eacute tambeacutem pode representar a importacircncia desse elo de respeito aos direitos da mulher graacutevida em diversas culturas considerando as diferenccedilas nas diversas instacircncias sociais inclusive nos diferentes tipos de corpos que vatildeo parir

A construccedilatildeo do discurso de defesa do parto normal passa nesse enunciado pela construccedilatildeo temaacutetica da importacircncia de se considerar as singularidades e o contexto da matildee que estaacute parindo

O Enunciado 4 volta-se ao bebecirc receacutem-nascido

- 33 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 4 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

O ciacuterculo azul ao mesmo tempo que se refere agrave bolsa de aacutegua que carrega o bebecirc remete a um planeta isto eacute a um mundo novo que se inicia O entorno da imagem reforccedila essa ideia de anunciaccedilatildeo do novo dentre as demais estrelas constelaccedilotildees e galaacutexias jaacute existentes A luz que ela deseja no comentaacuterio se direciona para a vibraccedilatildeo de positividade para a matildee e o bebecirc mas tambeacutem agrave fase do parto normal denominada coroaccedilatildeo do bebecirc a qual corresponde agrave saiacuteda da cabeccedila no canal vaginal da matildee Essa fase tambeacutem eacute conhecida como ciacuterculo de fogo (luz) porque quando a cabeccedila sai a matildee sente uma espeacutecie de queimaccedilatildeo

- 34 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As matildeos que aparecem no enunciado formam uma espeacutecie de caacutelice pela posiccedilatildeo em que estatildeo e acolhem a cabeccedila do bebecirc Em termos de construccedilatildeo temaacutetica aqui existe uma associaccedilatildeo com o discurso religioso ao aproximar a questatildeo do formato do caacutelice com a praacutetica do recebimento do sangue de Cristo pela hoacutestia sagrada

O Enunciado 5 se volta para a questatildeo da singularidade do trabalho de parto incentivando a matildee a natildeo se basear em uma ideia fechada de como ocorreraacute seu parto

Enunciado 5 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 35 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Na parte verbal do enunciado pode ser identifi cada uma voz que se coloca em embate direto com as visotildees estereotipadas que denigrem o parto normal e com as comparaccedilotildees que satildeo feitas entre as mulheres que jaacute pariram dessa forma Concretizado em primeira pessoa ele se torna uma espeacutecie de mantra para que a mulher internalize esse fato de modo que se sinta confi ante para ir adiante caso escolha ter seu fi lho assim

A organizaccedilatildeo da folhagem em volta do bebecirc e as pinturas na pele dele podem ser associadas agrave particularizaccedilatildeo tatildeo potente que pode ateacute ser associada a um DNA especiacutefi co O biotipo da matildee entatildeo eacute colocado como capaz de parir o fi lho que existe dentro dela

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Por meio dos enunciados verbo-visuais foi realizada uma discussatildeo agrave luz dos estudos bakhtinianos sobre as formas de composiccedilatildeo temaacutetica realizada para defender o parto normal humanizado A proacutepria escolha do gecircnero para a produccedilatildeo dos enunciados (postagem no Instagram) local de compartilhamento do cotidiano jaacute pode ser compreendida como um lugar de resistecircncia e militacircncia possiacutevel para tal tese cuja forccedila pode se igualar aos demais espaccedilos que reforccedilam ou incentivam somente o parto via cesaacuterea (discurso dominante)

A profi ssatildeo de enfermeira e sua experiecircncia de doulagem tambeacutem autorizam a doula a sustentar a defesa de seus argumentos e no caso dos enunciados analisados neste capiacutetulo a tentativa de esclarecimento divulgaccedilatildeo e incentivo ao parto normal torna-se uma forma de fazer com que as matildees saibam da existecircncia desse parto de forma humanizada e faccedilam uma escolha consciente entre ele e a cesaacuterea

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 36 -

Os enunciados tambeacutem reforccedilam que caso esse tipo de parto seja escolhido a tarefa natildeo eacute soacute da mulher pois haacute que se consolidar uma rede de apoio que possibilite a concretizaccedilatildeo desse parto de forma mais saudaacutevel e consciente possiacutevel em relaccedilatildeo ao corpo a voz e a linguagem

No que se refere ao corpo durante a gravidez se incentiva uma conexatildeo com a ancestralidade reforccedilando assim uma busca por uma forccedila e uma tranquilidade que eacute encontrada na natureza uma vez que o corpo tem condiccedilotildees de parir dessa forma

Em relaccedilatildeo agrave voz o discurso que predomina eacute o de empoderamento e confi anccedila de modo que toda a dor que aparecer seja fiacutesica ou emocional tenha uma relaccedilatildeo com a histoacuteria de minimizaccedilatildeo do poder feminino devido agraves posiccedilotildees de prestiacutegio machistas que desenvolveram teorias sobre o parto sem necessariamente considerar as questotildees femininas do gerar parir amamentar e cuidar

Esse cenaacuterio estaacute permeado pela linguagem nas suas mais distintas possibilidades de construccedilatildeo de enunciados As frestas que se tentam abrir para que o parto normal humanizado seja valorizado na sociedade brasileira soacute podem ganhar forccedila nas praacuteticas comunicativas que constituem e satildeo constituiacutedas pelas interaccedilotildees humanas

Nas anaacutelises buscou-se realizar associaccedilotildees que fossem aleacutem do que seria reiteraacutevel na linguagem considerando o projeto de dizer e as respostas produzidas quando postava os enunciados verbo-visuais em seu perfi l do Instagram

REFEREcircNCIAS

BAJTIN M Hacia uma fi losofi a del acto eacutetico De los borradores y otros escrito Trad Tatiana Bubnova Barcelona Anthropos San Juan Universidade de Puerto Rico 1997

- 37 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BAKHTIN M M Os gecircneros do discurso In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003a

______ Metodologia das ciecircncias humanas In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003b

BARBOSA M B B et al Doulas como dispositivos para humanizaccedilatildeo do parto hospitalar do voluntariado agrave mercantilizaccedilatildeo Sauacutede Debate Rio de Janeiro v 42 n 117 p 420-429 abr-jun 2018

BUBNOVA T BARONAS R L TONELLI F Voz sentido e diaacutelogo em Bakhtin Bakhtiniana Satildeo Paulo v 6 n 1 p 268-280 agodez 2011

CHEVALIER J GHEERBRANT A Dicionaacuterio de siacutembolos Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1998

DINIZ C S G Humanizaccedilatildeo da assistecircncia ao parto no Brasil os muitos sentidos de um movimento Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 10 n 3 p 627-637 2015

DUARTE A C O que eacute ldquodoulardquo Disponiacutevel em lthttpswwwdoulascombroquephpgt Acesso em 4 nov 2018

GRILLO S V C Fundamentos bakhtinianos para a anaacutelise de enunciados verbo-visuais Filologia e linguiacutestica portuguesa v 14 n 2 p 235-246 2012

JUNG Carl G O homem e seus siacutembolos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1964

KOCH I V Introduccedilatildeo agrave linguiacutestica textual trajetoacuteria e grandes temas Contexto Satildeo Paulo 2015

NAKANO A R BONSN C TEIXEIRA L A A normalizaccedilatildeo da cesaacuterea como modo de nascer cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil Physis v 25 n 3 July-Sep 2015

ONUBR (2017) UNICEF alerta para elevado nuacutemero de cesarianas no Brasil Disponiacutevel em lthttpsnacoesunidasorgunicef-alerta-para-elevado-numero-de-cesarianas-no-brasilgt Acesso em 5 nov 2018

PALHARINI L A Autonomia para quem O discurso meacutedico hegemocircnico sobre a violecircncia obsteacutetrica no Bras il Cadernos pagu (49) 2017e174907

- 38 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 39 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Este capiacutetulo de livro tem como tema o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado em busca de examinarmos esse texto cientiacutefi co que o pesquisador elabora em um momento de transiccedilatildeo no seu processo de formaccedilatildeo na atividade de pesquisa compreendendo que de um lado a graduaccedilatildeo representa um estaacutegio mais inicial de formaccedilatildeo em pesquisa e de outro lado o doutorado representa um estaacutegio de consolidaccedilatildeo do exerciacutecio investigativo do pesquisador

Concebemos o curso de mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador considerando que nesse estaacutegio o estudante se encontra ainda como assevera Severino (2009) em uma fase de aprendizagem da pesquisa e de formaccedilatildeo como pesquisador Corrobora tambeacutem a nossa posiccedilatildeo de conceber o mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador o niacutevel de exigecircncia dos textos e trabalhos produzidos durante esse estaacutegio no que concerne por exemplo ao tipo de refl exatildeo empreendida tendo em conta que a escrita da dissertaccedilatildeo de mestrado se apresenta ainda para muitos como a ldquo[] primeira manifestaccedilatildeo de trabalho pessoal sistemaacutetico de pesquisa []rdquo (SEVERINO 2009 p 24)

A pesquisa justifi ca-se pelo fato de a dissertaccedilatildeo de mestrado merecer ainda muitos estudos com respeito ao que a constitui como gecircnero ao seu estilo e agraves vozes que transitam nas relaccedilotildees dialoacutegicas presentes na esfera acadecircmica

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO VOZES ESTILO E LINGUAGEM

- 40 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A proposta eacute verifi car que vozes emanam de relaccedilotildees dialoacutegicas no gecircnero do discurso dissertaccedilatildeo de mestrado e verifi car como essas relaccedilotildees colaboram na construccedilatildeo do estilo no discurso acadecircmico Objetiva-se analisar em uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada o modo como as vozes se manifestam e constroem por meio da linguagem o estilo do autor no posicionamento nos debates de sua esfera de pesquisa Para o suporte teoacuterico retomam-se as refl exotildees de Bakhtin e de estudiosos de sua obra sobre conceitos tais como relaccedilotildees dialoacutegicas gecircnero e estilo

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM BAKHTIN

O fi loacutesofo da linguagem M Bakhtin centrou seus estudos nos aspectos poliacuteticos da linguagem Seus questionamentos sobre a linguagem elucidam que as refl exotildees emanadas de seus trabalhos natildeo estatildeo ligadas apenas a uma teoria linguiacutestica ou literaacuteria mas com todas as esferas de comunicaccedilatildeo que envolvem o homem em uma relaccedilatildeo com o outro Entre essas refl exotildees estaacute sem duacutevida a preocupaccedilatildeo de Bakhtin com a dimensatildeo histoacuterica e ideoloacutegica e a consequente constituiccedilatildeo dialoacutegica da linguagem a insistecircncia na preocupaccedilatildeo com a natureza social e interativa da palavra e a interdiscursividade como condiccedilatildeo da linguagem Tambeacutem se dedicou ao estudo da literatura sobretudo ao romance O seu nome aparece sempre associado ao chamado Ciacuterculo de Bakhtin do qual fazem parte P Medvieacutedev e V N Volochiacutenov e tambeacutem a outros integrantes do Ciacuterculo

De Bakhtin e o do Ciacuterculo interessam-nos neste trabalho os estudos sobre o estilo associado ao gecircnero discursivo dissertaccedilatildeo de mestrado com intenccedilatildeo de verifi car algumas das diversas possibilidades de manifestaccedilotildees estiliacutesticas nesse gecircnero

Bakhtin afi rma o caraacuteter dialoacutegico da linguagem por isso em seus textos teoacutericos destaca-se o diaacutelogo Segundo o fi loacutesofo a

- 41 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

liacutengua em seu uso concreto e real tem a propriedade de ser dialoacutegica BakhtinVoloshiacutenov (2006 p 3) afi rmam que a ldquoenunciaccedilatildeo estaacute na fronteira entre a vida e o aspecto verbal do enunciado ela por assim dizer bombeia energia de uma situaccedilatildeo da vida para o discurso verbal ela daacute a qualquer coisa linguisticamente estaacutevel o seu momento histoacuterico vivo o seu caraacuteter uacutenicordquo

O enunciado eacute extremamente importante quando se trata de manifestaccedilatildeo da linguagem pois eacute por meio dele que a liacutengua se concretiza e conforme Bakhtin (2003 p 265) ldquoa liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua O enunciado eacute um nuacutecleo problemaacutetico de importacircncia excepcionalrdquo

Bakhtin em suas refl exotildees entende que os diaacutelogos sociais natildeo satildeo repetidos de maneira absoluta e tambeacutem natildeo satildeo completamente novos pois retomam as marcas histoacutericas e sociais de determinada cultura e sociedade

Nesse contexto teoacuterico a palavra diaacutelogo pode causar confusatildeo pois natildeo eacute o diaacutelogo do senso comum entendido nos tipos de estrutura gramatical ou com o sentido de acordo de consenso

Marchezan (2006 p 123) explicaA palavra diaacutelogo ao contraacuterio eacute bem entendida no contexto bakhtiniano como reaccedilatildeo da palavra a palavra de outrem como ponto de tensatildeo entre o eu e o outro entre ciacuterculos de valores entre forccedilas sociais A essa perspectiva natildeo interessa a palavra passiva e solitaacuteria mas a palavra na atuaccedilatildeo complexa e heterogecircnea dos sujeitos sociais vinculada a situaccedilotildees a falas passadas e antecipadas

- 42 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O diaacutelogo fundamenta a linguagem em ato e funciona como uma reacuteplica social O estudo dialoacutegico do texto requer um esforccedilo para compreendecirc-lo como um organismo vivo e atuante e tambeacutem vivenciaacute-lo Depois examinar o texto de fora com a visatildeo do cronoacutetopo e sem confundir os seus posicionamentos A relaccedilatildeo dialoacutegica natildeo coincide com a relaccedilatildeo existente entre as reacuteplicas de um diaacutelogo real por ser mais extensa mais variada e mais complexa Dois enunciados separados um do outro podem revelar uma relaccedilatildeo dialoacutegica mediante uma confrontaccedilatildeo do sentido desde que haja alguma convergecircncia do sentido ou seja uma reacuteplica social Os diaacutelogos satildeo assim sociais e natildeo se repetem de maneira absoluta nem satildeo completamente novos reiteram marcas histoacutericas e sociais que caracterizam uma dada cultura numa dada sociedade

Bakhtin propocircs uma abertura conceitual que permitisse a anaacutelise das vaacuterias formas de manifestaccedilatildeo da linguagem e natildeo apenas da retoacuterica Com essa abertura eacute possiacutevel considerar as vaacuterias formaccedilotildees discursivas no campo da comunicaccedilatildeo Assim ele possibilitou situar o universo das interaccedilotildees dialoacutegicas constituiacutedo por diferentes realizaccedilotildees discursivas E quando passa a valorizar o estudo dos gecircneros o dialogismo descobre uma forma para analisar e estudar o hibridismo a heteroglossia e a pluralidade dos sistemas de signos na cultura

De acordo com Bakhtin o contexto comunicativo eacute de suma importacircncia para a assimilaccedilatildeo do repertoacuterio que se pretende utilizar em uma determinada mensagem pois os gecircneros discursivos satildeo formas comunicativas e como tais natildeo satildeo adquiridos em manuais mas em processos interativos a liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua

Dependendo do conhecimento dessas formas discursivas eacute que poderaacute ser verifi cada a liberdade de uso dos gecircneros e isso depende

- 43 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de uma postura do usuaacuterio da liacutengua nos processos comunicativos Os gecircneros fazem parte de uma cadeia que une e dinamiza as relaccedilotildees entre pessoas sistemas de linguagem e tambeacutem entre interlocutor e receptor

O gecircnero natildeo deve ser pensado fora da dimensatildeo de espaccedilo e tempo pois as suas formas de representaccedilatildeo satildeo justamente orientadas pelo espaccedilo e pelo tempo ldquoEssa eacute outra coordenada importante da teoria dialoacutegica dos gecircneros apresentada por Bakhtin em sua revisatildeo da teoria dos gecircneros da Poeacutetica de Aristoacuteteles em nome das relaccedilotildees espaacutecio-temporais das representaccedilotildees e da interatividade discursiva animadas em seu interiorrdquo (MACHADO 2007 p 158) Dessa forma Bakhtin tenta mostrar que os gecircneros adquirem uma existecircncia cultural a partir de seus estudos sobre cronoacutetopo E na teoria do dialogismo o gecircnero se insere numa cultura em que tanto a experiecircncia como a representaccedilatildeo satildeo manifestaccedilotildees marcadas pela temporalidade

A riqueza e a diversidade dos gecircneros discursivos satildeo incalculaacuteveis pois a possibilidade de comunicaccedilatildeo humana eacute que diversifi ca as possibilidades de repertoacuterio dos gecircneros ldquoPode parecer que a heterogeneidade dos gecircneros discursivos eacute tatildeo grande que natildeo haacute nem pode haver um plano uacutenico para o seu estudordquo (BAKHTIN 2003 p 262)

O gecircnero natildeo deve ser desassociado do estilo pois serve para a identifi caccedilatildeo deste De acordo com Bakhtin (2003 p 265) ldquoTodo estilo estaacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e agraves formas tiacutepicas de enunciados ou seja aos gecircneros do discursordquo

A heterogeneidade dos gecircneros eacute grande e associada ao estilo se torna maior ainda pois a escolha do vocabulaacuterio das construccedilotildees e adequaccedilotildees linguiacutesticas juntamente com a forma do conteuacutedo defi ne um modo de ver E neste modo de ver encontra-se presente um simulacro de uma enunciaccedilatildeo ou seja um parecer verdadeiro suposto pelo proacuteprio estilo

- 44 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sobre isso Bakhtin vai dizer que ldquoem diferentes gecircneros podem revelar-se diferentes camadas e aspectos de uma personalidade individual o estilo individual pode encontrar-se em diversas relaccedilotildees de reciprocidade com a liacutengua nacionalrdquo (2003 p 266)

Segundo Bakhtin (2003 p 267) a separaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre estilos e gecircneros eacute nociva para a anaacutelise pois ldquoas mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo Assim os gecircneros modifi cam-se e adaptam-se de acordo com o espaccedilo e tempo em que circulam

ldquoOs enunciados e seus tipos isto eacute seus gecircneros discursivos satildeo correias de transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a histoacuteria da linguagemrdquo (BAKHTIN 2003 p 268) O enunciado eacute defi nido a partir de uma comunicaccedilatildeo discursiva e consequentemente pela alternacircncia dos sujeitos do discurso De acordo com Bakhtin (2003 p 275) ldquoo enunciado natildeo eacute uma unidade convencional mas uma unidade real precisamente delimitada da alternacircncia dos sujeitos do discurso a qual termina com a transmissatildeo da palavra ao outrordquo Essa alternacircncia de sujeitos natildeo eacute somente mas eacute tambeacutem a alternacircncia simples que presenciamos no diaacutelogo real do cotidiano com as vaacuterias reacuteplicas que criam limites precisos nos enunciados em diversos campos da atividade de comunicaccedilatildeo Para Bakhtin (2003 p 276)

essas relaccedilotildees soacute satildeo possiacuteveis entre enunciaccedilotildees de diferentes sujeitos do discurso pressupotildeem outros (em relaccedilatildeo ao falante) membros da comunicaccedilatildeo discursiva Essas relaccedilotildees entre enunciaccedilotildees plenas natildeo se prestam agrave gramaticalizaccedilatildeo uma vez que reiteramos natildeo satildeo possiacuteveis entre unidades da liacutengua e isso tanto no sistema da liacutengua quanto no interior do enunciado

- 45 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De acordo com Brait (2007 p 80) ldquoo estilo se apresenta como um dos conceitos centrais para se perceber a contrapelo o que signifi ca no conjunto das refl exotildees bakhtinianas dialogismo ou seja esse elemento constitutivo da linguagem esse princiacutepio que rege a produccedilatildeo e a compreensatildeo dos sentidos essa fronteira em que euoutro se interdefi nem se interpenetram sem se fundirem ou se confundiremrdquo

Podemos considerar como estilo tambeacutem os estilos de linguagem dialetos mas a investigaccedilatildeo eacute mais no sentido de perceber como em que perspectiva dialoacutegica esse estilo aparece no texto no enunciado Pois para Bakhtin o acircngulo dialoacutegico natildeo pode ser analisado apenas por criteacuterios linguiacutesticos essas relaccedilotildees dialoacutegicas pertencem mais especifi camente ao discurso

A estiliacutestica deve basear-se natildeo apenas e nem tanto na linguiacutestica quanto na metalinguiacutestica que estuda a palavra natildeo no sistema da liacutengua e nem num ldquotextordquo tirado da comunicaccedilatildeo dialoacutegica mas precisamente no campo propriamente dito da comunicaccedilatildeo dialoacutegica ou seja no campo da vida autecircntica da palavra A palavra natildeo eacute um objeto mas um meio constantemente ativo constantemente mutaacutevel de comunicaccedilatildeo dialoacutegica Ela nunca basta a uma consciecircncia a uma voz (BAKHTIN 1997 p 14)

O estilo natildeo se esgota na genuinidade de um indiviacuteduo mas se revela tambeacutem na liacutengua e nos usos historicamente situados que fazemos dela

Para Brait (2007 p 87)

a escrita se destaca como sendo a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e consequentemente sua forma de utilizaccedilatildeo da liacutengua Via material impresso transparece na verdade a relaccedilatildeo do autor com a vida

- 46 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

ou seja o estilo artiacutestico natildeo trabalha com palavras mas com os componentes do mundo com os valores do mundo e da vida podendo portanto o estilo ser defi nido como o conjunto dos procedimentos de formaccedilatildeo e de acabamento do homem e do seu mundo E eacute esse estilo que determina tambeacutem a relaccedilatildeo com o material com a palavra

Entatildeo eacute por meio da linguagem que o estilo se manifesta e mostra como se daacute a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e com a forma como esse autor se apropria da liacutengua O estilo natildeo pode ser analisado por apenas uma caracteriacutestica mas por um conjunto de recursos que revelam o homem e suas relaccedilotildees com o mundo

ldquoUm grande estilo representa acima de tudo uma visatildeo de mundo e somente depois eacute meio de elaborar um materialrdquo (BAKHTIN 1992 p 217) O autor reuacutene na expressatildeo do estilo a sua visatildeo de mundo e consequentemente eacute direcionado por essa visatildeo que elabora o material linguiacutestico ldquoA visatildeo do mundo estrutura e unifi ca o horizonte do homem o estilo estrutura e unifi ca seu ambienterdquo (BAKHTIN 1992 p 217)

Na perspectiva de Bakhtin a defi niccedilatildeo de gecircneros discursivos inclui dentre outros aspectos que eles transitam por todas as esferas de atividade humana e devem ser considerados culturalmente a partir de temas formas de composiccedilatildeo e estilo Entatildeo todas as atividades humanas implicam gecircneros e necessariamente estilos

A utilizaccedilatildeo da liacutengua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e uacutenicos que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana O enunciado refl ete as condiccedilotildees especiacutefi cas e as fi nalidades de cada uma dessas esferas natildeo soacute por seu conteuacutedo (temaacutetico) e por seu estilo verbal ou seja pela seleccedilatildeo operada nos recursos da liacutengua ndash recursos lexicais fraseoloacutegicos e gramaticais - mas tambeacutem e sobretudo por sua construccedilatildeo

- 47 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

composicional Estes trecircs elementos (conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles satildeo marcados pela especifi cidade de uma esfera da comunicaccedilatildeo (BAKHTIN 1992 p 279)

Bakhtin continua suas refl exotildees a esse respeito fazendo referecircncia ao fato de que o estilo eacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e a formas tiacutepicas de enunciado que satildeo os gecircneros Assim se o enunciado refl ete a individualidade de quem fala ou escreve nas mais diversas formas e esferas de comunicaccedilatildeo ele possui um estilo individual Bakhtin reitera que nem todos os gecircneros satildeo propiacutecios da mesma forma ao estilo individual alguns satildeo mais favoraacuteveis e outros menos O fi loacutesofo ainda completa que certos gecircneros satildeo apropriados a determinadas esferas e portanto esses gecircneros possuem determinados estilos Brait (2003 p 89) comenta a partir do texto ldquoO discurso na vida e o discurso na arterdquo que Bakhtin

vai considerar que o estilo tambeacutem depende do tipo de relaccedilatildeo existente entre o locutor e os outros parceiros da comunicaccedilatildeo verbal ou seja o ouvinte o leitor o interlocutor proacuteximo e o imaginado (o real e o presumido) o discurso do outro etc Mesmo no caso dos gecircneros altamente estratifi cados sua diversidade deve-se ao fato de eles variarem conforme as circunstacircncias a posiccedilatildeo social e o relacionamento pessoal dos parceiros

Nesse sentido existem os gecircneros de estilo elevado estritamente ofi ciais e haacute tambeacutem o estilo familiar que comporta diversos graus de intimidade Os gecircneros ofi ciais satildeo muito mais estaacuteveis prescritivos e normativos

Assim de acordo com Bakhtin (2003) quando mudamos o estilo de um gecircnero para outro natildeo nos limitamos a modifi car

- 48 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

simplesmente o gecircnero mas desconstruiacutemos e reconstruiacutemos o proacuteprio gecircnero Percebemos assim que o conceito bakhtiniano de estilo se defi ne a partir da interlocuccedilatildeo reciacuteproca com vaacuterios domiacutenios da cultura

Outra questatildeo que interessa aqui ao nosso trabalho e eacute citada por Brait (2007 p 94-95) eacute a seguinte

o estilo entra como elemento na unidade de gecircnero de um enunciado O estilo pode ser objeto de um estudo especiacutefi co especializado considerando-se dentre outras coisas que os estilos tecircm a ver tambeacutem com gecircnero o que implica coerccedilotildees linguiacutesticas enunciativas e discursivas proacuteprias da atividade em que se insere Aleacutem disso um outro aspecto constitutivo e inalienaacutevel eacute o fato de o enunciado dirigir-se a algueacutem de estar voltado para o destinataacuterio

Bakhtin em ldquoGecircneros do Discursordquo esclarece que o estilo depende do modo de compreensatildeo e percepccedilatildeo do seu destinataacuterio e do modo como a compreensatildeo responsiva ativa eacute presumida

Este destinataacuterio pode ser o parceiro e interlocutor direto do diaacutelogo na vida cotidiana pode ser o conjunto diferenciado de especialistas em alguma aacuterea especializada da comunicaccedilatildeo cultural pode ser o auditoacuterio diferenciado dos contemporacircneos dos partidaacuterios dos adversaacuterios e inimigos dos subalternos dos chefes dos inferiores dos superiores dos proacuteximos dos estranhos etc pode ateacute ser de modo absolutamente indeterminado o outro natildeo concretizado [] Essas formas e concepccedilotildees do destinataacuterio se determinam pela aacuterea da atividade humana e da vida cotidiana a que se reporta um dado enunciado A quem se dirige o enunciado

- 49 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como o locutor (ou o escritor) percebe e imagina seu destinataacuterio Qual eacute a forccedila da infl uecircncia deste sobre o enunciado Eacute disso que depende a composiccedilatildeo e sobretudo o estilo do enunciado Cada um dos gecircneros do discurso em cada uma das aacutereas da comunicaccedilatildeo verbal tem sua concepccedilatildeo padratildeo do destinataacuterio que o determina como gecircnero (BAKHTIN 1992 p 320)

Assim o destinataacuterio real ou imaginado infl uencia sobremaneira a forma de composiccedilatildeo e o estilo do enunciado Existem formas mais padronizadas do destinataacuterio a que se destinam diferentes gecircneros mas haacute tambeacutem destinataacuterios que satildeo pressupostos pelas esferas de atividade humana e vida cotidiana

O estilo eacute indissociaacutevel de determinadas unidades temaacuteticas e ndash o que eacute de especial importacircncia ndash de determinadas unidades composicionais de determinados tipos de construccedilatildeo do conjunto de tipos do seu acabamento de tipos da relaccedilatildeo do falante com outros participantes da comunicaccedilatildeo discursiva ndash com os ouvintes os leitores os parceiros o discurso do outro etc O estilo integra a unidade de gecircnero do enunciado como seu elemento (BAKHTIN 2003 p 266)

Como eacute sabido o estilo eacute um dos elementos que constitui para Bakhtin o gecircnero do discurso e como tal eacute indissociaacutevel dos outros elementos conteuacutedo temaacutetico e estrutura composicional por isso deve ser entendido no conjunto relacionando seu tipo de acabamento as relaccedilotildees estabelecidas com o destinataacuterio enfi m com a atuaccedilatildeo do gecircnero em determinada esfera de atuaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

ldquoA separaccedilatildeo dos estilos em relaccedilatildeo aos gecircneros manifesta-se de forma particularmente nociva na elaboraccedilatildeo de uma seacuterie

- 50 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de questotildees histoacutericas As mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo (BAKHTIN 2003 p 267)

Por isso neste estudo pretende-se analisar o estilo vinculado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com a intenccedilatildeo de verifi car em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto jaacute que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e como acontece tal apropriaccedilatildeo Faz-se necessaacuterio assim esclarecer neste momento do que se trata o objeto escolhido para anaacutelise

A DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Segundo Severino (2011 p 221) a dissertaccedilatildeo de mestrado ldquotrata-se da comunicaccedilatildeo dos resultados de uma pesquisa e de uma refl exatildeo que versa sobre um tema igualmente uacutenico e delimitado Deve ser elaborada de acordo com as mesmas diretrizes metodoloacutegicas teacutecnicas e loacutegicas do trabalho cientiacutefi co como na tese de doutoramentordquo

Nessa direccedilatildeo podemos complementar que eacute difiacutecil eliminar da dissertaccedilatildeo de mestrado o seu caraacuteter demonstrativo Pois ela deve demonstrar uma proposiccedilatildeo e natildeo apenas explanar um assunto Esta parece ser uma exigecircncia loacutegica de todo trabalho desde que tenha objetivos de natureza cientiacutefi ca bem defi nidos (SEVERINO 2011) Na concepccedilatildeo deste autor

tanto a tese de doutorado como a dissertaccedilatildeo de mestrado satildeo pois monografi as cientiacutefi cas que abordam temas uacutenicos delimitados servindo-se de um raciociacutenio rigoroso de acordo com as diretrizes loacutegicas de conhecimento humano em que haacute lugar tanto para a argumentaccedilatildeo puramente dedutiva como para o raciociacutenio indutivo baseado

- 51 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na observaccedilatildeo e na experimentaccedilatildeo (SEVERINO 2011 p 222)

Aproveitando-nos do dizer de Amorim (2009 p 2) baseado no pensamento bakhtiniano segundo o qual ldquoquando se estaacute escrevendo ouvem-se vozes faz-se falar algumas delas e a elas respondendo consegue-se chegar (ou natildeo) a fazer ouvir sua proacutepria vozrdquo o que nos interessa aqui eacute examinar os diaacutelogos que constituem o dizer do jovem pesquisador para tentar entender como este na relaccedilatildeo com os seus outros constroacutei o seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e como ele se constitui como sujeitopesquisador em seu campo do saber

Assim podemos dizer que o texto cientiacutefi co eacute um tecido no qual diferentes vozes portadoras de enunciados do campo da ciecircncia relacionam-se cruzam-se num contiacutenuo diaacutelogo entre textos e discursos sendo seu produtor aquele sujeito responsaacutevel por articulaacute-las na construccedilatildeo de um projeto de dizer Por vezes essas vozes que o produtor convoca em seu texto estatildeo laacute explicitadas devidamente creditadas a uma fonte do dizer outras tantas vezes essas vozes satildeo assimiladas como palavras proacuteprias sem qualquer menccedilatildeo de uma fonte confi gurando aquilo que Amorim (2009) denomina quando faz referecircncia ao pensamento bakhtiniano de esquecimento da alteridade O esquecimento da alteridade remete agrave noccedilatildeo de monologizaccedilatildeo da consciecircncia que estaacute diametralmente oposta ao dialogismo tal como foi concebido pelo pensamento bakhtiniano

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM UMA DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Para analisar o estilo conforme nossa proposta exposta anteriormente tomamos como exemplo trechos de uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada da aacuterea de Educaccedilatildeo intitulada

- 52 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso

A dissertaccedilatildeo aborda a questatildeo da identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a sua produccedilatildeo escrita abordando os mecanismos ideoloacutegicos presentes no seu discurso que naturalizam determinados sentidos e natildeo outros as vivecircncias e as formaccedilotildees imaginaacuterias que permeiam a sua escrita enfi m elementos que podem infl uenciar e muito a construccedilatildeo do discurso escrito bem como afetar o posicionamento do sujeito como autor

O texto cientiacutefi co mais especifi camente o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado eacute apropriado para verifi car como no processo de escrita o jovem pesquisador ouve vozes fala de algumas vozes e a partir de algumas vozes E consegue assim chegar ou natildeo a fazer ouvir a proacutepria voz ou pelo menos uma tentativa de fazer ouvir sua proacutepria voz E entatildeo na relaccedilatildeo com outras vozes constroacutei seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e tambeacutem se constroacutei e mostra sua constituiccedilatildeo como sujeito pesquisador

Seguem alguns excertos selecionados para demonstrar tais possibilidades

Durante os estaacutegios obrigatoacuterios minha decepccedilatildeo com o curso de Magisteacuterio foi aumentando a Psicologia que tanto me encantou estava longe das salas de aula e a didaacutetica entatildeo nem se fala Natildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulas No curso existiam poucos momentos de refl exatildeo acerca do que era observado nos estaacutegios um espaccedilo para discussatildeo que confrontasse a praacutetica observada as teacutecnicas e algumas poucas teorias estudadas nas disciplinas (ASSEF 2014 p 12)

O trecho traz um posicionamento da autora natildeo apenas porque utiliza a primeira pessoa do singular o que natildeo eacute tatildeo comum

- 53 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

no trabalho acadecircmico mas tambeacutem porque traz indiacutecios de uma posiccedilatildeo social que consequentemente dialoga com outras vozes quando se diz decepcionada com o curso de Magisteacuterio quando relata o descontentamento ao perceber que a praacutetica escolar destoa em relaccedilatildeo agraves propostas teoacutericas

Diante dessa realidade decepcionamo-nos com o Magisteacuterio e mesmo gostando da ideia de atuarmos como professora ocuparmos essa posiccedilatildeo tornou-se inviaacutevel natildeo nos sentiacuteamos capacitada para tanto Entatildeo buscamos outros caminhos signifi car outros sentidos uma nova aacuterea com a qual nos identifi caacutessemos Nosso objetivo era obter uma formaccedilatildeo mais completa e cursar a graduaccedilatildeo em Psicologia em uma universidade puacuteblica Concluiacutedo o curso de Magisteacuterio iniciamos nossa preparaccedilatildeo para o vestibular e ingressamos em um cursinho preparatoacuterio Depois de um ano inteiro de muita dedicaccedilatildeo e estudo ingressamos no curso de Psicologia na UNESP em Assis (ASSEF 2014 p 12)

Quando a autora aqui demonstra explicitamente sua decepccedilatildeo com o Magisteacuterio e a sensaccedilatildeo de incapacidade de atuar como educadora na verdade seu testemunho revela um posicionamento no mundo que estaacute relacionado natildeo apenas com este momento de formaccedilatildeo mas com o que a autora carrega de antes desse momento anseios e preocupaccedilotildees acerca de uma formaccedilatildeo docente e preocupaccedilatildeo em ser natildeo apenas uma mera profi ssional mas uma profi ssional capacitada para tal atuaccedilatildeo Aqui a posiccedilatildeo da autora pesquisadora por meio da linguagem seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos como tambeacutem de marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de

- 54 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Aliaacutes o encantamento com a AD e a identifi caccedilatildeo com a teoria ocorreram na medida em que fomos percebendo o quanto a linguagem nos constitui e a relevacircncia do discurso no processo de aprendizagem e constituiccedilatildeo do outro A instauraccedilatildeo de novos gestos de leitura desencadeada a cada nova anaacutelise instigava-nos a aprofundar os estudos sobre a teoria A Anaacutelise do Discurso nos permite refl etir sobre a linguagem natildeo nos conformar com as supostas evidecircncias analisar o entremeio do histoacuterico com o linguiacutestico lugar em que se daacute a proacutepria materialidade do discurso (ASSEF 2014 p 12)

Nesse trecho quando a autora manifesta encantamento e identifi caccedilatildeo podemos remeter a algo individual mas ainda assim trata-se da manifestaccedilatildeo do estilo construiacutedo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas estabelecidas anteriormente no momento da formaccedilatildeo acadecircmica dos anseios com relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo profi ssional enfi m ao que aconteceu antes

Destacamos tambeacutem na introduccedilatildeo o nosso interesse pelo assunto e pela linha de pesquisa adotada e embora natildeo sendo usual mas em consonacircncia com a nossa fi liaccedilatildeo teoacuterica a Anaacutelise do Discurso que natildeo separa teoria e praacutetica ao falar da nossa praacutetica recorremos agrave teoria Mesmo que de forma incipiente abordamos o embasamento teoacuterico que sustenta nossas investigaccedilotildees bem como apresentamos uma breve explanaccedilatildeo sobre a metodologia que utilizamos para a coleta de dados e constituiccedilatildeo do corpus (ASSEF 2014 p 14)

- 55 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Haacute aqui tambeacutem um posicionamento autoral na escolha do tema e linha de pesquisa o estilo presente tambeacutem mostra que esse posicionamento natildeo eacute totalmente individual mas fruto de vozes variadas que se relacionam ao posicionamento do sujeito autor da praacutetica adquirida pela experiecircncia e de toda vivecircncia anterior do sujeito autor

Sabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teorias que a tomam como objeto de investigaccedilatildeo por ser assim destacamos que optamos por uma forma particular de se signifi car a liacutengua qual seja a Anaacutelise do Discurso pecheutiana (ASSEF 2014 p 16)

Nesse trecho a autora jaacute se assume como sujeito pesquisador que demonstra ter conhecimento sobre outras teorias e outras possibilidades de anaacutelise para o mesmo objeto mas inicia a justifi cativa pela escolha da Anaacutelise do Discurso Francesa Notamos a presenccedila de outras vozes que jaacute a constituem como pesquisadora autora de seu trabalho que consegue mostrar e justifi car sua escolha e seu posicionamento que embora se manifeste estilisticamente como individual mostra ao mesmo tempo em que perspectiva dialoacutegica esse estilo se constroacutei

ldquoConvidamos o leitor a nos acompanhar pelos percursos teoacutericos que conduziratildeo nossas refl exotildees e que nos possibilitaratildeo pensar sobre questotildees referentes agrave concepccedilatildeo de liacutengua que adotamos no presente trabalhordquo (ASSEF 2014 p 18) Neste trecho podemos identifi car um estilo bem individual da autora que se aproxima do leitor mesmo se tratando de trabalho acadecircmico e convida para a leitura de maneira mais proacutexima do leitor Trata-se de um estilo um pouco mais individual e menos comum no texto cientiacutefi co que costumeiramente faz uso de uma linguagem mais fria e distante do interlocutor

- 56 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Eacute nesse espaccedilo que a AD pretende trabalhar com a materialidade especiacutefi ca do discurso desconstruindo a ilusatildeo de transparecircncia da liacutengua ao considerar o deslocamento discursivo do sentido jaacute que existem os pontos de deriva que oferecem lugar agrave interpretaccedilatildeo Como analistas do discurso ao trabalharmos com a interpretaccedilatildeo precisamos estar atentos agraves relaccedilotildees existentes entre as fi liaccedilotildees identitaacuterias e histoacutericas do sujeito discursivo que se datildeo nas relaccedilotildees sociais em redes de signifi cantes e nas memoacuterias discursivas que os constituem (PEcircCHEUX 2008) Relaccedilotildees que transcendem a obviedade da liacutengua pois ocorrem no exterior da proacutepria linguagem (ASSEF 2014 p 22)

Nesse excerto na posiccedilatildeo de pesquisadora a autora seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos mas marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Os excertos em geral mostram que a autora se posiciona diante do problema exposto e com um estilo que ao escolher expressotildees tais como ldquodecepcionamo-nos com o Magisteacuteriordquo ldquoNatildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulasrdquo ldquobuscamos outros caminhos signifi car outros sentidosrdquo ldquofomos percebendo o quanto a linguagem nos constituirdquo ldquoSabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teoriasrdquo se posiciona socialmente se coloca ocupando um lugar no mundo

O estilo nesse caso natildeo eacute apenas uma expressatildeo individual mas nota-se por meio desse estilo uma totalidade de discursos Isso reforccedila a afi rmaccedilatildeo que Bakhtin faz sobre os gecircneros ao dizer que em gecircneros diferentes os aspectos estiliacutesticos se mostram tambeacutem de formas diferentes Notam-se relaccedilotildees dialoacutegicas de

- 57 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma individualidade com uma totalidade que se desdobram em formaccedilotildees ideoloacutegicas advindas de uma cultura

Eacute importante lembrar que Bakhtin (1992) refl ete sobre a questatildeo de o gecircnero ser mais ou menos individual dependendo da esfera em que circula E nem todos os gecircneros satildeo da mesma forma propiacutecios a estilos individuais alguns satildeo mais propiacutecios e outros menos Assim a dissertaccedilatildeo de mestrado deve ser considerada um gecircnero do discurso que nessa perspectiva eacute menos propiacutecia por ser mais estabilizada com caracteriacutesticas muito proacuteprias e estrutura composicional muito defi nida

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A proposta deste estudo foi analisar o estilo associado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com o intento de averiguar em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto visto que eacute por meio da linguagem que ele se afi rma e evidencia a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua

Tomou-se por base o estilo como conceito central em Bakhtin para entender o que representa isto eacute como princiacutepio que conduz a produccedilatildeo e compreensatildeo dos sentidos por meio da linguagem do gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado Foi possiacutevel perceber em que perspectiva o estilo aparece no texto por meio da palavra viva autecircntica e em constante mudanccedila pois como em qualquer outro gecircnero na dissertaccedilatildeo de mestrado tambeacutem a comunicaccedilatildeo eacute dialoacutegica

Foi possiacutevel verifi car que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do sujeito pesquisador com a liacutengua e como acontece essa apropriaccedilatildeo ou seja na esfera de atividade acadecircmica o conhecimento vai se produzindo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas que emanam vaacuterias vozes e de vaacuterias vozes construiacutedas tambeacutem em vaacuterias possibilidades de estilo

- 58 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

REFEREcircNCIAS

AMORIM M Freud e a escrita de pesquisa - uma leitura bakhtiniana Eutomia v 2 p 0114 2009

ASSEF Aline Ester de Carvalho A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso Dissertaccedilatildeo (Mestrado) apresentada agrave Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto - Universidade de Satildeo Paulo ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo 2014

BAKHTIN M Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Gecircneros do discurso In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Problemas da poeacutetica de Dostoievski Satildeo Paulo Forense Universitaacuteria 1997

BAKHTIN M O problema do texto na linguiacutestica na fi lologia e em outras ciecircncias humanas In ______ In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 307-335

BAKHTIN M Apontamentos de 1970-191 In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 367-392

BAKHTIN M (V N Volochinov) Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem TradMichel Lahud e Yara Frateschi 12 ed Satildeo Paulo Hucitec 2006

BRAIT Beth Estilo In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MACHADO Irene Gecircneros discursivos In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MARCHEZAN Renata C Diaacutelogo In BRAIT Beth Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo Paulo Contexto 2006

SEVERINO A J Metodologia do trabalho cientiacutefi co 23 ed Satildeo Paulo Cortez 2011

- 59 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann

La iglesia dice El cuerpo es una culpaLa ciencia dice El cuerpo es una maacutequina

La publicidad dice El cuerpo es un negocioEl cuerpo dice Yo soy una fi esta

Eduardo Galeano

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Ao buscar compreender o modo como o corpo vem sendo signifi cado toma-se conhecimento de diferentes domiacutenios epistemoloacutegicos que se dedicaram (e ainda se dedicam) ao seu estudo De fato na histoacuteria da humanidade o corpo despertou o interesse de pesquisadores oriundos de aacutereas do conhecimento distintas como por exemplo religiosos meacutedicos fi loacutesofos artistas desportistas juristas criminologistas socioacutelogos e antropoacutelogos entre outros Assim ao adentrar no universo das pesquisas que tratam do corpo pelo seu caraacuteter multidisciplinar defrontamo-nos com questotildees heterogecircneas que vatildeo por exemplo desde a visatildeo materialista ateacute a crenccedila de sobrevida Desse modo tomar o corpo como objeto de investigaccedilatildeo implica em tese percorrer caminhos ecleacuteticos que passam pela ciecircncia pelo social e pelo teoloacutegico

De nossa parte conhecendo a diversidade de pesquisas que se interessam por este objeto vale destacar que neste estudo tomamos o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais

CORPO E(M) (DIS)CURSO DA RE-EXISTEcircNCIA

- 60 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que para noacutes o corpo eacute considerando como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Na epiacutegrafe que abre essa refl exatildeo jaacute temos uma amostra disso Ela apresenta alguns dizeres que de lugares especiacutefi cos contribuem para a produccedilatildeo de signifi caccedilotildees em torno do corpo Trata-se de um conjunto de discursos de e sobre o corpo que apontam para o funcionamento do poliacutetico na linguagem De nossa posiccedilatildeo teoacuterica compreender jaacute de iniacutecio o funcionamento dos discursos de e sobre o corpo eacute crucial para o percurso analiacutetico que propomos neste estudo A noccedilatildeo de discurso de e de discurso sobre eacute desenvolvida1 por Orlandi (1990[2008]) na obra ldquoTerra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundordquo Para autora essa noccedilatildeo pode ser descrita da seguinte maneira

os lsquodiscursos sobrersquo satildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de) Assim o discurso sobre o samba o discurso sobre o cinema satildeo parte integrante da arregimentaccedilatildeo (interpretaccedilatildeo) dos sentidos dos discursos do samba do cinema etcrdquo (ORLANDI 1990[2008] p 44)

Compreende-se entatildeo jaacute num gesto de anaacutelise que na epiacutegrafe os dizeres da igreja da ciecircncia e da publicidade retomados por Galeano (2001 p 109) inscrevem-se como discursos sobre o corpo A partir dos lugares legitimados que ocupam na sociedade igreja ciecircncia e publicidade institucionalizam sentidos para o corpo Desse modo colocam em funcionamento uma memoacuteria discursiva que parece se amparar no senso comum em sentidos

1 Essa noccedilatildeo foi retomada posteriormente e detalhada por Mariani (1998) e Costa (2014)

- 61 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

supostamente estabilizados que circulam e satildeo (re)produzidos cotidianamente em nossa sociedade Orlandi (1990[2008]) alerta para o fato de que essa memoacuteria discursiva eacute estabilizada e reforccedilada pelo discurso histoacuterico (Orlandi 2008) Compreendemos entatildeo que os discursos sobre o corpo nesta epiacutegrafe organizam e disciplinam a memoacuteria condensando-a e sintentizando-a agravequelas relaccedilotildees predicativas ali expostas Ali o corpo natildeo fala Ele eacute falado

A esses discursos sobre Galeano (2001 p 109) contrapotildee o discurso (hipoteacutetico) do corpo que por sua vez pode ser compreendido aqui como um dizer que produz equiacutevoco jaacute que rompe com uma estrutura fundada no silecircncio e produz assim outros efeitos de sentido Efeitos natildeo previstos efeitos que apontam para a falha constitutiva do funcionamento da linguagem Nessa perspectiva dizer que o corpo se predica como ldquoa festardquo em ldquoyo soy la festardquo (GALEANO 2001 p 109) - signifi ca desestabilizar preacute-construiacutedos e dar visibilidade a outras formas de signifi caccedilatildeo e de inscriccedilatildeo do corpo na histoacuteria e na sociedade Trata-se de pensar o corpo como parte constitutiva de um processo histoacuterico de signifi caccedilatildeo ou mais especifi camente de pensar o corpo em sua materialidade na relaccedilatildeo com o sujeito e com os sentidos Em outras palavras compreendemos com Orlandi que ldquoa signifi caccedilatildeo do corpo natildeo pode ser pensada sem a materialidade do sujeito E vice-versa ou seja natildeo podemos pensar a materialidade do sujeito sem pensar sua relaccedilatildeo com o corpordquo (ORLANDI 2012 p 83)

Fundada epistemologicamente a partir de questionamentos agrave linguiacutestica agrave psicanaacutelise e ao materialismo histoacuterico a anaacutelise de discurso dedicou-se amplamente ao estudo da materialidade da histoacuteria e da liacutengua Entretanto a materialidade do sujeito tem sido pouco explorada ainda que seja inquestionaacutevel a sua natildeo transparecircncia Para Orlandi (2012 p 84) essa lacuna teoacuterico-analiacutetica se deve ao fato de que ldquoeacute na questatildeo da materialidade do sujeito que estaacute a negaccedilatildeo do sujeito como origem quer de si quer dos sentidosrdquo

- 62 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Pelo diaacutelogo desafi ador e basilar que a anaacutelise de discurso estabeleceu com o materialismo histoacuterico compreendemos que os ldquomodos de produccedilatildeo da vida material condicionam o conjunto de processos da vida social e poliacuteticardquo (ORLANDI 2012 p85) Eacute em condiccedilotildees anaacutelogas agraves descritas pela autora no que tange a presenccedila do materialismo histoacuterico no funcionamento da linguagem que o discurso se produz e simultaneamente a ele sujeito e sentidos se constituem (ainda que se tenha a ilusatildeo de que eles estatildeo sempre laacute) Esse funcionamento destaca Orlandi (2012 p85) ldquoeacute efeito da ideologia em sua materialidaderdquo Tal processo tambeacutem afeta o corpo do sujeito que uma vez interpelado pela ideologia se textualiza se signifi ca se discursiviza e se inscreve na histoacuteria a partir da relaccedilatildeo do poliacutetico com o simboacutelico Eacute importante destacar que natildeo transparentes linguagem sujeito e histoacuteria estatildeo agrilhoados ao funcionamento da ideologia Esta compreendida aqui como uma praacutetica estaacute apensa ao processo de signifi caccedilatildeo do discurso e consequentemente do sujeito e dos sentidos Nessa perspectiva refl etir discursivamente sobre o corpo signifi ca compreender que ldquoa forma sujeito histoacuterica tem sua materialidade e que o indiviacuteduo interpelado em sujeito pela ideologia traz seu corpo por ela tambeacutem interpeladordquo (ORLANDI 2012 87) Dizemos entatildeo que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Eacute no e pelo corpo que transitam e circulam praacuteticas de signifi caccedilatildeo que se constituem na histoacuteria pelo funcionamento da linguagem na sociedade O corpo signifi ca entatildeo em sua forma material Ele se constitui como dizer em curso Ou ainda corpodiscurso (SOUZA 2010)

- 63 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O CORPO E(M) MOVIMENTO

Trabalhar discursivamente com o corpo compreendendo-o materialidade do sujeito implica levar em consideraccedilatildeo linguagem histoacuteria e ideologia Essa triangulaccedilatildeo (linguagem histoacuteria e ideologia) produz efeitos de sentido sobre o corpo discursivizando-o tornando-o corpodiscurso (SOUSA 2010) Compreende-se assim que o corpo eacute ldquoa materialidade do sujeito apropriada pelo Estado remarcado pelas instacircncias ideoloacutegicas e enformado por uma dialeacutetica poliacuteticardquo (SOUSA 2010 p 1) Esse funcionamento eacute fundador do processo de constituiccedilatildeo do sujeito em que a ideologia comparece interpelando pelo simboacutelico o indiviacuteduo em forma-sujeito-histoacuterica (ORLANDI 2003 2012) Essa forma-sujeito-histoacuterica capitalista de acordo com Orlandi (2012) estaacute suportada no juriacutedico atraveacutes de um conjunto de normas (direitos e deveres) que regulam de certa maneira os processos de individu(aliz)accedilatildeo do sujeito pelo Estado sendo este compreendido aqui a partir de instituiccedilotildees e discursos

Considerando entatildeo que o corpo signifi ca em sua forma material e tomando como condiccedilatildeo de produccedilatildeo a loacutegica capitalista temos que ao longo da histoacuteria esse corpo foi se constituindo tanto pela opressatildeo quanto pela manipulaccedilatildeo uma vez que ele era compreendido como uma ldquomaacutequinardquo ou melhor a fonte de acuacutemulo de capital (BARBOSA MATOS E COSTA 2011) Esse processo de formataccedilatildeo (manipulaccedilatildeo) do corpo na era capitalista produziu efeitos de sentidos nos modos de sua movimentaccedilatildeo e de sua inserccedilatildeo na sociedade A forma-sujeito-histoacuterica capitalista que se sustenta no juriacutedico em um conjunto de normas (direitos e deveres) conforme apresentamos acima produziu efeitos de normatizaccedilotildees para o corpo Trata-se de uma forma de poder O poder disciplinar O Estado por meio de instituiccedilotildees e discursos exerceu coercitivamente o controle do corpo no espaccedilo no tempo na sociedade Instala-se assim o poder normatizador do Estado que estabelece o ldquonormalrdquo como coerccedilatildeo social (FOUCAULT 2002) e porque natildeo dizer como coerccedilatildeo ideoloacutegica e ldquodessa maneira vatildeo

- 64 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

moldando padronizando homogeneizando corpos sujeitos e sentidosrdquo (MASSMANN 2018 p 44) De acordo com Barbosa Matos e Costa (2011 p 29) esse processo de disciplinarizaccedilatildeo do corpo na sociedade capitalista permanece ainda vigente hodiernamente ainda que por meio de funcionamentos que se alinham agraves condiccedilotildees de produccedilatildeo do seacuteculo XXI

As novas tecnologias de produccedilatildeo em massa desencadearam um processo de homogeneizaccedilatildeo de gestos e haacutebitos que se estendeu a outras esferas sociais entre elas a educaccedilatildeo do corpo que passou a identifi car-se natildeo soacute com as teacutecnicas mas tambeacutem com os interesses da produccedilatildeo (Hobsbawm 1996) Assim o ser humano eacute colocado a serviccedilo da economia e da produccedilatildeo gerando um corpo produtor que portanto precisa de ter sauacutede para melhor produzir (BARBOSA MATOS E COSTA 2011 p 29)

A partir das palavras das autoras compreende-se que o controle e a padronizaccedilatildeo do corpo passam a circular na sociedade dita moderna como resultado de um processo biopoliacutetico (FOUCAULT 2002) em que os corpos satildeo ldquodomesticadosrdquo para se formatar se enquadrar e se adequar a padrotildees sociais que se sustentam ideologicamente em relaccedilotildees de poder e consequentemente de dominaccedilatildeo Nesse sentido o poder e seus mecanismos de controle se manifestam no corpo compelindo-o agrave objetifi caccedilatildeo e agrave estandardizaccedilatildeo sob a forma de modelos preacute-estabelecidos historicamente que vatildeo ressignifi cando em funccedilatildeo das condiccedilotildees de produccedilatildeo

Esse movimento de supremacia do corpo tem sido reforccedilado com o advento de novas tecnologias que se alinham agrave loacutegica da produccedilatildeo De fato cada vez mais se impotildeem ao corpo modelos de sauacutede de eacutetica e de esteacutetica O corpo que destoa desses padrotildees instituiacutedos aparentemente como sendo ldquouniversaisrdquo eacute visto

- 65 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

como corpo-desvio corpo-a-normal corpo-doente Este corpo eacute colocado agrave margem da sociedade discriminado Este corpo agrave beira estaacute maculado pois como nos ensina Quijano (2009) ele traz em sua materialidade traccedilos vestiacutegios rastros do funcionamento das estruturas do poder e dos processos de categorizaccedilatildeo inclusatildeo e exclusatildeo que daiacute derivam Por vezes este eacute o corpo que acaba se tornando (in)visiacutevel Entretanto a partir de uma perspectiva discursiva podemos dizer que este eacute o corpo que em sua forma material encarna a ruptura a falha o equiacutevoco Eacute o corpo-re-existecircncia Ou ainda corpo-poliacutetico aquele que produz fi ssuras nas discursividades da sociedade contemporacircnea (MASSMANN 2018) A noccedilatildeo de corpo-poliacutetico eacute de suma importacircncia para a refl exatildeo que propomos e decorre justamente da posiccedilatildeo em que nos inserimos a saber agravequela de analista de discurso que considera a relaccedilatildeo do simboacutelico com o poliacutetico como fundamental para a compreensatildeo do funcionamento da linguagem De acordo com Massmann (2018 p 41)

o funcionamento da linguagem eacute poliacutetico e este por sua vez eacute compreendido por noacutes analistas de discurso como divisatildeo ldquodivisatildeo da sociedade divisatildeo dos sujeitos divisatildeo do sentido em que faz funcionar na sociedade capitalista relaccedilotildees de poder simbolizadasrdquo (ORLANDI 2013 p 28) Em relaccedilatildeo ao poliacutetico vale acrescentar ainda que uma vez compreendido discursivamente sempre como dividido eacute importante destacar que essa ldquodivisatildeo tem uma direccedilatildeo que eacute afetada pelas relaccedilotildees de forccedila advindas da forma da sociedade na histoacuteriardquo conforme Orlandi (1998 p 4) Dessa perspectiva o poliacutetico pode ser entendido como confl ito a partir das posiccedilotildees sujeito que satildeo assumidas (MASSMANN 2018 p 41)

- 66 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A partir do exposto considera-se que o corpo-poliacutetico eacute aquele cuja materialidade do sujeito produz rupturas nesse conjunto de normatizaccedilotildees sustentadas em relaccedilotildees de forccedila e de poder

O CORPO MACULADO

A fi m de ilustrar esse processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia debruccedilamo-nos sobre um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)2rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio publicada pela Editora 34 expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora O fragmento que selecionamos para essa refl exatildeo foi retirado do capiacutetulo Tatuagem3 que compotildee a primeira parte da obra em que se apresentam escritos sobre a vida em um campo de concentraccedilatildeo A narrativa se compotildee a partir do olhar da fi lha que conduz o leitor num percurso inicial de leitura em relaccedilatildeo ao corpo da matildee O ponto de partida de nosso recorte eacute justamente o enquadramento que a autora produz em relaccedilatildeo agrave tatuagem da matildee judia que em 1944 foi levada pelos nazistas ao campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz4 2 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012 3 Os fragmentos que satildeo analisados neste artigo natildeo apresentam o nuacutemero da paacutegina de onde foram retirados Eles foram transcritos a partir da leitura do capiacutetulo ldquoTatuagemrdquo na voz de Noemiacute Jaffe no episoacutedio ldquoO trabalho libertardquo da 1ordf Temporada de ldquoAs fi lhas da guerrardquo que foi ao ar em 17 de agosto de 2015 no Projeto Humanos Esse episoacutedio estaacute disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018 O Projeto Humanos eacute um podcast storytelling dedicado a contar histoacuterias reais de pessoas reais Eacute produzido por Ivan Mizanzuk desde 2015 Para mais informaccedilotildees acesse lt httpswwwprojetohumanoscombrgt Acesso em 01 set 2018 4 De acordo com o Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau ldquoo campo de concentraccedilatildeo nazista alematildeo de Auschwitz tornou-se para o mundo um siacutembolo do Holocausto de genociacutedio e terror Foi criado pelos alematildees na metade do ano de 1940 na periferia de Oświęcim cidade polaca que foi anexada ao Terceiro Reich pelos nazistas A cidade recebeu o nome alematildeo de ldquoAuschwitzrdquo que foi usado tambeacutem para determinar o nome do campo Konzentrationslager Auschwitz Na fase de auge de seu funcionamento o campo de Auschwitz era formado de trecircs partes principais 1) A primeira e mais antiga das partes

- 67 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 1

ldquoO nuacutemero no braccedilo dela eacute A16334 Os judeus da seacuterie ldquoArdquo foram presos a partir de maio de 1944 Foram contabilizados 20 mil homens e 29354 mulheres Dentre estas mulheres era a de nuacutemero 16334rdquo

De acordo com o arquivo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau5 os judeus que eram enviados a este campo de concentraccedilatildeo passaram por diferentes sistemas de identifi caccedilatildeo sendo a tatuagem um deles Auschwitz foi o uacutenico campo a instituir a tatuagem como meio de identifi caccedilatildeo de prisioneiros O modelo utilizado natildeo tinha um padratildeo uacutenico poderia ser empregado apenas um conjunto numeacuterico ou uma mescla de nuacutemeros e letras Em ambos os casos a composiccedilatildeo produzia o efeito de um nuacutemero de seacuterie O arquivo do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos destaca por sua vez que a implementaccedilatildeo desse sistema de identifi caccedilatildeo em Auschwitz comeccedilou entre 1941 e 1942 eacutepoca em que chegaram muitos prisioneiros de guerra sobretudo judeus sovieacuteticos No total foram identifi cadas o uso de pelo menos trecircs

foi Auschwitz I chamada de Stammlager (a quantidade de prisioneiros era de 12-20 tys) formada na metade do ano de 1940 no terreno e nos edifiacutecios do quartel polaco de antes da guerra e que foi sistematicamente aumentado para as necessidades do campo 2) A segunda parte foi o campo Auschwitz II-Birkenau (em 1944 contou com mais de 90 mil prisioneiros) a maior do complexo de campos Auschwitz Sua construccedilatildeo foi iniciada no outono de 1941 num terreno distante 3 km de Oświęcim na aldeia de Brzezinka de onde a populaccedilatildeo polaca foi expulsa e suas casas desmontadas Em Birkenau surgiu o maior centro de extermiacutenio em massa da Europa sob ocupaccedilatildeo ndash cacircmaras de gaacutes ndash onde os nazistas assassinaram a maior parte dos Judeus deportados ao campo 3) Terceira parte ndash campo Auschwitz III Monowitz (tambeacutem chamado de Buna no veratildeo de 1944 contava com mais de 11 mil prisioneiros) Inicialmente foi um dos subcampos de Auschwitz formado no ano de 1942 em Monowice distante 6 km de Oświęcim ao lado das fabricas de gasolina e borracha sinteacutetica Buna-Werke construiacutedas durante a guerra pela corporaccedilatildeo alematilde IG arbenindustrie Em novembro de 1944 o subcampo de Buna tornou-se independente e fi cou sendo chamado de KL Monowitz A maioria dos subcampos de Auschwitz estava sob sua administraccedilatildeordquo Fonte Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 20185 Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

- 68 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seacuteries numeacutericas a primeira e segunda seacuteries estavam destinadas ao grupo masculino e a terceira ao grupo feminino

A fi m de evitar a atribuiccedilatildeo de nuacutemeros excessivamente altos da seacuterie geral ao grande nuacutemero de judeus huacutengaros chegando em 1944 as autoridades da SS introduziram novas sequecircncias de nuacutemeros em meados de maio de 1944 Esta seacuterie precedida pela letra A comeccedilou com ldquo1rdquo e terminou em ldquo20000rdquo Quando o nuacutemero 20000 foi atingido uma nova seacuterie comeccedilando com a seacuterie ldquoBrdquo foi introduzida Cerca de 15000 homens receberam tatuagens da seacuterie ldquoBrdquo Por uma razatildeo desconhecida a seacuterie ldquoArdquo para mulheres natildeo parou em 20000 e continuou para 300006

Como podemos observar nesta citaccedilatildeo considerado o grande nuacutemero de prisioneiros enviados a Auschwitz da posiccedilatildeo sujeito-nazista a inclusatildeo das letras nas tatuagens de identifi caccedilatildeo visava em tese evitar a atribuiccedilatildeo de ordens numeacutericas extremamente altas Essa parece ser a justifi cativa que fi cou registrada nos inuacutemeros documentos produzidos pelos nazistas durante esse periacuteodo Entretanto da parte dos sobreviventes o emprego e o sentido da letra ldquoArdquo eacute uma questatildeo ainda em aberto sobretudo para Lili Jaff e Em outra passagem da narrativa em anaacutelise podemos acompanhar a reproduccedilatildeo de um diaacutelogo entre Noemiacute e sua matildee

6 Nossa traduccedilatildeo ldquoIn order to avoid the assignment of excessively high numbers from the general series to the large number of Hungarian Jews arriving in 1944 the SS authorities introduced new sequences of numbers in mid-May 1944 Th is series prefaced by the letter A began with ldquo1rdquo and ended at ldquo20000rdquo Once the number 20000 was reached a new series be-ginning with ldquoBrdquo series was introduced Some 15000 men received ldquoBrdquo series tattoos For an unknown reason the ldquoArdquo series for women did not stop at 20000 and continued to 30000rdquo In Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-sys-tem-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

- 69 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 2

- ldquoMatildee vocecirc sabe o que signifi ca esse ldquoArdquo na sua tatuagemrdquo- ldquoSei Eacute Auchiwtz Natildeo natildeo eacute Eacute arbeiten trabalho

Neste entremeio da duacutevida constitutiva do discurso de Lili agrave primeira vista eacute possiacutevel dizer que a letra ldquoArdquo pode signifi car Auschwitz ou ainda como ela nos mostra pode estar relacionada ao substantivo ldquoarbeitenrdquo que em alematildeo signifi ca ldquotrabalhordquo Os gestos de interpretaccedilatildeo de Lili Jaff e nos levam a refl etir sobre o sentido da palavra ldquotrabalhordquo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo a que ela nos remete a saber o nazismo Natildeo podemos esquecer que as condiccedilotildees de produccedilatildeo satildeo fundamentais no processo discursivo elas compreendem a situaccedilatildeo os sujeitos e a memoacuteria discursiva (ORLANDI 2002) Por exemplo se tomarmos a interpretaccedilatildeo dessa palavra (trabalho) nas condiccedilotildees de produccedilatildeo atuais (seacuteculo XXI) os sentidos produzidos satildeo completamente diferentes Entatildeo faz-se necessaacuterio estarmos atentos a essas questotildees para que nossa interpretaccedilatildeo natildeo se sustente naquilo que chamamos de evidecircncia de sentidos

Nesse movimento da interpretaccedilatildeo o sentido aparece como evidecircncia como se ele estivesse jaacute sempre laacute Interpreta-se e ao mesmo tempo nega-se a interpretaccedilatildeo colocando-a no grau zero Naturaliza-se o que eacute produzido na relaccedilatildeo do histoacuterico e do simboacutelico Por esse mecanismo - ideoloacutegico de apagamento da interpretaccedilatildeo haacute transposiccedilotildees de formas materiais em outras construindo-se transparecircncias ndash como se a linguagem e a histoacuteria natildeo tivessem espessura sua opacidade ndash para serem interpretadas por determinaccedilotildees histoacutericas que se apresentam como imutaacuteveis naturalizadas Este eacute o trabalho da ideologia produzir evidecircncias colocando o homem na relaccedilatildeo imaginaacuteria com suas condiccedilotildees materiais de existecircncia (ORLANDI 2002 p 46)

- 70 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com suas palavras Orlandi nos conduz a compreender que a linguagem natildeo eacute transparente Eacute pois pela fresta do funcionamento da linguagem na sua relaccedilatildeo com a histoacuteria que podemos entrever discursivamente para aleacutem dessa evidecircncia dos sentidos Isso signifi ca que de nossa posiccedilatildeo visualizamos outras possibilidades de interpretaccedilatildeo que levam em conta as condiccedilotildees de produccedilatildeo do nazismo e de seus gestos na relaccedilatildeo com a memoacuteria discursiva natildeo soacute no que diz respeito agraves crenccedilas do povo judeu mas tambeacutem no que concerne agrave palavra ldquotrabalhordquo

Analisando o sistema de identifi caccedilatildeo nazista descrito anteriormente compreende-se que naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo a tatuagem imposta como forma de identifi caccedilatildeo parece ter sido usada para fi ns absolutamente crueacuteis e desumanos Devemos considerar que para os judeus conforme a Torah livro sagrado e fundador do judaiacutesmo o corpo eacute uma ldquosantidade especial por ser um invoacutelucro para alma por este motivo ele deve ser tratado com respeitordquo7 Soma-se a isso ainda o fato de que para o judaiacutesmo a tatuagem eacute considerada uma forma de agressatildeo ao corpo e ao fazecirc-la infringe-se uma importante orientaccedilatildeo do livro Vayicraacute (Leviacutetico 1928) da Torah8 a saber ldquoNatildeo fareis laceraccedilotildees na vossa carne pelos mortos nem no vosso corpo imprimireis qualquer marca Eu sou o Senhorrdquo Desse modo a tatuagem no nazismo pode ser descrita como um gesto macabro e aniquilador Gesto que marca no corpo do judeu na sua carne e na sua memoacuteria de forma inapagaacutevel o oacutedio o poder a crueldade a desumanidade e o autoritarismo nazistas Dito de outra forma a tatuagem no corpo do judeu feito prisioneiro pode ser considerada como o genociacutedio inscrito na pele Com efeito os nazistas aleacutem de aprisionar e subjugar os judeus dilaceraram e violaram seus corpos e suas

7 In Associaccedilatildeo Israelita de Benefi cecircncia Beit Chabad do Brasil Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018 8 In Chabad Lubavitch Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

- 71 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

crenccedilas com tatuagens que lhes imputaram e lhes classifi caram como corpos maculados corpo agrave margem da hegemonia nazista da humanidade e de seu proacuteprio povo agrave medida que com a tatuagem exterminavam-se natildeo soacute as crenccedilas mas tambeacutem os laccedilos e processos de identifi caccedilatildeo entre os judeus

Em relaccedilatildeo agrave possibilidade de a letra ldquoArdquo que antecedia a sequecircncia numeacuterica na tatuagem de Lili Jaff e signifi car o substantivo ldquoarbeitenrdquo (ou seja ldquotrabalhordquo em alematildeo) eacute importante pensar aqui no funcionamento histoacuterico dos sentidos em torno da palavra ldquotrabalhordquo e tambeacutem considerar os efeitos de sentido da tatuagem na histoacuteria da humanidade De fato para os gregos e romanos por exemplo as tatuagens constituiacuteam uma forma de puniccedilatildeo Elas marcavam escravos e ladrotildees Criminosos E essas marcas na pele no corpo impediam que em caso de fuga os tatuados pudessem viver livremente em sociedade O corpo marcado era excluiacutedo do conviacutevio social Com base no exposto se levarmos em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees de produccedilatildeo do periacuteodo do nazismo podemos entrever nesse batimento com a histoacuteria da humanidade outrosnovos sentidos que satildeo postos em funcionamento a partir da tatuagem e tambeacutem da palavra ldquotrabalhordquo supostamente signifi cada na letra ldquoArdquo trata-se do trabalho escravo dos judeus em Auschwitz

DO CORPO-POLIacuteTICO AO CORPO-RE-EXISTEcircNCIA

A partir da refl exatildeo que propomos podemos considerar que a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo inscreveu-se como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente ou seja durante o periacuteodo do nazismo mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tiveram (tecircm) de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio O corpo

- 72 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

judeu foi marcado para sempre pelo fl agelo da monstruosidade nazista

Compreendemos entatildeo que a tatuagem no corpo de Lili Jaff e a signifi ca como prisioneira de guerra E produz assim um discurso do corpo Corpo feito refeacutem de um dos momentos mais terriacuteveis da histoacuteria da humanidade A tatuagem faz signifi car a histoacuteria daquele corpo ao mesmo que tempo que o conecta e o signifi ca na relaccedilatildeo com o corpo social neste caso o povo judeu O discurso do corpo estaacute pois materializado na tatuagem que (re)atualiza diariamente por diferentes gestos de interpretaccedilatildeo a memoacuteria do holocausto

Haacute que se refl etir ainda em relaccedilatildeo ao discurso sobre o corpo Para isso retomamos as palavras de Orlandi (1990[2008] p 44) para quem os discursos sobre ldquosatildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de)rdquo De fato se tomarmos os recortes em estudo podemos verifi car que nas duas passagens analisadas temos o funcionamento de discursos sobre a tatuagem de Lili Jaff e (e consequentemente sobre seu corpo) Enquanto o primeiro trata do nuacutemero o segundo ao trazer um diaacutelogo entre matildee e fi lha discorre sobre a letra tatuada e os possiacuteveis sentidos que dela derivam O discurso sobre a tatuagem de Lili Jaff e funciona entatildeo como uma espeacutecie de discurso mediador9 discurso de entremeio que vai se produzir e se constituir entre o discurso do10 corpo que traz materialmente a marca do holocausto e o interlocutor11 que com seus gestos de leitura e de interpretaccedilatildeo diz sobre esse corpo e essa marca em determinadas condiccedilotildees de produccedilatildeo 9 Ou discurso intermediaacuterio nas palavras de Mariani (1998 p 60) 10 O discurso de segundo Mariani (1998 p 60) pode ser compreendido como um discurso-origem11 Neste caso os interlocutores satildeo tanto Lili Jaffe que diz de sua tatuagem quanto Noemiacute sua fi lha

- 73 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enquanto discurso intermediaacuterio como forma de institucionalizaccedilatildeo dos sentidos o discurso sobre constitui uma interpretaccedilatildeo ou melhor ao se situar entre o discurso-origem e um interlocutor ele resulta de uma interpretaccedilatildeo ao mesmo tempo ele interveacutem na construccedilatildeo imaginaacuteria do interlocutor do sujeito e do dizer (COSTA 2014 p 34)

Nessa perspectiva tanto o diaacuterio de Lili Jaff e quanto os documentos12 que fazem parte do acervo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau e tambeacutem a obra13 em estudo constituem pois discursos sobre o corpo materializando diferentes vozes que tentam signifi car ou melhor que tentam dizer e interpretar o discurso do corpo de Lili Jaff e Esses discursos de e sobre trabalham incessantemente o limiar da intepretaccedilatildeo que natildeo reveladora demanda incansavelmente que se produza sentidos Eacute nessa relaccedilatildeo constitutiva entre discurso de e sobre o corpo judeu que se presentifi ca o memoraacutevel (re)atualiza a memoacuteria discursiva e a histoacuteria materializando-se assim sob a forma de corpo-poliacutetico

Eacute pois na brecha na fi ssura ainda que minuacutescula entre o discurso de e o discurso sobre que emerge a tensatildeo do poliacutetico com o simboacutelico confronto constitutivo do funcionamento da linguagem No caso do material analisado nesta refl exatildeo a noccedilatildeo de condiccedilotildees de produccedilatildeo conforme discutido anteriormente comparece de forma vigorosa no movimento de sentidos que faz derivar corpo-poliacutetico para corpo-re-existecircncia como podemos observar no fragmento abaixo tambeacutem retirado da obra que serviu de base para as anaacutelises aqui propostas

12 Documentos nazistas que fazem alguma referecircncia agrave ela a partir de seu nuacutemero de prisioneira13 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 74 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 3

Quando a fi lha visitou o museu do Holocausto em Yad Vashem em Jerusaleacutem em 2010 buscando encontrar o diaacuterio dela que estaacute laacute guardado a diretora do museu encontrou casualmente um registro de funcionaacuterias da cozinha de Auchiwitz de 1944 Era um registro elaborado por um ofi cial nazista Laacute estavam o nome e o nuacutemero dela aleacutem do de vaacuterias outras companheiras O efeito de ver o nuacutemero no braccedilo dela jaacute como parte de seu corpo e da composiccedilatildeo de sua fi gura tanto que ningueacutem o percebe mais e o efeito de ver o seu nome e o nuacutemero escrito numa folha de registro do campo grafados por um ofi cial nazista eacute radicalmente diferente Era como se a fi lha a estivesse vendo pela primeira vez Como se nunca soubesse que a matildee tinha um nuacutemero tatuado no braccedilo nem mesmo que ela tivesse sido prisioneira Entatildeo aquela histoacuteria contada em casa na sala na cozinha na infacircncia tambeacutem estaacute guardada em registros ofi ciais Aconteceu de verdade Tudo aquilo que foi contado que tem dimensatildeo de realidade somente dentro da imaginaccedilatildeo de quem escuta e na lembranccedila de quem viveu teve corpo tamanho volume tambeacutem nas matildeos de um soldado Ele escreveu o nome e o nuacutemero dela14

Dadas as condiccedilotildees de produccedilatildeo o corpo-poliacutetico agrave medida que na tensatildeo entre relaccedilotildees de forccedila do discurso de e do discurso sobre encontra uma forma de resistir e assim de (re)signifi car e ser (re)signifi cado Ao natildeo se deixar subjugar o corpo-poliacutetico resiste (corpo-re-existecircncia) e rompe Explode E assim produz a efervescecircncia de signifi caccedilotildees do corpo de Lili Jaff e e sobre o corpo de Lili Jaff e

Natildeo era exatamente a infraccedilatildeo que os nazistas tatuavam no corpo dos prisioneiros mas a

14 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 75 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

identifi caccedilatildeo inapagaacutevel de que se tratava de um prisioneiro Servia para facilitar o trabalho dos nazistas e para escrever na carne do condenado sua maior infraccedilatildeo existir Aquilo que fi ca escrito na carne como as rugas a fl acidez mas acima de tudo a tatuagem adquire e daacute agrave pessoa o sentido da existecircncia Ela existe porque tem essa marca e tem a marca porque existe15

REFEREcircNCIAS

ASSOCIACcedilAtildeO ISRAELITA DE BENEFICEcircNCIA BEIT CHABAD DO BRASIL Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018

BARBOSA M R MATOS P M amp COSTA M E ldquoUm olhar sobre o corpo o corpo ontem e hojerdquo In Psicologia amp Sociedade n 23 Vol1) 24-34 2011 Disponiacutevel em httpwwwscielobrpdfpsocv23n1a04v23n1pdf Acesso em 18 ago 2018

CHABAD LUBAVITCH Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

COSTA G C Sentidos de miliacutecia Entre a lei e o crime Campinas Editora da Unicamp 2014

FOUCAULT M Microfiacutesica do poder 17Ed Rio de Janeiro Ed Graal 2002

GALEANO E Las palabras andantes 5Ed Buenos Aires Cataacutelogos SRL 2001

HOBSBAWM E J A era do capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

15 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 76 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

MARIANI B O PCB e a imprensa os comunistas no imaginaacuterio dos jornais (1922-1989) Rio de JaneiroCampinas RevamEditora da Unicamp 1998

MASSMANN D O poliacutetico nada arte Instituiccedilotildees discursos resistecircncias In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL AUSCHWITZ-BIRKENAU History Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL DO HOLOCAUSTO DOS ESTADOS UNIDOS Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-system-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

QUIJANO A Colonialidade do poder e classifi caccedilatildeo social In SANTOS B de amp MENESES M P (Orgs) Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009

SOUZA L L de O discurso encarnado ou a passagem da carne ao corpodiscurso In Entremeios revista de estudos do discurso v1 n1 jul2010 Disponiacutevel em httpwwwentremeiosinfbr Acesso em 19 ago 2018

ORLANDI E P Sujeitos invisiacuteveis Sujeitos agrave interpretaccedilatildeo In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

- 77 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

_____ Ser diferente eacute ser diferente a quem interessam as Minorias In ORLANDI E P Linguagem sociedade poliacuteticas Pouso Alegre UNIVAacuteSCampinas RG Editores 2014

_____ Discurso em anaacutelise sujeito sentido ideologia Campinas Pontes Editores 2012

_____ Terra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundo Campinas Editora da Unicamp 1990[2008]

_____ Cidade dos sentidos Campinas SP Pontes 2004

_____ A linguagem e seu funcionamento as formas do discurso Campinas Pontes 1996

PROJETO HUMANOS Episoacutedio 2 ldquoO trabalho libertardquo In ldquoAs fi lhas da guerrardquo Disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018

- 78 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 79 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fernando Aparecido Ferreira

Conforme aprendemos com Bakhtin cujo postulado dialoacutegico foi incorporado pela Linguiacutestica Textual um texto (enunciado) natildeo existe nem pode ser avaliado eou compreendido isoladamente ele sempre estaacute em diaacutelogo com outros textos De acordo com Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 9) ldquotodo texto revela uma relaccedilatildeo radical do seu interior com seu exteriorrdquo Ainda segundo essas autoras de um texto ldquofazem parte outros textos que lhe datildeo origem que o predeterminam com os quais dialoga que ele retoma a que alude ou aos quais se opotildeemrdquo (KOCH BENTES e CAVALCANTE 2008 p 9) Chegamos assim ao conceito de intertextualidade criado na deacutecada de 1960 pela criacutetica literaacuteria francesa Julia Kristeva com base nas premissas de Bakhtin Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 14) afi rmam que para Kristeva ldquoqualquer texto se constroacutei como um mosaico de citaccedilotildees e eacute a absorccedilatildeo e transformaccedilatildeo de um outro textordquo

Propomos aqui neste trabalho tratar do emprego da intertextualidade como uma estrateacutegia retoacuterica analisando um texto audiovisual (portanto sincreacutetico e multimodal) no qual a relaccedilatildeo com outros textos (visuais verbais sonoros) foi deliberadamente utilizada como uma forma de contribuir para a adesatildeo de um auditoacuterio espectador Importante ressaltar que aqui trabalhamos com uma concepccedilatildeo moderna de texto que natildeo inclui

COISAS ESTRANHAS COISAS FAMILIARES A

INTERTEXTUALIDADE COMO ESTRATEacuteGIA RETOacuteRICA NA

WEBSEacuteRIE STRANGER THINGS

- 80 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

somente o verbal sendo portanto segundo Cavalcante (2013 p 17) texto tudo aquilo que constitui ldquouma unidade de linguagem dotada de sentidordquo que cumpre ldquoum propoacutesito comunicativo direcionado a um certo puacuteblico numa situaccedilatildeo especiacutefi ca de uso dentro de uma determinada eacutepoca em uma dada cultura que se situam os participantes desta enunciaccedilatildeordquo Em outras palavras tambeacutem podemos dizer que fazemos aqui uma anaacutelise textual de um discurso retoacuterico

O nosso objeto de estudo eacute a webseacuterie Stranger Th ings (ldquoCoisas estranhasrdquo mas que natildeo obteve traduccedilatildeo para o portuguecircs) Lanccedilada em julho de 2016 pelo canal de streaming NETFLIX Stranger Th ings eacute uma produccedilatildeo norte-americana criada produzida e dirigida pelos irmatildeos Matt e Ross Duff er Ambientada nos anos 1980 (mais especifi camente em 1983) e fi lmada tal como se fosse uma produccedilatildeo do mesmo periacuteodo a seacuterie cuja narrativa trafega entre o drama a aventura e o horror foi um imediato sucesso de criacutetica e de puacuteblico e jaacute eacute objeto de culto Tendo como marca identitaacuteria justamente o modo como evoca na forma e no conteuacutedo seacuteries e fi lmes norte-americanos da deacutecada de 1980 Stranger Th ings se vale ostensivamente da intertextualidade com produccedilotildees audiovisuais e visuais do periacuteodo recurso que contribuiu signifi cativamente para a adesatildeo de seu auditoacuterio-espectador Buscamos portanto refl etir rapidamente sobre o papel argumentativo da intertextualidade na seacuterie verifi cando em quais niacuteveis essa relaccedilatildeo com outros textos visuais e audiovisuais se manifesta

Tratando aqui da efi ciecircncia de uma comunicaccedilatildeo adentramo-nos portanto no universo da Retoacuterica que ldquovisa agrave adesatildeo dos espiacuteritosrdquo segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 16) Por meio das anaacutelises cabe dizer que em Stranger Th ings a intertextualidade eacute empregada como uma estrateacutegia retoacuterica contribuindo para despertar o interesse de espectadores pela seacuterie promovendo-lhes um resgate de memoacuterias afetivas

- 81 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

despertando-lhes os pathe da amizade e da confi anccedila Vaacuterios tipos de intertextualidade ndash temaacutetica estiliacutestica impliacutecita expliacutecita ndash se manifestam na seacuterie atestando a presenccedila consciente desse artifiacutecio como recurso retoacuterico e argumentativo

Vejamos como isso ocorre

Narrativas audiovisuais se destinam a provocar seus espectadores ativando seus afetos sentimentos e emoccedilotildees Esses aspectos satildeo componentes essenciais para angariar o interesse de um auditoacuterio-espectador pela trama ou temaacutetica de uma narrativa por seus personagens pela mensagem que pretende passar etc Num texto audiovisual narrativo e seriado essa preocupaccedilatildeo eacute fundamental para a garantia da adesatildeo e interesse do espectador aos episoacutedios que seguiratildeo e para a consequente produccedilatildeo de novos grupos de episoacutedios ndash as chamadas ldquotemporadasrdquo Cabe assim aos diretores produtores e roteiristas (os oradores desses discursos) saber bem o que pretendem comunicar ter competecircncia teacutecnica para utilizar a linguagem audiovisual para se expressar e conhecer bem aqueles que seratildeo os seus espectadores para conseguirem ativar neles as emoccedilotildees que desejam para que por fi m a interlocuccedilatildeo seja efi ciente

Em linhas gerais Stranger Th ings se desenvolve narrativamente a partir do desaparecimento de um garoto numa pequena e pacata cidade norte-americana e prossegue com os estranhos acontecimentos que satildeo revelados no processo das buscas para encontraacute-lo De imediato eacute possiacutevel perceber que a seacuterie tem uma intertextualidade temaacutetica com uma seacuterie lanccedilada no ano de 1990 Twin Peaks do cineasta David Lynch

Por intertextualidade temaacutetica entendemos a relaccedilatildeo entre textos que pertencem a uma mesma escola ou que partilham temas assuntos Ambas as seacuteries Stranger Th ings e Twin Peaks tecircm o mesmo fi o condutor um caso misterioso que ocorre em uma pequena cidade norte-americana cujas investigaccedilotildees satildeo conduzidas

- 82 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

principalmente por um homem da lei protagonista da seacuterie que se depara com questotildees sobrenaturais Enquanto em Twin Peaks o motivo condutor era ldquoQuem matou a jovem Laura Palmerrdquo em Stranger Th ings eacute ldquoO que aconteceu com o garoto Will Byersrdquo E se no primeiro a investigaccedilatildeo era protagonizada pelo agente do FBI Dale Cooper em Stranger Th ings a busca eacute conduzida pelo xerife local Jim Hopper Essa primeira intertextualidade temaacutetica daacute base para outras que promovem uma associaccedilatildeo mais imediata agraves produccedilotildees audiovisuais dos anos 1980 e defi ne como jaacute foi dito a identidade da webseacuterie Elencamos aqui quatro temas facilmente identifi caacuteveis

1) grupos de garotos nerds aventureiros

2) paranormalidade ou mais especifi camente crianccedila com po-deres paranormais

3) seres de outras dimensotildees

4) mundos paralelos

Esses temas satildeo recorrentes em vaacuterias produccedilotildees dos anos 1980 em fi lmes hoje considerados claacutessicos da eacutepoca No primeiro tema exemplifi camos com fi lmes como ET (1982) Explorers (Viagem ao mundo dos sonhos 1985) Th e Goonies (Os Goonies 1985) Stand by me (Conta comigo 1986) Th e Lost Boys (Os garotos perdidos 1987) Em Stranger Th ings apesar do protagonismo do xerife (e tambeacutem da matildee do garoto desaparecido interpretada pela atriz Winona Ryder) um grupo de meninos amigos do garoto Will que tambeacutem paralelamente buscam encontraacute-lo torna-se um dos principais pontos afetivos da seacuterie evocando os garotos de vaacuterias produccedilotildees de Steven Spielberg (o grande nome do cinema de entretenimento dos anos 1980)

Integrando o grupo de personagens principais da seacuterie haacute em Stranger Th ings a garota Eleven cujos poderes paranormais

- 83 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

evocam personagens de outras produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Poltergeist (1982) Firestarter (Chamas da vinganccedila 1984) Th e Shining (O iluminado 1980) e Th e Dead Zone (A hora da zona morta 1983) bem algumas do fi nal dos anos 1970 que reverberaram nos anos 1980 ndash por suas exibiccedilotildees na TV e lanccedilamento em videocassete ndash como Carrie (Carrie a estranha 1976) e Th e Fury (A fuacuteria 1978) Estabelece-se na evocaccedilatildeo a esses fi lmes mais uma intertextualidade temaacutetica dessa vez dentro do tema ldquoparanormalidaderdquo ou ldquocrianccedila com poderes paranormaisrdquo

Um dos misteacuterios de Stranger Th ings envolve um ser monstruoso de outra dimensatildeo tema tambeacutem recorrente em produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Alien (Alien o oitavo passageiro 1979) e sua continuaccedilatildeo Aliens (Aliens o resgate 1986) Predator (O Predador 1987) Th e Th ing (O enigma de outro mundo 1982) Outra intertextualidade temaacutetica eacute a que se refere a mundos paralelos ou sobrenaturais evocando fi lmes como Altered States (Viagens alucinantes 1980) Evil Dead (Uma noite alucinante a morte do democircnio 1981) e Evil Dead II (Uma noite alucinante II 1987) Nightmare on Elm Street (A hora do pesadelo 1984) e suas continuaccedilotildees sendo trecircs lanccediladas na deacutecada de 1980 e mais uma vez Poltergeist (1982) e suas duas continuaccedilotildees lanccediladas em 1986 e 1988

Corroborando a intertextualidade temaacutetica haacute tambeacutem uma relaccedilatildeo estiliacutestica de Stranger Th ings com produccedilotildees dos anos 1980 Conforme Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 19) ldquoa intertextualidade estiliacutestica ocorre por exemplo quando o produtor do texto com objetivos variados repete imita parodia certos estilosrdquo A cinematografi a da seacuterie Stranger Th ings com seus enquadramentos movimentos de cacircmera iluminaccedilotildees e tons cromaacuteticos repete a qualidade visual de algumas das produccedilotildees jaacute citadas como ET Explorers Th e Goonies e Alien mas tambeacutem especialmente nas cenas ambientadas no coleacutegio (onde as crianccedilas

- 84 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

estudam) ou nas que se enquadram no nuacutecleo adolescente na seacuterie Nessas cenas a luz e as cores de comeacutedias juvenis como Th e Breakfast Club (Clube dos cinco 1985) Sixteen Candles (Gatinhas e gatotildees 1984) Ferris Buellers Day Off (Curtindo a vida adoidado 1986) Weird Science (Mulher nota 1000 1985) e Pretty in Pink (Garota de rosa-shocking 1986) (Fig 1)

Figura 1 Cena do ambiente escolar de Stranger Th ings (topo) comparada agrave cinematografi a de fi lmes adolescentes dos anos 1980

como Ferris Buellers Day Off e Th e Breakfast Club

- 85 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fonte NETFLIX

Eacute possiacutevel tambeacutem identifi car uma intertextualidade estiliacutestica no acircmbito sonoro e graacutefi co-visual da seacuterie No primeiro nos referimos agrave trilha sonora executada com sintetizadores muito populares em arranjos de temas musicais da deacutecada de 1980 especialmente em produccedilotildees cinematograacutefi cas de suspense e terror A trilha musical de Stranger Th ings evoca a sonoridade e os acordes de composiccedilotildees de muacutesicos como John Carpenter Harry Manfredini Joe Renzetti Charles Bernstein Giorgio Moroder e Harold Faltermeyer responsaacuteveis pelas trilhas sonoras de fi lmes como Th e Fog (A bruma assassina 1980) Halloween (1981) Christine (1983) Th ey Live (Eles vivem 1988) Friday the 13th (Sexta-Feira 13 1980) Poltergeist III (1988) Childrsquos Play (Brinquedo Assassino 1988) Nightmare on Elm Street Flashdance (1983) Neverending Story (A histoacuteria sem fi m 1984) Beverly Hills Cop (Um tira da pesada 1984) e Top Gun (Ases indomaacuteveis 1986)

No acircmbito graacutefi co-visual temos na abertura de Stranger Th ings (Fig 2) uma alusatildeo agraves composiccedilotildees e estilos tipograacutefi cos empregados nas capas de livros do autor Stephen King lanccedilados na mesma eacutepoca (Fig 3) King foi um autor de grande popularidade

- 86 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na deacutecada de 1980 e uma parte signifi cativa dos fi lmes com os quais Stranger Th ings mantem uma relaccedilatildeo de intertextualidade (Th e Dead Zone Firestarter Stand by Me para citar alguns) foram baseados em suas obras O logotipo de Stranger Th ings (que aparece na abertura da seacuterie) eacute apresentado em caixa alta centralizado em duas linhas com os caracteres iniciais e fi nais da primeira palavra maiores que os demais aludindo ao design do nome de Stephen King nas capas de seus livros

Figura 2 Cena da abertura de Stranger Th ings com o logotipo da webseacuterie

Fonte NETFLIX

- 87 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 3 Capa da obra Misery de Stephen King

Fonte httpsenwikipediaorgwikiMisery_(novel) Acesso em 18 de julho de 2018

Em Stranger Th ings a intertextualidade estiliacutestica conecta-se a um outro tipo de intertextualidade a impliacutecita Segue abaixo a defi niccedilatildeo de Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 30)

Tem-se a intertextualidade impliacutecita quando se introduz no proacuteprio texto intertexto alheio sem qualquer menccedilatildeo expliacutecita da fonte com o objetivo quer de seguir-lhe a orientaccedilatildeo argumentativa quer de contraditaacute-lo colocaacute-lo em questatildeo de ridicularizaacute-lo ou argumentar em sentido contraacuterio

Encontramos em Stranger Th ings uma intertextualidade impliacutecita do primeiro caso parafraacutestica sendo aquilo que SantrsquoAnna (1985) denomina ldquointertextualidade das semelhanccedilasrdquo e Greacutesillon

- 88 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e Maingueneau (1984 apud KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M 2008 p30) chamam de ldquocaptaccedilatildeordquo Na webseacuterie encontramos citaccedilotildees natildeo explicitadas de sequecircncias de muitos fi lmes jaacute citados aqui como ET Stand by me (Fig 4) Altered States Alien Explorers e Nightmare on Elm Street e de fi lmes ainda natildeo citados como Birdy (Asas da liberdade 1984) e Commando (Comando para matar 1985)

Figura 4 Comparaccedilotildees entre Stand by me de 1986 (lado esquer-do) e Stranger Th ings (lado direito)

Fonte httpsipinimgcomoriginals8e057f8e057fea4381769eeb37053026653065jpg Acesso em 18 jul 2018

- 89 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 5 Comparaccedilotildees entre Altered States de 1980 (topo) e Stranger Th ings

Fonte httpswwwimdbcomtitlett0080360 Acesso em 18 jul 2018

Tambeacutem chama atenccedilatildeo mais uma vez a abertura da seacuterie (Fig 6) cujo movimento das letras remete agrave abertura do fi lme Dead Zone (Fig 7)

- 90 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 6 Cenas da sequecircncia de abertura de Stranger Th ings

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlestranger-things Acesso em 18 jul 2018

Figura 7 Cenas da sequecircncia de abertura do fi lme Dead Zone (1983)

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlethe-dead-zone Acesso em 18 jul 2018

Percebe-se que os produtores de Stranger Th ings lanccedilam matildeo dessas ldquoparaacutefrasesrdquo argumentativamente recriando cenas memoraacuteveis criando no auditoacuterio-espectador uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu criando assim uma sensaccedilatildeo de familiaridade e facilitando

- 91 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

a adesatildeo do seu auditoacuterio-espectador Por outro lado eles reaproveitam soluccedilotildees visuais jaacute testadas sobre como apresentar uma situaccedilatildeo ou um personagem reforccedilando o uso da intertextualidade como uma forma de seguir a orientaccedilatildeo argumentativa de claacutessicos e sucessos do entretenimento audiovisual (no caso aplicado em uma instacircncia narrativa) que incluem fi lmes notoriamente benquistos como ET Th e Goonies Poltergeist e Alien os principais textos-fontes de Stranger Th ings O meacuterito da seacuterie estaacute em conseguir realizar um mosaico de intertextos sem perder sua coesatildeo narrativa

O que chama a atenccedilatildeo eacute o fato de Stranger Th ings natildeo depender do reconhecimento do intertexto pelo espectador algo diferente do que ocorre em fi lmes-paroacutedia por exemplo nos quais o humor soacute se estabelece totalmente se ocorrer a ativaccedilatildeo do texto-fonte na memoacuteria discursiva do espectador A natildeo recuperaccedilatildeo do intertexto em Stranger Th ings natildeo compromete o processo de construccedilatildeo de sentido Isso se explica pela proximidade da seacuterie com seus textos-fontes num ponto que quase se confi gura um plaacutegio sendo mesmo uma ldquocaptaccedilatildeordquo que no entanto exime os oradores do plagiato por natildeo haver uma intenccedilatildeo de camufl ar ou apagar as fontes do intertexto Nesse sentido eacute que podemos dizer que a intertextualidade foi aqui empregada retoricamente pois funciona tanto como um recurso para a construccedilatildeo de uma narrativa de apelo e faacutecil adesatildeo (valendo-se de foacutermulas jaacute testadas e sabidamente agradaacuteveis aos espectadores) como tambeacutem um recurso que desperte a curiosidade sirva como argumento promocional e possibilite a participaccedilatildeo ativa do espectador no processo de recuperaccedilatildeo dos intertextos ndash algo que se manifestou nas inuacutemeras postagens nas redes sociais nas quais os espectadores da seacuterie revelavam suas descobertas

Em Stranger Th ings a referecircncia ao universo audiovisual dos anos 1980 eacute tambeacutem feita claramente mencionando esses textos Temos aiacute portanto uma intertextualidade expliacutecita que eacute aquela

- 92 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que ocorre quando no proacuteprio texto eacute mencionada a fonte do intertexto Na seacuterie vemos isso ocorrendo tanto no niacutevel verbal como visual No verbal temos como exemplo quando no primeiro episoacutedio a matildee de Will o convida para ir ao cinema assistir Poltergeist Tambeacutem ocorre quando um dos personagens chama a namorada para assistir ao fi lme All the Right Moves (A chance 1983) estrelado por Tom Cruise No campo visual vemos uma intertextualidade expliacutecita nos programas de TV que satildeo vistos pelos personagens como o desenho animado He-Man (Fig 8) e a seacuterie Night Rider (A super maacutequina) como tambeacutem nos pocircsteres de fi lmes que decoram as casas dos garotos notadamente dos fi lmes Th e Th ing e Evil Dead (Fig 9) A presenccedila da intertextualidade expliacutecita comprova a natildeo tentativa de camufl ar a intertextualidade impliacutecita eximindo os produtoresdiretores da acusaccedilatildeo de plaacutegio No caso de Stranger Th ings a intertextualidade impliacutecita se manifesta como homenagem aos fi lmes dos anos 1980 Ainda cabe inferir que a intertextualidade expliacutecita se apresenta principalmente como um recurso argumentativo para contextualizar um periacuteodo dar credibilidade para a reconstituiccedilatildeo da eacutepoca em que se passa a narrativa Tanto que podemos dizer que essa referecircncia expliacutecita natildeo soacute eacute comum como tambeacutem necessaacuteria em fi lmes de eacutepoca ou mesmo contemporacircneos para um bom estabelecimento do tempo e do espaccedilo em que se desenvolve a trama ou seja para uma signifi cativa e convincente construccedilatildeo da diegese

- 93 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 8 He-Man visto na TV em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Figura 9 Cartaz do fi lme Evil Dead em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Sendo a referecircncia aos textos visuais e audiovisuais dos anos 1980 a identidade de Stranger Th ings eacute interessante verifi car como esse recurso argumentativo tambeacutem se estendeu para o seu material promocional (cartazes e trailersteasers) Para o design do cartaz da seacuterie o artista Kyle Lambert seguiu o estilo dos trabalhos de Drew Struzan famoso pelos cartazes que fez para fi lmes como Th e Goonies Indiana Jones and the Temple of Doom (Indiana Jones e o Templo da Perdiccedilatildeo 1984) Back to the Future (De volta para

- 94 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o futuro 1985) Dreamscape (A morte nos sonhos 1984) e Big Trouble in Little China (Aventureiros do bairro proibido 1986) Nesse caso o cartaz de Stranger Th ings tem uma intertextualidade estiliacutestica com os cartazes cinematograacutefi cos dos anos 1980 (Fig 10)

Figura 10 Cartaz de Kyle Lambert para Stranger Th ings e cartaz de Drew Struzan para Back to the Future II

Fonte httpwwwimpawardscom Acesso em 18 jul 2018

Cabe destacar tambeacutem o viacutedeo lanccedilado para promover a seacuterie entre os espectadores brasileiros que contou com a presenccedila da apresentadora Xuxa reproduzindo um quadro do seu extinto programa na Rede Globo de Televisatildeo o Xou da Xuxa tambeacutem surgido nos anos 1980 (Fig 11) Nessa intertextualidade expliacutecita

- 95 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

confi gurada aqui como um pastiche1 a apresentadora recebe uma carta da matildee do garoto Will Byers solicitando ajuda para encontrar seu fi lho desaparecido Xuxa faz uma imitaccedilatildeo de si proacutepria inclusive fazendo referecircncias aos boatos e ldquolendasrdquo que lhe eram associados na eacutepoca do seu programa como o fato de ter feito um pacto com forccedilas ocultas que resultaram em bonecas possuiacutedas que atacavam crianccedilas e discos que revelavam mensagens sinistras quando tocados ao contraacuterio Nesse viacutedeo promocional divulgado no Facebook e no YouTube o humor foi empregado como um recurso argumentativo para despertar o interesse do auditoacuterio

Figura 11 Cena do viacutedeo promocional para Stranger Th ings com a apresentadora Xuxa

Fonte httpswwwyoutubecomwatchv=2t-AIbErqts Acesso em 30 jul 2018

Segundo Aristoacuteteles (2012 p 13) ldquopersuade-se pela disposiccedilatildeo dos ouvintes quando estes satildeo levados a sentir emoccedilatildeo por meio do discursordquo E quando temos uma argumentaccedilatildeo que se fundamenta no estado emocional do auditoacuterio temos

1 ldquoO pastiche se caracteriza pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor ou de traccedilos de sua autoria () caracteriza-se pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor de um fi lme enfi m mas com fi nalidade satiacuterica ()rdquo (CAVALCANTE 2013 p 165-166) No caso em anaacutelise ndash um viacutedeo promocional de Stranger Things ndash eacute feita uma imitaccedilatildeo do quadro do programa Xou da Xuxa (ainda que com a proacutepria apresentadora) com fi ns satiacutericos

- 96 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma argumentaccedilatildeo fundada no pathos As paixotildees despertadas infl uenciam psicologicamente o auditoacuterio e por conseguinte afetam tambeacutem seus julgamentos Nesse sentido Stranger Th ings eacute um discurso que tenta provocar no auditoacuterio-espectador uma disposiccedilatildeo emocional adequada agrave recepccedilatildeo da tese que propotildee ser aceita a saber criar um entretenimento que natildeo soacute desperte o interesse mas que tambeacutem promova uma adesatildeo emocional e afetiva

Figura 12 As crianccedilas de Stranger Th ings (topo) e ET e Th e Goonies

Fonte httpswwwimdbcom Acesso em 18 jul 2018

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 97 -

Pode-se inferir que as intertextualidades presentes em Stranger Th ings contribuem retoricamente para o sucesso da seacuterie por despertar no auditoacuterio paixotildees eufoacutericas com as da amizade e da confi anccedila Da amizade porque as situaccedilotildees narrativas apresentadas bem como os personagens (em suas intertextualidades temaacuteticas estiliacutesticas e impliacutecitas) contribuem para criar no auditoacuterio uma relaccedilatildeo de proximidade uma familiaridade uma empatia imediata2 Os garotos da seacuterie se apresentam como personagens que jaacute conhecemos com os quais jaacute temos amizade e por quem sentimos carinho Eles tecircm o DNA dos amados personagens de ET Goonies e Poltergeist (Fig 12) Da paixatildeo da amizade decorre a paixatildeo da confi anccedila Sobre a paixatildeo da confi anccedila Aristoacuteteles afi rma

A confi anccedila eacute o contraacuterio do medo e o que inspira confi anccedila eacute o contraacuterio do que inspira medo de modo que a esperanccedila eacute acompanhada pela representaccedilatildeo de que as coisas que estatildeo proacuteximas podem salvar-nos ao passo que as que causam temor natildeo existem ou estatildeo longe (ARISTOacuteTELES 2012 p 103)

Em Stranger Th ings a amizade despertada pela familiaridade afasta o receio de ldquoperder tempordquo e gera a confi anccedila de que a seacuterie seraacute boa de que vale a pena assisti-la

Por fi m cabe dizer que em termos argumentativos a intertextualidade presente em Stranger Th ings funciona como uma fi gura de comunhatildeo Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 201) ldquoas fi guras de comunhatildeo satildeo aquelas em que mediante procedimentos literaacuterios o orador empenha-se em criar ou confi rmar a comunhatildeo com o auditoacuteriordquo Os autores complementam ldquoAmiuacutede essa comunhatildeo eacute obtida mercecirc de referecircncias a uma cultura a uma tradiccedilatildeo a um passado comunsrdquo

2 ldquoA camaradagem a familiaridade o parentesco e outras relaccedilotildees semelhantes satildeo espeacutecies de amizaderdquo (ARISTOacuteTELES 2012 P 98)

- 98 -

Tendo como auditoacuterio aqueles que detecircm a cultura do cinema de entretenimento norte-americano os oradores de Stranger Th ings buscaram comungar com ele (esse auditoacuterio) por meio do resgate de uma memoacuteria afetiva (ligada agrave infacircncia e agrave adolescecircncia)

REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel dos Nascimento Pena Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

CAVALCANTE M M Os sentidos do texto Satildeo Paulo Contexto 2013

KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M Intertextualidade diaacutelogos possiacuteveis 2 ed Satildeo Paulo Cortez 2008

NETFLIX Stranger Th ings Disponiacutevel em httpswwwnetfl ixcombr Acesso em 12 jul 2018

PERELMAN C OLBRECHTS-TYTECA L Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo Maria Ermentina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 2005

SANTrsquoANNA A R Paroacutedia paraacutef rase e cia Satildeo Paulo Aacutetica 1985

- 99 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Gerardo Ramiacuterez Vidal

En relacioacuten con la hypoacutekrisis que en latiacuten se traduce como actio y pronuntiatio se conocen con mucha claridad las fuentes antiguas la enorme importancia que tuvo esa praacutectica y los diversos elementos que se tomaban en cuenta ya sea en su estudio como en su praacutectica De manera paradoacutejica un anaacutelisis semaacutentico maacutes puntual de esa palabra griega muestra que su aplicacioacuten a la ejecucioacuten retoacuterica no fue apropiada pues se limitaba a algunos elementos prosoacutedicos pero no al gesto a los ademanes y al movimiento del cuerpo De cualquier modo en la Grecia antigua puede individualizarse un arte general de la pronunciacioacuten llamada hypokritikē o hipocriacutetica que Aristoacuteteles habiacutea previsto pero no alcanzoacute a desarrollarse De tal manera en las paacuteginas siguientes muestro primero la importancia de este elemento en la praacutectica oratoria luego su insufi ciencia en el caso de la ejecucioacuten retoacuterica y por uacuteltimo los fundamentos y elementos de esa disciplina general llamada hypocriacutetica

EL TEacuteRMINO HYPOacuteKRISIS EN LAS FUENTES ANTI-GUAS

En cuanto a las fuentes antiguas brevemente diremos que Aristoacuteteles fue el primero en considerar la hypoacutekrisis como una parte u ofi cio de la retoacuterica hizo algunas observaciones puntuales acerca de este asunto1 y sentildealoacute que tambieacuten es competencia de otras

1 Cf sobre todo Arist Rh III 1403b18-1404a19 pasaje sobre el cual volveremos

LA HIPOCRIacuteTICA O ARTE DE LA EXPRESIOacuteN ORAL

EN LA RETOacuteRICA GRIEGA CLAacuteSICA

- 100 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

artes la tragedia la poeacutetica y la rapsoacutedica Su disciacutepulo Teofrasto dedicoacute a ese tema un tratado especial el Περὶ ὑποκρίσεως en un libro seguacuten la lista de Dioacutegenes Laercio aunque soacutelo se conserva el tiacutetulo y dos referencias Sobre el caraacutecter y contenido de esta obra es difiacutecil pronunciarse2 En la segunda mitad del siglo II a C Hermaacutegoras de Temnos la consideroacute como una parte de la retoacuterica y es probable que de eacutel provenga el origen del desarrollo latino de este ofi cio del orador3 Filodemo abordoacute aspectos importantes pero de manera aislada4 Ya en eacutepoca imperial Casio Longino resume el asunto brevemente5 y algunos otros autores griegos transmiten los conocimientos mencionados6 Sin embargo fueron los latinos quienes expusieron de manera maacutes amplia y sistemaacutetica la actio y pronuntiatio en particular Quintiliano quien dedica a este asunto el amplio capiacutetulo 3 del libro XI7

2 En Vitae Philosophorum 54812 Dioacutegenes Laercio registra el tiacutetulo Περὶ ὑποκρίσεως entre las 225 obras de Teofrasto incluida entre los 24 tratados de retoacuterica Esta obra es independiente del Arte retoacuterica que aparece en la lista dos obras antes y que a su vez podriacutea abordar la hypoacutekrisis De la obra sobre la actuacioacuten se conservan dos referencias frr 712 y 713 (Fortenbaugh 1992 vol II) La primera proviene de Atanasio (Prol In Herm De statibus en RhGr xiv 1773-8 Rabe) se puede suponer que su contenido podriacutea contener (a) la valoracioacuten de la hypoacutekrisis como el instrumento maacutes importante del orador (b) las pasiones del alma y el anaacutelisis de ellas asiacute como sus fundamentos y (c) conjuncioacuten del movimiento del cuerpo y del tono de la voz (τὴν κίνησιν τοῦ σώματος καὶ τὸν τόνον τῆς φωνῆς) en el entero conocimiento de ese ofi cio del orador (cf Vallozza 2000 273-274) se hace una referencia clara al orador y no al actor La segunda se encuentra en Ciceroacuten (De or iii 221) donde el autor se refi ere en especial a la importancia del sentido de la vista en la accioacuten oratoria Sin embargo el caraacutecter retoacuterico y el contenido de la obra teofrastea son soacutelo hipoteacuteticos lo uacutenico seguro es la referencia de Ciceroacuten (De or III 221) de que un tal Taurisco (seguacuten Teofrasto) sentildealaba que el orador que ejecuta su discurso con los ojos fi jos se asemeja a un actor que recita estando de espaldas al puacuteblico3 Seguacuten Matthes la hypoacutekrisis seriacutea la cuarta y uacuteltima parte de la retoacuterica despueacutes de la heacuteuresis la oikonomiacutea y la mnēmē (Hermag 1962 p vi)4 Philod Rh I 1963 ss Sudh (sobre la hypoacutekrisis como parte de la retoacuterica) I 20116 ss Sudh (sobre la adecuacioacuten de la hypoacutekrisis a los diferentes tipos de personas)5 Cassius Longinus Ars rhetorica 1 p 566-567 Walz (tambieacuten en L Spengel (ed) Rhetores Graeci vol 1 Leipzig Teubner 1853 pp 310-312)6 Cf Theo Progymn 1 p 66 Walz con escolio (Walz I p 257) el anoacutenimo Prolegomena de la retoacuterica 6 pp 35-36 Walz7 Cf Frachet 2011-2012 y un esbozo reciente en Hilder 2018

- 101 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

La importancia de la hypoacutekrisis o actio-pronuntiatio fue un toacutepico recurrente en la retoacuterica antigua El testimonio de Aristoacuteteles es fundamental Al hablar de las partes de la retoacuterica al comienzo del libro III de su Retoacuterica afi rma que en primer lugar son los asuntos en segundo el estilo y en tercero ldquoaquello que tiene el mayor poder de persuasioacuten los elementos de la hypoacutekrisis8 La idea del enorme poder de la actuacioacuten se presenta auacuten con mayor evidencia en la aneacutecdota sobre Demoacutestenes quien consideraba que la retoacuterica se reduciacutea a esa parte9 y en Ciceroacuten quien afi rma que la elocuencia no es nada sin la actio y que eacutesta en cambio sin ella es una gran cosa pues su poder discursivo es muy grande10 En fi n Quintiliano (Inst or XI 34-8) presenta algunos ejemplos notables de la importancia de esta parte de la retoacuterica y expresa que la pronuntiatio tiene en siacute misma una efi cacia y un poder extraordinarios en la oratoria11 y que un mal discurso confi ado a la fuerza de la actuacioacuten tiene maacutes efi cacia que un buen

8 Arist Rh 1403b20-22 Τρίτον δὲ τούτων ὃ δύναμιν μὲν ἔχει μεγίστην οὔπω δ ἐπικεχείρηται τὰ περὶ τὴν ὑπόκρισιν9 El autor anoacutenimo de la Vida de Demoacutestenes cuenta una historia muy conocida en la Antiguumledad (cf Plu Dem 7 Cic Or 56 y De or III 213 Quint Inst or XI 36) descorazonado Demoacutestenes por su fracaso en una asamblea el actor Androacutenico le dijo que sus palabras estaban bien pero que le faltaba lo relativo a la ὑπόκρισις ([Plu] Mor 845a7-8 ὁ ὑποκριτὴς Ἀνδρόνικος εἰπὼν ὡς οἱ μὲν λόγοι καλῶς ἔχοιεν λείποι δ αὐτῷ τὰ τῆς ὑποκρίσεως) Para mostrar lo anterior el actor repitioacute el discurso pronunciado por el orador en la asamblea y al notar la diferencia Demoacutestenes siguioacute las lecciones de Androacutenico Ya reconocido como gran orador poliacutetico cuando alguien le preguntaba queacute era lo primero en la retoacuterica respondiacutea que la pronunciacioacuten queacute lo segundo la pronunciacioacuten y queacute lo tercero la pronunciacioacuten ([Plut] Mor 845b3-5 ὅθεν ἐρομένου αὐτόν ltτινοςgt τί πρῶτον ἐν ῥητορικῇ εἶπεν lsquoὑπόκρισιςrsquomiddot καὶ τί δεύτερον lsquoὑπόκρισιςrsquomiddotκαὶ τί τρίτον lsquoὑπόκρισιςrsquo)10 Cf Cic Or 56 si enim eloquentia nulla sine hac haec autem sine eloquentia tanta est certe plurimum in dicendo potest Cf tambieacuten Cic De or 213 Rh Her III 19 Pronuntiationem multi maxime utilem oratori dixerunt esse et ad persuadendum plurimum ualere 11 Cf Quint Inst or XI 32 habet autem res ipsa miram quandam in orationibus vim ac potestatem

- 102 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

discurso privada de ella12 En consecuencia podemos observar que la hypoacutekrisis actio o pronuntiatio fue considerada en la Antiguumledad claacutesica como el elemento maacutes importante de la retoacuterica o por lo menos como el punto culminante del discurso

IMPRECISIONES DEL TEacuteRMINO

Sin embargo el asunto es maacutes complejo de lo que parece sobre todo por las siguientes razones primero la hypoacutekrisis no es un teacutermino adecuado para la ejecucioacuten oratoria segundo la nocioacuten teniacutea una connotacioacuten negativa como elemento de la oratoria tercero esa palabra indica en su origen soacutelo una parte de lo que hoy entendemos por ejecucioacuten discursiva Sobre estos tres puntos me detendreacute brevemente

En primer lugar la terminologiacutea empleada en el aacutembito retoacuterico es imprecisa para el estudioso moderno En griego el teacutermino hypoacutekrisis13 se refi ere a una forma de hablar imitando 12 Cf Quint Inst or XI 35 Equidem vel mediocrem orationem commendatam viribus actionis adfi rmarim plus habituram esse momenti Quam optimam eadem illa destitutam 13 El sustantivo de accioacuten ὑπόκρισις y el sustantivo agente ὺποκριτής provienen del verbo en voz media ὑποκρίνομαι que podiacutea tener tres signifi cados (1) lsquoresponderrsquo verbalmente a o pronunciarse sobre alguna situacioacuten o asunto sin necesidad de que existiera una pregunta (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix notas 10 y 17) por ejemplo lsquointerpretarrsquo los suentildeos sentido que ya aparece en el verbo simple (cf el teacutermino onirokriacutetica aunque es de eacutepoca posterior) a partir del sentido originario lsquosepararrsquo o lsquo escogerrsquo y de ahiacute lsquodecidirrsquo lsquojuzgarrsquo (2) De manera especiacutefi ca lsquoresponder a una preguntarsquo (cf LSJ sv ὑποκρίνω) siendo en este caso equivalente en aacutetico a ἀποκρίνομαι (cf Gonzaacutelez 2013 notas 9 y 12 del Appendix) Designa la accioacuten de lsquoresponderrsquo por parte del inteacuterprete en los oraacuteculos y de ahiacute se pasa al sentido comuacuten de lsquoresponderrsquo (3) En aacutetico signifi ca lsquorecitarrsquo lsquodeclamarrsquo lsquotomar el papel de alguien en la escenarsquo o lsquosimularrsquo lsquofi ngirrsquo como veremos maacutes adelante Es en este tercer sentido que podriacutea haberse utilizado el sustantivo agente hypokritēs que ya existiacutea en el siglo VI antes de ser aplicado al actor traacutegico con los sentidos de lsquoejecutantersquo o lsquointeacuterpretersquo (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix nota 4) La idea de que el teacutermino hypokritēs se empleaba en el sentido de apokritēs (aacutetico) como el personaje que responde al coro resulta poco apropiada (emplear un teacutermino no aacutetico en una praacutectica aacutetica cuando existiacutea otro teacutermino apropiado para ello)

- 103 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o fi ngiendo ser una persona o como la defi ne el reacutetor Casio Longino ldquouna imitacioacuten de actitudes y pasionesrdquo siendo eacutesta una imitacioacuten expresiva que reproduce los supuestos modos de hablar de alguien14 Eso es lo que hacen los actores en el teatro claacutesico al hablar imitan actitudes y emociones fi ngen las caracteriacutesticas prosoacutedicas de un determinado personaje

Aristoacuteteles y maestros posteriores designaron con ese teacutermino teatral el ofi cio del orador relativo a la exposicioacuten discursiva aunque no era adecuado para designar la praacutectica de la ejecucioacuten oratoria pues mientras el fi ngir o imitar es algo apropiado y necesario en la obra dramaacutetica mdash que trata de fi cciones para divertir al puacuteblico y no de cuestiones de la vida ordinaria mdash es algo condenable en la oratoria que trata sobre asuntos reales sobre problemas sociales y poliacuteticos o sobre cuestiones judiciales La ejecucioacuten oratoria es muy diferente de la dramaacutetica simplemente porque aqueacutella no tiene como fi nalidad imitar actitudes y pasiones para purifi car el alma del oyente sino expresar con mayor claridad los argumentos adecuaacutendolos a los humores del auditorio y buscando modifi car o reforzar sus decisiones15 Quintiliano sentildealaba con eacutenfasis sobre el caraacutecter moderado de la actuacioacuten oratoria (Inst or XI 3183-

14 C Long Rh 56713 Ὑπόκρισίς ἐστι μίμησις τῶν κατ ἀλήθειαν ἑκάστῳ παρισταμένων ἠθῶν καὶ παθῶν καὶ διάθεσις σώματός τε καὶ τόνου φωνῆς πρόσφορος τοῖς ὑποκειμένοις πράγμασι ldquoLa hypoacutekrisis es una imitacioacuten de las actitudes y pasiones presentadas en cada caso de acuerdo con la verdad y una disposicioacuten tanto del cuerpo como de la entonacioacuten de la voz uacutetil para los asuntos de que se tratardquo15 En el aacutembito de la oratoria aacutetica el verbo ὑποκρίνομαι aparece soacutelo en Demoacutestenes con la connotacioacuten negativa de lsquoactuarrsquo como en 185 donde el escolio lo interpreta con el signifi cado de lsquohacer falsas acusacionesrsquo Cf escolio a Dem 18153 en Scholia Demosthenica Ed MR Dilts Leipzig Teubner vol 1 1983 ad loc (apud TLG) ὑποκρίνεται] ἀντὶ τοῦ ψευδῶς κατηγορεῖ ὑπόκρισις γάρ ἐστιν ἡ προσποίησις ἡ ἐκτὸς οὖσα τῆς ἀληθείας ldquoHypoacutekrisis] en vez de hacer acusaciones falsas En efecto hypoacutekrisis es la reclamacioacuten de que estaacute fuera de la verdadrdquo

- 104 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

184) Desgraciadamente los estudios modernos han resaltado sobre todo las semejanzas entre el teatro y la oratoria pero no las enormes diferencias que los apartan y los distinguen16

Los romanos por su parte al tener que traducir el teacutermino griego no encontraron una palabra correspondiente y recurrieron a dos teacuterminos que refl ejan ese ofi cium mejor que la palabra griega actio y pronuntiatio la primera referida al movimiento la segunda a la voz Quintiliano prefi ere utilizar esta uacuteltima (Inst or XI 34 etc) La actio puede entenderse como teacutermino juriacutedico (de agere) relacionada en este caso con la accioacuten judicial aunque se piensa maacutes bien que indica la forma en que se ejecuta o debe ejecutarse el discurso durante el proceso La actio en este sentido requiere de voz gesto movimiento y todo lo que el actor necesite para la emisioacuten exitosa del discurso forense No se trata del actor dramaacutetico De tal manera la terminologiacutea latina en este caso parece ser maacutes adecuada que la griega En espantildeol los dos teacuterminos latinos se han vertido como lsquoactuacioacutenrsquo y lsquopronunciacioacutenrsquo y en ingleacutes se prefi ere lsquoperformancersquo o lsquodeliveryrsquo

En segundo lugar en cuanto a las connotaciones negativas de hypoacutekrisis ya se ha hecho un sentildealamiento en relacioacuten con Demoacutestenes (cf nota 15) iquestPor queacute Aristoacuteteles prefi rioacute emplear el teacutermino teatral y no alguacuten otro como hermēneacuteia o diaacutethesis Parece contradictorio decir primero que la hypoacutekrisis tiene el mayor poder de persuasioacuten y quince liacuteneas despueacutes que se trata de ldquoun asunto vulgarrdquo17 o media paacutegina maacutes adelante afi rmar que la lexis y en consecuencia tambieacuten la hypoacutekrisis es una phantasiacutea18 Pero

16 Cf al respecto Fantham 2003 263 Frachet 2011-2012 126 afi rma ldquoSi de prime abord la fi gure de lrsquoacteur et celle de lrsquoorateur semblent se ressembler elles sont sensiblement diffeacuterentes Lrsquoacteur joue un rocircle doit srsquoapproprier un personnage quand lrsquoorateur joue son propre personnage et met sa persona en jeurdquo 17 Arist Rh 1403b35 δοκεῖ φορτικὸν εἶναι18 Arist Rh 1404a11 ἅπαντα φαντασία ταῦτ ἐστί

- 105 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

si se observa en su contexto podraacute decirse que ambas afi rmaciones son enteramente coherentes la hypoacutekrisis asiacute como la lexis19 son recursos de enorme poder de persuasioacuten como observa el fi loacutesofo que sucediacutea en la actividad discursiva en la vida poliacutetica de Atenas Sin embargo desde el punto de vista fi losoacutefi co considera que ambas praacutecticas son mecanismos vulgares u ordinarios porque su funcioacuten es mover las pasiones no mostrar la verdad Asimismo sentildeala que la lexis asiacute como tambieacuten la hypoacutekrisis son phantasiacuteai aunque no en el sentido de lsquopura ilusioacutenrsquo o lsquoaparienciarsquo sino en el puramente retoacuterico de representaciones que el orador produce en el destinatario afectando directamente las pasiones de eacuteste con el propoacutesito de persuadirlo20 De esta manera al emplear ese teacutermino teatral Aristoacuteteles resaltaba los aspectos negativos de la accioacuten oratoria es decir que el arte de fi ngir propio de un actor en el escenario se colocaba en un plano superior a las partes dignas de la oratoria como la demostracioacuten o el orden

Aquiacute podraacute observarse que en el aacutembito de la retoacuterica de la eacutepoca claacutesica el teacutermino es empleado soacutelo por Aristoacuteteles Los oradores no recurren a la palabra hypoacutekrisis (Demoacutestenes la emplea pocas veces) y tampoco los maestros de oratoria Por ejemplo Isoacutecrates y Alcidamante ambos maestros del discurso no utilizan ese teacutermino sino otros como rhētoreacuteia y hermēneacuteia El autor de la Retoacuterica a Alejandro no menciona el teacutermino Por si fuera poco el concepto tuvo escasa importancia en los autores griegos desde el punto de vista teoacuterico como una parte de la retoacuterica Walz registra soacutelo cuatro veces esa palabra en el iacutendice de los nueve voluacutemenes de su Rhetores graeci y un nuacutemero igual se encuentra en Spengel21

19 Cf Gonzaacutelez 2013 sect133 ldquoφορτικόν applies not only to ὑπόκρισις but to λέξις as a wholerdquo20 Cf Gonzaacutelez 2013 sect13621 Afi rma Edwards 2013 p 15 ldquothe surviving theoretical material is

- 106 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tampoco se elaboroacute una teoriacutea al respecto en el campo del drama durante la eacutepoca claacutesica22 por lo menos antes de Teofrasto a cuyo tratado ya nos hemos referido Podraacute sentildealarse al respecto que Aristoacuteteles en las cuatro liacuteneas sobre la voz no expone una teoriacutea que tenga que ver con causas o principios defi niciones y clasifi caciones sino una serie de praacutecticas transmitidas en el aacutembito teatral volumen tono y rapidez de la voz Pero en el caso del fi loacutesofo las razones de esta falta de sistematizacioacuten en la teoriacutea dramaacutetica son de otra naturaleza En efecto al principio del III libro de su Retoacuterica Aristoacuteteles observa que la hypoacutekrisis es un don de la naturaleza poco susceptible de reducirse a reglas Por tener esta naturaleza la teacutecnica respectiva se habiacutea desarrollado tarde inclusive en la tragedia y en la recitacioacuten eacutepica Sentildeala que eso se debiacutea a que en un principio fueron los propios poetas quienes representaban las tragedias (Arist Rh 1403b23-24)

De cualquier modo en el aacutembito de la retoacuterica el estudio de la ejecucioacuten no se habiacutea desarrollado Dos siglos y medio despueacutes el autor anoacutenimo de la Retoacuterica a Herenio afi rmaba tambieacuten ldquopuesto que nadie ha tratado sobre este asunto de manera detenida []rdquo23 lo que indica que las cosas no habiacutean cambiado mucho

Fueron los romanos quienes subsanaron ese vaciacuteo con los amplios desarrollos a los que ya nos hemos referido En eacutepoca posterior el estudio de la actuacioacuten como parte de la retoacuterica fue perdiendo importancia y soacutelo ocasionalmente se incluyoacute en su ensentildeanza dentro de esa disciplina Navarre 1900 pasa en

preponderantly Romano-centric [hellip] Nothing in the Rhetorica ad Alexandrum and only a few unsatisfactory chapters in Aristotlersquos Rhetoric (313-10) as well as a few other brief pointers such as a reference to speakers shouting at Rhetoric 375 Hellenistic treatises are lostrdquo22 En un principio no habiacutea actores profesionales y eran los propios tragedioacutegrafos (o poetas) quienes las representaban soacutelo cuando surgieron los actores se empezaron a establecer reglas Debe entenderse que en su primera fase los conocimientos eran de caraacutecter praacutectico la formacioacuten de una doctrina empieza con los maestros de teatro cuando se prepara a los actores23 Rh Her III 19 quia nemo de ea re diligenter scripsit

- 107 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

completo silencio ese aspecto en su Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Volkman le dedica soacutelo ocho paacuteginas de un total de 580 Mortara Garavelli 2003 menos de una paacutegina de su extenso libro De manera paradoacutejica las refl exiones sobre el cuerpo en el campo de la fi losofiacutea y otras disciplinas la han convertido en un importante toacutepico de nuestra eacutepoca24

En tercer lugar ademaacutes de que la nocioacuten de hypoacutekrisis es poco adecuada para la ejecucioacuten retoacuterica y del desintereacutes en su sistematizacioacuten en la Grecia claacutesica habraacute que observar que la hypoacutekrisis en el drama griego se reduce a lo auditivo y deja fuera lo visual En el teatro en efecto se utilizan maacutescaras elemento dramaacutetico riacutegido sin vida de modo que todo lo referente a la expresioacuten del rostro resulta innecesario por ello podriacuteamos suponer que la importancia de los movimientos de las manos y del cuerpo tambieacuten se reduce Los elementos prosoacutedicos tienen el predominio25

El ejemplo de la hypoacutekrisis en Demoacutestenes muestra que ese teacutermino se referiacutea soacutelo a la voz Seguacuten cuenta Plutarco en la vida del orador eacuteste desilusionado por sus fracasos en la tribuna confesoacute al actor Saacutetiro que los marineros ignorantes agradaban maacutes al pueblo que eacutel a pesar de los enormes esfuerzos que habiacutea puesto en su formacioacuten oratoria Saacutetiro entonces le mostroacute cuaacutel era la razoacuten de sus fracasos Le pidioacute que dijera de memoria alguacuten pasaje de Euriacutepides o Soacutefocles Para lsquodecir de memoriarsquo Plutarco emplea

24 Cf Fogen 2009 p 16 y notas25 Salvo pocas excepciones los estudiosos ndash a mi juicio ndash no han logrado entender cabalmente el asunto Por ejemplo la expresioacuten δοκεῖ φορτικὸν εἶναι se refi ere a la lexis pero se ha pensado que se ha de vincular soacutelo a la hypoacutekrisis Asimismo al referirse a la lexis el fi loacutesofo afi rma que se desarrolloacute tarde (1403b23) pero los estudiosos piensan que se refi ere a la hypoacutekrisis Se refi ere a ambas Cf Arist Rh 1404a19ndash22 ἤρξαντο μὲν οὖν κινῆσαι τὸ πρῶτον ὥσπερ πέφυκεν οἱ ποιηταίmiddot τὰ γὰρ ὀνόματα μιμήματα ἐστίν ὑπῆρξε δὲ καὶ ἡ φωνὴ πάντων μιμητικώτατον τῶν μορίων ἡμῖν ldquoen efecto los poetas fueron los primeros en poner en movimiento lo anterior puesto que las palabras son susceptibles de imitacioacuten y la voz en particular es la maacutes imitable de todas las partes nuestrasrdquo expresioacuten que para Gonzaacutelez (2013 sect132) es ldquothe cause of much dismay for some scholarsrdquo

- 108 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la expresioacuten εἰπεῖν ἀπὸ στόματος Una vez hecho esto el actor retomoacute el mismo pasaje y lo moduloacute y recitoacute con un tono y modo adecuados26 Plutarco emplea πλάσαι καὶ διεξελθεῖν para indicar lsquomodular y recorrerrsquo el pasaje de la tragedia Utiliza tambieacuten ἦθος y διάθεσις

para lsquotonorsquo y lsquomodorsquo de la voz Demoacutestenes quedoacute convencido de que la hypoacutekrisis otorga al discurso orden y gracia y consideroacute que la ensentildeanza es poca cosa y nada vale si no se da importancia a la pronunciacioacuten y el modo de las palabras27 Para estas uacuteltimas expresiones el bioacutegrafo emplea los teacuterminos προφορά y διάθεσις Prosigue Plutarco narrando que luego de esa demostracioacuten Demoacutestenes se dedicoacute con ahiacutenco y durante muchos diacuteas a modelar su diccioacuten y trabajar su voz28 Como podemos observar las referencias son exclusivamente a la voz en cambio los gestos y los movimientos no intervienen en absoluto

Aristoacuteteles parece refl ejar esa situacioacuten al limitar la hypoacutekrisis a la voz intensidad tonos y rapidez o lentitud Dice en efecto

Eacutesta radica en la voz coacutemo debe eacutesta ser usada para expresar cada pasioacuten ya sea fuerte ya baja o ya mediana y coacutemo los tonos (de la voz) es decir agudo grave y medio o circunfl ejo y algunos ritmos para cada cual En efecto tres son los temas que se deben observar que son volumen armoniacutea y ritmo de la voz29

26 Plut Dem 74 μεταλαβόντα τὸν Σάτυρον οὕτω πλάσαι καὶ διεξελθεῖν ἐν ἤθει πρέποντι καὶ διαθέσει τὴν αὐτὴν ῥῆσιν ὥστ εὐθὺς ὅλως ἑτέραν τῷ Δημοσθένει φανῆναι27 Plut Dem 75 πεισθέντα δ ὅσον ἐκ τῆς ὑποκρίσεως τῷ λόγῳ κόσμου καὶ χάριτος πρόσεστι μικρὸν ἡγήσασθαι καὶ τὸ μηδὲν εἶναι τὴν ἄσκησιν ἀμελοῦντι τῆς προφορᾶς καὶ διαθέσεως τῶν λεγομένων 28 Plut Dem 76 πλάττειν τὴν ὑπόκρισιν καὶ διαπονεῖν τὴν φωνήν29 Arist Rh 1403b27-31 ἔστιν δὲ αὕτη μὲν ἐν τῇ φωνῇ πῶς αὐτῇ δεῖ χρῆσθαι πρὸς ἕκαστον πάθος οἷον πότε μεγάλῃ καὶ πότε μικρᾷ καὶ μέσῃ καὶ πῶς τοῖς τόνοις οἷον ὀξείᾳ καὶ βαρείᾳ καὶ μέσῃ καὶ ῥυθμοῖς τίσι πρὸς ἕκαστα τρία γάρ ἐστιν περὶ ἃ σκοποῦσινmiddot ταῦτα δ ἐστὶ μέγεθος ἁρμονία ῥυθμός El rhytmoacutes indica la pronunciacioacuten de miembros de la frase con efectos riacutetmicos evitando por ejemplo que sea entrecortado y agitado (cf [Long] De subl 41)

- 109 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De tal manera la lexis o estilo se refi ere a la articulacioacuten artiacutestica de sonidos y palabras y se combina con la hypoacutekrisis o elemento prosoacutedico del lenguaje30 en la elaboracioacuten concreta del material del discurso frente a la generacioacuten y organizacioacuten abstracta o mental de ese material objeto de la invencioacuten y la disposicioacuten31 Debido a ello no es extrantildeo que Aristoacuteteles aborde la hypoacutekrisis en combinacioacuten o correspondencia con el tratamiento de la lexis debido a que son procesos afi nes32 Esta labor concomitante crea una aparente irregularidad que ha provocado malos entendidos entre los estudiosos

EL CARAacuteCTER TRANSVERSAL DE LA HYPOacuteKRISIS

Luego de subrayar algunos aspectos de la hypoacutekrisis que reducen su materia a los elementos prosoacutedicos es necesario observar que ese elemento expresivo tiene un campo de accioacuten que rebasa ampliamente la praacutectica oratoria debido al caraacutecter transversal

30 Luego de estudiar de modo minucioso la relacioacuten entre lexis e hypoacutekrisis Gonzaacutelez 2013 concluye que ldquoIt is impossible therefore to divorce the philosopherrsquos notions of λέξις and ὑπόκρισιςrdquo Me cuesta trabajo sin embargo aceptar su hipoacutetesis de que los tres elementos a los que se refi ere Aristoacuteteles en Rh 1403b18-22 pisteis lexis e hypoacutekrisis deberiacutean reducirse a dos las pisteis y la lexis dividieacutendose este segundo elemento en dos partes la lexis propiamente dicha y la hypoacutekrisis (Gonzaacutelez 2013 sect132 con nota 17) A mi juicio son procesos diferentes estando la lexis orientada hacia la electio y compositio del material linguumliacutestico y la segunda reducida a los fenoacutemenos prosoacutedicos que no estaacuten en la lengua o sistema pues son ldquosuprasegmentalesrdquo (cf Figueiredo 2017) sino en el habla y referidos a las propiedades de la boca y demaacutes elementos fiacutesicos que producen volumen armoniacutea ritmo velocidad pausas y otros fenoacutemenos31 Cf las interesantes observaciones de Baldwin al respecto (1959 21-24)32 Cf Baldwin 1959 174 ldquothe visual values of representation were indeed realized in gesture and pose though less in scenery and spectacle they were realized as never perhaps since in group movements but the auditory values the sounding line the phrase harmony of the chant always enhanced representation by strong rhythmical suggestionrdquo siendo los valores auditivos los elementos originales de la hypoacutekrisis

- 110 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que Aristoacuteteles logra observar Para ello podraacute empezarse con el siguiente pasaje del fi loacutesofo en su Retoacuterica (1403b24-26)

δῆλον οὖν ὅτι καὶ περὶ τὴν ῥητορικήν ἐστι τὸ τοιοῦτον ὥσπερ καὶ περὶ τὴν ποιητικήν ὅπερ ἕτεροί ltτέgt τινες ἐπραγματεύθησαν καὶ Γλαύκων ὁ ΤήιοςEs evidente que tal asunto [la hypoacutekrisis] tiene que ver con la retoacuterica tanto como con la poeacutetica de lo que algunos han tratado ademaacutes de Glaucoacuten de Teos

Independientemente de la identidad de este Glaucoacuten de Teos33 el pasaje aristoteacutelico mostrariacutea la transversalidad de la hypoacutekrisis Otro pasaje atinente a esta caracteriacutestica se encuentra en un pasaje al fi nal de la Poeacutetica donde el mismo fi loacutesofo trata de responder a la pregunta de cuaacutel imitacioacuten es mejor la eacutepica o la traacutegica Asiacute la primera tiene destinatarios honestos y la segunda ordinarios o vulgares de manera que aqueacutellos no necesitan de variaciones en las formas ya sea de la expresioacuten o de los movimientos del cuerpo Por eso la eacutepica es mejor En seguida hace algunas acotaciones (Po 22 1462a5-9)

πρῶτον μὲν οὐ τῆς ποιητικῆς ἡ κατηγορία ἀλλὰ τῆς ὑποκριτικῆς ἐπεὶ ἔστι περιεργάζεσθαι τοῖς σημείοις καὶ ῥαψῳδοῦντα [hellip] καὶ διᾴδοντα [] εἶτα οὐδὲ κίνησις ἅπασα ἀποδοκιμαστέα εἴπερ μηδrsquo ὄρχησις ἀλλrsquo ἡ φαύλωνEn primer lugar la acusacioacuten no es contra el arte poeacutetica sino contra el arte hypokriacutetikē puesto que

33 Glaucoacuten de Teos que se acostumbra identifi car con Glaucos de Regio (cf el comentario de Racionero al pasaje en comento) quien habriacutea escrito una obra intitulada Acerca de los poetas y muacutesicos de la Antiguumledad el primer tratado de criacutetica literaria conocido Por lo menos en esta obra el intereacutes no se orienta a la retoacuterica sino a la eacutepica y a la tragedia uno de cuyos temas de estudio seriacutea la rhapsōdiacutea y la hypoacutekrisis respectivamente Pero la identifi cacioacuten no es segura

- 111 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

son el rapsōdos y el cantor quienes exageran con los signos [hellip] En segundo no todo movimiento del cuerpo es reprobable y tampoco la danza sino aquella que es vulgar

Ademaacutes de la distincioacuten patente entre las artes de naturaleza vocal y las de naturaleza kineacutesica como el arte de la danza (orkhēstikē ὀρχηστική) el texto muestra que la hypokriacutetikē abarca la rapsodia y el canto

Sobre este asunto trata otro pasaje de la Retoacuterica (Rh 1404a12-15)

ἐκείνη μὲν οὖν ὅταν ἔλθῃ ταὐτὸ ποιήσει τῇ ὑποκριτικῇ ἐγκεχειρήκασι δὲ ἐπrsquo ὀλίγον περὶ αὐτῆς εἰπεῖν τινες οἷον Θρασύμαχος ἐν τοῖς ἘλέοιςAhora bien cuando eacutesta [el estudio de la lexis] llegue tendraacute la misma funcioacuten que el arte hipocriacutetica acerca de la cual algunos han ya empezado a tratar aunque en poca medida como Trasiacutemaco en su Consolaciones

Aristoacuteteles estaacute previendo la emergencia de dos nuevas artes paralelas del discurso una relativa a la lexis y otra a la pronunciacioacuten llamada hypokritikē la cual se encuentra en sus inicios con las Consolaciones de Trasiacutemaco obra que contendriacutea cierto tipo de recursos verbales propios de ese geacutenero de obras y que tambieacuten ldquohabiacutea llegado tarde a la ejecucioacuten traacutegica y rapsoacutedica pues en un principio eran los poetas quienes pronunciaban sus tragediasrdquo34 En relacioacuten con lo anterior el pasaje 1403b27-28 de la Retoacuterica ofrece una breve pero signifi cativa presentacioacuten de la hypoacutekrisis y en los capiacutetulos 2-12 desarrolla una teoriacutea de la lexis vinculada en parte a la hypoacutekrisis

34 Arist Rh 1403b23-24 καὶ γὰρ εἰς τὴν τραγικὴν καὶ ῥαψῳδίαν ὀψὲ παρῆλθενmiddot ὑπεκρίνοντο γὰρ αὐτοὶ τὰς τραγῳδίας οἱ ποιηταὶ τὸ πρῶτον

- 112 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tambieacuten en la Poeacutetica Aristoacuteteles trata de la lexis (capiacutetulos 19 y 20) y reenviacutea a un arte llamado hypokriacutetikē de la siguiente manera (Po 19 1456b8-14)

τῶν δὲ περὶ τὴν λέξιν ἓν μέν ἐστιν εἶδος θεωρίας τὰ σχήματα τῆς λέξεως ἅ ἐστιν εἰδέναι τῆς ὑποκριτικῆς καὶ τοῦ τὴν τοιαύτην ἔχοντος ἀρχιτεκτονικήν οἷον τί ἐντολὴ καὶ τί εὐχὴ καὶ διήγησις καὶ ἀπειλὴ καὶ ἐρώτησις καὶ ἀπόκρισις καὶ εἴ τι ἄλλο τοιοῦτονDe los temas relativos al estilo una forma de estudio son los modos de la expresioacuten [oral] cuyo conocimiento es propio de la hypokritikē y de quien domine un conocimiento arquitectoacutenico como eacutese por ejemplo queacute es orden queacute plegaria queacute narracioacuten queacute amenaza queacute pregunta queacute respuesta y queacute es otra forma si la hay

Protaacutegoras y Alcidamante ya habiacutean hecho una divisioacuten semejante de estos modos de expresioacuten que ellos llamaron ldquobases del discursordquo35

Asiacute la hypokriacutetikē (ὑποκριτική) es el arte o teacutecnica (θεώρημα) de la pronunciacioacuten o diccioacuten de la voz que estudia los elementos prosoacutedicos que permiten distinguir los diversos modos de expresioacuten No seriacutea un arte propia de la retoacuterica ni de la poeacutetica sino que se extenderiacutea a las diversas artes discursivas como la narracioacuten rapsoacutedica (rhapsōdiacutea ῥαψῳδία) la pronunciacioacuten teatral (hypoacutekrisis ὑπόκρισις) basada en el diaacutelogo (preguntas y

35 DL 953-4 διεῖλέ τε τὸν λόγον πρῶτος εἰς τέτταραmiddot εὐχωλήν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν (οἱ δὲ εἰς ἑπτάmiddot διήγησιν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν ἀπαγγελίαν εὐχωλήν κλῆσιν) οὓς καὶ πυθμένας εἶπε λόγων Ἀλκιδάμας δὲ τέτταρας λόγους φησίmiddot φάσιν ἀπόφασιν ἐρώτησιν προσαγόρευσιν ldquoFue el primero que dividioacute el discurso en cuatro clases deseo pregunta respuesta y orden (seguacuten otros en siete narracioacuten pregunta respuesta orden exposicioacuten plegaria e invocacioacuten) a las que tambieacuten llamoacute bases de discursos Alcidamante dice que son cuatro los discursos afi rmacioacuten negacioacuten interrogacioacuten alocucioacutenrdquo

- 113 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

respuestas) y la oratoria (hermēneacuteia ἑρμηνείᾳ)36 ademaacutes de otras ejecuciones orales37

Una vez defi nida la teacutekhnē hypokritikē y deslindado su campo habriacutea que proceder a caracterizar la tipologiacutea de las tres artes enunciativas particulares en la eacutepoca claacutesica Si se atiende al tercer criterio establecido por Aristoacuteteles en su Poeacutetica (3 1448a19-23) relativo al modo de la imitacioacuten se tendriacutean tres especies de pronunciacioacuten emotiva el narrador imita poniendo la voz en los personajes (rapsoacutedica) el sujeto narrador imita directamente por siacute mismo (la retoacuterica) y el poeta presenta a los personajes actuando (dramaacutetica) En cuanto a su funcioacuten ahora bien para la hermēneacuteia oratoria es la persuasioacuten para la traacutegica la purifi cacioacuten (katharsis) de las pasiones y para la rapsoacutedica la transmisioacuten y conservacioacuten del pasado eacutepico

36 Para Alcidamante la pronunciacioacuten oratoria (que llama hermēneacuteia) es diferente de la del teatro y la eacutepica Cf Alcid 14  ἀνάγκη δ ἐστίν ὅταν τις τὰ μὲν αὐτοσχεδιάζῃ τὰ δὲ τυποῖ τὸν λόγον ἀνόμοιον ὄντα ψόγον τῷ λέγοντι παρασκευάζειν καὶ τὰ μὲν ὑποκρίσει καὶ ῥαψῳδίᾳ παραπλήσια δοκεῖν εἶναι τὰ δὲ ταπεινὰ καὶ φαῦλα φαίνεσθαι παρὰ τὴν ἐκείνων ἀκρίβειαν ldquoes preciso que cuando uno improvisa unas partes y otras las escribe se repruebe al orador por ser el discurso desigual y que aqueacutellas parezcan ser cercanas a la pronunciacioacuten teatral y eacutepica y eacutestas en cambio se muestren pobres y sin valor frente al cuidado de aquellasrdquo37 Es necesario deslindar la ejecucioacuten retoacuterica (hermēneia o hermēneutikē) de la hypoacutekrisis teatral de la rhapsōdiacutea eacutepica muy difundida en eacutepoca claacutesica y de las ejecuciones de la poesiacutea liacuterica ya sea en las festividades populares en las ceremonias religiosas o en las reuniones simposiales Existen numerosos testimonios literarios de la Grecia antigua que ponen de manifi esto extraordinarias capacidades de actuacioacuten y declamacioacuten en los maacutes diversos aacutembitos de las praacutecticas culturales de los griegos y por otro lado se puede arguumlir que estas capacidades fueron objeto de la ensentildeanza El caso de los rapsodas declamadores profesionales formados en las antiguas academias de recitacioacuten es uno de los maacutes conocidos y la rapsōdiacutea fue el primer teacutermino utilizado para indicar la ensentildeanza de la recitacioacuten eacutepica En torno de los rapsodas existiacutea organizaciones sometidas a intereses de peso poliacutetico y social Por tanto es equivocado e inoperante emplear el teacutermino hypoacutekrisis para todo tipo de ejecuciones Del mismo modo las diferencias entre los geacuteneros oratorios impiden generalizar las nociones al respecto Una ejecucioacuten se requeriacutea para el tribunal otra para la tribuna puacuteblica y otra muy diferente para el discurso demostrativo

- 114 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Se conocen algunos procedimientos de la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral (hē hypokritikē) En primer lugar su regla maacutes importante seriacutea la siguiente a mayor precisioacuten del lenguaje menos hypoacutekrisis La expresioacuten escrita es maacutes precisa la oral menos Para que la expresioacuten escrita cumpla su funcioacuten basta con que esteacute elaborada de manera correcta y precisa En cambio la oral requiere de mayor hypoacutekrisis esto es de un mayor control voluntario de la modulacioacuten de la voz intensidad tono y duracioacuten con la fi nalidad de afectar al destinatario38

Por otra parte como los geacuteneros deliberativo y judicial son fundamentalmente orales requieren de mayor hypoacutekrisis (Rh 1413b3-9) Pero entre ambos hay una gran diferencia pues a mayor nuacutemero de oyentes menor precisioacuten (Arist Rh 1414a16) De alliacute se desprende otra regla que es la siguiente a mayor nuacutemero de oyentes maacutes hypoacutekrisis sobre todo en cuanto a la fuerza de la voz Asiacute en la asamblea es maacutes necesaria que en el tribunal Ademaacutes entre menor sea el nuacutemero de jueces seraacute menos necesaria Ante un solo juez no tendriacutea necesidad de hypoacutekrisis pero siacute de precisioacuten

Es posible incluso describir los elementos o eidē de la hypokritikē en dos oacuterdenes uno es el de las cualidades prosoacutedicas y otro los modos de expresioacuten Como ya hemos visto en el pasaje de Aristoacuteteles (Rh 1403b27-31) se aborda las infl exiones de la voz volumen armoniacutea o tono y ritmo o duracioacuten Pertenecen a este arte de la pronunciacioacuten emocional (frente al texto escrito) el estilo suelto que se caracteriza por la falta de conjunciones y

38 Cf Alcid 13 οἱ γὰρ εἰς τὰ δικαστήρια τοὺς λόγους γράφοντες φεύγουσι τὰς ἀκριβείας καὶ μιμοῦνται τὰς τῶν αὐτοσχεδιαζόντων ἑρμηνείας καὶ τότε κάλλιστα γράφειν δοκοῦσιν ὅταν ἥκιστα γεγραμμένοις ὁμοίους πορίσωνται λόγους ldquoquienes escriben discursos para los tribunales huyen de la precisioacuten e imitan las expresiones de quienes improvisan y parecen escribir textos bien elaborados cuando preparan discursos que son lo menos semejantes a los discursos escritosrdquo

- 115 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

por repeticiones anafoacutericas de lo cual Aristoacuteteles ofrece algunos ejemplos enriquecidos con las observaciones de Demetrio en su Acerca del estilo39 Otros son los llamados skhēmata lexeōs o ldquomodos de expresioacutenrdquo (Po 191456b8-14) orden plegaria pregunta narracioacuten amenaza respuesta que aparecen tambieacuten de manera diferente en Protaacutegoras y Alcidamante Estos modos deberiacutean tener su propio tono de voz intensidad y ritmo Por ejemplo una orden requiere de una mayor intensidad de la voz etc

Pareceriacutea entonces que en torno a la modulacioacuten oral expresiva estrechamente vinculada con el estilo sus elementos fueran susceptibles de estructurarse en niveles que abarca los fonemas y las palabras los fenoacutemenos sintaacutecticos (por la falta de conjunciones y a la repeticioacuten anafoacuterica) y los modos discursivos

De tal modo a semejanza de la memoria la actuacioacuten retoacuterica (voz y movimiento) no habriacutea sido en su origen una de las partes de la retoacuterica sino un conocimiento generalizado y una praacutectica muy difundida en todas las expresiones orales desde la eacutepoca homeacuterica Por ello podemos decir que la ejecucioacuten o performance retoacuterica en la Grecia claacutesica fue una praacutectica cultural que integraba en primer lugar la hypoacutekrisis o modulacioacuten oral correspondiente a la pronuntiatio y en segundo los elementos performativos que teniacutean que ver con la vista la gestualidad facial (en particular los ojos) los movimientos de las manos (la kheironomiacutea) y las posturas del cuerpo (gimnastikē) Las diferentes actividades discursivas del ser humano habriacutean desarrollado esas praacutecticas en el campo de

39 Dem Sobre el estilo 193-195 Sentildeala que el estilo suelto o sin conjunciones es propio del estilo ἐναγώνιος es decir propio del debate mientras que el escrito es maacutes propio de la lectura pues estaacute compacto y asegurado con conjunciones

- 116 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la recitacioacuten eacutepica el teatro ateniense la oratoria40 que fueron adecuaacutendose a las circunstancias en el tiempo y el espacio41

A fi nales del siglo V se empezaron a sistematizar varias artes de la pronunciacioacuten en primer lugar la del arte eacutepico o rhapsōdiacutea del dramaacutetico o hypoacutekrisis y del oratorio o hermeneacuteia las cuales junto con otras se pueden agrupar en una teoriacutea general de la pronunciacioacuten o hipocriacutetica (hypokritikē) cuyos fundamentos y elementos ha sido posible delinear en este espacio La hipocriacutetica se refi ere al estudio de la voz de modo que abarca soacutelo una parte de numerosos procedimientos que se utilizaban en las praacutecticas discursivas de la Grecia antigua que incluiacutean ademaacutes de la voz los gestos del rostro los ademanes los movimientos del cuerpo e incluso el vestuario que en la retoacuterica de los siglos V y IV teniacutean una funcioacuten importante para la produccioacuten de emociones con el fi n de persuadir como lo sentildeala el propio Aristoacuteteles42 Aunque en el campo de la retoacuterica estos aspectos ya habiacutean sido observados por el fi loacutesofo alcanzaron su plena sistematizacioacuten praacutectica en la retoacuterica latina de la eacutepoca de Ciceroacuten y Quintiliano vinculaacutendoseles a todos ellos bajo el nombre de actio o pronuntiatio

40 La ejecucioacuten fue un elemento de primera importancia desde el punto de vista praacutectico no porque sea un don natural sino porque los elementos de los que consta son susceptibles maacutes de la observacioacuten de la imitacioacuten y de la ensentildeanza praacutectica maacutes que de la descripcioacuten teoacuterica41 Ademaacutes de distinguir entre la ejecucioacuten en diferentes geacuteneros literarios y especies discursivas es necesario considerar tambieacuten la evolucioacuten de las praacutecticas discursivas al adaptarse a las cambiantes condiciones de circulacioacuten En el aacutegora griega y el foro romano la ejecucioacuten no podiacutea ser la misma Un juez o algunos jueces requieren de una ejecucioacuten diferente de la que se da en un jurado de cientos de personas que desconocen en principio el asunto que se las va a presentar De la misma manera el siglo VI presentaba condiciones muy diferentes a las de los siglos V y IV a C La ejecucioacuten estaba sometida a una constante originalidad42 Arist Rh 1386ordf33-35 ἀνάγκη τοὺς συναπεργαζομένους σχήμασι καὶ φωναῖς καὶ ἐσθῆσι καὶ ὅλως ὑποκρίσει ἐλεεινοτέρους εἶναι (ἐγγὺς γὰρ ποιοῦσι φαίνεσθαι τὸ κακόν πρὸ ὀμμάτων ποιοῦντες []) ldquoes necesario que quienes elaboran su discurso con la ayuda de posturas voces y vestidos en todo con modulacioacuten oral parecen maacutes dignos de compasioacuten (pues hacen que el mal aparezca cerca ponieacutendolo ante los ojos [])

- 117 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Es necesario auacuten profundizar en los fundamentos y los elementos de la hipocriacutetica y sobre todo en su ensentildeanza y su aplicacioacuten praacutectica estrechamente vinculados a los fenoacutemenos prosoacutedicos actualmente estudiados por Maria Flaacutevia Figueiredo de la Universidad de Franca Satildeo Paolo Brasil (Figueiredo 2017 etc)

BIBLIOGRAFIacuteA

Fuentes y obras de consulta

ALCIDAMANTE Orazioni e frammenti Testo introduzione traduzione e note a cura de G Avezzugrave Roma ldquoLrsquoErmardquo de Bretschneider 1982

ARISTOacuteTELES Retoacuterica 4a ed bilinguumle griego-espantildeol Traduccioacuten proacutelogo y notas de Antonio Tovar Madrid Centro de Estudios Constitucionales 1990

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Quintiacuten Racionero Madrid Gredos 1999

HERMAGORAE Temnitae testimonia et fragmenta Collegit D Matthes Leipzig Teubner 1962

ISOCRATE Discours vol I texte eacutetabli et traduit par G Mathieu and Eacute Breacutemond Paris Les Belles Lettres 19724

ISOCRATE Orazioni Panegirico Areopagitico Sulla pace Filippo Panatenaico introduzione traduzione e note di Ch Ghirga e Roberta Romussi testo greco a fronte Milano Rizzoli 2001

SPENGEL L Rhetores Graeci 3 vols 2a ed del vol I 2 por C Hammer Leipzig Teubner 1853-1856 1853 (I) 1854 (II) 1856 (III)

WALZ C Rhetores Graeci 9 vols Stuttgart-Tubinga Cotta 1832-1836 1932 (I) 1833 (IV V VII pars 1) 1934 (III VI VII pars 2 VIII) VI) 1835 (II) 1936 (IX)

- 118 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BALDWIN Ch S Ancient Rhetoric and Poetic Interpretated from Representative Works 3 vols NY Macmillan 1924 || Reimpr Gloucester (Mass) Peter Schmith 1959

EDWARDS M ldquoHypokritēs in Action Delivery in Greek Rhetoricrdquo Christos Kremmydas Jonathan Powell Lene Rubinstein Profession and Performance Aspects of oratory in the Greco-Roman world School of Advanced Study University of London Institute of Classical Studies 2013 15-25

FANTHAM E ldquoRhetor andet actorrdquo Greek and Roman Actors Aspects of an Ancient Profession edited by Pat Easterling Edith Hall Camridge Cambridge University Press 2002 362-376

FIGUEIREDO M F y A R Radi ldquoNuances do dizer efeitos retoacutericos da prosoacutediardquo en L A Ferreira (Org) Artimanhas do dizer retoacuterica oratoacuteria e eloquecircncia Satildeo Paulo Blucher 2017 125-138

FRACHET Ceacutecile ldquoLrsquoactiorsquo oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctorrsquo de la rsquoRheacutetorique agrave Herenniusrsquo Ciceacuteron et Quintilienrdquo Litteacuteratures 2012 ltdumas-00705366gt

FORTENBAUGH William et al (eds) Th eophrastus of Eresus Sources for His Life Writings Th ought and Infl uence Parts 1-2 2nd Ed Leiden-New York-Koumlln Brill 1992

FRACHET Ceacutecile Lrsquoactio oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctor de la Rheacutetorique agrave Herennius Ciceacuteron et Quintilien Meacutemoire de Master Speacutecialiteacute Litteacuteratures ndash Parcours PLC Lettres classiques Sous la direction de Madame Sophie Aubert‐Baillot Universiteacute Stendhal (Grenoble3) UFR LLASIC ndash Langage Lettres et Arts du spectacle Information et Communication Anneacutee universitaire 2011‐2012

GONZAacuteLEZ Joseacute M Th e Epic Rhapsode and His Craft Homeric Performance in a Diachronic Perspective Hellenic Studies Series 47 Washington DC Center for Hellenic Studies 2013 httpnrsharvardeduurn-3hulebookCHS_GonzalezJTh e_Epic_Rhapsode_and_his_Craft2013

HILDER Jennifer ldquoTh e Politics of Pronuntiatio Th e Rhetorica ad Herennium and Delivery in the First Century bcrdquo en Gray Christa et

- 119 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

al Reading Republican Oratory Reconstructions Contexts Receptions Oxford Oxford University Press 2018

MORTARA GARAVELLI B Manuale di retorica Milano Bompiani 2003

NAVARRE O Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Paris 1900

VALLOZZA M ldquoLa testimonianza di Atanasio sul Περὶ ὑποκρίσεως di Teofrasto (177 3-8 Rabe = 712 FHSampG)rdquo Papers on Rhetoric III (edited by Lucia Calboli Montefusco) (2000) 271-281

VOLKMANN R Die Rhetorik der Griechen und Roumlmer in systematischer Oumlbersicht dargestellt Leipzig Teubner 18852

- 120 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 121 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel

INTRODUCcedilAtildeO

Discorrer sobre Bakhtin seus textos como eacute possiacutevel interpretaacute-los parece ser sempre um desafi o devido a vaacuterias questotildees Uma sempre lembrada eacute a ainda controversa questatildeo da autoria de textos que ora se reputam a Bakhtin ora se admitem como produtos da pena de Voloacutechinov ou Medvieacutedev Outro ponto delicado satildeo as traduccedilotildees que embasaram as discussotildees em solo brasileiro por longo tempo Se hoje felizmente conta-se no Brasil como boas traduccedilotildees de parte consideraacutevel da produccedilatildeo do assim chamado Ciacuterculo de Bakhtin eacute necessaacuterio reconhecer que traduccedilotildees nem sempre tatildeo adequadas resultaram em problemas na interpretaccedilatildeo da jaacute de per si nada faacutecil obra do Ciacuterculo

E eacute exatamente essa interpretaccedilatildeo que se quer focalizar nesse introito A questatildeo do corpo nos escritos de Bakhtin (leia-se doravante de seu Ciacuterculo) eacute surpreendente e complexa sendo considerada de perspectivas ricamente diacutespares ainda que natildeo absolutamente divergentes em diferentes obras

Em ldquoA cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelaisrdquo (20131965) por exemplo Bakhtin versaraacute sobre as representaccedilotildees do corpo ldquogrotescordquo assinalando como fi zera a respeito de outros pontos da esteacutetica rabelaisiana a ambiguidade constitutiva dessa representaccedilatildeo que natildeo deve ser tomada como simples exagero depreciador

A AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO

VESTIBULAR UNICAMP

- 122 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Outra perspectiva de contemplaccedilatildeo do corpo estaacute presente no admiraacutevel ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que Bakhtin aborda a questatildeo ponderando a respeito da imagem exterior e interior dos homens na vida real e das personagens no mundo fi ccional a fi m de entender a posiccedilatildeo excedente do homem ou autor em relaccedilatildeo ao outro outrem ou personagem

Concepccedilatildeo bastante similar a respeito do corpo eacute expressa nas paacuteginas de ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111929) embora nessa obra Bakhtin se atenha sobretudo agrave autoconsciecircncia como centro organizador da vivecircncia do homem tanto psicologicamente como de seu (corpo) exterior

Assim haacute se natildeo vaacuterios pelo menos alguns modos de entender o corpo nos escritos do Ciacuterculo Por isso rememorando o que se disse no iniacutecio deste preacircmbulo sendo tantas as discussotildees e intepretaccedilotildees possiacuteveis eacute importante destacar por quais caminhos se buscaraacute entender o corpo a voz e a linguagem neste capiacutetulo em especiacutefi co

Esclarece-se entatildeo de antematildeo que se buscaraacute analisar especialmente a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo Em algum sentido seraacute uma quase negaccedilatildeo da importacircncia do corpo fiacutesico pautando-se a exposiccedilatildeo pelas ideias bakhtinianas a respeito do corpo como resultado da autoconsciecircncia Frise-se eacute apenas umas das interpretaccedilotildees possiacuteveis

AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO ORGANIZA-DOR DA VIDA E DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP

Em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo Bakhtin (2003 [192-] p 46 grifo do autor) observa

- 123 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De fato mal a pessoa comeccedila a vivenciar a si mesma de dentro depara imediatamente com atos de reconhecimento e de amor de pessoas iacutentimas da matildee que partem de fora ao encontro dela dos laacutebios da matildee e de pessoas iacutentimas a crianccedila recebe todas as defi niccedilotildees de si mesma Dos laacutebios delas no tom volitivo-emocional do seu amor a crianccedila ouve e comeccedila a reconhecer o seu nome a denominaccedilatildeo de todos os elementos relacionados ao seu corpo e agraves vivecircncias e estados interiores satildeo palavras de pessoas que ama as primeiras palavras sobre ela as mais autorizadas que pela primeira vez lhe determinam de fora a personalidade e vatildeo ao encontro da sua proacutepria e obscura auto-sensaccedilatildeo interior dando-lhe forma e nome em que pela primeira vez ela toma consciecircncia de si e se localiza como algo

O modo como cada indiviacuteduo sentiraacute e reconheceraacute seu proacuteprio corpo eacute dado pela primeira vez pela palavra do outro Eacute do outro que deriva a percepccedilatildeo a denominaccedilatildeo e a valoraccedilatildeo das partes do corpo Natildeo se trata de um reconhecimento faacutetico fi sioloacutegico fiacutesico externo Natildeo eacute o tocar o proacuteprio corpo que cria para o sujeito a dimensatildeo de sua realidade corpoacuterea esta eacute construiacuteda pela palavra do outro

Ressalte-se que a palavra do outro para fornecer pela primeira vez a ideia do corpo exterior precisa adentrar a autoconsciecircncia do indiviacuteduo ali destacando para o ldquoeurdquo a sua proacutepria condiccedilatildeo fiacutesica nomeando e valorando seu corpo estabelecendo pela primeira vez sua corporeidade exterior O corpo exterior eacute organizado pela autoconsciecircncia prenhe das palavras alheias

A relevacircncia da autoconsciecircncia tambeacutem seraacute explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreende um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia

- 124 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Na autoconsciecircncia se desenvolve o diaacutelogo interior repleto de vozes alheias com as quais o sujeito dialoga e em meio as quais ele mesmo se organiza inclusive em termos da percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo

Por isso segundo Bakhtin (20111963) a questatildeo do corpo externo das personagens seraacute pouco explorada nas obras dostoievskianas cujo centro de interesse seratildeo os diaacutelogos por meio dos quais se constituem as autoconsciecircncias das personagens

Especialmente nos romances classifi cados por Bakhtin como polifocircnicos o centro da representaccedilatildeo literaacuteria eacute a autoconsciecircncia inacabada e inacabaacutevel da personagem Inacabada pois nem autor narrador ou qualquer outra personagem estaacute autorizada a dar a palavra fi nal sobre o outro ndash inclusive sobre o corpo do outro Inacabaacutevel pois a personagem natildeo consegue se distanciar de si para atraveacutes de um olhar externo se autoconferir um acabamento de seu interior e de seu (corpo) exterior

Conforme assinala Tezza (2003 p 182) ldquoNa obra polifocircnica os heroacuteis natildeo se defi nem pela biografi a nem se determinam pelo seu passado natildeo podem nem mesmo ser defi nidos por suas caracteriacutesticas fiacutesicas pelo olhar de fora []rdquo

A vida das personagens dostoievskianas gravita ao redor de suas autoconsciecircncias alimentadas pelos inuacutemeros diaacutelogos que travam com outros e consigo mesmas Eacute por esse vieacutes que podem vir a se interessar pelo proacuteprio corpo caso o outro lhes aguce o olhar O corpo soacute aparece como centro de interesse para a personagem caso algueacutem lhe incite a isso caso algueacutem lhe faccedila se deter a contemplar sua proacutepria realidade corporal Acontecimento de todo modo raro na obra dostoievskiana

- 125 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Para prosseguir nessa questatildeo cabe perguntar se assim eacute na sofi sticada prosa dostoeivskiana como seria em outros gecircneros discursivos em outros autores Buscando responder a essas questotildees passa-se agrave anaacutelise de duas redaccedilotildees escritas no contexto do vestibular Unicamp e eleitas pela Comissatildeo Permanente do Vestibular Unicamp (Comvest) entre as melhores dos anos em que foram elaboradas

REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP AUTOCONS-CIEcircNCIA E CORPO

Em ldquoOs gecircneros do discursordquo (2003 [1952-1953]) mas tambeacutem em outros textos como ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo e ldquoO discurso no romancerdquo (2015 [1930-1936] entre outros Bakhtin sublinha a importacircncia de comparar os fenocircmenos linguiacutesticos em diferentes gecircneros discursivos dado que em cada um eacute possiacutevel ser distinto o emprego da linguagem verbal

Por isso se eacute fundamental a questatildeo da autoconsciecircncia como centro da vida e portanto do corpo nos romances polifonocircnicos de Dostoieacutevski pretende-se divisar como essa questatildeo aparece em outros gecircneros Para a realizaccedilatildeo dessa anaacutelise elege-se no escopo deste capiacutetulo textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo ndash conforme denominaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo proposta por Cocircrrea (2010)

Para dar iniacutecio agrave discussatildeo transcreve-se a proposta do Vestibular Unicamp 2000 para o Tema B narraccedilatildeo (COMVEST 2000 p 113-114)

- 126 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A seguir transcreve-se uma redaccedilatildeo (COMVEST 2000 p 132-137)1 que atendeu a essa proposta

1 A autora do texto eacute a vestibulanda Gabriela Abreu Guedes Natildeo se omite o nome da candidata pois eacute puacuteblica a autoria das redaccedilotildees que compotildeem as coletacircneas de redaccedilotildees organizadas pela Comvest Aleacutem disso eacute meritoacuteria a referecircncia a candidatos cujos textos se destacam no conjunto dos milhares que a cada ano satildeo avaliados pela Comvest

TEMA B

No dia 5 de outubro de 1999 terccedila-feira o jornal Correio Popular de Campinas SP publicou a seguinte manchete de primeira paacutegina acompanhada de breve texto

100 mil fi cam sem aacutegua em Sumareacute

Um crime ambiental provocou a suspensatildeo do abastecimento de aacutegua de cerca de 100 mil moradores de Sumareacute A medida foi tomada na sexta-feira quando uma mancha de oacuteleo de aproximadamente 3 quilocircmetros de extensatildeo surgiu nas aacuteguas do rio Atibaia Anteontem uma nova mancha apareceu nas proximidades da Estaccedilatildeo de Tratamento de Aacutegua I na divisa entre o bairro Nova Veneza e o municiacutepio de Pauliacutenia A situaccedilatildeo somente seraacute normalizada na quinta-feira A Cetesb investiga o caso e os teacutecnicos acreditam que o produto (oacuteleo diesel ou gasolina) foi despejado em esgoto domeacutestico em Pauliacutenia

Leve em conta essa notiacutecia e privilegie a hipoacutetese dos teacutecnicos apresentada no fi nal do texto A partir desses elementos escreva uma narraccedilatildeo em terceira pessoa caracterizando adequadamente personagens e ambiente Crie um detetive ou um repoacuterter investigativo que quando tenta resolver o ldquocrime ambientalrdquo descobre que o ocorrido eacute parte de uma conspiraccedilatildeo maior

- 127 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sexta-feira 1ordm de outubro de 1999

A mancha tomava conta do rio pouco a pouco O rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordens Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram Respaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

Saacutebado 02 de outubro de 1999

Na redaccedilatildeo o calor era toacuterrido O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado Os colegas achavam graccedila ldquoseraacute que vocecirc escolheu a profi ssatildeo certardquo perguntavam Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria

- 128 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila Quando o editor pediu que ele fosse conferir a ldquotal manchardquo no rio ele foi com a mesma solicitude indiferente de sempre

Domingo 03 de outubro de 1999

No dia anterior havia feito inuacutemeras entrevistas engenheiros teacutecnicos autoridades Havia a possibilidade de a poluiccedilatildeo ter sido intencional mas tal hipoacutetese geralmente sussurrada ou dita de modo sorrateiro parecia causar incocircmodo Apenas o ldquofocardquo se interessou pela teoria ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo O bip chamava deveria ir a Pauliacutenia pois havia uma nova mancha por laacute

Segunda-feira 04 de outubro de 1999

Mal o editor deixara a sala vieram os colegas felicitaacute-lo pela reportagem a mateacuteria seria manchete de primeira paacutegina Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes Ao sair recebeu sinal para subir Falando com o engenheiro-chefe entendeu

- 129 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido O telefone tocou

Terccedila-feira 05 de outubro de 1999

O ldquofocardquo chegava ao lugar marcado com quinze minutos de antecedecircncia Pelo telefone a pessoa apenas informou a hora e o local em que deveriam se encontrar Natildeo se identifi cou e natildeo disse como estaria Aparentemente um boteco como qualquer outro adentrou o local relutante entre a curiosidade e a cautela Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado Ao sentar-se agrave mesa recebeu um bilhete que o mandava subir Obedeceu cauteloso No andar superior conversou com uma pessoa que por sua vez conduziu-o a outra sala Estava comeccedilando a assustar-se A sala estava escura e ele natildeo podia ver quem laacute estava Apenas ouvia uma voz que o advertia a natildeo fazer perguntas A voz o informou de que um grupo politicamente oposto ao governo vigente tentava sabotaacute-lo poluindo criminosamente o rio o que aleacutem de indispor a simpatia da populaccedilatildeo contra as autoridades traria um grande prejuiacutezo econocircmico agrave cidade Falou mais e o jornalista ouvia eufoacuterico entendendo a dimensatildeo do que ouvia Ao sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceu

Quarta-feira 06 de outubro de 1999

O rapaz afrouxava a gravata Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

- 130 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A redaccedilatildeo daacute destaque a duas personagens o ldquofocardquo e o ldquorapaz de gravatardquo Quanto a este uacuteltimo haacute algumas passagens que falam de seu corpo ou pelo menos tomam-no de uma perspectiva externa como nas passagens ldquoO rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordensrdquo ldquoRespaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar []rdquo e ldquoO rapaz afrouxava a gravatardquo Acerca do foca a uacutenica passagem em que se observa seu corpo exterior eacute ldquoAo sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceurdquo

Esse olhar externo que o narrador de sua distacircncia exterior lanccedila sobre as personagens defi nindo-as natildeo eacute comum na prosa dostoievskiana mas cabe observar que mesmo nessa redaccedilatildeo de vestibular esse procedimento ocupa um espaccedilo composicional bastante diminuto se comparado ao que se dedica agrave observaccedilatildeo da autoconsciecircncia das personagens

Observe-se por exemplo que todas as longas passagens a seguir se voltam agrave autoconsciecircncia do ldquohomem de gravatardquo

(i) Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram [] procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo

- 131 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

(ii) Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

Por sua vez tambeacutem agrave autoconsciecircncia do ldquofocardquo eacute dedicado extenso espaccedilo composicional

(i) O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado [] Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila

(ii) ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo

(iii) Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes [] Falando com o engenheiro-chefe entendeu que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato

- 132 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido

(iv) Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado

Esses longos excertos os quais perfazem boa parte da estrutura composicional da redaccedilatildeo comprovam ser a autoconsciecircncia um aspecto tambeacutem muito relevante na composiccedilatildeo desse gecircnero A candidata ao escrever daacute destaque aos diaacutelogos interiores das personagens em detrimento de descriccedilotildees fiacutesicas

Todavia se poderaacute sempre arguir por oacutebvio que se trata apenas de um texto a partir do qual eacute temeraacuterio caracterizar todos os demais do mesmo gecircnero Aleacutem disso poder-se-ia aventar que a proposta de escrita infl uenciou na composiccedilatildeo de redaccedilotildees que focalizassem as questotildees da consciecircncia em prejuiacutezo de um desenvolvimento mais detalhado acerca do corpo das personagens

Sem de modo algum desconsiderar como vaacutelidas e pertinentes essas ressalvas passa-se ao exame de uma outra redaccedilatildeo cuja proposta supotildee-se poderia levar a uma maior atenccedilatildeo ao corpo fiacutesico das personagens

- 133 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

PROPOSTA B

Trabalhe sua narrativa a partir do seguinte recorte temaacutetico

O avanccedilo da tecnologia e da ciecircncia meacutedica desmistifi ca muitos dos preconceitos em torno das doenccedilas Entretanto algumas delas consideradas atualmente problemas de sauacutede puacuteblica como obesidade alcoolismo diabetes AIDS entre outras continuam a trazer difi culdades de autoaceitaccedilatildeo e de relacionamento social

Instruccedilotildees

1 - Imagine uma personagem que receba o diagnoacutestico de uma doenccedila que eacute tema de campanhas preventivas

2 - Narre as difi culdades vividas pela personagem no conviacutevio com a doenccedila

3 - Sua histoacuteria pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa

Segue a Proposta B do Vestibular Unicamp 2008 (COMVEST 2008 p 42)

A seguir transcreve-se a redaccedilatildeo (COMVEST 2008 p 142-

- 134 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Luta

O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava Teve de terminar a corrida seu exerciacutecio matinal e voltar para a casa Dormir descansar Depois mais exerciacutecio No caminho teve vontade de devorar vorazmente um cachorro-quente da barraquinha do seu Zeacute o fi el Zezinho Afastou a ideia natildeo podia mais comer porcarias E o bolo na geladeira Isso tudo natildeo era faacutecil Era estranho mas natildeo dependia da vontade dele O desejo era maior do que suas forccedilas

A corrida era seu exerciacutecio matinal desde a semana passada Era difiacutecil para ele correr mas ordens meacutedicas devem ser cumpridas Ao menos agora pois natildeo escutara os conselhos de seu meacutedico durante toda a vida O doutor sempre com aquele ar pomposo que aparentemente diz ldquoO mundo eacute meu e eu mando nelerdquo reafi rmou que seu fi el mas desatencioso paciente estava obeso e que era urgente a perda de peso Urgente Entatildeo vieram dieta e indicaccedilotildees de exerciacutecios fiacutesicos E ele tinha que cumprir ou sua sauacutede correria grave risco Todos falavam isso natildeo soacute o meacutedico Falavam de outra maneira eacute claro Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo Isso era um alerta

Finalmente chegou em casa Se enterrou no sofaacute e tentou de todo modo dormir Mas natildeo conseguia Sua barriga roncava gritava doiacutea Hoje soacute tinha tomado um leve cafeacute da manhatilde e ainda faltavam duas horas para o almoccedilo Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

- 135 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles Tinha que lutar A barriga pedia Ele a escutava Os roncos quase que falavam

Em um impulso levantou-se do sofaacute foi ateacute a geladeira O bolo estava laacute Imponente como um castelo medieval o poderoso artefato que saciaria sua vontade acalmaria seu desejo Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade Seu corpo pedia isso Levou o bolo para a sala pousou-o no colo e fi cou olhando para o doce O estocircmago nervoso incitava-o

Aquela bandeja a sua frente cheia de chocolate coco e caramelo aquele belo edifiacutecio de prazeres estava a seu alcance Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia O estocircmago dialogava com o bolo com uma voz aacutespera A resposta vinha doce e melodiosa Natildeo o meacutedico dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

Jogou furiosamente o bolo ao chatildeo Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado Chorou Chorou mais Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez Natildeo continuou

145)2 que atendeu agrave essa proposta

Nessa redaccedilatildeo o candidato opta por descrever os confl itos pelos quais passa uma pessoa obesa lutando para seguir as ordens meacutedicas e sociais que lhe accedilulam a emagrecer e sua voz interior 2 O autor do texto eacute Ricardo Amarante Turatti

- 136 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na qual essas vozes externas se conjugam com sua necessidade de comer ldquomais que as demais pessoasrdquo para se saciar

Pelo proacuteprio conteuacutedo temaacutetico a ser desenvolvido eacute de se esperar que a questatildeo do corpo apareccedila no texto De fato em comparaccedilatildeo agrave redaccedilatildeo anterior eacute possiacutevel observar uma maior atenccedilatildeo agrave descriccedilatildeo fiacutesica da personagem em passagens como

(i) O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava

(ii) Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo

(iii) Sua barriga roncava gritava doiacutea

(iv) Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles

(v) Seu corpo pedia isso

(vi) Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado [] Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo

Todavia em vaacuterias passagens o narrador se deteacutem a descrever a autoconsciecircncia da personagem

(i) Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

(ii) Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade

(iii) Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia [] Natildeo o meacutedico

- 137 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

(iv) Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea [] A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez

Mais relevante poreacutem que contrastar o espaccedilo composicional dedicado a cada aspecto eacute observar que mesmo as menccedilotildees ao corpo provecircm das vozes que o protagonista ouviu de outros sujeitos Assim ver-se como o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo eacute ver-se pelos olhos dos outros ou para usar um termo mais proacuteprio ao universo bakhtiniano pelas vozes dos outros Satildeo essas vozes alheias que lhe falam sobre o seu corpo Vozes que lhe habitam a autoconsciecircncia a partir de onde se organiza interior mas tambeacutem exteriormente

Receba uma maior ou menor atenccedilatildeo do narrador seja mais ou menos tematizado nas vozes de personagens ou do proacuteprio heroacutei o corpo ndash como toda a vida eacute imprescindiacutevel sublinhar ndash na perspectiva bakhtiniana natildeo eacute uma realidade faacutetica exterior simplesmente reconheciacutevel O corpo eacute construiacutedo pelo discurso Primeiro pelo discurso alheio que pela primeira vez nomeia mas tambeacutem valora o corpo do outro Essas vozes alheias passam a habitar a autoconsciecircncia do sujeito organizando sua vivecircncia organizando o modo como se vecirc como sujeito inclusive em termos de seu corpo fiacutesico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo do corpo nos escritos em Bakhtin pode ser vista a partir de diferentes vieses Neste capiacutetulo propugnou-se ver o corpo como resultante da autoconsciecircncia Para isso buscou-se apoio principalmente nas observaccedilotildees de Bakhtin expostas em dois textos (i) em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que o pensador russo a pretexto de fazer uma

- 138 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

distinccedilatildeo entre ldquocorpo interiorrdquo e ldquocorpo exteriorrdquo acaba por afi rmar o primado da autoconsciecircncia (interior) com fonte de percepccedilatildeo e valorizaccedilatildeo do corpo exterior e (ii) em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111969) em que a primazia da autoconsciecircncia como centro organizador da vida e do corpo eacute exemplifi cado na anaacutelise de obras dostoievskianas

Dessa fundamentaccedilatildeo teoacuterica passou-se agrave anaacutelise de ldquoredaccedilotildees de vestibularrdquo (CORREcircA 2011) um gecircnero bastante diverso daqueles examinados por Bakhtin Pretendeu-se por essa incursatildeo evidenciar que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Como se espera ter mostrado mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

Ao realizar a refl exatildeo proposta neste capiacutetulo parece possiacutevel entender que da perspectiva bakhtiniana o corpo assim como todos os demais elementos do homem ndash personagem ou natildeo ndash resulta das vozes com as quais o sujeito entra em contato no transcurso de sua vida Mais uma vez entatildeo impotildeem-se considerar o homem no acircmbito de suas complexas relaccedilotildees dialoacutegicas (MACIEL 2014) atraveacutes das quais pelo outro ele se constitui pela primeira vez para si mesmo

O corpo eacute resultado de relaccedilotildees dialoacutegicas atraveacutes das quais enunciados alheios adentram a autoconsciecircncia do sujeito aiacute entrando em confronto com outras vozes proacuteprias e alheias Essa autoconsciecircncia porque resulta do infi ndo diaacutelogo em sentido amplo que o sujeito nunca deixa de estabelecer eacute inacabada

- 139 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(BAKHTIN 19191921) sendo importante lembrar que a percepccedilatildeo do corpo proacuteprio ou alheio eacute sempre mutaacutevel

As vozes alimentam a autoconsciecircncia de onde deriva a percepccedilatildeo do corpo A percepccedilatildeo da realidade fiacutesica portanto para Bakhtin decorre do exerciacutecio da linguagem A percepccedilatildeo do corpo deriva da voz a percepccedilatildeo do corpo resulta da linguagem

REFEREcircNCIAS

BAKHTIN M M (19191921) Para uma fi losofi a do ato Traduccedilatildeo natildeo revisada para fi ns didaacuteticos e acadecircmicos realizada por Carlos Alberto Faraco e Cristovam Tezza [SI sn] [2005-2006]

______ [192-] O autor e a personagem na atividade esteacutetica In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

______ [1930-1936] O discurso no romance In ______ A teoria do romance I A estiliacutestica Traduccedilatildeo prefaacutecio notas e glossaacuterio de Paulo Bezerra Satildeo Paulo Hucitec 2015

______ Os gecircneros do discurso In ______ Os gecircneros do discurso Organizaccedilatildeo traduccedilatildeo posfaacutecio e notas Paulo Bezerra Satildeo Paulo Editora 34 2016a p11-69 [1952-1953]

______ (1963) Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Trad Paulo Bezerra 5 ed (2 tiragem) Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2011

______ (1965) A cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelais Trad Yara Frateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec 2013

COMVEST Redaccedilotildees do Vestibular Unicamp 2000 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Proacute-Reitoria de Extensatildeo e Assuntos Comunitaacuterios Campinas Editora da Unicamp 2000

- 140 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

______ Vestibular Unicamp redaccedilotildees 2008 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Campinas Editora da Unicamp 2008

CORREcircA M L G Encontros entre praacutetica de pesquisa e ensino oralidade e letramento no ensino da escrita Perspectiva Florianoacutepolis v 28 n 2 p 625-648 juldez 2010

MACIEL L V C Relaccedilotildees dialoacutegicas em narrativas Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas 2014

- 141 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Maria Flaacutevia Figueiredo

Os discursos retoacutericos buscam por primazia despertar no auditoacuterio a adesatildeo agraves teses defendidas pelo orador Assim no jogo argumentativo toda e qualquer estrateacutegia capaz de potencializar o alcance persuasivo do argumento defendido conta positivamente para o orador e por essa razatildeo desperta o interesse da retoacuterica que por sua vez se ocupa de averiguar o que gera em cada caso o convencimento e a persuasatildeo1

Nesse processo persuasivo uma das estrateacutegias mais efi cazes eacute o despertar de paixotildees no auditoacuterio Segundo Aristoacuteteles esse recurso funciona de maneira muito efetiva uma vez que as emoccedilotildees humanas (paixotildees) quando despertadas causam necessariamente alteraccedilatildeo nos indiviacuteduos que as sentem e introduzem mudanccedilas em seus juiacutezos o que altera e direciona seus julgamentos

Esse tema de extrema relevacircncia para o entendimento do ser humano e de grande implicaccedilatildeo para o processo persuasivo foi proposto pelo fi loacutesofo de Estagira no livro II de sua Retoacuterica2 Neste trabalho optamos por trazecirc-lo novamente agrave baila e lanccedilar sobre ele outros olhares com base em estudos retoacutericos desenvolvidos na

1 Agradeccedilo ao meu orientando Valmir Ferreira dos Santos Juacutenior pelas sugestotildees dadas agrave redaccedilatildeo deste capiacutetulo2 Sobre a composiccedilatildeo fi nal dessa obra dividida em trecircs livros Quintiacuten Racionero (tradu-tor de Aristoacuteteles diretamente do grego para o espanhol) explica que se deu a partir de 355 aC durante a segunda estada de Aristoacuteteles em AtenasO primeiro livro se ocupa da estrutura da arte retoacuterica da defi niccedilatildeo dos argumentos e tambeacutem dos gecircneros retoacutericos judicial (que visa acusar ou defender) deliberativo (que objetiva discorrer sobre a utilidade ou natildeo de uma problemaacutetica em prol de uma deci-satildeo) e epidiacutetico (que elogia ou censura) O segundo livro se ocupa das paixotildees humanas do caraacuteter dos sujeitos e da estrutura loacutegica do raciociacutenio retoacuterico O terceiro aborda o estilo as fi guras retoacutericas e a composiccedilatildeo do discurso e de suas partes

A RETOacuteRICA DAS PAIXOtildeES REVISITADA

- 142 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

atualidade e com o auxiacutelio de perspectivas contemporacircneas sobre a temaacutetica

Nosso percurso investigativo tem entatildeo por objetivo refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para que possamos discorrer sobre tais processos adentraremos primeiramente a fonte de suas refl exotildees em acircmbito retoacuterico a Retoacuterica das paixotildees

Esse tiacutetulo foi dado ao livro II da Retoacuterica aristoteacutelica que aqui no Brasil recebeu uma ediccedilatildeo biliacutengue (portuguecircs ndash grego) e foi prefaciada com notaacutevel profundidade fi losoacutefi ca por Michel Meyer No prefaacutecio o pensador belga perscruta a obra do estagirita de forma distinta trazendo refl exotildees sobre a gecircnese das emoccedilotildees desde os diaacutelogos platocircnicos ateacute a descriccedilatildeo de Aristoacuteteles passando tambeacutem pelas modulaccedilotildees que a mateacuteria discursiva pode sofrer em funccedilatildeo dos diversos fi ns retoacutericos

Em um dos trechos de seu texto Meyer (2000 p XL) assim se pronuncia ldquolugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircnciardquo Nessa barganha da identidade em detrimento da diferenccedila o campo emotivo ganha lugar para angariar o convencimento e a persuasatildeo do outro Isto eacute as paixotildees em um processo argumentativo satildeo pontes que permitem a conexatildeo e a proximidade dos homens por meio da identifi caccedilatildeo de traccedilos defl agrados em comum

Ciente do papel que exercem no discurso Aristoacuteteles descreve com perspicaacutecia contundente as paixotildees que acometem a alma humana e a fazem subjugar Assim o mestre abre o livro II com a seguinte refl exatildeo ldquovisto que a retoacuterica tem como fi m um julgamento [] eacute necessaacuterio natildeo soacute atentar para o discurso a fi m de que ele seja demonstrativo e digno de feacute mas tambeacutem pocircr-se a si proacuteprio e ao juiz em certas disposiccedilotildeesrdquo (ARISTOacuteTELES

- 143 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

2000 p 3) Esse trecho jaacute nos permite antever a funccedilatildeo primordial das paixotildees qual seja a de encontrar ou suscitar no auditoacuterio as paixotildees disponiacuteveis A esse respeito discorreremos com mais vagar nos paraacutegrafos que se seguem

Seguindo essa linha de raciociacutenio o sistematizador da retoacuterica se dispotildee a mostrar ldquoque as paixotildees constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencerrdquo (MEYER 2000 p XLI) Portanto com vistas a uma argumentaccedilatildeo efetiva que alcance a persuasatildeo o orador precisa ser capaz de acessar o campo emocional de seu auditoacuterio por meio do uso adequado de processos discursivos que possam afl orar as afecccedilotildees de quem testemunha seu ato argumentativo

Para o mestre estagirita as paixotildees humanas ou emoccedilotildees ldquosatildeo as causas que fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanccedilas nos seus juiacutezos na medida em que elas comportam dor e prazerrdquo (ARISTOacuteTELES 2015 p 116) Ao observar essa refl exatildeo conseguimos compreender que elas funcionam como direcionadores sentimentais que visam introduzir um estado em um sujeito para entatildeo tornar sua visatildeo sobre determinada questatildeo favoraacutevel a quem profere o discurso A esse respeito tambeacutem refl etimos sobre o que versa Aristoacuteteles (2000 p 3) no seguinte trecho ldquopara as pessoas que amam as coisas natildeo parecem ser as mesmas que para aquelas que odeiam nem para os dominados pela coacutelera as mesmas que para os tranquilosrdquo Aqui temos a confi rmaccedilatildeo de que as paixotildees possuem o poder de alterar a oacutetica de quem observa uma questatildeo fazendo seu julgamento variar de acordo com a afecccedilatildeo introduzida em sua alma

A refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para propoacutesitos distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia De fato os apontamentos do fi loacutesofo

- 144 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sobre a temaacutetica guiam direta ou indiretamente novas concepccedilotildees acerca das emoccedilotildees ateacute os dias atuais Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber

Acreditamos que os apontamentos aristoteacutelicos tecircm sido profiacutecuos principalmente em funccedilatildeo daquilo que nos recorda Meyer (2000 p XXXIX) ldquoPara Aristoacuteteles [] as paixotildees estatildeo intimamente associadas ao apetite sensiacutevel o qual eacute fl utuante e por isso desestabiliza o homemrdquo Por meio dessa transiccedilatildeo instaacutevel que fundamenta o campo sensiacutevel humano eacute entatildeo que as paixotildees ganham campo para infl igir dor ou prazer em quem as sente Eacute importante ressaltar poreacutem que na retoacuterica especifi camente as paixotildees satildeo entendidas como ldquoresposta a outra pessoa e mais precisamente agrave representaccedilatildeo que ela faz de noacutes em seu espiacuterito As paixotildees refl etem no fundo as representaccedilotildees que fazemos dos outros considerando-se o que eles satildeo para noacutes realmente ou no domiacutenio de nossa imaginaccedilatildeordquo (MEYER 2000 p XLI) Sendo assim nesse campo do saber as paixotildees estatildeo relacionadas a situaccedilotildees transitoacuterias provocadas pelo orador por essa razatildeo natildeo satildeo entendidas como virtudes ou viacutecios permanentes (cf FONSECA 2000 p XV)

Visto que discorremos sobre as delimitaccedilotildees que compreendem as paixotildees humanas passemos agraves caracterizaccedilotildees desses estados de que o orador lanccedila matildeo com o intuito de transformar as disposiccedilotildees em que se encontram os homens Como explicita Meyer (2000 p XXXIX) em seu prefaacutecio cada uma das paixotildees remonta a um turbilhatildeo uma confusatildeo que apesar de desorientadora e altamente modifi cadora eacute transitoacuteria moacutevel capaz de ser revertida e subvertida Aleacutem disso eacute um refl exo sensiacutevel do outro ou seja eacute a ponte que conecta os homens por meio do campo passional Ademais e sobretudo cada paixatildeo despertada por um orador defl agra muito da existecircncia do proacuteprio sujeito que testemunha o ato discursivo Por meio do afl orar dos sentimentos o indiviacuteduo

- 145 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

abre entatildeo as portas do seu campo sensiacutevel deixando que o outro conheccedila suas disponibilidades e por consequecircncia suas motivaccedilotildees e valores

Fica clara entatildeo a importacircncia dessa instacircncia para o campo da retoacuterica uma vez que ao saber quais satildeo os valores com os quais o auditoacuterio compactua o orador pode seguir seu caminho argumentativo de forma muito mais segura e precisa Eacute nesse sentido que como estrateacutegia retoacuterica as paixotildees satildeo consideradas uma das premissas do entimema (silogismo retoacuterico) (cf SILVA 2013 p 13)

Para nos aprofundarmos ainda mais nesse universo eacute preciso visitar a classifi caccedilatildeo das paixotildees descritas por Aristoacuteteles na obra mencionada Vejamos entatildeo as 14 paixotildees apresentadas na Retoacuterica ira calma amizade (amor) inimizade (oacutedio) temor (medo) confi anccedila amabilidade (favor) vergonha desvergonha (impudecircncia) piedade (compaixatildeo) indignaccedilatildeo inveja emulaccedilatildeo e indelicadeza (desprezo)

De acordo com o exposto podemos compreender que as paixotildees compotildeem um arcabouccedilo no qual se inserem as mais diversas nuances dos estados da alma humana O orador pode e deve entatildeo adentrar e explorar tal arcabouccedilo com o intuito de infl amar a paixatildeo que mais se adeacuteque ao objetivo de seu discurso Mediante as paixotildees elencadas tambeacutem eacute possiacutevel compreender que uma vez confi gurados tais estados transitoacuterios que transformam o julgamento humano desencadeia-se um processo para seus devidos efeitos A descriccedilatildeo de tal processo constitui o cerne do presente trabalho

Antes poreacutem de investigar os caminhos que as paixotildees percorrem no campo afetivo eacute necessaacuterio descrever cada uma delas Vejamos entatildeo uma breve explanaccedilatildeo para cada uma dessas afecccedilotildees

Coacutelera eacute um impulso de vinganccedila causado por injustifi cada negligecircncia em relaccedilatildeo ao outro ou aos que satildeo seus queridos

- 146 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Essa paixatildeo reequilibra a diferenccedila causada pela insolecircncia pelo despeito e pelo desprezo Consiste na tentaccedilatildeo de causar desgosto ao outro Tange portanto ao pessoal a questotildees particulares entre sujeitos

Calma eacute o contraacuterio e talvez o antiacutedoto da coacutelera Confi gura o estado de apaziguamento apoacutes um tormento estrondoso e recria a simetria entre os indiviacuteduos

Amor eacute desejar para algueacutem aquelas coisas que vocecirc considera boas (desejando-as para o outro e natildeo para si) e tentar ao maacuteximo fazer com que elas ocorram Eacute entatildeo o laccedilo de identidade com o outro

Oacutedio eacute dissociador Eacute a acircnsia por querer causar mal ao outro Diferentemente da coacutelera o oacutedio diz respeito agrave inimizade em relaccedilatildeo ao geral agraves classes natildeo ao particular Odeiam-se aos ladrotildees malfeitores e carrascos agraves classes natildeo aos sujeitos Quem sente coacutelera quer que o causador de seu tormento sinta em seu lugar seu mal enquanto quem sente oacutedio deseja que seu alvo desapareccedila

Temor uma dor ou distuacuterbio decorrente da projeccedilatildeo de um mal iminente que tem caracterizaccedilatildeo destrutiva e penosa Eacute acompanhado de uma expectativa Temem-se entatildeo os maus que podem nos arruinar ou arruinar quem nos eacute querido

Confi anccedila (seguranccedila) eacute o oposto do medo Eacute acompanhada da esperanccedila (antecipaccedilatildeo) das coisas que levam agrave seguranccedila como algo proacuteximo enquanto as causas do medo parecem inexistentes ou distantes

Vergonha valoriza a imagem que o outro cria de noacutes eacute dor ou perturbaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao presente passado ou futuro que achamos que tenderaacute ao nosso descreacutedito de acordo com a visatildeo de outrem Caracteriza a inferioridade que sentimos em relaccedilatildeo ao outro

- 147 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Impudecircncia (desvergonha) tambeacutem ocorre de acordo com a imagem que criam de noacutes poreacutem essa concepccedilatildeo natildeo nos traz dor alguma pelo contraacuterio cria indiferenccedila que anula qualquer possibilidade do desgosto Defl agra a posiccedilatildeo de superioridade em que nos colocamos em relaccedilatildeo ao julgamento do outro

Favor (obsequiosidade) bondade desinteressada em fazer ou devolver o bem ao outro

Compaixatildeo (piedade) sentimento de dor considerado como sendo um mal destrutivo ou doloroso que recai sobre quem natildeo o merece Eacute despertada quando pensamos que noacutes mesmos ou algueacutem proacuteximo a noacutes poderia sofrer tal mal sobretudo quando essa possibilidade parece real e alardeadora

Indignaccedilatildeo compreende uma dor ao avistar o destino de algueacutem que natildeo o mereceu

Inveja anguacutestia perturbadora dirigida agrave boa sorte de um igual A dor eacute sentida natildeo porque se deseja algo mas porque as outras pessoas o tecircm Eacute relacionada entatildeo ao sentimento de querer tirar ou destruir o que eacute de outrem

Emulaccedilatildeo relaciona-se ao movimento de imitaccedilatildeo ao outro Sentimento em relaccedilatildeo aos bens ou conquistas de outrem que consideramos desejaacuteveis e que estatildeo ao nosso alcance Eacute uma dor sentida natildeo porque as outras pessoas tenham tais bens mas porque natildeo os temos tambeacutem o que nos impele a querer possuiacute-los

Desprezo antiacutetese da emulaccedilatildeo As pessoas que estatildeo em posiccedilatildeo de serem imitadas tendem a sentir desprezo por aqueles que estatildeo sujeitos a quaisquer males (defeitos e desvantagens) Assim o desprezo pressupotildee que o outro natildeo merece o que tem pelo fato de ser inferior ao seu destino

Ao observar as defi niccedilotildees das 14 paixotildees aristoteacutelicas descritas no livro II podemos compreender melhor as mais diversas

- 148 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nuances que alteram o juiacutezo do homem Ainda nessa perspectiva a teoacuterica Carmen Trueba Atienza apoacutes estudar as obras Da alma Retoacuterica e Poeacutetica de Aristoacuteteles elabora uma ldquoteoria aristoteacutelica das emoccedilotildeesrdquo3 Refl itamos entatildeo brevemente sobre as proposiccedilotildees da pesquisadora em seu estudo de 2009

O objetivo do trabalho de Trueba Atienza eacute reconstruir a parte central das diferentes abordagens sobre as paixotildees que se encontram de acordo com a autora dispersas no corpus aristoteacutelico Ao analisar e discutir os aspectos interpretativos mais recorrentes na atualidade a autora investiga as diversas engrenagens passionais (como por exemplo os processos fi sioloacutegicos e as sensaccedilotildees fiacutesicas) Ademais refl ete sobre os estados e processos cognitivos para entatildeo propor uma visatildeo cognitivista das paixotildees aristoteacutelicas

A primeira proposiccedilatildeo apresentada eacute que por meio das evidecircncias deixadas no corpus aristoteacutelico ldquoAristoacuteteles considera as paixotildees ou emoccedilotildees afecccedilotildees psicofiacutesicas associadas a alteraccedilotildees fi sioloacutegicas e que envolvem sensaccedilotildees de dor ou prazerrdquo4

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 152 traduccedilatildeo nossa) Essas alteraccedilotildees natildeo satildeo instauradas apenas na alma humana mas tambeacutem no corpo de quem estaacute agrave mercecirc de uma das paixotildees O sentido de dorprazer aqui se estende para um campo que foge do psiacutequico adentrando o campo sensorial Uma vez desencadeados os sentimentos de dor ou prazer estados e processos cognitivos se manifestam Isto eacute tal sentimento instaura um estado mental em quem o sente fazendo o sujeito criar signifi caccedilotildees cognitivas tais como sensaccedilotildees ou percepccedilotildees impressotildees sensiacuteveis ou racionais e crenccedilas ou julgamentos

A partir da manifestaccedilatildeo desses processos o indiviacuteduo cujo juiacutezo e corpo sofreram alteraccedilotildees passionais eacute lanccedilado a posiccedilotildees 3 Em espanhol La teoria aristoteacutelica de las emociones4 ldquoAristoacuteteles considera las pasiones o emociones afecciones psicofiacutesica associadas com alteraciones fi sioloacutegicas y que conllevan sensaciones de dolor yo placerrdquo (TRUE-BA ATIENZA 2009 p 152)

- 149 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e determinaccedilotildees em relaccedilatildeo ao mundo e agrave questatildeo relacionada ao desencadeamento das paixotildees Isso por fi m gera os desejos ou impulsos que remetem ao movimentoaccedilatildeo daquele sujeito em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica que alterou seu campo emocional em um niacutevel psicofiacutesico

Trueba Atienza (2009) entatildeo a partir do arcabouccedilo aristoteacutelico afi rma que as emoccedilotildees satildeo afecccedilotildees psicofiacutesicas complexas que envolvem segundo o proacuteprio fi loacutesofo

1) alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos

2) sentimentos de prazer eou dor

3) estados ou processos cognitivos tais como

a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis)

b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia)

c) crenccedilas (doxai) ou julgamentos (hypolepsis)

4) atitudes ou disposiccedilotildees para com o mundo e

5) desejos ou impulsos (orexis)5

De acordo com a autora (2009 p 168 traduccedilatildeo nossa) ldquoa atenccedilatildeo que Aristoacuteteles dedica a cada um desses cinco aspectos das emoccedilotildees depende em grande parte da relaccedilatildeo que eles tecircm com as questotildees fi losoacutefi cas que ele analisa e discute nos diferentes lugares em que lida com emoccedilotildees ou faz alguma alusatildeo a elasrdquo6 Podemos ainda observar que cada uma dessas cinco instacircncias satildeo de alguma maneira elementos constitutivos das emoccedilotildees

5 Reorganizado com base no original em espanhol6 ldquoLa atencioacuten que Aristoacuteteles le dedica a cada uno de estos cinco aspectos de las emociones depende en gran medida de la relacioacuten que ellos guardan con las cuestiones fi losoacutefi cas que eacutel analiza y discute en los diferentes lugares del corpus en los que se ocupa de las emociones o hace alguna alusioacuten a ellasrdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 150 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao terceiro item do esquema os componentes cognitivos da emoccedilatildeo podem ser separados uns dos outros mas (como veremos por meio do exemplo da autora) haacute casos que admitiriam combinaccedilotildees dependendo do grau de complexidadeintensidade da emoccedilatildeo em questatildeo Assim

o medo poderia vir acompanhado da percepccedilatildeo de um objeto (o fogo) e da impressatildeo avaliativa de que se trata de um perigo iminente da crenccedila de que o fogo eacute de tal magnitude que pode causar grandes danos e do julgamento de que temos que fugir neste momento [] o medo do fogo seria acompanhado de palidez eou tremor a sensaccedilatildeo de dor a atitude de alerta e o desejo de ser salvo7

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 168 traduccedilatildeo nossa)

Por meio desse exemplo a autora demonstra que o alcance passional de cada um dos componentes da emoccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a natureza de cada afecccedilatildeo e tambeacutem de acordo com a disposiccedilatildeo das pessoas e as circunstacircncias particulares nas quais elas experimentam tais paixotildees Isso faz com que lancemos matildeo de outro autor da atualidade para compreender melhor a instacircncia do pathos dentro da Retoacuterica

Antes poreacutem eacute importante ressaltar que o pathos ao lado do ethos e do logos integra o tripeacute retoacuterico Enquanto o primeiro se refere ao auditoacuterio e ao conjunto de paixotildees por ele sentidas o veacutertice do ethos pode ser relacionado ao orador ou seja

7 ldquoel temor podriacutea ir acompanhado de la percepcioacuten de un objeto (el fuego) y de la impresioacuten evaluativa de que se trata de un peligro inminente de la creencia de que el fuego es de tal magnitud que puede acarrear un gran dantildeo y del juicio de que hay que huir en este momento Pero en cualquier caso los componentes cognitivos iriacutean acompantildeados del resto de los componentes de las emociones Retomando el ejemplo anterior el temor por el fuego iriacutea acompanhado de la palidez yo el temblor la sensacioacuten de dolor la actitud alerta y el deseo de sal-varserdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 151 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

compreende agrave construccedilatildeo imageacutetica que ele proacuteprio sustenta de si ademais tudo o que remonta agrave imagem que o auditoacuterio cria de seu orador O logos por sua vez abrange toda a mateacuteria que compotildee o discurso proferido ou seja as provas os argumentos as fi guras os exemplos a linguagem o estilo

De volta ao primeiro veacutertice no artigo ldquoO que eacute pathosrdquo Francisco Martins discorre sobre as vaacuterias acepccedilotildees do termo desde sua origem ligada ao ato de fi losofar ateacute os dias atuais Cada uma dessas defi niccedilotildees faz alusatildeo a um determinado campo do saber o que possibilita diversas conexotildees semacircnticas entre as inuacutemeras caracterizaccedilotildees apresentadas

Passando pela concepccedilatildeo contemporacircnea do termo bastante simplifi cadora por sinal Martins (1999 p 65) recorda que a palavra pathos (transformada em um radical) direciona quase que exclusivamente ldquoa uma concepccedilatildeo de doenccedila na sua forma meacutedica atualrdquo daiacute os termos patoloacutegico patologia patologista Poreacutem o autor enfatiza que essa palavra teve uma origem fi losoacutefi ca e eacute este o ponto que nos interessa na abordagem aqui proposta A esse respeito leiamos o que elucida o pesquisador

O conceito de pathos traz consigo possibilidades e problemas mais amplos que o sentido de doenccedila natildeo fazendo parte de um soacute campo de estudos como a palavra ldquopatologiardquo indica Investigando-se com mais cuidado percebe-se que se trata de uma dimensatildeo essencial humana O pathos seria compreendido como uma disposiccedilatildeo (Stimmung) originaacuteria do sujeito que estaacute na base do que eacute proacuteprio do humano Assim o pathos atravessa toda e qualquer dimensatildeo humana permeando todo o universo do ser Natildeo seria entatildeo uma surpresa redescobrir o pathos como estando na base da fi losofi a que infl uenciou toda a construccedilatildeo do mundo moderno e em

- 152 -

AS CRISES NADA CONTEMPORANEIDADE ANAacuteLISES DISCURSIVAS

especial da ciecircncia a fi losofi a grega Toda e qualquer tentativa de elucidar o pathos de maneira mais aprofundada passaria natildeo somente pelas regionalizaccedilotildees do ponto de vista de aacutereas de conhecimento especiacutefi cas mas pela fi losofi a na sua totalidade Eacute do horizonte do logos que se torna possiacutevel um panorama organizador desta questatildeo humana Evidencia-se a impossibilidade de que o pathos possa vir a ser objeto de estudo de uma soacute disciplina ele eacute um conceito inerente ao ser (MARTINS 1999 p 66 grifos nossos)

A partir dessa visatildeo mais ampla do termo nos eacute conveniente neste trabalho retornar agrave concepccedilatildeo originaacuteria do termo e tomaacute-lo de acordo com o autor como ldquouma disposiccedilatildeo originaacuteria do sujeitordquo E natildeo paramos por aiacute Seguindo a linha de raciociacutenio proposta no artigo essa ldquodisposiccedilatildeordquo faz tambeacutem referecircncia agravequilo que natildeo estaacute ocupado por consequecircncia que se encontra livre desimpedido E eacute exatamente sobre esta concepccedilatildeo que iremos nos debruccedilar pois eacute ela que julgamos mais produtiva na compreensatildeo da instacircncia do pathos dentro da retoacuterica Como veremos a seguir nossa proposta partiraacute especifi camente dessa concepccedilatildeo

Com base nas refl exotildees apresentadas propomos abaixo uma possiacutevel trajetoacuteria das paixotildees tal como acreditamos suceder dentro do processo persuasivo Para tanto estabelecemos os seguintes estaacutegios

- 153 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 1 ndash A trajetoacuteria da paixatildeo

Fonte elaboraccedilatildeo da autora

Nos paraacutegrafos que se seguem nos dedicaremos a caracterizar cada um dos estaacutegios supracitados e que compotildeem a trajetoacuteria da paixatildeo conforme nossa leitura da obra aristoteacutelica

I - Disponibilidade

Dentro da Retoacuterica a instacircncia do pathos se refere ao auditoacuterio e suas paixotildees Portanto para que um discurso seja persuasivo sugere-se que o orador ao elaborar sua argumentaccedilatildeo recorra ao terreno emocional de seu ouvinte Natildeo obstante esse caminho soacute se torna viaacutevel quando as emoccedilotildees do auditoacuterio se encontram disponiacuteveis para a exploraccedilatildeo do orador Para isso eacute necessaacuteria uma disponibilidade afetiva por parte do auditoacuterio que permita criar espaccedilo para a paixatildeo preconizada por quem profere o ato argumentativo Em outras palavras um auditoacuterio soacute sentiraacute determinada paixatildeo (afecccedilatildeo) se estiver aberto de acordo com sua preacute-disposiccedilatildeo cognitiva a experimentar aquela emoccedilatildeo

O estaacutegio da Disponibilidade portanto tange a aceitaccedilatildeo e a disposiccedilatildeo emocional do auditoacuterio agraves emoccedilotildees propostas em um

- 154 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

determinado discurso Nessa etapa uma vez que a paixatildeo lanccedilada pelo orador encontra espaccedilo no campo afetivo do auditoacuterio a trajetoacuteria das paixotildees recebe aval para percorrer de forma imbatiacutevel a maacutequina humana Atinge-se assim o segundo estaacutegio

II - Identifi caccedilatildeoNessa etapa tem lugar um aspecto primordial do processo

persuasivo sem o qual nenhum dos passos subsequentes se fariam possiacuteveis Trata-se da Identifi caccedilatildeo Por meio dela acionam-se estados ou processos cognitivos tais como a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis) e b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia) Vemos nesse estaacutegio uma coincidecircncia com aquilo que Trueba Atienza (2009) pocircde verifi car no arcabouccedilo aristoteacutelico

Eacute tambeacutem por meio da Identifi caccedilatildeo que as paixotildees conseguem exercer sua ldquofunccedilatildeo intelectual epistecircmica operam como imagens mentais informam-me sobre mim e sobre o outro tal como ele age em mimrdquo (MEYER 2000 p XLII) Dessa maneira fi ca evidente que soacute vou me sensibilizar se antes conseguir me identifi car Quando isso acontece passamos ao terceiro estaacutegio da trajetoacuteria

III - Alteraccedilatildeo psicofiacutesica

Nessa fase em decorrecircncia dos processos identitaacuterios como parte integrante do auditoacuterio passo a experienciar alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos seguidos de sentimentos de prazer eou dor tal como descritos por Aristoacuteteles

Seguindo essa linha de raciociacutenio Trueba Atienza (2009 p 149 traduccedilatildeo e grifos nossos) fundamentada na obra Da alma assim se expressa ldquoAs afecccedilotildees da alma parecem se dar com o corpo lsquovalor docilidade medo compaixatildeo ousadia assim como a alegria o amor e o oacutedio O corpo desde entatildeo resulta afetado conjuntamente em todos esses casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo8 8 ldquoLas afecciones del alma parecen darse con el cuerpo lsquovalor dulzura miedo compasioacuten osadiacutea asiacute como la alegriacutea el amor y el odio El cuerpo desde luego resulta

- 155 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Vemos entatildeo que a paixatildeo natildeo se limita a exercer uma funccedilatildeo intelectual ou epistecircmica como ressaltado no estaacutegio anterior Aqui ela atinge tambeacutem o corpo e o interpela e o conduz juntamente com a mente a uma mudanccedila de julgamento Assim atingimos o estaacutegio subsequente

IV - Mudanccedila de julgamentoNessa fase podemos observar uma alteraccedilatildeo nos estados ou

processos cognitivos no que tangem as crenccedilas (doxai) ou os julgamentos (hypolepsis) do auditoacuterio Essa alteraccedilatildeo decorre da mudanccedila ocorrida no espiacuterito em funccedilatildeo da experiecircncia de dor eou de prazer Como nos recorda Aristoacuteteles (2015 p 116) ldquonesse estado observa-se uma notaacutevel diferenccedila nos julgamentos proferidosrdquo9

Dessa maneira assistimos agrave conjunccedilatildeo do corpo e da mente impulsionados por uma mesma causa Nessa sintonia e instigado pela Mudanccedila de julgamento o auditoacuterio se vecirc convocado agrave accedilatildeo Assim caminhamos fi nalmente para o aacutepice da trajetoacuteria passional o estaacutegio da Accedilatildeo

V - Accedilatildeo

Por fi m o processo persuasivo atinge seu objetivo uacuteltimo qual seja o de conduzir o auditoacuterio agrave accedilatildeo Como enfatiza Abreu (2002 p 25) ldquoPersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para agirrdquo

Nesse estaacutegio portanto podemos assistir ao espetaacuteculo das atitudes ou disposiccedilotildees do auditoacuterio para com o mundo Assim na esteira aristoteacutelica sistematizada por Trueba Atienza (2009) o auditoacuterio poderaacute por fi m e inevitavelmente dar vazatildeo a seus desejos ou impulsos (orexis) Esse processo nos faz recordar as palavras do

afectado (paacuteschei) conjuntamente en todos estos casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo9 Por essa razatildeo Solomon (1980 p 35 traduccedilatildeo nossa) defende que ldquouma emoccedilatildeo eacute necessariamente um julgamento apressado em resposta a uma situaccedilatildeo difiacutecilrdquo (ldquoAn emotion is a necessarily hasty judgment in response to a diffi cult situationrdquo) Nesse sentido uma emoccedilatildeo jaacute eacute potencialmente um julgamento

- 156 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

fi loacutesofo belga quando afi rma ldquoA paixatildeo tornada incontornaacutevel exige a accedilatildeo Daiacute a obrigatoacuteria relaccedilatildeo eacutetica com a paixatildeo pois a moral se estriba numa justa deliberaccedilatildeo capaz de ensejar a accedilatildeordquo (MEYER 2000 p XXXIV)

Somente assim podemos considerar que o processo persuasivo chegou ao seu fi m e podemos entatildeo assistir ao fechamento do ciclo Nesse estaacutegio por tanto todas as demais fases precedentes exercem seu papel e estabelecem sua importacircncia ldquoO circuito estaacute fechado haacute paixatildeo porque haacute accedilatildeo e essa reciprocidade inscreve-se como interaccedilatildeo de diferenccedilas no seio de uma mesma identidade de uma mesma comunidaderdquo (MEYER 2000 p XXXVII)

Como balanccedilo da trajetoacuteria das paixotildees por noacutes proposta gostariacuteamos de fi nalizar com um dos trechos mais emblemaacuteticos sobre o assunto e que ao nosso ver transita por todo o percurso passional aqui sugerido

A paixatildeo eacute decerto uma confusatildeo mas eacute antes de tudo um estado de alma moacutevel reversiacutevel sempre suscetiacutevel de ser contrariado invertido uma representaccedilatildeo sensiacutevel do outro uma reaccedilatildeo agrave imagem que ele cria de noacutes uma espeacutecie de consciecircncia social inata que refl ete nossa identidade tal como esta se exprime na relaccedilatildeo incessante com outrem Reequiliacutebrio que assegura a constacircncia na variaccedilatildeo multiforme que o outro assume em sociedade a paixatildeo eacute resposta julgamento refl exatildeo sobre o que somos porque o outro eacute pelo exame do que o outro eacute para noacutes Lugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircncia (MEYER 2000 p XXXIX-XL)

- 157 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Mediante a amplitude do arcabouccedilo aristoteacutelico e seu inegaacutevel impacto para o avanccedilo intelectual da humanidade no presente capiacutetulo tivemos o propoacutesito revisitar um de seus mais relevantes legados sua retoacuterica das paixotildees Para isso buscamos perscrutar a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade pois nosso intuito foi desde o princiacutepio compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

Acreditamos ter cumprido nosso objetivo e esperamos que a proposiccedilatildeo da trajetoacuteria das paixotildees aqui empreendida sirva de estiacutemulo para os investigadores da aacuterea e constitua tambeacutem um caminho mais curto frente ao complexo e inacabado entendimento do universo passional do homem e de suas consequecircncias

REFEREcircNCIAS

ABREU A S A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo 5 ed Cotia Ateliecirc Editorial 2002

ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Prefaacutecio de Michel Meyer Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

______ Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo do grego Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena Satildeo Paulo Folha de S Paulo 2015 (Coleccedilatildeo Folha Grandes nomes do pensamento v 1)

- 158 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

HOUAISS Dicionaacuterio eletrocircnico Rio de Janeiro HouaissObjetiva 2009

MARTINS Francisco O que eacute pathos Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental Satildeo Paulo v 2 n 4 p 62-80 OctDec 1999

MEYER Michel Aristoacuteteles ou a retoacuterica das paixotildees (Prefaacutecio) In ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p XVII-LI

SILVA Christiani Margareth de Menezes A dimensatildeo cognitiva da paixatildeo em Aristoacuteteles EIDampA ndash Revista Eletrocircnica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentaccedilatildeo Ilheacuteus n 4 p 13-23 jun 2013

SOLOMON Robert C Emotions and choice Th e Review of Metaphysics v 27 n 1 p 20-41 Sep 1973 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable20126349seq=1page_scan_tab_contentsgt Acesso em 28 out 2017

TRUEBA ATIENZA Carmen La teoriacutea aristoteacutelica de las emociones Signos fi losoacutefi cos Meacutexico v 11 n 22 juldic 2009

- 159 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Moacir Lopes de Camargos

Como se fosse um raio que quebra seus ossos e te deixa varado no meu paacutetio

Julio Cortaacutezar

PARA INICIAR

No ano em que completo 50 anos tambeacutem completa 50 anos de AI5 Ato Institucional nuacutemero 5 decretado pelo General Meacutedici Se por um lado posso comemorar minha data o que escolhi natildeo fazecirc-lo tendo em vista que por destino talvez nesta minha data completo tambeacutem 10 anos na cidade de inverno frio deste ditador Por outro restam perguntas e medos e ainda ecoam signos (prisatildeo censura tortura morte) que refl etem e refratam uma realidade outra mas natildeo distante A memoacuteria natildeo pode apagar a (minha) nossa histoacuteria latino-americana mas do silecircncio vem as formas signifi cativas de muitas possiacuteveis respostas Como mostra a canccedilatildeo La memoria do cantor e compositor argentino Leoacuten Gieco

Los viejos amores que no estaacutenLa ilusioacuten de los que perdieronTodas las promesas que se van

Y los que en cualquier guerra cayeron

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historia

QUANDO A LINGUA(GEM) ME AFETA

- 160 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El engantildeo y la complicidadDe los genocidas que estaacuten sueltos

El indulto y el punto fi nalA las bestias de aquel infi erno

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historiaLa memoria despierta para herir

A los pueblos dormidosQue no la dejan vivirLibre como el viento

Los desaparecidos que se buscanCon el color de sus nacimientos

El hambre y la abundancia que se juntanEl mal trato con su mal recuerdo

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

Dos mil comeriacutean por un antildeoCon lo que cuesta un minuto militar

Cuaacutentos dejariacutean de ser esclavosPor el precio de una bomba al mar

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

La memoria pincha hasta sangrarA los pueblos que la amarran

Y no la dejan andarLibre como el viento

Todos los muertos de la amIaY de la embajada de israel

- 161 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El poder secreto de las armasLa justicia que mira y no ve

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

Fue cuando se callaron las iglesiasCuando el fuacutetbol se lo comioacute todoQue los padres palotinos y angelelli

Dejaron su sangre en el lodo

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

La memoria estalla hasta vencerA los pueblos que la aplastan

Y no la dejan serLibre como el viento

La bala a chico meacutendez en brasil150000 Guatemaltecos

Los mineros que enfrentan al fusilRepresioacuten estudiantil en meacutexico

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historia

Ameacuterica con almas destruidasLos chicos que mata el escuadroacutenSuplicio de mugica por las villas

Dignidad de rodolfo walsh

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historiaLa memoria apunta hasta matar

- 162 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A los pueblos que la callanY no la dejan volar

Libre como el viento

E como tudo estaacute clavado na nossa memoacuteria como nos ensina a canccedilatildeo seja individual ou coletiva busco em minhas memoacuterias narrativas de experiecircncias para trazer outras perguntas e assim gestar outras possiacuteveis respostas ou continuar com outras perguntas Sobre a experiecircncia o professor Larrosa (2004) nos mostra que

O sujeito da experiecircncia eacute um sujeito ex-posto Do ponto de vista da experiecircncia o importante natildeo eacute nem a posiccedilatildeo (nossa maneira de pocircr-nos) nem a o-posiccedilatildeo (nossa maneira de opor-nos) nem a im-posiccedilatildeo (nossa maneira de impor-nos) nem a pro-posiccedilatildeo (nossa maneira de propor-nos) mas a exposiccedilatildeo nossa maneira de ex-por-nos com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e risco Por isso eacute incapaz de experiecircncia aquele que se potildee ou se opotildee ou se impotildee ou se propotildee mas natildeo se ex-potildee Eacute incapaz da experiecircncia aquele a quem nada lhe passa a quem nada lhe acontece a quem nada lhe sucede a quem nada lhe toca nada lhe chega nada lhe afeta a quem nada lhe ameaccedila a quem nada lhe fere (LARROSA 2004 p 161)

Assim busco em outras vozes para narrar um pouco do que me afeta e me toca neste momento Embora este texto apareccedila em primeira pessoa natildeo sou o autor absoluto pois outras vozes e enunciados me constituem e me modifi cam constantemente Se a historia eacute minha eu natildeo sou a uacutenica voz que a compotildee porque como escreve Daniel Viglietti1

1 Muacutesica otra voz canta do cd A dos vocecircs de Daneil Viglietti

- 163 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Por detraacutes de mi voz-escucha escucha -

otra voz canta

Viene de detraacutes de lejosViene de sepultadas

boca y canta

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha ndashmientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Escucha escuchaOtra voz canta

Dicen que ahora vivenEn tu mirada

(sosteacutenlos con tus ojoscon tus palabras

sosteacutenlos con tu vidaque no se pierdanque no se caigan)

Escucha escuchaOtra voz canta

No son soacutelo memoriaSon vida abierta

Continua y anchaSon camino que empieza

Cantan conmigoConmigo cantan

- 164 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha-mientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Cantan conmigoConmigo cantan

Tomando a perspectiva bakhtiniana sobre autor este eacute polifocircnico pois escuta as vozes (ante)passadas as vozes presentes e responde a elas Assim

a seleccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo impliacutecita daquilo que se elege para ser contado conferem ao narrador a condiccedilatildeo de autor Eacute uma histoacuteria que tendo em vista minha histoacuteria uacutenica e irrepetiacutevel que reside na memoacuteria social do grupo essa historia natildeo eacute soacute minha Desse modo natildeo posso ser a autora dela mas somente da narrativa circunscrita ao meu projeto de dizer Aos motivos que me levaram a narraacute-la Por ser a histoacuteria do grupo faz parte da tradiccedilatildeo coletiva (LIMA 2005 p52)

Trago entatildeo uma primeira narrativa2 para contar algo do passado ()

Pois se eles querem meu sangue Teratildeo o meu sangue soacute no fi m

E se eles querem meu corpo Soacute se eu estiver morto soacute assim

(Querem meu sangue - Cidade Negra)

2 As narrativas deste texto satildeo narradas segundo minha memoacuteria mas as palavras natildeo foram apagadas apenas omiti detalhes

- 165 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Cidadezinha qualquer de Minas sob a atmosfera pluacutembea no iniacutecio dos anos 80 mas pode ser (ainda hoje) de qualquer lugar do Brasil uma pracinha tranquila uma pensatildeo velha com um boteco em frente e um corpo abjeto agonizante na calccedilada do bar Um corte profundo em seu nariz seguindo pelo seu rosto Borbulhas de sangue em seus olhos Gritos agudos desesperados Apenas um vestido surrado e sandaacutelias velhas Mais sangue pelo corpo pela calccedilada pelos cacos de vidro Gritos Em instantes uma multidatildeo curiosa Filho da puta ladratildeo Chutes Pontapeacutes Socos E a rapidez da poliacutecia encanta impressiona nesses momentos Alguma coisa fora da ordem Poliacutecia para quem precisa Mais gritos prisatildeo para o Joatildeo Muieacute boacuteia-fria favelado sem vergonha vagabundo vira omi Seu corpo ensanguentado rosto com choro cortado arrastado e espancado diante da multidatildeo jogado dentro do camburatildeo Corpo pichador da cidade A multidatildeo feliz Risos Mais um fi nal feliz Nesse instante minha mudez me delatou apenas continuei com a imagem do rosto ensanguentado Era o meu vizinho era aquele corpo natildeo permitido de caminhar na cidade ldquolimpardquo Adolescentemente continuei mudo perplexo e natildeo entendi nada Meus olhos fi caram parados Eu tinha apenas 15 anos mas jaacute conhecia muito bem as diferentes violecircncias Natildeo soube caminhar naquele instante tinha que voltar ao bar e limpar o sangue os cacos E a cidadezinha continuou devagar homem mulher cachorro burro e poliacutecia Paz Seraacute que Drummond diria ecircta vida besta meu deus

Haacute um iacutenterim entre essa narrativa e tantas outras vividas na infacircncia e adolescecircncia no campo e numa cidade do interior Passaram os acontecimentos mas natildeo passou jamais a dor e a(s) paisagem(ns) que me recuso a revecirc-las Eacute um tempo do qual eu

- 166 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo quero guardar lembranccedilas Eacute um tempo que queria esquecer para sempre mas como natildeo posso fazecirc-lo pois minha memoacuteria insiste em trazecirc-los agrave tona escrevo

Assim segue a segunda narrativa

Quando completei 20 anos ainda em tempos sombrios sem democracia (1988) eu estava em meu primeiro emprego lavar pratos em uma cozinha de um drive in para sexo e drogas na cidade de Uberlacircndia MG Trabalhava de 17 horas as 5 da manhatilde e voltava para casa becircbado de sono em uma rua empoeirada A Lagoinha periferia fi cava a 40 minutos desse trabalho Eu dormia o dia todo e isso era bom pois economizava a comida ou seja comia uma uacutenica vez no dia na casa de conhecidos que me receberam Em um dos retornos para casa quase chegando em casa eis que uma viatura da poliacutecia em um fi at 147 cor bege me parou em frente ao centro do bairro um local com preacutedios tipo uma escola com quadra para esporte Era ali onde os moradores daquela periferia se reuniam para cursos diversos atividades esportivas pegar livros da Kombi itinerante da biblioteca municipal dentre tantas outras atividades Havia dois policiais na viatura O motorista me disse -Pare Era frio de junho e com minhas roupas rotas o frio aumentou e senti todo meu corpo tremer Tinha um xerox de minha identidade no bolso e nas matildeos uma sacolinha de plaacutestico com caixinhas vazias de catupiri que sempre levava para as crianccedilas brincarem pois o sabor de tal queijo nunca tiacutenhamos saboreado talvez em sonhos Os dois policiais desceram rapidamente do carro e gritaram com as matildeos em suas armas -Matildeos na grade Natildeo havia muro que cercava o centro de bairro era uma grade de metal que protegia o local De repente levei um empurratildeo e senti minha cara

- 167 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sendo amassada na tela grossa de arame Natildeo podia mover-me apenas olhei a sala iluminada com as maacutequinas de escrever todas manuais Era ali onde eu sonhava em ter um trabalho importante decente digno pois 3 vezes por semana driblava o cansaccedilo e a fome para sentir o tic tac estalado das maacutequinas de escrever em meus sonhos meu futuro Segurei forte nos arames enquanto um deles gritou - Vagabundo preguiccediloso natildeo sabe falar natildeo tem ouvido Onde cecirc mora O que taacute fazendo na rua a essa hora Gritou forte e senti o cassetete pressionar meu pescoccedilo apertar minha cara na tela de arame Eu natildeo podia falar nada estava sem voz sem lingua(gem) Senti apenas uma dor profunda de uma ponta de arame que penetrou meu rosto e senti o sangue escorrer Meu medo aumentou Ele torceu o meu braccedilo e gritou - Viado fi lho da puta cecirc merece muita porrada Continuei mudo semi-morto Recebi um chute e o aliacutevio no pescoccedilo quando o cassetete foi retirado Quando me virei um deles me apontava a arma e gritou - Some daqui agora Peguei as caixinhas vazias na calccedilada e sai socircfrego tremendo e eles riam de deboche do meu corpo magro fraacutegil enfi m de minha diferenccedila O sangue escorria pelo rosto e a roupa velha surrada estava vermelha Nem pude chorar sabia que natildeo podia falar nada a ningueacutem Meu irmatildeo era policial mas jamais contaria a ele Era uma vergonha se contasse para ele ou algueacutem tudo aquilo eu natildeo tinha amigos Quem poderia acreditar De quem seria a verdade Me restavam a cicatriz na cara e na memoacuteria

Desta narrativa de violecircncia vinham a mim outras palavras que me acompanhavam desde a infacircncia lepra teacutetano paralisia fome morte Poreacutem assim como na muacutesica dos Titatildes o pulso ainda tinha que pulsar

- 168 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O pulso

O pulso ainda pulsaO pulso ainda pulsa

Peste bubocircnicaCacircncer pneumonia

Raiva rubeacuteolaTuberculose e anemiaRancor cisticercoseCaxumba difteria

Encefalite faringiteGripe e leucemia

E o pulso ainda pulsaE o pulso ainda pulsa

Hepatite escarlatinaEstupidez paralisia

Toxoplasmose sarampoEsquizofrenia

Uacutelcera tromboseCoqueluche hipocondria

Siacutefi lis ciuacutemesAsma cleptomania

E o corpo ainda eacute poucoE o corpo ainda eacute pouco

Assim

Reumatismo raquitismoCistite disritmia

Heacuternia pediculoseTeacutetano hipocrisia

- 169 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Brucelose febre tifoacuteideArteriosclerose miopiaCatapora culpa caacuterieCatildeibra lepra afasia

O pulso ainda pulsaE o corpo ainda eacute pouco

Ainda pulsaAinda eacute pouco

PulsoPulsoPulsoPulso

Assim

E o meu corpo ainda tem a memoacuteria daquelas dores violentas da liacutengua(gem) que me marcou Ainda carrego essas marcas siacutegnicas profundas e busco algo de positivo disso tudo natildeo tenho saudades alguma ndash no plural ndash daqueles tempos de adolescecircncia e vida adulta de miseacuteria e violecircncias Nada desses sentimentos me trazem a sensaccedilatildeo de uma falta que pode gestar uma saudade As palavras de violecircncia com quais me feriram quando me veem agrave mente tocam na memoacuteria de minha pele e me remetem aquele corpo fragilizado que tentava circular mas natildeo era desejado na cidade letrada (Rama 1985) Naquele momento fi m da deacutecada de 1980 noacutes da periferia sabiacuteamos que natildeo eacuteramos parte da cidade letrada e ateacute as crianccedilas aprendiam cedo que a ldquocidaderdquo era outro lugar outro mundo teriacuteamos que descer o morro para ldquochegarrdquo a ela Noacutes estaacutevamos fora dela e junto estavam nossos corpos nossa voz nossa lingua(gem) e nossa diferenccedila que nos delatava E como ouvi do Betinho um vizinho - Ce tem sorte de ser branco porque eu tocirc ferrado Quando os homi me pegou eu vinha do coleacutegio a noite e um deles gritou mete porrada nesse macaco Fui parar no hospital

- 170 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como explicam Silva e Alencar (2013 p 137)

dito de outro modo quando um sujeito ou grupo de sujeitos usa a liacutengua para diminuir depreciar desdenhar ou abominar um grupo social ou indiviacuteduo especiacutefi co ele ou ela estaacute usando a liacutengua violentamente ie estaacute afetando uma estrutura de afetos que se sustenta na linguagem

E como naquele poema de Quintana esta foi uma das vezes que me (nos) violentaram que me (nos) assassinaram infelizmente natildeo a primeira como relata o poeta

Da vez primeira em que me assassinaramPerdi um jeito de sorrir que eu tinhaDepois a cada vez que me mataramForam levando qualquer coisa minha

Hoje dos meu cadaacuteveres eu souO mais desnudo o que natildeo tem mais nada

Arde um toco de Vela amareladaComo uacutenico bem que me fi cou

Vinde Corvos chacais ladrotildees de estradaPois dessa matildeo avaramente adunca

Natildeo haveratildeo de arrancar a luz sagrada

Aves da noite Asas do horror VoejaiQue a luz trecircmula e triste como um aiA luz de um morto natildeo se apaga nunca

Natildeo posso narrar ainda das tantas vezes que me assassinaram violentamente pelanacom a lingua(gem) mas sei bem tive que olhar meu cadaacutever morto desnudo e construir asas para alccedilar novo voo sonhar assim como Iacutecaro sem saber onde seria o meu porto Mesmo se eu fosse afogado nas aacuteguas profundas teria que

- 171 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seguir meu voo Deveria voar mesmo que em silecircncio mas seguir voando E palavras me acompanhariam em toda essa trajetoacuteria natildeo poderia esquivar-me delas de seu poder porque como escreve Voloacutechinov

Na realidade nunca pronunciamos ou ouvimos palavras mas ouvimos uma verdade ou mentira algo bom ou mal relevante ou irrelevante agradaacutevel ou desagradaacutevel e assim por diante A palavra estaacute sempre repleta de conteuacutedo e de signifi caccedilatildeo ideoloacutegica ou cotidiana Eacute apenas essa palavra que compreendemos e respondemos que nos atinge por meio da ideologia ou do cotidiano (VOLOacuteCHINOV 2017 p 181 grifos do original)

Ao fi m

Neste ano completo tambeacutem 25 anos de professor de liacutenguas e pensar corpo voz e a lingua(gem) implica em postular que esta pode violar o corpo ou uma estrutura de afetos o que me leva a afi rmar que a linguagem natildeo eacute mera representaccedilatildeo de eventos ou situaccedilotildees no mundo mas uma forma de agir no caso em que descrevo violentamente (Silva e Alencar 2013 p136)

E para ser professor saiacute do campo me instalei na periferia e alcei voo para o centro da cidade letrada No entanto vejo ainda mais evidente que a lingua(gem) continua exercendo seu poder ora violento ou natildeo produzindo inclusotildees e muitas exclusotildees O que me faz professor me leva a olhar para a lingua(gem) que me constitui pois ela eacute meu objeto de trabalho e por meio dela projeto um futuro Surgem diversas questotildees maldito ou bendito poder da linguagem Qual o meu papel de professor em uma universidade de periferia onde trabalho haacute 10 anos Que partido devo tomar nesse jogo Ficam estas perguntas e muitas outras mas mesmo assim necessito dessa lingua(gem) - esse arame farpado

- 172 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nos dizeres de Gnerre (1991) - para me interagir no mundo me sustentar me guiar e seguir caminhando

Caminando

Caminando caminandoiexclcaminando

Voy sin rumbo caminandocaminandovoy sin plata caminandocaminandovoy muy triste caminandocaminando

Estaacute lejos quien me buscacaminandoquien me espera estaacute maacutes lejoscaminandoy ya empentildeeacute mi guitarracaminando

Aylas piernas se ponen durascaminandolos ojos ven desde lejoscaminandola mano agarra y no sueltacaminando

Al que yo coja y lo aprietecaminando

eacutese la paga por todos caminando

a eacutese le parto el pescuezocaminando

- 173 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

y aunque me pida perdoacutenme lo como y me lo bebome lo bebo y me lo comocaminando caminando

caminando

Assim deixo meu breve relato de experiecircncia e para fi nalizar temporariamente tomo as palavras do pensador francecircs Michel Foucault para natildeo dizer que natildeo falei de teorias

Cada vez que eu tentei fazer um trabalho teoacuterico foi a partir de elementos de minha experiecircncia sempre em relaccedilatildeo com processos que eu vi desenrolar em torno de mim Eacute porque pensei conhecer nas coisas que vi nas instituiccedilotildees agraves quais estava ligado nas minhas relaccedilotildees com os outros fi ssuras abalos surdos disfunccedilotildees que eu empreendia um trabalho alguns fragmentos de autobiografi a Natildeo sou um ativista recuado que hoje gostaria de retomar o serviccedilo Meu modo de trabalho natildeo tem mudado muito mas o que eu espero dele eacute que continue a me mudar (FOUCAULT 1994 p 182)

REFEREcircNCIAS

FOUCAULT M Est-il donc importante de penser Entrevista com Didier Eribon Libeacuteration nordm 15 30-31 maio de 1981 p21 Traduzido a partir de FOUCAULT M Dits et eacutecrits Paris Gallimard 1994 vol IV p 178-182 por Wanderson Flor do Nascimento

GNERRE M Linguagem e poder 3 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1991

LARROSA J Habitantes de Babel Belo Horizonte Autecircntica 2004

LIMA M E C C Sobre a estranheza de se contarem histoacuterias ou da narrativa como mediaccedilatildeo In LIMA M E CC Sentidos do trabalho a

- 174 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

educaccedilatildeo continuada de professores Belo Horizonte Autecircntica 2005

RAMA A A cidade letrada Trad Emir Sader Satildeo Paulo Brasiliense 1985

SILVA D N ALENCAR C N A propoacutesito da violecircncia na linguagem In Cadernos de Estudos Linguiacutesticos v 55 n 2 juldez 2013 p 129-146

VOLOacuteCHINOV V Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircncia da linguagem Traduccedilatildeo notas e glossaacuterio de Sheila Grillo e Ekaterina Voacutelkova Ameacuterico Satildeo Paulo Editora 34 2017

- 175 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Rosana Ferrareto Lourenccedilo RodriguesAntocircnio Suaacuterez Abreu

Why is it that in academic settings students are typically asked to raise their hands to indicate that they want to answer or ask a question Very often people do Math with fi ngers and write down a complex Math problem getting help from an external device such as a calculator We write deadlines on a calendar Also you have often closed your eyes to remember past or imagine future

Th ese are all actions taken in the physical world as attempts to make a mental task faster easier and more reliable Motor actions support cognition Mind is not a perfect machine and there are constraints of attention and memory We understand abstract things using concrete prompts Th ese should be the answers to those questions

What the role of the human body in cognition is and why we use it to make sense of things in the world will then guide our discussions here Th is is what Cognitive Linguistics names as embodied language

SET TING THE SCENE

First-generation theories in Cognitive Sciences in the 1950s and 1960s were closely linked to Computer Science and conceived reason apart from the body as in formal logic following the tradition proposed by Descartes Like a computer

EMBODIED LANGUAGE AND ITS FUNCTIONALITY IN MEANING

CONSTRUCTION

- 176 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

the fi rst-generation mind would process information as largely independent from specifi c brains bodies and sensory modalities Th is viewpoint on language and thought gives rise to the Generative Grammar theory In 1957 Syntactic Structures was published by Noam Chomsky spreading the idea that grammar is a system of rules that generates exactly those combinations of words that form grammatical sentences in a given language

In contrast empirical research is the basis of second-generation Cognitive Science which evidences a strong dependence of human reasoning on human embodiment Mind is not merely viewed as a computer anymore but mind is a brain-body-world system In the 1970s studies on visual perception image schemas metaphor metonymy frames and mental spaces began to contradict previous generation rationalism (cf LAKOFF JOHNSON 1999 p 75-77) In Metaphors we live by (1980) especially in the chapter Personifi cation Lakoff and Johnsonacutes theory of the conceptual metaphors gives idea of the use of the human body and its biological and cultural features as a source of metaphors in examples (LAKOFF JOHNSON 1999 p 33) such as

Infl ation is eating up our profi tsTh e Michel-Morley experiment gave birth to a new physical theoryLife has cheated meHis religion tells him that he cannot drink fi ne French vine

From the fundamental theories of conceptual metaphors and image schemas to more modern mental operations such as the one conceived as blending (or conceptual integration) a new viewpoint on human language has risen from embodied cognition In this chapter we are going to present those cognitive constructs

- 177 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and shed light on one of the things that make blending viable ndash the notion of aff ordance

FROM CONCEPTUAL METAPHORS AND IMAGE SCHEMAS TO AFFORDANCES AND BLENDING

Th is new viewpoint on human language from embodied cognition has strongly spread through many publications which refi ned the initial assumptions and it is especially noticed cross-linguistically Conceptual metaphors are employed as to instantiate image schemas in utterances such as

In PortugueseEstamos dando os primeiros passos em nosso projetoO nosso relacionamento chegou ao fi m da linhaConsegui me sair bem na prova

In EnglishTh ese are the key steps to a successful projectOur relationship is a dead-end streetOne way to get out of trouble is to keep quiet

Th e term image schema was introduced by Lakoff (1987) and Johnson (1987) in the late 1980s Th ese schemas build the niche in which the body positions and acts

An important publication was Embodiment and Cognitive Science (GIBBS JUNIOR 2005) According to Gibbs Junior (2005 p 14-15)

A body is not just something that we own it is something that we are I claim that the regularities in peoplersquos kinesthetic-tactile experience not only

- 178 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

constitute the core of their self-conceptions as persons but form the foundation for higher-order cognition

Th e embodied cognition is manifested in language through notions of SOURCE_PATH_GOAL movement CONTAINMENT SUPPORT and VERTICALITY which are some of the most common image schemas

Th e SOURCE_PATH_GOAL image schema for instance is based on the capacity of the human body to move from a source passing through a trajectory to head to a destination Th e CONTAINER image schema refers to the human capacity to keep things in containers and also voluntarily entering containers such as caves and houses or involuntarily in prisons for example For mental or aff ective states examples would be ldquoone can get out of a depressionrdquo and ldquopeople fall in loverdquo

Expressions such as ldquothe fl ow of moneyrdquo ldquolife is a journey1rdquo and ldquoto walk the linerdquo denote PATH One example would be the concept of ldquomarriagerdquo as where two individuals go through life together ldquoMarriagerdquo may also be conceptualized as a CONTAINER refl ected by metaphors like ldquomarriage is a prisonrdquo ldquomarriage is a safe harborrdquo and ldquoopen marriagerdquo

SUPPORT denotes a relationship between two objects in which one object off ers physical (or abstract) support to the other We can ldquooff er support to a friend in needrdquo and ldquoput in a good word for someonerdquo which instantiate SUPPORT and CONTAINMENT

VERTICALITY refers to the relative position such as highlow and abovebelow or dynamical movement up-down for vertical orientation VERTICALITY is instantiated by the conceptual

1 For ldquoLIFE IS A JOURNEY an animated metaphorrdquo (FORCEVILLE 2014) see lthttpswwwyoutubecomwatchv=MvocTKD5o5Aampt=11sgt

- 179 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

metaphors of UP is good and DOWN is bad and is used for emotional scale between happinesssadness as well as social status in expressions such as ldquoto fall from gracerdquo ldquoto be high in spiritrdquo ldquoto feel downrdquo and ldquoto climb the career ladderrdquo

Image schemas are abstract conceptual templates of spatiotemporal object relations with the body acquired since early infancy (LAKOFF 1987) Image schemas help us to think concretely as we move in space and as the time changes We use our bodies ndash gestures for example ndash as prompts to construct meaning When we indicate with hands up in the air that a car made a right at the intersection we are using a material anchor to communicate

Image schemas are also built on the idea of aff ordances An aff ordance is a feature of an object or the environment that allows a person or animal to do something A cup can be described as a CONTAINER because its features obviously defi ne its use we can drink liquids from it Metaphorical sayings such as ldquonot my cup of teardquo or ldquomake a storm in a teacuprdquo also reveal a cupacutes properties as a container its boundaries for in and out If something is not your cup of tea you do not like it or you are not interested IN it A storm in a teacup refers to a small event that has been exaggerated OUT of proportion

A chair is an object providing SUPPORT Th e chair of a company is the person who is in charge ldquoEmpty chairrdquo can be used as choice of not participating ldquoDavid Cameron could be lsquoempty chairedrsquo in TV debates as Labor accuse him of lsquorunning scaredrsquordquo2 Th e chairacutes aff ordances built on the concept of SUPPORT ndash which frames for approve of and help ndash make it possible to metaphorically say that ldquoan empty chairrdquo means to embarrass a person who refuses

2 lthttpswwwtelegraphcouknews11451072David-Cameron-could-be-empty-chaired-in-TV-debates-as-Labour-accuse-him-of-running-scaredhtmlgt

- 180 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

to take part in a debate by leaving an empty seat or space which represents them

VERTICALITY is an image schema instantiated by conceptual metaphors such as conscious is up unconscious is down Healthy is up sick is down Happy is up sad is down Good is up bad is down More is up less is down Life is up death is down It is built on objects and bodies aff ordances If a computer system is down it is not working Down can be used for saying that someone has an illness as in ldquoPoor Susan went down with fl u just before Christmasrdquo

VERTICALITY is a concept that shows how our human mind is infl uenced by the body that we own Human beings walk erect in space If we lay down fl at on the ground we cannot move and thus cannot function As we move upright in space time changes Time is perceived through space Th at makes us perceive change based upon time When we say that ldquoFall is approachingrdquo we understand that the new season is not walking physically towards us It means that the weather change is emergent in both space and time

Feeling hungry and then having been fed for a child who is not really aware of the abstract concept of time raise the perception of change Th e change from ldquohungryrdquo to ldquonot hungryrdquo clockwise conceived is not only a compression of time but also causation ndash having food makes us not feel hungry anymore Time and causation are vital conceptual relations to promote change

Th e embodiment of time is also present in a perceived change between the struggle to climb stairs now and how easy it used to be to climb them years ago Th is indicates time passing in terms of calendar We compress this change saying that these stairs are more and more tiring projecting our perception of growing older (change in time) to the feeling of an object in space Th e same happens when we want to convey that our eyes are not as good as

- 181 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

they used to be because we grew older We project that change in time over space and object we say that the letters on the page are getting tinier and tinier and thus more and more diffi cult to read

We use our bodies to compress time over space Our body anchors blends According to Turner (2006) the blend of input mental spaces is often accompanied by compression of vital relations between them

We relate one idea to another We think of the child as related to the adult it became through vital relations of time change identity analogy and cause-eff ect Mentally Ohio and California are connected by a conceptual relation of space Ohio and the United States are connected by a conceptual relation of part-whole Mary and a picture of Mary are connected through conceptual relations of representation and analogy (TURNER 2006 p 17)

Blending or conceptual integration is a basic mental operation Th e fi rst full presentation of research on blending appeared in 2002 in Th e way we think a book by Gilles Fauconnier and Mark Turner Compared to the theory of conceptual metaphor which is the one of a cross-domain mapping between two spaces (a concrete source and an abstract target) the blending process is held among the conceptual structure of an input 1 and the conceptual structure of an input 2 a generic space which maps each of the inputs and contains what both inputs have in common and the blended space where there is a selective projection of the inputs to the blend Th e blended space has an emergent conceptual structure because it accounts for properties that do not exist in either of the input spaces

Blending is something that humans are designed to do Th e human brain is constantly trying to blend diff erent things unconsciously Every human brain is making many attempts to

- 182 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

blend at every moment Any two things activated simultaneously in the mind are candidate for blending (TURNER 2014) Th is is the claim of Mark Turner in the book Th e origin of ideas (2014 p 4) ldquothe human spark comes from our advanced ability to blend ideas to make new ideas Blending is the origin of ideasrdquo

A common example of blending is the one of driving and sports in utterances such as ldquoTh e team took their foot off the pedal in the second halfrdquo (in English) and ldquoO time tirou um pouco o peacute no segundo tempordquo (in Portuguese) ldquoTake your foot off the pedalrdquo and ldquotirar o peacuterdquo mean ldquostop stepping on the accelerator pedal to slow downrdquo and by extension ldquomake less eff ort and start to relaxrdquo Th ese are some examples (in English and in Portuguese)

In handballHungarian side Pick Szeged remain unbeaten after three rounds and are full of fi re leading by seven at one point in the second half in their match against Ukrainian side Zaporozhye but after taking their foot off of the pedal a little too soon they managed to ride out the storm in the last seconds3

In American footballIf there were a thing to be critical about with the off ense it would be their performance coming out of halftime Th e Redskins have not scored a touchdown in the second half and has been outscored 20-12 Th is is not simply a ball control issue the Redskins from a play-calling standpoint do not take their

3 lthttpwwwehfclcomen2018-19mennewsAzhF3nCWIWbkxza-PzFKnQNantes_stop_Skjern25e225802599s_offence_to_take_fi rst_two_pointsgt

- 183 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

foot off the pedal Washington must keep the same intensity stop the lax approaches to the second half limit penalties and fi nish more drives in the end zone Th e Redskins complacency issues in the early going can and will come back to bite them in bigger games4

In Brazilian soccerAs mudanccedilas no entanto natildeo mudaram muito o panorama da partida O Fluminense seguia perdido em campo O Internacional tirou um pouco o peacute e mesmo assim teve grande chance de ampliar aos 17 em nova falha do adversaacuterio Gum entregou a bola para William Pottker que avanccedilou livre mas chutou em cima do goleiro Juacutelio Ceacutesar5

In these examples driving is the source domain (Input 1) and sports is the target domain (Input 2) Th e conceptual domain of sports is blended with the conceptual domain of driving (Generic Space) to create a new idea (Blended space) where a player is not a car but can stop accelerating in the game not on the road by ldquotaking off his foot off the accelerator pedalrdquo to slow down in the sense of relaxing Figure 1 shows the schema of this blend

4 lthttpswwwhogshavencom201892717905000redskins-offensive-fi rst-quarter-progress-reportgt5 lthttpswwwfutebolinteriorcombrfutebolBrasileiroSerie-A2018noticias2018-08inter-aproveita-falhas-do-fl u-e-alcanca-terceira-vitoria-consecutivagt

- 184 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 1 ndash Blending of driving and sports

Source Own Construction (2018)

Th is blend is possible because humans can play sports and can drive What humans are designed to and not to do because of the minds and bodies they own and how blends are mapped onto language is discussed as follows

EMBODIED COGNITIO N amp EMBODIED LANGUAGE AND THEIR AFFORDANCES

We can understand what humans are designed to do and not to do as aff ordances Blending is a mental human aff ordance Aff ordances are the qualities or properties of an object that defi ne its possible uses or make clear how it can or should be used For instance we sit or stand on a chair because those aff ordances are fairly obvious

- 185 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th e term aff ordance was fi rst introduced by Gibson in the 1970s

Aff ordances enable animals to recognize what prey they eat what predators my possibly eat them what trees may be climbed to escape danger and so on Imagine the color texture taste and smell of a pineapple Th ese properties of the object are its aff ordances which become variously is relative to the perceiving object so that for example in looking at a window one perceives not just an aperture but an aperture that present the possibility on onersquos looking through it (BERMUDES 1995) Perception and embodied action are therefore inseparable in the perception-action cycle (NEISSER 1976) in with exploration of the visual word for example is directed by anticipatory schemes for perceptual action (GIBSON 1979 apud GIBBS JUNIOR 2005 p 43-44)

According to Gibson (1979 p 132) ldquoany substance any surface any layout has some aff ordance for benefi t or injury to someonerdquo

Refl ecting on the interaction of the animal ndash the human being ndash with its environment in terms of perception Gibson (1979) is revisiting the approach taken by the pre-Socratic philosophers who held that there are four elements from which matter is made up ndash earth air fi re and water6 Th e author uses three of these four elements discarding the fi re Th e solid earth as well as the water and the air enable the movement of an animate body if we think of land animals such as fi sh and birds Water and air unlike solids are usually transparent Th e air besides enabling us to breathe ndash by being transparent to the radiation and the reverberation of the

6 The pre-Socratics also known as natural philosophers proposed that matter was composed of these four elements earth water air and fi re

- 186 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

light ndash also allows us to see Being a vehicle capable of transmitting vibrations it allows us to hear and consequently use articulate language to communicate Sound does not propagate in a vacuum Air as it is formed by gases is also capable of transmitting olfactory sensations Th ese properties enable us to perceive aff ordances

Concerning perception aff ordances are within the latency domain Latency domain7 refers to the whole range of things one can do and also the things heshe cannot do A dog for instance can bark wag its tail and bite but it cannot fl y Chickens can cackle eat corn and lay eggs but they cannot lay cubic eggs or bark Within the latency domain of a living being we are also aware of what we can do with it We can breed chicken for poultry Dogs can be best guards and best friends We are very aware of what we cannot do with living beings too We cannot play chess against a chicken or ride on dog pets Th e awareness about the latency domain of a being is not innate It is acquired through experience by irrational and rational animals and by humans learned from other peopleacutes experience both in informal and formal education ndash through reading for example

As defi ned by Gibson (1979) and revisited by Gibbs Junior (2005) the aff ordance is part of the latency domain of beings but it is restricted to what can be done with them Th is implies personal and cultural choices In France for example people eat horse meat which is not a practice in Brazil Th is also implies historical changes For hundreds of years humans imprisoned birds in cages because it was the only way they could listen to music without having to produce it themselves Since the emergence of the radio the record players and other more sophisticated devices

7 ldquoLatency domainrdquo is a term coined by Abreu for this chapter based on the frameworks of Philosophy - latency (perception) and Electric Engineering (circuitslinks human beings perceive between their environment and themselves) Affordances are then constitutive of the latency domain and are elements that help us build the image schemas we use to frame meaning

- 187 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

for music playing putting birds in cages has almost ceased to be a cultural practice

Technology8 is a cultural practice accounting for what human beings cannot do physically in thought and in language for communication and interaction because of body limitations How does technology account for human aff ordances Th e human eyes cannot zoom in and zoom out but a camera can Our minds zoom in and out in memory and imagination because remembering the past and inferring for the future are mental operations Being in the same place and time simultaneously is not possible as well as repeating and making slow motion But fi lm editing makes those happen We are constantly constructing counter facts and shifting our viewpoints about life events so we fi nd technology to move a mental operation from imagination to perception Media were invented for making things in our imagination available

Media are able to exist because mind is sophisticated and that is why humans can aff ord to create technology For instance in fi lms changes in time look like magic tricks if we understand some scenes literally When a movie characteracutes face appears almost simultaneously on the screen in a young version and then in an old version (or vice-versa) we grasp the idea that time has passed We are not deluded in thinking that that change has suddenly happened thanks to our capacity of time compression blending of causation Th e scene shift denotes time change Time change is marked in body change Getting old is within human latency domain

8 These considerations about technology mind and media are based on the course Mind amp Media by Professor Mark Turner Department of Cognitive Science Case Western Reserve University (CWRU) ClevelandOH USA (lthttpmarkturnerorgcourseshtmlCOGS311gt) Ideas on the sections ldquoBlending amp Creativity for meaning constructionrdquo and ldquoWrapping-uprdquo in this chapter are also inspired by Prof Turneracutes thoughts and quotes in the classes of this course taken by Rodrigues in the Fall 2018 at CWRU

- 188 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Body is a media platform for humans to interact within the world to form meaning Brain comes as an output device built to run the body Th at makes up our aff ordances as humans Our body shows them and so does language Embodied cognition and embodied language account for our aff ordances because as humans this is what we can do with our bodies

THE HUMAN BODY AND ITS AFFORDANCES

If humans are aware of the aff ordances of their surroundings they are certainly also aware of their own aff ordances What can I do with my body I can walk run grab things using my hands hug and kiss people look upward and downward look around forward and backward (if I turn my head or my body)

However I am aware that I cannot jump out of a building start fl ying or look backward while looking forward If I am a man I know that I can procreate by making a woman pregnant If I am a woman I know I can procreate by conceiving a child in my womb Th ese are our physical characteristics and body properties Th ese are manifested in language in utterances such as

In Portuguese

Natildeo consigo ver aonde vocecirc quer chegar com essas ideiasMesmo com todo o seu sucesso vocecirc precisa prestar atenccedilatildeo agraves pessoas que estatildeo abaixo de vocecircO piloto teve de abortar duas vezes a decolagem Haacute um projeto em gestaccedilatildeo no Congresso sobre o voto impresso

- 189 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English

Where do you want to come up with these ideasOffi cers below the rank of captain receive no special privilegesTh e mission had to be aborted because of a technical problemItrsquos unclear just how long it took for the idea for the website to gestate

Come up with (= chegar a algum lugar no plano das ideias) means to think of something such as an idea or a plan Th is metaphorical use of come (= chegar) is instantiated by the image schema SOURCE_PATH_GOAL with focus on the GOAL as a resolution or a measure Th e means (PATH) is to use ideas or plans in order to reach such a destination which is not physical We are not deluded when we hear such an expression because we mentally compress vital relations as time space agency and causality to understand it as an abstract PROCESS Compression is a feature of conceptual integration Many aspects of mental space networks can be compressed under blending ndash a basic mental operation at the heart of human singularity (TURNER 2006)

Being below or above someone in a hierarchical control system is a linguistic manifestation of the conceptual metaphor CONTROL is UP and is in the image schema of VERTICALITY Giving birth to business meaning to create it or conceive it as well as gestating an idea are projections of processes which the human body undertakes in order to procreate Again we are aware that these expressions mean ldquostart to exist not as a personrdquo they all refer to something Abort in aborting a mission means a disruption to the schematic PATH of coming to a GOAL as resolution it means to stop something before it is fi nished (BLOCKAGE) because it would be diffi cult or dangerous to continue

- 190 -

Th ese physical characteristics and body properties manifested in language through these utterances are fi rst-degree aff ordances9 because they refer to our physical features and capacities However humans are adaptive complex systems which interact with environments that constantly change concerning culture and history Th is triggers what we understand and call second-degree aff ordances which have their origins in the adaptation of the human body to its physical and cultural environment at specifi c moments in history

One of these fi rst-degree aff ordances is how we count things We can use the ten fi ngers of our hands which is known as the decimal system We can also use the duodecimal system (also known as base 12 or a dozen) We buy a dozen eggs we count 12 months in a year 60 minutes in an hour and 24 hours in a day Where do these ideas come from

Th e duodecimal system was inherited from Babylon the ancient capital of Sumer in the second millennium BC Th e Babylonians counted using the thumb of one hand to touch the phalanges of the other fi ngers Since we have three phalanges in each of these 4 fi ngers the total becomes 12 hence the base 12 (See Figure 2) In order to store the result of each fi lled hand they used the fi ngers of the other hand thus 5 x 12 = 60 hence the origin of the hour with 60 minutes 12 hours of the day plus 12 hours of the night equals 24 hours An alternative is to use 12 AM and 12 PM

9 The classifi cation of affordances in fi rst and second degrees has been coined by Abreu for this chapter First-degree affordances refer to the human bodyphysical ldquousabilityrdquo as in ldquolook up tordquo (eyes) ldquohead somewhererdquo (VERTICALITY of the body through a PATH) etc Second-degree affordances refer to ldquousabilityrdquo linked to culture for example ldquokick off (foot) a meetingrdquo = start a meeting (sport metaphor) ldquopatients are bombarded with radiationrdquo = their bodies receive the ldquobombsrdquo (war metaphor in cancer treatment) etc

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 191 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 2 ndash The rationale of the duodecimal system

Source lthttpsipemspwordpresscomtagsistema-duodecimalgt

When things are countable we can say one two three chairs or half a dozen eggs (if we use the duodecimal system) But when things are non-countable like water and sand we cannot say three sands or ten waters In order to tackle this problem humans have created partitive classifi ers to express a part-whole relation through linguistic constructions made up from human body names Using parts of the body we can say ldquoa handful of sandrdquo and ldquoa head of lettucerdquo Using ldquoarmsrdquo we can say an ldquoarmful of fl owersrdquo or ldquoan armful of logsrdquo

For size reference or measurement systems we can use diff erent parts of the body according to the scale For reference to small and medium devices we can call a USB fl ash drive ldquoa thumb driverdquo because it is the size of a thumb A palmtop is a personal computer which is approximately pocket calculator-sized and fi ts the palm of your hand To measure the ground it is more comfortable to use

- 192 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

footsteps or feet Using this embodied system American aviation has conveyed that airplanes are for example 22000 feet high

Many fi rst-degree aff ordances are linked to sex concerning males and females While ldquoeating the frogrdquo or ldquoengolir sapordquo (= swallow frogs)10 can be used metaphorically from both the frames of male and female bodies ldquoabort a fl ightrdquo or ldquogestate an ideardquo is clearly from a female body input Th ese uses are seen as second-degree aff ordances because they reveal what cultures think about the role of man and his body and what they think about the role of the woman and her body When Steve Jobs insisted on his strange food diets and his mother was desperate he would jokingly say ldquoI am frugivore and will only eat leaves harvested by virgins in the moonlightrdquo (ISAACSON 2011 p 161) Th is is in his biography and it is confi gured as an idea imposed by culture upon the purity of virgin women which is used by a vegetarian as input to a blending with green leaves which would be purer and healthier food

Humans have also culturally adapted their bodies to play sports And the relationship between body and sports continually produces a large number of conceptual metaphors such as ldquothe ballrsquos in their courtrdquo Th is phrase comes from tennis or basketball and in business it means yoursquove done your part of the work or deal and ldquohit the ball into their courtrdquo so yoursquore waiting for ldquothe ballrdquo or information paperwork product etc to come back to you Alternatively the ball could be ldquoin your courtrdquo meaning people are waiting on your action

Another expression from the North-American culture is ldquocarry the ballrdquo as it is shown in the following example in the political discourse domain

10 ldquoEating the frogrdquo means just do it otherwise the frog will eat you if you end up procrastinating it the whole day ldquoEngolir saposrdquo (swallow frogs) means to bear an unpleasant situation without manifesting against it

- 193 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th ank you guys Th at Walker of Wisconsin has proved that he can get both Democrat and Republican votes Hersquos not a bomb thrower He enters to end the public sector unions are draining the state economically and hersquos able to carry the ball (SPOK Talk of the Nation 2012)

Th is is due to the fact that in American football the action of carrying the ball is important so that a player enters the end zone of the opposing team and performs the touchdown scoring 6 points

Similar to ldquocarrying the ballrdquo in American football ndash metaphorically meaning achieving a goal in the sense of doing something that you decided that you wanted to do ndash in Portuguese there is the expression ldquobater na traverdquo (= hit the goalpost) In Brazilian soccer it refers to the moment when the player almost scores a goal but is unable to because the ball hits one of the sticks that make up the goal frame Th is expression is employed metaphorically when someone narrowly fails to get a try as in ldquoEle tentou passar no vestibular mas lsquobateu na traversquo pois faltou um ponto apenasrdquo (= He tried to pass the entrance examination but ldquohit the goalpostrdquo because he missed one point)

Comparing uses of diff erent languages is known as linguistic typology Embodied language has to do with aff ordances because of its cultural features printed on language

AFFORDANCES amp L INGUISTIC TYPOLOGY

Linguistic typology refers to the study and classifi cation of languages according to their structural and functional features Its aim is to describe and explain the common properties and the structural diversity of the worldrsquos languages Concerning fi rst-

- 194 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

degree and second-degree aff ordances we can compare physical andor metaphorical uses of embodied language in English and Portuguese and establish diff erences and similarities

Th e use of similar sport metaphor in English and in Portuguese ndash ldquocarrying the ballrdquo and ldquobater na traverdquo ndash reveals that every language manifests physical bodily aff ordances very similarly but also very diversely For instance in both English and Portuguese we would use the word ldquohandrdquo to mean ldquohelprdquo11 in utterances such as ldquoCan you give me a handrdquo which means when translated into Portuguese exactly the same ldquoVocecirc pode me dar uma matildeordquo On the other hand in ldquoHe is heading homerdquo would be translated into Portuguese as ldquoEle estaacute se dirigindo para casardquo where heading = dirigindo (driving)

As for the partitive classifi ers the equivalent of a handful would be ldquopunhadordquo (derived from punho = fi st) a handful of sand would be ldquopunhado de areiardquo Using ldquoarmsrdquo (= braccedilo) similarly to ldquoan armful of fl owers or logsrdquo in Portuguese you can say ldquouma braccedilada de fl ores ou de lenhardquo For size and measurement reference we would use in Portuguese ldquoquatro palmos de tecidordquo (palmos = palms) to mean ldquofour spans of fabricrdquo For small size such as an inch we use ldquopolegadardquo in Portuguese (polegar = thumb) in utterances like ldquoTh is bar is two inches widerdquo to mean ldquobarra de duas polegadas de largurardquo

Th ere is also a great number of idioms which are related to body parts

11 In English depending on the context giving someone a hand can also mean to applaud or clap For example ldquoPlease give all our dedicated volunteers a hand for their hard workrdquo

- 195 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English12stand on oneacutes own legsa pain in the neckfoot in mouthcost an arm and a legget off my backcold shouldercold feeta sight for sore eyesa fi nger in every pieoff the top of my head

In Portuguese13dar o braccedilo a torcerdar a matildeo agrave palmatoacuteriadar um puxatildeo de orelhanatildeo estou nem aiacute rei na barrigaisso tem o dedo da sua matildee

Th ese idioms built on parts of the human body occur in every language and some have cross-linguistic equivalence Th ey are fi rst-degree aff ordances Second-degree aff ordances would be present in metaphorical idioms such as ldquodrop the ballrdquo or ldquopisar na bolardquo (for fail mess up) ldquobe connedrdquo or ldquolevar uma bola nas costasrdquo (for being cheated) ldquoestar na marca de pecircnaltirdquo or ldquoa close shaverdquo (for when you come very close to a dangerous situation) Th ey are

12 For meanings see lthttpswwwecenglishcomlearnenglishlessonsbody-idiomsgt13 For meanings see lthttpscomunidaderockcontentcomexpressoes-idiomaticasgt

- 196 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

linked to viewpoint and culture Some are sport metaphors usually blended with business and politics and most of them are built under image schemas

Besides these second-degree aff ordances present in metaphorical uses of embodied language linguistic universals14 are built on the idea of the fi rst-degree aff ordances in uses of the historic present which consists of either the employment of the present tense when narrating past events or the employment of the present tense to describe future events such as in

Th e Berlin Wall falls on November 9 1989I was at the mall yesterday when I bump into an old friend of mineTh e bus leaves tomorrow at nineTh e American president hosts the German chancellor for a visit tomorrow

Both uses of the historic present for past and future events are linked to the bodily exercise of our vision Since we can only see what is physically before us we can only see what is in our present moment too Th erefore we compress past and future into the present time so as to mentally ldquoseerdquo an action creating an eff ect of reality Th is is compressed blending Blending can be compressed over time space causation and agency ldquoTh e sweep of human thought is vast extending over time space causation and agency creating mental ideas that go far beyond our local experiencerdquo (TURNER 2017 p 2)

Taking back the blend shown in Figure 1 between driving and sports the vital relations compressed are the ones of causation (stop stepping on the accelerator pedal = take off the foot in soccer) agency (driver = player) time (slow down = relax) and space (road = game)

14 A linguistic universal is a pattern that occurs systematically across natural languages potentially true for all of them

- 197 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A basic technique for constructing meaning across an extended mental network is to use as an input to that network some very compressed congenial concept in order to provide familiar compressed structure to the blend (TURNER 2017 p 2)

Th e hearer of a sports narration may not be familiar with the script of a sports game but tends to be more acquainted with driving experiences Th e blending is successful when compressions work over prior shared knowledge Th us pushing ideas from driving to convey similar ideas in sports shows the sports narratoracutes ability to create new ideas using imagination Creativity is within human minds aff ordances Th e level of conceptual creativity and mental force required to manufacture blends is astounding (TURNER 2014)

Also it is interesting to point out that concerning linguistic typology the structure of the construction (in terms of form and meaning) ldquotake off the foot in a sports gamerdquo has the same functional feature of conveying the idea of ldquorelax in the game as you would if you were slowing down by not stepping on the accelerator pedal when driving a carrdquo

Whereas metaphorical projections are directional mappings through plausible possibilities across mental spaces ndash for example a human foot is a car accelerator pedal ndash blends are plausible impossibilities because they raise original ideas such as the one brought up by the notion of a player being an agent in a game to score a goal as a driver is when driving a car to reach a destination and both having to slow down at a certain point in order to achieve the intended result Hearers of a sports narration are able to decompress this blend and thus create meaning out of the linguistic material

- 198 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BLENDING amp CREATIVITY FOR MEANING C ONS-TRUCTION

Humans have the ability to think of do and create something new interesting and diff erent and represent it in language According to Turner (2006) outer-space relations of representation is compressed under mental blending and human bodies are capable of mediating this process Th us there is no need for new constructions in language but new structure for new meaning

New meanings arise through language because ldquowe construct mappings across diff erent mental spaces and project from them selectively to create a blend from these inputs that has additional emergent structure not contained in any of themrdquo (TURNER 2017 p 2)

Human minds are built to store information in memory make inferences trace analogies and represent them in language for meaning construction Th ings do not mean We attribute meaning to them upon what we know guided by our perceptions from which our bodies work as fi lters Th is is what mind does to fi ll something with meaning I blend I compress I represent I perform I mean You unpack my blends you interpret you understand Th at is where new ideas come from and that is why we are so innovative

WRAPPING-UP

In a nutshell this chapter about embodied language and its functionality in meaning construction has been produced to shed light on the role of the human body in cognition and language We started by setting the scene of Cognitive Linguistics ndash from theories such as the Conceptual Metaphors and Image Schemas

- 199 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and then went on to the notion of aff ordances and the theory of Blending for the sake of creativity in meaning construction

In order to go through this path we discussed embodied cognition and embodied language and the aff ordances of the human body also related to linguistic typology a notion from where we provided examples of utterances in English and in Portuguese We also showed that many times our mind is merged with technology because we use it to project perception to reality

Our fi nal remarks are that as human beings we are exceptionally good at innovation because we can hold onto new ideas once they are formed (TURNER 2014) From image schemas ndash which help us think ndash and from conceptual metaphors to the advanced mental operation of blending originality is compressed through causality agency time and space as vital relations and representations which work to construct meaning Th is is all possibly plausible because human beings have a body Our human bodies work as a tool box where the brain is built to run us We use our body as a prompt to construct meaning

ACKNOWLEDGMENTS

Th is work is within the scope of a post-doctoral project partially supported by FAPESP (Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado de Satildeo Paulo) grant 201715988-2 Additional support is provided by Instituto Federal de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia de Satildeo Paulo Ordinance 2348 26 July 2018 Both grants are for Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues

REFERENCES

FAUCONNIER Gilles TURNER Mark Th e way we think conceptual blending and the mindrsquos hidden complexities New York Basic Books 2002

- 200 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

GIBBS JR Raymond Embodiment and cognitive science Cambridge Cambridge University Press 2005

GIBSON James J Th e ecological approach to visual perception New York Classic Edition 2015

ISAACSON Walter Steve Jobs New York Simon amp Schuster e-books 2011

JOHNSON Mark Th e Body in the mind the bodily basis of meaning imagination and reason Chicago University of Chicago Press 1987

LAKOFF George JOHNSON Mark Philosophy in the fl esh the embodied mind and its challenge to western thought New York Basic Books 1999

LAKOFF George JOHNSON Mark Metaphors we live by Chicago Th e University of Chicago Press 1980

LAKOFF George Women fi re and dangerous things what categories reveal about the mind Chicago University of Chicago Press 1987

TURNER Mark Compression and representation Language and Literature v 15 n 1 p 17-27 SAGE Publications London 2006 Retrieved from lthttplalsagepubcomgt (October 19 2018)

TURNER Mark Multimodal form-meaning pairs for blended classic joint attention Linguistics Vanguard v 3 (s1) 20160043 De Gruyter Mouton 2017

TURNER Mark Th e origin of ideas blending creativity and the human spark Oxford Oxford University Press 2014

- 201 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim Eacute professora e pesquisadora formada em Letras pelo Departamento de Letras da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar2002) Eacute mestre em Linguiacutestica Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp2006) e doutora em Linguiacutestica Aplicada pelo mesmo instituto (2013) Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado na Universidade de Franca de dez2013 a jan2015 Atuou como professora temporaacuteria no curso de Letras da UFSCar nos anos de 2012 2013 e 2015 e professora substituta no Instituto Federal de Satildeo Paulo nos anos de 2015 e 2016 Seus principais estudos estatildeo centrados no ensino e aprendizagem de liacutengua materna letramento e gecircneros do discurso em uma perspectiva sociointeracionista embasada nos estudos bakhtinianos Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica da Universidade de FrancaContato alinemariamanfrimgmailcom

Antocircnio Suaacuterez Abreu Professor titular de liacutengua portuguesa da UNESP e professor associado da USP Possui mestrado doutorado e livre-docecircncia pela USP e poacutes-doutorado pela UNICAMP Publicou os livros Curso de Redaccedilatildeo (Editora Aacutetica) Texto e Gramaacutetica ndash uma visatildeo Funcional para a Leitura e a Escrita (Editora Melhoramentos) A Arte de Argumentar Gerenciando Razatildeo e Emoccedilatildeo O Design da Escrita ndash Redigindo com Criatividade e Beleza ndash Inclusive fi cccedilatildeo Linguiacutestica Cognitiva ndash uma Visatildeo Geral e Aplicada Gramaacutetica Miacutenima para Domiacutenio da Liacutengua Padratildeo e Gramaacutetica Integral da Liacutengua Portuguesa uma Visatildeo Praacutetica e

OS AUTORES

- 202 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Funcional os cinco uacuteltimos pela Ateliecirc Editorial Eacute membro da Academia Campinense de LetrasContato tom_abreuuolcombr

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice Possui graduaccedilatildeo em Letras-Habilitaccedilatildeo em Portuguecircs e Inglecircs pela Universidade de Franca eacute mestre em Linguiacutestica pela Universidade de Franca e Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela FCLAr ndash UNESP de Araraquara Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado no Departamento de Educaccedilatildeo Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo na Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto ndash Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob a supervisatildeo da Profa Dra Soraya Maria Romano Paciacutefi co Eacute vice-lider do GEBGEcirc ndash Grupo de Pesquisas em Estudos Bakhtinianos dos Gecircneros do Discurso ndash certifi cado pelo CNPQ junto com o Prof Dr Juscelino Pernambuco Atualmente eacute professora permanente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (Mestrado) da Universidade de Franca e professora dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia Aacutereas de atuaccedilatildeo e conhecimento Linguiacutestica do Texto Estudos Bakhtinianos Anaacutelise do Discurso Semioacutetica Liacutengua e Literatura LatinaContato camilaludovicegmailcom

Deacutebora Massmann Eacute doutora em Letras pela Universidade de Satildeo Paulo (USP) (2009) mestre e graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (2005 e 2002) Realizou estaacutegio Poacutes-doutoral em Semacircntica no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2014) Eacute docente permanente e coordenadora adjunta do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias da Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaiacute Atua como docente nos cursos de Graduaccedilatildeo em Letras Histoacuteria e Tecnologia em Gastronomia da Universidade do Vale do Sapucaiacute (UNIVAacuteS) Em 2018 foi professora convidada

- 203 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na Universidade de Turim (Itaacutelia) Tem experiecircncia em teoria e anaacutelise linguiacutestica principalmente na aacuterea de semacircntica anaacutelise de discurso retoacuterica e argumentaccedilatildeo Em suas pesquisas destaca-se o interesse pelo funcionamento dos discursos juriacutedico poliacutetico e artiacutestico Contato deboramassmannunivasedubr ou deboraquelhmgmailcom

Fernando Aparecido Ferreira Eacute doutor em Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo na aacuterea de Estudos dos Meios e da Produccedilatildeo Mediaacutetica pela Escola de Comunicaccedilatildeo e Artes (ECA) da Universidade de Satildeo Paulo (USP 2008) mestre em Comunicaccedilatildeo Midiaacutetica pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESP 2002) Graduado em Desenho Industrial (habilitaccedilatildeo em Programaccedilatildeo Visual 1995) Eacute professor da Universidade de Franca (UNIFRAN) desde 2000 integrando o corpo docente do Curso de Graduaccedilatildeo em Design Graacutefi co desde essa data e o corpo docente do Programa de Mestrado em Linguiacutestica desde setembro de 2011 Atualmente desenvolve e orienta trabalhos nos campos da Linguiacutestica Textual e da Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica em projetos de pesquisa que abarcam a relaccedilatildeo do texto verbal com o texto imageacutetico bem como a retoacuterica da imagem tendo como objetos de estudo histoacuterias em quadrinhos produccedilotildees audiovisuais peccedilas publicitaacuterias etc Eacute vice-liacuteder do grupo PARE - Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica vinculado ao CNPq Integra o Nuacutecleo Docente Estruturante dos cursos de Design da UNIFRANContato ff erreiradguolcombr

Gerardo Ramiacuterez Vidal Doutor em Letras Claacutessicas Pesquisador e Docente em tempo integral no Centro de Estudos Claacutessicos do Instituto de Investigaccedilotildees Filoloacutegicas da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico (UNAM) Atua como fi loacutelogo claacutessico e tradutor de textos gregos Suas linhas de pesquisa abordam a

- 204 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sofiacutestica a retoacuterica e a hermeneacuteutica Dentre suas publicaccedilotildees destacam-se La retoacuterica de Antifonte (2000) La palabra y la fl echa anaacutelisis retoacuterico de textos literarios de la Grecia antigua (2005) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e El arte de la memoria en la Rhetorica christiana de Diego Valadeacutes (2016) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e Paixotildees aristoteacutelicas (2017) Eacute membro do Sistema Nacional de Investigadores SNI (CONACyT) Niacutevel II Contato grvidal18gmailcom

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel Eacute Professor Adjunto A da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar) Atuou de 2010 a 2016 na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) Doutor (2014) e Mestre (2008) em Linguiacutestica Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Possui graduaccedilatildeo (2005) em Licenciatura em Letras - Portuguecircs pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Atua no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (PPGL-UFSCar) Atualmente desempenha a funccedilatildeo de coordenador do Bacharelado em Linguiacutestica Lidera juntamente ao Prof Dr Luiz Andreacute Neves de Brito o grupo de pesquisa Escrita e leitura na contemporaneidade cadastrado no CNPq Tem experiecircncia na aacuterea de Linguiacutestica com ecircnfase em Linguiacutestica Aplicada atuando principalmente nos seguintes temas gecircneros do discurso estilo de escrita teoria bakhtiniana aquisiccedilatildeo da linguagem escrita e escolaContato lucasvcmacielyahoocombr

Maria Flaacutevia Figueiredo Eacute Doutora em Linguiacutestica pela Unesp-Araraquara com estaacutegio poacutes-doutoral em Retoacuterica na PUC-SP Especializaccedilatildeo em Liacutenguas Estrangeiras pela State University of New York (SUNY-Albany) formaccedilatildeo em Psicanaacutelise pela APVP (Associaccedilatildeo Psicanaliacutetica do Vale do Paraiacuteba) e Graduaccedilatildeo em Letras pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

- 205 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica e dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia da Universidade de Franca Eacute liacuteder do grupo PARE (Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica) e membro do grupo ERA (Estudos de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo) ambos certifi cados pelo CNPq Tem experiecircncia nas aacutereas de Linguiacutestica (com ecircnfase em Retoacuterica Linguiacutestica Textual e Fonologia) Liacutengua Portuguesa Liacutengua Inglesa e Metodologia de Pesquisa Realiza pesquisas nos seguintes temas relaccedilotildees entre ethos retoacuterico e gecircnero do discurso Linguiacutestica e Psicanaacutelise gecircneros textuaisdiscursivos e ensino ethos pathos e logos intertextualidade como estrateacutegia persuasiva e questotildees de autoria no texto cientiacutefi co Dentre outras publicaccedilotildees eacute organizadora das obras Retoacuterica e multimodalidade (2018) Paixotildees aristoteacutelicas (2017) e O animal que nos habita a retoacuterica das paixotildees em Relatos Selvagens (2016) Contato mariafl aviafi gueiredoyahoocombr

Moacir Lopes de Camargos Possui graduaccedilatildeo em Letras - PortuguecircsFrancecircs pela Universidade Federal de Uberlacircndia (1995) mestrado em Linguiacutestica Aplicada (Liacutengua estrangeira) pela Universidade Estadual de Campinas (2003) doutorado em Linguiacutestica tambeacutem nesta instituiccedilatildeo (2007) poacutes-doutorado em Humanidades pela Universidade de Coacuterdoba Argentina (2008) poacutes-doutorado em Literatura Francoacutefona pela University of Guelph Canadaacute (2017) Tem experiecircncia docente na aacuterea de Letras francecircs espanhol portuguecircs e literatura em escolas da rede puacuteblica (ensino fundamental e meacutedio) e em cursos de formaccedilatildeo de professores tambeacutem atua no Ensino Superior (na aacuterea de Letras - graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo) Seu trabalho prioriza os seguintes temas interculturalidade e aprendizagem de liacutengua(s) e literatura Contato lopesdecamargosgmailcom

- 206 -

Patriacutecia Brasil Massmann Eacute doutoranda (Bolsa Filantropia Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Bolsa CAPESPROSUPBOLSA) e Mestre em Direito Poliacutetico e Econocircmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Bolsa CAPESPROSUP) Professora do Curso de Direito da UNIMetrocamp - Campinas Advogada Graduada em Direito pela Universidade da Amazocircnia (2003) Graduada em Administraccedilatildeo de Empresas e Comeacutercio Exterior pelo Centro Universitaacuterio do Estado do Paraacute (2002) Membro de diferentes grupos de pesquisa a saber ldquoMulher Sociedade e Direitos Humanosrdquo (UPM) ldquoA Constituiccedilatildeo Recuperadardquo (UPMCECEC) e a equipe do Projeto de Pesquisa ldquoA Constituinte Recuperadardquo (CEDECUPMFAPESP)Contato patriciabrasilmetrocampedubr

Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa (Unesp 2012) com estaacutegio poacutes-doutoral no Departamento de Ciecircncias Cognitivas da Case Western Reserve University ClevelandOH EUA (2018-2019) Mestre em Linguiacutestica (Unifran 2010) Especialista em Design Instrucional (Unifei 2015) e em Liacutengua Inglesa (Unifran 2006) Licenciada em Letras (Unifeg 1997) Eacute professora EBTT do IFSP Satildeo Joatildeo da Boa Vista Atua nas seguintes aacutereas Comunicaccedilatildeo Cientiacutefi ca Linguiacutestica Cognitiva Gramaacutetica Funcional Retoacuterica e Estiliacutestica Tecnologias e Educaccedilatildeo e Avaliaccedilatildeo Eacute organizadora de dois volumes da obra Temas e Rumos nas Pesquisas em Linguiacutestica (Aplicada) Questotildees empiacutericas eacuteticas e praacuteticas (2015 2017) Contato rosanaferraretoifspedubr

- 207 -

- 208 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Page 4: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora

CONSELHO EDITORIAL

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice (UNIFRAN)

Deacutebora Raquel Hettwer Massman (UNIVAacuteS)

Dominique Maingueneau (Paris-Sorbonne)

Edna Maria Fernandes dos Santos Nascimento (UNESP)

Erasmo DrsquoAlmeida Magalhatildees (USP)

Fernanda Mussalim (UFU)

Fernando Aparecido Ferreira (UNIFRAN)

Glenda Cristina Valim de Melo (UNIRIO)

Ivan Darrault-Harris (UNILIM - Franccedila)

Luciana Carmona Garcia Manzano (UNIFRAN)

Luiz Antocircnio Ferreira (PUC-SP)

Juscelino Pernambuco (UNIFRAN)

Maria da Gloacuteria Di Fanti (PUC-RS)

Maria Flaacutevia Figueiredo (UNIFRAN)

Mariacutelia Giselda Rodrigues (UNIFRAN)

Marina Ceacutelia Mendonccedila (UNESP)

Marlon Leal Rodrigues (UEMS)

Matheus Nogueira Schwartzmann (UNESP)

Renata Coelho Marchezan (UNESP)

Sueli Cristina Marquezi (PUC-SP)

Vera Luacutecia Rodella Abriata (UNIFRAN)

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 8

a construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto NORMAL HUMANIZADO

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim 15

dissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemCamila de Arauacutejo Beraldo Ludovice39

corpo e(m) (dis)curso da re-existecircncia Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann59

coisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie STRANGER THINGS

Fernando Aparecido Ferreira79

la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicaGerardo Ramiacuterez Vidal99

a autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular unicampLucas Vinicio de Carvalho Maciel121

a retoacuterica das paixotildees revisitadaMaria Flaacutevia Figueiredo 141

quando a lingua(gem) me afetaMoacir Lopes de Camargos 159

embodied language and its functionality in meaning constructionRosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Antocircnio Suaacuterez Abreu 175

os autores201

- 8 -

COLECcedilAtildeO MESTRADO EM LINGUIacuteSTICA

- 8 -

APRESENTACcedilAtildeO

Ao contraacuterio da memoacuteria das maacutequinas a memoacuteria coletiva supotildee dois suportes discursivos o objeto e o corpo O objeto cultural como portador de memoacuteria e o corpo como indicador de singularidade porque sem o corpo dos sujeitos que entre-transmitem algo de fundamental se perde a entonaccedilatildeo e com ela o valor O valor enquanto assinatura que atesta minha participaccedilatildeo singular e responsaacutevel no ser da cultura

Mariacutelia Amorim

A Coleccedilatildeo Mestrado em Linguiacutestica do programa de Mestrado em Linguiacutestica da Universidade de Franca (UNIFRAN) chega ao seu volume de nuacutemero 13 com o tiacutetulo O Texto corpo voz e linguagem Esta coleccedilatildeo foi organizada por trecircs professoras da aacuterea de estudos do texto e estaacute composta por nove capiacutetulos escritos por vaacuterios pesquisadores de diferentes universidades do Brasil e outros paiacuteses

Esta publicaccedilatildeo faz parte dos estudos desenvolvidos tambeacutem na linha de pesquisa ldquoProcessos e praacuteticas textuais caracterizaccedilotildees e abordagens teoacutericasrdquo do Mestrado em Linguiacutestica da UNIFRAN E tem como objetivo difundir as refl exotildees acadecircmicas que tratam dentro da temaacutetica proposta de abordagens teoacutericas e objetos diversos

Nos capiacutetulos deste livro o leitor encontraraacute discussotildees acerca das questotildees sobre corpo voz e linguagem manifestados das mais diversas formas e em variados gecircneros discursivos e tambeacutem analisados sob diferentes perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas

O primeiro capiacutetulo ldquoA construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto normal humanizadordquo escrito por Aline Maria Paciacutefi co Manfrim discute um tema bastante contemporacircneo e pouquiacutessimo debatido o parto normal humanizado Para tratar da temaacutetica a autora analisa cinco textos verbo-visuais postados no perfi l do Instagram de uma doula (mulher geralmente enfermeira que durante e apoacutes o parto fornece suporte emocional e fiacutesico a parturientes) e demonstra de que maneira os discursos aiacute veiculados se contrapotildeem com o modelo obsteacutetrico hegemocircnico no Brasil paiacutes que ocupa a posiccedilatildeo de segundo no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea Na esteira dos estudos bakhtinianos ao longo da anaacutelise a pesquisadora toma cada um dos enunciados presentes nos posts como um acontecimento enunciativo concreto uacutenico e irrepetiacutevel A relevacircncia do capiacutetulo repousa no fato de que a autora traz agrave baila um discurso que vai de encontro com aquele recorrente no paiacutes qual seja o que busca naturalizar a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo em detrimento do parto natural ou normal

Em ldquoDissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemrdquo a professora doutora Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice propotildee discutir a dissertaccedilatildeo como um gecircnero discursivo singular e por isso as vozes que o constituem e o estilo desse gecircnero tambeacutem merecem ser objeto de anaacutelise A partir de uma minuciosa revisatildeo bibliograacutefi ca dos estudos bakhtinianos que tratam desses conceitos e de refl exotildees realizadas pelos estudiosos de Bakhtin a professora mostra uma anaacutelise de uma dissertaccedilatildeo levando em conta os diaacutelogos realizados pela autora da dissertaccedilatildeo quando seleciona e mobiliza os enunciados para a materializaccedilatildeo de seu projeto de dizer Essa anaacutelise permitiu mostrar que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e concretiza a relaccedilatildeo entre o sujeito pesquisador e a liacutengua Os excertos analisados evidenciaram assim um posicionamento individual social e de mundo na

- 9 -

argumentaccedilatildeo produzida na dissertaccedilatildeo comprovado pelas marcas de expressatildeo deixadas na escrita

Deacutebora Massmann e Patriacutecia Brasil Massmann escreveram o capiacutetulo ldquoCorpo e(m) (dis)curso da re-existecircnciardquo As autoras tomam o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que o corpo eacute considerado como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Nessa perspectiva as autoras afi rmam que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Para ilustrar o processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia as autoras analisaram um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora As autoras analisaram o trecho sobre a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz e refl etiram sobre essa questatildeo como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tecircm de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio

No capiacutetulo ldquoCoisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie Stranger Th ingsrdquo o professor doutor Fernando Aparecido Ferreira faz uma anaacutelise minuciosa da intertextualidade que constitui a seacuterie Stranger

- 10 -

Th ings Para ele este recurso de linguagem estudado pela Linguiacutestica Textual eacute decisivo para a grande adesatildeo de puacuteblico ao enredo e aos recursos multimodais da narrativa porque funciona retoricamente como uma fi gura de comunhatildeo garantindo assim o sucesso na argumentaccedilatildeo construiacuteda pela seacuterie A partir da construccedilatildeo de uma identidade baseada na intertextualidade temaacutetica estiliacutestica por meio de recursos sonoros e audiovisuais das produccedilotildees dos anos 80 e da intertextualidade impliacutecita Stranger Th ings conclui o autor possibilita despertar no puacuteblico uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu garantindo assim aproximaccedilatildeo e familiaridade a cada sequecircncia narrativa da seacuterie

Gerardo Ramiacuterez Vidal da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico trouxe uma brilhante contribuiccedilatildeo para o livro por meio do capiacutetulo ldquoLa hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicardquo Com o conhecimento e a erudiccedilatildeo de um fi loacutelogo claacutessico o autor apresenta um percurso histoacuterico desde a Greacutecia antiga ateacute os dias atuais sobre a arte da expressatildeo oral ou hypokritikē (arte geral da pronuacutencia) Nos estudos linguiacutesticos da atualidade esse campo de estudo abarca o que conhecemos como prosoacutedia ou seja o conjunto de fenocircmenos focircnicos que se localiza aleacutem ou acima (hierarquicamente) da representaccedilatildeo segmental linear dos fonemas Para apresentar um levantamento diacrocircnico do uso do termo o pesquisador divide seu capiacutetulo em trecircs partes a primeira discorre sobre a palavra hypoacutekrisis e sua utilizaccedilatildeo em fontes antigas a segunda discute as imprecisotildees do termo e a terceira evidencia o caraacuteter transversal desse campo de estudo Ao longo do texto Ramiacuterez Vidal esclarece entatildeo a relevacircncia da expressatildeo oral (ou prosoacutedia) dentro dos estudos retoacutericos e por meio de uma ampla revisatildeo da literatura demonstra que esse campo de estudos foi primeiramente considerado como parte da retoacuterica por Aristoacuteteles tendo recebido atenccedilatildeo de autores gregos e posteriormente de latinos como Teofrasto Hermaacutegoras de Temnos Filodemo Casio

- 11 -

Longino e em especial Quintiliano que dedica a esse assunto um amplo capiacutetulo Depois de discorrer sobre as imprecisotildees do termo hypoacutekrisis e sobre o caraacuteter transversal que assumiu ao longo dos tempos ao fi nal do capiacutetulo o autor enfatiza que dada a relevacircncia do tema e a sua ampla aplicaccedilatildeo nos estudos retoacutericos eacute necessaacuterio que nos aprofundemos nos elementos prosoacutedicos sobretudo no que se refere a seu ensino e aplicaccedilatildeo praacutetica o que ressalta o pesquisador tem sido feito atualmente no Brasil pela pesquisadora Maria Flaacutevia Figueiredo docente do programa de poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica da Universidade de Franca

O capiacutetulo intitulado ldquoA autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular UNICAMPrdquo foi escrito pelo professor doutor Lucas Vinicio de Carvalho Maciel e trata sobre a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo sob a perspectiva do Ciacuterculo de Bakhtin A relevacircncia da autoconsciecircncia foi explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreendeu um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise o escopo do capiacutetulo aborda textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo Por essa incursatildeo o capiacutetulo evidenciou que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

- 12 -

A professora doutora Maria Flaacutevia Figueiredo escreveu o capiacutetulo ldquoA retoacuterica das paixotildees revisitadardquo com o propoacutesito de refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para tanto revisitou um dos mais relevantes legados de Aristoacuteteles a retoacuterica das paixotildees Segundo a autora refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para fi ns distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber Para alcanccedilar seus objetivos a pesquisadora perscrutou a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade para compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

No capiacutetulo ldquoQuando a lingua(gem) me afetardquo o professor doutor Moacir Lopes de Camargos elabora uma refl exatildeo sobre si a partir das accedilotildeesrespostas que os outros produziram sobre ele em alguns momentos de sua vida Ele aponta que elas contribuiacuteram para a sua formaccedilatildeo como sujeito social e fi caram marcadas no seu corpo e na sua memoacuteria pelo fato de serem accedilotildees violentas porque negaram a diferenccedila e tinham como objetivo forccedilar uma identidade que natildeo pertencia a ele Ao mesmo tempo em que a linguagem se tornou denuacutencia e sofrimento no capiacutetulo ela tambeacutem funcionou como caminho para elaboraccedilatildeo de uma retrospectiva de 50 anos da Histoacuteria de Brasil e de sua proacutepria histoacuteria em que social e individual se juntam para permitir com leveza e com o recurso esteacutetico das letras de muacutesica uma nova possibilidade de ldquocaminharrdquo sendo professor educador e formador de opiniatildeo em uma universidade

Os professores doutores Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues e Antocircnio Suaacuterez Abreu escreveram o capiacutetulo ldquoEmbodied language and its functionality in meaning constructionrdquo e partiram de questionamentos tais como Qual eacute o papel do corpo humano na cogniccedilatildeo e por que o usamos para entender as coisas do mundo Espaccedilos mentais satildeo estados fiacutesicos Se noacutes humanos tiveacutessemos um corpo diferente teriacuteamos uma cogniccedilatildeo diferente Das teorias fundadoras da metaacutefora conceptual (LAKOFF JOHNSON 1980) e dos esquemas imageacuteticos (LAKOFF 1987) a operaccedilotildees mentais mais modernas como o blending ou integraccedilatildeo conceitual (FAUCONNIER TURNER 2002) um novo ponto de vista sobre a linguagem humana emergiu da noccedilatildeo de cogniccedilatildeo corporifi cada Neste capiacutetulo foram discutidas essas questotildees e apresentados esses constructos da Linguiacutestica Cognitiva para lanccedilar luz sobre aspectos que viabilizam os blendings como as aff ordances (GIBSON 1979) a partir dos quais se pode notar a criatividade humana acontecendo na comunicaccedilatildeo Ao comparar usos em diferentes liacutenguas verifi caram a manifestaccedilatildeo da cogniccedilatildeo corporifi cada na construccedilatildeo de (novos) signifi cados Ao mostrarem exemplos de usos em expressotildees do Portuguecircs e do Inglecircs fi ca evidente que projetaram percepccedilatildeo cultura e histoacuteria para a realidade o que eacute plausiacutevel porque o nosso corpo funciona como uma caixa de ferramentas onde o ceacuterebro estaacute para nos fazer funcionar Assim o corpo eacute usado como gatilho para construir signifi cado

Com esta apresentaccedilatildeo e breve resumo dos capiacutetulos esperamos incitar a acircnsia pela leitura e por novas pesquisas Desejamos a descoberta de formas ineacuteditas de ver entender e expressar o corpo a voz e a linguagem

Camila de Arauacutejo Beraldo LudoviceAline Maria Paciacutefi co Manfrim

Maria Flaacutevia Figueiredo

- 15 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim

INTRODUCcedilAtildeO

Na posiccedilatildeo de segundo paiacutes no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea (ONUBR 2017) em um contexto em que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede recomenda que se realize esse tipo de praacutetica somente em situaccedilotildees necessaacuterias devido aos riscos maiores de complicaccedilotildees se for comparada com o parto natural ou normal no Brasil circula um discurso em que se naturaliza a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo

Dentre as razotildees para a hegemonia da cesaacuterea estaacute a forma como o parto eacute compreendido e reforccedilado pelo discurso meacutedico Palharini (2017) destaca que existe no Brasil uma perspectiva patoloacutegica da gravidez e do parto e uma supervalorizaccedilatildeo das tecnologias desenvolvidas na aacuterea meacutedica que contribuem para a compreensatildeo dessas duas situaccedilotildees como momentos em que as vidas das matildees e dos bebecircs se colocam em situaccedilatildeo de risco e por isso devem ser salvas

Diante desse modelo obsteacutetrico hegemocircnico a autora aponta que

Os movimentos sociais por mudanccedila na assistecircncia ao parto e nascimento esbarrariam nesta primeira questatildeo a difi culdade de diaacutelogo com a classe

A CONSTRUCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DO CORPO DA VOZ E DA LINGUAGEM EM ENUNCIADOS VERBO-VISUAIS

SOBRE O PARTO NORMAL HUMANIZADO

- 16 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

meacutedica tradicional devido agrave grande resistecircncia por mudanccedilas Para o discurso hegemocircnico a autoridade meacutedica eacute invisiacutevel e portanto natildeo haacute o que ser questionado Os argumentos envoltos por uma retoacuterica de cientifi cidade justifi cados pelo seu fi m natildeo signifi cam autoridade mas sim verdade Isso faz com que nem se discutam os procedimentos teacutecnicos e as praacuteticas que satildeo colocadas em xeque Todo discurso contraacuterio questionador e militante eacute desqualifi cado (PALHARINI 2017 p 30)

Essa desqualifi caccedilatildeo ocorre inclusive na falta de espaccedilo discursivo e fiacutesico para a discussatildeo a respeito do tema nas instituiccedilotildees de sauacutede de modo que a violecircncia obsteacutetrica por consequecircncia quase natildeo ganha forccedila para ser evidenciada

Esse discurso hegemocircnico poreacutem natildeo impede que os profi ssionais engajados na defesa dos partos normal (parto vaginal) e natural (normal mas sem nenhuma intervenccedilatildeo meacutedica como anestesia eou outras substacircncias que aceleram o parto como a ocitocina artifi cial) atuem defendam e divulguem informaccedilotildees para que as gestantes ao menos tomem conhecimento de outras possibilidades de se entender a gravidez e o parto desvinculados do campo semacircntico da patologia e serem associados a situaccedilotildees naturais e humanas que as mulheres vivenciam Nesse caso portanto tudo o que pode ser vinculado ao parto ndash entrar em trabalho de parto sentir as dores as contraccedilotildees o rompimento da bolsa e as teacutecnicas para passar por este momento de forma segura consciente e humanizada ndash tambeacutem eacute visto como natural

Para Diniz (2005 p 629)

As propostas de humanizaccedilatildeo do parto no SUS como no setor privado tecircm o meacuterito de criar novas possibilidades de imaginaccedilatildeo e de exerciacutecio de direitos de viver a maternidade a sexualidade a

- 17 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

paternidade a vida corporal Enfi m de reinvenccedilatildeo do parto como experiecircncia humana onde antes soacute havia a escolha precaacuteria entre a cesaacuterea como parto ideal e a vitimizaccedilatildeo do parto violento

No contexto da humanizaccedilatildeo do parto o papel da doula torna-se importante Atualmente entende-se por doulas ldquomulheres que datildeo suporte fiacutesico e emocional a outras mulheres antes durante e apoacutes o partordquo (DUARTE 2018 sp) Sendo assim tais mulheres satildeo contratadas e atuam no acompanhamento de gestantes que possuem grande interesse em parir de forma normal eou natural Por essa razatildeo as doulas assumiram um forte papel de militacircncia em defesa desse tipo de parto nos espaccedilos em que podem defender essa praacutetica

Na visatildeo apresentada por Barbosa et al (2018 p 427)

Um importante movimento da doula parece ser a sororidade com a gestante pois satildeo mulheres que usam suas experiecircncias de parto positivas ou negativas aliando o conhecimento e a sensibilidade em prol de um parto respeitoso Estatildeo centradas no bem-estar da mulher e em seu empoderamento durante o trabalho de parto e natildeo na realizaccedilatildeo de teacutecnicas e procedimentos focados somente no nascimento de um concepto saudaacutevel

Apesar dessa caracteriacutestica da sororidade atribuiacuteda agraves doulas a maioria das gestantes natildeo sabem da existecircncia dessa profi ssional e cabe agraves proacuteprias doulas divulgar seu trabalho mesmo diante do discurso obsteacutetrico hegemocircnico que minimiza as vantagens do parto normalnatural

Um espaccedilo de divulgaccedilatildeo muito utilizado pelas doulas satildeo as redes sociais Confi gurando-se como um meio de divulgaccedilatildeo e militacircncia por esse tipo de parto Facebook e Instagram acabam se

- 18 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

tornando um territoacuterio possiacutevel de discussatildeo contato e formaccedilatildeo de opiniatildeo sobre o trabalho realizado pela doula

A vantagem dessas redes eacute o faacutecil acesso agraves pessoas e aos discursos uma vez que as postagens multimodais possuem forte apelaccedilatildeo e podem ser grandes instrumentos de convencimento No Instagram por exemplo a comunicaccedilatildeo entre perfi s e seguidores eacute permeada fortemente por enunciados verbo-visuais

Este capiacutetulo delimitou como escopo de anaacutelise um perfi l do Instagram que pertence a uma doula e eacute intitulado celesteparteira Nesse perfi l haacute muitas formas de tratamento do parto normalnatural e diante delas os enunciados verbo-visuais se mostraram pertinentes pelo fato de no embate pela defesa de uma compreensatildeo do parto como algo natural agrave gestante produzir argumentos que concretizam o distanciamento do discurso da patologizaccedilatildeo da gravidez e do parto

Esse distanciamento discursivo faz associaccedilotildees semacircnticas que cotejam temas como a ancestralidade a simbologia da circularidade a potecircncia do corpo feminino a singularidade de cada gestante e a necessidade de formaccedilatildeo de uma rede de apoio para a viabilizaccedilatildeo do nascimento social do bebecirc e da proacutepria possibilidade de materializaccedilatildeo de um parto mais humanizado

O ENUNCIADO VERBO-VISUAL

Eacute possiacutevel pensar em texto na concepccedilatildeo bakhtiniana poreacutem temos que nos deslocar do viacutenculo direto que normalmente se faz com os estudos da Linguiacutestica Textual Esta disciplina possui um histoacuterico independente dos estudos bakhtinianos de modo que na fase chamada de virada sociocognitivo-interacionista (KOCH 2015) incorpora em suas teorias a importacircncia da interaccedilatildeo verbal concordando que quando produzimos textos elaboramos na realidade engajamentos em contextos sociais conforme os

- 19 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

papeis sociais que podem ser assumidos na produccedilatildeo enunciativa

Da mesma forma os estudos bakhtinianos possuem um caminho de refl exatildeo independente da Linguiacutestica Textual Inseridos em uma trajetoacuteria de investigaccedilatildeo sobre a linguagem considerando a forte relaccedilatildeo entre eacutetica e esteacutetica que se interliga por meio dos traccedilos culturais e o embate das relaccedilotildees hieraacuterquicas entre os interlocutores esses estudos natildeo priorizam somente o conteuacutedo interno de um texto porque nessa perspectiva esse conteuacutedo interno nada mais eacute do que o resultado de um trabalho muito mais visceral com a linguagem que envolve assumir-se como locutor elaborar e executar um projeto de dizer que estaacute inteiramente endereccedilado ao outro desde a escolha do gecircnero ateacute o tom expressivo que eacute confi gurado e tambeacutem compreender que o que estaacute sendo produzido tem uma funccedilatildeo social e por isso motivo para existir de forma concreta

Devido a isso em um dos primeiros livros publicados pelo Ciacuterculo Marxismo e fi losofi a da linguagem com autoria atribuiacuteda a Voloshinov as primeiras orientaccedilotildees para uma anaacutelise mais ampla da linguagem caracterizadas como meacutetodo socioloacutegico ateacute entatildeo (o qual depois vai ser compreendido e nomeado no Brasil de estudos dialoacutegicos) satildeo

1) Natildeo se pode isolar a ideologia da realidade material do signo (ao inseri-la na ldquoconsciecircnciardquo ou em outros campos instaacuteveis e imprecisos)

2) Natildeo se pode isolar o signo das formas concretas da comunicaccedilatildeo social (pois o signo eacute uma parte da comunicaccedilatildeo social organizada e natildeo existe como tal fora dela pois se tornaria um simples objeto fiacutesico)

3) Natildeo se pode isolar a comunicaccedilatildeo e suas formas da base material (VOLOSHINOV [1929] 2017 p 110)

- 20 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Posteriormente com o desenvolvimento dos estudos dos gecircneros do discurso pelo Ciacuterculo a noccedilatildeo de enunciado se mostrou muito mais potente como unidade concreta da comunicaccedilatildeo pelo fato de considerar quando trata das particularidades do enunciado (BAKHTIN 2003a) as relaccedilotildees dialoacutegicas existentes na interaccedilatildeo verbal que envolvem o acabamento provisoacuterio do enunciado uma vez que ele tem como delimitaccedilatildeo a possibilidade de resposta do outro o endereccedilamento a algueacutem jaacute que ele eacute uma resposta concreta a um sujeito concreto (e natildeo necessariamente real) e por fi m o tom expressivo o qual estaacute ligado agraves outras particularidades e a disputa pelos sentidos no processo comunicativos sendo a palavra (enunciado) considerada a arena de luta (BAKHTIN [1929] 2017) Essas trecircs caracteriacutesticas mostram o quanto o enunciado estaacute atrelado ao acontecimento enunciativo daiacute tambeacutem vem a relevacircncia de chamaacute-lo de concreto uacutenico e irrepetiacutevel

Nessa perspectiva a noccedilatildeo de texto considerada neste capiacutetulo se aproximaria muito mais da noccedilatildeo de enunciado tal como defende o Ciacuterculo de Bakhtin o que permite considerar que um enunciado seja um fi lme um tweet uma palestra uma propaganda uma imagem o corpo ou forma como uma cidade eacute estruturada por exemplo

No caso dos textos (com a noccedilatildeo explicitada acima) verbo-visuais Grillo (2012) discute a possibilidade de anaacutelise por meio dos estudos bakhtinianos pelo fato de esses estudos natildeo terem se restringido a enunciados verbais e pelo fato de terem ampliado as refl exotildees sobre a interaccedilatildeo humana e a produccedilatildeo de linguagem a diversos campos da cultura Essa pesquisadora aponta que a noccedilatildeo de tema e de gecircneros do discurso satildeo indiacutecios concretos da possibilidade de se compreender os textos verbo-visuais agrave luz dessa linha de anaacutelise porque elas propotildeem um deslocamento para aleacutem dos limites do conteuacutedo em si

- 21 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao tema

[hellip] a teoria bakhtiniana natildeo rejeita a possibilidade e a pertinecircncia da anaacutelise estrutural das unidades constituintes mas funda sua abordagem no estudo das propriedades globais dos enunciados concretos incorporando interpretaccedilotildees decorrentes dos discursos ndash esferas ndash e das associaccedilotildees culturais ndash elementos imprescindiacuteveis na teoria bakhtiniana A teoria bakhtiniana calca sua proposta no princiacutepio gestaltista de que o todo do enunciado natildeo pode ser determinado exclusivamente a partir de seus constituintes (GRILLO 2012 p 242)

A noccedilatildeo de tema amplia a compreensatildeo de enunciado para aleacutem de seus constituintes porque trata do novo propiciado pelo acontecimento da interaccedilatildeo (VOLOSHINOV [1929] 2017) Orienta as anaacutelises para o encontro entre sujeito e seu outro e acaba se tornando tambeacutem a porta de entrada para a relaccedilatildeo entre liacutengua e vida diferente da signifi caccedilatildeo que abarca a parte reiteraacutevel da liacutengua No caso dos textos verbo-visuais pode-se considerar a produccedilatildeo do novo no cotejamento entre verbal e natildeo verbal proporcionado pelo autor e no acontecimento da interaccedilatildeo entre interlocutor e enunciado

Em relaccedilatildeo ao gecircnero

A partir da distinccedilatildeo entre forma arquitetocircnica e forma composicional ou entre projeto de discurso do falante e construccedilatildeo composicional do gecircnero entendemos que a dimensatildeo verbo-visual dos enunciados de divulgaccedilatildeo cientiacutefi ca eacute por um lado um momento da organizaccedilatildeo do material verbo-visual na construccedilatildeo composicional e por outro a materializaccedilatildeo do projeto discursivo do autor [hellip] A teoria do Ciacuterculo ao abordar enunciados concretos inclui a autoria como seu objeto de estudo Os

- 22 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enunciados e seus gecircneros satildeo a concretizaccedilatildeo do projeto discursivo de seus autores Embora constituam um todo para o leitor cada um desses dois planos de expressatildeo pode ser elaborado por instacircncias autorais distintas (GRILLO 2012 p 244-245)

Nesse trecho a autora destaca que a noccedilatildeo de gecircneros do discurso proposta pelo Ciacuterculo permite considerar o trabalho que o sujeitoautor realiza quando trabalha a linguagem em suas diversas manifestaccedilotildees por meio de diaacutelogos com a estrutura composicional e com a singularidade que se concretiza quando organiza sua resposta ao outro dentro das possibilidades que tem e que cria Nesse sentido tambeacutem se pode associar aqui o conceito de estilo tanto o estilo do gecircnero quanto o estilo de autor

Neste capiacutetulo por meio da discussatildeo sobre o trabalho realizado com textos verbo-visuais (tambeacutem considerados como enunciados) que tratam da gravidez e do parto em uma paacutegina de uma doula que incentiva o parto normal e humanizado na rede Instagram seratildeo apresentadas refl exotildees sobre a) o projeto de dizer proposto com a publicaccedilatildeo das imagens selecionadas considerando a questatildeo da construccedilatildeo temaacutetica nesses enunciados e b) a noccedilatildeo de corpo como lugar social para a construccedilatildeo do direito ao parto humanizado em espaccedilos ofi ciais

A LINGUAGEM VERBO-VISUAL COMO ESPACcedilO DE EMBATE PELO DIREITO AO PARTO NORMAL HUMA-NIZADO

A palavra eacute ato eacutetico accedilatildeo sobre o mundo e o outro Faz-nos contrair uma responsabilidade concreta e ontoloacutegica ao mesmo tempo para com o mundo e com o outro e eacute nossa maneira de ser e existir neste mundo e na transcendecircncia

Bubnova Baronas e Tonelli

- 23 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As refl exotildees de Bubnova Baronas e Tonelli (2011 p 3) destacam a importacircncia de considerar as vozes do processo dialoacutegico como ldquoposiccedilotildees eacutetico-ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozesrdquo

Nesse cenaacuterio dialoacutegico e singular ao mesmo tempo esses autores vatildeo aprofundar a refl exatildeo do direcionamento dos enunciados aos outros mostrando que na teoria translinguiacutestica proposta por Bakhtin e o Ciacuterculo a concepccedilatildeo de mundo adotada considera o sentido material e o moral de modo que o espaccedilo eacute o lugar em que o outro sempre estaacute e por isso no processo interativo tem que entrar no espaccedilo seja pelo gesto tarefa ou expressatildeo

Esse exerciacutecio de ldquoentrar no espaccedilo que jaacute existe um outrordquo faz com que o eu assuma responsabilidades de modo que precisa entrar em um processo de construir sua presenccedila e cooperaccedilatildeo com o outro

Ainda para esses autores essa relaccedilatildeo interlocutiva e dialoacutegica torna o ato de enunciar um encontro com o outro evidenciando assim o caraacuteter de acontecimento do ser chamado de acontecimento entre noacutes A construccedilatildeo de sentidos tem seu caraacuteter de accedilatildeo

Eacute desse lugar de produccedilatildeo dinacircmica de sentidos que os autores chamam a atenccedilatildeo para a produccedilatildeo dinacircmica de enunciados e assim essa complexidade de articulaccedilatildeo entre liacutengua (que estaacute em tudo) e vida torna-se muito mais importante para os estudos bakhtinianos do que a distinccedilatildeo entre oralidade e escrita informalidade ou formalidade nos processos comunicativos

Os autores tambeacutem destacam que o fi loacutesofo russo da linguagem Mikhail Bakhtin apesar de natildeo ter se ocupado do folclore e da tradiccedilatildeo oral mas da literatura escrita canocircnica utiliza amplamente o vocabulaacuterio relacionado ao oral agrave voz agrave audiccedilatildeo agrave escuta ao tom agrave tonalidade agrave entonaccedilatildeo ao acento etc

- 24 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Diferentemente de outros teoacutericos Bakhtin natildeo trata a oralidade como um domiacutenio agrave parte da escrita e natildeo faz uma draacutestica divisatildeo entre a cultura oral e a cultura escrita como dois acircmbitos contrastantes Ao contraacuterio o mundo pensado por ele tanto o da voz quanto o da letra aparece unifi cado pela produccedilatildeo dinacircmica dos sentidos gerados e transmitidos pelas vozes personalizadas que representam posiccedilotildees eacuteticas e ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e um intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozes (BUBNOVA BARONAS TONELLI 2011 p 2)

Sendo assim discutem ser o essencial dos estudos bakhtinianos tratar da produccedilatildeo de linguagem integrada em todos os tipos de atos revelando uma compreensatildeo do verbal como um discurso oral traduzido em letras sendo portanto uma ldquovoz escritardquo

O discurso frente a tais refl exotildees pode ser compreendido como uma forma de autoexpressatildeo do ser humano que envolve vocalizaccedilatildeo gestos expressotildees pausas ausecircncias respostas taacutecitas e sentidos mudos

Essas consideraccedilotildees a respeito das relaccedilotildees dialoacutegicas e da concepccedilatildeo de discurso na perspectiva bakhtiniana podem auxiliar na forma de interpretaccedilatildeo de enunciados verbo-visuais como uma voz multimodal que traz uma articulaccedilatildeo de posicionamentos por meio da qual a busca por entrar no espaccedilo que jaacute eacute territoacuterio do outro torna-se um confl ito necessaacuterio para garantir o lugar do eu

Desse modo a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de uma voz que defenda o parto normal humanizado em um paiacutes em que existe um dos maiores iacutendices de cesaacutereas do mundo (ldquoEnquanto a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) estabelece em ateacute 15 a proporccedilatildeo recomendada de partos por cesariana no Brasil esse percentual eacute de 57rdquo ONUBR 2017 sp) signifi ca entrar em um embate com o jaacute institucionalizado daiacute a necessidade de se buscar estrateacutegias e frestas para dar concretude a essa possibilidade de embate por meio de escolhas que possibilitem trazer o novo

- 25 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(construccedilatildeo temaacutetica) e os gecircneros que ofereceratildeo suporte agrave consolidaccedilatildeo do espaccedilo de resistecircncia

SOBRE O CORPUS DE ANAacuteLISE

As imagens selecionadas para anaacutelise foram postadas por uma doula em seu perfi l do Instagram o qual tem por objetivo divulgar o trabalho realizado por ela de doulagem e defender o parto normal humanizado Ela eacute enfermeira e aleacutem da atividade de doulagem oferece cursos para a formaccedilatildeo de futuras doulas

Em seu perfi l essa doula tambeacutem busca esclarecer as informaccedilotildees sobre o parto normal humanizado e desmitifi car preacute-conceitos e inverdades a respeito desse tipo de parto Defende a importacircncia da cesaacuterea quando ela salva vidas mas tenta mostrar que o corpo da mulher tem condiccedilotildees de parir um fi lho sem a cirurgia quando a mulher estaacute bem informada e decide por essa opccedilatildeo

Esse posicionamento se explicita no perfi l por meio das fotos dos partos dos quais participa fotos dos cursos que ministra divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees teacutecnicas e teoacutericas postagem de depoimentos que reforccedilam a realizaccedilatildeo profi ssional dela exposiccedilatildeo de depoimentos de matildees e outras doulas em formaccedilatildeo e por fi m postagem de enunciados verbo-visuais que tratam da gravidez e do parto visando atingir tambeacutem pessoas que natildeo estejam diretamente ligadas a ela mas que buscam esclarecimento Satildeo estes uacuteltimos enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise deste capiacutetulo

Cinco deles seratildeo discutidos aqui Todos eles ressaltam a necessidade de integraccedilatildeo entre matildee bebecirc sociedade e entorno Apresentam tambeacutem fi guras circulares referentes ao ciclo do gerar nascer e habitar o planeta e instruem para a importacircncia de a matildee estar conectada com a questatildeo da integraccedilatildeo para assim haver a possibilidade de materializaccedilatildeo do parto normal de forma integrada com a naturezauniverso

- 26 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em termos simboacutelicos o ciacuterculo representa ldquoausecircncia de distinccedilatildeo ou divisatildeo [hellip] o movimento circular eacute perfeito imutaacutevel sem comeccedilo nem fi m e nem variaccedilotildees o que o habilita a simbolizar o tempordquo (CHEVALIER GHEERBRANT 1988 p 250) Jung (1964) mostra que o ciacuterculo eacute o siacutembolo da psiquegrave Para esse autor em diversas culturas e suas respectivas crenccedilas os elementos circulares representam a indissociabilidade entre a alma e o divino

Essa ideia de continuidade associada agrave gravidez e ao parto no corpus de anaacutelise deste capiacutetulo reforccedila a ideia do parto normal como um ritual de pertenccedila e conexatildeo com o todo A mulher que vai parir o bebecirc nessa concepccedilatildeo e aproximaccedilatildeo de ideias natildeo eacute dissociada de sua histoacuteria da ancestralidade e se conecta tambeacutem ao porvir por meio do bebecirc que nasce

Nos enunciados analisados constroacutei-se um espaccedilo discursivo propiacutecio para a concretizaccedilatildeo da gestaccedilatildeo via parto normal Com isso materializam-se lugares de empoderamento e embate que abrem as possibilidades para as matildees saberem seus direitos terem acesso a informaccedilotildees e se sentirem fi rmes para vivenciar esse tipo de parto caso seja esaa a opccedilatildeo

Essas consideraccedilotildees iniciais sobre o corpus jaacute evidenciam que a linguagem verbo-visual contribui para a constituiccedilatildeo de um espaccedilo de militacircncia pelo direito ao parto normal humanizado e traz a voz natildeo da ldquoescritardquo ofi cial e institucionalizada para construir seus argumentos mas a da ancestralidade da praacutetica de partos anteriores aos registros e dados estatiacutesticos considerados pela cultura da cesaacuterea como uma forma mais segura de parto existente no Brasil

A incorporaccedilatildeo simboacutelica e material das tecnologias na situaccedilatildeo da cesariana atualiza as possibilidades corporais e sociais inclusive driblando imperativos da natureza a cesaacuterea marcada transforma profundamente a experiecircncia do parto retirando

- 27 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

da cena elementos como coacutelicas contraccedilotildees rompimento de bolsa espasmos gritos e o tempo de espera com suas expectativas incertezas e ansiedades A teacutecnica ciruacutergica e seus usos reapresentam o parto agraves mulheres (NAKANO BONAN TEIXEIRA 2015 sem paacutegina)

Frente agraves mudanccedilas acarretadas pela cesaacuterea marcada a cada postagem a doula se coloca em embate com essa realidade abrindo espaccedilos de disputa pelos sentidos atribuiacutedos ao parto Nesse espaccedilo discursivo regado de exemplos de espaccedilos fiacutesicos (maternidade SUS plano de sauacutede parto em casa parto na aacutegua etc) revela-se a imagem do corpo de mulher graacutevida e a aprendizagem de lidar com esse corpo por meio de uma voz (o discurso de defesa do parto normal a vocalizaccedilatildeo na accedilatildeo de parir o acolhimento da doula) que constitui a materialidade do verbal natildeo verbal e do proacuteprio bebecirc que nasce biologicamente e socialmente voz esta integralmente conectada com o universo que a cerca

PROJETOS DE DIZERES E O CORPO INTEGRACcedilAtildeO DA GRAVIDEZ AO PARTO

A seguir seratildeo apresentadas algumas refl exotildees sobre cada um dos cinco enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise Em termos metodoloacutegicos seguindo o que os estudos bakhtinianos entendem ser tarefa das pesquisas em ciecircncias humanas os enunciados satildeo interpretados considerando o acontecimento de interaccedilatildeo entre o pesquisador e o dado de pesquisa com o intuito principal de construir uma compreensatildeo (BAKHTIN 2003b)

A partir disso o resultado da compreensatildeo se aproxima de uma verdade que o Circulo chama de Pravda isto eacute aquilo que se atinge no evento singular uma vez que eacute ela que consegue abarcar o ato eacutetico (BAJTIacuteN 1997) sem pretensatildeo de se chegar a uma verdade generalizante e universal (Istna)

- 28 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Bakhtin (2003b p 400) aponta que ldquotoda interpretaccedilatildeo eacute um correlacionamento de dado texto com outros textosrdquo Entatildeo o pesquisador ao planejar realizar e divulgar seu trabalho tambeacutem passa por um processo interpretativo da realidade sobre a qual se debruccedila Nesse mesmo capiacutetulo aponta as etapas do movimento dialoacutegico da interpretaccedilatildeo que satildeo a) o ponto de partida isto eacute um corpus um enunciado b) o movimento retrospectivo ou seja a realizaccedilatildeo do diaacutelogo com o passado e c) o movimento prospectivo que diz respeito agraves respostas produzidas a partir de um projeto de dizer iniciando assim um futuro contexto As anaacutelises realizadas neste capiacutetulo buscaram seguir esse movimento interpretativo

O Enunciado 1 jaacute trata de valorizar a possibilidade real e da preparaccedilatildeo bioloacutegica do corpo da mulher para parir em contraponto com a aceitaccedilatildeo de imediato de uma cesaacuterea desnecessaacuteria

Enunciado 1 10 afi rmaccedilotildees para o momento do parto

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 29 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O design arredondado tanto da imagem (a elipse rosa os coraccedilotildees a barriga o rosto da mulher o posicionamento de conexatildeo entre os braccedilos e entre as pernas) quanto dos ciacuterculos brancos que abrangem cada uma das dez afi rmaccedilotildees remetem agrave conexatildeo entre corpo voz e linguagem no que se refere agrave ligaccedilatildeo entre corpo bioloacutegico aquele que apresenta condiccedilotildees para a efetivaccedilatildeo de um parto normal e a consciecircncia (mente) em termos de preparaccedilatildeo emocional para tal ato

Por meio da linguagem as vozes mobilizadas (no caso as dez afi rmaccedilotildees) e o comentaacuterio realizado pela enfermeira (reforccedilando a positividade entre pensamento afi rmaccedilotildees e parto) possibilitam a concretizaccedilatildeo e a preparaccedilatildeo para esse tipo de parto

Nesse caso o tom apreciativo centralizado no ldquoeurdquo ldquobebecircrdquo e ldquovidardquo eacute de empoderamento da accedilatildeo de parir como se a repeticcedilatildeo dessas palavras materializasse a forccedila e o encorajamento necessaacuterios para assumir essa opccedilatildeo de parto

Sob a responsabilidade do ldquoeurdquo (matildee) estatildeo conseguir relaxar amar e estar pronta Em relaccedilatildeo ao bebecirc atribui-se o saber nascer No que se refere agrave vida reforccedila-se o fl uir Sobre a integraccedilatildeo matildeebebecirc designa-se a harmonia entre ambos

A questatildeo do tom se modifi ca um pouco quando de trata da dor do parto As afi rmaccedilotildees sobre a dor e sobre as contraccedilotildees natildeo minimizam o fato de que elas existem mas deslocam os sentidos para focalizar na necessidade delas para que o nascimento ocorra concentrando na importacircncia delas para a movimentaccedilatildeo do bebecirc e da produtividade de natildeo estabelecer a ligaccedilatildeo entre dor e sofrimento Para isso utilizam-se os verbos no infi nitivo sentir dor e ter o bebecirc O corpo eacute o centro da imagem o centro da geraccedilatildeo do bebecirc e a conexatildeo material entre os discursos que empoderam a mulher e a possibilidade de parir empoderada

O Enunciado 2 propotildee o cotejamento de uma construccedilatildeo temaacutetica por meio da conexatildeo da matildee com a ancestralidade

- 30 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 2 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

Novamente valendo-se da circularidade das imagens para evidenciar o ciclo da vida a imagem reforccedila a ligaccedilatildeo entre a matildee o bebecirc a placenta e a terra (matildee terra) A barriga da matildee central na imagem representa a uniatildeo desses elementos remetendo agrave visatildeo do universo como algo holiacutestico em que homem universo e natureza estatildeo interligados Assim como a placenta envolve o bebecirc a nova vida o universo envolve a matildee a que gera Nas laterais da imagem a matildee aparece envolvendo o bebecirc e por sua vez o bebecirc em posiccedilatildeo fetal eacute envolvido pela placenta

Essa relaccedilatildeo metafoacuterica entre universo matildee e bebecirc na gravidez retoma a ideia da conexatildeo holiacutestica entre corpo voz e linguagem Em relaccedilatildeo ao corpo este passa a ser o elo entre passado e futuro

- 31 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de forma que se torna o presente da possibilidade de materializaccedilatildeo e continuidade da vida A voz trazida pelo comentaacuterio (ldquoSobre gratidatildeordquo) direciona o corpo para o posicionamento de curvar-se diante do universo reconhecer a divindade da vida e aceitar as o ciclo universal do nascer crescer e morrer Ao mesmo tempo em que nasce o bebecirc nasce a placenta com desenho muito semelhante a uma aacutervore seus galhos e raiacutezes e tambeacutem nasce a matildee A linguagem verbal vem a se conectar com esse tom apreciativo de agradecimento

O Enunciado 3 propotildee uma construccedilatildeo temaacutetica que reforccedila a rede de apoio no ato de parir

Enunciado 3 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 32 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com o intuito de parabenizar os meacutedicos obstetras pelo seu dia a doula posta a imagem acima que remete agraves enfermeiras que medem os batimentos cardiacuteacos do coraccedilatildeo do bebecirc e controlam a dilataccedilatildeo da matildee durante o trabalho de parto aos meacutedicos que realizam o preacute-natal e o parto e portanto jaacute possuem uma conexatildeo com a matildee e aos acompanhantes de parto Tal rede faz parte do que se considera chamar ldquoparto humanizadordquo porque todos de forma colaborativa contribuem para que haja um ambiente propiacutecio seguro e tranquilo para que a matildee possa parir seu bebecirc

Eacute interessante ressaltar que essa rede tambeacutem representada por um ciacuterculo na imagem caracteriza os envolvidos no parto por meio de vaacuterias cores da pele de formato de cabelo isto eacute tambeacutem pode representar a importacircncia desse elo de respeito aos direitos da mulher graacutevida em diversas culturas considerando as diferenccedilas nas diversas instacircncias sociais inclusive nos diferentes tipos de corpos que vatildeo parir

A construccedilatildeo do discurso de defesa do parto normal passa nesse enunciado pela construccedilatildeo temaacutetica da importacircncia de se considerar as singularidades e o contexto da matildee que estaacute parindo

O Enunciado 4 volta-se ao bebecirc receacutem-nascido

- 33 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 4 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

O ciacuterculo azul ao mesmo tempo que se refere agrave bolsa de aacutegua que carrega o bebecirc remete a um planeta isto eacute a um mundo novo que se inicia O entorno da imagem reforccedila essa ideia de anunciaccedilatildeo do novo dentre as demais estrelas constelaccedilotildees e galaacutexias jaacute existentes A luz que ela deseja no comentaacuterio se direciona para a vibraccedilatildeo de positividade para a matildee e o bebecirc mas tambeacutem agrave fase do parto normal denominada coroaccedilatildeo do bebecirc a qual corresponde agrave saiacuteda da cabeccedila no canal vaginal da matildee Essa fase tambeacutem eacute conhecida como ciacuterculo de fogo (luz) porque quando a cabeccedila sai a matildee sente uma espeacutecie de queimaccedilatildeo

- 34 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As matildeos que aparecem no enunciado formam uma espeacutecie de caacutelice pela posiccedilatildeo em que estatildeo e acolhem a cabeccedila do bebecirc Em termos de construccedilatildeo temaacutetica aqui existe uma associaccedilatildeo com o discurso religioso ao aproximar a questatildeo do formato do caacutelice com a praacutetica do recebimento do sangue de Cristo pela hoacutestia sagrada

O Enunciado 5 se volta para a questatildeo da singularidade do trabalho de parto incentivando a matildee a natildeo se basear em uma ideia fechada de como ocorreraacute seu parto

Enunciado 5 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 35 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Na parte verbal do enunciado pode ser identifi cada uma voz que se coloca em embate direto com as visotildees estereotipadas que denigrem o parto normal e com as comparaccedilotildees que satildeo feitas entre as mulheres que jaacute pariram dessa forma Concretizado em primeira pessoa ele se torna uma espeacutecie de mantra para que a mulher internalize esse fato de modo que se sinta confi ante para ir adiante caso escolha ter seu fi lho assim

A organizaccedilatildeo da folhagem em volta do bebecirc e as pinturas na pele dele podem ser associadas agrave particularizaccedilatildeo tatildeo potente que pode ateacute ser associada a um DNA especiacutefi co O biotipo da matildee entatildeo eacute colocado como capaz de parir o fi lho que existe dentro dela

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Por meio dos enunciados verbo-visuais foi realizada uma discussatildeo agrave luz dos estudos bakhtinianos sobre as formas de composiccedilatildeo temaacutetica realizada para defender o parto normal humanizado A proacutepria escolha do gecircnero para a produccedilatildeo dos enunciados (postagem no Instagram) local de compartilhamento do cotidiano jaacute pode ser compreendida como um lugar de resistecircncia e militacircncia possiacutevel para tal tese cuja forccedila pode se igualar aos demais espaccedilos que reforccedilam ou incentivam somente o parto via cesaacuterea (discurso dominante)

A profi ssatildeo de enfermeira e sua experiecircncia de doulagem tambeacutem autorizam a doula a sustentar a defesa de seus argumentos e no caso dos enunciados analisados neste capiacutetulo a tentativa de esclarecimento divulgaccedilatildeo e incentivo ao parto normal torna-se uma forma de fazer com que as matildees saibam da existecircncia desse parto de forma humanizada e faccedilam uma escolha consciente entre ele e a cesaacuterea

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 36 -

Os enunciados tambeacutem reforccedilam que caso esse tipo de parto seja escolhido a tarefa natildeo eacute soacute da mulher pois haacute que se consolidar uma rede de apoio que possibilite a concretizaccedilatildeo desse parto de forma mais saudaacutevel e consciente possiacutevel em relaccedilatildeo ao corpo a voz e a linguagem

No que se refere ao corpo durante a gravidez se incentiva uma conexatildeo com a ancestralidade reforccedilando assim uma busca por uma forccedila e uma tranquilidade que eacute encontrada na natureza uma vez que o corpo tem condiccedilotildees de parir dessa forma

Em relaccedilatildeo agrave voz o discurso que predomina eacute o de empoderamento e confi anccedila de modo que toda a dor que aparecer seja fiacutesica ou emocional tenha uma relaccedilatildeo com a histoacuteria de minimizaccedilatildeo do poder feminino devido agraves posiccedilotildees de prestiacutegio machistas que desenvolveram teorias sobre o parto sem necessariamente considerar as questotildees femininas do gerar parir amamentar e cuidar

Esse cenaacuterio estaacute permeado pela linguagem nas suas mais distintas possibilidades de construccedilatildeo de enunciados As frestas que se tentam abrir para que o parto normal humanizado seja valorizado na sociedade brasileira soacute podem ganhar forccedila nas praacuteticas comunicativas que constituem e satildeo constituiacutedas pelas interaccedilotildees humanas

Nas anaacutelises buscou-se realizar associaccedilotildees que fossem aleacutem do que seria reiteraacutevel na linguagem considerando o projeto de dizer e as respostas produzidas quando postava os enunciados verbo-visuais em seu perfi l do Instagram

REFEREcircNCIAS

BAJTIN M Hacia uma fi losofi a del acto eacutetico De los borradores y otros escrito Trad Tatiana Bubnova Barcelona Anthropos San Juan Universidade de Puerto Rico 1997

- 37 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BAKHTIN M M Os gecircneros do discurso In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003a

______ Metodologia das ciecircncias humanas In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003b

BARBOSA M B B et al Doulas como dispositivos para humanizaccedilatildeo do parto hospitalar do voluntariado agrave mercantilizaccedilatildeo Sauacutede Debate Rio de Janeiro v 42 n 117 p 420-429 abr-jun 2018

BUBNOVA T BARONAS R L TONELLI F Voz sentido e diaacutelogo em Bakhtin Bakhtiniana Satildeo Paulo v 6 n 1 p 268-280 agodez 2011

CHEVALIER J GHEERBRANT A Dicionaacuterio de siacutembolos Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1998

DINIZ C S G Humanizaccedilatildeo da assistecircncia ao parto no Brasil os muitos sentidos de um movimento Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 10 n 3 p 627-637 2015

DUARTE A C O que eacute ldquodoulardquo Disponiacutevel em lthttpswwwdoulascombroquephpgt Acesso em 4 nov 2018

GRILLO S V C Fundamentos bakhtinianos para a anaacutelise de enunciados verbo-visuais Filologia e linguiacutestica portuguesa v 14 n 2 p 235-246 2012

JUNG Carl G O homem e seus siacutembolos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1964

KOCH I V Introduccedilatildeo agrave linguiacutestica textual trajetoacuteria e grandes temas Contexto Satildeo Paulo 2015

NAKANO A R BONSN C TEIXEIRA L A A normalizaccedilatildeo da cesaacuterea como modo de nascer cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil Physis v 25 n 3 July-Sep 2015

ONUBR (2017) UNICEF alerta para elevado nuacutemero de cesarianas no Brasil Disponiacutevel em lthttpsnacoesunidasorgunicef-alerta-para-elevado-numero-de-cesarianas-no-brasilgt Acesso em 5 nov 2018

PALHARINI L A Autonomia para quem O discurso meacutedico hegemocircnico sobre a violecircncia obsteacutetrica no Bras il Cadernos pagu (49) 2017e174907

- 38 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 39 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Este capiacutetulo de livro tem como tema o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado em busca de examinarmos esse texto cientiacutefi co que o pesquisador elabora em um momento de transiccedilatildeo no seu processo de formaccedilatildeo na atividade de pesquisa compreendendo que de um lado a graduaccedilatildeo representa um estaacutegio mais inicial de formaccedilatildeo em pesquisa e de outro lado o doutorado representa um estaacutegio de consolidaccedilatildeo do exerciacutecio investigativo do pesquisador

Concebemos o curso de mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador considerando que nesse estaacutegio o estudante se encontra ainda como assevera Severino (2009) em uma fase de aprendizagem da pesquisa e de formaccedilatildeo como pesquisador Corrobora tambeacutem a nossa posiccedilatildeo de conceber o mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador o niacutevel de exigecircncia dos textos e trabalhos produzidos durante esse estaacutegio no que concerne por exemplo ao tipo de refl exatildeo empreendida tendo em conta que a escrita da dissertaccedilatildeo de mestrado se apresenta ainda para muitos como a ldquo[] primeira manifestaccedilatildeo de trabalho pessoal sistemaacutetico de pesquisa []rdquo (SEVERINO 2009 p 24)

A pesquisa justifi ca-se pelo fato de a dissertaccedilatildeo de mestrado merecer ainda muitos estudos com respeito ao que a constitui como gecircnero ao seu estilo e agraves vozes que transitam nas relaccedilotildees dialoacutegicas presentes na esfera acadecircmica

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO VOZES ESTILO E LINGUAGEM

- 40 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A proposta eacute verifi car que vozes emanam de relaccedilotildees dialoacutegicas no gecircnero do discurso dissertaccedilatildeo de mestrado e verifi car como essas relaccedilotildees colaboram na construccedilatildeo do estilo no discurso acadecircmico Objetiva-se analisar em uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada o modo como as vozes se manifestam e constroem por meio da linguagem o estilo do autor no posicionamento nos debates de sua esfera de pesquisa Para o suporte teoacuterico retomam-se as refl exotildees de Bakhtin e de estudiosos de sua obra sobre conceitos tais como relaccedilotildees dialoacutegicas gecircnero e estilo

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM BAKHTIN

O fi loacutesofo da linguagem M Bakhtin centrou seus estudos nos aspectos poliacuteticos da linguagem Seus questionamentos sobre a linguagem elucidam que as refl exotildees emanadas de seus trabalhos natildeo estatildeo ligadas apenas a uma teoria linguiacutestica ou literaacuteria mas com todas as esferas de comunicaccedilatildeo que envolvem o homem em uma relaccedilatildeo com o outro Entre essas refl exotildees estaacute sem duacutevida a preocupaccedilatildeo de Bakhtin com a dimensatildeo histoacuterica e ideoloacutegica e a consequente constituiccedilatildeo dialoacutegica da linguagem a insistecircncia na preocupaccedilatildeo com a natureza social e interativa da palavra e a interdiscursividade como condiccedilatildeo da linguagem Tambeacutem se dedicou ao estudo da literatura sobretudo ao romance O seu nome aparece sempre associado ao chamado Ciacuterculo de Bakhtin do qual fazem parte P Medvieacutedev e V N Volochiacutenov e tambeacutem a outros integrantes do Ciacuterculo

De Bakhtin e o do Ciacuterculo interessam-nos neste trabalho os estudos sobre o estilo associado ao gecircnero discursivo dissertaccedilatildeo de mestrado com intenccedilatildeo de verifi car algumas das diversas possibilidades de manifestaccedilotildees estiliacutesticas nesse gecircnero

Bakhtin afi rma o caraacuteter dialoacutegico da linguagem por isso em seus textos teoacutericos destaca-se o diaacutelogo Segundo o fi loacutesofo a

- 41 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

liacutengua em seu uso concreto e real tem a propriedade de ser dialoacutegica BakhtinVoloshiacutenov (2006 p 3) afi rmam que a ldquoenunciaccedilatildeo estaacute na fronteira entre a vida e o aspecto verbal do enunciado ela por assim dizer bombeia energia de uma situaccedilatildeo da vida para o discurso verbal ela daacute a qualquer coisa linguisticamente estaacutevel o seu momento histoacuterico vivo o seu caraacuteter uacutenicordquo

O enunciado eacute extremamente importante quando se trata de manifestaccedilatildeo da linguagem pois eacute por meio dele que a liacutengua se concretiza e conforme Bakhtin (2003 p 265) ldquoa liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua O enunciado eacute um nuacutecleo problemaacutetico de importacircncia excepcionalrdquo

Bakhtin em suas refl exotildees entende que os diaacutelogos sociais natildeo satildeo repetidos de maneira absoluta e tambeacutem natildeo satildeo completamente novos pois retomam as marcas histoacutericas e sociais de determinada cultura e sociedade

Nesse contexto teoacuterico a palavra diaacutelogo pode causar confusatildeo pois natildeo eacute o diaacutelogo do senso comum entendido nos tipos de estrutura gramatical ou com o sentido de acordo de consenso

Marchezan (2006 p 123) explicaA palavra diaacutelogo ao contraacuterio eacute bem entendida no contexto bakhtiniano como reaccedilatildeo da palavra a palavra de outrem como ponto de tensatildeo entre o eu e o outro entre ciacuterculos de valores entre forccedilas sociais A essa perspectiva natildeo interessa a palavra passiva e solitaacuteria mas a palavra na atuaccedilatildeo complexa e heterogecircnea dos sujeitos sociais vinculada a situaccedilotildees a falas passadas e antecipadas

- 42 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O diaacutelogo fundamenta a linguagem em ato e funciona como uma reacuteplica social O estudo dialoacutegico do texto requer um esforccedilo para compreendecirc-lo como um organismo vivo e atuante e tambeacutem vivenciaacute-lo Depois examinar o texto de fora com a visatildeo do cronoacutetopo e sem confundir os seus posicionamentos A relaccedilatildeo dialoacutegica natildeo coincide com a relaccedilatildeo existente entre as reacuteplicas de um diaacutelogo real por ser mais extensa mais variada e mais complexa Dois enunciados separados um do outro podem revelar uma relaccedilatildeo dialoacutegica mediante uma confrontaccedilatildeo do sentido desde que haja alguma convergecircncia do sentido ou seja uma reacuteplica social Os diaacutelogos satildeo assim sociais e natildeo se repetem de maneira absoluta nem satildeo completamente novos reiteram marcas histoacutericas e sociais que caracterizam uma dada cultura numa dada sociedade

Bakhtin propocircs uma abertura conceitual que permitisse a anaacutelise das vaacuterias formas de manifestaccedilatildeo da linguagem e natildeo apenas da retoacuterica Com essa abertura eacute possiacutevel considerar as vaacuterias formaccedilotildees discursivas no campo da comunicaccedilatildeo Assim ele possibilitou situar o universo das interaccedilotildees dialoacutegicas constituiacutedo por diferentes realizaccedilotildees discursivas E quando passa a valorizar o estudo dos gecircneros o dialogismo descobre uma forma para analisar e estudar o hibridismo a heteroglossia e a pluralidade dos sistemas de signos na cultura

De acordo com Bakhtin o contexto comunicativo eacute de suma importacircncia para a assimilaccedilatildeo do repertoacuterio que se pretende utilizar em uma determinada mensagem pois os gecircneros discursivos satildeo formas comunicativas e como tais natildeo satildeo adquiridos em manuais mas em processos interativos a liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua

Dependendo do conhecimento dessas formas discursivas eacute que poderaacute ser verifi cada a liberdade de uso dos gecircneros e isso depende

- 43 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de uma postura do usuaacuterio da liacutengua nos processos comunicativos Os gecircneros fazem parte de uma cadeia que une e dinamiza as relaccedilotildees entre pessoas sistemas de linguagem e tambeacutem entre interlocutor e receptor

O gecircnero natildeo deve ser pensado fora da dimensatildeo de espaccedilo e tempo pois as suas formas de representaccedilatildeo satildeo justamente orientadas pelo espaccedilo e pelo tempo ldquoEssa eacute outra coordenada importante da teoria dialoacutegica dos gecircneros apresentada por Bakhtin em sua revisatildeo da teoria dos gecircneros da Poeacutetica de Aristoacuteteles em nome das relaccedilotildees espaacutecio-temporais das representaccedilotildees e da interatividade discursiva animadas em seu interiorrdquo (MACHADO 2007 p 158) Dessa forma Bakhtin tenta mostrar que os gecircneros adquirem uma existecircncia cultural a partir de seus estudos sobre cronoacutetopo E na teoria do dialogismo o gecircnero se insere numa cultura em que tanto a experiecircncia como a representaccedilatildeo satildeo manifestaccedilotildees marcadas pela temporalidade

A riqueza e a diversidade dos gecircneros discursivos satildeo incalculaacuteveis pois a possibilidade de comunicaccedilatildeo humana eacute que diversifi ca as possibilidades de repertoacuterio dos gecircneros ldquoPode parecer que a heterogeneidade dos gecircneros discursivos eacute tatildeo grande que natildeo haacute nem pode haver um plano uacutenico para o seu estudordquo (BAKHTIN 2003 p 262)

O gecircnero natildeo deve ser desassociado do estilo pois serve para a identifi caccedilatildeo deste De acordo com Bakhtin (2003 p 265) ldquoTodo estilo estaacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e agraves formas tiacutepicas de enunciados ou seja aos gecircneros do discursordquo

A heterogeneidade dos gecircneros eacute grande e associada ao estilo se torna maior ainda pois a escolha do vocabulaacuterio das construccedilotildees e adequaccedilotildees linguiacutesticas juntamente com a forma do conteuacutedo defi ne um modo de ver E neste modo de ver encontra-se presente um simulacro de uma enunciaccedilatildeo ou seja um parecer verdadeiro suposto pelo proacuteprio estilo

- 44 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sobre isso Bakhtin vai dizer que ldquoem diferentes gecircneros podem revelar-se diferentes camadas e aspectos de uma personalidade individual o estilo individual pode encontrar-se em diversas relaccedilotildees de reciprocidade com a liacutengua nacionalrdquo (2003 p 266)

Segundo Bakhtin (2003 p 267) a separaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre estilos e gecircneros eacute nociva para a anaacutelise pois ldquoas mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo Assim os gecircneros modifi cam-se e adaptam-se de acordo com o espaccedilo e tempo em que circulam

ldquoOs enunciados e seus tipos isto eacute seus gecircneros discursivos satildeo correias de transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a histoacuteria da linguagemrdquo (BAKHTIN 2003 p 268) O enunciado eacute defi nido a partir de uma comunicaccedilatildeo discursiva e consequentemente pela alternacircncia dos sujeitos do discurso De acordo com Bakhtin (2003 p 275) ldquoo enunciado natildeo eacute uma unidade convencional mas uma unidade real precisamente delimitada da alternacircncia dos sujeitos do discurso a qual termina com a transmissatildeo da palavra ao outrordquo Essa alternacircncia de sujeitos natildeo eacute somente mas eacute tambeacutem a alternacircncia simples que presenciamos no diaacutelogo real do cotidiano com as vaacuterias reacuteplicas que criam limites precisos nos enunciados em diversos campos da atividade de comunicaccedilatildeo Para Bakhtin (2003 p 276)

essas relaccedilotildees soacute satildeo possiacuteveis entre enunciaccedilotildees de diferentes sujeitos do discurso pressupotildeem outros (em relaccedilatildeo ao falante) membros da comunicaccedilatildeo discursiva Essas relaccedilotildees entre enunciaccedilotildees plenas natildeo se prestam agrave gramaticalizaccedilatildeo uma vez que reiteramos natildeo satildeo possiacuteveis entre unidades da liacutengua e isso tanto no sistema da liacutengua quanto no interior do enunciado

- 45 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De acordo com Brait (2007 p 80) ldquoo estilo se apresenta como um dos conceitos centrais para se perceber a contrapelo o que signifi ca no conjunto das refl exotildees bakhtinianas dialogismo ou seja esse elemento constitutivo da linguagem esse princiacutepio que rege a produccedilatildeo e a compreensatildeo dos sentidos essa fronteira em que euoutro se interdefi nem se interpenetram sem se fundirem ou se confundiremrdquo

Podemos considerar como estilo tambeacutem os estilos de linguagem dialetos mas a investigaccedilatildeo eacute mais no sentido de perceber como em que perspectiva dialoacutegica esse estilo aparece no texto no enunciado Pois para Bakhtin o acircngulo dialoacutegico natildeo pode ser analisado apenas por criteacuterios linguiacutesticos essas relaccedilotildees dialoacutegicas pertencem mais especifi camente ao discurso

A estiliacutestica deve basear-se natildeo apenas e nem tanto na linguiacutestica quanto na metalinguiacutestica que estuda a palavra natildeo no sistema da liacutengua e nem num ldquotextordquo tirado da comunicaccedilatildeo dialoacutegica mas precisamente no campo propriamente dito da comunicaccedilatildeo dialoacutegica ou seja no campo da vida autecircntica da palavra A palavra natildeo eacute um objeto mas um meio constantemente ativo constantemente mutaacutevel de comunicaccedilatildeo dialoacutegica Ela nunca basta a uma consciecircncia a uma voz (BAKHTIN 1997 p 14)

O estilo natildeo se esgota na genuinidade de um indiviacuteduo mas se revela tambeacutem na liacutengua e nos usos historicamente situados que fazemos dela

Para Brait (2007 p 87)

a escrita se destaca como sendo a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e consequentemente sua forma de utilizaccedilatildeo da liacutengua Via material impresso transparece na verdade a relaccedilatildeo do autor com a vida

- 46 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

ou seja o estilo artiacutestico natildeo trabalha com palavras mas com os componentes do mundo com os valores do mundo e da vida podendo portanto o estilo ser defi nido como o conjunto dos procedimentos de formaccedilatildeo e de acabamento do homem e do seu mundo E eacute esse estilo que determina tambeacutem a relaccedilatildeo com o material com a palavra

Entatildeo eacute por meio da linguagem que o estilo se manifesta e mostra como se daacute a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e com a forma como esse autor se apropria da liacutengua O estilo natildeo pode ser analisado por apenas uma caracteriacutestica mas por um conjunto de recursos que revelam o homem e suas relaccedilotildees com o mundo

ldquoUm grande estilo representa acima de tudo uma visatildeo de mundo e somente depois eacute meio de elaborar um materialrdquo (BAKHTIN 1992 p 217) O autor reuacutene na expressatildeo do estilo a sua visatildeo de mundo e consequentemente eacute direcionado por essa visatildeo que elabora o material linguiacutestico ldquoA visatildeo do mundo estrutura e unifi ca o horizonte do homem o estilo estrutura e unifi ca seu ambienterdquo (BAKHTIN 1992 p 217)

Na perspectiva de Bakhtin a defi niccedilatildeo de gecircneros discursivos inclui dentre outros aspectos que eles transitam por todas as esferas de atividade humana e devem ser considerados culturalmente a partir de temas formas de composiccedilatildeo e estilo Entatildeo todas as atividades humanas implicam gecircneros e necessariamente estilos

A utilizaccedilatildeo da liacutengua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e uacutenicos que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana O enunciado refl ete as condiccedilotildees especiacutefi cas e as fi nalidades de cada uma dessas esferas natildeo soacute por seu conteuacutedo (temaacutetico) e por seu estilo verbal ou seja pela seleccedilatildeo operada nos recursos da liacutengua ndash recursos lexicais fraseoloacutegicos e gramaticais - mas tambeacutem e sobretudo por sua construccedilatildeo

- 47 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

composicional Estes trecircs elementos (conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles satildeo marcados pela especifi cidade de uma esfera da comunicaccedilatildeo (BAKHTIN 1992 p 279)

Bakhtin continua suas refl exotildees a esse respeito fazendo referecircncia ao fato de que o estilo eacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e a formas tiacutepicas de enunciado que satildeo os gecircneros Assim se o enunciado refl ete a individualidade de quem fala ou escreve nas mais diversas formas e esferas de comunicaccedilatildeo ele possui um estilo individual Bakhtin reitera que nem todos os gecircneros satildeo propiacutecios da mesma forma ao estilo individual alguns satildeo mais favoraacuteveis e outros menos O fi loacutesofo ainda completa que certos gecircneros satildeo apropriados a determinadas esferas e portanto esses gecircneros possuem determinados estilos Brait (2003 p 89) comenta a partir do texto ldquoO discurso na vida e o discurso na arterdquo que Bakhtin

vai considerar que o estilo tambeacutem depende do tipo de relaccedilatildeo existente entre o locutor e os outros parceiros da comunicaccedilatildeo verbal ou seja o ouvinte o leitor o interlocutor proacuteximo e o imaginado (o real e o presumido) o discurso do outro etc Mesmo no caso dos gecircneros altamente estratifi cados sua diversidade deve-se ao fato de eles variarem conforme as circunstacircncias a posiccedilatildeo social e o relacionamento pessoal dos parceiros

Nesse sentido existem os gecircneros de estilo elevado estritamente ofi ciais e haacute tambeacutem o estilo familiar que comporta diversos graus de intimidade Os gecircneros ofi ciais satildeo muito mais estaacuteveis prescritivos e normativos

Assim de acordo com Bakhtin (2003) quando mudamos o estilo de um gecircnero para outro natildeo nos limitamos a modifi car

- 48 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

simplesmente o gecircnero mas desconstruiacutemos e reconstruiacutemos o proacuteprio gecircnero Percebemos assim que o conceito bakhtiniano de estilo se defi ne a partir da interlocuccedilatildeo reciacuteproca com vaacuterios domiacutenios da cultura

Outra questatildeo que interessa aqui ao nosso trabalho e eacute citada por Brait (2007 p 94-95) eacute a seguinte

o estilo entra como elemento na unidade de gecircnero de um enunciado O estilo pode ser objeto de um estudo especiacutefi co especializado considerando-se dentre outras coisas que os estilos tecircm a ver tambeacutem com gecircnero o que implica coerccedilotildees linguiacutesticas enunciativas e discursivas proacuteprias da atividade em que se insere Aleacutem disso um outro aspecto constitutivo e inalienaacutevel eacute o fato de o enunciado dirigir-se a algueacutem de estar voltado para o destinataacuterio

Bakhtin em ldquoGecircneros do Discursordquo esclarece que o estilo depende do modo de compreensatildeo e percepccedilatildeo do seu destinataacuterio e do modo como a compreensatildeo responsiva ativa eacute presumida

Este destinataacuterio pode ser o parceiro e interlocutor direto do diaacutelogo na vida cotidiana pode ser o conjunto diferenciado de especialistas em alguma aacuterea especializada da comunicaccedilatildeo cultural pode ser o auditoacuterio diferenciado dos contemporacircneos dos partidaacuterios dos adversaacuterios e inimigos dos subalternos dos chefes dos inferiores dos superiores dos proacuteximos dos estranhos etc pode ateacute ser de modo absolutamente indeterminado o outro natildeo concretizado [] Essas formas e concepccedilotildees do destinataacuterio se determinam pela aacuterea da atividade humana e da vida cotidiana a que se reporta um dado enunciado A quem se dirige o enunciado

- 49 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como o locutor (ou o escritor) percebe e imagina seu destinataacuterio Qual eacute a forccedila da infl uecircncia deste sobre o enunciado Eacute disso que depende a composiccedilatildeo e sobretudo o estilo do enunciado Cada um dos gecircneros do discurso em cada uma das aacutereas da comunicaccedilatildeo verbal tem sua concepccedilatildeo padratildeo do destinataacuterio que o determina como gecircnero (BAKHTIN 1992 p 320)

Assim o destinataacuterio real ou imaginado infl uencia sobremaneira a forma de composiccedilatildeo e o estilo do enunciado Existem formas mais padronizadas do destinataacuterio a que se destinam diferentes gecircneros mas haacute tambeacutem destinataacuterios que satildeo pressupostos pelas esferas de atividade humana e vida cotidiana

O estilo eacute indissociaacutevel de determinadas unidades temaacuteticas e ndash o que eacute de especial importacircncia ndash de determinadas unidades composicionais de determinados tipos de construccedilatildeo do conjunto de tipos do seu acabamento de tipos da relaccedilatildeo do falante com outros participantes da comunicaccedilatildeo discursiva ndash com os ouvintes os leitores os parceiros o discurso do outro etc O estilo integra a unidade de gecircnero do enunciado como seu elemento (BAKHTIN 2003 p 266)

Como eacute sabido o estilo eacute um dos elementos que constitui para Bakhtin o gecircnero do discurso e como tal eacute indissociaacutevel dos outros elementos conteuacutedo temaacutetico e estrutura composicional por isso deve ser entendido no conjunto relacionando seu tipo de acabamento as relaccedilotildees estabelecidas com o destinataacuterio enfi m com a atuaccedilatildeo do gecircnero em determinada esfera de atuaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

ldquoA separaccedilatildeo dos estilos em relaccedilatildeo aos gecircneros manifesta-se de forma particularmente nociva na elaboraccedilatildeo de uma seacuterie

- 50 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de questotildees histoacutericas As mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo (BAKHTIN 2003 p 267)

Por isso neste estudo pretende-se analisar o estilo vinculado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com a intenccedilatildeo de verifi car em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto jaacute que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e como acontece tal apropriaccedilatildeo Faz-se necessaacuterio assim esclarecer neste momento do que se trata o objeto escolhido para anaacutelise

A DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Segundo Severino (2011 p 221) a dissertaccedilatildeo de mestrado ldquotrata-se da comunicaccedilatildeo dos resultados de uma pesquisa e de uma refl exatildeo que versa sobre um tema igualmente uacutenico e delimitado Deve ser elaborada de acordo com as mesmas diretrizes metodoloacutegicas teacutecnicas e loacutegicas do trabalho cientiacutefi co como na tese de doutoramentordquo

Nessa direccedilatildeo podemos complementar que eacute difiacutecil eliminar da dissertaccedilatildeo de mestrado o seu caraacuteter demonstrativo Pois ela deve demonstrar uma proposiccedilatildeo e natildeo apenas explanar um assunto Esta parece ser uma exigecircncia loacutegica de todo trabalho desde que tenha objetivos de natureza cientiacutefi ca bem defi nidos (SEVERINO 2011) Na concepccedilatildeo deste autor

tanto a tese de doutorado como a dissertaccedilatildeo de mestrado satildeo pois monografi as cientiacutefi cas que abordam temas uacutenicos delimitados servindo-se de um raciociacutenio rigoroso de acordo com as diretrizes loacutegicas de conhecimento humano em que haacute lugar tanto para a argumentaccedilatildeo puramente dedutiva como para o raciociacutenio indutivo baseado

- 51 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na observaccedilatildeo e na experimentaccedilatildeo (SEVERINO 2011 p 222)

Aproveitando-nos do dizer de Amorim (2009 p 2) baseado no pensamento bakhtiniano segundo o qual ldquoquando se estaacute escrevendo ouvem-se vozes faz-se falar algumas delas e a elas respondendo consegue-se chegar (ou natildeo) a fazer ouvir sua proacutepria vozrdquo o que nos interessa aqui eacute examinar os diaacutelogos que constituem o dizer do jovem pesquisador para tentar entender como este na relaccedilatildeo com os seus outros constroacutei o seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e como ele se constitui como sujeitopesquisador em seu campo do saber

Assim podemos dizer que o texto cientiacutefi co eacute um tecido no qual diferentes vozes portadoras de enunciados do campo da ciecircncia relacionam-se cruzam-se num contiacutenuo diaacutelogo entre textos e discursos sendo seu produtor aquele sujeito responsaacutevel por articulaacute-las na construccedilatildeo de um projeto de dizer Por vezes essas vozes que o produtor convoca em seu texto estatildeo laacute explicitadas devidamente creditadas a uma fonte do dizer outras tantas vezes essas vozes satildeo assimiladas como palavras proacuteprias sem qualquer menccedilatildeo de uma fonte confi gurando aquilo que Amorim (2009) denomina quando faz referecircncia ao pensamento bakhtiniano de esquecimento da alteridade O esquecimento da alteridade remete agrave noccedilatildeo de monologizaccedilatildeo da consciecircncia que estaacute diametralmente oposta ao dialogismo tal como foi concebido pelo pensamento bakhtiniano

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM UMA DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Para analisar o estilo conforme nossa proposta exposta anteriormente tomamos como exemplo trechos de uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada da aacuterea de Educaccedilatildeo intitulada

- 52 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso

A dissertaccedilatildeo aborda a questatildeo da identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a sua produccedilatildeo escrita abordando os mecanismos ideoloacutegicos presentes no seu discurso que naturalizam determinados sentidos e natildeo outros as vivecircncias e as formaccedilotildees imaginaacuterias que permeiam a sua escrita enfi m elementos que podem infl uenciar e muito a construccedilatildeo do discurso escrito bem como afetar o posicionamento do sujeito como autor

O texto cientiacutefi co mais especifi camente o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado eacute apropriado para verifi car como no processo de escrita o jovem pesquisador ouve vozes fala de algumas vozes e a partir de algumas vozes E consegue assim chegar ou natildeo a fazer ouvir a proacutepria voz ou pelo menos uma tentativa de fazer ouvir sua proacutepria voz E entatildeo na relaccedilatildeo com outras vozes constroacutei seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e tambeacutem se constroacutei e mostra sua constituiccedilatildeo como sujeito pesquisador

Seguem alguns excertos selecionados para demonstrar tais possibilidades

Durante os estaacutegios obrigatoacuterios minha decepccedilatildeo com o curso de Magisteacuterio foi aumentando a Psicologia que tanto me encantou estava longe das salas de aula e a didaacutetica entatildeo nem se fala Natildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulas No curso existiam poucos momentos de refl exatildeo acerca do que era observado nos estaacutegios um espaccedilo para discussatildeo que confrontasse a praacutetica observada as teacutecnicas e algumas poucas teorias estudadas nas disciplinas (ASSEF 2014 p 12)

O trecho traz um posicionamento da autora natildeo apenas porque utiliza a primeira pessoa do singular o que natildeo eacute tatildeo comum

- 53 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

no trabalho acadecircmico mas tambeacutem porque traz indiacutecios de uma posiccedilatildeo social que consequentemente dialoga com outras vozes quando se diz decepcionada com o curso de Magisteacuterio quando relata o descontentamento ao perceber que a praacutetica escolar destoa em relaccedilatildeo agraves propostas teoacutericas

Diante dessa realidade decepcionamo-nos com o Magisteacuterio e mesmo gostando da ideia de atuarmos como professora ocuparmos essa posiccedilatildeo tornou-se inviaacutevel natildeo nos sentiacuteamos capacitada para tanto Entatildeo buscamos outros caminhos signifi car outros sentidos uma nova aacuterea com a qual nos identifi caacutessemos Nosso objetivo era obter uma formaccedilatildeo mais completa e cursar a graduaccedilatildeo em Psicologia em uma universidade puacuteblica Concluiacutedo o curso de Magisteacuterio iniciamos nossa preparaccedilatildeo para o vestibular e ingressamos em um cursinho preparatoacuterio Depois de um ano inteiro de muita dedicaccedilatildeo e estudo ingressamos no curso de Psicologia na UNESP em Assis (ASSEF 2014 p 12)

Quando a autora aqui demonstra explicitamente sua decepccedilatildeo com o Magisteacuterio e a sensaccedilatildeo de incapacidade de atuar como educadora na verdade seu testemunho revela um posicionamento no mundo que estaacute relacionado natildeo apenas com este momento de formaccedilatildeo mas com o que a autora carrega de antes desse momento anseios e preocupaccedilotildees acerca de uma formaccedilatildeo docente e preocupaccedilatildeo em ser natildeo apenas uma mera profi ssional mas uma profi ssional capacitada para tal atuaccedilatildeo Aqui a posiccedilatildeo da autora pesquisadora por meio da linguagem seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos como tambeacutem de marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de

- 54 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Aliaacutes o encantamento com a AD e a identifi caccedilatildeo com a teoria ocorreram na medida em que fomos percebendo o quanto a linguagem nos constitui e a relevacircncia do discurso no processo de aprendizagem e constituiccedilatildeo do outro A instauraccedilatildeo de novos gestos de leitura desencadeada a cada nova anaacutelise instigava-nos a aprofundar os estudos sobre a teoria A Anaacutelise do Discurso nos permite refl etir sobre a linguagem natildeo nos conformar com as supostas evidecircncias analisar o entremeio do histoacuterico com o linguiacutestico lugar em que se daacute a proacutepria materialidade do discurso (ASSEF 2014 p 12)

Nesse trecho quando a autora manifesta encantamento e identifi caccedilatildeo podemos remeter a algo individual mas ainda assim trata-se da manifestaccedilatildeo do estilo construiacutedo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas estabelecidas anteriormente no momento da formaccedilatildeo acadecircmica dos anseios com relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo profi ssional enfi m ao que aconteceu antes

Destacamos tambeacutem na introduccedilatildeo o nosso interesse pelo assunto e pela linha de pesquisa adotada e embora natildeo sendo usual mas em consonacircncia com a nossa fi liaccedilatildeo teoacuterica a Anaacutelise do Discurso que natildeo separa teoria e praacutetica ao falar da nossa praacutetica recorremos agrave teoria Mesmo que de forma incipiente abordamos o embasamento teoacuterico que sustenta nossas investigaccedilotildees bem como apresentamos uma breve explanaccedilatildeo sobre a metodologia que utilizamos para a coleta de dados e constituiccedilatildeo do corpus (ASSEF 2014 p 14)

- 55 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Haacute aqui tambeacutem um posicionamento autoral na escolha do tema e linha de pesquisa o estilo presente tambeacutem mostra que esse posicionamento natildeo eacute totalmente individual mas fruto de vozes variadas que se relacionam ao posicionamento do sujeito autor da praacutetica adquirida pela experiecircncia e de toda vivecircncia anterior do sujeito autor

Sabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teorias que a tomam como objeto de investigaccedilatildeo por ser assim destacamos que optamos por uma forma particular de se signifi car a liacutengua qual seja a Anaacutelise do Discurso pecheutiana (ASSEF 2014 p 16)

Nesse trecho a autora jaacute se assume como sujeito pesquisador que demonstra ter conhecimento sobre outras teorias e outras possibilidades de anaacutelise para o mesmo objeto mas inicia a justifi cativa pela escolha da Anaacutelise do Discurso Francesa Notamos a presenccedila de outras vozes que jaacute a constituem como pesquisadora autora de seu trabalho que consegue mostrar e justifi car sua escolha e seu posicionamento que embora se manifeste estilisticamente como individual mostra ao mesmo tempo em que perspectiva dialoacutegica esse estilo se constroacutei

ldquoConvidamos o leitor a nos acompanhar pelos percursos teoacutericos que conduziratildeo nossas refl exotildees e que nos possibilitaratildeo pensar sobre questotildees referentes agrave concepccedilatildeo de liacutengua que adotamos no presente trabalhordquo (ASSEF 2014 p 18) Neste trecho podemos identifi car um estilo bem individual da autora que se aproxima do leitor mesmo se tratando de trabalho acadecircmico e convida para a leitura de maneira mais proacutexima do leitor Trata-se de um estilo um pouco mais individual e menos comum no texto cientiacutefi co que costumeiramente faz uso de uma linguagem mais fria e distante do interlocutor

- 56 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Eacute nesse espaccedilo que a AD pretende trabalhar com a materialidade especiacutefi ca do discurso desconstruindo a ilusatildeo de transparecircncia da liacutengua ao considerar o deslocamento discursivo do sentido jaacute que existem os pontos de deriva que oferecem lugar agrave interpretaccedilatildeo Como analistas do discurso ao trabalharmos com a interpretaccedilatildeo precisamos estar atentos agraves relaccedilotildees existentes entre as fi liaccedilotildees identitaacuterias e histoacutericas do sujeito discursivo que se datildeo nas relaccedilotildees sociais em redes de signifi cantes e nas memoacuterias discursivas que os constituem (PEcircCHEUX 2008) Relaccedilotildees que transcendem a obviedade da liacutengua pois ocorrem no exterior da proacutepria linguagem (ASSEF 2014 p 22)

Nesse excerto na posiccedilatildeo de pesquisadora a autora seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos mas marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Os excertos em geral mostram que a autora se posiciona diante do problema exposto e com um estilo que ao escolher expressotildees tais como ldquodecepcionamo-nos com o Magisteacuteriordquo ldquoNatildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulasrdquo ldquobuscamos outros caminhos signifi car outros sentidosrdquo ldquofomos percebendo o quanto a linguagem nos constituirdquo ldquoSabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teoriasrdquo se posiciona socialmente se coloca ocupando um lugar no mundo

O estilo nesse caso natildeo eacute apenas uma expressatildeo individual mas nota-se por meio desse estilo uma totalidade de discursos Isso reforccedila a afi rmaccedilatildeo que Bakhtin faz sobre os gecircneros ao dizer que em gecircneros diferentes os aspectos estiliacutesticos se mostram tambeacutem de formas diferentes Notam-se relaccedilotildees dialoacutegicas de

- 57 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma individualidade com uma totalidade que se desdobram em formaccedilotildees ideoloacutegicas advindas de uma cultura

Eacute importante lembrar que Bakhtin (1992) refl ete sobre a questatildeo de o gecircnero ser mais ou menos individual dependendo da esfera em que circula E nem todos os gecircneros satildeo da mesma forma propiacutecios a estilos individuais alguns satildeo mais propiacutecios e outros menos Assim a dissertaccedilatildeo de mestrado deve ser considerada um gecircnero do discurso que nessa perspectiva eacute menos propiacutecia por ser mais estabilizada com caracteriacutesticas muito proacuteprias e estrutura composicional muito defi nida

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A proposta deste estudo foi analisar o estilo associado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com o intento de averiguar em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto visto que eacute por meio da linguagem que ele se afi rma e evidencia a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua

Tomou-se por base o estilo como conceito central em Bakhtin para entender o que representa isto eacute como princiacutepio que conduz a produccedilatildeo e compreensatildeo dos sentidos por meio da linguagem do gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado Foi possiacutevel perceber em que perspectiva o estilo aparece no texto por meio da palavra viva autecircntica e em constante mudanccedila pois como em qualquer outro gecircnero na dissertaccedilatildeo de mestrado tambeacutem a comunicaccedilatildeo eacute dialoacutegica

Foi possiacutevel verifi car que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do sujeito pesquisador com a liacutengua e como acontece essa apropriaccedilatildeo ou seja na esfera de atividade acadecircmica o conhecimento vai se produzindo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas que emanam vaacuterias vozes e de vaacuterias vozes construiacutedas tambeacutem em vaacuterias possibilidades de estilo

- 58 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

REFEREcircNCIAS

AMORIM M Freud e a escrita de pesquisa - uma leitura bakhtiniana Eutomia v 2 p 0114 2009

ASSEF Aline Ester de Carvalho A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso Dissertaccedilatildeo (Mestrado) apresentada agrave Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto - Universidade de Satildeo Paulo ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo 2014

BAKHTIN M Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Gecircneros do discurso In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Problemas da poeacutetica de Dostoievski Satildeo Paulo Forense Universitaacuteria 1997

BAKHTIN M O problema do texto na linguiacutestica na fi lologia e em outras ciecircncias humanas In ______ In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 307-335

BAKHTIN M Apontamentos de 1970-191 In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 367-392

BAKHTIN M (V N Volochinov) Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem TradMichel Lahud e Yara Frateschi 12 ed Satildeo Paulo Hucitec 2006

BRAIT Beth Estilo In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MACHADO Irene Gecircneros discursivos In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MARCHEZAN Renata C Diaacutelogo In BRAIT Beth Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo Paulo Contexto 2006

SEVERINO A J Metodologia do trabalho cientiacutefi co 23 ed Satildeo Paulo Cortez 2011

- 59 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann

La iglesia dice El cuerpo es una culpaLa ciencia dice El cuerpo es una maacutequina

La publicidad dice El cuerpo es un negocioEl cuerpo dice Yo soy una fi esta

Eduardo Galeano

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Ao buscar compreender o modo como o corpo vem sendo signifi cado toma-se conhecimento de diferentes domiacutenios epistemoloacutegicos que se dedicaram (e ainda se dedicam) ao seu estudo De fato na histoacuteria da humanidade o corpo despertou o interesse de pesquisadores oriundos de aacutereas do conhecimento distintas como por exemplo religiosos meacutedicos fi loacutesofos artistas desportistas juristas criminologistas socioacutelogos e antropoacutelogos entre outros Assim ao adentrar no universo das pesquisas que tratam do corpo pelo seu caraacuteter multidisciplinar defrontamo-nos com questotildees heterogecircneas que vatildeo por exemplo desde a visatildeo materialista ateacute a crenccedila de sobrevida Desse modo tomar o corpo como objeto de investigaccedilatildeo implica em tese percorrer caminhos ecleacuteticos que passam pela ciecircncia pelo social e pelo teoloacutegico

De nossa parte conhecendo a diversidade de pesquisas que se interessam por este objeto vale destacar que neste estudo tomamos o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais

CORPO E(M) (DIS)CURSO DA RE-EXISTEcircNCIA

- 60 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que para noacutes o corpo eacute considerando como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Na epiacutegrafe que abre essa refl exatildeo jaacute temos uma amostra disso Ela apresenta alguns dizeres que de lugares especiacutefi cos contribuem para a produccedilatildeo de signifi caccedilotildees em torno do corpo Trata-se de um conjunto de discursos de e sobre o corpo que apontam para o funcionamento do poliacutetico na linguagem De nossa posiccedilatildeo teoacuterica compreender jaacute de iniacutecio o funcionamento dos discursos de e sobre o corpo eacute crucial para o percurso analiacutetico que propomos neste estudo A noccedilatildeo de discurso de e de discurso sobre eacute desenvolvida1 por Orlandi (1990[2008]) na obra ldquoTerra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundordquo Para autora essa noccedilatildeo pode ser descrita da seguinte maneira

os lsquodiscursos sobrersquo satildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de) Assim o discurso sobre o samba o discurso sobre o cinema satildeo parte integrante da arregimentaccedilatildeo (interpretaccedilatildeo) dos sentidos dos discursos do samba do cinema etcrdquo (ORLANDI 1990[2008] p 44)

Compreende-se entatildeo jaacute num gesto de anaacutelise que na epiacutegrafe os dizeres da igreja da ciecircncia e da publicidade retomados por Galeano (2001 p 109) inscrevem-se como discursos sobre o corpo A partir dos lugares legitimados que ocupam na sociedade igreja ciecircncia e publicidade institucionalizam sentidos para o corpo Desse modo colocam em funcionamento uma memoacuteria discursiva que parece se amparar no senso comum em sentidos

1 Essa noccedilatildeo foi retomada posteriormente e detalhada por Mariani (1998) e Costa (2014)

- 61 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

supostamente estabilizados que circulam e satildeo (re)produzidos cotidianamente em nossa sociedade Orlandi (1990[2008]) alerta para o fato de que essa memoacuteria discursiva eacute estabilizada e reforccedilada pelo discurso histoacuterico (Orlandi 2008) Compreendemos entatildeo que os discursos sobre o corpo nesta epiacutegrafe organizam e disciplinam a memoacuteria condensando-a e sintentizando-a agravequelas relaccedilotildees predicativas ali expostas Ali o corpo natildeo fala Ele eacute falado

A esses discursos sobre Galeano (2001 p 109) contrapotildee o discurso (hipoteacutetico) do corpo que por sua vez pode ser compreendido aqui como um dizer que produz equiacutevoco jaacute que rompe com uma estrutura fundada no silecircncio e produz assim outros efeitos de sentido Efeitos natildeo previstos efeitos que apontam para a falha constitutiva do funcionamento da linguagem Nessa perspectiva dizer que o corpo se predica como ldquoa festardquo em ldquoyo soy la festardquo (GALEANO 2001 p 109) - signifi ca desestabilizar preacute-construiacutedos e dar visibilidade a outras formas de signifi caccedilatildeo e de inscriccedilatildeo do corpo na histoacuteria e na sociedade Trata-se de pensar o corpo como parte constitutiva de um processo histoacuterico de signifi caccedilatildeo ou mais especifi camente de pensar o corpo em sua materialidade na relaccedilatildeo com o sujeito e com os sentidos Em outras palavras compreendemos com Orlandi que ldquoa signifi caccedilatildeo do corpo natildeo pode ser pensada sem a materialidade do sujeito E vice-versa ou seja natildeo podemos pensar a materialidade do sujeito sem pensar sua relaccedilatildeo com o corpordquo (ORLANDI 2012 p 83)

Fundada epistemologicamente a partir de questionamentos agrave linguiacutestica agrave psicanaacutelise e ao materialismo histoacuterico a anaacutelise de discurso dedicou-se amplamente ao estudo da materialidade da histoacuteria e da liacutengua Entretanto a materialidade do sujeito tem sido pouco explorada ainda que seja inquestionaacutevel a sua natildeo transparecircncia Para Orlandi (2012 p 84) essa lacuna teoacuterico-analiacutetica se deve ao fato de que ldquoeacute na questatildeo da materialidade do sujeito que estaacute a negaccedilatildeo do sujeito como origem quer de si quer dos sentidosrdquo

- 62 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Pelo diaacutelogo desafi ador e basilar que a anaacutelise de discurso estabeleceu com o materialismo histoacuterico compreendemos que os ldquomodos de produccedilatildeo da vida material condicionam o conjunto de processos da vida social e poliacuteticardquo (ORLANDI 2012 p85) Eacute em condiccedilotildees anaacutelogas agraves descritas pela autora no que tange a presenccedila do materialismo histoacuterico no funcionamento da linguagem que o discurso se produz e simultaneamente a ele sujeito e sentidos se constituem (ainda que se tenha a ilusatildeo de que eles estatildeo sempre laacute) Esse funcionamento destaca Orlandi (2012 p85) ldquoeacute efeito da ideologia em sua materialidaderdquo Tal processo tambeacutem afeta o corpo do sujeito que uma vez interpelado pela ideologia se textualiza se signifi ca se discursiviza e se inscreve na histoacuteria a partir da relaccedilatildeo do poliacutetico com o simboacutelico Eacute importante destacar que natildeo transparentes linguagem sujeito e histoacuteria estatildeo agrilhoados ao funcionamento da ideologia Esta compreendida aqui como uma praacutetica estaacute apensa ao processo de signifi caccedilatildeo do discurso e consequentemente do sujeito e dos sentidos Nessa perspectiva refl etir discursivamente sobre o corpo signifi ca compreender que ldquoa forma sujeito histoacuterica tem sua materialidade e que o indiviacuteduo interpelado em sujeito pela ideologia traz seu corpo por ela tambeacutem interpeladordquo (ORLANDI 2012 87) Dizemos entatildeo que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Eacute no e pelo corpo que transitam e circulam praacuteticas de signifi caccedilatildeo que se constituem na histoacuteria pelo funcionamento da linguagem na sociedade O corpo signifi ca entatildeo em sua forma material Ele se constitui como dizer em curso Ou ainda corpodiscurso (SOUZA 2010)

- 63 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O CORPO E(M) MOVIMENTO

Trabalhar discursivamente com o corpo compreendendo-o materialidade do sujeito implica levar em consideraccedilatildeo linguagem histoacuteria e ideologia Essa triangulaccedilatildeo (linguagem histoacuteria e ideologia) produz efeitos de sentido sobre o corpo discursivizando-o tornando-o corpodiscurso (SOUSA 2010) Compreende-se assim que o corpo eacute ldquoa materialidade do sujeito apropriada pelo Estado remarcado pelas instacircncias ideoloacutegicas e enformado por uma dialeacutetica poliacuteticardquo (SOUSA 2010 p 1) Esse funcionamento eacute fundador do processo de constituiccedilatildeo do sujeito em que a ideologia comparece interpelando pelo simboacutelico o indiviacuteduo em forma-sujeito-histoacuterica (ORLANDI 2003 2012) Essa forma-sujeito-histoacuterica capitalista de acordo com Orlandi (2012) estaacute suportada no juriacutedico atraveacutes de um conjunto de normas (direitos e deveres) que regulam de certa maneira os processos de individu(aliz)accedilatildeo do sujeito pelo Estado sendo este compreendido aqui a partir de instituiccedilotildees e discursos

Considerando entatildeo que o corpo signifi ca em sua forma material e tomando como condiccedilatildeo de produccedilatildeo a loacutegica capitalista temos que ao longo da histoacuteria esse corpo foi se constituindo tanto pela opressatildeo quanto pela manipulaccedilatildeo uma vez que ele era compreendido como uma ldquomaacutequinardquo ou melhor a fonte de acuacutemulo de capital (BARBOSA MATOS E COSTA 2011) Esse processo de formataccedilatildeo (manipulaccedilatildeo) do corpo na era capitalista produziu efeitos de sentidos nos modos de sua movimentaccedilatildeo e de sua inserccedilatildeo na sociedade A forma-sujeito-histoacuterica capitalista que se sustenta no juriacutedico em um conjunto de normas (direitos e deveres) conforme apresentamos acima produziu efeitos de normatizaccedilotildees para o corpo Trata-se de uma forma de poder O poder disciplinar O Estado por meio de instituiccedilotildees e discursos exerceu coercitivamente o controle do corpo no espaccedilo no tempo na sociedade Instala-se assim o poder normatizador do Estado que estabelece o ldquonormalrdquo como coerccedilatildeo social (FOUCAULT 2002) e porque natildeo dizer como coerccedilatildeo ideoloacutegica e ldquodessa maneira vatildeo

- 64 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

moldando padronizando homogeneizando corpos sujeitos e sentidosrdquo (MASSMANN 2018 p 44) De acordo com Barbosa Matos e Costa (2011 p 29) esse processo de disciplinarizaccedilatildeo do corpo na sociedade capitalista permanece ainda vigente hodiernamente ainda que por meio de funcionamentos que se alinham agraves condiccedilotildees de produccedilatildeo do seacuteculo XXI

As novas tecnologias de produccedilatildeo em massa desencadearam um processo de homogeneizaccedilatildeo de gestos e haacutebitos que se estendeu a outras esferas sociais entre elas a educaccedilatildeo do corpo que passou a identifi car-se natildeo soacute com as teacutecnicas mas tambeacutem com os interesses da produccedilatildeo (Hobsbawm 1996) Assim o ser humano eacute colocado a serviccedilo da economia e da produccedilatildeo gerando um corpo produtor que portanto precisa de ter sauacutede para melhor produzir (BARBOSA MATOS E COSTA 2011 p 29)

A partir das palavras das autoras compreende-se que o controle e a padronizaccedilatildeo do corpo passam a circular na sociedade dita moderna como resultado de um processo biopoliacutetico (FOUCAULT 2002) em que os corpos satildeo ldquodomesticadosrdquo para se formatar se enquadrar e se adequar a padrotildees sociais que se sustentam ideologicamente em relaccedilotildees de poder e consequentemente de dominaccedilatildeo Nesse sentido o poder e seus mecanismos de controle se manifestam no corpo compelindo-o agrave objetifi caccedilatildeo e agrave estandardizaccedilatildeo sob a forma de modelos preacute-estabelecidos historicamente que vatildeo ressignifi cando em funccedilatildeo das condiccedilotildees de produccedilatildeo

Esse movimento de supremacia do corpo tem sido reforccedilado com o advento de novas tecnologias que se alinham agrave loacutegica da produccedilatildeo De fato cada vez mais se impotildeem ao corpo modelos de sauacutede de eacutetica e de esteacutetica O corpo que destoa desses padrotildees instituiacutedos aparentemente como sendo ldquouniversaisrdquo eacute visto

- 65 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

como corpo-desvio corpo-a-normal corpo-doente Este corpo eacute colocado agrave margem da sociedade discriminado Este corpo agrave beira estaacute maculado pois como nos ensina Quijano (2009) ele traz em sua materialidade traccedilos vestiacutegios rastros do funcionamento das estruturas do poder e dos processos de categorizaccedilatildeo inclusatildeo e exclusatildeo que daiacute derivam Por vezes este eacute o corpo que acaba se tornando (in)visiacutevel Entretanto a partir de uma perspectiva discursiva podemos dizer que este eacute o corpo que em sua forma material encarna a ruptura a falha o equiacutevoco Eacute o corpo-re-existecircncia Ou ainda corpo-poliacutetico aquele que produz fi ssuras nas discursividades da sociedade contemporacircnea (MASSMANN 2018) A noccedilatildeo de corpo-poliacutetico eacute de suma importacircncia para a refl exatildeo que propomos e decorre justamente da posiccedilatildeo em que nos inserimos a saber agravequela de analista de discurso que considera a relaccedilatildeo do simboacutelico com o poliacutetico como fundamental para a compreensatildeo do funcionamento da linguagem De acordo com Massmann (2018 p 41)

o funcionamento da linguagem eacute poliacutetico e este por sua vez eacute compreendido por noacutes analistas de discurso como divisatildeo ldquodivisatildeo da sociedade divisatildeo dos sujeitos divisatildeo do sentido em que faz funcionar na sociedade capitalista relaccedilotildees de poder simbolizadasrdquo (ORLANDI 2013 p 28) Em relaccedilatildeo ao poliacutetico vale acrescentar ainda que uma vez compreendido discursivamente sempre como dividido eacute importante destacar que essa ldquodivisatildeo tem uma direccedilatildeo que eacute afetada pelas relaccedilotildees de forccedila advindas da forma da sociedade na histoacuteriardquo conforme Orlandi (1998 p 4) Dessa perspectiva o poliacutetico pode ser entendido como confl ito a partir das posiccedilotildees sujeito que satildeo assumidas (MASSMANN 2018 p 41)

- 66 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A partir do exposto considera-se que o corpo-poliacutetico eacute aquele cuja materialidade do sujeito produz rupturas nesse conjunto de normatizaccedilotildees sustentadas em relaccedilotildees de forccedila e de poder

O CORPO MACULADO

A fi m de ilustrar esse processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia debruccedilamo-nos sobre um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)2rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio publicada pela Editora 34 expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora O fragmento que selecionamos para essa refl exatildeo foi retirado do capiacutetulo Tatuagem3 que compotildee a primeira parte da obra em que se apresentam escritos sobre a vida em um campo de concentraccedilatildeo A narrativa se compotildee a partir do olhar da fi lha que conduz o leitor num percurso inicial de leitura em relaccedilatildeo ao corpo da matildee O ponto de partida de nosso recorte eacute justamente o enquadramento que a autora produz em relaccedilatildeo agrave tatuagem da matildee judia que em 1944 foi levada pelos nazistas ao campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz4 2 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012 3 Os fragmentos que satildeo analisados neste artigo natildeo apresentam o nuacutemero da paacutegina de onde foram retirados Eles foram transcritos a partir da leitura do capiacutetulo ldquoTatuagemrdquo na voz de Noemiacute Jaffe no episoacutedio ldquoO trabalho libertardquo da 1ordf Temporada de ldquoAs fi lhas da guerrardquo que foi ao ar em 17 de agosto de 2015 no Projeto Humanos Esse episoacutedio estaacute disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018 O Projeto Humanos eacute um podcast storytelling dedicado a contar histoacuterias reais de pessoas reais Eacute produzido por Ivan Mizanzuk desde 2015 Para mais informaccedilotildees acesse lt httpswwwprojetohumanoscombrgt Acesso em 01 set 2018 4 De acordo com o Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau ldquoo campo de concentraccedilatildeo nazista alematildeo de Auschwitz tornou-se para o mundo um siacutembolo do Holocausto de genociacutedio e terror Foi criado pelos alematildees na metade do ano de 1940 na periferia de Oświęcim cidade polaca que foi anexada ao Terceiro Reich pelos nazistas A cidade recebeu o nome alematildeo de ldquoAuschwitzrdquo que foi usado tambeacutem para determinar o nome do campo Konzentrationslager Auschwitz Na fase de auge de seu funcionamento o campo de Auschwitz era formado de trecircs partes principais 1) A primeira e mais antiga das partes

- 67 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 1

ldquoO nuacutemero no braccedilo dela eacute A16334 Os judeus da seacuterie ldquoArdquo foram presos a partir de maio de 1944 Foram contabilizados 20 mil homens e 29354 mulheres Dentre estas mulheres era a de nuacutemero 16334rdquo

De acordo com o arquivo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau5 os judeus que eram enviados a este campo de concentraccedilatildeo passaram por diferentes sistemas de identifi caccedilatildeo sendo a tatuagem um deles Auschwitz foi o uacutenico campo a instituir a tatuagem como meio de identifi caccedilatildeo de prisioneiros O modelo utilizado natildeo tinha um padratildeo uacutenico poderia ser empregado apenas um conjunto numeacuterico ou uma mescla de nuacutemeros e letras Em ambos os casos a composiccedilatildeo produzia o efeito de um nuacutemero de seacuterie O arquivo do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos destaca por sua vez que a implementaccedilatildeo desse sistema de identifi caccedilatildeo em Auschwitz comeccedilou entre 1941 e 1942 eacutepoca em que chegaram muitos prisioneiros de guerra sobretudo judeus sovieacuteticos No total foram identifi cadas o uso de pelo menos trecircs

foi Auschwitz I chamada de Stammlager (a quantidade de prisioneiros era de 12-20 tys) formada na metade do ano de 1940 no terreno e nos edifiacutecios do quartel polaco de antes da guerra e que foi sistematicamente aumentado para as necessidades do campo 2) A segunda parte foi o campo Auschwitz II-Birkenau (em 1944 contou com mais de 90 mil prisioneiros) a maior do complexo de campos Auschwitz Sua construccedilatildeo foi iniciada no outono de 1941 num terreno distante 3 km de Oświęcim na aldeia de Brzezinka de onde a populaccedilatildeo polaca foi expulsa e suas casas desmontadas Em Birkenau surgiu o maior centro de extermiacutenio em massa da Europa sob ocupaccedilatildeo ndash cacircmaras de gaacutes ndash onde os nazistas assassinaram a maior parte dos Judeus deportados ao campo 3) Terceira parte ndash campo Auschwitz III Monowitz (tambeacutem chamado de Buna no veratildeo de 1944 contava com mais de 11 mil prisioneiros) Inicialmente foi um dos subcampos de Auschwitz formado no ano de 1942 em Monowice distante 6 km de Oświęcim ao lado das fabricas de gasolina e borracha sinteacutetica Buna-Werke construiacutedas durante a guerra pela corporaccedilatildeo alematilde IG arbenindustrie Em novembro de 1944 o subcampo de Buna tornou-se independente e fi cou sendo chamado de KL Monowitz A maioria dos subcampos de Auschwitz estava sob sua administraccedilatildeordquo Fonte Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 20185 Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

- 68 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seacuteries numeacutericas a primeira e segunda seacuteries estavam destinadas ao grupo masculino e a terceira ao grupo feminino

A fi m de evitar a atribuiccedilatildeo de nuacutemeros excessivamente altos da seacuterie geral ao grande nuacutemero de judeus huacutengaros chegando em 1944 as autoridades da SS introduziram novas sequecircncias de nuacutemeros em meados de maio de 1944 Esta seacuterie precedida pela letra A comeccedilou com ldquo1rdquo e terminou em ldquo20000rdquo Quando o nuacutemero 20000 foi atingido uma nova seacuterie comeccedilando com a seacuterie ldquoBrdquo foi introduzida Cerca de 15000 homens receberam tatuagens da seacuterie ldquoBrdquo Por uma razatildeo desconhecida a seacuterie ldquoArdquo para mulheres natildeo parou em 20000 e continuou para 300006

Como podemos observar nesta citaccedilatildeo considerado o grande nuacutemero de prisioneiros enviados a Auschwitz da posiccedilatildeo sujeito-nazista a inclusatildeo das letras nas tatuagens de identifi caccedilatildeo visava em tese evitar a atribuiccedilatildeo de ordens numeacutericas extremamente altas Essa parece ser a justifi cativa que fi cou registrada nos inuacutemeros documentos produzidos pelos nazistas durante esse periacuteodo Entretanto da parte dos sobreviventes o emprego e o sentido da letra ldquoArdquo eacute uma questatildeo ainda em aberto sobretudo para Lili Jaff e Em outra passagem da narrativa em anaacutelise podemos acompanhar a reproduccedilatildeo de um diaacutelogo entre Noemiacute e sua matildee

6 Nossa traduccedilatildeo ldquoIn order to avoid the assignment of excessively high numbers from the general series to the large number of Hungarian Jews arriving in 1944 the SS authorities introduced new sequences of numbers in mid-May 1944 Th is series prefaced by the letter A began with ldquo1rdquo and ended at ldquo20000rdquo Once the number 20000 was reached a new series be-ginning with ldquoBrdquo series was introduced Some 15000 men received ldquoBrdquo series tattoos For an unknown reason the ldquoArdquo series for women did not stop at 20000 and continued to 30000rdquo In Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-sys-tem-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

- 69 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 2

- ldquoMatildee vocecirc sabe o que signifi ca esse ldquoArdquo na sua tatuagemrdquo- ldquoSei Eacute Auchiwtz Natildeo natildeo eacute Eacute arbeiten trabalho

Neste entremeio da duacutevida constitutiva do discurso de Lili agrave primeira vista eacute possiacutevel dizer que a letra ldquoArdquo pode signifi car Auschwitz ou ainda como ela nos mostra pode estar relacionada ao substantivo ldquoarbeitenrdquo que em alematildeo signifi ca ldquotrabalhordquo Os gestos de interpretaccedilatildeo de Lili Jaff e nos levam a refl etir sobre o sentido da palavra ldquotrabalhordquo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo a que ela nos remete a saber o nazismo Natildeo podemos esquecer que as condiccedilotildees de produccedilatildeo satildeo fundamentais no processo discursivo elas compreendem a situaccedilatildeo os sujeitos e a memoacuteria discursiva (ORLANDI 2002) Por exemplo se tomarmos a interpretaccedilatildeo dessa palavra (trabalho) nas condiccedilotildees de produccedilatildeo atuais (seacuteculo XXI) os sentidos produzidos satildeo completamente diferentes Entatildeo faz-se necessaacuterio estarmos atentos a essas questotildees para que nossa interpretaccedilatildeo natildeo se sustente naquilo que chamamos de evidecircncia de sentidos

Nesse movimento da interpretaccedilatildeo o sentido aparece como evidecircncia como se ele estivesse jaacute sempre laacute Interpreta-se e ao mesmo tempo nega-se a interpretaccedilatildeo colocando-a no grau zero Naturaliza-se o que eacute produzido na relaccedilatildeo do histoacuterico e do simboacutelico Por esse mecanismo - ideoloacutegico de apagamento da interpretaccedilatildeo haacute transposiccedilotildees de formas materiais em outras construindo-se transparecircncias ndash como se a linguagem e a histoacuteria natildeo tivessem espessura sua opacidade ndash para serem interpretadas por determinaccedilotildees histoacutericas que se apresentam como imutaacuteveis naturalizadas Este eacute o trabalho da ideologia produzir evidecircncias colocando o homem na relaccedilatildeo imaginaacuteria com suas condiccedilotildees materiais de existecircncia (ORLANDI 2002 p 46)

- 70 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com suas palavras Orlandi nos conduz a compreender que a linguagem natildeo eacute transparente Eacute pois pela fresta do funcionamento da linguagem na sua relaccedilatildeo com a histoacuteria que podemos entrever discursivamente para aleacutem dessa evidecircncia dos sentidos Isso signifi ca que de nossa posiccedilatildeo visualizamos outras possibilidades de interpretaccedilatildeo que levam em conta as condiccedilotildees de produccedilatildeo do nazismo e de seus gestos na relaccedilatildeo com a memoacuteria discursiva natildeo soacute no que diz respeito agraves crenccedilas do povo judeu mas tambeacutem no que concerne agrave palavra ldquotrabalhordquo

Analisando o sistema de identifi caccedilatildeo nazista descrito anteriormente compreende-se que naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo a tatuagem imposta como forma de identifi caccedilatildeo parece ter sido usada para fi ns absolutamente crueacuteis e desumanos Devemos considerar que para os judeus conforme a Torah livro sagrado e fundador do judaiacutesmo o corpo eacute uma ldquosantidade especial por ser um invoacutelucro para alma por este motivo ele deve ser tratado com respeitordquo7 Soma-se a isso ainda o fato de que para o judaiacutesmo a tatuagem eacute considerada uma forma de agressatildeo ao corpo e ao fazecirc-la infringe-se uma importante orientaccedilatildeo do livro Vayicraacute (Leviacutetico 1928) da Torah8 a saber ldquoNatildeo fareis laceraccedilotildees na vossa carne pelos mortos nem no vosso corpo imprimireis qualquer marca Eu sou o Senhorrdquo Desse modo a tatuagem no nazismo pode ser descrita como um gesto macabro e aniquilador Gesto que marca no corpo do judeu na sua carne e na sua memoacuteria de forma inapagaacutevel o oacutedio o poder a crueldade a desumanidade e o autoritarismo nazistas Dito de outra forma a tatuagem no corpo do judeu feito prisioneiro pode ser considerada como o genociacutedio inscrito na pele Com efeito os nazistas aleacutem de aprisionar e subjugar os judeus dilaceraram e violaram seus corpos e suas

7 In Associaccedilatildeo Israelita de Benefi cecircncia Beit Chabad do Brasil Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018 8 In Chabad Lubavitch Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

- 71 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

crenccedilas com tatuagens que lhes imputaram e lhes classifi caram como corpos maculados corpo agrave margem da hegemonia nazista da humanidade e de seu proacuteprio povo agrave medida que com a tatuagem exterminavam-se natildeo soacute as crenccedilas mas tambeacutem os laccedilos e processos de identifi caccedilatildeo entre os judeus

Em relaccedilatildeo agrave possibilidade de a letra ldquoArdquo que antecedia a sequecircncia numeacuterica na tatuagem de Lili Jaff e signifi car o substantivo ldquoarbeitenrdquo (ou seja ldquotrabalhordquo em alematildeo) eacute importante pensar aqui no funcionamento histoacuterico dos sentidos em torno da palavra ldquotrabalhordquo e tambeacutem considerar os efeitos de sentido da tatuagem na histoacuteria da humanidade De fato para os gregos e romanos por exemplo as tatuagens constituiacuteam uma forma de puniccedilatildeo Elas marcavam escravos e ladrotildees Criminosos E essas marcas na pele no corpo impediam que em caso de fuga os tatuados pudessem viver livremente em sociedade O corpo marcado era excluiacutedo do conviacutevio social Com base no exposto se levarmos em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees de produccedilatildeo do periacuteodo do nazismo podemos entrever nesse batimento com a histoacuteria da humanidade outrosnovos sentidos que satildeo postos em funcionamento a partir da tatuagem e tambeacutem da palavra ldquotrabalhordquo supostamente signifi cada na letra ldquoArdquo trata-se do trabalho escravo dos judeus em Auschwitz

DO CORPO-POLIacuteTICO AO CORPO-RE-EXISTEcircNCIA

A partir da refl exatildeo que propomos podemos considerar que a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo inscreveu-se como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente ou seja durante o periacuteodo do nazismo mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tiveram (tecircm) de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio O corpo

- 72 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

judeu foi marcado para sempre pelo fl agelo da monstruosidade nazista

Compreendemos entatildeo que a tatuagem no corpo de Lili Jaff e a signifi ca como prisioneira de guerra E produz assim um discurso do corpo Corpo feito refeacutem de um dos momentos mais terriacuteveis da histoacuteria da humanidade A tatuagem faz signifi car a histoacuteria daquele corpo ao mesmo que tempo que o conecta e o signifi ca na relaccedilatildeo com o corpo social neste caso o povo judeu O discurso do corpo estaacute pois materializado na tatuagem que (re)atualiza diariamente por diferentes gestos de interpretaccedilatildeo a memoacuteria do holocausto

Haacute que se refl etir ainda em relaccedilatildeo ao discurso sobre o corpo Para isso retomamos as palavras de Orlandi (1990[2008] p 44) para quem os discursos sobre ldquosatildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de)rdquo De fato se tomarmos os recortes em estudo podemos verifi car que nas duas passagens analisadas temos o funcionamento de discursos sobre a tatuagem de Lili Jaff e (e consequentemente sobre seu corpo) Enquanto o primeiro trata do nuacutemero o segundo ao trazer um diaacutelogo entre matildee e fi lha discorre sobre a letra tatuada e os possiacuteveis sentidos que dela derivam O discurso sobre a tatuagem de Lili Jaff e funciona entatildeo como uma espeacutecie de discurso mediador9 discurso de entremeio que vai se produzir e se constituir entre o discurso do10 corpo que traz materialmente a marca do holocausto e o interlocutor11 que com seus gestos de leitura e de interpretaccedilatildeo diz sobre esse corpo e essa marca em determinadas condiccedilotildees de produccedilatildeo 9 Ou discurso intermediaacuterio nas palavras de Mariani (1998 p 60) 10 O discurso de segundo Mariani (1998 p 60) pode ser compreendido como um discurso-origem11 Neste caso os interlocutores satildeo tanto Lili Jaffe que diz de sua tatuagem quanto Noemiacute sua fi lha

- 73 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enquanto discurso intermediaacuterio como forma de institucionalizaccedilatildeo dos sentidos o discurso sobre constitui uma interpretaccedilatildeo ou melhor ao se situar entre o discurso-origem e um interlocutor ele resulta de uma interpretaccedilatildeo ao mesmo tempo ele interveacutem na construccedilatildeo imaginaacuteria do interlocutor do sujeito e do dizer (COSTA 2014 p 34)

Nessa perspectiva tanto o diaacuterio de Lili Jaff e quanto os documentos12 que fazem parte do acervo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau e tambeacutem a obra13 em estudo constituem pois discursos sobre o corpo materializando diferentes vozes que tentam signifi car ou melhor que tentam dizer e interpretar o discurso do corpo de Lili Jaff e Esses discursos de e sobre trabalham incessantemente o limiar da intepretaccedilatildeo que natildeo reveladora demanda incansavelmente que se produza sentidos Eacute nessa relaccedilatildeo constitutiva entre discurso de e sobre o corpo judeu que se presentifi ca o memoraacutevel (re)atualiza a memoacuteria discursiva e a histoacuteria materializando-se assim sob a forma de corpo-poliacutetico

Eacute pois na brecha na fi ssura ainda que minuacutescula entre o discurso de e o discurso sobre que emerge a tensatildeo do poliacutetico com o simboacutelico confronto constitutivo do funcionamento da linguagem No caso do material analisado nesta refl exatildeo a noccedilatildeo de condiccedilotildees de produccedilatildeo conforme discutido anteriormente comparece de forma vigorosa no movimento de sentidos que faz derivar corpo-poliacutetico para corpo-re-existecircncia como podemos observar no fragmento abaixo tambeacutem retirado da obra que serviu de base para as anaacutelises aqui propostas

12 Documentos nazistas que fazem alguma referecircncia agrave ela a partir de seu nuacutemero de prisioneira13 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 74 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 3

Quando a fi lha visitou o museu do Holocausto em Yad Vashem em Jerusaleacutem em 2010 buscando encontrar o diaacuterio dela que estaacute laacute guardado a diretora do museu encontrou casualmente um registro de funcionaacuterias da cozinha de Auchiwitz de 1944 Era um registro elaborado por um ofi cial nazista Laacute estavam o nome e o nuacutemero dela aleacutem do de vaacuterias outras companheiras O efeito de ver o nuacutemero no braccedilo dela jaacute como parte de seu corpo e da composiccedilatildeo de sua fi gura tanto que ningueacutem o percebe mais e o efeito de ver o seu nome e o nuacutemero escrito numa folha de registro do campo grafados por um ofi cial nazista eacute radicalmente diferente Era como se a fi lha a estivesse vendo pela primeira vez Como se nunca soubesse que a matildee tinha um nuacutemero tatuado no braccedilo nem mesmo que ela tivesse sido prisioneira Entatildeo aquela histoacuteria contada em casa na sala na cozinha na infacircncia tambeacutem estaacute guardada em registros ofi ciais Aconteceu de verdade Tudo aquilo que foi contado que tem dimensatildeo de realidade somente dentro da imaginaccedilatildeo de quem escuta e na lembranccedila de quem viveu teve corpo tamanho volume tambeacutem nas matildeos de um soldado Ele escreveu o nome e o nuacutemero dela14

Dadas as condiccedilotildees de produccedilatildeo o corpo-poliacutetico agrave medida que na tensatildeo entre relaccedilotildees de forccedila do discurso de e do discurso sobre encontra uma forma de resistir e assim de (re)signifi car e ser (re)signifi cado Ao natildeo se deixar subjugar o corpo-poliacutetico resiste (corpo-re-existecircncia) e rompe Explode E assim produz a efervescecircncia de signifi caccedilotildees do corpo de Lili Jaff e e sobre o corpo de Lili Jaff e

Natildeo era exatamente a infraccedilatildeo que os nazistas tatuavam no corpo dos prisioneiros mas a

14 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 75 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

identifi caccedilatildeo inapagaacutevel de que se tratava de um prisioneiro Servia para facilitar o trabalho dos nazistas e para escrever na carne do condenado sua maior infraccedilatildeo existir Aquilo que fi ca escrito na carne como as rugas a fl acidez mas acima de tudo a tatuagem adquire e daacute agrave pessoa o sentido da existecircncia Ela existe porque tem essa marca e tem a marca porque existe15

REFEREcircNCIAS

ASSOCIACcedilAtildeO ISRAELITA DE BENEFICEcircNCIA BEIT CHABAD DO BRASIL Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018

BARBOSA M R MATOS P M amp COSTA M E ldquoUm olhar sobre o corpo o corpo ontem e hojerdquo In Psicologia amp Sociedade n 23 Vol1) 24-34 2011 Disponiacutevel em httpwwwscielobrpdfpsocv23n1a04v23n1pdf Acesso em 18 ago 2018

CHABAD LUBAVITCH Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

COSTA G C Sentidos de miliacutecia Entre a lei e o crime Campinas Editora da Unicamp 2014

FOUCAULT M Microfiacutesica do poder 17Ed Rio de Janeiro Ed Graal 2002

GALEANO E Las palabras andantes 5Ed Buenos Aires Cataacutelogos SRL 2001

HOBSBAWM E J A era do capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

15 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 76 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

MARIANI B O PCB e a imprensa os comunistas no imaginaacuterio dos jornais (1922-1989) Rio de JaneiroCampinas RevamEditora da Unicamp 1998

MASSMANN D O poliacutetico nada arte Instituiccedilotildees discursos resistecircncias In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL AUSCHWITZ-BIRKENAU History Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL DO HOLOCAUSTO DOS ESTADOS UNIDOS Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-system-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

QUIJANO A Colonialidade do poder e classifi caccedilatildeo social In SANTOS B de amp MENESES M P (Orgs) Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009

SOUZA L L de O discurso encarnado ou a passagem da carne ao corpodiscurso In Entremeios revista de estudos do discurso v1 n1 jul2010 Disponiacutevel em httpwwwentremeiosinfbr Acesso em 19 ago 2018

ORLANDI E P Sujeitos invisiacuteveis Sujeitos agrave interpretaccedilatildeo In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

- 77 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

_____ Ser diferente eacute ser diferente a quem interessam as Minorias In ORLANDI E P Linguagem sociedade poliacuteticas Pouso Alegre UNIVAacuteSCampinas RG Editores 2014

_____ Discurso em anaacutelise sujeito sentido ideologia Campinas Pontes Editores 2012

_____ Terra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundo Campinas Editora da Unicamp 1990[2008]

_____ Cidade dos sentidos Campinas SP Pontes 2004

_____ A linguagem e seu funcionamento as formas do discurso Campinas Pontes 1996

PROJETO HUMANOS Episoacutedio 2 ldquoO trabalho libertardquo In ldquoAs fi lhas da guerrardquo Disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018

- 78 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 79 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fernando Aparecido Ferreira

Conforme aprendemos com Bakhtin cujo postulado dialoacutegico foi incorporado pela Linguiacutestica Textual um texto (enunciado) natildeo existe nem pode ser avaliado eou compreendido isoladamente ele sempre estaacute em diaacutelogo com outros textos De acordo com Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 9) ldquotodo texto revela uma relaccedilatildeo radical do seu interior com seu exteriorrdquo Ainda segundo essas autoras de um texto ldquofazem parte outros textos que lhe datildeo origem que o predeterminam com os quais dialoga que ele retoma a que alude ou aos quais se opotildeemrdquo (KOCH BENTES e CAVALCANTE 2008 p 9) Chegamos assim ao conceito de intertextualidade criado na deacutecada de 1960 pela criacutetica literaacuteria francesa Julia Kristeva com base nas premissas de Bakhtin Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 14) afi rmam que para Kristeva ldquoqualquer texto se constroacutei como um mosaico de citaccedilotildees e eacute a absorccedilatildeo e transformaccedilatildeo de um outro textordquo

Propomos aqui neste trabalho tratar do emprego da intertextualidade como uma estrateacutegia retoacuterica analisando um texto audiovisual (portanto sincreacutetico e multimodal) no qual a relaccedilatildeo com outros textos (visuais verbais sonoros) foi deliberadamente utilizada como uma forma de contribuir para a adesatildeo de um auditoacuterio espectador Importante ressaltar que aqui trabalhamos com uma concepccedilatildeo moderna de texto que natildeo inclui

COISAS ESTRANHAS COISAS FAMILIARES A

INTERTEXTUALIDADE COMO ESTRATEacuteGIA RETOacuteRICA NA

WEBSEacuteRIE STRANGER THINGS

- 80 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

somente o verbal sendo portanto segundo Cavalcante (2013 p 17) texto tudo aquilo que constitui ldquouma unidade de linguagem dotada de sentidordquo que cumpre ldquoum propoacutesito comunicativo direcionado a um certo puacuteblico numa situaccedilatildeo especiacutefi ca de uso dentro de uma determinada eacutepoca em uma dada cultura que se situam os participantes desta enunciaccedilatildeordquo Em outras palavras tambeacutem podemos dizer que fazemos aqui uma anaacutelise textual de um discurso retoacuterico

O nosso objeto de estudo eacute a webseacuterie Stranger Th ings (ldquoCoisas estranhasrdquo mas que natildeo obteve traduccedilatildeo para o portuguecircs) Lanccedilada em julho de 2016 pelo canal de streaming NETFLIX Stranger Th ings eacute uma produccedilatildeo norte-americana criada produzida e dirigida pelos irmatildeos Matt e Ross Duff er Ambientada nos anos 1980 (mais especifi camente em 1983) e fi lmada tal como se fosse uma produccedilatildeo do mesmo periacuteodo a seacuterie cuja narrativa trafega entre o drama a aventura e o horror foi um imediato sucesso de criacutetica e de puacuteblico e jaacute eacute objeto de culto Tendo como marca identitaacuteria justamente o modo como evoca na forma e no conteuacutedo seacuteries e fi lmes norte-americanos da deacutecada de 1980 Stranger Th ings se vale ostensivamente da intertextualidade com produccedilotildees audiovisuais e visuais do periacuteodo recurso que contribuiu signifi cativamente para a adesatildeo de seu auditoacuterio-espectador Buscamos portanto refl etir rapidamente sobre o papel argumentativo da intertextualidade na seacuterie verifi cando em quais niacuteveis essa relaccedilatildeo com outros textos visuais e audiovisuais se manifesta

Tratando aqui da efi ciecircncia de uma comunicaccedilatildeo adentramo-nos portanto no universo da Retoacuterica que ldquovisa agrave adesatildeo dos espiacuteritosrdquo segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 16) Por meio das anaacutelises cabe dizer que em Stranger Th ings a intertextualidade eacute empregada como uma estrateacutegia retoacuterica contribuindo para despertar o interesse de espectadores pela seacuterie promovendo-lhes um resgate de memoacuterias afetivas

- 81 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

despertando-lhes os pathe da amizade e da confi anccedila Vaacuterios tipos de intertextualidade ndash temaacutetica estiliacutestica impliacutecita expliacutecita ndash se manifestam na seacuterie atestando a presenccedila consciente desse artifiacutecio como recurso retoacuterico e argumentativo

Vejamos como isso ocorre

Narrativas audiovisuais se destinam a provocar seus espectadores ativando seus afetos sentimentos e emoccedilotildees Esses aspectos satildeo componentes essenciais para angariar o interesse de um auditoacuterio-espectador pela trama ou temaacutetica de uma narrativa por seus personagens pela mensagem que pretende passar etc Num texto audiovisual narrativo e seriado essa preocupaccedilatildeo eacute fundamental para a garantia da adesatildeo e interesse do espectador aos episoacutedios que seguiratildeo e para a consequente produccedilatildeo de novos grupos de episoacutedios ndash as chamadas ldquotemporadasrdquo Cabe assim aos diretores produtores e roteiristas (os oradores desses discursos) saber bem o que pretendem comunicar ter competecircncia teacutecnica para utilizar a linguagem audiovisual para se expressar e conhecer bem aqueles que seratildeo os seus espectadores para conseguirem ativar neles as emoccedilotildees que desejam para que por fi m a interlocuccedilatildeo seja efi ciente

Em linhas gerais Stranger Th ings se desenvolve narrativamente a partir do desaparecimento de um garoto numa pequena e pacata cidade norte-americana e prossegue com os estranhos acontecimentos que satildeo revelados no processo das buscas para encontraacute-lo De imediato eacute possiacutevel perceber que a seacuterie tem uma intertextualidade temaacutetica com uma seacuterie lanccedilada no ano de 1990 Twin Peaks do cineasta David Lynch

Por intertextualidade temaacutetica entendemos a relaccedilatildeo entre textos que pertencem a uma mesma escola ou que partilham temas assuntos Ambas as seacuteries Stranger Th ings e Twin Peaks tecircm o mesmo fi o condutor um caso misterioso que ocorre em uma pequena cidade norte-americana cujas investigaccedilotildees satildeo conduzidas

- 82 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

principalmente por um homem da lei protagonista da seacuterie que se depara com questotildees sobrenaturais Enquanto em Twin Peaks o motivo condutor era ldquoQuem matou a jovem Laura Palmerrdquo em Stranger Th ings eacute ldquoO que aconteceu com o garoto Will Byersrdquo E se no primeiro a investigaccedilatildeo era protagonizada pelo agente do FBI Dale Cooper em Stranger Th ings a busca eacute conduzida pelo xerife local Jim Hopper Essa primeira intertextualidade temaacutetica daacute base para outras que promovem uma associaccedilatildeo mais imediata agraves produccedilotildees audiovisuais dos anos 1980 e defi ne como jaacute foi dito a identidade da webseacuterie Elencamos aqui quatro temas facilmente identifi caacuteveis

1) grupos de garotos nerds aventureiros

2) paranormalidade ou mais especifi camente crianccedila com po-deres paranormais

3) seres de outras dimensotildees

4) mundos paralelos

Esses temas satildeo recorrentes em vaacuterias produccedilotildees dos anos 1980 em fi lmes hoje considerados claacutessicos da eacutepoca No primeiro tema exemplifi camos com fi lmes como ET (1982) Explorers (Viagem ao mundo dos sonhos 1985) Th e Goonies (Os Goonies 1985) Stand by me (Conta comigo 1986) Th e Lost Boys (Os garotos perdidos 1987) Em Stranger Th ings apesar do protagonismo do xerife (e tambeacutem da matildee do garoto desaparecido interpretada pela atriz Winona Ryder) um grupo de meninos amigos do garoto Will que tambeacutem paralelamente buscam encontraacute-lo torna-se um dos principais pontos afetivos da seacuterie evocando os garotos de vaacuterias produccedilotildees de Steven Spielberg (o grande nome do cinema de entretenimento dos anos 1980)

Integrando o grupo de personagens principais da seacuterie haacute em Stranger Th ings a garota Eleven cujos poderes paranormais

- 83 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

evocam personagens de outras produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Poltergeist (1982) Firestarter (Chamas da vinganccedila 1984) Th e Shining (O iluminado 1980) e Th e Dead Zone (A hora da zona morta 1983) bem algumas do fi nal dos anos 1970 que reverberaram nos anos 1980 ndash por suas exibiccedilotildees na TV e lanccedilamento em videocassete ndash como Carrie (Carrie a estranha 1976) e Th e Fury (A fuacuteria 1978) Estabelece-se na evocaccedilatildeo a esses fi lmes mais uma intertextualidade temaacutetica dessa vez dentro do tema ldquoparanormalidaderdquo ou ldquocrianccedila com poderes paranormaisrdquo

Um dos misteacuterios de Stranger Th ings envolve um ser monstruoso de outra dimensatildeo tema tambeacutem recorrente em produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Alien (Alien o oitavo passageiro 1979) e sua continuaccedilatildeo Aliens (Aliens o resgate 1986) Predator (O Predador 1987) Th e Th ing (O enigma de outro mundo 1982) Outra intertextualidade temaacutetica eacute a que se refere a mundos paralelos ou sobrenaturais evocando fi lmes como Altered States (Viagens alucinantes 1980) Evil Dead (Uma noite alucinante a morte do democircnio 1981) e Evil Dead II (Uma noite alucinante II 1987) Nightmare on Elm Street (A hora do pesadelo 1984) e suas continuaccedilotildees sendo trecircs lanccediladas na deacutecada de 1980 e mais uma vez Poltergeist (1982) e suas duas continuaccedilotildees lanccediladas em 1986 e 1988

Corroborando a intertextualidade temaacutetica haacute tambeacutem uma relaccedilatildeo estiliacutestica de Stranger Th ings com produccedilotildees dos anos 1980 Conforme Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 19) ldquoa intertextualidade estiliacutestica ocorre por exemplo quando o produtor do texto com objetivos variados repete imita parodia certos estilosrdquo A cinematografi a da seacuterie Stranger Th ings com seus enquadramentos movimentos de cacircmera iluminaccedilotildees e tons cromaacuteticos repete a qualidade visual de algumas das produccedilotildees jaacute citadas como ET Explorers Th e Goonies e Alien mas tambeacutem especialmente nas cenas ambientadas no coleacutegio (onde as crianccedilas

- 84 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

estudam) ou nas que se enquadram no nuacutecleo adolescente na seacuterie Nessas cenas a luz e as cores de comeacutedias juvenis como Th e Breakfast Club (Clube dos cinco 1985) Sixteen Candles (Gatinhas e gatotildees 1984) Ferris Buellers Day Off (Curtindo a vida adoidado 1986) Weird Science (Mulher nota 1000 1985) e Pretty in Pink (Garota de rosa-shocking 1986) (Fig 1)

Figura 1 Cena do ambiente escolar de Stranger Th ings (topo) comparada agrave cinematografi a de fi lmes adolescentes dos anos 1980

como Ferris Buellers Day Off e Th e Breakfast Club

- 85 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fonte NETFLIX

Eacute possiacutevel tambeacutem identifi car uma intertextualidade estiliacutestica no acircmbito sonoro e graacutefi co-visual da seacuterie No primeiro nos referimos agrave trilha sonora executada com sintetizadores muito populares em arranjos de temas musicais da deacutecada de 1980 especialmente em produccedilotildees cinematograacutefi cas de suspense e terror A trilha musical de Stranger Th ings evoca a sonoridade e os acordes de composiccedilotildees de muacutesicos como John Carpenter Harry Manfredini Joe Renzetti Charles Bernstein Giorgio Moroder e Harold Faltermeyer responsaacuteveis pelas trilhas sonoras de fi lmes como Th e Fog (A bruma assassina 1980) Halloween (1981) Christine (1983) Th ey Live (Eles vivem 1988) Friday the 13th (Sexta-Feira 13 1980) Poltergeist III (1988) Childrsquos Play (Brinquedo Assassino 1988) Nightmare on Elm Street Flashdance (1983) Neverending Story (A histoacuteria sem fi m 1984) Beverly Hills Cop (Um tira da pesada 1984) e Top Gun (Ases indomaacuteveis 1986)

No acircmbito graacutefi co-visual temos na abertura de Stranger Th ings (Fig 2) uma alusatildeo agraves composiccedilotildees e estilos tipograacutefi cos empregados nas capas de livros do autor Stephen King lanccedilados na mesma eacutepoca (Fig 3) King foi um autor de grande popularidade

- 86 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na deacutecada de 1980 e uma parte signifi cativa dos fi lmes com os quais Stranger Th ings mantem uma relaccedilatildeo de intertextualidade (Th e Dead Zone Firestarter Stand by Me para citar alguns) foram baseados em suas obras O logotipo de Stranger Th ings (que aparece na abertura da seacuterie) eacute apresentado em caixa alta centralizado em duas linhas com os caracteres iniciais e fi nais da primeira palavra maiores que os demais aludindo ao design do nome de Stephen King nas capas de seus livros

Figura 2 Cena da abertura de Stranger Th ings com o logotipo da webseacuterie

Fonte NETFLIX

- 87 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 3 Capa da obra Misery de Stephen King

Fonte httpsenwikipediaorgwikiMisery_(novel) Acesso em 18 de julho de 2018

Em Stranger Th ings a intertextualidade estiliacutestica conecta-se a um outro tipo de intertextualidade a impliacutecita Segue abaixo a defi niccedilatildeo de Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 30)

Tem-se a intertextualidade impliacutecita quando se introduz no proacuteprio texto intertexto alheio sem qualquer menccedilatildeo expliacutecita da fonte com o objetivo quer de seguir-lhe a orientaccedilatildeo argumentativa quer de contraditaacute-lo colocaacute-lo em questatildeo de ridicularizaacute-lo ou argumentar em sentido contraacuterio

Encontramos em Stranger Th ings uma intertextualidade impliacutecita do primeiro caso parafraacutestica sendo aquilo que SantrsquoAnna (1985) denomina ldquointertextualidade das semelhanccedilasrdquo e Greacutesillon

- 88 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e Maingueneau (1984 apud KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M 2008 p30) chamam de ldquocaptaccedilatildeordquo Na webseacuterie encontramos citaccedilotildees natildeo explicitadas de sequecircncias de muitos fi lmes jaacute citados aqui como ET Stand by me (Fig 4) Altered States Alien Explorers e Nightmare on Elm Street e de fi lmes ainda natildeo citados como Birdy (Asas da liberdade 1984) e Commando (Comando para matar 1985)

Figura 4 Comparaccedilotildees entre Stand by me de 1986 (lado esquer-do) e Stranger Th ings (lado direito)

Fonte httpsipinimgcomoriginals8e057f8e057fea4381769eeb37053026653065jpg Acesso em 18 jul 2018

- 89 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 5 Comparaccedilotildees entre Altered States de 1980 (topo) e Stranger Th ings

Fonte httpswwwimdbcomtitlett0080360 Acesso em 18 jul 2018

Tambeacutem chama atenccedilatildeo mais uma vez a abertura da seacuterie (Fig 6) cujo movimento das letras remete agrave abertura do fi lme Dead Zone (Fig 7)

- 90 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 6 Cenas da sequecircncia de abertura de Stranger Th ings

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlestranger-things Acesso em 18 jul 2018

Figura 7 Cenas da sequecircncia de abertura do fi lme Dead Zone (1983)

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlethe-dead-zone Acesso em 18 jul 2018

Percebe-se que os produtores de Stranger Th ings lanccedilam matildeo dessas ldquoparaacutefrasesrdquo argumentativamente recriando cenas memoraacuteveis criando no auditoacuterio-espectador uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu criando assim uma sensaccedilatildeo de familiaridade e facilitando

- 91 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

a adesatildeo do seu auditoacuterio-espectador Por outro lado eles reaproveitam soluccedilotildees visuais jaacute testadas sobre como apresentar uma situaccedilatildeo ou um personagem reforccedilando o uso da intertextualidade como uma forma de seguir a orientaccedilatildeo argumentativa de claacutessicos e sucessos do entretenimento audiovisual (no caso aplicado em uma instacircncia narrativa) que incluem fi lmes notoriamente benquistos como ET Th e Goonies Poltergeist e Alien os principais textos-fontes de Stranger Th ings O meacuterito da seacuterie estaacute em conseguir realizar um mosaico de intertextos sem perder sua coesatildeo narrativa

O que chama a atenccedilatildeo eacute o fato de Stranger Th ings natildeo depender do reconhecimento do intertexto pelo espectador algo diferente do que ocorre em fi lmes-paroacutedia por exemplo nos quais o humor soacute se estabelece totalmente se ocorrer a ativaccedilatildeo do texto-fonte na memoacuteria discursiva do espectador A natildeo recuperaccedilatildeo do intertexto em Stranger Th ings natildeo compromete o processo de construccedilatildeo de sentido Isso se explica pela proximidade da seacuterie com seus textos-fontes num ponto que quase se confi gura um plaacutegio sendo mesmo uma ldquocaptaccedilatildeordquo que no entanto exime os oradores do plagiato por natildeo haver uma intenccedilatildeo de camufl ar ou apagar as fontes do intertexto Nesse sentido eacute que podemos dizer que a intertextualidade foi aqui empregada retoricamente pois funciona tanto como um recurso para a construccedilatildeo de uma narrativa de apelo e faacutecil adesatildeo (valendo-se de foacutermulas jaacute testadas e sabidamente agradaacuteveis aos espectadores) como tambeacutem um recurso que desperte a curiosidade sirva como argumento promocional e possibilite a participaccedilatildeo ativa do espectador no processo de recuperaccedilatildeo dos intertextos ndash algo que se manifestou nas inuacutemeras postagens nas redes sociais nas quais os espectadores da seacuterie revelavam suas descobertas

Em Stranger Th ings a referecircncia ao universo audiovisual dos anos 1980 eacute tambeacutem feita claramente mencionando esses textos Temos aiacute portanto uma intertextualidade expliacutecita que eacute aquela

- 92 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que ocorre quando no proacuteprio texto eacute mencionada a fonte do intertexto Na seacuterie vemos isso ocorrendo tanto no niacutevel verbal como visual No verbal temos como exemplo quando no primeiro episoacutedio a matildee de Will o convida para ir ao cinema assistir Poltergeist Tambeacutem ocorre quando um dos personagens chama a namorada para assistir ao fi lme All the Right Moves (A chance 1983) estrelado por Tom Cruise No campo visual vemos uma intertextualidade expliacutecita nos programas de TV que satildeo vistos pelos personagens como o desenho animado He-Man (Fig 8) e a seacuterie Night Rider (A super maacutequina) como tambeacutem nos pocircsteres de fi lmes que decoram as casas dos garotos notadamente dos fi lmes Th e Th ing e Evil Dead (Fig 9) A presenccedila da intertextualidade expliacutecita comprova a natildeo tentativa de camufl ar a intertextualidade impliacutecita eximindo os produtoresdiretores da acusaccedilatildeo de plaacutegio No caso de Stranger Th ings a intertextualidade impliacutecita se manifesta como homenagem aos fi lmes dos anos 1980 Ainda cabe inferir que a intertextualidade expliacutecita se apresenta principalmente como um recurso argumentativo para contextualizar um periacuteodo dar credibilidade para a reconstituiccedilatildeo da eacutepoca em que se passa a narrativa Tanto que podemos dizer que essa referecircncia expliacutecita natildeo soacute eacute comum como tambeacutem necessaacuteria em fi lmes de eacutepoca ou mesmo contemporacircneos para um bom estabelecimento do tempo e do espaccedilo em que se desenvolve a trama ou seja para uma signifi cativa e convincente construccedilatildeo da diegese

- 93 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 8 He-Man visto na TV em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Figura 9 Cartaz do fi lme Evil Dead em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Sendo a referecircncia aos textos visuais e audiovisuais dos anos 1980 a identidade de Stranger Th ings eacute interessante verifi car como esse recurso argumentativo tambeacutem se estendeu para o seu material promocional (cartazes e trailersteasers) Para o design do cartaz da seacuterie o artista Kyle Lambert seguiu o estilo dos trabalhos de Drew Struzan famoso pelos cartazes que fez para fi lmes como Th e Goonies Indiana Jones and the Temple of Doom (Indiana Jones e o Templo da Perdiccedilatildeo 1984) Back to the Future (De volta para

- 94 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o futuro 1985) Dreamscape (A morte nos sonhos 1984) e Big Trouble in Little China (Aventureiros do bairro proibido 1986) Nesse caso o cartaz de Stranger Th ings tem uma intertextualidade estiliacutestica com os cartazes cinematograacutefi cos dos anos 1980 (Fig 10)

Figura 10 Cartaz de Kyle Lambert para Stranger Th ings e cartaz de Drew Struzan para Back to the Future II

Fonte httpwwwimpawardscom Acesso em 18 jul 2018

Cabe destacar tambeacutem o viacutedeo lanccedilado para promover a seacuterie entre os espectadores brasileiros que contou com a presenccedila da apresentadora Xuxa reproduzindo um quadro do seu extinto programa na Rede Globo de Televisatildeo o Xou da Xuxa tambeacutem surgido nos anos 1980 (Fig 11) Nessa intertextualidade expliacutecita

- 95 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

confi gurada aqui como um pastiche1 a apresentadora recebe uma carta da matildee do garoto Will Byers solicitando ajuda para encontrar seu fi lho desaparecido Xuxa faz uma imitaccedilatildeo de si proacutepria inclusive fazendo referecircncias aos boatos e ldquolendasrdquo que lhe eram associados na eacutepoca do seu programa como o fato de ter feito um pacto com forccedilas ocultas que resultaram em bonecas possuiacutedas que atacavam crianccedilas e discos que revelavam mensagens sinistras quando tocados ao contraacuterio Nesse viacutedeo promocional divulgado no Facebook e no YouTube o humor foi empregado como um recurso argumentativo para despertar o interesse do auditoacuterio

Figura 11 Cena do viacutedeo promocional para Stranger Th ings com a apresentadora Xuxa

Fonte httpswwwyoutubecomwatchv=2t-AIbErqts Acesso em 30 jul 2018

Segundo Aristoacuteteles (2012 p 13) ldquopersuade-se pela disposiccedilatildeo dos ouvintes quando estes satildeo levados a sentir emoccedilatildeo por meio do discursordquo E quando temos uma argumentaccedilatildeo que se fundamenta no estado emocional do auditoacuterio temos

1 ldquoO pastiche se caracteriza pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor ou de traccedilos de sua autoria () caracteriza-se pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor de um fi lme enfi m mas com fi nalidade satiacuterica ()rdquo (CAVALCANTE 2013 p 165-166) No caso em anaacutelise ndash um viacutedeo promocional de Stranger Things ndash eacute feita uma imitaccedilatildeo do quadro do programa Xou da Xuxa (ainda que com a proacutepria apresentadora) com fi ns satiacutericos

- 96 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma argumentaccedilatildeo fundada no pathos As paixotildees despertadas infl uenciam psicologicamente o auditoacuterio e por conseguinte afetam tambeacutem seus julgamentos Nesse sentido Stranger Th ings eacute um discurso que tenta provocar no auditoacuterio-espectador uma disposiccedilatildeo emocional adequada agrave recepccedilatildeo da tese que propotildee ser aceita a saber criar um entretenimento que natildeo soacute desperte o interesse mas que tambeacutem promova uma adesatildeo emocional e afetiva

Figura 12 As crianccedilas de Stranger Th ings (topo) e ET e Th e Goonies

Fonte httpswwwimdbcom Acesso em 18 jul 2018

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 97 -

Pode-se inferir que as intertextualidades presentes em Stranger Th ings contribuem retoricamente para o sucesso da seacuterie por despertar no auditoacuterio paixotildees eufoacutericas com as da amizade e da confi anccedila Da amizade porque as situaccedilotildees narrativas apresentadas bem como os personagens (em suas intertextualidades temaacuteticas estiliacutesticas e impliacutecitas) contribuem para criar no auditoacuterio uma relaccedilatildeo de proximidade uma familiaridade uma empatia imediata2 Os garotos da seacuterie se apresentam como personagens que jaacute conhecemos com os quais jaacute temos amizade e por quem sentimos carinho Eles tecircm o DNA dos amados personagens de ET Goonies e Poltergeist (Fig 12) Da paixatildeo da amizade decorre a paixatildeo da confi anccedila Sobre a paixatildeo da confi anccedila Aristoacuteteles afi rma

A confi anccedila eacute o contraacuterio do medo e o que inspira confi anccedila eacute o contraacuterio do que inspira medo de modo que a esperanccedila eacute acompanhada pela representaccedilatildeo de que as coisas que estatildeo proacuteximas podem salvar-nos ao passo que as que causam temor natildeo existem ou estatildeo longe (ARISTOacuteTELES 2012 p 103)

Em Stranger Th ings a amizade despertada pela familiaridade afasta o receio de ldquoperder tempordquo e gera a confi anccedila de que a seacuterie seraacute boa de que vale a pena assisti-la

Por fi m cabe dizer que em termos argumentativos a intertextualidade presente em Stranger Th ings funciona como uma fi gura de comunhatildeo Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 201) ldquoas fi guras de comunhatildeo satildeo aquelas em que mediante procedimentos literaacuterios o orador empenha-se em criar ou confi rmar a comunhatildeo com o auditoacuteriordquo Os autores complementam ldquoAmiuacutede essa comunhatildeo eacute obtida mercecirc de referecircncias a uma cultura a uma tradiccedilatildeo a um passado comunsrdquo

2 ldquoA camaradagem a familiaridade o parentesco e outras relaccedilotildees semelhantes satildeo espeacutecies de amizaderdquo (ARISTOacuteTELES 2012 P 98)

- 98 -

Tendo como auditoacuterio aqueles que detecircm a cultura do cinema de entretenimento norte-americano os oradores de Stranger Th ings buscaram comungar com ele (esse auditoacuterio) por meio do resgate de uma memoacuteria afetiva (ligada agrave infacircncia e agrave adolescecircncia)

REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel dos Nascimento Pena Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

CAVALCANTE M M Os sentidos do texto Satildeo Paulo Contexto 2013

KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M Intertextualidade diaacutelogos possiacuteveis 2 ed Satildeo Paulo Cortez 2008

NETFLIX Stranger Th ings Disponiacutevel em httpswwwnetfl ixcombr Acesso em 12 jul 2018

PERELMAN C OLBRECHTS-TYTECA L Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo Maria Ermentina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 2005

SANTrsquoANNA A R Paroacutedia paraacutef rase e cia Satildeo Paulo Aacutetica 1985

- 99 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Gerardo Ramiacuterez Vidal

En relacioacuten con la hypoacutekrisis que en latiacuten se traduce como actio y pronuntiatio se conocen con mucha claridad las fuentes antiguas la enorme importancia que tuvo esa praacutectica y los diversos elementos que se tomaban en cuenta ya sea en su estudio como en su praacutectica De manera paradoacutejica un anaacutelisis semaacutentico maacutes puntual de esa palabra griega muestra que su aplicacioacuten a la ejecucioacuten retoacuterica no fue apropiada pues se limitaba a algunos elementos prosoacutedicos pero no al gesto a los ademanes y al movimiento del cuerpo De cualquier modo en la Grecia antigua puede individualizarse un arte general de la pronunciacioacuten llamada hypokritikē o hipocriacutetica que Aristoacuteteles habiacutea previsto pero no alcanzoacute a desarrollarse De tal manera en las paacuteginas siguientes muestro primero la importancia de este elemento en la praacutectica oratoria luego su insufi ciencia en el caso de la ejecucioacuten retoacuterica y por uacuteltimo los fundamentos y elementos de esa disciplina general llamada hypocriacutetica

EL TEacuteRMINO HYPOacuteKRISIS EN LAS FUENTES ANTI-GUAS

En cuanto a las fuentes antiguas brevemente diremos que Aristoacuteteles fue el primero en considerar la hypoacutekrisis como una parte u ofi cio de la retoacuterica hizo algunas observaciones puntuales acerca de este asunto1 y sentildealoacute que tambieacuten es competencia de otras

1 Cf sobre todo Arist Rh III 1403b18-1404a19 pasaje sobre el cual volveremos

LA HIPOCRIacuteTICA O ARTE DE LA EXPRESIOacuteN ORAL

EN LA RETOacuteRICA GRIEGA CLAacuteSICA

- 100 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

artes la tragedia la poeacutetica y la rapsoacutedica Su disciacutepulo Teofrasto dedicoacute a ese tema un tratado especial el Περὶ ὑποκρίσεως en un libro seguacuten la lista de Dioacutegenes Laercio aunque soacutelo se conserva el tiacutetulo y dos referencias Sobre el caraacutecter y contenido de esta obra es difiacutecil pronunciarse2 En la segunda mitad del siglo II a C Hermaacutegoras de Temnos la consideroacute como una parte de la retoacuterica y es probable que de eacutel provenga el origen del desarrollo latino de este ofi cio del orador3 Filodemo abordoacute aspectos importantes pero de manera aislada4 Ya en eacutepoca imperial Casio Longino resume el asunto brevemente5 y algunos otros autores griegos transmiten los conocimientos mencionados6 Sin embargo fueron los latinos quienes expusieron de manera maacutes amplia y sistemaacutetica la actio y pronuntiatio en particular Quintiliano quien dedica a este asunto el amplio capiacutetulo 3 del libro XI7

2 En Vitae Philosophorum 54812 Dioacutegenes Laercio registra el tiacutetulo Περὶ ὑποκρίσεως entre las 225 obras de Teofrasto incluida entre los 24 tratados de retoacuterica Esta obra es independiente del Arte retoacuterica que aparece en la lista dos obras antes y que a su vez podriacutea abordar la hypoacutekrisis De la obra sobre la actuacioacuten se conservan dos referencias frr 712 y 713 (Fortenbaugh 1992 vol II) La primera proviene de Atanasio (Prol In Herm De statibus en RhGr xiv 1773-8 Rabe) se puede suponer que su contenido podriacutea contener (a) la valoracioacuten de la hypoacutekrisis como el instrumento maacutes importante del orador (b) las pasiones del alma y el anaacutelisis de ellas asiacute como sus fundamentos y (c) conjuncioacuten del movimiento del cuerpo y del tono de la voz (τὴν κίνησιν τοῦ σώματος καὶ τὸν τόνον τῆς φωνῆς) en el entero conocimiento de ese ofi cio del orador (cf Vallozza 2000 273-274) se hace una referencia clara al orador y no al actor La segunda se encuentra en Ciceroacuten (De or iii 221) donde el autor se refi ere en especial a la importancia del sentido de la vista en la accioacuten oratoria Sin embargo el caraacutecter retoacuterico y el contenido de la obra teofrastea son soacutelo hipoteacuteticos lo uacutenico seguro es la referencia de Ciceroacuten (De or III 221) de que un tal Taurisco (seguacuten Teofrasto) sentildealaba que el orador que ejecuta su discurso con los ojos fi jos se asemeja a un actor que recita estando de espaldas al puacuteblico3 Seguacuten Matthes la hypoacutekrisis seriacutea la cuarta y uacuteltima parte de la retoacuterica despueacutes de la heacuteuresis la oikonomiacutea y la mnēmē (Hermag 1962 p vi)4 Philod Rh I 1963 ss Sudh (sobre la hypoacutekrisis como parte de la retoacuterica) I 20116 ss Sudh (sobre la adecuacioacuten de la hypoacutekrisis a los diferentes tipos de personas)5 Cassius Longinus Ars rhetorica 1 p 566-567 Walz (tambieacuten en L Spengel (ed) Rhetores Graeci vol 1 Leipzig Teubner 1853 pp 310-312)6 Cf Theo Progymn 1 p 66 Walz con escolio (Walz I p 257) el anoacutenimo Prolegomena de la retoacuterica 6 pp 35-36 Walz7 Cf Frachet 2011-2012 y un esbozo reciente en Hilder 2018

- 101 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

La importancia de la hypoacutekrisis o actio-pronuntiatio fue un toacutepico recurrente en la retoacuterica antigua El testimonio de Aristoacuteteles es fundamental Al hablar de las partes de la retoacuterica al comienzo del libro III de su Retoacuterica afi rma que en primer lugar son los asuntos en segundo el estilo y en tercero ldquoaquello que tiene el mayor poder de persuasioacuten los elementos de la hypoacutekrisis8 La idea del enorme poder de la actuacioacuten se presenta auacuten con mayor evidencia en la aneacutecdota sobre Demoacutestenes quien consideraba que la retoacuterica se reduciacutea a esa parte9 y en Ciceroacuten quien afi rma que la elocuencia no es nada sin la actio y que eacutesta en cambio sin ella es una gran cosa pues su poder discursivo es muy grande10 En fi n Quintiliano (Inst or XI 34-8) presenta algunos ejemplos notables de la importancia de esta parte de la retoacuterica y expresa que la pronuntiatio tiene en siacute misma una efi cacia y un poder extraordinarios en la oratoria11 y que un mal discurso confi ado a la fuerza de la actuacioacuten tiene maacutes efi cacia que un buen

8 Arist Rh 1403b20-22 Τρίτον δὲ τούτων ὃ δύναμιν μὲν ἔχει μεγίστην οὔπω δ ἐπικεχείρηται τὰ περὶ τὴν ὑπόκρισιν9 El autor anoacutenimo de la Vida de Demoacutestenes cuenta una historia muy conocida en la Antiguumledad (cf Plu Dem 7 Cic Or 56 y De or III 213 Quint Inst or XI 36) descorazonado Demoacutestenes por su fracaso en una asamblea el actor Androacutenico le dijo que sus palabras estaban bien pero que le faltaba lo relativo a la ὑπόκρισις ([Plu] Mor 845a7-8 ὁ ὑποκριτὴς Ἀνδρόνικος εἰπὼν ὡς οἱ μὲν λόγοι καλῶς ἔχοιεν λείποι δ αὐτῷ τὰ τῆς ὑποκρίσεως) Para mostrar lo anterior el actor repitioacute el discurso pronunciado por el orador en la asamblea y al notar la diferencia Demoacutestenes siguioacute las lecciones de Androacutenico Ya reconocido como gran orador poliacutetico cuando alguien le preguntaba queacute era lo primero en la retoacuterica respondiacutea que la pronunciacioacuten queacute lo segundo la pronunciacioacuten y queacute lo tercero la pronunciacioacuten ([Plut] Mor 845b3-5 ὅθεν ἐρομένου αὐτόν ltτινοςgt τί πρῶτον ἐν ῥητορικῇ εἶπεν lsquoὑπόκρισιςrsquomiddot καὶ τί δεύτερον lsquoὑπόκρισιςrsquomiddotκαὶ τί τρίτον lsquoὑπόκρισιςrsquo)10 Cf Cic Or 56 si enim eloquentia nulla sine hac haec autem sine eloquentia tanta est certe plurimum in dicendo potest Cf tambieacuten Cic De or 213 Rh Her III 19 Pronuntiationem multi maxime utilem oratori dixerunt esse et ad persuadendum plurimum ualere 11 Cf Quint Inst or XI 32 habet autem res ipsa miram quandam in orationibus vim ac potestatem

- 102 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

discurso privada de ella12 En consecuencia podemos observar que la hypoacutekrisis actio o pronuntiatio fue considerada en la Antiguumledad claacutesica como el elemento maacutes importante de la retoacuterica o por lo menos como el punto culminante del discurso

IMPRECISIONES DEL TEacuteRMINO

Sin embargo el asunto es maacutes complejo de lo que parece sobre todo por las siguientes razones primero la hypoacutekrisis no es un teacutermino adecuado para la ejecucioacuten oratoria segundo la nocioacuten teniacutea una connotacioacuten negativa como elemento de la oratoria tercero esa palabra indica en su origen soacutelo una parte de lo que hoy entendemos por ejecucioacuten discursiva Sobre estos tres puntos me detendreacute brevemente

En primer lugar la terminologiacutea empleada en el aacutembito retoacuterico es imprecisa para el estudioso moderno En griego el teacutermino hypoacutekrisis13 se refi ere a una forma de hablar imitando 12 Cf Quint Inst or XI 35 Equidem vel mediocrem orationem commendatam viribus actionis adfi rmarim plus habituram esse momenti Quam optimam eadem illa destitutam 13 El sustantivo de accioacuten ὑπόκρισις y el sustantivo agente ὺποκριτής provienen del verbo en voz media ὑποκρίνομαι que podiacutea tener tres signifi cados (1) lsquoresponderrsquo verbalmente a o pronunciarse sobre alguna situacioacuten o asunto sin necesidad de que existiera una pregunta (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix notas 10 y 17) por ejemplo lsquointerpretarrsquo los suentildeos sentido que ya aparece en el verbo simple (cf el teacutermino onirokriacutetica aunque es de eacutepoca posterior) a partir del sentido originario lsquosepararrsquo o lsquo escogerrsquo y de ahiacute lsquodecidirrsquo lsquojuzgarrsquo (2) De manera especiacutefi ca lsquoresponder a una preguntarsquo (cf LSJ sv ὑποκρίνω) siendo en este caso equivalente en aacutetico a ἀποκρίνομαι (cf Gonzaacutelez 2013 notas 9 y 12 del Appendix) Designa la accioacuten de lsquoresponderrsquo por parte del inteacuterprete en los oraacuteculos y de ahiacute se pasa al sentido comuacuten de lsquoresponderrsquo (3) En aacutetico signifi ca lsquorecitarrsquo lsquodeclamarrsquo lsquotomar el papel de alguien en la escenarsquo o lsquosimularrsquo lsquofi ngirrsquo como veremos maacutes adelante Es en este tercer sentido que podriacutea haberse utilizado el sustantivo agente hypokritēs que ya existiacutea en el siglo VI antes de ser aplicado al actor traacutegico con los sentidos de lsquoejecutantersquo o lsquointeacuterpretersquo (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix nota 4) La idea de que el teacutermino hypokritēs se empleaba en el sentido de apokritēs (aacutetico) como el personaje que responde al coro resulta poco apropiada (emplear un teacutermino no aacutetico en una praacutectica aacutetica cuando existiacutea otro teacutermino apropiado para ello)

- 103 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o fi ngiendo ser una persona o como la defi ne el reacutetor Casio Longino ldquouna imitacioacuten de actitudes y pasionesrdquo siendo eacutesta una imitacioacuten expresiva que reproduce los supuestos modos de hablar de alguien14 Eso es lo que hacen los actores en el teatro claacutesico al hablar imitan actitudes y emociones fi ngen las caracteriacutesticas prosoacutedicas de un determinado personaje

Aristoacuteteles y maestros posteriores designaron con ese teacutermino teatral el ofi cio del orador relativo a la exposicioacuten discursiva aunque no era adecuado para designar la praacutectica de la ejecucioacuten oratoria pues mientras el fi ngir o imitar es algo apropiado y necesario en la obra dramaacutetica mdash que trata de fi cciones para divertir al puacuteblico y no de cuestiones de la vida ordinaria mdash es algo condenable en la oratoria que trata sobre asuntos reales sobre problemas sociales y poliacuteticos o sobre cuestiones judiciales La ejecucioacuten oratoria es muy diferente de la dramaacutetica simplemente porque aqueacutella no tiene como fi nalidad imitar actitudes y pasiones para purifi car el alma del oyente sino expresar con mayor claridad los argumentos adecuaacutendolos a los humores del auditorio y buscando modifi car o reforzar sus decisiones15 Quintiliano sentildealaba con eacutenfasis sobre el caraacutecter moderado de la actuacioacuten oratoria (Inst or XI 3183-

14 C Long Rh 56713 Ὑπόκρισίς ἐστι μίμησις τῶν κατ ἀλήθειαν ἑκάστῳ παρισταμένων ἠθῶν καὶ παθῶν καὶ διάθεσις σώματός τε καὶ τόνου φωνῆς πρόσφορος τοῖς ὑποκειμένοις πράγμασι ldquoLa hypoacutekrisis es una imitacioacuten de las actitudes y pasiones presentadas en cada caso de acuerdo con la verdad y una disposicioacuten tanto del cuerpo como de la entonacioacuten de la voz uacutetil para los asuntos de que se tratardquo15 En el aacutembito de la oratoria aacutetica el verbo ὑποκρίνομαι aparece soacutelo en Demoacutestenes con la connotacioacuten negativa de lsquoactuarrsquo como en 185 donde el escolio lo interpreta con el signifi cado de lsquohacer falsas acusacionesrsquo Cf escolio a Dem 18153 en Scholia Demosthenica Ed MR Dilts Leipzig Teubner vol 1 1983 ad loc (apud TLG) ὑποκρίνεται] ἀντὶ τοῦ ψευδῶς κατηγορεῖ ὑπόκρισις γάρ ἐστιν ἡ προσποίησις ἡ ἐκτὸς οὖσα τῆς ἀληθείας ldquoHypoacutekrisis] en vez de hacer acusaciones falsas En efecto hypoacutekrisis es la reclamacioacuten de que estaacute fuera de la verdadrdquo

- 104 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

184) Desgraciadamente los estudios modernos han resaltado sobre todo las semejanzas entre el teatro y la oratoria pero no las enormes diferencias que los apartan y los distinguen16

Los romanos por su parte al tener que traducir el teacutermino griego no encontraron una palabra correspondiente y recurrieron a dos teacuterminos que refl ejan ese ofi cium mejor que la palabra griega actio y pronuntiatio la primera referida al movimiento la segunda a la voz Quintiliano prefi ere utilizar esta uacuteltima (Inst or XI 34 etc) La actio puede entenderse como teacutermino juriacutedico (de agere) relacionada en este caso con la accioacuten judicial aunque se piensa maacutes bien que indica la forma en que se ejecuta o debe ejecutarse el discurso durante el proceso La actio en este sentido requiere de voz gesto movimiento y todo lo que el actor necesite para la emisioacuten exitosa del discurso forense No se trata del actor dramaacutetico De tal manera la terminologiacutea latina en este caso parece ser maacutes adecuada que la griega En espantildeol los dos teacuterminos latinos se han vertido como lsquoactuacioacutenrsquo y lsquopronunciacioacutenrsquo y en ingleacutes se prefi ere lsquoperformancersquo o lsquodeliveryrsquo

En segundo lugar en cuanto a las connotaciones negativas de hypoacutekrisis ya se ha hecho un sentildealamiento en relacioacuten con Demoacutestenes (cf nota 15) iquestPor queacute Aristoacuteteles prefi rioacute emplear el teacutermino teatral y no alguacuten otro como hermēneacuteia o diaacutethesis Parece contradictorio decir primero que la hypoacutekrisis tiene el mayor poder de persuasioacuten y quince liacuteneas despueacutes que se trata de ldquoun asunto vulgarrdquo17 o media paacutegina maacutes adelante afi rmar que la lexis y en consecuencia tambieacuten la hypoacutekrisis es una phantasiacutea18 Pero

16 Cf al respecto Fantham 2003 263 Frachet 2011-2012 126 afi rma ldquoSi de prime abord la fi gure de lrsquoacteur et celle de lrsquoorateur semblent se ressembler elles sont sensiblement diffeacuterentes Lrsquoacteur joue un rocircle doit srsquoapproprier un personnage quand lrsquoorateur joue son propre personnage et met sa persona en jeurdquo 17 Arist Rh 1403b35 δοκεῖ φορτικὸν εἶναι18 Arist Rh 1404a11 ἅπαντα φαντασία ταῦτ ἐστί

- 105 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

si se observa en su contexto podraacute decirse que ambas afi rmaciones son enteramente coherentes la hypoacutekrisis asiacute como la lexis19 son recursos de enorme poder de persuasioacuten como observa el fi loacutesofo que sucediacutea en la actividad discursiva en la vida poliacutetica de Atenas Sin embargo desde el punto de vista fi losoacutefi co considera que ambas praacutecticas son mecanismos vulgares u ordinarios porque su funcioacuten es mover las pasiones no mostrar la verdad Asimismo sentildeala que la lexis asiacute como tambieacuten la hypoacutekrisis son phantasiacuteai aunque no en el sentido de lsquopura ilusioacutenrsquo o lsquoaparienciarsquo sino en el puramente retoacuterico de representaciones que el orador produce en el destinatario afectando directamente las pasiones de eacuteste con el propoacutesito de persuadirlo20 De esta manera al emplear ese teacutermino teatral Aristoacuteteles resaltaba los aspectos negativos de la accioacuten oratoria es decir que el arte de fi ngir propio de un actor en el escenario se colocaba en un plano superior a las partes dignas de la oratoria como la demostracioacuten o el orden

Aquiacute podraacute observarse que en el aacutembito de la retoacuterica de la eacutepoca claacutesica el teacutermino es empleado soacutelo por Aristoacuteteles Los oradores no recurren a la palabra hypoacutekrisis (Demoacutestenes la emplea pocas veces) y tampoco los maestros de oratoria Por ejemplo Isoacutecrates y Alcidamante ambos maestros del discurso no utilizan ese teacutermino sino otros como rhētoreacuteia y hermēneacuteia El autor de la Retoacuterica a Alejandro no menciona el teacutermino Por si fuera poco el concepto tuvo escasa importancia en los autores griegos desde el punto de vista teoacuterico como una parte de la retoacuterica Walz registra soacutelo cuatro veces esa palabra en el iacutendice de los nueve voluacutemenes de su Rhetores graeci y un nuacutemero igual se encuentra en Spengel21

19 Cf Gonzaacutelez 2013 sect133 ldquoφορτικόν applies not only to ὑπόκρισις but to λέξις as a wholerdquo20 Cf Gonzaacutelez 2013 sect13621 Afi rma Edwards 2013 p 15 ldquothe surviving theoretical material is

- 106 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tampoco se elaboroacute una teoriacutea al respecto en el campo del drama durante la eacutepoca claacutesica22 por lo menos antes de Teofrasto a cuyo tratado ya nos hemos referido Podraacute sentildealarse al respecto que Aristoacuteteles en las cuatro liacuteneas sobre la voz no expone una teoriacutea que tenga que ver con causas o principios defi niciones y clasifi caciones sino una serie de praacutecticas transmitidas en el aacutembito teatral volumen tono y rapidez de la voz Pero en el caso del fi loacutesofo las razones de esta falta de sistematizacioacuten en la teoriacutea dramaacutetica son de otra naturaleza En efecto al principio del III libro de su Retoacuterica Aristoacuteteles observa que la hypoacutekrisis es un don de la naturaleza poco susceptible de reducirse a reglas Por tener esta naturaleza la teacutecnica respectiva se habiacutea desarrollado tarde inclusive en la tragedia y en la recitacioacuten eacutepica Sentildeala que eso se debiacutea a que en un principio fueron los propios poetas quienes representaban las tragedias (Arist Rh 1403b23-24)

De cualquier modo en el aacutembito de la retoacuterica el estudio de la ejecucioacuten no se habiacutea desarrollado Dos siglos y medio despueacutes el autor anoacutenimo de la Retoacuterica a Herenio afi rmaba tambieacuten ldquopuesto que nadie ha tratado sobre este asunto de manera detenida []rdquo23 lo que indica que las cosas no habiacutean cambiado mucho

Fueron los romanos quienes subsanaron ese vaciacuteo con los amplios desarrollos a los que ya nos hemos referido En eacutepoca posterior el estudio de la actuacioacuten como parte de la retoacuterica fue perdiendo importancia y soacutelo ocasionalmente se incluyoacute en su ensentildeanza dentro de esa disciplina Navarre 1900 pasa en

preponderantly Romano-centric [hellip] Nothing in the Rhetorica ad Alexandrum and only a few unsatisfactory chapters in Aristotlersquos Rhetoric (313-10) as well as a few other brief pointers such as a reference to speakers shouting at Rhetoric 375 Hellenistic treatises are lostrdquo22 En un principio no habiacutea actores profesionales y eran los propios tragedioacutegrafos (o poetas) quienes las representaban soacutelo cuando surgieron los actores se empezaron a establecer reglas Debe entenderse que en su primera fase los conocimientos eran de caraacutecter praacutectico la formacioacuten de una doctrina empieza con los maestros de teatro cuando se prepara a los actores23 Rh Her III 19 quia nemo de ea re diligenter scripsit

- 107 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

completo silencio ese aspecto en su Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Volkman le dedica soacutelo ocho paacuteginas de un total de 580 Mortara Garavelli 2003 menos de una paacutegina de su extenso libro De manera paradoacutejica las refl exiones sobre el cuerpo en el campo de la fi losofiacutea y otras disciplinas la han convertido en un importante toacutepico de nuestra eacutepoca24

En tercer lugar ademaacutes de que la nocioacuten de hypoacutekrisis es poco adecuada para la ejecucioacuten retoacuterica y del desintereacutes en su sistematizacioacuten en la Grecia claacutesica habraacute que observar que la hypoacutekrisis en el drama griego se reduce a lo auditivo y deja fuera lo visual En el teatro en efecto se utilizan maacutescaras elemento dramaacutetico riacutegido sin vida de modo que todo lo referente a la expresioacuten del rostro resulta innecesario por ello podriacuteamos suponer que la importancia de los movimientos de las manos y del cuerpo tambieacuten se reduce Los elementos prosoacutedicos tienen el predominio25

El ejemplo de la hypoacutekrisis en Demoacutestenes muestra que ese teacutermino se referiacutea soacutelo a la voz Seguacuten cuenta Plutarco en la vida del orador eacuteste desilusionado por sus fracasos en la tribuna confesoacute al actor Saacutetiro que los marineros ignorantes agradaban maacutes al pueblo que eacutel a pesar de los enormes esfuerzos que habiacutea puesto en su formacioacuten oratoria Saacutetiro entonces le mostroacute cuaacutel era la razoacuten de sus fracasos Le pidioacute que dijera de memoria alguacuten pasaje de Euriacutepides o Soacutefocles Para lsquodecir de memoriarsquo Plutarco emplea

24 Cf Fogen 2009 p 16 y notas25 Salvo pocas excepciones los estudiosos ndash a mi juicio ndash no han logrado entender cabalmente el asunto Por ejemplo la expresioacuten δοκεῖ φορτικὸν εἶναι se refi ere a la lexis pero se ha pensado que se ha de vincular soacutelo a la hypoacutekrisis Asimismo al referirse a la lexis el fi loacutesofo afi rma que se desarrolloacute tarde (1403b23) pero los estudiosos piensan que se refi ere a la hypoacutekrisis Se refi ere a ambas Cf Arist Rh 1404a19ndash22 ἤρξαντο μὲν οὖν κινῆσαι τὸ πρῶτον ὥσπερ πέφυκεν οἱ ποιηταίmiddot τὰ γὰρ ὀνόματα μιμήματα ἐστίν ὑπῆρξε δὲ καὶ ἡ φωνὴ πάντων μιμητικώτατον τῶν μορίων ἡμῖν ldquoen efecto los poetas fueron los primeros en poner en movimiento lo anterior puesto que las palabras son susceptibles de imitacioacuten y la voz en particular es la maacutes imitable de todas las partes nuestrasrdquo expresioacuten que para Gonzaacutelez (2013 sect132) es ldquothe cause of much dismay for some scholarsrdquo

- 108 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la expresioacuten εἰπεῖν ἀπὸ στόματος Una vez hecho esto el actor retomoacute el mismo pasaje y lo moduloacute y recitoacute con un tono y modo adecuados26 Plutarco emplea πλάσαι καὶ διεξελθεῖν para indicar lsquomodular y recorrerrsquo el pasaje de la tragedia Utiliza tambieacuten ἦθος y διάθεσις

para lsquotonorsquo y lsquomodorsquo de la voz Demoacutestenes quedoacute convencido de que la hypoacutekrisis otorga al discurso orden y gracia y consideroacute que la ensentildeanza es poca cosa y nada vale si no se da importancia a la pronunciacioacuten y el modo de las palabras27 Para estas uacuteltimas expresiones el bioacutegrafo emplea los teacuterminos προφορά y διάθεσις Prosigue Plutarco narrando que luego de esa demostracioacuten Demoacutestenes se dedicoacute con ahiacutenco y durante muchos diacuteas a modelar su diccioacuten y trabajar su voz28 Como podemos observar las referencias son exclusivamente a la voz en cambio los gestos y los movimientos no intervienen en absoluto

Aristoacuteteles parece refl ejar esa situacioacuten al limitar la hypoacutekrisis a la voz intensidad tonos y rapidez o lentitud Dice en efecto

Eacutesta radica en la voz coacutemo debe eacutesta ser usada para expresar cada pasioacuten ya sea fuerte ya baja o ya mediana y coacutemo los tonos (de la voz) es decir agudo grave y medio o circunfl ejo y algunos ritmos para cada cual En efecto tres son los temas que se deben observar que son volumen armoniacutea y ritmo de la voz29

26 Plut Dem 74 μεταλαβόντα τὸν Σάτυρον οὕτω πλάσαι καὶ διεξελθεῖν ἐν ἤθει πρέποντι καὶ διαθέσει τὴν αὐτὴν ῥῆσιν ὥστ εὐθὺς ὅλως ἑτέραν τῷ Δημοσθένει φανῆναι27 Plut Dem 75 πεισθέντα δ ὅσον ἐκ τῆς ὑποκρίσεως τῷ λόγῳ κόσμου καὶ χάριτος πρόσεστι μικρὸν ἡγήσασθαι καὶ τὸ μηδὲν εἶναι τὴν ἄσκησιν ἀμελοῦντι τῆς προφορᾶς καὶ διαθέσεως τῶν λεγομένων 28 Plut Dem 76 πλάττειν τὴν ὑπόκρισιν καὶ διαπονεῖν τὴν φωνήν29 Arist Rh 1403b27-31 ἔστιν δὲ αὕτη μὲν ἐν τῇ φωνῇ πῶς αὐτῇ δεῖ χρῆσθαι πρὸς ἕκαστον πάθος οἷον πότε μεγάλῃ καὶ πότε μικρᾷ καὶ μέσῃ καὶ πῶς τοῖς τόνοις οἷον ὀξείᾳ καὶ βαρείᾳ καὶ μέσῃ καὶ ῥυθμοῖς τίσι πρὸς ἕκαστα τρία γάρ ἐστιν περὶ ἃ σκοποῦσινmiddot ταῦτα δ ἐστὶ μέγεθος ἁρμονία ῥυθμός El rhytmoacutes indica la pronunciacioacuten de miembros de la frase con efectos riacutetmicos evitando por ejemplo que sea entrecortado y agitado (cf [Long] De subl 41)

- 109 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De tal manera la lexis o estilo se refi ere a la articulacioacuten artiacutestica de sonidos y palabras y se combina con la hypoacutekrisis o elemento prosoacutedico del lenguaje30 en la elaboracioacuten concreta del material del discurso frente a la generacioacuten y organizacioacuten abstracta o mental de ese material objeto de la invencioacuten y la disposicioacuten31 Debido a ello no es extrantildeo que Aristoacuteteles aborde la hypoacutekrisis en combinacioacuten o correspondencia con el tratamiento de la lexis debido a que son procesos afi nes32 Esta labor concomitante crea una aparente irregularidad que ha provocado malos entendidos entre los estudiosos

EL CARAacuteCTER TRANSVERSAL DE LA HYPOacuteKRISIS

Luego de subrayar algunos aspectos de la hypoacutekrisis que reducen su materia a los elementos prosoacutedicos es necesario observar que ese elemento expresivo tiene un campo de accioacuten que rebasa ampliamente la praacutectica oratoria debido al caraacutecter transversal

30 Luego de estudiar de modo minucioso la relacioacuten entre lexis e hypoacutekrisis Gonzaacutelez 2013 concluye que ldquoIt is impossible therefore to divorce the philosopherrsquos notions of λέξις and ὑπόκρισιςrdquo Me cuesta trabajo sin embargo aceptar su hipoacutetesis de que los tres elementos a los que se refi ere Aristoacuteteles en Rh 1403b18-22 pisteis lexis e hypoacutekrisis deberiacutean reducirse a dos las pisteis y la lexis dividieacutendose este segundo elemento en dos partes la lexis propiamente dicha y la hypoacutekrisis (Gonzaacutelez 2013 sect132 con nota 17) A mi juicio son procesos diferentes estando la lexis orientada hacia la electio y compositio del material linguumliacutestico y la segunda reducida a los fenoacutemenos prosoacutedicos que no estaacuten en la lengua o sistema pues son ldquosuprasegmentalesrdquo (cf Figueiredo 2017) sino en el habla y referidos a las propiedades de la boca y demaacutes elementos fiacutesicos que producen volumen armoniacutea ritmo velocidad pausas y otros fenoacutemenos31 Cf las interesantes observaciones de Baldwin al respecto (1959 21-24)32 Cf Baldwin 1959 174 ldquothe visual values of representation were indeed realized in gesture and pose though less in scenery and spectacle they were realized as never perhaps since in group movements but the auditory values the sounding line the phrase harmony of the chant always enhanced representation by strong rhythmical suggestionrdquo siendo los valores auditivos los elementos originales de la hypoacutekrisis

- 110 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que Aristoacuteteles logra observar Para ello podraacute empezarse con el siguiente pasaje del fi loacutesofo en su Retoacuterica (1403b24-26)

δῆλον οὖν ὅτι καὶ περὶ τὴν ῥητορικήν ἐστι τὸ τοιοῦτον ὥσπερ καὶ περὶ τὴν ποιητικήν ὅπερ ἕτεροί ltτέgt τινες ἐπραγματεύθησαν καὶ Γλαύκων ὁ ΤήιοςEs evidente que tal asunto [la hypoacutekrisis] tiene que ver con la retoacuterica tanto como con la poeacutetica de lo que algunos han tratado ademaacutes de Glaucoacuten de Teos

Independientemente de la identidad de este Glaucoacuten de Teos33 el pasaje aristoteacutelico mostrariacutea la transversalidad de la hypoacutekrisis Otro pasaje atinente a esta caracteriacutestica se encuentra en un pasaje al fi nal de la Poeacutetica donde el mismo fi loacutesofo trata de responder a la pregunta de cuaacutel imitacioacuten es mejor la eacutepica o la traacutegica Asiacute la primera tiene destinatarios honestos y la segunda ordinarios o vulgares de manera que aqueacutellos no necesitan de variaciones en las formas ya sea de la expresioacuten o de los movimientos del cuerpo Por eso la eacutepica es mejor En seguida hace algunas acotaciones (Po 22 1462a5-9)

πρῶτον μὲν οὐ τῆς ποιητικῆς ἡ κατηγορία ἀλλὰ τῆς ὑποκριτικῆς ἐπεὶ ἔστι περιεργάζεσθαι τοῖς σημείοις καὶ ῥαψῳδοῦντα [hellip] καὶ διᾴδοντα [] εἶτα οὐδὲ κίνησις ἅπασα ἀποδοκιμαστέα εἴπερ μηδrsquo ὄρχησις ἀλλrsquo ἡ φαύλωνEn primer lugar la acusacioacuten no es contra el arte poeacutetica sino contra el arte hypokriacutetikē puesto que

33 Glaucoacuten de Teos que se acostumbra identifi car con Glaucos de Regio (cf el comentario de Racionero al pasaje en comento) quien habriacutea escrito una obra intitulada Acerca de los poetas y muacutesicos de la Antiguumledad el primer tratado de criacutetica literaria conocido Por lo menos en esta obra el intereacutes no se orienta a la retoacuterica sino a la eacutepica y a la tragedia uno de cuyos temas de estudio seriacutea la rhapsōdiacutea y la hypoacutekrisis respectivamente Pero la identifi cacioacuten no es segura

- 111 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

son el rapsōdos y el cantor quienes exageran con los signos [hellip] En segundo no todo movimiento del cuerpo es reprobable y tampoco la danza sino aquella que es vulgar

Ademaacutes de la distincioacuten patente entre las artes de naturaleza vocal y las de naturaleza kineacutesica como el arte de la danza (orkhēstikē ὀρχηστική) el texto muestra que la hypokriacutetikē abarca la rapsodia y el canto

Sobre este asunto trata otro pasaje de la Retoacuterica (Rh 1404a12-15)

ἐκείνη μὲν οὖν ὅταν ἔλθῃ ταὐτὸ ποιήσει τῇ ὑποκριτικῇ ἐγκεχειρήκασι δὲ ἐπrsquo ὀλίγον περὶ αὐτῆς εἰπεῖν τινες οἷον Θρασύμαχος ἐν τοῖς ἘλέοιςAhora bien cuando eacutesta [el estudio de la lexis] llegue tendraacute la misma funcioacuten que el arte hipocriacutetica acerca de la cual algunos han ya empezado a tratar aunque en poca medida como Trasiacutemaco en su Consolaciones

Aristoacuteteles estaacute previendo la emergencia de dos nuevas artes paralelas del discurso una relativa a la lexis y otra a la pronunciacioacuten llamada hypokritikē la cual se encuentra en sus inicios con las Consolaciones de Trasiacutemaco obra que contendriacutea cierto tipo de recursos verbales propios de ese geacutenero de obras y que tambieacuten ldquohabiacutea llegado tarde a la ejecucioacuten traacutegica y rapsoacutedica pues en un principio eran los poetas quienes pronunciaban sus tragediasrdquo34 En relacioacuten con lo anterior el pasaje 1403b27-28 de la Retoacuterica ofrece una breve pero signifi cativa presentacioacuten de la hypoacutekrisis y en los capiacutetulos 2-12 desarrolla una teoriacutea de la lexis vinculada en parte a la hypoacutekrisis

34 Arist Rh 1403b23-24 καὶ γὰρ εἰς τὴν τραγικὴν καὶ ῥαψῳδίαν ὀψὲ παρῆλθενmiddot ὑπεκρίνοντο γὰρ αὐτοὶ τὰς τραγῳδίας οἱ ποιηταὶ τὸ πρῶτον

- 112 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tambieacuten en la Poeacutetica Aristoacuteteles trata de la lexis (capiacutetulos 19 y 20) y reenviacutea a un arte llamado hypokriacutetikē de la siguiente manera (Po 19 1456b8-14)

τῶν δὲ περὶ τὴν λέξιν ἓν μέν ἐστιν εἶδος θεωρίας τὰ σχήματα τῆς λέξεως ἅ ἐστιν εἰδέναι τῆς ὑποκριτικῆς καὶ τοῦ τὴν τοιαύτην ἔχοντος ἀρχιτεκτονικήν οἷον τί ἐντολὴ καὶ τί εὐχὴ καὶ διήγησις καὶ ἀπειλὴ καὶ ἐρώτησις καὶ ἀπόκρισις καὶ εἴ τι ἄλλο τοιοῦτονDe los temas relativos al estilo una forma de estudio son los modos de la expresioacuten [oral] cuyo conocimiento es propio de la hypokritikē y de quien domine un conocimiento arquitectoacutenico como eacutese por ejemplo queacute es orden queacute plegaria queacute narracioacuten queacute amenaza queacute pregunta queacute respuesta y queacute es otra forma si la hay

Protaacutegoras y Alcidamante ya habiacutean hecho una divisioacuten semejante de estos modos de expresioacuten que ellos llamaron ldquobases del discursordquo35

Asiacute la hypokriacutetikē (ὑποκριτική) es el arte o teacutecnica (θεώρημα) de la pronunciacioacuten o diccioacuten de la voz que estudia los elementos prosoacutedicos que permiten distinguir los diversos modos de expresioacuten No seriacutea un arte propia de la retoacuterica ni de la poeacutetica sino que se extenderiacutea a las diversas artes discursivas como la narracioacuten rapsoacutedica (rhapsōdiacutea ῥαψῳδία) la pronunciacioacuten teatral (hypoacutekrisis ὑπόκρισις) basada en el diaacutelogo (preguntas y

35 DL 953-4 διεῖλέ τε τὸν λόγον πρῶτος εἰς τέτταραmiddot εὐχωλήν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν (οἱ δὲ εἰς ἑπτάmiddot διήγησιν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν ἀπαγγελίαν εὐχωλήν κλῆσιν) οὓς καὶ πυθμένας εἶπε λόγων Ἀλκιδάμας δὲ τέτταρας λόγους φησίmiddot φάσιν ἀπόφασιν ἐρώτησιν προσαγόρευσιν ldquoFue el primero que dividioacute el discurso en cuatro clases deseo pregunta respuesta y orden (seguacuten otros en siete narracioacuten pregunta respuesta orden exposicioacuten plegaria e invocacioacuten) a las que tambieacuten llamoacute bases de discursos Alcidamante dice que son cuatro los discursos afi rmacioacuten negacioacuten interrogacioacuten alocucioacutenrdquo

- 113 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

respuestas) y la oratoria (hermēneacuteia ἑρμηνείᾳ)36 ademaacutes de otras ejecuciones orales37

Una vez defi nida la teacutekhnē hypokritikē y deslindado su campo habriacutea que proceder a caracterizar la tipologiacutea de las tres artes enunciativas particulares en la eacutepoca claacutesica Si se atiende al tercer criterio establecido por Aristoacuteteles en su Poeacutetica (3 1448a19-23) relativo al modo de la imitacioacuten se tendriacutean tres especies de pronunciacioacuten emotiva el narrador imita poniendo la voz en los personajes (rapsoacutedica) el sujeto narrador imita directamente por siacute mismo (la retoacuterica) y el poeta presenta a los personajes actuando (dramaacutetica) En cuanto a su funcioacuten ahora bien para la hermēneacuteia oratoria es la persuasioacuten para la traacutegica la purifi cacioacuten (katharsis) de las pasiones y para la rapsoacutedica la transmisioacuten y conservacioacuten del pasado eacutepico

36 Para Alcidamante la pronunciacioacuten oratoria (que llama hermēneacuteia) es diferente de la del teatro y la eacutepica Cf Alcid 14  ἀνάγκη δ ἐστίν ὅταν τις τὰ μὲν αὐτοσχεδιάζῃ τὰ δὲ τυποῖ τὸν λόγον ἀνόμοιον ὄντα ψόγον τῷ λέγοντι παρασκευάζειν καὶ τὰ μὲν ὑποκρίσει καὶ ῥαψῳδίᾳ παραπλήσια δοκεῖν εἶναι τὰ δὲ ταπεινὰ καὶ φαῦλα φαίνεσθαι παρὰ τὴν ἐκείνων ἀκρίβειαν ldquoes preciso que cuando uno improvisa unas partes y otras las escribe se repruebe al orador por ser el discurso desigual y que aqueacutellas parezcan ser cercanas a la pronunciacioacuten teatral y eacutepica y eacutestas en cambio se muestren pobres y sin valor frente al cuidado de aquellasrdquo37 Es necesario deslindar la ejecucioacuten retoacuterica (hermēneia o hermēneutikē) de la hypoacutekrisis teatral de la rhapsōdiacutea eacutepica muy difundida en eacutepoca claacutesica y de las ejecuciones de la poesiacutea liacuterica ya sea en las festividades populares en las ceremonias religiosas o en las reuniones simposiales Existen numerosos testimonios literarios de la Grecia antigua que ponen de manifi esto extraordinarias capacidades de actuacioacuten y declamacioacuten en los maacutes diversos aacutembitos de las praacutecticas culturales de los griegos y por otro lado se puede arguumlir que estas capacidades fueron objeto de la ensentildeanza El caso de los rapsodas declamadores profesionales formados en las antiguas academias de recitacioacuten es uno de los maacutes conocidos y la rapsōdiacutea fue el primer teacutermino utilizado para indicar la ensentildeanza de la recitacioacuten eacutepica En torno de los rapsodas existiacutea organizaciones sometidas a intereses de peso poliacutetico y social Por tanto es equivocado e inoperante emplear el teacutermino hypoacutekrisis para todo tipo de ejecuciones Del mismo modo las diferencias entre los geacuteneros oratorios impiden generalizar las nociones al respecto Una ejecucioacuten se requeriacutea para el tribunal otra para la tribuna puacuteblica y otra muy diferente para el discurso demostrativo

- 114 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Se conocen algunos procedimientos de la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral (hē hypokritikē) En primer lugar su regla maacutes importante seriacutea la siguiente a mayor precisioacuten del lenguaje menos hypoacutekrisis La expresioacuten escrita es maacutes precisa la oral menos Para que la expresioacuten escrita cumpla su funcioacuten basta con que esteacute elaborada de manera correcta y precisa En cambio la oral requiere de mayor hypoacutekrisis esto es de un mayor control voluntario de la modulacioacuten de la voz intensidad tono y duracioacuten con la fi nalidad de afectar al destinatario38

Por otra parte como los geacuteneros deliberativo y judicial son fundamentalmente orales requieren de mayor hypoacutekrisis (Rh 1413b3-9) Pero entre ambos hay una gran diferencia pues a mayor nuacutemero de oyentes menor precisioacuten (Arist Rh 1414a16) De alliacute se desprende otra regla que es la siguiente a mayor nuacutemero de oyentes maacutes hypoacutekrisis sobre todo en cuanto a la fuerza de la voz Asiacute en la asamblea es maacutes necesaria que en el tribunal Ademaacutes entre menor sea el nuacutemero de jueces seraacute menos necesaria Ante un solo juez no tendriacutea necesidad de hypoacutekrisis pero siacute de precisioacuten

Es posible incluso describir los elementos o eidē de la hypokritikē en dos oacuterdenes uno es el de las cualidades prosoacutedicas y otro los modos de expresioacuten Como ya hemos visto en el pasaje de Aristoacuteteles (Rh 1403b27-31) se aborda las infl exiones de la voz volumen armoniacutea o tono y ritmo o duracioacuten Pertenecen a este arte de la pronunciacioacuten emocional (frente al texto escrito) el estilo suelto que se caracteriza por la falta de conjunciones y

38 Cf Alcid 13 οἱ γὰρ εἰς τὰ δικαστήρια τοὺς λόγους γράφοντες φεύγουσι τὰς ἀκριβείας καὶ μιμοῦνται τὰς τῶν αὐτοσχεδιαζόντων ἑρμηνείας καὶ τότε κάλλιστα γράφειν δοκοῦσιν ὅταν ἥκιστα γεγραμμένοις ὁμοίους πορίσωνται λόγους ldquoquienes escriben discursos para los tribunales huyen de la precisioacuten e imitan las expresiones de quienes improvisan y parecen escribir textos bien elaborados cuando preparan discursos que son lo menos semejantes a los discursos escritosrdquo

- 115 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

por repeticiones anafoacutericas de lo cual Aristoacuteteles ofrece algunos ejemplos enriquecidos con las observaciones de Demetrio en su Acerca del estilo39 Otros son los llamados skhēmata lexeōs o ldquomodos de expresioacutenrdquo (Po 191456b8-14) orden plegaria pregunta narracioacuten amenaza respuesta que aparecen tambieacuten de manera diferente en Protaacutegoras y Alcidamante Estos modos deberiacutean tener su propio tono de voz intensidad y ritmo Por ejemplo una orden requiere de una mayor intensidad de la voz etc

Pareceriacutea entonces que en torno a la modulacioacuten oral expresiva estrechamente vinculada con el estilo sus elementos fueran susceptibles de estructurarse en niveles que abarca los fonemas y las palabras los fenoacutemenos sintaacutecticos (por la falta de conjunciones y a la repeticioacuten anafoacuterica) y los modos discursivos

De tal modo a semejanza de la memoria la actuacioacuten retoacuterica (voz y movimiento) no habriacutea sido en su origen una de las partes de la retoacuterica sino un conocimiento generalizado y una praacutectica muy difundida en todas las expresiones orales desde la eacutepoca homeacuterica Por ello podemos decir que la ejecucioacuten o performance retoacuterica en la Grecia claacutesica fue una praacutectica cultural que integraba en primer lugar la hypoacutekrisis o modulacioacuten oral correspondiente a la pronuntiatio y en segundo los elementos performativos que teniacutean que ver con la vista la gestualidad facial (en particular los ojos) los movimientos de las manos (la kheironomiacutea) y las posturas del cuerpo (gimnastikē) Las diferentes actividades discursivas del ser humano habriacutean desarrollado esas praacutecticas en el campo de

39 Dem Sobre el estilo 193-195 Sentildeala que el estilo suelto o sin conjunciones es propio del estilo ἐναγώνιος es decir propio del debate mientras que el escrito es maacutes propio de la lectura pues estaacute compacto y asegurado con conjunciones

- 116 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la recitacioacuten eacutepica el teatro ateniense la oratoria40 que fueron adecuaacutendose a las circunstancias en el tiempo y el espacio41

A fi nales del siglo V se empezaron a sistematizar varias artes de la pronunciacioacuten en primer lugar la del arte eacutepico o rhapsōdiacutea del dramaacutetico o hypoacutekrisis y del oratorio o hermeneacuteia las cuales junto con otras se pueden agrupar en una teoriacutea general de la pronunciacioacuten o hipocriacutetica (hypokritikē) cuyos fundamentos y elementos ha sido posible delinear en este espacio La hipocriacutetica se refi ere al estudio de la voz de modo que abarca soacutelo una parte de numerosos procedimientos que se utilizaban en las praacutecticas discursivas de la Grecia antigua que incluiacutean ademaacutes de la voz los gestos del rostro los ademanes los movimientos del cuerpo e incluso el vestuario que en la retoacuterica de los siglos V y IV teniacutean una funcioacuten importante para la produccioacuten de emociones con el fi n de persuadir como lo sentildeala el propio Aristoacuteteles42 Aunque en el campo de la retoacuterica estos aspectos ya habiacutean sido observados por el fi loacutesofo alcanzaron su plena sistematizacioacuten praacutectica en la retoacuterica latina de la eacutepoca de Ciceroacuten y Quintiliano vinculaacutendoseles a todos ellos bajo el nombre de actio o pronuntiatio

40 La ejecucioacuten fue un elemento de primera importancia desde el punto de vista praacutectico no porque sea un don natural sino porque los elementos de los que consta son susceptibles maacutes de la observacioacuten de la imitacioacuten y de la ensentildeanza praacutectica maacutes que de la descripcioacuten teoacuterica41 Ademaacutes de distinguir entre la ejecucioacuten en diferentes geacuteneros literarios y especies discursivas es necesario considerar tambieacuten la evolucioacuten de las praacutecticas discursivas al adaptarse a las cambiantes condiciones de circulacioacuten En el aacutegora griega y el foro romano la ejecucioacuten no podiacutea ser la misma Un juez o algunos jueces requieren de una ejecucioacuten diferente de la que se da en un jurado de cientos de personas que desconocen en principio el asunto que se las va a presentar De la misma manera el siglo VI presentaba condiciones muy diferentes a las de los siglos V y IV a C La ejecucioacuten estaba sometida a una constante originalidad42 Arist Rh 1386ordf33-35 ἀνάγκη τοὺς συναπεργαζομένους σχήμασι καὶ φωναῖς καὶ ἐσθῆσι καὶ ὅλως ὑποκρίσει ἐλεεινοτέρους εἶναι (ἐγγὺς γὰρ ποιοῦσι φαίνεσθαι τὸ κακόν πρὸ ὀμμάτων ποιοῦντες []) ldquoes necesario que quienes elaboran su discurso con la ayuda de posturas voces y vestidos en todo con modulacioacuten oral parecen maacutes dignos de compasioacuten (pues hacen que el mal aparezca cerca ponieacutendolo ante los ojos [])

- 117 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Es necesario auacuten profundizar en los fundamentos y los elementos de la hipocriacutetica y sobre todo en su ensentildeanza y su aplicacioacuten praacutectica estrechamente vinculados a los fenoacutemenos prosoacutedicos actualmente estudiados por Maria Flaacutevia Figueiredo de la Universidad de Franca Satildeo Paolo Brasil (Figueiredo 2017 etc)

BIBLIOGRAFIacuteA

Fuentes y obras de consulta

ALCIDAMANTE Orazioni e frammenti Testo introduzione traduzione e note a cura de G Avezzugrave Roma ldquoLrsquoErmardquo de Bretschneider 1982

ARISTOacuteTELES Retoacuterica 4a ed bilinguumle griego-espantildeol Traduccioacuten proacutelogo y notas de Antonio Tovar Madrid Centro de Estudios Constitucionales 1990

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Quintiacuten Racionero Madrid Gredos 1999

HERMAGORAE Temnitae testimonia et fragmenta Collegit D Matthes Leipzig Teubner 1962

ISOCRATE Discours vol I texte eacutetabli et traduit par G Mathieu and Eacute Breacutemond Paris Les Belles Lettres 19724

ISOCRATE Orazioni Panegirico Areopagitico Sulla pace Filippo Panatenaico introduzione traduzione e note di Ch Ghirga e Roberta Romussi testo greco a fronte Milano Rizzoli 2001

SPENGEL L Rhetores Graeci 3 vols 2a ed del vol I 2 por C Hammer Leipzig Teubner 1853-1856 1853 (I) 1854 (II) 1856 (III)

WALZ C Rhetores Graeci 9 vols Stuttgart-Tubinga Cotta 1832-1836 1932 (I) 1833 (IV V VII pars 1) 1934 (III VI VII pars 2 VIII) VI) 1835 (II) 1936 (IX)

- 118 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BALDWIN Ch S Ancient Rhetoric and Poetic Interpretated from Representative Works 3 vols NY Macmillan 1924 || Reimpr Gloucester (Mass) Peter Schmith 1959

EDWARDS M ldquoHypokritēs in Action Delivery in Greek Rhetoricrdquo Christos Kremmydas Jonathan Powell Lene Rubinstein Profession and Performance Aspects of oratory in the Greco-Roman world School of Advanced Study University of London Institute of Classical Studies 2013 15-25

FANTHAM E ldquoRhetor andet actorrdquo Greek and Roman Actors Aspects of an Ancient Profession edited by Pat Easterling Edith Hall Camridge Cambridge University Press 2002 362-376

FIGUEIREDO M F y A R Radi ldquoNuances do dizer efeitos retoacutericos da prosoacutediardquo en L A Ferreira (Org) Artimanhas do dizer retoacuterica oratoacuteria e eloquecircncia Satildeo Paulo Blucher 2017 125-138

FRACHET Ceacutecile ldquoLrsquoactiorsquo oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctorrsquo de la rsquoRheacutetorique agrave Herenniusrsquo Ciceacuteron et Quintilienrdquo Litteacuteratures 2012 ltdumas-00705366gt

FORTENBAUGH William et al (eds) Th eophrastus of Eresus Sources for His Life Writings Th ought and Infl uence Parts 1-2 2nd Ed Leiden-New York-Koumlln Brill 1992

FRACHET Ceacutecile Lrsquoactio oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctor de la Rheacutetorique agrave Herennius Ciceacuteron et Quintilien Meacutemoire de Master Speacutecialiteacute Litteacuteratures ndash Parcours PLC Lettres classiques Sous la direction de Madame Sophie Aubert‐Baillot Universiteacute Stendhal (Grenoble3) UFR LLASIC ndash Langage Lettres et Arts du spectacle Information et Communication Anneacutee universitaire 2011‐2012

GONZAacuteLEZ Joseacute M Th e Epic Rhapsode and His Craft Homeric Performance in a Diachronic Perspective Hellenic Studies Series 47 Washington DC Center for Hellenic Studies 2013 httpnrsharvardeduurn-3hulebookCHS_GonzalezJTh e_Epic_Rhapsode_and_his_Craft2013

HILDER Jennifer ldquoTh e Politics of Pronuntiatio Th e Rhetorica ad Herennium and Delivery in the First Century bcrdquo en Gray Christa et

- 119 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

al Reading Republican Oratory Reconstructions Contexts Receptions Oxford Oxford University Press 2018

MORTARA GARAVELLI B Manuale di retorica Milano Bompiani 2003

NAVARRE O Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Paris 1900

VALLOZZA M ldquoLa testimonianza di Atanasio sul Περὶ ὑποκρίσεως di Teofrasto (177 3-8 Rabe = 712 FHSampG)rdquo Papers on Rhetoric III (edited by Lucia Calboli Montefusco) (2000) 271-281

VOLKMANN R Die Rhetorik der Griechen und Roumlmer in systematischer Oumlbersicht dargestellt Leipzig Teubner 18852

- 120 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 121 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel

INTRODUCcedilAtildeO

Discorrer sobre Bakhtin seus textos como eacute possiacutevel interpretaacute-los parece ser sempre um desafi o devido a vaacuterias questotildees Uma sempre lembrada eacute a ainda controversa questatildeo da autoria de textos que ora se reputam a Bakhtin ora se admitem como produtos da pena de Voloacutechinov ou Medvieacutedev Outro ponto delicado satildeo as traduccedilotildees que embasaram as discussotildees em solo brasileiro por longo tempo Se hoje felizmente conta-se no Brasil como boas traduccedilotildees de parte consideraacutevel da produccedilatildeo do assim chamado Ciacuterculo de Bakhtin eacute necessaacuterio reconhecer que traduccedilotildees nem sempre tatildeo adequadas resultaram em problemas na interpretaccedilatildeo da jaacute de per si nada faacutecil obra do Ciacuterculo

E eacute exatamente essa interpretaccedilatildeo que se quer focalizar nesse introito A questatildeo do corpo nos escritos de Bakhtin (leia-se doravante de seu Ciacuterculo) eacute surpreendente e complexa sendo considerada de perspectivas ricamente diacutespares ainda que natildeo absolutamente divergentes em diferentes obras

Em ldquoA cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelaisrdquo (20131965) por exemplo Bakhtin versaraacute sobre as representaccedilotildees do corpo ldquogrotescordquo assinalando como fi zera a respeito de outros pontos da esteacutetica rabelaisiana a ambiguidade constitutiva dessa representaccedilatildeo que natildeo deve ser tomada como simples exagero depreciador

A AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO

VESTIBULAR UNICAMP

- 122 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Outra perspectiva de contemplaccedilatildeo do corpo estaacute presente no admiraacutevel ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que Bakhtin aborda a questatildeo ponderando a respeito da imagem exterior e interior dos homens na vida real e das personagens no mundo fi ccional a fi m de entender a posiccedilatildeo excedente do homem ou autor em relaccedilatildeo ao outro outrem ou personagem

Concepccedilatildeo bastante similar a respeito do corpo eacute expressa nas paacuteginas de ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111929) embora nessa obra Bakhtin se atenha sobretudo agrave autoconsciecircncia como centro organizador da vivecircncia do homem tanto psicologicamente como de seu (corpo) exterior

Assim haacute se natildeo vaacuterios pelo menos alguns modos de entender o corpo nos escritos do Ciacuterculo Por isso rememorando o que se disse no iniacutecio deste preacircmbulo sendo tantas as discussotildees e intepretaccedilotildees possiacuteveis eacute importante destacar por quais caminhos se buscaraacute entender o corpo a voz e a linguagem neste capiacutetulo em especiacutefi co

Esclarece-se entatildeo de antematildeo que se buscaraacute analisar especialmente a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo Em algum sentido seraacute uma quase negaccedilatildeo da importacircncia do corpo fiacutesico pautando-se a exposiccedilatildeo pelas ideias bakhtinianas a respeito do corpo como resultado da autoconsciecircncia Frise-se eacute apenas umas das interpretaccedilotildees possiacuteveis

AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO ORGANIZA-DOR DA VIDA E DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP

Em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo Bakhtin (2003 [192-] p 46 grifo do autor) observa

- 123 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De fato mal a pessoa comeccedila a vivenciar a si mesma de dentro depara imediatamente com atos de reconhecimento e de amor de pessoas iacutentimas da matildee que partem de fora ao encontro dela dos laacutebios da matildee e de pessoas iacutentimas a crianccedila recebe todas as defi niccedilotildees de si mesma Dos laacutebios delas no tom volitivo-emocional do seu amor a crianccedila ouve e comeccedila a reconhecer o seu nome a denominaccedilatildeo de todos os elementos relacionados ao seu corpo e agraves vivecircncias e estados interiores satildeo palavras de pessoas que ama as primeiras palavras sobre ela as mais autorizadas que pela primeira vez lhe determinam de fora a personalidade e vatildeo ao encontro da sua proacutepria e obscura auto-sensaccedilatildeo interior dando-lhe forma e nome em que pela primeira vez ela toma consciecircncia de si e se localiza como algo

O modo como cada indiviacuteduo sentiraacute e reconheceraacute seu proacuteprio corpo eacute dado pela primeira vez pela palavra do outro Eacute do outro que deriva a percepccedilatildeo a denominaccedilatildeo e a valoraccedilatildeo das partes do corpo Natildeo se trata de um reconhecimento faacutetico fi sioloacutegico fiacutesico externo Natildeo eacute o tocar o proacuteprio corpo que cria para o sujeito a dimensatildeo de sua realidade corpoacuterea esta eacute construiacuteda pela palavra do outro

Ressalte-se que a palavra do outro para fornecer pela primeira vez a ideia do corpo exterior precisa adentrar a autoconsciecircncia do indiviacuteduo ali destacando para o ldquoeurdquo a sua proacutepria condiccedilatildeo fiacutesica nomeando e valorando seu corpo estabelecendo pela primeira vez sua corporeidade exterior O corpo exterior eacute organizado pela autoconsciecircncia prenhe das palavras alheias

A relevacircncia da autoconsciecircncia tambeacutem seraacute explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreende um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia

- 124 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Na autoconsciecircncia se desenvolve o diaacutelogo interior repleto de vozes alheias com as quais o sujeito dialoga e em meio as quais ele mesmo se organiza inclusive em termos da percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo

Por isso segundo Bakhtin (20111963) a questatildeo do corpo externo das personagens seraacute pouco explorada nas obras dostoievskianas cujo centro de interesse seratildeo os diaacutelogos por meio dos quais se constituem as autoconsciecircncias das personagens

Especialmente nos romances classifi cados por Bakhtin como polifocircnicos o centro da representaccedilatildeo literaacuteria eacute a autoconsciecircncia inacabada e inacabaacutevel da personagem Inacabada pois nem autor narrador ou qualquer outra personagem estaacute autorizada a dar a palavra fi nal sobre o outro ndash inclusive sobre o corpo do outro Inacabaacutevel pois a personagem natildeo consegue se distanciar de si para atraveacutes de um olhar externo se autoconferir um acabamento de seu interior e de seu (corpo) exterior

Conforme assinala Tezza (2003 p 182) ldquoNa obra polifocircnica os heroacuteis natildeo se defi nem pela biografi a nem se determinam pelo seu passado natildeo podem nem mesmo ser defi nidos por suas caracteriacutesticas fiacutesicas pelo olhar de fora []rdquo

A vida das personagens dostoievskianas gravita ao redor de suas autoconsciecircncias alimentadas pelos inuacutemeros diaacutelogos que travam com outros e consigo mesmas Eacute por esse vieacutes que podem vir a se interessar pelo proacuteprio corpo caso o outro lhes aguce o olhar O corpo soacute aparece como centro de interesse para a personagem caso algueacutem lhe incite a isso caso algueacutem lhe faccedila se deter a contemplar sua proacutepria realidade corporal Acontecimento de todo modo raro na obra dostoievskiana

- 125 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Para prosseguir nessa questatildeo cabe perguntar se assim eacute na sofi sticada prosa dostoeivskiana como seria em outros gecircneros discursivos em outros autores Buscando responder a essas questotildees passa-se agrave anaacutelise de duas redaccedilotildees escritas no contexto do vestibular Unicamp e eleitas pela Comissatildeo Permanente do Vestibular Unicamp (Comvest) entre as melhores dos anos em que foram elaboradas

REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP AUTOCONS-CIEcircNCIA E CORPO

Em ldquoOs gecircneros do discursordquo (2003 [1952-1953]) mas tambeacutem em outros textos como ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo e ldquoO discurso no romancerdquo (2015 [1930-1936] entre outros Bakhtin sublinha a importacircncia de comparar os fenocircmenos linguiacutesticos em diferentes gecircneros discursivos dado que em cada um eacute possiacutevel ser distinto o emprego da linguagem verbal

Por isso se eacute fundamental a questatildeo da autoconsciecircncia como centro da vida e portanto do corpo nos romances polifonocircnicos de Dostoieacutevski pretende-se divisar como essa questatildeo aparece em outros gecircneros Para a realizaccedilatildeo dessa anaacutelise elege-se no escopo deste capiacutetulo textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo ndash conforme denominaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo proposta por Cocircrrea (2010)

Para dar iniacutecio agrave discussatildeo transcreve-se a proposta do Vestibular Unicamp 2000 para o Tema B narraccedilatildeo (COMVEST 2000 p 113-114)

- 126 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A seguir transcreve-se uma redaccedilatildeo (COMVEST 2000 p 132-137)1 que atendeu a essa proposta

1 A autora do texto eacute a vestibulanda Gabriela Abreu Guedes Natildeo se omite o nome da candidata pois eacute puacuteblica a autoria das redaccedilotildees que compotildeem as coletacircneas de redaccedilotildees organizadas pela Comvest Aleacutem disso eacute meritoacuteria a referecircncia a candidatos cujos textos se destacam no conjunto dos milhares que a cada ano satildeo avaliados pela Comvest

TEMA B

No dia 5 de outubro de 1999 terccedila-feira o jornal Correio Popular de Campinas SP publicou a seguinte manchete de primeira paacutegina acompanhada de breve texto

100 mil fi cam sem aacutegua em Sumareacute

Um crime ambiental provocou a suspensatildeo do abastecimento de aacutegua de cerca de 100 mil moradores de Sumareacute A medida foi tomada na sexta-feira quando uma mancha de oacuteleo de aproximadamente 3 quilocircmetros de extensatildeo surgiu nas aacuteguas do rio Atibaia Anteontem uma nova mancha apareceu nas proximidades da Estaccedilatildeo de Tratamento de Aacutegua I na divisa entre o bairro Nova Veneza e o municiacutepio de Pauliacutenia A situaccedilatildeo somente seraacute normalizada na quinta-feira A Cetesb investiga o caso e os teacutecnicos acreditam que o produto (oacuteleo diesel ou gasolina) foi despejado em esgoto domeacutestico em Pauliacutenia

Leve em conta essa notiacutecia e privilegie a hipoacutetese dos teacutecnicos apresentada no fi nal do texto A partir desses elementos escreva uma narraccedilatildeo em terceira pessoa caracterizando adequadamente personagens e ambiente Crie um detetive ou um repoacuterter investigativo que quando tenta resolver o ldquocrime ambientalrdquo descobre que o ocorrido eacute parte de uma conspiraccedilatildeo maior

- 127 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sexta-feira 1ordm de outubro de 1999

A mancha tomava conta do rio pouco a pouco O rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordens Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram Respaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

Saacutebado 02 de outubro de 1999

Na redaccedilatildeo o calor era toacuterrido O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado Os colegas achavam graccedila ldquoseraacute que vocecirc escolheu a profi ssatildeo certardquo perguntavam Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria

- 128 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila Quando o editor pediu que ele fosse conferir a ldquotal manchardquo no rio ele foi com a mesma solicitude indiferente de sempre

Domingo 03 de outubro de 1999

No dia anterior havia feito inuacutemeras entrevistas engenheiros teacutecnicos autoridades Havia a possibilidade de a poluiccedilatildeo ter sido intencional mas tal hipoacutetese geralmente sussurrada ou dita de modo sorrateiro parecia causar incocircmodo Apenas o ldquofocardquo se interessou pela teoria ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo O bip chamava deveria ir a Pauliacutenia pois havia uma nova mancha por laacute

Segunda-feira 04 de outubro de 1999

Mal o editor deixara a sala vieram os colegas felicitaacute-lo pela reportagem a mateacuteria seria manchete de primeira paacutegina Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes Ao sair recebeu sinal para subir Falando com o engenheiro-chefe entendeu

- 129 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido O telefone tocou

Terccedila-feira 05 de outubro de 1999

O ldquofocardquo chegava ao lugar marcado com quinze minutos de antecedecircncia Pelo telefone a pessoa apenas informou a hora e o local em que deveriam se encontrar Natildeo se identifi cou e natildeo disse como estaria Aparentemente um boteco como qualquer outro adentrou o local relutante entre a curiosidade e a cautela Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado Ao sentar-se agrave mesa recebeu um bilhete que o mandava subir Obedeceu cauteloso No andar superior conversou com uma pessoa que por sua vez conduziu-o a outra sala Estava comeccedilando a assustar-se A sala estava escura e ele natildeo podia ver quem laacute estava Apenas ouvia uma voz que o advertia a natildeo fazer perguntas A voz o informou de que um grupo politicamente oposto ao governo vigente tentava sabotaacute-lo poluindo criminosamente o rio o que aleacutem de indispor a simpatia da populaccedilatildeo contra as autoridades traria um grande prejuiacutezo econocircmico agrave cidade Falou mais e o jornalista ouvia eufoacuterico entendendo a dimensatildeo do que ouvia Ao sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceu

Quarta-feira 06 de outubro de 1999

O rapaz afrouxava a gravata Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

- 130 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A redaccedilatildeo daacute destaque a duas personagens o ldquofocardquo e o ldquorapaz de gravatardquo Quanto a este uacuteltimo haacute algumas passagens que falam de seu corpo ou pelo menos tomam-no de uma perspectiva externa como nas passagens ldquoO rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordensrdquo ldquoRespaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar []rdquo e ldquoO rapaz afrouxava a gravatardquo Acerca do foca a uacutenica passagem em que se observa seu corpo exterior eacute ldquoAo sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceurdquo

Esse olhar externo que o narrador de sua distacircncia exterior lanccedila sobre as personagens defi nindo-as natildeo eacute comum na prosa dostoievskiana mas cabe observar que mesmo nessa redaccedilatildeo de vestibular esse procedimento ocupa um espaccedilo composicional bastante diminuto se comparado ao que se dedica agrave observaccedilatildeo da autoconsciecircncia das personagens

Observe-se por exemplo que todas as longas passagens a seguir se voltam agrave autoconsciecircncia do ldquohomem de gravatardquo

(i) Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram [] procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo

- 131 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

(ii) Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

Por sua vez tambeacutem agrave autoconsciecircncia do ldquofocardquo eacute dedicado extenso espaccedilo composicional

(i) O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado [] Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila

(ii) ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo

(iii) Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes [] Falando com o engenheiro-chefe entendeu que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato

- 132 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido

(iv) Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado

Esses longos excertos os quais perfazem boa parte da estrutura composicional da redaccedilatildeo comprovam ser a autoconsciecircncia um aspecto tambeacutem muito relevante na composiccedilatildeo desse gecircnero A candidata ao escrever daacute destaque aos diaacutelogos interiores das personagens em detrimento de descriccedilotildees fiacutesicas

Todavia se poderaacute sempre arguir por oacutebvio que se trata apenas de um texto a partir do qual eacute temeraacuterio caracterizar todos os demais do mesmo gecircnero Aleacutem disso poder-se-ia aventar que a proposta de escrita infl uenciou na composiccedilatildeo de redaccedilotildees que focalizassem as questotildees da consciecircncia em prejuiacutezo de um desenvolvimento mais detalhado acerca do corpo das personagens

Sem de modo algum desconsiderar como vaacutelidas e pertinentes essas ressalvas passa-se ao exame de uma outra redaccedilatildeo cuja proposta supotildee-se poderia levar a uma maior atenccedilatildeo ao corpo fiacutesico das personagens

- 133 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

PROPOSTA B

Trabalhe sua narrativa a partir do seguinte recorte temaacutetico

O avanccedilo da tecnologia e da ciecircncia meacutedica desmistifi ca muitos dos preconceitos em torno das doenccedilas Entretanto algumas delas consideradas atualmente problemas de sauacutede puacuteblica como obesidade alcoolismo diabetes AIDS entre outras continuam a trazer difi culdades de autoaceitaccedilatildeo e de relacionamento social

Instruccedilotildees

1 - Imagine uma personagem que receba o diagnoacutestico de uma doenccedila que eacute tema de campanhas preventivas

2 - Narre as difi culdades vividas pela personagem no conviacutevio com a doenccedila

3 - Sua histoacuteria pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa

Segue a Proposta B do Vestibular Unicamp 2008 (COMVEST 2008 p 42)

A seguir transcreve-se a redaccedilatildeo (COMVEST 2008 p 142-

- 134 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Luta

O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava Teve de terminar a corrida seu exerciacutecio matinal e voltar para a casa Dormir descansar Depois mais exerciacutecio No caminho teve vontade de devorar vorazmente um cachorro-quente da barraquinha do seu Zeacute o fi el Zezinho Afastou a ideia natildeo podia mais comer porcarias E o bolo na geladeira Isso tudo natildeo era faacutecil Era estranho mas natildeo dependia da vontade dele O desejo era maior do que suas forccedilas

A corrida era seu exerciacutecio matinal desde a semana passada Era difiacutecil para ele correr mas ordens meacutedicas devem ser cumpridas Ao menos agora pois natildeo escutara os conselhos de seu meacutedico durante toda a vida O doutor sempre com aquele ar pomposo que aparentemente diz ldquoO mundo eacute meu e eu mando nelerdquo reafi rmou que seu fi el mas desatencioso paciente estava obeso e que era urgente a perda de peso Urgente Entatildeo vieram dieta e indicaccedilotildees de exerciacutecios fiacutesicos E ele tinha que cumprir ou sua sauacutede correria grave risco Todos falavam isso natildeo soacute o meacutedico Falavam de outra maneira eacute claro Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo Isso era um alerta

Finalmente chegou em casa Se enterrou no sofaacute e tentou de todo modo dormir Mas natildeo conseguia Sua barriga roncava gritava doiacutea Hoje soacute tinha tomado um leve cafeacute da manhatilde e ainda faltavam duas horas para o almoccedilo Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

- 135 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles Tinha que lutar A barriga pedia Ele a escutava Os roncos quase que falavam

Em um impulso levantou-se do sofaacute foi ateacute a geladeira O bolo estava laacute Imponente como um castelo medieval o poderoso artefato que saciaria sua vontade acalmaria seu desejo Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade Seu corpo pedia isso Levou o bolo para a sala pousou-o no colo e fi cou olhando para o doce O estocircmago nervoso incitava-o

Aquela bandeja a sua frente cheia de chocolate coco e caramelo aquele belo edifiacutecio de prazeres estava a seu alcance Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia O estocircmago dialogava com o bolo com uma voz aacutespera A resposta vinha doce e melodiosa Natildeo o meacutedico dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

Jogou furiosamente o bolo ao chatildeo Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado Chorou Chorou mais Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez Natildeo continuou

145)2 que atendeu agrave essa proposta

Nessa redaccedilatildeo o candidato opta por descrever os confl itos pelos quais passa uma pessoa obesa lutando para seguir as ordens meacutedicas e sociais que lhe accedilulam a emagrecer e sua voz interior 2 O autor do texto eacute Ricardo Amarante Turatti

- 136 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na qual essas vozes externas se conjugam com sua necessidade de comer ldquomais que as demais pessoasrdquo para se saciar

Pelo proacuteprio conteuacutedo temaacutetico a ser desenvolvido eacute de se esperar que a questatildeo do corpo apareccedila no texto De fato em comparaccedilatildeo agrave redaccedilatildeo anterior eacute possiacutevel observar uma maior atenccedilatildeo agrave descriccedilatildeo fiacutesica da personagem em passagens como

(i) O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava

(ii) Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo

(iii) Sua barriga roncava gritava doiacutea

(iv) Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles

(v) Seu corpo pedia isso

(vi) Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado [] Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo

Todavia em vaacuterias passagens o narrador se deteacutem a descrever a autoconsciecircncia da personagem

(i) Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

(ii) Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade

(iii) Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia [] Natildeo o meacutedico

- 137 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

(iv) Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea [] A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez

Mais relevante poreacutem que contrastar o espaccedilo composicional dedicado a cada aspecto eacute observar que mesmo as menccedilotildees ao corpo provecircm das vozes que o protagonista ouviu de outros sujeitos Assim ver-se como o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo eacute ver-se pelos olhos dos outros ou para usar um termo mais proacuteprio ao universo bakhtiniano pelas vozes dos outros Satildeo essas vozes alheias que lhe falam sobre o seu corpo Vozes que lhe habitam a autoconsciecircncia a partir de onde se organiza interior mas tambeacutem exteriormente

Receba uma maior ou menor atenccedilatildeo do narrador seja mais ou menos tematizado nas vozes de personagens ou do proacuteprio heroacutei o corpo ndash como toda a vida eacute imprescindiacutevel sublinhar ndash na perspectiva bakhtiniana natildeo eacute uma realidade faacutetica exterior simplesmente reconheciacutevel O corpo eacute construiacutedo pelo discurso Primeiro pelo discurso alheio que pela primeira vez nomeia mas tambeacutem valora o corpo do outro Essas vozes alheias passam a habitar a autoconsciecircncia do sujeito organizando sua vivecircncia organizando o modo como se vecirc como sujeito inclusive em termos de seu corpo fiacutesico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo do corpo nos escritos em Bakhtin pode ser vista a partir de diferentes vieses Neste capiacutetulo propugnou-se ver o corpo como resultante da autoconsciecircncia Para isso buscou-se apoio principalmente nas observaccedilotildees de Bakhtin expostas em dois textos (i) em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que o pensador russo a pretexto de fazer uma

- 138 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

distinccedilatildeo entre ldquocorpo interiorrdquo e ldquocorpo exteriorrdquo acaba por afi rmar o primado da autoconsciecircncia (interior) com fonte de percepccedilatildeo e valorizaccedilatildeo do corpo exterior e (ii) em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111969) em que a primazia da autoconsciecircncia como centro organizador da vida e do corpo eacute exemplifi cado na anaacutelise de obras dostoievskianas

Dessa fundamentaccedilatildeo teoacuterica passou-se agrave anaacutelise de ldquoredaccedilotildees de vestibularrdquo (CORREcircA 2011) um gecircnero bastante diverso daqueles examinados por Bakhtin Pretendeu-se por essa incursatildeo evidenciar que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Como se espera ter mostrado mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

Ao realizar a refl exatildeo proposta neste capiacutetulo parece possiacutevel entender que da perspectiva bakhtiniana o corpo assim como todos os demais elementos do homem ndash personagem ou natildeo ndash resulta das vozes com as quais o sujeito entra em contato no transcurso de sua vida Mais uma vez entatildeo impotildeem-se considerar o homem no acircmbito de suas complexas relaccedilotildees dialoacutegicas (MACIEL 2014) atraveacutes das quais pelo outro ele se constitui pela primeira vez para si mesmo

O corpo eacute resultado de relaccedilotildees dialoacutegicas atraveacutes das quais enunciados alheios adentram a autoconsciecircncia do sujeito aiacute entrando em confronto com outras vozes proacuteprias e alheias Essa autoconsciecircncia porque resulta do infi ndo diaacutelogo em sentido amplo que o sujeito nunca deixa de estabelecer eacute inacabada

- 139 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(BAKHTIN 19191921) sendo importante lembrar que a percepccedilatildeo do corpo proacuteprio ou alheio eacute sempre mutaacutevel

As vozes alimentam a autoconsciecircncia de onde deriva a percepccedilatildeo do corpo A percepccedilatildeo da realidade fiacutesica portanto para Bakhtin decorre do exerciacutecio da linguagem A percepccedilatildeo do corpo deriva da voz a percepccedilatildeo do corpo resulta da linguagem

REFEREcircNCIAS

BAKHTIN M M (19191921) Para uma fi losofi a do ato Traduccedilatildeo natildeo revisada para fi ns didaacuteticos e acadecircmicos realizada por Carlos Alberto Faraco e Cristovam Tezza [SI sn] [2005-2006]

______ [192-] O autor e a personagem na atividade esteacutetica In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

______ [1930-1936] O discurso no romance In ______ A teoria do romance I A estiliacutestica Traduccedilatildeo prefaacutecio notas e glossaacuterio de Paulo Bezerra Satildeo Paulo Hucitec 2015

______ Os gecircneros do discurso In ______ Os gecircneros do discurso Organizaccedilatildeo traduccedilatildeo posfaacutecio e notas Paulo Bezerra Satildeo Paulo Editora 34 2016a p11-69 [1952-1953]

______ (1963) Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Trad Paulo Bezerra 5 ed (2 tiragem) Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2011

______ (1965) A cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelais Trad Yara Frateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec 2013

COMVEST Redaccedilotildees do Vestibular Unicamp 2000 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Proacute-Reitoria de Extensatildeo e Assuntos Comunitaacuterios Campinas Editora da Unicamp 2000

- 140 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

______ Vestibular Unicamp redaccedilotildees 2008 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Campinas Editora da Unicamp 2008

CORREcircA M L G Encontros entre praacutetica de pesquisa e ensino oralidade e letramento no ensino da escrita Perspectiva Florianoacutepolis v 28 n 2 p 625-648 juldez 2010

MACIEL L V C Relaccedilotildees dialoacutegicas em narrativas Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas 2014

- 141 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Maria Flaacutevia Figueiredo

Os discursos retoacutericos buscam por primazia despertar no auditoacuterio a adesatildeo agraves teses defendidas pelo orador Assim no jogo argumentativo toda e qualquer estrateacutegia capaz de potencializar o alcance persuasivo do argumento defendido conta positivamente para o orador e por essa razatildeo desperta o interesse da retoacuterica que por sua vez se ocupa de averiguar o que gera em cada caso o convencimento e a persuasatildeo1

Nesse processo persuasivo uma das estrateacutegias mais efi cazes eacute o despertar de paixotildees no auditoacuterio Segundo Aristoacuteteles esse recurso funciona de maneira muito efetiva uma vez que as emoccedilotildees humanas (paixotildees) quando despertadas causam necessariamente alteraccedilatildeo nos indiviacuteduos que as sentem e introduzem mudanccedilas em seus juiacutezos o que altera e direciona seus julgamentos

Esse tema de extrema relevacircncia para o entendimento do ser humano e de grande implicaccedilatildeo para o processo persuasivo foi proposto pelo fi loacutesofo de Estagira no livro II de sua Retoacuterica2 Neste trabalho optamos por trazecirc-lo novamente agrave baila e lanccedilar sobre ele outros olhares com base em estudos retoacutericos desenvolvidos na

1 Agradeccedilo ao meu orientando Valmir Ferreira dos Santos Juacutenior pelas sugestotildees dadas agrave redaccedilatildeo deste capiacutetulo2 Sobre a composiccedilatildeo fi nal dessa obra dividida em trecircs livros Quintiacuten Racionero (tradu-tor de Aristoacuteteles diretamente do grego para o espanhol) explica que se deu a partir de 355 aC durante a segunda estada de Aristoacuteteles em AtenasO primeiro livro se ocupa da estrutura da arte retoacuterica da defi niccedilatildeo dos argumentos e tambeacutem dos gecircneros retoacutericos judicial (que visa acusar ou defender) deliberativo (que objetiva discorrer sobre a utilidade ou natildeo de uma problemaacutetica em prol de uma deci-satildeo) e epidiacutetico (que elogia ou censura) O segundo livro se ocupa das paixotildees humanas do caraacuteter dos sujeitos e da estrutura loacutegica do raciociacutenio retoacuterico O terceiro aborda o estilo as fi guras retoacutericas e a composiccedilatildeo do discurso e de suas partes

A RETOacuteRICA DAS PAIXOtildeES REVISITADA

- 142 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

atualidade e com o auxiacutelio de perspectivas contemporacircneas sobre a temaacutetica

Nosso percurso investigativo tem entatildeo por objetivo refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para que possamos discorrer sobre tais processos adentraremos primeiramente a fonte de suas refl exotildees em acircmbito retoacuterico a Retoacuterica das paixotildees

Esse tiacutetulo foi dado ao livro II da Retoacuterica aristoteacutelica que aqui no Brasil recebeu uma ediccedilatildeo biliacutengue (portuguecircs ndash grego) e foi prefaciada com notaacutevel profundidade fi losoacutefi ca por Michel Meyer No prefaacutecio o pensador belga perscruta a obra do estagirita de forma distinta trazendo refl exotildees sobre a gecircnese das emoccedilotildees desde os diaacutelogos platocircnicos ateacute a descriccedilatildeo de Aristoacuteteles passando tambeacutem pelas modulaccedilotildees que a mateacuteria discursiva pode sofrer em funccedilatildeo dos diversos fi ns retoacutericos

Em um dos trechos de seu texto Meyer (2000 p XL) assim se pronuncia ldquolugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircnciardquo Nessa barganha da identidade em detrimento da diferenccedila o campo emotivo ganha lugar para angariar o convencimento e a persuasatildeo do outro Isto eacute as paixotildees em um processo argumentativo satildeo pontes que permitem a conexatildeo e a proximidade dos homens por meio da identifi caccedilatildeo de traccedilos defl agrados em comum

Ciente do papel que exercem no discurso Aristoacuteteles descreve com perspicaacutecia contundente as paixotildees que acometem a alma humana e a fazem subjugar Assim o mestre abre o livro II com a seguinte refl exatildeo ldquovisto que a retoacuterica tem como fi m um julgamento [] eacute necessaacuterio natildeo soacute atentar para o discurso a fi m de que ele seja demonstrativo e digno de feacute mas tambeacutem pocircr-se a si proacuteprio e ao juiz em certas disposiccedilotildeesrdquo (ARISTOacuteTELES

- 143 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

2000 p 3) Esse trecho jaacute nos permite antever a funccedilatildeo primordial das paixotildees qual seja a de encontrar ou suscitar no auditoacuterio as paixotildees disponiacuteveis A esse respeito discorreremos com mais vagar nos paraacutegrafos que se seguem

Seguindo essa linha de raciociacutenio o sistematizador da retoacuterica se dispotildee a mostrar ldquoque as paixotildees constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencerrdquo (MEYER 2000 p XLI) Portanto com vistas a uma argumentaccedilatildeo efetiva que alcance a persuasatildeo o orador precisa ser capaz de acessar o campo emocional de seu auditoacuterio por meio do uso adequado de processos discursivos que possam afl orar as afecccedilotildees de quem testemunha seu ato argumentativo

Para o mestre estagirita as paixotildees humanas ou emoccedilotildees ldquosatildeo as causas que fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanccedilas nos seus juiacutezos na medida em que elas comportam dor e prazerrdquo (ARISTOacuteTELES 2015 p 116) Ao observar essa refl exatildeo conseguimos compreender que elas funcionam como direcionadores sentimentais que visam introduzir um estado em um sujeito para entatildeo tornar sua visatildeo sobre determinada questatildeo favoraacutevel a quem profere o discurso A esse respeito tambeacutem refl etimos sobre o que versa Aristoacuteteles (2000 p 3) no seguinte trecho ldquopara as pessoas que amam as coisas natildeo parecem ser as mesmas que para aquelas que odeiam nem para os dominados pela coacutelera as mesmas que para os tranquilosrdquo Aqui temos a confi rmaccedilatildeo de que as paixotildees possuem o poder de alterar a oacutetica de quem observa uma questatildeo fazendo seu julgamento variar de acordo com a afecccedilatildeo introduzida em sua alma

A refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para propoacutesitos distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia De fato os apontamentos do fi loacutesofo

- 144 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sobre a temaacutetica guiam direta ou indiretamente novas concepccedilotildees acerca das emoccedilotildees ateacute os dias atuais Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber

Acreditamos que os apontamentos aristoteacutelicos tecircm sido profiacutecuos principalmente em funccedilatildeo daquilo que nos recorda Meyer (2000 p XXXIX) ldquoPara Aristoacuteteles [] as paixotildees estatildeo intimamente associadas ao apetite sensiacutevel o qual eacute fl utuante e por isso desestabiliza o homemrdquo Por meio dessa transiccedilatildeo instaacutevel que fundamenta o campo sensiacutevel humano eacute entatildeo que as paixotildees ganham campo para infl igir dor ou prazer em quem as sente Eacute importante ressaltar poreacutem que na retoacuterica especifi camente as paixotildees satildeo entendidas como ldquoresposta a outra pessoa e mais precisamente agrave representaccedilatildeo que ela faz de noacutes em seu espiacuterito As paixotildees refl etem no fundo as representaccedilotildees que fazemos dos outros considerando-se o que eles satildeo para noacutes realmente ou no domiacutenio de nossa imaginaccedilatildeordquo (MEYER 2000 p XLI) Sendo assim nesse campo do saber as paixotildees estatildeo relacionadas a situaccedilotildees transitoacuterias provocadas pelo orador por essa razatildeo natildeo satildeo entendidas como virtudes ou viacutecios permanentes (cf FONSECA 2000 p XV)

Visto que discorremos sobre as delimitaccedilotildees que compreendem as paixotildees humanas passemos agraves caracterizaccedilotildees desses estados de que o orador lanccedila matildeo com o intuito de transformar as disposiccedilotildees em que se encontram os homens Como explicita Meyer (2000 p XXXIX) em seu prefaacutecio cada uma das paixotildees remonta a um turbilhatildeo uma confusatildeo que apesar de desorientadora e altamente modifi cadora eacute transitoacuteria moacutevel capaz de ser revertida e subvertida Aleacutem disso eacute um refl exo sensiacutevel do outro ou seja eacute a ponte que conecta os homens por meio do campo passional Ademais e sobretudo cada paixatildeo despertada por um orador defl agra muito da existecircncia do proacuteprio sujeito que testemunha o ato discursivo Por meio do afl orar dos sentimentos o indiviacuteduo

- 145 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

abre entatildeo as portas do seu campo sensiacutevel deixando que o outro conheccedila suas disponibilidades e por consequecircncia suas motivaccedilotildees e valores

Fica clara entatildeo a importacircncia dessa instacircncia para o campo da retoacuterica uma vez que ao saber quais satildeo os valores com os quais o auditoacuterio compactua o orador pode seguir seu caminho argumentativo de forma muito mais segura e precisa Eacute nesse sentido que como estrateacutegia retoacuterica as paixotildees satildeo consideradas uma das premissas do entimema (silogismo retoacuterico) (cf SILVA 2013 p 13)

Para nos aprofundarmos ainda mais nesse universo eacute preciso visitar a classifi caccedilatildeo das paixotildees descritas por Aristoacuteteles na obra mencionada Vejamos entatildeo as 14 paixotildees apresentadas na Retoacuterica ira calma amizade (amor) inimizade (oacutedio) temor (medo) confi anccedila amabilidade (favor) vergonha desvergonha (impudecircncia) piedade (compaixatildeo) indignaccedilatildeo inveja emulaccedilatildeo e indelicadeza (desprezo)

De acordo com o exposto podemos compreender que as paixotildees compotildeem um arcabouccedilo no qual se inserem as mais diversas nuances dos estados da alma humana O orador pode e deve entatildeo adentrar e explorar tal arcabouccedilo com o intuito de infl amar a paixatildeo que mais se adeacuteque ao objetivo de seu discurso Mediante as paixotildees elencadas tambeacutem eacute possiacutevel compreender que uma vez confi gurados tais estados transitoacuterios que transformam o julgamento humano desencadeia-se um processo para seus devidos efeitos A descriccedilatildeo de tal processo constitui o cerne do presente trabalho

Antes poreacutem de investigar os caminhos que as paixotildees percorrem no campo afetivo eacute necessaacuterio descrever cada uma delas Vejamos entatildeo uma breve explanaccedilatildeo para cada uma dessas afecccedilotildees

Coacutelera eacute um impulso de vinganccedila causado por injustifi cada negligecircncia em relaccedilatildeo ao outro ou aos que satildeo seus queridos

- 146 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Essa paixatildeo reequilibra a diferenccedila causada pela insolecircncia pelo despeito e pelo desprezo Consiste na tentaccedilatildeo de causar desgosto ao outro Tange portanto ao pessoal a questotildees particulares entre sujeitos

Calma eacute o contraacuterio e talvez o antiacutedoto da coacutelera Confi gura o estado de apaziguamento apoacutes um tormento estrondoso e recria a simetria entre os indiviacuteduos

Amor eacute desejar para algueacutem aquelas coisas que vocecirc considera boas (desejando-as para o outro e natildeo para si) e tentar ao maacuteximo fazer com que elas ocorram Eacute entatildeo o laccedilo de identidade com o outro

Oacutedio eacute dissociador Eacute a acircnsia por querer causar mal ao outro Diferentemente da coacutelera o oacutedio diz respeito agrave inimizade em relaccedilatildeo ao geral agraves classes natildeo ao particular Odeiam-se aos ladrotildees malfeitores e carrascos agraves classes natildeo aos sujeitos Quem sente coacutelera quer que o causador de seu tormento sinta em seu lugar seu mal enquanto quem sente oacutedio deseja que seu alvo desapareccedila

Temor uma dor ou distuacuterbio decorrente da projeccedilatildeo de um mal iminente que tem caracterizaccedilatildeo destrutiva e penosa Eacute acompanhado de uma expectativa Temem-se entatildeo os maus que podem nos arruinar ou arruinar quem nos eacute querido

Confi anccedila (seguranccedila) eacute o oposto do medo Eacute acompanhada da esperanccedila (antecipaccedilatildeo) das coisas que levam agrave seguranccedila como algo proacuteximo enquanto as causas do medo parecem inexistentes ou distantes

Vergonha valoriza a imagem que o outro cria de noacutes eacute dor ou perturbaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao presente passado ou futuro que achamos que tenderaacute ao nosso descreacutedito de acordo com a visatildeo de outrem Caracteriza a inferioridade que sentimos em relaccedilatildeo ao outro

- 147 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Impudecircncia (desvergonha) tambeacutem ocorre de acordo com a imagem que criam de noacutes poreacutem essa concepccedilatildeo natildeo nos traz dor alguma pelo contraacuterio cria indiferenccedila que anula qualquer possibilidade do desgosto Defl agra a posiccedilatildeo de superioridade em que nos colocamos em relaccedilatildeo ao julgamento do outro

Favor (obsequiosidade) bondade desinteressada em fazer ou devolver o bem ao outro

Compaixatildeo (piedade) sentimento de dor considerado como sendo um mal destrutivo ou doloroso que recai sobre quem natildeo o merece Eacute despertada quando pensamos que noacutes mesmos ou algueacutem proacuteximo a noacutes poderia sofrer tal mal sobretudo quando essa possibilidade parece real e alardeadora

Indignaccedilatildeo compreende uma dor ao avistar o destino de algueacutem que natildeo o mereceu

Inveja anguacutestia perturbadora dirigida agrave boa sorte de um igual A dor eacute sentida natildeo porque se deseja algo mas porque as outras pessoas o tecircm Eacute relacionada entatildeo ao sentimento de querer tirar ou destruir o que eacute de outrem

Emulaccedilatildeo relaciona-se ao movimento de imitaccedilatildeo ao outro Sentimento em relaccedilatildeo aos bens ou conquistas de outrem que consideramos desejaacuteveis e que estatildeo ao nosso alcance Eacute uma dor sentida natildeo porque as outras pessoas tenham tais bens mas porque natildeo os temos tambeacutem o que nos impele a querer possuiacute-los

Desprezo antiacutetese da emulaccedilatildeo As pessoas que estatildeo em posiccedilatildeo de serem imitadas tendem a sentir desprezo por aqueles que estatildeo sujeitos a quaisquer males (defeitos e desvantagens) Assim o desprezo pressupotildee que o outro natildeo merece o que tem pelo fato de ser inferior ao seu destino

Ao observar as defi niccedilotildees das 14 paixotildees aristoteacutelicas descritas no livro II podemos compreender melhor as mais diversas

- 148 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nuances que alteram o juiacutezo do homem Ainda nessa perspectiva a teoacuterica Carmen Trueba Atienza apoacutes estudar as obras Da alma Retoacuterica e Poeacutetica de Aristoacuteteles elabora uma ldquoteoria aristoteacutelica das emoccedilotildeesrdquo3 Refl itamos entatildeo brevemente sobre as proposiccedilotildees da pesquisadora em seu estudo de 2009

O objetivo do trabalho de Trueba Atienza eacute reconstruir a parte central das diferentes abordagens sobre as paixotildees que se encontram de acordo com a autora dispersas no corpus aristoteacutelico Ao analisar e discutir os aspectos interpretativos mais recorrentes na atualidade a autora investiga as diversas engrenagens passionais (como por exemplo os processos fi sioloacutegicos e as sensaccedilotildees fiacutesicas) Ademais refl ete sobre os estados e processos cognitivos para entatildeo propor uma visatildeo cognitivista das paixotildees aristoteacutelicas

A primeira proposiccedilatildeo apresentada eacute que por meio das evidecircncias deixadas no corpus aristoteacutelico ldquoAristoacuteteles considera as paixotildees ou emoccedilotildees afecccedilotildees psicofiacutesicas associadas a alteraccedilotildees fi sioloacutegicas e que envolvem sensaccedilotildees de dor ou prazerrdquo4

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 152 traduccedilatildeo nossa) Essas alteraccedilotildees natildeo satildeo instauradas apenas na alma humana mas tambeacutem no corpo de quem estaacute agrave mercecirc de uma das paixotildees O sentido de dorprazer aqui se estende para um campo que foge do psiacutequico adentrando o campo sensorial Uma vez desencadeados os sentimentos de dor ou prazer estados e processos cognitivos se manifestam Isto eacute tal sentimento instaura um estado mental em quem o sente fazendo o sujeito criar signifi caccedilotildees cognitivas tais como sensaccedilotildees ou percepccedilotildees impressotildees sensiacuteveis ou racionais e crenccedilas ou julgamentos

A partir da manifestaccedilatildeo desses processos o indiviacuteduo cujo juiacutezo e corpo sofreram alteraccedilotildees passionais eacute lanccedilado a posiccedilotildees 3 Em espanhol La teoria aristoteacutelica de las emociones4 ldquoAristoacuteteles considera las pasiones o emociones afecciones psicofiacutesica associadas com alteraciones fi sioloacutegicas y que conllevan sensaciones de dolor yo placerrdquo (TRUE-BA ATIENZA 2009 p 152)

- 149 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e determinaccedilotildees em relaccedilatildeo ao mundo e agrave questatildeo relacionada ao desencadeamento das paixotildees Isso por fi m gera os desejos ou impulsos que remetem ao movimentoaccedilatildeo daquele sujeito em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica que alterou seu campo emocional em um niacutevel psicofiacutesico

Trueba Atienza (2009) entatildeo a partir do arcabouccedilo aristoteacutelico afi rma que as emoccedilotildees satildeo afecccedilotildees psicofiacutesicas complexas que envolvem segundo o proacuteprio fi loacutesofo

1) alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos

2) sentimentos de prazer eou dor

3) estados ou processos cognitivos tais como

a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis)

b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia)

c) crenccedilas (doxai) ou julgamentos (hypolepsis)

4) atitudes ou disposiccedilotildees para com o mundo e

5) desejos ou impulsos (orexis)5

De acordo com a autora (2009 p 168 traduccedilatildeo nossa) ldquoa atenccedilatildeo que Aristoacuteteles dedica a cada um desses cinco aspectos das emoccedilotildees depende em grande parte da relaccedilatildeo que eles tecircm com as questotildees fi losoacutefi cas que ele analisa e discute nos diferentes lugares em que lida com emoccedilotildees ou faz alguma alusatildeo a elasrdquo6 Podemos ainda observar que cada uma dessas cinco instacircncias satildeo de alguma maneira elementos constitutivos das emoccedilotildees

5 Reorganizado com base no original em espanhol6 ldquoLa atencioacuten que Aristoacuteteles le dedica a cada uno de estos cinco aspectos de las emociones depende en gran medida de la relacioacuten que ellos guardan con las cuestiones fi losoacutefi cas que eacutel analiza y discute en los diferentes lugares del corpus en los que se ocupa de las emociones o hace alguna alusioacuten a ellasrdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 150 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao terceiro item do esquema os componentes cognitivos da emoccedilatildeo podem ser separados uns dos outros mas (como veremos por meio do exemplo da autora) haacute casos que admitiriam combinaccedilotildees dependendo do grau de complexidadeintensidade da emoccedilatildeo em questatildeo Assim

o medo poderia vir acompanhado da percepccedilatildeo de um objeto (o fogo) e da impressatildeo avaliativa de que se trata de um perigo iminente da crenccedila de que o fogo eacute de tal magnitude que pode causar grandes danos e do julgamento de que temos que fugir neste momento [] o medo do fogo seria acompanhado de palidez eou tremor a sensaccedilatildeo de dor a atitude de alerta e o desejo de ser salvo7

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 168 traduccedilatildeo nossa)

Por meio desse exemplo a autora demonstra que o alcance passional de cada um dos componentes da emoccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a natureza de cada afecccedilatildeo e tambeacutem de acordo com a disposiccedilatildeo das pessoas e as circunstacircncias particulares nas quais elas experimentam tais paixotildees Isso faz com que lancemos matildeo de outro autor da atualidade para compreender melhor a instacircncia do pathos dentro da Retoacuterica

Antes poreacutem eacute importante ressaltar que o pathos ao lado do ethos e do logos integra o tripeacute retoacuterico Enquanto o primeiro se refere ao auditoacuterio e ao conjunto de paixotildees por ele sentidas o veacutertice do ethos pode ser relacionado ao orador ou seja

7 ldquoel temor podriacutea ir acompanhado de la percepcioacuten de un objeto (el fuego) y de la impresioacuten evaluativa de que se trata de un peligro inminente de la creencia de que el fuego es de tal magnitud que puede acarrear un gran dantildeo y del juicio de que hay que huir en este momento Pero en cualquier caso los componentes cognitivos iriacutean acompantildeados del resto de los componentes de las emociones Retomando el ejemplo anterior el temor por el fuego iriacutea acompanhado de la palidez yo el temblor la sensacioacuten de dolor la actitud alerta y el deseo de sal-varserdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 151 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

compreende agrave construccedilatildeo imageacutetica que ele proacuteprio sustenta de si ademais tudo o que remonta agrave imagem que o auditoacuterio cria de seu orador O logos por sua vez abrange toda a mateacuteria que compotildee o discurso proferido ou seja as provas os argumentos as fi guras os exemplos a linguagem o estilo

De volta ao primeiro veacutertice no artigo ldquoO que eacute pathosrdquo Francisco Martins discorre sobre as vaacuterias acepccedilotildees do termo desde sua origem ligada ao ato de fi losofar ateacute os dias atuais Cada uma dessas defi niccedilotildees faz alusatildeo a um determinado campo do saber o que possibilita diversas conexotildees semacircnticas entre as inuacutemeras caracterizaccedilotildees apresentadas

Passando pela concepccedilatildeo contemporacircnea do termo bastante simplifi cadora por sinal Martins (1999 p 65) recorda que a palavra pathos (transformada em um radical) direciona quase que exclusivamente ldquoa uma concepccedilatildeo de doenccedila na sua forma meacutedica atualrdquo daiacute os termos patoloacutegico patologia patologista Poreacutem o autor enfatiza que essa palavra teve uma origem fi losoacutefi ca e eacute este o ponto que nos interessa na abordagem aqui proposta A esse respeito leiamos o que elucida o pesquisador

O conceito de pathos traz consigo possibilidades e problemas mais amplos que o sentido de doenccedila natildeo fazendo parte de um soacute campo de estudos como a palavra ldquopatologiardquo indica Investigando-se com mais cuidado percebe-se que se trata de uma dimensatildeo essencial humana O pathos seria compreendido como uma disposiccedilatildeo (Stimmung) originaacuteria do sujeito que estaacute na base do que eacute proacuteprio do humano Assim o pathos atravessa toda e qualquer dimensatildeo humana permeando todo o universo do ser Natildeo seria entatildeo uma surpresa redescobrir o pathos como estando na base da fi losofi a que infl uenciou toda a construccedilatildeo do mundo moderno e em

- 152 -

AS CRISES NADA CONTEMPORANEIDADE ANAacuteLISES DISCURSIVAS

especial da ciecircncia a fi losofi a grega Toda e qualquer tentativa de elucidar o pathos de maneira mais aprofundada passaria natildeo somente pelas regionalizaccedilotildees do ponto de vista de aacutereas de conhecimento especiacutefi cas mas pela fi losofi a na sua totalidade Eacute do horizonte do logos que se torna possiacutevel um panorama organizador desta questatildeo humana Evidencia-se a impossibilidade de que o pathos possa vir a ser objeto de estudo de uma soacute disciplina ele eacute um conceito inerente ao ser (MARTINS 1999 p 66 grifos nossos)

A partir dessa visatildeo mais ampla do termo nos eacute conveniente neste trabalho retornar agrave concepccedilatildeo originaacuteria do termo e tomaacute-lo de acordo com o autor como ldquouma disposiccedilatildeo originaacuteria do sujeitordquo E natildeo paramos por aiacute Seguindo a linha de raciociacutenio proposta no artigo essa ldquodisposiccedilatildeordquo faz tambeacutem referecircncia agravequilo que natildeo estaacute ocupado por consequecircncia que se encontra livre desimpedido E eacute exatamente sobre esta concepccedilatildeo que iremos nos debruccedilar pois eacute ela que julgamos mais produtiva na compreensatildeo da instacircncia do pathos dentro da retoacuterica Como veremos a seguir nossa proposta partiraacute especifi camente dessa concepccedilatildeo

Com base nas refl exotildees apresentadas propomos abaixo uma possiacutevel trajetoacuteria das paixotildees tal como acreditamos suceder dentro do processo persuasivo Para tanto estabelecemos os seguintes estaacutegios

- 153 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 1 ndash A trajetoacuteria da paixatildeo

Fonte elaboraccedilatildeo da autora

Nos paraacutegrafos que se seguem nos dedicaremos a caracterizar cada um dos estaacutegios supracitados e que compotildeem a trajetoacuteria da paixatildeo conforme nossa leitura da obra aristoteacutelica

I - Disponibilidade

Dentro da Retoacuterica a instacircncia do pathos se refere ao auditoacuterio e suas paixotildees Portanto para que um discurso seja persuasivo sugere-se que o orador ao elaborar sua argumentaccedilatildeo recorra ao terreno emocional de seu ouvinte Natildeo obstante esse caminho soacute se torna viaacutevel quando as emoccedilotildees do auditoacuterio se encontram disponiacuteveis para a exploraccedilatildeo do orador Para isso eacute necessaacuteria uma disponibilidade afetiva por parte do auditoacuterio que permita criar espaccedilo para a paixatildeo preconizada por quem profere o ato argumentativo Em outras palavras um auditoacuterio soacute sentiraacute determinada paixatildeo (afecccedilatildeo) se estiver aberto de acordo com sua preacute-disposiccedilatildeo cognitiva a experimentar aquela emoccedilatildeo

O estaacutegio da Disponibilidade portanto tange a aceitaccedilatildeo e a disposiccedilatildeo emocional do auditoacuterio agraves emoccedilotildees propostas em um

- 154 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

determinado discurso Nessa etapa uma vez que a paixatildeo lanccedilada pelo orador encontra espaccedilo no campo afetivo do auditoacuterio a trajetoacuteria das paixotildees recebe aval para percorrer de forma imbatiacutevel a maacutequina humana Atinge-se assim o segundo estaacutegio

II - Identifi caccedilatildeoNessa etapa tem lugar um aspecto primordial do processo

persuasivo sem o qual nenhum dos passos subsequentes se fariam possiacuteveis Trata-se da Identifi caccedilatildeo Por meio dela acionam-se estados ou processos cognitivos tais como a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis) e b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia) Vemos nesse estaacutegio uma coincidecircncia com aquilo que Trueba Atienza (2009) pocircde verifi car no arcabouccedilo aristoteacutelico

Eacute tambeacutem por meio da Identifi caccedilatildeo que as paixotildees conseguem exercer sua ldquofunccedilatildeo intelectual epistecircmica operam como imagens mentais informam-me sobre mim e sobre o outro tal como ele age em mimrdquo (MEYER 2000 p XLII) Dessa maneira fi ca evidente que soacute vou me sensibilizar se antes conseguir me identifi car Quando isso acontece passamos ao terceiro estaacutegio da trajetoacuteria

III - Alteraccedilatildeo psicofiacutesica

Nessa fase em decorrecircncia dos processos identitaacuterios como parte integrante do auditoacuterio passo a experienciar alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos seguidos de sentimentos de prazer eou dor tal como descritos por Aristoacuteteles

Seguindo essa linha de raciociacutenio Trueba Atienza (2009 p 149 traduccedilatildeo e grifos nossos) fundamentada na obra Da alma assim se expressa ldquoAs afecccedilotildees da alma parecem se dar com o corpo lsquovalor docilidade medo compaixatildeo ousadia assim como a alegria o amor e o oacutedio O corpo desde entatildeo resulta afetado conjuntamente em todos esses casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo8 8 ldquoLas afecciones del alma parecen darse con el cuerpo lsquovalor dulzura miedo compasioacuten osadiacutea asiacute como la alegriacutea el amor y el odio El cuerpo desde luego resulta

- 155 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Vemos entatildeo que a paixatildeo natildeo se limita a exercer uma funccedilatildeo intelectual ou epistecircmica como ressaltado no estaacutegio anterior Aqui ela atinge tambeacutem o corpo e o interpela e o conduz juntamente com a mente a uma mudanccedila de julgamento Assim atingimos o estaacutegio subsequente

IV - Mudanccedila de julgamentoNessa fase podemos observar uma alteraccedilatildeo nos estados ou

processos cognitivos no que tangem as crenccedilas (doxai) ou os julgamentos (hypolepsis) do auditoacuterio Essa alteraccedilatildeo decorre da mudanccedila ocorrida no espiacuterito em funccedilatildeo da experiecircncia de dor eou de prazer Como nos recorda Aristoacuteteles (2015 p 116) ldquonesse estado observa-se uma notaacutevel diferenccedila nos julgamentos proferidosrdquo9

Dessa maneira assistimos agrave conjunccedilatildeo do corpo e da mente impulsionados por uma mesma causa Nessa sintonia e instigado pela Mudanccedila de julgamento o auditoacuterio se vecirc convocado agrave accedilatildeo Assim caminhamos fi nalmente para o aacutepice da trajetoacuteria passional o estaacutegio da Accedilatildeo

V - Accedilatildeo

Por fi m o processo persuasivo atinge seu objetivo uacuteltimo qual seja o de conduzir o auditoacuterio agrave accedilatildeo Como enfatiza Abreu (2002 p 25) ldquoPersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para agirrdquo

Nesse estaacutegio portanto podemos assistir ao espetaacuteculo das atitudes ou disposiccedilotildees do auditoacuterio para com o mundo Assim na esteira aristoteacutelica sistematizada por Trueba Atienza (2009) o auditoacuterio poderaacute por fi m e inevitavelmente dar vazatildeo a seus desejos ou impulsos (orexis) Esse processo nos faz recordar as palavras do

afectado (paacuteschei) conjuntamente en todos estos casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo9 Por essa razatildeo Solomon (1980 p 35 traduccedilatildeo nossa) defende que ldquouma emoccedilatildeo eacute necessariamente um julgamento apressado em resposta a uma situaccedilatildeo difiacutecilrdquo (ldquoAn emotion is a necessarily hasty judgment in response to a diffi cult situationrdquo) Nesse sentido uma emoccedilatildeo jaacute eacute potencialmente um julgamento

- 156 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

fi loacutesofo belga quando afi rma ldquoA paixatildeo tornada incontornaacutevel exige a accedilatildeo Daiacute a obrigatoacuteria relaccedilatildeo eacutetica com a paixatildeo pois a moral se estriba numa justa deliberaccedilatildeo capaz de ensejar a accedilatildeordquo (MEYER 2000 p XXXIV)

Somente assim podemos considerar que o processo persuasivo chegou ao seu fi m e podemos entatildeo assistir ao fechamento do ciclo Nesse estaacutegio por tanto todas as demais fases precedentes exercem seu papel e estabelecem sua importacircncia ldquoO circuito estaacute fechado haacute paixatildeo porque haacute accedilatildeo e essa reciprocidade inscreve-se como interaccedilatildeo de diferenccedilas no seio de uma mesma identidade de uma mesma comunidaderdquo (MEYER 2000 p XXXVII)

Como balanccedilo da trajetoacuteria das paixotildees por noacutes proposta gostariacuteamos de fi nalizar com um dos trechos mais emblemaacuteticos sobre o assunto e que ao nosso ver transita por todo o percurso passional aqui sugerido

A paixatildeo eacute decerto uma confusatildeo mas eacute antes de tudo um estado de alma moacutevel reversiacutevel sempre suscetiacutevel de ser contrariado invertido uma representaccedilatildeo sensiacutevel do outro uma reaccedilatildeo agrave imagem que ele cria de noacutes uma espeacutecie de consciecircncia social inata que refl ete nossa identidade tal como esta se exprime na relaccedilatildeo incessante com outrem Reequiliacutebrio que assegura a constacircncia na variaccedilatildeo multiforme que o outro assume em sociedade a paixatildeo eacute resposta julgamento refl exatildeo sobre o que somos porque o outro eacute pelo exame do que o outro eacute para noacutes Lugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircncia (MEYER 2000 p XXXIX-XL)

- 157 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Mediante a amplitude do arcabouccedilo aristoteacutelico e seu inegaacutevel impacto para o avanccedilo intelectual da humanidade no presente capiacutetulo tivemos o propoacutesito revisitar um de seus mais relevantes legados sua retoacuterica das paixotildees Para isso buscamos perscrutar a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade pois nosso intuito foi desde o princiacutepio compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

Acreditamos ter cumprido nosso objetivo e esperamos que a proposiccedilatildeo da trajetoacuteria das paixotildees aqui empreendida sirva de estiacutemulo para os investigadores da aacuterea e constitua tambeacutem um caminho mais curto frente ao complexo e inacabado entendimento do universo passional do homem e de suas consequecircncias

REFEREcircNCIAS

ABREU A S A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo 5 ed Cotia Ateliecirc Editorial 2002

ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Prefaacutecio de Michel Meyer Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

______ Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo do grego Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena Satildeo Paulo Folha de S Paulo 2015 (Coleccedilatildeo Folha Grandes nomes do pensamento v 1)

- 158 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

HOUAISS Dicionaacuterio eletrocircnico Rio de Janeiro HouaissObjetiva 2009

MARTINS Francisco O que eacute pathos Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental Satildeo Paulo v 2 n 4 p 62-80 OctDec 1999

MEYER Michel Aristoacuteteles ou a retoacuterica das paixotildees (Prefaacutecio) In ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p XVII-LI

SILVA Christiani Margareth de Menezes A dimensatildeo cognitiva da paixatildeo em Aristoacuteteles EIDampA ndash Revista Eletrocircnica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentaccedilatildeo Ilheacuteus n 4 p 13-23 jun 2013

SOLOMON Robert C Emotions and choice Th e Review of Metaphysics v 27 n 1 p 20-41 Sep 1973 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable20126349seq=1page_scan_tab_contentsgt Acesso em 28 out 2017

TRUEBA ATIENZA Carmen La teoriacutea aristoteacutelica de las emociones Signos fi losoacutefi cos Meacutexico v 11 n 22 juldic 2009

- 159 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Moacir Lopes de Camargos

Como se fosse um raio que quebra seus ossos e te deixa varado no meu paacutetio

Julio Cortaacutezar

PARA INICIAR

No ano em que completo 50 anos tambeacutem completa 50 anos de AI5 Ato Institucional nuacutemero 5 decretado pelo General Meacutedici Se por um lado posso comemorar minha data o que escolhi natildeo fazecirc-lo tendo em vista que por destino talvez nesta minha data completo tambeacutem 10 anos na cidade de inverno frio deste ditador Por outro restam perguntas e medos e ainda ecoam signos (prisatildeo censura tortura morte) que refl etem e refratam uma realidade outra mas natildeo distante A memoacuteria natildeo pode apagar a (minha) nossa histoacuteria latino-americana mas do silecircncio vem as formas signifi cativas de muitas possiacuteveis respostas Como mostra a canccedilatildeo La memoria do cantor e compositor argentino Leoacuten Gieco

Los viejos amores que no estaacutenLa ilusioacuten de los que perdieronTodas las promesas que se van

Y los que en cualquier guerra cayeron

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historia

QUANDO A LINGUA(GEM) ME AFETA

- 160 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El engantildeo y la complicidadDe los genocidas que estaacuten sueltos

El indulto y el punto fi nalA las bestias de aquel infi erno

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historiaLa memoria despierta para herir

A los pueblos dormidosQue no la dejan vivirLibre como el viento

Los desaparecidos que se buscanCon el color de sus nacimientos

El hambre y la abundancia que se juntanEl mal trato con su mal recuerdo

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

Dos mil comeriacutean por un antildeoCon lo que cuesta un minuto militar

Cuaacutentos dejariacutean de ser esclavosPor el precio de una bomba al mar

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

La memoria pincha hasta sangrarA los pueblos que la amarran

Y no la dejan andarLibre como el viento

Todos los muertos de la amIaY de la embajada de israel

- 161 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El poder secreto de las armasLa justicia que mira y no ve

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

Fue cuando se callaron las iglesiasCuando el fuacutetbol se lo comioacute todoQue los padres palotinos y angelelli

Dejaron su sangre en el lodo

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

La memoria estalla hasta vencerA los pueblos que la aplastan

Y no la dejan serLibre como el viento

La bala a chico meacutendez en brasil150000 Guatemaltecos

Los mineros que enfrentan al fusilRepresioacuten estudiantil en meacutexico

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historia

Ameacuterica con almas destruidasLos chicos que mata el escuadroacutenSuplicio de mugica por las villas

Dignidad de rodolfo walsh

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historiaLa memoria apunta hasta matar

- 162 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A los pueblos que la callanY no la dejan volar

Libre como el viento

E como tudo estaacute clavado na nossa memoacuteria como nos ensina a canccedilatildeo seja individual ou coletiva busco em minhas memoacuterias narrativas de experiecircncias para trazer outras perguntas e assim gestar outras possiacuteveis respostas ou continuar com outras perguntas Sobre a experiecircncia o professor Larrosa (2004) nos mostra que

O sujeito da experiecircncia eacute um sujeito ex-posto Do ponto de vista da experiecircncia o importante natildeo eacute nem a posiccedilatildeo (nossa maneira de pocircr-nos) nem a o-posiccedilatildeo (nossa maneira de opor-nos) nem a im-posiccedilatildeo (nossa maneira de impor-nos) nem a pro-posiccedilatildeo (nossa maneira de propor-nos) mas a exposiccedilatildeo nossa maneira de ex-por-nos com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e risco Por isso eacute incapaz de experiecircncia aquele que se potildee ou se opotildee ou se impotildee ou se propotildee mas natildeo se ex-potildee Eacute incapaz da experiecircncia aquele a quem nada lhe passa a quem nada lhe acontece a quem nada lhe sucede a quem nada lhe toca nada lhe chega nada lhe afeta a quem nada lhe ameaccedila a quem nada lhe fere (LARROSA 2004 p 161)

Assim busco em outras vozes para narrar um pouco do que me afeta e me toca neste momento Embora este texto apareccedila em primeira pessoa natildeo sou o autor absoluto pois outras vozes e enunciados me constituem e me modifi cam constantemente Se a historia eacute minha eu natildeo sou a uacutenica voz que a compotildee porque como escreve Daniel Viglietti1

1 Muacutesica otra voz canta do cd A dos vocecircs de Daneil Viglietti

- 163 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Por detraacutes de mi voz-escucha escucha -

otra voz canta

Viene de detraacutes de lejosViene de sepultadas

boca y canta

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha ndashmientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Escucha escuchaOtra voz canta

Dicen que ahora vivenEn tu mirada

(sosteacutenlos con tus ojoscon tus palabras

sosteacutenlos con tu vidaque no se pierdanque no se caigan)

Escucha escuchaOtra voz canta

No son soacutelo memoriaSon vida abierta

Continua y anchaSon camino que empieza

Cantan conmigoConmigo cantan

- 164 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha-mientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Cantan conmigoConmigo cantan

Tomando a perspectiva bakhtiniana sobre autor este eacute polifocircnico pois escuta as vozes (ante)passadas as vozes presentes e responde a elas Assim

a seleccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo impliacutecita daquilo que se elege para ser contado conferem ao narrador a condiccedilatildeo de autor Eacute uma histoacuteria que tendo em vista minha histoacuteria uacutenica e irrepetiacutevel que reside na memoacuteria social do grupo essa historia natildeo eacute soacute minha Desse modo natildeo posso ser a autora dela mas somente da narrativa circunscrita ao meu projeto de dizer Aos motivos que me levaram a narraacute-la Por ser a histoacuteria do grupo faz parte da tradiccedilatildeo coletiva (LIMA 2005 p52)

Trago entatildeo uma primeira narrativa2 para contar algo do passado ()

Pois se eles querem meu sangue Teratildeo o meu sangue soacute no fi m

E se eles querem meu corpo Soacute se eu estiver morto soacute assim

(Querem meu sangue - Cidade Negra)

2 As narrativas deste texto satildeo narradas segundo minha memoacuteria mas as palavras natildeo foram apagadas apenas omiti detalhes

- 165 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Cidadezinha qualquer de Minas sob a atmosfera pluacutembea no iniacutecio dos anos 80 mas pode ser (ainda hoje) de qualquer lugar do Brasil uma pracinha tranquila uma pensatildeo velha com um boteco em frente e um corpo abjeto agonizante na calccedilada do bar Um corte profundo em seu nariz seguindo pelo seu rosto Borbulhas de sangue em seus olhos Gritos agudos desesperados Apenas um vestido surrado e sandaacutelias velhas Mais sangue pelo corpo pela calccedilada pelos cacos de vidro Gritos Em instantes uma multidatildeo curiosa Filho da puta ladratildeo Chutes Pontapeacutes Socos E a rapidez da poliacutecia encanta impressiona nesses momentos Alguma coisa fora da ordem Poliacutecia para quem precisa Mais gritos prisatildeo para o Joatildeo Muieacute boacuteia-fria favelado sem vergonha vagabundo vira omi Seu corpo ensanguentado rosto com choro cortado arrastado e espancado diante da multidatildeo jogado dentro do camburatildeo Corpo pichador da cidade A multidatildeo feliz Risos Mais um fi nal feliz Nesse instante minha mudez me delatou apenas continuei com a imagem do rosto ensanguentado Era o meu vizinho era aquele corpo natildeo permitido de caminhar na cidade ldquolimpardquo Adolescentemente continuei mudo perplexo e natildeo entendi nada Meus olhos fi caram parados Eu tinha apenas 15 anos mas jaacute conhecia muito bem as diferentes violecircncias Natildeo soube caminhar naquele instante tinha que voltar ao bar e limpar o sangue os cacos E a cidadezinha continuou devagar homem mulher cachorro burro e poliacutecia Paz Seraacute que Drummond diria ecircta vida besta meu deus

Haacute um iacutenterim entre essa narrativa e tantas outras vividas na infacircncia e adolescecircncia no campo e numa cidade do interior Passaram os acontecimentos mas natildeo passou jamais a dor e a(s) paisagem(ns) que me recuso a revecirc-las Eacute um tempo do qual eu

- 166 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo quero guardar lembranccedilas Eacute um tempo que queria esquecer para sempre mas como natildeo posso fazecirc-lo pois minha memoacuteria insiste em trazecirc-los agrave tona escrevo

Assim segue a segunda narrativa

Quando completei 20 anos ainda em tempos sombrios sem democracia (1988) eu estava em meu primeiro emprego lavar pratos em uma cozinha de um drive in para sexo e drogas na cidade de Uberlacircndia MG Trabalhava de 17 horas as 5 da manhatilde e voltava para casa becircbado de sono em uma rua empoeirada A Lagoinha periferia fi cava a 40 minutos desse trabalho Eu dormia o dia todo e isso era bom pois economizava a comida ou seja comia uma uacutenica vez no dia na casa de conhecidos que me receberam Em um dos retornos para casa quase chegando em casa eis que uma viatura da poliacutecia em um fi at 147 cor bege me parou em frente ao centro do bairro um local com preacutedios tipo uma escola com quadra para esporte Era ali onde os moradores daquela periferia se reuniam para cursos diversos atividades esportivas pegar livros da Kombi itinerante da biblioteca municipal dentre tantas outras atividades Havia dois policiais na viatura O motorista me disse -Pare Era frio de junho e com minhas roupas rotas o frio aumentou e senti todo meu corpo tremer Tinha um xerox de minha identidade no bolso e nas matildeos uma sacolinha de plaacutestico com caixinhas vazias de catupiri que sempre levava para as crianccedilas brincarem pois o sabor de tal queijo nunca tiacutenhamos saboreado talvez em sonhos Os dois policiais desceram rapidamente do carro e gritaram com as matildeos em suas armas -Matildeos na grade Natildeo havia muro que cercava o centro de bairro era uma grade de metal que protegia o local De repente levei um empurratildeo e senti minha cara

- 167 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sendo amassada na tela grossa de arame Natildeo podia mover-me apenas olhei a sala iluminada com as maacutequinas de escrever todas manuais Era ali onde eu sonhava em ter um trabalho importante decente digno pois 3 vezes por semana driblava o cansaccedilo e a fome para sentir o tic tac estalado das maacutequinas de escrever em meus sonhos meu futuro Segurei forte nos arames enquanto um deles gritou - Vagabundo preguiccediloso natildeo sabe falar natildeo tem ouvido Onde cecirc mora O que taacute fazendo na rua a essa hora Gritou forte e senti o cassetete pressionar meu pescoccedilo apertar minha cara na tela de arame Eu natildeo podia falar nada estava sem voz sem lingua(gem) Senti apenas uma dor profunda de uma ponta de arame que penetrou meu rosto e senti o sangue escorrer Meu medo aumentou Ele torceu o meu braccedilo e gritou - Viado fi lho da puta cecirc merece muita porrada Continuei mudo semi-morto Recebi um chute e o aliacutevio no pescoccedilo quando o cassetete foi retirado Quando me virei um deles me apontava a arma e gritou - Some daqui agora Peguei as caixinhas vazias na calccedilada e sai socircfrego tremendo e eles riam de deboche do meu corpo magro fraacutegil enfi m de minha diferenccedila O sangue escorria pelo rosto e a roupa velha surrada estava vermelha Nem pude chorar sabia que natildeo podia falar nada a ningueacutem Meu irmatildeo era policial mas jamais contaria a ele Era uma vergonha se contasse para ele ou algueacutem tudo aquilo eu natildeo tinha amigos Quem poderia acreditar De quem seria a verdade Me restavam a cicatriz na cara e na memoacuteria

Desta narrativa de violecircncia vinham a mim outras palavras que me acompanhavam desde a infacircncia lepra teacutetano paralisia fome morte Poreacutem assim como na muacutesica dos Titatildes o pulso ainda tinha que pulsar

- 168 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O pulso

O pulso ainda pulsaO pulso ainda pulsa

Peste bubocircnicaCacircncer pneumonia

Raiva rubeacuteolaTuberculose e anemiaRancor cisticercoseCaxumba difteria

Encefalite faringiteGripe e leucemia

E o pulso ainda pulsaE o pulso ainda pulsa

Hepatite escarlatinaEstupidez paralisia

Toxoplasmose sarampoEsquizofrenia

Uacutelcera tromboseCoqueluche hipocondria

Siacutefi lis ciuacutemesAsma cleptomania

E o corpo ainda eacute poucoE o corpo ainda eacute pouco

Assim

Reumatismo raquitismoCistite disritmia

Heacuternia pediculoseTeacutetano hipocrisia

- 169 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Brucelose febre tifoacuteideArteriosclerose miopiaCatapora culpa caacuterieCatildeibra lepra afasia

O pulso ainda pulsaE o corpo ainda eacute pouco

Ainda pulsaAinda eacute pouco

PulsoPulsoPulsoPulso

Assim

E o meu corpo ainda tem a memoacuteria daquelas dores violentas da liacutengua(gem) que me marcou Ainda carrego essas marcas siacutegnicas profundas e busco algo de positivo disso tudo natildeo tenho saudades alguma ndash no plural ndash daqueles tempos de adolescecircncia e vida adulta de miseacuteria e violecircncias Nada desses sentimentos me trazem a sensaccedilatildeo de uma falta que pode gestar uma saudade As palavras de violecircncia com quais me feriram quando me veem agrave mente tocam na memoacuteria de minha pele e me remetem aquele corpo fragilizado que tentava circular mas natildeo era desejado na cidade letrada (Rama 1985) Naquele momento fi m da deacutecada de 1980 noacutes da periferia sabiacuteamos que natildeo eacuteramos parte da cidade letrada e ateacute as crianccedilas aprendiam cedo que a ldquocidaderdquo era outro lugar outro mundo teriacuteamos que descer o morro para ldquochegarrdquo a ela Noacutes estaacutevamos fora dela e junto estavam nossos corpos nossa voz nossa lingua(gem) e nossa diferenccedila que nos delatava E como ouvi do Betinho um vizinho - Ce tem sorte de ser branco porque eu tocirc ferrado Quando os homi me pegou eu vinha do coleacutegio a noite e um deles gritou mete porrada nesse macaco Fui parar no hospital

- 170 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como explicam Silva e Alencar (2013 p 137)

dito de outro modo quando um sujeito ou grupo de sujeitos usa a liacutengua para diminuir depreciar desdenhar ou abominar um grupo social ou indiviacuteduo especiacutefi co ele ou ela estaacute usando a liacutengua violentamente ie estaacute afetando uma estrutura de afetos que se sustenta na linguagem

E como naquele poema de Quintana esta foi uma das vezes que me (nos) violentaram que me (nos) assassinaram infelizmente natildeo a primeira como relata o poeta

Da vez primeira em que me assassinaramPerdi um jeito de sorrir que eu tinhaDepois a cada vez que me mataramForam levando qualquer coisa minha

Hoje dos meu cadaacuteveres eu souO mais desnudo o que natildeo tem mais nada

Arde um toco de Vela amareladaComo uacutenico bem que me fi cou

Vinde Corvos chacais ladrotildees de estradaPois dessa matildeo avaramente adunca

Natildeo haveratildeo de arrancar a luz sagrada

Aves da noite Asas do horror VoejaiQue a luz trecircmula e triste como um aiA luz de um morto natildeo se apaga nunca

Natildeo posso narrar ainda das tantas vezes que me assassinaram violentamente pelanacom a lingua(gem) mas sei bem tive que olhar meu cadaacutever morto desnudo e construir asas para alccedilar novo voo sonhar assim como Iacutecaro sem saber onde seria o meu porto Mesmo se eu fosse afogado nas aacuteguas profundas teria que

- 171 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seguir meu voo Deveria voar mesmo que em silecircncio mas seguir voando E palavras me acompanhariam em toda essa trajetoacuteria natildeo poderia esquivar-me delas de seu poder porque como escreve Voloacutechinov

Na realidade nunca pronunciamos ou ouvimos palavras mas ouvimos uma verdade ou mentira algo bom ou mal relevante ou irrelevante agradaacutevel ou desagradaacutevel e assim por diante A palavra estaacute sempre repleta de conteuacutedo e de signifi caccedilatildeo ideoloacutegica ou cotidiana Eacute apenas essa palavra que compreendemos e respondemos que nos atinge por meio da ideologia ou do cotidiano (VOLOacuteCHINOV 2017 p 181 grifos do original)

Ao fi m

Neste ano completo tambeacutem 25 anos de professor de liacutenguas e pensar corpo voz e a lingua(gem) implica em postular que esta pode violar o corpo ou uma estrutura de afetos o que me leva a afi rmar que a linguagem natildeo eacute mera representaccedilatildeo de eventos ou situaccedilotildees no mundo mas uma forma de agir no caso em que descrevo violentamente (Silva e Alencar 2013 p136)

E para ser professor saiacute do campo me instalei na periferia e alcei voo para o centro da cidade letrada No entanto vejo ainda mais evidente que a lingua(gem) continua exercendo seu poder ora violento ou natildeo produzindo inclusotildees e muitas exclusotildees O que me faz professor me leva a olhar para a lingua(gem) que me constitui pois ela eacute meu objeto de trabalho e por meio dela projeto um futuro Surgem diversas questotildees maldito ou bendito poder da linguagem Qual o meu papel de professor em uma universidade de periferia onde trabalho haacute 10 anos Que partido devo tomar nesse jogo Ficam estas perguntas e muitas outras mas mesmo assim necessito dessa lingua(gem) - esse arame farpado

- 172 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nos dizeres de Gnerre (1991) - para me interagir no mundo me sustentar me guiar e seguir caminhando

Caminando

Caminando caminandoiexclcaminando

Voy sin rumbo caminandocaminandovoy sin plata caminandocaminandovoy muy triste caminandocaminando

Estaacute lejos quien me buscacaminandoquien me espera estaacute maacutes lejoscaminandoy ya empentildeeacute mi guitarracaminando

Aylas piernas se ponen durascaminandolos ojos ven desde lejoscaminandola mano agarra y no sueltacaminando

Al que yo coja y lo aprietecaminando

eacutese la paga por todos caminando

a eacutese le parto el pescuezocaminando

- 173 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

y aunque me pida perdoacutenme lo como y me lo bebome lo bebo y me lo comocaminando caminando

caminando

Assim deixo meu breve relato de experiecircncia e para fi nalizar temporariamente tomo as palavras do pensador francecircs Michel Foucault para natildeo dizer que natildeo falei de teorias

Cada vez que eu tentei fazer um trabalho teoacuterico foi a partir de elementos de minha experiecircncia sempre em relaccedilatildeo com processos que eu vi desenrolar em torno de mim Eacute porque pensei conhecer nas coisas que vi nas instituiccedilotildees agraves quais estava ligado nas minhas relaccedilotildees com os outros fi ssuras abalos surdos disfunccedilotildees que eu empreendia um trabalho alguns fragmentos de autobiografi a Natildeo sou um ativista recuado que hoje gostaria de retomar o serviccedilo Meu modo de trabalho natildeo tem mudado muito mas o que eu espero dele eacute que continue a me mudar (FOUCAULT 1994 p 182)

REFEREcircNCIAS

FOUCAULT M Est-il donc importante de penser Entrevista com Didier Eribon Libeacuteration nordm 15 30-31 maio de 1981 p21 Traduzido a partir de FOUCAULT M Dits et eacutecrits Paris Gallimard 1994 vol IV p 178-182 por Wanderson Flor do Nascimento

GNERRE M Linguagem e poder 3 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1991

LARROSA J Habitantes de Babel Belo Horizonte Autecircntica 2004

LIMA M E C C Sobre a estranheza de se contarem histoacuterias ou da narrativa como mediaccedilatildeo In LIMA M E CC Sentidos do trabalho a

- 174 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

educaccedilatildeo continuada de professores Belo Horizonte Autecircntica 2005

RAMA A A cidade letrada Trad Emir Sader Satildeo Paulo Brasiliense 1985

SILVA D N ALENCAR C N A propoacutesito da violecircncia na linguagem In Cadernos de Estudos Linguiacutesticos v 55 n 2 juldez 2013 p 129-146

VOLOacuteCHINOV V Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircncia da linguagem Traduccedilatildeo notas e glossaacuterio de Sheila Grillo e Ekaterina Voacutelkova Ameacuterico Satildeo Paulo Editora 34 2017

- 175 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Rosana Ferrareto Lourenccedilo RodriguesAntocircnio Suaacuterez Abreu

Why is it that in academic settings students are typically asked to raise their hands to indicate that they want to answer or ask a question Very often people do Math with fi ngers and write down a complex Math problem getting help from an external device such as a calculator We write deadlines on a calendar Also you have often closed your eyes to remember past or imagine future

Th ese are all actions taken in the physical world as attempts to make a mental task faster easier and more reliable Motor actions support cognition Mind is not a perfect machine and there are constraints of attention and memory We understand abstract things using concrete prompts Th ese should be the answers to those questions

What the role of the human body in cognition is and why we use it to make sense of things in the world will then guide our discussions here Th is is what Cognitive Linguistics names as embodied language

SET TING THE SCENE

First-generation theories in Cognitive Sciences in the 1950s and 1960s were closely linked to Computer Science and conceived reason apart from the body as in formal logic following the tradition proposed by Descartes Like a computer

EMBODIED LANGUAGE AND ITS FUNCTIONALITY IN MEANING

CONSTRUCTION

- 176 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

the fi rst-generation mind would process information as largely independent from specifi c brains bodies and sensory modalities Th is viewpoint on language and thought gives rise to the Generative Grammar theory In 1957 Syntactic Structures was published by Noam Chomsky spreading the idea that grammar is a system of rules that generates exactly those combinations of words that form grammatical sentences in a given language

In contrast empirical research is the basis of second-generation Cognitive Science which evidences a strong dependence of human reasoning on human embodiment Mind is not merely viewed as a computer anymore but mind is a brain-body-world system In the 1970s studies on visual perception image schemas metaphor metonymy frames and mental spaces began to contradict previous generation rationalism (cf LAKOFF JOHNSON 1999 p 75-77) In Metaphors we live by (1980) especially in the chapter Personifi cation Lakoff and Johnsonacutes theory of the conceptual metaphors gives idea of the use of the human body and its biological and cultural features as a source of metaphors in examples (LAKOFF JOHNSON 1999 p 33) such as

Infl ation is eating up our profi tsTh e Michel-Morley experiment gave birth to a new physical theoryLife has cheated meHis religion tells him that he cannot drink fi ne French vine

From the fundamental theories of conceptual metaphors and image schemas to more modern mental operations such as the one conceived as blending (or conceptual integration) a new viewpoint on human language has risen from embodied cognition In this chapter we are going to present those cognitive constructs

- 177 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and shed light on one of the things that make blending viable ndash the notion of aff ordance

FROM CONCEPTUAL METAPHORS AND IMAGE SCHEMAS TO AFFORDANCES AND BLENDING

Th is new viewpoint on human language from embodied cognition has strongly spread through many publications which refi ned the initial assumptions and it is especially noticed cross-linguistically Conceptual metaphors are employed as to instantiate image schemas in utterances such as

In PortugueseEstamos dando os primeiros passos em nosso projetoO nosso relacionamento chegou ao fi m da linhaConsegui me sair bem na prova

In EnglishTh ese are the key steps to a successful projectOur relationship is a dead-end streetOne way to get out of trouble is to keep quiet

Th e term image schema was introduced by Lakoff (1987) and Johnson (1987) in the late 1980s Th ese schemas build the niche in which the body positions and acts

An important publication was Embodiment and Cognitive Science (GIBBS JUNIOR 2005) According to Gibbs Junior (2005 p 14-15)

A body is not just something that we own it is something that we are I claim that the regularities in peoplersquos kinesthetic-tactile experience not only

- 178 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

constitute the core of their self-conceptions as persons but form the foundation for higher-order cognition

Th e embodied cognition is manifested in language through notions of SOURCE_PATH_GOAL movement CONTAINMENT SUPPORT and VERTICALITY which are some of the most common image schemas

Th e SOURCE_PATH_GOAL image schema for instance is based on the capacity of the human body to move from a source passing through a trajectory to head to a destination Th e CONTAINER image schema refers to the human capacity to keep things in containers and also voluntarily entering containers such as caves and houses or involuntarily in prisons for example For mental or aff ective states examples would be ldquoone can get out of a depressionrdquo and ldquopeople fall in loverdquo

Expressions such as ldquothe fl ow of moneyrdquo ldquolife is a journey1rdquo and ldquoto walk the linerdquo denote PATH One example would be the concept of ldquomarriagerdquo as where two individuals go through life together ldquoMarriagerdquo may also be conceptualized as a CONTAINER refl ected by metaphors like ldquomarriage is a prisonrdquo ldquomarriage is a safe harborrdquo and ldquoopen marriagerdquo

SUPPORT denotes a relationship between two objects in which one object off ers physical (or abstract) support to the other We can ldquooff er support to a friend in needrdquo and ldquoput in a good word for someonerdquo which instantiate SUPPORT and CONTAINMENT

VERTICALITY refers to the relative position such as highlow and abovebelow or dynamical movement up-down for vertical orientation VERTICALITY is instantiated by the conceptual

1 For ldquoLIFE IS A JOURNEY an animated metaphorrdquo (FORCEVILLE 2014) see lthttpswwwyoutubecomwatchv=MvocTKD5o5Aampt=11sgt

- 179 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

metaphors of UP is good and DOWN is bad and is used for emotional scale between happinesssadness as well as social status in expressions such as ldquoto fall from gracerdquo ldquoto be high in spiritrdquo ldquoto feel downrdquo and ldquoto climb the career ladderrdquo

Image schemas are abstract conceptual templates of spatiotemporal object relations with the body acquired since early infancy (LAKOFF 1987) Image schemas help us to think concretely as we move in space and as the time changes We use our bodies ndash gestures for example ndash as prompts to construct meaning When we indicate with hands up in the air that a car made a right at the intersection we are using a material anchor to communicate

Image schemas are also built on the idea of aff ordances An aff ordance is a feature of an object or the environment that allows a person or animal to do something A cup can be described as a CONTAINER because its features obviously defi ne its use we can drink liquids from it Metaphorical sayings such as ldquonot my cup of teardquo or ldquomake a storm in a teacuprdquo also reveal a cupacutes properties as a container its boundaries for in and out If something is not your cup of tea you do not like it or you are not interested IN it A storm in a teacup refers to a small event that has been exaggerated OUT of proportion

A chair is an object providing SUPPORT Th e chair of a company is the person who is in charge ldquoEmpty chairrdquo can be used as choice of not participating ldquoDavid Cameron could be lsquoempty chairedrsquo in TV debates as Labor accuse him of lsquorunning scaredrsquordquo2 Th e chairacutes aff ordances built on the concept of SUPPORT ndash which frames for approve of and help ndash make it possible to metaphorically say that ldquoan empty chairrdquo means to embarrass a person who refuses

2 lthttpswwwtelegraphcouknews11451072David-Cameron-could-be-empty-chaired-in-TV-debates-as-Labour-accuse-him-of-running-scaredhtmlgt

- 180 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

to take part in a debate by leaving an empty seat or space which represents them

VERTICALITY is an image schema instantiated by conceptual metaphors such as conscious is up unconscious is down Healthy is up sick is down Happy is up sad is down Good is up bad is down More is up less is down Life is up death is down It is built on objects and bodies aff ordances If a computer system is down it is not working Down can be used for saying that someone has an illness as in ldquoPoor Susan went down with fl u just before Christmasrdquo

VERTICALITY is a concept that shows how our human mind is infl uenced by the body that we own Human beings walk erect in space If we lay down fl at on the ground we cannot move and thus cannot function As we move upright in space time changes Time is perceived through space Th at makes us perceive change based upon time When we say that ldquoFall is approachingrdquo we understand that the new season is not walking physically towards us It means that the weather change is emergent in both space and time

Feeling hungry and then having been fed for a child who is not really aware of the abstract concept of time raise the perception of change Th e change from ldquohungryrdquo to ldquonot hungryrdquo clockwise conceived is not only a compression of time but also causation ndash having food makes us not feel hungry anymore Time and causation are vital conceptual relations to promote change

Th e embodiment of time is also present in a perceived change between the struggle to climb stairs now and how easy it used to be to climb them years ago Th is indicates time passing in terms of calendar We compress this change saying that these stairs are more and more tiring projecting our perception of growing older (change in time) to the feeling of an object in space Th e same happens when we want to convey that our eyes are not as good as

- 181 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

they used to be because we grew older We project that change in time over space and object we say that the letters on the page are getting tinier and tinier and thus more and more diffi cult to read

We use our bodies to compress time over space Our body anchors blends According to Turner (2006) the blend of input mental spaces is often accompanied by compression of vital relations between them

We relate one idea to another We think of the child as related to the adult it became through vital relations of time change identity analogy and cause-eff ect Mentally Ohio and California are connected by a conceptual relation of space Ohio and the United States are connected by a conceptual relation of part-whole Mary and a picture of Mary are connected through conceptual relations of representation and analogy (TURNER 2006 p 17)

Blending or conceptual integration is a basic mental operation Th e fi rst full presentation of research on blending appeared in 2002 in Th e way we think a book by Gilles Fauconnier and Mark Turner Compared to the theory of conceptual metaphor which is the one of a cross-domain mapping between two spaces (a concrete source and an abstract target) the blending process is held among the conceptual structure of an input 1 and the conceptual structure of an input 2 a generic space which maps each of the inputs and contains what both inputs have in common and the blended space where there is a selective projection of the inputs to the blend Th e blended space has an emergent conceptual structure because it accounts for properties that do not exist in either of the input spaces

Blending is something that humans are designed to do Th e human brain is constantly trying to blend diff erent things unconsciously Every human brain is making many attempts to

- 182 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

blend at every moment Any two things activated simultaneously in the mind are candidate for blending (TURNER 2014) Th is is the claim of Mark Turner in the book Th e origin of ideas (2014 p 4) ldquothe human spark comes from our advanced ability to blend ideas to make new ideas Blending is the origin of ideasrdquo

A common example of blending is the one of driving and sports in utterances such as ldquoTh e team took their foot off the pedal in the second halfrdquo (in English) and ldquoO time tirou um pouco o peacute no segundo tempordquo (in Portuguese) ldquoTake your foot off the pedalrdquo and ldquotirar o peacuterdquo mean ldquostop stepping on the accelerator pedal to slow downrdquo and by extension ldquomake less eff ort and start to relaxrdquo Th ese are some examples (in English and in Portuguese)

In handballHungarian side Pick Szeged remain unbeaten after three rounds and are full of fi re leading by seven at one point in the second half in their match against Ukrainian side Zaporozhye but after taking their foot off of the pedal a little too soon they managed to ride out the storm in the last seconds3

In American footballIf there were a thing to be critical about with the off ense it would be their performance coming out of halftime Th e Redskins have not scored a touchdown in the second half and has been outscored 20-12 Th is is not simply a ball control issue the Redskins from a play-calling standpoint do not take their

3 lthttpwwwehfclcomen2018-19mennewsAzhF3nCWIWbkxza-PzFKnQNantes_stop_Skjern25e225802599s_offence_to_take_fi rst_two_pointsgt

- 183 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

foot off the pedal Washington must keep the same intensity stop the lax approaches to the second half limit penalties and fi nish more drives in the end zone Th e Redskins complacency issues in the early going can and will come back to bite them in bigger games4

In Brazilian soccerAs mudanccedilas no entanto natildeo mudaram muito o panorama da partida O Fluminense seguia perdido em campo O Internacional tirou um pouco o peacute e mesmo assim teve grande chance de ampliar aos 17 em nova falha do adversaacuterio Gum entregou a bola para William Pottker que avanccedilou livre mas chutou em cima do goleiro Juacutelio Ceacutesar5

In these examples driving is the source domain (Input 1) and sports is the target domain (Input 2) Th e conceptual domain of sports is blended with the conceptual domain of driving (Generic Space) to create a new idea (Blended space) where a player is not a car but can stop accelerating in the game not on the road by ldquotaking off his foot off the accelerator pedalrdquo to slow down in the sense of relaxing Figure 1 shows the schema of this blend

4 lthttpswwwhogshavencom201892717905000redskins-offensive-fi rst-quarter-progress-reportgt5 lthttpswwwfutebolinteriorcombrfutebolBrasileiroSerie-A2018noticias2018-08inter-aproveita-falhas-do-fl u-e-alcanca-terceira-vitoria-consecutivagt

- 184 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 1 ndash Blending of driving and sports

Source Own Construction (2018)

Th is blend is possible because humans can play sports and can drive What humans are designed to and not to do because of the minds and bodies they own and how blends are mapped onto language is discussed as follows

EMBODIED COGNITIO N amp EMBODIED LANGUAGE AND THEIR AFFORDANCES

We can understand what humans are designed to do and not to do as aff ordances Blending is a mental human aff ordance Aff ordances are the qualities or properties of an object that defi ne its possible uses or make clear how it can or should be used For instance we sit or stand on a chair because those aff ordances are fairly obvious

- 185 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th e term aff ordance was fi rst introduced by Gibson in the 1970s

Aff ordances enable animals to recognize what prey they eat what predators my possibly eat them what trees may be climbed to escape danger and so on Imagine the color texture taste and smell of a pineapple Th ese properties of the object are its aff ordances which become variously is relative to the perceiving object so that for example in looking at a window one perceives not just an aperture but an aperture that present the possibility on onersquos looking through it (BERMUDES 1995) Perception and embodied action are therefore inseparable in the perception-action cycle (NEISSER 1976) in with exploration of the visual word for example is directed by anticipatory schemes for perceptual action (GIBSON 1979 apud GIBBS JUNIOR 2005 p 43-44)

According to Gibson (1979 p 132) ldquoany substance any surface any layout has some aff ordance for benefi t or injury to someonerdquo

Refl ecting on the interaction of the animal ndash the human being ndash with its environment in terms of perception Gibson (1979) is revisiting the approach taken by the pre-Socratic philosophers who held that there are four elements from which matter is made up ndash earth air fi re and water6 Th e author uses three of these four elements discarding the fi re Th e solid earth as well as the water and the air enable the movement of an animate body if we think of land animals such as fi sh and birds Water and air unlike solids are usually transparent Th e air besides enabling us to breathe ndash by being transparent to the radiation and the reverberation of the

6 The pre-Socratics also known as natural philosophers proposed that matter was composed of these four elements earth water air and fi re

- 186 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

light ndash also allows us to see Being a vehicle capable of transmitting vibrations it allows us to hear and consequently use articulate language to communicate Sound does not propagate in a vacuum Air as it is formed by gases is also capable of transmitting olfactory sensations Th ese properties enable us to perceive aff ordances

Concerning perception aff ordances are within the latency domain Latency domain7 refers to the whole range of things one can do and also the things heshe cannot do A dog for instance can bark wag its tail and bite but it cannot fl y Chickens can cackle eat corn and lay eggs but they cannot lay cubic eggs or bark Within the latency domain of a living being we are also aware of what we can do with it We can breed chicken for poultry Dogs can be best guards and best friends We are very aware of what we cannot do with living beings too We cannot play chess against a chicken or ride on dog pets Th e awareness about the latency domain of a being is not innate It is acquired through experience by irrational and rational animals and by humans learned from other peopleacutes experience both in informal and formal education ndash through reading for example

As defi ned by Gibson (1979) and revisited by Gibbs Junior (2005) the aff ordance is part of the latency domain of beings but it is restricted to what can be done with them Th is implies personal and cultural choices In France for example people eat horse meat which is not a practice in Brazil Th is also implies historical changes For hundreds of years humans imprisoned birds in cages because it was the only way they could listen to music without having to produce it themselves Since the emergence of the radio the record players and other more sophisticated devices

7 ldquoLatency domainrdquo is a term coined by Abreu for this chapter based on the frameworks of Philosophy - latency (perception) and Electric Engineering (circuitslinks human beings perceive between their environment and themselves) Affordances are then constitutive of the latency domain and are elements that help us build the image schemas we use to frame meaning

- 187 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

for music playing putting birds in cages has almost ceased to be a cultural practice

Technology8 is a cultural practice accounting for what human beings cannot do physically in thought and in language for communication and interaction because of body limitations How does technology account for human aff ordances Th e human eyes cannot zoom in and zoom out but a camera can Our minds zoom in and out in memory and imagination because remembering the past and inferring for the future are mental operations Being in the same place and time simultaneously is not possible as well as repeating and making slow motion But fi lm editing makes those happen We are constantly constructing counter facts and shifting our viewpoints about life events so we fi nd technology to move a mental operation from imagination to perception Media were invented for making things in our imagination available

Media are able to exist because mind is sophisticated and that is why humans can aff ord to create technology For instance in fi lms changes in time look like magic tricks if we understand some scenes literally When a movie characteracutes face appears almost simultaneously on the screen in a young version and then in an old version (or vice-versa) we grasp the idea that time has passed We are not deluded in thinking that that change has suddenly happened thanks to our capacity of time compression blending of causation Th e scene shift denotes time change Time change is marked in body change Getting old is within human latency domain

8 These considerations about technology mind and media are based on the course Mind amp Media by Professor Mark Turner Department of Cognitive Science Case Western Reserve University (CWRU) ClevelandOH USA (lthttpmarkturnerorgcourseshtmlCOGS311gt) Ideas on the sections ldquoBlending amp Creativity for meaning constructionrdquo and ldquoWrapping-uprdquo in this chapter are also inspired by Prof Turneracutes thoughts and quotes in the classes of this course taken by Rodrigues in the Fall 2018 at CWRU

- 188 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Body is a media platform for humans to interact within the world to form meaning Brain comes as an output device built to run the body Th at makes up our aff ordances as humans Our body shows them and so does language Embodied cognition and embodied language account for our aff ordances because as humans this is what we can do with our bodies

THE HUMAN BODY AND ITS AFFORDANCES

If humans are aware of the aff ordances of their surroundings they are certainly also aware of their own aff ordances What can I do with my body I can walk run grab things using my hands hug and kiss people look upward and downward look around forward and backward (if I turn my head or my body)

However I am aware that I cannot jump out of a building start fl ying or look backward while looking forward If I am a man I know that I can procreate by making a woman pregnant If I am a woman I know I can procreate by conceiving a child in my womb Th ese are our physical characteristics and body properties Th ese are manifested in language in utterances such as

In Portuguese

Natildeo consigo ver aonde vocecirc quer chegar com essas ideiasMesmo com todo o seu sucesso vocecirc precisa prestar atenccedilatildeo agraves pessoas que estatildeo abaixo de vocecircO piloto teve de abortar duas vezes a decolagem Haacute um projeto em gestaccedilatildeo no Congresso sobre o voto impresso

- 189 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English

Where do you want to come up with these ideasOffi cers below the rank of captain receive no special privilegesTh e mission had to be aborted because of a technical problemItrsquos unclear just how long it took for the idea for the website to gestate

Come up with (= chegar a algum lugar no plano das ideias) means to think of something such as an idea or a plan Th is metaphorical use of come (= chegar) is instantiated by the image schema SOURCE_PATH_GOAL with focus on the GOAL as a resolution or a measure Th e means (PATH) is to use ideas or plans in order to reach such a destination which is not physical We are not deluded when we hear such an expression because we mentally compress vital relations as time space agency and causality to understand it as an abstract PROCESS Compression is a feature of conceptual integration Many aspects of mental space networks can be compressed under blending ndash a basic mental operation at the heart of human singularity (TURNER 2006)

Being below or above someone in a hierarchical control system is a linguistic manifestation of the conceptual metaphor CONTROL is UP and is in the image schema of VERTICALITY Giving birth to business meaning to create it or conceive it as well as gestating an idea are projections of processes which the human body undertakes in order to procreate Again we are aware that these expressions mean ldquostart to exist not as a personrdquo they all refer to something Abort in aborting a mission means a disruption to the schematic PATH of coming to a GOAL as resolution it means to stop something before it is fi nished (BLOCKAGE) because it would be diffi cult or dangerous to continue

- 190 -

Th ese physical characteristics and body properties manifested in language through these utterances are fi rst-degree aff ordances9 because they refer to our physical features and capacities However humans are adaptive complex systems which interact with environments that constantly change concerning culture and history Th is triggers what we understand and call second-degree aff ordances which have their origins in the adaptation of the human body to its physical and cultural environment at specifi c moments in history

One of these fi rst-degree aff ordances is how we count things We can use the ten fi ngers of our hands which is known as the decimal system We can also use the duodecimal system (also known as base 12 or a dozen) We buy a dozen eggs we count 12 months in a year 60 minutes in an hour and 24 hours in a day Where do these ideas come from

Th e duodecimal system was inherited from Babylon the ancient capital of Sumer in the second millennium BC Th e Babylonians counted using the thumb of one hand to touch the phalanges of the other fi ngers Since we have three phalanges in each of these 4 fi ngers the total becomes 12 hence the base 12 (See Figure 2) In order to store the result of each fi lled hand they used the fi ngers of the other hand thus 5 x 12 = 60 hence the origin of the hour with 60 minutes 12 hours of the day plus 12 hours of the night equals 24 hours An alternative is to use 12 AM and 12 PM

9 The classifi cation of affordances in fi rst and second degrees has been coined by Abreu for this chapter First-degree affordances refer to the human bodyphysical ldquousabilityrdquo as in ldquolook up tordquo (eyes) ldquohead somewhererdquo (VERTICALITY of the body through a PATH) etc Second-degree affordances refer to ldquousabilityrdquo linked to culture for example ldquokick off (foot) a meetingrdquo = start a meeting (sport metaphor) ldquopatients are bombarded with radiationrdquo = their bodies receive the ldquobombsrdquo (war metaphor in cancer treatment) etc

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 191 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 2 ndash The rationale of the duodecimal system

Source lthttpsipemspwordpresscomtagsistema-duodecimalgt

When things are countable we can say one two three chairs or half a dozen eggs (if we use the duodecimal system) But when things are non-countable like water and sand we cannot say three sands or ten waters In order to tackle this problem humans have created partitive classifi ers to express a part-whole relation through linguistic constructions made up from human body names Using parts of the body we can say ldquoa handful of sandrdquo and ldquoa head of lettucerdquo Using ldquoarmsrdquo we can say an ldquoarmful of fl owersrdquo or ldquoan armful of logsrdquo

For size reference or measurement systems we can use diff erent parts of the body according to the scale For reference to small and medium devices we can call a USB fl ash drive ldquoa thumb driverdquo because it is the size of a thumb A palmtop is a personal computer which is approximately pocket calculator-sized and fi ts the palm of your hand To measure the ground it is more comfortable to use

- 192 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

footsteps or feet Using this embodied system American aviation has conveyed that airplanes are for example 22000 feet high

Many fi rst-degree aff ordances are linked to sex concerning males and females While ldquoeating the frogrdquo or ldquoengolir sapordquo (= swallow frogs)10 can be used metaphorically from both the frames of male and female bodies ldquoabort a fl ightrdquo or ldquogestate an ideardquo is clearly from a female body input Th ese uses are seen as second-degree aff ordances because they reveal what cultures think about the role of man and his body and what they think about the role of the woman and her body When Steve Jobs insisted on his strange food diets and his mother was desperate he would jokingly say ldquoI am frugivore and will only eat leaves harvested by virgins in the moonlightrdquo (ISAACSON 2011 p 161) Th is is in his biography and it is confi gured as an idea imposed by culture upon the purity of virgin women which is used by a vegetarian as input to a blending with green leaves which would be purer and healthier food

Humans have also culturally adapted their bodies to play sports And the relationship between body and sports continually produces a large number of conceptual metaphors such as ldquothe ballrsquos in their courtrdquo Th is phrase comes from tennis or basketball and in business it means yoursquove done your part of the work or deal and ldquohit the ball into their courtrdquo so yoursquore waiting for ldquothe ballrdquo or information paperwork product etc to come back to you Alternatively the ball could be ldquoin your courtrdquo meaning people are waiting on your action

Another expression from the North-American culture is ldquocarry the ballrdquo as it is shown in the following example in the political discourse domain

10 ldquoEating the frogrdquo means just do it otherwise the frog will eat you if you end up procrastinating it the whole day ldquoEngolir saposrdquo (swallow frogs) means to bear an unpleasant situation without manifesting against it

- 193 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th ank you guys Th at Walker of Wisconsin has proved that he can get both Democrat and Republican votes Hersquos not a bomb thrower He enters to end the public sector unions are draining the state economically and hersquos able to carry the ball (SPOK Talk of the Nation 2012)

Th is is due to the fact that in American football the action of carrying the ball is important so that a player enters the end zone of the opposing team and performs the touchdown scoring 6 points

Similar to ldquocarrying the ballrdquo in American football ndash metaphorically meaning achieving a goal in the sense of doing something that you decided that you wanted to do ndash in Portuguese there is the expression ldquobater na traverdquo (= hit the goalpost) In Brazilian soccer it refers to the moment when the player almost scores a goal but is unable to because the ball hits one of the sticks that make up the goal frame Th is expression is employed metaphorically when someone narrowly fails to get a try as in ldquoEle tentou passar no vestibular mas lsquobateu na traversquo pois faltou um ponto apenasrdquo (= He tried to pass the entrance examination but ldquohit the goalpostrdquo because he missed one point)

Comparing uses of diff erent languages is known as linguistic typology Embodied language has to do with aff ordances because of its cultural features printed on language

AFFORDANCES amp L INGUISTIC TYPOLOGY

Linguistic typology refers to the study and classifi cation of languages according to their structural and functional features Its aim is to describe and explain the common properties and the structural diversity of the worldrsquos languages Concerning fi rst-

- 194 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

degree and second-degree aff ordances we can compare physical andor metaphorical uses of embodied language in English and Portuguese and establish diff erences and similarities

Th e use of similar sport metaphor in English and in Portuguese ndash ldquocarrying the ballrdquo and ldquobater na traverdquo ndash reveals that every language manifests physical bodily aff ordances very similarly but also very diversely For instance in both English and Portuguese we would use the word ldquohandrdquo to mean ldquohelprdquo11 in utterances such as ldquoCan you give me a handrdquo which means when translated into Portuguese exactly the same ldquoVocecirc pode me dar uma matildeordquo On the other hand in ldquoHe is heading homerdquo would be translated into Portuguese as ldquoEle estaacute se dirigindo para casardquo where heading = dirigindo (driving)

As for the partitive classifi ers the equivalent of a handful would be ldquopunhadordquo (derived from punho = fi st) a handful of sand would be ldquopunhado de areiardquo Using ldquoarmsrdquo (= braccedilo) similarly to ldquoan armful of fl owers or logsrdquo in Portuguese you can say ldquouma braccedilada de fl ores ou de lenhardquo For size and measurement reference we would use in Portuguese ldquoquatro palmos de tecidordquo (palmos = palms) to mean ldquofour spans of fabricrdquo For small size such as an inch we use ldquopolegadardquo in Portuguese (polegar = thumb) in utterances like ldquoTh is bar is two inches widerdquo to mean ldquobarra de duas polegadas de largurardquo

Th ere is also a great number of idioms which are related to body parts

11 In English depending on the context giving someone a hand can also mean to applaud or clap For example ldquoPlease give all our dedicated volunteers a hand for their hard workrdquo

- 195 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English12stand on oneacutes own legsa pain in the neckfoot in mouthcost an arm and a legget off my backcold shouldercold feeta sight for sore eyesa fi nger in every pieoff the top of my head

In Portuguese13dar o braccedilo a torcerdar a matildeo agrave palmatoacuteriadar um puxatildeo de orelhanatildeo estou nem aiacute rei na barrigaisso tem o dedo da sua matildee

Th ese idioms built on parts of the human body occur in every language and some have cross-linguistic equivalence Th ey are fi rst-degree aff ordances Second-degree aff ordances would be present in metaphorical idioms such as ldquodrop the ballrdquo or ldquopisar na bolardquo (for fail mess up) ldquobe connedrdquo or ldquolevar uma bola nas costasrdquo (for being cheated) ldquoestar na marca de pecircnaltirdquo or ldquoa close shaverdquo (for when you come very close to a dangerous situation) Th ey are

12 For meanings see lthttpswwwecenglishcomlearnenglishlessonsbody-idiomsgt13 For meanings see lthttpscomunidaderockcontentcomexpressoes-idiomaticasgt

- 196 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

linked to viewpoint and culture Some are sport metaphors usually blended with business and politics and most of them are built under image schemas

Besides these second-degree aff ordances present in metaphorical uses of embodied language linguistic universals14 are built on the idea of the fi rst-degree aff ordances in uses of the historic present which consists of either the employment of the present tense when narrating past events or the employment of the present tense to describe future events such as in

Th e Berlin Wall falls on November 9 1989I was at the mall yesterday when I bump into an old friend of mineTh e bus leaves tomorrow at nineTh e American president hosts the German chancellor for a visit tomorrow

Both uses of the historic present for past and future events are linked to the bodily exercise of our vision Since we can only see what is physically before us we can only see what is in our present moment too Th erefore we compress past and future into the present time so as to mentally ldquoseerdquo an action creating an eff ect of reality Th is is compressed blending Blending can be compressed over time space causation and agency ldquoTh e sweep of human thought is vast extending over time space causation and agency creating mental ideas that go far beyond our local experiencerdquo (TURNER 2017 p 2)

Taking back the blend shown in Figure 1 between driving and sports the vital relations compressed are the ones of causation (stop stepping on the accelerator pedal = take off the foot in soccer) agency (driver = player) time (slow down = relax) and space (road = game)

14 A linguistic universal is a pattern that occurs systematically across natural languages potentially true for all of them

- 197 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A basic technique for constructing meaning across an extended mental network is to use as an input to that network some very compressed congenial concept in order to provide familiar compressed structure to the blend (TURNER 2017 p 2)

Th e hearer of a sports narration may not be familiar with the script of a sports game but tends to be more acquainted with driving experiences Th e blending is successful when compressions work over prior shared knowledge Th us pushing ideas from driving to convey similar ideas in sports shows the sports narratoracutes ability to create new ideas using imagination Creativity is within human minds aff ordances Th e level of conceptual creativity and mental force required to manufacture blends is astounding (TURNER 2014)

Also it is interesting to point out that concerning linguistic typology the structure of the construction (in terms of form and meaning) ldquotake off the foot in a sports gamerdquo has the same functional feature of conveying the idea of ldquorelax in the game as you would if you were slowing down by not stepping on the accelerator pedal when driving a carrdquo

Whereas metaphorical projections are directional mappings through plausible possibilities across mental spaces ndash for example a human foot is a car accelerator pedal ndash blends are plausible impossibilities because they raise original ideas such as the one brought up by the notion of a player being an agent in a game to score a goal as a driver is when driving a car to reach a destination and both having to slow down at a certain point in order to achieve the intended result Hearers of a sports narration are able to decompress this blend and thus create meaning out of the linguistic material

- 198 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BLENDING amp CREATIVITY FOR MEANING C ONS-TRUCTION

Humans have the ability to think of do and create something new interesting and diff erent and represent it in language According to Turner (2006) outer-space relations of representation is compressed under mental blending and human bodies are capable of mediating this process Th us there is no need for new constructions in language but new structure for new meaning

New meanings arise through language because ldquowe construct mappings across diff erent mental spaces and project from them selectively to create a blend from these inputs that has additional emergent structure not contained in any of themrdquo (TURNER 2017 p 2)

Human minds are built to store information in memory make inferences trace analogies and represent them in language for meaning construction Th ings do not mean We attribute meaning to them upon what we know guided by our perceptions from which our bodies work as fi lters Th is is what mind does to fi ll something with meaning I blend I compress I represent I perform I mean You unpack my blends you interpret you understand Th at is where new ideas come from and that is why we are so innovative

WRAPPING-UP

In a nutshell this chapter about embodied language and its functionality in meaning construction has been produced to shed light on the role of the human body in cognition and language We started by setting the scene of Cognitive Linguistics ndash from theories such as the Conceptual Metaphors and Image Schemas

- 199 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and then went on to the notion of aff ordances and the theory of Blending for the sake of creativity in meaning construction

In order to go through this path we discussed embodied cognition and embodied language and the aff ordances of the human body also related to linguistic typology a notion from where we provided examples of utterances in English and in Portuguese We also showed that many times our mind is merged with technology because we use it to project perception to reality

Our fi nal remarks are that as human beings we are exceptionally good at innovation because we can hold onto new ideas once they are formed (TURNER 2014) From image schemas ndash which help us think ndash and from conceptual metaphors to the advanced mental operation of blending originality is compressed through causality agency time and space as vital relations and representations which work to construct meaning Th is is all possibly plausible because human beings have a body Our human bodies work as a tool box where the brain is built to run us We use our body as a prompt to construct meaning

ACKNOWLEDGMENTS

Th is work is within the scope of a post-doctoral project partially supported by FAPESP (Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado de Satildeo Paulo) grant 201715988-2 Additional support is provided by Instituto Federal de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia de Satildeo Paulo Ordinance 2348 26 July 2018 Both grants are for Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues

REFERENCES

FAUCONNIER Gilles TURNER Mark Th e way we think conceptual blending and the mindrsquos hidden complexities New York Basic Books 2002

- 200 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

GIBBS JR Raymond Embodiment and cognitive science Cambridge Cambridge University Press 2005

GIBSON James J Th e ecological approach to visual perception New York Classic Edition 2015

ISAACSON Walter Steve Jobs New York Simon amp Schuster e-books 2011

JOHNSON Mark Th e Body in the mind the bodily basis of meaning imagination and reason Chicago University of Chicago Press 1987

LAKOFF George JOHNSON Mark Philosophy in the fl esh the embodied mind and its challenge to western thought New York Basic Books 1999

LAKOFF George JOHNSON Mark Metaphors we live by Chicago Th e University of Chicago Press 1980

LAKOFF George Women fi re and dangerous things what categories reveal about the mind Chicago University of Chicago Press 1987

TURNER Mark Compression and representation Language and Literature v 15 n 1 p 17-27 SAGE Publications London 2006 Retrieved from lthttplalsagepubcomgt (October 19 2018)

TURNER Mark Multimodal form-meaning pairs for blended classic joint attention Linguistics Vanguard v 3 (s1) 20160043 De Gruyter Mouton 2017

TURNER Mark Th e origin of ideas blending creativity and the human spark Oxford Oxford University Press 2014

- 201 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim Eacute professora e pesquisadora formada em Letras pelo Departamento de Letras da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar2002) Eacute mestre em Linguiacutestica Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp2006) e doutora em Linguiacutestica Aplicada pelo mesmo instituto (2013) Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado na Universidade de Franca de dez2013 a jan2015 Atuou como professora temporaacuteria no curso de Letras da UFSCar nos anos de 2012 2013 e 2015 e professora substituta no Instituto Federal de Satildeo Paulo nos anos de 2015 e 2016 Seus principais estudos estatildeo centrados no ensino e aprendizagem de liacutengua materna letramento e gecircneros do discurso em uma perspectiva sociointeracionista embasada nos estudos bakhtinianos Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica da Universidade de FrancaContato alinemariamanfrimgmailcom

Antocircnio Suaacuterez Abreu Professor titular de liacutengua portuguesa da UNESP e professor associado da USP Possui mestrado doutorado e livre-docecircncia pela USP e poacutes-doutorado pela UNICAMP Publicou os livros Curso de Redaccedilatildeo (Editora Aacutetica) Texto e Gramaacutetica ndash uma visatildeo Funcional para a Leitura e a Escrita (Editora Melhoramentos) A Arte de Argumentar Gerenciando Razatildeo e Emoccedilatildeo O Design da Escrita ndash Redigindo com Criatividade e Beleza ndash Inclusive fi cccedilatildeo Linguiacutestica Cognitiva ndash uma Visatildeo Geral e Aplicada Gramaacutetica Miacutenima para Domiacutenio da Liacutengua Padratildeo e Gramaacutetica Integral da Liacutengua Portuguesa uma Visatildeo Praacutetica e

OS AUTORES

- 202 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Funcional os cinco uacuteltimos pela Ateliecirc Editorial Eacute membro da Academia Campinense de LetrasContato tom_abreuuolcombr

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice Possui graduaccedilatildeo em Letras-Habilitaccedilatildeo em Portuguecircs e Inglecircs pela Universidade de Franca eacute mestre em Linguiacutestica pela Universidade de Franca e Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela FCLAr ndash UNESP de Araraquara Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado no Departamento de Educaccedilatildeo Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo na Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto ndash Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob a supervisatildeo da Profa Dra Soraya Maria Romano Paciacutefi co Eacute vice-lider do GEBGEcirc ndash Grupo de Pesquisas em Estudos Bakhtinianos dos Gecircneros do Discurso ndash certifi cado pelo CNPQ junto com o Prof Dr Juscelino Pernambuco Atualmente eacute professora permanente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (Mestrado) da Universidade de Franca e professora dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia Aacutereas de atuaccedilatildeo e conhecimento Linguiacutestica do Texto Estudos Bakhtinianos Anaacutelise do Discurso Semioacutetica Liacutengua e Literatura LatinaContato camilaludovicegmailcom

Deacutebora Massmann Eacute doutora em Letras pela Universidade de Satildeo Paulo (USP) (2009) mestre e graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (2005 e 2002) Realizou estaacutegio Poacutes-doutoral em Semacircntica no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2014) Eacute docente permanente e coordenadora adjunta do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias da Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaiacute Atua como docente nos cursos de Graduaccedilatildeo em Letras Histoacuteria e Tecnologia em Gastronomia da Universidade do Vale do Sapucaiacute (UNIVAacuteS) Em 2018 foi professora convidada

- 203 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na Universidade de Turim (Itaacutelia) Tem experiecircncia em teoria e anaacutelise linguiacutestica principalmente na aacuterea de semacircntica anaacutelise de discurso retoacuterica e argumentaccedilatildeo Em suas pesquisas destaca-se o interesse pelo funcionamento dos discursos juriacutedico poliacutetico e artiacutestico Contato deboramassmannunivasedubr ou deboraquelhmgmailcom

Fernando Aparecido Ferreira Eacute doutor em Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo na aacuterea de Estudos dos Meios e da Produccedilatildeo Mediaacutetica pela Escola de Comunicaccedilatildeo e Artes (ECA) da Universidade de Satildeo Paulo (USP 2008) mestre em Comunicaccedilatildeo Midiaacutetica pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESP 2002) Graduado em Desenho Industrial (habilitaccedilatildeo em Programaccedilatildeo Visual 1995) Eacute professor da Universidade de Franca (UNIFRAN) desde 2000 integrando o corpo docente do Curso de Graduaccedilatildeo em Design Graacutefi co desde essa data e o corpo docente do Programa de Mestrado em Linguiacutestica desde setembro de 2011 Atualmente desenvolve e orienta trabalhos nos campos da Linguiacutestica Textual e da Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica em projetos de pesquisa que abarcam a relaccedilatildeo do texto verbal com o texto imageacutetico bem como a retoacuterica da imagem tendo como objetos de estudo histoacuterias em quadrinhos produccedilotildees audiovisuais peccedilas publicitaacuterias etc Eacute vice-liacuteder do grupo PARE - Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica vinculado ao CNPq Integra o Nuacutecleo Docente Estruturante dos cursos de Design da UNIFRANContato ff erreiradguolcombr

Gerardo Ramiacuterez Vidal Doutor em Letras Claacutessicas Pesquisador e Docente em tempo integral no Centro de Estudos Claacutessicos do Instituto de Investigaccedilotildees Filoloacutegicas da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico (UNAM) Atua como fi loacutelogo claacutessico e tradutor de textos gregos Suas linhas de pesquisa abordam a

- 204 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sofiacutestica a retoacuterica e a hermeneacuteutica Dentre suas publicaccedilotildees destacam-se La retoacuterica de Antifonte (2000) La palabra y la fl echa anaacutelisis retoacuterico de textos literarios de la Grecia antigua (2005) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e El arte de la memoria en la Rhetorica christiana de Diego Valadeacutes (2016) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e Paixotildees aristoteacutelicas (2017) Eacute membro do Sistema Nacional de Investigadores SNI (CONACyT) Niacutevel II Contato grvidal18gmailcom

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel Eacute Professor Adjunto A da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar) Atuou de 2010 a 2016 na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) Doutor (2014) e Mestre (2008) em Linguiacutestica Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Possui graduaccedilatildeo (2005) em Licenciatura em Letras - Portuguecircs pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Atua no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (PPGL-UFSCar) Atualmente desempenha a funccedilatildeo de coordenador do Bacharelado em Linguiacutestica Lidera juntamente ao Prof Dr Luiz Andreacute Neves de Brito o grupo de pesquisa Escrita e leitura na contemporaneidade cadastrado no CNPq Tem experiecircncia na aacuterea de Linguiacutestica com ecircnfase em Linguiacutestica Aplicada atuando principalmente nos seguintes temas gecircneros do discurso estilo de escrita teoria bakhtiniana aquisiccedilatildeo da linguagem escrita e escolaContato lucasvcmacielyahoocombr

Maria Flaacutevia Figueiredo Eacute Doutora em Linguiacutestica pela Unesp-Araraquara com estaacutegio poacutes-doutoral em Retoacuterica na PUC-SP Especializaccedilatildeo em Liacutenguas Estrangeiras pela State University of New York (SUNY-Albany) formaccedilatildeo em Psicanaacutelise pela APVP (Associaccedilatildeo Psicanaliacutetica do Vale do Paraiacuteba) e Graduaccedilatildeo em Letras pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

- 205 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica e dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia da Universidade de Franca Eacute liacuteder do grupo PARE (Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica) e membro do grupo ERA (Estudos de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo) ambos certifi cados pelo CNPq Tem experiecircncia nas aacutereas de Linguiacutestica (com ecircnfase em Retoacuterica Linguiacutestica Textual e Fonologia) Liacutengua Portuguesa Liacutengua Inglesa e Metodologia de Pesquisa Realiza pesquisas nos seguintes temas relaccedilotildees entre ethos retoacuterico e gecircnero do discurso Linguiacutestica e Psicanaacutelise gecircneros textuaisdiscursivos e ensino ethos pathos e logos intertextualidade como estrateacutegia persuasiva e questotildees de autoria no texto cientiacutefi co Dentre outras publicaccedilotildees eacute organizadora das obras Retoacuterica e multimodalidade (2018) Paixotildees aristoteacutelicas (2017) e O animal que nos habita a retoacuterica das paixotildees em Relatos Selvagens (2016) Contato mariafl aviafi gueiredoyahoocombr

Moacir Lopes de Camargos Possui graduaccedilatildeo em Letras - PortuguecircsFrancecircs pela Universidade Federal de Uberlacircndia (1995) mestrado em Linguiacutestica Aplicada (Liacutengua estrangeira) pela Universidade Estadual de Campinas (2003) doutorado em Linguiacutestica tambeacutem nesta instituiccedilatildeo (2007) poacutes-doutorado em Humanidades pela Universidade de Coacuterdoba Argentina (2008) poacutes-doutorado em Literatura Francoacutefona pela University of Guelph Canadaacute (2017) Tem experiecircncia docente na aacuterea de Letras francecircs espanhol portuguecircs e literatura em escolas da rede puacuteblica (ensino fundamental e meacutedio) e em cursos de formaccedilatildeo de professores tambeacutem atua no Ensino Superior (na aacuterea de Letras - graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo) Seu trabalho prioriza os seguintes temas interculturalidade e aprendizagem de liacutengua(s) e literatura Contato lopesdecamargosgmailcom

- 206 -

Patriacutecia Brasil Massmann Eacute doutoranda (Bolsa Filantropia Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Bolsa CAPESPROSUPBOLSA) e Mestre em Direito Poliacutetico e Econocircmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Bolsa CAPESPROSUP) Professora do Curso de Direito da UNIMetrocamp - Campinas Advogada Graduada em Direito pela Universidade da Amazocircnia (2003) Graduada em Administraccedilatildeo de Empresas e Comeacutercio Exterior pelo Centro Universitaacuterio do Estado do Paraacute (2002) Membro de diferentes grupos de pesquisa a saber ldquoMulher Sociedade e Direitos Humanosrdquo (UPM) ldquoA Constituiccedilatildeo Recuperadardquo (UPMCECEC) e a equipe do Projeto de Pesquisa ldquoA Constituinte Recuperadardquo (CEDECUPMFAPESP)Contato patriciabrasilmetrocampedubr

Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa (Unesp 2012) com estaacutegio poacutes-doutoral no Departamento de Ciecircncias Cognitivas da Case Western Reserve University ClevelandOH EUA (2018-2019) Mestre em Linguiacutestica (Unifran 2010) Especialista em Design Instrucional (Unifei 2015) e em Liacutengua Inglesa (Unifran 2006) Licenciada em Letras (Unifeg 1997) Eacute professora EBTT do IFSP Satildeo Joatildeo da Boa Vista Atua nas seguintes aacutereas Comunicaccedilatildeo Cientiacutefi ca Linguiacutestica Cognitiva Gramaacutetica Funcional Retoacuterica e Estiliacutestica Tecnologias e Educaccedilatildeo e Avaliaccedilatildeo Eacute organizadora de dois volumes da obra Temas e Rumos nas Pesquisas em Linguiacutestica (Aplicada) Questotildees empiacutericas eacuteticas e praacuteticas (2015 2017) Contato rosanaferraretoifspedubr

- 207 -

- 208 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Page 5: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 8

a construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto NORMAL HUMANIZADO

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim 15

dissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemCamila de Arauacutejo Beraldo Ludovice39

corpo e(m) (dis)curso da re-existecircncia Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann59

coisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie STRANGER THINGS

Fernando Aparecido Ferreira79

la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicaGerardo Ramiacuterez Vidal99

a autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular unicampLucas Vinicio de Carvalho Maciel121

a retoacuterica das paixotildees revisitadaMaria Flaacutevia Figueiredo 141

quando a lingua(gem) me afetaMoacir Lopes de Camargos 159

embodied language and its functionality in meaning constructionRosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Antocircnio Suaacuterez Abreu 175

os autores201

- 8 -

COLECcedilAtildeO MESTRADO EM LINGUIacuteSTICA

- 8 -

APRESENTACcedilAtildeO

Ao contraacuterio da memoacuteria das maacutequinas a memoacuteria coletiva supotildee dois suportes discursivos o objeto e o corpo O objeto cultural como portador de memoacuteria e o corpo como indicador de singularidade porque sem o corpo dos sujeitos que entre-transmitem algo de fundamental se perde a entonaccedilatildeo e com ela o valor O valor enquanto assinatura que atesta minha participaccedilatildeo singular e responsaacutevel no ser da cultura

Mariacutelia Amorim

A Coleccedilatildeo Mestrado em Linguiacutestica do programa de Mestrado em Linguiacutestica da Universidade de Franca (UNIFRAN) chega ao seu volume de nuacutemero 13 com o tiacutetulo O Texto corpo voz e linguagem Esta coleccedilatildeo foi organizada por trecircs professoras da aacuterea de estudos do texto e estaacute composta por nove capiacutetulos escritos por vaacuterios pesquisadores de diferentes universidades do Brasil e outros paiacuteses

Esta publicaccedilatildeo faz parte dos estudos desenvolvidos tambeacutem na linha de pesquisa ldquoProcessos e praacuteticas textuais caracterizaccedilotildees e abordagens teoacutericasrdquo do Mestrado em Linguiacutestica da UNIFRAN E tem como objetivo difundir as refl exotildees acadecircmicas que tratam dentro da temaacutetica proposta de abordagens teoacutericas e objetos diversos

Nos capiacutetulos deste livro o leitor encontraraacute discussotildees acerca das questotildees sobre corpo voz e linguagem manifestados das mais diversas formas e em variados gecircneros discursivos e tambeacutem analisados sob diferentes perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas

O primeiro capiacutetulo ldquoA construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto normal humanizadordquo escrito por Aline Maria Paciacutefi co Manfrim discute um tema bastante contemporacircneo e pouquiacutessimo debatido o parto normal humanizado Para tratar da temaacutetica a autora analisa cinco textos verbo-visuais postados no perfi l do Instagram de uma doula (mulher geralmente enfermeira que durante e apoacutes o parto fornece suporte emocional e fiacutesico a parturientes) e demonstra de que maneira os discursos aiacute veiculados se contrapotildeem com o modelo obsteacutetrico hegemocircnico no Brasil paiacutes que ocupa a posiccedilatildeo de segundo no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea Na esteira dos estudos bakhtinianos ao longo da anaacutelise a pesquisadora toma cada um dos enunciados presentes nos posts como um acontecimento enunciativo concreto uacutenico e irrepetiacutevel A relevacircncia do capiacutetulo repousa no fato de que a autora traz agrave baila um discurso que vai de encontro com aquele recorrente no paiacutes qual seja o que busca naturalizar a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo em detrimento do parto natural ou normal

Em ldquoDissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemrdquo a professora doutora Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice propotildee discutir a dissertaccedilatildeo como um gecircnero discursivo singular e por isso as vozes que o constituem e o estilo desse gecircnero tambeacutem merecem ser objeto de anaacutelise A partir de uma minuciosa revisatildeo bibliograacutefi ca dos estudos bakhtinianos que tratam desses conceitos e de refl exotildees realizadas pelos estudiosos de Bakhtin a professora mostra uma anaacutelise de uma dissertaccedilatildeo levando em conta os diaacutelogos realizados pela autora da dissertaccedilatildeo quando seleciona e mobiliza os enunciados para a materializaccedilatildeo de seu projeto de dizer Essa anaacutelise permitiu mostrar que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e concretiza a relaccedilatildeo entre o sujeito pesquisador e a liacutengua Os excertos analisados evidenciaram assim um posicionamento individual social e de mundo na

- 9 -

argumentaccedilatildeo produzida na dissertaccedilatildeo comprovado pelas marcas de expressatildeo deixadas na escrita

Deacutebora Massmann e Patriacutecia Brasil Massmann escreveram o capiacutetulo ldquoCorpo e(m) (dis)curso da re-existecircnciardquo As autoras tomam o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que o corpo eacute considerado como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Nessa perspectiva as autoras afi rmam que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Para ilustrar o processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia as autoras analisaram um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora As autoras analisaram o trecho sobre a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz e refl etiram sobre essa questatildeo como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tecircm de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio

No capiacutetulo ldquoCoisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie Stranger Th ingsrdquo o professor doutor Fernando Aparecido Ferreira faz uma anaacutelise minuciosa da intertextualidade que constitui a seacuterie Stranger

- 10 -

Th ings Para ele este recurso de linguagem estudado pela Linguiacutestica Textual eacute decisivo para a grande adesatildeo de puacuteblico ao enredo e aos recursos multimodais da narrativa porque funciona retoricamente como uma fi gura de comunhatildeo garantindo assim o sucesso na argumentaccedilatildeo construiacuteda pela seacuterie A partir da construccedilatildeo de uma identidade baseada na intertextualidade temaacutetica estiliacutestica por meio de recursos sonoros e audiovisuais das produccedilotildees dos anos 80 e da intertextualidade impliacutecita Stranger Th ings conclui o autor possibilita despertar no puacuteblico uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu garantindo assim aproximaccedilatildeo e familiaridade a cada sequecircncia narrativa da seacuterie

Gerardo Ramiacuterez Vidal da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico trouxe uma brilhante contribuiccedilatildeo para o livro por meio do capiacutetulo ldquoLa hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicardquo Com o conhecimento e a erudiccedilatildeo de um fi loacutelogo claacutessico o autor apresenta um percurso histoacuterico desde a Greacutecia antiga ateacute os dias atuais sobre a arte da expressatildeo oral ou hypokritikē (arte geral da pronuacutencia) Nos estudos linguiacutesticos da atualidade esse campo de estudo abarca o que conhecemos como prosoacutedia ou seja o conjunto de fenocircmenos focircnicos que se localiza aleacutem ou acima (hierarquicamente) da representaccedilatildeo segmental linear dos fonemas Para apresentar um levantamento diacrocircnico do uso do termo o pesquisador divide seu capiacutetulo em trecircs partes a primeira discorre sobre a palavra hypoacutekrisis e sua utilizaccedilatildeo em fontes antigas a segunda discute as imprecisotildees do termo e a terceira evidencia o caraacuteter transversal desse campo de estudo Ao longo do texto Ramiacuterez Vidal esclarece entatildeo a relevacircncia da expressatildeo oral (ou prosoacutedia) dentro dos estudos retoacutericos e por meio de uma ampla revisatildeo da literatura demonstra que esse campo de estudos foi primeiramente considerado como parte da retoacuterica por Aristoacuteteles tendo recebido atenccedilatildeo de autores gregos e posteriormente de latinos como Teofrasto Hermaacutegoras de Temnos Filodemo Casio

- 11 -

Longino e em especial Quintiliano que dedica a esse assunto um amplo capiacutetulo Depois de discorrer sobre as imprecisotildees do termo hypoacutekrisis e sobre o caraacuteter transversal que assumiu ao longo dos tempos ao fi nal do capiacutetulo o autor enfatiza que dada a relevacircncia do tema e a sua ampla aplicaccedilatildeo nos estudos retoacutericos eacute necessaacuterio que nos aprofundemos nos elementos prosoacutedicos sobretudo no que se refere a seu ensino e aplicaccedilatildeo praacutetica o que ressalta o pesquisador tem sido feito atualmente no Brasil pela pesquisadora Maria Flaacutevia Figueiredo docente do programa de poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica da Universidade de Franca

O capiacutetulo intitulado ldquoA autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular UNICAMPrdquo foi escrito pelo professor doutor Lucas Vinicio de Carvalho Maciel e trata sobre a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo sob a perspectiva do Ciacuterculo de Bakhtin A relevacircncia da autoconsciecircncia foi explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreendeu um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise o escopo do capiacutetulo aborda textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo Por essa incursatildeo o capiacutetulo evidenciou que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

- 12 -

A professora doutora Maria Flaacutevia Figueiredo escreveu o capiacutetulo ldquoA retoacuterica das paixotildees revisitadardquo com o propoacutesito de refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para tanto revisitou um dos mais relevantes legados de Aristoacuteteles a retoacuterica das paixotildees Segundo a autora refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para fi ns distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber Para alcanccedilar seus objetivos a pesquisadora perscrutou a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade para compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

No capiacutetulo ldquoQuando a lingua(gem) me afetardquo o professor doutor Moacir Lopes de Camargos elabora uma refl exatildeo sobre si a partir das accedilotildeesrespostas que os outros produziram sobre ele em alguns momentos de sua vida Ele aponta que elas contribuiacuteram para a sua formaccedilatildeo como sujeito social e fi caram marcadas no seu corpo e na sua memoacuteria pelo fato de serem accedilotildees violentas porque negaram a diferenccedila e tinham como objetivo forccedilar uma identidade que natildeo pertencia a ele Ao mesmo tempo em que a linguagem se tornou denuacutencia e sofrimento no capiacutetulo ela tambeacutem funcionou como caminho para elaboraccedilatildeo de uma retrospectiva de 50 anos da Histoacuteria de Brasil e de sua proacutepria histoacuteria em que social e individual se juntam para permitir com leveza e com o recurso esteacutetico das letras de muacutesica uma nova possibilidade de ldquocaminharrdquo sendo professor educador e formador de opiniatildeo em uma universidade

Os professores doutores Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues e Antocircnio Suaacuterez Abreu escreveram o capiacutetulo ldquoEmbodied language and its functionality in meaning constructionrdquo e partiram de questionamentos tais como Qual eacute o papel do corpo humano na cogniccedilatildeo e por que o usamos para entender as coisas do mundo Espaccedilos mentais satildeo estados fiacutesicos Se noacutes humanos tiveacutessemos um corpo diferente teriacuteamos uma cogniccedilatildeo diferente Das teorias fundadoras da metaacutefora conceptual (LAKOFF JOHNSON 1980) e dos esquemas imageacuteticos (LAKOFF 1987) a operaccedilotildees mentais mais modernas como o blending ou integraccedilatildeo conceitual (FAUCONNIER TURNER 2002) um novo ponto de vista sobre a linguagem humana emergiu da noccedilatildeo de cogniccedilatildeo corporifi cada Neste capiacutetulo foram discutidas essas questotildees e apresentados esses constructos da Linguiacutestica Cognitiva para lanccedilar luz sobre aspectos que viabilizam os blendings como as aff ordances (GIBSON 1979) a partir dos quais se pode notar a criatividade humana acontecendo na comunicaccedilatildeo Ao comparar usos em diferentes liacutenguas verifi caram a manifestaccedilatildeo da cogniccedilatildeo corporifi cada na construccedilatildeo de (novos) signifi cados Ao mostrarem exemplos de usos em expressotildees do Portuguecircs e do Inglecircs fi ca evidente que projetaram percepccedilatildeo cultura e histoacuteria para a realidade o que eacute plausiacutevel porque o nosso corpo funciona como uma caixa de ferramentas onde o ceacuterebro estaacute para nos fazer funcionar Assim o corpo eacute usado como gatilho para construir signifi cado

Com esta apresentaccedilatildeo e breve resumo dos capiacutetulos esperamos incitar a acircnsia pela leitura e por novas pesquisas Desejamos a descoberta de formas ineacuteditas de ver entender e expressar o corpo a voz e a linguagem

Camila de Arauacutejo Beraldo LudoviceAline Maria Paciacutefi co Manfrim

Maria Flaacutevia Figueiredo

- 15 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim

INTRODUCcedilAtildeO

Na posiccedilatildeo de segundo paiacutes no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea (ONUBR 2017) em um contexto em que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede recomenda que se realize esse tipo de praacutetica somente em situaccedilotildees necessaacuterias devido aos riscos maiores de complicaccedilotildees se for comparada com o parto natural ou normal no Brasil circula um discurso em que se naturaliza a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo

Dentre as razotildees para a hegemonia da cesaacuterea estaacute a forma como o parto eacute compreendido e reforccedilado pelo discurso meacutedico Palharini (2017) destaca que existe no Brasil uma perspectiva patoloacutegica da gravidez e do parto e uma supervalorizaccedilatildeo das tecnologias desenvolvidas na aacuterea meacutedica que contribuem para a compreensatildeo dessas duas situaccedilotildees como momentos em que as vidas das matildees e dos bebecircs se colocam em situaccedilatildeo de risco e por isso devem ser salvas

Diante desse modelo obsteacutetrico hegemocircnico a autora aponta que

Os movimentos sociais por mudanccedila na assistecircncia ao parto e nascimento esbarrariam nesta primeira questatildeo a difi culdade de diaacutelogo com a classe

A CONSTRUCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DO CORPO DA VOZ E DA LINGUAGEM EM ENUNCIADOS VERBO-VISUAIS

SOBRE O PARTO NORMAL HUMANIZADO

- 16 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

meacutedica tradicional devido agrave grande resistecircncia por mudanccedilas Para o discurso hegemocircnico a autoridade meacutedica eacute invisiacutevel e portanto natildeo haacute o que ser questionado Os argumentos envoltos por uma retoacuterica de cientifi cidade justifi cados pelo seu fi m natildeo signifi cam autoridade mas sim verdade Isso faz com que nem se discutam os procedimentos teacutecnicos e as praacuteticas que satildeo colocadas em xeque Todo discurso contraacuterio questionador e militante eacute desqualifi cado (PALHARINI 2017 p 30)

Essa desqualifi caccedilatildeo ocorre inclusive na falta de espaccedilo discursivo e fiacutesico para a discussatildeo a respeito do tema nas instituiccedilotildees de sauacutede de modo que a violecircncia obsteacutetrica por consequecircncia quase natildeo ganha forccedila para ser evidenciada

Esse discurso hegemocircnico poreacutem natildeo impede que os profi ssionais engajados na defesa dos partos normal (parto vaginal) e natural (normal mas sem nenhuma intervenccedilatildeo meacutedica como anestesia eou outras substacircncias que aceleram o parto como a ocitocina artifi cial) atuem defendam e divulguem informaccedilotildees para que as gestantes ao menos tomem conhecimento de outras possibilidades de se entender a gravidez e o parto desvinculados do campo semacircntico da patologia e serem associados a situaccedilotildees naturais e humanas que as mulheres vivenciam Nesse caso portanto tudo o que pode ser vinculado ao parto ndash entrar em trabalho de parto sentir as dores as contraccedilotildees o rompimento da bolsa e as teacutecnicas para passar por este momento de forma segura consciente e humanizada ndash tambeacutem eacute visto como natural

Para Diniz (2005 p 629)

As propostas de humanizaccedilatildeo do parto no SUS como no setor privado tecircm o meacuterito de criar novas possibilidades de imaginaccedilatildeo e de exerciacutecio de direitos de viver a maternidade a sexualidade a

- 17 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

paternidade a vida corporal Enfi m de reinvenccedilatildeo do parto como experiecircncia humana onde antes soacute havia a escolha precaacuteria entre a cesaacuterea como parto ideal e a vitimizaccedilatildeo do parto violento

No contexto da humanizaccedilatildeo do parto o papel da doula torna-se importante Atualmente entende-se por doulas ldquomulheres que datildeo suporte fiacutesico e emocional a outras mulheres antes durante e apoacutes o partordquo (DUARTE 2018 sp) Sendo assim tais mulheres satildeo contratadas e atuam no acompanhamento de gestantes que possuem grande interesse em parir de forma normal eou natural Por essa razatildeo as doulas assumiram um forte papel de militacircncia em defesa desse tipo de parto nos espaccedilos em que podem defender essa praacutetica

Na visatildeo apresentada por Barbosa et al (2018 p 427)

Um importante movimento da doula parece ser a sororidade com a gestante pois satildeo mulheres que usam suas experiecircncias de parto positivas ou negativas aliando o conhecimento e a sensibilidade em prol de um parto respeitoso Estatildeo centradas no bem-estar da mulher e em seu empoderamento durante o trabalho de parto e natildeo na realizaccedilatildeo de teacutecnicas e procedimentos focados somente no nascimento de um concepto saudaacutevel

Apesar dessa caracteriacutestica da sororidade atribuiacuteda agraves doulas a maioria das gestantes natildeo sabem da existecircncia dessa profi ssional e cabe agraves proacuteprias doulas divulgar seu trabalho mesmo diante do discurso obsteacutetrico hegemocircnico que minimiza as vantagens do parto normalnatural

Um espaccedilo de divulgaccedilatildeo muito utilizado pelas doulas satildeo as redes sociais Confi gurando-se como um meio de divulgaccedilatildeo e militacircncia por esse tipo de parto Facebook e Instagram acabam se

- 18 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

tornando um territoacuterio possiacutevel de discussatildeo contato e formaccedilatildeo de opiniatildeo sobre o trabalho realizado pela doula

A vantagem dessas redes eacute o faacutecil acesso agraves pessoas e aos discursos uma vez que as postagens multimodais possuem forte apelaccedilatildeo e podem ser grandes instrumentos de convencimento No Instagram por exemplo a comunicaccedilatildeo entre perfi s e seguidores eacute permeada fortemente por enunciados verbo-visuais

Este capiacutetulo delimitou como escopo de anaacutelise um perfi l do Instagram que pertence a uma doula e eacute intitulado celesteparteira Nesse perfi l haacute muitas formas de tratamento do parto normalnatural e diante delas os enunciados verbo-visuais se mostraram pertinentes pelo fato de no embate pela defesa de uma compreensatildeo do parto como algo natural agrave gestante produzir argumentos que concretizam o distanciamento do discurso da patologizaccedilatildeo da gravidez e do parto

Esse distanciamento discursivo faz associaccedilotildees semacircnticas que cotejam temas como a ancestralidade a simbologia da circularidade a potecircncia do corpo feminino a singularidade de cada gestante e a necessidade de formaccedilatildeo de uma rede de apoio para a viabilizaccedilatildeo do nascimento social do bebecirc e da proacutepria possibilidade de materializaccedilatildeo de um parto mais humanizado

O ENUNCIADO VERBO-VISUAL

Eacute possiacutevel pensar em texto na concepccedilatildeo bakhtiniana poreacutem temos que nos deslocar do viacutenculo direto que normalmente se faz com os estudos da Linguiacutestica Textual Esta disciplina possui um histoacuterico independente dos estudos bakhtinianos de modo que na fase chamada de virada sociocognitivo-interacionista (KOCH 2015) incorpora em suas teorias a importacircncia da interaccedilatildeo verbal concordando que quando produzimos textos elaboramos na realidade engajamentos em contextos sociais conforme os

- 19 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

papeis sociais que podem ser assumidos na produccedilatildeo enunciativa

Da mesma forma os estudos bakhtinianos possuem um caminho de refl exatildeo independente da Linguiacutestica Textual Inseridos em uma trajetoacuteria de investigaccedilatildeo sobre a linguagem considerando a forte relaccedilatildeo entre eacutetica e esteacutetica que se interliga por meio dos traccedilos culturais e o embate das relaccedilotildees hieraacuterquicas entre os interlocutores esses estudos natildeo priorizam somente o conteuacutedo interno de um texto porque nessa perspectiva esse conteuacutedo interno nada mais eacute do que o resultado de um trabalho muito mais visceral com a linguagem que envolve assumir-se como locutor elaborar e executar um projeto de dizer que estaacute inteiramente endereccedilado ao outro desde a escolha do gecircnero ateacute o tom expressivo que eacute confi gurado e tambeacutem compreender que o que estaacute sendo produzido tem uma funccedilatildeo social e por isso motivo para existir de forma concreta

Devido a isso em um dos primeiros livros publicados pelo Ciacuterculo Marxismo e fi losofi a da linguagem com autoria atribuiacuteda a Voloshinov as primeiras orientaccedilotildees para uma anaacutelise mais ampla da linguagem caracterizadas como meacutetodo socioloacutegico ateacute entatildeo (o qual depois vai ser compreendido e nomeado no Brasil de estudos dialoacutegicos) satildeo

1) Natildeo se pode isolar a ideologia da realidade material do signo (ao inseri-la na ldquoconsciecircnciardquo ou em outros campos instaacuteveis e imprecisos)

2) Natildeo se pode isolar o signo das formas concretas da comunicaccedilatildeo social (pois o signo eacute uma parte da comunicaccedilatildeo social organizada e natildeo existe como tal fora dela pois se tornaria um simples objeto fiacutesico)

3) Natildeo se pode isolar a comunicaccedilatildeo e suas formas da base material (VOLOSHINOV [1929] 2017 p 110)

- 20 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Posteriormente com o desenvolvimento dos estudos dos gecircneros do discurso pelo Ciacuterculo a noccedilatildeo de enunciado se mostrou muito mais potente como unidade concreta da comunicaccedilatildeo pelo fato de considerar quando trata das particularidades do enunciado (BAKHTIN 2003a) as relaccedilotildees dialoacutegicas existentes na interaccedilatildeo verbal que envolvem o acabamento provisoacuterio do enunciado uma vez que ele tem como delimitaccedilatildeo a possibilidade de resposta do outro o endereccedilamento a algueacutem jaacute que ele eacute uma resposta concreta a um sujeito concreto (e natildeo necessariamente real) e por fi m o tom expressivo o qual estaacute ligado agraves outras particularidades e a disputa pelos sentidos no processo comunicativos sendo a palavra (enunciado) considerada a arena de luta (BAKHTIN [1929] 2017) Essas trecircs caracteriacutesticas mostram o quanto o enunciado estaacute atrelado ao acontecimento enunciativo daiacute tambeacutem vem a relevacircncia de chamaacute-lo de concreto uacutenico e irrepetiacutevel

Nessa perspectiva a noccedilatildeo de texto considerada neste capiacutetulo se aproximaria muito mais da noccedilatildeo de enunciado tal como defende o Ciacuterculo de Bakhtin o que permite considerar que um enunciado seja um fi lme um tweet uma palestra uma propaganda uma imagem o corpo ou forma como uma cidade eacute estruturada por exemplo

No caso dos textos (com a noccedilatildeo explicitada acima) verbo-visuais Grillo (2012) discute a possibilidade de anaacutelise por meio dos estudos bakhtinianos pelo fato de esses estudos natildeo terem se restringido a enunciados verbais e pelo fato de terem ampliado as refl exotildees sobre a interaccedilatildeo humana e a produccedilatildeo de linguagem a diversos campos da cultura Essa pesquisadora aponta que a noccedilatildeo de tema e de gecircneros do discurso satildeo indiacutecios concretos da possibilidade de se compreender os textos verbo-visuais agrave luz dessa linha de anaacutelise porque elas propotildeem um deslocamento para aleacutem dos limites do conteuacutedo em si

- 21 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao tema

[hellip] a teoria bakhtiniana natildeo rejeita a possibilidade e a pertinecircncia da anaacutelise estrutural das unidades constituintes mas funda sua abordagem no estudo das propriedades globais dos enunciados concretos incorporando interpretaccedilotildees decorrentes dos discursos ndash esferas ndash e das associaccedilotildees culturais ndash elementos imprescindiacuteveis na teoria bakhtiniana A teoria bakhtiniana calca sua proposta no princiacutepio gestaltista de que o todo do enunciado natildeo pode ser determinado exclusivamente a partir de seus constituintes (GRILLO 2012 p 242)

A noccedilatildeo de tema amplia a compreensatildeo de enunciado para aleacutem de seus constituintes porque trata do novo propiciado pelo acontecimento da interaccedilatildeo (VOLOSHINOV [1929] 2017) Orienta as anaacutelises para o encontro entre sujeito e seu outro e acaba se tornando tambeacutem a porta de entrada para a relaccedilatildeo entre liacutengua e vida diferente da signifi caccedilatildeo que abarca a parte reiteraacutevel da liacutengua No caso dos textos verbo-visuais pode-se considerar a produccedilatildeo do novo no cotejamento entre verbal e natildeo verbal proporcionado pelo autor e no acontecimento da interaccedilatildeo entre interlocutor e enunciado

Em relaccedilatildeo ao gecircnero

A partir da distinccedilatildeo entre forma arquitetocircnica e forma composicional ou entre projeto de discurso do falante e construccedilatildeo composicional do gecircnero entendemos que a dimensatildeo verbo-visual dos enunciados de divulgaccedilatildeo cientiacutefi ca eacute por um lado um momento da organizaccedilatildeo do material verbo-visual na construccedilatildeo composicional e por outro a materializaccedilatildeo do projeto discursivo do autor [hellip] A teoria do Ciacuterculo ao abordar enunciados concretos inclui a autoria como seu objeto de estudo Os

- 22 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enunciados e seus gecircneros satildeo a concretizaccedilatildeo do projeto discursivo de seus autores Embora constituam um todo para o leitor cada um desses dois planos de expressatildeo pode ser elaborado por instacircncias autorais distintas (GRILLO 2012 p 244-245)

Nesse trecho a autora destaca que a noccedilatildeo de gecircneros do discurso proposta pelo Ciacuterculo permite considerar o trabalho que o sujeitoautor realiza quando trabalha a linguagem em suas diversas manifestaccedilotildees por meio de diaacutelogos com a estrutura composicional e com a singularidade que se concretiza quando organiza sua resposta ao outro dentro das possibilidades que tem e que cria Nesse sentido tambeacutem se pode associar aqui o conceito de estilo tanto o estilo do gecircnero quanto o estilo de autor

Neste capiacutetulo por meio da discussatildeo sobre o trabalho realizado com textos verbo-visuais (tambeacutem considerados como enunciados) que tratam da gravidez e do parto em uma paacutegina de uma doula que incentiva o parto normal e humanizado na rede Instagram seratildeo apresentadas refl exotildees sobre a) o projeto de dizer proposto com a publicaccedilatildeo das imagens selecionadas considerando a questatildeo da construccedilatildeo temaacutetica nesses enunciados e b) a noccedilatildeo de corpo como lugar social para a construccedilatildeo do direito ao parto humanizado em espaccedilos ofi ciais

A LINGUAGEM VERBO-VISUAL COMO ESPACcedilO DE EMBATE PELO DIREITO AO PARTO NORMAL HUMA-NIZADO

A palavra eacute ato eacutetico accedilatildeo sobre o mundo e o outro Faz-nos contrair uma responsabilidade concreta e ontoloacutegica ao mesmo tempo para com o mundo e com o outro e eacute nossa maneira de ser e existir neste mundo e na transcendecircncia

Bubnova Baronas e Tonelli

- 23 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As refl exotildees de Bubnova Baronas e Tonelli (2011 p 3) destacam a importacircncia de considerar as vozes do processo dialoacutegico como ldquoposiccedilotildees eacutetico-ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozesrdquo

Nesse cenaacuterio dialoacutegico e singular ao mesmo tempo esses autores vatildeo aprofundar a refl exatildeo do direcionamento dos enunciados aos outros mostrando que na teoria translinguiacutestica proposta por Bakhtin e o Ciacuterculo a concepccedilatildeo de mundo adotada considera o sentido material e o moral de modo que o espaccedilo eacute o lugar em que o outro sempre estaacute e por isso no processo interativo tem que entrar no espaccedilo seja pelo gesto tarefa ou expressatildeo

Esse exerciacutecio de ldquoentrar no espaccedilo que jaacute existe um outrordquo faz com que o eu assuma responsabilidades de modo que precisa entrar em um processo de construir sua presenccedila e cooperaccedilatildeo com o outro

Ainda para esses autores essa relaccedilatildeo interlocutiva e dialoacutegica torna o ato de enunciar um encontro com o outro evidenciando assim o caraacuteter de acontecimento do ser chamado de acontecimento entre noacutes A construccedilatildeo de sentidos tem seu caraacuteter de accedilatildeo

Eacute desse lugar de produccedilatildeo dinacircmica de sentidos que os autores chamam a atenccedilatildeo para a produccedilatildeo dinacircmica de enunciados e assim essa complexidade de articulaccedilatildeo entre liacutengua (que estaacute em tudo) e vida torna-se muito mais importante para os estudos bakhtinianos do que a distinccedilatildeo entre oralidade e escrita informalidade ou formalidade nos processos comunicativos

Os autores tambeacutem destacam que o fi loacutesofo russo da linguagem Mikhail Bakhtin apesar de natildeo ter se ocupado do folclore e da tradiccedilatildeo oral mas da literatura escrita canocircnica utiliza amplamente o vocabulaacuterio relacionado ao oral agrave voz agrave audiccedilatildeo agrave escuta ao tom agrave tonalidade agrave entonaccedilatildeo ao acento etc

- 24 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Diferentemente de outros teoacutericos Bakhtin natildeo trata a oralidade como um domiacutenio agrave parte da escrita e natildeo faz uma draacutestica divisatildeo entre a cultura oral e a cultura escrita como dois acircmbitos contrastantes Ao contraacuterio o mundo pensado por ele tanto o da voz quanto o da letra aparece unifi cado pela produccedilatildeo dinacircmica dos sentidos gerados e transmitidos pelas vozes personalizadas que representam posiccedilotildees eacuteticas e ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e um intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozes (BUBNOVA BARONAS TONELLI 2011 p 2)

Sendo assim discutem ser o essencial dos estudos bakhtinianos tratar da produccedilatildeo de linguagem integrada em todos os tipos de atos revelando uma compreensatildeo do verbal como um discurso oral traduzido em letras sendo portanto uma ldquovoz escritardquo

O discurso frente a tais refl exotildees pode ser compreendido como uma forma de autoexpressatildeo do ser humano que envolve vocalizaccedilatildeo gestos expressotildees pausas ausecircncias respostas taacutecitas e sentidos mudos

Essas consideraccedilotildees a respeito das relaccedilotildees dialoacutegicas e da concepccedilatildeo de discurso na perspectiva bakhtiniana podem auxiliar na forma de interpretaccedilatildeo de enunciados verbo-visuais como uma voz multimodal que traz uma articulaccedilatildeo de posicionamentos por meio da qual a busca por entrar no espaccedilo que jaacute eacute territoacuterio do outro torna-se um confl ito necessaacuterio para garantir o lugar do eu

Desse modo a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de uma voz que defenda o parto normal humanizado em um paiacutes em que existe um dos maiores iacutendices de cesaacutereas do mundo (ldquoEnquanto a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) estabelece em ateacute 15 a proporccedilatildeo recomendada de partos por cesariana no Brasil esse percentual eacute de 57rdquo ONUBR 2017 sp) signifi ca entrar em um embate com o jaacute institucionalizado daiacute a necessidade de se buscar estrateacutegias e frestas para dar concretude a essa possibilidade de embate por meio de escolhas que possibilitem trazer o novo

- 25 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(construccedilatildeo temaacutetica) e os gecircneros que ofereceratildeo suporte agrave consolidaccedilatildeo do espaccedilo de resistecircncia

SOBRE O CORPUS DE ANAacuteLISE

As imagens selecionadas para anaacutelise foram postadas por uma doula em seu perfi l do Instagram o qual tem por objetivo divulgar o trabalho realizado por ela de doulagem e defender o parto normal humanizado Ela eacute enfermeira e aleacutem da atividade de doulagem oferece cursos para a formaccedilatildeo de futuras doulas

Em seu perfi l essa doula tambeacutem busca esclarecer as informaccedilotildees sobre o parto normal humanizado e desmitifi car preacute-conceitos e inverdades a respeito desse tipo de parto Defende a importacircncia da cesaacuterea quando ela salva vidas mas tenta mostrar que o corpo da mulher tem condiccedilotildees de parir um fi lho sem a cirurgia quando a mulher estaacute bem informada e decide por essa opccedilatildeo

Esse posicionamento se explicita no perfi l por meio das fotos dos partos dos quais participa fotos dos cursos que ministra divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees teacutecnicas e teoacutericas postagem de depoimentos que reforccedilam a realizaccedilatildeo profi ssional dela exposiccedilatildeo de depoimentos de matildees e outras doulas em formaccedilatildeo e por fi m postagem de enunciados verbo-visuais que tratam da gravidez e do parto visando atingir tambeacutem pessoas que natildeo estejam diretamente ligadas a ela mas que buscam esclarecimento Satildeo estes uacuteltimos enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise deste capiacutetulo

Cinco deles seratildeo discutidos aqui Todos eles ressaltam a necessidade de integraccedilatildeo entre matildee bebecirc sociedade e entorno Apresentam tambeacutem fi guras circulares referentes ao ciclo do gerar nascer e habitar o planeta e instruem para a importacircncia de a matildee estar conectada com a questatildeo da integraccedilatildeo para assim haver a possibilidade de materializaccedilatildeo do parto normal de forma integrada com a naturezauniverso

- 26 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em termos simboacutelicos o ciacuterculo representa ldquoausecircncia de distinccedilatildeo ou divisatildeo [hellip] o movimento circular eacute perfeito imutaacutevel sem comeccedilo nem fi m e nem variaccedilotildees o que o habilita a simbolizar o tempordquo (CHEVALIER GHEERBRANT 1988 p 250) Jung (1964) mostra que o ciacuterculo eacute o siacutembolo da psiquegrave Para esse autor em diversas culturas e suas respectivas crenccedilas os elementos circulares representam a indissociabilidade entre a alma e o divino

Essa ideia de continuidade associada agrave gravidez e ao parto no corpus de anaacutelise deste capiacutetulo reforccedila a ideia do parto normal como um ritual de pertenccedila e conexatildeo com o todo A mulher que vai parir o bebecirc nessa concepccedilatildeo e aproximaccedilatildeo de ideias natildeo eacute dissociada de sua histoacuteria da ancestralidade e se conecta tambeacutem ao porvir por meio do bebecirc que nasce

Nos enunciados analisados constroacutei-se um espaccedilo discursivo propiacutecio para a concretizaccedilatildeo da gestaccedilatildeo via parto normal Com isso materializam-se lugares de empoderamento e embate que abrem as possibilidades para as matildees saberem seus direitos terem acesso a informaccedilotildees e se sentirem fi rmes para vivenciar esse tipo de parto caso seja esaa a opccedilatildeo

Essas consideraccedilotildees iniciais sobre o corpus jaacute evidenciam que a linguagem verbo-visual contribui para a constituiccedilatildeo de um espaccedilo de militacircncia pelo direito ao parto normal humanizado e traz a voz natildeo da ldquoescritardquo ofi cial e institucionalizada para construir seus argumentos mas a da ancestralidade da praacutetica de partos anteriores aos registros e dados estatiacutesticos considerados pela cultura da cesaacuterea como uma forma mais segura de parto existente no Brasil

A incorporaccedilatildeo simboacutelica e material das tecnologias na situaccedilatildeo da cesariana atualiza as possibilidades corporais e sociais inclusive driblando imperativos da natureza a cesaacuterea marcada transforma profundamente a experiecircncia do parto retirando

- 27 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

da cena elementos como coacutelicas contraccedilotildees rompimento de bolsa espasmos gritos e o tempo de espera com suas expectativas incertezas e ansiedades A teacutecnica ciruacutergica e seus usos reapresentam o parto agraves mulheres (NAKANO BONAN TEIXEIRA 2015 sem paacutegina)

Frente agraves mudanccedilas acarretadas pela cesaacuterea marcada a cada postagem a doula se coloca em embate com essa realidade abrindo espaccedilos de disputa pelos sentidos atribuiacutedos ao parto Nesse espaccedilo discursivo regado de exemplos de espaccedilos fiacutesicos (maternidade SUS plano de sauacutede parto em casa parto na aacutegua etc) revela-se a imagem do corpo de mulher graacutevida e a aprendizagem de lidar com esse corpo por meio de uma voz (o discurso de defesa do parto normal a vocalizaccedilatildeo na accedilatildeo de parir o acolhimento da doula) que constitui a materialidade do verbal natildeo verbal e do proacuteprio bebecirc que nasce biologicamente e socialmente voz esta integralmente conectada com o universo que a cerca

PROJETOS DE DIZERES E O CORPO INTEGRACcedilAtildeO DA GRAVIDEZ AO PARTO

A seguir seratildeo apresentadas algumas refl exotildees sobre cada um dos cinco enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise Em termos metodoloacutegicos seguindo o que os estudos bakhtinianos entendem ser tarefa das pesquisas em ciecircncias humanas os enunciados satildeo interpretados considerando o acontecimento de interaccedilatildeo entre o pesquisador e o dado de pesquisa com o intuito principal de construir uma compreensatildeo (BAKHTIN 2003b)

A partir disso o resultado da compreensatildeo se aproxima de uma verdade que o Circulo chama de Pravda isto eacute aquilo que se atinge no evento singular uma vez que eacute ela que consegue abarcar o ato eacutetico (BAJTIacuteN 1997) sem pretensatildeo de se chegar a uma verdade generalizante e universal (Istna)

- 28 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Bakhtin (2003b p 400) aponta que ldquotoda interpretaccedilatildeo eacute um correlacionamento de dado texto com outros textosrdquo Entatildeo o pesquisador ao planejar realizar e divulgar seu trabalho tambeacutem passa por um processo interpretativo da realidade sobre a qual se debruccedila Nesse mesmo capiacutetulo aponta as etapas do movimento dialoacutegico da interpretaccedilatildeo que satildeo a) o ponto de partida isto eacute um corpus um enunciado b) o movimento retrospectivo ou seja a realizaccedilatildeo do diaacutelogo com o passado e c) o movimento prospectivo que diz respeito agraves respostas produzidas a partir de um projeto de dizer iniciando assim um futuro contexto As anaacutelises realizadas neste capiacutetulo buscaram seguir esse movimento interpretativo

O Enunciado 1 jaacute trata de valorizar a possibilidade real e da preparaccedilatildeo bioloacutegica do corpo da mulher para parir em contraponto com a aceitaccedilatildeo de imediato de uma cesaacuterea desnecessaacuteria

Enunciado 1 10 afi rmaccedilotildees para o momento do parto

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 29 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O design arredondado tanto da imagem (a elipse rosa os coraccedilotildees a barriga o rosto da mulher o posicionamento de conexatildeo entre os braccedilos e entre as pernas) quanto dos ciacuterculos brancos que abrangem cada uma das dez afi rmaccedilotildees remetem agrave conexatildeo entre corpo voz e linguagem no que se refere agrave ligaccedilatildeo entre corpo bioloacutegico aquele que apresenta condiccedilotildees para a efetivaccedilatildeo de um parto normal e a consciecircncia (mente) em termos de preparaccedilatildeo emocional para tal ato

Por meio da linguagem as vozes mobilizadas (no caso as dez afi rmaccedilotildees) e o comentaacuterio realizado pela enfermeira (reforccedilando a positividade entre pensamento afi rmaccedilotildees e parto) possibilitam a concretizaccedilatildeo e a preparaccedilatildeo para esse tipo de parto

Nesse caso o tom apreciativo centralizado no ldquoeurdquo ldquobebecircrdquo e ldquovidardquo eacute de empoderamento da accedilatildeo de parir como se a repeticcedilatildeo dessas palavras materializasse a forccedila e o encorajamento necessaacuterios para assumir essa opccedilatildeo de parto

Sob a responsabilidade do ldquoeurdquo (matildee) estatildeo conseguir relaxar amar e estar pronta Em relaccedilatildeo ao bebecirc atribui-se o saber nascer No que se refere agrave vida reforccedila-se o fl uir Sobre a integraccedilatildeo matildeebebecirc designa-se a harmonia entre ambos

A questatildeo do tom se modifi ca um pouco quando de trata da dor do parto As afi rmaccedilotildees sobre a dor e sobre as contraccedilotildees natildeo minimizam o fato de que elas existem mas deslocam os sentidos para focalizar na necessidade delas para que o nascimento ocorra concentrando na importacircncia delas para a movimentaccedilatildeo do bebecirc e da produtividade de natildeo estabelecer a ligaccedilatildeo entre dor e sofrimento Para isso utilizam-se os verbos no infi nitivo sentir dor e ter o bebecirc O corpo eacute o centro da imagem o centro da geraccedilatildeo do bebecirc e a conexatildeo material entre os discursos que empoderam a mulher e a possibilidade de parir empoderada

O Enunciado 2 propotildee o cotejamento de uma construccedilatildeo temaacutetica por meio da conexatildeo da matildee com a ancestralidade

- 30 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 2 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

Novamente valendo-se da circularidade das imagens para evidenciar o ciclo da vida a imagem reforccedila a ligaccedilatildeo entre a matildee o bebecirc a placenta e a terra (matildee terra) A barriga da matildee central na imagem representa a uniatildeo desses elementos remetendo agrave visatildeo do universo como algo holiacutestico em que homem universo e natureza estatildeo interligados Assim como a placenta envolve o bebecirc a nova vida o universo envolve a matildee a que gera Nas laterais da imagem a matildee aparece envolvendo o bebecirc e por sua vez o bebecirc em posiccedilatildeo fetal eacute envolvido pela placenta

Essa relaccedilatildeo metafoacuterica entre universo matildee e bebecirc na gravidez retoma a ideia da conexatildeo holiacutestica entre corpo voz e linguagem Em relaccedilatildeo ao corpo este passa a ser o elo entre passado e futuro

- 31 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de forma que se torna o presente da possibilidade de materializaccedilatildeo e continuidade da vida A voz trazida pelo comentaacuterio (ldquoSobre gratidatildeordquo) direciona o corpo para o posicionamento de curvar-se diante do universo reconhecer a divindade da vida e aceitar as o ciclo universal do nascer crescer e morrer Ao mesmo tempo em que nasce o bebecirc nasce a placenta com desenho muito semelhante a uma aacutervore seus galhos e raiacutezes e tambeacutem nasce a matildee A linguagem verbal vem a se conectar com esse tom apreciativo de agradecimento

O Enunciado 3 propotildee uma construccedilatildeo temaacutetica que reforccedila a rede de apoio no ato de parir

Enunciado 3 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 32 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com o intuito de parabenizar os meacutedicos obstetras pelo seu dia a doula posta a imagem acima que remete agraves enfermeiras que medem os batimentos cardiacuteacos do coraccedilatildeo do bebecirc e controlam a dilataccedilatildeo da matildee durante o trabalho de parto aos meacutedicos que realizam o preacute-natal e o parto e portanto jaacute possuem uma conexatildeo com a matildee e aos acompanhantes de parto Tal rede faz parte do que se considera chamar ldquoparto humanizadordquo porque todos de forma colaborativa contribuem para que haja um ambiente propiacutecio seguro e tranquilo para que a matildee possa parir seu bebecirc

Eacute interessante ressaltar que essa rede tambeacutem representada por um ciacuterculo na imagem caracteriza os envolvidos no parto por meio de vaacuterias cores da pele de formato de cabelo isto eacute tambeacutem pode representar a importacircncia desse elo de respeito aos direitos da mulher graacutevida em diversas culturas considerando as diferenccedilas nas diversas instacircncias sociais inclusive nos diferentes tipos de corpos que vatildeo parir

A construccedilatildeo do discurso de defesa do parto normal passa nesse enunciado pela construccedilatildeo temaacutetica da importacircncia de se considerar as singularidades e o contexto da matildee que estaacute parindo

O Enunciado 4 volta-se ao bebecirc receacutem-nascido

- 33 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 4 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

O ciacuterculo azul ao mesmo tempo que se refere agrave bolsa de aacutegua que carrega o bebecirc remete a um planeta isto eacute a um mundo novo que se inicia O entorno da imagem reforccedila essa ideia de anunciaccedilatildeo do novo dentre as demais estrelas constelaccedilotildees e galaacutexias jaacute existentes A luz que ela deseja no comentaacuterio se direciona para a vibraccedilatildeo de positividade para a matildee e o bebecirc mas tambeacutem agrave fase do parto normal denominada coroaccedilatildeo do bebecirc a qual corresponde agrave saiacuteda da cabeccedila no canal vaginal da matildee Essa fase tambeacutem eacute conhecida como ciacuterculo de fogo (luz) porque quando a cabeccedila sai a matildee sente uma espeacutecie de queimaccedilatildeo

- 34 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As matildeos que aparecem no enunciado formam uma espeacutecie de caacutelice pela posiccedilatildeo em que estatildeo e acolhem a cabeccedila do bebecirc Em termos de construccedilatildeo temaacutetica aqui existe uma associaccedilatildeo com o discurso religioso ao aproximar a questatildeo do formato do caacutelice com a praacutetica do recebimento do sangue de Cristo pela hoacutestia sagrada

O Enunciado 5 se volta para a questatildeo da singularidade do trabalho de parto incentivando a matildee a natildeo se basear em uma ideia fechada de como ocorreraacute seu parto

Enunciado 5 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 35 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Na parte verbal do enunciado pode ser identifi cada uma voz que se coloca em embate direto com as visotildees estereotipadas que denigrem o parto normal e com as comparaccedilotildees que satildeo feitas entre as mulheres que jaacute pariram dessa forma Concretizado em primeira pessoa ele se torna uma espeacutecie de mantra para que a mulher internalize esse fato de modo que se sinta confi ante para ir adiante caso escolha ter seu fi lho assim

A organizaccedilatildeo da folhagem em volta do bebecirc e as pinturas na pele dele podem ser associadas agrave particularizaccedilatildeo tatildeo potente que pode ateacute ser associada a um DNA especiacutefi co O biotipo da matildee entatildeo eacute colocado como capaz de parir o fi lho que existe dentro dela

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Por meio dos enunciados verbo-visuais foi realizada uma discussatildeo agrave luz dos estudos bakhtinianos sobre as formas de composiccedilatildeo temaacutetica realizada para defender o parto normal humanizado A proacutepria escolha do gecircnero para a produccedilatildeo dos enunciados (postagem no Instagram) local de compartilhamento do cotidiano jaacute pode ser compreendida como um lugar de resistecircncia e militacircncia possiacutevel para tal tese cuja forccedila pode se igualar aos demais espaccedilos que reforccedilam ou incentivam somente o parto via cesaacuterea (discurso dominante)

A profi ssatildeo de enfermeira e sua experiecircncia de doulagem tambeacutem autorizam a doula a sustentar a defesa de seus argumentos e no caso dos enunciados analisados neste capiacutetulo a tentativa de esclarecimento divulgaccedilatildeo e incentivo ao parto normal torna-se uma forma de fazer com que as matildees saibam da existecircncia desse parto de forma humanizada e faccedilam uma escolha consciente entre ele e a cesaacuterea

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 36 -

Os enunciados tambeacutem reforccedilam que caso esse tipo de parto seja escolhido a tarefa natildeo eacute soacute da mulher pois haacute que se consolidar uma rede de apoio que possibilite a concretizaccedilatildeo desse parto de forma mais saudaacutevel e consciente possiacutevel em relaccedilatildeo ao corpo a voz e a linguagem

No que se refere ao corpo durante a gravidez se incentiva uma conexatildeo com a ancestralidade reforccedilando assim uma busca por uma forccedila e uma tranquilidade que eacute encontrada na natureza uma vez que o corpo tem condiccedilotildees de parir dessa forma

Em relaccedilatildeo agrave voz o discurso que predomina eacute o de empoderamento e confi anccedila de modo que toda a dor que aparecer seja fiacutesica ou emocional tenha uma relaccedilatildeo com a histoacuteria de minimizaccedilatildeo do poder feminino devido agraves posiccedilotildees de prestiacutegio machistas que desenvolveram teorias sobre o parto sem necessariamente considerar as questotildees femininas do gerar parir amamentar e cuidar

Esse cenaacuterio estaacute permeado pela linguagem nas suas mais distintas possibilidades de construccedilatildeo de enunciados As frestas que se tentam abrir para que o parto normal humanizado seja valorizado na sociedade brasileira soacute podem ganhar forccedila nas praacuteticas comunicativas que constituem e satildeo constituiacutedas pelas interaccedilotildees humanas

Nas anaacutelises buscou-se realizar associaccedilotildees que fossem aleacutem do que seria reiteraacutevel na linguagem considerando o projeto de dizer e as respostas produzidas quando postava os enunciados verbo-visuais em seu perfi l do Instagram

REFEREcircNCIAS

BAJTIN M Hacia uma fi losofi a del acto eacutetico De los borradores y otros escrito Trad Tatiana Bubnova Barcelona Anthropos San Juan Universidade de Puerto Rico 1997

- 37 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BAKHTIN M M Os gecircneros do discurso In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003a

______ Metodologia das ciecircncias humanas In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003b

BARBOSA M B B et al Doulas como dispositivos para humanizaccedilatildeo do parto hospitalar do voluntariado agrave mercantilizaccedilatildeo Sauacutede Debate Rio de Janeiro v 42 n 117 p 420-429 abr-jun 2018

BUBNOVA T BARONAS R L TONELLI F Voz sentido e diaacutelogo em Bakhtin Bakhtiniana Satildeo Paulo v 6 n 1 p 268-280 agodez 2011

CHEVALIER J GHEERBRANT A Dicionaacuterio de siacutembolos Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1998

DINIZ C S G Humanizaccedilatildeo da assistecircncia ao parto no Brasil os muitos sentidos de um movimento Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 10 n 3 p 627-637 2015

DUARTE A C O que eacute ldquodoulardquo Disponiacutevel em lthttpswwwdoulascombroquephpgt Acesso em 4 nov 2018

GRILLO S V C Fundamentos bakhtinianos para a anaacutelise de enunciados verbo-visuais Filologia e linguiacutestica portuguesa v 14 n 2 p 235-246 2012

JUNG Carl G O homem e seus siacutembolos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1964

KOCH I V Introduccedilatildeo agrave linguiacutestica textual trajetoacuteria e grandes temas Contexto Satildeo Paulo 2015

NAKANO A R BONSN C TEIXEIRA L A A normalizaccedilatildeo da cesaacuterea como modo de nascer cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil Physis v 25 n 3 July-Sep 2015

ONUBR (2017) UNICEF alerta para elevado nuacutemero de cesarianas no Brasil Disponiacutevel em lthttpsnacoesunidasorgunicef-alerta-para-elevado-numero-de-cesarianas-no-brasilgt Acesso em 5 nov 2018

PALHARINI L A Autonomia para quem O discurso meacutedico hegemocircnico sobre a violecircncia obsteacutetrica no Bras il Cadernos pagu (49) 2017e174907

- 38 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 39 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Este capiacutetulo de livro tem como tema o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado em busca de examinarmos esse texto cientiacutefi co que o pesquisador elabora em um momento de transiccedilatildeo no seu processo de formaccedilatildeo na atividade de pesquisa compreendendo que de um lado a graduaccedilatildeo representa um estaacutegio mais inicial de formaccedilatildeo em pesquisa e de outro lado o doutorado representa um estaacutegio de consolidaccedilatildeo do exerciacutecio investigativo do pesquisador

Concebemos o curso de mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador considerando que nesse estaacutegio o estudante se encontra ainda como assevera Severino (2009) em uma fase de aprendizagem da pesquisa e de formaccedilatildeo como pesquisador Corrobora tambeacutem a nossa posiccedilatildeo de conceber o mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador o niacutevel de exigecircncia dos textos e trabalhos produzidos durante esse estaacutegio no que concerne por exemplo ao tipo de refl exatildeo empreendida tendo em conta que a escrita da dissertaccedilatildeo de mestrado se apresenta ainda para muitos como a ldquo[] primeira manifestaccedilatildeo de trabalho pessoal sistemaacutetico de pesquisa []rdquo (SEVERINO 2009 p 24)

A pesquisa justifi ca-se pelo fato de a dissertaccedilatildeo de mestrado merecer ainda muitos estudos com respeito ao que a constitui como gecircnero ao seu estilo e agraves vozes que transitam nas relaccedilotildees dialoacutegicas presentes na esfera acadecircmica

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO VOZES ESTILO E LINGUAGEM

- 40 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A proposta eacute verifi car que vozes emanam de relaccedilotildees dialoacutegicas no gecircnero do discurso dissertaccedilatildeo de mestrado e verifi car como essas relaccedilotildees colaboram na construccedilatildeo do estilo no discurso acadecircmico Objetiva-se analisar em uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada o modo como as vozes se manifestam e constroem por meio da linguagem o estilo do autor no posicionamento nos debates de sua esfera de pesquisa Para o suporte teoacuterico retomam-se as refl exotildees de Bakhtin e de estudiosos de sua obra sobre conceitos tais como relaccedilotildees dialoacutegicas gecircnero e estilo

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM BAKHTIN

O fi loacutesofo da linguagem M Bakhtin centrou seus estudos nos aspectos poliacuteticos da linguagem Seus questionamentos sobre a linguagem elucidam que as refl exotildees emanadas de seus trabalhos natildeo estatildeo ligadas apenas a uma teoria linguiacutestica ou literaacuteria mas com todas as esferas de comunicaccedilatildeo que envolvem o homem em uma relaccedilatildeo com o outro Entre essas refl exotildees estaacute sem duacutevida a preocupaccedilatildeo de Bakhtin com a dimensatildeo histoacuterica e ideoloacutegica e a consequente constituiccedilatildeo dialoacutegica da linguagem a insistecircncia na preocupaccedilatildeo com a natureza social e interativa da palavra e a interdiscursividade como condiccedilatildeo da linguagem Tambeacutem se dedicou ao estudo da literatura sobretudo ao romance O seu nome aparece sempre associado ao chamado Ciacuterculo de Bakhtin do qual fazem parte P Medvieacutedev e V N Volochiacutenov e tambeacutem a outros integrantes do Ciacuterculo

De Bakhtin e o do Ciacuterculo interessam-nos neste trabalho os estudos sobre o estilo associado ao gecircnero discursivo dissertaccedilatildeo de mestrado com intenccedilatildeo de verifi car algumas das diversas possibilidades de manifestaccedilotildees estiliacutesticas nesse gecircnero

Bakhtin afi rma o caraacuteter dialoacutegico da linguagem por isso em seus textos teoacutericos destaca-se o diaacutelogo Segundo o fi loacutesofo a

- 41 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

liacutengua em seu uso concreto e real tem a propriedade de ser dialoacutegica BakhtinVoloshiacutenov (2006 p 3) afi rmam que a ldquoenunciaccedilatildeo estaacute na fronteira entre a vida e o aspecto verbal do enunciado ela por assim dizer bombeia energia de uma situaccedilatildeo da vida para o discurso verbal ela daacute a qualquer coisa linguisticamente estaacutevel o seu momento histoacuterico vivo o seu caraacuteter uacutenicordquo

O enunciado eacute extremamente importante quando se trata de manifestaccedilatildeo da linguagem pois eacute por meio dele que a liacutengua se concretiza e conforme Bakhtin (2003 p 265) ldquoa liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua O enunciado eacute um nuacutecleo problemaacutetico de importacircncia excepcionalrdquo

Bakhtin em suas refl exotildees entende que os diaacutelogos sociais natildeo satildeo repetidos de maneira absoluta e tambeacutem natildeo satildeo completamente novos pois retomam as marcas histoacutericas e sociais de determinada cultura e sociedade

Nesse contexto teoacuterico a palavra diaacutelogo pode causar confusatildeo pois natildeo eacute o diaacutelogo do senso comum entendido nos tipos de estrutura gramatical ou com o sentido de acordo de consenso

Marchezan (2006 p 123) explicaA palavra diaacutelogo ao contraacuterio eacute bem entendida no contexto bakhtiniano como reaccedilatildeo da palavra a palavra de outrem como ponto de tensatildeo entre o eu e o outro entre ciacuterculos de valores entre forccedilas sociais A essa perspectiva natildeo interessa a palavra passiva e solitaacuteria mas a palavra na atuaccedilatildeo complexa e heterogecircnea dos sujeitos sociais vinculada a situaccedilotildees a falas passadas e antecipadas

- 42 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O diaacutelogo fundamenta a linguagem em ato e funciona como uma reacuteplica social O estudo dialoacutegico do texto requer um esforccedilo para compreendecirc-lo como um organismo vivo e atuante e tambeacutem vivenciaacute-lo Depois examinar o texto de fora com a visatildeo do cronoacutetopo e sem confundir os seus posicionamentos A relaccedilatildeo dialoacutegica natildeo coincide com a relaccedilatildeo existente entre as reacuteplicas de um diaacutelogo real por ser mais extensa mais variada e mais complexa Dois enunciados separados um do outro podem revelar uma relaccedilatildeo dialoacutegica mediante uma confrontaccedilatildeo do sentido desde que haja alguma convergecircncia do sentido ou seja uma reacuteplica social Os diaacutelogos satildeo assim sociais e natildeo se repetem de maneira absoluta nem satildeo completamente novos reiteram marcas histoacutericas e sociais que caracterizam uma dada cultura numa dada sociedade

Bakhtin propocircs uma abertura conceitual que permitisse a anaacutelise das vaacuterias formas de manifestaccedilatildeo da linguagem e natildeo apenas da retoacuterica Com essa abertura eacute possiacutevel considerar as vaacuterias formaccedilotildees discursivas no campo da comunicaccedilatildeo Assim ele possibilitou situar o universo das interaccedilotildees dialoacutegicas constituiacutedo por diferentes realizaccedilotildees discursivas E quando passa a valorizar o estudo dos gecircneros o dialogismo descobre uma forma para analisar e estudar o hibridismo a heteroglossia e a pluralidade dos sistemas de signos na cultura

De acordo com Bakhtin o contexto comunicativo eacute de suma importacircncia para a assimilaccedilatildeo do repertoacuterio que se pretende utilizar em uma determinada mensagem pois os gecircneros discursivos satildeo formas comunicativas e como tais natildeo satildeo adquiridos em manuais mas em processos interativos a liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua

Dependendo do conhecimento dessas formas discursivas eacute que poderaacute ser verifi cada a liberdade de uso dos gecircneros e isso depende

- 43 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de uma postura do usuaacuterio da liacutengua nos processos comunicativos Os gecircneros fazem parte de uma cadeia que une e dinamiza as relaccedilotildees entre pessoas sistemas de linguagem e tambeacutem entre interlocutor e receptor

O gecircnero natildeo deve ser pensado fora da dimensatildeo de espaccedilo e tempo pois as suas formas de representaccedilatildeo satildeo justamente orientadas pelo espaccedilo e pelo tempo ldquoEssa eacute outra coordenada importante da teoria dialoacutegica dos gecircneros apresentada por Bakhtin em sua revisatildeo da teoria dos gecircneros da Poeacutetica de Aristoacuteteles em nome das relaccedilotildees espaacutecio-temporais das representaccedilotildees e da interatividade discursiva animadas em seu interiorrdquo (MACHADO 2007 p 158) Dessa forma Bakhtin tenta mostrar que os gecircneros adquirem uma existecircncia cultural a partir de seus estudos sobre cronoacutetopo E na teoria do dialogismo o gecircnero se insere numa cultura em que tanto a experiecircncia como a representaccedilatildeo satildeo manifestaccedilotildees marcadas pela temporalidade

A riqueza e a diversidade dos gecircneros discursivos satildeo incalculaacuteveis pois a possibilidade de comunicaccedilatildeo humana eacute que diversifi ca as possibilidades de repertoacuterio dos gecircneros ldquoPode parecer que a heterogeneidade dos gecircneros discursivos eacute tatildeo grande que natildeo haacute nem pode haver um plano uacutenico para o seu estudordquo (BAKHTIN 2003 p 262)

O gecircnero natildeo deve ser desassociado do estilo pois serve para a identifi caccedilatildeo deste De acordo com Bakhtin (2003 p 265) ldquoTodo estilo estaacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e agraves formas tiacutepicas de enunciados ou seja aos gecircneros do discursordquo

A heterogeneidade dos gecircneros eacute grande e associada ao estilo se torna maior ainda pois a escolha do vocabulaacuterio das construccedilotildees e adequaccedilotildees linguiacutesticas juntamente com a forma do conteuacutedo defi ne um modo de ver E neste modo de ver encontra-se presente um simulacro de uma enunciaccedilatildeo ou seja um parecer verdadeiro suposto pelo proacuteprio estilo

- 44 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sobre isso Bakhtin vai dizer que ldquoem diferentes gecircneros podem revelar-se diferentes camadas e aspectos de uma personalidade individual o estilo individual pode encontrar-se em diversas relaccedilotildees de reciprocidade com a liacutengua nacionalrdquo (2003 p 266)

Segundo Bakhtin (2003 p 267) a separaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre estilos e gecircneros eacute nociva para a anaacutelise pois ldquoas mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo Assim os gecircneros modifi cam-se e adaptam-se de acordo com o espaccedilo e tempo em que circulam

ldquoOs enunciados e seus tipos isto eacute seus gecircneros discursivos satildeo correias de transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a histoacuteria da linguagemrdquo (BAKHTIN 2003 p 268) O enunciado eacute defi nido a partir de uma comunicaccedilatildeo discursiva e consequentemente pela alternacircncia dos sujeitos do discurso De acordo com Bakhtin (2003 p 275) ldquoo enunciado natildeo eacute uma unidade convencional mas uma unidade real precisamente delimitada da alternacircncia dos sujeitos do discurso a qual termina com a transmissatildeo da palavra ao outrordquo Essa alternacircncia de sujeitos natildeo eacute somente mas eacute tambeacutem a alternacircncia simples que presenciamos no diaacutelogo real do cotidiano com as vaacuterias reacuteplicas que criam limites precisos nos enunciados em diversos campos da atividade de comunicaccedilatildeo Para Bakhtin (2003 p 276)

essas relaccedilotildees soacute satildeo possiacuteveis entre enunciaccedilotildees de diferentes sujeitos do discurso pressupotildeem outros (em relaccedilatildeo ao falante) membros da comunicaccedilatildeo discursiva Essas relaccedilotildees entre enunciaccedilotildees plenas natildeo se prestam agrave gramaticalizaccedilatildeo uma vez que reiteramos natildeo satildeo possiacuteveis entre unidades da liacutengua e isso tanto no sistema da liacutengua quanto no interior do enunciado

- 45 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De acordo com Brait (2007 p 80) ldquoo estilo se apresenta como um dos conceitos centrais para se perceber a contrapelo o que signifi ca no conjunto das refl exotildees bakhtinianas dialogismo ou seja esse elemento constitutivo da linguagem esse princiacutepio que rege a produccedilatildeo e a compreensatildeo dos sentidos essa fronteira em que euoutro se interdefi nem se interpenetram sem se fundirem ou se confundiremrdquo

Podemos considerar como estilo tambeacutem os estilos de linguagem dialetos mas a investigaccedilatildeo eacute mais no sentido de perceber como em que perspectiva dialoacutegica esse estilo aparece no texto no enunciado Pois para Bakhtin o acircngulo dialoacutegico natildeo pode ser analisado apenas por criteacuterios linguiacutesticos essas relaccedilotildees dialoacutegicas pertencem mais especifi camente ao discurso

A estiliacutestica deve basear-se natildeo apenas e nem tanto na linguiacutestica quanto na metalinguiacutestica que estuda a palavra natildeo no sistema da liacutengua e nem num ldquotextordquo tirado da comunicaccedilatildeo dialoacutegica mas precisamente no campo propriamente dito da comunicaccedilatildeo dialoacutegica ou seja no campo da vida autecircntica da palavra A palavra natildeo eacute um objeto mas um meio constantemente ativo constantemente mutaacutevel de comunicaccedilatildeo dialoacutegica Ela nunca basta a uma consciecircncia a uma voz (BAKHTIN 1997 p 14)

O estilo natildeo se esgota na genuinidade de um indiviacuteduo mas se revela tambeacutem na liacutengua e nos usos historicamente situados que fazemos dela

Para Brait (2007 p 87)

a escrita se destaca como sendo a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e consequentemente sua forma de utilizaccedilatildeo da liacutengua Via material impresso transparece na verdade a relaccedilatildeo do autor com a vida

- 46 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

ou seja o estilo artiacutestico natildeo trabalha com palavras mas com os componentes do mundo com os valores do mundo e da vida podendo portanto o estilo ser defi nido como o conjunto dos procedimentos de formaccedilatildeo e de acabamento do homem e do seu mundo E eacute esse estilo que determina tambeacutem a relaccedilatildeo com o material com a palavra

Entatildeo eacute por meio da linguagem que o estilo se manifesta e mostra como se daacute a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e com a forma como esse autor se apropria da liacutengua O estilo natildeo pode ser analisado por apenas uma caracteriacutestica mas por um conjunto de recursos que revelam o homem e suas relaccedilotildees com o mundo

ldquoUm grande estilo representa acima de tudo uma visatildeo de mundo e somente depois eacute meio de elaborar um materialrdquo (BAKHTIN 1992 p 217) O autor reuacutene na expressatildeo do estilo a sua visatildeo de mundo e consequentemente eacute direcionado por essa visatildeo que elabora o material linguiacutestico ldquoA visatildeo do mundo estrutura e unifi ca o horizonte do homem o estilo estrutura e unifi ca seu ambienterdquo (BAKHTIN 1992 p 217)

Na perspectiva de Bakhtin a defi niccedilatildeo de gecircneros discursivos inclui dentre outros aspectos que eles transitam por todas as esferas de atividade humana e devem ser considerados culturalmente a partir de temas formas de composiccedilatildeo e estilo Entatildeo todas as atividades humanas implicam gecircneros e necessariamente estilos

A utilizaccedilatildeo da liacutengua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e uacutenicos que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana O enunciado refl ete as condiccedilotildees especiacutefi cas e as fi nalidades de cada uma dessas esferas natildeo soacute por seu conteuacutedo (temaacutetico) e por seu estilo verbal ou seja pela seleccedilatildeo operada nos recursos da liacutengua ndash recursos lexicais fraseoloacutegicos e gramaticais - mas tambeacutem e sobretudo por sua construccedilatildeo

- 47 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

composicional Estes trecircs elementos (conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles satildeo marcados pela especifi cidade de uma esfera da comunicaccedilatildeo (BAKHTIN 1992 p 279)

Bakhtin continua suas refl exotildees a esse respeito fazendo referecircncia ao fato de que o estilo eacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e a formas tiacutepicas de enunciado que satildeo os gecircneros Assim se o enunciado refl ete a individualidade de quem fala ou escreve nas mais diversas formas e esferas de comunicaccedilatildeo ele possui um estilo individual Bakhtin reitera que nem todos os gecircneros satildeo propiacutecios da mesma forma ao estilo individual alguns satildeo mais favoraacuteveis e outros menos O fi loacutesofo ainda completa que certos gecircneros satildeo apropriados a determinadas esferas e portanto esses gecircneros possuem determinados estilos Brait (2003 p 89) comenta a partir do texto ldquoO discurso na vida e o discurso na arterdquo que Bakhtin

vai considerar que o estilo tambeacutem depende do tipo de relaccedilatildeo existente entre o locutor e os outros parceiros da comunicaccedilatildeo verbal ou seja o ouvinte o leitor o interlocutor proacuteximo e o imaginado (o real e o presumido) o discurso do outro etc Mesmo no caso dos gecircneros altamente estratifi cados sua diversidade deve-se ao fato de eles variarem conforme as circunstacircncias a posiccedilatildeo social e o relacionamento pessoal dos parceiros

Nesse sentido existem os gecircneros de estilo elevado estritamente ofi ciais e haacute tambeacutem o estilo familiar que comporta diversos graus de intimidade Os gecircneros ofi ciais satildeo muito mais estaacuteveis prescritivos e normativos

Assim de acordo com Bakhtin (2003) quando mudamos o estilo de um gecircnero para outro natildeo nos limitamos a modifi car

- 48 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

simplesmente o gecircnero mas desconstruiacutemos e reconstruiacutemos o proacuteprio gecircnero Percebemos assim que o conceito bakhtiniano de estilo se defi ne a partir da interlocuccedilatildeo reciacuteproca com vaacuterios domiacutenios da cultura

Outra questatildeo que interessa aqui ao nosso trabalho e eacute citada por Brait (2007 p 94-95) eacute a seguinte

o estilo entra como elemento na unidade de gecircnero de um enunciado O estilo pode ser objeto de um estudo especiacutefi co especializado considerando-se dentre outras coisas que os estilos tecircm a ver tambeacutem com gecircnero o que implica coerccedilotildees linguiacutesticas enunciativas e discursivas proacuteprias da atividade em que se insere Aleacutem disso um outro aspecto constitutivo e inalienaacutevel eacute o fato de o enunciado dirigir-se a algueacutem de estar voltado para o destinataacuterio

Bakhtin em ldquoGecircneros do Discursordquo esclarece que o estilo depende do modo de compreensatildeo e percepccedilatildeo do seu destinataacuterio e do modo como a compreensatildeo responsiva ativa eacute presumida

Este destinataacuterio pode ser o parceiro e interlocutor direto do diaacutelogo na vida cotidiana pode ser o conjunto diferenciado de especialistas em alguma aacuterea especializada da comunicaccedilatildeo cultural pode ser o auditoacuterio diferenciado dos contemporacircneos dos partidaacuterios dos adversaacuterios e inimigos dos subalternos dos chefes dos inferiores dos superiores dos proacuteximos dos estranhos etc pode ateacute ser de modo absolutamente indeterminado o outro natildeo concretizado [] Essas formas e concepccedilotildees do destinataacuterio se determinam pela aacuterea da atividade humana e da vida cotidiana a que se reporta um dado enunciado A quem se dirige o enunciado

- 49 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como o locutor (ou o escritor) percebe e imagina seu destinataacuterio Qual eacute a forccedila da infl uecircncia deste sobre o enunciado Eacute disso que depende a composiccedilatildeo e sobretudo o estilo do enunciado Cada um dos gecircneros do discurso em cada uma das aacutereas da comunicaccedilatildeo verbal tem sua concepccedilatildeo padratildeo do destinataacuterio que o determina como gecircnero (BAKHTIN 1992 p 320)

Assim o destinataacuterio real ou imaginado infl uencia sobremaneira a forma de composiccedilatildeo e o estilo do enunciado Existem formas mais padronizadas do destinataacuterio a que se destinam diferentes gecircneros mas haacute tambeacutem destinataacuterios que satildeo pressupostos pelas esferas de atividade humana e vida cotidiana

O estilo eacute indissociaacutevel de determinadas unidades temaacuteticas e ndash o que eacute de especial importacircncia ndash de determinadas unidades composicionais de determinados tipos de construccedilatildeo do conjunto de tipos do seu acabamento de tipos da relaccedilatildeo do falante com outros participantes da comunicaccedilatildeo discursiva ndash com os ouvintes os leitores os parceiros o discurso do outro etc O estilo integra a unidade de gecircnero do enunciado como seu elemento (BAKHTIN 2003 p 266)

Como eacute sabido o estilo eacute um dos elementos que constitui para Bakhtin o gecircnero do discurso e como tal eacute indissociaacutevel dos outros elementos conteuacutedo temaacutetico e estrutura composicional por isso deve ser entendido no conjunto relacionando seu tipo de acabamento as relaccedilotildees estabelecidas com o destinataacuterio enfi m com a atuaccedilatildeo do gecircnero em determinada esfera de atuaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

ldquoA separaccedilatildeo dos estilos em relaccedilatildeo aos gecircneros manifesta-se de forma particularmente nociva na elaboraccedilatildeo de uma seacuterie

- 50 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de questotildees histoacutericas As mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo (BAKHTIN 2003 p 267)

Por isso neste estudo pretende-se analisar o estilo vinculado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com a intenccedilatildeo de verifi car em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto jaacute que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e como acontece tal apropriaccedilatildeo Faz-se necessaacuterio assim esclarecer neste momento do que se trata o objeto escolhido para anaacutelise

A DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Segundo Severino (2011 p 221) a dissertaccedilatildeo de mestrado ldquotrata-se da comunicaccedilatildeo dos resultados de uma pesquisa e de uma refl exatildeo que versa sobre um tema igualmente uacutenico e delimitado Deve ser elaborada de acordo com as mesmas diretrizes metodoloacutegicas teacutecnicas e loacutegicas do trabalho cientiacutefi co como na tese de doutoramentordquo

Nessa direccedilatildeo podemos complementar que eacute difiacutecil eliminar da dissertaccedilatildeo de mestrado o seu caraacuteter demonstrativo Pois ela deve demonstrar uma proposiccedilatildeo e natildeo apenas explanar um assunto Esta parece ser uma exigecircncia loacutegica de todo trabalho desde que tenha objetivos de natureza cientiacutefi ca bem defi nidos (SEVERINO 2011) Na concepccedilatildeo deste autor

tanto a tese de doutorado como a dissertaccedilatildeo de mestrado satildeo pois monografi as cientiacutefi cas que abordam temas uacutenicos delimitados servindo-se de um raciociacutenio rigoroso de acordo com as diretrizes loacutegicas de conhecimento humano em que haacute lugar tanto para a argumentaccedilatildeo puramente dedutiva como para o raciociacutenio indutivo baseado

- 51 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na observaccedilatildeo e na experimentaccedilatildeo (SEVERINO 2011 p 222)

Aproveitando-nos do dizer de Amorim (2009 p 2) baseado no pensamento bakhtiniano segundo o qual ldquoquando se estaacute escrevendo ouvem-se vozes faz-se falar algumas delas e a elas respondendo consegue-se chegar (ou natildeo) a fazer ouvir sua proacutepria vozrdquo o que nos interessa aqui eacute examinar os diaacutelogos que constituem o dizer do jovem pesquisador para tentar entender como este na relaccedilatildeo com os seus outros constroacutei o seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e como ele se constitui como sujeitopesquisador em seu campo do saber

Assim podemos dizer que o texto cientiacutefi co eacute um tecido no qual diferentes vozes portadoras de enunciados do campo da ciecircncia relacionam-se cruzam-se num contiacutenuo diaacutelogo entre textos e discursos sendo seu produtor aquele sujeito responsaacutevel por articulaacute-las na construccedilatildeo de um projeto de dizer Por vezes essas vozes que o produtor convoca em seu texto estatildeo laacute explicitadas devidamente creditadas a uma fonte do dizer outras tantas vezes essas vozes satildeo assimiladas como palavras proacuteprias sem qualquer menccedilatildeo de uma fonte confi gurando aquilo que Amorim (2009) denomina quando faz referecircncia ao pensamento bakhtiniano de esquecimento da alteridade O esquecimento da alteridade remete agrave noccedilatildeo de monologizaccedilatildeo da consciecircncia que estaacute diametralmente oposta ao dialogismo tal como foi concebido pelo pensamento bakhtiniano

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM UMA DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Para analisar o estilo conforme nossa proposta exposta anteriormente tomamos como exemplo trechos de uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada da aacuterea de Educaccedilatildeo intitulada

- 52 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso

A dissertaccedilatildeo aborda a questatildeo da identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a sua produccedilatildeo escrita abordando os mecanismos ideoloacutegicos presentes no seu discurso que naturalizam determinados sentidos e natildeo outros as vivecircncias e as formaccedilotildees imaginaacuterias que permeiam a sua escrita enfi m elementos que podem infl uenciar e muito a construccedilatildeo do discurso escrito bem como afetar o posicionamento do sujeito como autor

O texto cientiacutefi co mais especifi camente o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado eacute apropriado para verifi car como no processo de escrita o jovem pesquisador ouve vozes fala de algumas vozes e a partir de algumas vozes E consegue assim chegar ou natildeo a fazer ouvir a proacutepria voz ou pelo menos uma tentativa de fazer ouvir sua proacutepria voz E entatildeo na relaccedilatildeo com outras vozes constroacutei seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e tambeacutem se constroacutei e mostra sua constituiccedilatildeo como sujeito pesquisador

Seguem alguns excertos selecionados para demonstrar tais possibilidades

Durante os estaacutegios obrigatoacuterios minha decepccedilatildeo com o curso de Magisteacuterio foi aumentando a Psicologia que tanto me encantou estava longe das salas de aula e a didaacutetica entatildeo nem se fala Natildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulas No curso existiam poucos momentos de refl exatildeo acerca do que era observado nos estaacutegios um espaccedilo para discussatildeo que confrontasse a praacutetica observada as teacutecnicas e algumas poucas teorias estudadas nas disciplinas (ASSEF 2014 p 12)

O trecho traz um posicionamento da autora natildeo apenas porque utiliza a primeira pessoa do singular o que natildeo eacute tatildeo comum

- 53 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

no trabalho acadecircmico mas tambeacutem porque traz indiacutecios de uma posiccedilatildeo social que consequentemente dialoga com outras vozes quando se diz decepcionada com o curso de Magisteacuterio quando relata o descontentamento ao perceber que a praacutetica escolar destoa em relaccedilatildeo agraves propostas teoacutericas

Diante dessa realidade decepcionamo-nos com o Magisteacuterio e mesmo gostando da ideia de atuarmos como professora ocuparmos essa posiccedilatildeo tornou-se inviaacutevel natildeo nos sentiacuteamos capacitada para tanto Entatildeo buscamos outros caminhos signifi car outros sentidos uma nova aacuterea com a qual nos identifi caacutessemos Nosso objetivo era obter uma formaccedilatildeo mais completa e cursar a graduaccedilatildeo em Psicologia em uma universidade puacuteblica Concluiacutedo o curso de Magisteacuterio iniciamos nossa preparaccedilatildeo para o vestibular e ingressamos em um cursinho preparatoacuterio Depois de um ano inteiro de muita dedicaccedilatildeo e estudo ingressamos no curso de Psicologia na UNESP em Assis (ASSEF 2014 p 12)

Quando a autora aqui demonstra explicitamente sua decepccedilatildeo com o Magisteacuterio e a sensaccedilatildeo de incapacidade de atuar como educadora na verdade seu testemunho revela um posicionamento no mundo que estaacute relacionado natildeo apenas com este momento de formaccedilatildeo mas com o que a autora carrega de antes desse momento anseios e preocupaccedilotildees acerca de uma formaccedilatildeo docente e preocupaccedilatildeo em ser natildeo apenas uma mera profi ssional mas uma profi ssional capacitada para tal atuaccedilatildeo Aqui a posiccedilatildeo da autora pesquisadora por meio da linguagem seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos como tambeacutem de marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de

- 54 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Aliaacutes o encantamento com a AD e a identifi caccedilatildeo com a teoria ocorreram na medida em que fomos percebendo o quanto a linguagem nos constitui e a relevacircncia do discurso no processo de aprendizagem e constituiccedilatildeo do outro A instauraccedilatildeo de novos gestos de leitura desencadeada a cada nova anaacutelise instigava-nos a aprofundar os estudos sobre a teoria A Anaacutelise do Discurso nos permite refl etir sobre a linguagem natildeo nos conformar com as supostas evidecircncias analisar o entremeio do histoacuterico com o linguiacutestico lugar em que se daacute a proacutepria materialidade do discurso (ASSEF 2014 p 12)

Nesse trecho quando a autora manifesta encantamento e identifi caccedilatildeo podemos remeter a algo individual mas ainda assim trata-se da manifestaccedilatildeo do estilo construiacutedo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas estabelecidas anteriormente no momento da formaccedilatildeo acadecircmica dos anseios com relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo profi ssional enfi m ao que aconteceu antes

Destacamos tambeacutem na introduccedilatildeo o nosso interesse pelo assunto e pela linha de pesquisa adotada e embora natildeo sendo usual mas em consonacircncia com a nossa fi liaccedilatildeo teoacuterica a Anaacutelise do Discurso que natildeo separa teoria e praacutetica ao falar da nossa praacutetica recorremos agrave teoria Mesmo que de forma incipiente abordamos o embasamento teoacuterico que sustenta nossas investigaccedilotildees bem como apresentamos uma breve explanaccedilatildeo sobre a metodologia que utilizamos para a coleta de dados e constituiccedilatildeo do corpus (ASSEF 2014 p 14)

- 55 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Haacute aqui tambeacutem um posicionamento autoral na escolha do tema e linha de pesquisa o estilo presente tambeacutem mostra que esse posicionamento natildeo eacute totalmente individual mas fruto de vozes variadas que se relacionam ao posicionamento do sujeito autor da praacutetica adquirida pela experiecircncia e de toda vivecircncia anterior do sujeito autor

Sabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teorias que a tomam como objeto de investigaccedilatildeo por ser assim destacamos que optamos por uma forma particular de se signifi car a liacutengua qual seja a Anaacutelise do Discurso pecheutiana (ASSEF 2014 p 16)

Nesse trecho a autora jaacute se assume como sujeito pesquisador que demonstra ter conhecimento sobre outras teorias e outras possibilidades de anaacutelise para o mesmo objeto mas inicia a justifi cativa pela escolha da Anaacutelise do Discurso Francesa Notamos a presenccedila de outras vozes que jaacute a constituem como pesquisadora autora de seu trabalho que consegue mostrar e justifi car sua escolha e seu posicionamento que embora se manifeste estilisticamente como individual mostra ao mesmo tempo em que perspectiva dialoacutegica esse estilo se constroacutei

ldquoConvidamos o leitor a nos acompanhar pelos percursos teoacutericos que conduziratildeo nossas refl exotildees e que nos possibilitaratildeo pensar sobre questotildees referentes agrave concepccedilatildeo de liacutengua que adotamos no presente trabalhordquo (ASSEF 2014 p 18) Neste trecho podemos identifi car um estilo bem individual da autora que se aproxima do leitor mesmo se tratando de trabalho acadecircmico e convida para a leitura de maneira mais proacutexima do leitor Trata-se de um estilo um pouco mais individual e menos comum no texto cientiacutefi co que costumeiramente faz uso de uma linguagem mais fria e distante do interlocutor

- 56 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Eacute nesse espaccedilo que a AD pretende trabalhar com a materialidade especiacutefi ca do discurso desconstruindo a ilusatildeo de transparecircncia da liacutengua ao considerar o deslocamento discursivo do sentido jaacute que existem os pontos de deriva que oferecem lugar agrave interpretaccedilatildeo Como analistas do discurso ao trabalharmos com a interpretaccedilatildeo precisamos estar atentos agraves relaccedilotildees existentes entre as fi liaccedilotildees identitaacuterias e histoacutericas do sujeito discursivo que se datildeo nas relaccedilotildees sociais em redes de signifi cantes e nas memoacuterias discursivas que os constituem (PEcircCHEUX 2008) Relaccedilotildees que transcendem a obviedade da liacutengua pois ocorrem no exterior da proacutepria linguagem (ASSEF 2014 p 22)

Nesse excerto na posiccedilatildeo de pesquisadora a autora seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos mas marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Os excertos em geral mostram que a autora se posiciona diante do problema exposto e com um estilo que ao escolher expressotildees tais como ldquodecepcionamo-nos com o Magisteacuteriordquo ldquoNatildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulasrdquo ldquobuscamos outros caminhos signifi car outros sentidosrdquo ldquofomos percebendo o quanto a linguagem nos constituirdquo ldquoSabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teoriasrdquo se posiciona socialmente se coloca ocupando um lugar no mundo

O estilo nesse caso natildeo eacute apenas uma expressatildeo individual mas nota-se por meio desse estilo uma totalidade de discursos Isso reforccedila a afi rmaccedilatildeo que Bakhtin faz sobre os gecircneros ao dizer que em gecircneros diferentes os aspectos estiliacutesticos se mostram tambeacutem de formas diferentes Notam-se relaccedilotildees dialoacutegicas de

- 57 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma individualidade com uma totalidade que se desdobram em formaccedilotildees ideoloacutegicas advindas de uma cultura

Eacute importante lembrar que Bakhtin (1992) refl ete sobre a questatildeo de o gecircnero ser mais ou menos individual dependendo da esfera em que circula E nem todos os gecircneros satildeo da mesma forma propiacutecios a estilos individuais alguns satildeo mais propiacutecios e outros menos Assim a dissertaccedilatildeo de mestrado deve ser considerada um gecircnero do discurso que nessa perspectiva eacute menos propiacutecia por ser mais estabilizada com caracteriacutesticas muito proacuteprias e estrutura composicional muito defi nida

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A proposta deste estudo foi analisar o estilo associado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com o intento de averiguar em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto visto que eacute por meio da linguagem que ele se afi rma e evidencia a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua

Tomou-se por base o estilo como conceito central em Bakhtin para entender o que representa isto eacute como princiacutepio que conduz a produccedilatildeo e compreensatildeo dos sentidos por meio da linguagem do gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado Foi possiacutevel perceber em que perspectiva o estilo aparece no texto por meio da palavra viva autecircntica e em constante mudanccedila pois como em qualquer outro gecircnero na dissertaccedilatildeo de mestrado tambeacutem a comunicaccedilatildeo eacute dialoacutegica

Foi possiacutevel verifi car que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do sujeito pesquisador com a liacutengua e como acontece essa apropriaccedilatildeo ou seja na esfera de atividade acadecircmica o conhecimento vai se produzindo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas que emanam vaacuterias vozes e de vaacuterias vozes construiacutedas tambeacutem em vaacuterias possibilidades de estilo

- 58 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

REFEREcircNCIAS

AMORIM M Freud e a escrita de pesquisa - uma leitura bakhtiniana Eutomia v 2 p 0114 2009

ASSEF Aline Ester de Carvalho A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso Dissertaccedilatildeo (Mestrado) apresentada agrave Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto - Universidade de Satildeo Paulo ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo 2014

BAKHTIN M Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Gecircneros do discurso In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Problemas da poeacutetica de Dostoievski Satildeo Paulo Forense Universitaacuteria 1997

BAKHTIN M O problema do texto na linguiacutestica na fi lologia e em outras ciecircncias humanas In ______ In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 307-335

BAKHTIN M Apontamentos de 1970-191 In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 367-392

BAKHTIN M (V N Volochinov) Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem TradMichel Lahud e Yara Frateschi 12 ed Satildeo Paulo Hucitec 2006

BRAIT Beth Estilo In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MACHADO Irene Gecircneros discursivos In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MARCHEZAN Renata C Diaacutelogo In BRAIT Beth Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo Paulo Contexto 2006

SEVERINO A J Metodologia do trabalho cientiacutefi co 23 ed Satildeo Paulo Cortez 2011

- 59 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann

La iglesia dice El cuerpo es una culpaLa ciencia dice El cuerpo es una maacutequina

La publicidad dice El cuerpo es un negocioEl cuerpo dice Yo soy una fi esta

Eduardo Galeano

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Ao buscar compreender o modo como o corpo vem sendo signifi cado toma-se conhecimento de diferentes domiacutenios epistemoloacutegicos que se dedicaram (e ainda se dedicam) ao seu estudo De fato na histoacuteria da humanidade o corpo despertou o interesse de pesquisadores oriundos de aacutereas do conhecimento distintas como por exemplo religiosos meacutedicos fi loacutesofos artistas desportistas juristas criminologistas socioacutelogos e antropoacutelogos entre outros Assim ao adentrar no universo das pesquisas que tratam do corpo pelo seu caraacuteter multidisciplinar defrontamo-nos com questotildees heterogecircneas que vatildeo por exemplo desde a visatildeo materialista ateacute a crenccedila de sobrevida Desse modo tomar o corpo como objeto de investigaccedilatildeo implica em tese percorrer caminhos ecleacuteticos que passam pela ciecircncia pelo social e pelo teoloacutegico

De nossa parte conhecendo a diversidade de pesquisas que se interessam por este objeto vale destacar que neste estudo tomamos o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais

CORPO E(M) (DIS)CURSO DA RE-EXISTEcircNCIA

- 60 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que para noacutes o corpo eacute considerando como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Na epiacutegrafe que abre essa refl exatildeo jaacute temos uma amostra disso Ela apresenta alguns dizeres que de lugares especiacutefi cos contribuem para a produccedilatildeo de signifi caccedilotildees em torno do corpo Trata-se de um conjunto de discursos de e sobre o corpo que apontam para o funcionamento do poliacutetico na linguagem De nossa posiccedilatildeo teoacuterica compreender jaacute de iniacutecio o funcionamento dos discursos de e sobre o corpo eacute crucial para o percurso analiacutetico que propomos neste estudo A noccedilatildeo de discurso de e de discurso sobre eacute desenvolvida1 por Orlandi (1990[2008]) na obra ldquoTerra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundordquo Para autora essa noccedilatildeo pode ser descrita da seguinte maneira

os lsquodiscursos sobrersquo satildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de) Assim o discurso sobre o samba o discurso sobre o cinema satildeo parte integrante da arregimentaccedilatildeo (interpretaccedilatildeo) dos sentidos dos discursos do samba do cinema etcrdquo (ORLANDI 1990[2008] p 44)

Compreende-se entatildeo jaacute num gesto de anaacutelise que na epiacutegrafe os dizeres da igreja da ciecircncia e da publicidade retomados por Galeano (2001 p 109) inscrevem-se como discursos sobre o corpo A partir dos lugares legitimados que ocupam na sociedade igreja ciecircncia e publicidade institucionalizam sentidos para o corpo Desse modo colocam em funcionamento uma memoacuteria discursiva que parece se amparar no senso comum em sentidos

1 Essa noccedilatildeo foi retomada posteriormente e detalhada por Mariani (1998) e Costa (2014)

- 61 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

supostamente estabilizados que circulam e satildeo (re)produzidos cotidianamente em nossa sociedade Orlandi (1990[2008]) alerta para o fato de que essa memoacuteria discursiva eacute estabilizada e reforccedilada pelo discurso histoacuterico (Orlandi 2008) Compreendemos entatildeo que os discursos sobre o corpo nesta epiacutegrafe organizam e disciplinam a memoacuteria condensando-a e sintentizando-a agravequelas relaccedilotildees predicativas ali expostas Ali o corpo natildeo fala Ele eacute falado

A esses discursos sobre Galeano (2001 p 109) contrapotildee o discurso (hipoteacutetico) do corpo que por sua vez pode ser compreendido aqui como um dizer que produz equiacutevoco jaacute que rompe com uma estrutura fundada no silecircncio e produz assim outros efeitos de sentido Efeitos natildeo previstos efeitos que apontam para a falha constitutiva do funcionamento da linguagem Nessa perspectiva dizer que o corpo se predica como ldquoa festardquo em ldquoyo soy la festardquo (GALEANO 2001 p 109) - signifi ca desestabilizar preacute-construiacutedos e dar visibilidade a outras formas de signifi caccedilatildeo e de inscriccedilatildeo do corpo na histoacuteria e na sociedade Trata-se de pensar o corpo como parte constitutiva de um processo histoacuterico de signifi caccedilatildeo ou mais especifi camente de pensar o corpo em sua materialidade na relaccedilatildeo com o sujeito e com os sentidos Em outras palavras compreendemos com Orlandi que ldquoa signifi caccedilatildeo do corpo natildeo pode ser pensada sem a materialidade do sujeito E vice-versa ou seja natildeo podemos pensar a materialidade do sujeito sem pensar sua relaccedilatildeo com o corpordquo (ORLANDI 2012 p 83)

Fundada epistemologicamente a partir de questionamentos agrave linguiacutestica agrave psicanaacutelise e ao materialismo histoacuterico a anaacutelise de discurso dedicou-se amplamente ao estudo da materialidade da histoacuteria e da liacutengua Entretanto a materialidade do sujeito tem sido pouco explorada ainda que seja inquestionaacutevel a sua natildeo transparecircncia Para Orlandi (2012 p 84) essa lacuna teoacuterico-analiacutetica se deve ao fato de que ldquoeacute na questatildeo da materialidade do sujeito que estaacute a negaccedilatildeo do sujeito como origem quer de si quer dos sentidosrdquo

- 62 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Pelo diaacutelogo desafi ador e basilar que a anaacutelise de discurso estabeleceu com o materialismo histoacuterico compreendemos que os ldquomodos de produccedilatildeo da vida material condicionam o conjunto de processos da vida social e poliacuteticardquo (ORLANDI 2012 p85) Eacute em condiccedilotildees anaacutelogas agraves descritas pela autora no que tange a presenccedila do materialismo histoacuterico no funcionamento da linguagem que o discurso se produz e simultaneamente a ele sujeito e sentidos se constituem (ainda que se tenha a ilusatildeo de que eles estatildeo sempre laacute) Esse funcionamento destaca Orlandi (2012 p85) ldquoeacute efeito da ideologia em sua materialidaderdquo Tal processo tambeacutem afeta o corpo do sujeito que uma vez interpelado pela ideologia se textualiza se signifi ca se discursiviza e se inscreve na histoacuteria a partir da relaccedilatildeo do poliacutetico com o simboacutelico Eacute importante destacar que natildeo transparentes linguagem sujeito e histoacuteria estatildeo agrilhoados ao funcionamento da ideologia Esta compreendida aqui como uma praacutetica estaacute apensa ao processo de signifi caccedilatildeo do discurso e consequentemente do sujeito e dos sentidos Nessa perspectiva refl etir discursivamente sobre o corpo signifi ca compreender que ldquoa forma sujeito histoacuterica tem sua materialidade e que o indiviacuteduo interpelado em sujeito pela ideologia traz seu corpo por ela tambeacutem interpeladordquo (ORLANDI 2012 87) Dizemos entatildeo que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Eacute no e pelo corpo que transitam e circulam praacuteticas de signifi caccedilatildeo que se constituem na histoacuteria pelo funcionamento da linguagem na sociedade O corpo signifi ca entatildeo em sua forma material Ele se constitui como dizer em curso Ou ainda corpodiscurso (SOUZA 2010)

- 63 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O CORPO E(M) MOVIMENTO

Trabalhar discursivamente com o corpo compreendendo-o materialidade do sujeito implica levar em consideraccedilatildeo linguagem histoacuteria e ideologia Essa triangulaccedilatildeo (linguagem histoacuteria e ideologia) produz efeitos de sentido sobre o corpo discursivizando-o tornando-o corpodiscurso (SOUSA 2010) Compreende-se assim que o corpo eacute ldquoa materialidade do sujeito apropriada pelo Estado remarcado pelas instacircncias ideoloacutegicas e enformado por uma dialeacutetica poliacuteticardquo (SOUSA 2010 p 1) Esse funcionamento eacute fundador do processo de constituiccedilatildeo do sujeito em que a ideologia comparece interpelando pelo simboacutelico o indiviacuteduo em forma-sujeito-histoacuterica (ORLANDI 2003 2012) Essa forma-sujeito-histoacuterica capitalista de acordo com Orlandi (2012) estaacute suportada no juriacutedico atraveacutes de um conjunto de normas (direitos e deveres) que regulam de certa maneira os processos de individu(aliz)accedilatildeo do sujeito pelo Estado sendo este compreendido aqui a partir de instituiccedilotildees e discursos

Considerando entatildeo que o corpo signifi ca em sua forma material e tomando como condiccedilatildeo de produccedilatildeo a loacutegica capitalista temos que ao longo da histoacuteria esse corpo foi se constituindo tanto pela opressatildeo quanto pela manipulaccedilatildeo uma vez que ele era compreendido como uma ldquomaacutequinardquo ou melhor a fonte de acuacutemulo de capital (BARBOSA MATOS E COSTA 2011) Esse processo de formataccedilatildeo (manipulaccedilatildeo) do corpo na era capitalista produziu efeitos de sentidos nos modos de sua movimentaccedilatildeo e de sua inserccedilatildeo na sociedade A forma-sujeito-histoacuterica capitalista que se sustenta no juriacutedico em um conjunto de normas (direitos e deveres) conforme apresentamos acima produziu efeitos de normatizaccedilotildees para o corpo Trata-se de uma forma de poder O poder disciplinar O Estado por meio de instituiccedilotildees e discursos exerceu coercitivamente o controle do corpo no espaccedilo no tempo na sociedade Instala-se assim o poder normatizador do Estado que estabelece o ldquonormalrdquo como coerccedilatildeo social (FOUCAULT 2002) e porque natildeo dizer como coerccedilatildeo ideoloacutegica e ldquodessa maneira vatildeo

- 64 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

moldando padronizando homogeneizando corpos sujeitos e sentidosrdquo (MASSMANN 2018 p 44) De acordo com Barbosa Matos e Costa (2011 p 29) esse processo de disciplinarizaccedilatildeo do corpo na sociedade capitalista permanece ainda vigente hodiernamente ainda que por meio de funcionamentos que se alinham agraves condiccedilotildees de produccedilatildeo do seacuteculo XXI

As novas tecnologias de produccedilatildeo em massa desencadearam um processo de homogeneizaccedilatildeo de gestos e haacutebitos que se estendeu a outras esferas sociais entre elas a educaccedilatildeo do corpo que passou a identifi car-se natildeo soacute com as teacutecnicas mas tambeacutem com os interesses da produccedilatildeo (Hobsbawm 1996) Assim o ser humano eacute colocado a serviccedilo da economia e da produccedilatildeo gerando um corpo produtor que portanto precisa de ter sauacutede para melhor produzir (BARBOSA MATOS E COSTA 2011 p 29)

A partir das palavras das autoras compreende-se que o controle e a padronizaccedilatildeo do corpo passam a circular na sociedade dita moderna como resultado de um processo biopoliacutetico (FOUCAULT 2002) em que os corpos satildeo ldquodomesticadosrdquo para se formatar se enquadrar e se adequar a padrotildees sociais que se sustentam ideologicamente em relaccedilotildees de poder e consequentemente de dominaccedilatildeo Nesse sentido o poder e seus mecanismos de controle se manifestam no corpo compelindo-o agrave objetifi caccedilatildeo e agrave estandardizaccedilatildeo sob a forma de modelos preacute-estabelecidos historicamente que vatildeo ressignifi cando em funccedilatildeo das condiccedilotildees de produccedilatildeo

Esse movimento de supremacia do corpo tem sido reforccedilado com o advento de novas tecnologias que se alinham agrave loacutegica da produccedilatildeo De fato cada vez mais se impotildeem ao corpo modelos de sauacutede de eacutetica e de esteacutetica O corpo que destoa desses padrotildees instituiacutedos aparentemente como sendo ldquouniversaisrdquo eacute visto

- 65 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

como corpo-desvio corpo-a-normal corpo-doente Este corpo eacute colocado agrave margem da sociedade discriminado Este corpo agrave beira estaacute maculado pois como nos ensina Quijano (2009) ele traz em sua materialidade traccedilos vestiacutegios rastros do funcionamento das estruturas do poder e dos processos de categorizaccedilatildeo inclusatildeo e exclusatildeo que daiacute derivam Por vezes este eacute o corpo que acaba se tornando (in)visiacutevel Entretanto a partir de uma perspectiva discursiva podemos dizer que este eacute o corpo que em sua forma material encarna a ruptura a falha o equiacutevoco Eacute o corpo-re-existecircncia Ou ainda corpo-poliacutetico aquele que produz fi ssuras nas discursividades da sociedade contemporacircnea (MASSMANN 2018) A noccedilatildeo de corpo-poliacutetico eacute de suma importacircncia para a refl exatildeo que propomos e decorre justamente da posiccedilatildeo em que nos inserimos a saber agravequela de analista de discurso que considera a relaccedilatildeo do simboacutelico com o poliacutetico como fundamental para a compreensatildeo do funcionamento da linguagem De acordo com Massmann (2018 p 41)

o funcionamento da linguagem eacute poliacutetico e este por sua vez eacute compreendido por noacutes analistas de discurso como divisatildeo ldquodivisatildeo da sociedade divisatildeo dos sujeitos divisatildeo do sentido em que faz funcionar na sociedade capitalista relaccedilotildees de poder simbolizadasrdquo (ORLANDI 2013 p 28) Em relaccedilatildeo ao poliacutetico vale acrescentar ainda que uma vez compreendido discursivamente sempre como dividido eacute importante destacar que essa ldquodivisatildeo tem uma direccedilatildeo que eacute afetada pelas relaccedilotildees de forccedila advindas da forma da sociedade na histoacuteriardquo conforme Orlandi (1998 p 4) Dessa perspectiva o poliacutetico pode ser entendido como confl ito a partir das posiccedilotildees sujeito que satildeo assumidas (MASSMANN 2018 p 41)

- 66 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A partir do exposto considera-se que o corpo-poliacutetico eacute aquele cuja materialidade do sujeito produz rupturas nesse conjunto de normatizaccedilotildees sustentadas em relaccedilotildees de forccedila e de poder

O CORPO MACULADO

A fi m de ilustrar esse processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia debruccedilamo-nos sobre um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)2rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio publicada pela Editora 34 expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora O fragmento que selecionamos para essa refl exatildeo foi retirado do capiacutetulo Tatuagem3 que compotildee a primeira parte da obra em que se apresentam escritos sobre a vida em um campo de concentraccedilatildeo A narrativa se compotildee a partir do olhar da fi lha que conduz o leitor num percurso inicial de leitura em relaccedilatildeo ao corpo da matildee O ponto de partida de nosso recorte eacute justamente o enquadramento que a autora produz em relaccedilatildeo agrave tatuagem da matildee judia que em 1944 foi levada pelos nazistas ao campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz4 2 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012 3 Os fragmentos que satildeo analisados neste artigo natildeo apresentam o nuacutemero da paacutegina de onde foram retirados Eles foram transcritos a partir da leitura do capiacutetulo ldquoTatuagemrdquo na voz de Noemiacute Jaffe no episoacutedio ldquoO trabalho libertardquo da 1ordf Temporada de ldquoAs fi lhas da guerrardquo que foi ao ar em 17 de agosto de 2015 no Projeto Humanos Esse episoacutedio estaacute disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018 O Projeto Humanos eacute um podcast storytelling dedicado a contar histoacuterias reais de pessoas reais Eacute produzido por Ivan Mizanzuk desde 2015 Para mais informaccedilotildees acesse lt httpswwwprojetohumanoscombrgt Acesso em 01 set 2018 4 De acordo com o Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau ldquoo campo de concentraccedilatildeo nazista alematildeo de Auschwitz tornou-se para o mundo um siacutembolo do Holocausto de genociacutedio e terror Foi criado pelos alematildees na metade do ano de 1940 na periferia de Oświęcim cidade polaca que foi anexada ao Terceiro Reich pelos nazistas A cidade recebeu o nome alematildeo de ldquoAuschwitzrdquo que foi usado tambeacutem para determinar o nome do campo Konzentrationslager Auschwitz Na fase de auge de seu funcionamento o campo de Auschwitz era formado de trecircs partes principais 1) A primeira e mais antiga das partes

- 67 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 1

ldquoO nuacutemero no braccedilo dela eacute A16334 Os judeus da seacuterie ldquoArdquo foram presos a partir de maio de 1944 Foram contabilizados 20 mil homens e 29354 mulheres Dentre estas mulheres era a de nuacutemero 16334rdquo

De acordo com o arquivo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau5 os judeus que eram enviados a este campo de concentraccedilatildeo passaram por diferentes sistemas de identifi caccedilatildeo sendo a tatuagem um deles Auschwitz foi o uacutenico campo a instituir a tatuagem como meio de identifi caccedilatildeo de prisioneiros O modelo utilizado natildeo tinha um padratildeo uacutenico poderia ser empregado apenas um conjunto numeacuterico ou uma mescla de nuacutemeros e letras Em ambos os casos a composiccedilatildeo produzia o efeito de um nuacutemero de seacuterie O arquivo do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos destaca por sua vez que a implementaccedilatildeo desse sistema de identifi caccedilatildeo em Auschwitz comeccedilou entre 1941 e 1942 eacutepoca em que chegaram muitos prisioneiros de guerra sobretudo judeus sovieacuteticos No total foram identifi cadas o uso de pelo menos trecircs

foi Auschwitz I chamada de Stammlager (a quantidade de prisioneiros era de 12-20 tys) formada na metade do ano de 1940 no terreno e nos edifiacutecios do quartel polaco de antes da guerra e que foi sistematicamente aumentado para as necessidades do campo 2) A segunda parte foi o campo Auschwitz II-Birkenau (em 1944 contou com mais de 90 mil prisioneiros) a maior do complexo de campos Auschwitz Sua construccedilatildeo foi iniciada no outono de 1941 num terreno distante 3 km de Oświęcim na aldeia de Brzezinka de onde a populaccedilatildeo polaca foi expulsa e suas casas desmontadas Em Birkenau surgiu o maior centro de extermiacutenio em massa da Europa sob ocupaccedilatildeo ndash cacircmaras de gaacutes ndash onde os nazistas assassinaram a maior parte dos Judeus deportados ao campo 3) Terceira parte ndash campo Auschwitz III Monowitz (tambeacutem chamado de Buna no veratildeo de 1944 contava com mais de 11 mil prisioneiros) Inicialmente foi um dos subcampos de Auschwitz formado no ano de 1942 em Monowice distante 6 km de Oświęcim ao lado das fabricas de gasolina e borracha sinteacutetica Buna-Werke construiacutedas durante a guerra pela corporaccedilatildeo alematilde IG arbenindustrie Em novembro de 1944 o subcampo de Buna tornou-se independente e fi cou sendo chamado de KL Monowitz A maioria dos subcampos de Auschwitz estava sob sua administraccedilatildeordquo Fonte Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 20185 Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

- 68 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seacuteries numeacutericas a primeira e segunda seacuteries estavam destinadas ao grupo masculino e a terceira ao grupo feminino

A fi m de evitar a atribuiccedilatildeo de nuacutemeros excessivamente altos da seacuterie geral ao grande nuacutemero de judeus huacutengaros chegando em 1944 as autoridades da SS introduziram novas sequecircncias de nuacutemeros em meados de maio de 1944 Esta seacuterie precedida pela letra A comeccedilou com ldquo1rdquo e terminou em ldquo20000rdquo Quando o nuacutemero 20000 foi atingido uma nova seacuterie comeccedilando com a seacuterie ldquoBrdquo foi introduzida Cerca de 15000 homens receberam tatuagens da seacuterie ldquoBrdquo Por uma razatildeo desconhecida a seacuterie ldquoArdquo para mulheres natildeo parou em 20000 e continuou para 300006

Como podemos observar nesta citaccedilatildeo considerado o grande nuacutemero de prisioneiros enviados a Auschwitz da posiccedilatildeo sujeito-nazista a inclusatildeo das letras nas tatuagens de identifi caccedilatildeo visava em tese evitar a atribuiccedilatildeo de ordens numeacutericas extremamente altas Essa parece ser a justifi cativa que fi cou registrada nos inuacutemeros documentos produzidos pelos nazistas durante esse periacuteodo Entretanto da parte dos sobreviventes o emprego e o sentido da letra ldquoArdquo eacute uma questatildeo ainda em aberto sobretudo para Lili Jaff e Em outra passagem da narrativa em anaacutelise podemos acompanhar a reproduccedilatildeo de um diaacutelogo entre Noemiacute e sua matildee

6 Nossa traduccedilatildeo ldquoIn order to avoid the assignment of excessively high numbers from the general series to the large number of Hungarian Jews arriving in 1944 the SS authorities introduced new sequences of numbers in mid-May 1944 Th is series prefaced by the letter A began with ldquo1rdquo and ended at ldquo20000rdquo Once the number 20000 was reached a new series be-ginning with ldquoBrdquo series was introduced Some 15000 men received ldquoBrdquo series tattoos For an unknown reason the ldquoArdquo series for women did not stop at 20000 and continued to 30000rdquo In Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-sys-tem-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

- 69 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 2

- ldquoMatildee vocecirc sabe o que signifi ca esse ldquoArdquo na sua tatuagemrdquo- ldquoSei Eacute Auchiwtz Natildeo natildeo eacute Eacute arbeiten trabalho

Neste entremeio da duacutevida constitutiva do discurso de Lili agrave primeira vista eacute possiacutevel dizer que a letra ldquoArdquo pode signifi car Auschwitz ou ainda como ela nos mostra pode estar relacionada ao substantivo ldquoarbeitenrdquo que em alematildeo signifi ca ldquotrabalhordquo Os gestos de interpretaccedilatildeo de Lili Jaff e nos levam a refl etir sobre o sentido da palavra ldquotrabalhordquo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo a que ela nos remete a saber o nazismo Natildeo podemos esquecer que as condiccedilotildees de produccedilatildeo satildeo fundamentais no processo discursivo elas compreendem a situaccedilatildeo os sujeitos e a memoacuteria discursiva (ORLANDI 2002) Por exemplo se tomarmos a interpretaccedilatildeo dessa palavra (trabalho) nas condiccedilotildees de produccedilatildeo atuais (seacuteculo XXI) os sentidos produzidos satildeo completamente diferentes Entatildeo faz-se necessaacuterio estarmos atentos a essas questotildees para que nossa interpretaccedilatildeo natildeo se sustente naquilo que chamamos de evidecircncia de sentidos

Nesse movimento da interpretaccedilatildeo o sentido aparece como evidecircncia como se ele estivesse jaacute sempre laacute Interpreta-se e ao mesmo tempo nega-se a interpretaccedilatildeo colocando-a no grau zero Naturaliza-se o que eacute produzido na relaccedilatildeo do histoacuterico e do simboacutelico Por esse mecanismo - ideoloacutegico de apagamento da interpretaccedilatildeo haacute transposiccedilotildees de formas materiais em outras construindo-se transparecircncias ndash como se a linguagem e a histoacuteria natildeo tivessem espessura sua opacidade ndash para serem interpretadas por determinaccedilotildees histoacutericas que se apresentam como imutaacuteveis naturalizadas Este eacute o trabalho da ideologia produzir evidecircncias colocando o homem na relaccedilatildeo imaginaacuteria com suas condiccedilotildees materiais de existecircncia (ORLANDI 2002 p 46)

- 70 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com suas palavras Orlandi nos conduz a compreender que a linguagem natildeo eacute transparente Eacute pois pela fresta do funcionamento da linguagem na sua relaccedilatildeo com a histoacuteria que podemos entrever discursivamente para aleacutem dessa evidecircncia dos sentidos Isso signifi ca que de nossa posiccedilatildeo visualizamos outras possibilidades de interpretaccedilatildeo que levam em conta as condiccedilotildees de produccedilatildeo do nazismo e de seus gestos na relaccedilatildeo com a memoacuteria discursiva natildeo soacute no que diz respeito agraves crenccedilas do povo judeu mas tambeacutem no que concerne agrave palavra ldquotrabalhordquo

Analisando o sistema de identifi caccedilatildeo nazista descrito anteriormente compreende-se que naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo a tatuagem imposta como forma de identifi caccedilatildeo parece ter sido usada para fi ns absolutamente crueacuteis e desumanos Devemos considerar que para os judeus conforme a Torah livro sagrado e fundador do judaiacutesmo o corpo eacute uma ldquosantidade especial por ser um invoacutelucro para alma por este motivo ele deve ser tratado com respeitordquo7 Soma-se a isso ainda o fato de que para o judaiacutesmo a tatuagem eacute considerada uma forma de agressatildeo ao corpo e ao fazecirc-la infringe-se uma importante orientaccedilatildeo do livro Vayicraacute (Leviacutetico 1928) da Torah8 a saber ldquoNatildeo fareis laceraccedilotildees na vossa carne pelos mortos nem no vosso corpo imprimireis qualquer marca Eu sou o Senhorrdquo Desse modo a tatuagem no nazismo pode ser descrita como um gesto macabro e aniquilador Gesto que marca no corpo do judeu na sua carne e na sua memoacuteria de forma inapagaacutevel o oacutedio o poder a crueldade a desumanidade e o autoritarismo nazistas Dito de outra forma a tatuagem no corpo do judeu feito prisioneiro pode ser considerada como o genociacutedio inscrito na pele Com efeito os nazistas aleacutem de aprisionar e subjugar os judeus dilaceraram e violaram seus corpos e suas

7 In Associaccedilatildeo Israelita de Benefi cecircncia Beit Chabad do Brasil Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018 8 In Chabad Lubavitch Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

- 71 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

crenccedilas com tatuagens que lhes imputaram e lhes classifi caram como corpos maculados corpo agrave margem da hegemonia nazista da humanidade e de seu proacuteprio povo agrave medida que com a tatuagem exterminavam-se natildeo soacute as crenccedilas mas tambeacutem os laccedilos e processos de identifi caccedilatildeo entre os judeus

Em relaccedilatildeo agrave possibilidade de a letra ldquoArdquo que antecedia a sequecircncia numeacuterica na tatuagem de Lili Jaff e signifi car o substantivo ldquoarbeitenrdquo (ou seja ldquotrabalhordquo em alematildeo) eacute importante pensar aqui no funcionamento histoacuterico dos sentidos em torno da palavra ldquotrabalhordquo e tambeacutem considerar os efeitos de sentido da tatuagem na histoacuteria da humanidade De fato para os gregos e romanos por exemplo as tatuagens constituiacuteam uma forma de puniccedilatildeo Elas marcavam escravos e ladrotildees Criminosos E essas marcas na pele no corpo impediam que em caso de fuga os tatuados pudessem viver livremente em sociedade O corpo marcado era excluiacutedo do conviacutevio social Com base no exposto se levarmos em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees de produccedilatildeo do periacuteodo do nazismo podemos entrever nesse batimento com a histoacuteria da humanidade outrosnovos sentidos que satildeo postos em funcionamento a partir da tatuagem e tambeacutem da palavra ldquotrabalhordquo supostamente signifi cada na letra ldquoArdquo trata-se do trabalho escravo dos judeus em Auschwitz

DO CORPO-POLIacuteTICO AO CORPO-RE-EXISTEcircNCIA

A partir da refl exatildeo que propomos podemos considerar que a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo inscreveu-se como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente ou seja durante o periacuteodo do nazismo mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tiveram (tecircm) de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio O corpo

- 72 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

judeu foi marcado para sempre pelo fl agelo da monstruosidade nazista

Compreendemos entatildeo que a tatuagem no corpo de Lili Jaff e a signifi ca como prisioneira de guerra E produz assim um discurso do corpo Corpo feito refeacutem de um dos momentos mais terriacuteveis da histoacuteria da humanidade A tatuagem faz signifi car a histoacuteria daquele corpo ao mesmo que tempo que o conecta e o signifi ca na relaccedilatildeo com o corpo social neste caso o povo judeu O discurso do corpo estaacute pois materializado na tatuagem que (re)atualiza diariamente por diferentes gestos de interpretaccedilatildeo a memoacuteria do holocausto

Haacute que se refl etir ainda em relaccedilatildeo ao discurso sobre o corpo Para isso retomamos as palavras de Orlandi (1990[2008] p 44) para quem os discursos sobre ldquosatildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de)rdquo De fato se tomarmos os recortes em estudo podemos verifi car que nas duas passagens analisadas temos o funcionamento de discursos sobre a tatuagem de Lili Jaff e (e consequentemente sobre seu corpo) Enquanto o primeiro trata do nuacutemero o segundo ao trazer um diaacutelogo entre matildee e fi lha discorre sobre a letra tatuada e os possiacuteveis sentidos que dela derivam O discurso sobre a tatuagem de Lili Jaff e funciona entatildeo como uma espeacutecie de discurso mediador9 discurso de entremeio que vai se produzir e se constituir entre o discurso do10 corpo que traz materialmente a marca do holocausto e o interlocutor11 que com seus gestos de leitura e de interpretaccedilatildeo diz sobre esse corpo e essa marca em determinadas condiccedilotildees de produccedilatildeo 9 Ou discurso intermediaacuterio nas palavras de Mariani (1998 p 60) 10 O discurso de segundo Mariani (1998 p 60) pode ser compreendido como um discurso-origem11 Neste caso os interlocutores satildeo tanto Lili Jaffe que diz de sua tatuagem quanto Noemiacute sua fi lha

- 73 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enquanto discurso intermediaacuterio como forma de institucionalizaccedilatildeo dos sentidos o discurso sobre constitui uma interpretaccedilatildeo ou melhor ao se situar entre o discurso-origem e um interlocutor ele resulta de uma interpretaccedilatildeo ao mesmo tempo ele interveacutem na construccedilatildeo imaginaacuteria do interlocutor do sujeito e do dizer (COSTA 2014 p 34)

Nessa perspectiva tanto o diaacuterio de Lili Jaff e quanto os documentos12 que fazem parte do acervo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau e tambeacutem a obra13 em estudo constituem pois discursos sobre o corpo materializando diferentes vozes que tentam signifi car ou melhor que tentam dizer e interpretar o discurso do corpo de Lili Jaff e Esses discursos de e sobre trabalham incessantemente o limiar da intepretaccedilatildeo que natildeo reveladora demanda incansavelmente que se produza sentidos Eacute nessa relaccedilatildeo constitutiva entre discurso de e sobre o corpo judeu que se presentifi ca o memoraacutevel (re)atualiza a memoacuteria discursiva e a histoacuteria materializando-se assim sob a forma de corpo-poliacutetico

Eacute pois na brecha na fi ssura ainda que minuacutescula entre o discurso de e o discurso sobre que emerge a tensatildeo do poliacutetico com o simboacutelico confronto constitutivo do funcionamento da linguagem No caso do material analisado nesta refl exatildeo a noccedilatildeo de condiccedilotildees de produccedilatildeo conforme discutido anteriormente comparece de forma vigorosa no movimento de sentidos que faz derivar corpo-poliacutetico para corpo-re-existecircncia como podemos observar no fragmento abaixo tambeacutem retirado da obra que serviu de base para as anaacutelises aqui propostas

12 Documentos nazistas que fazem alguma referecircncia agrave ela a partir de seu nuacutemero de prisioneira13 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 74 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 3

Quando a fi lha visitou o museu do Holocausto em Yad Vashem em Jerusaleacutem em 2010 buscando encontrar o diaacuterio dela que estaacute laacute guardado a diretora do museu encontrou casualmente um registro de funcionaacuterias da cozinha de Auchiwitz de 1944 Era um registro elaborado por um ofi cial nazista Laacute estavam o nome e o nuacutemero dela aleacutem do de vaacuterias outras companheiras O efeito de ver o nuacutemero no braccedilo dela jaacute como parte de seu corpo e da composiccedilatildeo de sua fi gura tanto que ningueacutem o percebe mais e o efeito de ver o seu nome e o nuacutemero escrito numa folha de registro do campo grafados por um ofi cial nazista eacute radicalmente diferente Era como se a fi lha a estivesse vendo pela primeira vez Como se nunca soubesse que a matildee tinha um nuacutemero tatuado no braccedilo nem mesmo que ela tivesse sido prisioneira Entatildeo aquela histoacuteria contada em casa na sala na cozinha na infacircncia tambeacutem estaacute guardada em registros ofi ciais Aconteceu de verdade Tudo aquilo que foi contado que tem dimensatildeo de realidade somente dentro da imaginaccedilatildeo de quem escuta e na lembranccedila de quem viveu teve corpo tamanho volume tambeacutem nas matildeos de um soldado Ele escreveu o nome e o nuacutemero dela14

Dadas as condiccedilotildees de produccedilatildeo o corpo-poliacutetico agrave medida que na tensatildeo entre relaccedilotildees de forccedila do discurso de e do discurso sobre encontra uma forma de resistir e assim de (re)signifi car e ser (re)signifi cado Ao natildeo se deixar subjugar o corpo-poliacutetico resiste (corpo-re-existecircncia) e rompe Explode E assim produz a efervescecircncia de signifi caccedilotildees do corpo de Lili Jaff e e sobre o corpo de Lili Jaff e

Natildeo era exatamente a infraccedilatildeo que os nazistas tatuavam no corpo dos prisioneiros mas a

14 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 75 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

identifi caccedilatildeo inapagaacutevel de que se tratava de um prisioneiro Servia para facilitar o trabalho dos nazistas e para escrever na carne do condenado sua maior infraccedilatildeo existir Aquilo que fi ca escrito na carne como as rugas a fl acidez mas acima de tudo a tatuagem adquire e daacute agrave pessoa o sentido da existecircncia Ela existe porque tem essa marca e tem a marca porque existe15

REFEREcircNCIAS

ASSOCIACcedilAtildeO ISRAELITA DE BENEFICEcircNCIA BEIT CHABAD DO BRASIL Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018

BARBOSA M R MATOS P M amp COSTA M E ldquoUm olhar sobre o corpo o corpo ontem e hojerdquo In Psicologia amp Sociedade n 23 Vol1) 24-34 2011 Disponiacutevel em httpwwwscielobrpdfpsocv23n1a04v23n1pdf Acesso em 18 ago 2018

CHABAD LUBAVITCH Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

COSTA G C Sentidos de miliacutecia Entre a lei e o crime Campinas Editora da Unicamp 2014

FOUCAULT M Microfiacutesica do poder 17Ed Rio de Janeiro Ed Graal 2002

GALEANO E Las palabras andantes 5Ed Buenos Aires Cataacutelogos SRL 2001

HOBSBAWM E J A era do capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

15 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 76 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

MARIANI B O PCB e a imprensa os comunistas no imaginaacuterio dos jornais (1922-1989) Rio de JaneiroCampinas RevamEditora da Unicamp 1998

MASSMANN D O poliacutetico nada arte Instituiccedilotildees discursos resistecircncias In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL AUSCHWITZ-BIRKENAU History Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL DO HOLOCAUSTO DOS ESTADOS UNIDOS Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-system-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

QUIJANO A Colonialidade do poder e classifi caccedilatildeo social In SANTOS B de amp MENESES M P (Orgs) Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009

SOUZA L L de O discurso encarnado ou a passagem da carne ao corpodiscurso In Entremeios revista de estudos do discurso v1 n1 jul2010 Disponiacutevel em httpwwwentremeiosinfbr Acesso em 19 ago 2018

ORLANDI E P Sujeitos invisiacuteveis Sujeitos agrave interpretaccedilatildeo In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

- 77 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

_____ Ser diferente eacute ser diferente a quem interessam as Minorias In ORLANDI E P Linguagem sociedade poliacuteticas Pouso Alegre UNIVAacuteSCampinas RG Editores 2014

_____ Discurso em anaacutelise sujeito sentido ideologia Campinas Pontes Editores 2012

_____ Terra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundo Campinas Editora da Unicamp 1990[2008]

_____ Cidade dos sentidos Campinas SP Pontes 2004

_____ A linguagem e seu funcionamento as formas do discurso Campinas Pontes 1996

PROJETO HUMANOS Episoacutedio 2 ldquoO trabalho libertardquo In ldquoAs fi lhas da guerrardquo Disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018

- 78 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 79 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fernando Aparecido Ferreira

Conforme aprendemos com Bakhtin cujo postulado dialoacutegico foi incorporado pela Linguiacutestica Textual um texto (enunciado) natildeo existe nem pode ser avaliado eou compreendido isoladamente ele sempre estaacute em diaacutelogo com outros textos De acordo com Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 9) ldquotodo texto revela uma relaccedilatildeo radical do seu interior com seu exteriorrdquo Ainda segundo essas autoras de um texto ldquofazem parte outros textos que lhe datildeo origem que o predeterminam com os quais dialoga que ele retoma a que alude ou aos quais se opotildeemrdquo (KOCH BENTES e CAVALCANTE 2008 p 9) Chegamos assim ao conceito de intertextualidade criado na deacutecada de 1960 pela criacutetica literaacuteria francesa Julia Kristeva com base nas premissas de Bakhtin Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 14) afi rmam que para Kristeva ldquoqualquer texto se constroacutei como um mosaico de citaccedilotildees e eacute a absorccedilatildeo e transformaccedilatildeo de um outro textordquo

Propomos aqui neste trabalho tratar do emprego da intertextualidade como uma estrateacutegia retoacuterica analisando um texto audiovisual (portanto sincreacutetico e multimodal) no qual a relaccedilatildeo com outros textos (visuais verbais sonoros) foi deliberadamente utilizada como uma forma de contribuir para a adesatildeo de um auditoacuterio espectador Importante ressaltar que aqui trabalhamos com uma concepccedilatildeo moderna de texto que natildeo inclui

COISAS ESTRANHAS COISAS FAMILIARES A

INTERTEXTUALIDADE COMO ESTRATEacuteGIA RETOacuteRICA NA

WEBSEacuteRIE STRANGER THINGS

- 80 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

somente o verbal sendo portanto segundo Cavalcante (2013 p 17) texto tudo aquilo que constitui ldquouma unidade de linguagem dotada de sentidordquo que cumpre ldquoum propoacutesito comunicativo direcionado a um certo puacuteblico numa situaccedilatildeo especiacutefi ca de uso dentro de uma determinada eacutepoca em uma dada cultura que se situam os participantes desta enunciaccedilatildeordquo Em outras palavras tambeacutem podemos dizer que fazemos aqui uma anaacutelise textual de um discurso retoacuterico

O nosso objeto de estudo eacute a webseacuterie Stranger Th ings (ldquoCoisas estranhasrdquo mas que natildeo obteve traduccedilatildeo para o portuguecircs) Lanccedilada em julho de 2016 pelo canal de streaming NETFLIX Stranger Th ings eacute uma produccedilatildeo norte-americana criada produzida e dirigida pelos irmatildeos Matt e Ross Duff er Ambientada nos anos 1980 (mais especifi camente em 1983) e fi lmada tal como se fosse uma produccedilatildeo do mesmo periacuteodo a seacuterie cuja narrativa trafega entre o drama a aventura e o horror foi um imediato sucesso de criacutetica e de puacuteblico e jaacute eacute objeto de culto Tendo como marca identitaacuteria justamente o modo como evoca na forma e no conteuacutedo seacuteries e fi lmes norte-americanos da deacutecada de 1980 Stranger Th ings se vale ostensivamente da intertextualidade com produccedilotildees audiovisuais e visuais do periacuteodo recurso que contribuiu signifi cativamente para a adesatildeo de seu auditoacuterio-espectador Buscamos portanto refl etir rapidamente sobre o papel argumentativo da intertextualidade na seacuterie verifi cando em quais niacuteveis essa relaccedilatildeo com outros textos visuais e audiovisuais se manifesta

Tratando aqui da efi ciecircncia de uma comunicaccedilatildeo adentramo-nos portanto no universo da Retoacuterica que ldquovisa agrave adesatildeo dos espiacuteritosrdquo segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 16) Por meio das anaacutelises cabe dizer que em Stranger Th ings a intertextualidade eacute empregada como uma estrateacutegia retoacuterica contribuindo para despertar o interesse de espectadores pela seacuterie promovendo-lhes um resgate de memoacuterias afetivas

- 81 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

despertando-lhes os pathe da amizade e da confi anccedila Vaacuterios tipos de intertextualidade ndash temaacutetica estiliacutestica impliacutecita expliacutecita ndash se manifestam na seacuterie atestando a presenccedila consciente desse artifiacutecio como recurso retoacuterico e argumentativo

Vejamos como isso ocorre

Narrativas audiovisuais se destinam a provocar seus espectadores ativando seus afetos sentimentos e emoccedilotildees Esses aspectos satildeo componentes essenciais para angariar o interesse de um auditoacuterio-espectador pela trama ou temaacutetica de uma narrativa por seus personagens pela mensagem que pretende passar etc Num texto audiovisual narrativo e seriado essa preocupaccedilatildeo eacute fundamental para a garantia da adesatildeo e interesse do espectador aos episoacutedios que seguiratildeo e para a consequente produccedilatildeo de novos grupos de episoacutedios ndash as chamadas ldquotemporadasrdquo Cabe assim aos diretores produtores e roteiristas (os oradores desses discursos) saber bem o que pretendem comunicar ter competecircncia teacutecnica para utilizar a linguagem audiovisual para se expressar e conhecer bem aqueles que seratildeo os seus espectadores para conseguirem ativar neles as emoccedilotildees que desejam para que por fi m a interlocuccedilatildeo seja efi ciente

Em linhas gerais Stranger Th ings se desenvolve narrativamente a partir do desaparecimento de um garoto numa pequena e pacata cidade norte-americana e prossegue com os estranhos acontecimentos que satildeo revelados no processo das buscas para encontraacute-lo De imediato eacute possiacutevel perceber que a seacuterie tem uma intertextualidade temaacutetica com uma seacuterie lanccedilada no ano de 1990 Twin Peaks do cineasta David Lynch

Por intertextualidade temaacutetica entendemos a relaccedilatildeo entre textos que pertencem a uma mesma escola ou que partilham temas assuntos Ambas as seacuteries Stranger Th ings e Twin Peaks tecircm o mesmo fi o condutor um caso misterioso que ocorre em uma pequena cidade norte-americana cujas investigaccedilotildees satildeo conduzidas

- 82 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

principalmente por um homem da lei protagonista da seacuterie que se depara com questotildees sobrenaturais Enquanto em Twin Peaks o motivo condutor era ldquoQuem matou a jovem Laura Palmerrdquo em Stranger Th ings eacute ldquoO que aconteceu com o garoto Will Byersrdquo E se no primeiro a investigaccedilatildeo era protagonizada pelo agente do FBI Dale Cooper em Stranger Th ings a busca eacute conduzida pelo xerife local Jim Hopper Essa primeira intertextualidade temaacutetica daacute base para outras que promovem uma associaccedilatildeo mais imediata agraves produccedilotildees audiovisuais dos anos 1980 e defi ne como jaacute foi dito a identidade da webseacuterie Elencamos aqui quatro temas facilmente identifi caacuteveis

1) grupos de garotos nerds aventureiros

2) paranormalidade ou mais especifi camente crianccedila com po-deres paranormais

3) seres de outras dimensotildees

4) mundos paralelos

Esses temas satildeo recorrentes em vaacuterias produccedilotildees dos anos 1980 em fi lmes hoje considerados claacutessicos da eacutepoca No primeiro tema exemplifi camos com fi lmes como ET (1982) Explorers (Viagem ao mundo dos sonhos 1985) Th e Goonies (Os Goonies 1985) Stand by me (Conta comigo 1986) Th e Lost Boys (Os garotos perdidos 1987) Em Stranger Th ings apesar do protagonismo do xerife (e tambeacutem da matildee do garoto desaparecido interpretada pela atriz Winona Ryder) um grupo de meninos amigos do garoto Will que tambeacutem paralelamente buscam encontraacute-lo torna-se um dos principais pontos afetivos da seacuterie evocando os garotos de vaacuterias produccedilotildees de Steven Spielberg (o grande nome do cinema de entretenimento dos anos 1980)

Integrando o grupo de personagens principais da seacuterie haacute em Stranger Th ings a garota Eleven cujos poderes paranormais

- 83 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

evocam personagens de outras produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Poltergeist (1982) Firestarter (Chamas da vinganccedila 1984) Th e Shining (O iluminado 1980) e Th e Dead Zone (A hora da zona morta 1983) bem algumas do fi nal dos anos 1970 que reverberaram nos anos 1980 ndash por suas exibiccedilotildees na TV e lanccedilamento em videocassete ndash como Carrie (Carrie a estranha 1976) e Th e Fury (A fuacuteria 1978) Estabelece-se na evocaccedilatildeo a esses fi lmes mais uma intertextualidade temaacutetica dessa vez dentro do tema ldquoparanormalidaderdquo ou ldquocrianccedila com poderes paranormaisrdquo

Um dos misteacuterios de Stranger Th ings envolve um ser monstruoso de outra dimensatildeo tema tambeacutem recorrente em produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Alien (Alien o oitavo passageiro 1979) e sua continuaccedilatildeo Aliens (Aliens o resgate 1986) Predator (O Predador 1987) Th e Th ing (O enigma de outro mundo 1982) Outra intertextualidade temaacutetica eacute a que se refere a mundos paralelos ou sobrenaturais evocando fi lmes como Altered States (Viagens alucinantes 1980) Evil Dead (Uma noite alucinante a morte do democircnio 1981) e Evil Dead II (Uma noite alucinante II 1987) Nightmare on Elm Street (A hora do pesadelo 1984) e suas continuaccedilotildees sendo trecircs lanccediladas na deacutecada de 1980 e mais uma vez Poltergeist (1982) e suas duas continuaccedilotildees lanccediladas em 1986 e 1988

Corroborando a intertextualidade temaacutetica haacute tambeacutem uma relaccedilatildeo estiliacutestica de Stranger Th ings com produccedilotildees dos anos 1980 Conforme Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 19) ldquoa intertextualidade estiliacutestica ocorre por exemplo quando o produtor do texto com objetivos variados repete imita parodia certos estilosrdquo A cinematografi a da seacuterie Stranger Th ings com seus enquadramentos movimentos de cacircmera iluminaccedilotildees e tons cromaacuteticos repete a qualidade visual de algumas das produccedilotildees jaacute citadas como ET Explorers Th e Goonies e Alien mas tambeacutem especialmente nas cenas ambientadas no coleacutegio (onde as crianccedilas

- 84 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

estudam) ou nas que se enquadram no nuacutecleo adolescente na seacuterie Nessas cenas a luz e as cores de comeacutedias juvenis como Th e Breakfast Club (Clube dos cinco 1985) Sixteen Candles (Gatinhas e gatotildees 1984) Ferris Buellers Day Off (Curtindo a vida adoidado 1986) Weird Science (Mulher nota 1000 1985) e Pretty in Pink (Garota de rosa-shocking 1986) (Fig 1)

Figura 1 Cena do ambiente escolar de Stranger Th ings (topo) comparada agrave cinematografi a de fi lmes adolescentes dos anos 1980

como Ferris Buellers Day Off e Th e Breakfast Club

- 85 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fonte NETFLIX

Eacute possiacutevel tambeacutem identifi car uma intertextualidade estiliacutestica no acircmbito sonoro e graacutefi co-visual da seacuterie No primeiro nos referimos agrave trilha sonora executada com sintetizadores muito populares em arranjos de temas musicais da deacutecada de 1980 especialmente em produccedilotildees cinematograacutefi cas de suspense e terror A trilha musical de Stranger Th ings evoca a sonoridade e os acordes de composiccedilotildees de muacutesicos como John Carpenter Harry Manfredini Joe Renzetti Charles Bernstein Giorgio Moroder e Harold Faltermeyer responsaacuteveis pelas trilhas sonoras de fi lmes como Th e Fog (A bruma assassina 1980) Halloween (1981) Christine (1983) Th ey Live (Eles vivem 1988) Friday the 13th (Sexta-Feira 13 1980) Poltergeist III (1988) Childrsquos Play (Brinquedo Assassino 1988) Nightmare on Elm Street Flashdance (1983) Neverending Story (A histoacuteria sem fi m 1984) Beverly Hills Cop (Um tira da pesada 1984) e Top Gun (Ases indomaacuteveis 1986)

No acircmbito graacutefi co-visual temos na abertura de Stranger Th ings (Fig 2) uma alusatildeo agraves composiccedilotildees e estilos tipograacutefi cos empregados nas capas de livros do autor Stephen King lanccedilados na mesma eacutepoca (Fig 3) King foi um autor de grande popularidade

- 86 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na deacutecada de 1980 e uma parte signifi cativa dos fi lmes com os quais Stranger Th ings mantem uma relaccedilatildeo de intertextualidade (Th e Dead Zone Firestarter Stand by Me para citar alguns) foram baseados em suas obras O logotipo de Stranger Th ings (que aparece na abertura da seacuterie) eacute apresentado em caixa alta centralizado em duas linhas com os caracteres iniciais e fi nais da primeira palavra maiores que os demais aludindo ao design do nome de Stephen King nas capas de seus livros

Figura 2 Cena da abertura de Stranger Th ings com o logotipo da webseacuterie

Fonte NETFLIX

- 87 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 3 Capa da obra Misery de Stephen King

Fonte httpsenwikipediaorgwikiMisery_(novel) Acesso em 18 de julho de 2018

Em Stranger Th ings a intertextualidade estiliacutestica conecta-se a um outro tipo de intertextualidade a impliacutecita Segue abaixo a defi niccedilatildeo de Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 30)

Tem-se a intertextualidade impliacutecita quando se introduz no proacuteprio texto intertexto alheio sem qualquer menccedilatildeo expliacutecita da fonte com o objetivo quer de seguir-lhe a orientaccedilatildeo argumentativa quer de contraditaacute-lo colocaacute-lo em questatildeo de ridicularizaacute-lo ou argumentar em sentido contraacuterio

Encontramos em Stranger Th ings uma intertextualidade impliacutecita do primeiro caso parafraacutestica sendo aquilo que SantrsquoAnna (1985) denomina ldquointertextualidade das semelhanccedilasrdquo e Greacutesillon

- 88 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e Maingueneau (1984 apud KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M 2008 p30) chamam de ldquocaptaccedilatildeordquo Na webseacuterie encontramos citaccedilotildees natildeo explicitadas de sequecircncias de muitos fi lmes jaacute citados aqui como ET Stand by me (Fig 4) Altered States Alien Explorers e Nightmare on Elm Street e de fi lmes ainda natildeo citados como Birdy (Asas da liberdade 1984) e Commando (Comando para matar 1985)

Figura 4 Comparaccedilotildees entre Stand by me de 1986 (lado esquer-do) e Stranger Th ings (lado direito)

Fonte httpsipinimgcomoriginals8e057f8e057fea4381769eeb37053026653065jpg Acesso em 18 jul 2018

- 89 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 5 Comparaccedilotildees entre Altered States de 1980 (topo) e Stranger Th ings

Fonte httpswwwimdbcomtitlett0080360 Acesso em 18 jul 2018

Tambeacutem chama atenccedilatildeo mais uma vez a abertura da seacuterie (Fig 6) cujo movimento das letras remete agrave abertura do fi lme Dead Zone (Fig 7)

- 90 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 6 Cenas da sequecircncia de abertura de Stranger Th ings

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlestranger-things Acesso em 18 jul 2018

Figura 7 Cenas da sequecircncia de abertura do fi lme Dead Zone (1983)

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlethe-dead-zone Acesso em 18 jul 2018

Percebe-se que os produtores de Stranger Th ings lanccedilam matildeo dessas ldquoparaacutefrasesrdquo argumentativamente recriando cenas memoraacuteveis criando no auditoacuterio-espectador uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu criando assim uma sensaccedilatildeo de familiaridade e facilitando

- 91 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

a adesatildeo do seu auditoacuterio-espectador Por outro lado eles reaproveitam soluccedilotildees visuais jaacute testadas sobre como apresentar uma situaccedilatildeo ou um personagem reforccedilando o uso da intertextualidade como uma forma de seguir a orientaccedilatildeo argumentativa de claacutessicos e sucessos do entretenimento audiovisual (no caso aplicado em uma instacircncia narrativa) que incluem fi lmes notoriamente benquistos como ET Th e Goonies Poltergeist e Alien os principais textos-fontes de Stranger Th ings O meacuterito da seacuterie estaacute em conseguir realizar um mosaico de intertextos sem perder sua coesatildeo narrativa

O que chama a atenccedilatildeo eacute o fato de Stranger Th ings natildeo depender do reconhecimento do intertexto pelo espectador algo diferente do que ocorre em fi lmes-paroacutedia por exemplo nos quais o humor soacute se estabelece totalmente se ocorrer a ativaccedilatildeo do texto-fonte na memoacuteria discursiva do espectador A natildeo recuperaccedilatildeo do intertexto em Stranger Th ings natildeo compromete o processo de construccedilatildeo de sentido Isso se explica pela proximidade da seacuterie com seus textos-fontes num ponto que quase se confi gura um plaacutegio sendo mesmo uma ldquocaptaccedilatildeordquo que no entanto exime os oradores do plagiato por natildeo haver uma intenccedilatildeo de camufl ar ou apagar as fontes do intertexto Nesse sentido eacute que podemos dizer que a intertextualidade foi aqui empregada retoricamente pois funciona tanto como um recurso para a construccedilatildeo de uma narrativa de apelo e faacutecil adesatildeo (valendo-se de foacutermulas jaacute testadas e sabidamente agradaacuteveis aos espectadores) como tambeacutem um recurso que desperte a curiosidade sirva como argumento promocional e possibilite a participaccedilatildeo ativa do espectador no processo de recuperaccedilatildeo dos intertextos ndash algo que se manifestou nas inuacutemeras postagens nas redes sociais nas quais os espectadores da seacuterie revelavam suas descobertas

Em Stranger Th ings a referecircncia ao universo audiovisual dos anos 1980 eacute tambeacutem feita claramente mencionando esses textos Temos aiacute portanto uma intertextualidade expliacutecita que eacute aquela

- 92 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que ocorre quando no proacuteprio texto eacute mencionada a fonte do intertexto Na seacuterie vemos isso ocorrendo tanto no niacutevel verbal como visual No verbal temos como exemplo quando no primeiro episoacutedio a matildee de Will o convida para ir ao cinema assistir Poltergeist Tambeacutem ocorre quando um dos personagens chama a namorada para assistir ao fi lme All the Right Moves (A chance 1983) estrelado por Tom Cruise No campo visual vemos uma intertextualidade expliacutecita nos programas de TV que satildeo vistos pelos personagens como o desenho animado He-Man (Fig 8) e a seacuterie Night Rider (A super maacutequina) como tambeacutem nos pocircsteres de fi lmes que decoram as casas dos garotos notadamente dos fi lmes Th e Th ing e Evil Dead (Fig 9) A presenccedila da intertextualidade expliacutecita comprova a natildeo tentativa de camufl ar a intertextualidade impliacutecita eximindo os produtoresdiretores da acusaccedilatildeo de plaacutegio No caso de Stranger Th ings a intertextualidade impliacutecita se manifesta como homenagem aos fi lmes dos anos 1980 Ainda cabe inferir que a intertextualidade expliacutecita se apresenta principalmente como um recurso argumentativo para contextualizar um periacuteodo dar credibilidade para a reconstituiccedilatildeo da eacutepoca em que se passa a narrativa Tanto que podemos dizer que essa referecircncia expliacutecita natildeo soacute eacute comum como tambeacutem necessaacuteria em fi lmes de eacutepoca ou mesmo contemporacircneos para um bom estabelecimento do tempo e do espaccedilo em que se desenvolve a trama ou seja para uma signifi cativa e convincente construccedilatildeo da diegese

- 93 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 8 He-Man visto na TV em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Figura 9 Cartaz do fi lme Evil Dead em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Sendo a referecircncia aos textos visuais e audiovisuais dos anos 1980 a identidade de Stranger Th ings eacute interessante verifi car como esse recurso argumentativo tambeacutem se estendeu para o seu material promocional (cartazes e trailersteasers) Para o design do cartaz da seacuterie o artista Kyle Lambert seguiu o estilo dos trabalhos de Drew Struzan famoso pelos cartazes que fez para fi lmes como Th e Goonies Indiana Jones and the Temple of Doom (Indiana Jones e o Templo da Perdiccedilatildeo 1984) Back to the Future (De volta para

- 94 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o futuro 1985) Dreamscape (A morte nos sonhos 1984) e Big Trouble in Little China (Aventureiros do bairro proibido 1986) Nesse caso o cartaz de Stranger Th ings tem uma intertextualidade estiliacutestica com os cartazes cinematograacutefi cos dos anos 1980 (Fig 10)

Figura 10 Cartaz de Kyle Lambert para Stranger Th ings e cartaz de Drew Struzan para Back to the Future II

Fonte httpwwwimpawardscom Acesso em 18 jul 2018

Cabe destacar tambeacutem o viacutedeo lanccedilado para promover a seacuterie entre os espectadores brasileiros que contou com a presenccedila da apresentadora Xuxa reproduzindo um quadro do seu extinto programa na Rede Globo de Televisatildeo o Xou da Xuxa tambeacutem surgido nos anos 1980 (Fig 11) Nessa intertextualidade expliacutecita

- 95 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

confi gurada aqui como um pastiche1 a apresentadora recebe uma carta da matildee do garoto Will Byers solicitando ajuda para encontrar seu fi lho desaparecido Xuxa faz uma imitaccedilatildeo de si proacutepria inclusive fazendo referecircncias aos boatos e ldquolendasrdquo que lhe eram associados na eacutepoca do seu programa como o fato de ter feito um pacto com forccedilas ocultas que resultaram em bonecas possuiacutedas que atacavam crianccedilas e discos que revelavam mensagens sinistras quando tocados ao contraacuterio Nesse viacutedeo promocional divulgado no Facebook e no YouTube o humor foi empregado como um recurso argumentativo para despertar o interesse do auditoacuterio

Figura 11 Cena do viacutedeo promocional para Stranger Th ings com a apresentadora Xuxa

Fonte httpswwwyoutubecomwatchv=2t-AIbErqts Acesso em 30 jul 2018

Segundo Aristoacuteteles (2012 p 13) ldquopersuade-se pela disposiccedilatildeo dos ouvintes quando estes satildeo levados a sentir emoccedilatildeo por meio do discursordquo E quando temos uma argumentaccedilatildeo que se fundamenta no estado emocional do auditoacuterio temos

1 ldquoO pastiche se caracteriza pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor ou de traccedilos de sua autoria () caracteriza-se pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor de um fi lme enfi m mas com fi nalidade satiacuterica ()rdquo (CAVALCANTE 2013 p 165-166) No caso em anaacutelise ndash um viacutedeo promocional de Stranger Things ndash eacute feita uma imitaccedilatildeo do quadro do programa Xou da Xuxa (ainda que com a proacutepria apresentadora) com fi ns satiacutericos

- 96 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma argumentaccedilatildeo fundada no pathos As paixotildees despertadas infl uenciam psicologicamente o auditoacuterio e por conseguinte afetam tambeacutem seus julgamentos Nesse sentido Stranger Th ings eacute um discurso que tenta provocar no auditoacuterio-espectador uma disposiccedilatildeo emocional adequada agrave recepccedilatildeo da tese que propotildee ser aceita a saber criar um entretenimento que natildeo soacute desperte o interesse mas que tambeacutem promova uma adesatildeo emocional e afetiva

Figura 12 As crianccedilas de Stranger Th ings (topo) e ET e Th e Goonies

Fonte httpswwwimdbcom Acesso em 18 jul 2018

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 97 -

Pode-se inferir que as intertextualidades presentes em Stranger Th ings contribuem retoricamente para o sucesso da seacuterie por despertar no auditoacuterio paixotildees eufoacutericas com as da amizade e da confi anccedila Da amizade porque as situaccedilotildees narrativas apresentadas bem como os personagens (em suas intertextualidades temaacuteticas estiliacutesticas e impliacutecitas) contribuem para criar no auditoacuterio uma relaccedilatildeo de proximidade uma familiaridade uma empatia imediata2 Os garotos da seacuterie se apresentam como personagens que jaacute conhecemos com os quais jaacute temos amizade e por quem sentimos carinho Eles tecircm o DNA dos amados personagens de ET Goonies e Poltergeist (Fig 12) Da paixatildeo da amizade decorre a paixatildeo da confi anccedila Sobre a paixatildeo da confi anccedila Aristoacuteteles afi rma

A confi anccedila eacute o contraacuterio do medo e o que inspira confi anccedila eacute o contraacuterio do que inspira medo de modo que a esperanccedila eacute acompanhada pela representaccedilatildeo de que as coisas que estatildeo proacuteximas podem salvar-nos ao passo que as que causam temor natildeo existem ou estatildeo longe (ARISTOacuteTELES 2012 p 103)

Em Stranger Th ings a amizade despertada pela familiaridade afasta o receio de ldquoperder tempordquo e gera a confi anccedila de que a seacuterie seraacute boa de que vale a pena assisti-la

Por fi m cabe dizer que em termos argumentativos a intertextualidade presente em Stranger Th ings funciona como uma fi gura de comunhatildeo Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 201) ldquoas fi guras de comunhatildeo satildeo aquelas em que mediante procedimentos literaacuterios o orador empenha-se em criar ou confi rmar a comunhatildeo com o auditoacuteriordquo Os autores complementam ldquoAmiuacutede essa comunhatildeo eacute obtida mercecirc de referecircncias a uma cultura a uma tradiccedilatildeo a um passado comunsrdquo

2 ldquoA camaradagem a familiaridade o parentesco e outras relaccedilotildees semelhantes satildeo espeacutecies de amizaderdquo (ARISTOacuteTELES 2012 P 98)

- 98 -

Tendo como auditoacuterio aqueles que detecircm a cultura do cinema de entretenimento norte-americano os oradores de Stranger Th ings buscaram comungar com ele (esse auditoacuterio) por meio do resgate de uma memoacuteria afetiva (ligada agrave infacircncia e agrave adolescecircncia)

REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel dos Nascimento Pena Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

CAVALCANTE M M Os sentidos do texto Satildeo Paulo Contexto 2013

KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M Intertextualidade diaacutelogos possiacuteveis 2 ed Satildeo Paulo Cortez 2008

NETFLIX Stranger Th ings Disponiacutevel em httpswwwnetfl ixcombr Acesso em 12 jul 2018

PERELMAN C OLBRECHTS-TYTECA L Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo Maria Ermentina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 2005

SANTrsquoANNA A R Paroacutedia paraacutef rase e cia Satildeo Paulo Aacutetica 1985

- 99 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Gerardo Ramiacuterez Vidal

En relacioacuten con la hypoacutekrisis que en latiacuten se traduce como actio y pronuntiatio se conocen con mucha claridad las fuentes antiguas la enorme importancia que tuvo esa praacutectica y los diversos elementos que se tomaban en cuenta ya sea en su estudio como en su praacutectica De manera paradoacutejica un anaacutelisis semaacutentico maacutes puntual de esa palabra griega muestra que su aplicacioacuten a la ejecucioacuten retoacuterica no fue apropiada pues se limitaba a algunos elementos prosoacutedicos pero no al gesto a los ademanes y al movimiento del cuerpo De cualquier modo en la Grecia antigua puede individualizarse un arte general de la pronunciacioacuten llamada hypokritikē o hipocriacutetica que Aristoacuteteles habiacutea previsto pero no alcanzoacute a desarrollarse De tal manera en las paacuteginas siguientes muestro primero la importancia de este elemento en la praacutectica oratoria luego su insufi ciencia en el caso de la ejecucioacuten retoacuterica y por uacuteltimo los fundamentos y elementos de esa disciplina general llamada hypocriacutetica

EL TEacuteRMINO HYPOacuteKRISIS EN LAS FUENTES ANTI-GUAS

En cuanto a las fuentes antiguas brevemente diremos que Aristoacuteteles fue el primero en considerar la hypoacutekrisis como una parte u ofi cio de la retoacuterica hizo algunas observaciones puntuales acerca de este asunto1 y sentildealoacute que tambieacuten es competencia de otras

1 Cf sobre todo Arist Rh III 1403b18-1404a19 pasaje sobre el cual volveremos

LA HIPOCRIacuteTICA O ARTE DE LA EXPRESIOacuteN ORAL

EN LA RETOacuteRICA GRIEGA CLAacuteSICA

- 100 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

artes la tragedia la poeacutetica y la rapsoacutedica Su disciacutepulo Teofrasto dedicoacute a ese tema un tratado especial el Περὶ ὑποκρίσεως en un libro seguacuten la lista de Dioacutegenes Laercio aunque soacutelo se conserva el tiacutetulo y dos referencias Sobre el caraacutecter y contenido de esta obra es difiacutecil pronunciarse2 En la segunda mitad del siglo II a C Hermaacutegoras de Temnos la consideroacute como una parte de la retoacuterica y es probable que de eacutel provenga el origen del desarrollo latino de este ofi cio del orador3 Filodemo abordoacute aspectos importantes pero de manera aislada4 Ya en eacutepoca imperial Casio Longino resume el asunto brevemente5 y algunos otros autores griegos transmiten los conocimientos mencionados6 Sin embargo fueron los latinos quienes expusieron de manera maacutes amplia y sistemaacutetica la actio y pronuntiatio en particular Quintiliano quien dedica a este asunto el amplio capiacutetulo 3 del libro XI7

2 En Vitae Philosophorum 54812 Dioacutegenes Laercio registra el tiacutetulo Περὶ ὑποκρίσεως entre las 225 obras de Teofrasto incluida entre los 24 tratados de retoacuterica Esta obra es independiente del Arte retoacuterica que aparece en la lista dos obras antes y que a su vez podriacutea abordar la hypoacutekrisis De la obra sobre la actuacioacuten se conservan dos referencias frr 712 y 713 (Fortenbaugh 1992 vol II) La primera proviene de Atanasio (Prol In Herm De statibus en RhGr xiv 1773-8 Rabe) se puede suponer que su contenido podriacutea contener (a) la valoracioacuten de la hypoacutekrisis como el instrumento maacutes importante del orador (b) las pasiones del alma y el anaacutelisis de ellas asiacute como sus fundamentos y (c) conjuncioacuten del movimiento del cuerpo y del tono de la voz (τὴν κίνησιν τοῦ σώματος καὶ τὸν τόνον τῆς φωνῆς) en el entero conocimiento de ese ofi cio del orador (cf Vallozza 2000 273-274) se hace una referencia clara al orador y no al actor La segunda se encuentra en Ciceroacuten (De or iii 221) donde el autor se refi ere en especial a la importancia del sentido de la vista en la accioacuten oratoria Sin embargo el caraacutecter retoacuterico y el contenido de la obra teofrastea son soacutelo hipoteacuteticos lo uacutenico seguro es la referencia de Ciceroacuten (De or III 221) de que un tal Taurisco (seguacuten Teofrasto) sentildealaba que el orador que ejecuta su discurso con los ojos fi jos se asemeja a un actor que recita estando de espaldas al puacuteblico3 Seguacuten Matthes la hypoacutekrisis seriacutea la cuarta y uacuteltima parte de la retoacuterica despueacutes de la heacuteuresis la oikonomiacutea y la mnēmē (Hermag 1962 p vi)4 Philod Rh I 1963 ss Sudh (sobre la hypoacutekrisis como parte de la retoacuterica) I 20116 ss Sudh (sobre la adecuacioacuten de la hypoacutekrisis a los diferentes tipos de personas)5 Cassius Longinus Ars rhetorica 1 p 566-567 Walz (tambieacuten en L Spengel (ed) Rhetores Graeci vol 1 Leipzig Teubner 1853 pp 310-312)6 Cf Theo Progymn 1 p 66 Walz con escolio (Walz I p 257) el anoacutenimo Prolegomena de la retoacuterica 6 pp 35-36 Walz7 Cf Frachet 2011-2012 y un esbozo reciente en Hilder 2018

- 101 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

La importancia de la hypoacutekrisis o actio-pronuntiatio fue un toacutepico recurrente en la retoacuterica antigua El testimonio de Aristoacuteteles es fundamental Al hablar de las partes de la retoacuterica al comienzo del libro III de su Retoacuterica afi rma que en primer lugar son los asuntos en segundo el estilo y en tercero ldquoaquello que tiene el mayor poder de persuasioacuten los elementos de la hypoacutekrisis8 La idea del enorme poder de la actuacioacuten se presenta auacuten con mayor evidencia en la aneacutecdota sobre Demoacutestenes quien consideraba que la retoacuterica se reduciacutea a esa parte9 y en Ciceroacuten quien afi rma que la elocuencia no es nada sin la actio y que eacutesta en cambio sin ella es una gran cosa pues su poder discursivo es muy grande10 En fi n Quintiliano (Inst or XI 34-8) presenta algunos ejemplos notables de la importancia de esta parte de la retoacuterica y expresa que la pronuntiatio tiene en siacute misma una efi cacia y un poder extraordinarios en la oratoria11 y que un mal discurso confi ado a la fuerza de la actuacioacuten tiene maacutes efi cacia que un buen

8 Arist Rh 1403b20-22 Τρίτον δὲ τούτων ὃ δύναμιν μὲν ἔχει μεγίστην οὔπω δ ἐπικεχείρηται τὰ περὶ τὴν ὑπόκρισιν9 El autor anoacutenimo de la Vida de Demoacutestenes cuenta una historia muy conocida en la Antiguumledad (cf Plu Dem 7 Cic Or 56 y De or III 213 Quint Inst or XI 36) descorazonado Demoacutestenes por su fracaso en una asamblea el actor Androacutenico le dijo que sus palabras estaban bien pero que le faltaba lo relativo a la ὑπόκρισις ([Plu] Mor 845a7-8 ὁ ὑποκριτὴς Ἀνδρόνικος εἰπὼν ὡς οἱ μὲν λόγοι καλῶς ἔχοιεν λείποι δ αὐτῷ τὰ τῆς ὑποκρίσεως) Para mostrar lo anterior el actor repitioacute el discurso pronunciado por el orador en la asamblea y al notar la diferencia Demoacutestenes siguioacute las lecciones de Androacutenico Ya reconocido como gran orador poliacutetico cuando alguien le preguntaba queacute era lo primero en la retoacuterica respondiacutea que la pronunciacioacuten queacute lo segundo la pronunciacioacuten y queacute lo tercero la pronunciacioacuten ([Plut] Mor 845b3-5 ὅθεν ἐρομένου αὐτόν ltτινοςgt τί πρῶτον ἐν ῥητορικῇ εἶπεν lsquoὑπόκρισιςrsquomiddot καὶ τί δεύτερον lsquoὑπόκρισιςrsquomiddotκαὶ τί τρίτον lsquoὑπόκρισιςrsquo)10 Cf Cic Or 56 si enim eloquentia nulla sine hac haec autem sine eloquentia tanta est certe plurimum in dicendo potest Cf tambieacuten Cic De or 213 Rh Her III 19 Pronuntiationem multi maxime utilem oratori dixerunt esse et ad persuadendum plurimum ualere 11 Cf Quint Inst or XI 32 habet autem res ipsa miram quandam in orationibus vim ac potestatem

- 102 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

discurso privada de ella12 En consecuencia podemos observar que la hypoacutekrisis actio o pronuntiatio fue considerada en la Antiguumledad claacutesica como el elemento maacutes importante de la retoacuterica o por lo menos como el punto culminante del discurso

IMPRECISIONES DEL TEacuteRMINO

Sin embargo el asunto es maacutes complejo de lo que parece sobre todo por las siguientes razones primero la hypoacutekrisis no es un teacutermino adecuado para la ejecucioacuten oratoria segundo la nocioacuten teniacutea una connotacioacuten negativa como elemento de la oratoria tercero esa palabra indica en su origen soacutelo una parte de lo que hoy entendemos por ejecucioacuten discursiva Sobre estos tres puntos me detendreacute brevemente

En primer lugar la terminologiacutea empleada en el aacutembito retoacuterico es imprecisa para el estudioso moderno En griego el teacutermino hypoacutekrisis13 se refi ere a una forma de hablar imitando 12 Cf Quint Inst or XI 35 Equidem vel mediocrem orationem commendatam viribus actionis adfi rmarim plus habituram esse momenti Quam optimam eadem illa destitutam 13 El sustantivo de accioacuten ὑπόκρισις y el sustantivo agente ὺποκριτής provienen del verbo en voz media ὑποκρίνομαι que podiacutea tener tres signifi cados (1) lsquoresponderrsquo verbalmente a o pronunciarse sobre alguna situacioacuten o asunto sin necesidad de que existiera una pregunta (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix notas 10 y 17) por ejemplo lsquointerpretarrsquo los suentildeos sentido que ya aparece en el verbo simple (cf el teacutermino onirokriacutetica aunque es de eacutepoca posterior) a partir del sentido originario lsquosepararrsquo o lsquo escogerrsquo y de ahiacute lsquodecidirrsquo lsquojuzgarrsquo (2) De manera especiacutefi ca lsquoresponder a una preguntarsquo (cf LSJ sv ὑποκρίνω) siendo en este caso equivalente en aacutetico a ἀποκρίνομαι (cf Gonzaacutelez 2013 notas 9 y 12 del Appendix) Designa la accioacuten de lsquoresponderrsquo por parte del inteacuterprete en los oraacuteculos y de ahiacute se pasa al sentido comuacuten de lsquoresponderrsquo (3) En aacutetico signifi ca lsquorecitarrsquo lsquodeclamarrsquo lsquotomar el papel de alguien en la escenarsquo o lsquosimularrsquo lsquofi ngirrsquo como veremos maacutes adelante Es en este tercer sentido que podriacutea haberse utilizado el sustantivo agente hypokritēs que ya existiacutea en el siglo VI antes de ser aplicado al actor traacutegico con los sentidos de lsquoejecutantersquo o lsquointeacuterpretersquo (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix nota 4) La idea de que el teacutermino hypokritēs se empleaba en el sentido de apokritēs (aacutetico) como el personaje que responde al coro resulta poco apropiada (emplear un teacutermino no aacutetico en una praacutectica aacutetica cuando existiacutea otro teacutermino apropiado para ello)

- 103 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o fi ngiendo ser una persona o como la defi ne el reacutetor Casio Longino ldquouna imitacioacuten de actitudes y pasionesrdquo siendo eacutesta una imitacioacuten expresiva que reproduce los supuestos modos de hablar de alguien14 Eso es lo que hacen los actores en el teatro claacutesico al hablar imitan actitudes y emociones fi ngen las caracteriacutesticas prosoacutedicas de un determinado personaje

Aristoacuteteles y maestros posteriores designaron con ese teacutermino teatral el ofi cio del orador relativo a la exposicioacuten discursiva aunque no era adecuado para designar la praacutectica de la ejecucioacuten oratoria pues mientras el fi ngir o imitar es algo apropiado y necesario en la obra dramaacutetica mdash que trata de fi cciones para divertir al puacuteblico y no de cuestiones de la vida ordinaria mdash es algo condenable en la oratoria que trata sobre asuntos reales sobre problemas sociales y poliacuteticos o sobre cuestiones judiciales La ejecucioacuten oratoria es muy diferente de la dramaacutetica simplemente porque aqueacutella no tiene como fi nalidad imitar actitudes y pasiones para purifi car el alma del oyente sino expresar con mayor claridad los argumentos adecuaacutendolos a los humores del auditorio y buscando modifi car o reforzar sus decisiones15 Quintiliano sentildealaba con eacutenfasis sobre el caraacutecter moderado de la actuacioacuten oratoria (Inst or XI 3183-

14 C Long Rh 56713 Ὑπόκρισίς ἐστι μίμησις τῶν κατ ἀλήθειαν ἑκάστῳ παρισταμένων ἠθῶν καὶ παθῶν καὶ διάθεσις σώματός τε καὶ τόνου φωνῆς πρόσφορος τοῖς ὑποκειμένοις πράγμασι ldquoLa hypoacutekrisis es una imitacioacuten de las actitudes y pasiones presentadas en cada caso de acuerdo con la verdad y una disposicioacuten tanto del cuerpo como de la entonacioacuten de la voz uacutetil para los asuntos de que se tratardquo15 En el aacutembito de la oratoria aacutetica el verbo ὑποκρίνομαι aparece soacutelo en Demoacutestenes con la connotacioacuten negativa de lsquoactuarrsquo como en 185 donde el escolio lo interpreta con el signifi cado de lsquohacer falsas acusacionesrsquo Cf escolio a Dem 18153 en Scholia Demosthenica Ed MR Dilts Leipzig Teubner vol 1 1983 ad loc (apud TLG) ὑποκρίνεται] ἀντὶ τοῦ ψευδῶς κατηγορεῖ ὑπόκρισις γάρ ἐστιν ἡ προσποίησις ἡ ἐκτὸς οὖσα τῆς ἀληθείας ldquoHypoacutekrisis] en vez de hacer acusaciones falsas En efecto hypoacutekrisis es la reclamacioacuten de que estaacute fuera de la verdadrdquo

- 104 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

184) Desgraciadamente los estudios modernos han resaltado sobre todo las semejanzas entre el teatro y la oratoria pero no las enormes diferencias que los apartan y los distinguen16

Los romanos por su parte al tener que traducir el teacutermino griego no encontraron una palabra correspondiente y recurrieron a dos teacuterminos que refl ejan ese ofi cium mejor que la palabra griega actio y pronuntiatio la primera referida al movimiento la segunda a la voz Quintiliano prefi ere utilizar esta uacuteltima (Inst or XI 34 etc) La actio puede entenderse como teacutermino juriacutedico (de agere) relacionada en este caso con la accioacuten judicial aunque se piensa maacutes bien que indica la forma en que se ejecuta o debe ejecutarse el discurso durante el proceso La actio en este sentido requiere de voz gesto movimiento y todo lo que el actor necesite para la emisioacuten exitosa del discurso forense No se trata del actor dramaacutetico De tal manera la terminologiacutea latina en este caso parece ser maacutes adecuada que la griega En espantildeol los dos teacuterminos latinos se han vertido como lsquoactuacioacutenrsquo y lsquopronunciacioacutenrsquo y en ingleacutes se prefi ere lsquoperformancersquo o lsquodeliveryrsquo

En segundo lugar en cuanto a las connotaciones negativas de hypoacutekrisis ya se ha hecho un sentildealamiento en relacioacuten con Demoacutestenes (cf nota 15) iquestPor queacute Aristoacuteteles prefi rioacute emplear el teacutermino teatral y no alguacuten otro como hermēneacuteia o diaacutethesis Parece contradictorio decir primero que la hypoacutekrisis tiene el mayor poder de persuasioacuten y quince liacuteneas despueacutes que se trata de ldquoun asunto vulgarrdquo17 o media paacutegina maacutes adelante afi rmar que la lexis y en consecuencia tambieacuten la hypoacutekrisis es una phantasiacutea18 Pero

16 Cf al respecto Fantham 2003 263 Frachet 2011-2012 126 afi rma ldquoSi de prime abord la fi gure de lrsquoacteur et celle de lrsquoorateur semblent se ressembler elles sont sensiblement diffeacuterentes Lrsquoacteur joue un rocircle doit srsquoapproprier un personnage quand lrsquoorateur joue son propre personnage et met sa persona en jeurdquo 17 Arist Rh 1403b35 δοκεῖ φορτικὸν εἶναι18 Arist Rh 1404a11 ἅπαντα φαντασία ταῦτ ἐστί

- 105 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

si se observa en su contexto podraacute decirse que ambas afi rmaciones son enteramente coherentes la hypoacutekrisis asiacute como la lexis19 son recursos de enorme poder de persuasioacuten como observa el fi loacutesofo que sucediacutea en la actividad discursiva en la vida poliacutetica de Atenas Sin embargo desde el punto de vista fi losoacutefi co considera que ambas praacutecticas son mecanismos vulgares u ordinarios porque su funcioacuten es mover las pasiones no mostrar la verdad Asimismo sentildeala que la lexis asiacute como tambieacuten la hypoacutekrisis son phantasiacuteai aunque no en el sentido de lsquopura ilusioacutenrsquo o lsquoaparienciarsquo sino en el puramente retoacuterico de representaciones que el orador produce en el destinatario afectando directamente las pasiones de eacuteste con el propoacutesito de persuadirlo20 De esta manera al emplear ese teacutermino teatral Aristoacuteteles resaltaba los aspectos negativos de la accioacuten oratoria es decir que el arte de fi ngir propio de un actor en el escenario se colocaba en un plano superior a las partes dignas de la oratoria como la demostracioacuten o el orden

Aquiacute podraacute observarse que en el aacutembito de la retoacuterica de la eacutepoca claacutesica el teacutermino es empleado soacutelo por Aristoacuteteles Los oradores no recurren a la palabra hypoacutekrisis (Demoacutestenes la emplea pocas veces) y tampoco los maestros de oratoria Por ejemplo Isoacutecrates y Alcidamante ambos maestros del discurso no utilizan ese teacutermino sino otros como rhētoreacuteia y hermēneacuteia El autor de la Retoacuterica a Alejandro no menciona el teacutermino Por si fuera poco el concepto tuvo escasa importancia en los autores griegos desde el punto de vista teoacuterico como una parte de la retoacuterica Walz registra soacutelo cuatro veces esa palabra en el iacutendice de los nueve voluacutemenes de su Rhetores graeci y un nuacutemero igual se encuentra en Spengel21

19 Cf Gonzaacutelez 2013 sect133 ldquoφορτικόν applies not only to ὑπόκρισις but to λέξις as a wholerdquo20 Cf Gonzaacutelez 2013 sect13621 Afi rma Edwards 2013 p 15 ldquothe surviving theoretical material is

- 106 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tampoco se elaboroacute una teoriacutea al respecto en el campo del drama durante la eacutepoca claacutesica22 por lo menos antes de Teofrasto a cuyo tratado ya nos hemos referido Podraacute sentildealarse al respecto que Aristoacuteteles en las cuatro liacuteneas sobre la voz no expone una teoriacutea que tenga que ver con causas o principios defi niciones y clasifi caciones sino una serie de praacutecticas transmitidas en el aacutembito teatral volumen tono y rapidez de la voz Pero en el caso del fi loacutesofo las razones de esta falta de sistematizacioacuten en la teoriacutea dramaacutetica son de otra naturaleza En efecto al principio del III libro de su Retoacuterica Aristoacuteteles observa que la hypoacutekrisis es un don de la naturaleza poco susceptible de reducirse a reglas Por tener esta naturaleza la teacutecnica respectiva se habiacutea desarrollado tarde inclusive en la tragedia y en la recitacioacuten eacutepica Sentildeala que eso se debiacutea a que en un principio fueron los propios poetas quienes representaban las tragedias (Arist Rh 1403b23-24)

De cualquier modo en el aacutembito de la retoacuterica el estudio de la ejecucioacuten no se habiacutea desarrollado Dos siglos y medio despueacutes el autor anoacutenimo de la Retoacuterica a Herenio afi rmaba tambieacuten ldquopuesto que nadie ha tratado sobre este asunto de manera detenida []rdquo23 lo que indica que las cosas no habiacutean cambiado mucho

Fueron los romanos quienes subsanaron ese vaciacuteo con los amplios desarrollos a los que ya nos hemos referido En eacutepoca posterior el estudio de la actuacioacuten como parte de la retoacuterica fue perdiendo importancia y soacutelo ocasionalmente se incluyoacute en su ensentildeanza dentro de esa disciplina Navarre 1900 pasa en

preponderantly Romano-centric [hellip] Nothing in the Rhetorica ad Alexandrum and only a few unsatisfactory chapters in Aristotlersquos Rhetoric (313-10) as well as a few other brief pointers such as a reference to speakers shouting at Rhetoric 375 Hellenistic treatises are lostrdquo22 En un principio no habiacutea actores profesionales y eran los propios tragedioacutegrafos (o poetas) quienes las representaban soacutelo cuando surgieron los actores se empezaron a establecer reglas Debe entenderse que en su primera fase los conocimientos eran de caraacutecter praacutectico la formacioacuten de una doctrina empieza con los maestros de teatro cuando se prepara a los actores23 Rh Her III 19 quia nemo de ea re diligenter scripsit

- 107 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

completo silencio ese aspecto en su Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Volkman le dedica soacutelo ocho paacuteginas de un total de 580 Mortara Garavelli 2003 menos de una paacutegina de su extenso libro De manera paradoacutejica las refl exiones sobre el cuerpo en el campo de la fi losofiacutea y otras disciplinas la han convertido en un importante toacutepico de nuestra eacutepoca24

En tercer lugar ademaacutes de que la nocioacuten de hypoacutekrisis es poco adecuada para la ejecucioacuten retoacuterica y del desintereacutes en su sistematizacioacuten en la Grecia claacutesica habraacute que observar que la hypoacutekrisis en el drama griego se reduce a lo auditivo y deja fuera lo visual En el teatro en efecto se utilizan maacutescaras elemento dramaacutetico riacutegido sin vida de modo que todo lo referente a la expresioacuten del rostro resulta innecesario por ello podriacuteamos suponer que la importancia de los movimientos de las manos y del cuerpo tambieacuten se reduce Los elementos prosoacutedicos tienen el predominio25

El ejemplo de la hypoacutekrisis en Demoacutestenes muestra que ese teacutermino se referiacutea soacutelo a la voz Seguacuten cuenta Plutarco en la vida del orador eacuteste desilusionado por sus fracasos en la tribuna confesoacute al actor Saacutetiro que los marineros ignorantes agradaban maacutes al pueblo que eacutel a pesar de los enormes esfuerzos que habiacutea puesto en su formacioacuten oratoria Saacutetiro entonces le mostroacute cuaacutel era la razoacuten de sus fracasos Le pidioacute que dijera de memoria alguacuten pasaje de Euriacutepides o Soacutefocles Para lsquodecir de memoriarsquo Plutarco emplea

24 Cf Fogen 2009 p 16 y notas25 Salvo pocas excepciones los estudiosos ndash a mi juicio ndash no han logrado entender cabalmente el asunto Por ejemplo la expresioacuten δοκεῖ φορτικὸν εἶναι se refi ere a la lexis pero se ha pensado que se ha de vincular soacutelo a la hypoacutekrisis Asimismo al referirse a la lexis el fi loacutesofo afi rma que se desarrolloacute tarde (1403b23) pero los estudiosos piensan que se refi ere a la hypoacutekrisis Se refi ere a ambas Cf Arist Rh 1404a19ndash22 ἤρξαντο μὲν οὖν κινῆσαι τὸ πρῶτον ὥσπερ πέφυκεν οἱ ποιηταίmiddot τὰ γὰρ ὀνόματα μιμήματα ἐστίν ὑπῆρξε δὲ καὶ ἡ φωνὴ πάντων μιμητικώτατον τῶν μορίων ἡμῖν ldquoen efecto los poetas fueron los primeros en poner en movimiento lo anterior puesto que las palabras son susceptibles de imitacioacuten y la voz en particular es la maacutes imitable de todas las partes nuestrasrdquo expresioacuten que para Gonzaacutelez (2013 sect132) es ldquothe cause of much dismay for some scholarsrdquo

- 108 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la expresioacuten εἰπεῖν ἀπὸ στόματος Una vez hecho esto el actor retomoacute el mismo pasaje y lo moduloacute y recitoacute con un tono y modo adecuados26 Plutarco emplea πλάσαι καὶ διεξελθεῖν para indicar lsquomodular y recorrerrsquo el pasaje de la tragedia Utiliza tambieacuten ἦθος y διάθεσις

para lsquotonorsquo y lsquomodorsquo de la voz Demoacutestenes quedoacute convencido de que la hypoacutekrisis otorga al discurso orden y gracia y consideroacute que la ensentildeanza es poca cosa y nada vale si no se da importancia a la pronunciacioacuten y el modo de las palabras27 Para estas uacuteltimas expresiones el bioacutegrafo emplea los teacuterminos προφορά y διάθεσις Prosigue Plutarco narrando que luego de esa demostracioacuten Demoacutestenes se dedicoacute con ahiacutenco y durante muchos diacuteas a modelar su diccioacuten y trabajar su voz28 Como podemos observar las referencias son exclusivamente a la voz en cambio los gestos y los movimientos no intervienen en absoluto

Aristoacuteteles parece refl ejar esa situacioacuten al limitar la hypoacutekrisis a la voz intensidad tonos y rapidez o lentitud Dice en efecto

Eacutesta radica en la voz coacutemo debe eacutesta ser usada para expresar cada pasioacuten ya sea fuerte ya baja o ya mediana y coacutemo los tonos (de la voz) es decir agudo grave y medio o circunfl ejo y algunos ritmos para cada cual En efecto tres son los temas que se deben observar que son volumen armoniacutea y ritmo de la voz29

26 Plut Dem 74 μεταλαβόντα τὸν Σάτυρον οὕτω πλάσαι καὶ διεξελθεῖν ἐν ἤθει πρέποντι καὶ διαθέσει τὴν αὐτὴν ῥῆσιν ὥστ εὐθὺς ὅλως ἑτέραν τῷ Δημοσθένει φανῆναι27 Plut Dem 75 πεισθέντα δ ὅσον ἐκ τῆς ὑποκρίσεως τῷ λόγῳ κόσμου καὶ χάριτος πρόσεστι μικρὸν ἡγήσασθαι καὶ τὸ μηδὲν εἶναι τὴν ἄσκησιν ἀμελοῦντι τῆς προφορᾶς καὶ διαθέσεως τῶν λεγομένων 28 Plut Dem 76 πλάττειν τὴν ὑπόκρισιν καὶ διαπονεῖν τὴν φωνήν29 Arist Rh 1403b27-31 ἔστιν δὲ αὕτη μὲν ἐν τῇ φωνῇ πῶς αὐτῇ δεῖ χρῆσθαι πρὸς ἕκαστον πάθος οἷον πότε μεγάλῃ καὶ πότε μικρᾷ καὶ μέσῃ καὶ πῶς τοῖς τόνοις οἷον ὀξείᾳ καὶ βαρείᾳ καὶ μέσῃ καὶ ῥυθμοῖς τίσι πρὸς ἕκαστα τρία γάρ ἐστιν περὶ ἃ σκοποῦσινmiddot ταῦτα δ ἐστὶ μέγεθος ἁρμονία ῥυθμός El rhytmoacutes indica la pronunciacioacuten de miembros de la frase con efectos riacutetmicos evitando por ejemplo que sea entrecortado y agitado (cf [Long] De subl 41)

- 109 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De tal manera la lexis o estilo se refi ere a la articulacioacuten artiacutestica de sonidos y palabras y se combina con la hypoacutekrisis o elemento prosoacutedico del lenguaje30 en la elaboracioacuten concreta del material del discurso frente a la generacioacuten y organizacioacuten abstracta o mental de ese material objeto de la invencioacuten y la disposicioacuten31 Debido a ello no es extrantildeo que Aristoacuteteles aborde la hypoacutekrisis en combinacioacuten o correspondencia con el tratamiento de la lexis debido a que son procesos afi nes32 Esta labor concomitante crea una aparente irregularidad que ha provocado malos entendidos entre los estudiosos

EL CARAacuteCTER TRANSVERSAL DE LA HYPOacuteKRISIS

Luego de subrayar algunos aspectos de la hypoacutekrisis que reducen su materia a los elementos prosoacutedicos es necesario observar que ese elemento expresivo tiene un campo de accioacuten que rebasa ampliamente la praacutectica oratoria debido al caraacutecter transversal

30 Luego de estudiar de modo minucioso la relacioacuten entre lexis e hypoacutekrisis Gonzaacutelez 2013 concluye que ldquoIt is impossible therefore to divorce the philosopherrsquos notions of λέξις and ὑπόκρισιςrdquo Me cuesta trabajo sin embargo aceptar su hipoacutetesis de que los tres elementos a los que se refi ere Aristoacuteteles en Rh 1403b18-22 pisteis lexis e hypoacutekrisis deberiacutean reducirse a dos las pisteis y la lexis dividieacutendose este segundo elemento en dos partes la lexis propiamente dicha y la hypoacutekrisis (Gonzaacutelez 2013 sect132 con nota 17) A mi juicio son procesos diferentes estando la lexis orientada hacia la electio y compositio del material linguumliacutestico y la segunda reducida a los fenoacutemenos prosoacutedicos que no estaacuten en la lengua o sistema pues son ldquosuprasegmentalesrdquo (cf Figueiredo 2017) sino en el habla y referidos a las propiedades de la boca y demaacutes elementos fiacutesicos que producen volumen armoniacutea ritmo velocidad pausas y otros fenoacutemenos31 Cf las interesantes observaciones de Baldwin al respecto (1959 21-24)32 Cf Baldwin 1959 174 ldquothe visual values of representation were indeed realized in gesture and pose though less in scenery and spectacle they were realized as never perhaps since in group movements but the auditory values the sounding line the phrase harmony of the chant always enhanced representation by strong rhythmical suggestionrdquo siendo los valores auditivos los elementos originales de la hypoacutekrisis

- 110 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que Aristoacuteteles logra observar Para ello podraacute empezarse con el siguiente pasaje del fi loacutesofo en su Retoacuterica (1403b24-26)

δῆλον οὖν ὅτι καὶ περὶ τὴν ῥητορικήν ἐστι τὸ τοιοῦτον ὥσπερ καὶ περὶ τὴν ποιητικήν ὅπερ ἕτεροί ltτέgt τινες ἐπραγματεύθησαν καὶ Γλαύκων ὁ ΤήιοςEs evidente que tal asunto [la hypoacutekrisis] tiene que ver con la retoacuterica tanto como con la poeacutetica de lo que algunos han tratado ademaacutes de Glaucoacuten de Teos

Independientemente de la identidad de este Glaucoacuten de Teos33 el pasaje aristoteacutelico mostrariacutea la transversalidad de la hypoacutekrisis Otro pasaje atinente a esta caracteriacutestica se encuentra en un pasaje al fi nal de la Poeacutetica donde el mismo fi loacutesofo trata de responder a la pregunta de cuaacutel imitacioacuten es mejor la eacutepica o la traacutegica Asiacute la primera tiene destinatarios honestos y la segunda ordinarios o vulgares de manera que aqueacutellos no necesitan de variaciones en las formas ya sea de la expresioacuten o de los movimientos del cuerpo Por eso la eacutepica es mejor En seguida hace algunas acotaciones (Po 22 1462a5-9)

πρῶτον μὲν οὐ τῆς ποιητικῆς ἡ κατηγορία ἀλλὰ τῆς ὑποκριτικῆς ἐπεὶ ἔστι περιεργάζεσθαι τοῖς σημείοις καὶ ῥαψῳδοῦντα [hellip] καὶ διᾴδοντα [] εἶτα οὐδὲ κίνησις ἅπασα ἀποδοκιμαστέα εἴπερ μηδrsquo ὄρχησις ἀλλrsquo ἡ φαύλωνEn primer lugar la acusacioacuten no es contra el arte poeacutetica sino contra el arte hypokriacutetikē puesto que

33 Glaucoacuten de Teos que se acostumbra identifi car con Glaucos de Regio (cf el comentario de Racionero al pasaje en comento) quien habriacutea escrito una obra intitulada Acerca de los poetas y muacutesicos de la Antiguumledad el primer tratado de criacutetica literaria conocido Por lo menos en esta obra el intereacutes no se orienta a la retoacuterica sino a la eacutepica y a la tragedia uno de cuyos temas de estudio seriacutea la rhapsōdiacutea y la hypoacutekrisis respectivamente Pero la identifi cacioacuten no es segura

- 111 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

son el rapsōdos y el cantor quienes exageran con los signos [hellip] En segundo no todo movimiento del cuerpo es reprobable y tampoco la danza sino aquella que es vulgar

Ademaacutes de la distincioacuten patente entre las artes de naturaleza vocal y las de naturaleza kineacutesica como el arte de la danza (orkhēstikē ὀρχηστική) el texto muestra que la hypokriacutetikē abarca la rapsodia y el canto

Sobre este asunto trata otro pasaje de la Retoacuterica (Rh 1404a12-15)

ἐκείνη μὲν οὖν ὅταν ἔλθῃ ταὐτὸ ποιήσει τῇ ὑποκριτικῇ ἐγκεχειρήκασι δὲ ἐπrsquo ὀλίγον περὶ αὐτῆς εἰπεῖν τινες οἷον Θρασύμαχος ἐν τοῖς ἘλέοιςAhora bien cuando eacutesta [el estudio de la lexis] llegue tendraacute la misma funcioacuten que el arte hipocriacutetica acerca de la cual algunos han ya empezado a tratar aunque en poca medida como Trasiacutemaco en su Consolaciones

Aristoacuteteles estaacute previendo la emergencia de dos nuevas artes paralelas del discurso una relativa a la lexis y otra a la pronunciacioacuten llamada hypokritikē la cual se encuentra en sus inicios con las Consolaciones de Trasiacutemaco obra que contendriacutea cierto tipo de recursos verbales propios de ese geacutenero de obras y que tambieacuten ldquohabiacutea llegado tarde a la ejecucioacuten traacutegica y rapsoacutedica pues en un principio eran los poetas quienes pronunciaban sus tragediasrdquo34 En relacioacuten con lo anterior el pasaje 1403b27-28 de la Retoacuterica ofrece una breve pero signifi cativa presentacioacuten de la hypoacutekrisis y en los capiacutetulos 2-12 desarrolla una teoriacutea de la lexis vinculada en parte a la hypoacutekrisis

34 Arist Rh 1403b23-24 καὶ γὰρ εἰς τὴν τραγικὴν καὶ ῥαψῳδίαν ὀψὲ παρῆλθενmiddot ὑπεκρίνοντο γὰρ αὐτοὶ τὰς τραγῳδίας οἱ ποιηταὶ τὸ πρῶτον

- 112 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tambieacuten en la Poeacutetica Aristoacuteteles trata de la lexis (capiacutetulos 19 y 20) y reenviacutea a un arte llamado hypokriacutetikē de la siguiente manera (Po 19 1456b8-14)

τῶν δὲ περὶ τὴν λέξιν ἓν μέν ἐστιν εἶδος θεωρίας τὰ σχήματα τῆς λέξεως ἅ ἐστιν εἰδέναι τῆς ὑποκριτικῆς καὶ τοῦ τὴν τοιαύτην ἔχοντος ἀρχιτεκτονικήν οἷον τί ἐντολὴ καὶ τί εὐχὴ καὶ διήγησις καὶ ἀπειλὴ καὶ ἐρώτησις καὶ ἀπόκρισις καὶ εἴ τι ἄλλο τοιοῦτονDe los temas relativos al estilo una forma de estudio son los modos de la expresioacuten [oral] cuyo conocimiento es propio de la hypokritikē y de quien domine un conocimiento arquitectoacutenico como eacutese por ejemplo queacute es orden queacute plegaria queacute narracioacuten queacute amenaza queacute pregunta queacute respuesta y queacute es otra forma si la hay

Protaacutegoras y Alcidamante ya habiacutean hecho una divisioacuten semejante de estos modos de expresioacuten que ellos llamaron ldquobases del discursordquo35

Asiacute la hypokriacutetikē (ὑποκριτική) es el arte o teacutecnica (θεώρημα) de la pronunciacioacuten o diccioacuten de la voz que estudia los elementos prosoacutedicos que permiten distinguir los diversos modos de expresioacuten No seriacutea un arte propia de la retoacuterica ni de la poeacutetica sino que se extenderiacutea a las diversas artes discursivas como la narracioacuten rapsoacutedica (rhapsōdiacutea ῥαψῳδία) la pronunciacioacuten teatral (hypoacutekrisis ὑπόκρισις) basada en el diaacutelogo (preguntas y

35 DL 953-4 διεῖλέ τε τὸν λόγον πρῶτος εἰς τέτταραmiddot εὐχωλήν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν (οἱ δὲ εἰς ἑπτάmiddot διήγησιν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν ἀπαγγελίαν εὐχωλήν κλῆσιν) οὓς καὶ πυθμένας εἶπε λόγων Ἀλκιδάμας δὲ τέτταρας λόγους φησίmiddot φάσιν ἀπόφασιν ἐρώτησιν προσαγόρευσιν ldquoFue el primero que dividioacute el discurso en cuatro clases deseo pregunta respuesta y orden (seguacuten otros en siete narracioacuten pregunta respuesta orden exposicioacuten plegaria e invocacioacuten) a las que tambieacuten llamoacute bases de discursos Alcidamante dice que son cuatro los discursos afi rmacioacuten negacioacuten interrogacioacuten alocucioacutenrdquo

- 113 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

respuestas) y la oratoria (hermēneacuteia ἑρμηνείᾳ)36 ademaacutes de otras ejecuciones orales37

Una vez defi nida la teacutekhnē hypokritikē y deslindado su campo habriacutea que proceder a caracterizar la tipologiacutea de las tres artes enunciativas particulares en la eacutepoca claacutesica Si se atiende al tercer criterio establecido por Aristoacuteteles en su Poeacutetica (3 1448a19-23) relativo al modo de la imitacioacuten se tendriacutean tres especies de pronunciacioacuten emotiva el narrador imita poniendo la voz en los personajes (rapsoacutedica) el sujeto narrador imita directamente por siacute mismo (la retoacuterica) y el poeta presenta a los personajes actuando (dramaacutetica) En cuanto a su funcioacuten ahora bien para la hermēneacuteia oratoria es la persuasioacuten para la traacutegica la purifi cacioacuten (katharsis) de las pasiones y para la rapsoacutedica la transmisioacuten y conservacioacuten del pasado eacutepico

36 Para Alcidamante la pronunciacioacuten oratoria (que llama hermēneacuteia) es diferente de la del teatro y la eacutepica Cf Alcid 14  ἀνάγκη δ ἐστίν ὅταν τις τὰ μὲν αὐτοσχεδιάζῃ τὰ δὲ τυποῖ τὸν λόγον ἀνόμοιον ὄντα ψόγον τῷ λέγοντι παρασκευάζειν καὶ τὰ μὲν ὑποκρίσει καὶ ῥαψῳδίᾳ παραπλήσια δοκεῖν εἶναι τὰ δὲ ταπεινὰ καὶ φαῦλα φαίνεσθαι παρὰ τὴν ἐκείνων ἀκρίβειαν ldquoes preciso que cuando uno improvisa unas partes y otras las escribe se repruebe al orador por ser el discurso desigual y que aqueacutellas parezcan ser cercanas a la pronunciacioacuten teatral y eacutepica y eacutestas en cambio se muestren pobres y sin valor frente al cuidado de aquellasrdquo37 Es necesario deslindar la ejecucioacuten retoacuterica (hermēneia o hermēneutikē) de la hypoacutekrisis teatral de la rhapsōdiacutea eacutepica muy difundida en eacutepoca claacutesica y de las ejecuciones de la poesiacutea liacuterica ya sea en las festividades populares en las ceremonias religiosas o en las reuniones simposiales Existen numerosos testimonios literarios de la Grecia antigua que ponen de manifi esto extraordinarias capacidades de actuacioacuten y declamacioacuten en los maacutes diversos aacutembitos de las praacutecticas culturales de los griegos y por otro lado se puede arguumlir que estas capacidades fueron objeto de la ensentildeanza El caso de los rapsodas declamadores profesionales formados en las antiguas academias de recitacioacuten es uno de los maacutes conocidos y la rapsōdiacutea fue el primer teacutermino utilizado para indicar la ensentildeanza de la recitacioacuten eacutepica En torno de los rapsodas existiacutea organizaciones sometidas a intereses de peso poliacutetico y social Por tanto es equivocado e inoperante emplear el teacutermino hypoacutekrisis para todo tipo de ejecuciones Del mismo modo las diferencias entre los geacuteneros oratorios impiden generalizar las nociones al respecto Una ejecucioacuten se requeriacutea para el tribunal otra para la tribuna puacuteblica y otra muy diferente para el discurso demostrativo

- 114 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Se conocen algunos procedimientos de la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral (hē hypokritikē) En primer lugar su regla maacutes importante seriacutea la siguiente a mayor precisioacuten del lenguaje menos hypoacutekrisis La expresioacuten escrita es maacutes precisa la oral menos Para que la expresioacuten escrita cumpla su funcioacuten basta con que esteacute elaborada de manera correcta y precisa En cambio la oral requiere de mayor hypoacutekrisis esto es de un mayor control voluntario de la modulacioacuten de la voz intensidad tono y duracioacuten con la fi nalidad de afectar al destinatario38

Por otra parte como los geacuteneros deliberativo y judicial son fundamentalmente orales requieren de mayor hypoacutekrisis (Rh 1413b3-9) Pero entre ambos hay una gran diferencia pues a mayor nuacutemero de oyentes menor precisioacuten (Arist Rh 1414a16) De alliacute se desprende otra regla que es la siguiente a mayor nuacutemero de oyentes maacutes hypoacutekrisis sobre todo en cuanto a la fuerza de la voz Asiacute en la asamblea es maacutes necesaria que en el tribunal Ademaacutes entre menor sea el nuacutemero de jueces seraacute menos necesaria Ante un solo juez no tendriacutea necesidad de hypoacutekrisis pero siacute de precisioacuten

Es posible incluso describir los elementos o eidē de la hypokritikē en dos oacuterdenes uno es el de las cualidades prosoacutedicas y otro los modos de expresioacuten Como ya hemos visto en el pasaje de Aristoacuteteles (Rh 1403b27-31) se aborda las infl exiones de la voz volumen armoniacutea o tono y ritmo o duracioacuten Pertenecen a este arte de la pronunciacioacuten emocional (frente al texto escrito) el estilo suelto que se caracteriza por la falta de conjunciones y

38 Cf Alcid 13 οἱ γὰρ εἰς τὰ δικαστήρια τοὺς λόγους γράφοντες φεύγουσι τὰς ἀκριβείας καὶ μιμοῦνται τὰς τῶν αὐτοσχεδιαζόντων ἑρμηνείας καὶ τότε κάλλιστα γράφειν δοκοῦσιν ὅταν ἥκιστα γεγραμμένοις ὁμοίους πορίσωνται λόγους ldquoquienes escriben discursos para los tribunales huyen de la precisioacuten e imitan las expresiones de quienes improvisan y parecen escribir textos bien elaborados cuando preparan discursos que son lo menos semejantes a los discursos escritosrdquo

- 115 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

por repeticiones anafoacutericas de lo cual Aristoacuteteles ofrece algunos ejemplos enriquecidos con las observaciones de Demetrio en su Acerca del estilo39 Otros son los llamados skhēmata lexeōs o ldquomodos de expresioacutenrdquo (Po 191456b8-14) orden plegaria pregunta narracioacuten amenaza respuesta que aparecen tambieacuten de manera diferente en Protaacutegoras y Alcidamante Estos modos deberiacutean tener su propio tono de voz intensidad y ritmo Por ejemplo una orden requiere de una mayor intensidad de la voz etc

Pareceriacutea entonces que en torno a la modulacioacuten oral expresiva estrechamente vinculada con el estilo sus elementos fueran susceptibles de estructurarse en niveles que abarca los fonemas y las palabras los fenoacutemenos sintaacutecticos (por la falta de conjunciones y a la repeticioacuten anafoacuterica) y los modos discursivos

De tal modo a semejanza de la memoria la actuacioacuten retoacuterica (voz y movimiento) no habriacutea sido en su origen una de las partes de la retoacuterica sino un conocimiento generalizado y una praacutectica muy difundida en todas las expresiones orales desde la eacutepoca homeacuterica Por ello podemos decir que la ejecucioacuten o performance retoacuterica en la Grecia claacutesica fue una praacutectica cultural que integraba en primer lugar la hypoacutekrisis o modulacioacuten oral correspondiente a la pronuntiatio y en segundo los elementos performativos que teniacutean que ver con la vista la gestualidad facial (en particular los ojos) los movimientos de las manos (la kheironomiacutea) y las posturas del cuerpo (gimnastikē) Las diferentes actividades discursivas del ser humano habriacutean desarrollado esas praacutecticas en el campo de

39 Dem Sobre el estilo 193-195 Sentildeala que el estilo suelto o sin conjunciones es propio del estilo ἐναγώνιος es decir propio del debate mientras que el escrito es maacutes propio de la lectura pues estaacute compacto y asegurado con conjunciones

- 116 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la recitacioacuten eacutepica el teatro ateniense la oratoria40 que fueron adecuaacutendose a las circunstancias en el tiempo y el espacio41

A fi nales del siglo V se empezaron a sistematizar varias artes de la pronunciacioacuten en primer lugar la del arte eacutepico o rhapsōdiacutea del dramaacutetico o hypoacutekrisis y del oratorio o hermeneacuteia las cuales junto con otras se pueden agrupar en una teoriacutea general de la pronunciacioacuten o hipocriacutetica (hypokritikē) cuyos fundamentos y elementos ha sido posible delinear en este espacio La hipocriacutetica se refi ere al estudio de la voz de modo que abarca soacutelo una parte de numerosos procedimientos que se utilizaban en las praacutecticas discursivas de la Grecia antigua que incluiacutean ademaacutes de la voz los gestos del rostro los ademanes los movimientos del cuerpo e incluso el vestuario que en la retoacuterica de los siglos V y IV teniacutean una funcioacuten importante para la produccioacuten de emociones con el fi n de persuadir como lo sentildeala el propio Aristoacuteteles42 Aunque en el campo de la retoacuterica estos aspectos ya habiacutean sido observados por el fi loacutesofo alcanzaron su plena sistematizacioacuten praacutectica en la retoacuterica latina de la eacutepoca de Ciceroacuten y Quintiliano vinculaacutendoseles a todos ellos bajo el nombre de actio o pronuntiatio

40 La ejecucioacuten fue un elemento de primera importancia desde el punto de vista praacutectico no porque sea un don natural sino porque los elementos de los que consta son susceptibles maacutes de la observacioacuten de la imitacioacuten y de la ensentildeanza praacutectica maacutes que de la descripcioacuten teoacuterica41 Ademaacutes de distinguir entre la ejecucioacuten en diferentes geacuteneros literarios y especies discursivas es necesario considerar tambieacuten la evolucioacuten de las praacutecticas discursivas al adaptarse a las cambiantes condiciones de circulacioacuten En el aacutegora griega y el foro romano la ejecucioacuten no podiacutea ser la misma Un juez o algunos jueces requieren de una ejecucioacuten diferente de la que se da en un jurado de cientos de personas que desconocen en principio el asunto que se las va a presentar De la misma manera el siglo VI presentaba condiciones muy diferentes a las de los siglos V y IV a C La ejecucioacuten estaba sometida a una constante originalidad42 Arist Rh 1386ordf33-35 ἀνάγκη τοὺς συναπεργαζομένους σχήμασι καὶ φωναῖς καὶ ἐσθῆσι καὶ ὅλως ὑποκρίσει ἐλεεινοτέρους εἶναι (ἐγγὺς γὰρ ποιοῦσι φαίνεσθαι τὸ κακόν πρὸ ὀμμάτων ποιοῦντες []) ldquoes necesario que quienes elaboran su discurso con la ayuda de posturas voces y vestidos en todo con modulacioacuten oral parecen maacutes dignos de compasioacuten (pues hacen que el mal aparezca cerca ponieacutendolo ante los ojos [])

- 117 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Es necesario auacuten profundizar en los fundamentos y los elementos de la hipocriacutetica y sobre todo en su ensentildeanza y su aplicacioacuten praacutectica estrechamente vinculados a los fenoacutemenos prosoacutedicos actualmente estudiados por Maria Flaacutevia Figueiredo de la Universidad de Franca Satildeo Paolo Brasil (Figueiredo 2017 etc)

BIBLIOGRAFIacuteA

Fuentes y obras de consulta

ALCIDAMANTE Orazioni e frammenti Testo introduzione traduzione e note a cura de G Avezzugrave Roma ldquoLrsquoErmardquo de Bretschneider 1982

ARISTOacuteTELES Retoacuterica 4a ed bilinguumle griego-espantildeol Traduccioacuten proacutelogo y notas de Antonio Tovar Madrid Centro de Estudios Constitucionales 1990

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Quintiacuten Racionero Madrid Gredos 1999

HERMAGORAE Temnitae testimonia et fragmenta Collegit D Matthes Leipzig Teubner 1962

ISOCRATE Discours vol I texte eacutetabli et traduit par G Mathieu and Eacute Breacutemond Paris Les Belles Lettres 19724

ISOCRATE Orazioni Panegirico Areopagitico Sulla pace Filippo Panatenaico introduzione traduzione e note di Ch Ghirga e Roberta Romussi testo greco a fronte Milano Rizzoli 2001

SPENGEL L Rhetores Graeci 3 vols 2a ed del vol I 2 por C Hammer Leipzig Teubner 1853-1856 1853 (I) 1854 (II) 1856 (III)

WALZ C Rhetores Graeci 9 vols Stuttgart-Tubinga Cotta 1832-1836 1932 (I) 1833 (IV V VII pars 1) 1934 (III VI VII pars 2 VIII) VI) 1835 (II) 1936 (IX)

- 118 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BALDWIN Ch S Ancient Rhetoric and Poetic Interpretated from Representative Works 3 vols NY Macmillan 1924 || Reimpr Gloucester (Mass) Peter Schmith 1959

EDWARDS M ldquoHypokritēs in Action Delivery in Greek Rhetoricrdquo Christos Kremmydas Jonathan Powell Lene Rubinstein Profession and Performance Aspects of oratory in the Greco-Roman world School of Advanced Study University of London Institute of Classical Studies 2013 15-25

FANTHAM E ldquoRhetor andet actorrdquo Greek and Roman Actors Aspects of an Ancient Profession edited by Pat Easterling Edith Hall Camridge Cambridge University Press 2002 362-376

FIGUEIREDO M F y A R Radi ldquoNuances do dizer efeitos retoacutericos da prosoacutediardquo en L A Ferreira (Org) Artimanhas do dizer retoacuterica oratoacuteria e eloquecircncia Satildeo Paulo Blucher 2017 125-138

FRACHET Ceacutecile ldquoLrsquoactiorsquo oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctorrsquo de la rsquoRheacutetorique agrave Herenniusrsquo Ciceacuteron et Quintilienrdquo Litteacuteratures 2012 ltdumas-00705366gt

FORTENBAUGH William et al (eds) Th eophrastus of Eresus Sources for His Life Writings Th ought and Infl uence Parts 1-2 2nd Ed Leiden-New York-Koumlln Brill 1992

FRACHET Ceacutecile Lrsquoactio oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctor de la Rheacutetorique agrave Herennius Ciceacuteron et Quintilien Meacutemoire de Master Speacutecialiteacute Litteacuteratures ndash Parcours PLC Lettres classiques Sous la direction de Madame Sophie Aubert‐Baillot Universiteacute Stendhal (Grenoble3) UFR LLASIC ndash Langage Lettres et Arts du spectacle Information et Communication Anneacutee universitaire 2011‐2012

GONZAacuteLEZ Joseacute M Th e Epic Rhapsode and His Craft Homeric Performance in a Diachronic Perspective Hellenic Studies Series 47 Washington DC Center for Hellenic Studies 2013 httpnrsharvardeduurn-3hulebookCHS_GonzalezJTh e_Epic_Rhapsode_and_his_Craft2013

HILDER Jennifer ldquoTh e Politics of Pronuntiatio Th e Rhetorica ad Herennium and Delivery in the First Century bcrdquo en Gray Christa et

- 119 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

al Reading Republican Oratory Reconstructions Contexts Receptions Oxford Oxford University Press 2018

MORTARA GARAVELLI B Manuale di retorica Milano Bompiani 2003

NAVARRE O Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Paris 1900

VALLOZZA M ldquoLa testimonianza di Atanasio sul Περὶ ὑποκρίσεως di Teofrasto (177 3-8 Rabe = 712 FHSampG)rdquo Papers on Rhetoric III (edited by Lucia Calboli Montefusco) (2000) 271-281

VOLKMANN R Die Rhetorik der Griechen und Roumlmer in systematischer Oumlbersicht dargestellt Leipzig Teubner 18852

- 120 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 121 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel

INTRODUCcedilAtildeO

Discorrer sobre Bakhtin seus textos como eacute possiacutevel interpretaacute-los parece ser sempre um desafi o devido a vaacuterias questotildees Uma sempre lembrada eacute a ainda controversa questatildeo da autoria de textos que ora se reputam a Bakhtin ora se admitem como produtos da pena de Voloacutechinov ou Medvieacutedev Outro ponto delicado satildeo as traduccedilotildees que embasaram as discussotildees em solo brasileiro por longo tempo Se hoje felizmente conta-se no Brasil como boas traduccedilotildees de parte consideraacutevel da produccedilatildeo do assim chamado Ciacuterculo de Bakhtin eacute necessaacuterio reconhecer que traduccedilotildees nem sempre tatildeo adequadas resultaram em problemas na interpretaccedilatildeo da jaacute de per si nada faacutecil obra do Ciacuterculo

E eacute exatamente essa interpretaccedilatildeo que se quer focalizar nesse introito A questatildeo do corpo nos escritos de Bakhtin (leia-se doravante de seu Ciacuterculo) eacute surpreendente e complexa sendo considerada de perspectivas ricamente diacutespares ainda que natildeo absolutamente divergentes em diferentes obras

Em ldquoA cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelaisrdquo (20131965) por exemplo Bakhtin versaraacute sobre as representaccedilotildees do corpo ldquogrotescordquo assinalando como fi zera a respeito de outros pontos da esteacutetica rabelaisiana a ambiguidade constitutiva dessa representaccedilatildeo que natildeo deve ser tomada como simples exagero depreciador

A AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO

VESTIBULAR UNICAMP

- 122 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Outra perspectiva de contemplaccedilatildeo do corpo estaacute presente no admiraacutevel ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que Bakhtin aborda a questatildeo ponderando a respeito da imagem exterior e interior dos homens na vida real e das personagens no mundo fi ccional a fi m de entender a posiccedilatildeo excedente do homem ou autor em relaccedilatildeo ao outro outrem ou personagem

Concepccedilatildeo bastante similar a respeito do corpo eacute expressa nas paacuteginas de ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111929) embora nessa obra Bakhtin se atenha sobretudo agrave autoconsciecircncia como centro organizador da vivecircncia do homem tanto psicologicamente como de seu (corpo) exterior

Assim haacute se natildeo vaacuterios pelo menos alguns modos de entender o corpo nos escritos do Ciacuterculo Por isso rememorando o que se disse no iniacutecio deste preacircmbulo sendo tantas as discussotildees e intepretaccedilotildees possiacuteveis eacute importante destacar por quais caminhos se buscaraacute entender o corpo a voz e a linguagem neste capiacutetulo em especiacutefi co

Esclarece-se entatildeo de antematildeo que se buscaraacute analisar especialmente a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo Em algum sentido seraacute uma quase negaccedilatildeo da importacircncia do corpo fiacutesico pautando-se a exposiccedilatildeo pelas ideias bakhtinianas a respeito do corpo como resultado da autoconsciecircncia Frise-se eacute apenas umas das interpretaccedilotildees possiacuteveis

AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO ORGANIZA-DOR DA VIDA E DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP

Em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo Bakhtin (2003 [192-] p 46 grifo do autor) observa

- 123 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De fato mal a pessoa comeccedila a vivenciar a si mesma de dentro depara imediatamente com atos de reconhecimento e de amor de pessoas iacutentimas da matildee que partem de fora ao encontro dela dos laacutebios da matildee e de pessoas iacutentimas a crianccedila recebe todas as defi niccedilotildees de si mesma Dos laacutebios delas no tom volitivo-emocional do seu amor a crianccedila ouve e comeccedila a reconhecer o seu nome a denominaccedilatildeo de todos os elementos relacionados ao seu corpo e agraves vivecircncias e estados interiores satildeo palavras de pessoas que ama as primeiras palavras sobre ela as mais autorizadas que pela primeira vez lhe determinam de fora a personalidade e vatildeo ao encontro da sua proacutepria e obscura auto-sensaccedilatildeo interior dando-lhe forma e nome em que pela primeira vez ela toma consciecircncia de si e se localiza como algo

O modo como cada indiviacuteduo sentiraacute e reconheceraacute seu proacuteprio corpo eacute dado pela primeira vez pela palavra do outro Eacute do outro que deriva a percepccedilatildeo a denominaccedilatildeo e a valoraccedilatildeo das partes do corpo Natildeo se trata de um reconhecimento faacutetico fi sioloacutegico fiacutesico externo Natildeo eacute o tocar o proacuteprio corpo que cria para o sujeito a dimensatildeo de sua realidade corpoacuterea esta eacute construiacuteda pela palavra do outro

Ressalte-se que a palavra do outro para fornecer pela primeira vez a ideia do corpo exterior precisa adentrar a autoconsciecircncia do indiviacuteduo ali destacando para o ldquoeurdquo a sua proacutepria condiccedilatildeo fiacutesica nomeando e valorando seu corpo estabelecendo pela primeira vez sua corporeidade exterior O corpo exterior eacute organizado pela autoconsciecircncia prenhe das palavras alheias

A relevacircncia da autoconsciecircncia tambeacutem seraacute explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreende um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia

- 124 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Na autoconsciecircncia se desenvolve o diaacutelogo interior repleto de vozes alheias com as quais o sujeito dialoga e em meio as quais ele mesmo se organiza inclusive em termos da percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo

Por isso segundo Bakhtin (20111963) a questatildeo do corpo externo das personagens seraacute pouco explorada nas obras dostoievskianas cujo centro de interesse seratildeo os diaacutelogos por meio dos quais se constituem as autoconsciecircncias das personagens

Especialmente nos romances classifi cados por Bakhtin como polifocircnicos o centro da representaccedilatildeo literaacuteria eacute a autoconsciecircncia inacabada e inacabaacutevel da personagem Inacabada pois nem autor narrador ou qualquer outra personagem estaacute autorizada a dar a palavra fi nal sobre o outro ndash inclusive sobre o corpo do outro Inacabaacutevel pois a personagem natildeo consegue se distanciar de si para atraveacutes de um olhar externo se autoconferir um acabamento de seu interior e de seu (corpo) exterior

Conforme assinala Tezza (2003 p 182) ldquoNa obra polifocircnica os heroacuteis natildeo se defi nem pela biografi a nem se determinam pelo seu passado natildeo podem nem mesmo ser defi nidos por suas caracteriacutesticas fiacutesicas pelo olhar de fora []rdquo

A vida das personagens dostoievskianas gravita ao redor de suas autoconsciecircncias alimentadas pelos inuacutemeros diaacutelogos que travam com outros e consigo mesmas Eacute por esse vieacutes que podem vir a se interessar pelo proacuteprio corpo caso o outro lhes aguce o olhar O corpo soacute aparece como centro de interesse para a personagem caso algueacutem lhe incite a isso caso algueacutem lhe faccedila se deter a contemplar sua proacutepria realidade corporal Acontecimento de todo modo raro na obra dostoievskiana

- 125 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Para prosseguir nessa questatildeo cabe perguntar se assim eacute na sofi sticada prosa dostoeivskiana como seria em outros gecircneros discursivos em outros autores Buscando responder a essas questotildees passa-se agrave anaacutelise de duas redaccedilotildees escritas no contexto do vestibular Unicamp e eleitas pela Comissatildeo Permanente do Vestibular Unicamp (Comvest) entre as melhores dos anos em que foram elaboradas

REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP AUTOCONS-CIEcircNCIA E CORPO

Em ldquoOs gecircneros do discursordquo (2003 [1952-1953]) mas tambeacutem em outros textos como ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo e ldquoO discurso no romancerdquo (2015 [1930-1936] entre outros Bakhtin sublinha a importacircncia de comparar os fenocircmenos linguiacutesticos em diferentes gecircneros discursivos dado que em cada um eacute possiacutevel ser distinto o emprego da linguagem verbal

Por isso se eacute fundamental a questatildeo da autoconsciecircncia como centro da vida e portanto do corpo nos romances polifonocircnicos de Dostoieacutevski pretende-se divisar como essa questatildeo aparece em outros gecircneros Para a realizaccedilatildeo dessa anaacutelise elege-se no escopo deste capiacutetulo textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo ndash conforme denominaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo proposta por Cocircrrea (2010)

Para dar iniacutecio agrave discussatildeo transcreve-se a proposta do Vestibular Unicamp 2000 para o Tema B narraccedilatildeo (COMVEST 2000 p 113-114)

- 126 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A seguir transcreve-se uma redaccedilatildeo (COMVEST 2000 p 132-137)1 que atendeu a essa proposta

1 A autora do texto eacute a vestibulanda Gabriela Abreu Guedes Natildeo se omite o nome da candidata pois eacute puacuteblica a autoria das redaccedilotildees que compotildeem as coletacircneas de redaccedilotildees organizadas pela Comvest Aleacutem disso eacute meritoacuteria a referecircncia a candidatos cujos textos se destacam no conjunto dos milhares que a cada ano satildeo avaliados pela Comvest

TEMA B

No dia 5 de outubro de 1999 terccedila-feira o jornal Correio Popular de Campinas SP publicou a seguinte manchete de primeira paacutegina acompanhada de breve texto

100 mil fi cam sem aacutegua em Sumareacute

Um crime ambiental provocou a suspensatildeo do abastecimento de aacutegua de cerca de 100 mil moradores de Sumareacute A medida foi tomada na sexta-feira quando uma mancha de oacuteleo de aproximadamente 3 quilocircmetros de extensatildeo surgiu nas aacuteguas do rio Atibaia Anteontem uma nova mancha apareceu nas proximidades da Estaccedilatildeo de Tratamento de Aacutegua I na divisa entre o bairro Nova Veneza e o municiacutepio de Pauliacutenia A situaccedilatildeo somente seraacute normalizada na quinta-feira A Cetesb investiga o caso e os teacutecnicos acreditam que o produto (oacuteleo diesel ou gasolina) foi despejado em esgoto domeacutestico em Pauliacutenia

Leve em conta essa notiacutecia e privilegie a hipoacutetese dos teacutecnicos apresentada no fi nal do texto A partir desses elementos escreva uma narraccedilatildeo em terceira pessoa caracterizando adequadamente personagens e ambiente Crie um detetive ou um repoacuterter investigativo que quando tenta resolver o ldquocrime ambientalrdquo descobre que o ocorrido eacute parte de uma conspiraccedilatildeo maior

- 127 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sexta-feira 1ordm de outubro de 1999

A mancha tomava conta do rio pouco a pouco O rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordens Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram Respaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

Saacutebado 02 de outubro de 1999

Na redaccedilatildeo o calor era toacuterrido O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado Os colegas achavam graccedila ldquoseraacute que vocecirc escolheu a profi ssatildeo certardquo perguntavam Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria

- 128 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila Quando o editor pediu que ele fosse conferir a ldquotal manchardquo no rio ele foi com a mesma solicitude indiferente de sempre

Domingo 03 de outubro de 1999

No dia anterior havia feito inuacutemeras entrevistas engenheiros teacutecnicos autoridades Havia a possibilidade de a poluiccedilatildeo ter sido intencional mas tal hipoacutetese geralmente sussurrada ou dita de modo sorrateiro parecia causar incocircmodo Apenas o ldquofocardquo se interessou pela teoria ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo O bip chamava deveria ir a Pauliacutenia pois havia uma nova mancha por laacute

Segunda-feira 04 de outubro de 1999

Mal o editor deixara a sala vieram os colegas felicitaacute-lo pela reportagem a mateacuteria seria manchete de primeira paacutegina Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes Ao sair recebeu sinal para subir Falando com o engenheiro-chefe entendeu

- 129 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido O telefone tocou

Terccedila-feira 05 de outubro de 1999

O ldquofocardquo chegava ao lugar marcado com quinze minutos de antecedecircncia Pelo telefone a pessoa apenas informou a hora e o local em que deveriam se encontrar Natildeo se identifi cou e natildeo disse como estaria Aparentemente um boteco como qualquer outro adentrou o local relutante entre a curiosidade e a cautela Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado Ao sentar-se agrave mesa recebeu um bilhete que o mandava subir Obedeceu cauteloso No andar superior conversou com uma pessoa que por sua vez conduziu-o a outra sala Estava comeccedilando a assustar-se A sala estava escura e ele natildeo podia ver quem laacute estava Apenas ouvia uma voz que o advertia a natildeo fazer perguntas A voz o informou de que um grupo politicamente oposto ao governo vigente tentava sabotaacute-lo poluindo criminosamente o rio o que aleacutem de indispor a simpatia da populaccedilatildeo contra as autoridades traria um grande prejuiacutezo econocircmico agrave cidade Falou mais e o jornalista ouvia eufoacuterico entendendo a dimensatildeo do que ouvia Ao sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceu

Quarta-feira 06 de outubro de 1999

O rapaz afrouxava a gravata Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

- 130 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A redaccedilatildeo daacute destaque a duas personagens o ldquofocardquo e o ldquorapaz de gravatardquo Quanto a este uacuteltimo haacute algumas passagens que falam de seu corpo ou pelo menos tomam-no de uma perspectiva externa como nas passagens ldquoO rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordensrdquo ldquoRespaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar []rdquo e ldquoO rapaz afrouxava a gravatardquo Acerca do foca a uacutenica passagem em que se observa seu corpo exterior eacute ldquoAo sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceurdquo

Esse olhar externo que o narrador de sua distacircncia exterior lanccedila sobre as personagens defi nindo-as natildeo eacute comum na prosa dostoievskiana mas cabe observar que mesmo nessa redaccedilatildeo de vestibular esse procedimento ocupa um espaccedilo composicional bastante diminuto se comparado ao que se dedica agrave observaccedilatildeo da autoconsciecircncia das personagens

Observe-se por exemplo que todas as longas passagens a seguir se voltam agrave autoconsciecircncia do ldquohomem de gravatardquo

(i) Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram [] procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo

- 131 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

(ii) Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

Por sua vez tambeacutem agrave autoconsciecircncia do ldquofocardquo eacute dedicado extenso espaccedilo composicional

(i) O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado [] Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila

(ii) ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo

(iii) Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes [] Falando com o engenheiro-chefe entendeu que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato

- 132 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido

(iv) Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado

Esses longos excertos os quais perfazem boa parte da estrutura composicional da redaccedilatildeo comprovam ser a autoconsciecircncia um aspecto tambeacutem muito relevante na composiccedilatildeo desse gecircnero A candidata ao escrever daacute destaque aos diaacutelogos interiores das personagens em detrimento de descriccedilotildees fiacutesicas

Todavia se poderaacute sempre arguir por oacutebvio que se trata apenas de um texto a partir do qual eacute temeraacuterio caracterizar todos os demais do mesmo gecircnero Aleacutem disso poder-se-ia aventar que a proposta de escrita infl uenciou na composiccedilatildeo de redaccedilotildees que focalizassem as questotildees da consciecircncia em prejuiacutezo de um desenvolvimento mais detalhado acerca do corpo das personagens

Sem de modo algum desconsiderar como vaacutelidas e pertinentes essas ressalvas passa-se ao exame de uma outra redaccedilatildeo cuja proposta supotildee-se poderia levar a uma maior atenccedilatildeo ao corpo fiacutesico das personagens

- 133 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

PROPOSTA B

Trabalhe sua narrativa a partir do seguinte recorte temaacutetico

O avanccedilo da tecnologia e da ciecircncia meacutedica desmistifi ca muitos dos preconceitos em torno das doenccedilas Entretanto algumas delas consideradas atualmente problemas de sauacutede puacuteblica como obesidade alcoolismo diabetes AIDS entre outras continuam a trazer difi culdades de autoaceitaccedilatildeo e de relacionamento social

Instruccedilotildees

1 - Imagine uma personagem que receba o diagnoacutestico de uma doenccedila que eacute tema de campanhas preventivas

2 - Narre as difi culdades vividas pela personagem no conviacutevio com a doenccedila

3 - Sua histoacuteria pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa

Segue a Proposta B do Vestibular Unicamp 2008 (COMVEST 2008 p 42)

A seguir transcreve-se a redaccedilatildeo (COMVEST 2008 p 142-

- 134 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Luta

O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava Teve de terminar a corrida seu exerciacutecio matinal e voltar para a casa Dormir descansar Depois mais exerciacutecio No caminho teve vontade de devorar vorazmente um cachorro-quente da barraquinha do seu Zeacute o fi el Zezinho Afastou a ideia natildeo podia mais comer porcarias E o bolo na geladeira Isso tudo natildeo era faacutecil Era estranho mas natildeo dependia da vontade dele O desejo era maior do que suas forccedilas

A corrida era seu exerciacutecio matinal desde a semana passada Era difiacutecil para ele correr mas ordens meacutedicas devem ser cumpridas Ao menos agora pois natildeo escutara os conselhos de seu meacutedico durante toda a vida O doutor sempre com aquele ar pomposo que aparentemente diz ldquoO mundo eacute meu e eu mando nelerdquo reafi rmou que seu fi el mas desatencioso paciente estava obeso e que era urgente a perda de peso Urgente Entatildeo vieram dieta e indicaccedilotildees de exerciacutecios fiacutesicos E ele tinha que cumprir ou sua sauacutede correria grave risco Todos falavam isso natildeo soacute o meacutedico Falavam de outra maneira eacute claro Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo Isso era um alerta

Finalmente chegou em casa Se enterrou no sofaacute e tentou de todo modo dormir Mas natildeo conseguia Sua barriga roncava gritava doiacutea Hoje soacute tinha tomado um leve cafeacute da manhatilde e ainda faltavam duas horas para o almoccedilo Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

- 135 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles Tinha que lutar A barriga pedia Ele a escutava Os roncos quase que falavam

Em um impulso levantou-se do sofaacute foi ateacute a geladeira O bolo estava laacute Imponente como um castelo medieval o poderoso artefato que saciaria sua vontade acalmaria seu desejo Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade Seu corpo pedia isso Levou o bolo para a sala pousou-o no colo e fi cou olhando para o doce O estocircmago nervoso incitava-o

Aquela bandeja a sua frente cheia de chocolate coco e caramelo aquele belo edifiacutecio de prazeres estava a seu alcance Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia O estocircmago dialogava com o bolo com uma voz aacutespera A resposta vinha doce e melodiosa Natildeo o meacutedico dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

Jogou furiosamente o bolo ao chatildeo Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado Chorou Chorou mais Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez Natildeo continuou

145)2 que atendeu agrave essa proposta

Nessa redaccedilatildeo o candidato opta por descrever os confl itos pelos quais passa uma pessoa obesa lutando para seguir as ordens meacutedicas e sociais que lhe accedilulam a emagrecer e sua voz interior 2 O autor do texto eacute Ricardo Amarante Turatti

- 136 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na qual essas vozes externas se conjugam com sua necessidade de comer ldquomais que as demais pessoasrdquo para se saciar

Pelo proacuteprio conteuacutedo temaacutetico a ser desenvolvido eacute de se esperar que a questatildeo do corpo apareccedila no texto De fato em comparaccedilatildeo agrave redaccedilatildeo anterior eacute possiacutevel observar uma maior atenccedilatildeo agrave descriccedilatildeo fiacutesica da personagem em passagens como

(i) O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava

(ii) Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo

(iii) Sua barriga roncava gritava doiacutea

(iv) Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles

(v) Seu corpo pedia isso

(vi) Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado [] Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo

Todavia em vaacuterias passagens o narrador se deteacutem a descrever a autoconsciecircncia da personagem

(i) Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

(ii) Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade

(iii) Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia [] Natildeo o meacutedico

- 137 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

(iv) Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea [] A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez

Mais relevante poreacutem que contrastar o espaccedilo composicional dedicado a cada aspecto eacute observar que mesmo as menccedilotildees ao corpo provecircm das vozes que o protagonista ouviu de outros sujeitos Assim ver-se como o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo eacute ver-se pelos olhos dos outros ou para usar um termo mais proacuteprio ao universo bakhtiniano pelas vozes dos outros Satildeo essas vozes alheias que lhe falam sobre o seu corpo Vozes que lhe habitam a autoconsciecircncia a partir de onde se organiza interior mas tambeacutem exteriormente

Receba uma maior ou menor atenccedilatildeo do narrador seja mais ou menos tematizado nas vozes de personagens ou do proacuteprio heroacutei o corpo ndash como toda a vida eacute imprescindiacutevel sublinhar ndash na perspectiva bakhtiniana natildeo eacute uma realidade faacutetica exterior simplesmente reconheciacutevel O corpo eacute construiacutedo pelo discurso Primeiro pelo discurso alheio que pela primeira vez nomeia mas tambeacutem valora o corpo do outro Essas vozes alheias passam a habitar a autoconsciecircncia do sujeito organizando sua vivecircncia organizando o modo como se vecirc como sujeito inclusive em termos de seu corpo fiacutesico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo do corpo nos escritos em Bakhtin pode ser vista a partir de diferentes vieses Neste capiacutetulo propugnou-se ver o corpo como resultante da autoconsciecircncia Para isso buscou-se apoio principalmente nas observaccedilotildees de Bakhtin expostas em dois textos (i) em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que o pensador russo a pretexto de fazer uma

- 138 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

distinccedilatildeo entre ldquocorpo interiorrdquo e ldquocorpo exteriorrdquo acaba por afi rmar o primado da autoconsciecircncia (interior) com fonte de percepccedilatildeo e valorizaccedilatildeo do corpo exterior e (ii) em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111969) em que a primazia da autoconsciecircncia como centro organizador da vida e do corpo eacute exemplifi cado na anaacutelise de obras dostoievskianas

Dessa fundamentaccedilatildeo teoacuterica passou-se agrave anaacutelise de ldquoredaccedilotildees de vestibularrdquo (CORREcircA 2011) um gecircnero bastante diverso daqueles examinados por Bakhtin Pretendeu-se por essa incursatildeo evidenciar que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Como se espera ter mostrado mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

Ao realizar a refl exatildeo proposta neste capiacutetulo parece possiacutevel entender que da perspectiva bakhtiniana o corpo assim como todos os demais elementos do homem ndash personagem ou natildeo ndash resulta das vozes com as quais o sujeito entra em contato no transcurso de sua vida Mais uma vez entatildeo impotildeem-se considerar o homem no acircmbito de suas complexas relaccedilotildees dialoacutegicas (MACIEL 2014) atraveacutes das quais pelo outro ele se constitui pela primeira vez para si mesmo

O corpo eacute resultado de relaccedilotildees dialoacutegicas atraveacutes das quais enunciados alheios adentram a autoconsciecircncia do sujeito aiacute entrando em confronto com outras vozes proacuteprias e alheias Essa autoconsciecircncia porque resulta do infi ndo diaacutelogo em sentido amplo que o sujeito nunca deixa de estabelecer eacute inacabada

- 139 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(BAKHTIN 19191921) sendo importante lembrar que a percepccedilatildeo do corpo proacuteprio ou alheio eacute sempre mutaacutevel

As vozes alimentam a autoconsciecircncia de onde deriva a percepccedilatildeo do corpo A percepccedilatildeo da realidade fiacutesica portanto para Bakhtin decorre do exerciacutecio da linguagem A percepccedilatildeo do corpo deriva da voz a percepccedilatildeo do corpo resulta da linguagem

REFEREcircNCIAS

BAKHTIN M M (19191921) Para uma fi losofi a do ato Traduccedilatildeo natildeo revisada para fi ns didaacuteticos e acadecircmicos realizada por Carlos Alberto Faraco e Cristovam Tezza [SI sn] [2005-2006]

______ [192-] O autor e a personagem na atividade esteacutetica In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

______ [1930-1936] O discurso no romance In ______ A teoria do romance I A estiliacutestica Traduccedilatildeo prefaacutecio notas e glossaacuterio de Paulo Bezerra Satildeo Paulo Hucitec 2015

______ Os gecircneros do discurso In ______ Os gecircneros do discurso Organizaccedilatildeo traduccedilatildeo posfaacutecio e notas Paulo Bezerra Satildeo Paulo Editora 34 2016a p11-69 [1952-1953]

______ (1963) Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Trad Paulo Bezerra 5 ed (2 tiragem) Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2011

______ (1965) A cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelais Trad Yara Frateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec 2013

COMVEST Redaccedilotildees do Vestibular Unicamp 2000 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Proacute-Reitoria de Extensatildeo e Assuntos Comunitaacuterios Campinas Editora da Unicamp 2000

- 140 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

______ Vestibular Unicamp redaccedilotildees 2008 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Campinas Editora da Unicamp 2008

CORREcircA M L G Encontros entre praacutetica de pesquisa e ensino oralidade e letramento no ensino da escrita Perspectiva Florianoacutepolis v 28 n 2 p 625-648 juldez 2010

MACIEL L V C Relaccedilotildees dialoacutegicas em narrativas Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas 2014

- 141 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Maria Flaacutevia Figueiredo

Os discursos retoacutericos buscam por primazia despertar no auditoacuterio a adesatildeo agraves teses defendidas pelo orador Assim no jogo argumentativo toda e qualquer estrateacutegia capaz de potencializar o alcance persuasivo do argumento defendido conta positivamente para o orador e por essa razatildeo desperta o interesse da retoacuterica que por sua vez se ocupa de averiguar o que gera em cada caso o convencimento e a persuasatildeo1

Nesse processo persuasivo uma das estrateacutegias mais efi cazes eacute o despertar de paixotildees no auditoacuterio Segundo Aristoacuteteles esse recurso funciona de maneira muito efetiva uma vez que as emoccedilotildees humanas (paixotildees) quando despertadas causam necessariamente alteraccedilatildeo nos indiviacuteduos que as sentem e introduzem mudanccedilas em seus juiacutezos o que altera e direciona seus julgamentos

Esse tema de extrema relevacircncia para o entendimento do ser humano e de grande implicaccedilatildeo para o processo persuasivo foi proposto pelo fi loacutesofo de Estagira no livro II de sua Retoacuterica2 Neste trabalho optamos por trazecirc-lo novamente agrave baila e lanccedilar sobre ele outros olhares com base em estudos retoacutericos desenvolvidos na

1 Agradeccedilo ao meu orientando Valmir Ferreira dos Santos Juacutenior pelas sugestotildees dadas agrave redaccedilatildeo deste capiacutetulo2 Sobre a composiccedilatildeo fi nal dessa obra dividida em trecircs livros Quintiacuten Racionero (tradu-tor de Aristoacuteteles diretamente do grego para o espanhol) explica que se deu a partir de 355 aC durante a segunda estada de Aristoacuteteles em AtenasO primeiro livro se ocupa da estrutura da arte retoacuterica da defi niccedilatildeo dos argumentos e tambeacutem dos gecircneros retoacutericos judicial (que visa acusar ou defender) deliberativo (que objetiva discorrer sobre a utilidade ou natildeo de uma problemaacutetica em prol de uma deci-satildeo) e epidiacutetico (que elogia ou censura) O segundo livro se ocupa das paixotildees humanas do caraacuteter dos sujeitos e da estrutura loacutegica do raciociacutenio retoacuterico O terceiro aborda o estilo as fi guras retoacutericas e a composiccedilatildeo do discurso e de suas partes

A RETOacuteRICA DAS PAIXOtildeES REVISITADA

- 142 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

atualidade e com o auxiacutelio de perspectivas contemporacircneas sobre a temaacutetica

Nosso percurso investigativo tem entatildeo por objetivo refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para que possamos discorrer sobre tais processos adentraremos primeiramente a fonte de suas refl exotildees em acircmbito retoacuterico a Retoacuterica das paixotildees

Esse tiacutetulo foi dado ao livro II da Retoacuterica aristoteacutelica que aqui no Brasil recebeu uma ediccedilatildeo biliacutengue (portuguecircs ndash grego) e foi prefaciada com notaacutevel profundidade fi losoacutefi ca por Michel Meyer No prefaacutecio o pensador belga perscruta a obra do estagirita de forma distinta trazendo refl exotildees sobre a gecircnese das emoccedilotildees desde os diaacutelogos platocircnicos ateacute a descriccedilatildeo de Aristoacuteteles passando tambeacutem pelas modulaccedilotildees que a mateacuteria discursiva pode sofrer em funccedilatildeo dos diversos fi ns retoacutericos

Em um dos trechos de seu texto Meyer (2000 p XL) assim se pronuncia ldquolugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircnciardquo Nessa barganha da identidade em detrimento da diferenccedila o campo emotivo ganha lugar para angariar o convencimento e a persuasatildeo do outro Isto eacute as paixotildees em um processo argumentativo satildeo pontes que permitem a conexatildeo e a proximidade dos homens por meio da identifi caccedilatildeo de traccedilos defl agrados em comum

Ciente do papel que exercem no discurso Aristoacuteteles descreve com perspicaacutecia contundente as paixotildees que acometem a alma humana e a fazem subjugar Assim o mestre abre o livro II com a seguinte refl exatildeo ldquovisto que a retoacuterica tem como fi m um julgamento [] eacute necessaacuterio natildeo soacute atentar para o discurso a fi m de que ele seja demonstrativo e digno de feacute mas tambeacutem pocircr-se a si proacuteprio e ao juiz em certas disposiccedilotildeesrdquo (ARISTOacuteTELES

- 143 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

2000 p 3) Esse trecho jaacute nos permite antever a funccedilatildeo primordial das paixotildees qual seja a de encontrar ou suscitar no auditoacuterio as paixotildees disponiacuteveis A esse respeito discorreremos com mais vagar nos paraacutegrafos que se seguem

Seguindo essa linha de raciociacutenio o sistematizador da retoacuterica se dispotildee a mostrar ldquoque as paixotildees constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencerrdquo (MEYER 2000 p XLI) Portanto com vistas a uma argumentaccedilatildeo efetiva que alcance a persuasatildeo o orador precisa ser capaz de acessar o campo emocional de seu auditoacuterio por meio do uso adequado de processos discursivos que possam afl orar as afecccedilotildees de quem testemunha seu ato argumentativo

Para o mestre estagirita as paixotildees humanas ou emoccedilotildees ldquosatildeo as causas que fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanccedilas nos seus juiacutezos na medida em que elas comportam dor e prazerrdquo (ARISTOacuteTELES 2015 p 116) Ao observar essa refl exatildeo conseguimos compreender que elas funcionam como direcionadores sentimentais que visam introduzir um estado em um sujeito para entatildeo tornar sua visatildeo sobre determinada questatildeo favoraacutevel a quem profere o discurso A esse respeito tambeacutem refl etimos sobre o que versa Aristoacuteteles (2000 p 3) no seguinte trecho ldquopara as pessoas que amam as coisas natildeo parecem ser as mesmas que para aquelas que odeiam nem para os dominados pela coacutelera as mesmas que para os tranquilosrdquo Aqui temos a confi rmaccedilatildeo de que as paixotildees possuem o poder de alterar a oacutetica de quem observa uma questatildeo fazendo seu julgamento variar de acordo com a afecccedilatildeo introduzida em sua alma

A refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para propoacutesitos distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia De fato os apontamentos do fi loacutesofo

- 144 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sobre a temaacutetica guiam direta ou indiretamente novas concepccedilotildees acerca das emoccedilotildees ateacute os dias atuais Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber

Acreditamos que os apontamentos aristoteacutelicos tecircm sido profiacutecuos principalmente em funccedilatildeo daquilo que nos recorda Meyer (2000 p XXXIX) ldquoPara Aristoacuteteles [] as paixotildees estatildeo intimamente associadas ao apetite sensiacutevel o qual eacute fl utuante e por isso desestabiliza o homemrdquo Por meio dessa transiccedilatildeo instaacutevel que fundamenta o campo sensiacutevel humano eacute entatildeo que as paixotildees ganham campo para infl igir dor ou prazer em quem as sente Eacute importante ressaltar poreacutem que na retoacuterica especifi camente as paixotildees satildeo entendidas como ldquoresposta a outra pessoa e mais precisamente agrave representaccedilatildeo que ela faz de noacutes em seu espiacuterito As paixotildees refl etem no fundo as representaccedilotildees que fazemos dos outros considerando-se o que eles satildeo para noacutes realmente ou no domiacutenio de nossa imaginaccedilatildeordquo (MEYER 2000 p XLI) Sendo assim nesse campo do saber as paixotildees estatildeo relacionadas a situaccedilotildees transitoacuterias provocadas pelo orador por essa razatildeo natildeo satildeo entendidas como virtudes ou viacutecios permanentes (cf FONSECA 2000 p XV)

Visto que discorremos sobre as delimitaccedilotildees que compreendem as paixotildees humanas passemos agraves caracterizaccedilotildees desses estados de que o orador lanccedila matildeo com o intuito de transformar as disposiccedilotildees em que se encontram os homens Como explicita Meyer (2000 p XXXIX) em seu prefaacutecio cada uma das paixotildees remonta a um turbilhatildeo uma confusatildeo que apesar de desorientadora e altamente modifi cadora eacute transitoacuteria moacutevel capaz de ser revertida e subvertida Aleacutem disso eacute um refl exo sensiacutevel do outro ou seja eacute a ponte que conecta os homens por meio do campo passional Ademais e sobretudo cada paixatildeo despertada por um orador defl agra muito da existecircncia do proacuteprio sujeito que testemunha o ato discursivo Por meio do afl orar dos sentimentos o indiviacuteduo

- 145 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

abre entatildeo as portas do seu campo sensiacutevel deixando que o outro conheccedila suas disponibilidades e por consequecircncia suas motivaccedilotildees e valores

Fica clara entatildeo a importacircncia dessa instacircncia para o campo da retoacuterica uma vez que ao saber quais satildeo os valores com os quais o auditoacuterio compactua o orador pode seguir seu caminho argumentativo de forma muito mais segura e precisa Eacute nesse sentido que como estrateacutegia retoacuterica as paixotildees satildeo consideradas uma das premissas do entimema (silogismo retoacuterico) (cf SILVA 2013 p 13)

Para nos aprofundarmos ainda mais nesse universo eacute preciso visitar a classifi caccedilatildeo das paixotildees descritas por Aristoacuteteles na obra mencionada Vejamos entatildeo as 14 paixotildees apresentadas na Retoacuterica ira calma amizade (amor) inimizade (oacutedio) temor (medo) confi anccedila amabilidade (favor) vergonha desvergonha (impudecircncia) piedade (compaixatildeo) indignaccedilatildeo inveja emulaccedilatildeo e indelicadeza (desprezo)

De acordo com o exposto podemos compreender que as paixotildees compotildeem um arcabouccedilo no qual se inserem as mais diversas nuances dos estados da alma humana O orador pode e deve entatildeo adentrar e explorar tal arcabouccedilo com o intuito de infl amar a paixatildeo que mais se adeacuteque ao objetivo de seu discurso Mediante as paixotildees elencadas tambeacutem eacute possiacutevel compreender que uma vez confi gurados tais estados transitoacuterios que transformam o julgamento humano desencadeia-se um processo para seus devidos efeitos A descriccedilatildeo de tal processo constitui o cerne do presente trabalho

Antes poreacutem de investigar os caminhos que as paixotildees percorrem no campo afetivo eacute necessaacuterio descrever cada uma delas Vejamos entatildeo uma breve explanaccedilatildeo para cada uma dessas afecccedilotildees

Coacutelera eacute um impulso de vinganccedila causado por injustifi cada negligecircncia em relaccedilatildeo ao outro ou aos que satildeo seus queridos

- 146 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Essa paixatildeo reequilibra a diferenccedila causada pela insolecircncia pelo despeito e pelo desprezo Consiste na tentaccedilatildeo de causar desgosto ao outro Tange portanto ao pessoal a questotildees particulares entre sujeitos

Calma eacute o contraacuterio e talvez o antiacutedoto da coacutelera Confi gura o estado de apaziguamento apoacutes um tormento estrondoso e recria a simetria entre os indiviacuteduos

Amor eacute desejar para algueacutem aquelas coisas que vocecirc considera boas (desejando-as para o outro e natildeo para si) e tentar ao maacuteximo fazer com que elas ocorram Eacute entatildeo o laccedilo de identidade com o outro

Oacutedio eacute dissociador Eacute a acircnsia por querer causar mal ao outro Diferentemente da coacutelera o oacutedio diz respeito agrave inimizade em relaccedilatildeo ao geral agraves classes natildeo ao particular Odeiam-se aos ladrotildees malfeitores e carrascos agraves classes natildeo aos sujeitos Quem sente coacutelera quer que o causador de seu tormento sinta em seu lugar seu mal enquanto quem sente oacutedio deseja que seu alvo desapareccedila

Temor uma dor ou distuacuterbio decorrente da projeccedilatildeo de um mal iminente que tem caracterizaccedilatildeo destrutiva e penosa Eacute acompanhado de uma expectativa Temem-se entatildeo os maus que podem nos arruinar ou arruinar quem nos eacute querido

Confi anccedila (seguranccedila) eacute o oposto do medo Eacute acompanhada da esperanccedila (antecipaccedilatildeo) das coisas que levam agrave seguranccedila como algo proacuteximo enquanto as causas do medo parecem inexistentes ou distantes

Vergonha valoriza a imagem que o outro cria de noacutes eacute dor ou perturbaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao presente passado ou futuro que achamos que tenderaacute ao nosso descreacutedito de acordo com a visatildeo de outrem Caracteriza a inferioridade que sentimos em relaccedilatildeo ao outro

- 147 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Impudecircncia (desvergonha) tambeacutem ocorre de acordo com a imagem que criam de noacutes poreacutem essa concepccedilatildeo natildeo nos traz dor alguma pelo contraacuterio cria indiferenccedila que anula qualquer possibilidade do desgosto Defl agra a posiccedilatildeo de superioridade em que nos colocamos em relaccedilatildeo ao julgamento do outro

Favor (obsequiosidade) bondade desinteressada em fazer ou devolver o bem ao outro

Compaixatildeo (piedade) sentimento de dor considerado como sendo um mal destrutivo ou doloroso que recai sobre quem natildeo o merece Eacute despertada quando pensamos que noacutes mesmos ou algueacutem proacuteximo a noacutes poderia sofrer tal mal sobretudo quando essa possibilidade parece real e alardeadora

Indignaccedilatildeo compreende uma dor ao avistar o destino de algueacutem que natildeo o mereceu

Inveja anguacutestia perturbadora dirigida agrave boa sorte de um igual A dor eacute sentida natildeo porque se deseja algo mas porque as outras pessoas o tecircm Eacute relacionada entatildeo ao sentimento de querer tirar ou destruir o que eacute de outrem

Emulaccedilatildeo relaciona-se ao movimento de imitaccedilatildeo ao outro Sentimento em relaccedilatildeo aos bens ou conquistas de outrem que consideramos desejaacuteveis e que estatildeo ao nosso alcance Eacute uma dor sentida natildeo porque as outras pessoas tenham tais bens mas porque natildeo os temos tambeacutem o que nos impele a querer possuiacute-los

Desprezo antiacutetese da emulaccedilatildeo As pessoas que estatildeo em posiccedilatildeo de serem imitadas tendem a sentir desprezo por aqueles que estatildeo sujeitos a quaisquer males (defeitos e desvantagens) Assim o desprezo pressupotildee que o outro natildeo merece o que tem pelo fato de ser inferior ao seu destino

Ao observar as defi niccedilotildees das 14 paixotildees aristoteacutelicas descritas no livro II podemos compreender melhor as mais diversas

- 148 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nuances que alteram o juiacutezo do homem Ainda nessa perspectiva a teoacuterica Carmen Trueba Atienza apoacutes estudar as obras Da alma Retoacuterica e Poeacutetica de Aristoacuteteles elabora uma ldquoteoria aristoteacutelica das emoccedilotildeesrdquo3 Refl itamos entatildeo brevemente sobre as proposiccedilotildees da pesquisadora em seu estudo de 2009

O objetivo do trabalho de Trueba Atienza eacute reconstruir a parte central das diferentes abordagens sobre as paixotildees que se encontram de acordo com a autora dispersas no corpus aristoteacutelico Ao analisar e discutir os aspectos interpretativos mais recorrentes na atualidade a autora investiga as diversas engrenagens passionais (como por exemplo os processos fi sioloacutegicos e as sensaccedilotildees fiacutesicas) Ademais refl ete sobre os estados e processos cognitivos para entatildeo propor uma visatildeo cognitivista das paixotildees aristoteacutelicas

A primeira proposiccedilatildeo apresentada eacute que por meio das evidecircncias deixadas no corpus aristoteacutelico ldquoAristoacuteteles considera as paixotildees ou emoccedilotildees afecccedilotildees psicofiacutesicas associadas a alteraccedilotildees fi sioloacutegicas e que envolvem sensaccedilotildees de dor ou prazerrdquo4

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 152 traduccedilatildeo nossa) Essas alteraccedilotildees natildeo satildeo instauradas apenas na alma humana mas tambeacutem no corpo de quem estaacute agrave mercecirc de uma das paixotildees O sentido de dorprazer aqui se estende para um campo que foge do psiacutequico adentrando o campo sensorial Uma vez desencadeados os sentimentos de dor ou prazer estados e processos cognitivos se manifestam Isto eacute tal sentimento instaura um estado mental em quem o sente fazendo o sujeito criar signifi caccedilotildees cognitivas tais como sensaccedilotildees ou percepccedilotildees impressotildees sensiacuteveis ou racionais e crenccedilas ou julgamentos

A partir da manifestaccedilatildeo desses processos o indiviacuteduo cujo juiacutezo e corpo sofreram alteraccedilotildees passionais eacute lanccedilado a posiccedilotildees 3 Em espanhol La teoria aristoteacutelica de las emociones4 ldquoAristoacuteteles considera las pasiones o emociones afecciones psicofiacutesica associadas com alteraciones fi sioloacutegicas y que conllevan sensaciones de dolor yo placerrdquo (TRUE-BA ATIENZA 2009 p 152)

- 149 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e determinaccedilotildees em relaccedilatildeo ao mundo e agrave questatildeo relacionada ao desencadeamento das paixotildees Isso por fi m gera os desejos ou impulsos que remetem ao movimentoaccedilatildeo daquele sujeito em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica que alterou seu campo emocional em um niacutevel psicofiacutesico

Trueba Atienza (2009) entatildeo a partir do arcabouccedilo aristoteacutelico afi rma que as emoccedilotildees satildeo afecccedilotildees psicofiacutesicas complexas que envolvem segundo o proacuteprio fi loacutesofo

1) alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos

2) sentimentos de prazer eou dor

3) estados ou processos cognitivos tais como

a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis)

b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia)

c) crenccedilas (doxai) ou julgamentos (hypolepsis)

4) atitudes ou disposiccedilotildees para com o mundo e

5) desejos ou impulsos (orexis)5

De acordo com a autora (2009 p 168 traduccedilatildeo nossa) ldquoa atenccedilatildeo que Aristoacuteteles dedica a cada um desses cinco aspectos das emoccedilotildees depende em grande parte da relaccedilatildeo que eles tecircm com as questotildees fi losoacutefi cas que ele analisa e discute nos diferentes lugares em que lida com emoccedilotildees ou faz alguma alusatildeo a elasrdquo6 Podemos ainda observar que cada uma dessas cinco instacircncias satildeo de alguma maneira elementos constitutivos das emoccedilotildees

5 Reorganizado com base no original em espanhol6 ldquoLa atencioacuten que Aristoacuteteles le dedica a cada uno de estos cinco aspectos de las emociones depende en gran medida de la relacioacuten que ellos guardan con las cuestiones fi losoacutefi cas que eacutel analiza y discute en los diferentes lugares del corpus en los que se ocupa de las emociones o hace alguna alusioacuten a ellasrdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 150 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao terceiro item do esquema os componentes cognitivos da emoccedilatildeo podem ser separados uns dos outros mas (como veremos por meio do exemplo da autora) haacute casos que admitiriam combinaccedilotildees dependendo do grau de complexidadeintensidade da emoccedilatildeo em questatildeo Assim

o medo poderia vir acompanhado da percepccedilatildeo de um objeto (o fogo) e da impressatildeo avaliativa de que se trata de um perigo iminente da crenccedila de que o fogo eacute de tal magnitude que pode causar grandes danos e do julgamento de que temos que fugir neste momento [] o medo do fogo seria acompanhado de palidez eou tremor a sensaccedilatildeo de dor a atitude de alerta e o desejo de ser salvo7

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 168 traduccedilatildeo nossa)

Por meio desse exemplo a autora demonstra que o alcance passional de cada um dos componentes da emoccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a natureza de cada afecccedilatildeo e tambeacutem de acordo com a disposiccedilatildeo das pessoas e as circunstacircncias particulares nas quais elas experimentam tais paixotildees Isso faz com que lancemos matildeo de outro autor da atualidade para compreender melhor a instacircncia do pathos dentro da Retoacuterica

Antes poreacutem eacute importante ressaltar que o pathos ao lado do ethos e do logos integra o tripeacute retoacuterico Enquanto o primeiro se refere ao auditoacuterio e ao conjunto de paixotildees por ele sentidas o veacutertice do ethos pode ser relacionado ao orador ou seja

7 ldquoel temor podriacutea ir acompanhado de la percepcioacuten de un objeto (el fuego) y de la impresioacuten evaluativa de que se trata de un peligro inminente de la creencia de que el fuego es de tal magnitud que puede acarrear un gran dantildeo y del juicio de que hay que huir en este momento Pero en cualquier caso los componentes cognitivos iriacutean acompantildeados del resto de los componentes de las emociones Retomando el ejemplo anterior el temor por el fuego iriacutea acompanhado de la palidez yo el temblor la sensacioacuten de dolor la actitud alerta y el deseo de sal-varserdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 151 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

compreende agrave construccedilatildeo imageacutetica que ele proacuteprio sustenta de si ademais tudo o que remonta agrave imagem que o auditoacuterio cria de seu orador O logos por sua vez abrange toda a mateacuteria que compotildee o discurso proferido ou seja as provas os argumentos as fi guras os exemplos a linguagem o estilo

De volta ao primeiro veacutertice no artigo ldquoO que eacute pathosrdquo Francisco Martins discorre sobre as vaacuterias acepccedilotildees do termo desde sua origem ligada ao ato de fi losofar ateacute os dias atuais Cada uma dessas defi niccedilotildees faz alusatildeo a um determinado campo do saber o que possibilita diversas conexotildees semacircnticas entre as inuacutemeras caracterizaccedilotildees apresentadas

Passando pela concepccedilatildeo contemporacircnea do termo bastante simplifi cadora por sinal Martins (1999 p 65) recorda que a palavra pathos (transformada em um radical) direciona quase que exclusivamente ldquoa uma concepccedilatildeo de doenccedila na sua forma meacutedica atualrdquo daiacute os termos patoloacutegico patologia patologista Poreacutem o autor enfatiza que essa palavra teve uma origem fi losoacutefi ca e eacute este o ponto que nos interessa na abordagem aqui proposta A esse respeito leiamos o que elucida o pesquisador

O conceito de pathos traz consigo possibilidades e problemas mais amplos que o sentido de doenccedila natildeo fazendo parte de um soacute campo de estudos como a palavra ldquopatologiardquo indica Investigando-se com mais cuidado percebe-se que se trata de uma dimensatildeo essencial humana O pathos seria compreendido como uma disposiccedilatildeo (Stimmung) originaacuteria do sujeito que estaacute na base do que eacute proacuteprio do humano Assim o pathos atravessa toda e qualquer dimensatildeo humana permeando todo o universo do ser Natildeo seria entatildeo uma surpresa redescobrir o pathos como estando na base da fi losofi a que infl uenciou toda a construccedilatildeo do mundo moderno e em

- 152 -

AS CRISES NADA CONTEMPORANEIDADE ANAacuteLISES DISCURSIVAS

especial da ciecircncia a fi losofi a grega Toda e qualquer tentativa de elucidar o pathos de maneira mais aprofundada passaria natildeo somente pelas regionalizaccedilotildees do ponto de vista de aacutereas de conhecimento especiacutefi cas mas pela fi losofi a na sua totalidade Eacute do horizonte do logos que se torna possiacutevel um panorama organizador desta questatildeo humana Evidencia-se a impossibilidade de que o pathos possa vir a ser objeto de estudo de uma soacute disciplina ele eacute um conceito inerente ao ser (MARTINS 1999 p 66 grifos nossos)

A partir dessa visatildeo mais ampla do termo nos eacute conveniente neste trabalho retornar agrave concepccedilatildeo originaacuteria do termo e tomaacute-lo de acordo com o autor como ldquouma disposiccedilatildeo originaacuteria do sujeitordquo E natildeo paramos por aiacute Seguindo a linha de raciociacutenio proposta no artigo essa ldquodisposiccedilatildeordquo faz tambeacutem referecircncia agravequilo que natildeo estaacute ocupado por consequecircncia que se encontra livre desimpedido E eacute exatamente sobre esta concepccedilatildeo que iremos nos debruccedilar pois eacute ela que julgamos mais produtiva na compreensatildeo da instacircncia do pathos dentro da retoacuterica Como veremos a seguir nossa proposta partiraacute especifi camente dessa concepccedilatildeo

Com base nas refl exotildees apresentadas propomos abaixo uma possiacutevel trajetoacuteria das paixotildees tal como acreditamos suceder dentro do processo persuasivo Para tanto estabelecemos os seguintes estaacutegios

- 153 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 1 ndash A trajetoacuteria da paixatildeo

Fonte elaboraccedilatildeo da autora

Nos paraacutegrafos que se seguem nos dedicaremos a caracterizar cada um dos estaacutegios supracitados e que compotildeem a trajetoacuteria da paixatildeo conforme nossa leitura da obra aristoteacutelica

I - Disponibilidade

Dentro da Retoacuterica a instacircncia do pathos se refere ao auditoacuterio e suas paixotildees Portanto para que um discurso seja persuasivo sugere-se que o orador ao elaborar sua argumentaccedilatildeo recorra ao terreno emocional de seu ouvinte Natildeo obstante esse caminho soacute se torna viaacutevel quando as emoccedilotildees do auditoacuterio se encontram disponiacuteveis para a exploraccedilatildeo do orador Para isso eacute necessaacuteria uma disponibilidade afetiva por parte do auditoacuterio que permita criar espaccedilo para a paixatildeo preconizada por quem profere o ato argumentativo Em outras palavras um auditoacuterio soacute sentiraacute determinada paixatildeo (afecccedilatildeo) se estiver aberto de acordo com sua preacute-disposiccedilatildeo cognitiva a experimentar aquela emoccedilatildeo

O estaacutegio da Disponibilidade portanto tange a aceitaccedilatildeo e a disposiccedilatildeo emocional do auditoacuterio agraves emoccedilotildees propostas em um

- 154 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

determinado discurso Nessa etapa uma vez que a paixatildeo lanccedilada pelo orador encontra espaccedilo no campo afetivo do auditoacuterio a trajetoacuteria das paixotildees recebe aval para percorrer de forma imbatiacutevel a maacutequina humana Atinge-se assim o segundo estaacutegio

II - Identifi caccedilatildeoNessa etapa tem lugar um aspecto primordial do processo

persuasivo sem o qual nenhum dos passos subsequentes se fariam possiacuteveis Trata-se da Identifi caccedilatildeo Por meio dela acionam-se estados ou processos cognitivos tais como a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis) e b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia) Vemos nesse estaacutegio uma coincidecircncia com aquilo que Trueba Atienza (2009) pocircde verifi car no arcabouccedilo aristoteacutelico

Eacute tambeacutem por meio da Identifi caccedilatildeo que as paixotildees conseguem exercer sua ldquofunccedilatildeo intelectual epistecircmica operam como imagens mentais informam-me sobre mim e sobre o outro tal como ele age em mimrdquo (MEYER 2000 p XLII) Dessa maneira fi ca evidente que soacute vou me sensibilizar se antes conseguir me identifi car Quando isso acontece passamos ao terceiro estaacutegio da trajetoacuteria

III - Alteraccedilatildeo psicofiacutesica

Nessa fase em decorrecircncia dos processos identitaacuterios como parte integrante do auditoacuterio passo a experienciar alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos seguidos de sentimentos de prazer eou dor tal como descritos por Aristoacuteteles

Seguindo essa linha de raciociacutenio Trueba Atienza (2009 p 149 traduccedilatildeo e grifos nossos) fundamentada na obra Da alma assim se expressa ldquoAs afecccedilotildees da alma parecem se dar com o corpo lsquovalor docilidade medo compaixatildeo ousadia assim como a alegria o amor e o oacutedio O corpo desde entatildeo resulta afetado conjuntamente em todos esses casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo8 8 ldquoLas afecciones del alma parecen darse con el cuerpo lsquovalor dulzura miedo compasioacuten osadiacutea asiacute como la alegriacutea el amor y el odio El cuerpo desde luego resulta

- 155 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Vemos entatildeo que a paixatildeo natildeo se limita a exercer uma funccedilatildeo intelectual ou epistecircmica como ressaltado no estaacutegio anterior Aqui ela atinge tambeacutem o corpo e o interpela e o conduz juntamente com a mente a uma mudanccedila de julgamento Assim atingimos o estaacutegio subsequente

IV - Mudanccedila de julgamentoNessa fase podemos observar uma alteraccedilatildeo nos estados ou

processos cognitivos no que tangem as crenccedilas (doxai) ou os julgamentos (hypolepsis) do auditoacuterio Essa alteraccedilatildeo decorre da mudanccedila ocorrida no espiacuterito em funccedilatildeo da experiecircncia de dor eou de prazer Como nos recorda Aristoacuteteles (2015 p 116) ldquonesse estado observa-se uma notaacutevel diferenccedila nos julgamentos proferidosrdquo9

Dessa maneira assistimos agrave conjunccedilatildeo do corpo e da mente impulsionados por uma mesma causa Nessa sintonia e instigado pela Mudanccedila de julgamento o auditoacuterio se vecirc convocado agrave accedilatildeo Assim caminhamos fi nalmente para o aacutepice da trajetoacuteria passional o estaacutegio da Accedilatildeo

V - Accedilatildeo

Por fi m o processo persuasivo atinge seu objetivo uacuteltimo qual seja o de conduzir o auditoacuterio agrave accedilatildeo Como enfatiza Abreu (2002 p 25) ldquoPersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para agirrdquo

Nesse estaacutegio portanto podemos assistir ao espetaacuteculo das atitudes ou disposiccedilotildees do auditoacuterio para com o mundo Assim na esteira aristoteacutelica sistematizada por Trueba Atienza (2009) o auditoacuterio poderaacute por fi m e inevitavelmente dar vazatildeo a seus desejos ou impulsos (orexis) Esse processo nos faz recordar as palavras do

afectado (paacuteschei) conjuntamente en todos estos casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo9 Por essa razatildeo Solomon (1980 p 35 traduccedilatildeo nossa) defende que ldquouma emoccedilatildeo eacute necessariamente um julgamento apressado em resposta a uma situaccedilatildeo difiacutecilrdquo (ldquoAn emotion is a necessarily hasty judgment in response to a diffi cult situationrdquo) Nesse sentido uma emoccedilatildeo jaacute eacute potencialmente um julgamento

- 156 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

fi loacutesofo belga quando afi rma ldquoA paixatildeo tornada incontornaacutevel exige a accedilatildeo Daiacute a obrigatoacuteria relaccedilatildeo eacutetica com a paixatildeo pois a moral se estriba numa justa deliberaccedilatildeo capaz de ensejar a accedilatildeordquo (MEYER 2000 p XXXIV)

Somente assim podemos considerar que o processo persuasivo chegou ao seu fi m e podemos entatildeo assistir ao fechamento do ciclo Nesse estaacutegio por tanto todas as demais fases precedentes exercem seu papel e estabelecem sua importacircncia ldquoO circuito estaacute fechado haacute paixatildeo porque haacute accedilatildeo e essa reciprocidade inscreve-se como interaccedilatildeo de diferenccedilas no seio de uma mesma identidade de uma mesma comunidaderdquo (MEYER 2000 p XXXVII)

Como balanccedilo da trajetoacuteria das paixotildees por noacutes proposta gostariacuteamos de fi nalizar com um dos trechos mais emblemaacuteticos sobre o assunto e que ao nosso ver transita por todo o percurso passional aqui sugerido

A paixatildeo eacute decerto uma confusatildeo mas eacute antes de tudo um estado de alma moacutevel reversiacutevel sempre suscetiacutevel de ser contrariado invertido uma representaccedilatildeo sensiacutevel do outro uma reaccedilatildeo agrave imagem que ele cria de noacutes uma espeacutecie de consciecircncia social inata que refl ete nossa identidade tal como esta se exprime na relaccedilatildeo incessante com outrem Reequiliacutebrio que assegura a constacircncia na variaccedilatildeo multiforme que o outro assume em sociedade a paixatildeo eacute resposta julgamento refl exatildeo sobre o que somos porque o outro eacute pelo exame do que o outro eacute para noacutes Lugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircncia (MEYER 2000 p XXXIX-XL)

- 157 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Mediante a amplitude do arcabouccedilo aristoteacutelico e seu inegaacutevel impacto para o avanccedilo intelectual da humanidade no presente capiacutetulo tivemos o propoacutesito revisitar um de seus mais relevantes legados sua retoacuterica das paixotildees Para isso buscamos perscrutar a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade pois nosso intuito foi desde o princiacutepio compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

Acreditamos ter cumprido nosso objetivo e esperamos que a proposiccedilatildeo da trajetoacuteria das paixotildees aqui empreendida sirva de estiacutemulo para os investigadores da aacuterea e constitua tambeacutem um caminho mais curto frente ao complexo e inacabado entendimento do universo passional do homem e de suas consequecircncias

REFEREcircNCIAS

ABREU A S A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo 5 ed Cotia Ateliecirc Editorial 2002

ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Prefaacutecio de Michel Meyer Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

______ Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo do grego Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena Satildeo Paulo Folha de S Paulo 2015 (Coleccedilatildeo Folha Grandes nomes do pensamento v 1)

- 158 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

HOUAISS Dicionaacuterio eletrocircnico Rio de Janeiro HouaissObjetiva 2009

MARTINS Francisco O que eacute pathos Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental Satildeo Paulo v 2 n 4 p 62-80 OctDec 1999

MEYER Michel Aristoacuteteles ou a retoacuterica das paixotildees (Prefaacutecio) In ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p XVII-LI

SILVA Christiani Margareth de Menezes A dimensatildeo cognitiva da paixatildeo em Aristoacuteteles EIDampA ndash Revista Eletrocircnica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentaccedilatildeo Ilheacuteus n 4 p 13-23 jun 2013

SOLOMON Robert C Emotions and choice Th e Review of Metaphysics v 27 n 1 p 20-41 Sep 1973 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable20126349seq=1page_scan_tab_contentsgt Acesso em 28 out 2017

TRUEBA ATIENZA Carmen La teoriacutea aristoteacutelica de las emociones Signos fi losoacutefi cos Meacutexico v 11 n 22 juldic 2009

- 159 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Moacir Lopes de Camargos

Como se fosse um raio que quebra seus ossos e te deixa varado no meu paacutetio

Julio Cortaacutezar

PARA INICIAR

No ano em que completo 50 anos tambeacutem completa 50 anos de AI5 Ato Institucional nuacutemero 5 decretado pelo General Meacutedici Se por um lado posso comemorar minha data o que escolhi natildeo fazecirc-lo tendo em vista que por destino talvez nesta minha data completo tambeacutem 10 anos na cidade de inverno frio deste ditador Por outro restam perguntas e medos e ainda ecoam signos (prisatildeo censura tortura morte) que refl etem e refratam uma realidade outra mas natildeo distante A memoacuteria natildeo pode apagar a (minha) nossa histoacuteria latino-americana mas do silecircncio vem as formas signifi cativas de muitas possiacuteveis respostas Como mostra a canccedilatildeo La memoria do cantor e compositor argentino Leoacuten Gieco

Los viejos amores que no estaacutenLa ilusioacuten de los que perdieronTodas las promesas que se van

Y los que en cualquier guerra cayeron

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historia

QUANDO A LINGUA(GEM) ME AFETA

- 160 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El engantildeo y la complicidadDe los genocidas que estaacuten sueltos

El indulto y el punto fi nalA las bestias de aquel infi erno

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historiaLa memoria despierta para herir

A los pueblos dormidosQue no la dejan vivirLibre como el viento

Los desaparecidos que se buscanCon el color de sus nacimientos

El hambre y la abundancia que se juntanEl mal trato con su mal recuerdo

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

Dos mil comeriacutean por un antildeoCon lo que cuesta un minuto militar

Cuaacutentos dejariacutean de ser esclavosPor el precio de una bomba al mar

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

La memoria pincha hasta sangrarA los pueblos que la amarran

Y no la dejan andarLibre como el viento

Todos los muertos de la amIaY de la embajada de israel

- 161 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El poder secreto de las armasLa justicia que mira y no ve

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

Fue cuando se callaron las iglesiasCuando el fuacutetbol se lo comioacute todoQue los padres palotinos y angelelli

Dejaron su sangre en el lodo

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

La memoria estalla hasta vencerA los pueblos que la aplastan

Y no la dejan serLibre como el viento

La bala a chico meacutendez en brasil150000 Guatemaltecos

Los mineros que enfrentan al fusilRepresioacuten estudiantil en meacutexico

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historia

Ameacuterica con almas destruidasLos chicos que mata el escuadroacutenSuplicio de mugica por las villas

Dignidad de rodolfo walsh

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historiaLa memoria apunta hasta matar

- 162 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A los pueblos que la callanY no la dejan volar

Libre como el viento

E como tudo estaacute clavado na nossa memoacuteria como nos ensina a canccedilatildeo seja individual ou coletiva busco em minhas memoacuterias narrativas de experiecircncias para trazer outras perguntas e assim gestar outras possiacuteveis respostas ou continuar com outras perguntas Sobre a experiecircncia o professor Larrosa (2004) nos mostra que

O sujeito da experiecircncia eacute um sujeito ex-posto Do ponto de vista da experiecircncia o importante natildeo eacute nem a posiccedilatildeo (nossa maneira de pocircr-nos) nem a o-posiccedilatildeo (nossa maneira de opor-nos) nem a im-posiccedilatildeo (nossa maneira de impor-nos) nem a pro-posiccedilatildeo (nossa maneira de propor-nos) mas a exposiccedilatildeo nossa maneira de ex-por-nos com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e risco Por isso eacute incapaz de experiecircncia aquele que se potildee ou se opotildee ou se impotildee ou se propotildee mas natildeo se ex-potildee Eacute incapaz da experiecircncia aquele a quem nada lhe passa a quem nada lhe acontece a quem nada lhe sucede a quem nada lhe toca nada lhe chega nada lhe afeta a quem nada lhe ameaccedila a quem nada lhe fere (LARROSA 2004 p 161)

Assim busco em outras vozes para narrar um pouco do que me afeta e me toca neste momento Embora este texto apareccedila em primeira pessoa natildeo sou o autor absoluto pois outras vozes e enunciados me constituem e me modifi cam constantemente Se a historia eacute minha eu natildeo sou a uacutenica voz que a compotildee porque como escreve Daniel Viglietti1

1 Muacutesica otra voz canta do cd A dos vocecircs de Daneil Viglietti

- 163 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Por detraacutes de mi voz-escucha escucha -

otra voz canta

Viene de detraacutes de lejosViene de sepultadas

boca y canta

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha ndashmientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Escucha escuchaOtra voz canta

Dicen que ahora vivenEn tu mirada

(sosteacutenlos con tus ojoscon tus palabras

sosteacutenlos con tu vidaque no se pierdanque no se caigan)

Escucha escuchaOtra voz canta

No son soacutelo memoriaSon vida abierta

Continua y anchaSon camino que empieza

Cantan conmigoConmigo cantan

- 164 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha-mientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Cantan conmigoConmigo cantan

Tomando a perspectiva bakhtiniana sobre autor este eacute polifocircnico pois escuta as vozes (ante)passadas as vozes presentes e responde a elas Assim

a seleccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo impliacutecita daquilo que se elege para ser contado conferem ao narrador a condiccedilatildeo de autor Eacute uma histoacuteria que tendo em vista minha histoacuteria uacutenica e irrepetiacutevel que reside na memoacuteria social do grupo essa historia natildeo eacute soacute minha Desse modo natildeo posso ser a autora dela mas somente da narrativa circunscrita ao meu projeto de dizer Aos motivos que me levaram a narraacute-la Por ser a histoacuteria do grupo faz parte da tradiccedilatildeo coletiva (LIMA 2005 p52)

Trago entatildeo uma primeira narrativa2 para contar algo do passado ()

Pois se eles querem meu sangue Teratildeo o meu sangue soacute no fi m

E se eles querem meu corpo Soacute se eu estiver morto soacute assim

(Querem meu sangue - Cidade Negra)

2 As narrativas deste texto satildeo narradas segundo minha memoacuteria mas as palavras natildeo foram apagadas apenas omiti detalhes

- 165 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Cidadezinha qualquer de Minas sob a atmosfera pluacutembea no iniacutecio dos anos 80 mas pode ser (ainda hoje) de qualquer lugar do Brasil uma pracinha tranquila uma pensatildeo velha com um boteco em frente e um corpo abjeto agonizante na calccedilada do bar Um corte profundo em seu nariz seguindo pelo seu rosto Borbulhas de sangue em seus olhos Gritos agudos desesperados Apenas um vestido surrado e sandaacutelias velhas Mais sangue pelo corpo pela calccedilada pelos cacos de vidro Gritos Em instantes uma multidatildeo curiosa Filho da puta ladratildeo Chutes Pontapeacutes Socos E a rapidez da poliacutecia encanta impressiona nesses momentos Alguma coisa fora da ordem Poliacutecia para quem precisa Mais gritos prisatildeo para o Joatildeo Muieacute boacuteia-fria favelado sem vergonha vagabundo vira omi Seu corpo ensanguentado rosto com choro cortado arrastado e espancado diante da multidatildeo jogado dentro do camburatildeo Corpo pichador da cidade A multidatildeo feliz Risos Mais um fi nal feliz Nesse instante minha mudez me delatou apenas continuei com a imagem do rosto ensanguentado Era o meu vizinho era aquele corpo natildeo permitido de caminhar na cidade ldquolimpardquo Adolescentemente continuei mudo perplexo e natildeo entendi nada Meus olhos fi caram parados Eu tinha apenas 15 anos mas jaacute conhecia muito bem as diferentes violecircncias Natildeo soube caminhar naquele instante tinha que voltar ao bar e limpar o sangue os cacos E a cidadezinha continuou devagar homem mulher cachorro burro e poliacutecia Paz Seraacute que Drummond diria ecircta vida besta meu deus

Haacute um iacutenterim entre essa narrativa e tantas outras vividas na infacircncia e adolescecircncia no campo e numa cidade do interior Passaram os acontecimentos mas natildeo passou jamais a dor e a(s) paisagem(ns) que me recuso a revecirc-las Eacute um tempo do qual eu

- 166 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo quero guardar lembranccedilas Eacute um tempo que queria esquecer para sempre mas como natildeo posso fazecirc-lo pois minha memoacuteria insiste em trazecirc-los agrave tona escrevo

Assim segue a segunda narrativa

Quando completei 20 anos ainda em tempos sombrios sem democracia (1988) eu estava em meu primeiro emprego lavar pratos em uma cozinha de um drive in para sexo e drogas na cidade de Uberlacircndia MG Trabalhava de 17 horas as 5 da manhatilde e voltava para casa becircbado de sono em uma rua empoeirada A Lagoinha periferia fi cava a 40 minutos desse trabalho Eu dormia o dia todo e isso era bom pois economizava a comida ou seja comia uma uacutenica vez no dia na casa de conhecidos que me receberam Em um dos retornos para casa quase chegando em casa eis que uma viatura da poliacutecia em um fi at 147 cor bege me parou em frente ao centro do bairro um local com preacutedios tipo uma escola com quadra para esporte Era ali onde os moradores daquela periferia se reuniam para cursos diversos atividades esportivas pegar livros da Kombi itinerante da biblioteca municipal dentre tantas outras atividades Havia dois policiais na viatura O motorista me disse -Pare Era frio de junho e com minhas roupas rotas o frio aumentou e senti todo meu corpo tremer Tinha um xerox de minha identidade no bolso e nas matildeos uma sacolinha de plaacutestico com caixinhas vazias de catupiri que sempre levava para as crianccedilas brincarem pois o sabor de tal queijo nunca tiacutenhamos saboreado talvez em sonhos Os dois policiais desceram rapidamente do carro e gritaram com as matildeos em suas armas -Matildeos na grade Natildeo havia muro que cercava o centro de bairro era uma grade de metal que protegia o local De repente levei um empurratildeo e senti minha cara

- 167 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sendo amassada na tela grossa de arame Natildeo podia mover-me apenas olhei a sala iluminada com as maacutequinas de escrever todas manuais Era ali onde eu sonhava em ter um trabalho importante decente digno pois 3 vezes por semana driblava o cansaccedilo e a fome para sentir o tic tac estalado das maacutequinas de escrever em meus sonhos meu futuro Segurei forte nos arames enquanto um deles gritou - Vagabundo preguiccediloso natildeo sabe falar natildeo tem ouvido Onde cecirc mora O que taacute fazendo na rua a essa hora Gritou forte e senti o cassetete pressionar meu pescoccedilo apertar minha cara na tela de arame Eu natildeo podia falar nada estava sem voz sem lingua(gem) Senti apenas uma dor profunda de uma ponta de arame que penetrou meu rosto e senti o sangue escorrer Meu medo aumentou Ele torceu o meu braccedilo e gritou - Viado fi lho da puta cecirc merece muita porrada Continuei mudo semi-morto Recebi um chute e o aliacutevio no pescoccedilo quando o cassetete foi retirado Quando me virei um deles me apontava a arma e gritou - Some daqui agora Peguei as caixinhas vazias na calccedilada e sai socircfrego tremendo e eles riam de deboche do meu corpo magro fraacutegil enfi m de minha diferenccedila O sangue escorria pelo rosto e a roupa velha surrada estava vermelha Nem pude chorar sabia que natildeo podia falar nada a ningueacutem Meu irmatildeo era policial mas jamais contaria a ele Era uma vergonha se contasse para ele ou algueacutem tudo aquilo eu natildeo tinha amigos Quem poderia acreditar De quem seria a verdade Me restavam a cicatriz na cara e na memoacuteria

Desta narrativa de violecircncia vinham a mim outras palavras que me acompanhavam desde a infacircncia lepra teacutetano paralisia fome morte Poreacutem assim como na muacutesica dos Titatildes o pulso ainda tinha que pulsar

- 168 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O pulso

O pulso ainda pulsaO pulso ainda pulsa

Peste bubocircnicaCacircncer pneumonia

Raiva rubeacuteolaTuberculose e anemiaRancor cisticercoseCaxumba difteria

Encefalite faringiteGripe e leucemia

E o pulso ainda pulsaE o pulso ainda pulsa

Hepatite escarlatinaEstupidez paralisia

Toxoplasmose sarampoEsquizofrenia

Uacutelcera tromboseCoqueluche hipocondria

Siacutefi lis ciuacutemesAsma cleptomania

E o corpo ainda eacute poucoE o corpo ainda eacute pouco

Assim

Reumatismo raquitismoCistite disritmia

Heacuternia pediculoseTeacutetano hipocrisia

- 169 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Brucelose febre tifoacuteideArteriosclerose miopiaCatapora culpa caacuterieCatildeibra lepra afasia

O pulso ainda pulsaE o corpo ainda eacute pouco

Ainda pulsaAinda eacute pouco

PulsoPulsoPulsoPulso

Assim

E o meu corpo ainda tem a memoacuteria daquelas dores violentas da liacutengua(gem) que me marcou Ainda carrego essas marcas siacutegnicas profundas e busco algo de positivo disso tudo natildeo tenho saudades alguma ndash no plural ndash daqueles tempos de adolescecircncia e vida adulta de miseacuteria e violecircncias Nada desses sentimentos me trazem a sensaccedilatildeo de uma falta que pode gestar uma saudade As palavras de violecircncia com quais me feriram quando me veem agrave mente tocam na memoacuteria de minha pele e me remetem aquele corpo fragilizado que tentava circular mas natildeo era desejado na cidade letrada (Rama 1985) Naquele momento fi m da deacutecada de 1980 noacutes da periferia sabiacuteamos que natildeo eacuteramos parte da cidade letrada e ateacute as crianccedilas aprendiam cedo que a ldquocidaderdquo era outro lugar outro mundo teriacuteamos que descer o morro para ldquochegarrdquo a ela Noacutes estaacutevamos fora dela e junto estavam nossos corpos nossa voz nossa lingua(gem) e nossa diferenccedila que nos delatava E como ouvi do Betinho um vizinho - Ce tem sorte de ser branco porque eu tocirc ferrado Quando os homi me pegou eu vinha do coleacutegio a noite e um deles gritou mete porrada nesse macaco Fui parar no hospital

- 170 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como explicam Silva e Alencar (2013 p 137)

dito de outro modo quando um sujeito ou grupo de sujeitos usa a liacutengua para diminuir depreciar desdenhar ou abominar um grupo social ou indiviacuteduo especiacutefi co ele ou ela estaacute usando a liacutengua violentamente ie estaacute afetando uma estrutura de afetos que se sustenta na linguagem

E como naquele poema de Quintana esta foi uma das vezes que me (nos) violentaram que me (nos) assassinaram infelizmente natildeo a primeira como relata o poeta

Da vez primeira em que me assassinaramPerdi um jeito de sorrir que eu tinhaDepois a cada vez que me mataramForam levando qualquer coisa minha

Hoje dos meu cadaacuteveres eu souO mais desnudo o que natildeo tem mais nada

Arde um toco de Vela amareladaComo uacutenico bem que me fi cou

Vinde Corvos chacais ladrotildees de estradaPois dessa matildeo avaramente adunca

Natildeo haveratildeo de arrancar a luz sagrada

Aves da noite Asas do horror VoejaiQue a luz trecircmula e triste como um aiA luz de um morto natildeo se apaga nunca

Natildeo posso narrar ainda das tantas vezes que me assassinaram violentamente pelanacom a lingua(gem) mas sei bem tive que olhar meu cadaacutever morto desnudo e construir asas para alccedilar novo voo sonhar assim como Iacutecaro sem saber onde seria o meu porto Mesmo se eu fosse afogado nas aacuteguas profundas teria que

- 171 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seguir meu voo Deveria voar mesmo que em silecircncio mas seguir voando E palavras me acompanhariam em toda essa trajetoacuteria natildeo poderia esquivar-me delas de seu poder porque como escreve Voloacutechinov

Na realidade nunca pronunciamos ou ouvimos palavras mas ouvimos uma verdade ou mentira algo bom ou mal relevante ou irrelevante agradaacutevel ou desagradaacutevel e assim por diante A palavra estaacute sempre repleta de conteuacutedo e de signifi caccedilatildeo ideoloacutegica ou cotidiana Eacute apenas essa palavra que compreendemos e respondemos que nos atinge por meio da ideologia ou do cotidiano (VOLOacuteCHINOV 2017 p 181 grifos do original)

Ao fi m

Neste ano completo tambeacutem 25 anos de professor de liacutenguas e pensar corpo voz e a lingua(gem) implica em postular que esta pode violar o corpo ou uma estrutura de afetos o que me leva a afi rmar que a linguagem natildeo eacute mera representaccedilatildeo de eventos ou situaccedilotildees no mundo mas uma forma de agir no caso em que descrevo violentamente (Silva e Alencar 2013 p136)

E para ser professor saiacute do campo me instalei na periferia e alcei voo para o centro da cidade letrada No entanto vejo ainda mais evidente que a lingua(gem) continua exercendo seu poder ora violento ou natildeo produzindo inclusotildees e muitas exclusotildees O que me faz professor me leva a olhar para a lingua(gem) que me constitui pois ela eacute meu objeto de trabalho e por meio dela projeto um futuro Surgem diversas questotildees maldito ou bendito poder da linguagem Qual o meu papel de professor em uma universidade de periferia onde trabalho haacute 10 anos Que partido devo tomar nesse jogo Ficam estas perguntas e muitas outras mas mesmo assim necessito dessa lingua(gem) - esse arame farpado

- 172 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nos dizeres de Gnerre (1991) - para me interagir no mundo me sustentar me guiar e seguir caminhando

Caminando

Caminando caminandoiexclcaminando

Voy sin rumbo caminandocaminandovoy sin plata caminandocaminandovoy muy triste caminandocaminando

Estaacute lejos quien me buscacaminandoquien me espera estaacute maacutes lejoscaminandoy ya empentildeeacute mi guitarracaminando

Aylas piernas se ponen durascaminandolos ojos ven desde lejoscaminandola mano agarra y no sueltacaminando

Al que yo coja y lo aprietecaminando

eacutese la paga por todos caminando

a eacutese le parto el pescuezocaminando

- 173 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

y aunque me pida perdoacutenme lo como y me lo bebome lo bebo y me lo comocaminando caminando

caminando

Assim deixo meu breve relato de experiecircncia e para fi nalizar temporariamente tomo as palavras do pensador francecircs Michel Foucault para natildeo dizer que natildeo falei de teorias

Cada vez que eu tentei fazer um trabalho teoacuterico foi a partir de elementos de minha experiecircncia sempre em relaccedilatildeo com processos que eu vi desenrolar em torno de mim Eacute porque pensei conhecer nas coisas que vi nas instituiccedilotildees agraves quais estava ligado nas minhas relaccedilotildees com os outros fi ssuras abalos surdos disfunccedilotildees que eu empreendia um trabalho alguns fragmentos de autobiografi a Natildeo sou um ativista recuado que hoje gostaria de retomar o serviccedilo Meu modo de trabalho natildeo tem mudado muito mas o que eu espero dele eacute que continue a me mudar (FOUCAULT 1994 p 182)

REFEREcircNCIAS

FOUCAULT M Est-il donc importante de penser Entrevista com Didier Eribon Libeacuteration nordm 15 30-31 maio de 1981 p21 Traduzido a partir de FOUCAULT M Dits et eacutecrits Paris Gallimard 1994 vol IV p 178-182 por Wanderson Flor do Nascimento

GNERRE M Linguagem e poder 3 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1991

LARROSA J Habitantes de Babel Belo Horizonte Autecircntica 2004

LIMA M E C C Sobre a estranheza de se contarem histoacuterias ou da narrativa como mediaccedilatildeo In LIMA M E CC Sentidos do trabalho a

- 174 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

educaccedilatildeo continuada de professores Belo Horizonte Autecircntica 2005

RAMA A A cidade letrada Trad Emir Sader Satildeo Paulo Brasiliense 1985

SILVA D N ALENCAR C N A propoacutesito da violecircncia na linguagem In Cadernos de Estudos Linguiacutesticos v 55 n 2 juldez 2013 p 129-146

VOLOacuteCHINOV V Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircncia da linguagem Traduccedilatildeo notas e glossaacuterio de Sheila Grillo e Ekaterina Voacutelkova Ameacuterico Satildeo Paulo Editora 34 2017

- 175 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Rosana Ferrareto Lourenccedilo RodriguesAntocircnio Suaacuterez Abreu

Why is it that in academic settings students are typically asked to raise their hands to indicate that they want to answer or ask a question Very often people do Math with fi ngers and write down a complex Math problem getting help from an external device such as a calculator We write deadlines on a calendar Also you have often closed your eyes to remember past or imagine future

Th ese are all actions taken in the physical world as attempts to make a mental task faster easier and more reliable Motor actions support cognition Mind is not a perfect machine and there are constraints of attention and memory We understand abstract things using concrete prompts Th ese should be the answers to those questions

What the role of the human body in cognition is and why we use it to make sense of things in the world will then guide our discussions here Th is is what Cognitive Linguistics names as embodied language

SET TING THE SCENE

First-generation theories in Cognitive Sciences in the 1950s and 1960s were closely linked to Computer Science and conceived reason apart from the body as in formal logic following the tradition proposed by Descartes Like a computer

EMBODIED LANGUAGE AND ITS FUNCTIONALITY IN MEANING

CONSTRUCTION

- 176 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

the fi rst-generation mind would process information as largely independent from specifi c brains bodies and sensory modalities Th is viewpoint on language and thought gives rise to the Generative Grammar theory In 1957 Syntactic Structures was published by Noam Chomsky spreading the idea that grammar is a system of rules that generates exactly those combinations of words that form grammatical sentences in a given language

In contrast empirical research is the basis of second-generation Cognitive Science which evidences a strong dependence of human reasoning on human embodiment Mind is not merely viewed as a computer anymore but mind is a brain-body-world system In the 1970s studies on visual perception image schemas metaphor metonymy frames and mental spaces began to contradict previous generation rationalism (cf LAKOFF JOHNSON 1999 p 75-77) In Metaphors we live by (1980) especially in the chapter Personifi cation Lakoff and Johnsonacutes theory of the conceptual metaphors gives idea of the use of the human body and its biological and cultural features as a source of metaphors in examples (LAKOFF JOHNSON 1999 p 33) such as

Infl ation is eating up our profi tsTh e Michel-Morley experiment gave birth to a new physical theoryLife has cheated meHis religion tells him that he cannot drink fi ne French vine

From the fundamental theories of conceptual metaphors and image schemas to more modern mental operations such as the one conceived as blending (or conceptual integration) a new viewpoint on human language has risen from embodied cognition In this chapter we are going to present those cognitive constructs

- 177 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and shed light on one of the things that make blending viable ndash the notion of aff ordance

FROM CONCEPTUAL METAPHORS AND IMAGE SCHEMAS TO AFFORDANCES AND BLENDING

Th is new viewpoint on human language from embodied cognition has strongly spread through many publications which refi ned the initial assumptions and it is especially noticed cross-linguistically Conceptual metaphors are employed as to instantiate image schemas in utterances such as

In PortugueseEstamos dando os primeiros passos em nosso projetoO nosso relacionamento chegou ao fi m da linhaConsegui me sair bem na prova

In EnglishTh ese are the key steps to a successful projectOur relationship is a dead-end streetOne way to get out of trouble is to keep quiet

Th e term image schema was introduced by Lakoff (1987) and Johnson (1987) in the late 1980s Th ese schemas build the niche in which the body positions and acts

An important publication was Embodiment and Cognitive Science (GIBBS JUNIOR 2005) According to Gibbs Junior (2005 p 14-15)

A body is not just something that we own it is something that we are I claim that the regularities in peoplersquos kinesthetic-tactile experience not only

- 178 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

constitute the core of their self-conceptions as persons but form the foundation for higher-order cognition

Th e embodied cognition is manifested in language through notions of SOURCE_PATH_GOAL movement CONTAINMENT SUPPORT and VERTICALITY which are some of the most common image schemas

Th e SOURCE_PATH_GOAL image schema for instance is based on the capacity of the human body to move from a source passing through a trajectory to head to a destination Th e CONTAINER image schema refers to the human capacity to keep things in containers and also voluntarily entering containers such as caves and houses or involuntarily in prisons for example For mental or aff ective states examples would be ldquoone can get out of a depressionrdquo and ldquopeople fall in loverdquo

Expressions such as ldquothe fl ow of moneyrdquo ldquolife is a journey1rdquo and ldquoto walk the linerdquo denote PATH One example would be the concept of ldquomarriagerdquo as where two individuals go through life together ldquoMarriagerdquo may also be conceptualized as a CONTAINER refl ected by metaphors like ldquomarriage is a prisonrdquo ldquomarriage is a safe harborrdquo and ldquoopen marriagerdquo

SUPPORT denotes a relationship between two objects in which one object off ers physical (or abstract) support to the other We can ldquooff er support to a friend in needrdquo and ldquoput in a good word for someonerdquo which instantiate SUPPORT and CONTAINMENT

VERTICALITY refers to the relative position such as highlow and abovebelow or dynamical movement up-down for vertical orientation VERTICALITY is instantiated by the conceptual

1 For ldquoLIFE IS A JOURNEY an animated metaphorrdquo (FORCEVILLE 2014) see lthttpswwwyoutubecomwatchv=MvocTKD5o5Aampt=11sgt

- 179 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

metaphors of UP is good and DOWN is bad and is used for emotional scale between happinesssadness as well as social status in expressions such as ldquoto fall from gracerdquo ldquoto be high in spiritrdquo ldquoto feel downrdquo and ldquoto climb the career ladderrdquo

Image schemas are abstract conceptual templates of spatiotemporal object relations with the body acquired since early infancy (LAKOFF 1987) Image schemas help us to think concretely as we move in space and as the time changes We use our bodies ndash gestures for example ndash as prompts to construct meaning When we indicate with hands up in the air that a car made a right at the intersection we are using a material anchor to communicate

Image schemas are also built on the idea of aff ordances An aff ordance is a feature of an object or the environment that allows a person or animal to do something A cup can be described as a CONTAINER because its features obviously defi ne its use we can drink liquids from it Metaphorical sayings such as ldquonot my cup of teardquo or ldquomake a storm in a teacuprdquo also reveal a cupacutes properties as a container its boundaries for in and out If something is not your cup of tea you do not like it or you are not interested IN it A storm in a teacup refers to a small event that has been exaggerated OUT of proportion

A chair is an object providing SUPPORT Th e chair of a company is the person who is in charge ldquoEmpty chairrdquo can be used as choice of not participating ldquoDavid Cameron could be lsquoempty chairedrsquo in TV debates as Labor accuse him of lsquorunning scaredrsquordquo2 Th e chairacutes aff ordances built on the concept of SUPPORT ndash which frames for approve of and help ndash make it possible to metaphorically say that ldquoan empty chairrdquo means to embarrass a person who refuses

2 lthttpswwwtelegraphcouknews11451072David-Cameron-could-be-empty-chaired-in-TV-debates-as-Labour-accuse-him-of-running-scaredhtmlgt

- 180 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

to take part in a debate by leaving an empty seat or space which represents them

VERTICALITY is an image schema instantiated by conceptual metaphors such as conscious is up unconscious is down Healthy is up sick is down Happy is up sad is down Good is up bad is down More is up less is down Life is up death is down It is built on objects and bodies aff ordances If a computer system is down it is not working Down can be used for saying that someone has an illness as in ldquoPoor Susan went down with fl u just before Christmasrdquo

VERTICALITY is a concept that shows how our human mind is infl uenced by the body that we own Human beings walk erect in space If we lay down fl at on the ground we cannot move and thus cannot function As we move upright in space time changes Time is perceived through space Th at makes us perceive change based upon time When we say that ldquoFall is approachingrdquo we understand that the new season is not walking physically towards us It means that the weather change is emergent in both space and time

Feeling hungry and then having been fed for a child who is not really aware of the abstract concept of time raise the perception of change Th e change from ldquohungryrdquo to ldquonot hungryrdquo clockwise conceived is not only a compression of time but also causation ndash having food makes us not feel hungry anymore Time and causation are vital conceptual relations to promote change

Th e embodiment of time is also present in a perceived change between the struggle to climb stairs now and how easy it used to be to climb them years ago Th is indicates time passing in terms of calendar We compress this change saying that these stairs are more and more tiring projecting our perception of growing older (change in time) to the feeling of an object in space Th e same happens when we want to convey that our eyes are not as good as

- 181 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

they used to be because we grew older We project that change in time over space and object we say that the letters on the page are getting tinier and tinier and thus more and more diffi cult to read

We use our bodies to compress time over space Our body anchors blends According to Turner (2006) the blend of input mental spaces is often accompanied by compression of vital relations between them

We relate one idea to another We think of the child as related to the adult it became through vital relations of time change identity analogy and cause-eff ect Mentally Ohio and California are connected by a conceptual relation of space Ohio and the United States are connected by a conceptual relation of part-whole Mary and a picture of Mary are connected through conceptual relations of representation and analogy (TURNER 2006 p 17)

Blending or conceptual integration is a basic mental operation Th e fi rst full presentation of research on blending appeared in 2002 in Th e way we think a book by Gilles Fauconnier and Mark Turner Compared to the theory of conceptual metaphor which is the one of a cross-domain mapping between two spaces (a concrete source and an abstract target) the blending process is held among the conceptual structure of an input 1 and the conceptual structure of an input 2 a generic space which maps each of the inputs and contains what both inputs have in common and the blended space where there is a selective projection of the inputs to the blend Th e blended space has an emergent conceptual structure because it accounts for properties that do not exist in either of the input spaces

Blending is something that humans are designed to do Th e human brain is constantly trying to blend diff erent things unconsciously Every human brain is making many attempts to

- 182 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

blend at every moment Any two things activated simultaneously in the mind are candidate for blending (TURNER 2014) Th is is the claim of Mark Turner in the book Th e origin of ideas (2014 p 4) ldquothe human spark comes from our advanced ability to blend ideas to make new ideas Blending is the origin of ideasrdquo

A common example of blending is the one of driving and sports in utterances such as ldquoTh e team took their foot off the pedal in the second halfrdquo (in English) and ldquoO time tirou um pouco o peacute no segundo tempordquo (in Portuguese) ldquoTake your foot off the pedalrdquo and ldquotirar o peacuterdquo mean ldquostop stepping on the accelerator pedal to slow downrdquo and by extension ldquomake less eff ort and start to relaxrdquo Th ese are some examples (in English and in Portuguese)

In handballHungarian side Pick Szeged remain unbeaten after three rounds and are full of fi re leading by seven at one point in the second half in their match against Ukrainian side Zaporozhye but after taking their foot off of the pedal a little too soon they managed to ride out the storm in the last seconds3

In American footballIf there were a thing to be critical about with the off ense it would be their performance coming out of halftime Th e Redskins have not scored a touchdown in the second half and has been outscored 20-12 Th is is not simply a ball control issue the Redskins from a play-calling standpoint do not take their

3 lthttpwwwehfclcomen2018-19mennewsAzhF3nCWIWbkxza-PzFKnQNantes_stop_Skjern25e225802599s_offence_to_take_fi rst_two_pointsgt

- 183 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

foot off the pedal Washington must keep the same intensity stop the lax approaches to the second half limit penalties and fi nish more drives in the end zone Th e Redskins complacency issues in the early going can and will come back to bite them in bigger games4

In Brazilian soccerAs mudanccedilas no entanto natildeo mudaram muito o panorama da partida O Fluminense seguia perdido em campo O Internacional tirou um pouco o peacute e mesmo assim teve grande chance de ampliar aos 17 em nova falha do adversaacuterio Gum entregou a bola para William Pottker que avanccedilou livre mas chutou em cima do goleiro Juacutelio Ceacutesar5

In these examples driving is the source domain (Input 1) and sports is the target domain (Input 2) Th e conceptual domain of sports is blended with the conceptual domain of driving (Generic Space) to create a new idea (Blended space) where a player is not a car but can stop accelerating in the game not on the road by ldquotaking off his foot off the accelerator pedalrdquo to slow down in the sense of relaxing Figure 1 shows the schema of this blend

4 lthttpswwwhogshavencom201892717905000redskins-offensive-fi rst-quarter-progress-reportgt5 lthttpswwwfutebolinteriorcombrfutebolBrasileiroSerie-A2018noticias2018-08inter-aproveita-falhas-do-fl u-e-alcanca-terceira-vitoria-consecutivagt

- 184 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 1 ndash Blending of driving and sports

Source Own Construction (2018)

Th is blend is possible because humans can play sports and can drive What humans are designed to and not to do because of the minds and bodies they own and how blends are mapped onto language is discussed as follows

EMBODIED COGNITIO N amp EMBODIED LANGUAGE AND THEIR AFFORDANCES

We can understand what humans are designed to do and not to do as aff ordances Blending is a mental human aff ordance Aff ordances are the qualities or properties of an object that defi ne its possible uses or make clear how it can or should be used For instance we sit or stand on a chair because those aff ordances are fairly obvious

- 185 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th e term aff ordance was fi rst introduced by Gibson in the 1970s

Aff ordances enable animals to recognize what prey they eat what predators my possibly eat them what trees may be climbed to escape danger and so on Imagine the color texture taste and smell of a pineapple Th ese properties of the object are its aff ordances which become variously is relative to the perceiving object so that for example in looking at a window one perceives not just an aperture but an aperture that present the possibility on onersquos looking through it (BERMUDES 1995) Perception and embodied action are therefore inseparable in the perception-action cycle (NEISSER 1976) in with exploration of the visual word for example is directed by anticipatory schemes for perceptual action (GIBSON 1979 apud GIBBS JUNIOR 2005 p 43-44)

According to Gibson (1979 p 132) ldquoany substance any surface any layout has some aff ordance for benefi t or injury to someonerdquo

Refl ecting on the interaction of the animal ndash the human being ndash with its environment in terms of perception Gibson (1979) is revisiting the approach taken by the pre-Socratic philosophers who held that there are four elements from which matter is made up ndash earth air fi re and water6 Th e author uses three of these four elements discarding the fi re Th e solid earth as well as the water and the air enable the movement of an animate body if we think of land animals such as fi sh and birds Water and air unlike solids are usually transparent Th e air besides enabling us to breathe ndash by being transparent to the radiation and the reverberation of the

6 The pre-Socratics also known as natural philosophers proposed that matter was composed of these four elements earth water air and fi re

- 186 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

light ndash also allows us to see Being a vehicle capable of transmitting vibrations it allows us to hear and consequently use articulate language to communicate Sound does not propagate in a vacuum Air as it is formed by gases is also capable of transmitting olfactory sensations Th ese properties enable us to perceive aff ordances

Concerning perception aff ordances are within the latency domain Latency domain7 refers to the whole range of things one can do and also the things heshe cannot do A dog for instance can bark wag its tail and bite but it cannot fl y Chickens can cackle eat corn and lay eggs but they cannot lay cubic eggs or bark Within the latency domain of a living being we are also aware of what we can do with it We can breed chicken for poultry Dogs can be best guards and best friends We are very aware of what we cannot do with living beings too We cannot play chess against a chicken or ride on dog pets Th e awareness about the latency domain of a being is not innate It is acquired through experience by irrational and rational animals and by humans learned from other peopleacutes experience both in informal and formal education ndash through reading for example

As defi ned by Gibson (1979) and revisited by Gibbs Junior (2005) the aff ordance is part of the latency domain of beings but it is restricted to what can be done with them Th is implies personal and cultural choices In France for example people eat horse meat which is not a practice in Brazil Th is also implies historical changes For hundreds of years humans imprisoned birds in cages because it was the only way they could listen to music without having to produce it themselves Since the emergence of the radio the record players and other more sophisticated devices

7 ldquoLatency domainrdquo is a term coined by Abreu for this chapter based on the frameworks of Philosophy - latency (perception) and Electric Engineering (circuitslinks human beings perceive between their environment and themselves) Affordances are then constitutive of the latency domain and are elements that help us build the image schemas we use to frame meaning

- 187 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

for music playing putting birds in cages has almost ceased to be a cultural practice

Technology8 is a cultural practice accounting for what human beings cannot do physically in thought and in language for communication and interaction because of body limitations How does technology account for human aff ordances Th e human eyes cannot zoom in and zoom out but a camera can Our minds zoom in and out in memory and imagination because remembering the past and inferring for the future are mental operations Being in the same place and time simultaneously is not possible as well as repeating and making slow motion But fi lm editing makes those happen We are constantly constructing counter facts and shifting our viewpoints about life events so we fi nd technology to move a mental operation from imagination to perception Media were invented for making things in our imagination available

Media are able to exist because mind is sophisticated and that is why humans can aff ord to create technology For instance in fi lms changes in time look like magic tricks if we understand some scenes literally When a movie characteracutes face appears almost simultaneously on the screen in a young version and then in an old version (or vice-versa) we grasp the idea that time has passed We are not deluded in thinking that that change has suddenly happened thanks to our capacity of time compression blending of causation Th e scene shift denotes time change Time change is marked in body change Getting old is within human latency domain

8 These considerations about technology mind and media are based on the course Mind amp Media by Professor Mark Turner Department of Cognitive Science Case Western Reserve University (CWRU) ClevelandOH USA (lthttpmarkturnerorgcourseshtmlCOGS311gt) Ideas on the sections ldquoBlending amp Creativity for meaning constructionrdquo and ldquoWrapping-uprdquo in this chapter are also inspired by Prof Turneracutes thoughts and quotes in the classes of this course taken by Rodrigues in the Fall 2018 at CWRU

- 188 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Body is a media platform for humans to interact within the world to form meaning Brain comes as an output device built to run the body Th at makes up our aff ordances as humans Our body shows them and so does language Embodied cognition and embodied language account for our aff ordances because as humans this is what we can do with our bodies

THE HUMAN BODY AND ITS AFFORDANCES

If humans are aware of the aff ordances of their surroundings they are certainly also aware of their own aff ordances What can I do with my body I can walk run grab things using my hands hug and kiss people look upward and downward look around forward and backward (if I turn my head or my body)

However I am aware that I cannot jump out of a building start fl ying or look backward while looking forward If I am a man I know that I can procreate by making a woman pregnant If I am a woman I know I can procreate by conceiving a child in my womb Th ese are our physical characteristics and body properties Th ese are manifested in language in utterances such as

In Portuguese

Natildeo consigo ver aonde vocecirc quer chegar com essas ideiasMesmo com todo o seu sucesso vocecirc precisa prestar atenccedilatildeo agraves pessoas que estatildeo abaixo de vocecircO piloto teve de abortar duas vezes a decolagem Haacute um projeto em gestaccedilatildeo no Congresso sobre o voto impresso

- 189 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English

Where do you want to come up with these ideasOffi cers below the rank of captain receive no special privilegesTh e mission had to be aborted because of a technical problemItrsquos unclear just how long it took for the idea for the website to gestate

Come up with (= chegar a algum lugar no plano das ideias) means to think of something such as an idea or a plan Th is metaphorical use of come (= chegar) is instantiated by the image schema SOURCE_PATH_GOAL with focus on the GOAL as a resolution or a measure Th e means (PATH) is to use ideas or plans in order to reach such a destination which is not physical We are not deluded when we hear such an expression because we mentally compress vital relations as time space agency and causality to understand it as an abstract PROCESS Compression is a feature of conceptual integration Many aspects of mental space networks can be compressed under blending ndash a basic mental operation at the heart of human singularity (TURNER 2006)

Being below or above someone in a hierarchical control system is a linguistic manifestation of the conceptual metaphor CONTROL is UP and is in the image schema of VERTICALITY Giving birth to business meaning to create it or conceive it as well as gestating an idea are projections of processes which the human body undertakes in order to procreate Again we are aware that these expressions mean ldquostart to exist not as a personrdquo they all refer to something Abort in aborting a mission means a disruption to the schematic PATH of coming to a GOAL as resolution it means to stop something before it is fi nished (BLOCKAGE) because it would be diffi cult or dangerous to continue

- 190 -

Th ese physical characteristics and body properties manifested in language through these utterances are fi rst-degree aff ordances9 because they refer to our physical features and capacities However humans are adaptive complex systems which interact with environments that constantly change concerning culture and history Th is triggers what we understand and call second-degree aff ordances which have their origins in the adaptation of the human body to its physical and cultural environment at specifi c moments in history

One of these fi rst-degree aff ordances is how we count things We can use the ten fi ngers of our hands which is known as the decimal system We can also use the duodecimal system (also known as base 12 or a dozen) We buy a dozen eggs we count 12 months in a year 60 minutes in an hour and 24 hours in a day Where do these ideas come from

Th e duodecimal system was inherited from Babylon the ancient capital of Sumer in the second millennium BC Th e Babylonians counted using the thumb of one hand to touch the phalanges of the other fi ngers Since we have three phalanges in each of these 4 fi ngers the total becomes 12 hence the base 12 (See Figure 2) In order to store the result of each fi lled hand they used the fi ngers of the other hand thus 5 x 12 = 60 hence the origin of the hour with 60 minutes 12 hours of the day plus 12 hours of the night equals 24 hours An alternative is to use 12 AM and 12 PM

9 The classifi cation of affordances in fi rst and second degrees has been coined by Abreu for this chapter First-degree affordances refer to the human bodyphysical ldquousabilityrdquo as in ldquolook up tordquo (eyes) ldquohead somewhererdquo (VERTICALITY of the body through a PATH) etc Second-degree affordances refer to ldquousabilityrdquo linked to culture for example ldquokick off (foot) a meetingrdquo = start a meeting (sport metaphor) ldquopatients are bombarded with radiationrdquo = their bodies receive the ldquobombsrdquo (war metaphor in cancer treatment) etc

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 191 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 2 ndash The rationale of the duodecimal system

Source lthttpsipemspwordpresscomtagsistema-duodecimalgt

When things are countable we can say one two three chairs or half a dozen eggs (if we use the duodecimal system) But when things are non-countable like water and sand we cannot say three sands or ten waters In order to tackle this problem humans have created partitive classifi ers to express a part-whole relation through linguistic constructions made up from human body names Using parts of the body we can say ldquoa handful of sandrdquo and ldquoa head of lettucerdquo Using ldquoarmsrdquo we can say an ldquoarmful of fl owersrdquo or ldquoan armful of logsrdquo

For size reference or measurement systems we can use diff erent parts of the body according to the scale For reference to small and medium devices we can call a USB fl ash drive ldquoa thumb driverdquo because it is the size of a thumb A palmtop is a personal computer which is approximately pocket calculator-sized and fi ts the palm of your hand To measure the ground it is more comfortable to use

- 192 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

footsteps or feet Using this embodied system American aviation has conveyed that airplanes are for example 22000 feet high

Many fi rst-degree aff ordances are linked to sex concerning males and females While ldquoeating the frogrdquo or ldquoengolir sapordquo (= swallow frogs)10 can be used metaphorically from both the frames of male and female bodies ldquoabort a fl ightrdquo or ldquogestate an ideardquo is clearly from a female body input Th ese uses are seen as second-degree aff ordances because they reveal what cultures think about the role of man and his body and what they think about the role of the woman and her body When Steve Jobs insisted on his strange food diets and his mother was desperate he would jokingly say ldquoI am frugivore and will only eat leaves harvested by virgins in the moonlightrdquo (ISAACSON 2011 p 161) Th is is in his biography and it is confi gured as an idea imposed by culture upon the purity of virgin women which is used by a vegetarian as input to a blending with green leaves which would be purer and healthier food

Humans have also culturally adapted their bodies to play sports And the relationship between body and sports continually produces a large number of conceptual metaphors such as ldquothe ballrsquos in their courtrdquo Th is phrase comes from tennis or basketball and in business it means yoursquove done your part of the work or deal and ldquohit the ball into their courtrdquo so yoursquore waiting for ldquothe ballrdquo or information paperwork product etc to come back to you Alternatively the ball could be ldquoin your courtrdquo meaning people are waiting on your action

Another expression from the North-American culture is ldquocarry the ballrdquo as it is shown in the following example in the political discourse domain

10 ldquoEating the frogrdquo means just do it otherwise the frog will eat you if you end up procrastinating it the whole day ldquoEngolir saposrdquo (swallow frogs) means to bear an unpleasant situation without manifesting against it

- 193 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th ank you guys Th at Walker of Wisconsin has proved that he can get both Democrat and Republican votes Hersquos not a bomb thrower He enters to end the public sector unions are draining the state economically and hersquos able to carry the ball (SPOK Talk of the Nation 2012)

Th is is due to the fact that in American football the action of carrying the ball is important so that a player enters the end zone of the opposing team and performs the touchdown scoring 6 points

Similar to ldquocarrying the ballrdquo in American football ndash metaphorically meaning achieving a goal in the sense of doing something that you decided that you wanted to do ndash in Portuguese there is the expression ldquobater na traverdquo (= hit the goalpost) In Brazilian soccer it refers to the moment when the player almost scores a goal but is unable to because the ball hits one of the sticks that make up the goal frame Th is expression is employed metaphorically when someone narrowly fails to get a try as in ldquoEle tentou passar no vestibular mas lsquobateu na traversquo pois faltou um ponto apenasrdquo (= He tried to pass the entrance examination but ldquohit the goalpostrdquo because he missed one point)

Comparing uses of diff erent languages is known as linguistic typology Embodied language has to do with aff ordances because of its cultural features printed on language

AFFORDANCES amp L INGUISTIC TYPOLOGY

Linguistic typology refers to the study and classifi cation of languages according to their structural and functional features Its aim is to describe and explain the common properties and the structural diversity of the worldrsquos languages Concerning fi rst-

- 194 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

degree and second-degree aff ordances we can compare physical andor metaphorical uses of embodied language in English and Portuguese and establish diff erences and similarities

Th e use of similar sport metaphor in English and in Portuguese ndash ldquocarrying the ballrdquo and ldquobater na traverdquo ndash reveals that every language manifests physical bodily aff ordances very similarly but also very diversely For instance in both English and Portuguese we would use the word ldquohandrdquo to mean ldquohelprdquo11 in utterances such as ldquoCan you give me a handrdquo which means when translated into Portuguese exactly the same ldquoVocecirc pode me dar uma matildeordquo On the other hand in ldquoHe is heading homerdquo would be translated into Portuguese as ldquoEle estaacute se dirigindo para casardquo where heading = dirigindo (driving)

As for the partitive classifi ers the equivalent of a handful would be ldquopunhadordquo (derived from punho = fi st) a handful of sand would be ldquopunhado de areiardquo Using ldquoarmsrdquo (= braccedilo) similarly to ldquoan armful of fl owers or logsrdquo in Portuguese you can say ldquouma braccedilada de fl ores ou de lenhardquo For size and measurement reference we would use in Portuguese ldquoquatro palmos de tecidordquo (palmos = palms) to mean ldquofour spans of fabricrdquo For small size such as an inch we use ldquopolegadardquo in Portuguese (polegar = thumb) in utterances like ldquoTh is bar is two inches widerdquo to mean ldquobarra de duas polegadas de largurardquo

Th ere is also a great number of idioms which are related to body parts

11 In English depending on the context giving someone a hand can also mean to applaud or clap For example ldquoPlease give all our dedicated volunteers a hand for their hard workrdquo

- 195 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English12stand on oneacutes own legsa pain in the neckfoot in mouthcost an arm and a legget off my backcold shouldercold feeta sight for sore eyesa fi nger in every pieoff the top of my head

In Portuguese13dar o braccedilo a torcerdar a matildeo agrave palmatoacuteriadar um puxatildeo de orelhanatildeo estou nem aiacute rei na barrigaisso tem o dedo da sua matildee

Th ese idioms built on parts of the human body occur in every language and some have cross-linguistic equivalence Th ey are fi rst-degree aff ordances Second-degree aff ordances would be present in metaphorical idioms such as ldquodrop the ballrdquo or ldquopisar na bolardquo (for fail mess up) ldquobe connedrdquo or ldquolevar uma bola nas costasrdquo (for being cheated) ldquoestar na marca de pecircnaltirdquo or ldquoa close shaverdquo (for when you come very close to a dangerous situation) Th ey are

12 For meanings see lthttpswwwecenglishcomlearnenglishlessonsbody-idiomsgt13 For meanings see lthttpscomunidaderockcontentcomexpressoes-idiomaticasgt

- 196 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

linked to viewpoint and culture Some are sport metaphors usually blended with business and politics and most of them are built under image schemas

Besides these second-degree aff ordances present in metaphorical uses of embodied language linguistic universals14 are built on the idea of the fi rst-degree aff ordances in uses of the historic present which consists of either the employment of the present tense when narrating past events or the employment of the present tense to describe future events such as in

Th e Berlin Wall falls on November 9 1989I was at the mall yesterday when I bump into an old friend of mineTh e bus leaves tomorrow at nineTh e American president hosts the German chancellor for a visit tomorrow

Both uses of the historic present for past and future events are linked to the bodily exercise of our vision Since we can only see what is physically before us we can only see what is in our present moment too Th erefore we compress past and future into the present time so as to mentally ldquoseerdquo an action creating an eff ect of reality Th is is compressed blending Blending can be compressed over time space causation and agency ldquoTh e sweep of human thought is vast extending over time space causation and agency creating mental ideas that go far beyond our local experiencerdquo (TURNER 2017 p 2)

Taking back the blend shown in Figure 1 between driving and sports the vital relations compressed are the ones of causation (stop stepping on the accelerator pedal = take off the foot in soccer) agency (driver = player) time (slow down = relax) and space (road = game)

14 A linguistic universal is a pattern that occurs systematically across natural languages potentially true for all of them

- 197 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A basic technique for constructing meaning across an extended mental network is to use as an input to that network some very compressed congenial concept in order to provide familiar compressed structure to the blend (TURNER 2017 p 2)

Th e hearer of a sports narration may not be familiar with the script of a sports game but tends to be more acquainted with driving experiences Th e blending is successful when compressions work over prior shared knowledge Th us pushing ideas from driving to convey similar ideas in sports shows the sports narratoracutes ability to create new ideas using imagination Creativity is within human minds aff ordances Th e level of conceptual creativity and mental force required to manufacture blends is astounding (TURNER 2014)

Also it is interesting to point out that concerning linguistic typology the structure of the construction (in terms of form and meaning) ldquotake off the foot in a sports gamerdquo has the same functional feature of conveying the idea of ldquorelax in the game as you would if you were slowing down by not stepping on the accelerator pedal when driving a carrdquo

Whereas metaphorical projections are directional mappings through plausible possibilities across mental spaces ndash for example a human foot is a car accelerator pedal ndash blends are plausible impossibilities because they raise original ideas such as the one brought up by the notion of a player being an agent in a game to score a goal as a driver is when driving a car to reach a destination and both having to slow down at a certain point in order to achieve the intended result Hearers of a sports narration are able to decompress this blend and thus create meaning out of the linguistic material

- 198 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BLENDING amp CREATIVITY FOR MEANING C ONS-TRUCTION

Humans have the ability to think of do and create something new interesting and diff erent and represent it in language According to Turner (2006) outer-space relations of representation is compressed under mental blending and human bodies are capable of mediating this process Th us there is no need for new constructions in language but new structure for new meaning

New meanings arise through language because ldquowe construct mappings across diff erent mental spaces and project from them selectively to create a blend from these inputs that has additional emergent structure not contained in any of themrdquo (TURNER 2017 p 2)

Human minds are built to store information in memory make inferences trace analogies and represent them in language for meaning construction Th ings do not mean We attribute meaning to them upon what we know guided by our perceptions from which our bodies work as fi lters Th is is what mind does to fi ll something with meaning I blend I compress I represent I perform I mean You unpack my blends you interpret you understand Th at is where new ideas come from and that is why we are so innovative

WRAPPING-UP

In a nutshell this chapter about embodied language and its functionality in meaning construction has been produced to shed light on the role of the human body in cognition and language We started by setting the scene of Cognitive Linguistics ndash from theories such as the Conceptual Metaphors and Image Schemas

- 199 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and then went on to the notion of aff ordances and the theory of Blending for the sake of creativity in meaning construction

In order to go through this path we discussed embodied cognition and embodied language and the aff ordances of the human body also related to linguistic typology a notion from where we provided examples of utterances in English and in Portuguese We also showed that many times our mind is merged with technology because we use it to project perception to reality

Our fi nal remarks are that as human beings we are exceptionally good at innovation because we can hold onto new ideas once they are formed (TURNER 2014) From image schemas ndash which help us think ndash and from conceptual metaphors to the advanced mental operation of blending originality is compressed through causality agency time and space as vital relations and representations which work to construct meaning Th is is all possibly plausible because human beings have a body Our human bodies work as a tool box where the brain is built to run us We use our body as a prompt to construct meaning

ACKNOWLEDGMENTS

Th is work is within the scope of a post-doctoral project partially supported by FAPESP (Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado de Satildeo Paulo) grant 201715988-2 Additional support is provided by Instituto Federal de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia de Satildeo Paulo Ordinance 2348 26 July 2018 Both grants are for Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues

REFERENCES

FAUCONNIER Gilles TURNER Mark Th e way we think conceptual blending and the mindrsquos hidden complexities New York Basic Books 2002

- 200 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

GIBBS JR Raymond Embodiment and cognitive science Cambridge Cambridge University Press 2005

GIBSON James J Th e ecological approach to visual perception New York Classic Edition 2015

ISAACSON Walter Steve Jobs New York Simon amp Schuster e-books 2011

JOHNSON Mark Th e Body in the mind the bodily basis of meaning imagination and reason Chicago University of Chicago Press 1987

LAKOFF George JOHNSON Mark Philosophy in the fl esh the embodied mind and its challenge to western thought New York Basic Books 1999

LAKOFF George JOHNSON Mark Metaphors we live by Chicago Th e University of Chicago Press 1980

LAKOFF George Women fi re and dangerous things what categories reveal about the mind Chicago University of Chicago Press 1987

TURNER Mark Compression and representation Language and Literature v 15 n 1 p 17-27 SAGE Publications London 2006 Retrieved from lthttplalsagepubcomgt (October 19 2018)

TURNER Mark Multimodal form-meaning pairs for blended classic joint attention Linguistics Vanguard v 3 (s1) 20160043 De Gruyter Mouton 2017

TURNER Mark Th e origin of ideas blending creativity and the human spark Oxford Oxford University Press 2014

- 201 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim Eacute professora e pesquisadora formada em Letras pelo Departamento de Letras da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar2002) Eacute mestre em Linguiacutestica Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp2006) e doutora em Linguiacutestica Aplicada pelo mesmo instituto (2013) Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado na Universidade de Franca de dez2013 a jan2015 Atuou como professora temporaacuteria no curso de Letras da UFSCar nos anos de 2012 2013 e 2015 e professora substituta no Instituto Federal de Satildeo Paulo nos anos de 2015 e 2016 Seus principais estudos estatildeo centrados no ensino e aprendizagem de liacutengua materna letramento e gecircneros do discurso em uma perspectiva sociointeracionista embasada nos estudos bakhtinianos Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica da Universidade de FrancaContato alinemariamanfrimgmailcom

Antocircnio Suaacuterez Abreu Professor titular de liacutengua portuguesa da UNESP e professor associado da USP Possui mestrado doutorado e livre-docecircncia pela USP e poacutes-doutorado pela UNICAMP Publicou os livros Curso de Redaccedilatildeo (Editora Aacutetica) Texto e Gramaacutetica ndash uma visatildeo Funcional para a Leitura e a Escrita (Editora Melhoramentos) A Arte de Argumentar Gerenciando Razatildeo e Emoccedilatildeo O Design da Escrita ndash Redigindo com Criatividade e Beleza ndash Inclusive fi cccedilatildeo Linguiacutestica Cognitiva ndash uma Visatildeo Geral e Aplicada Gramaacutetica Miacutenima para Domiacutenio da Liacutengua Padratildeo e Gramaacutetica Integral da Liacutengua Portuguesa uma Visatildeo Praacutetica e

OS AUTORES

- 202 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Funcional os cinco uacuteltimos pela Ateliecirc Editorial Eacute membro da Academia Campinense de LetrasContato tom_abreuuolcombr

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice Possui graduaccedilatildeo em Letras-Habilitaccedilatildeo em Portuguecircs e Inglecircs pela Universidade de Franca eacute mestre em Linguiacutestica pela Universidade de Franca e Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela FCLAr ndash UNESP de Araraquara Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado no Departamento de Educaccedilatildeo Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo na Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto ndash Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob a supervisatildeo da Profa Dra Soraya Maria Romano Paciacutefi co Eacute vice-lider do GEBGEcirc ndash Grupo de Pesquisas em Estudos Bakhtinianos dos Gecircneros do Discurso ndash certifi cado pelo CNPQ junto com o Prof Dr Juscelino Pernambuco Atualmente eacute professora permanente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (Mestrado) da Universidade de Franca e professora dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia Aacutereas de atuaccedilatildeo e conhecimento Linguiacutestica do Texto Estudos Bakhtinianos Anaacutelise do Discurso Semioacutetica Liacutengua e Literatura LatinaContato camilaludovicegmailcom

Deacutebora Massmann Eacute doutora em Letras pela Universidade de Satildeo Paulo (USP) (2009) mestre e graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (2005 e 2002) Realizou estaacutegio Poacutes-doutoral em Semacircntica no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2014) Eacute docente permanente e coordenadora adjunta do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias da Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaiacute Atua como docente nos cursos de Graduaccedilatildeo em Letras Histoacuteria e Tecnologia em Gastronomia da Universidade do Vale do Sapucaiacute (UNIVAacuteS) Em 2018 foi professora convidada

- 203 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na Universidade de Turim (Itaacutelia) Tem experiecircncia em teoria e anaacutelise linguiacutestica principalmente na aacuterea de semacircntica anaacutelise de discurso retoacuterica e argumentaccedilatildeo Em suas pesquisas destaca-se o interesse pelo funcionamento dos discursos juriacutedico poliacutetico e artiacutestico Contato deboramassmannunivasedubr ou deboraquelhmgmailcom

Fernando Aparecido Ferreira Eacute doutor em Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo na aacuterea de Estudos dos Meios e da Produccedilatildeo Mediaacutetica pela Escola de Comunicaccedilatildeo e Artes (ECA) da Universidade de Satildeo Paulo (USP 2008) mestre em Comunicaccedilatildeo Midiaacutetica pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESP 2002) Graduado em Desenho Industrial (habilitaccedilatildeo em Programaccedilatildeo Visual 1995) Eacute professor da Universidade de Franca (UNIFRAN) desde 2000 integrando o corpo docente do Curso de Graduaccedilatildeo em Design Graacutefi co desde essa data e o corpo docente do Programa de Mestrado em Linguiacutestica desde setembro de 2011 Atualmente desenvolve e orienta trabalhos nos campos da Linguiacutestica Textual e da Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica em projetos de pesquisa que abarcam a relaccedilatildeo do texto verbal com o texto imageacutetico bem como a retoacuterica da imagem tendo como objetos de estudo histoacuterias em quadrinhos produccedilotildees audiovisuais peccedilas publicitaacuterias etc Eacute vice-liacuteder do grupo PARE - Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica vinculado ao CNPq Integra o Nuacutecleo Docente Estruturante dos cursos de Design da UNIFRANContato ff erreiradguolcombr

Gerardo Ramiacuterez Vidal Doutor em Letras Claacutessicas Pesquisador e Docente em tempo integral no Centro de Estudos Claacutessicos do Instituto de Investigaccedilotildees Filoloacutegicas da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico (UNAM) Atua como fi loacutelogo claacutessico e tradutor de textos gregos Suas linhas de pesquisa abordam a

- 204 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sofiacutestica a retoacuterica e a hermeneacuteutica Dentre suas publicaccedilotildees destacam-se La retoacuterica de Antifonte (2000) La palabra y la fl echa anaacutelisis retoacuterico de textos literarios de la Grecia antigua (2005) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e El arte de la memoria en la Rhetorica christiana de Diego Valadeacutes (2016) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e Paixotildees aristoteacutelicas (2017) Eacute membro do Sistema Nacional de Investigadores SNI (CONACyT) Niacutevel II Contato grvidal18gmailcom

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel Eacute Professor Adjunto A da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar) Atuou de 2010 a 2016 na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) Doutor (2014) e Mestre (2008) em Linguiacutestica Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Possui graduaccedilatildeo (2005) em Licenciatura em Letras - Portuguecircs pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Atua no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (PPGL-UFSCar) Atualmente desempenha a funccedilatildeo de coordenador do Bacharelado em Linguiacutestica Lidera juntamente ao Prof Dr Luiz Andreacute Neves de Brito o grupo de pesquisa Escrita e leitura na contemporaneidade cadastrado no CNPq Tem experiecircncia na aacuterea de Linguiacutestica com ecircnfase em Linguiacutestica Aplicada atuando principalmente nos seguintes temas gecircneros do discurso estilo de escrita teoria bakhtiniana aquisiccedilatildeo da linguagem escrita e escolaContato lucasvcmacielyahoocombr

Maria Flaacutevia Figueiredo Eacute Doutora em Linguiacutestica pela Unesp-Araraquara com estaacutegio poacutes-doutoral em Retoacuterica na PUC-SP Especializaccedilatildeo em Liacutenguas Estrangeiras pela State University of New York (SUNY-Albany) formaccedilatildeo em Psicanaacutelise pela APVP (Associaccedilatildeo Psicanaliacutetica do Vale do Paraiacuteba) e Graduaccedilatildeo em Letras pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

- 205 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica e dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia da Universidade de Franca Eacute liacuteder do grupo PARE (Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica) e membro do grupo ERA (Estudos de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo) ambos certifi cados pelo CNPq Tem experiecircncia nas aacutereas de Linguiacutestica (com ecircnfase em Retoacuterica Linguiacutestica Textual e Fonologia) Liacutengua Portuguesa Liacutengua Inglesa e Metodologia de Pesquisa Realiza pesquisas nos seguintes temas relaccedilotildees entre ethos retoacuterico e gecircnero do discurso Linguiacutestica e Psicanaacutelise gecircneros textuaisdiscursivos e ensino ethos pathos e logos intertextualidade como estrateacutegia persuasiva e questotildees de autoria no texto cientiacutefi co Dentre outras publicaccedilotildees eacute organizadora das obras Retoacuterica e multimodalidade (2018) Paixotildees aristoteacutelicas (2017) e O animal que nos habita a retoacuterica das paixotildees em Relatos Selvagens (2016) Contato mariafl aviafi gueiredoyahoocombr

Moacir Lopes de Camargos Possui graduaccedilatildeo em Letras - PortuguecircsFrancecircs pela Universidade Federal de Uberlacircndia (1995) mestrado em Linguiacutestica Aplicada (Liacutengua estrangeira) pela Universidade Estadual de Campinas (2003) doutorado em Linguiacutestica tambeacutem nesta instituiccedilatildeo (2007) poacutes-doutorado em Humanidades pela Universidade de Coacuterdoba Argentina (2008) poacutes-doutorado em Literatura Francoacutefona pela University of Guelph Canadaacute (2017) Tem experiecircncia docente na aacuterea de Letras francecircs espanhol portuguecircs e literatura em escolas da rede puacuteblica (ensino fundamental e meacutedio) e em cursos de formaccedilatildeo de professores tambeacutem atua no Ensino Superior (na aacuterea de Letras - graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo) Seu trabalho prioriza os seguintes temas interculturalidade e aprendizagem de liacutengua(s) e literatura Contato lopesdecamargosgmailcom

- 206 -

Patriacutecia Brasil Massmann Eacute doutoranda (Bolsa Filantropia Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Bolsa CAPESPROSUPBOLSA) e Mestre em Direito Poliacutetico e Econocircmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Bolsa CAPESPROSUP) Professora do Curso de Direito da UNIMetrocamp - Campinas Advogada Graduada em Direito pela Universidade da Amazocircnia (2003) Graduada em Administraccedilatildeo de Empresas e Comeacutercio Exterior pelo Centro Universitaacuterio do Estado do Paraacute (2002) Membro de diferentes grupos de pesquisa a saber ldquoMulher Sociedade e Direitos Humanosrdquo (UPM) ldquoA Constituiccedilatildeo Recuperadardquo (UPMCECEC) e a equipe do Projeto de Pesquisa ldquoA Constituinte Recuperadardquo (CEDECUPMFAPESP)Contato patriciabrasilmetrocampedubr

Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa (Unesp 2012) com estaacutegio poacutes-doutoral no Departamento de Ciecircncias Cognitivas da Case Western Reserve University ClevelandOH EUA (2018-2019) Mestre em Linguiacutestica (Unifran 2010) Especialista em Design Instrucional (Unifei 2015) e em Liacutengua Inglesa (Unifran 2006) Licenciada em Letras (Unifeg 1997) Eacute professora EBTT do IFSP Satildeo Joatildeo da Boa Vista Atua nas seguintes aacutereas Comunicaccedilatildeo Cientiacutefi ca Linguiacutestica Cognitiva Gramaacutetica Funcional Retoacuterica e Estiliacutestica Tecnologias e Educaccedilatildeo e Avaliaccedilatildeo Eacute organizadora de dois volumes da obra Temas e Rumos nas Pesquisas em Linguiacutestica (Aplicada) Questotildees empiacutericas eacuteticas e praacuteticas (2015 2017) Contato rosanaferraretoifspedubr

- 207 -

- 208 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Page 6: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora

a autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular unicampLucas Vinicio de Carvalho Maciel121

a retoacuterica das paixotildees revisitadaMaria Flaacutevia Figueiredo 141

quando a lingua(gem) me afetaMoacir Lopes de Camargos 159

embodied language and its functionality in meaning constructionRosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Antocircnio Suaacuterez Abreu 175

os autores201

- 8 -

COLECcedilAtildeO MESTRADO EM LINGUIacuteSTICA

- 8 -

APRESENTACcedilAtildeO

Ao contraacuterio da memoacuteria das maacutequinas a memoacuteria coletiva supotildee dois suportes discursivos o objeto e o corpo O objeto cultural como portador de memoacuteria e o corpo como indicador de singularidade porque sem o corpo dos sujeitos que entre-transmitem algo de fundamental se perde a entonaccedilatildeo e com ela o valor O valor enquanto assinatura que atesta minha participaccedilatildeo singular e responsaacutevel no ser da cultura

Mariacutelia Amorim

A Coleccedilatildeo Mestrado em Linguiacutestica do programa de Mestrado em Linguiacutestica da Universidade de Franca (UNIFRAN) chega ao seu volume de nuacutemero 13 com o tiacutetulo O Texto corpo voz e linguagem Esta coleccedilatildeo foi organizada por trecircs professoras da aacuterea de estudos do texto e estaacute composta por nove capiacutetulos escritos por vaacuterios pesquisadores de diferentes universidades do Brasil e outros paiacuteses

Esta publicaccedilatildeo faz parte dos estudos desenvolvidos tambeacutem na linha de pesquisa ldquoProcessos e praacuteticas textuais caracterizaccedilotildees e abordagens teoacutericasrdquo do Mestrado em Linguiacutestica da UNIFRAN E tem como objetivo difundir as refl exotildees acadecircmicas que tratam dentro da temaacutetica proposta de abordagens teoacutericas e objetos diversos

Nos capiacutetulos deste livro o leitor encontraraacute discussotildees acerca das questotildees sobre corpo voz e linguagem manifestados das mais diversas formas e em variados gecircneros discursivos e tambeacutem analisados sob diferentes perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas

O primeiro capiacutetulo ldquoA construccedilatildeo temaacutetica do corpo da voz e da linguagem em enunciados verbo-visuais sobre o parto normal humanizadordquo escrito por Aline Maria Paciacutefi co Manfrim discute um tema bastante contemporacircneo e pouquiacutessimo debatido o parto normal humanizado Para tratar da temaacutetica a autora analisa cinco textos verbo-visuais postados no perfi l do Instagram de uma doula (mulher geralmente enfermeira que durante e apoacutes o parto fornece suporte emocional e fiacutesico a parturientes) e demonstra de que maneira os discursos aiacute veiculados se contrapotildeem com o modelo obsteacutetrico hegemocircnico no Brasil paiacutes que ocupa a posiccedilatildeo de segundo no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea Na esteira dos estudos bakhtinianos ao longo da anaacutelise a pesquisadora toma cada um dos enunciados presentes nos posts como um acontecimento enunciativo concreto uacutenico e irrepetiacutevel A relevacircncia do capiacutetulo repousa no fato de que a autora traz agrave baila um discurso que vai de encontro com aquele recorrente no paiacutes qual seja o que busca naturalizar a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo em detrimento do parto natural ou normal

Em ldquoDissertaccedilatildeo de mestrado vozes estilo e linguagemrdquo a professora doutora Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice propotildee discutir a dissertaccedilatildeo como um gecircnero discursivo singular e por isso as vozes que o constituem e o estilo desse gecircnero tambeacutem merecem ser objeto de anaacutelise A partir de uma minuciosa revisatildeo bibliograacutefi ca dos estudos bakhtinianos que tratam desses conceitos e de refl exotildees realizadas pelos estudiosos de Bakhtin a professora mostra uma anaacutelise de uma dissertaccedilatildeo levando em conta os diaacutelogos realizados pela autora da dissertaccedilatildeo quando seleciona e mobiliza os enunciados para a materializaccedilatildeo de seu projeto de dizer Essa anaacutelise permitiu mostrar que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e concretiza a relaccedilatildeo entre o sujeito pesquisador e a liacutengua Os excertos analisados evidenciaram assim um posicionamento individual social e de mundo na

- 9 -

argumentaccedilatildeo produzida na dissertaccedilatildeo comprovado pelas marcas de expressatildeo deixadas na escrita

Deacutebora Massmann e Patriacutecia Brasil Massmann escreveram o capiacutetulo ldquoCorpo e(m) (dis)curso da re-existecircnciardquo As autoras tomam o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que o corpo eacute considerado como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Nessa perspectiva as autoras afi rmam que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Para ilustrar o processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia as autoras analisaram um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora As autoras analisaram o trecho sobre a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz e refl etiram sobre essa questatildeo como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tecircm de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio

No capiacutetulo ldquoCoisas estranhas coisas familiares a intertextualidade como estrateacutegia retoacuterica na webseacuterie Stranger Th ingsrdquo o professor doutor Fernando Aparecido Ferreira faz uma anaacutelise minuciosa da intertextualidade que constitui a seacuterie Stranger

- 10 -

Th ings Para ele este recurso de linguagem estudado pela Linguiacutestica Textual eacute decisivo para a grande adesatildeo de puacuteblico ao enredo e aos recursos multimodais da narrativa porque funciona retoricamente como uma fi gura de comunhatildeo garantindo assim o sucesso na argumentaccedilatildeo construiacuteda pela seacuterie A partir da construccedilatildeo de uma identidade baseada na intertextualidade temaacutetica estiliacutestica por meio de recursos sonoros e audiovisuais das produccedilotildees dos anos 80 e da intertextualidade impliacutecita Stranger Th ings conclui o autor possibilita despertar no puacuteblico uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu garantindo assim aproximaccedilatildeo e familiaridade a cada sequecircncia narrativa da seacuterie

Gerardo Ramiacuterez Vidal da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico trouxe uma brilhante contribuiccedilatildeo para o livro por meio do capiacutetulo ldquoLa hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral en la retoacuterica griega claacutesicardquo Com o conhecimento e a erudiccedilatildeo de um fi loacutelogo claacutessico o autor apresenta um percurso histoacuterico desde a Greacutecia antiga ateacute os dias atuais sobre a arte da expressatildeo oral ou hypokritikē (arte geral da pronuacutencia) Nos estudos linguiacutesticos da atualidade esse campo de estudo abarca o que conhecemos como prosoacutedia ou seja o conjunto de fenocircmenos focircnicos que se localiza aleacutem ou acima (hierarquicamente) da representaccedilatildeo segmental linear dos fonemas Para apresentar um levantamento diacrocircnico do uso do termo o pesquisador divide seu capiacutetulo em trecircs partes a primeira discorre sobre a palavra hypoacutekrisis e sua utilizaccedilatildeo em fontes antigas a segunda discute as imprecisotildees do termo e a terceira evidencia o caraacuteter transversal desse campo de estudo Ao longo do texto Ramiacuterez Vidal esclarece entatildeo a relevacircncia da expressatildeo oral (ou prosoacutedia) dentro dos estudos retoacutericos e por meio de uma ampla revisatildeo da literatura demonstra que esse campo de estudos foi primeiramente considerado como parte da retoacuterica por Aristoacuteteles tendo recebido atenccedilatildeo de autores gregos e posteriormente de latinos como Teofrasto Hermaacutegoras de Temnos Filodemo Casio

- 11 -

Longino e em especial Quintiliano que dedica a esse assunto um amplo capiacutetulo Depois de discorrer sobre as imprecisotildees do termo hypoacutekrisis e sobre o caraacuteter transversal que assumiu ao longo dos tempos ao fi nal do capiacutetulo o autor enfatiza que dada a relevacircncia do tema e a sua ampla aplicaccedilatildeo nos estudos retoacutericos eacute necessaacuterio que nos aprofundemos nos elementos prosoacutedicos sobretudo no que se refere a seu ensino e aplicaccedilatildeo praacutetica o que ressalta o pesquisador tem sido feito atualmente no Brasil pela pesquisadora Maria Flaacutevia Figueiredo docente do programa de poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica da Universidade de Franca

O capiacutetulo intitulado ldquoA autoconsciecircncia como centro do corpo anaacutelise de redaccedilotildees do vestibular UNICAMPrdquo foi escrito pelo professor doutor Lucas Vinicio de Carvalho Maciel e trata sobre a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo sob a perspectiva do Ciacuterculo de Bakhtin A relevacircncia da autoconsciecircncia foi explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreendeu um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Para a realizaccedilatildeo da anaacutelise o escopo do capiacutetulo aborda textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo Por essa incursatildeo o capiacutetulo evidenciou que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

- 12 -

A professora doutora Maria Flaacutevia Figueiredo escreveu o capiacutetulo ldquoA retoacuterica das paixotildees revisitadardquo com o propoacutesito de refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para tanto revisitou um dos mais relevantes legados de Aristoacuteteles a retoacuterica das paixotildees Segundo a autora refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para fi ns distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber Para alcanccedilar seus objetivos a pesquisadora perscrutou a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade para compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

No capiacutetulo ldquoQuando a lingua(gem) me afetardquo o professor doutor Moacir Lopes de Camargos elabora uma refl exatildeo sobre si a partir das accedilotildeesrespostas que os outros produziram sobre ele em alguns momentos de sua vida Ele aponta que elas contribuiacuteram para a sua formaccedilatildeo como sujeito social e fi caram marcadas no seu corpo e na sua memoacuteria pelo fato de serem accedilotildees violentas porque negaram a diferenccedila e tinham como objetivo forccedilar uma identidade que natildeo pertencia a ele Ao mesmo tempo em que a linguagem se tornou denuacutencia e sofrimento no capiacutetulo ela tambeacutem funcionou como caminho para elaboraccedilatildeo de uma retrospectiva de 50 anos da Histoacuteria de Brasil e de sua proacutepria histoacuteria em que social e individual se juntam para permitir com leveza e com o recurso esteacutetico das letras de muacutesica uma nova possibilidade de ldquocaminharrdquo sendo professor educador e formador de opiniatildeo em uma universidade

Os professores doutores Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues e Antocircnio Suaacuterez Abreu escreveram o capiacutetulo ldquoEmbodied language and its functionality in meaning constructionrdquo e partiram de questionamentos tais como Qual eacute o papel do corpo humano na cogniccedilatildeo e por que o usamos para entender as coisas do mundo Espaccedilos mentais satildeo estados fiacutesicos Se noacutes humanos tiveacutessemos um corpo diferente teriacuteamos uma cogniccedilatildeo diferente Das teorias fundadoras da metaacutefora conceptual (LAKOFF JOHNSON 1980) e dos esquemas imageacuteticos (LAKOFF 1987) a operaccedilotildees mentais mais modernas como o blending ou integraccedilatildeo conceitual (FAUCONNIER TURNER 2002) um novo ponto de vista sobre a linguagem humana emergiu da noccedilatildeo de cogniccedilatildeo corporifi cada Neste capiacutetulo foram discutidas essas questotildees e apresentados esses constructos da Linguiacutestica Cognitiva para lanccedilar luz sobre aspectos que viabilizam os blendings como as aff ordances (GIBSON 1979) a partir dos quais se pode notar a criatividade humana acontecendo na comunicaccedilatildeo Ao comparar usos em diferentes liacutenguas verifi caram a manifestaccedilatildeo da cogniccedilatildeo corporifi cada na construccedilatildeo de (novos) signifi cados Ao mostrarem exemplos de usos em expressotildees do Portuguecircs e do Inglecircs fi ca evidente que projetaram percepccedilatildeo cultura e histoacuteria para a realidade o que eacute plausiacutevel porque o nosso corpo funciona como uma caixa de ferramentas onde o ceacuterebro estaacute para nos fazer funcionar Assim o corpo eacute usado como gatilho para construir signifi cado

Com esta apresentaccedilatildeo e breve resumo dos capiacutetulos esperamos incitar a acircnsia pela leitura e por novas pesquisas Desejamos a descoberta de formas ineacuteditas de ver entender e expressar o corpo a voz e a linguagem

Camila de Arauacutejo Beraldo LudoviceAline Maria Paciacutefi co Manfrim

Maria Flaacutevia Figueiredo

- 15 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim

INTRODUCcedilAtildeO

Na posiccedilatildeo de segundo paiacutes no mundo onde mais se realizam partos via cesaacuterea (ONUBR 2017) em um contexto em que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede recomenda que se realize esse tipo de praacutetica somente em situaccedilotildees necessaacuterias devido aos riscos maiores de complicaccedilotildees se for comparada com o parto natural ou normal no Brasil circula um discurso em que se naturaliza a cesaacuterea como primeira opccedilatildeo

Dentre as razotildees para a hegemonia da cesaacuterea estaacute a forma como o parto eacute compreendido e reforccedilado pelo discurso meacutedico Palharini (2017) destaca que existe no Brasil uma perspectiva patoloacutegica da gravidez e do parto e uma supervalorizaccedilatildeo das tecnologias desenvolvidas na aacuterea meacutedica que contribuem para a compreensatildeo dessas duas situaccedilotildees como momentos em que as vidas das matildees e dos bebecircs se colocam em situaccedilatildeo de risco e por isso devem ser salvas

Diante desse modelo obsteacutetrico hegemocircnico a autora aponta que

Os movimentos sociais por mudanccedila na assistecircncia ao parto e nascimento esbarrariam nesta primeira questatildeo a difi culdade de diaacutelogo com a classe

A CONSTRUCcedilAtildeO TEMAacuteTICA DO CORPO DA VOZ E DA LINGUAGEM EM ENUNCIADOS VERBO-VISUAIS

SOBRE O PARTO NORMAL HUMANIZADO

- 16 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

meacutedica tradicional devido agrave grande resistecircncia por mudanccedilas Para o discurso hegemocircnico a autoridade meacutedica eacute invisiacutevel e portanto natildeo haacute o que ser questionado Os argumentos envoltos por uma retoacuterica de cientifi cidade justifi cados pelo seu fi m natildeo signifi cam autoridade mas sim verdade Isso faz com que nem se discutam os procedimentos teacutecnicos e as praacuteticas que satildeo colocadas em xeque Todo discurso contraacuterio questionador e militante eacute desqualifi cado (PALHARINI 2017 p 30)

Essa desqualifi caccedilatildeo ocorre inclusive na falta de espaccedilo discursivo e fiacutesico para a discussatildeo a respeito do tema nas instituiccedilotildees de sauacutede de modo que a violecircncia obsteacutetrica por consequecircncia quase natildeo ganha forccedila para ser evidenciada

Esse discurso hegemocircnico poreacutem natildeo impede que os profi ssionais engajados na defesa dos partos normal (parto vaginal) e natural (normal mas sem nenhuma intervenccedilatildeo meacutedica como anestesia eou outras substacircncias que aceleram o parto como a ocitocina artifi cial) atuem defendam e divulguem informaccedilotildees para que as gestantes ao menos tomem conhecimento de outras possibilidades de se entender a gravidez e o parto desvinculados do campo semacircntico da patologia e serem associados a situaccedilotildees naturais e humanas que as mulheres vivenciam Nesse caso portanto tudo o que pode ser vinculado ao parto ndash entrar em trabalho de parto sentir as dores as contraccedilotildees o rompimento da bolsa e as teacutecnicas para passar por este momento de forma segura consciente e humanizada ndash tambeacutem eacute visto como natural

Para Diniz (2005 p 629)

As propostas de humanizaccedilatildeo do parto no SUS como no setor privado tecircm o meacuterito de criar novas possibilidades de imaginaccedilatildeo e de exerciacutecio de direitos de viver a maternidade a sexualidade a

- 17 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

paternidade a vida corporal Enfi m de reinvenccedilatildeo do parto como experiecircncia humana onde antes soacute havia a escolha precaacuteria entre a cesaacuterea como parto ideal e a vitimizaccedilatildeo do parto violento

No contexto da humanizaccedilatildeo do parto o papel da doula torna-se importante Atualmente entende-se por doulas ldquomulheres que datildeo suporte fiacutesico e emocional a outras mulheres antes durante e apoacutes o partordquo (DUARTE 2018 sp) Sendo assim tais mulheres satildeo contratadas e atuam no acompanhamento de gestantes que possuem grande interesse em parir de forma normal eou natural Por essa razatildeo as doulas assumiram um forte papel de militacircncia em defesa desse tipo de parto nos espaccedilos em que podem defender essa praacutetica

Na visatildeo apresentada por Barbosa et al (2018 p 427)

Um importante movimento da doula parece ser a sororidade com a gestante pois satildeo mulheres que usam suas experiecircncias de parto positivas ou negativas aliando o conhecimento e a sensibilidade em prol de um parto respeitoso Estatildeo centradas no bem-estar da mulher e em seu empoderamento durante o trabalho de parto e natildeo na realizaccedilatildeo de teacutecnicas e procedimentos focados somente no nascimento de um concepto saudaacutevel

Apesar dessa caracteriacutestica da sororidade atribuiacuteda agraves doulas a maioria das gestantes natildeo sabem da existecircncia dessa profi ssional e cabe agraves proacuteprias doulas divulgar seu trabalho mesmo diante do discurso obsteacutetrico hegemocircnico que minimiza as vantagens do parto normalnatural

Um espaccedilo de divulgaccedilatildeo muito utilizado pelas doulas satildeo as redes sociais Confi gurando-se como um meio de divulgaccedilatildeo e militacircncia por esse tipo de parto Facebook e Instagram acabam se

- 18 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

tornando um territoacuterio possiacutevel de discussatildeo contato e formaccedilatildeo de opiniatildeo sobre o trabalho realizado pela doula

A vantagem dessas redes eacute o faacutecil acesso agraves pessoas e aos discursos uma vez que as postagens multimodais possuem forte apelaccedilatildeo e podem ser grandes instrumentos de convencimento No Instagram por exemplo a comunicaccedilatildeo entre perfi s e seguidores eacute permeada fortemente por enunciados verbo-visuais

Este capiacutetulo delimitou como escopo de anaacutelise um perfi l do Instagram que pertence a uma doula e eacute intitulado celesteparteira Nesse perfi l haacute muitas formas de tratamento do parto normalnatural e diante delas os enunciados verbo-visuais se mostraram pertinentes pelo fato de no embate pela defesa de uma compreensatildeo do parto como algo natural agrave gestante produzir argumentos que concretizam o distanciamento do discurso da patologizaccedilatildeo da gravidez e do parto

Esse distanciamento discursivo faz associaccedilotildees semacircnticas que cotejam temas como a ancestralidade a simbologia da circularidade a potecircncia do corpo feminino a singularidade de cada gestante e a necessidade de formaccedilatildeo de uma rede de apoio para a viabilizaccedilatildeo do nascimento social do bebecirc e da proacutepria possibilidade de materializaccedilatildeo de um parto mais humanizado

O ENUNCIADO VERBO-VISUAL

Eacute possiacutevel pensar em texto na concepccedilatildeo bakhtiniana poreacutem temos que nos deslocar do viacutenculo direto que normalmente se faz com os estudos da Linguiacutestica Textual Esta disciplina possui um histoacuterico independente dos estudos bakhtinianos de modo que na fase chamada de virada sociocognitivo-interacionista (KOCH 2015) incorpora em suas teorias a importacircncia da interaccedilatildeo verbal concordando que quando produzimos textos elaboramos na realidade engajamentos em contextos sociais conforme os

- 19 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

papeis sociais que podem ser assumidos na produccedilatildeo enunciativa

Da mesma forma os estudos bakhtinianos possuem um caminho de refl exatildeo independente da Linguiacutestica Textual Inseridos em uma trajetoacuteria de investigaccedilatildeo sobre a linguagem considerando a forte relaccedilatildeo entre eacutetica e esteacutetica que se interliga por meio dos traccedilos culturais e o embate das relaccedilotildees hieraacuterquicas entre os interlocutores esses estudos natildeo priorizam somente o conteuacutedo interno de um texto porque nessa perspectiva esse conteuacutedo interno nada mais eacute do que o resultado de um trabalho muito mais visceral com a linguagem que envolve assumir-se como locutor elaborar e executar um projeto de dizer que estaacute inteiramente endereccedilado ao outro desde a escolha do gecircnero ateacute o tom expressivo que eacute confi gurado e tambeacutem compreender que o que estaacute sendo produzido tem uma funccedilatildeo social e por isso motivo para existir de forma concreta

Devido a isso em um dos primeiros livros publicados pelo Ciacuterculo Marxismo e fi losofi a da linguagem com autoria atribuiacuteda a Voloshinov as primeiras orientaccedilotildees para uma anaacutelise mais ampla da linguagem caracterizadas como meacutetodo socioloacutegico ateacute entatildeo (o qual depois vai ser compreendido e nomeado no Brasil de estudos dialoacutegicos) satildeo

1) Natildeo se pode isolar a ideologia da realidade material do signo (ao inseri-la na ldquoconsciecircnciardquo ou em outros campos instaacuteveis e imprecisos)

2) Natildeo se pode isolar o signo das formas concretas da comunicaccedilatildeo social (pois o signo eacute uma parte da comunicaccedilatildeo social organizada e natildeo existe como tal fora dela pois se tornaria um simples objeto fiacutesico)

3) Natildeo se pode isolar a comunicaccedilatildeo e suas formas da base material (VOLOSHINOV [1929] 2017 p 110)

- 20 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Posteriormente com o desenvolvimento dos estudos dos gecircneros do discurso pelo Ciacuterculo a noccedilatildeo de enunciado se mostrou muito mais potente como unidade concreta da comunicaccedilatildeo pelo fato de considerar quando trata das particularidades do enunciado (BAKHTIN 2003a) as relaccedilotildees dialoacutegicas existentes na interaccedilatildeo verbal que envolvem o acabamento provisoacuterio do enunciado uma vez que ele tem como delimitaccedilatildeo a possibilidade de resposta do outro o endereccedilamento a algueacutem jaacute que ele eacute uma resposta concreta a um sujeito concreto (e natildeo necessariamente real) e por fi m o tom expressivo o qual estaacute ligado agraves outras particularidades e a disputa pelos sentidos no processo comunicativos sendo a palavra (enunciado) considerada a arena de luta (BAKHTIN [1929] 2017) Essas trecircs caracteriacutesticas mostram o quanto o enunciado estaacute atrelado ao acontecimento enunciativo daiacute tambeacutem vem a relevacircncia de chamaacute-lo de concreto uacutenico e irrepetiacutevel

Nessa perspectiva a noccedilatildeo de texto considerada neste capiacutetulo se aproximaria muito mais da noccedilatildeo de enunciado tal como defende o Ciacuterculo de Bakhtin o que permite considerar que um enunciado seja um fi lme um tweet uma palestra uma propaganda uma imagem o corpo ou forma como uma cidade eacute estruturada por exemplo

No caso dos textos (com a noccedilatildeo explicitada acima) verbo-visuais Grillo (2012) discute a possibilidade de anaacutelise por meio dos estudos bakhtinianos pelo fato de esses estudos natildeo terem se restringido a enunciados verbais e pelo fato de terem ampliado as refl exotildees sobre a interaccedilatildeo humana e a produccedilatildeo de linguagem a diversos campos da cultura Essa pesquisadora aponta que a noccedilatildeo de tema e de gecircneros do discurso satildeo indiacutecios concretos da possibilidade de se compreender os textos verbo-visuais agrave luz dessa linha de anaacutelise porque elas propotildeem um deslocamento para aleacutem dos limites do conteuacutedo em si

- 21 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao tema

[hellip] a teoria bakhtiniana natildeo rejeita a possibilidade e a pertinecircncia da anaacutelise estrutural das unidades constituintes mas funda sua abordagem no estudo das propriedades globais dos enunciados concretos incorporando interpretaccedilotildees decorrentes dos discursos ndash esferas ndash e das associaccedilotildees culturais ndash elementos imprescindiacuteveis na teoria bakhtiniana A teoria bakhtiniana calca sua proposta no princiacutepio gestaltista de que o todo do enunciado natildeo pode ser determinado exclusivamente a partir de seus constituintes (GRILLO 2012 p 242)

A noccedilatildeo de tema amplia a compreensatildeo de enunciado para aleacutem de seus constituintes porque trata do novo propiciado pelo acontecimento da interaccedilatildeo (VOLOSHINOV [1929] 2017) Orienta as anaacutelises para o encontro entre sujeito e seu outro e acaba se tornando tambeacutem a porta de entrada para a relaccedilatildeo entre liacutengua e vida diferente da signifi caccedilatildeo que abarca a parte reiteraacutevel da liacutengua No caso dos textos verbo-visuais pode-se considerar a produccedilatildeo do novo no cotejamento entre verbal e natildeo verbal proporcionado pelo autor e no acontecimento da interaccedilatildeo entre interlocutor e enunciado

Em relaccedilatildeo ao gecircnero

A partir da distinccedilatildeo entre forma arquitetocircnica e forma composicional ou entre projeto de discurso do falante e construccedilatildeo composicional do gecircnero entendemos que a dimensatildeo verbo-visual dos enunciados de divulgaccedilatildeo cientiacutefi ca eacute por um lado um momento da organizaccedilatildeo do material verbo-visual na construccedilatildeo composicional e por outro a materializaccedilatildeo do projeto discursivo do autor [hellip] A teoria do Ciacuterculo ao abordar enunciados concretos inclui a autoria como seu objeto de estudo Os

- 22 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enunciados e seus gecircneros satildeo a concretizaccedilatildeo do projeto discursivo de seus autores Embora constituam um todo para o leitor cada um desses dois planos de expressatildeo pode ser elaborado por instacircncias autorais distintas (GRILLO 2012 p 244-245)

Nesse trecho a autora destaca que a noccedilatildeo de gecircneros do discurso proposta pelo Ciacuterculo permite considerar o trabalho que o sujeitoautor realiza quando trabalha a linguagem em suas diversas manifestaccedilotildees por meio de diaacutelogos com a estrutura composicional e com a singularidade que se concretiza quando organiza sua resposta ao outro dentro das possibilidades que tem e que cria Nesse sentido tambeacutem se pode associar aqui o conceito de estilo tanto o estilo do gecircnero quanto o estilo de autor

Neste capiacutetulo por meio da discussatildeo sobre o trabalho realizado com textos verbo-visuais (tambeacutem considerados como enunciados) que tratam da gravidez e do parto em uma paacutegina de uma doula que incentiva o parto normal e humanizado na rede Instagram seratildeo apresentadas refl exotildees sobre a) o projeto de dizer proposto com a publicaccedilatildeo das imagens selecionadas considerando a questatildeo da construccedilatildeo temaacutetica nesses enunciados e b) a noccedilatildeo de corpo como lugar social para a construccedilatildeo do direito ao parto humanizado em espaccedilos ofi ciais

A LINGUAGEM VERBO-VISUAL COMO ESPACcedilO DE EMBATE PELO DIREITO AO PARTO NORMAL HUMA-NIZADO

A palavra eacute ato eacutetico accedilatildeo sobre o mundo e o outro Faz-nos contrair uma responsabilidade concreta e ontoloacutegica ao mesmo tempo para com o mundo e com o outro e eacute nossa maneira de ser e existir neste mundo e na transcendecircncia

Bubnova Baronas e Tonelli

- 23 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As refl exotildees de Bubnova Baronas e Tonelli (2011 p 3) destacam a importacircncia de considerar as vozes do processo dialoacutegico como ldquoposiccedilotildees eacutetico-ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozesrdquo

Nesse cenaacuterio dialoacutegico e singular ao mesmo tempo esses autores vatildeo aprofundar a refl exatildeo do direcionamento dos enunciados aos outros mostrando que na teoria translinguiacutestica proposta por Bakhtin e o Ciacuterculo a concepccedilatildeo de mundo adotada considera o sentido material e o moral de modo que o espaccedilo eacute o lugar em que o outro sempre estaacute e por isso no processo interativo tem que entrar no espaccedilo seja pelo gesto tarefa ou expressatildeo

Esse exerciacutecio de ldquoentrar no espaccedilo que jaacute existe um outrordquo faz com que o eu assuma responsabilidades de modo que precisa entrar em um processo de construir sua presenccedila e cooperaccedilatildeo com o outro

Ainda para esses autores essa relaccedilatildeo interlocutiva e dialoacutegica torna o ato de enunciar um encontro com o outro evidenciando assim o caraacuteter de acontecimento do ser chamado de acontecimento entre noacutes A construccedilatildeo de sentidos tem seu caraacuteter de accedilatildeo

Eacute desse lugar de produccedilatildeo dinacircmica de sentidos que os autores chamam a atenccedilatildeo para a produccedilatildeo dinacircmica de enunciados e assim essa complexidade de articulaccedilatildeo entre liacutengua (que estaacute em tudo) e vida torna-se muito mais importante para os estudos bakhtinianos do que a distinccedilatildeo entre oralidade e escrita informalidade ou formalidade nos processos comunicativos

Os autores tambeacutem destacam que o fi loacutesofo russo da linguagem Mikhail Bakhtin apesar de natildeo ter se ocupado do folclore e da tradiccedilatildeo oral mas da literatura escrita canocircnica utiliza amplamente o vocabulaacuterio relacionado ao oral agrave voz agrave audiccedilatildeo agrave escuta ao tom agrave tonalidade agrave entonaccedilatildeo ao acento etc

- 24 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Diferentemente de outros teoacutericos Bakhtin natildeo trata a oralidade como um domiacutenio agrave parte da escrita e natildeo faz uma draacutestica divisatildeo entre a cultura oral e a cultura escrita como dois acircmbitos contrastantes Ao contraacuterio o mundo pensado por ele tanto o da voz quanto o da letra aparece unifi cado pela produccedilatildeo dinacircmica dos sentidos gerados e transmitidos pelas vozes personalizadas que representam posiccedilotildees eacuteticas e ideoloacutegicas diferenciadas em uma uniatildeo e um intercacircmbio contiacutenuo com as demais vozes (BUBNOVA BARONAS TONELLI 2011 p 2)

Sendo assim discutem ser o essencial dos estudos bakhtinianos tratar da produccedilatildeo de linguagem integrada em todos os tipos de atos revelando uma compreensatildeo do verbal como um discurso oral traduzido em letras sendo portanto uma ldquovoz escritardquo

O discurso frente a tais refl exotildees pode ser compreendido como uma forma de autoexpressatildeo do ser humano que envolve vocalizaccedilatildeo gestos expressotildees pausas ausecircncias respostas taacutecitas e sentidos mudos

Essas consideraccedilotildees a respeito das relaccedilotildees dialoacutegicas e da concepccedilatildeo de discurso na perspectiva bakhtiniana podem auxiliar na forma de interpretaccedilatildeo de enunciados verbo-visuais como uma voz multimodal que traz uma articulaccedilatildeo de posicionamentos por meio da qual a busca por entrar no espaccedilo que jaacute eacute territoacuterio do outro torna-se um confl ito necessaacuterio para garantir o lugar do eu

Desse modo a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo de uma voz que defenda o parto normal humanizado em um paiacutes em que existe um dos maiores iacutendices de cesaacutereas do mundo (ldquoEnquanto a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) estabelece em ateacute 15 a proporccedilatildeo recomendada de partos por cesariana no Brasil esse percentual eacute de 57rdquo ONUBR 2017 sp) signifi ca entrar em um embate com o jaacute institucionalizado daiacute a necessidade de se buscar estrateacutegias e frestas para dar concretude a essa possibilidade de embate por meio de escolhas que possibilitem trazer o novo

- 25 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(construccedilatildeo temaacutetica) e os gecircneros que ofereceratildeo suporte agrave consolidaccedilatildeo do espaccedilo de resistecircncia

SOBRE O CORPUS DE ANAacuteLISE

As imagens selecionadas para anaacutelise foram postadas por uma doula em seu perfi l do Instagram o qual tem por objetivo divulgar o trabalho realizado por ela de doulagem e defender o parto normal humanizado Ela eacute enfermeira e aleacutem da atividade de doulagem oferece cursos para a formaccedilatildeo de futuras doulas

Em seu perfi l essa doula tambeacutem busca esclarecer as informaccedilotildees sobre o parto normal humanizado e desmitifi car preacute-conceitos e inverdades a respeito desse tipo de parto Defende a importacircncia da cesaacuterea quando ela salva vidas mas tenta mostrar que o corpo da mulher tem condiccedilotildees de parir um fi lho sem a cirurgia quando a mulher estaacute bem informada e decide por essa opccedilatildeo

Esse posicionamento se explicita no perfi l por meio das fotos dos partos dos quais participa fotos dos cursos que ministra divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees teacutecnicas e teoacutericas postagem de depoimentos que reforccedilam a realizaccedilatildeo profi ssional dela exposiccedilatildeo de depoimentos de matildees e outras doulas em formaccedilatildeo e por fi m postagem de enunciados verbo-visuais que tratam da gravidez e do parto visando atingir tambeacutem pessoas que natildeo estejam diretamente ligadas a ela mas que buscam esclarecimento Satildeo estes uacuteltimos enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise deste capiacutetulo

Cinco deles seratildeo discutidos aqui Todos eles ressaltam a necessidade de integraccedilatildeo entre matildee bebecirc sociedade e entorno Apresentam tambeacutem fi guras circulares referentes ao ciclo do gerar nascer e habitar o planeta e instruem para a importacircncia de a matildee estar conectada com a questatildeo da integraccedilatildeo para assim haver a possibilidade de materializaccedilatildeo do parto normal de forma integrada com a naturezauniverso

- 26 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em termos simboacutelicos o ciacuterculo representa ldquoausecircncia de distinccedilatildeo ou divisatildeo [hellip] o movimento circular eacute perfeito imutaacutevel sem comeccedilo nem fi m e nem variaccedilotildees o que o habilita a simbolizar o tempordquo (CHEVALIER GHEERBRANT 1988 p 250) Jung (1964) mostra que o ciacuterculo eacute o siacutembolo da psiquegrave Para esse autor em diversas culturas e suas respectivas crenccedilas os elementos circulares representam a indissociabilidade entre a alma e o divino

Essa ideia de continuidade associada agrave gravidez e ao parto no corpus de anaacutelise deste capiacutetulo reforccedila a ideia do parto normal como um ritual de pertenccedila e conexatildeo com o todo A mulher que vai parir o bebecirc nessa concepccedilatildeo e aproximaccedilatildeo de ideias natildeo eacute dissociada de sua histoacuteria da ancestralidade e se conecta tambeacutem ao porvir por meio do bebecirc que nasce

Nos enunciados analisados constroacutei-se um espaccedilo discursivo propiacutecio para a concretizaccedilatildeo da gestaccedilatildeo via parto normal Com isso materializam-se lugares de empoderamento e embate que abrem as possibilidades para as matildees saberem seus direitos terem acesso a informaccedilotildees e se sentirem fi rmes para vivenciar esse tipo de parto caso seja esaa a opccedilatildeo

Essas consideraccedilotildees iniciais sobre o corpus jaacute evidenciam que a linguagem verbo-visual contribui para a constituiccedilatildeo de um espaccedilo de militacircncia pelo direito ao parto normal humanizado e traz a voz natildeo da ldquoescritardquo ofi cial e institucionalizada para construir seus argumentos mas a da ancestralidade da praacutetica de partos anteriores aos registros e dados estatiacutesticos considerados pela cultura da cesaacuterea como uma forma mais segura de parto existente no Brasil

A incorporaccedilatildeo simboacutelica e material das tecnologias na situaccedilatildeo da cesariana atualiza as possibilidades corporais e sociais inclusive driblando imperativos da natureza a cesaacuterea marcada transforma profundamente a experiecircncia do parto retirando

- 27 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

da cena elementos como coacutelicas contraccedilotildees rompimento de bolsa espasmos gritos e o tempo de espera com suas expectativas incertezas e ansiedades A teacutecnica ciruacutergica e seus usos reapresentam o parto agraves mulheres (NAKANO BONAN TEIXEIRA 2015 sem paacutegina)

Frente agraves mudanccedilas acarretadas pela cesaacuterea marcada a cada postagem a doula se coloca em embate com essa realidade abrindo espaccedilos de disputa pelos sentidos atribuiacutedos ao parto Nesse espaccedilo discursivo regado de exemplos de espaccedilos fiacutesicos (maternidade SUS plano de sauacutede parto em casa parto na aacutegua etc) revela-se a imagem do corpo de mulher graacutevida e a aprendizagem de lidar com esse corpo por meio de uma voz (o discurso de defesa do parto normal a vocalizaccedilatildeo na accedilatildeo de parir o acolhimento da doula) que constitui a materialidade do verbal natildeo verbal e do proacuteprio bebecirc que nasce biologicamente e socialmente voz esta integralmente conectada com o universo que a cerca

PROJETOS DE DIZERES E O CORPO INTEGRACcedilAtildeO DA GRAVIDEZ AO PARTO

A seguir seratildeo apresentadas algumas refl exotildees sobre cada um dos cinco enunciados que compotildeem o corpus de anaacutelise Em termos metodoloacutegicos seguindo o que os estudos bakhtinianos entendem ser tarefa das pesquisas em ciecircncias humanas os enunciados satildeo interpretados considerando o acontecimento de interaccedilatildeo entre o pesquisador e o dado de pesquisa com o intuito principal de construir uma compreensatildeo (BAKHTIN 2003b)

A partir disso o resultado da compreensatildeo se aproxima de uma verdade que o Circulo chama de Pravda isto eacute aquilo que se atinge no evento singular uma vez que eacute ela que consegue abarcar o ato eacutetico (BAJTIacuteN 1997) sem pretensatildeo de se chegar a uma verdade generalizante e universal (Istna)

- 28 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Bakhtin (2003b p 400) aponta que ldquotoda interpretaccedilatildeo eacute um correlacionamento de dado texto com outros textosrdquo Entatildeo o pesquisador ao planejar realizar e divulgar seu trabalho tambeacutem passa por um processo interpretativo da realidade sobre a qual se debruccedila Nesse mesmo capiacutetulo aponta as etapas do movimento dialoacutegico da interpretaccedilatildeo que satildeo a) o ponto de partida isto eacute um corpus um enunciado b) o movimento retrospectivo ou seja a realizaccedilatildeo do diaacutelogo com o passado e c) o movimento prospectivo que diz respeito agraves respostas produzidas a partir de um projeto de dizer iniciando assim um futuro contexto As anaacutelises realizadas neste capiacutetulo buscaram seguir esse movimento interpretativo

O Enunciado 1 jaacute trata de valorizar a possibilidade real e da preparaccedilatildeo bioloacutegica do corpo da mulher para parir em contraponto com a aceitaccedilatildeo de imediato de uma cesaacuterea desnecessaacuteria

Enunciado 1 10 afi rmaccedilotildees para o momento do parto

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 29 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O design arredondado tanto da imagem (a elipse rosa os coraccedilotildees a barriga o rosto da mulher o posicionamento de conexatildeo entre os braccedilos e entre as pernas) quanto dos ciacuterculos brancos que abrangem cada uma das dez afi rmaccedilotildees remetem agrave conexatildeo entre corpo voz e linguagem no que se refere agrave ligaccedilatildeo entre corpo bioloacutegico aquele que apresenta condiccedilotildees para a efetivaccedilatildeo de um parto normal e a consciecircncia (mente) em termos de preparaccedilatildeo emocional para tal ato

Por meio da linguagem as vozes mobilizadas (no caso as dez afi rmaccedilotildees) e o comentaacuterio realizado pela enfermeira (reforccedilando a positividade entre pensamento afi rmaccedilotildees e parto) possibilitam a concretizaccedilatildeo e a preparaccedilatildeo para esse tipo de parto

Nesse caso o tom apreciativo centralizado no ldquoeurdquo ldquobebecircrdquo e ldquovidardquo eacute de empoderamento da accedilatildeo de parir como se a repeticcedilatildeo dessas palavras materializasse a forccedila e o encorajamento necessaacuterios para assumir essa opccedilatildeo de parto

Sob a responsabilidade do ldquoeurdquo (matildee) estatildeo conseguir relaxar amar e estar pronta Em relaccedilatildeo ao bebecirc atribui-se o saber nascer No que se refere agrave vida reforccedila-se o fl uir Sobre a integraccedilatildeo matildeebebecirc designa-se a harmonia entre ambos

A questatildeo do tom se modifi ca um pouco quando de trata da dor do parto As afi rmaccedilotildees sobre a dor e sobre as contraccedilotildees natildeo minimizam o fato de que elas existem mas deslocam os sentidos para focalizar na necessidade delas para que o nascimento ocorra concentrando na importacircncia delas para a movimentaccedilatildeo do bebecirc e da produtividade de natildeo estabelecer a ligaccedilatildeo entre dor e sofrimento Para isso utilizam-se os verbos no infi nitivo sentir dor e ter o bebecirc O corpo eacute o centro da imagem o centro da geraccedilatildeo do bebecirc e a conexatildeo material entre os discursos que empoderam a mulher e a possibilidade de parir empoderada

O Enunciado 2 propotildee o cotejamento de uma construccedilatildeo temaacutetica por meio da conexatildeo da matildee com a ancestralidade

- 30 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 2 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

Novamente valendo-se da circularidade das imagens para evidenciar o ciclo da vida a imagem reforccedila a ligaccedilatildeo entre a matildee o bebecirc a placenta e a terra (matildee terra) A barriga da matildee central na imagem representa a uniatildeo desses elementos remetendo agrave visatildeo do universo como algo holiacutestico em que homem universo e natureza estatildeo interligados Assim como a placenta envolve o bebecirc a nova vida o universo envolve a matildee a que gera Nas laterais da imagem a matildee aparece envolvendo o bebecirc e por sua vez o bebecirc em posiccedilatildeo fetal eacute envolvido pela placenta

Essa relaccedilatildeo metafoacuterica entre universo matildee e bebecirc na gravidez retoma a ideia da conexatildeo holiacutestica entre corpo voz e linguagem Em relaccedilatildeo ao corpo este passa a ser o elo entre passado e futuro

- 31 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de forma que se torna o presente da possibilidade de materializaccedilatildeo e continuidade da vida A voz trazida pelo comentaacuterio (ldquoSobre gratidatildeordquo) direciona o corpo para o posicionamento de curvar-se diante do universo reconhecer a divindade da vida e aceitar as o ciclo universal do nascer crescer e morrer Ao mesmo tempo em que nasce o bebecirc nasce a placenta com desenho muito semelhante a uma aacutervore seus galhos e raiacutezes e tambeacutem nasce a matildee A linguagem verbal vem a se conectar com esse tom apreciativo de agradecimento

O Enunciado 3 propotildee uma construccedilatildeo temaacutetica que reforccedila a rede de apoio no ato de parir

Enunciado 3 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 32 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com o intuito de parabenizar os meacutedicos obstetras pelo seu dia a doula posta a imagem acima que remete agraves enfermeiras que medem os batimentos cardiacuteacos do coraccedilatildeo do bebecirc e controlam a dilataccedilatildeo da matildee durante o trabalho de parto aos meacutedicos que realizam o preacute-natal e o parto e portanto jaacute possuem uma conexatildeo com a matildee e aos acompanhantes de parto Tal rede faz parte do que se considera chamar ldquoparto humanizadordquo porque todos de forma colaborativa contribuem para que haja um ambiente propiacutecio seguro e tranquilo para que a matildee possa parir seu bebecirc

Eacute interessante ressaltar que essa rede tambeacutem representada por um ciacuterculo na imagem caracteriza os envolvidos no parto por meio de vaacuterias cores da pele de formato de cabelo isto eacute tambeacutem pode representar a importacircncia desse elo de respeito aos direitos da mulher graacutevida em diversas culturas considerando as diferenccedilas nas diversas instacircncias sociais inclusive nos diferentes tipos de corpos que vatildeo parir

A construccedilatildeo do discurso de defesa do parto normal passa nesse enunciado pela construccedilatildeo temaacutetica da importacircncia de se considerar as singularidades e o contexto da matildee que estaacute parindo

O Enunciado 4 volta-se ao bebecirc receacutem-nascido

- 33 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Enunciado 4 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

O ciacuterculo azul ao mesmo tempo que se refere agrave bolsa de aacutegua que carrega o bebecirc remete a um planeta isto eacute a um mundo novo que se inicia O entorno da imagem reforccedila essa ideia de anunciaccedilatildeo do novo dentre as demais estrelas constelaccedilotildees e galaacutexias jaacute existentes A luz que ela deseja no comentaacuterio se direciona para a vibraccedilatildeo de positividade para a matildee e o bebecirc mas tambeacutem agrave fase do parto normal denominada coroaccedilatildeo do bebecirc a qual corresponde agrave saiacuteda da cabeccedila no canal vaginal da matildee Essa fase tambeacutem eacute conhecida como ciacuterculo de fogo (luz) porque quando a cabeccedila sai a matildee sente uma espeacutecie de queimaccedilatildeo

- 34 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

As matildeos que aparecem no enunciado formam uma espeacutecie de caacutelice pela posiccedilatildeo em que estatildeo e acolhem a cabeccedila do bebecirc Em termos de construccedilatildeo temaacutetica aqui existe uma associaccedilatildeo com o discurso religioso ao aproximar a questatildeo do formato do caacutelice com a praacutetica do recebimento do sangue de Cristo pela hoacutestia sagrada

O Enunciado 5 se volta para a questatildeo da singularidade do trabalho de parto incentivando a matildee a natildeo se basear em uma ideia fechada de como ocorreraacute seu parto

Enunciado 5 Sem tiacutetulo

Fonte Instagram (celesteparteira)

- 35 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Na parte verbal do enunciado pode ser identifi cada uma voz que se coloca em embate direto com as visotildees estereotipadas que denigrem o parto normal e com as comparaccedilotildees que satildeo feitas entre as mulheres que jaacute pariram dessa forma Concretizado em primeira pessoa ele se torna uma espeacutecie de mantra para que a mulher internalize esse fato de modo que se sinta confi ante para ir adiante caso escolha ter seu fi lho assim

A organizaccedilatildeo da folhagem em volta do bebecirc e as pinturas na pele dele podem ser associadas agrave particularizaccedilatildeo tatildeo potente que pode ateacute ser associada a um DNA especiacutefi co O biotipo da matildee entatildeo eacute colocado como capaz de parir o fi lho que existe dentro dela

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Por meio dos enunciados verbo-visuais foi realizada uma discussatildeo agrave luz dos estudos bakhtinianos sobre as formas de composiccedilatildeo temaacutetica realizada para defender o parto normal humanizado A proacutepria escolha do gecircnero para a produccedilatildeo dos enunciados (postagem no Instagram) local de compartilhamento do cotidiano jaacute pode ser compreendida como um lugar de resistecircncia e militacircncia possiacutevel para tal tese cuja forccedila pode se igualar aos demais espaccedilos que reforccedilam ou incentivam somente o parto via cesaacuterea (discurso dominante)

A profi ssatildeo de enfermeira e sua experiecircncia de doulagem tambeacutem autorizam a doula a sustentar a defesa de seus argumentos e no caso dos enunciados analisados neste capiacutetulo a tentativa de esclarecimento divulgaccedilatildeo e incentivo ao parto normal torna-se uma forma de fazer com que as matildees saibam da existecircncia desse parto de forma humanizada e faccedilam uma escolha consciente entre ele e a cesaacuterea

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 36 -

Os enunciados tambeacutem reforccedilam que caso esse tipo de parto seja escolhido a tarefa natildeo eacute soacute da mulher pois haacute que se consolidar uma rede de apoio que possibilite a concretizaccedilatildeo desse parto de forma mais saudaacutevel e consciente possiacutevel em relaccedilatildeo ao corpo a voz e a linguagem

No que se refere ao corpo durante a gravidez se incentiva uma conexatildeo com a ancestralidade reforccedilando assim uma busca por uma forccedila e uma tranquilidade que eacute encontrada na natureza uma vez que o corpo tem condiccedilotildees de parir dessa forma

Em relaccedilatildeo agrave voz o discurso que predomina eacute o de empoderamento e confi anccedila de modo que toda a dor que aparecer seja fiacutesica ou emocional tenha uma relaccedilatildeo com a histoacuteria de minimizaccedilatildeo do poder feminino devido agraves posiccedilotildees de prestiacutegio machistas que desenvolveram teorias sobre o parto sem necessariamente considerar as questotildees femininas do gerar parir amamentar e cuidar

Esse cenaacuterio estaacute permeado pela linguagem nas suas mais distintas possibilidades de construccedilatildeo de enunciados As frestas que se tentam abrir para que o parto normal humanizado seja valorizado na sociedade brasileira soacute podem ganhar forccedila nas praacuteticas comunicativas que constituem e satildeo constituiacutedas pelas interaccedilotildees humanas

Nas anaacutelises buscou-se realizar associaccedilotildees que fossem aleacutem do que seria reiteraacutevel na linguagem considerando o projeto de dizer e as respostas produzidas quando postava os enunciados verbo-visuais em seu perfi l do Instagram

REFEREcircNCIAS

BAJTIN M Hacia uma fi losofi a del acto eacutetico De los borradores y otros escrito Trad Tatiana Bubnova Barcelona Anthropos San Juan Universidade de Puerto Rico 1997

- 37 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BAKHTIN M M Os gecircneros do discurso In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003a

______ Metodologia das ciecircncias humanas In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Satildeo Paulo Martins Fontes 2003b

BARBOSA M B B et al Doulas como dispositivos para humanizaccedilatildeo do parto hospitalar do voluntariado agrave mercantilizaccedilatildeo Sauacutede Debate Rio de Janeiro v 42 n 117 p 420-429 abr-jun 2018

BUBNOVA T BARONAS R L TONELLI F Voz sentido e diaacutelogo em Bakhtin Bakhtiniana Satildeo Paulo v 6 n 1 p 268-280 agodez 2011

CHEVALIER J GHEERBRANT A Dicionaacuterio de siacutembolos Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1998

DINIZ C S G Humanizaccedilatildeo da assistecircncia ao parto no Brasil os muitos sentidos de um movimento Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva v 10 n 3 p 627-637 2015

DUARTE A C O que eacute ldquodoulardquo Disponiacutevel em lthttpswwwdoulascombroquephpgt Acesso em 4 nov 2018

GRILLO S V C Fundamentos bakhtinianos para a anaacutelise de enunciados verbo-visuais Filologia e linguiacutestica portuguesa v 14 n 2 p 235-246 2012

JUNG Carl G O homem e seus siacutembolos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1964

KOCH I V Introduccedilatildeo agrave linguiacutestica textual trajetoacuteria e grandes temas Contexto Satildeo Paulo 2015

NAKANO A R BONSN C TEIXEIRA L A A normalizaccedilatildeo da cesaacuterea como modo de nascer cultura material do parto em maternidades privadas no Sudeste do Brasil Physis v 25 n 3 July-Sep 2015

ONUBR (2017) UNICEF alerta para elevado nuacutemero de cesarianas no Brasil Disponiacutevel em lthttpsnacoesunidasorgunicef-alerta-para-elevado-numero-de-cesarianas-no-brasilgt Acesso em 5 nov 2018

PALHARINI L A Autonomia para quem O discurso meacutedico hegemocircnico sobre a violecircncia obsteacutetrica no Bras il Cadernos pagu (49) 2017e174907

- 38 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 39 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Este capiacutetulo de livro tem como tema o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado em busca de examinarmos esse texto cientiacutefi co que o pesquisador elabora em um momento de transiccedilatildeo no seu processo de formaccedilatildeo na atividade de pesquisa compreendendo que de um lado a graduaccedilatildeo representa um estaacutegio mais inicial de formaccedilatildeo em pesquisa e de outro lado o doutorado representa um estaacutegio de consolidaccedilatildeo do exerciacutecio investigativo do pesquisador

Concebemos o curso de mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador considerando que nesse estaacutegio o estudante se encontra ainda como assevera Severino (2009) em uma fase de aprendizagem da pesquisa e de formaccedilatildeo como pesquisador Corrobora tambeacutem a nossa posiccedilatildeo de conceber o mestrado como um lugar de transiccedilatildeo na formaccedilatildeo do pesquisador o niacutevel de exigecircncia dos textos e trabalhos produzidos durante esse estaacutegio no que concerne por exemplo ao tipo de refl exatildeo empreendida tendo em conta que a escrita da dissertaccedilatildeo de mestrado se apresenta ainda para muitos como a ldquo[] primeira manifestaccedilatildeo de trabalho pessoal sistemaacutetico de pesquisa []rdquo (SEVERINO 2009 p 24)

A pesquisa justifi ca-se pelo fato de a dissertaccedilatildeo de mestrado merecer ainda muitos estudos com respeito ao que a constitui como gecircnero ao seu estilo e agraves vozes que transitam nas relaccedilotildees dialoacutegicas presentes na esfera acadecircmica

DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO VOZES ESTILO E LINGUAGEM

- 40 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A proposta eacute verifi car que vozes emanam de relaccedilotildees dialoacutegicas no gecircnero do discurso dissertaccedilatildeo de mestrado e verifi car como essas relaccedilotildees colaboram na construccedilatildeo do estilo no discurso acadecircmico Objetiva-se analisar em uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada o modo como as vozes se manifestam e constroem por meio da linguagem o estilo do autor no posicionamento nos debates de sua esfera de pesquisa Para o suporte teoacuterico retomam-se as refl exotildees de Bakhtin e de estudiosos de sua obra sobre conceitos tais como relaccedilotildees dialoacutegicas gecircnero e estilo

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM BAKHTIN

O fi loacutesofo da linguagem M Bakhtin centrou seus estudos nos aspectos poliacuteticos da linguagem Seus questionamentos sobre a linguagem elucidam que as refl exotildees emanadas de seus trabalhos natildeo estatildeo ligadas apenas a uma teoria linguiacutestica ou literaacuteria mas com todas as esferas de comunicaccedilatildeo que envolvem o homem em uma relaccedilatildeo com o outro Entre essas refl exotildees estaacute sem duacutevida a preocupaccedilatildeo de Bakhtin com a dimensatildeo histoacuterica e ideoloacutegica e a consequente constituiccedilatildeo dialoacutegica da linguagem a insistecircncia na preocupaccedilatildeo com a natureza social e interativa da palavra e a interdiscursividade como condiccedilatildeo da linguagem Tambeacutem se dedicou ao estudo da literatura sobretudo ao romance O seu nome aparece sempre associado ao chamado Ciacuterculo de Bakhtin do qual fazem parte P Medvieacutedev e V N Volochiacutenov e tambeacutem a outros integrantes do Ciacuterculo

De Bakhtin e o do Ciacuterculo interessam-nos neste trabalho os estudos sobre o estilo associado ao gecircnero discursivo dissertaccedilatildeo de mestrado com intenccedilatildeo de verifi car algumas das diversas possibilidades de manifestaccedilotildees estiliacutesticas nesse gecircnero

Bakhtin afi rma o caraacuteter dialoacutegico da linguagem por isso em seus textos teoacutericos destaca-se o diaacutelogo Segundo o fi loacutesofo a

- 41 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

liacutengua em seu uso concreto e real tem a propriedade de ser dialoacutegica BakhtinVoloshiacutenov (2006 p 3) afi rmam que a ldquoenunciaccedilatildeo estaacute na fronteira entre a vida e o aspecto verbal do enunciado ela por assim dizer bombeia energia de uma situaccedilatildeo da vida para o discurso verbal ela daacute a qualquer coisa linguisticamente estaacutevel o seu momento histoacuterico vivo o seu caraacuteter uacutenicordquo

O enunciado eacute extremamente importante quando se trata de manifestaccedilatildeo da linguagem pois eacute por meio dele que a liacutengua se concretiza e conforme Bakhtin (2003 p 265) ldquoa liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua O enunciado eacute um nuacutecleo problemaacutetico de importacircncia excepcionalrdquo

Bakhtin em suas refl exotildees entende que os diaacutelogos sociais natildeo satildeo repetidos de maneira absoluta e tambeacutem natildeo satildeo completamente novos pois retomam as marcas histoacutericas e sociais de determinada cultura e sociedade

Nesse contexto teoacuterico a palavra diaacutelogo pode causar confusatildeo pois natildeo eacute o diaacutelogo do senso comum entendido nos tipos de estrutura gramatical ou com o sentido de acordo de consenso

Marchezan (2006 p 123) explicaA palavra diaacutelogo ao contraacuterio eacute bem entendida no contexto bakhtiniano como reaccedilatildeo da palavra a palavra de outrem como ponto de tensatildeo entre o eu e o outro entre ciacuterculos de valores entre forccedilas sociais A essa perspectiva natildeo interessa a palavra passiva e solitaacuteria mas a palavra na atuaccedilatildeo complexa e heterogecircnea dos sujeitos sociais vinculada a situaccedilotildees a falas passadas e antecipadas

- 42 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O diaacutelogo fundamenta a linguagem em ato e funciona como uma reacuteplica social O estudo dialoacutegico do texto requer um esforccedilo para compreendecirc-lo como um organismo vivo e atuante e tambeacutem vivenciaacute-lo Depois examinar o texto de fora com a visatildeo do cronoacutetopo e sem confundir os seus posicionamentos A relaccedilatildeo dialoacutegica natildeo coincide com a relaccedilatildeo existente entre as reacuteplicas de um diaacutelogo real por ser mais extensa mais variada e mais complexa Dois enunciados separados um do outro podem revelar uma relaccedilatildeo dialoacutegica mediante uma confrontaccedilatildeo do sentido desde que haja alguma convergecircncia do sentido ou seja uma reacuteplica social Os diaacutelogos satildeo assim sociais e natildeo se repetem de maneira absoluta nem satildeo completamente novos reiteram marcas histoacutericas e sociais que caracterizam uma dada cultura numa dada sociedade

Bakhtin propocircs uma abertura conceitual que permitisse a anaacutelise das vaacuterias formas de manifestaccedilatildeo da linguagem e natildeo apenas da retoacuterica Com essa abertura eacute possiacutevel considerar as vaacuterias formaccedilotildees discursivas no campo da comunicaccedilatildeo Assim ele possibilitou situar o universo das interaccedilotildees dialoacutegicas constituiacutedo por diferentes realizaccedilotildees discursivas E quando passa a valorizar o estudo dos gecircneros o dialogismo descobre uma forma para analisar e estudar o hibridismo a heteroglossia e a pluralidade dos sistemas de signos na cultura

De acordo com Bakhtin o contexto comunicativo eacute de suma importacircncia para a assimilaccedilatildeo do repertoacuterio que se pretende utilizar em uma determinada mensagem pois os gecircneros discursivos satildeo formas comunicativas e como tais natildeo satildeo adquiridos em manuais mas em processos interativos a liacutengua passa a integrar a vida atraveacutes de enunciados concretos (que a realizam) eacute igualmente atraveacutes de enunciados concretos que a vida entra na liacutengua

Dependendo do conhecimento dessas formas discursivas eacute que poderaacute ser verifi cada a liberdade de uso dos gecircneros e isso depende

- 43 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de uma postura do usuaacuterio da liacutengua nos processos comunicativos Os gecircneros fazem parte de uma cadeia que une e dinamiza as relaccedilotildees entre pessoas sistemas de linguagem e tambeacutem entre interlocutor e receptor

O gecircnero natildeo deve ser pensado fora da dimensatildeo de espaccedilo e tempo pois as suas formas de representaccedilatildeo satildeo justamente orientadas pelo espaccedilo e pelo tempo ldquoEssa eacute outra coordenada importante da teoria dialoacutegica dos gecircneros apresentada por Bakhtin em sua revisatildeo da teoria dos gecircneros da Poeacutetica de Aristoacuteteles em nome das relaccedilotildees espaacutecio-temporais das representaccedilotildees e da interatividade discursiva animadas em seu interiorrdquo (MACHADO 2007 p 158) Dessa forma Bakhtin tenta mostrar que os gecircneros adquirem uma existecircncia cultural a partir de seus estudos sobre cronoacutetopo E na teoria do dialogismo o gecircnero se insere numa cultura em que tanto a experiecircncia como a representaccedilatildeo satildeo manifestaccedilotildees marcadas pela temporalidade

A riqueza e a diversidade dos gecircneros discursivos satildeo incalculaacuteveis pois a possibilidade de comunicaccedilatildeo humana eacute que diversifi ca as possibilidades de repertoacuterio dos gecircneros ldquoPode parecer que a heterogeneidade dos gecircneros discursivos eacute tatildeo grande que natildeo haacute nem pode haver um plano uacutenico para o seu estudordquo (BAKHTIN 2003 p 262)

O gecircnero natildeo deve ser desassociado do estilo pois serve para a identifi caccedilatildeo deste De acordo com Bakhtin (2003 p 265) ldquoTodo estilo estaacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e agraves formas tiacutepicas de enunciados ou seja aos gecircneros do discursordquo

A heterogeneidade dos gecircneros eacute grande e associada ao estilo se torna maior ainda pois a escolha do vocabulaacuterio das construccedilotildees e adequaccedilotildees linguiacutesticas juntamente com a forma do conteuacutedo defi ne um modo de ver E neste modo de ver encontra-se presente um simulacro de uma enunciaccedilatildeo ou seja um parecer verdadeiro suposto pelo proacuteprio estilo

- 44 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sobre isso Bakhtin vai dizer que ldquoem diferentes gecircneros podem revelar-se diferentes camadas e aspectos de uma personalidade individual o estilo individual pode encontrar-se em diversas relaccedilotildees de reciprocidade com a liacutengua nacionalrdquo (2003 p 266)

Segundo Bakhtin (2003 p 267) a separaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre estilos e gecircneros eacute nociva para a anaacutelise pois ldquoas mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo Assim os gecircneros modifi cam-se e adaptam-se de acordo com o espaccedilo e tempo em que circulam

ldquoOs enunciados e seus tipos isto eacute seus gecircneros discursivos satildeo correias de transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a histoacuteria da linguagemrdquo (BAKHTIN 2003 p 268) O enunciado eacute defi nido a partir de uma comunicaccedilatildeo discursiva e consequentemente pela alternacircncia dos sujeitos do discurso De acordo com Bakhtin (2003 p 275) ldquoo enunciado natildeo eacute uma unidade convencional mas uma unidade real precisamente delimitada da alternacircncia dos sujeitos do discurso a qual termina com a transmissatildeo da palavra ao outrordquo Essa alternacircncia de sujeitos natildeo eacute somente mas eacute tambeacutem a alternacircncia simples que presenciamos no diaacutelogo real do cotidiano com as vaacuterias reacuteplicas que criam limites precisos nos enunciados em diversos campos da atividade de comunicaccedilatildeo Para Bakhtin (2003 p 276)

essas relaccedilotildees soacute satildeo possiacuteveis entre enunciaccedilotildees de diferentes sujeitos do discurso pressupotildeem outros (em relaccedilatildeo ao falante) membros da comunicaccedilatildeo discursiva Essas relaccedilotildees entre enunciaccedilotildees plenas natildeo se prestam agrave gramaticalizaccedilatildeo uma vez que reiteramos natildeo satildeo possiacuteveis entre unidades da liacutengua e isso tanto no sistema da liacutengua quanto no interior do enunciado

- 45 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De acordo com Brait (2007 p 80) ldquoo estilo se apresenta como um dos conceitos centrais para se perceber a contrapelo o que signifi ca no conjunto das refl exotildees bakhtinianas dialogismo ou seja esse elemento constitutivo da linguagem esse princiacutepio que rege a produccedilatildeo e a compreensatildeo dos sentidos essa fronteira em que euoutro se interdefi nem se interpenetram sem se fundirem ou se confundiremrdquo

Podemos considerar como estilo tambeacutem os estilos de linguagem dialetos mas a investigaccedilatildeo eacute mais no sentido de perceber como em que perspectiva dialoacutegica esse estilo aparece no texto no enunciado Pois para Bakhtin o acircngulo dialoacutegico natildeo pode ser analisado apenas por criteacuterios linguiacutesticos essas relaccedilotildees dialoacutegicas pertencem mais especifi camente ao discurso

A estiliacutestica deve basear-se natildeo apenas e nem tanto na linguiacutestica quanto na metalinguiacutestica que estuda a palavra natildeo no sistema da liacutengua e nem num ldquotextordquo tirado da comunicaccedilatildeo dialoacutegica mas precisamente no campo propriamente dito da comunicaccedilatildeo dialoacutegica ou seja no campo da vida autecircntica da palavra A palavra natildeo eacute um objeto mas um meio constantemente ativo constantemente mutaacutevel de comunicaccedilatildeo dialoacutegica Ela nunca basta a uma consciecircncia a uma voz (BAKHTIN 1997 p 14)

O estilo natildeo se esgota na genuinidade de um indiviacuteduo mas se revela tambeacutem na liacutengua e nos usos historicamente situados que fazemos dela

Para Brait (2007 p 87)

a escrita se destaca como sendo a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e consequentemente sua forma de utilizaccedilatildeo da liacutengua Via material impresso transparece na verdade a relaccedilatildeo do autor com a vida

- 46 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

ou seja o estilo artiacutestico natildeo trabalha com palavras mas com os componentes do mundo com os valores do mundo e da vida podendo portanto o estilo ser defi nido como o conjunto dos procedimentos de formaccedilatildeo e de acabamento do homem e do seu mundo E eacute esse estilo que determina tambeacutem a relaccedilatildeo com o material com a palavra

Entatildeo eacute por meio da linguagem que o estilo se manifesta e mostra como se daacute a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e com a forma como esse autor se apropria da liacutengua O estilo natildeo pode ser analisado por apenas uma caracteriacutestica mas por um conjunto de recursos que revelam o homem e suas relaccedilotildees com o mundo

ldquoUm grande estilo representa acima de tudo uma visatildeo de mundo e somente depois eacute meio de elaborar um materialrdquo (BAKHTIN 1992 p 217) O autor reuacutene na expressatildeo do estilo a sua visatildeo de mundo e consequentemente eacute direcionado por essa visatildeo que elabora o material linguiacutestico ldquoA visatildeo do mundo estrutura e unifi ca o horizonte do homem o estilo estrutura e unifi ca seu ambienterdquo (BAKHTIN 1992 p 217)

Na perspectiva de Bakhtin a defi niccedilatildeo de gecircneros discursivos inclui dentre outros aspectos que eles transitam por todas as esferas de atividade humana e devem ser considerados culturalmente a partir de temas formas de composiccedilatildeo e estilo Entatildeo todas as atividades humanas implicam gecircneros e necessariamente estilos

A utilizaccedilatildeo da liacutengua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e uacutenicos que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana O enunciado refl ete as condiccedilotildees especiacutefi cas e as fi nalidades de cada uma dessas esferas natildeo soacute por seu conteuacutedo (temaacutetico) e por seu estilo verbal ou seja pela seleccedilatildeo operada nos recursos da liacutengua ndash recursos lexicais fraseoloacutegicos e gramaticais - mas tambeacutem e sobretudo por sua construccedilatildeo

- 47 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

composicional Estes trecircs elementos (conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles satildeo marcados pela especifi cidade de uma esfera da comunicaccedilatildeo (BAKHTIN 1992 p 279)

Bakhtin continua suas refl exotildees a esse respeito fazendo referecircncia ao fato de que o estilo eacute indissoluvelmente ligado ao enunciado e a formas tiacutepicas de enunciado que satildeo os gecircneros Assim se o enunciado refl ete a individualidade de quem fala ou escreve nas mais diversas formas e esferas de comunicaccedilatildeo ele possui um estilo individual Bakhtin reitera que nem todos os gecircneros satildeo propiacutecios da mesma forma ao estilo individual alguns satildeo mais favoraacuteveis e outros menos O fi loacutesofo ainda completa que certos gecircneros satildeo apropriados a determinadas esferas e portanto esses gecircneros possuem determinados estilos Brait (2003 p 89) comenta a partir do texto ldquoO discurso na vida e o discurso na arterdquo que Bakhtin

vai considerar que o estilo tambeacutem depende do tipo de relaccedilatildeo existente entre o locutor e os outros parceiros da comunicaccedilatildeo verbal ou seja o ouvinte o leitor o interlocutor proacuteximo e o imaginado (o real e o presumido) o discurso do outro etc Mesmo no caso dos gecircneros altamente estratifi cados sua diversidade deve-se ao fato de eles variarem conforme as circunstacircncias a posiccedilatildeo social e o relacionamento pessoal dos parceiros

Nesse sentido existem os gecircneros de estilo elevado estritamente ofi ciais e haacute tambeacutem o estilo familiar que comporta diversos graus de intimidade Os gecircneros ofi ciais satildeo muito mais estaacuteveis prescritivos e normativos

Assim de acordo com Bakhtin (2003) quando mudamos o estilo de um gecircnero para outro natildeo nos limitamos a modifi car

- 48 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

simplesmente o gecircnero mas desconstruiacutemos e reconstruiacutemos o proacuteprio gecircnero Percebemos assim que o conceito bakhtiniano de estilo se defi ne a partir da interlocuccedilatildeo reciacuteproca com vaacuterios domiacutenios da cultura

Outra questatildeo que interessa aqui ao nosso trabalho e eacute citada por Brait (2007 p 94-95) eacute a seguinte

o estilo entra como elemento na unidade de gecircnero de um enunciado O estilo pode ser objeto de um estudo especiacutefi co especializado considerando-se dentre outras coisas que os estilos tecircm a ver tambeacutem com gecircnero o que implica coerccedilotildees linguiacutesticas enunciativas e discursivas proacuteprias da atividade em que se insere Aleacutem disso um outro aspecto constitutivo e inalienaacutevel eacute o fato de o enunciado dirigir-se a algueacutem de estar voltado para o destinataacuterio

Bakhtin em ldquoGecircneros do Discursordquo esclarece que o estilo depende do modo de compreensatildeo e percepccedilatildeo do seu destinataacuterio e do modo como a compreensatildeo responsiva ativa eacute presumida

Este destinataacuterio pode ser o parceiro e interlocutor direto do diaacutelogo na vida cotidiana pode ser o conjunto diferenciado de especialistas em alguma aacuterea especializada da comunicaccedilatildeo cultural pode ser o auditoacuterio diferenciado dos contemporacircneos dos partidaacuterios dos adversaacuterios e inimigos dos subalternos dos chefes dos inferiores dos superiores dos proacuteximos dos estranhos etc pode ateacute ser de modo absolutamente indeterminado o outro natildeo concretizado [] Essas formas e concepccedilotildees do destinataacuterio se determinam pela aacuterea da atividade humana e da vida cotidiana a que se reporta um dado enunciado A quem se dirige o enunciado

- 49 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como o locutor (ou o escritor) percebe e imagina seu destinataacuterio Qual eacute a forccedila da infl uecircncia deste sobre o enunciado Eacute disso que depende a composiccedilatildeo e sobretudo o estilo do enunciado Cada um dos gecircneros do discurso em cada uma das aacutereas da comunicaccedilatildeo verbal tem sua concepccedilatildeo padratildeo do destinataacuterio que o determina como gecircnero (BAKHTIN 1992 p 320)

Assim o destinataacuterio real ou imaginado infl uencia sobremaneira a forma de composiccedilatildeo e o estilo do enunciado Existem formas mais padronizadas do destinataacuterio a que se destinam diferentes gecircneros mas haacute tambeacutem destinataacuterios que satildeo pressupostos pelas esferas de atividade humana e vida cotidiana

O estilo eacute indissociaacutevel de determinadas unidades temaacuteticas e ndash o que eacute de especial importacircncia ndash de determinadas unidades composicionais de determinados tipos de construccedilatildeo do conjunto de tipos do seu acabamento de tipos da relaccedilatildeo do falante com outros participantes da comunicaccedilatildeo discursiva ndash com os ouvintes os leitores os parceiros o discurso do outro etc O estilo integra a unidade de gecircnero do enunciado como seu elemento (BAKHTIN 2003 p 266)

Como eacute sabido o estilo eacute um dos elementos que constitui para Bakhtin o gecircnero do discurso e como tal eacute indissociaacutevel dos outros elementos conteuacutedo temaacutetico e estrutura composicional por isso deve ser entendido no conjunto relacionando seu tipo de acabamento as relaccedilotildees estabelecidas com o destinataacuterio enfi m com a atuaccedilatildeo do gecircnero em determinada esfera de atuaccedilatildeo e circulaccedilatildeo

ldquoA separaccedilatildeo dos estilos em relaccedilatildeo aos gecircneros manifesta-se de forma particularmente nociva na elaboraccedilatildeo de uma seacuterie

- 50 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

de questotildees histoacutericas As mudanccedilas histoacutericas dos estilos de linguagem estatildeo indissoluvelmente ligadas agraves mudanccedilas dos gecircneros do discursordquo (BAKHTIN 2003 p 267)

Por isso neste estudo pretende-se analisar o estilo vinculado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com a intenccedilatildeo de verifi car em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto jaacute que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua e como acontece tal apropriaccedilatildeo Faz-se necessaacuterio assim esclarecer neste momento do que se trata o objeto escolhido para anaacutelise

A DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Segundo Severino (2011 p 221) a dissertaccedilatildeo de mestrado ldquotrata-se da comunicaccedilatildeo dos resultados de uma pesquisa e de uma refl exatildeo que versa sobre um tema igualmente uacutenico e delimitado Deve ser elaborada de acordo com as mesmas diretrizes metodoloacutegicas teacutecnicas e loacutegicas do trabalho cientiacutefi co como na tese de doutoramentordquo

Nessa direccedilatildeo podemos complementar que eacute difiacutecil eliminar da dissertaccedilatildeo de mestrado o seu caraacuteter demonstrativo Pois ela deve demonstrar uma proposiccedilatildeo e natildeo apenas explanar um assunto Esta parece ser uma exigecircncia loacutegica de todo trabalho desde que tenha objetivos de natureza cientiacutefi ca bem defi nidos (SEVERINO 2011) Na concepccedilatildeo deste autor

tanto a tese de doutorado como a dissertaccedilatildeo de mestrado satildeo pois monografi as cientiacutefi cas que abordam temas uacutenicos delimitados servindo-se de um raciociacutenio rigoroso de acordo com as diretrizes loacutegicas de conhecimento humano em que haacute lugar tanto para a argumentaccedilatildeo puramente dedutiva como para o raciociacutenio indutivo baseado

- 51 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na observaccedilatildeo e na experimentaccedilatildeo (SEVERINO 2011 p 222)

Aproveitando-nos do dizer de Amorim (2009 p 2) baseado no pensamento bakhtiniano segundo o qual ldquoquando se estaacute escrevendo ouvem-se vozes faz-se falar algumas delas e a elas respondendo consegue-se chegar (ou natildeo) a fazer ouvir sua proacutepria vozrdquo o que nos interessa aqui eacute examinar os diaacutelogos que constituem o dizer do jovem pesquisador para tentar entender como este na relaccedilatildeo com os seus outros constroacutei o seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e como ele se constitui como sujeitopesquisador em seu campo do saber

Assim podemos dizer que o texto cientiacutefi co eacute um tecido no qual diferentes vozes portadoras de enunciados do campo da ciecircncia relacionam-se cruzam-se num contiacutenuo diaacutelogo entre textos e discursos sendo seu produtor aquele sujeito responsaacutevel por articulaacute-las na construccedilatildeo de um projeto de dizer Por vezes essas vozes que o produtor convoca em seu texto estatildeo laacute explicitadas devidamente creditadas a uma fonte do dizer outras tantas vezes essas vozes satildeo assimiladas como palavras proacuteprias sem qualquer menccedilatildeo de uma fonte confi gurando aquilo que Amorim (2009) denomina quando faz referecircncia ao pensamento bakhtiniano de esquecimento da alteridade O esquecimento da alteridade remete agrave noccedilatildeo de monologizaccedilatildeo da consciecircncia que estaacute diametralmente oposta ao dialogismo tal como foi concebido pelo pensamento bakhtiniano

GEcircNERO ESTILO E VOZES EM UMA DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO

Para analisar o estilo conforme nossa proposta exposta anteriormente tomamos como exemplo trechos de uma dissertaccedilatildeo de mestrado concluiacuteda e publicada da aacuterea de Educaccedilatildeo intitulada

- 52 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso

A dissertaccedilatildeo aborda a questatildeo da identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a sua produccedilatildeo escrita abordando os mecanismos ideoloacutegicos presentes no seu discurso que naturalizam determinados sentidos e natildeo outros as vivecircncias e as formaccedilotildees imaginaacuterias que permeiam a sua escrita enfi m elementos que podem infl uenciar e muito a construccedilatildeo do discurso escrito bem como afetar o posicionamento do sujeito como autor

O texto cientiacutefi co mais especifi camente o gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado eacute apropriado para verifi car como no processo de escrita o jovem pesquisador ouve vozes fala de algumas vozes e a partir de algumas vozes E consegue assim chegar ou natildeo a fazer ouvir a proacutepria voz ou pelo menos uma tentativa de fazer ouvir sua proacutepria voz E entatildeo na relaccedilatildeo com outras vozes constroacutei seu estilo na escrita do texto cientiacutefi co e tambeacutem se constroacutei e mostra sua constituiccedilatildeo como sujeito pesquisador

Seguem alguns excertos selecionados para demonstrar tais possibilidades

Durante os estaacutegios obrigatoacuterios minha decepccedilatildeo com o curso de Magisteacuterio foi aumentando a Psicologia que tanto me encantou estava longe das salas de aula e a didaacutetica entatildeo nem se fala Natildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulas No curso existiam poucos momentos de refl exatildeo acerca do que era observado nos estaacutegios um espaccedilo para discussatildeo que confrontasse a praacutetica observada as teacutecnicas e algumas poucas teorias estudadas nas disciplinas (ASSEF 2014 p 12)

O trecho traz um posicionamento da autora natildeo apenas porque utiliza a primeira pessoa do singular o que natildeo eacute tatildeo comum

- 53 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

no trabalho acadecircmico mas tambeacutem porque traz indiacutecios de uma posiccedilatildeo social que consequentemente dialoga com outras vozes quando se diz decepcionada com o curso de Magisteacuterio quando relata o descontentamento ao perceber que a praacutetica escolar destoa em relaccedilatildeo agraves propostas teoacutericas

Diante dessa realidade decepcionamo-nos com o Magisteacuterio e mesmo gostando da ideia de atuarmos como professora ocuparmos essa posiccedilatildeo tornou-se inviaacutevel natildeo nos sentiacuteamos capacitada para tanto Entatildeo buscamos outros caminhos signifi car outros sentidos uma nova aacuterea com a qual nos identifi caacutessemos Nosso objetivo era obter uma formaccedilatildeo mais completa e cursar a graduaccedilatildeo em Psicologia em uma universidade puacuteblica Concluiacutedo o curso de Magisteacuterio iniciamos nossa preparaccedilatildeo para o vestibular e ingressamos em um cursinho preparatoacuterio Depois de um ano inteiro de muita dedicaccedilatildeo e estudo ingressamos no curso de Psicologia na UNESP em Assis (ASSEF 2014 p 12)

Quando a autora aqui demonstra explicitamente sua decepccedilatildeo com o Magisteacuterio e a sensaccedilatildeo de incapacidade de atuar como educadora na verdade seu testemunho revela um posicionamento no mundo que estaacute relacionado natildeo apenas com este momento de formaccedilatildeo mas com o que a autora carrega de antes desse momento anseios e preocupaccedilotildees acerca de uma formaccedilatildeo docente e preocupaccedilatildeo em ser natildeo apenas uma mera profi ssional mas uma profi ssional capacitada para tal atuaccedilatildeo Aqui a posiccedilatildeo da autora pesquisadora por meio da linguagem seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos como tambeacutem de marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de

- 54 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Aliaacutes o encantamento com a AD e a identifi caccedilatildeo com a teoria ocorreram na medida em que fomos percebendo o quanto a linguagem nos constitui e a relevacircncia do discurso no processo de aprendizagem e constituiccedilatildeo do outro A instauraccedilatildeo de novos gestos de leitura desencadeada a cada nova anaacutelise instigava-nos a aprofundar os estudos sobre a teoria A Anaacutelise do Discurso nos permite refl etir sobre a linguagem natildeo nos conformar com as supostas evidecircncias analisar o entremeio do histoacuterico com o linguiacutestico lugar em que se daacute a proacutepria materialidade do discurso (ASSEF 2014 p 12)

Nesse trecho quando a autora manifesta encantamento e identifi caccedilatildeo podemos remeter a algo individual mas ainda assim trata-se da manifestaccedilatildeo do estilo construiacutedo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas estabelecidas anteriormente no momento da formaccedilatildeo acadecircmica dos anseios com relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo profi ssional enfi m ao que aconteceu antes

Destacamos tambeacutem na introduccedilatildeo o nosso interesse pelo assunto e pela linha de pesquisa adotada e embora natildeo sendo usual mas em consonacircncia com a nossa fi liaccedilatildeo teoacuterica a Anaacutelise do Discurso que natildeo separa teoria e praacutetica ao falar da nossa praacutetica recorremos agrave teoria Mesmo que de forma incipiente abordamos o embasamento teoacuterico que sustenta nossas investigaccedilotildees bem como apresentamos uma breve explanaccedilatildeo sobre a metodologia que utilizamos para a coleta de dados e constituiccedilatildeo do corpus (ASSEF 2014 p 14)

- 55 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Haacute aqui tambeacutem um posicionamento autoral na escolha do tema e linha de pesquisa o estilo presente tambeacutem mostra que esse posicionamento natildeo eacute totalmente individual mas fruto de vozes variadas que se relacionam ao posicionamento do sujeito autor da praacutetica adquirida pela experiecircncia e de toda vivecircncia anterior do sujeito autor

Sabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teorias que a tomam como objeto de investigaccedilatildeo por ser assim destacamos que optamos por uma forma particular de se signifi car a liacutengua qual seja a Anaacutelise do Discurso pecheutiana (ASSEF 2014 p 16)

Nesse trecho a autora jaacute se assume como sujeito pesquisador que demonstra ter conhecimento sobre outras teorias e outras possibilidades de anaacutelise para o mesmo objeto mas inicia a justifi cativa pela escolha da Anaacutelise do Discurso Francesa Notamos a presenccedila de outras vozes que jaacute a constituem como pesquisadora autora de seu trabalho que consegue mostrar e justifi car sua escolha e seu posicionamento que embora se manifeste estilisticamente como individual mostra ao mesmo tempo em que perspectiva dialoacutegica esse estilo se constroacutei

ldquoConvidamos o leitor a nos acompanhar pelos percursos teoacutericos que conduziratildeo nossas refl exotildees e que nos possibilitaratildeo pensar sobre questotildees referentes agrave concepccedilatildeo de liacutengua que adotamos no presente trabalhordquo (ASSEF 2014 p 18) Neste trecho podemos identifi car um estilo bem individual da autora que se aproxima do leitor mesmo se tratando de trabalho acadecircmico e convida para a leitura de maneira mais proacutexima do leitor Trata-se de um estilo um pouco mais individual e menos comum no texto cientiacutefi co que costumeiramente faz uso de uma linguagem mais fria e distante do interlocutor

- 56 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Eacute nesse espaccedilo que a AD pretende trabalhar com a materialidade especiacutefi ca do discurso desconstruindo a ilusatildeo de transparecircncia da liacutengua ao considerar o deslocamento discursivo do sentido jaacute que existem os pontos de deriva que oferecem lugar agrave interpretaccedilatildeo Como analistas do discurso ao trabalharmos com a interpretaccedilatildeo precisamos estar atentos agraves relaccedilotildees existentes entre as fi liaccedilotildees identitaacuterias e histoacutericas do sujeito discursivo que se datildeo nas relaccedilotildees sociais em redes de signifi cantes e nas memoacuterias discursivas que os constituem (PEcircCHEUX 2008) Relaccedilotildees que transcendem a obviedade da liacutengua pois ocorrem no exterior da proacutepria linguagem (ASSEF 2014 p 22)

Nesse excerto na posiccedilatildeo de pesquisadora a autora seleciona expressotildees que marcam um estilo natildeo se trata apenas da seleccedilatildeo de recursos linguiacutesticos mas marcas desses recursos que ultrapassam para a expressatildeo Esses traccedilos de conteuacutedo e de expressatildeo acabam produzindo um efeito de estilo de individualidade

Os excertos em geral mostram que a autora se posiciona diante do problema exposto e com um estilo que ao escolher expressotildees tais como ldquodecepcionamo-nos com o Magisteacuteriordquo ldquoNatildeo conseguiacuteamos entender como a realidade escolar era tatildeo diferente daquela apresentada nas aulasrdquo ldquobuscamos outros caminhos signifi car outros sentidosrdquo ldquofomos percebendo o quanto a linguagem nos constituirdquo ldquoSabemos que podemos realizar o estudo da linguagem com base em diferentes teoriasrdquo se posiciona socialmente se coloca ocupando um lugar no mundo

O estilo nesse caso natildeo eacute apenas uma expressatildeo individual mas nota-se por meio desse estilo uma totalidade de discursos Isso reforccedila a afi rmaccedilatildeo que Bakhtin faz sobre os gecircneros ao dizer que em gecircneros diferentes os aspectos estiliacutesticos se mostram tambeacutem de formas diferentes Notam-se relaccedilotildees dialoacutegicas de

- 57 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma individualidade com uma totalidade que se desdobram em formaccedilotildees ideoloacutegicas advindas de uma cultura

Eacute importante lembrar que Bakhtin (1992) refl ete sobre a questatildeo de o gecircnero ser mais ou menos individual dependendo da esfera em que circula E nem todos os gecircneros satildeo da mesma forma propiacutecios a estilos individuais alguns satildeo mais propiacutecios e outros menos Assim a dissertaccedilatildeo de mestrado deve ser considerada um gecircnero do discurso que nessa perspectiva eacute menos propiacutecia por ser mais estabilizada com caracteriacutesticas muito proacuteprias e estrutura composicional muito defi nida

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A proposta deste estudo foi analisar o estilo associado ao gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado com o intento de averiguar em que perspectiva dialoacutegica o estilo aparece no texto visto que eacute por meio da linguagem que ele se afi rma e evidencia a relaccedilatildeo do autor com a liacutengua

Tomou-se por base o estilo como conceito central em Bakhtin para entender o que representa isto eacute como princiacutepio que conduz a produccedilatildeo e compreensatildeo dos sentidos por meio da linguagem do gecircnero dissertaccedilatildeo de mestrado Foi possiacutevel perceber em que perspectiva o estilo aparece no texto por meio da palavra viva autecircntica e em constante mudanccedila pois como em qualquer outro gecircnero na dissertaccedilatildeo de mestrado tambeacutem a comunicaccedilatildeo eacute dialoacutegica

Foi possiacutevel verifi car que eacute por meio da linguagem que o estilo se evidencia e mostra a relaccedilatildeo do sujeito pesquisador com a liacutengua e como acontece essa apropriaccedilatildeo ou seja na esfera de atividade acadecircmica o conhecimento vai se produzindo por meio de relaccedilotildees dialoacutegicas que emanam vaacuterias vozes e de vaacuterias vozes construiacutedas tambeacutem em vaacuterias possibilidades de estilo

- 58 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

REFEREcircNCIAS

AMORIM M Freud e a escrita de pesquisa - uma leitura bakhtiniana Eutomia v 2 p 0114 2009

ASSEF Aline Ester de Carvalho A identifi caccedilatildeo do sujeito-professor com a escrita sentidos em (dis)curso Dissertaccedilatildeo (Mestrado) apresentada agrave Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto - Universidade de Satildeo Paulo ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo 2014

BAKHTIN M Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Gecircneros do discurso In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Maria Ermantina G G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1992

BAKHTIN M Problemas da poeacutetica de Dostoievski Satildeo Paulo Forense Universitaacuteria 1997

BAKHTIN M O problema do texto na linguiacutestica na fi lologia e em outras ciecircncias humanas In ______ In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 307-335

BAKHTIN M Apontamentos de 1970-191 In ______ Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Traduccedilatildeo do russo de Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003 p 367-392

BAKHTIN M (V N Volochinov) Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico da linguagem TradMichel Lahud e Yara Frateschi 12 ed Satildeo Paulo Hucitec 2006

BRAIT Beth Estilo In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MACHADO Irene Gecircneros discursivos In BRAIT Beth Bakhtin conceitos-chave 4 ed Satildeo Paulo Contexto 2007

MARCHEZAN Renata C Diaacutelogo In BRAIT Beth Bakhtin outros conceitos-chave Satildeo Paulo Contexto 2006

SEVERINO A J Metodologia do trabalho cientiacutefi co 23 ed Satildeo Paulo Cortez 2011

- 59 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Deacutebora MassmannPatriacutecia Brasil Massmann

La iglesia dice El cuerpo es una culpaLa ciencia dice El cuerpo es una maacutequina

La publicidad dice El cuerpo es un negocioEl cuerpo dice Yo soy una fi esta

Eduardo Galeano

CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Ao buscar compreender o modo como o corpo vem sendo signifi cado toma-se conhecimento de diferentes domiacutenios epistemoloacutegicos que se dedicaram (e ainda se dedicam) ao seu estudo De fato na histoacuteria da humanidade o corpo despertou o interesse de pesquisadores oriundos de aacutereas do conhecimento distintas como por exemplo religiosos meacutedicos fi loacutesofos artistas desportistas juristas criminologistas socioacutelogos e antropoacutelogos entre outros Assim ao adentrar no universo das pesquisas que tratam do corpo pelo seu caraacuteter multidisciplinar defrontamo-nos com questotildees heterogecircneas que vatildeo por exemplo desde a visatildeo materialista ateacute a crenccedila de sobrevida Desse modo tomar o corpo como objeto de investigaccedilatildeo implica em tese percorrer caminhos ecleacuteticos que passam pela ciecircncia pelo social e pelo teoloacutegico

De nossa parte conhecendo a diversidade de pesquisas que se interessam por este objeto vale destacar que neste estudo tomamos o corpo a partir da perspectiva das ciecircncias da linguagem mais

CORPO E(M) (DIS)CURSO DA RE-EXISTEcircNCIA

- 60 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

especifi camente dos estudos discursivos Isso signifi ca que para noacutes o corpo eacute considerando como lugar material de signifi caccedilatildeo (ORLANDI 2001) em que se textualizam diferentes processos discursivos e em que se materializa o confronto do poliacutetico com o simboacutelico Na epiacutegrafe que abre essa refl exatildeo jaacute temos uma amostra disso Ela apresenta alguns dizeres que de lugares especiacutefi cos contribuem para a produccedilatildeo de signifi caccedilotildees em torno do corpo Trata-se de um conjunto de discursos de e sobre o corpo que apontam para o funcionamento do poliacutetico na linguagem De nossa posiccedilatildeo teoacuterica compreender jaacute de iniacutecio o funcionamento dos discursos de e sobre o corpo eacute crucial para o percurso analiacutetico que propomos neste estudo A noccedilatildeo de discurso de e de discurso sobre eacute desenvolvida1 por Orlandi (1990[2008]) na obra ldquoTerra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundordquo Para autora essa noccedilatildeo pode ser descrita da seguinte maneira

os lsquodiscursos sobrersquo satildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de) Assim o discurso sobre o samba o discurso sobre o cinema satildeo parte integrante da arregimentaccedilatildeo (interpretaccedilatildeo) dos sentidos dos discursos do samba do cinema etcrdquo (ORLANDI 1990[2008] p 44)

Compreende-se entatildeo jaacute num gesto de anaacutelise que na epiacutegrafe os dizeres da igreja da ciecircncia e da publicidade retomados por Galeano (2001 p 109) inscrevem-se como discursos sobre o corpo A partir dos lugares legitimados que ocupam na sociedade igreja ciecircncia e publicidade institucionalizam sentidos para o corpo Desse modo colocam em funcionamento uma memoacuteria discursiva que parece se amparar no senso comum em sentidos

1 Essa noccedilatildeo foi retomada posteriormente e detalhada por Mariani (1998) e Costa (2014)

- 61 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

supostamente estabilizados que circulam e satildeo (re)produzidos cotidianamente em nossa sociedade Orlandi (1990[2008]) alerta para o fato de que essa memoacuteria discursiva eacute estabilizada e reforccedilada pelo discurso histoacuterico (Orlandi 2008) Compreendemos entatildeo que os discursos sobre o corpo nesta epiacutegrafe organizam e disciplinam a memoacuteria condensando-a e sintentizando-a agravequelas relaccedilotildees predicativas ali expostas Ali o corpo natildeo fala Ele eacute falado

A esses discursos sobre Galeano (2001 p 109) contrapotildee o discurso (hipoteacutetico) do corpo que por sua vez pode ser compreendido aqui como um dizer que produz equiacutevoco jaacute que rompe com uma estrutura fundada no silecircncio e produz assim outros efeitos de sentido Efeitos natildeo previstos efeitos que apontam para a falha constitutiva do funcionamento da linguagem Nessa perspectiva dizer que o corpo se predica como ldquoa festardquo em ldquoyo soy la festardquo (GALEANO 2001 p 109) - signifi ca desestabilizar preacute-construiacutedos e dar visibilidade a outras formas de signifi caccedilatildeo e de inscriccedilatildeo do corpo na histoacuteria e na sociedade Trata-se de pensar o corpo como parte constitutiva de um processo histoacuterico de signifi caccedilatildeo ou mais especifi camente de pensar o corpo em sua materialidade na relaccedilatildeo com o sujeito e com os sentidos Em outras palavras compreendemos com Orlandi que ldquoa signifi caccedilatildeo do corpo natildeo pode ser pensada sem a materialidade do sujeito E vice-versa ou seja natildeo podemos pensar a materialidade do sujeito sem pensar sua relaccedilatildeo com o corpordquo (ORLANDI 2012 p 83)

Fundada epistemologicamente a partir de questionamentos agrave linguiacutestica agrave psicanaacutelise e ao materialismo histoacuterico a anaacutelise de discurso dedicou-se amplamente ao estudo da materialidade da histoacuteria e da liacutengua Entretanto a materialidade do sujeito tem sido pouco explorada ainda que seja inquestionaacutevel a sua natildeo transparecircncia Para Orlandi (2012 p 84) essa lacuna teoacuterico-analiacutetica se deve ao fato de que ldquoeacute na questatildeo da materialidade do sujeito que estaacute a negaccedilatildeo do sujeito como origem quer de si quer dos sentidosrdquo

- 62 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Pelo diaacutelogo desafi ador e basilar que a anaacutelise de discurso estabeleceu com o materialismo histoacuterico compreendemos que os ldquomodos de produccedilatildeo da vida material condicionam o conjunto de processos da vida social e poliacuteticardquo (ORLANDI 2012 p85) Eacute em condiccedilotildees anaacutelogas agraves descritas pela autora no que tange a presenccedila do materialismo histoacuterico no funcionamento da linguagem que o discurso se produz e simultaneamente a ele sujeito e sentidos se constituem (ainda que se tenha a ilusatildeo de que eles estatildeo sempre laacute) Esse funcionamento destaca Orlandi (2012 p85) ldquoeacute efeito da ideologia em sua materialidaderdquo Tal processo tambeacutem afeta o corpo do sujeito que uma vez interpelado pela ideologia se textualiza se signifi ca se discursiviza e se inscreve na histoacuteria a partir da relaccedilatildeo do poliacutetico com o simboacutelico Eacute importante destacar que natildeo transparentes linguagem sujeito e histoacuteria estatildeo agrilhoados ao funcionamento da ideologia Esta compreendida aqui como uma praacutetica estaacute apensa ao processo de signifi caccedilatildeo do discurso e consequentemente do sujeito e dos sentidos Nessa perspectiva refl etir discursivamente sobre o corpo signifi ca compreender que ldquoa forma sujeito histoacuterica tem sua materialidade e que o indiviacuteduo interpelado em sujeito pela ideologia traz seu corpo por ela tambeacutem interpeladordquo (ORLANDI 2012 87) Dizemos entatildeo que o corpo signifi ca que tem historicidade e que tem memoacuteria Eacute no e pelo corpo que se materializam traccedilos da diferenccedila vestiacutegios de (natildeo) normatizaccedilatildeo de (natildeo) uniformizaccedilatildeo esteacutetica e social Eacute no e pelo corpo lugar de inscriccedilatildeo de dominaccedilatildeo de resistecircncia e de manifestaccedilatildeo que sentidos satildeo formulados e postos em funcionamento Eacute no e pelo corpo que transitam e circulam praacuteticas de signifi caccedilatildeo que se constituem na histoacuteria pelo funcionamento da linguagem na sociedade O corpo signifi ca entatildeo em sua forma material Ele se constitui como dizer em curso Ou ainda corpodiscurso (SOUZA 2010)

- 63 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O CORPO E(M) MOVIMENTO

Trabalhar discursivamente com o corpo compreendendo-o materialidade do sujeito implica levar em consideraccedilatildeo linguagem histoacuteria e ideologia Essa triangulaccedilatildeo (linguagem histoacuteria e ideologia) produz efeitos de sentido sobre o corpo discursivizando-o tornando-o corpodiscurso (SOUSA 2010) Compreende-se assim que o corpo eacute ldquoa materialidade do sujeito apropriada pelo Estado remarcado pelas instacircncias ideoloacutegicas e enformado por uma dialeacutetica poliacuteticardquo (SOUSA 2010 p 1) Esse funcionamento eacute fundador do processo de constituiccedilatildeo do sujeito em que a ideologia comparece interpelando pelo simboacutelico o indiviacuteduo em forma-sujeito-histoacuterica (ORLANDI 2003 2012) Essa forma-sujeito-histoacuterica capitalista de acordo com Orlandi (2012) estaacute suportada no juriacutedico atraveacutes de um conjunto de normas (direitos e deveres) que regulam de certa maneira os processos de individu(aliz)accedilatildeo do sujeito pelo Estado sendo este compreendido aqui a partir de instituiccedilotildees e discursos

Considerando entatildeo que o corpo signifi ca em sua forma material e tomando como condiccedilatildeo de produccedilatildeo a loacutegica capitalista temos que ao longo da histoacuteria esse corpo foi se constituindo tanto pela opressatildeo quanto pela manipulaccedilatildeo uma vez que ele era compreendido como uma ldquomaacutequinardquo ou melhor a fonte de acuacutemulo de capital (BARBOSA MATOS E COSTA 2011) Esse processo de formataccedilatildeo (manipulaccedilatildeo) do corpo na era capitalista produziu efeitos de sentidos nos modos de sua movimentaccedilatildeo e de sua inserccedilatildeo na sociedade A forma-sujeito-histoacuterica capitalista que se sustenta no juriacutedico em um conjunto de normas (direitos e deveres) conforme apresentamos acima produziu efeitos de normatizaccedilotildees para o corpo Trata-se de uma forma de poder O poder disciplinar O Estado por meio de instituiccedilotildees e discursos exerceu coercitivamente o controle do corpo no espaccedilo no tempo na sociedade Instala-se assim o poder normatizador do Estado que estabelece o ldquonormalrdquo como coerccedilatildeo social (FOUCAULT 2002) e porque natildeo dizer como coerccedilatildeo ideoloacutegica e ldquodessa maneira vatildeo

- 64 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

moldando padronizando homogeneizando corpos sujeitos e sentidosrdquo (MASSMANN 2018 p 44) De acordo com Barbosa Matos e Costa (2011 p 29) esse processo de disciplinarizaccedilatildeo do corpo na sociedade capitalista permanece ainda vigente hodiernamente ainda que por meio de funcionamentos que se alinham agraves condiccedilotildees de produccedilatildeo do seacuteculo XXI

As novas tecnologias de produccedilatildeo em massa desencadearam um processo de homogeneizaccedilatildeo de gestos e haacutebitos que se estendeu a outras esferas sociais entre elas a educaccedilatildeo do corpo que passou a identifi car-se natildeo soacute com as teacutecnicas mas tambeacutem com os interesses da produccedilatildeo (Hobsbawm 1996) Assim o ser humano eacute colocado a serviccedilo da economia e da produccedilatildeo gerando um corpo produtor que portanto precisa de ter sauacutede para melhor produzir (BARBOSA MATOS E COSTA 2011 p 29)

A partir das palavras das autoras compreende-se que o controle e a padronizaccedilatildeo do corpo passam a circular na sociedade dita moderna como resultado de um processo biopoliacutetico (FOUCAULT 2002) em que os corpos satildeo ldquodomesticadosrdquo para se formatar se enquadrar e se adequar a padrotildees sociais que se sustentam ideologicamente em relaccedilotildees de poder e consequentemente de dominaccedilatildeo Nesse sentido o poder e seus mecanismos de controle se manifestam no corpo compelindo-o agrave objetifi caccedilatildeo e agrave estandardizaccedilatildeo sob a forma de modelos preacute-estabelecidos historicamente que vatildeo ressignifi cando em funccedilatildeo das condiccedilotildees de produccedilatildeo

Esse movimento de supremacia do corpo tem sido reforccedilado com o advento de novas tecnologias que se alinham agrave loacutegica da produccedilatildeo De fato cada vez mais se impotildeem ao corpo modelos de sauacutede de eacutetica e de esteacutetica O corpo que destoa desses padrotildees instituiacutedos aparentemente como sendo ldquouniversaisrdquo eacute visto

- 65 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

como corpo-desvio corpo-a-normal corpo-doente Este corpo eacute colocado agrave margem da sociedade discriminado Este corpo agrave beira estaacute maculado pois como nos ensina Quijano (2009) ele traz em sua materialidade traccedilos vestiacutegios rastros do funcionamento das estruturas do poder e dos processos de categorizaccedilatildeo inclusatildeo e exclusatildeo que daiacute derivam Por vezes este eacute o corpo que acaba se tornando (in)visiacutevel Entretanto a partir de uma perspectiva discursiva podemos dizer que este eacute o corpo que em sua forma material encarna a ruptura a falha o equiacutevoco Eacute o corpo-re-existecircncia Ou ainda corpo-poliacutetico aquele que produz fi ssuras nas discursividades da sociedade contemporacircnea (MASSMANN 2018) A noccedilatildeo de corpo-poliacutetico eacute de suma importacircncia para a refl exatildeo que propomos e decorre justamente da posiccedilatildeo em que nos inserimos a saber agravequela de analista de discurso que considera a relaccedilatildeo do simboacutelico com o poliacutetico como fundamental para a compreensatildeo do funcionamento da linguagem De acordo com Massmann (2018 p 41)

o funcionamento da linguagem eacute poliacutetico e este por sua vez eacute compreendido por noacutes analistas de discurso como divisatildeo ldquodivisatildeo da sociedade divisatildeo dos sujeitos divisatildeo do sentido em que faz funcionar na sociedade capitalista relaccedilotildees de poder simbolizadasrdquo (ORLANDI 2013 p 28) Em relaccedilatildeo ao poliacutetico vale acrescentar ainda que uma vez compreendido discursivamente sempre como dividido eacute importante destacar que essa ldquodivisatildeo tem uma direccedilatildeo que eacute afetada pelas relaccedilotildees de forccedila advindas da forma da sociedade na histoacuteriardquo conforme Orlandi (1998 p 4) Dessa perspectiva o poliacutetico pode ser entendido como confl ito a partir das posiccedilotildees sujeito que satildeo assumidas (MASSMANN 2018 p 41)

- 66 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A partir do exposto considera-se que o corpo-poliacutetico eacute aquele cuja materialidade do sujeito produz rupturas nesse conjunto de normatizaccedilotildees sustentadas em relaccedilotildees de forccedila e de poder

O CORPO MACULADO

A fi m de ilustrar esse processo de institucionalizaccedilatildeo do corpo-poliacutetico e de sua deriva para o corpo-re-existecircncia debruccedilamo-nos sobre um recorte narrativo retirado do livro ldquoO que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945)2rdquo de Noemiacute Jaff e A obra de cunho biograacutefi co-literaacuterio publicada pela Editora 34 expotildee os relatos de uma sobrevivente do holocausto Lili Jaff e matildee da autora O fragmento que selecionamos para essa refl exatildeo foi retirado do capiacutetulo Tatuagem3 que compotildee a primeira parte da obra em que se apresentam escritos sobre a vida em um campo de concentraccedilatildeo A narrativa se compotildee a partir do olhar da fi lha que conduz o leitor num percurso inicial de leitura em relaccedilatildeo ao corpo da matildee O ponto de partida de nosso recorte eacute justamente o enquadramento que a autora produz em relaccedilatildeo agrave tatuagem da matildee judia que em 1944 foi levada pelos nazistas ao campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz4 2 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012 3 Os fragmentos que satildeo analisados neste artigo natildeo apresentam o nuacutemero da paacutegina de onde foram retirados Eles foram transcritos a partir da leitura do capiacutetulo ldquoTatuagemrdquo na voz de Noemiacute Jaffe no episoacutedio ldquoO trabalho libertardquo da 1ordf Temporada de ldquoAs fi lhas da guerrardquo que foi ao ar em 17 de agosto de 2015 no Projeto Humanos Esse episoacutedio estaacute disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018 O Projeto Humanos eacute um podcast storytelling dedicado a contar histoacuterias reais de pessoas reais Eacute produzido por Ivan Mizanzuk desde 2015 Para mais informaccedilotildees acesse lt httpswwwprojetohumanoscombrgt Acesso em 01 set 2018 4 De acordo com o Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau ldquoo campo de concentraccedilatildeo nazista alematildeo de Auschwitz tornou-se para o mundo um siacutembolo do Holocausto de genociacutedio e terror Foi criado pelos alematildees na metade do ano de 1940 na periferia de Oświęcim cidade polaca que foi anexada ao Terceiro Reich pelos nazistas A cidade recebeu o nome alematildeo de ldquoAuschwitzrdquo que foi usado tambeacutem para determinar o nome do campo Konzentrationslager Auschwitz Na fase de auge de seu funcionamento o campo de Auschwitz era formado de trecircs partes principais 1) A primeira e mais antiga das partes

- 67 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 1

ldquoO nuacutemero no braccedilo dela eacute A16334 Os judeus da seacuterie ldquoArdquo foram presos a partir de maio de 1944 Foram contabilizados 20 mil homens e 29354 mulheres Dentre estas mulheres era a de nuacutemero 16334rdquo

De acordo com o arquivo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau5 os judeus que eram enviados a este campo de concentraccedilatildeo passaram por diferentes sistemas de identifi caccedilatildeo sendo a tatuagem um deles Auschwitz foi o uacutenico campo a instituir a tatuagem como meio de identifi caccedilatildeo de prisioneiros O modelo utilizado natildeo tinha um padratildeo uacutenico poderia ser empregado apenas um conjunto numeacuterico ou uma mescla de nuacutemeros e letras Em ambos os casos a composiccedilatildeo produzia o efeito de um nuacutemero de seacuterie O arquivo do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos destaca por sua vez que a implementaccedilatildeo desse sistema de identifi caccedilatildeo em Auschwitz comeccedilou entre 1941 e 1942 eacutepoca em que chegaram muitos prisioneiros de guerra sobretudo judeus sovieacuteticos No total foram identifi cadas o uso de pelo menos trecircs

foi Auschwitz I chamada de Stammlager (a quantidade de prisioneiros era de 12-20 tys) formada na metade do ano de 1940 no terreno e nos edifiacutecios do quartel polaco de antes da guerra e que foi sistematicamente aumentado para as necessidades do campo 2) A segunda parte foi o campo Auschwitz II-Birkenau (em 1944 contou com mais de 90 mil prisioneiros) a maior do complexo de campos Auschwitz Sua construccedilatildeo foi iniciada no outono de 1941 num terreno distante 3 km de Oświęcim na aldeia de Brzezinka de onde a populaccedilatildeo polaca foi expulsa e suas casas desmontadas Em Birkenau surgiu o maior centro de extermiacutenio em massa da Europa sob ocupaccedilatildeo ndash cacircmaras de gaacutes ndash onde os nazistas assassinaram a maior parte dos Judeus deportados ao campo 3) Terceira parte ndash campo Auschwitz III Monowitz (tambeacutem chamado de Buna no veratildeo de 1944 contava com mais de 11 mil prisioneiros) Inicialmente foi um dos subcampos de Auschwitz formado no ano de 1942 em Monowice distante 6 km de Oświęcim ao lado das fabricas de gasolina e borracha sinteacutetica Buna-Werke construiacutedas durante a guerra pela corporaccedilatildeo alematilde IG arbenindustrie Em novembro de 1944 o subcampo de Buna tornou-se independente e fi cou sendo chamado de KL Monowitz A maioria dos subcampos de Auschwitz estava sob sua administraccedilatildeordquo Fonte Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 20185 Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

- 68 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seacuteries numeacutericas a primeira e segunda seacuteries estavam destinadas ao grupo masculino e a terceira ao grupo feminino

A fi m de evitar a atribuiccedilatildeo de nuacutemeros excessivamente altos da seacuterie geral ao grande nuacutemero de judeus huacutengaros chegando em 1944 as autoridades da SS introduziram novas sequecircncias de nuacutemeros em meados de maio de 1944 Esta seacuterie precedida pela letra A comeccedilou com ldquo1rdquo e terminou em ldquo20000rdquo Quando o nuacutemero 20000 foi atingido uma nova seacuterie comeccedilando com a seacuterie ldquoBrdquo foi introduzida Cerca de 15000 homens receberam tatuagens da seacuterie ldquoBrdquo Por uma razatildeo desconhecida a seacuterie ldquoArdquo para mulheres natildeo parou em 20000 e continuou para 300006

Como podemos observar nesta citaccedilatildeo considerado o grande nuacutemero de prisioneiros enviados a Auschwitz da posiccedilatildeo sujeito-nazista a inclusatildeo das letras nas tatuagens de identifi caccedilatildeo visava em tese evitar a atribuiccedilatildeo de ordens numeacutericas extremamente altas Essa parece ser a justifi cativa que fi cou registrada nos inuacutemeros documentos produzidos pelos nazistas durante esse periacuteodo Entretanto da parte dos sobreviventes o emprego e o sentido da letra ldquoArdquo eacute uma questatildeo ainda em aberto sobretudo para Lili Jaff e Em outra passagem da narrativa em anaacutelise podemos acompanhar a reproduccedilatildeo de um diaacutelogo entre Noemiacute e sua matildee

6 Nossa traduccedilatildeo ldquoIn order to avoid the assignment of excessively high numbers from the general series to the large number of Hungarian Jews arriving in 1944 the SS authorities introduced new sequences of numbers in mid-May 1944 Th is series prefaced by the letter A began with ldquo1rdquo and ended at ldquo20000rdquo Once the number 20000 was reached a new series be-ginning with ldquoBrdquo series was introduced Some 15000 men received ldquoBrdquo series tattoos For an unknown reason the ldquoArdquo series for women did not stop at 20000 and continued to 30000rdquo In Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-sys-tem-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

- 69 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 2

- ldquoMatildee vocecirc sabe o que signifi ca esse ldquoArdquo na sua tatuagemrdquo- ldquoSei Eacute Auchiwtz Natildeo natildeo eacute Eacute arbeiten trabalho

Neste entremeio da duacutevida constitutiva do discurso de Lili agrave primeira vista eacute possiacutevel dizer que a letra ldquoArdquo pode signifi car Auschwitz ou ainda como ela nos mostra pode estar relacionada ao substantivo ldquoarbeitenrdquo que em alematildeo signifi ca ldquotrabalhordquo Os gestos de interpretaccedilatildeo de Lili Jaff e nos levam a refl etir sobre o sentido da palavra ldquotrabalhordquo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo a que ela nos remete a saber o nazismo Natildeo podemos esquecer que as condiccedilotildees de produccedilatildeo satildeo fundamentais no processo discursivo elas compreendem a situaccedilatildeo os sujeitos e a memoacuteria discursiva (ORLANDI 2002) Por exemplo se tomarmos a interpretaccedilatildeo dessa palavra (trabalho) nas condiccedilotildees de produccedilatildeo atuais (seacuteculo XXI) os sentidos produzidos satildeo completamente diferentes Entatildeo faz-se necessaacuterio estarmos atentos a essas questotildees para que nossa interpretaccedilatildeo natildeo se sustente naquilo que chamamos de evidecircncia de sentidos

Nesse movimento da interpretaccedilatildeo o sentido aparece como evidecircncia como se ele estivesse jaacute sempre laacute Interpreta-se e ao mesmo tempo nega-se a interpretaccedilatildeo colocando-a no grau zero Naturaliza-se o que eacute produzido na relaccedilatildeo do histoacuterico e do simboacutelico Por esse mecanismo - ideoloacutegico de apagamento da interpretaccedilatildeo haacute transposiccedilotildees de formas materiais em outras construindo-se transparecircncias ndash como se a linguagem e a histoacuteria natildeo tivessem espessura sua opacidade ndash para serem interpretadas por determinaccedilotildees histoacutericas que se apresentam como imutaacuteveis naturalizadas Este eacute o trabalho da ideologia produzir evidecircncias colocando o homem na relaccedilatildeo imaginaacuteria com suas condiccedilotildees materiais de existecircncia (ORLANDI 2002 p 46)

- 70 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Com suas palavras Orlandi nos conduz a compreender que a linguagem natildeo eacute transparente Eacute pois pela fresta do funcionamento da linguagem na sua relaccedilatildeo com a histoacuteria que podemos entrever discursivamente para aleacutem dessa evidecircncia dos sentidos Isso signifi ca que de nossa posiccedilatildeo visualizamos outras possibilidades de interpretaccedilatildeo que levam em conta as condiccedilotildees de produccedilatildeo do nazismo e de seus gestos na relaccedilatildeo com a memoacuteria discursiva natildeo soacute no que diz respeito agraves crenccedilas do povo judeu mas tambeacutem no que concerne agrave palavra ldquotrabalhordquo

Analisando o sistema de identifi caccedilatildeo nazista descrito anteriormente compreende-se que naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo a tatuagem imposta como forma de identifi caccedilatildeo parece ter sido usada para fi ns absolutamente crueacuteis e desumanos Devemos considerar que para os judeus conforme a Torah livro sagrado e fundador do judaiacutesmo o corpo eacute uma ldquosantidade especial por ser um invoacutelucro para alma por este motivo ele deve ser tratado com respeitordquo7 Soma-se a isso ainda o fato de que para o judaiacutesmo a tatuagem eacute considerada uma forma de agressatildeo ao corpo e ao fazecirc-la infringe-se uma importante orientaccedilatildeo do livro Vayicraacute (Leviacutetico 1928) da Torah8 a saber ldquoNatildeo fareis laceraccedilotildees na vossa carne pelos mortos nem no vosso corpo imprimireis qualquer marca Eu sou o Senhorrdquo Desse modo a tatuagem no nazismo pode ser descrita como um gesto macabro e aniquilador Gesto que marca no corpo do judeu na sua carne e na sua memoacuteria de forma inapagaacutevel o oacutedio o poder a crueldade a desumanidade e o autoritarismo nazistas Dito de outra forma a tatuagem no corpo do judeu feito prisioneiro pode ser considerada como o genociacutedio inscrito na pele Com efeito os nazistas aleacutem de aprisionar e subjugar os judeus dilaceraram e violaram seus corpos e suas

7 In Associaccedilatildeo Israelita de Benefi cecircncia Beit Chabad do Brasil Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018 8 In Chabad Lubavitch Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

- 71 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

crenccedilas com tatuagens que lhes imputaram e lhes classifi caram como corpos maculados corpo agrave margem da hegemonia nazista da humanidade e de seu proacuteprio povo agrave medida que com a tatuagem exterminavam-se natildeo soacute as crenccedilas mas tambeacutem os laccedilos e processos de identifi caccedilatildeo entre os judeus

Em relaccedilatildeo agrave possibilidade de a letra ldquoArdquo que antecedia a sequecircncia numeacuterica na tatuagem de Lili Jaff e signifi car o substantivo ldquoarbeitenrdquo (ou seja ldquotrabalhordquo em alematildeo) eacute importante pensar aqui no funcionamento histoacuterico dos sentidos em torno da palavra ldquotrabalhordquo e tambeacutem considerar os efeitos de sentido da tatuagem na histoacuteria da humanidade De fato para os gregos e romanos por exemplo as tatuagens constituiacuteam uma forma de puniccedilatildeo Elas marcavam escravos e ladrotildees Criminosos E essas marcas na pele no corpo impediam que em caso de fuga os tatuados pudessem viver livremente em sociedade O corpo marcado era excluiacutedo do conviacutevio social Com base no exposto se levarmos em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees de produccedilatildeo do periacuteodo do nazismo podemos entrever nesse batimento com a histoacuteria da humanidade outrosnovos sentidos que satildeo postos em funcionamento a partir da tatuagem e tambeacutem da palavra ldquotrabalhordquo supostamente signifi cada na letra ldquoArdquo trata-se do trabalho escravo dos judeus em Auschwitz

DO CORPO-POLIacuteTICO AO CORPO-RE-EXISTEcircNCIA

A partir da refl exatildeo que propomos podemos considerar que a tatuagem encarnada no corpo dos judeus do campo de concentraccedilatildeo de Auschwitz naquelas condiccedilotildees de produccedilatildeo inscreveu-se como um instrumento de tortura cujos efeitos foram vivenciados natildeo soacute no presente ou seja durante o periacuteodo do nazismo mas sobretudo no futuro num periacuteodo poacutes-holocausto no hoje eacutepoca em que os judeus mesmo libertados tiveram (tecircm) de conviver diariamente com essa memoacuteria do genociacutedio O corpo

- 72 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

judeu foi marcado para sempre pelo fl agelo da monstruosidade nazista

Compreendemos entatildeo que a tatuagem no corpo de Lili Jaff e a signifi ca como prisioneira de guerra E produz assim um discurso do corpo Corpo feito refeacutem de um dos momentos mais terriacuteveis da histoacuteria da humanidade A tatuagem faz signifi car a histoacuteria daquele corpo ao mesmo que tempo que o conecta e o signifi ca na relaccedilatildeo com o corpo social neste caso o povo judeu O discurso do corpo estaacute pois materializado na tatuagem que (re)atualiza diariamente por diferentes gestos de interpretaccedilatildeo a memoacuteria do holocausto

Haacute que se refl etir ainda em relaccedilatildeo ao discurso sobre o corpo Para isso retomamos as palavras de Orlandi (1990[2008] p 44) para quem os discursos sobre ldquosatildeo uma das formas cruciais da institucionalizaccedilatildeo dos sentidos Eacute no lsquodiscurso sobrersquo que se trabalha o conceito de polifonia Ou seja o lsquodiscurso sobrersquo eacute um lugar importante para organizar diferentes vozes (dos discursos de)rdquo De fato se tomarmos os recortes em estudo podemos verifi car que nas duas passagens analisadas temos o funcionamento de discursos sobre a tatuagem de Lili Jaff e (e consequentemente sobre seu corpo) Enquanto o primeiro trata do nuacutemero o segundo ao trazer um diaacutelogo entre matildee e fi lha discorre sobre a letra tatuada e os possiacuteveis sentidos que dela derivam O discurso sobre a tatuagem de Lili Jaff e funciona entatildeo como uma espeacutecie de discurso mediador9 discurso de entremeio que vai se produzir e se constituir entre o discurso do10 corpo que traz materialmente a marca do holocausto e o interlocutor11 que com seus gestos de leitura e de interpretaccedilatildeo diz sobre esse corpo e essa marca em determinadas condiccedilotildees de produccedilatildeo 9 Ou discurso intermediaacuterio nas palavras de Mariani (1998 p 60) 10 O discurso de segundo Mariani (1998 p 60) pode ser compreendido como um discurso-origem11 Neste caso os interlocutores satildeo tanto Lili Jaffe que diz de sua tatuagem quanto Noemiacute sua fi lha

- 73 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

enquanto discurso intermediaacuterio como forma de institucionalizaccedilatildeo dos sentidos o discurso sobre constitui uma interpretaccedilatildeo ou melhor ao se situar entre o discurso-origem e um interlocutor ele resulta de uma interpretaccedilatildeo ao mesmo tempo ele interveacutem na construccedilatildeo imaginaacuteria do interlocutor do sujeito e do dizer (COSTA 2014 p 34)

Nessa perspectiva tanto o diaacuterio de Lili Jaff e quanto os documentos12 que fazem parte do acervo do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau e tambeacutem a obra13 em estudo constituem pois discursos sobre o corpo materializando diferentes vozes que tentam signifi car ou melhor que tentam dizer e interpretar o discurso do corpo de Lili Jaff e Esses discursos de e sobre trabalham incessantemente o limiar da intepretaccedilatildeo que natildeo reveladora demanda incansavelmente que se produza sentidos Eacute nessa relaccedilatildeo constitutiva entre discurso de e sobre o corpo judeu que se presentifi ca o memoraacutevel (re)atualiza a memoacuteria discursiva e a histoacuteria materializando-se assim sob a forma de corpo-poliacutetico

Eacute pois na brecha na fi ssura ainda que minuacutescula entre o discurso de e o discurso sobre que emerge a tensatildeo do poliacutetico com o simboacutelico confronto constitutivo do funcionamento da linguagem No caso do material analisado nesta refl exatildeo a noccedilatildeo de condiccedilotildees de produccedilatildeo conforme discutido anteriormente comparece de forma vigorosa no movimento de sentidos que faz derivar corpo-poliacutetico para corpo-re-existecircncia como podemos observar no fragmento abaixo tambeacutem retirado da obra que serviu de base para as anaacutelises aqui propostas

12 Documentos nazistas que fazem alguma referecircncia agrave ela a partir de seu nuacutemero de prisioneira13 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 74 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Recorte 3

Quando a fi lha visitou o museu do Holocausto em Yad Vashem em Jerusaleacutem em 2010 buscando encontrar o diaacuterio dela que estaacute laacute guardado a diretora do museu encontrou casualmente um registro de funcionaacuterias da cozinha de Auchiwitz de 1944 Era um registro elaborado por um ofi cial nazista Laacute estavam o nome e o nuacutemero dela aleacutem do de vaacuterias outras companheiras O efeito de ver o nuacutemero no braccedilo dela jaacute como parte de seu corpo e da composiccedilatildeo de sua fi gura tanto que ningueacutem o percebe mais e o efeito de ver o seu nome e o nuacutemero escrito numa folha de registro do campo grafados por um ofi cial nazista eacute radicalmente diferente Era como se a fi lha a estivesse vendo pela primeira vez Como se nunca soubesse que a matildee tinha um nuacutemero tatuado no braccedilo nem mesmo que ela tivesse sido prisioneira Entatildeo aquela histoacuteria contada em casa na sala na cozinha na infacircncia tambeacutem estaacute guardada em registros ofi ciais Aconteceu de verdade Tudo aquilo que foi contado que tem dimensatildeo de realidade somente dentro da imaginaccedilatildeo de quem escuta e na lembranccedila de quem viveu teve corpo tamanho volume tambeacutem nas matildeos de um soldado Ele escreveu o nome e o nuacutemero dela14

Dadas as condiccedilotildees de produccedilatildeo o corpo-poliacutetico agrave medida que na tensatildeo entre relaccedilotildees de forccedila do discurso de e do discurso sobre encontra uma forma de resistir e assim de (re)signifi car e ser (re)signifi cado Ao natildeo se deixar subjugar o corpo-poliacutetico resiste (corpo-re-existecircncia) e rompe Explode E assim produz a efervescecircncia de signifi caccedilotildees do corpo de Lili Jaff e e sobre o corpo de Lili Jaff e

Natildeo era exatamente a infraccedilatildeo que os nazistas tatuavam no corpo dos prisioneiros mas a

14 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 75 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

identifi caccedilatildeo inapagaacutevel de que se tratava de um prisioneiro Servia para facilitar o trabalho dos nazistas e para escrever na carne do condenado sua maior infraccedilatildeo existir Aquilo que fi ca escrito na carne como as rugas a fl acidez mas acima de tudo a tatuagem adquire e daacute agrave pessoa o sentido da existecircncia Ela existe porque tem essa marca e tem a marca porque existe15

REFEREcircNCIAS

ASSOCIACcedilAtildeO ISRAELITA DE BENEFICEcircNCIA BEIT CHABAD DO BRASIL Mishnecirc Toraacute do Rambam Disponiacutevel em httpswwwbeitchabadorgbr Acesso em 30 ago 2018

BARBOSA M R MATOS P M amp COSTA M E ldquoUm olhar sobre o corpo o corpo ontem e hojerdquo In Psicologia amp Sociedade n 23 Vol1) 24-34 2011 Disponiacutevel em httpwwwscielobrpdfpsocv23n1a04v23n1pdf Acesso em 18 ago 2018

CHABAD LUBAVITCH Livro Vayicraacute (Leviacutetico) In lt httpsptchabadorglibraryarticle_cdoaid602329jewishVayicrhtmgt Acesso em 30 ago 2018

COSTA G C Sentidos de miliacutecia Entre a lei e o crime Campinas Editora da Unicamp 2014

FOUCAULT M Microfiacutesica do poder 17Ed Rio de Janeiro Ed Graal 2002

GALEANO E Las palabras andantes 5Ed Buenos Aires Cataacutelogos SRL 2001

HOBSBAWM E J A era do capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

15 Confi ra JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaffe (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

- 76 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

JAFFE N O que os cegos estatildeo sonhando com o Diaacuterio de Lili Jaff e (1944-1945) Satildeo Paulo Editora 34 2012

MARIANI B O PCB e a imprensa os comunistas no imaginaacuterio dos jornais (1922-1989) Rio de JaneiroCampinas RevamEditora da Unicamp 1998

MASSMANN D O poliacutetico nada arte Instituiccedilotildees discursos resistecircncias In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL AUSCHWITZ-BIRKENAU History Disponiacutevel em lt httpauschwitzorgengt Acesso em 28 ago 2018

MUSEU MEMORIAL DO HOLOCAUSTO DOS ESTADOS UNIDOS Tattoos and Numbers Th e System of Identifying Prisoners at Auschwitz Disponiacutevel em lt httpsencyclopediaushmmorgcontentenarticletattoos-and-numbers-the-system-of-identifying-prisoners-at-auschwitzgt Acesso em 30 ago 2018

QUIJANO A Colonialidade do poder e classifi caccedilatildeo social In SANTOS B de amp MENESES M P (Orgs) Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009

SOUZA L L de O discurso encarnado ou a passagem da carne ao corpodiscurso In Entremeios revista de estudos do discurso v1 n1 jul2010 Disponiacutevel em httpwwwentremeiosinfbr Acesso em 19 ago 2018

ORLANDI E P Sujeitos invisiacuteveis Sujeitos agrave interpretaccedilatildeo In ORLANDI E MASSMANN D DOMINGUES A (Orgs) Linguagem instituiccedilotildees e praacuteticas sociais Pouso Alegre EdUnivaacutes 2018 Disponiacutevel em lt httpswwwcienciasdalinguagemnetcolecao-linguagem-e-sociedadegt Acesso em 28 ago 2018

- 77 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

_____ Ser diferente eacute ser diferente a quem interessam as Minorias In ORLANDI E P Linguagem sociedade poliacuteticas Pouso Alegre UNIVAacuteSCampinas RG Editores 2014

_____ Discurso em anaacutelise sujeito sentido ideologia Campinas Pontes Editores 2012

_____ Terra agrave vista Discurso do confronto velho e novo mundo Campinas Editora da Unicamp 1990[2008]

_____ Cidade dos sentidos Campinas SP Pontes 2004

_____ A linguagem e seu funcionamento as formas do discurso Campinas Pontes 1996

PROJETO HUMANOS Episoacutedio 2 ldquoO trabalho libertardquo In ldquoAs fi lhas da guerrardquo Disponiacutevel em lt httpswwwprojetohumanoscombras-fi lhas-da-guerras01e02gt Acesso em 15 ago 2018

- 78 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 79 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fernando Aparecido Ferreira

Conforme aprendemos com Bakhtin cujo postulado dialoacutegico foi incorporado pela Linguiacutestica Textual um texto (enunciado) natildeo existe nem pode ser avaliado eou compreendido isoladamente ele sempre estaacute em diaacutelogo com outros textos De acordo com Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 9) ldquotodo texto revela uma relaccedilatildeo radical do seu interior com seu exteriorrdquo Ainda segundo essas autoras de um texto ldquofazem parte outros textos que lhe datildeo origem que o predeterminam com os quais dialoga que ele retoma a que alude ou aos quais se opotildeemrdquo (KOCH BENTES e CAVALCANTE 2008 p 9) Chegamos assim ao conceito de intertextualidade criado na deacutecada de 1960 pela criacutetica literaacuteria francesa Julia Kristeva com base nas premissas de Bakhtin Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 14) afi rmam que para Kristeva ldquoqualquer texto se constroacutei como um mosaico de citaccedilotildees e eacute a absorccedilatildeo e transformaccedilatildeo de um outro textordquo

Propomos aqui neste trabalho tratar do emprego da intertextualidade como uma estrateacutegia retoacuterica analisando um texto audiovisual (portanto sincreacutetico e multimodal) no qual a relaccedilatildeo com outros textos (visuais verbais sonoros) foi deliberadamente utilizada como uma forma de contribuir para a adesatildeo de um auditoacuterio espectador Importante ressaltar que aqui trabalhamos com uma concepccedilatildeo moderna de texto que natildeo inclui

COISAS ESTRANHAS COISAS FAMILIARES A

INTERTEXTUALIDADE COMO ESTRATEacuteGIA RETOacuteRICA NA

WEBSEacuteRIE STRANGER THINGS

- 80 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

somente o verbal sendo portanto segundo Cavalcante (2013 p 17) texto tudo aquilo que constitui ldquouma unidade de linguagem dotada de sentidordquo que cumpre ldquoum propoacutesito comunicativo direcionado a um certo puacuteblico numa situaccedilatildeo especiacutefi ca de uso dentro de uma determinada eacutepoca em uma dada cultura que se situam os participantes desta enunciaccedilatildeordquo Em outras palavras tambeacutem podemos dizer que fazemos aqui uma anaacutelise textual de um discurso retoacuterico

O nosso objeto de estudo eacute a webseacuterie Stranger Th ings (ldquoCoisas estranhasrdquo mas que natildeo obteve traduccedilatildeo para o portuguecircs) Lanccedilada em julho de 2016 pelo canal de streaming NETFLIX Stranger Th ings eacute uma produccedilatildeo norte-americana criada produzida e dirigida pelos irmatildeos Matt e Ross Duff er Ambientada nos anos 1980 (mais especifi camente em 1983) e fi lmada tal como se fosse uma produccedilatildeo do mesmo periacuteodo a seacuterie cuja narrativa trafega entre o drama a aventura e o horror foi um imediato sucesso de criacutetica e de puacuteblico e jaacute eacute objeto de culto Tendo como marca identitaacuteria justamente o modo como evoca na forma e no conteuacutedo seacuteries e fi lmes norte-americanos da deacutecada de 1980 Stranger Th ings se vale ostensivamente da intertextualidade com produccedilotildees audiovisuais e visuais do periacuteodo recurso que contribuiu signifi cativamente para a adesatildeo de seu auditoacuterio-espectador Buscamos portanto refl etir rapidamente sobre o papel argumentativo da intertextualidade na seacuterie verifi cando em quais niacuteveis essa relaccedilatildeo com outros textos visuais e audiovisuais se manifesta

Tratando aqui da efi ciecircncia de uma comunicaccedilatildeo adentramo-nos portanto no universo da Retoacuterica que ldquovisa agrave adesatildeo dos espiacuteritosrdquo segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 16) Por meio das anaacutelises cabe dizer que em Stranger Th ings a intertextualidade eacute empregada como uma estrateacutegia retoacuterica contribuindo para despertar o interesse de espectadores pela seacuterie promovendo-lhes um resgate de memoacuterias afetivas

- 81 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

despertando-lhes os pathe da amizade e da confi anccedila Vaacuterios tipos de intertextualidade ndash temaacutetica estiliacutestica impliacutecita expliacutecita ndash se manifestam na seacuterie atestando a presenccedila consciente desse artifiacutecio como recurso retoacuterico e argumentativo

Vejamos como isso ocorre

Narrativas audiovisuais se destinam a provocar seus espectadores ativando seus afetos sentimentos e emoccedilotildees Esses aspectos satildeo componentes essenciais para angariar o interesse de um auditoacuterio-espectador pela trama ou temaacutetica de uma narrativa por seus personagens pela mensagem que pretende passar etc Num texto audiovisual narrativo e seriado essa preocupaccedilatildeo eacute fundamental para a garantia da adesatildeo e interesse do espectador aos episoacutedios que seguiratildeo e para a consequente produccedilatildeo de novos grupos de episoacutedios ndash as chamadas ldquotemporadasrdquo Cabe assim aos diretores produtores e roteiristas (os oradores desses discursos) saber bem o que pretendem comunicar ter competecircncia teacutecnica para utilizar a linguagem audiovisual para se expressar e conhecer bem aqueles que seratildeo os seus espectadores para conseguirem ativar neles as emoccedilotildees que desejam para que por fi m a interlocuccedilatildeo seja efi ciente

Em linhas gerais Stranger Th ings se desenvolve narrativamente a partir do desaparecimento de um garoto numa pequena e pacata cidade norte-americana e prossegue com os estranhos acontecimentos que satildeo revelados no processo das buscas para encontraacute-lo De imediato eacute possiacutevel perceber que a seacuterie tem uma intertextualidade temaacutetica com uma seacuterie lanccedilada no ano de 1990 Twin Peaks do cineasta David Lynch

Por intertextualidade temaacutetica entendemos a relaccedilatildeo entre textos que pertencem a uma mesma escola ou que partilham temas assuntos Ambas as seacuteries Stranger Th ings e Twin Peaks tecircm o mesmo fi o condutor um caso misterioso que ocorre em uma pequena cidade norte-americana cujas investigaccedilotildees satildeo conduzidas

- 82 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

principalmente por um homem da lei protagonista da seacuterie que se depara com questotildees sobrenaturais Enquanto em Twin Peaks o motivo condutor era ldquoQuem matou a jovem Laura Palmerrdquo em Stranger Th ings eacute ldquoO que aconteceu com o garoto Will Byersrdquo E se no primeiro a investigaccedilatildeo era protagonizada pelo agente do FBI Dale Cooper em Stranger Th ings a busca eacute conduzida pelo xerife local Jim Hopper Essa primeira intertextualidade temaacutetica daacute base para outras que promovem uma associaccedilatildeo mais imediata agraves produccedilotildees audiovisuais dos anos 1980 e defi ne como jaacute foi dito a identidade da webseacuterie Elencamos aqui quatro temas facilmente identifi caacuteveis

1) grupos de garotos nerds aventureiros

2) paranormalidade ou mais especifi camente crianccedila com po-deres paranormais

3) seres de outras dimensotildees

4) mundos paralelos

Esses temas satildeo recorrentes em vaacuterias produccedilotildees dos anos 1980 em fi lmes hoje considerados claacutessicos da eacutepoca No primeiro tema exemplifi camos com fi lmes como ET (1982) Explorers (Viagem ao mundo dos sonhos 1985) Th e Goonies (Os Goonies 1985) Stand by me (Conta comigo 1986) Th e Lost Boys (Os garotos perdidos 1987) Em Stranger Th ings apesar do protagonismo do xerife (e tambeacutem da matildee do garoto desaparecido interpretada pela atriz Winona Ryder) um grupo de meninos amigos do garoto Will que tambeacutem paralelamente buscam encontraacute-lo torna-se um dos principais pontos afetivos da seacuterie evocando os garotos de vaacuterias produccedilotildees de Steven Spielberg (o grande nome do cinema de entretenimento dos anos 1980)

Integrando o grupo de personagens principais da seacuterie haacute em Stranger Th ings a garota Eleven cujos poderes paranormais

- 83 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

evocam personagens de outras produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Poltergeist (1982) Firestarter (Chamas da vinganccedila 1984) Th e Shining (O iluminado 1980) e Th e Dead Zone (A hora da zona morta 1983) bem algumas do fi nal dos anos 1970 que reverberaram nos anos 1980 ndash por suas exibiccedilotildees na TV e lanccedilamento em videocassete ndash como Carrie (Carrie a estranha 1976) e Th e Fury (A fuacuteria 1978) Estabelece-se na evocaccedilatildeo a esses fi lmes mais uma intertextualidade temaacutetica dessa vez dentro do tema ldquoparanormalidaderdquo ou ldquocrianccedila com poderes paranormaisrdquo

Um dos misteacuterios de Stranger Th ings envolve um ser monstruoso de outra dimensatildeo tema tambeacutem recorrente em produccedilotildees da deacutecada de 1980 como Alien (Alien o oitavo passageiro 1979) e sua continuaccedilatildeo Aliens (Aliens o resgate 1986) Predator (O Predador 1987) Th e Th ing (O enigma de outro mundo 1982) Outra intertextualidade temaacutetica eacute a que se refere a mundos paralelos ou sobrenaturais evocando fi lmes como Altered States (Viagens alucinantes 1980) Evil Dead (Uma noite alucinante a morte do democircnio 1981) e Evil Dead II (Uma noite alucinante II 1987) Nightmare on Elm Street (A hora do pesadelo 1984) e suas continuaccedilotildees sendo trecircs lanccediladas na deacutecada de 1980 e mais uma vez Poltergeist (1982) e suas duas continuaccedilotildees lanccediladas em 1986 e 1988

Corroborando a intertextualidade temaacutetica haacute tambeacutem uma relaccedilatildeo estiliacutestica de Stranger Th ings com produccedilotildees dos anos 1980 Conforme Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 19) ldquoa intertextualidade estiliacutestica ocorre por exemplo quando o produtor do texto com objetivos variados repete imita parodia certos estilosrdquo A cinematografi a da seacuterie Stranger Th ings com seus enquadramentos movimentos de cacircmera iluminaccedilotildees e tons cromaacuteticos repete a qualidade visual de algumas das produccedilotildees jaacute citadas como ET Explorers Th e Goonies e Alien mas tambeacutem especialmente nas cenas ambientadas no coleacutegio (onde as crianccedilas

- 84 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

estudam) ou nas que se enquadram no nuacutecleo adolescente na seacuterie Nessas cenas a luz e as cores de comeacutedias juvenis como Th e Breakfast Club (Clube dos cinco 1985) Sixteen Candles (Gatinhas e gatotildees 1984) Ferris Buellers Day Off (Curtindo a vida adoidado 1986) Weird Science (Mulher nota 1000 1985) e Pretty in Pink (Garota de rosa-shocking 1986) (Fig 1)

Figura 1 Cena do ambiente escolar de Stranger Th ings (topo) comparada agrave cinematografi a de fi lmes adolescentes dos anos 1980

como Ferris Buellers Day Off e Th e Breakfast Club

- 85 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Fonte NETFLIX

Eacute possiacutevel tambeacutem identifi car uma intertextualidade estiliacutestica no acircmbito sonoro e graacutefi co-visual da seacuterie No primeiro nos referimos agrave trilha sonora executada com sintetizadores muito populares em arranjos de temas musicais da deacutecada de 1980 especialmente em produccedilotildees cinematograacutefi cas de suspense e terror A trilha musical de Stranger Th ings evoca a sonoridade e os acordes de composiccedilotildees de muacutesicos como John Carpenter Harry Manfredini Joe Renzetti Charles Bernstein Giorgio Moroder e Harold Faltermeyer responsaacuteveis pelas trilhas sonoras de fi lmes como Th e Fog (A bruma assassina 1980) Halloween (1981) Christine (1983) Th ey Live (Eles vivem 1988) Friday the 13th (Sexta-Feira 13 1980) Poltergeist III (1988) Childrsquos Play (Brinquedo Assassino 1988) Nightmare on Elm Street Flashdance (1983) Neverending Story (A histoacuteria sem fi m 1984) Beverly Hills Cop (Um tira da pesada 1984) e Top Gun (Ases indomaacuteveis 1986)

No acircmbito graacutefi co-visual temos na abertura de Stranger Th ings (Fig 2) uma alusatildeo agraves composiccedilotildees e estilos tipograacutefi cos empregados nas capas de livros do autor Stephen King lanccedilados na mesma eacutepoca (Fig 3) King foi um autor de grande popularidade

- 86 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na deacutecada de 1980 e uma parte signifi cativa dos fi lmes com os quais Stranger Th ings mantem uma relaccedilatildeo de intertextualidade (Th e Dead Zone Firestarter Stand by Me para citar alguns) foram baseados em suas obras O logotipo de Stranger Th ings (que aparece na abertura da seacuterie) eacute apresentado em caixa alta centralizado em duas linhas com os caracteres iniciais e fi nais da primeira palavra maiores que os demais aludindo ao design do nome de Stephen King nas capas de seus livros

Figura 2 Cena da abertura de Stranger Th ings com o logotipo da webseacuterie

Fonte NETFLIX

- 87 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 3 Capa da obra Misery de Stephen King

Fonte httpsenwikipediaorgwikiMisery_(novel) Acesso em 18 de julho de 2018

Em Stranger Th ings a intertextualidade estiliacutestica conecta-se a um outro tipo de intertextualidade a impliacutecita Segue abaixo a defi niccedilatildeo de Koch Bentes e Cavalcante (2008 p 30)

Tem-se a intertextualidade impliacutecita quando se introduz no proacuteprio texto intertexto alheio sem qualquer menccedilatildeo expliacutecita da fonte com o objetivo quer de seguir-lhe a orientaccedilatildeo argumentativa quer de contraditaacute-lo colocaacute-lo em questatildeo de ridicularizaacute-lo ou argumentar em sentido contraacuterio

Encontramos em Stranger Th ings uma intertextualidade impliacutecita do primeiro caso parafraacutestica sendo aquilo que SantrsquoAnna (1985) denomina ldquointertextualidade das semelhanccedilasrdquo e Greacutesillon

- 88 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e Maingueneau (1984 apud KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M 2008 p30) chamam de ldquocaptaccedilatildeordquo Na webseacuterie encontramos citaccedilotildees natildeo explicitadas de sequecircncias de muitos fi lmes jaacute citados aqui como ET Stand by me (Fig 4) Altered States Alien Explorers e Nightmare on Elm Street e de fi lmes ainda natildeo citados como Birdy (Asas da liberdade 1984) e Commando (Comando para matar 1985)

Figura 4 Comparaccedilotildees entre Stand by me de 1986 (lado esquer-do) e Stranger Th ings (lado direito)

Fonte httpsipinimgcomoriginals8e057f8e057fea4381769eeb37053026653065jpg Acesso em 18 jul 2018

- 89 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 5 Comparaccedilotildees entre Altered States de 1980 (topo) e Stranger Th ings

Fonte httpswwwimdbcomtitlett0080360 Acesso em 18 jul 2018

Tambeacutem chama atenccedilatildeo mais uma vez a abertura da seacuterie (Fig 6) cujo movimento das letras remete agrave abertura do fi lme Dead Zone (Fig 7)

- 90 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 6 Cenas da sequecircncia de abertura de Stranger Th ings

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlestranger-things Acesso em 18 jul 2018

Figura 7 Cenas da sequecircncia de abertura do fi lme Dead Zone (1983)

Fonte httpwwwartofthetitlecomtitlethe-dead-zone Acesso em 18 jul 2018

Percebe-se que os produtores de Stranger Th ings lanccedilam matildeo dessas ldquoparaacutefrasesrdquo argumentativamente recriando cenas memoraacuteveis criando no auditoacuterio-espectador uma sensaccedilatildeo de deacutejagrave-vu criando assim uma sensaccedilatildeo de familiaridade e facilitando

- 91 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

a adesatildeo do seu auditoacuterio-espectador Por outro lado eles reaproveitam soluccedilotildees visuais jaacute testadas sobre como apresentar uma situaccedilatildeo ou um personagem reforccedilando o uso da intertextualidade como uma forma de seguir a orientaccedilatildeo argumentativa de claacutessicos e sucessos do entretenimento audiovisual (no caso aplicado em uma instacircncia narrativa) que incluem fi lmes notoriamente benquistos como ET Th e Goonies Poltergeist e Alien os principais textos-fontes de Stranger Th ings O meacuterito da seacuterie estaacute em conseguir realizar um mosaico de intertextos sem perder sua coesatildeo narrativa

O que chama a atenccedilatildeo eacute o fato de Stranger Th ings natildeo depender do reconhecimento do intertexto pelo espectador algo diferente do que ocorre em fi lmes-paroacutedia por exemplo nos quais o humor soacute se estabelece totalmente se ocorrer a ativaccedilatildeo do texto-fonte na memoacuteria discursiva do espectador A natildeo recuperaccedilatildeo do intertexto em Stranger Th ings natildeo compromete o processo de construccedilatildeo de sentido Isso se explica pela proximidade da seacuterie com seus textos-fontes num ponto que quase se confi gura um plaacutegio sendo mesmo uma ldquocaptaccedilatildeordquo que no entanto exime os oradores do plagiato por natildeo haver uma intenccedilatildeo de camufl ar ou apagar as fontes do intertexto Nesse sentido eacute que podemos dizer que a intertextualidade foi aqui empregada retoricamente pois funciona tanto como um recurso para a construccedilatildeo de uma narrativa de apelo e faacutecil adesatildeo (valendo-se de foacutermulas jaacute testadas e sabidamente agradaacuteveis aos espectadores) como tambeacutem um recurso que desperte a curiosidade sirva como argumento promocional e possibilite a participaccedilatildeo ativa do espectador no processo de recuperaccedilatildeo dos intertextos ndash algo que se manifestou nas inuacutemeras postagens nas redes sociais nas quais os espectadores da seacuterie revelavam suas descobertas

Em Stranger Th ings a referecircncia ao universo audiovisual dos anos 1980 eacute tambeacutem feita claramente mencionando esses textos Temos aiacute portanto uma intertextualidade expliacutecita que eacute aquela

- 92 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que ocorre quando no proacuteprio texto eacute mencionada a fonte do intertexto Na seacuterie vemos isso ocorrendo tanto no niacutevel verbal como visual No verbal temos como exemplo quando no primeiro episoacutedio a matildee de Will o convida para ir ao cinema assistir Poltergeist Tambeacutem ocorre quando um dos personagens chama a namorada para assistir ao fi lme All the Right Moves (A chance 1983) estrelado por Tom Cruise No campo visual vemos uma intertextualidade expliacutecita nos programas de TV que satildeo vistos pelos personagens como o desenho animado He-Man (Fig 8) e a seacuterie Night Rider (A super maacutequina) como tambeacutem nos pocircsteres de fi lmes que decoram as casas dos garotos notadamente dos fi lmes Th e Th ing e Evil Dead (Fig 9) A presenccedila da intertextualidade expliacutecita comprova a natildeo tentativa de camufl ar a intertextualidade impliacutecita eximindo os produtoresdiretores da acusaccedilatildeo de plaacutegio No caso de Stranger Th ings a intertextualidade impliacutecita se manifesta como homenagem aos fi lmes dos anos 1980 Ainda cabe inferir que a intertextualidade expliacutecita se apresenta principalmente como um recurso argumentativo para contextualizar um periacuteodo dar credibilidade para a reconstituiccedilatildeo da eacutepoca em que se passa a narrativa Tanto que podemos dizer que essa referecircncia expliacutecita natildeo soacute eacute comum como tambeacutem necessaacuteria em fi lmes de eacutepoca ou mesmo contemporacircneos para um bom estabelecimento do tempo e do espaccedilo em que se desenvolve a trama ou seja para uma signifi cativa e convincente construccedilatildeo da diegese

- 93 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 8 He-Man visto na TV em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Figura 9 Cartaz do fi lme Evil Dead em Stranger Th ings

Fonte NETFLIX

Sendo a referecircncia aos textos visuais e audiovisuais dos anos 1980 a identidade de Stranger Th ings eacute interessante verifi car como esse recurso argumentativo tambeacutem se estendeu para o seu material promocional (cartazes e trailersteasers) Para o design do cartaz da seacuterie o artista Kyle Lambert seguiu o estilo dos trabalhos de Drew Struzan famoso pelos cartazes que fez para fi lmes como Th e Goonies Indiana Jones and the Temple of Doom (Indiana Jones e o Templo da Perdiccedilatildeo 1984) Back to the Future (De volta para

- 94 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o futuro 1985) Dreamscape (A morte nos sonhos 1984) e Big Trouble in Little China (Aventureiros do bairro proibido 1986) Nesse caso o cartaz de Stranger Th ings tem uma intertextualidade estiliacutestica com os cartazes cinematograacutefi cos dos anos 1980 (Fig 10)

Figura 10 Cartaz de Kyle Lambert para Stranger Th ings e cartaz de Drew Struzan para Back to the Future II

Fonte httpwwwimpawardscom Acesso em 18 jul 2018

Cabe destacar tambeacutem o viacutedeo lanccedilado para promover a seacuterie entre os espectadores brasileiros que contou com a presenccedila da apresentadora Xuxa reproduzindo um quadro do seu extinto programa na Rede Globo de Televisatildeo o Xou da Xuxa tambeacutem surgido nos anos 1980 (Fig 11) Nessa intertextualidade expliacutecita

- 95 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

confi gurada aqui como um pastiche1 a apresentadora recebe uma carta da matildee do garoto Will Byers solicitando ajuda para encontrar seu fi lho desaparecido Xuxa faz uma imitaccedilatildeo de si proacutepria inclusive fazendo referecircncias aos boatos e ldquolendasrdquo que lhe eram associados na eacutepoca do seu programa como o fato de ter feito um pacto com forccedilas ocultas que resultaram em bonecas possuiacutedas que atacavam crianccedilas e discos que revelavam mensagens sinistras quando tocados ao contraacuterio Nesse viacutedeo promocional divulgado no Facebook e no YouTube o humor foi empregado como um recurso argumentativo para despertar o interesse do auditoacuterio

Figura 11 Cena do viacutedeo promocional para Stranger Th ings com a apresentadora Xuxa

Fonte httpswwwyoutubecomwatchv=2t-AIbErqts Acesso em 30 jul 2018

Segundo Aristoacuteteles (2012 p 13) ldquopersuade-se pela disposiccedilatildeo dos ouvintes quando estes satildeo levados a sentir emoccedilatildeo por meio do discursordquo E quando temos uma argumentaccedilatildeo que se fundamenta no estado emocional do auditoacuterio temos

1 ldquoO pastiche se caracteriza pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor ou de traccedilos de sua autoria () caracteriza-se pela imitaccedilatildeo de um estilo de um autor de um fi lme enfi m mas com fi nalidade satiacuterica ()rdquo (CAVALCANTE 2013 p 165-166) No caso em anaacutelise ndash um viacutedeo promocional de Stranger Things ndash eacute feita uma imitaccedilatildeo do quadro do programa Xou da Xuxa (ainda que com a proacutepria apresentadora) com fi ns satiacutericos

- 96 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma argumentaccedilatildeo fundada no pathos As paixotildees despertadas infl uenciam psicologicamente o auditoacuterio e por conseguinte afetam tambeacutem seus julgamentos Nesse sentido Stranger Th ings eacute um discurso que tenta provocar no auditoacuterio-espectador uma disposiccedilatildeo emocional adequada agrave recepccedilatildeo da tese que propotildee ser aceita a saber criar um entretenimento que natildeo soacute desperte o interesse mas que tambeacutem promova uma adesatildeo emocional e afetiva

Figura 12 As crianccedilas de Stranger Th ings (topo) e ET e Th e Goonies

Fonte httpswwwimdbcom Acesso em 18 jul 2018

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 97 -

Pode-se inferir que as intertextualidades presentes em Stranger Th ings contribuem retoricamente para o sucesso da seacuterie por despertar no auditoacuterio paixotildees eufoacutericas com as da amizade e da confi anccedila Da amizade porque as situaccedilotildees narrativas apresentadas bem como os personagens (em suas intertextualidades temaacuteticas estiliacutesticas e impliacutecitas) contribuem para criar no auditoacuterio uma relaccedilatildeo de proximidade uma familiaridade uma empatia imediata2 Os garotos da seacuterie se apresentam como personagens que jaacute conhecemos com os quais jaacute temos amizade e por quem sentimos carinho Eles tecircm o DNA dos amados personagens de ET Goonies e Poltergeist (Fig 12) Da paixatildeo da amizade decorre a paixatildeo da confi anccedila Sobre a paixatildeo da confi anccedila Aristoacuteteles afi rma

A confi anccedila eacute o contraacuterio do medo e o que inspira confi anccedila eacute o contraacuterio do que inspira medo de modo que a esperanccedila eacute acompanhada pela representaccedilatildeo de que as coisas que estatildeo proacuteximas podem salvar-nos ao passo que as que causam temor natildeo existem ou estatildeo longe (ARISTOacuteTELES 2012 p 103)

Em Stranger Th ings a amizade despertada pela familiaridade afasta o receio de ldquoperder tempordquo e gera a confi anccedila de que a seacuterie seraacute boa de que vale a pena assisti-la

Por fi m cabe dizer que em termos argumentativos a intertextualidade presente em Stranger Th ings funciona como uma fi gura de comunhatildeo Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 p 201) ldquoas fi guras de comunhatildeo satildeo aquelas em que mediante procedimentos literaacuterios o orador empenha-se em criar ou confi rmar a comunhatildeo com o auditoacuteriordquo Os autores complementam ldquoAmiuacutede essa comunhatildeo eacute obtida mercecirc de referecircncias a uma cultura a uma tradiccedilatildeo a um passado comunsrdquo

2 ldquoA camaradagem a familiaridade o parentesco e outras relaccedilotildees semelhantes satildeo espeacutecies de amizaderdquo (ARISTOacuteTELES 2012 P 98)

- 98 -

Tendo como auditoacuterio aqueles que detecircm a cultura do cinema de entretenimento norte-americano os oradores de Stranger Th ings buscaram comungar com ele (esse auditoacuterio) por meio do resgate de uma memoacuteria afetiva (ligada agrave infacircncia e agrave adolescecircncia)

REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel dos Nascimento Pena Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

CAVALCANTE M M Os sentidos do texto Satildeo Paulo Contexto 2013

KOCH I G V BENTES A C CAVALCANTE M M Intertextualidade diaacutelogos possiacuteveis 2 ed Satildeo Paulo Cortez 2008

NETFLIX Stranger Th ings Disponiacutevel em httpswwwnetfl ixcombr Acesso em 12 jul 2018

PERELMAN C OLBRECHTS-TYTECA L Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo Maria Ermentina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 2005

SANTrsquoANNA A R Paroacutedia paraacutef rase e cia Satildeo Paulo Aacutetica 1985

- 99 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Gerardo Ramiacuterez Vidal

En relacioacuten con la hypoacutekrisis que en latiacuten se traduce como actio y pronuntiatio se conocen con mucha claridad las fuentes antiguas la enorme importancia que tuvo esa praacutectica y los diversos elementos que se tomaban en cuenta ya sea en su estudio como en su praacutectica De manera paradoacutejica un anaacutelisis semaacutentico maacutes puntual de esa palabra griega muestra que su aplicacioacuten a la ejecucioacuten retoacuterica no fue apropiada pues se limitaba a algunos elementos prosoacutedicos pero no al gesto a los ademanes y al movimiento del cuerpo De cualquier modo en la Grecia antigua puede individualizarse un arte general de la pronunciacioacuten llamada hypokritikē o hipocriacutetica que Aristoacuteteles habiacutea previsto pero no alcanzoacute a desarrollarse De tal manera en las paacuteginas siguientes muestro primero la importancia de este elemento en la praacutectica oratoria luego su insufi ciencia en el caso de la ejecucioacuten retoacuterica y por uacuteltimo los fundamentos y elementos de esa disciplina general llamada hypocriacutetica

EL TEacuteRMINO HYPOacuteKRISIS EN LAS FUENTES ANTI-GUAS

En cuanto a las fuentes antiguas brevemente diremos que Aristoacuteteles fue el primero en considerar la hypoacutekrisis como una parte u ofi cio de la retoacuterica hizo algunas observaciones puntuales acerca de este asunto1 y sentildealoacute que tambieacuten es competencia de otras

1 Cf sobre todo Arist Rh III 1403b18-1404a19 pasaje sobre el cual volveremos

LA HIPOCRIacuteTICA O ARTE DE LA EXPRESIOacuteN ORAL

EN LA RETOacuteRICA GRIEGA CLAacuteSICA

- 100 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

artes la tragedia la poeacutetica y la rapsoacutedica Su disciacutepulo Teofrasto dedicoacute a ese tema un tratado especial el Περὶ ὑποκρίσεως en un libro seguacuten la lista de Dioacutegenes Laercio aunque soacutelo se conserva el tiacutetulo y dos referencias Sobre el caraacutecter y contenido de esta obra es difiacutecil pronunciarse2 En la segunda mitad del siglo II a C Hermaacutegoras de Temnos la consideroacute como una parte de la retoacuterica y es probable que de eacutel provenga el origen del desarrollo latino de este ofi cio del orador3 Filodemo abordoacute aspectos importantes pero de manera aislada4 Ya en eacutepoca imperial Casio Longino resume el asunto brevemente5 y algunos otros autores griegos transmiten los conocimientos mencionados6 Sin embargo fueron los latinos quienes expusieron de manera maacutes amplia y sistemaacutetica la actio y pronuntiatio en particular Quintiliano quien dedica a este asunto el amplio capiacutetulo 3 del libro XI7

2 En Vitae Philosophorum 54812 Dioacutegenes Laercio registra el tiacutetulo Περὶ ὑποκρίσεως entre las 225 obras de Teofrasto incluida entre los 24 tratados de retoacuterica Esta obra es independiente del Arte retoacuterica que aparece en la lista dos obras antes y que a su vez podriacutea abordar la hypoacutekrisis De la obra sobre la actuacioacuten se conservan dos referencias frr 712 y 713 (Fortenbaugh 1992 vol II) La primera proviene de Atanasio (Prol In Herm De statibus en RhGr xiv 1773-8 Rabe) se puede suponer que su contenido podriacutea contener (a) la valoracioacuten de la hypoacutekrisis como el instrumento maacutes importante del orador (b) las pasiones del alma y el anaacutelisis de ellas asiacute como sus fundamentos y (c) conjuncioacuten del movimiento del cuerpo y del tono de la voz (τὴν κίνησιν τοῦ σώματος καὶ τὸν τόνον τῆς φωνῆς) en el entero conocimiento de ese ofi cio del orador (cf Vallozza 2000 273-274) se hace una referencia clara al orador y no al actor La segunda se encuentra en Ciceroacuten (De or iii 221) donde el autor se refi ere en especial a la importancia del sentido de la vista en la accioacuten oratoria Sin embargo el caraacutecter retoacuterico y el contenido de la obra teofrastea son soacutelo hipoteacuteticos lo uacutenico seguro es la referencia de Ciceroacuten (De or III 221) de que un tal Taurisco (seguacuten Teofrasto) sentildealaba que el orador que ejecuta su discurso con los ojos fi jos se asemeja a un actor que recita estando de espaldas al puacuteblico3 Seguacuten Matthes la hypoacutekrisis seriacutea la cuarta y uacuteltima parte de la retoacuterica despueacutes de la heacuteuresis la oikonomiacutea y la mnēmē (Hermag 1962 p vi)4 Philod Rh I 1963 ss Sudh (sobre la hypoacutekrisis como parte de la retoacuterica) I 20116 ss Sudh (sobre la adecuacioacuten de la hypoacutekrisis a los diferentes tipos de personas)5 Cassius Longinus Ars rhetorica 1 p 566-567 Walz (tambieacuten en L Spengel (ed) Rhetores Graeci vol 1 Leipzig Teubner 1853 pp 310-312)6 Cf Theo Progymn 1 p 66 Walz con escolio (Walz I p 257) el anoacutenimo Prolegomena de la retoacuterica 6 pp 35-36 Walz7 Cf Frachet 2011-2012 y un esbozo reciente en Hilder 2018

- 101 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

La importancia de la hypoacutekrisis o actio-pronuntiatio fue un toacutepico recurrente en la retoacuterica antigua El testimonio de Aristoacuteteles es fundamental Al hablar de las partes de la retoacuterica al comienzo del libro III de su Retoacuterica afi rma que en primer lugar son los asuntos en segundo el estilo y en tercero ldquoaquello que tiene el mayor poder de persuasioacuten los elementos de la hypoacutekrisis8 La idea del enorme poder de la actuacioacuten se presenta auacuten con mayor evidencia en la aneacutecdota sobre Demoacutestenes quien consideraba que la retoacuterica se reduciacutea a esa parte9 y en Ciceroacuten quien afi rma que la elocuencia no es nada sin la actio y que eacutesta en cambio sin ella es una gran cosa pues su poder discursivo es muy grande10 En fi n Quintiliano (Inst or XI 34-8) presenta algunos ejemplos notables de la importancia de esta parte de la retoacuterica y expresa que la pronuntiatio tiene en siacute misma una efi cacia y un poder extraordinarios en la oratoria11 y que un mal discurso confi ado a la fuerza de la actuacioacuten tiene maacutes efi cacia que un buen

8 Arist Rh 1403b20-22 Τρίτον δὲ τούτων ὃ δύναμιν μὲν ἔχει μεγίστην οὔπω δ ἐπικεχείρηται τὰ περὶ τὴν ὑπόκρισιν9 El autor anoacutenimo de la Vida de Demoacutestenes cuenta una historia muy conocida en la Antiguumledad (cf Plu Dem 7 Cic Or 56 y De or III 213 Quint Inst or XI 36) descorazonado Demoacutestenes por su fracaso en una asamblea el actor Androacutenico le dijo que sus palabras estaban bien pero que le faltaba lo relativo a la ὑπόκρισις ([Plu] Mor 845a7-8 ὁ ὑποκριτὴς Ἀνδρόνικος εἰπὼν ὡς οἱ μὲν λόγοι καλῶς ἔχοιεν λείποι δ αὐτῷ τὰ τῆς ὑποκρίσεως) Para mostrar lo anterior el actor repitioacute el discurso pronunciado por el orador en la asamblea y al notar la diferencia Demoacutestenes siguioacute las lecciones de Androacutenico Ya reconocido como gran orador poliacutetico cuando alguien le preguntaba queacute era lo primero en la retoacuterica respondiacutea que la pronunciacioacuten queacute lo segundo la pronunciacioacuten y queacute lo tercero la pronunciacioacuten ([Plut] Mor 845b3-5 ὅθεν ἐρομένου αὐτόν ltτινοςgt τί πρῶτον ἐν ῥητορικῇ εἶπεν lsquoὑπόκρισιςrsquomiddot καὶ τί δεύτερον lsquoὑπόκρισιςrsquomiddotκαὶ τί τρίτον lsquoὑπόκρισιςrsquo)10 Cf Cic Or 56 si enim eloquentia nulla sine hac haec autem sine eloquentia tanta est certe plurimum in dicendo potest Cf tambieacuten Cic De or 213 Rh Her III 19 Pronuntiationem multi maxime utilem oratori dixerunt esse et ad persuadendum plurimum ualere 11 Cf Quint Inst or XI 32 habet autem res ipsa miram quandam in orationibus vim ac potestatem

- 102 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

discurso privada de ella12 En consecuencia podemos observar que la hypoacutekrisis actio o pronuntiatio fue considerada en la Antiguumledad claacutesica como el elemento maacutes importante de la retoacuterica o por lo menos como el punto culminante del discurso

IMPRECISIONES DEL TEacuteRMINO

Sin embargo el asunto es maacutes complejo de lo que parece sobre todo por las siguientes razones primero la hypoacutekrisis no es un teacutermino adecuado para la ejecucioacuten oratoria segundo la nocioacuten teniacutea una connotacioacuten negativa como elemento de la oratoria tercero esa palabra indica en su origen soacutelo una parte de lo que hoy entendemos por ejecucioacuten discursiva Sobre estos tres puntos me detendreacute brevemente

En primer lugar la terminologiacutea empleada en el aacutembito retoacuterico es imprecisa para el estudioso moderno En griego el teacutermino hypoacutekrisis13 se refi ere a una forma de hablar imitando 12 Cf Quint Inst or XI 35 Equidem vel mediocrem orationem commendatam viribus actionis adfi rmarim plus habituram esse momenti Quam optimam eadem illa destitutam 13 El sustantivo de accioacuten ὑπόκρισις y el sustantivo agente ὺποκριτής provienen del verbo en voz media ὑποκρίνομαι que podiacutea tener tres signifi cados (1) lsquoresponderrsquo verbalmente a o pronunciarse sobre alguna situacioacuten o asunto sin necesidad de que existiera una pregunta (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix notas 10 y 17) por ejemplo lsquointerpretarrsquo los suentildeos sentido que ya aparece en el verbo simple (cf el teacutermino onirokriacutetica aunque es de eacutepoca posterior) a partir del sentido originario lsquosepararrsquo o lsquo escogerrsquo y de ahiacute lsquodecidirrsquo lsquojuzgarrsquo (2) De manera especiacutefi ca lsquoresponder a una preguntarsquo (cf LSJ sv ὑποκρίνω) siendo en este caso equivalente en aacutetico a ἀποκρίνομαι (cf Gonzaacutelez 2013 notas 9 y 12 del Appendix) Designa la accioacuten de lsquoresponderrsquo por parte del inteacuterprete en los oraacuteculos y de ahiacute se pasa al sentido comuacuten de lsquoresponderrsquo (3) En aacutetico signifi ca lsquorecitarrsquo lsquodeclamarrsquo lsquotomar el papel de alguien en la escenarsquo o lsquosimularrsquo lsquofi ngirrsquo como veremos maacutes adelante Es en este tercer sentido que podriacutea haberse utilizado el sustantivo agente hypokritēs que ya existiacutea en el siglo VI antes de ser aplicado al actor traacutegico con los sentidos de lsquoejecutantersquo o lsquointeacuterpretersquo (cf Gonzaacutelez 2013 Appendix nota 4) La idea de que el teacutermino hypokritēs se empleaba en el sentido de apokritēs (aacutetico) como el personaje que responde al coro resulta poco apropiada (emplear un teacutermino no aacutetico en una praacutectica aacutetica cuando existiacutea otro teacutermino apropiado para ello)

- 103 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

o fi ngiendo ser una persona o como la defi ne el reacutetor Casio Longino ldquouna imitacioacuten de actitudes y pasionesrdquo siendo eacutesta una imitacioacuten expresiva que reproduce los supuestos modos de hablar de alguien14 Eso es lo que hacen los actores en el teatro claacutesico al hablar imitan actitudes y emociones fi ngen las caracteriacutesticas prosoacutedicas de un determinado personaje

Aristoacuteteles y maestros posteriores designaron con ese teacutermino teatral el ofi cio del orador relativo a la exposicioacuten discursiva aunque no era adecuado para designar la praacutectica de la ejecucioacuten oratoria pues mientras el fi ngir o imitar es algo apropiado y necesario en la obra dramaacutetica mdash que trata de fi cciones para divertir al puacuteblico y no de cuestiones de la vida ordinaria mdash es algo condenable en la oratoria que trata sobre asuntos reales sobre problemas sociales y poliacuteticos o sobre cuestiones judiciales La ejecucioacuten oratoria es muy diferente de la dramaacutetica simplemente porque aqueacutella no tiene como fi nalidad imitar actitudes y pasiones para purifi car el alma del oyente sino expresar con mayor claridad los argumentos adecuaacutendolos a los humores del auditorio y buscando modifi car o reforzar sus decisiones15 Quintiliano sentildealaba con eacutenfasis sobre el caraacutecter moderado de la actuacioacuten oratoria (Inst or XI 3183-

14 C Long Rh 56713 Ὑπόκρισίς ἐστι μίμησις τῶν κατ ἀλήθειαν ἑκάστῳ παρισταμένων ἠθῶν καὶ παθῶν καὶ διάθεσις σώματός τε καὶ τόνου φωνῆς πρόσφορος τοῖς ὑποκειμένοις πράγμασι ldquoLa hypoacutekrisis es una imitacioacuten de las actitudes y pasiones presentadas en cada caso de acuerdo con la verdad y una disposicioacuten tanto del cuerpo como de la entonacioacuten de la voz uacutetil para los asuntos de que se tratardquo15 En el aacutembito de la oratoria aacutetica el verbo ὑποκρίνομαι aparece soacutelo en Demoacutestenes con la connotacioacuten negativa de lsquoactuarrsquo como en 185 donde el escolio lo interpreta con el signifi cado de lsquohacer falsas acusacionesrsquo Cf escolio a Dem 18153 en Scholia Demosthenica Ed MR Dilts Leipzig Teubner vol 1 1983 ad loc (apud TLG) ὑποκρίνεται] ἀντὶ τοῦ ψευδῶς κατηγορεῖ ὑπόκρισις γάρ ἐστιν ἡ προσποίησις ἡ ἐκτὸς οὖσα τῆς ἀληθείας ldquoHypoacutekrisis] en vez de hacer acusaciones falsas En efecto hypoacutekrisis es la reclamacioacuten de que estaacute fuera de la verdadrdquo

- 104 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

184) Desgraciadamente los estudios modernos han resaltado sobre todo las semejanzas entre el teatro y la oratoria pero no las enormes diferencias que los apartan y los distinguen16

Los romanos por su parte al tener que traducir el teacutermino griego no encontraron una palabra correspondiente y recurrieron a dos teacuterminos que refl ejan ese ofi cium mejor que la palabra griega actio y pronuntiatio la primera referida al movimiento la segunda a la voz Quintiliano prefi ere utilizar esta uacuteltima (Inst or XI 34 etc) La actio puede entenderse como teacutermino juriacutedico (de agere) relacionada en este caso con la accioacuten judicial aunque se piensa maacutes bien que indica la forma en que se ejecuta o debe ejecutarse el discurso durante el proceso La actio en este sentido requiere de voz gesto movimiento y todo lo que el actor necesite para la emisioacuten exitosa del discurso forense No se trata del actor dramaacutetico De tal manera la terminologiacutea latina en este caso parece ser maacutes adecuada que la griega En espantildeol los dos teacuterminos latinos se han vertido como lsquoactuacioacutenrsquo y lsquopronunciacioacutenrsquo y en ingleacutes se prefi ere lsquoperformancersquo o lsquodeliveryrsquo

En segundo lugar en cuanto a las connotaciones negativas de hypoacutekrisis ya se ha hecho un sentildealamiento en relacioacuten con Demoacutestenes (cf nota 15) iquestPor queacute Aristoacuteteles prefi rioacute emplear el teacutermino teatral y no alguacuten otro como hermēneacuteia o diaacutethesis Parece contradictorio decir primero que la hypoacutekrisis tiene el mayor poder de persuasioacuten y quince liacuteneas despueacutes que se trata de ldquoun asunto vulgarrdquo17 o media paacutegina maacutes adelante afi rmar que la lexis y en consecuencia tambieacuten la hypoacutekrisis es una phantasiacutea18 Pero

16 Cf al respecto Fantham 2003 263 Frachet 2011-2012 126 afi rma ldquoSi de prime abord la fi gure de lrsquoacteur et celle de lrsquoorateur semblent se ressembler elles sont sensiblement diffeacuterentes Lrsquoacteur joue un rocircle doit srsquoapproprier un personnage quand lrsquoorateur joue son propre personnage et met sa persona en jeurdquo 17 Arist Rh 1403b35 δοκεῖ φορτικὸν εἶναι18 Arist Rh 1404a11 ἅπαντα φαντασία ταῦτ ἐστί

- 105 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

si se observa en su contexto podraacute decirse que ambas afi rmaciones son enteramente coherentes la hypoacutekrisis asiacute como la lexis19 son recursos de enorme poder de persuasioacuten como observa el fi loacutesofo que sucediacutea en la actividad discursiva en la vida poliacutetica de Atenas Sin embargo desde el punto de vista fi losoacutefi co considera que ambas praacutecticas son mecanismos vulgares u ordinarios porque su funcioacuten es mover las pasiones no mostrar la verdad Asimismo sentildeala que la lexis asiacute como tambieacuten la hypoacutekrisis son phantasiacuteai aunque no en el sentido de lsquopura ilusioacutenrsquo o lsquoaparienciarsquo sino en el puramente retoacuterico de representaciones que el orador produce en el destinatario afectando directamente las pasiones de eacuteste con el propoacutesito de persuadirlo20 De esta manera al emplear ese teacutermino teatral Aristoacuteteles resaltaba los aspectos negativos de la accioacuten oratoria es decir que el arte de fi ngir propio de un actor en el escenario se colocaba en un plano superior a las partes dignas de la oratoria como la demostracioacuten o el orden

Aquiacute podraacute observarse que en el aacutembito de la retoacuterica de la eacutepoca claacutesica el teacutermino es empleado soacutelo por Aristoacuteteles Los oradores no recurren a la palabra hypoacutekrisis (Demoacutestenes la emplea pocas veces) y tampoco los maestros de oratoria Por ejemplo Isoacutecrates y Alcidamante ambos maestros del discurso no utilizan ese teacutermino sino otros como rhētoreacuteia y hermēneacuteia El autor de la Retoacuterica a Alejandro no menciona el teacutermino Por si fuera poco el concepto tuvo escasa importancia en los autores griegos desde el punto de vista teoacuterico como una parte de la retoacuterica Walz registra soacutelo cuatro veces esa palabra en el iacutendice de los nueve voluacutemenes de su Rhetores graeci y un nuacutemero igual se encuentra en Spengel21

19 Cf Gonzaacutelez 2013 sect133 ldquoφορτικόν applies not only to ὑπόκρισις but to λέξις as a wholerdquo20 Cf Gonzaacutelez 2013 sect13621 Afi rma Edwards 2013 p 15 ldquothe surviving theoretical material is

- 106 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tampoco se elaboroacute una teoriacutea al respecto en el campo del drama durante la eacutepoca claacutesica22 por lo menos antes de Teofrasto a cuyo tratado ya nos hemos referido Podraacute sentildealarse al respecto que Aristoacuteteles en las cuatro liacuteneas sobre la voz no expone una teoriacutea que tenga que ver con causas o principios defi niciones y clasifi caciones sino una serie de praacutecticas transmitidas en el aacutembito teatral volumen tono y rapidez de la voz Pero en el caso del fi loacutesofo las razones de esta falta de sistematizacioacuten en la teoriacutea dramaacutetica son de otra naturaleza En efecto al principio del III libro de su Retoacuterica Aristoacuteteles observa que la hypoacutekrisis es un don de la naturaleza poco susceptible de reducirse a reglas Por tener esta naturaleza la teacutecnica respectiva se habiacutea desarrollado tarde inclusive en la tragedia y en la recitacioacuten eacutepica Sentildeala que eso se debiacutea a que en un principio fueron los propios poetas quienes representaban las tragedias (Arist Rh 1403b23-24)

De cualquier modo en el aacutembito de la retoacuterica el estudio de la ejecucioacuten no se habiacutea desarrollado Dos siglos y medio despueacutes el autor anoacutenimo de la Retoacuterica a Herenio afi rmaba tambieacuten ldquopuesto que nadie ha tratado sobre este asunto de manera detenida []rdquo23 lo que indica que las cosas no habiacutean cambiado mucho

Fueron los romanos quienes subsanaron ese vaciacuteo con los amplios desarrollos a los que ya nos hemos referido En eacutepoca posterior el estudio de la actuacioacuten como parte de la retoacuterica fue perdiendo importancia y soacutelo ocasionalmente se incluyoacute en su ensentildeanza dentro de esa disciplina Navarre 1900 pasa en

preponderantly Romano-centric [hellip] Nothing in the Rhetorica ad Alexandrum and only a few unsatisfactory chapters in Aristotlersquos Rhetoric (313-10) as well as a few other brief pointers such as a reference to speakers shouting at Rhetoric 375 Hellenistic treatises are lostrdquo22 En un principio no habiacutea actores profesionales y eran los propios tragedioacutegrafos (o poetas) quienes las representaban soacutelo cuando surgieron los actores se empezaron a establecer reglas Debe entenderse que en su primera fase los conocimientos eran de caraacutecter praacutectico la formacioacuten de una doctrina empieza con los maestros de teatro cuando se prepara a los actores23 Rh Her III 19 quia nemo de ea re diligenter scripsit

- 107 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

completo silencio ese aspecto en su Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Volkman le dedica soacutelo ocho paacuteginas de un total de 580 Mortara Garavelli 2003 menos de una paacutegina de su extenso libro De manera paradoacutejica las refl exiones sobre el cuerpo en el campo de la fi losofiacutea y otras disciplinas la han convertido en un importante toacutepico de nuestra eacutepoca24

En tercer lugar ademaacutes de que la nocioacuten de hypoacutekrisis es poco adecuada para la ejecucioacuten retoacuterica y del desintereacutes en su sistematizacioacuten en la Grecia claacutesica habraacute que observar que la hypoacutekrisis en el drama griego se reduce a lo auditivo y deja fuera lo visual En el teatro en efecto se utilizan maacutescaras elemento dramaacutetico riacutegido sin vida de modo que todo lo referente a la expresioacuten del rostro resulta innecesario por ello podriacuteamos suponer que la importancia de los movimientos de las manos y del cuerpo tambieacuten se reduce Los elementos prosoacutedicos tienen el predominio25

El ejemplo de la hypoacutekrisis en Demoacutestenes muestra que ese teacutermino se referiacutea soacutelo a la voz Seguacuten cuenta Plutarco en la vida del orador eacuteste desilusionado por sus fracasos en la tribuna confesoacute al actor Saacutetiro que los marineros ignorantes agradaban maacutes al pueblo que eacutel a pesar de los enormes esfuerzos que habiacutea puesto en su formacioacuten oratoria Saacutetiro entonces le mostroacute cuaacutel era la razoacuten de sus fracasos Le pidioacute que dijera de memoria alguacuten pasaje de Euriacutepides o Soacutefocles Para lsquodecir de memoriarsquo Plutarco emplea

24 Cf Fogen 2009 p 16 y notas25 Salvo pocas excepciones los estudiosos ndash a mi juicio ndash no han logrado entender cabalmente el asunto Por ejemplo la expresioacuten δοκεῖ φορτικὸν εἶναι se refi ere a la lexis pero se ha pensado que se ha de vincular soacutelo a la hypoacutekrisis Asimismo al referirse a la lexis el fi loacutesofo afi rma que se desarrolloacute tarde (1403b23) pero los estudiosos piensan que se refi ere a la hypoacutekrisis Se refi ere a ambas Cf Arist Rh 1404a19ndash22 ἤρξαντο μὲν οὖν κινῆσαι τὸ πρῶτον ὥσπερ πέφυκεν οἱ ποιηταίmiddot τὰ γὰρ ὀνόματα μιμήματα ἐστίν ὑπῆρξε δὲ καὶ ἡ φωνὴ πάντων μιμητικώτατον τῶν μορίων ἡμῖν ldquoen efecto los poetas fueron los primeros en poner en movimiento lo anterior puesto que las palabras son susceptibles de imitacioacuten y la voz en particular es la maacutes imitable de todas las partes nuestrasrdquo expresioacuten que para Gonzaacutelez (2013 sect132) es ldquothe cause of much dismay for some scholarsrdquo

- 108 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la expresioacuten εἰπεῖν ἀπὸ στόματος Una vez hecho esto el actor retomoacute el mismo pasaje y lo moduloacute y recitoacute con un tono y modo adecuados26 Plutarco emplea πλάσαι καὶ διεξελθεῖν para indicar lsquomodular y recorrerrsquo el pasaje de la tragedia Utiliza tambieacuten ἦθος y διάθεσις

para lsquotonorsquo y lsquomodorsquo de la voz Demoacutestenes quedoacute convencido de que la hypoacutekrisis otorga al discurso orden y gracia y consideroacute que la ensentildeanza es poca cosa y nada vale si no se da importancia a la pronunciacioacuten y el modo de las palabras27 Para estas uacuteltimas expresiones el bioacutegrafo emplea los teacuterminos προφορά y διάθεσις Prosigue Plutarco narrando que luego de esa demostracioacuten Demoacutestenes se dedicoacute con ahiacutenco y durante muchos diacuteas a modelar su diccioacuten y trabajar su voz28 Como podemos observar las referencias son exclusivamente a la voz en cambio los gestos y los movimientos no intervienen en absoluto

Aristoacuteteles parece refl ejar esa situacioacuten al limitar la hypoacutekrisis a la voz intensidad tonos y rapidez o lentitud Dice en efecto

Eacutesta radica en la voz coacutemo debe eacutesta ser usada para expresar cada pasioacuten ya sea fuerte ya baja o ya mediana y coacutemo los tonos (de la voz) es decir agudo grave y medio o circunfl ejo y algunos ritmos para cada cual En efecto tres son los temas que se deben observar que son volumen armoniacutea y ritmo de la voz29

26 Plut Dem 74 μεταλαβόντα τὸν Σάτυρον οὕτω πλάσαι καὶ διεξελθεῖν ἐν ἤθει πρέποντι καὶ διαθέσει τὴν αὐτὴν ῥῆσιν ὥστ εὐθὺς ὅλως ἑτέραν τῷ Δημοσθένει φανῆναι27 Plut Dem 75 πεισθέντα δ ὅσον ἐκ τῆς ὑποκρίσεως τῷ λόγῳ κόσμου καὶ χάριτος πρόσεστι μικρὸν ἡγήσασθαι καὶ τὸ μηδὲν εἶναι τὴν ἄσκησιν ἀμελοῦντι τῆς προφορᾶς καὶ διαθέσεως τῶν λεγομένων 28 Plut Dem 76 πλάττειν τὴν ὑπόκρισιν καὶ διαπονεῖν τὴν φωνήν29 Arist Rh 1403b27-31 ἔστιν δὲ αὕτη μὲν ἐν τῇ φωνῇ πῶς αὐτῇ δεῖ χρῆσθαι πρὸς ἕκαστον πάθος οἷον πότε μεγάλῃ καὶ πότε μικρᾷ καὶ μέσῃ καὶ πῶς τοῖς τόνοις οἷον ὀξείᾳ καὶ βαρείᾳ καὶ μέσῃ καὶ ῥυθμοῖς τίσι πρὸς ἕκαστα τρία γάρ ἐστιν περὶ ἃ σκοποῦσινmiddot ταῦτα δ ἐστὶ μέγεθος ἁρμονία ῥυθμός El rhytmoacutes indica la pronunciacioacuten de miembros de la frase con efectos riacutetmicos evitando por ejemplo que sea entrecortado y agitado (cf [Long] De subl 41)

- 109 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De tal manera la lexis o estilo se refi ere a la articulacioacuten artiacutestica de sonidos y palabras y se combina con la hypoacutekrisis o elemento prosoacutedico del lenguaje30 en la elaboracioacuten concreta del material del discurso frente a la generacioacuten y organizacioacuten abstracta o mental de ese material objeto de la invencioacuten y la disposicioacuten31 Debido a ello no es extrantildeo que Aristoacuteteles aborde la hypoacutekrisis en combinacioacuten o correspondencia con el tratamiento de la lexis debido a que son procesos afi nes32 Esta labor concomitante crea una aparente irregularidad que ha provocado malos entendidos entre los estudiosos

EL CARAacuteCTER TRANSVERSAL DE LA HYPOacuteKRISIS

Luego de subrayar algunos aspectos de la hypoacutekrisis que reducen su materia a los elementos prosoacutedicos es necesario observar que ese elemento expresivo tiene un campo de accioacuten que rebasa ampliamente la praacutectica oratoria debido al caraacutecter transversal

30 Luego de estudiar de modo minucioso la relacioacuten entre lexis e hypoacutekrisis Gonzaacutelez 2013 concluye que ldquoIt is impossible therefore to divorce the philosopherrsquos notions of λέξις and ὑπόκρισιςrdquo Me cuesta trabajo sin embargo aceptar su hipoacutetesis de que los tres elementos a los que se refi ere Aristoacuteteles en Rh 1403b18-22 pisteis lexis e hypoacutekrisis deberiacutean reducirse a dos las pisteis y la lexis dividieacutendose este segundo elemento en dos partes la lexis propiamente dicha y la hypoacutekrisis (Gonzaacutelez 2013 sect132 con nota 17) A mi juicio son procesos diferentes estando la lexis orientada hacia la electio y compositio del material linguumliacutestico y la segunda reducida a los fenoacutemenos prosoacutedicos que no estaacuten en la lengua o sistema pues son ldquosuprasegmentalesrdquo (cf Figueiredo 2017) sino en el habla y referidos a las propiedades de la boca y demaacutes elementos fiacutesicos que producen volumen armoniacutea ritmo velocidad pausas y otros fenoacutemenos31 Cf las interesantes observaciones de Baldwin al respecto (1959 21-24)32 Cf Baldwin 1959 174 ldquothe visual values of representation were indeed realized in gesture and pose though less in scenery and spectacle they were realized as never perhaps since in group movements but the auditory values the sounding line the phrase harmony of the chant always enhanced representation by strong rhythmical suggestionrdquo siendo los valores auditivos los elementos originales de la hypoacutekrisis

- 110 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que Aristoacuteteles logra observar Para ello podraacute empezarse con el siguiente pasaje del fi loacutesofo en su Retoacuterica (1403b24-26)

δῆλον οὖν ὅτι καὶ περὶ τὴν ῥητορικήν ἐστι τὸ τοιοῦτον ὥσπερ καὶ περὶ τὴν ποιητικήν ὅπερ ἕτεροί ltτέgt τινες ἐπραγματεύθησαν καὶ Γλαύκων ὁ ΤήιοςEs evidente que tal asunto [la hypoacutekrisis] tiene que ver con la retoacuterica tanto como con la poeacutetica de lo que algunos han tratado ademaacutes de Glaucoacuten de Teos

Independientemente de la identidad de este Glaucoacuten de Teos33 el pasaje aristoteacutelico mostrariacutea la transversalidad de la hypoacutekrisis Otro pasaje atinente a esta caracteriacutestica se encuentra en un pasaje al fi nal de la Poeacutetica donde el mismo fi loacutesofo trata de responder a la pregunta de cuaacutel imitacioacuten es mejor la eacutepica o la traacutegica Asiacute la primera tiene destinatarios honestos y la segunda ordinarios o vulgares de manera que aqueacutellos no necesitan de variaciones en las formas ya sea de la expresioacuten o de los movimientos del cuerpo Por eso la eacutepica es mejor En seguida hace algunas acotaciones (Po 22 1462a5-9)

πρῶτον μὲν οὐ τῆς ποιητικῆς ἡ κατηγορία ἀλλὰ τῆς ὑποκριτικῆς ἐπεὶ ἔστι περιεργάζεσθαι τοῖς σημείοις καὶ ῥαψῳδοῦντα [hellip] καὶ διᾴδοντα [] εἶτα οὐδὲ κίνησις ἅπασα ἀποδοκιμαστέα εἴπερ μηδrsquo ὄρχησις ἀλλrsquo ἡ φαύλωνEn primer lugar la acusacioacuten no es contra el arte poeacutetica sino contra el arte hypokriacutetikē puesto que

33 Glaucoacuten de Teos que se acostumbra identifi car con Glaucos de Regio (cf el comentario de Racionero al pasaje en comento) quien habriacutea escrito una obra intitulada Acerca de los poetas y muacutesicos de la Antiguumledad el primer tratado de criacutetica literaria conocido Por lo menos en esta obra el intereacutes no se orienta a la retoacuterica sino a la eacutepica y a la tragedia uno de cuyos temas de estudio seriacutea la rhapsōdiacutea y la hypoacutekrisis respectivamente Pero la identifi cacioacuten no es segura

- 111 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

son el rapsōdos y el cantor quienes exageran con los signos [hellip] En segundo no todo movimiento del cuerpo es reprobable y tampoco la danza sino aquella que es vulgar

Ademaacutes de la distincioacuten patente entre las artes de naturaleza vocal y las de naturaleza kineacutesica como el arte de la danza (orkhēstikē ὀρχηστική) el texto muestra que la hypokriacutetikē abarca la rapsodia y el canto

Sobre este asunto trata otro pasaje de la Retoacuterica (Rh 1404a12-15)

ἐκείνη μὲν οὖν ὅταν ἔλθῃ ταὐτὸ ποιήσει τῇ ὑποκριτικῇ ἐγκεχειρήκασι δὲ ἐπrsquo ὀλίγον περὶ αὐτῆς εἰπεῖν τινες οἷον Θρασύμαχος ἐν τοῖς ἘλέοιςAhora bien cuando eacutesta [el estudio de la lexis] llegue tendraacute la misma funcioacuten que el arte hipocriacutetica acerca de la cual algunos han ya empezado a tratar aunque en poca medida como Trasiacutemaco en su Consolaciones

Aristoacuteteles estaacute previendo la emergencia de dos nuevas artes paralelas del discurso una relativa a la lexis y otra a la pronunciacioacuten llamada hypokritikē la cual se encuentra en sus inicios con las Consolaciones de Trasiacutemaco obra que contendriacutea cierto tipo de recursos verbales propios de ese geacutenero de obras y que tambieacuten ldquohabiacutea llegado tarde a la ejecucioacuten traacutegica y rapsoacutedica pues en un principio eran los poetas quienes pronunciaban sus tragediasrdquo34 En relacioacuten con lo anterior el pasaje 1403b27-28 de la Retoacuterica ofrece una breve pero signifi cativa presentacioacuten de la hypoacutekrisis y en los capiacutetulos 2-12 desarrolla una teoriacutea de la lexis vinculada en parte a la hypoacutekrisis

34 Arist Rh 1403b23-24 καὶ γὰρ εἰς τὴν τραγικὴν καὶ ῥαψῳδίαν ὀψὲ παρῆλθενmiddot ὑπεκρίνοντο γὰρ αὐτοὶ τὰς τραγῳδίας οἱ ποιηταὶ τὸ πρῶτον

- 112 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Tambieacuten en la Poeacutetica Aristoacuteteles trata de la lexis (capiacutetulos 19 y 20) y reenviacutea a un arte llamado hypokriacutetikē de la siguiente manera (Po 19 1456b8-14)

τῶν δὲ περὶ τὴν λέξιν ἓν μέν ἐστιν εἶδος θεωρίας τὰ σχήματα τῆς λέξεως ἅ ἐστιν εἰδέναι τῆς ὑποκριτικῆς καὶ τοῦ τὴν τοιαύτην ἔχοντος ἀρχιτεκτονικήν οἷον τί ἐντολὴ καὶ τί εὐχὴ καὶ διήγησις καὶ ἀπειλὴ καὶ ἐρώτησις καὶ ἀπόκρισις καὶ εἴ τι ἄλλο τοιοῦτονDe los temas relativos al estilo una forma de estudio son los modos de la expresioacuten [oral] cuyo conocimiento es propio de la hypokritikē y de quien domine un conocimiento arquitectoacutenico como eacutese por ejemplo queacute es orden queacute plegaria queacute narracioacuten queacute amenaza queacute pregunta queacute respuesta y queacute es otra forma si la hay

Protaacutegoras y Alcidamante ya habiacutean hecho una divisioacuten semejante de estos modos de expresioacuten que ellos llamaron ldquobases del discursordquo35

Asiacute la hypokriacutetikē (ὑποκριτική) es el arte o teacutecnica (θεώρημα) de la pronunciacioacuten o diccioacuten de la voz que estudia los elementos prosoacutedicos que permiten distinguir los diversos modos de expresioacuten No seriacutea un arte propia de la retoacuterica ni de la poeacutetica sino que se extenderiacutea a las diversas artes discursivas como la narracioacuten rapsoacutedica (rhapsōdiacutea ῥαψῳδία) la pronunciacioacuten teatral (hypoacutekrisis ὑπόκρισις) basada en el diaacutelogo (preguntas y

35 DL 953-4 διεῖλέ τε τὸν λόγον πρῶτος εἰς τέτταραmiddot εὐχωλήν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν (οἱ δὲ εἰς ἑπτάmiddot διήγησιν ἐρώτησιν ἀπόκρισιν ἐντολήν ἀπαγγελίαν εὐχωλήν κλῆσιν) οὓς καὶ πυθμένας εἶπε λόγων Ἀλκιδάμας δὲ τέτταρας λόγους φησίmiddot φάσιν ἀπόφασιν ἐρώτησιν προσαγόρευσιν ldquoFue el primero que dividioacute el discurso en cuatro clases deseo pregunta respuesta y orden (seguacuten otros en siete narracioacuten pregunta respuesta orden exposicioacuten plegaria e invocacioacuten) a las que tambieacuten llamoacute bases de discursos Alcidamante dice que son cuatro los discursos afi rmacioacuten negacioacuten interrogacioacuten alocucioacutenrdquo

- 113 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

respuestas) y la oratoria (hermēneacuteia ἑρμηνείᾳ)36 ademaacutes de otras ejecuciones orales37

Una vez defi nida la teacutekhnē hypokritikē y deslindado su campo habriacutea que proceder a caracterizar la tipologiacutea de las tres artes enunciativas particulares en la eacutepoca claacutesica Si se atiende al tercer criterio establecido por Aristoacuteteles en su Poeacutetica (3 1448a19-23) relativo al modo de la imitacioacuten se tendriacutean tres especies de pronunciacioacuten emotiva el narrador imita poniendo la voz en los personajes (rapsoacutedica) el sujeto narrador imita directamente por siacute mismo (la retoacuterica) y el poeta presenta a los personajes actuando (dramaacutetica) En cuanto a su funcioacuten ahora bien para la hermēneacuteia oratoria es la persuasioacuten para la traacutegica la purifi cacioacuten (katharsis) de las pasiones y para la rapsoacutedica la transmisioacuten y conservacioacuten del pasado eacutepico

36 Para Alcidamante la pronunciacioacuten oratoria (que llama hermēneacuteia) es diferente de la del teatro y la eacutepica Cf Alcid 14  ἀνάγκη δ ἐστίν ὅταν τις τὰ μὲν αὐτοσχεδιάζῃ τὰ δὲ τυποῖ τὸν λόγον ἀνόμοιον ὄντα ψόγον τῷ λέγοντι παρασκευάζειν καὶ τὰ μὲν ὑποκρίσει καὶ ῥαψῳδίᾳ παραπλήσια δοκεῖν εἶναι τὰ δὲ ταπεινὰ καὶ φαῦλα φαίνεσθαι παρὰ τὴν ἐκείνων ἀκρίβειαν ldquoes preciso que cuando uno improvisa unas partes y otras las escribe se repruebe al orador por ser el discurso desigual y que aqueacutellas parezcan ser cercanas a la pronunciacioacuten teatral y eacutepica y eacutestas en cambio se muestren pobres y sin valor frente al cuidado de aquellasrdquo37 Es necesario deslindar la ejecucioacuten retoacuterica (hermēneia o hermēneutikē) de la hypoacutekrisis teatral de la rhapsōdiacutea eacutepica muy difundida en eacutepoca claacutesica y de las ejecuciones de la poesiacutea liacuterica ya sea en las festividades populares en las ceremonias religiosas o en las reuniones simposiales Existen numerosos testimonios literarios de la Grecia antigua que ponen de manifi esto extraordinarias capacidades de actuacioacuten y declamacioacuten en los maacutes diversos aacutembitos de las praacutecticas culturales de los griegos y por otro lado se puede arguumlir que estas capacidades fueron objeto de la ensentildeanza El caso de los rapsodas declamadores profesionales formados en las antiguas academias de recitacioacuten es uno de los maacutes conocidos y la rapsōdiacutea fue el primer teacutermino utilizado para indicar la ensentildeanza de la recitacioacuten eacutepica En torno de los rapsodas existiacutea organizaciones sometidas a intereses de peso poliacutetico y social Por tanto es equivocado e inoperante emplear el teacutermino hypoacutekrisis para todo tipo de ejecuciones Del mismo modo las diferencias entre los geacuteneros oratorios impiden generalizar las nociones al respecto Una ejecucioacuten se requeriacutea para el tribunal otra para la tribuna puacuteblica y otra muy diferente para el discurso demostrativo

- 114 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Se conocen algunos procedimientos de la hipocriacutetica o arte de la expresioacuten oral (hē hypokritikē) En primer lugar su regla maacutes importante seriacutea la siguiente a mayor precisioacuten del lenguaje menos hypoacutekrisis La expresioacuten escrita es maacutes precisa la oral menos Para que la expresioacuten escrita cumpla su funcioacuten basta con que esteacute elaborada de manera correcta y precisa En cambio la oral requiere de mayor hypoacutekrisis esto es de un mayor control voluntario de la modulacioacuten de la voz intensidad tono y duracioacuten con la fi nalidad de afectar al destinatario38

Por otra parte como los geacuteneros deliberativo y judicial son fundamentalmente orales requieren de mayor hypoacutekrisis (Rh 1413b3-9) Pero entre ambos hay una gran diferencia pues a mayor nuacutemero de oyentes menor precisioacuten (Arist Rh 1414a16) De alliacute se desprende otra regla que es la siguiente a mayor nuacutemero de oyentes maacutes hypoacutekrisis sobre todo en cuanto a la fuerza de la voz Asiacute en la asamblea es maacutes necesaria que en el tribunal Ademaacutes entre menor sea el nuacutemero de jueces seraacute menos necesaria Ante un solo juez no tendriacutea necesidad de hypoacutekrisis pero siacute de precisioacuten

Es posible incluso describir los elementos o eidē de la hypokritikē en dos oacuterdenes uno es el de las cualidades prosoacutedicas y otro los modos de expresioacuten Como ya hemos visto en el pasaje de Aristoacuteteles (Rh 1403b27-31) se aborda las infl exiones de la voz volumen armoniacutea o tono y ritmo o duracioacuten Pertenecen a este arte de la pronunciacioacuten emocional (frente al texto escrito) el estilo suelto que se caracteriza por la falta de conjunciones y

38 Cf Alcid 13 οἱ γὰρ εἰς τὰ δικαστήρια τοὺς λόγους γράφοντες φεύγουσι τὰς ἀκριβείας καὶ μιμοῦνται τὰς τῶν αὐτοσχεδιαζόντων ἑρμηνείας καὶ τότε κάλλιστα γράφειν δοκοῦσιν ὅταν ἥκιστα γεγραμμένοις ὁμοίους πορίσωνται λόγους ldquoquienes escriben discursos para los tribunales huyen de la precisioacuten e imitan las expresiones de quienes improvisan y parecen escribir textos bien elaborados cuando preparan discursos que son lo menos semejantes a los discursos escritosrdquo

- 115 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

por repeticiones anafoacutericas de lo cual Aristoacuteteles ofrece algunos ejemplos enriquecidos con las observaciones de Demetrio en su Acerca del estilo39 Otros son los llamados skhēmata lexeōs o ldquomodos de expresioacutenrdquo (Po 191456b8-14) orden plegaria pregunta narracioacuten amenaza respuesta que aparecen tambieacuten de manera diferente en Protaacutegoras y Alcidamante Estos modos deberiacutean tener su propio tono de voz intensidad y ritmo Por ejemplo una orden requiere de una mayor intensidad de la voz etc

Pareceriacutea entonces que en torno a la modulacioacuten oral expresiva estrechamente vinculada con el estilo sus elementos fueran susceptibles de estructurarse en niveles que abarca los fonemas y las palabras los fenoacutemenos sintaacutecticos (por la falta de conjunciones y a la repeticioacuten anafoacuterica) y los modos discursivos

De tal modo a semejanza de la memoria la actuacioacuten retoacuterica (voz y movimiento) no habriacutea sido en su origen una de las partes de la retoacuterica sino un conocimiento generalizado y una praacutectica muy difundida en todas las expresiones orales desde la eacutepoca homeacuterica Por ello podemos decir que la ejecucioacuten o performance retoacuterica en la Grecia claacutesica fue una praacutectica cultural que integraba en primer lugar la hypoacutekrisis o modulacioacuten oral correspondiente a la pronuntiatio y en segundo los elementos performativos que teniacutean que ver con la vista la gestualidad facial (en particular los ojos) los movimientos de las manos (la kheironomiacutea) y las posturas del cuerpo (gimnastikē) Las diferentes actividades discursivas del ser humano habriacutean desarrollado esas praacutecticas en el campo de

39 Dem Sobre el estilo 193-195 Sentildeala que el estilo suelto o sin conjunciones es propio del estilo ἐναγώνιος es decir propio del debate mientras que el escrito es maacutes propio de la lectura pues estaacute compacto y asegurado con conjunciones

- 116 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

la recitacioacuten eacutepica el teatro ateniense la oratoria40 que fueron adecuaacutendose a las circunstancias en el tiempo y el espacio41

A fi nales del siglo V se empezaron a sistematizar varias artes de la pronunciacioacuten en primer lugar la del arte eacutepico o rhapsōdiacutea del dramaacutetico o hypoacutekrisis y del oratorio o hermeneacuteia las cuales junto con otras se pueden agrupar en una teoriacutea general de la pronunciacioacuten o hipocriacutetica (hypokritikē) cuyos fundamentos y elementos ha sido posible delinear en este espacio La hipocriacutetica se refi ere al estudio de la voz de modo que abarca soacutelo una parte de numerosos procedimientos que se utilizaban en las praacutecticas discursivas de la Grecia antigua que incluiacutean ademaacutes de la voz los gestos del rostro los ademanes los movimientos del cuerpo e incluso el vestuario que en la retoacuterica de los siglos V y IV teniacutean una funcioacuten importante para la produccioacuten de emociones con el fi n de persuadir como lo sentildeala el propio Aristoacuteteles42 Aunque en el campo de la retoacuterica estos aspectos ya habiacutean sido observados por el fi loacutesofo alcanzaron su plena sistematizacioacuten praacutectica en la retoacuterica latina de la eacutepoca de Ciceroacuten y Quintiliano vinculaacutendoseles a todos ellos bajo el nombre de actio o pronuntiatio

40 La ejecucioacuten fue un elemento de primera importancia desde el punto de vista praacutectico no porque sea un don natural sino porque los elementos de los que consta son susceptibles maacutes de la observacioacuten de la imitacioacuten y de la ensentildeanza praacutectica maacutes que de la descripcioacuten teoacuterica41 Ademaacutes de distinguir entre la ejecucioacuten en diferentes geacuteneros literarios y especies discursivas es necesario considerar tambieacuten la evolucioacuten de las praacutecticas discursivas al adaptarse a las cambiantes condiciones de circulacioacuten En el aacutegora griega y el foro romano la ejecucioacuten no podiacutea ser la misma Un juez o algunos jueces requieren de una ejecucioacuten diferente de la que se da en un jurado de cientos de personas que desconocen en principio el asunto que se las va a presentar De la misma manera el siglo VI presentaba condiciones muy diferentes a las de los siglos V y IV a C La ejecucioacuten estaba sometida a una constante originalidad42 Arist Rh 1386ordf33-35 ἀνάγκη τοὺς συναπεργαζομένους σχήμασι καὶ φωναῖς καὶ ἐσθῆσι καὶ ὅλως ὑποκρίσει ἐλεεινοτέρους εἶναι (ἐγγὺς γὰρ ποιοῦσι φαίνεσθαι τὸ κακόν πρὸ ὀμμάτων ποιοῦντες []) ldquoes necesario que quienes elaboran su discurso con la ayuda de posturas voces y vestidos en todo con modulacioacuten oral parecen maacutes dignos de compasioacuten (pues hacen que el mal aparezca cerca ponieacutendolo ante los ojos [])

- 117 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Es necesario auacuten profundizar en los fundamentos y los elementos de la hipocriacutetica y sobre todo en su ensentildeanza y su aplicacioacuten praacutectica estrechamente vinculados a los fenoacutemenos prosoacutedicos actualmente estudiados por Maria Flaacutevia Figueiredo de la Universidad de Franca Satildeo Paolo Brasil (Figueiredo 2017 etc)

BIBLIOGRAFIacuteA

Fuentes y obras de consulta

ALCIDAMANTE Orazioni e frammenti Testo introduzione traduzione e note a cura de G Avezzugrave Roma ldquoLrsquoErmardquo de Bretschneider 1982

ARISTOacuteTELES Retoacuterica 4a ed bilinguumle griego-espantildeol Traduccioacuten proacutelogo y notas de Antonio Tovar Madrid Centro de Estudios Constitucionales 1990

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Quintiacuten Racionero Madrid Gredos 1999

HERMAGORAE Temnitae testimonia et fragmenta Collegit D Matthes Leipzig Teubner 1962

ISOCRATE Discours vol I texte eacutetabli et traduit par G Mathieu and Eacute Breacutemond Paris Les Belles Lettres 19724

ISOCRATE Orazioni Panegirico Areopagitico Sulla pace Filippo Panatenaico introduzione traduzione e note di Ch Ghirga e Roberta Romussi testo greco a fronte Milano Rizzoli 2001

SPENGEL L Rhetores Graeci 3 vols 2a ed del vol I 2 por C Hammer Leipzig Teubner 1853-1856 1853 (I) 1854 (II) 1856 (III)

WALZ C Rhetores Graeci 9 vols Stuttgart-Tubinga Cotta 1832-1836 1932 (I) 1833 (IV V VII pars 1) 1934 (III VI VII pars 2 VIII) VI) 1835 (II) 1936 (IX)

- 118 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BALDWIN Ch S Ancient Rhetoric and Poetic Interpretated from Representative Works 3 vols NY Macmillan 1924 || Reimpr Gloucester (Mass) Peter Schmith 1959

EDWARDS M ldquoHypokritēs in Action Delivery in Greek Rhetoricrdquo Christos Kremmydas Jonathan Powell Lene Rubinstein Profession and Performance Aspects of oratory in the Greco-Roman world School of Advanced Study University of London Institute of Classical Studies 2013 15-25

FANTHAM E ldquoRhetor andet actorrdquo Greek and Roman Actors Aspects of an Ancient Profession edited by Pat Easterling Edith Hall Camridge Cambridge University Press 2002 362-376

FIGUEIREDO M F y A R Radi ldquoNuances do dizer efeitos retoacutericos da prosoacutediardquo en L A Ferreira (Org) Artimanhas do dizer retoacuterica oratoacuteria e eloquecircncia Satildeo Paulo Blucher 2017 125-138

FRACHET Ceacutecile ldquoLrsquoactiorsquo oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctorrsquo de la rsquoRheacutetorique agrave Herenniusrsquo Ciceacuteron et Quintilienrdquo Litteacuteratures 2012 ltdumas-00705366gt

FORTENBAUGH William et al (eds) Th eophrastus of Eresus Sources for His Life Writings Th ought and Infl uence Parts 1-2 2nd Ed Leiden-New York-Koumlln Brill 1992

FRACHET Ceacutecile Lrsquoactio oratoire theacuteorie et pratique chez lrsquoAuctor de la Rheacutetorique agrave Herennius Ciceacuteron et Quintilien Meacutemoire de Master Speacutecialiteacute Litteacuteratures ndash Parcours PLC Lettres classiques Sous la direction de Madame Sophie Aubert‐Baillot Universiteacute Stendhal (Grenoble3) UFR LLASIC ndash Langage Lettres et Arts du spectacle Information et Communication Anneacutee universitaire 2011‐2012

GONZAacuteLEZ Joseacute M Th e Epic Rhapsode and His Craft Homeric Performance in a Diachronic Perspective Hellenic Studies Series 47 Washington DC Center for Hellenic Studies 2013 httpnrsharvardeduurn-3hulebookCHS_GonzalezJTh e_Epic_Rhapsode_and_his_Craft2013

HILDER Jennifer ldquoTh e Politics of Pronuntiatio Th e Rhetorica ad Herennium and Delivery in the First Century bcrdquo en Gray Christa et

- 119 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

al Reading Republican Oratory Reconstructions Contexts Receptions Oxford Oxford University Press 2018

MORTARA GARAVELLI B Manuale di retorica Milano Bompiani 2003

NAVARRE O Essai sur la Rheacutetorique Grecque avant Aristote Paris 1900

VALLOZZA M ldquoLa testimonianza di Atanasio sul Περὶ ὑποκρίσεως di Teofrasto (177 3-8 Rabe = 712 FHSampG)rdquo Papers on Rhetoric III (edited by Lucia Calboli Montefusco) (2000) 271-281

VOLKMANN R Die Rhetorik der Griechen und Roumlmer in systematischer Oumlbersicht dargestellt Leipzig Teubner 18852

- 120 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 121 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel

INTRODUCcedilAtildeO

Discorrer sobre Bakhtin seus textos como eacute possiacutevel interpretaacute-los parece ser sempre um desafi o devido a vaacuterias questotildees Uma sempre lembrada eacute a ainda controversa questatildeo da autoria de textos que ora se reputam a Bakhtin ora se admitem como produtos da pena de Voloacutechinov ou Medvieacutedev Outro ponto delicado satildeo as traduccedilotildees que embasaram as discussotildees em solo brasileiro por longo tempo Se hoje felizmente conta-se no Brasil como boas traduccedilotildees de parte consideraacutevel da produccedilatildeo do assim chamado Ciacuterculo de Bakhtin eacute necessaacuterio reconhecer que traduccedilotildees nem sempre tatildeo adequadas resultaram em problemas na interpretaccedilatildeo da jaacute de per si nada faacutecil obra do Ciacuterculo

E eacute exatamente essa interpretaccedilatildeo que se quer focalizar nesse introito A questatildeo do corpo nos escritos de Bakhtin (leia-se doravante de seu Ciacuterculo) eacute surpreendente e complexa sendo considerada de perspectivas ricamente diacutespares ainda que natildeo absolutamente divergentes em diferentes obras

Em ldquoA cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelaisrdquo (20131965) por exemplo Bakhtin versaraacute sobre as representaccedilotildees do corpo ldquogrotescordquo assinalando como fi zera a respeito de outros pontos da esteacutetica rabelaisiana a ambiguidade constitutiva dessa representaccedilatildeo que natildeo deve ser tomada como simples exagero depreciador

A AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO

VESTIBULAR UNICAMP

- 122 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Outra perspectiva de contemplaccedilatildeo do corpo estaacute presente no admiraacutevel ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que Bakhtin aborda a questatildeo ponderando a respeito da imagem exterior e interior dos homens na vida real e das personagens no mundo fi ccional a fi m de entender a posiccedilatildeo excedente do homem ou autor em relaccedilatildeo ao outro outrem ou personagem

Concepccedilatildeo bastante similar a respeito do corpo eacute expressa nas paacuteginas de ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111929) embora nessa obra Bakhtin se atenha sobretudo agrave autoconsciecircncia como centro organizador da vivecircncia do homem tanto psicologicamente como de seu (corpo) exterior

Assim haacute se natildeo vaacuterios pelo menos alguns modos de entender o corpo nos escritos do Ciacuterculo Por isso rememorando o que se disse no iniacutecio deste preacircmbulo sendo tantas as discussotildees e intepretaccedilotildees possiacuteveis eacute importante destacar por quais caminhos se buscaraacute entender o corpo a voz e a linguagem neste capiacutetulo em especiacutefi co

Esclarece-se entatildeo de antematildeo que se buscaraacute analisar especialmente a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador do corpo Em algum sentido seraacute uma quase negaccedilatildeo da importacircncia do corpo fiacutesico pautando-se a exposiccedilatildeo pelas ideias bakhtinianas a respeito do corpo como resultado da autoconsciecircncia Frise-se eacute apenas umas das interpretaccedilotildees possiacuteveis

AUTOCONSCIEcircNCIA COMO CENTRO ORGANIZA-DOR DA VIDA E DO CORPO ANAacuteLISE DE REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP

Em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo Bakhtin (2003 [192-] p 46 grifo do autor) observa

- 123 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

De fato mal a pessoa comeccedila a vivenciar a si mesma de dentro depara imediatamente com atos de reconhecimento e de amor de pessoas iacutentimas da matildee que partem de fora ao encontro dela dos laacutebios da matildee e de pessoas iacutentimas a crianccedila recebe todas as defi niccedilotildees de si mesma Dos laacutebios delas no tom volitivo-emocional do seu amor a crianccedila ouve e comeccedila a reconhecer o seu nome a denominaccedilatildeo de todos os elementos relacionados ao seu corpo e agraves vivecircncias e estados interiores satildeo palavras de pessoas que ama as primeiras palavras sobre ela as mais autorizadas que pela primeira vez lhe determinam de fora a personalidade e vatildeo ao encontro da sua proacutepria e obscura auto-sensaccedilatildeo interior dando-lhe forma e nome em que pela primeira vez ela toma consciecircncia de si e se localiza como algo

O modo como cada indiviacuteduo sentiraacute e reconheceraacute seu proacuteprio corpo eacute dado pela primeira vez pela palavra do outro Eacute do outro que deriva a percepccedilatildeo a denominaccedilatildeo e a valoraccedilatildeo das partes do corpo Natildeo se trata de um reconhecimento faacutetico fi sioloacutegico fiacutesico externo Natildeo eacute o tocar o proacuteprio corpo que cria para o sujeito a dimensatildeo de sua realidade corpoacuterea esta eacute construiacuteda pela palavra do outro

Ressalte-se que a palavra do outro para fornecer pela primeira vez a ideia do corpo exterior precisa adentrar a autoconsciecircncia do indiviacuteduo ali destacando para o ldquoeurdquo a sua proacutepria condiccedilatildeo fiacutesica nomeando e valorando seu corpo estabelecendo pela primeira vez sua corporeidade exterior O corpo exterior eacute organizado pela autoconsciecircncia prenhe das palavras alheias

A relevacircncia da autoconsciecircncia tambeacutem seraacute explorada por Bakhtin em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111963) quando o pensador russo empreende um profundo trabalho analiacutetico da prosa dostoievskiana entendendo a autoconsciecircncia

- 124 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo como mero aspecto psicoloacutegico da personagem mas seu centro de organizaccedilatildeo Na autoconsciecircncia se desenvolve o diaacutelogo interior repleto de vozes alheias com as quais o sujeito dialoga e em meio as quais ele mesmo se organiza inclusive em termos da percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo

Por isso segundo Bakhtin (20111963) a questatildeo do corpo externo das personagens seraacute pouco explorada nas obras dostoievskianas cujo centro de interesse seratildeo os diaacutelogos por meio dos quais se constituem as autoconsciecircncias das personagens

Especialmente nos romances classifi cados por Bakhtin como polifocircnicos o centro da representaccedilatildeo literaacuteria eacute a autoconsciecircncia inacabada e inacabaacutevel da personagem Inacabada pois nem autor narrador ou qualquer outra personagem estaacute autorizada a dar a palavra fi nal sobre o outro ndash inclusive sobre o corpo do outro Inacabaacutevel pois a personagem natildeo consegue se distanciar de si para atraveacutes de um olhar externo se autoconferir um acabamento de seu interior e de seu (corpo) exterior

Conforme assinala Tezza (2003 p 182) ldquoNa obra polifocircnica os heroacuteis natildeo se defi nem pela biografi a nem se determinam pelo seu passado natildeo podem nem mesmo ser defi nidos por suas caracteriacutesticas fiacutesicas pelo olhar de fora []rdquo

A vida das personagens dostoievskianas gravita ao redor de suas autoconsciecircncias alimentadas pelos inuacutemeros diaacutelogos que travam com outros e consigo mesmas Eacute por esse vieacutes que podem vir a se interessar pelo proacuteprio corpo caso o outro lhes aguce o olhar O corpo soacute aparece como centro de interesse para a personagem caso algueacutem lhe incite a isso caso algueacutem lhe faccedila se deter a contemplar sua proacutepria realidade corporal Acontecimento de todo modo raro na obra dostoievskiana

- 125 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Para prosseguir nessa questatildeo cabe perguntar se assim eacute na sofi sticada prosa dostoeivskiana como seria em outros gecircneros discursivos em outros autores Buscando responder a essas questotildees passa-se agrave anaacutelise de duas redaccedilotildees escritas no contexto do vestibular Unicamp e eleitas pela Comissatildeo Permanente do Vestibular Unicamp (Comvest) entre as melhores dos anos em que foram elaboradas

REDACcedilOtildeES DO VESTIBULAR UNICAMP AUTOCONS-CIEcircNCIA E CORPO

Em ldquoOs gecircneros do discursordquo (2003 [1952-1953]) mas tambeacutem em outros textos como ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo e ldquoO discurso no romancerdquo (2015 [1930-1936] entre outros Bakhtin sublinha a importacircncia de comparar os fenocircmenos linguiacutesticos em diferentes gecircneros discursivos dado que em cada um eacute possiacutevel ser distinto o emprego da linguagem verbal

Por isso se eacute fundamental a questatildeo da autoconsciecircncia como centro da vida e portanto do corpo nos romances polifonocircnicos de Dostoieacutevski pretende-se divisar como essa questatildeo aparece em outros gecircneros Para a realizaccedilatildeo dessa anaacutelise elege-se no escopo deste capiacutetulo textos tambeacutem narrativos embora de gecircnero discursivo bastante diverso o ldquogecircnero redaccedilatildeo de vestibularrdquo ndash conforme denominaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo proposta por Cocircrrea (2010)

Para dar iniacutecio agrave discussatildeo transcreve-se a proposta do Vestibular Unicamp 2000 para o Tema B narraccedilatildeo (COMVEST 2000 p 113-114)

- 126 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A seguir transcreve-se uma redaccedilatildeo (COMVEST 2000 p 132-137)1 que atendeu a essa proposta

1 A autora do texto eacute a vestibulanda Gabriela Abreu Guedes Natildeo se omite o nome da candidata pois eacute puacuteblica a autoria das redaccedilotildees que compotildeem as coletacircneas de redaccedilotildees organizadas pela Comvest Aleacutem disso eacute meritoacuteria a referecircncia a candidatos cujos textos se destacam no conjunto dos milhares que a cada ano satildeo avaliados pela Comvest

TEMA B

No dia 5 de outubro de 1999 terccedila-feira o jornal Correio Popular de Campinas SP publicou a seguinte manchete de primeira paacutegina acompanhada de breve texto

100 mil fi cam sem aacutegua em Sumareacute

Um crime ambiental provocou a suspensatildeo do abastecimento de aacutegua de cerca de 100 mil moradores de Sumareacute A medida foi tomada na sexta-feira quando uma mancha de oacuteleo de aproximadamente 3 quilocircmetros de extensatildeo surgiu nas aacuteguas do rio Atibaia Anteontem uma nova mancha apareceu nas proximidades da Estaccedilatildeo de Tratamento de Aacutegua I na divisa entre o bairro Nova Veneza e o municiacutepio de Pauliacutenia A situaccedilatildeo somente seraacute normalizada na quinta-feira A Cetesb investiga o caso e os teacutecnicos acreditam que o produto (oacuteleo diesel ou gasolina) foi despejado em esgoto domeacutestico em Pauliacutenia

Leve em conta essa notiacutecia e privilegie a hipoacutetese dos teacutecnicos apresentada no fi nal do texto A partir desses elementos escreva uma narraccedilatildeo em terceira pessoa caracterizando adequadamente personagens e ambiente Crie um detetive ou um repoacuterter investigativo que quando tenta resolver o ldquocrime ambientalrdquo descobre que o ocorrido eacute parte de uma conspiraccedilatildeo maior

- 127 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Sexta-feira 1ordm de outubro de 1999

A mancha tomava conta do rio pouco a pouco O rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordens Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram Respaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

Saacutebado 02 de outubro de 1999

Na redaccedilatildeo o calor era toacuterrido O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado Os colegas achavam graccedila ldquoseraacute que vocecirc escolheu a profi ssatildeo certardquo perguntavam Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria

- 128 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila Quando o editor pediu que ele fosse conferir a ldquotal manchardquo no rio ele foi com a mesma solicitude indiferente de sempre

Domingo 03 de outubro de 1999

No dia anterior havia feito inuacutemeras entrevistas engenheiros teacutecnicos autoridades Havia a possibilidade de a poluiccedilatildeo ter sido intencional mas tal hipoacutetese geralmente sussurrada ou dita de modo sorrateiro parecia causar incocircmodo Apenas o ldquofocardquo se interessou pela teoria ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo O bip chamava deveria ir a Pauliacutenia pois havia uma nova mancha por laacute

Segunda-feira 04 de outubro de 1999

Mal o editor deixara a sala vieram os colegas felicitaacute-lo pela reportagem a mateacuteria seria manchete de primeira paacutegina Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes Ao sair recebeu sinal para subir Falando com o engenheiro-chefe entendeu

- 129 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido O telefone tocou

Terccedila-feira 05 de outubro de 1999

O ldquofocardquo chegava ao lugar marcado com quinze minutos de antecedecircncia Pelo telefone a pessoa apenas informou a hora e o local em que deveriam se encontrar Natildeo se identifi cou e natildeo disse como estaria Aparentemente um boteco como qualquer outro adentrou o local relutante entre a curiosidade e a cautela Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado Ao sentar-se agrave mesa recebeu um bilhete que o mandava subir Obedeceu cauteloso No andar superior conversou com uma pessoa que por sua vez conduziu-o a outra sala Estava comeccedilando a assustar-se A sala estava escura e ele natildeo podia ver quem laacute estava Apenas ouvia uma voz que o advertia a natildeo fazer perguntas A voz o informou de que um grupo politicamente oposto ao governo vigente tentava sabotaacute-lo poluindo criminosamente o rio o que aleacutem de indispor a simpatia da populaccedilatildeo contra as autoridades traria um grande prejuiacutezo econocircmico agrave cidade Falou mais e o jornalista ouvia eufoacuterico entendendo a dimensatildeo do que ouvia Ao sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceu

Quarta-feira 06 de outubro de 1999

O rapaz afrouxava a gravata Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

- 130 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A redaccedilatildeo daacute destaque a duas personagens o ldquofocardquo e o ldquorapaz de gravatardquo Quanto a este uacuteltimo haacute algumas passagens que falam de seu corpo ou pelo menos tomam-no de uma perspectiva externa como nas passagens ldquoO rapaz observando tudo afrouxou a gravata deu um uacuteltimo trago no cigarro e embora nesse momento jaacute estivesse sozinho falou alto ndash talvez para ver se assim se convenceria ndash que estava apenas cumprindo ordensrdquo ldquoRespaldado pela imponecircncia de sua imagem terno e gravata impecaacuteveis e um quecirc de altivez no olhar []rdquo e ldquoO rapaz afrouxava a gravatardquo Acerca do foca a uacutenica passagem em que se observa seu corpo exterior eacute ldquoAo sair do preacutedio uma bala atingiu-o pelas costas Seu corpo por ali mesmo desapareceurdquo

Esse olhar externo que o narrador de sua distacircncia exterior lanccedila sobre as personagens defi nindo-as natildeo eacute comum na prosa dostoievskiana mas cabe observar que mesmo nessa redaccedilatildeo de vestibular esse procedimento ocupa um espaccedilo composicional bastante diminuto se comparado ao que se dedica agrave observaccedilatildeo da autoconsciecircncia das personagens

Observe-se por exemplo que todas as longas passagens a seguir se voltam agrave autoconsciecircncia do ldquohomem de gravatardquo

(i) Fora dura a jornada ateacute ali Pessoas como ele natildeo tecircm opccedilatildeo se lutam contra o sistema se marginalizam Ele natildeo seria mais um O avocirc havia sido um idealista o pai um conformista e o que conseguiram [] procurava se convencer de que a Moral existe para subjugar os fracos a pobreza eacute nobre a humildade dignifi cante sofre-se na Terra para ganhar-se o reino dos ceacuteus vive-se em condiccedilotildees sub-humanas para se chegar ateacute Deus Fracos Apoacutes geraccedilotildees ele era o primeiro a ter coragem de dizer natildeo e enxergar a proacutepria realidade sem pseudo-moralismos Ele natildeo seria um fraco Procurava natildeo dar muita vazatildeo ao sentimento que teimava em invadir-lhe a mente quando pensava no pai ldquoFracordquo

- 131 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dessa vez quase gritou Agora cumpria ordens amanhatilde mandaria era soacute uma questatildeo de tempo

(ii) Apenas cumprira ordens O ldquotal jornalistardquo bem que havia provocado Eacute assim Hoje se obedece amanhatilde se manda Cada um em seu lugar

Por sua vez tambeacutem agrave autoconsciecircncia do ldquofocardquo eacute dedicado extenso espaccedilo composicional

(i) O ldquofocardquo ainda desacostumado agrave rotina acelerada de uma redaccedilatildeo de jornal jaacute pensava no proacuteximo feriado [] Um jornalista natildeo tem fi m de semana nem feriado mas natildeo era isso o que mais incomodava o foca A essa altura tinha realmente duacutevidas se havia escolhido a profi ssatildeo certa mas menos devido agrave suposta superatividade que por ver frustrada a imagem que em seus sonhos juvenis fazia da profi ssatildeo cobriria uma guerra no Golfo Peacutersico ou nas Balcatildes anunciaria em primeira matildeo notiacutecia envolvendo um ministro ou chefe de Estado vaticinaria com autoridade sobre um possiacutevel naufraacutegio econocircmico no paiacutes Sua mente trabalhava em ritmo mais acelerado que sua rotina suportava Talvez se desse bem como fi ccionista Enquanto isso ia alimentando uma ou duas histoacuterias na cabeccedila

(ii) ldquoIntencional Mais de cem pessoas estatildeo sem aacutegua que misturada a oacuteleo compotildee um conjunto extremamente toacutexico Mas que espeacutecie de intenccedilatildeo eacute essardquo

(iii) Indiferente agrave repercussatildeo o ldquofocardquo sentia uma sensaccedilatildeo ruim uma espeacutecie de mau pressaacutegio Lembrara da conversa com os teacutecnicos da Cetesb da duacutevida em colocar ou natildeo a hipoacutetese criminosa na reportagem Os teacutecnicos falavam com certa reserva mas bastante convicccedilatildeo Temiam represaacutelias mas sabiam o que estavam dizendo Ao perceberem o interesse do jornalista todos emudeceram unacircnimes [] Falando com o engenheiro-chefe entendeu que nunca se deve dizer tudo o que se sabe Eacute sensato

- 132 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

saber calar O jornal sairia na manhatilde seguinte e ele arrasado sentia-se vencido

(iv) Sabia que ter insinuado a hipoacutetese criminosa em sua mateacuteria havia irritado imensamente as autoridades locais que temiam que a populaccedilatildeo imaginasse que pudesse estar havendo perda de controle Quem mais ele teria irritado

Esses longos excertos os quais perfazem boa parte da estrutura composicional da redaccedilatildeo comprovam ser a autoconsciecircncia um aspecto tambeacutem muito relevante na composiccedilatildeo desse gecircnero A candidata ao escrever daacute destaque aos diaacutelogos interiores das personagens em detrimento de descriccedilotildees fiacutesicas

Todavia se poderaacute sempre arguir por oacutebvio que se trata apenas de um texto a partir do qual eacute temeraacuterio caracterizar todos os demais do mesmo gecircnero Aleacutem disso poder-se-ia aventar que a proposta de escrita infl uenciou na composiccedilatildeo de redaccedilotildees que focalizassem as questotildees da consciecircncia em prejuiacutezo de um desenvolvimento mais detalhado acerca do corpo das personagens

Sem de modo algum desconsiderar como vaacutelidas e pertinentes essas ressalvas passa-se ao exame de uma outra redaccedilatildeo cuja proposta supotildee-se poderia levar a uma maior atenccedilatildeo ao corpo fiacutesico das personagens

- 133 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

PROPOSTA B

Trabalhe sua narrativa a partir do seguinte recorte temaacutetico

O avanccedilo da tecnologia e da ciecircncia meacutedica desmistifi ca muitos dos preconceitos em torno das doenccedilas Entretanto algumas delas consideradas atualmente problemas de sauacutede puacuteblica como obesidade alcoolismo diabetes AIDS entre outras continuam a trazer difi culdades de autoaceitaccedilatildeo e de relacionamento social

Instruccedilotildees

1 - Imagine uma personagem que receba o diagnoacutestico de uma doenccedila que eacute tema de campanhas preventivas

2 - Narre as difi culdades vividas pela personagem no conviacutevio com a doenccedila

3 - Sua histoacuteria pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa

Segue a Proposta B do Vestibular Unicamp 2008 (COMVEST 2008 p 42)

A seguir transcreve-se a redaccedilatildeo (COMVEST 2008 p 142-

- 134 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Luta

O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava Teve de terminar a corrida seu exerciacutecio matinal e voltar para a casa Dormir descansar Depois mais exerciacutecio No caminho teve vontade de devorar vorazmente um cachorro-quente da barraquinha do seu Zeacute o fi el Zezinho Afastou a ideia natildeo podia mais comer porcarias E o bolo na geladeira Isso tudo natildeo era faacutecil Era estranho mas natildeo dependia da vontade dele O desejo era maior do que suas forccedilas

A corrida era seu exerciacutecio matinal desde a semana passada Era difiacutecil para ele correr mas ordens meacutedicas devem ser cumpridas Ao menos agora pois natildeo escutara os conselhos de seu meacutedico durante toda a vida O doutor sempre com aquele ar pomposo que aparentemente diz ldquoO mundo eacute meu e eu mando nelerdquo reafi rmou que seu fi el mas desatencioso paciente estava obeso e que era urgente a perda de peso Urgente Entatildeo vieram dieta e indicaccedilotildees de exerciacutecios fiacutesicos E ele tinha que cumprir ou sua sauacutede correria grave risco Todos falavam isso natildeo soacute o meacutedico Falavam de outra maneira eacute claro Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo Isso era um alerta

Finalmente chegou em casa Se enterrou no sofaacute e tentou de todo modo dormir Mas natildeo conseguia Sua barriga roncava gritava doiacutea Hoje soacute tinha tomado um leve cafeacute da manhatilde e ainda faltavam duas horas para o almoccedilo Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

- 135 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles Tinha que lutar A barriga pedia Ele a escutava Os roncos quase que falavam

Em um impulso levantou-se do sofaacute foi ateacute a geladeira O bolo estava laacute Imponente como um castelo medieval o poderoso artefato que saciaria sua vontade acalmaria seu desejo Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade Seu corpo pedia isso Levou o bolo para a sala pousou-o no colo e fi cou olhando para o doce O estocircmago nervoso incitava-o

Aquela bandeja a sua frente cheia de chocolate coco e caramelo aquele belo edifiacutecio de prazeres estava a seu alcance Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia O estocircmago dialogava com o bolo com uma voz aacutespera A resposta vinha doce e melodiosa Natildeo o meacutedico dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

Jogou furiosamente o bolo ao chatildeo Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado Chorou Chorou mais Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez Natildeo continuou

145)2 que atendeu agrave essa proposta

Nessa redaccedilatildeo o candidato opta por descrever os confl itos pelos quais passa uma pessoa obesa lutando para seguir as ordens meacutedicas e sociais que lhe accedilulam a emagrecer e sua voz interior 2 O autor do texto eacute Ricardo Amarante Turatti

- 136 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na qual essas vozes externas se conjugam com sua necessidade de comer ldquomais que as demais pessoasrdquo para se saciar

Pelo proacuteprio conteuacutedo temaacutetico a ser desenvolvido eacute de se esperar que a questatildeo do corpo apareccedila no texto De fato em comparaccedilatildeo agrave redaccedilatildeo anterior eacute possiacutevel observar uma maior atenccedilatildeo agrave descriccedilatildeo fiacutesica da personagem em passagens como

(i) O suor escorria em grossas bagas de seu rosto cheio e vermelho estafado Suas articulaccedilotildees doiacuteam as dobras de sua carne balanccedilavam e pesavam sua garganta apertava o estocircmago roncava e embrulhava

(ii) Ele sempre fora o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo

(iii) Sua barriga roncava gritava doiacutea

(iv) Olhou para seu corpo Era desajeitado e feio A barriga e a papada se subdividiam em vaacuterias dobras tinhas as pernas e os braccedilos grossos e moles

(v) Seu corpo pedia isso

(vi) Olhou com laacutegrimas nos olhos para o castelo desmanchado [] Ele se agachou com imensa difi culdade e comeu o castelo desmanchado no chatildeo

Todavia em vaacuterias passagens o narrador se deteacutem a descrever a autoconsciecircncia da personagem

(i) Natildeo iria aguentar Bem que queria Aquela vontade imensa de comer saborear com lentidatildeo preparar um prato de comida natildeo dependia dele Ele ateacute tinha boa vontade queria emagrecer ser saudaacutevel mas natildeo conseguia Agora que percebia tudo isso

(ii) Mas a luta interna continuava Ele soacute se saciaria se comesse muito Ficava satisfeito comendo mais que as demais pessoas Isso natildeo era gula era sua necessidade

(iii) Mas natildeo podia a dieta natildeo permitia [] Natildeo o meacutedico

- 137 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

dizia que natildeo devia natildeo podia seus amigos tambeacutem diziam natildeo sua matildee dizia natildeo Natildeo

(iv) Agora tinha certeza Natildeo conseguiria vencer a luta contra a sua necessidade A fome apertava e doiacutea [] A dieta teria que esperar Ele se prepararia Continuaria amanhatilde ou depois talvez

Mais relevante poreacutem que contrastar o espaccedilo composicional dedicado a cada aspecto eacute observar que mesmo as menccedilotildees ao corpo provecircm das vozes que o protagonista ouviu de outros sujeitos Assim ver-se como o ldquoBolardquo o ldquoRodelardquo o ldquoJoatildeo Grandatildeordquo eacute ver-se pelos olhos dos outros ou para usar um termo mais proacuteprio ao universo bakhtiniano pelas vozes dos outros Satildeo essas vozes alheias que lhe falam sobre o seu corpo Vozes que lhe habitam a autoconsciecircncia a partir de onde se organiza interior mas tambeacutem exteriormente

Receba uma maior ou menor atenccedilatildeo do narrador seja mais ou menos tematizado nas vozes de personagens ou do proacuteprio heroacutei o corpo ndash como toda a vida eacute imprescindiacutevel sublinhar ndash na perspectiva bakhtiniana natildeo eacute uma realidade faacutetica exterior simplesmente reconheciacutevel O corpo eacute construiacutedo pelo discurso Primeiro pelo discurso alheio que pela primeira vez nomeia mas tambeacutem valora o corpo do outro Essas vozes alheias passam a habitar a autoconsciecircncia do sujeito organizando sua vivecircncia organizando o modo como se vecirc como sujeito inclusive em termos de seu corpo fiacutesico

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A questatildeo do corpo nos escritos em Bakhtin pode ser vista a partir de diferentes vieses Neste capiacutetulo propugnou-se ver o corpo como resultante da autoconsciecircncia Para isso buscou-se apoio principalmente nas observaccedilotildees de Bakhtin expostas em dois textos (i) em ldquoO autor e a personagem na atividade esteacuteticardquo (2003 [192-]) em que o pensador russo a pretexto de fazer uma

- 138 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

distinccedilatildeo entre ldquocorpo interiorrdquo e ldquocorpo exteriorrdquo acaba por afi rmar o primado da autoconsciecircncia (interior) com fonte de percepccedilatildeo e valorizaccedilatildeo do corpo exterior e (ii) em ldquoProblemas da poeacutetica de Dostoieacutevskirdquo (20111969) em que a primazia da autoconsciecircncia como centro organizador da vida e do corpo eacute exemplifi cado na anaacutelise de obras dostoievskianas

Dessa fundamentaccedilatildeo teoacuterica passou-se agrave anaacutelise de ldquoredaccedilotildees de vestibularrdquo (CORREcircA 2011) um gecircnero bastante diverso daqueles examinados por Bakhtin Pretendeu-se por essa incursatildeo evidenciar que tambeacutem em outros gecircneros eacute fulcral a questatildeo da autoconsciecircncia como centro organizador da percepccedilatildeo do corpo Como se espera ter mostrado mesmo em uma redaccedilatildeo cujo enfoque temaacutetico poderia levar a uma manifesta valorizaccedilatildeo da corporeidade exterior a autoconsciecircncia ainda aparece como centro organizador do corpo e da vida ndash e no que se refere agrave materializaccedilatildeo do discurso como centro organizador do desenvolvimento temaacutetico do texto do candidato

Ao realizar a refl exatildeo proposta neste capiacutetulo parece possiacutevel entender que da perspectiva bakhtiniana o corpo assim como todos os demais elementos do homem ndash personagem ou natildeo ndash resulta das vozes com as quais o sujeito entra em contato no transcurso de sua vida Mais uma vez entatildeo impotildeem-se considerar o homem no acircmbito de suas complexas relaccedilotildees dialoacutegicas (MACIEL 2014) atraveacutes das quais pelo outro ele se constitui pela primeira vez para si mesmo

O corpo eacute resultado de relaccedilotildees dialoacutegicas atraveacutes das quais enunciados alheios adentram a autoconsciecircncia do sujeito aiacute entrando em confronto com outras vozes proacuteprias e alheias Essa autoconsciecircncia porque resulta do infi ndo diaacutelogo em sentido amplo que o sujeito nunca deixa de estabelecer eacute inacabada

- 139 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

(BAKHTIN 19191921) sendo importante lembrar que a percepccedilatildeo do corpo proacuteprio ou alheio eacute sempre mutaacutevel

As vozes alimentam a autoconsciecircncia de onde deriva a percepccedilatildeo do corpo A percepccedilatildeo da realidade fiacutesica portanto para Bakhtin decorre do exerciacutecio da linguagem A percepccedilatildeo do corpo deriva da voz a percepccedilatildeo do corpo resulta da linguagem

REFEREcircNCIAS

BAKHTIN M M (19191921) Para uma fi losofi a do ato Traduccedilatildeo natildeo revisada para fi ns didaacuteticos e acadecircmicos realizada por Carlos Alberto Faraco e Cristovam Tezza [SI sn] [2005-2006]

______ [192-] O autor e a personagem na atividade esteacutetica In Esteacutetica da criaccedilatildeo verbal Trad Paulo Bezerra 4 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

______ [1930-1936] O discurso no romance In ______ A teoria do romance I A estiliacutestica Traduccedilatildeo prefaacutecio notas e glossaacuterio de Paulo Bezerra Satildeo Paulo Hucitec 2015

______ Os gecircneros do discurso In ______ Os gecircneros do discurso Organizaccedilatildeo traduccedilatildeo posfaacutecio e notas Paulo Bezerra Satildeo Paulo Editora 34 2016a p11-69 [1952-1953]

______ (1963) Problemas da poeacutetica de Dostoieacutevski Trad Paulo Bezerra 5 ed (2 tiragem) Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2011

______ (1965) A cultura popular na Idade Meacutedia e no Renascimento o contexto de Franccedilois Rabelais Trad Yara Frateschi Vieira Satildeo Paulo Hucitec 2013

COMVEST Redaccedilotildees do Vestibular Unicamp 2000 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Proacute-Reitoria de Extensatildeo e Assuntos Comunitaacuterios Campinas Editora da Unicamp 2000

- 140 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

______ Vestibular Unicamp redaccedilotildees 2008 Proacute-Reitoria de Graduaccedilatildeo Comissatildeo Permanente para os vestibulares Campinas Editora da Unicamp 2008

CORREcircA M L G Encontros entre praacutetica de pesquisa e ensino oralidade e letramento no ensino da escrita Perspectiva Florianoacutepolis v 28 n 2 p 625-648 juldez 2010

MACIEL L V C Relaccedilotildees dialoacutegicas em narrativas Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas 2014

- 141 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Maria Flaacutevia Figueiredo

Os discursos retoacutericos buscam por primazia despertar no auditoacuterio a adesatildeo agraves teses defendidas pelo orador Assim no jogo argumentativo toda e qualquer estrateacutegia capaz de potencializar o alcance persuasivo do argumento defendido conta positivamente para o orador e por essa razatildeo desperta o interesse da retoacuterica que por sua vez se ocupa de averiguar o que gera em cada caso o convencimento e a persuasatildeo1

Nesse processo persuasivo uma das estrateacutegias mais efi cazes eacute o despertar de paixotildees no auditoacuterio Segundo Aristoacuteteles esse recurso funciona de maneira muito efetiva uma vez que as emoccedilotildees humanas (paixotildees) quando despertadas causam necessariamente alteraccedilatildeo nos indiviacuteduos que as sentem e introduzem mudanccedilas em seus juiacutezos o que altera e direciona seus julgamentos

Esse tema de extrema relevacircncia para o entendimento do ser humano e de grande implicaccedilatildeo para o processo persuasivo foi proposto pelo fi loacutesofo de Estagira no livro II de sua Retoacuterica2 Neste trabalho optamos por trazecirc-lo novamente agrave baila e lanccedilar sobre ele outros olhares com base em estudos retoacutericos desenvolvidos na

1 Agradeccedilo ao meu orientando Valmir Ferreira dos Santos Juacutenior pelas sugestotildees dadas agrave redaccedilatildeo deste capiacutetulo2 Sobre a composiccedilatildeo fi nal dessa obra dividida em trecircs livros Quintiacuten Racionero (tradu-tor de Aristoacuteteles diretamente do grego para o espanhol) explica que se deu a partir de 355 aC durante a segunda estada de Aristoacuteteles em AtenasO primeiro livro se ocupa da estrutura da arte retoacuterica da defi niccedilatildeo dos argumentos e tambeacutem dos gecircneros retoacutericos judicial (que visa acusar ou defender) deliberativo (que objetiva discorrer sobre a utilidade ou natildeo de uma problemaacutetica em prol de uma deci-satildeo) e epidiacutetico (que elogia ou censura) O segundo livro se ocupa das paixotildees humanas do caraacuteter dos sujeitos e da estrutura loacutegica do raciociacutenio retoacuterico O terceiro aborda o estilo as fi guras retoacutericas e a composiccedilatildeo do discurso e de suas partes

A RETOacuteRICA DAS PAIXOtildeES REVISITADA

- 142 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

atualidade e com o auxiacutelio de perspectivas contemporacircneas sobre a temaacutetica

Nosso percurso investigativo tem entatildeo por objetivo refl etir sobre como as paixotildees aristoteacutelicas alcanccedilam e impactam a alma humana e consequentemente conduzem o Homem agrave accedilatildeo Para que possamos discorrer sobre tais processos adentraremos primeiramente a fonte de suas refl exotildees em acircmbito retoacuterico a Retoacuterica das paixotildees

Esse tiacutetulo foi dado ao livro II da Retoacuterica aristoteacutelica que aqui no Brasil recebeu uma ediccedilatildeo biliacutengue (portuguecircs ndash grego) e foi prefaciada com notaacutevel profundidade fi losoacutefi ca por Michel Meyer No prefaacutecio o pensador belga perscruta a obra do estagirita de forma distinta trazendo refl exotildees sobre a gecircnese das emoccedilotildees desde os diaacutelogos platocircnicos ateacute a descriccedilatildeo de Aristoacuteteles passando tambeacutem pelas modulaccedilotildees que a mateacuteria discursiva pode sofrer em funccedilatildeo dos diversos fi ns retoacutericos

Em um dos trechos de seu texto Meyer (2000 p XL) assim se pronuncia ldquolugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircnciardquo Nessa barganha da identidade em detrimento da diferenccedila o campo emotivo ganha lugar para angariar o convencimento e a persuasatildeo do outro Isto eacute as paixotildees em um processo argumentativo satildeo pontes que permitem a conexatildeo e a proximidade dos homens por meio da identifi caccedilatildeo de traccedilos defl agrados em comum

Ciente do papel que exercem no discurso Aristoacuteteles descreve com perspicaacutecia contundente as paixotildees que acometem a alma humana e a fazem subjugar Assim o mestre abre o livro II com a seguinte refl exatildeo ldquovisto que a retoacuterica tem como fi m um julgamento [] eacute necessaacuterio natildeo soacute atentar para o discurso a fi m de que ele seja demonstrativo e digno de feacute mas tambeacutem pocircr-se a si proacuteprio e ao juiz em certas disposiccedilotildeesrdquo (ARISTOacuteTELES

- 143 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

2000 p 3) Esse trecho jaacute nos permite antever a funccedilatildeo primordial das paixotildees qual seja a de encontrar ou suscitar no auditoacuterio as paixotildees disponiacuteveis A esse respeito discorreremos com mais vagar nos paraacutegrafos que se seguem

Seguindo essa linha de raciociacutenio o sistematizador da retoacuterica se dispotildee a mostrar ldquoque as paixotildees constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencerrdquo (MEYER 2000 p XLI) Portanto com vistas a uma argumentaccedilatildeo efetiva que alcance a persuasatildeo o orador precisa ser capaz de acessar o campo emocional de seu auditoacuterio por meio do uso adequado de processos discursivos que possam afl orar as afecccedilotildees de quem testemunha seu ato argumentativo

Para o mestre estagirita as paixotildees humanas ou emoccedilotildees ldquosatildeo as causas que fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanccedilas nos seus juiacutezos na medida em que elas comportam dor e prazerrdquo (ARISTOacuteTELES 2015 p 116) Ao observar essa refl exatildeo conseguimos compreender que elas funcionam como direcionadores sentimentais que visam introduzir um estado em um sujeito para entatildeo tornar sua visatildeo sobre determinada questatildeo favoraacutevel a quem profere o discurso A esse respeito tambeacutem refl etimos sobre o que versa Aristoacuteteles (2000 p 3) no seguinte trecho ldquopara as pessoas que amam as coisas natildeo parecem ser as mesmas que para aquelas que odeiam nem para os dominados pela coacutelera as mesmas que para os tranquilosrdquo Aqui temos a confi rmaccedilatildeo de que as paixotildees possuem o poder de alterar a oacutetica de quem observa uma questatildeo fazendo seu julgamento variar de acordo com a afecccedilatildeo introduzida em sua alma

A refl exatildeo feita por Aristoacuteteles sobre as paixotildees humanas foi de tamanha importacircncia que tem sido retomada para propoacutesitos distintos por pesquisadores de diversas aacutereas de interesse tais como a neurociecircncia a psicologia a psicanaacutelise a fi losofi a a linguiacutestica e a sociologia De fato os apontamentos do fi loacutesofo

- 144 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sobre a temaacutetica guiam direta ou indiretamente novas concepccedilotildees acerca das emoccedilotildees ateacute os dias atuais Esse fato justifi ca as incursotildees agrave instacircncia passional de inuacutemeros campos do saber

Acreditamos que os apontamentos aristoteacutelicos tecircm sido profiacutecuos principalmente em funccedilatildeo daquilo que nos recorda Meyer (2000 p XXXIX) ldquoPara Aristoacuteteles [] as paixotildees estatildeo intimamente associadas ao apetite sensiacutevel o qual eacute fl utuante e por isso desestabiliza o homemrdquo Por meio dessa transiccedilatildeo instaacutevel que fundamenta o campo sensiacutevel humano eacute entatildeo que as paixotildees ganham campo para infl igir dor ou prazer em quem as sente Eacute importante ressaltar poreacutem que na retoacuterica especifi camente as paixotildees satildeo entendidas como ldquoresposta a outra pessoa e mais precisamente agrave representaccedilatildeo que ela faz de noacutes em seu espiacuterito As paixotildees refl etem no fundo as representaccedilotildees que fazemos dos outros considerando-se o que eles satildeo para noacutes realmente ou no domiacutenio de nossa imaginaccedilatildeordquo (MEYER 2000 p XLI) Sendo assim nesse campo do saber as paixotildees estatildeo relacionadas a situaccedilotildees transitoacuterias provocadas pelo orador por essa razatildeo natildeo satildeo entendidas como virtudes ou viacutecios permanentes (cf FONSECA 2000 p XV)

Visto que discorremos sobre as delimitaccedilotildees que compreendem as paixotildees humanas passemos agraves caracterizaccedilotildees desses estados de que o orador lanccedila matildeo com o intuito de transformar as disposiccedilotildees em que se encontram os homens Como explicita Meyer (2000 p XXXIX) em seu prefaacutecio cada uma das paixotildees remonta a um turbilhatildeo uma confusatildeo que apesar de desorientadora e altamente modifi cadora eacute transitoacuteria moacutevel capaz de ser revertida e subvertida Aleacutem disso eacute um refl exo sensiacutevel do outro ou seja eacute a ponte que conecta os homens por meio do campo passional Ademais e sobretudo cada paixatildeo despertada por um orador defl agra muito da existecircncia do proacuteprio sujeito que testemunha o ato discursivo Por meio do afl orar dos sentimentos o indiviacuteduo

- 145 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

abre entatildeo as portas do seu campo sensiacutevel deixando que o outro conheccedila suas disponibilidades e por consequecircncia suas motivaccedilotildees e valores

Fica clara entatildeo a importacircncia dessa instacircncia para o campo da retoacuterica uma vez que ao saber quais satildeo os valores com os quais o auditoacuterio compactua o orador pode seguir seu caminho argumentativo de forma muito mais segura e precisa Eacute nesse sentido que como estrateacutegia retoacuterica as paixotildees satildeo consideradas uma das premissas do entimema (silogismo retoacuterico) (cf SILVA 2013 p 13)

Para nos aprofundarmos ainda mais nesse universo eacute preciso visitar a classifi caccedilatildeo das paixotildees descritas por Aristoacuteteles na obra mencionada Vejamos entatildeo as 14 paixotildees apresentadas na Retoacuterica ira calma amizade (amor) inimizade (oacutedio) temor (medo) confi anccedila amabilidade (favor) vergonha desvergonha (impudecircncia) piedade (compaixatildeo) indignaccedilatildeo inveja emulaccedilatildeo e indelicadeza (desprezo)

De acordo com o exposto podemos compreender que as paixotildees compotildeem um arcabouccedilo no qual se inserem as mais diversas nuances dos estados da alma humana O orador pode e deve entatildeo adentrar e explorar tal arcabouccedilo com o intuito de infl amar a paixatildeo que mais se adeacuteque ao objetivo de seu discurso Mediante as paixotildees elencadas tambeacutem eacute possiacutevel compreender que uma vez confi gurados tais estados transitoacuterios que transformam o julgamento humano desencadeia-se um processo para seus devidos efeitos A descriccedilatildeo de tal processo constitui o cerne do presente trabalho

Antes poreacutem de investigar os caminhos que as paixotildees percorrem no campo afetivo eacute necessaacuterio descrever cada uma delas Vejamos entatildeo uma breve explanaccedilatildeo para cada uma dessas afecccedilotildees

Coacutelera eacute um impulso de vinganccedila causado por injustifi cada negligecircncia em relaccedilatildeo ao outro ou aos que satildeo seus queridos

- 146 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Essa paixatildeo reequilibra a diferenccedila causada pela insolecircncia pelo despeito e pelo desprezo Consiste na tentaccedilatildeo de causar desgosto ao outro Tange portanto ao pessoal a questotildees particulares entre sujeitos

Calma eacute o contraacuterio e talvez o antiacutedoto da coacutelera Confi gura o estado de apaziguamento apoacutes um tormento estrondoso e recria a simetria entre os indiviacuteduos

Amor eacute desejar para algueacutem aquelas coisas que vocecirc considera boas (desejando-as para o outro e natildeo para si) e tentar ao maacuteximo fazer com que elas ocorram Eacute entatildeo o laccedilo de identidade com o outro

Oacutedio eacute dissociador Eacute a acircnsia por querer causar mal ao outro Diferentemente da coacutelera o oacutedio diz respeito agrave inimizade em relaccedilatildeo ao geral agraves classes natildeo ao particular Odeiam-se aos ladrotildees malfeitores e carrascos agraves classes natildeo aos sujeitos Quem sente coacutelera quer que o causador de seu tormento sinta em seu lugar seu mal enquanto quem sente oacutedio deseja que seu alvo desapareccedila

Temor uma dor ou distuacuterbio decorrente da projeccedilatildeo de um mal iminente que tem caracterizaccedilatildeo destrutiva e penosa Eacute acompanhado de uma expectativa Temem-se entatildeo os maus que podem nos arruinar ou arruinar quem nos eacute querido

Confi anccedila (seguranccedila) eacute o oposto do medo Eacute acompanhada da esperanccedila (antecipaccedilatildeo) das coisas que levam agrave seguranccedila como algo proacuteximo enquanto as causas do medo parecem inexistentes ou distantes

Vergonha valoriza a imagem que o outro cria de noacutes eacute dor ou perturbaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao presente passado ou futuro que achamos que tenderaacute ao nosso descreacutedito de acordo com a visatildeo de outrem Caracteriza a inferioridade que sentimos em relaccedilatildeo ao outro

- 147 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Impudecircncia (desvergonha) tambeacutem ocorre de acordo com a imagem que criam de noacutes poreacutem essa concepccedilatildeo natildeo nos traz dor alguma pelo contraacuterio cria indiferenccedila que anula qualquer possibilidade do desgosto Defl agra a posiccedilatildeo de superioridade em que nos colocamos em relaccedilatildeo ao julgamento do outro

Favor (obsequiosidade) bondade desinteressada em fazer ou devolver o bem ao outro

Compaixatildeo (piedade) sentimento de dor considerado como sendo um mal destrutivo ou doloroso que recai sobre quem natildeo o merece Eacute despertada quando pensamos que noacutes mesmos ou algueacutem proacuteximo a noacutes poderia sofrer tal mal sobretudo quando essa possibilidade parece real e alardeadora

Indignaccedilatildeo compreende uma dor ao avistar o destino de algueacutem que natildeo o mereceu

Inveja anguacutestia perturbadora dirigida agrave boa sorte de um igual A dor eacute sentida natildeo porque se deseja algo mas porque as outras pessoas o tecircm Eacute relacionada entatildeo ao sentimento de querer tirar ou destruir o que eacute de outrem

Emulaccedilatildeo relaciona-se ao movimento de imitaccedilatildeo ao outro Sentimento em relaccedilatildeo aos bens ou conquistas de outrem que consideramos desejaacuteveis e que estatildeo ao nosso alcance Eacute uma dor sentida natildeo porque as outras pessoas tenham tais bens mas porque natildeo os temos tambeacutem o que nos impele a querer possuiacute-los

Desprezo antiacutetese da emulaccedilatildeo As pessoas que estatildeo em posiccedilatildeo de serem imitadas tendem a sentir desprezo por aqueles que estatildeo sujeitos a quaisquer males (defeitos e desvantagens) Assim o desprezo pressupotildee que o outro natildeo merece o que tem pelo fato de ser inferior ao seu destino

Ao observar as defi niccedilotildees das 14 paixotildees aristoteacutelicas descritas no livro II podemos compreender melhor as mais diversas

- 148 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nuances que alteram o juiacutezo do homem Ainda nessa perspectiva a teoacuterica Carmen Trueba Atienza apoacutes estudar as obras Da alma Retoacuterica e Poeacutetica de Aristoacuteteles elabora uma ldquoteoria aristoteacutelica das emoccedilotildeesrdquo3 Refl itamos entatildeo brevemente sobre as proposiccedilotildees da pesquisadora em seu estudo de 2009

O objetivo do trabalho de Trueba Atienza eacute reconstruir a parte central das diferentes abordagens sobre as paixotildees que se encontram de acordo com a autora dispersas no corpus aristoteacutelico Ao analisar e discutir os aspectos interpretativos mais recorrentes na atualidade a autora investiga as diversas engrenagens passionais (como por exemplo os processos fi sioloacutegicos e as sensaccedilotildees fiacutesicas) Ademais refl ete sobre os estados e processos cognitivos para entatildeo propor uma visatildeo cognitivista das paixotildees aristoteacutelicas

A primeira proposiccedilatildeo apresentada eacute que por meio das evidecircncias deixadas no corpus aristoteacutelico ldquoAristoacuteteles considera as paixotildees ou emoccedilotildees afecccedilotildees psicofiacutesicas associadas a alteraccedilotildees fi sioloacutegicas e que envolvem sensaccedilotildees de dor ou prazerrdquo4

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 152 traduccedilatildeo nossa) Essas alteraccedilotildees natildeo satildeo instauradas apenas na alma humana mas tambeacutem no corpo de quem estaacute agrave mercecirc de uma das paixotildees O sentido de dorprazer aqui se estende para um campo que foge do psiacutequico adentrando o campo sensorial Uma vez desencadeados os sentimentos de dor ou prazer estados e processos cognitivos se manifestam Isto eacute tal sentimento instaura um estado mental em quem o sente fazendo o sujeito criar signifi caccedilotildees cognitivas tais como sensaccedilotildees ou percepccedilotildees impressotildees sensiacuteveis ou racionais e crenccedilas ou julgamentos

A partir da manifestaccedilatildeo desses processos o indiviacuteduo cujo juiacutezo e corpo sofreram alteraccedilotildees passionais eacute lanccedilado a posiccedilotildees 3 Em espanhol La teoria aristoteacutelica de las emociones4 ldquoAristoacuteteles considera las pasiones o emociones afecciones psicofiacutesica associadas com alteraciones fi sioloacutegicas y que conllevan sensaciones de dolor yo placerrdquo (TRUE-BA ATIENZA 2009 p 152)

- 149 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

e determinaccedilotildees em relaccedilatildeo ao mundo e agrave questatildeo relacionada ao desencadeamento das paixotildees Isso por fi m gera os desejos ou impulsos que remetem ao movimentoaccedilatildeo daquele sujeito em relaccedilatildeo agrave problemaacutetica que alterou seu campo emocional em um niacutevel psicofiacutesico

Trueba Atienza (2009) entatildeo a partir do arcabouccedilo aristoteacutelico afi rma que as emoccedilotildees satildeo afecccedilotildees psicofiacutesicas complexas que envolvem segundo o proacuteprio fi loacutesofo

1) alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos

2) sentimentos de prazer eou dor

3) estados ou processos cognitivos tais como

a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis)

b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia)

c) crenccedilas (doxai) ou julgamentos (hypolepsis)

4) atitudes ou disposiccedilotildees para com o mundo e

5) desejos ou impulsos (orexis)5

De acordo com a autora (2009 p 168 traduccedilatildeo nossa) ldquoa atenccedilatildeo que Aristoacuteteles dedica a cada um desses cinco aspectos das emoccedilotildees depende em grande parte da relaccedilatildeo que eles tecircm com as questotildees fi losoacutefi cas que ele analisa e discute nos diferentes lugares em que lida com emoccedilotildees ou faz alguma alusatildeo a elasrdquo6 Podemos ainda observar que cada uma dessas cinco instacircncias satildeo de alguma maneira elementos constitutivos das emoccedilotildees

5 Reorganizado com base no original em espanhol6 ldquoLa atencioacuten que Aristoacuteteles le dedica a cada uno de estos cinco aspectos de las emociones depende en gran medida de la relacioacuten que ellos guardan con las cuestiones fi losoacutefi cas que eacutel analiza y discute en los diferentes lugares del corpus en los que se ocupa de las emociones o hace alguna alusioacuten a ellasrdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 150 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Em relaccedilatildeo ao terceiro item do esquema os componentes cognitivos da emoccedilatildeo podem ser separados uns dos outros mas (como veremos por meio do exemplo da autora) haacute casos que admitiriam combinaccedilotildees dependendo do grau de complexidadeintensidade da emoccedilatildeo em questatildeo Assim

o medo poderia vir acompanhado da percepccedilatildeo de um objeto (o fogo) e da impressatildeo avaliativa de que se trata de um perigo iminente da crenccedila de que o fogo eacute de tal magnitude que pode causar grandes danos e do julgamento de que temos que fugir neste momento [] o medo do fogo seria acompanhado de palidez eou tremor a sensaccedilatildeo de dor a atitude de alerta e o desejo de ser salvo7

(TRUEBA ATIENZA 2009 p 168 traduccedilatildeo nossa)

Por meio desse exemplo a autora demonstra que o alcance passional de cada um dos componentes da emoccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a natureza de cada afecccedilatildeo e tambeacutem de acordo com a disposiccedilatildeo das pessoas e as circunstacircncias particulares nas quais elas experimentam tais paixotildees Isso faz com que lancemos matildeo de outro autor da atualidade para compreender melhor a instacircncia do pathos dentro da Retoacuterica

Antes poreacutem eacute importante ressaltar que o pathos ao lado do ethos e do logos integra o tripeacute retoacuterico Enquanto o primeiro se refere ao auditoacuterio e ao conjunto de paixotildees por ele sentidas o veacutertice do ethos pode ser relacionado ao orador ou seja

7 ldquoel temor podriacutea ir acompanhado de la percepcioacuten de un objeto (el fuego) y de la impresioacuten evaluativa de que se trata de un peligro inminente de la creencia de que el fuego es de tal magnitud que puede acarrear un gran dantildeo y del juicio de que hay que huir en este momento Pero en cualquier caso los componentes cognitivos iriacutean acompantildeados del resto de los componentes de las emociones Retomando el ejemplo anterior el temor por el fuego iriacutea acompanhado de la palidez yo el temblor la sensacioacuten de dolor la actitud alerta y el deseo de sal-varserdquo (TRUEBA ATIENZA 2009 p 168)

- 151 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

compreende agrave construccedilatildeo imageacutetica que ele proacuteprio sustenta de si ademais tudo o que remonta agrave imagem que o auditoacuterio cria de seu orador O logos por sua vez abrange toda a mateacuteria que compotildee o discurso proferido ou seja as provas os argumentos as fi guras os exemplos a linguagem o estilo

De volta ao primeiro veacutertice no artigo ldquoO que eacute pathosrdquo Francisco Martins discorre sobre as vaacuterias acepccedilotildees do termo desde sua origem ligada ao ato de fi losofar ateacute os dias atuais Cada uma dessas defi niccedilotildees faz alusatildeo a um determinado campo do saber o que possibilita diversas conexotildees semacircnticas entre as inuacutemeras caracterizaccedilotildees apresentadas

Passando pela concepccedilatildeo contemporacircnea do termo bastante simplifi cadora por sinal Martins (1999 p 65) recorda que a palavra pathos (transformada em um radical) direciona quase que exclusivamente ldquoa uma concepccedilatildeo de doenccedila na sua forma meacutedica atualrdquo daiacute os termos patoloacutegico patologia patologista Poreacutem o autor enfatiza que essa palavra teve uma origem fi losoacutefi ca e eacute este o ponto que nos interessa na abordagem aqui proposta A esse respeito leiamos o que elucida o pesquisador

O conceito de pathos traz consigo possibilidades e problemas mais amplos que o sentido de doenccedila natildeo fazendo parte de um soacute campo de estudos como a palavra ldquopatologiardquo indica Investigando-se com mais cuidado percebe-se que se trata de uma dimensatildeo essencial humana O pathos seria compreendido como uma disposiccedilatildeo (Stimmung) originaacuteria do sujeito que estaacute na base do que eacute proacuteprio do humano Assim o pathos atravessa toda e qualquer dimensatildeo humana permeando todo o universo do ser Natildeo seria entatildeo uma surpresa redescobrir o pathos como estando na base da fi losofi a que infl uenciou toda a construccedilatildeo do mundo moderno e em

- 152 -

AS CRISES NADA CONTEMPORANEIDADE ANAacuteLISES DISCURSIVAS

especial da ciecircncia a fi losofi a grega Toda e qualquer tentativa de elucidar o pathos de maneira mais aprofundada passaria natildeo somente pelas regionalizaccedilotildees do ponto de vista de aacutereas de conhecimento especiacutefi cas mas pela fi losofi a na sua totalidade Eacute do horizonte do logos que se torna possiacutevel um panorama organizador desta questatildeo humana Evidencia-se a impossibilidade de que o pathos possa vir a ser objeto de estudo de uma soacute disciplina ele eacute um conceito inerente ao ser (MARTINS 1999 p 66 grifos nossos)

A partir dessa visatildeo mais ampla do termo nos eacute conveniente neste trabalho retornar agrave concepccedilatildeo originaacuteria do termo e tomaacute-lo de acordo com o autor como ldquouma disposiccedilatildeo originaacuteria do sujeitordquo E natildeo paramos por aiacute Seguindo a linha de raciociacutenio proposta no artigo essa ldquodisposiccedilatildeordquo faz tambeacutem referecircncia agravequilo que natildeo estaacute ocupado por consequecircncia que se encontra livre desimpedido E eacute exatamente sobre esta concepccedilatildeo que iremos nos debruccedilar pois eacute ela que julgamos mais produtiva na compreensatildeo da instacircncia do pathos dentro da retoacuterica Como veremos a seguir nossa proposta partiraacute especifi camente dessa concepccedilatildeo

Com base nas refl exotildees apresentadas propomos abaixo uma possiacutevel trajetoacuteria das paixotildees tal como acreditamos suceder dentro do processo persuasivo Para tanto estabelecemos os seguintes estaacutegios

- 153 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figura 1 ndash A trajetoacuteria da paixatildeo

Fonte elaboraccedilatildeo da autora

Nos paraacutegrafos que se seguem nos dedicaremos a caracterizar cada um dos estaacutegios supracitados e que compotildeem a trajetoacuteria da paixatildeo conforme nossa leitura da obra aristoteacutelica

I - Disponibilidade

Dentro da Retoacuterica a instacircncia do pathos se refere ao auditoacuterio e suas paixotildees Portanto para que um discurso seja persuasivo sugere-se que o orador ao elaborar sua argumentaccedilatildeo recorra ao terreno emocional de seu ouvinte Natildeo obstante esse caminho soacute se torna viaacutevel quando as emoccedilotildees do auditoacuterio se encontram disponiacuteveis para a exploraccedilatildeo do orador Para isso eacute necessaacuteria uma disponibilidade afetiva por parte do auditoacuterio que permita criar espaccedilo para a paixatildeo preconizada por quem profere o ato argumentativo Em outras palavras um auditoacuterio soacute sentiraacute determinada paixatildeo (afecccedilatildeo) se estiver aberto de acordo com sua preacute-disposiccedilatildeo cognitiva a experimentar aquela emoccedilatildeo

O estaacutegio da Disponibilidade portanto tange a aceitaccedilatildeo e a disposiccedilatildeo emocional do auditoacuterio agraves emoccedilotildees propostas em um

- 154 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

determinado discurso Nessa etapa uma vez que a paixatildeo lanccedilada pelo orador encontra espaccedilo no campo afetivo do auditoacuterio a trajetoacuteria das paixotildees recebe aval para percorrer de forma imbatiacutevel a maacutequina humana Atinge-se assim o segundo estaacutegio

II - Identifi caccedilatildeoNessa etapa tem lugar um aspecto primordial do processo

persuasivo sem o qual nenhum dos passos subsequentes se fariam possiacuteveis Trata-se da Identifi caccedilatildeo Por meio dela acionam-se estados ou processos cognitivos tais como a) sensaccedilotildees ou percepccedilotildees (aisthēsis) e b) impressotildees sensiacuteveis eou impressotildees racionais ( fantasia) Vemos nesse estaacutegio uma coincidecircncia com aquilo que Trueba Atienza (2009) pocircde verifi car no arcabouccedilo aristoteacutelico

Eacute tambeacutem por meio da Identifi caccedilatildeo que as paixotildees conseguem exercer sua ldquofunccedilatildeo intelectual epistecircmica operam como imagens mentais informam-me sobre mim e sobre o outro tal como ele age em mimrdquo (MEYER 2000 p XLII) Dessa maneira fi ca evidente que soacute vou me sensibilizar se antes conseguir me identifi car Quando isso acontece passamos ao terceiro estaacutegio da trajetoacuteria

III - Alteraccedilatildeo psicofiacutesica

Nessa fase em decorrecircncia dos processos identitaacuterios como parte integrante do auditoacuterio passo a experienciar alteraccedilotildees e processos fi sioloacutegicos seguidos de sentimentos de prazer eou dor tal como descritos por Aristoacuteteles

Seguindo essa linha de raciociacutenio Trueba Atienza (2009 p 149 traduccedilatildeo e grifos nossos) fundamentada na obra Da alma assim se expressa ldquoAs afecccedilotildees da alma parecem se dar com o corpo lsquovalor docilidade medo compaixatildeo ousadia assim como a alegria o amor e o oacutedio O corpo desde entatildeo resulta afetado conjuntamente em todos esses casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo8 8 ldquoLas afecciones del alma parecen darse con el cuerpo lsquovalor dulzura miedo compasioacuten osadiacutea asiacute como la alegriacutea el amor y el odio El cuerpo desde luego resulta

- 155 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Vemos entatildeo que a paixatildeo natildeo se limita a exercer uma funccedilatildeo intelectual ou epistecircmica como ressaltado no estaacutegio anterior Aqui ela atinge tambeacutem o corpo e o interpela e o conduz juntamente com a mente a uma mudanccedila de julgamento Assim atingimos o estaacutegio subsequente

IV - Mudanccedila de julgamentoNessa fase podemos observar uma alteraccedilatildeo nos estados ou

processos cognitivos no que tangem as crenccedilas (doxai) ou os julgamentos (hypolepsis) do auditoacuterio Essa alteraccedilatildeo decorre da mudanccedila ocorrida no espiacuterito em funccedilatildeo da experiecircncia de dor eou de prazer Como nos recorda Aristoacuteteles (2015 p 116) ldquonesse estado observa-se uma notaacutevel diferenccedila nos julgamentos proferidosrdquo9

Dessa maneira assistimos agrave conjunccedilatildeo do corpo e da mente impulsionados por uma mesma causa Nessa sintonia e instigado pela Mudanccedila de julgamento o auditoacuterio se vecirc convocado agrave accedilatildeo Assim caminhamos fi nalmente para o aacutepice da trajetoacuteria passional o estaacutegio da Accedilatildeo

V - Accedilatildeo

Por fi m o processo persuasivo atinge seu objetivo uacuteltimo qual seja o de conduzir o auditoacuterio agrave accedilatildeo Como enfatiza Abreu (2002 p 25) ldquoPersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para agirrdquo

Nesse estaacutegio portanto podemos assistir ao espetaacuteculo das atitudes ou disposiccedilotildees do auditoacuterio para com o mundo Assim na esteira aristoteacutelica sistematizada por Trueba Atienza (2009) o auditoacuterio poderaacute por fi m e inevitavelmente dar vazatildeo a seus desejos ou impulsos (orexis) Esse processo nos faz recordar as palavras do

afectado (paacuteschei) conjuntamente en todos estos casosrsquo (DA 403a 16-18)rdquo9 Por essa razatildeo Solomon (1980 p 35 traduccedilatildeo nossa) defende que ldquouma emoccedilatildeo eacute necessariamente um julgamento apressado em resposta a uma situaccedilatildeo difiacutecilrdquo (ldquoAn emotion is a necessarily hasty judgment in response to a diffi cult situationrdquo) Nesse sentido uma emoccedilatildeo jaacute eacute potencialmente um julgamento

- 156 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

fi loacutesofo belga quando afi rma ldquoA paixatildeo tornada incontornaacutevel exige a accedilatildeo Daiacute a obrigatoacuteria relaccedilatildeo eacutetica com a paixatildeo pois a moral se estriba numa justa deliberaccedilatildeo capaz de ensejar a accedilatildeordquo (MEYER 2000 p XXXIV)

Somente assim podemos considerar que o processo persuasivo chegou ao seu fi m e podemos entatildeo assistir ao fechamento do ciclo Nesse estaacutegio por tanto todas as demais fases precedentes exercem seu papel e estabelecem sua importacircncia ldquoO circuito estaacute fechado haacute paixatildeo porque haacute accedilatildeo e essa reciprocidade inscreve-se como interaccedilatildeo de diferenccedilas no seio de uma mesma identidade de uma mesma comunidaderdquo (MEYER 2000 p XXXVII)

Como balanccedilo da trajetoacuteria das paixotildees por noacutes proposta gostariacuteamos de fi nalizar com um dos trechos mais emblemaacuteticos sobre o assunto e que ao nosso ver transita por todo o percurso passional aqui sugerido

A paixatildeo eacute decerto uma confusatildeo mas eacute antes de tudo um estado de alma moacutevel reversiacutevel sempre suscetiacutevel de ser contrariado invertido uma representaccedilatildeo sensiacutevel do outro uma reaccedilatildeo agrave imagem que ele cria de noacutes uma espeacutecie de consciecircncia social inata que refl ete nossa identidade tal como esta se exprime na relaccedilatildeo incessante com outrem Reequiliacutebrio que assegura a constacircncia na variaccedilatildeo multiforme que o outro assume em sociedade a paixatildeo eacute resposta julgamento refl exatildeo sobre o que somos porque o outro eacute pelo exame do que o outro eacute para noacutes Lugar em que se aventuram a identidade e a diferenccedila a paixatildeo se presta a negociar uma pela outra ela eacute momento retoacuterico por excelecircncia (MEYER 2000 p XXXIX-XL)

- 157 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Mediante a amplitude do arcabouccedilo aristoteacutelico e seu inegaacutevel impacto para o avanccedilo intelectual da humanidade no presente capiacutetulo tivemos o propoacutesito revisitar um de seus mais relevantes legados sua retoacuterica das paixotildees Para isso buscamos perscrutar a obra do fi loacutesofo com o interesse de um investigador de textos antigos poreacutem com os olhos fi xos na atualidade pois nosso intuito foi desde o princiacutepio compreender de que maneira seu entendimento das emoccedilotildees humanas poderia nos levar a uma concepccedilatildeo mais apurada dos processos argumentativos presentes na contemporaneidade

Acreditamos ter cumprido nosso objetivo e esperamos que a proposiccedilatildeo da trajetoacuteria das paixotildees aqui empreendida sirva de estiacutemulo para os investigadores da aacuterea e constitua tambeacutem um caminho mais curto frente ao complexo e inacabado entendimento do universo passional do homem e de suas consequecircncias

REFEREcircNCIAS

ABREU A S A arte de argumentar gerenciando razatildeo e emoccedilatildeo 5 ed Cotia Ateliecirc Editorial 2002

ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Prefaacutecio de Michel Meyer Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

______ Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ARISTOacuteTELES Retoacuterica Traduccedilatildeo do grego Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena Satildeo Paulo Folha de S Paulo 2015 (Coleccedilatildeo Folha Grandes nomes do pensamento v 1)

- 158 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

HOUAISS Dicionaacuterio eletrocircnico Rio de Janeiro HouaissObjetiva 2009

MARTINS Francisco O que eacute pathos Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental Satildeo Paulo v 2 n 4 p 62-80 OctDec 1999

MEYER Michel Aristoacuteteles ou a retoacuterica das paixotildees (Prefaacutecio) In ARISTOacuteTELES Retoacuterica das paixotildees Traduccedilatildeo de Isis Borges B da Fonseca Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p XVII-LI

SILVA Christiani Margareth de Menezes A dimensatildeo cognitiva da paixatildeo em Aristoacuteteles EIDampA ndash Revista Eletrocircnica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentaccedilatildeo Ilheacuteus n 4 p 13-23 jun 2013

SOLOMON Robert C Emotions and choice Th e Review of Metaphysics v 27 n 1 p 20-41 Sep 1973 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable20126349seq=1page_scan_tab_contentsgt Acesso em 28 out 2017

TRUEBA ATIENZA Carmen La teoriacutea aristoteacutelica de las emociones Signos fi losoacutefi cos Meacutexico v 11 n 22 juldic 2009

- 159 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Moacir Lopes de Camargos

Como se fosse um raio que quebra seus ossos e te deixa varado no meu paacutetio

Julio Cortaacutezar

PARA INICIAR

No ano em que completo 50 anos tambeacutem completa 50 anos de AI5 Ato Institucional nuacutemero 5 decretado pelo General Meacutedici Se por um lado posso comemorar minha data o que escolhi natildeo fazecirc-lo tendo em vista que por destino talvez nesta minha data completo tambeacutem 10 anos na cidade de inverno frio deste ditador Por outro restam perguntas e medos e ainda ecoam signos (prisatildeo censura tortura morte) que refl etem e refratam uma realidade outra mas natildeo distante A memoacuteria natildeo pode apagar a (minha) nossa histoacuteria latino-americana mas do silecircncio vem as formas signifi cativas de muitas possiacuteveis respostas Como mostra a canccedilatildeo La memoria do cantor e compositor argentino Leoacuten Gieco

Los viejos amores que no estaacutenLa ilusioacuten de los que perdieronTodas las promesas que se van

Y los que en cualquier guerra cayeron

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historia

QUANDO A LINGUA(GEM) ME AFETA

- 160 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El engantildeo y la complicidadDe los genocidas que estaacuten sueltos

El indulto y el punto fi nalA las bestias de aquel infi erno

Todo estaacute guardado en la memoriaSuentildeo de la vida y de la historiaLa memoria despierta para herir

A los pueblos dormidosQue no la dejan vivirLibre como el viento

Los desaparecidos que se buscanCon el color de sus nacimientos

El hambre y la abundancia que se juntanEl mal trato con su mal recuerdo

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

Dos mil comeriacutean por un antildeoCon lo que cuesta un minuto militar

Cuaacutentos dejariacutean de ser esclavosPor el precio de una bomba al mar

Todo estaacute clavado en la memoriaEspina de la vida y de la historia

La memoria pincha hasta sangrarA los pueblos que la amarran

Y no la dejan andarLibre como el viento

Todos los muertos de la amIaY de la embajada de israel

- 161 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

El poder secreto de las armasLa justicia que mira y no ve

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

Fue cuando se callaron las iglesiasCuando el fuacutetbol se lo comioacute todoQue los padres palotinos y angelelli

Dejaron su sangre en el lodo

Todo estaacute escondido en la memoriaRefugio de la vida y de la historia

La memoria estalla hasta vencerA los pueblos que la aplastan

Y no la dejan serLibre como el viento

La bala a chico meacutendez en brasil150000 Guatemaltecos

Los mineros que enfrentan al fusilRepresioacuten estudiantil en meacutexico

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historia

Ameacuterica con almas destruidasLos chicos que mata el escuadroacutenSuplicio de mugica por las villas

Dignidad de rodolfo walsh

Todo estaacute cargado en la memoriaArma de la vida y de la historiaLa memoria apunta hasta matar

- 162 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A los pueblos que la callanY no la dejan volar

Libre como el viento

E como tudo estaacute clavado na nossa memoacuteria como nos ensina a canccedilatildeo seja individual ou coletiva busco em minhas memoacuterias narrativas de experiecircncias para trazer outras perguntas e assim gestar outras possiacuteveis respostas ou continuar com outras perguntas Sobre a experiecircncia o professor Larrosa (2004) nos mostra que

O sujeito da experiecircncia eacute um sujeito ex-posto Do ponto de vista da experiecircncia o importante natildeo eacute nem a posiccedilatildeo (nossa maneira de pocircr-nos) nem a o-posiccedilatildeo (nossa maneira de opor-nos) nem a im-posiccedilatildeo (nossa maneira de impor-nos) nem a pro-posiccedilatildeo (nossa maneira de propor-nos) mas a exposiccedilatildeo nossa maneira de ex-por-nos com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e risco Por isso eacute incapaz de experiecircncia aquele que se potildee ou se opotildee ou se impotildee ou se propotildee mas natildeo se ex-potildee Eacute incapaz da experiecircncia aquele a quem nada lhe passa a quem nada lhe acontece a quem nada lhe sucede a quem nada lhe toca nada lhe chega nada lhe afeta a quem nada lhe ameaccedila a quem nada lhe fere (LARROSA 2004 p 161)

Assim busco em outras vozes para narrar um pouco do que me afeta e me toca neste momento Embora este texto apareccedila em primeira pessoa natildeo sou o autor absoluto pois outras vozes e enunciados me constituem e me modifi cam constantemente Se a historia eacute minha eu natildeo sou a uacutenica voz que a compotildee porque como escreve Daniel Viglietti1

1 Muacutesica otra voz canta do cd A dos vocecircs de Daneil Viglietti

- 163 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Por detraacutes de mi voz-escucha escucha -

otra voz canta

Viene de detraacutes de lejosViene de sepultadas

boca y canta

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha ndashmientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Escucha escuchaOtra voz canta

Dicen que ahora vivenEn tu mirada

(sosteacutenlos con tus ojoscon tus palabras

sosteacutenlos con tu vidaque no se pierdanque no se caigan)

Escucha escuchaOtra voz canta

No son soacutelo memoriaSon vida abierta

Continua y anchaSon camino que empieza

Cantan conmigoConmigo cantan

- 164 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Dicen que no estaacuten muertos-escuacutechalos escucha-mientras se alza la voz

que los recuerda y canta

Cantan conmigoConmigo cantan

Tomando a perspectiva bakhtiniana sobre autor este eacute polifocircnico pois escuta as vozes (ante)passadas as vozes presentes e responde a elas Assim

a seleccedilatildeo e a valorizaccedilatildeo impliacutecita daquilo que se elege para ser contado conferem ao narrador a condiccedilatildeo de autor Eacute uma histoacuteria que tendo em vista minha histoacuteria uacutenica e irrepetiacutevel que reside na memoacuteria social do grupo essa historia natildeo eacute soacute minha Desse modo natildeo posso ser a autora dela mas somente da narrativa circunscrita ao meu projeto de dizer Aos motivos que me levaram a narraacute-la Por ser a histoacuteria do grupo faz parte da tradiccedilatildeo coletiva (LIMA 2005 p52)

Trago entatildeo uma primeira narrativa2 para contar algo do passado ()

Pois se eles querem meu sangue Teratildeo o meu sangue soacute no fi m

E se eles querem meu corpo Soacute se eu estiver morto soacute assim

(Querem meu sangue - Cidade Negra)

2 As narrativas deste texto satildeo narradas segundo minha memoacuteria mas as palavras natildeo foram apagadas apenas omiti detalhes

- 165 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Cidadezinha qualquer de Minas sob a atmosfera pluacutembea no iniacutecio dos anos 80 mas pode ser (ainda hoje) de qualquer lugar do Brasil uma pracinha tranquila uma pensatildeo velha com um boteco em frente e um corpo abjeto agonizante na calccedilada do bar Um corte profundo em seu nariz seguindo pelo seu rosto Borbulhas de sangue em seus olhos Gritos agudos desesperados Apenas um vestido surrado e sandaacutelias velhas Mais sangue pelo corpo pela calccedilada pelos cacos de vidro Gritos Em instantes uma multidatildeo curiosa Filho da puta ladratildeo Chutes Pontapeacutes Socos E a rapidez da poliacutecia encanta impressiona nesses momentos Alguma coisa fora da ordem Poliacutecia para quem precisa Mais gritos prisatildeo para o Joatildeo Muieacute boacuteia-fria favelado sem vergonha vagabundo vira omi Seu corpo ensanguentado rosto com choro cortado arrastado e espancado diante da multidatildeo jogado dentro do camburatildeo Corpo pichador da cidade A multidatildeo feliz Risos Mais um fi nal feliz Nesse instante minha mudez me delatou apenas continuei com a imagem do rosto ensanguentado Era o meu vizinho era aquele corpo natildeo permitido de caminhar na cidade ldquolimpardquo Adolescentemente continuei mudo perplexo e natildeo entendi nada Meus olhos fi caram parados Eu tinha apenas 15 anos mas jaacute conhecia muito bem as diferentes violecircncias Natildeo soube caminhar naquele instante tinha que voltar ao bar e limpar o sangue os cacos E a cidadezinha continuou devagar homem mulher cachorro burro e poliacutecia Paz Seraacute que Drummond diria ecircta vida besta meu deus

Haacute um iacutenterim entre essa narrativa e tantas outras vividas na infacircncia e adolescecircncia no campo e numa cidade do interior Passaram os acontecimentos mas natildeo passou jamais a dor e a(s) paisagem(ns) que me recuso a revecirc-las Eacute um tempo do qual eu

- 166 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

natildeo quero guardar lembranccedilas Eacute um tempo que queria esquecer para sempre mas como natildeo posso fazecirc-lo pois minha memoacuteria insiste em trazecirc-los agrave tona escrevo

Assim segue a segunda narrativa

Quando completei 20 anos ainda em tempos sombrios sem democracia (1988) eu estava em meu primeiro emprego lavar pratos em uma cozinha de um drive in para sexo e drogas na cidade de Uberlacircndia MG Trabalhava de 17 horas as 5 da manhatilde e voltava para casa becircbado de sono em uma rua empoeirada A Lagoinha periferia fi cava a 40 minutos desse trabalho Eu dormia o dia todo e isso era bom pois economizava a comida ou seja comia uma uacutenica vez no dia na casa de conhecidos que me receberam Em um dos retornos para casa quase chegando em casa eis que uma viatura da poliacutecia em um fi at 147 cor bege me parou em frente ao centro do bairro um local com preacutedios tipo uma escola com quadra para esporte Era ali onde os moradores daquela periferia se reuniam para cursos diversos atividades esportivas pegar livros da Kombi itinerante da biblioteca municipal dentre tantas outras atividades Havia dois policiais na viatura O motorista me disse -Pare Era frio de junho e com minhas roupas rotas o frio aumentou e senti todo meu corpo tremer Tinha um xerox de minha identidade no bolso e nas matildeos uma sacolinha de plaacutestico com caixinhas vazias de catupiri que sempre levava para as crianccedilas brincarem pois o sabor de tal queijo nunca tiacutenhamos saboreado talvez em sonhos Os dois policiais desceram rapidamente do carro e gritaram com as matildeos em suas armas -Matildeos na grade Natildeo havia muro que cercava o centro de bairro era uma grade de metal que protegia o local De repente levei um empurratildeo e senti minha cara

- 167 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sendo amassada na tela grossa de arame Natildeo podia mover-me apenas olhei a sala iluminada com as maacutequinas de escrever todas manuais Era ali onde eu sonhava em ter um trabalho importante decente digno pois 3 vezes por semana driblava o cansaccedilo e a fome para sentir o tic tac estalado das maacutequinas de escrever em meus sonhos meu futuro Segurei forte nos arames enquanto um deles gritou - Vagabundo preguiccediloso natildeo sabe falar natildeo tem ouvido Onde cecirc mora O que taacute fazendo na rua a essa hora Gritou forte e senti o cassetete pressionar meu pescoccedilo apertar minha cara na tela de arame Eu natildeo podia falar nada estava sem voz sem lingua(gem) Senti apenas uma dor profunda de uma ponta de arame que penetrou meu rosto e senti o sangue escorrer Meu medo aumentou Ele torceu o meu braccedilo e gritou - Viado fi lho da puta cecirc merece muita porrada Continuei mudo semi-morto Recebi um chute e o aliacutevio no pescoccedilo quando o cassetete foi retirado Quando me virei um deles me apontava a arma e gritou - Some daqui agora Peguei as caixinhas vazias na calccedilada e sai socircfrego tremendo e eles riam de deboche do meu corpo magro fraacutegil enfi m de minha diferenccedila O sangue escorria pelo rosto e a roupa velha surrada estava vermelha Nem pude chorar sabia que natildeo podia falar nada a ningueacutem Meu irmatildeo era policial mas jamais contaria a ele Era uma vergonha se contasse para ele ou algueacutem tudo aquilo eu natildeo tinha amigos Quem poderia acreditar De quem seria a verdade Me restavam a cicatriz na cara e na memoacuteria

Desta narrativa de violecircncia vinham a mim outras palavras que me acompanhavam desde a infacircncia lepra teacutetano paralisia fome morte Poreacutem assim como na muacutesica dos Titatildes o pulso ainda tinha que pulsar

- 168 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

O pulso

O pulso ainda pulsaO pulso ainda pulsa

Peste bubocircnicaCacircncer pneumonia

Raiva rubeacuteolaTuberculose e anemiaRancor cisticercoseCaxumba difteria

Encefalite faringiteGripe e leucemia

E o pulso ainda pulsaE o pulso ainda pulsa

Hepatite escarlatinaEstupidez paralisia

Toxoplasmose sarampoEsquizofrenia

Uacutelcera tromboseCoqueluche hipocondria

Siacutefi lis ciuacutemesAsma cleptomania

E o corpo ainda eacute poucoE o corpo ainda eacute pouco

Assim

Reumatismo raquitismoCistite disritmia

Heacuternia pediculoseTeacutetano hipocrisia

- 169 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Brucelose febre tifoacuteideArteriosclerose miopiaCatapora culpa caacuterieCatildeibra lepra afasia

O pulso ainda pulsaE o corpo ainda eacute pouco

Ainda pulsaAinda eacute pouco

PulsoPulsoPulsoPulso

Assim

E o meu corpo ainda tem a memoacuteria daquelas dores violentas da liacutengua(gem) que me marcou Ainda carrego essas marcas siacutegnicas profundas e busco algo de positivo disso tudo natildeo tenho saudades alguma ndash no plural ndash daqueles tempos de adolescecircncia e vida adulta de miseacuteria e violecircncias Nada desses sentimentos me trazem a sensaccedilatildeo de uma falta que pode gestar uma saudade As palavras de violecircncia com quais me feriram quando me veem agrave mente tocam na memoacuteria de minha pele e me remetem aquele corpo fragilizado que tentava circular mas natildeo era desejado na cidade letrada (Rama 1985) Naquele momento fi m da deacutecada de 1980 noacutes da periferia sabiacuteamos que natildeo eacuteramos parte da cidade letrada e ateacute as crianccedilas aprendiam cedo que a ldquocidaderdquo era outro lugar outro mundo teriacuteamos que descer o morro para ldquochegarrdquo a ela Noacutes estaacutevamos fora dela e junto estavam nossos corpos nossa voz nossa lingua(gem) e nossa diferenccedila que nos delatava E como ouvi do Betinho um vizinho - Ce tem sorte de ser branco porque eu tocirc ferrado Quando os homi me pegou eu vinha do coleacutegio a noite e um deles gritou mete porrada nesse macaco Fui parar no hospital

- 170 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Como explicam Silva e Alencar (2013 p 137)

dito de outro modo quando um sujeito ou grupo de sujeitos usa a liacutengua para diminuir depreciar desdenhar ou abominar um grupo social ou indiviacuteduo especiacutefi co ele ou ela estaacute usando a liacutengua violentamente ie estaacute afetando uma estrutura de afetos que se sustenta na linguagem

E como naquele poema de Quintana esta foi uma das vezes que me (nos) violentaram que me (nos) assassinaram infelizmente natildeo a primeira como relata o poeta

Da vez primeira em que me assassinaramPerdi um jeito de sorrir que eu tinhaDepois a cada vez que me mataramForam levando qualquer coisa minha

Hoje dos meu cadaacuteveres eu souO mais desnudo o que natildeo tem mais nada

Arde um toco de Vela amareladaComo uacutenico bem que me fi cou

Vinde Corvos chacais ladrotildees de estradaPois dessa matildeo avaramente adunca

Natildeo haveratildeo de arrancar a luz sagrada

Aves da noite Asas do horror VoejaiQue a luz trecircmula e triste como um aiA luz de um morto natildeo se apaga nunca

Natildeo posso narrar ainda das tantas vezes que me assassinaram violentamente pelanacom a lingua(gem) mas sei bem tive que olhar meu cadaacutever morto desnudo e construir asas para alccedilar novo voo sonhar assim como Iacutecaro sem saber onde seria o meu porto Mesmo se eu fosse afogado nas aacuteguas profundas teria que

- 171 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

seguir meu voo Deveria voar mesmo que em silecircncio mas seguir voando E palavras me acompanhariam em toda essa trajetoacuteria natildeo poderia esquivar-me delas de seu poder porque como escreve Voloacutechinov

Na realidade nunca pronunciamos ou ouvimos palavras mas ouvimos uma verdade ou mentira algo bom ou mal relevante ou irrelevante agradaacutevel ou desagradaacutevel e assim por diante A palavra estaacute sempre repleta de conteuacutedo e de signifi caccedilatildeo ideoloacutegica ou cotidiana Eacute apenas essa palavra que compreendemos e respondemos que nos atinge por meio da ideologia ou do cotidiano (VOLOacuteCHINOV 2017 p 181 grifos do original)

Ao fi m

Neste ano completo tambeacutem 25 anos de professor de liacutenguas e pensar corpo voz e a lingua(gem) implica em postular que esta pode violar o corpo ou uma estrutura de afetos o que me leva a afi rmar que a linguagem natildeo eacute mera representaccedilatildeo de eventos ou situaccedilotildees no mundo mas uma forma de agir no caso em que descrevo violentamente (Silva e Alencar 2013 p136)

E para ser professor saiacute do campo me instalei na periferia e alcei voo para o centro da cidade letrada No entanto vejo ainda mais evidente que a lingua(gem) continua exercendo seu poder ora violento ou natildeo produzindo inclusotildees e muitas exclusotildees O que me faz professor me leva a olhar para a lingua(gem) que me constitui pois ela eacute meu objeto de trabalho e por meio dela projeto um futuro Surgem diversas questotildees maldito ou bendito poder da linguagem Qual o meu papel de professor em uma universidade de periferia onde trabalho haacute 10 anos Que partido devo tomar nesse jogo Ficam estas perguntas e muitas outras mas mesmo assim necessito dessa lingua(gem) - esse arame farpado

- 172 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

nos dizeres de Gnerre (1991) - para me interagir no mundo me sustentar me guiar e seguir caminhando

Caminando

Caminando caminandoiexclcaminando

Voy sin rumbo caminandocaminandovoy sin plata caminandocaminandovoy muy triste caminandocaminando

Estaacute lejos quien me buscacaminandoquien me espera estaacute maacutes lejoscaminandoy ya empentildeeacute mi guitarracaminando

Aylas piernas se ponen durascaminandolos ojos ven desde lejoscaminandola mano agarra y no sueltacaminando

Al que yo coja y lo aprietecaminando

eacutese la paga por todos caminando

a eacutese le parto el pescuezocaminando

- 173 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

y aunque me pida perdoacutenme lo como y me lo bebome lo bebo y me lo comocaminando caminando

caminando

Assim deixo meu breve relato de experiecircncia e para fi nalizar temporariamente tomo as palavras do pensador francecircs Michel Foucault para natildeo dizer que natildeo falei de teorias

Cada vez que eu tentei fazer um trabalho teoacuterico foi a partir de elementos de minha experiecircncia sempre em relaccedilatildeo com processos que eu vi desenrolar em torno de mim Eacute porque pensei conhecer nas coisas que vi nas instituiccedilotildees agraves quais estava ligado nas minhas relaccedilotildees com os outros fi ssuras abalos surdos disfunccedilotildees que eu empreendia um trabalho alguns fragmentos de autobiografi a Natildeo sou um ativista recuado que hoje gostaria de retomar o serviccedilo Meu modo de trabalho natildeo tem mudado muito mas o que eu espero dele eacute que continue a me mudar (FOUCAULT 1994 p 182)

REFEREcircNCIAS

FOUCAULT M Est-il donc importante de penser Entrevista com Didier Eribon Libeacuteration nordm 15 30-31 maio de 1981 p21 Traduzido a partir de FOUCAULT M Dits et eacutecrits Paris Gallimard 1994 vol IV p 178-182 por Wanderson Flor do Nascimento

GNERRE M Linguagem e poder 3 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1991

LARROSA J Habitantes de Babel Belo Horizonte Autecircntica 2004

LIMA M E C C Sobre a estranheza de se contarem histoacuterias ou da narrativa como mediaccedilatildeo In LIMA M E CC Sentidos do trabalho a

- 174 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

educaccedilatildeo continuada de professores Belo Horizonte Autecircntica 2005

RAMA A A cidade letrada Trad Emir Sader Satildeo Paulo Brasiliense 1985

SILVA D N ALENCAR C N A propoacutesito da violecircncia na linguagem In Cadernos de Estudos Linguiacutesticos v 55 n 2 juldez 2013 p 129-146

VOLOacuteCHINOV V Marxismo e fi losofi a da linguagem problemas fundamentais do meacutetodo socioloacutegico na ciecircncia da linguagem Traduccedilatildeo notas e glossaacuterio de Sheila Grillo e Ekaterina Voacutelkova Ameacuterico Satildeo Paulo Editora 34 2017

- 175 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Rosana Ferrareto Lourenccedilo RodriguesAntocircnio Suaacuterez Abreu

Why is it that in academic settings students are typically asked to raise their hands to indicate that they want to answer or ask a question Very often people do Math with fi ngers and write down a complex Math problem getting help from an external device such as a calculator We write deadlines on a calendar Also you have often closed your eyes to remember past or imagine future

Th ese are all actions taken in the physical world as attempts to make a mental task faster easier and more reliable Motor actions support cognition Mind is not a perfect machine and there are constraints of attention and memory We understand abstract things using concrete prompts Th ese should be the answers to those questions

What the role of the human body in cognition is and why we use it to make sense of things in the world will then guide our discussions here Th is is what Cognitive Linguistics names as embodied language

SET TING THE SCENE

First-generation theories in Cognitive Sciences in the 1950s and 1960s were closely linked to Computer Science and conceived reason apart from the body as in formal logic following the tradition proposed by Descartes Like a computer

EMBODIED LANGUAGE AND ITS FUNCTIONALITY IN MEANING

CONSTRUCTION

- 176 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

the fi rst-generation mind would process information as largely independent from specifi c brains bodies and sensory modalities Th is viewpoint on language and thought gives rise to the Generative Grammar theory In 1957 Syntactic Structures was published by Noam Chomsky spreading the idea that grammar is a system of rules that generates exactly those combinations of words that form grammatical sentences in a given language

In contrast empirical research is the basis of second-generation Cognitive Science which evidences a strong dependence of human reasoning on human embodiment Mind is not merely viewed as a computer anymore but mind is a brain-body-world system In the 1970s studies on visual perception image schemas metaphor metonymy frames and mental spaces began to contradict previous generation rationalism (cf LAKOFF JOHNSON 1999 p 75-77) In Metaphors we live by (1980) especially in the chapter Personifi cation Lakoff and Johnsonacutes theory of the conceptual metaphors gives idea of the use of the human body and its biological and cultural features as a source of metaphors in examples (LAKOFF JOHNSON 1999 p 33) such as

Infl ation is eating up our profi tsTh e Michel-Morley experiment gave birth to a new physical theoryLife has cheated meHis religion tells him that he cannot drink fi ne French vine

From the fundamental theories of conceptual metaphors and image schemas to more modern mental operations such as the one conceived as blending (or conceptual integration) a new viewpoint on human language has risen from embodied cognition In this chapter we are going to present those cognitive constructs

- 177 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and shed light on one of the things that make blending viable ndash the notion of aff ordance

FROM CONCEPTUAL METAPHORS AND IMAGE SCHEMAS TO AFFORDANCES AND BLENDING

Th is new viewpoint on human language from embodied cognition has strongly spread through many publications which refi ned the initial assumptions and it is especially noticed cross-linguistically Conceptual metaphors are employed as to instantiate image schemas in utterances such as

In PortugueseEstamos dando os primeiros passos em nosso projetoO nosso relacionamento chegou ao fi m da linhaConsegui me sair bem na prova

In EnglishTh ese are the key steps to a successful projectOur relationship is a dead-end streetOne way to get out of trouble is to keep quiet

Th e term image schema was introduced by Lakoff (1987) and Johnson (1987) in the late 1980s Th ese schemas build the niche in which the body positions and acts

An important publication was Embodiment and Cognitive Science (GIBBS JUNIOR 2005) According to Gibbs Junior (2005 p 14-15)

A body is not just something that we own it is something that we are I claim that the regularities in peoplersquos kinesthetic-tactile experience not only

- 178 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

constitute the core of their self-conceptions as persons but form the foundation for higher-order cognition

Th e embodied cognition is manifested in language through notions of SOURCE_PATH_GOAL movement CONTAINMENT SUPPORT and VERTICALITY which are some of the most common image schemas

Th e SOURCE_PATH_GOAL image schema for instance is based on the capacity of the human body to move from a source passing through a trajectory to head to a destination Th e CONTAINER image schema refers to the human capacity to keep things in containers and also voluntarily entering containers such as caves and houses or involuntarily in prisons for example For mental or aff ective states examples would be ldquoone can get out of a depressionrdquo and ldquopeople fall in loverdquo

Expressions such as ldquothe fl ow of moneyrdquo ldquolife is a journey1rdquo and ldquoto walk the linerdquo denote PATH One example would be the concept of ldquomarriagerdquo as where two individuals go through life together ldquoMarriagerdquo may also be conceptualized as a CONTAINER refl ected by metaphors like ldquomarriage is a prisonrdquo ldquomarriage is a safe harborrdquo and ldquoopen marriagerdquo

SUPPORT denotes a relationship between two objects in which one object off ers physical (or abstract) support to the other We can ldquooff er support to a friend in needrdquo and ldquoput in a good word for someonerdquo which instantiate SUPPORT and CONTAINMENT

VERTICALITY refers to the relative position such as highlow and abovebelow or dynamical movement up-down for vertical orientation VERTICALITY is instantiated by the conceptual

1 For ldquoLIFE IS A JOURNEY an animated metaphorrdquo (FORCEVILLE 2014) see lthttpswwwyoutubecomwatchv=MvocTKD5o5Aampt=11sgt

- 179 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

metaphors of UP is good and DOWN is bad and is used for emotional scale between happinesssadness as well as social status in expressions such as ldquoto fall from gracerdquo ldquoto be high in spiritrdquo ldquoto feel downrdquo and ldquoto climb the career ladderrdquo

Image schemas are abstract conceptual templates of spatiotemporal object relations with the body acquired since early infancy (LAKOFF 1987) Image schemas help us to think concretely as we move in space and as the time changes We use our bodies ndash gestures for example ndash as prompts to construct meaning When we indicate with hands up in the air that a car made a right at the intersection we are using a material anchor to communicate

Image schemas are also built on the idea of aff ordances An aff ordance is a feature of an object or the environment that allows a person or animal to do something A cup can be described as a CONTAINER because its features obviously defi ne its use we can drink liquids from it Metaphorical sayings such as ldquonot my cup of teardquo or ldquomake a storm in a teacuprdquo also reveal a cupacutes properties as a container its boundaries for in and out If something is not your cup of tea you do not like it or you are not interested IN it A storm in a teacup refers to a small event that has been exaggerated OUT of proportion

A chair is an object providing SUPPORT Th e chair of a company is the person who is in charge ldquoEmpty chairrdquo can be used as choice of not participating ldquoDavid Cameron could be lsquoempty chairedrsquo in TV debates as Labor accuse him of lsquorunning scaredrsquordquo2 Th e chairacutes aff ordances built on the concept of SUPPORT ndash which frames for approve of and help ndash make it possible to metaphorically say that ldquoan empty chairrdquo means to embarrass a person who refuses

2 lthttpswwwtelegraphcouknews11451072David-Cameron-could-be-empty-chaired-in-TV-debates-as-Labour-accuse-him-of-running-scaredhtmlgt

- 180 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

to take part in a debate by leaving an empty seat or space which represents them

VERTICALITY is an image schema instantiated by conceptual metaphors such as conscious is up unconscious is down Healthy is up sick is down Happy is up sad is down Good is up bad is down More is up less is down Life is up death is down It is built on objects and bodies aff ordances If a computer system is down it is not working Down can be used for saying that someone has an illness as in ldquoPoor Susan went down with fl u just before Christmasrdquo

VERTICALITY is a concept that shows how our human mind is infl uenced by the body that we own Human beings walk erect in space If we lay down fl at on the ground we cannot move and thus cannot function As we move upright in space time changes Time is perceived through space Th at makes us perceive change based upon time When we say that ldquoFall is approachingrdquo we understand that the new season is not walking physically towards us It means that the weather change is emergent in both space and time

Feeling hungry and then having been fed for a child who is not really aware of the abstract concept of time raise the perception of change Th e change from ldquohungryrdquo to ldquonot hungryrdquo clockwise conceived is not only a compression of time but also causation ndash having food makes us not feel hungry anymore Time and causation are vital conceptual relations to promote change

Th e embodiment of time is also present in a perceived change between the struggle to climb stairs now and how easy it used to be to climb them years ago Th is indicates time passing in terms of calendar We compress this change saying that these stairs are more and more tiring projecting our perception of growing older (change in time) to the feeling of an object in space Th e same happens when we want to convey that our eyes are not as good as

- 181 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

they used to be because we grew older We project that change in time over space and object we say that the letters on the page are getting tinier and tinier and thus more and more diffi cult to read

We use our bodies to compress time over space Our body anchors blends According to Turner (2006) the blend of input mental spaces is often accompanied by compression of vital relations between them

We relate one idea to another We think of the child as related to the adult it became through vital relations of time change identity analogy and cause-eff ect Mentally Ohio and California are connected by a conceptual relation of space Ohio and the United States are connected by a conceptual relation of part-whole Mary and a picture of Mary are connected through conceptual relations of representation and analogy (TURNER 2006 p 17)

Blending or conceptual integration is a basic mental operation Th e fi rst full presentation of research on blending appeared in 2002 in Th e way we think a book by Gilles Fauconnier and Mark Turner Compared to the theory of conceptual metaphor which is the one of a cross-domain mapping between two spaces (a concrete source and an abstract target) the blending process is held among the conceptual structure of an input 1 and the conceptual structure of an input 2 a generic space which maps each of the inputs and contains what both inputs have in common and the blended space where there is a selective projection of the inputs to the blend Th e blended space has an emergent conceptual structure because it accounts for properties that do not exist in either of the input spaces

Blending is something that humans are designed to do Th e human brain is constantly trying to blend diff erent things unconsciously Every human brain is making many attempts to

- 182 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

blend at every moment Any two things activated simultaneously in the mind are candidate for blending (TURNER 2014) Th is is the claim of Mark Turner in the book Th e origin of ideas (2014 p 4) ldquothe human spark comes from our advanced ability to blend ideas to make new ideas Blending is the origin of ideasrdquo

A common example of blending is the one of driving and sports in utterances such as ldquoTh e team took their foot off the pedal in the second halfrdquo (in English) and ldquoO time tirou um pouco o peacute no segundo tempordquo (in Portuguese) ldquoTake your foot off the pedalrdquo and ldquotirar o peacuterdquo mean ldquostop stepping on the accelerator pedal to slow downrdquo and by extension ldquomake less eff ort and start to relaxrdquo Th ese are some examples (in English and in Portuguese)

In handballHungarian side Pick Szeged remain unbeaten after three rounds and are full of fi re leading by seven at one point in the second half in their match against Ukrainian side Zaporozhye but after taking their foot off of the pedal a little too soon they managed to ride out the storm in the last seconds3

In American footballIf there were a thing to be critical about with the off ense it would be their performance coming out of halftime Th e Redskins have not scored a touchdown in the second half and has been outscored 20-12 Th is is not simply a ball control issue the Redskins from a play-calling standpoint do not take their

3 lthttpwwwehfclcomen2018-19mennewsAzhF3nCWIWbkxza-PzFKnQNantes_stop_Skjern25e225802599s_offence_to_take_fi rst_two_pointsgt

- 183 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

foot off the pedal Washington must keep the same intensity stop the lax approaches to the second half limit penalties and fi nish more drives in the end zone Th e Redskins complacency issues in the early going can and will come back to bite them in bigger games4

In Brazilian soccerAs mudanccedilas no entanto natildeo mudaram muito o panorama da partida O Fluminense seguia perdido em campo O Internacional tirou um pouco o peacute e mesmo assim teve grande chance de ampliar aos 17 em nova falha do adversaacuterio Gum entregou a bola para William Pottker que avanccedilou livre mas chutou em cima do goleiro Juacutelio Ceacutesar5

In these examples driving is the source domain (Input 1) and sports is the target domain (Input 2) Th e conceptual domain of sports is blended with the conceptual domain of driving (Generic Space) to create a new idea (Blended space) where a player is not a car but can stop accelerating in the game not on the road by ldquotaking off his foot off the accelerator pedalrdquo to slow down in the sense of relaxing Figure 1 shows the schema of this blend

4 lthttpswwwhogshavencom201892717905000redskins-offensive-fi rst-quarter-progress-reportgt5 lthttpswwwfutebolinteriorcombrfutebolBrasileiroSerie-A2018noticias2018-08inter-aproveita-falhas-do-fl u-e-alcanca-terceira-vitoria-consecutivagt

- 184 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 1 ndash Blending of driving and sports

Source Own Construction (2018)

Th is blend is possible because humans can play sports and can drive What humans are designed to and not to do because of the minds and bodies they own and how blends are mapped onto language is discussed as follows

EMBODIED COGNITIO N amp EMBODIED LANGUAGE AND THEIR AFFORDANCES

We can understand what humans are designed to do and not to do as aff ordances Blending is a mental human aff ordance Aff ordances are the qualities or properties of an object that defi ne its possible uses or make clear how it can or should be used For instance we sit or stand on a chair because those aff ordances are fairly obvious

- 185 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th e term aff ordance was fi rst introduced by Gibson in the 1970s

Aff ordances enable animals to recognize what prey they eat what predators my possibly eat them what trees may be climbed to escape danger and so on Imagine the color texture taste and smell of a pineapple Th ese properties of the object are its aff ordances which become variously is relative to the perceiving object so that for example in looking at a window one perceives not just an aperture but an aperture that present the possibility on onersquos looking through it (BERMUDES 1995) Perception and embodied action are therefore inseparable in the perception-action cycle (NEISSER 1976) in with exploration of the visual word for example is directed by anticipatory schemes for perceptual action (GIBSON 1979 apud GIBBS JUNIOR 2005 p 43-44)

According to Gibson (1979 p 132) ldquoany substance any surface any layout has some aff ordance for benefi t or injury to someonerdquo

Refl ecting on the interaction of the animal ndash the human being ndash with its environment in terms of perception Gibson (1979) is revisiting the approach taken by the pre-Socratic philosophers who held that there are four elements from which matter is made up ndash earth air fi re and water6 Th e author uses three of these four elements discarding the fi re Th e solid earth as well as the water and the air enable the movement of an animate body if we think of land animals such as fi sh and birds Water and air unlike solids are usually transparent Th e air besides enabling us to breathe ndash by being transparent to the radiation and the reverberation of the

6 The pre-Socratics also known as natural philosophers proposed that matter was composed of these four elements earth water air and fi re

- 186 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

light ndash also allows us to see Being a vehicle capable of transmitting vibrations it allows us to hear and consequently use articulate language to communicate Sound does not propagate in a vacuum Air as it is formed by gases is also capable of transmitting olfactory sensations Th ese properties enable us to perceive aff ordances

Concerning perception aff ordances are within the latency domain Latency domain7 refers to the whole range of things one can do and also the things heshe cannot do A dog for instance can bark wag its tail and bite but it cannot fl y Chickens can cackle eat corn and lay eggs but they cannot lay cubic eggs or bark Within the latency domain of a living being we are also aware of what we can do with it We can breed chicken for poultry Dogs can be best guards and best friends We are very aware of what we cannot do with living beings too We cannot play chess against a chicken or ride on dog pets Th e awareness about the latency domain of a being is not innate It is acquired through experience by irrational and rational animals and by humans learned from other peopleacutes experience both in informal and formal education ndash through reading for example

As defi ned by Gibson (1979) and revisited by Gibbs Junior (2005) the aff ordance is part of the latency domain of beings but it is restricted to what can be done with them Th is implies personal and cultural choices In France for example people eat horse meat which is not a practice in Brazil Th is also implies historical changes For hundreds of years humans imprisoned birds in cages because it was the only way they could listen to music without having to produce it themselves Since the emergence of the radio the record players and other more sophisticated devices

7 ldquoLatency domainrdquo is a term coined by Abreu for this chapter based on the frameworks of Philosophy - latency (perception) and Electric Engineering (circuitslinks human beings perceive between their environment and themselves) Affordances are then constitutive of the latency domain and are elements that help us build the image schemas we use to frame meaning

- 187 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

for music playing putting birds in cages has almost ceased to be a cultural practice

Technology8 is a cultural practice accounting for what human beings cannot do physically in thought and in language for communication and interaction because of body limitations How does technology account for human aff ordances Th e human eyes cannot zoom in and zoom out but a camera can Our minds zoom in and out in memory and imagination because remembering the past and inferring for the future are mental operations Being in the same place and time simultaneously is not possible as well as repeating and making slow motion But fi lm editing makes those happen We are constantly constructing counter facts and shifting our viewpoints about life events so we fi nd technology to move a mental operation from imagination to perception Media were invented for making things in our imagination available

Media are able to exist because mind is sophisticated and that is why humans can aff ord to create technology For instance in fi lms changes in time look like magic tricks if we understand some scenes literally When a movie characteracutes face appears almost simultaneously on the screen in a young version and then in an old version (or vice-versa) we grasp the idea that time has passed We are not deluded in thinking that that change has suddenly happened thanks to our capacity of time compression blending of causation Th e scene shift denotes time change Time change is marked in body change Getting old is within human latency domain

8 These considerations about technology mind and media are based on the course Mind amp Media by Professor Mark Turner Department of Cognitive Science Case Western Reserve University (CWRU) ClevelandOH USA (lthttpmarkturnerorgcourseshtmlCOGS311gt) Ideas on the sections ldquoBlending amp Creativity for meaning constructionrdquo and ldquoWrapping-uprdquo in this chapter are also inspired by Prof Turneracutes thoughts and quotes in the classes of this course taken by Rodrigues in the Fall 2018 at CWRU

- 188 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Body is a media platform for humans to interact within the world to form meaning Brain comes as an output device built to run the body Th at makes up our aff ordances as humans Our body shows them and so does language Embodied cognition and embodied language account for our aff ordances because as humans this is what we can do with our bodies

THE HUMAN BODY AND ITS AFFORDANCES

If humans are aware of the aff ordances of their surroundings they are certainly also aware of their own aff ordances What can I do with my body I can walk run grab things using my hands hug and kiss people look upward and downward look around forward and backward (if I turn my head or my body)

However I am aware that I cannot jump out of a building start fl ying or look backward while looking forward If I am a man I know that I can procreate by making a woman pregnant If I am a woman I know I can procreate by conceiving a child in my womb Th ese are our physical characteristics and body properties Th ese are manifested in language in utterances such as

In Portuguese

Natildeo consigo ver aonde vocecirc quer chegar com essas ideiasMesmo com todo o seu sucesso vocecirc precisa prestar atenccedilatildeo agraves pessoas que estatildeo abaixo de vocecircO piloto teve de abortar duas vezes a decolagem Haacute um projeto em gestaccedilatildeo no Congresso sobre o voto impresso

- 189 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English

Where do you want to come up with these ideasOffi cers below the rank of captain receive no special privilegesTh e mission had to be aborted because of a technical problemItrsquos unclear just how long it took for the idea for the website to gestate

Come up with (= chegar a algum lugar no plano das ideias) means to think of something such as an idea or a plan Th is metaphorical use of come (= chegar) is instantiated by the image schema SOURCE_PATH_GOAL with focus on the GOAL as a resolution or a measure Th e means (PATH) is to use ideas or plans in order to reach such a destination which is not physical We are not deluded when we hear such an expression because we mentally compress vital relations as time space agency and causality to understand it as an abstract PROCESS Compression is a feature of conceptual integration Many aspects of mental space networks can be compressed under blending ndash a basic mental operation at the heart of human singularity (TURNER 2006)

Being below or above someone in a hierarchical control system is a linguistic manifestation of the conceptual metaphor CONTROL is UP and is in the image schema of VERTICALITY Giving birth to business meaning to create it or conceive it as well as gestating an idea are projections of processes which the human body undertakes in order to procreate Again we are aware that these expressions mean ldquostart to exist not as a personrdquo they all refer to something Abort in aborting a mission means a disruption to the schematic PATH of coming to a GOAL as resolution it means to stop something before it is fi nished (BLOCKAGE) because it would be diffi cult or dangerous to continue

- 190 -

Th ese physical characteristics and body properties manifested in language through these utterances are fi rst-degree aff ordances9 because they refer to our physical features and capacities However humans are adaptive complex systems which interact with environments that constantly change concerning culture and history Th is triggers what we understand and call second-degree aff ordances which have their origins in the adaptation of the human body to its physical and cultural environment at specifi c moments in history

One of these fi rst-degree aff ordances is how we count things We can use the ten fi ngers of our hands which is known as the decimal system We can also use the duodecimal system (also known as base 12 or a dozen) We buy a dozen eggs we count 12 months in a year 60 minutes in an hour and 24 hours in a day Where do these ideas come from

Th e duodecimal system was inherited from Babylon the ancient capital of Sumer in the second millennium BC Th e Babylonians counted using the thumb of one hand to touch the phalanges of the other fi ngers Since we have three phalanges in each of these 4 fi ngers the total becomes 12 hence the base 12 (See Figure 2) In order to store the result of each fi lled hand they used the fi ngers of the other hand thus 5 x 12 = 60 hence the origin of the hour with 60 minutes 12 hours of the day plus 12 hours of the night equals 24 hours An alternative is to use 12 AM and 12 PM

9 The classifi cation of affordances in fi rst and second degrees has been coined by Abreu for this chapter First-degree affordances refer to the human bodyphysical ldquousabilityrdquo as in ldquolook up tordquo (eyes) ldquohead somewhererdquo (VERTICALITY of the body through a PATH) etc Second-degree affordances refer to ldquousabilityrdquo linked to culture for example ldquokick off (foot) a meetingrdquo = start a meeting (sport metaphor) ldquopatients are bombarded with radiationrdquo = their bodies receive the ldquobombsrdquo (war metaphor in cancer treatment) etc

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

- 191 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Figure 2 ndash The rationale of the duodecimal system

Source lthttpsipemspwordpresscomtagsistema-duodecimalgt

When things are countable we can say one two three chairs or half a dozen eggs (if we use the duodecimal system) But when things are non-countable like water and sand we cannot say three sands or ten waters In order to tackle this problem humans have created partitive classifi ers to express a part-whole relation through linguistic constructions made up from human body names Using parts of the body we can say ldquoa handful of sandrdquo and ldquoa head of lettucerdquo Using ldquoarmsrdquo we can say an ldquoarmful of fl owersrdquo or ldquoan armful of logsrdquo

For size reference or measurement systems we can use diff erent parts of the body according to the scale For reference to small and medium devices we can call a USB fl ash drive ldquoa thumb driverdquo because it is the size of a thumb A palmtop is a personal computer which is approximately pocket calculator-sized and fi ts the palm of your hand To measure the ground it is more comfortable to use

- 192 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

footsteps or feet Using this embodied system American aviation has conveyed that airplanes are for example 22000 feet high

Many fi rst-degree aff ordances are linked to sex concerning males and females While ldquoeating the frogrdquo or ldquoengolir sapordquo (= swallow frogs)10 can be used metaphorically from both the frames of male and female bodies ldquoabort a fl ightrdquo or ldquogestate an ideardquo is clearly from a female body input Th ese uses are seen as second-degree aff ordances because they reveal what cultures think about the role of man and his body and what they think about the role of the woman and her body When Steve Jobs insisted on his strange food diets and his mother was desperate he would jokingly say ldquoI am frugivore and will only eat leaves harvested by virgins in the moonlightrdquo (ISAACSON 2011 p 161) Th is is in his biography and it is confi gured as an idea imposed by culture upon the purity of virgin women which is used by a vegetarian as input to a blending with green leaves which would be purer and healthier food

Humans have also culturally adapted their bodies to play sports And the relationship between body and sports continually produces a large number of conceptual metaphors such as ldquothe ballrsquos in their courtrdquo Th is phrase comes from tennis or basketball and in business it means yoursquove done your part of the work or deal and ldquohit the ball into their courtrdquo so yoursquore waiting for ldquothe ballrdquo or information paperwork product etc to come back to you Alternatively the ball could be ldquoin your courtrdquo meaning people are waiting on your action

Another expression from the North-American culture is ldquocarry the ballrdquo as it is shown in the following example in the political discourse domain

10 ldquoEating the frogrdquo means just do it otherwise the frog will eat you if you end up procrastinating it the whole day ldquoEngolir saposrdquo (swallow frogs) means to bear an unpleasant situation without manifesting against it

- 193 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Th ank you guys Th at Walker of Wisconsin has proved that he can get both Democrat and Republican votes Hersquos not a bomb thrower He enters to end the public sector unions are draining the state economically and hersquos able to carry the ball (SPOK Talk of the Nation 2012)

Th is is due to the fact that in American football the action of carrying the ball is important so that a player enters the end zone of the opposing team and performs the touchdown scoring 6 points

Similar to ldquocarrying the ballrdquo in American football ndash metaphorically meaning achieving a goal in the sense of doing something that you decided that you wanted to do ndash in Portuguese there is the expression ldquobater na traverdquo (= hit the goalpost) In Brazilian soccer it refers to the moment when the player almost scores a goal but is unable to because the ball hits one of the sticks that make up the goal frame Th is expression is employed metaphorically when someone narrowly fails to get a try as in ldquoEle tentou passar no vestibular mas lsquobateu na traversquo pois faltou um ponto apenasrdquo (= He tried to pass the entrance examination but ldquohit the goalpostrdquo because he missed one point)

Comparing uses of diff erent languages is known as linguistic typology Embodied language has to do with aff ordances because of its cultural features printed on language

AFFORDANCES amp L INGUISTIC TYPOLOGY

Linguistic typology refers to the study and classifi cation of languages according to their structural and functional features Its aim is to describe and explain the common properties and the structural diversity of the worldrsquos languages Concerning fi rst-

- 194 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

degree and second-degree aff ordances we can compare physical andor metaphorical uses of embodied language in English and Portuguese and establish diff erences and similarities

Th e use of similar sport metaphor in English and in Portuguese ndash ldquocarrying the ballrdquo and ldquobater na traverdquo ndash reveals that every language manifests physical bodily aff ordances very similarly but also very diversely For instance in both English and Portuguese we would use the word ldquohandrdquo to mean ldquohelprdquo11 in utterances such as ldquoCan you give me a handrdquo which means when translated into Portuguese exactly the same ldquoVocecirc pode me dar uma matildeordquo On the other hand in ldquoHe is heading homerdquo would be translated into Portuguese as ldquoEle estaacute se dirigindo para casardquo where heading = dirigindo (driving)

As for the partitive classifi ers the equivalent of a handful would be ldquopunhadordquo (derived from punho = fi st) a handful of sand would be ldquopunhado de areiardquo Using ldquoarmsrdquo (= braccedilo) similarly to ldquoan armful of fl owers or logsrdquo in Portuguese you can say ldquouma braccedilada de fl ores ou de lenhardquo For size and measurement reference we would use in Portuguese ldquoquatro palmos de tecidordquo (palmos = palms) to mean ldquofour spans of fabricrdquo For small size such as an inch we use ldquopolegadardquo in Portuguese (polegar = thumb) in utterances like ldquoTh is bar is two inches widerdquo to mean ldquobarra de duas polegadas de largurardquo

Th ere is also a great number of idioms which are related to body parts

11 In English depending on the context giving someone a hand can also mean to applaud or clap For example ldquoPlease give all our dedicated volunteers a hand for their hard workrdquo

- 195 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

In English12stand on oneacutes own legsa pain in the neckfoot in mouthcost an arm and a legget off my backcold shouldercold feeta sight for sore eyesa fi nger in every pieoff the top of my head

In Portuguese13dar o braccedilo a torcerdar a matildeo agrave palmatoacuteriadar um puxatildeo de orelhanatildeo estou nem aiacute rei na barrigaisso tem o dedo da sua matildee

Th ese idioms built on parts of the human body occur in every language and some have cross-linguistic equivalence Th ey are fi rst-degree aff ordances Second-degree aff ordances would be present in metaphorical idioms such as ldquodrop the ballrdquo or ldquopisar na bolardquo (for fail mess up) ldquobe connedrdquo or ldquolevar uma bola nas costasrdquo (for being cheated) ldquoestar na marca de pecircnaltirdquo or ldquoa close shaverdquo (for when you come very close to a dangerous situation) Th ey are

12 For meanings see lthttpswwwecenglishcomlearnenglishlessonsbody-idiomsgt13 For meanings see lthttpscomunidaderockcontentcomexpressoes-idiomaticasgt

- 196 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

linked to viewpoint and culture Some are sport metaphors usually blended with business and politics and most of them are built under image schemas

Besides these second-degree aff ordances present in metaphorical uses of embodied language linguistic universals14 are built on the idea of the fi rst-degree aff ordances in uses of the historic present which consists of either the employment of the present tense when narrating past events or the employment of the present tense to describe future events such as in

Th e Berlin Wall falls on November 9 1989I was at the mall yesterday when I bump into an old friend of mineTh e bus leaves tomorrow at nineTh e American president hosts the German chancellor for a visit tomorrow

Both uses of the historic present for past and future events are linked to the bodily exercise of our vision Since we can only see what is physically before us we can only see what is in our present moment too Th erefore we compress past and future into the present time so as to mentally ldquoseerdquo an action creating an eff ect of reality Th is is compressed blending Blending can be compressed over time space causation and agency ldquoTh e sweep of human thought is vast extending over time space causation and agency creating mental ideas that go far beyond our local experiencerdquo (TURNER 2017 p 2)

Taking back the blend shown in Figure 1 between driving and sports the vital relations compressed are the ones of causation (stop stepping on the accelerator pedal = take off the foot in soccer) agency (driver = player) time (slow down = relax) and space (road = game)

14 A linguistic universal is a pattern that occurs systematically across natural languages potentially true for all of them

- 197 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

A basic technique for constructing meaning across an extended mental network is to use as an input to that network some very compressed congenial concept in order to provide familiar compressed structure to the blend (TURNER 2017 p 2)

Th e hearer of a sports narration may not be familiar with the script of a sports game but tends to be more acquainted with driving experiences Th e blending is successful when compressions work over prior shared knowledge Th us pushing ideas from driving to convey similar ideas in sports shows the sports narratoracutes ability to create new ideas using imagination Creativity is within human minds aff ordances Th e level of conceptual creativity and mental force required to manufacture blends is astounding (TURNER 2014)

Also it is interesting to point out that concerning linguistic typology the structure of the construction (in terms of form and meaning) ldquotake off the foot in a sports gamerdquo has the same functional feature of conveying the idea of ldquorelax in the game as you would if you were slowing down by not stepping on the accelerator pedal when driving a carrdquo

Whereas metaphorical projections are directional mappings through plausible possibilities across mental spaces ndash for example a human foot is a car accelerator pedal ndash blends are plausible impossibilities because they raise original ideas such as the one brought up by the notion of a player being an agent in a game to score a goal as a driver is when driving a car to reach a destination and both having to slow down at a certain point in order to achieve the intended result Hearers of a sports narration are able to decompress this blend and thus create meaning out of the linguistic material

- 198 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

BLENDING amp CREATIVITY FOR MEANING C ONS-TRUCTION

Humans have the ability to think of do and create something new interesting and diff erent and represent it in language According to Turner (2006) outer-space relations of representation is compressed under mental blending and human bodies are capable of mediating this process Th us there is no need for new constructions in language but new structure for new meaning

New meanings arise through language because ldquowe construct mappings across diff erent mental spaces and project from them selectively to create a blend from these inputs that has additional emergent structure not contained in any of themrdquo (TURNER 2017 p 2)

Human minds are built to store information in memory make inferences trace analogies and represent them in language for meaning construction Th ings do not mean We attribute meaning to them upon what we know guided by our perceptions from which our bodies work as fi lters Th is is what mind does to fi ll something with meaning I blend I compress I represent I perform I mean You unpack my blends you interpret you understand Th at is where new ideas come from and that is why we are so innovative

WRAPPING-UP

In a nutshell this chapter about embodied language and its functionality in meaning construction has been produced to shed light on the role of the human body in cognition and language We started by setting the scene of Cognitive Linguistics ndash from theories such as the Conceptual Metaphors and Image Schemas

- 199 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

and then went on to the notion of aff ordances and the theory of Blending for the sake of creativity in meaning construction

In order to go through this path we discussed embodied cognition and embodied language and the aff ordances of the human body also related to linguistic typology a notion from where we provided examples of utterances in English and in Portuguese We also showed that many times our mind is merged with technology because we use it to project perception to reality

Our fi nal remarks are that as human beings we are exceptionally good at innovation because we can hold onto new ideas once they are formed (TURNER 2014) From image schemas ndash which help us think ndash and from conceptual metaphors to the advanced mental operation of blending originality is compressed through causality agency time and space as vital relations and representations which work to construct meaning Th is is all possibly plausible because human beings have a body Our human bodies work as a tool box where the brain is built to run us We use our body as a prompt to construct meaning

ACKNOWLEDGMENTS

Th is work is within the scope of a post-doctoral project partially supported by FAPESP (Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado de Satildeo Paulo) grant 201715988-2 Additional support is provided by Instituto Federal de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia de Satildeo Paulo Ordinance 2348 26 July 2018 Both grants are for Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues

REFERENCES

FAUCONNIER Gilles TURNER Mark Th e way we think conceptual blending and the mindrsquos hidden complexities New York Basic Books 2002

- 200 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

GIBBS JR Raymond Embodiment and cognitive science Cambridge Cambridge University Press 2005

GIBSON James J Th e ecological approach to visual perception New York Classic Edition 2015

ISAACSON Walter Steve Jobs New York Simon amp Schuster e-books 2011

JOHNSON Mark Th e Body in the mind the bodily basis of meaning imagination and reason Chicago University of Chicago Press 1987

LAKOFF George JOHNSON Mark Philosophy in the fl esh the embodied mind and its challenge to western thought New York Basic Books 1999

LAKOFF George JOHNSON Mark Metaphors we live by Chicago Th e University of Chicago Press 1980

LAKOFF George Women fi re and dangerous things what categories reveal about the mind Chicago University of Chicago Press 1987

TURNER Mark Compression and representation Language and Literature v 15 n 1 p 17-27 SAGE Publications London 2006 Retrieved from lthttplalsagepubcomgt (October 19 2018)

TURNER Mark Multimodal form-meaning pairs for blended classic joint attention Linguistics Vanguard v 3 (s1) 20160043 De Gruyter Mouton 2017

TURNER Mark Th e origin of ideas blending creativity and the human spark Oxford Oxford University Press 2014

- 201 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Aline Maria Paciacutefi co Manfrim Eacute professora e pesquisadora formada em Letras pelo Departamento de Letras da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar2002) Eacute mestre em Linguiacutestica Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp2006) e doutora em Linguiacutestica Aplicada pelo mesmo instituto (2013) Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado na Universidade de Franca de dez2013 a jan2015 Atuou como professora temporaacuteria no curso de Letras da UFSCar nos anos de 2012 2013 e 2015 e professora substituta no Instituto Federal de Satildeo Paulo nos anos de 2015 e 2016 Seus principais estudos estatildeo centrados no ensino e aprendizagem de liacutengua materna letramento e gecircneros do discurso em uma perspectiva sociointeracionista embasada nos estudos bakhtinianos Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica da Universidade de FrancaContato alinemariamanfrimgmailcom

Antocircnio Suaacuterez Abreu Professor titular de liacutengua portuguesa da UNESP e professor associado da USP Possui mestrado doutorado e livre-docecircncia pela USP e poacutes-doutorado pela UNICAMP Publicou os livros Curso de Redaccedilatildeo (Editora Aacutetica) Texto e Gramaacutetica ndash uma visatildeo Funcional para a Leitura e a Escrita (Editora Melhoramentos) A Arte de Argumentar Gerenciando Razatildeo e Emoccedilatildeo O Design da Escrita ndash Redigindo com Criatividade e Beleza ndash Inclusive fi cccedilatildeo Linguiacutestica Cognitiva ndash uma Visatildeo Geral e Aplicada Gramaacutetica Miacutenima para Domiacutenio da Liacutengua Padratildeo e Gramaacutetica Integral da Liacutengua Portuguesa uma Visatildeo Praacutetica e

OS AUTORES

- 202 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Funcional os cinco uacuteltimos pela Ateliecirc Editorial Eacute membro da Academia Campinense de LetrasContato tom_abreuuolcombr

Camila de Arauacutejo Beraldo Ludovice Possui graduaccedilatildeo em Letras-Habilitaccedilatildeo em Portuguecircs e Inglecircs pela Universidade de Franca eacute mestre em Linguiacutestica pela Universidade de Franca e Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela FCLAr ndash UNESP de Araraquara Realizou estaacutegio de poacutes-doutorado no Departamento de Educaccedilatildeo Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo na Faculdade de Filosofi a Ciecircncias e Letras de Ribeiratildeo Preto ndash Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob a supervisatildeo da Profa Dra Soraya Maria Romano Paciacutefi co Eacute vice-lider do GEBGEcirc ndash Grupo de Pesquisas em Estudos Bakhtinianos dos Gecircneros do Discurso ndash certifi cado pelo CNPQ junto com o Prof Dr Juscelino Pernambuco Atualmente eacute professora permanente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (Mestrado) da Universidade de Franca e professora dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia Aacutereas de atuaccedilatildeo e conhecimento Linguiacutestica do Texto Estudos Bakhtinianos Anaacutelise do Discurso Semioacutetica Liacutengua e Literatura LatinaContato camilaludovicegmailcom

Deacutebora Massmann Eacute doutora em Letras pela Universidade de Satildeo Paulo (USP) (2009) mestre e graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (2005 e 2002) Realizou estaacutegio Poacutes-doutoral em Semacircntica no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2014) Eacute docente permanente e coordenadora adjunta do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Ciecircncias da Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaiacute Atua como docente nos cursos de Graduaccedilatildeo em Letras Histoacuteria e Tecnologia em Gastronomia da Universidade do Vale do Sapucaiacute (UNIVAacuteS) Em 2018 foi professora convidada

- 203 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

na Universidade de Turim (Itaacutelia) Tem experiecircncia em teoria e anaacutelise linguiacutestica principalmente na aacuterea de semacircntica anaacutelise de discurso retoacuterica e argumentaccedilatildeo Em suas pesquisas destaca-se o interesse pelo funcionamento dos discursos juriacutedico poliacutetico e artiacutestico Contato deboramassmannunivasedubr ou deboraquelhmgmailcom

Fernando Aparecido Ferreira Eacute doutor em Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo na aacuterea de Estudos dos Meios e da Produccedilatildeo Mediaacutetica pela Escola de Comunicaccedilatildeo e Artes (ECA) da Universidade de Satildeo Paulo (USP 2008) mestre em Comunicaccedilatildeo Midiaacutetica pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESP 2002) Graduado em Desenho Industrial (habilitaccedilatildeo em Programaccedilatildeo Visual 1995) Eacute professor da Universidade de Franca (UNIFRAN) desde 2000 integrando o corpo docente do Curso de Graduaccedilatildeo em Design Graacutefi co desde essa data e o corpo docente do Programa de Mestrado em Linguiacutestica desde setembro de 2011 Atualmente desenvolve e orienta trabalhos nos campos da Linguiacutestica Textual e da Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica em projetos de pesquisa que abarcam a relaccedilatildeo do texto verbal com o texto imageacutetico bem como a retoacuterica da imagem tendo como objetos de estudo histoacuterias em quadrinhos produccedilotildees audiovisuais peccedilas publicitaacuterias etc Eacute vice-liacuteder do grupo PARE - Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica vinculado ao CNPq Integra o Nuacutecleo Docente Estruturante dos cursos de Design da UNIFRANContato ff erreiradguolcombr

Gerardo Ramiacuterez Vidal Doutor em Letras Claacutessicas Pesquisador e Docente em tempo integral no Centro de Estudos Claacutessicos do Instituto de Investigaccedilotildees Filoloacutegicas da Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico (UNAM) Atua como fi loacutelogo claacutessico e tradutor de textos gregos Suas linhas de pesquisa abordam a

- 204 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

sofiacutestica a retoacuterica e a hermeneacuteutica Dentre suas publicaccedilotildees destacam-se La retoacuterica de Antifonte (2000) La palabra y la fl echa anaacutelisis retoacuterico de textos literarios de la Grecia antigua (2005) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e El arte de la memoria en la Rhetorica christiana de Diego Valadeacutes (2016) La invencioacuten de los sofi stas (2016) e Paixotildees aristoteacutelicas (2017) Eacute membro do Sistema Nacional de Investigadores SNI (CONACyT) Niacutevel II Contato grvidal18gmailcom

Lucas Vinicio de Carvalho Maciel Eacute Professor Adjunto A da Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar) Atuou de 2010 a 2016 na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) Doutor (2014) e Mestre (2008) em Linguiacutestica Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Possui graduaccedilatildeo (2005) em Licenciatura em Letras - Portuguecircs pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Atua no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica (PPGL-UFSCar) Atualmente desempenha a funccedilatildeo de coordenador do Bacharelado em Linguiacutestica Lidera juntamente ao Prof Dr Luiz Andreacute Neves de Brito o grupo de pesquisa Escrita e leitura na contemporaneidade cadastrado no CNPq Tem experiecircncia na aacuterea de Linguiacutestica com ecircnfase em Linguiacutestica Aplicada atuando principalmente nos seguintes temas gecircneros do discurso estilo de escrita teoria bakhtiniana aquisiccedilatildeo da linguagem escrita e escolaContato lucasvcmacielyahoocombr

Maria Flaacutevia Figueiredo Eacute Doutora em Linguiacutestica pela Unesp-Araraquara com estaacutegio poacutes-doutoral em Retoacuterica na PUC-SP Especializaccedilatildeo em Liacutenguas Estrangeiras pela State University of New York (SUNY-Albany) formaccedilatildeo em Psicanaacutelise pela APVP (Associaccedilatildeo Psicanaliacutetica do Vale do Paraiacuteba) e Graduaccedilatildeo em Letras pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

- 205 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Atualmente eacute docente permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Linguiacutestica e dos cursos de Letras Tradutor e Inteacuterprete e Pedagogia da Universidade de Franca Eacute liacuteder do grupo PARE (Pesquisa em Argumentaccedilatildeo e Retoacuterica) e membro do grupo ERA (Estudos de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo) ambos certifi cados pelo CNPq Tem experiecircncia nas aacutereas de Linguiacutestica (com ecircnfase em Retoacuterica Linguiacutestica Textual e Fonologia) Liacutengua Portuguesa Liacutengua Inglesa e Metodologia de Pesquisa Realiza pesquisas nos seguintes temas relaccedilotildees entre ethos retoacuterico e gecircnero do discurso Linguiacutestica e Psicanaacutelise gecircneros textuaisdiscursivos e ensino ethos pathos e logos intertextualidade como estrateacutegia persuasiva e questotildees de autoria no texto cientiacutefi co Dentre outras publicaccedilotildees eacute organizadora das obras Retoacuterica e multimodalidade (2018) Paixotildees aristoteacutelicas (2017) e O animal que nos habita a retoacuterica das paixotildees em Relatos Selvagens (2016) Contato mariafl aviafi gueiredoyahoocombr

Moacir Lopes de Camargos Possui graduaccedilatildeo em Letras - PortuguecircsFrancecircs pela Universidade Federal de Uberlacircndia (1995) mestrado em Linguiacutestica Aplicada (Liacutengua estrangeira) pela Universidade Estadual de Campinas (2003) doutorado em Linguiacutestica tambeacutem nesta instituiccedilatildeo (2007) poacutes-doutorado em Humanidades pela Universidade de Coacuterdoba Argentina (2008) poacutes-doutorado em Literatura Francoacutefona pela University of Guelph Canadaacute (2017) Tem experiecircncia docente na aacuterea de Letras francecircs espanhol portuguecircs e literatura em escolas da rede puacuteblica (ensino fundamental e meacutedio) e em cursos de formaccedilatildeo de professores tambeacutem atua no Ensino Superior (na aacuterea de Letras - graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo) Seu trabalho prioriza os seguintes temas interculturalidade e aprendizagem de liacutengua(s) e literatura Contato lopesdecamargosgmailcom

- 206 -

Patriacutecia Brasil Massmann Eacute doutoranda (Bolsa Filantropia Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Bolsa CAPESPROSUPBOLSA) e Mestre em Direito Poliacutetico e Econocircmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Bolsa CAPESPROSUP) Professora do Curso de Direito da UNIMetrocamp - Campinas Advogada Graduada em Direito pela Universidade da Amazocircnia (2003) Graduada em Administraccedilatildeo de Empresas e Comeacutercio Exterior pelo Centro Universitaacuterio do Estado do Paraacute (2002) Membro de diferentes grupos de pesquisa a saber ldquoMulher Sociedade e Direitos Humanosrdquo (UPM) ldquoA Constituiccedilatildeo Recuperadardquo (UPMCECEC) e a equipe do Projeto de Pesquisa ldquoA Constituinte Recuperadardquo (CEDECUPMFAPESP)Contato patriciabrasilmetrocampedubr

Rosana Ferrareto Lourenccedilo Rodrigues Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa (Unesp 2012) com estaacutegio poacutes-doutoral no Departamento de Ciecircncias Cognitivas da Case Western Reserve University ClevelandOH EUA (2018-2019) Mestre em Linguiacutestica (Unifran 2010) Especialista em Design Instrucional (Unifei 2015) e em Liacutengua Inglesa (Unifran 2006) Licenciada em Letras (Unifeg 1997) Eacute professora EBTT do IFSP Satildeo Joatildeo da Boa Vista Atua nas seguintes aacutereas Comunicaccedilatildeo Cientiacutefi ca Linguiacutestica Cognitiva Gramaacutetica Funcional Retoacuterica e Estiliacutestica Tecnologias e Educaccedilatildeo e Avaliaccedilatildeo Eacute organizadora de dois volumes da obra Temas e Rumos nas Pesquisas em Linguiacutestica (Aplicada) Questotildees empiacutericas eacuteticas e praacuteticas (2015 2017) Contato rosanaferraretoifspedubr

- 207 -

- 208 -

O TEXTO CORPO VOZ E LINGUAGEM

Page 7: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 8: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 9: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 10: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 11: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 12: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 13: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 14: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 15: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 16: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 17: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 18: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 19: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 20: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 21: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 22: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 23: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 24: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 25: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 26: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 27: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 28: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 29: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 30: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 31: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 32: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 33: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 34: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 35: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 36: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 37: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 38: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 39: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 40: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 41: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 42: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 43: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 44: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 45: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 46: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 47: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 48: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 49: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 50: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 51: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 52: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 53: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 54: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 55: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 56: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 57: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 58: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 59: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 60: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 61: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 62: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 63: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 64: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 65: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 66: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 67: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 68: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 69: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 70: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 71: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 72: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 73: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 74: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 75: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 76: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 77: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 78: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 79: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 80: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 81: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 82: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 83: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 84: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 85: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 86: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 87: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 88: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 89: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 90: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 91: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 92: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 93: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 94: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 95: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 96: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 97: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 98: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 99: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 100: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 101: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 102: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 103: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 104: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 105: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 106: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 107: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 108: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 109: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 110: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 111: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 112: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 113: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 114: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 115: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 116: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 117: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 118: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 119: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 120: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 121: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 122: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 123: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 124: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 125: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 126: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 127: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 128: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 129: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 130: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 131: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 132: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 133: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 134: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 135: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 136: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 137: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 138: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 139: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 140: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 141: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 142: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 143: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 144: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 145: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 146: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 147: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 148: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 149: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 150: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 151: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 152: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 153: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 154: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 155: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 156: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 157: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 158: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 159: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 160: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 161: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 162: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 163: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 164: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 165: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 166: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 167: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 168: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 169: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 170: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 171: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 172: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 173: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 174: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 175: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 176: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 177: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 178: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 179: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 180: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 181: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 182: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 183: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 184: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 185: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 186: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 187: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 188: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 189: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 190: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 191: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 192: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 193: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 194: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 195: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 196: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 197: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 198: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 199: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 200: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 201: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 202: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 203: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 204: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 205: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 206: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 207: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora
Page 208: arquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.brarquivos.cruzeirodosuleducacional.edu.br/criacao/... · 2020. 11. 6. · CONSELHO EDITORIAL Camila de Araújo Beraldo Ludovice (UNIFRAN) Débora