16.Organização Curricular

  • Upload
    geissem

  • View
    11

  • Download
    0

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Organização curricular

Citation preview

  • Organizao curricular

  • B512s Martins, GEISSE.

    Organizao Curricular , 2015.

    32f.

    - CONSULCAP CDU - 00000

    Direo :

    Coordenao Pedaggica:

    Administrativo

    Superviso :

    Gerncia :

  • SUMRIO CONSTRUO DE UMA NOVA CONCEPO DE CURRCULO ....................................... 5

    2- Currculo e Sociedade ......................................................................................................... 6

    3- Currculo e Finalidades da Educao ................................................................................ 7

    4- Currculo Como Estrutura Narrativa .................................................................................. 11

    5- Currculo Como Complexidade .......................................................................................... 13

    1- Desenvolvimento no Campo do Currculo ............................................................................ 17

    2- Currculo Acadmico X Currculo No Acadmico .......................................................... 19

    3- Currculo Por Disciplinas X Currculo Integrado.................................................................. 21

    4- Universalismo X Multiculturalismo ...................................................................................... 23

    5- Ensino Propedutico X Formao Profissional .................................................................... 25

    6- Formao Humana X Competncias.................................................................................. 27

    8. Curriculo oculto ................................................................................................................ 29

    Como agir em relao aos contedos que so ensinados e aprendidos de forma no

    explcita na escola. .............................................................................................................. 29

    Concluses ............................................................................................................................. 32

  • TEXTO I

    GIUSTA, Agnella da Silva. Construo de uma nova Concepo de Currculo.

    In: Programa decapacitao de Diretores - PROCARD. Secretaria de Estado de Educao

    de Minas Gerais, 2000

    CONSTRUO DE UMA NOVA CONCEPO DE CURRCULO

    1- Por Uma Nova Concepo do Currculo

    Quando comeamos a tratar de um assunto, geralmente temos uma necessidade

    quase virtual de procurar saber em que consiste, ou qual o conceito do termo que

    caracteriza nosso objeto de ateno. Assim, falar de currculo remete-nos ao

    mental de entender sobre o que, de fato, estamos falando. Em nosso caso, a

    preocupao amplia-se, pois no se trata, apenas, de definir currculo, mas de

    sintetizar ou acolher conceituaes que tenham ressonncia no mbito da Educao

    Bsica do nosso pas e, mais especialmente, do nosso Estado, da nossa regio e da

    nossa escola.

    Para satisfazer a necessidade, ou, quem sabe, torn-la ainda mais

    desafiadora, propondo que

    passemos, pelo menos, por trs nveis de conceituao de currculo:

    o que de domnio pblico, acessvel por meio do

    dicionrio; o de quem vive o currculo como aluno

    e como educador; o daqueles que o elegem

    como tema de estudo e pesquisa.

  • 2- Currculo e Sociedade

    Em todas as sociedades, especialmente naquelas em que as desigualdades so muito

    acentuadas, a distribuio do poder e os mecanismos de controle social esto

    refletidos no currculo por meio da elaborao, seleo, distribuio, transmisso e

    avaliao do que considerado saber escolar legtimo. A depender da origem social

    dos destinatrios, das modalidades de educao oferecidas e dos fins que se tem em

    vista, o currculo cumpre, de forma diferenciada, sua funo nessa distribuio de

    poder. Assim, h uma ntima ligao entre o currculo e o projeto de socializao,

    a ser realizado, o que transparece em seus contedos, no formato e nas prticas que

    so criadas e recriadas indefinidamente.

    Estamos tentando deixar claro que o currculo no algo abstrato, descolado do

    sistema educativo que lhe confere efetividade e que, por sua vez, projeta os valores,

    interesses e compromissos da sociedade concebida como entidade neutra.

    Nos termos descritos, a relao currculo e sociedade disfarada, o que dificulta a

    tomada de conscincia de suas reais vinculaes. O currculo pode, at certo ponto,

    explicitar-se, tornar pblicos seus fins sociais e culturais, seus contedos de

    diferentes matizes e suas aes para o alcance das finalidades que a sociedade

    espera que a escolarizao cumpra, mas tem sempre uma face oculta, que nos ludibria

    e nos submete a armadilhas, pelo prprio trabalho de interpretao dessas

    finalidades, pelo que realamos e apagamos nesses contedos, pelos rituais,

    preconceitos, exigncias e mitos que utilizamos, enfim, pelo que corre, pelo que fui,

    pelos cortes e atalhos que fazemos, reportando-nos ao significado da palavra currculo

    em sua fonte latina.

    Apesar disso, no produtivo fazer o discurso das relaes, ou das contaminaes do

    currculo ante as intenes expressas e veladas de uma sociedade de classes, se

    no nos interrogarmos sobre a nossa participao nesse jogo e se no procurarmos

    outro itinerrio.

    Nesse caso, nada mais oportuno que a permanente vigilncia e anlise crtica, no

    sentido do desvelamento dos fatores mencionados. Entretanto, s podemos engajar-

    nos nessa anlise se acatarmos a definio de escola como organizao social,

    caracterizada por contradies, confronto de posies e pela diversidade de

    interpretaes da realidade, at mesmo por fora da opo poltica, projetos e

    formao acadmica de seus agentes. Assim considerada, a escola constitui uma

    sntese original, podendo vir a ser um espao de autonomia inestimvel. Nos ltimos

    tempos, essa autonomia tem-se manifestado nos projetos poltico-pedaggicos que

    cada escola frmula. Entretanto, se no se investe no planejamento, desenvolvimento

    e avaliao do currculo, no podemos consider-lo, de fato, um projeto poltico-

  • pedaggico. Nesse aspecto, os referidos projetos apresentam-se extremamente

    lacunares.

    Para dar um passo adiante, vale lembrar, ainda, que o currculo e o

    conhecimento no so

    criaes definitivas, estticas, mas, sim, produtos de relaes sociais. E, em se

    tratando de currculo

    escolar, temos mesmo uma grande margem de autonomia para incluir saberes e

    prticas mais convenientes aos projetos que formulamos ou elegemos. Se isso

    possvel, a escola no pode ser vista somente como instncia reprodutora. Pelas

    relaes sociais que nela ocorrem, criam-se e reconstroem- se significados, prticas

    pedaggicas; e desempenha-se papel de extrema importncia para a construo

    de identidades sociais e individuais de ordem diversa daquela pertinente s foras

    conservadoras.

    No entanto, para que essa tarefa de transformao tenha mais garantia, penso

    ser inadivel a instalao de esferas coletivas de trabalho, nas quais educadores,

    alunos e colaboradores tomem para si a incumbncia de configurar e desenvolver o

    currculo que lhes convm, que deve ser, em ltima anlise, realizador do projeto

    poltico-pedaggico da instituio.

    3- Currculo e Finalidades da Educao

    medida que o currculo encarado como pea fundamental do projeto poltico-

    pedaggico, torna-se imperiosa a retomada de reflexes que constituem o ponto de

    partida do projeto: quem somos ns, qual a nossa identidade como instituio,

    aonde pretendemos chegar, com que recursos contamos, o que possvel fazer

    para potencializar ou obter a base material e humana necessria realizao do

    projeto que defendemos? Essas reflexes j foram objeto de ateno, mas, em

    nosso caso, preciso frisar uma delas: a que diz respeito s finalidades da

    educao que vo nortear o currculo.

    Quando se fala em finalidades de educao, vrias so as referncias. Tem-se

    desde as representadas pelos documentos oficiais, a exemplo da Constituio da

    LDB, do Plano Nacional da Educao e diretrizes curriculares nacionais, at

    aquelas providas por ideolgicos e cientistas de diferentes posies. Apesar disso,

    possvel encontrar algumas vozes mais consensuais. Uma delas pode ser

    identificada com a defesa de finalidades que concorrem para ampliar e aprofundar

    as condies de cidadania.

    Venho insistentemente comentando que a palavra cidadania tem sido usada

    mais como figura de

    retrica do que como conceito balizador de aes educacionais.

  • A cidadania, como a conhecemos hoje, s pode ser entendida como processo

    e, mais ainda, como processo de conquistas que encontram inspirao no

    movimento Iluminista do sculo XVIII e decorrem da Revoluo Industrial, com seus

    desdobramentos polticos e sociais. Logo, trata-se de um processo que no guarda

    relao com a cidadania dos gregos e romanos da Antigidade Clssica, na qual,

    por fora das organizaes sociais escravistas, ser cidado era privilgio das elites.

    As conquistas referidas anteriormente situaram-se, antes de tudo, na esfera civil

    da cidadania ou esfera dos direitos individuais (direitos civis, polticos e sociais). Ao

    longo do processo, toma corpo uma outra face da cidadania, a mais moderna,

    apelidada de face cvica, pela qual o indivduo se eleva ao patamar da cooperao,

    da solidariedade, do respeito s diferenas, do compromisso tico com o pblico e

    outras condutas do gnero.

    Est cada vez mais claro que a sociedade espera da escola a

    responsabilidade pelo desenvolvimento de tais condutas desde seus nveis de

    atuao mais precoces. Nesse sentido, o fenmeno da globalizao trouxe um

    complicador, e reiteradamente tenho-me perguntado: como fica a questo da

    cidadania diante dos desdobramentos desse fenmeno?

    Proponho, agora, pensarmos juntos sobre isso. Como podemos preservar nossa

    identidade, sem

    prejuzo do carter cosmopolita necessrio ao viver e conviver em um mundo

    globalizado?

    CASTELLS, renomado socilogo da era da informao, define identidade como

    a fonte de significado e experincia de um povo, cuja construo se vale da

    matria-prima fornecida pela histria, geografia, biologia, instituies produtivas e

    reprodutivas, pela memria coletiva, por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder

    e revelaes de cunho religioso. Acrescenta que todos esses materiais so

    processados pelos indivduos, grupos sociais e de sociedades, que reorganizam

    seu significado de funo de tendncias sociais e projetos culturais enraizados em

    sua estrutura social, bem como em sua viso de tempo/espao (CASTELLS, 199, p.

    22).

    Retomo, ento, a pergunta que propus anteriormente e gostaria que vocs me

    acompanhassem no seguinte raciocnio: falar, hoje, de cidadania muito complexo.

    Vivemos a ambigidade de ter uma identidade cultural, circunscrita a um determinado

    espao e grupo social, enquanto, ao mesmo tempo, interagimos com outras culturas.

    Agora, chegamos mesmo ao ponto de ser pressionados pelo cosmopolitismo, pois,

    habitando o ciberespao, somos forados a ser cidados do mundo.

    possvel ser cidado do mundo?

    Do ponto de vista dos direitos, a cidadania ainda resolvida nos limites nacionais, uma

    vez que constituio de cada pas que os garante, mas a face cvica pode dissolver

    o problema da restrio. Se conseguirmos formar identidades fortes, sem preconceitos

  • quanto s prprias razes, se aceitarmos a vida como bem supremo e se praticarmos

    a solidariedade, o respeito ao outro e sua identidade cultural e, alm disso,

    conduzir-nos tendo como ideal as relaes de troca e o bem comum, ento possvel

    continuar falando de cidadania com as janelas abertas para o mundo, conciliando a

    dimenso restrita e a dimenso universal, conforme exige a contemporaneidade. Este

    um desafio que a escola deve considerar seriamente e que a Escola Sagarana faz

    com muita veemncia em seu projeto.

    Todavia h uma outra fonte de inspirao atualmente muito citada, quando se fala

    em finalidades da educao: o Relatrio da UNESCO, elaborado pela Comisso

    Internacional sobre Educao para o Sculo XXI, onde se encontram destacados

    quatro pilares tidos como essenciais a um novo conceito de educao: aprender a

    conhecer, aprender a conviver, aprender a ser.

    a) APRENDER A CONHECER - enfatiza a importncia do domnio dos prprios

    instrumentos de conhecimento para compreender o mundo, j que isso necessrio

    para viver dignamente. Fundamenta-se no prazer de compreender, de conhecer,

    de descobrir. Aponta para a necessidade de a formao inicial fornecer a todos os

    alunos instrumentos, conceitos, e referncias resultantes dos avanos das cincias

    e dos paradigmas do seu tempo. Preconiza a contemporizao de uma cultura geral

    vasta e a possibilidade de trabalhar em profundidade determinado nmero de

    assuntos. Supe, sobretudo, aprender a aprender, o que requer a construo de

    estratgias de ateno, de memria e de pensamento para beneficiar-se das

    oportunidades oferecidas pela educao ao longo da vida.

    b) APRENDER A FAZER - parte da pergunta: como a escola pode ajudar o aluno a

    preparar- se para a empregabilidade, especialmente em vista das implicaes do

    processo de globalizao das atividades produtivas? Considera-se enterrada a

    qualificao para o trabalho, nos moldes tradicionais de treinamento para execuo

    de tarefas especficas. Enfatiza-se a mobilizao e desenvolvimento de capacidades

    como a de adaptar-se a um novo contexto de trabalho mais participativo, de natureza

    mais intelectual e que exige uma slida base tecnolgica.

    e) APRENDER A CONVIVER - um dos maiores desafios dos educadores. O aumento

    da violncia e da capacidade de destruio e a acentuao das desigualdades sociais,

    entre outros traos marcantes de desagregao social no decorrer do sculo XX,

    impuseram Educao a tarefa urgente de formar o novo homem para fazer frente

    existncia de preconceitos de variada natureza a um tipo de atividade econmica que

    privilegia a competio e o sucesso individual. Recomenda-se uma educao mais

    aberta ao dilogo e ao desenvolvimento do esprito crtico, ao processo de formao de

    um homem disposto a viver e trabalhar numa sociedade solidria.

    d) APRENDER A SER - recomenda que a educao deva contribuir para o

    desenvolvimento total da pessoa - corporeidade, inteligncia, sentido esttico,

    responsabilidade pessoal e espiritualidade, no sentido de que o aluno construa

    pensamentos autnomos e crticos, e possa formular os seus prprios juzos de valor,

    de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir ante os diferentes desafios da vida.

  • Como ltima referncia para se deliberar sobre finalidades da educao, focalizamos

    as Diretrizes Curriculares do Ensino Mdio, que bem expressiva das idias

    anteriores e que parece haver encontrado boa aceitao. Nelas, proclama-se que

    todas as atividades escolares, especialmente as curriculares, devem ser coerentes

    com princpios estticos, polticos e ticos, abrangendo:

    I - A Esttica da Sensibilidade, que dever substituir a da repetio e

    padronizao, pelo

    esforo de constituio de identidades capazes de lidar com a incerteza e a

    diversidade e de valorizar a

    delicadeza, a sutileza, as formas ldicas e alegricas de conhecer o mundo; e de

    fazer do lazer, da

    sexualidade e da imaginao um exerccio de liberdade responsvel.

    II - A Poltica da Igualdade, pautadas nas qualidades da cidadania, visando

    constituio de identidades que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos

    bens sociais e culturais, o respeito ao bem comum, o protagonismo e a

    responsabilidade no mbito pblico e privado, o controle a todas as

    formas discriminatrias; e o respeito aos princpios do Estado de Direito, na

    forma do sistema

    federativo e do regime democrtico e republicano.

    III - A tica da Identidade, que busque superar as dicotomias entre o mundo

    da moral e o mundo da matria, entre o pblico e o privado, que possa construir

    identidades sensveis e igualitrias, praticantes de um humanismo contemporneo,

    capazes de reconhecimento, respeito e acolhimento

    identidade do outro; e, que incorpore a solidariedade, a responsabilidade e a

    reciprocidade na

    orientao e no exerccio da vida profissional, social, civil e pessoal.

    Para encerrar esta parte, necessrio reconhecer que a realizao do projeto

    pedaggico que visa ampliao do dever de educar obriga-nos a fazer uma

    converso: sair dos limites da concepo de currculo como seleo e organizao

    de contedos intelectuais, ainda que estes abranjam os diversos mbitos das

    cincias, das artes e das tecnologias, para vislumbrar outro formato condizente com

    as exigncias hodiernas. Para isso, a primeira preocupao do currculo deve ser a

    de retomar, criticamente, as finalidades da educao definidas no projeto poltico-

    pedaggico da escola.

  • 4- Currculo Como Estrutura Narrativa

    O currculo escolar sintetiza metas, objetivos, contedos e maneiras de organiz-

    los; atividades de ensino/aprendizagem e de avaliao; indicaes bibliogrficas e

    outros recursos. Pode ser consolidado em um documento escrito mais detalhado ou

    mais esquemtico; pode apresentar-se mais rico ou mais pobre; mais progressista

    ou mais conservador; porm, no deixa de ser um conjunto de prescries.

    Por outro lado, ns, que vivemos na escola, somos testemunhas de que o

    currculo , sobretudo, uma prxis. isso que pretendemos expressar, quando

    usamos a metfora da narrao, ou seja: que o currculo, apesar de todas as

    intenes e do planejamento prvio, ao materializar-se, muito diverso de sua forma

    idealizada. , de fato, uma estrutura que se vai compondo na prtica; construindo-se

    no processo mesmo de sua concretizao; auto-organizando-se medida que as

    regulaes se fazem necessrias; portanto, vai tecendo e contando (narrando) a

    sua prpria histria. Ns podemos, e legtimo, afirmar o que queremos que o

    currculo seja. O que ele ser, porm, no pode ser dito por antecipao, porque vai

    depender da dinmica de cada instituio e das experincias nela vividas: ser

    diferente de uma escola para outra, de uma cultura para outra, de um ano para

    outro, de um grupo social para outro, de uma turma para outra e, assim,

    indefinidamente.

    Essa caracterstica do currculo pe em xeque, evidentemente, o sentido da ao

    de planejar: se o currculo estrutura narrativa, se um processo que se redefine

    a cada instante, h sentido em se fazer planejamento curricular?

    A capacidade de fazer projees para planejar aes futuras uma caracterstica

    exclusiva do ser humano, que o distingue e o torna muito mais poderoso do que

    qualquer membro de outra espcie. E, exatamente porque o currculo , por definio,

    indeterminvel e imprevisvel, devemos ser rigorosos com o seu planejamento. O

    importante no cometermos o engano de pensar que nossos planejamentos so

    infalveis, principalmente quando envolvem sistemas altamente complexos, e, por

    isso mesmo, surpreendentes, como os que esto implicados na ao educativa.

    Portanto, o planejamento curricular, com todos os seus componentes, uma

    primeira aposta, um guia para o trabalho e no uma predeterminao das atividades

    que sero de fato realizadas. Nem os objetivos, nem os contedos, nem a

    metodologia, nem a avaliao, nem mesmo os materiais didticos podem ser

    submetidos a determinaes prvias inarredveis.

    O que foi dito no novidade para ns. Sabemos que o currculo sintetiza todo

    tipo de complexidade, bastando tomar como exemplo o aluno, a quem se objetiva

    alcanar. FOERSTER, um ciberneticista e filsofo da cincia dos mais prestigiados,

    alerta-nos quanto a isso, ao afirmar que tendemos a encarar o aluno como uma

    mquina banal, que opera apenas com uma regra. Da, esperar- mos dele apenas

    uma resposta, geralmente a que temos em mente, ou a que desejamos que ele nos

  • d. No entanto, o que caracteriza o aluno ser uma mquina banal, que opera

    com vrias regras e, portanto, com formas de lidar com os objetos de

    aprendizagem muito variadas, apresentando-nos respostas muitas vezes

    desconcertantes. Apoiando-se em argumentaes desse tipo, FOERSTER afirma,

    ento, que "a aprendizagem indeterminvel, imprevisvel e depende da histria."

    (Giusta, 1997, p.57).

    Assim, a soluo est, na verdade, em nossa capacidade de criar e recriar

    situaes de compatibilidade entre o que estabelecemos como desejvel e as

    condies de imprevisibilidade e incerteza nas quais o currculo est mergulhado.

    Isso leva-nos a relativizar, mas no a negar o planejamento curricular. possvel

    e desejvel o estabelecimento de expectativas, porm para que elas tenham mais

    probabilidade de sucesso, recomendvel que o currculo, efetivamente, seja tratado

    como parte do projeto poltico-pedaggico, como conjunto de decises negociadas

    pelo coletivo da escola, considerado, como diria Pierre LVY, "inteligncia coletiva".

    Se isso no acontece, corremos o risco de transformar o currculo e o prprio projeto

    em letra morta, conduzindo necessidade de uma deciso na qual a posio do

    dirigente fundamental: a institucionalizao do coletivo de educadores na

    unidade escolar, por sua vez,

    pressupe espaos e tempos formais, alm de pautas de reunio para que esse

    coletivo possa exercer-

    se como tal.

    necessrio, ainda, dizer que, definido como estrutura narrativa, o currculo deve

    ser visto, tambm, como estrutura relacional, ou seja, como sistema de relaes entre

    os diferentes aspectos que o compem: relaes entre agentes sociais, contedos,

    prticas, projetos, culturas, e entre tudo isso e as condies de vida e de aprendizagem

    do aluno.

  • 5- Currculo Como Complexidade

    O currculo complexidade, isto , pressupe uma teia de relaes, o que coloca em

    xeque a fragmentao do conhecimento instituda na cincia ocidental a partir de

    Descartes. Com ele, teve incio a tentativa de reduzir o conhecimento do conjunto

    ao conhecimento das partes, valendo-se da fora alcanada pelo paradigma analtico.

    At bem pouco tempo atrs, esse paradigma era tido como nico e incontestvel.

    Seguindo sua lgica, um problema complexo pode ser mais facilmente solucionado

    quando decomposto em problemas menores. Em contrapartida, com isso perde-se o

    que mais importante, ou seja, a viso do conhecimento como sistema: "conjunto

    organizado de partes diferenciadas que produz qualidades que no existiriam se

    estivessem isoladas uma das outras" (MORIN, 2000, p.13).

    Alm disso, o vertiginoso aumento dos conhecimentos, inicialmente circunscritos

    filosofia, acabou por precipitar a diviso do trabalho intelectual e a

    compartimentalizao desses conhecimentos, sob a forma de disciplinas, foi

    considerada inevitvel e irreversvel. A relao saber e poder, evidentemente, estava

    a colocada; saber mais e gerar tecnologia para dominar mais.

    justo reconhecer que o paradigma analtico e as especializaes disciplinares

    trouxeram grandes progressos cincia. No entanto, cada vez mais, h insatisfao

    com o isolamento e a insuficincia das abordagens disciplinares para responder

    aos desafios da complexidade do mundo atual. Isso tem feito com que se retome

    seriamente o discurso acerca da fragmentao do saber e que se procurem meios

    para sua superao.

    , ento, que a interdisciplinaridade passa a ser proposta. Sua defesa tem sido to

    veemente que no h dvida de que ela se transformou numa mstica, principalmente

    no campo da educao, em que a idia justificadamente frutificou. Em virtude disso,

    vale a pena aprofundar sua conceituao e as condies bsicas de sua prtica.

    A primeira informao necessria a de que essa soluo no nega a existncia das

    disciplinas, o que est claro no significado do prprio termo (trabalho entre

    disciplinas). Ningum contesta a inteireza do real, mas o ponto de vista das cincias

    indiscutivelmente particular e restritivo. No cabe, pois, o idealismo de decretar o

    fim das disciplinas ou subestimar as conseqncias prprias a elas. O que parece

    vivel o emprego de estratgias que conciliem essa competncia prpria dos

    diferentes domnios com a necessidade de alianas entre eles, no sentido de produzir

    uma viso menos mutiladora do real. Dessa maneira passa a ser interessante um

    trabalho de complementaridade, de cooperao, de convergncia de diferentes

    pontos de vista para iluminar um problema e encontrar a melhor forma de encaminh-

    lo.

    As vantagens do trabalho interdisciplinar so praticamente desconhecidas, por falta

    de experincias consolidadas. A exigncia interdisciplinar impe a cada especialista

  • que transcenda sua prpria especialidade, tomando conscincia de seus limites, para

    acolher as contribuies de outras disciplinas. Sem falar que, ao pensarmos

    interdisciplinarmente, encaramos o problema em suas relaes quase infinitas com o

    contexto, a depender do nmero, do nvel e da qualidade das interaes que

    consigamos promover.

    Quanto ao currculo escolar, a complexidade do processo ensino/aprendizagem, tendo

    em vista as finalidades e os valores da educao estabelecidos, reclama a articulao

    entre as disciplinas, por fora:

    da insuficincia que elas apresentam para lidar com suas prprias questes

    internas, o que

    conduz aliana com outras reas;

    da abrangncia de problemas de pesquisa e da prtica, e de estudos

    de temas que

    ultrapassam os limites disciplinares.

    Esclarecido o conceito de interdisciplinaridade, comeam as verdadeiras dificuldades.

    No tarefa fcil a participao numa obra comum, quando os mtodos e as

    modalidades de pensamento so to diferenciados. Assim como extremamente

    difcil lidar com conceitos de reas diferentes da nossa, tambm difcil sairmos da

    lgica de nossos pontos de vista para compreender o do outro e

    chegar ao acordo necessrio, ou ao desacordo justificado. Para tanto, preciso ter

    clareza acerca do

    que se fala, do que cada um faz, do como e do para que o faz.

    Depois, vm as vaidades, as disputas, os conflitos de interesses, sem esquecer

    que a inrcia e o conservadorismo de certos educadores e alunos so outros tantos

    obstculos a enfrentar. freqente constatar que cada disciplina superdimensiona

    sua contribuio e seu territrio, julgando-se mais importante do que as demais e

    isso, muitas vezes, conta com reforo social. Basta lembrar a diferena de prestgio

    entre as vrias reas do conhecimento na sociedade e, logicamente, na escola. E

    quando as diferenas e a m vontade no so explicitadas, pior ainda, pois o risco

    de sabotagem do esforo interdisciplinar muito maior. Portanto, os projetos

    interdisciplinares pressupem relaes maduras entre colegas, que esgotam os

    desacordos no espao formal, respeitando as idias do outro, tendo liberdade e

    legitimidade para discordar e defender o seu ponto de vista. preciso, tambm,

    desenvolver e exercer os princpios da generosidade, cada um abrindo mo da

    exclusividade do que sabe, para repartir com o coletivo, tendo a honestidade de no

    fazer apropriaes indevidas das idias alheias. S no exerccio da confiana e na

  • identificao com os objetivos e condutas do grupo de que se participa possvel

    realizar um trabalho interdisciplinar.

    O que comentamos at aqui aplica-se, com a mesma propriedade, a outras

    propostas pedaggicas, com vistas a minorar os resultados insatisfatrios do currculo

    por disciplina, a exemplo da transdisciplinaridade e da transversalidade.

    PIAGET cunhou o termo transdisciplinaridade, no campo da teoria do

    conhecimento, para expressar "uma etapa superior das relaes

    interdisciplinares, que no se contentaria em atingir interaes ou reciprocidade

    entre pesquisas especializadas, mas que situaria essas ligaes no interior de um

    sistema total, sem fronteiras" (Japiassu, 1976, p. 75). Porm, esclareceu em tempo

    que se tratava apenas de um sonho, de uma etapa previsvel de associaes mais

    do que de uma realidade j presente.

    bom lembrar que Piaget era dado a escorreges idealistas e essa sua

    utopia da transdiciplinaridade na pesquisa cientfica desconsidera o risco de uma

    coordenao geral de todas as disciplinas e interdisciplinas a partir do modelo de

    uma rea que seja socialmente mais valorizada. No campo da educao, o maior

    problema a identificao da transdiciplinaridade com globalizao do

    conhecimento, o que pode significar desenterrar o mito da oniscincia.

    O problema da insuficincia do saber disciplinar parece ser mais bem

    formulado quando se pergunta como podemos servir-nos da verticalidade dos

    conhecimentos especializados e, ao mesmo tempo, libert-los das clausuras

    disciplinares. Nessa direo uma soluo que tem sido apresentada a

    transversalidade. Por meio dela o saber escolar legitimado pela possibilidade

    que oferece para resolver problemas complexos, para compreender a realidade com

    base nos mltiplos pontos de vista. Resumidamente, significa abordar um tema, ou

    uma questo do cotidiano, no pela lgica das disciplinas isoladas, mas obedecendo

    exigncia de um percurso por vrias reas. Mais uma vez, necessrio observar

    que os temas transversais no esgotam o conjunto de conceitos e estratgias

    fornecido pelas disciplinas e que podemos perder muito abrindo mo deles.

    Voltaremos a essa discusso em mais dois momentos deste mdulo, de

    maneira que podemos parar por aqui. Todavia queremos compartilhar com voc a

    esperana em propostas pedaggicas que permitam o livre transito dos

    conhecimentos escolares, quer sob a forma de trabalho interdisciplinar, quer sob

    outras formas de colaborao que avaliarmos viveis e frutuosas.

    Elas tm, sobretudo, grande poder de resoluo de problemas escolares de

    ordem geral, podendo vir a apresentar solues criativas e adequadas a esses

    problemas, muitas vezes gerados em contextos bem mais amplos. Afinal, uma

    maneira de aglutinar, em torno dos desafios, diversas especialidades e estilos de

    pensar.

    Finalmente, merece ateno especial o fato de que toda proposta fundada em

    articulao de conhecimentos requer estruturas administrativas flexveis, canais

  • mveis pelos quais as pessoas possam transitar, na busca de adeso para projetos

    complexos. Aqui, aparece de toda importncia a funo do dirigente, para no s

    garantir novos arranjos de tempos e espaos institucionais como tambm apoiar,

    efetivamente, experincias concretas de inovao curricular.

  • TEXTO II

    SANTOS, Luciola L. P. Dilemas e Controvrsias no Campo o Currculo: Programa

    de Capacitao de Diretores

    - PROCARD. Secretaria de Estado de Minas Gerais, 2000.

    DILEMAS E CONTROVRSIAS NO CAMPO DO CURRCULO

    1- Desenvolvimento no Campo do Currculo

    Diferentes sociedades, nos ltimos sculos, colocaram a escola como lugar central

    para socializar as novas geraes nos valores, hbitos, atitudes e conhecimentos

    produzidos e acumulados historicamente. Pode-se dizer que, na instituio escolar,

    sobretudo por meio do currculo que esse processo se desenvolve.

    Ao longo dos ltimos anos, vrios significados foram e so atribudos ao currculo, de

    acordo com diferentes concepes sobre o papel da educao escolar. Para alguns,

    currculo significa o conjunto de conhecimentos trabalhados pela escola ou sob sua

    superviso, enquanto, para outros, o currculo constitui as experincias de

    aprendizagem vivenciadas na escola. Pode-se dizer que, no primeiro caso, a nfase

    posta em "o que aprender", ou seja, no contedo a ser trabalhado na escola. No

    segundo caso, o interesse dos educadores est voltado para a forma como o currculo

    deve ser organizado, dando nfase definio das experincias mais significativas a

    serem desenvolvidas pela escola. claro que essas duas orientaes representam

    apenas diferentes nfases dadas a esses aspectos que se apresentam, geralmente,

    interligados.

    So tendncias que marcaram o campo do currculo desde sua origem e permanecem

    at nossos dias. Nas ltimas dcadas, no entanto, a produo na rea do currculo

    vem sofrendo grandes transformaes. No incio da dcada de 70, um grupo de

    intelectuais, sobretudo ingleses e americanos, foram responsveis pelas mudanas

    no rumo dos estudos e pesquisas sobre currculo. Esses acadmicos, influenciados

    pelo marxismo, pelo neomarxismo, pela Fenomenologia, pelo interacionismo

  • simblico, pela Etnometodologia, pela Psicanlise e, mais recentemente, pelos estudos

    culturais e teorias ps-estruturalistas, levantaram algumas questes e

    desenvolveram anlises que redirecionaram as preocupaes e interesses nessa

    rea. Alguns desses tericos so bastante conhecidos no Brasil e muito citados na

    literatura sobre currculo, como, por exemplo, Basil BERNSTEIN e Michael YOUNG

    (ingleses) e Henry GIROUX e Michael APPLE (americanos).

    A preocupao - de carter prescritivo - com orientaes que facilitassem o desenvolvimento

    dos currculos escolares substituda, a partir do trabalho desses grupos, pelo interesse

    na compreenso do papel do currculo no processo educacional.

    At ento, associava-se o baixo rendimento do aluno a aspectos socioeconmicos e

    culturais. Acreditava-se que a idia de que as crianas das camadas populares

    apresentavam baixo desempenho escolar por questes ligadas ao seu processo de

    socializao: problemas relacionados ao desenvolvimento da linguagem, tipo de

    experincias vivenciadas, falta de acesso aos bens culturais, entre outras. Na

    Inglaterra, o movimento como Nova Sociologia da Educao volta-se para o estudo

    do currculo. Michael YOUNG, em um livro lanado em 1971, intitulado "Conhecimento

    e Controle", levanta importantes questes sobre a educao escolar, mostrando a

    necessidade de se analisarem os pressupostos que comandam os processos de

    seleo e organizao dos conhecimentos trabalhados pela escola. Abre-se, assim,

    espao para questionar os estudos que atribuem o rendimento insatisfatrio dos

    alunos falta de condies para a aprendizagem. Se as crianas no aprendem o que

    a escola ensina, no seria esse fato decorrente da inadequao dos prprios currculos

    escolares? Parte dos estudos sobre currculo passa, ento, a discutir a forma como

    eles so organizados e trabalhados nas escolas.

    As pesquisas e estudos da dcada de 70 mostram, ainda, que o que ensinado

    na escola selecionado dentro de um universo amplo de possibilidades. No interior

    da cultura, encontram-se o conhecimento cientfico, o conhecimento artstico e literrio,

    o conhecimento do senso comum, enfim, diferentes formas de saberes e de saber

    fazer. Por que, nesse conjunto de possibilidades, a escola privilegia determinados

    tipos de conhecimentos em detrimento de outros? Reconhecendo que o

    conhecimento escolar resultado de um processo de seleo, necessrio, ento,

    entender-se os critrios que orientam essas escolhas.

    Os estudos sobre currculos tm mostrado que os saberes acadmicos tm

    mais prestgio na educao escolar do que os saberes prticos. Mostram, tambm,

    que a forma como os conhecimentos so selecionados, organizados e trabalhados

    nas escolas refletem relaes de poder e interesses de controle social, presentes

    na sociedade. Em conseqncia, os currculos escolares, como vm sendo

    analisados em diferentes trabalhos sobre guias curriculares, livros didticos ou prticas

  • de sala de aula, muitas vezes reforam diferenas de classe, gnero e etnia, entre

    outras.

    Atualmente, os estudos voltam-se para a anlise de como o currculo atua

    nos processos de excluso escolar. Investiga-se se ele facilita ou limita as

    possibilidades de desenvolvimento do pensamento crtico, do interesse dos alunos

    pelos diferentes aspectos da nossa cultura, como desenvolve determinadas formas

    de raciocnio, em detrimentos de outras, enfim, como ele est formando ou

    conformando a maneira de ser e de agir das pessoas no processo de escolarizao.

    Ao lado disso, busca-se discutir propostas alternativas de currculo, que permitam a

    incluso dos alunos no sistema escolar. A discusso sobre a construo de uma

    proposta curricular que torne a escola realmente democrtica, pela oferta de um

    ensino de qualidade, defronta-se com vrios dilemas que sero apresentados a

    seguir.

    2- Currculo Acadmico X Currculo No Acadmico

    As denominaes currculo acadmico e no acadmico representam

    polarizaes em torno de dois modelos de currculo que quase nunca aparecem de

    forma pura. YOUNG (2000) afirma que o currculo acadmico, centrado nas

    disciplinas hierarquicamente organizadas, est associado educao das crianas

    consideradas mais hbeis, e caracteriza-se pela nfase na comunicao escrita em

    oposio oral, no individualismo, na abstrao e no afastamento da vida diria ou da

    experincia comum. Opostamente, o que denominado de currculo no acadmico

    so aquelas propostas curriculares que rompem com a estrutura disciplinar e com a

    organizao seqencial dos contedos, trabalhando com temas que interagem

    diferentes reas do conhecimento, voltando-se para os processos de aquisio, e

    no para os processos de transmisso de saberes. valorizada, nessa

    abordagem, a experincia de alunos e professores, suas vivncias e insero cultural.

    Estudos como os de GOODSON (1998) e de YOUNG (1998) sobre o

    denominado currculo acadmico mostram preocupao com a compreenso dos

    processos de definio ou de organizao de propostas curriculares. GOODSON

    (1998), discutindo alguns aspectos da teoria curricular, demonstra como, na

    Inglaterra, na dcada de 40, dois tipos de currculos tornaram-se bem ntidos. De um

    lado, um currculo para a classe mdia e para a elite, centrado em um corpo de

    conhecimentos a serem transmitidos caracterizados pelo seu carter acadmico,

    abstrato e descontextualizado. Segundo diz esse autor, os documentos oficiais no

    campo da educao procuravam demonstrar que esse tipo de currculo era

    "adequado queles alunos interessados em aprender, capazes de compreender um

  • argumento ou uma cadeia de raciocnios, interessados em causas e em saber por

    que as coisas so como so". Por outro lado, para as crianas da classe operria

    era apresentado um currculo voltado "para contextos prticos, com abordagem

    pedaggica e relacionado com processos ativos". De acordo com os documentos

    oficiais, esse currculo seria mais apropriado para o grupo de crianas que lida

    melhor com coisas concretas do que com idias abstratas. Assim as crianas, como

    os currculos, eram tratados como acadmicos e no acadmicos.

    Analisando as discusses e as propostas curriculares da dcada atual, percebe-

    se que a tenso entre currculos acadmicos e no acadmicos continua presente.

    Em seu trabalho intitulado "Princpios para uma reflexo sobre currculo", Pierre

    BOURDIEU (1998) prope sete princpios, os quais, segundo diz, esto

    fundamentados na reestruturao ocorrida na definio das formas de transmisso

    de conhecimento, na necessidade de eliminao de noes datadas e na importncia

    da introduo, na escola, de novos conhecimentos, provenientes tanto da pesquisa

    como das mudanas econmicas, sociais e tcnicas. Esses princpios podem ser

    resumidos pelas seguintes proposies:

    1. os contedos escolares devem ser constantemente revistos;

    2. a educao deve dar prioridade s reas que desenvolvam o pensamento;

    3. os currculos devem ser flexveis, mais apresentar conexo vertical e

    horizontal entre os

    contedos;

    4. pelo fato de o currculo ser compulsrio, deve sempre ser considerado a

    possibilidade de

    transmisso de seus contedos;

    5. deve-se procurar melhorar a eficcia do processo de transmisso, pela

    diversificao dos

    mtodos de ensino;

    6. a prtica curricular deve ser direcionada para a integrao do trabalho de

    professores de diferentes disciplinas, superando divises existentes antes

    entre elas, j superadas pela evoluo das cincias;

    7. os currculos escolares devem conciliar o universalismo inerente ao

    pensamento cientifico com o relativismo ensinado por meio das cincias

    histricas, refletindo a pluralidade de estilos de vida e de tradies culturais.

  • A proposta de BOURDIEU revela que o autor defende a idia de um currculo

    acadmico, modernizado pela introduo de novos conhecimentos e habilidades

    necessrias vida contempornea, trazidos pelo desenvolvimento cientifico e

    tecnolgico e pelas inovaes produzidas no campo pedaggico.

    Os que criticam o currculo acadmico acusam-no de haver sido sempre hostil s

    crianas e adolescente das camadas populares. Em sentido contrrio, os que criticam

    os currculos no acadmicos argumentam que eles no possibilitam a esses

    estudantes o ingresso no mundo das cincias e do conhecimento, deixando-os em

    condies de desvantagens perante aqueles que pertencem s elites, cujos pais,

    principalmente no que se refere ao ensino mdio. Optam por escolas de currculo mais

    acadmico.

    No campo do ensino das diferentes disciplinas, tem-se verificado que os currculos

    baseados na transmisso de conhecimentos tm obtido baixos resultados.

    Atualmente, influenciados pela Psicologia Cognitiva, em suas diferentes matizes, e

    ainda pela Psicanlise e pela teoria das representaes sociais, os estudos nesses

    campos tm-se preocupado com os processos de aquisio do conhecimento,

    considerando aspectos como concepes alternativas, senso comum, experincias

    pessoais e coletivas, emoes e desejos como elementos constituintes dos processos

    de aprendizagem. Alm disso, tem-se discutido, no campo da produo do

    conhecimento escolar, a idia de que a difuso, sobretudo pelos meios de

    comunicao digitalizados, est levando ao desenvolvimento de novas capacidades

    mentais, cognitivas e afetivas.

    Nesse contexto, criticado, hoje, o chamado modelo linear de currculo, que

    prescreve uma trajetria de aprendizagem a partir de uma ordenao dos contedos

    em uma seqncia definida como a melhor. Opondo-se essa matriz, advoga-se a idia

    de que o currculo pode ser concebido a partir da metfora da rede hipertextual, a

    qual estabelece um campo de conservao que oferece diferentes possibilidades e

    percursos de aprendizagem.

    3- Currculo Por Disciplinas X Currculo Integrado

    O modelo do currculo difundido ao longo deste sculo tem sido o modelo disciplinar.

    Nele, os contedos escolares so considerados, geralmente, como uma transposio

    de campos ou disciplinas acadmicas para a escola, sob a forma de reas de estudo,

    disciplinas ou matrias escolares. Nessa viso, o conhecimento escolar uma verso

    didatizada do conhecimento cientfico, ou seja, mediante princpios pedaggicos, o

  • conhecimento cientfico adaptado ao nvel e interesse dos alunos, transformando-se

    em conhecimento escolar.

    Estudos no campo da histria social das disciplinas escolares buscam analisar as

    condies de emergncia e desenvolvimento das diferentes disciplinas que integram

    os currculos do ensino bsico. Trabalhando nessa rea, Ivor GOODSON demonstra

    que as disciplinas escolares so colocadas no currculo de acordo com interesses

    prticos. Diante de certas necessidades sociais, diferentes contedos passam a

    integrar os currculos escolares, como, por exemplo, a educao sexual, que esta

    sendo includa no currculo de muitas escolas devido ao aumento das doenas

    sexualmente transmissveis. GOODSON mostra que, no seu processo de evoluo,

    visando a alcanar maior prestgio, as disciplinas escolares tornam-se mais

    acadmicas, incluindo contedos mais abstratos, de natureza conceituai. Exempio

    disso ocorreu com a chamada "cincia das coisas comuns" ensinada, no incio do

    sculo XIX, s classes operrias na Inglaterra. Essa disciplina trabalhava com o

    conhecimento cientfico de forma contextualizada, partindo da cultura e da experincia

    das crianas do povo, estimulando o pensamento, o raciocnio e a compreenso dos

    fenmenos estudados. Com o passar dos anos, essa forma de ensinar cincias foi

    relegada, e a disciplina "cincia" ensinada na escola passou a constituir um bloco

    de conhecimentos abstratos, mais prximo das cincias desenvolvidas nos

    laboratrios.

    A organizao disciplinar dos saberes escolares tem sido duramente criticada,

    uma vez que o currculo acaba por constituir um conjunto de contedos justapostos,

    trabalhando-se com o conhecimento de maneira fragmentria e pouco significativa

    para as crianas e adolescentes. Esse tipo de currculo coloca a escola de costas

    para o mundo, uma vez que no se vincula s experincias concretas dos alunos.

    Neste tipo de currculo, h pouco espao para o desenvolvimento, nos estudantes,

    do esprito de iniciativa, do pensamento critico e do gosto pela pesquisa autnoma.

    Nele, os alunos no captam ligaes que podem ser feitas entre as diferentes

    disciplinas, terminando por concentrar seus esforos na memorizao de um volume

    grande e desarticulado de informaes.

    O currculo integrado busca trabalhar com situaes contextualizadas, integrando

    conhecimentos de diferentes reas. Pode se dizer que, desde o comeo do sculo,

    esto sendo elaboradas propostas curriculares, como o mtodo de projetos e o ensino

    por soluo de problemas, que compartilham dessa viso. Nessas propostas, o

    ensino parte de uma situao ou problema prtico no quais os alunos trabalham,

    integrando conhecimentos de deferentes reas, para solucion-los.

    Os currculos integrados permitem que os estudantes trabalhem com contedos

    culturais relevantes, enfrentando a discusso de questes que no podem ser

    abordadas nos limites de uma nica disciplina. Nesse tipo de currculo privilegiam-

  • se um ensino em torno de problemas reais e questes prticas, que estimulem e a

    curiosidade dos estudantes, e a formulao de respostas criativas e inovadoras. Os

    problemas abordados em um currculo desse tipo so trabalhados levando-se em

    considerao fatores de diferentes ordens e preparando melhor os jovens para

    vencerem os desafios do mundo contemporneo. H uma similaridade entre a forma

    assumida nesse tipo de desenvolvimento curricular e a maneira como

    enfrentamos/solucionamos problemas reais de ordem pessoal ou profissional.

    Outra vantagem que os currculos integrados apresentam que eles favorecem

    a "colegialidade" nas instituies escolares, levando os professores a trabalharem

    em equipe e de forma cooperativa, eliminando as hierarquias escolares baseadas

    no prestgio diferenciado das diversas disciplinas, e substituindo-as por relaes

    mais horizontais, em que predominam as trocas, o respeito mtuo e o

    estabelecimento de objetivos comuns.

    No entanto, as escolas continuam a trabalhar com o currculo disciplinar, uma

    vez que o currculo integrado supe ruptura com as formas tradicionais de ensino,

    exigindo trabalho coletivo e criatividade. Alm disso, os professores - exceto os das

    sries ou dos ciclos iniciais-, so formados dentro de uma rea especfica de

    conhecimento, a qual buscam preservar, na defesa de seu territrio de trabalho.

    Contudo as experincias realizadas e bem sucedidas com currculos integrados

    mostram que, para os prprios professores participantes desses projetos, o ensino

    passa a ser um campo de realizaes, novas aprendizagens, renovando seu

    interesse pelo trabalho, deixando de constituir uma sucesso de tarefas repetitivas,

    montonas e cansativas.

    4- Universalismo X Multiculturalismo

    No Brasil, na dcada de 80, destacaram-se, no campo da pedagogia crtica, duas

    tendncias, com concepes prprias a respeito do currculo escolar e de suas

    relaes com a cultura do aluno e com a cultura mais ampla. Uma delas ressalta a

    necessidade de que a escola socialize os conhecimentos historicamente

    acumulados, o que, de certa forma, significa tornar a escola responsvel pela

    popularizao do conhecimento cientfico. A outra enfatiza a necessidade de que a

    escola trabalhe com a cultura das camadas populares, rompendo a relao existente

    entre a cultura escolar e a cultura daqueles que detm o poder na sociedade. A

    primeira tendncia denominada "Pedagogia Crtico- Social dos Contedos", enfatiza

    que a escola deve trabalhar com a socializao dos conhecimentos que fazem parte

    da chamada cultura legtima. A outra, conheciam como "Educao Popular", defende

  • a valorizao da experincia do aluno como forma de dar voz s culturas silenciadas

    pela escola, fortalecendo os grupos que esto em desvantagem social.

    A "Pedagogia Crtico-Social dos Contedos" pode ser identificada com o que

    chamado, no campo da Sociologia do Currculo, de universalismo e de legitimismo,

    enquanto a "Educao Popular" compartilharia das idias do multiculturalismo.

    Para a posio universalista, existem saberes, conhecimento e valores que

    so universais e transculturais, os quais fazem parte do patrimnio cultural da

    Humanidade e devem ser socializados pela escola. Entende-se que existe uma

    cultura legtima, cujo acesso condio necessria para uma integrao e uma

    participao efetiva do sujeito no mundo social.

    Para os que apiam o multiculturalismo, a escola trabalha apenas com uma parcela

    restrita da experincia humana, ou seja, com os saberes, valores e atitudes que fazem

    parte do que denominada verso autorizada ou legtima da cultura. Nesse

    processo, a cultura dos diversos grupos sociais marginalizada no processo de

    escolarizao e, mais do que isso, essa cultura vista como algo a ser eliminado

    pela escola, devendo ser substituda pela verso autorizada da cultura, a qual tem

    estado presente, geralmente, em todas as tarefas do sistema de ensino.

    Para o multiculturalismo, o currculo escolar deve-se englobar as experincias

    culturais dos diferentes grupos que integram a sociedade. Refuta-se a idia de que

    existam conhecimentos universais, uma vez que se designam como tais os

    conhecimentos que fazem parte da cultura de um grupo social especfico. Assim, o

    currculo escolar deve privilegiar a diversidade cultural, organizando a partir das

    mltiplas experincias e significados produzidos pelas diferentes culturas. Da mesma

    forma, os chamados multiculturalistas pem em questo a validade ou universalidade

    dos contedos cientficos e tericos, alegando que no existe um critrio justo, a partir

    do qual se possam considerar algumas obras humanas mais importantes ou

    significativas que outras. Para eles, as hierarquias existentes no interior das

    manifestaes culturais refletem interesses e relaes de poder presentes na

    sociedade.

    Por um lado, os que advogam a posio universalista argumentam que a escola o

    nico espao que permite s crianas das camadas populares acesso ao

    conhecimento cientfico, s obras literrias clssicas, enfim, produo cultural mais

    erudita, constituindo importante ferramenta para a participao em todas as esferas

    sociais. Por outro lado, os que defendem o multiculturalismo consideram que os

    currculos universalistas trabalham com a idia de que as crianas das camadas

    populares so carentes culturalmente e que o conhecimento deve suprir o dficit

    cultural desses alunos. Afirmam que a posio universalista tende a atribuir um

    valor negativo aos saberes, as prticas, aos gostos e ao modo de falar das camadas

    populares. Argumentam, ainda, que os currculos universalistas consagram as

  • hierarquias sociais; valorizam, em suas prticas, o esforo, o amor ao trabalho,

    buscando, por meio disso, melhorar as condies sociais dos alunos. Os que colocam

    a favor do multiculturalismo argumentam que a falta de compreenso e a

    desvalorizao da cultura do aluno tem-se mostrado uma das causas centrais do

    fracasso escolar.

    Claude GRIGNON, em um artigo intitulado A escola e as culturas populares:

    pedaggicas legitimistas e pedaggicas relativistas, publicado na revista Teoria e

    Educao n 5, em 1992, afirma que as pedagogias legitimistas, ao c ia em a

    iluso de que todas as c ianas tm, em p incpio,

    oportunidades de ascenso e mobilidade social, que seria conquistada pela posse da

    cultura autorizada, acabam por excluir os alunos das camadas populares, por

    desconhecerem o universo material e simblico vivenciado por essas crianas. Da

    mesma forma, o autor critica posies relativas (multiculturalistas), que propem,

    para as camadas populares, uma educao escolar voltada para o ldico, a

    espontaneidade e a criatividade popular, reservado, apenas para as elites, uma

    educao que trabalha com abstrao e capacidade de raciocnio. Para ele, esta

    uma posio populista, que no sabe fazer uma leitura correta da cultura popular,

    atribuindo-lhe valores e significados de vis etnocntrico.

    5- Ensino Propedutico X Formao Profissional

    Tem sido muito discutido, no campo da educao, como a escola deve

    responder as grandes

    transformaes ocorridas em todos os setores do mundo contemporneo.

    Emile DURKHEIM, em cursos dados na Frana, antes da Primeira Guerra, e,

    mais tarde, transformados em livros, traduzido para o portugus, em 1995, intitulado

    a Evoluo Pedaggica, j colocava a polmica relativa ao carter do ensino secundrio

    - este nvel de ensino deveria ser de carter propedutico ou profissionalizante? O

    autor inicia sua anlise mostrando como, desde o comeo do sculo, havia uma

    discusso sobre a orientao do currculo do ensino secundrio. Deveria este

    contemplar mais os Estudos Clssicos, Histria e Letras, ou deveria voltar-se,

    predominantemente, para os estudos das Cincias da Natureza? DURKHEIM

    prope a conjugao desses tipos de conhecimentos considerando, no entanto,

    a necessidade de os estudos clssicos modernizarem-se, tornando-se um

    instrumento para o conhecimento da sociedade e da realidade nas quais os homens

    esto inseridos. O autor mostra que o ensino secundrio, naquele perodo, no

    oferecia uma formao profissional, posio que ele ratifica. Considera, contudo, que,

  • nesse nvel de ensino, os alunos devam desenvolver habilidades e competncias

    intelectuais, a partir das quais possam ser introduzidos no ensino das diferentes

    profisses.

    O valor social dos contedos curriculares tem variado ao longo da Histria, ora

    dando nfase s disciplinas do campo das Humanidades, ora enfatizando aquelas

    disciplinas que integram o campo das Cincias Fsicas, Biolgicas e da

    Matemtica. Essas oscilaes esto relacionadas com interesses econmicos,

    sociais e culturais. Muitos devem lembrar-se de como o lanamento do

    Sputnik desencadeou reformas curriculares voltadas, sobretudo, para o ensino

    das Cincias Fsicas e Biolgicas e da Matemtica. Essas reformas foram

    iniciadas nos Estados Unidos, e dali se irradiou, chegando at o Brasil. O que a

    nao americana propunha era a melhoria do ensino, como uma estratgia para

    a formao de cientistas capazes de vencer a antiga Unio Sovitica na corrida

    espacial. Nesse quadro, caberia perguntar: atualmente, quais so os

    contedos curriculares mais adequados para o ensino, que saberes corresponde

    s necessidades e interesses dos estudantes que hoje

    freqentam a escola?

    Esto em curso, hoje, uma profunda reestruturao produtiva e uma abrangente

    reorganizao da sociedade, ancoradas no uso intensivo e em larga escala da

    microeletrnica e da eletrnica digital. Com esse arsenal tecnolgico, a produo em

    massa substituda pela especializao flexvel. Novas idias podem ser

    transformadas em novos produtos, e a produo pode ser feita de acordo com as

    demandas do cliente, exigindo percia e flexibilidade, tanto da mquina quanto do

    operador.

    Essas transformaes, sem dvida, mudam as concepes acerca do perfil do

    trabalhador, tendo, conseqentemente, um grande impacto na maneira de conceber

    a educao escolar. Em decorrncia disso, assiste-se a uma intensificao das

    reformas curriculares, voltadas para o desenvolvimento, no aluno, de habilidades

    tais como a criatividade, a autonomia, o desenvolvimento, do pensamento

    divergente e a capacidade de comunicao, competncias consideradas

    fundamentais para o trabalhador.

    A histria do currculo vem sendo marcada pela luta de interesses, muitas vezes

    conflitantes e que revelam posturas diferentes quanto educao escolar. Raymond

    WILLIAMS, examina as disputas em torno do currculo durante o sculo XIX,

    encabeados por trs grupos distintos: os educadores pblicos, os humanistas

    tradicionais, e os industrialistas. O primeiro grupo era a favor do ensino pblico de

    massa, enquanto o segundo grupo preconizava o ensino em temos de uma cultura

    mais desinteressada, desvalorizando os saberes cientficos e tcnicos. J o terceiro

  • grupo lutava por um currculo de carter mais utilitarista voltado para as necessidades

    do mundo do trabalho.

    At hoje, tais disputas continuam presentes no campo do currculo. Em sntese,

    pode-se dizer que os educadores consideram a educao como um processo de

    formao humana, enquanto grupos que consideram a educao de um ponto de

    vista mais instrumental tende-se a relacionar o currculo com as demandas

    econmicas, ligada ao mercado de trabalho.

    Pode-se argumentar que o currculo que permita o desenvolvimento do

    pensamento divergente, do pensamento reflexivo e crtico, e oferea formas e

    materiais de ensino diversificado possibilitam o desenvolvimento de diferentes

    habilidades intelectuais e de vivncias de prticas variadas. um tipo de currculo

    que prepara o aluno tanto para a soluo de seus problemas de vida como para um

    melhor desempenho profissional.

    6- Formao Humana X Competncias

    Hoje, grande parte das propostas curriculares coloca as "competncias", a serem

    desenvolvidas no interior de um curso, de um ciclo de ensino ou de uma disciplina

    como parte integrante e fundamental do currculo. Essas competncias correspondem,

    pois, aos objetivos de serem alcanados naquela etapa do ensino ou naquele curso.

    Segundo lembra PERRENOUD (2000), competncia pode ser considerada como

    a "capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situao, apoiando-

    se em conhecimentos, mais sem limitar-se a eles." A competncia, afirma esse

    autor, no consiste na aplicao pura e simples de conhecimentos, modelos de

    ao ou procedimentos; inclui conhecimentos tericos ou metodolgicos, formas de

    atuar e atitudes. Para defini-las, preciso relacion-las a um conjunto de problemas

    ou tarefas e identificar a natureza dos esquemas de pensamentos ou de recursos

    cognitivos que sero mobilizados nessas situaes.

    So consideradas competentes as pessoas que, diante de uma situao

    indita e complexa, resolvem-na com segurana e rapidez e de forma mais adequada

    do que uma outra pessoa, que tivesse o mesmo grau de conhecimento da primeira,

    mais no soube mobilizar esses conhecimentos de forma to eficaz. que a

    competncia, segundo diz PERRENOUD, baseia-se no apenas em conhecimentos,

    mais em esquemas heursticos ou anlogos prprios de um campo e tambm em

    processos intuitivos.

    Alm disso, supe atitudes e posturas mentais, curiosidades, paixo, busca de

    significado e a conjugao de intuio com a razo e da cautela com a audcia,

  • que so desenvolvidas tanto em processo de formao, bem como mediante a

    experincia.

    A definio das competncias consiste, pois, em colocar de forma operacional, e no

    genrica, os objetivos do ensino. PERRENOUD lembra que, quando se define de

    forma geral ou de maneira abstrata, o que se espera de um profissional, no fica

    claro como ele desenvolver suas aes. Dessa forma, a definio da competncia

    explicita a orientao que assumira a prtica ou atividade desenvolvida.

    Uma competncia mais geral ou mais abrangente inclui uma srie de outras

    competncias mais especficas que podem ser consideradas como componentes da

    primeira. Para o desenvolvimento de competncias,

    PERRENOUD, recomenda um ensino baseado na soluo de problemas, no

    desenvolvimento de projetos e a adoo de um contrato didtico em que o professor

    valorize a cooperao entre os alunos, aceite os erros como parte do processo de

    aprendizagem e incentive a experimentao, para trabalhar nessa perspectiva o

    professor deve adotar um planejamento flexvel, uma vez que para desenvolver

    competncias, o mais importante trabalhar com um pequeno nmero de situaes

    fecundas, do que abordar de forma superficial, um grande nmero de assuntos, com a

    preocupao de vencer os programas escolares.

    Como pode ser visto o ensino por competncias, est bem prximo ao ensino por

    objetivos, preconizado nas dcadas de 60 e 70, como uma maneira de tornar o ensino

    mais eficiente. A diferena est em que os objetivos educacionais estavam mais

    voltados para a aquisio de conhecimentos e de habilidades cognitivas e, por isso,

    estavam mais relacionados a um desenvolvimento mais rgido e sistemtico do

    currculo escolar. De forma diferente, as competncias se voltam mais para aes, que

    envolvam conhecimentos tericos e prticos, habilidades e atitudes relacionadas

    atuao em situaes definidas. Por exemplo, hoje se fala muito em competncia em

    saber utilizar novas tecnologias em determinadas tarefas ou atividades.

    Pode-se dizer que o ensino por competncia representa um avano em relao ao

    ensino por objetivos, sobre tudo por reconhecer que as competncias no resultam

    apenas da aplicao de conhecimentos para a soluo de problemas, mais que

    envolvem uma srie de outros tipos de saberes, como o saber prtico e tambm

    atitudes e valores morais.

    O que tem sido criticado, em relao ao ensino por competncias, o carter

    instrumental que acaba assumindo a educao, quando passa a coloc-las como

    objeto central no processo ensino- aprendizagem. Quando se pensa na educao

    em termos de formao humana, no possvel reduzi- la, apenas, a posse de uma

    srie de competncias. Se os valores ticos, a sensibilidade, a criatividade, o esprito

    crtico esto, de alguma forma, para autores como PERRENOUD, implicados no

  • desenvolvimento das competncias, no so eles, nesta abordagem, os objetivos finais

    da educao.

    Alguns crticos do ensino por competncias relacionam a emergncia desse

    movimento, que, alis, vem ocorrendo em vrios pases do mundo, ao crescimento do

    controle sobre o ensino, realizado por meio dos grandes testes nacionais, como

    ocorre no chamado "provo" realizados nos cursos superiores, ou sistema de

    Avaliao de Educao Bsica (SAEB), que buscam aferir os resultados do ensino,

    em um determinado nvel ou curso. A preocupao dos educadores, que se posicionam

    contra esse tipo de avaliao, que se organize e desenvolva o ensino, em funo

    desses instrumentos passando a predominar a preocupao com o produto, e no

    com o processo de aprendizagem. Alem disso, tais testes exigem que o currculo tenha

    um determinado percurso, dificultando o atendimento s diferenas regionais e locais,

    bem como as particularidades de cada estabelecimento de ensino, de cada sala de

    aula e dos diferentes alunos.

    Os educadores crticos defendem a idia de que os alunos devem adquirir

    conhecimentos e desenvolver diferentes habilidades intelectuais, valores morais e

    atitudes em relao aos diferentes problemas da realidade. Da mesma forma,

    consideram que seja importante que os estudantes sejam "competentes" para lidar

    com problemas da vida prtica e do mundo do trabalho. Para isso, defendem um

    currculo em que os estudantes vivenciam situaes diversificadas, ricas em desafios

    intelectuais e realidade cultural, tornando os processos de aprendizagem significativo

    e dinmico. Em sntese, a resistncia que existe em relao ao ensino por

    competncia tem origem no temor de que prevaleam, na educao, interesses

    instrumentais, voltado mais para a eficincia do ensino que para o processo de

    formao do cidado crtico, que deve ser o objetivo central da educao escolar.

    8. Curriculo oculto

    COMO AGIR EM RELAO AOS CONTEDOS QUE SO ENSINADOS E APRENDIDOS DE FORMA NO

    EXPLCITA NA ESCOLA.

    orientao educacional tem o compromisso de auxiliar a escola em sua funo

    socializadora, criando ou reformulando aes pedaggico-educacionais e favorecendo

    a articulao de valores que resultem em atitudes ticas no mbito do convvio social.

    Ainda que a instituio no conte com um cargo especfico para essa funo, suas

    atribuies precisam ser realizadas no dia a dia.

  • Como esse campo se ocupa em desenvolver estratgias para a aprendizagem dos

    contedos atitudinais, um dos papis mais importantes do orientador gerenciar o

    currculo oculto. A maior parte dos problemas tradicionalmente enviados para a sala dele

    (excluso de sala de aula, furto, briga, bullying, mau uso dos espaos coletivos, cola em

    provas, plgio de trabalho, atitude de desrespeito ao professor) est vinculada a esses

    "contedos" que so ensinados e aprendidos de forma no explcita nas relaes

    interpessoais que se constroem na escola.

    Trata-se de um equvoco acreditar que esse educador deva se ocupar exclusivamente

    dos alunos (em especial os tidos como indisciplinados e os que tm baixo rendimento)

    e de suas famlias. Infelizmente, ainda existem escolas que trabalham nessa perspectiva

    antiquada e "psicologizante", que posiciona o orientador educacional como algum

    destinado a abafar (e no resolver) os conf litos na base da mediao com estudantes,

    pais e professores. Esse modo de atuar, eticamente ineficaz, faz com que esse

    profissional muitas vezes se sinta como um bombeiro, que todos os dias apaga incndios

    e deixa brasas pelo caminho. Fechado numa sala geralmente distante dos espaos onde

    o currculo oculto se manifesta, ele acaba brincando de investigador de polcia, juiz ou

    psiclogo clnico. Alguns ficam constrangidos por terem de atuar assim. Mas h os que

    exercitam com satisfao esses pequenos poderes.

    Uma abordagem contempornea do trabalho compreende outras competncias para o

    orientador educacional. Ele deve ter certo distanciamento da demanda aparente (queixa)

    para promover uma escuta analtica que o leve a identificar os agentes, os valores e os

    conf litos nela envolvidos. Tambm est sob sua responsabilidade desencadear aes

    que ampliem o dilogo e a compreenso entre os protagonistas da comunidade, sem

    jamais negar a natureza dos conf litos. O exerccio dessas competncias s possvel

    quando o orientador educacional deixa a rotina de sua sala e se insere em outros

    espaos para procurar e explicitar os elementos do currculo oculto. As aes sero

    eficazes quando contriburem para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem,

    o que requer a interlocuo com a equipe docente e o entendimento do sujeito como um

    ser histrico, crtico e social. Embora o orientador educacional no seja um especialista

    nas didticas - essa a especialidade do coordenador pedaggico -, ele deve ser capaz

    de identificar se a ao docente est de acordo com os princpios que norteiam o projeto

    pedaggico da escola.

    imprescindvel sua participao nos momentos de formao dos professores,

    desenvolvendo estratgias para problematizar o convvio e as relaes entre as

    pessoas. Trata-se de promover coletivamente o abandono do discurso pessimista e

    paralisador do fracasso da escola e do aluno e debruar-se sobre os obstculos que

    precisam ser superados. Existem diversos aspectos que compem uma boa parceria

  • entre o educacional e o pedaggico. A seguir, alguns exemplos:

    Compartilhar as observaes do cotidiano escolar que ajudem a descobrir os aspectos

    do currculo oculto.

    Problematizar temas relacionados qualidade do convvio, tais como valores, uso do

    espao coletivo, furtos, violncia, questes de gnero, preconceito etc.

    Refletir sobre a formao tica do sujeito social por meio da anlise dos temas

    transversais nas diversas disciplinas e da seleo dos temas sociais complexos e o

    momento mais apropriado para introduzi- los em situaes de aprendizagem.

    Investigar a escola sob novos paradigmas, entrando em contato com a produo de

    tericos da cincia, da sociologia e da psicologia da Educao.

    Compreender as caractersticas da diversidade da famlia moderna e seus impactos

    na Educao.

    Informar-se sobre as principais caractersticas dos alunos com necessidades

    educativas especiais e como garantir a socializao e a aprendizagem.

    Construir acordos educativos coletivos que comuniquem o resultado da reflexo da

    instituio sobre as prticas e sirvam de parmetros para futuras aes.

    A integrao do educacional com o pedaggico s funciona nas escolas que acreditam

    e apostam na troca de experincias e saberes, com o apoio institucional necessrio e a

    adeso de gestores e docentes que no temem buscar oportunidades para propiciar o

    desenvolvimento de suas competncias profissionais.

    Texto de : CATARINA IAVELBERG assessora psicoeducacional especializada em

    Psicologia da Educao.

    Disponvel em : http://gestaoescolar.abril.com.br/formacao/curriculo-oculto-

    759406.shtml

  • Concluses

    Em primeiro lugar, importante destacar que o currculo, como um campo de

    produo de significados, no apenas socializa os estudos nos conhecimentos

    trabalhados nas diversas disciplinas, mas tambm forma personalidades e

    subjetividades, ao criar predisposies, sensibilidades e formas de raciocnio.

    necessrio, ento, considerar que os contedos e mtodos de ensino, ao trabalharem

    com determinados vieses, privilegiados certos tipos de conhecimentos e formas de

    ensinar, acabam por reproduzir as estruturas da vida social, com suas assimetrias, e

    desigualdades. Nesse contexto. Ao invs de programas abarrotados de contedos, a

    escola precisa selecionar temas relevantes, articulados com as experincias das

    crianas e dos adolescentes, contendo-o com a vida e com a realidade social. Assim,

    no currculo escolar, no deve ser apenas valorizando o domnio de conhecimentos,

    mas, acima de tudo, importante que ele esteja voltado para formao de

    habilidades intelectuais, valores e atitudes que garantam a formao dos estudantes

    como pessoas bem equipadas para resolverem seus problemas pessoais e os da

    comunidade em que vivem.

    Em segundo lugar, preciso reforar a idia de que a construo do currculo

    constitui um processo de seleo no interior da cultura, processo esse que, como

    foi visto, implica incluses e excluses. As incluses legitimam conhecimentos,

    valores, formas de pensamentos e conduta, da mesma forma que as excluses

    podem significar desqualificaes e marginalizao de determinados saberes, que

    produzem e ampliam as desvantagens de determinados grupos sociais e culturais.

    Em terceiro lugar necessrio que a escola esteja sempre acompanhando

    e analisando as transformaes econmicas, sociais e culturais que vem ocorrendo

    na sociedade. Merecem destaque, no novo cenrio mundial, as novas tecnologias do

    texto, da imagem e do som, ou seja, uma penetrao crescente da mdia eletrnica

    em todos os espaos da vida social. Nesse contexto importante que uma proposta

    curricular conseqente considere a emergncia de um novo tipo de aluno, com

    diferentes interesses, capacidades e necessidades, importante ainda, que a escola

    estabelea relaes com a cultura da informao, de tal maneira que a pedagogia

    se fortalea, garantindo processos de escolarizao mais compatveis com a

    realidade e com o jovem do mundo contemporneo.

    O currculo, assim construdo, proporciona aos estudantes contatos com diferentes

    elementos da produo cultural humana, o que significa a incluso dos saberes

    prticos, da produo cientfica, dos produtos da mdia e da informtica, dos filmes,

    das peas de teatro, das obras literrias, bem como dos diferentes artefatos e da

  • produo artstica das mais diferentes culturas. Abrange, ainda, a formao de valores

    ticos, de pensamentos crticos e de senso prtico, da capacidade de resolver

    problemas, participar da vida social e poltica, encontrar formas de realizao pessoal

    no mundo do trabalho e no lazer, alm da conscincia do prprio corpo. Um currculo

    no poder estar organizado, exclusivamente, ao redor das disciplinas tradicionais,

    mas dever incluir outras experincias da cultura humana, desenvolvidas mediante

    atividades bem planejadas, que privilegiem a produo e a criatividade do estudante.