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    \

    Editora Record

    ROBERTO SEABRA VIVAlDO DE SOUSA ORG.

    JORN LISMO

    POLTICO

    6

    T e o

    r-ia.c.Hj

    s t z i a

    e

    T c n i c

    as

    Ningum perde tempo em analisar se

    a mdia impressa, aprounda mais do,

    que a mdia eletrnica, se a veloci-

    da de da Internet atropela Ou no o

    peridico, Pelo contrrio, nessa Babl

    de acontecimentos, os fatos jornalisti-

    cos vo se sedimentandocom a cola-

    borao multimdia. No Brasil, a im-

    prensa tida como um poder fiscal,

    mas no nesse sentido da auditagem

    das polticas pblicas, n~m ~o sentido

    de valorizar como noticias os resul-

    tados positivos eventualmente obtidos,

    Xlesmo o fracasso das polticas pbli-

    cas no noticiado com nfase, a no

    ser que haja alguma denncia de im-

    pacto a ser feita, A nova Cmara, en-

    tretanto, no admitia violaes

    Constituio, que apesar de prornul-

    gada tinha entre seus princpios a

    liberdade de imprensa. Os jornais

    continuaram a criticar o poder real e,

    em 7 de abril de 1831, D. Pedro I

    abdicou c partiu para Portugal. Era a

    imprensa firmando-se como porta-

    voz da opinio pblica da poca. A

    primeir regra bsica do oficio de

    cmrevistadr, portanto, deve nascer

    da compreenso de que, por maiores

    que sejam as convergncias, lealdades

    O simpatias pessoais, jornalista e

    entre. istado esto em lados diferentes ~

    do balco, Tm, em essncia, obje-

    tivos diversos. L m. obter informao

    de interesse da sociedade e. unindo o

    til ao agradvel, matria-prima para

    uma bela reportagem. Outro, vender

    o seu peixe que, certas vezes, pode

    realmente ser muito bom, mas cm

    outras estar deteriorado, O Jornalista

    no pode e no deve se comentar

    apenas com a primeira verso. nem

    mesmo quando e,la a oficial. Todos

    os fatos tm yrias verses e todas

    con;m um fragmento da verdade,

    Cada poltico, ao repassar informa-

    es para os jornalistas. com certeza

    j ter feito uma avaliao preliminar

    das conseqncias No existe infor-

    mao que venha de graa. Descon-

    fie quando isso acontece. H.; uma

    dificuldade dos juizes em compreen-

    der a atividade jornalistica e dos jor-

    nalistas em entender o processo judi-

    cial

    Esse estranhamcnto mtuo, mais

    do que atrapalhar a produo de no-

    tcias pclo~ jornalistas, ou a formula-

    o de sentenas pelos juizes, preju-

    dica, sobreiudo, o cidado. Tanto o

    jornalista quanto o homem pblico

    tem um compromisso comum, a infor-

    mao da sociedade, O jornalista tra-

    balha com o exerccio da verificao

    da informao, para apresentar, um

    relato veraz dos acontecimentos de

    interesse pblico, J? agente pblico

    ,est originalmente ligado

    necessidade

    de prestar eonta de seus atos. a partir

    dos princpios do ireito administra-

    tivo e de sua responsabilidade social.

    lvaro Pereira

    Cremil da Mdi na

    Ellane

    Cantanhde

    Helena Chagas

    Jorge Duarte

    Juliano

    Basile

    luiz Martins

    Mauro Santayana

    Roberto Seabra

    Rudolfo lago

    Tereza Cruvinel

    .

    Viva Ido de Sousa

    Wladimir Gramacho

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    alismo poltico: histria e processo

    RO BE RT O S EA BR A

    ~~ SEABRA nas ceu em B raslia . jo rn alis ta e p ro fe ss or d e Comunica-

    =: eprter do Corr eio B raz ilie nse , assessorde im prensa em vrios

    - ; vernamentais e ch efe d e re po rtagem da A g nc ia B ra slia - por-

    - - das do G overno do D istrito Federal. Desde 1998 jornalis ta da

    : os Deputados, onde j desem penhou as funes de reprter,

    = . . ire tor do Jo rn al da C m ara . mestre em Com unicao pela Uni-

    :e

    de Bras l ia e professor do Ce ntro U nive rsitrio de B raslia

    - = . - - ) .

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    Um parntese

    importncia - para quem exerce a profisso [ornalstca -

    de se conhecer os fatos e personagens histricos j virou

    trusmo. Talvez mais do que qualquer outra atividade profs-

    .onal, o jornalismo exige das pessoas que lidam diariamente

    m a coleta e a seleo de irl~ormaes um tipo de conhecmen-

    horizontal e multifacetado, que d condies ao reprter, ed-

    - r ou redator de avaliar a qualidade e a veracidade do aconteci-

    mento, antes de decidir pela sua divulgao. Isso no impede,

    claro, que o profissional de comunicao se especialize em deter-

    mnada rea e aprofunde conhecimentos especficos. Entretanto,

    ~uando o assunto jornalismo poltico a especializao requer

    zienos um saber tcnico - ao contrrio, por exemplo, do [orna-

    Ismo econmico - e mais um saber plural - o que envolve

    brigatoriamente conhecer a histria do pas.

    Ou seja, jornalista que cobre poltica, que necessita produ-

    zir ou editar notcias todos os dias sobre este tema para seu ve-

    culo de comunicao no pode desconhecer a histria do pas

    da mais remota atual) e a do mundo, pelo menos a contem-

    ornea.

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    Jornalismo poltico

    Portanto, este artigo pretende apresentar de forma didtica, mas

    sem qualquer pretenso de substituir a literatura histrica, os prin-

    cipais acontecimentos polticos que ocorreram no Brasil nestes

    quase dois sculos de nao livre, e ver de que forma esta histria

    moldou o jornalismo poltico que foi sendo desenvolvido no pas.

    ro c es s o d ialt ic o

    Francisco

    Ig le sa s

    em seu estudo

    Trajetria poltica do Brasil

    1500-1964 , nota que a histria do pas ao longo de quase 500

    anos foi marcada pela dicotomia centralzao-descentralzao.

    Segundo ele, haveria um processo dialtico na alternncia do

    predomnio do centro sobre o todo ou em concesses por vezes

    bem determinadas s vrias partes. liA centralizao corrige os

    possveis excessos da descentralzao, como esta exigida para

    evitar ou diminuir os daquela (lGLESIAS,1993, p. 295).

    opo descentralizadora das capitanias hereditrias segue-

    se a centralizao do Governo Geral.

    monarquia parlamenta-

    rista segue-se uma Repblica das Espadas , que por sua vez cede

    espao a uma Poltica dos Governadores, etc. Tal dicotomia mar-

    cou o carter da poltica nacional e influenciou certamente o tipo

    de jornalismo forjado no pas a partir de 1808, quando da vinda

    da Famlia Real para c e a criao da Imprensa Rgia. Se antes

    dessa data havia organizao poltica no Brasil, no existiam, en-

    tretanto, poder constitudo e condies materiais que permitis-

    sem aos poucos letrados da Colnia produzirem alguma coisa que

    poderia ser chamada de jornalismo poltico ou mesmo uma im-

    prensa que relatasse os fatos polticos ocorridos nessas terras.

    Do incio do sculo XIX aos dias atuais decorreram quase

    duzentos anos de histria poltica e de evoluo do que podera-

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    Jornalismo poltic o: h is t ria e p ro cesso

    mos chamar de imprensa brasileira. E se 1808 foi o ano em que

    pela primeira vez na histria do continente americano um mo-

    narca da metrpole pisava as terras de uma de suas colnias -

    anda que por razes alheias sua vontade' -, foi tambm na-

    quele ano, e no por coincidncia, que nascia o primeiro jornal

    :rrasileiro: o Correio Braziliense - Armazm Literrio, editado por

    Hplito Jos da Costa, em Londres. O fato de aquele jornal ter

    'do produzido em outro pas e por um brasileiro que nasceu no

    -ruguai e viveu boa parte de sua vida nos Estados Unidos e na

    Europa torna ainda mais interessante o nascimento da imprensa

    nactonal. Para uma colnia a quem foi sonegada durante mais

    ...e trs sculos a liberdade de imprensa e a possibilidade de ter

    tm v e rsd a d e s - ao contrrio dos vizinhos da Amrica do Sul -,

    restavam poucas opes alm dessa: a de contar com o

    voluntarsmo de um visionrio, que, em 1

    de junho daquele ano,

    .anara o primeiro jornal brasileiro. '

    verdade que um ms antes de circular a primeira edio do

    orreio de Hiplito, um decreto real criou a Imprensa Rgia no

    Brasil, na qual, conforme explica o texto na primeira pessoa e

    assinado por D. Joo VI,

    se

    imprimiam exclusivamente toda a

    .egslao, e Papis Diplomticos, que emanarem de qualquer

    :epartio do meu Real Servio .

    ApudMELO,

    2003, p. 88.)

    Hiplito Jos da Costa defendia uma transformao profun-

    da de Portugal e do Brasil e achava que a presena da corte por-

    :' guesa na principal colnia era a grande oportunidade para os

    ais pases sarem do marasmo econmico, poltico e social em

    ~ue se encontravam. Segundo Isabel Lustosa:

    ,

    . .

    bloqueio continental imposto por Napoleo Bonaparte ao comrcio entre a Inglaterra

    _ continente europeu teve em Portugal uma brecha . Em novembro de 1807 tropas

    =cesas avanaram em direo a Lisboa, obrigando a Famlia Real portuguesa a transfe-

    zr-se para o Brasil, sob a proteo da frota inglesa.

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    Jornalismo poltico

    A forma que Hiplito achou para trabalhar pela mudana foi a

    palavra impressa e livre de censuras, tal como ele via ser a prtica

    no pas que o acolhera. A Inglaterra era um pas livre, onde a

    monarquia constitucional era um fato; onde o Parlamento real-

    mente funcionava e limitava o poder do rei; onde havia uma

    imprensa livre. (LUSTOSA,2003, p. 13 e 14.)

    Tomemos ento o aparecimento do Correio Braziliense como

    marco do nascimento da imprensa brasileira e incio de um pro-

    cesso que levaria ao surgimento do jornalismo poltico nacional.

    Mas que rumos tomou o jornalismo brasileiro nesses quase du-

    zentos anos de histria?

    Primeira fase 1808-1831)

    o

    primeiro momento da poltica nacional marcado pela ins-

    talao da corte portuguesa no Rio de Janeiro e as conseqncias

    desta deciso: abertura dos portos s naes amigas, implantao

    do ensino superior e da imprensa, etc., o que levou o pas a um

    surto de desenvolvimento econmico e cultural. O momento tor-

    nou-se to interessante que D. Joo VI decidiu ficar por aqui mes-

    mo, para desespero dos portugueses, que queriam seu rei de volta.

    A lua-de-mel da Coroa portuguesa com o Brasil acaba em 1820,

    quando nobres e comerciantes portugueses fazem a Revoluo

    Constitucionalista do Porto e exigem a volta do rei metrpole.

    Mas o que aconteceu com a imprensa brasileira entre 1808 e

    1831? Assim como as demais atividades, tambm passou por um

    rpido florescimento. Surgiram dezenas de jornais, quase todos

    amparados pela Coroa. Foi a fase da imprensa ulica, como mos-

    tra Nelson Werneck Sodr:

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    Jornalismo poltico: histria e processo

    Pela necessidade de enfrentar e neutralizar a ao do Correio

    Braziliense,

    [D. Joo VI] estimulou algumas tentativas de

    periodismo, comeando pelos folhetos de tipo panfletrio e

    complementando-se, logo depois, com rgos especficos do jor-

    nalismo. (SODR, 1999, p. 30.)

    Seguindo os passos da oficial

    G azeta do R io de Janeiro ,

    de 1808,

    surgiram publicaes como

    Idade de O uro do B rasil

    (Salvador, 1811),

    que trazia em sua epgrafe a promessa de oferecer aos leitores

    l ias

    notcias polticas sempre da maneira mais singela , ou O

    Investiga-

    dor Po rtu gu s

    (1818), que, assim como o

    Correio Bra zil ien se,

    era

    publicado em Londres, mas distribudo no Brasil e usado inicial-

    mente para responder aos ataques do jornal de

    Hplto.

    A Revoluo do Porto (1820) acelera o processo de autono-

    mia do Brasil em relao a Portugal. D. Joo VI obrigado a

    retomar e comeam os trabalhos de uma Assemblia Constitu-

    . te que reunia representantes portugueses (maioria) e brasilei-

    ros (minoria). Para a imprensa brasileira o perodo de dilogo

    com o

    Correio Braz i l iense .

    Como mostra Isabel Lustosa: Hplto

    saudou os primeiros jornais e jornalistas independentes que emer-

    . .am na cena impressa brasileira finalmente tornada livre .

    USTOSA, op. c it., p. 19.)

    O processo de independncia, que tomou fora a partir de

    :821, portanto, permitiu o surgimento dos primeiros jornais li-

    . es. Ironicamente, o primeiro jornal, a

    G azeta do R io de Janeiro ,

    .em a ser editado pelo antigo diretor da censura, o baiano Jos

    :: a

    Silva Lisboa. Conservador, Lisboa usava sua folha inclusive

    a condenar a liberdade de imprensa.

    , .

    c

    ~ um segundo momento, a Coroa portuguesa perdeu o controle sobre O

    Invest igador

    gus, que passou a ser perseguido pelo embaixador luso em Londres e proibido de

    zzcular no Brasil. (VerNelson Werneck Sodr, o p . c it , p. 3234.)

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    Jornalismo poltico

    Expoentes do movimento manico lanaram no mesmo ano

    o

    Rev r ber o Co n stitu cio na l F lum in en se,

    este sim considerado o pri-

    meiro jornal livre editado no Brasil a tratar de assuntos polticos

    e que defendia as idias da Revoluo Francesa. Meses antes, sur-

    giu o D irio do R io de Janeiro , considerado por Sodr o primeiro

    jornal informativo a circular no Brasil. Destaque deve ser dado

    ao

    Dir io Cons tit uc iona l,

    editado na Bahia, e que provavelmente

    foi um dos primeiros jornais a defender os interesses polticos do

    Brasil contra Portugal.

    Os conflitos de interesses nos trabalhos das cortes portugue-

    sas levam a Coroa a exigir, em dezembro de 1821, o retorno ime-

    diato de D. Pedro I. A imprensa nascente v nessa deciso uma

    tentativa de reatar os laos coloniais e comea o movimento do

    Fico . So desse perodo jornais como o

    Desper tado r Bra z ili en se

    e

    A Ma la gu eta ,

    que lideraram o movimento de permanncia do

    prncipe regente no Brasil. No ano seguinte aparece o Co rr eio d o

    R io d e Ja neiro , citado por Isabel Lustosa como, talvez, o mais po-

    pular jornal da cidade - e portanto do pas, j que nesse perodo

    os nicos jornais a circular no pas so do Rio de Janeiro - e que

    vai atacar as primeiras medidas centralizadoras de Pedro I.

    A Independncia, como se sabe, consumou-se em setembro

    de 1822. As disputas polticas que marcaram os primeiros anos

    do Brasil livre refletiram-se na imprensa poltica. A separao

    definitiva de Portugal exigia uma imprensa atuante. Entretanto,

    foras antagnicas, tendo de um lado o grupo de Bonifcio de

    Andrada e, de outro, o de Gonalves Ledo, foraram uma guerra

    ideolgica que transformou os jornais da poca em verdadeiras

    trincheiras. Foi um perodo violento, marcado por agresses fsi-

    cas a donos de jornais, queda do gabinete Andrada e dissoluo

    da Assemblia Constituinte convocada por D. Pedro I.

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    Jornalismo poltic o: h is t ria e p ro cesso

    o

    imperador outorga a Constituio de 1824, que, apesar de

    imposta, duraria at o fim do reinado de seu filho D. Pedro Il,

    em 1889. Entre a Carta constitucional e a abdicao de Pedro I, em

    1831, a imprensa brasileira passou por um momento de afirma-

    o. Contou para isso a impopularidade de Pedro ., a Guerra

    Cisplatina (vista pela populao como um conflito sem senti-

    do), conflitos regionais de emancipao poltica, nos quais se

    destaca a Confederao do Equador, e o incio do funcionamen-

    to regular do Parlamento, em 1826. No Legislativo, situao e

    oposio travam verdadeiras batalhas usando a tribuna e a im-

    prensa. Um acontecimento que ilustra bem o acirramento des-

    sa disputa o assassinato, em 1830, em So Paulo, do mdico e

    jornalista italiano Lbero B a d a r redator do Observador Consti-

    tucional,

    publicao que no poupava ningum, hostilizando

    bispo, o ouvidor e o presidente . (SODR, 1999, p. 112.) Outros

    dois personagens simbolizam bem esse perodo: Luis Augusto

    M ay editor de A

    Malagueta,

    perseguido e espancado a mando

    do prprio imperador, segundo algumas fontes; e Cipriano Ba-

    rata, editor do

    Sentinela da Liberdade,

    e que passou mais tempo

    preso do que em liberdade, o que no o impedia de escrever seus

    libelos contra o poder.

    Os conflitos no Parlamento e nos jornais levariam ao Sete de

    Abril, que marca o fim do reinado de D. Pedro I. Meses antes, na

    Fala do Trono com que abriu a segunda Iegislatura, o imperador

    j pedia medidas enrgicas contra a imprensa. A nova Cmara,

    entretanto, no admitia violaes Constituio, que apesar de

    promulgada tinha entre seus princpios a liberdade de imprensa.

    Os jornais continuaram a criticar o poder real e, em 7 de abril de

    1831, D. Pedro I abdica e parte para Portugal. Era a imprensa fir-

    mando-se como porta-voz da opinio pblica da poca.

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    Jornalismo poltico

    Perodo reqenclal,

    Iglesias afirma que a renncia de D. Pedro I pode ser vista

    como a consolidao da independncia. O perodo regencial, que

    se segue, ser marcado pela nitidez ideolgica de dois grandes gru-

    pos polticos: liberais e conservadores, cada qual com seus res-

    pectivos jornais. Ser tambm um perodo onde o poder real

    desaparece temporariamente: de 1831 a 1840 a Repblica foi

    experimentada em nosso pas. (...) A Regncia foi a Repblica de

    fato, a Repblica provisria . (Ioaqum Nabuco, apud IGLESIAS,

    1993, p. 145.)

    No existiam ainda no Brasil partidos polticos, mas sim gru-

    pos que representavam trs grandes faces: os exaltados (libe-

    rais radicais tambm conhecidos por farroupilhas ou [urujubas),

    os moderados (grupo de centro cujos adeptos so chamados de

    chimangos) e os restauradores, ou caramurus (polticos conser-

    vadores que defendem a volta de Pedro I).

    O perodo regencial marcado pela multiplicao de jornais

    e folhas. Em 1832, segundo Sodr, havia mais de cinqenta jor-

    nais no pas, quase todos I/agressivos, injuriosos, menos preocu-

    pados com os problemas gerais do que com as pessoas, espalhando

    a confuso e sem o menor respeito pela vida privada de ningum .

    (Otvio Tarqunio de Sousa,

    apud

    SODR, 1999, p. 122.)

    Essa imprensa marrom de variado matiz ideolgico no ir

    poupar ningum. Como lembra Sodr, tudo repercutia na Cmara

    e na imprensa. So desse perodo jornais como C a ramuru, T rom -

    be ta , C la rim , D irio d o R io e Au ro ra F lum i nense , sendo este ltimo

    dirigido por Evaristo da Veiga, poltico chimango que sofreria um

    atentado promovido por pessoas ligadas ao jornal Caramuru , por-

    ta-voz dos restauradores. Esse caso ilustra bem o clima de dispu-

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    Jornalismo poltico: histria e processo

    ta da poca. A maioria das publicaes na verdade era composta

    por pasquins que tinham uma vida breve e que lanavam mo

    de um tipo de humor violento.

    Alm de participar das disputas no centro do poder, a imprensa

    brasileira daquele perodo teve um papel relevante nos conflitos

    regionais. As revoltas provinciais mais importantes (Cabanagem,

    no Par; Sabinada, na Bahia; e a Farroupilha, no Rio Grande do

    Sul) tiveram a participao de uma imprensa revolucionria. S

    para ilustrar: o jornal

    Novo Dirio da Bahia,

    lanado por Sabino

    Vieira em 1837, seria no apenas o motor da revolta baiana, mas

    emprestaria o nome de seu autor ao movimento. A nica exce-

    o talvez tenha sido a mais sangrenta das revoltas: a Balaiada,

    no Maranho, onde a imprensa praticamente no existiu, por se

    tratar de movimento genuinamente popular, da plebe contra os

    potentados do Maranho , como explicou Capistrano de Abreu

    (SODR, 1999, p. 135). Mas at essa lacuna talvez explique o pa-

    pel da imprensa poltica naquele perodo.

    As disputas polticas no centro e as rebelies nas provn-

    cias moldaram o perodo regencial e cristalizaram dois gran-

    des grupos polticos e que seriam, segundo Boris Fausto, os

    germes dos dois grandes partidos polticos do Segundo Reina-

    do: o Conservador e o Liberal. Seria tambm a cristalizao da

    imprensa liberal e da imprensa conservadora, com seus respec-

    tivos jornais.

    Nada mais conservador ...

    A consolidao do poder entre dois grandes grupos daria ao

    Segundo Reinado uma certa estabilidade. Como se dizia na po-

    ca nada mais liberal que um conservador na oposio, nada mais

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    Jornalismo poltico

    conservador que um liberal no governo , ou seja, ambos os grupos

    representavam uma s classe: a aristocracia. Reaes liberais acon-

    teceram em Minas Gerais e So Paulo, mas lideradas por grandes

    latifundirios que se rebelavam contra a cobrana de impostos.

    A verdadeira imprensa lberal atuaria ainda em Pernambuco,

    em 1848, durante a Revoluo Praieira. Os revolucionrios apoia-

    vam o federalismo e tinham como porta-voz o Jornal Novo,

    sediado na Rua da Praia, de onde derivou o nome do movimen-

    to. O nome da publicao opunha-se ao que consideravam o [or-

    nal velho , o Dirio de Pernambuco, surgido em 1825 (e em

    circulao at os dias atuais) e que representava, naquela poca,

    o pensamento conservador. A Praieira, como lembra Bor s Fausto,

    foi a ltima das rebelies provinciais.

    A imprensa durante as dcadas de 50 e 60 do sculo XIX vai

    refletir o clima de conciliao poltica e acordo entre as elites.

    Para os donos do poder, a imprensa deve, segundo o historiador

    Nelson Werneck Sodr, contrbur para a consolidao da estru-

    tura escravista e feudal que repousa no latifndio e no admite

    resistncia op. cit., p. 182).

    Segundo Sodr, ser, portanto, um perodo de declnio do

    jornalismo poltico:

    Na fase posterior

    Maioridade, poucos foram os jornais que sus-

    tentaram a luta, nesse terreno; os ltimos apareceriam em Per-

    nambuco, com a Praieira (...) Nos fins da primeira metade do

    sculo XIX, os pasquins haviam desaparecido, praticamente.

    (Idem, p. 185.)

    3 A frase original

    atribuda ao poltico pernambucano Holanda Cavalcanti: Nada se as-

    semelha mais a um 'saquarema' do que um 'luzia' no poder . Saquarema era como os

    conservadores eram conhecidos, em aluso ao municpio fluminense onde os principais

    chefes do partido possuam terras; e luzia era o apelido do liberais e uma referncia

    Vila de Santa Luzia, em Minas Gerais, bero da revolta liberal de 1842. (Ver

    Bors

    Fausto,

    1999, p. 180.)

    120

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    13/32

    Abusca pela modernizao capitalista teria um grande

    mpul-

    so com a economia cafeeira, primeiro no Rio de]aneiro e em se-

    guida no oeste paulista. Para atender ao forte mercado produtor

    interno, foi preciso modernizar o sistema de transportes, com a

    abertura de estradas e ferrovias. Transporte naquele tempo tam-

    bm significava comunicao.

    O trem de ferro passou a transportar no s mercadorias, mas

    tambm informaes. Como lembra Cremilda Medina, jornais

    tradicionais G a ze ta d e No tc ia s, J orn a l d o Com rc io modernizam-

    se e surgem novos rgos de imprensa que iriam marcar a segun-

    da metade do sculo XIX e a primeira metade do sculo seguinte.

    Entre estes podemos citar o J orn a l d o B ra sil, O Esta do d e S. Paulo ,

    o Cor re io Pau lis tano , O Pas e o Co rre io d a Ma nh , entre outros.

    No plano poltico, vemos o pas deixar o perodo da calmaria

    da dcada de 1850 e ingressar em uma fase de incertezas. Em 1864

    estoura a Guerra do

    Pa r a g u a

    que vai se arrastar at 1870. No

    Jo rnalismo poltic o: h is t ria e p ro cesso

    A conciliao poltica permitiu um princpio de moderniza-

    o do pas, com a extino do trfico negreiro, atendendo a pres-

    ses externas, a promulgao da Lei de Terras, a criao da Guarda

    Nacional e a aprovao do primeiro Cdigo Comercial. Tudo ao

    mesmo tempo e no mesmo ano de 1850. Essas decises afetari-

    am profundamente o pas e, como veremos mais frente, a im-

    prensa brasileira.

    A liberao de capitais resultante do fim da importao de escra-

    vos deu origem a uma intensa atividade de negcios e de especu-

    lao. Sugiram bancos, indstrias, empresas de navegao a vapor,

    etc. Graas a um aumento nas tarifas dos produtos importados,

    decretado em meados da dcada anterior (1844), as rendas go-

    vernamentais cresceram. (FAUSTO, 1999, p. 197.)

    121

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    14/32

    Jornalismo poltico

    por acaso, neste mesmo ano surge o Manifesto Republicano. Em

    dezembro comea a circular

    A Repblic a ,

    primeiro jornal a defen-

    der abertamente o fim da monarquia.

    Res sur gi men to po lt ic o

    A aventura do desenvolvimento industrial vai contaminar a

    imprensa. Como lembra Iuarez Bahia,

    l

    tipografia perde o seu

    contedo artesanal, para conquistar a posio de indstria grfi-

    ca de definida capacidade econmica . (BAHIA, 1990, p. 46.)

    Enquanto isso, dois grandes temas ganham espao no imagin-

    rio da populao e nas pginas dos jornais: a campanha abolicionista,

    que com o fim da Guerra do Paraguai em 1870 ganha impulso; e a

    campanha republicana. As duas voltam a exigir um jornalismo

    engajado, menos panfletrio do que aquele feito nas primeiras d-

    cadas do sculo, mas com a mesma capacidade de mobilizao.

    nesse contexto que surgem nomes que marcariam a impren-

    sa e o debate poltico. Quintino Bocaiva, Rui Barbosa, Jos do

    Patrocnio, Joaquim Nabuco, Andr Rebouas, J. Clapp, Silva Jar-

    dim, Joaquim Serra e Jos Verssimo, entre outros, fundam ou

    dirigem jornais que abraam a causa da libertao dos escravos

    e, em seguida, da implantao da Repblica.

    Uma questo importante a se notar a aproximao, nesse

    perodo, entre jornalismo e literatura. Se antes os jornais eram

    espao para a polmica e a denncia, em um primeiro plano, e

    para a divulgao de idias e informaes, em espao menor, na

    era da mprensa industrial os escritores vo encontrar nos gran-

    des jornais que surgem um espao privilegiado para a publicao

    de seus escritos, alm da possibilidade de emprego como redator

    ou revisor. Como lembra o crtico Slvio Romero:

    122

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    15/32

    Jornalismo poltico: histria e processo

    No Brasil, mais ainda do que noutros pases, a literatura conduz

    ao jornalismo e este poltica que, no regime parlamentar e at

    no simplesmente representativo, exige que seus adeptos sejam

    oradores. Quase sempre as quatro qualidades andam juntas: o

    literato jornalista, orador, e poltico. Apud SODR, 1999,

    p.184.)

    o que hoje seria impensvel- um jornalista da grande im-

    prensa cobrindo a cena poltica, participando dela como tr-

    buno e, nas horas vagas, escrevendo romances, crnicas, contos

    e poemas para estes mesmos jornais - naquele tempo eram

    qualidades requeridas. Um personagem exemplar do perodo

    foi Jos de Alencar, que comeou por escrever artigos na seo

    forense do Correio Mercantil, passou a cronista, em seguida ini-

    ciou a publicao de folhetins literrios na imprensa, entre os

    quais o estrondoso sucesso O

    Guarani,

    e chegou a ocupar uma

    cadeira no Senado.

    Outro personagem do perodo e que estreou timidamente em

    1855 escrevendo crnicas em homenagem ao jovem imperador

    D. Pedro foi Machado de Assis.Na dcada seguinte ele far parte

    de uma nascente reportagem poltica que fazia a cobertura dos

    discursos e negociaes no Senado do Imprio. Machado era re-

    dator do Dirio do Rio deJaneiro e cobria o que acontecia nas c-

    maras na companhia do tambm escritor Bernardo Guimares,

    que representava o tradicional Iornal do Comrcio, e Pedro Lus,

    do Correio Mercantil. Aos 39 anos Machado de Assis sofre uma

    estafa (naquele tempo no existiam crises de stress ,o que o afas-

    ta do jornalismo, para felicidade da literatura brasileira.

    Essa aproximao entre literatura, jornalismo e poltica ir

    marcar o jornalismo brasileiro pelas prximas dcadas, at que

    uma revoluo surgida dentro das redaes, j em meados do s-

    ,

    .

    123

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    16/32

    Jornalismo poltico

    culo XX, far a separao do que historicamente nunca deixo

    de andar junto.

    A espada era a lei

    Iniciada a Repblica, aqueles grandes tribunos e jornalistas

    que marcaram as dcadas de setenta e oitenta do sculo XIX en-

    contraram pela frente uma barreira. Os militares que assumiram

    o poder na implantao do sistema republicano defendiam um

    regime de fora.

    Para eles, a Repblica deveria ser dotada de um Poder Executivo

    forte, ou pas sar por uma fase mais ou menos prolongada de di-

    tadura. A autonomia das provncias tinha um sentido suspeito,

    no s6 por servir aos interesses dos grandes proprietrios rurais

    como por incorrer no risco de fragmentar o pas. (FAUSTO,

    p

    cit., p. 246.)

    O

    perodo conhecido por Repblica das Espadas, ou Rep-

    blicas dos Marechais, que cobre os anos de 1889 a 1894. Nestes

    seis anos os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto

    adotam o regime republicano federativo (as provncias passam a

    ser estados), alteram a simbologia ligada monarquia (bandei-

    ras, hinos, brases) e impem a censura imprensa, para com-

    bater os ditos jornais monarquistas . Isso no impediu que

    alguns nomes que brilharam no jornalismo das dcadas anterio-

    res assumissem postos importantes no perodo republicano, como

    Rui Barbosa, que escreveu as primeiras leis, e Quintino Bocaiva,

    que comps o ministrio de Deodoro.

    124

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    17/32

    A partir de 1894 at 1930 o perodo da chamada poltica

    dos governadores . como lembra Francisco Iglesias, lia volta

    das oligarquias , que mandavam no pas desde a independncia

    e perderam poder apenas no perodo de ascenso dos militares.

    A imprensa desse perodo, tambm denominado Repblica

    Velha, marcada pela coexistncia de dois grandes grupos, o que

    ser novamente um reflexo das disputas que ocorrem pelo poder

    central e nos estados. Dois grandes jornais simbolizavam bem o

    que pretendemos explicar: O Pais, veculo tradicionalista ligado

    elite agroexportadora, e o C orre io d a M an h, jornal que repre-

    sentava as camadas mdias da sociedade e fazia uma oposio

    feroz poltica do caf com leite . Os dois veculos assumiam o

    que os demais jornais tentavam esconder: naquele tempo impren-

    sa tinha que tomar partido, ou corria o risco de desaparecer. Como

    lembra Nelson Werneck Sodr, era muito mais fcil comprar que

    fundar um jornal; e ainda mais prtico comprar a opinio do jor-

    nal do que comprar o jornal. Ainda segundo o historiador, lia

    imprensa, embora apresente agora estrutura capitalista, fora-

    da a acomodar-se ao poder poltico que no tem ainda contedo

    capitalista .

    Op.

    cit.,

    p. 276.)

    Entre o servilismo e o oposicionismo, no sobrava espao para

    quem quisesse fazer uma imprensa independente. Nos ltimos

    anos do sculo XIX, por exemplo, o conflito armado de Canu-

    dos, no serto da Bahia, teve uma cobertura extremamente ofi-

    cial por parte da imprensa do Rio de janeiro e de So Paulo. Tanto

    que os textos escritos por um reprter enviado pelo O

    E sta do d e

    S. Paulo ao

    ftont

    da guerra, o engenheiro militar Euclides da Cu-

    nha, dariam uma bela pea publicitria do governo de Prudente

    de Morais. Felizmente, Euclides da Cunha pde reescrever sobre

    Jornalismo poltic o: h is t ria e p ro ce sso

    A volta dos donos do poder

    .,

    125

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    18/32

    ,~I

    Jorna lismo po l tico

    o que viu em Canudos e lanar em livro a verdadeira histria so-

    bre o conflito. Esta obra, Os

    Sertes,

    ainda carece de um estudo

    mais aprofundado conquanto exemplo de reportagem poltica.

    A partir de 1922, uma srie de acontecimentos comea a mu-

    dar a face poltica do pas. A crise militar ocasionada pela repres-

    so a um conflito armado em Pernambuco e que redundou, entre

    outros acontecimentos, na revolta do Forte de Copacabana: a cria-

    o do Partido Comunista Brasileiro e a realizao, em So Pau-

    lo, da Semana de Arte Moderna, mostram que a poltica dos

    governadores comea a esgotar-se como modelo de equilbrio po-

    ltico. No ano seguinte promulgada a Lei de Imprensa, em ple-

    na vigncia do Estado de Stio. O texto instalava a censura prvia

    e responsabilizava diretamente os jornalistas pelas ofensas

    publicadas pelos jornais.

    A censura mirava os grandes jornais, mas atingia tambm os

    jornais alternativos, especialmente a chamada imprensa oper-

    ria e as publicaes dos grupos anarco-sndcalstas. Influencia-

    da pelos imigrantes, especialmente os de origem italiana, a classe

    trabalhadora produziu um jornalismo panfletrio e mobilizador,

    como se exigia na poca, que incomodava as elites urbanas e as-

    sombrava o governo federal, eleito com o apoio das elites rurais.'

    A Revoluo de 1930, que levou Getlio Vargas e os tenentes

    ao poder, impe o fechamento do Legislativo e a censura im-

    prensa. A Constituio de 1934 vai repor alguns princpios libe-

    rais, mas ser logo soterrada pela fundao do Estado Novo em

    1937, instalando no pas uma ditadura civil de trao populista,

    criando um regime antidemocrtico, mas com grandes realiza-

    es sociais e administrativas.

    4 P a ra s ab e r m a is v e r

    H is t ria d a im p re ns a no B rasil,

    d e N elso n W e rn ec k S od r .

    126

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    19/32

    J ornalismo poltic o: h is t ria e p ro ce ss o

    Nos oito anos que durou, o Estado Novo manteve a impren-

    sa sob total controle. de 1939 a criao do temido Departamento

    de Imprensa e Propaganda, o DIP. Nesse perodo o jornalismo

    poltico, mantido sob controle nas dcadas anteriores, pratica-

    mente deixar de existir.

    O fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota dos pases do

    Eixo (Alemanha, Itlia e Japo) apressaro o fim do Estado Novo,

    mas no de Getlio Vargas, como se ver. O Estado Novo acaba

    em outubro de 1945, mas meses antes uma entrevista dada pelo

    escritor e poltico Jos Amrico de Almeida a Carlos Lacerda, pe-

    dindo o fim da ditadura Vargas, marca o fim da censura e a reto-

    mada do jornalismo poltico brasileiro.

    Anos de ouro

    De 1945 a abril de 1964, quando o pas retomar a viver sob

    um regime de exceo, a imprensa brasileira viveu seu auge. A

    redemocratizao e a nova Constituio de 1946 inauguram um

    novo perodo de ouro para o pas, marcado pelo desenvolvimen-

    to econmico, social e cultural. Os jornais e revistas brasileiros

    entram em nova fase, sob forte influncia do modelo norte-ame-

    ricano de jornalismo objetivo. O D irio C a rio ca inaugura no pas

    o uso do lead S surge nas redaes a figura do copidesque, que

    pretende homogeneizar os textos, a cobertura poltica ganha nova

    dimenso com as eleies presidenciais de 1945, que elege Eurico

    Gaspar Dutra, e a de 1950, que consagra Getlio Vargas nas ur-

    SExpresso em ingls que designa o pargrafo inicial de um texto jornalstico, que deve

    trazer as informaes mais importantes da matria, em resposta s seguintes perguntas:

    quem,

    fez o

    q u, o nd e, q ua nd o, co mo

    e

    por qu .

    No Brasil, o

    lead

    foi implantado por Pompeu

    de Sousa e Danton ]obim, na imprensa carioca nos anos 1950.

    127

    I r

    ~

    ~

    L

    ,

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    20/32

    Jornalismo poltico

    nas. No ano seguinte surge a ltima Hora, de Samuel Wainer, que

    vai revolucionar o leito de fazer jornal. A idia simples e genial:

    fazer um jornal com contedo poltico em linguagem popular,

    com diagramao inovadora e grandes nomes do jornalismo na-

    cional, pagos a peso de ouro, e que divulgasse sem oficialismo as

    realizaes do governo Vargas. Dois anos antes Carlos Lacerda

    havia lanado a Tribuna da Imprensa, que faria forte oposio ao

    getulismo. Esses dois jornais representaram durante um perodo

    da histria do Brasil o que havia de melhor e de pior no jornalis-

    mo poltico brasileiro.

    Enquanto

    lt ima

    Hora e a Tribuna da Imprensa faziam a guer-

    ra suja entre governo e oposio, outros jornais trataram de se

    mexer. O Jornal do Brasil fez uma grande reforma grfica e edito-

    rial que lanou as bases para outras reformas que vieram nos anos

    seguintes na imprensa. O Correio da Manh esmerava-se na co-

    bertura do Poder Legislativo, que voltou a ser o grande centro

    dos debates e das decises.

    nesse perodo rico do jornalismo que surgem os grandes

    nomes da crnica poltica brasileira. Villas-Bas Corra, reprter

    que nasceu junto com a redemocratizao ps-Estado Novo, conta

    em seu livro Conversa com a memria - A histria de meio sculo

    dejornalismo poltico, como surgiu naquele momento um mode-

    lo que juntava anlise e informao poltica, onde se destacava

    Herc1io Assis de Salles, na opinio dele

    maior reprter da

    histria do Congresso . Nos textos de Herc1io, relembra Villas-

    Bas, o leitor, ao mesmo tempo que se informava sobre os de-

    bates, as votaes, os projetos apresentados, era conduzido

    anlise interpretativa de cada episdio que se destacasse da roti-

    na . (CORRtA, 2002, p. 52.)

    Mas a crnica poltica alcanaria o grande pblico pelas p-

    ginas da maior revista do pas, O Cruzeiro, que em meados da d-

    128

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    Jornalismo poltico: histria e processo

    cada de 1950 abre duas pginas semanais para as anlises polti-

    cas de Carlos Castello Branco, o Castellinho, apontado por to-

    dos os jornalistas como o maior reprter poltico brasileiro de

    todos os tempos. Vllas-Boas Corra quem resume de forma

    exemplar a escola criada por Castellinho e de como o jornalista

    conseguia driblar o paradoxo de ter que fazer uma crnica sema-

    nal sobre um assunto to quente quanto a poltica:

    o grande reprter resolveu o embarao aventurando-se

    prospeco poltica com ampla margem de risco. Mestre do esti-

    lo, soltou-se no exame panormico, descendo ao encadeamento

    lgico do que parecia o contraditrio catico das tramas impro-

    visadas e ajudando o leitor a entender o raciocnio ordenado pela

    coerncia que flua com a naturalidade da conversa de expositor.

    Partiu das preliminares que ajudara a firmar e alargou as dimen-

    ses da interpretao do jogo poltico, como peas que se mo-

    viam em tabuleiro de xadrez, com as suas regras e os lances

    imprevistos. (Idem, p. 77.)

    Naquele tempo, como hoje, valia a frase do poltico mineiro

    Magalhes Pinto, para quem a poltica como nuvem: voc olha

    e v um formato, mas quando olha de novo j v outro. Mesmo

    assim, Castellinho e outros conseguiram domesticar o m-

    previsvel e levar o jornalismo poltico para outro patamar, o da

    anlise e interpretao dos fatos. Essa nova reportagem poltica

    acompanhou o suicdio de Getlio em 1954, a era lk, a mudana

    do Poder para Brasla, a surpresa e a decepo com Jnio Qua-

    dros, as tentativas frustradas de Joo Goulart de implantar as re-

    formas de base e o fim do intervalo democrtico. Foram quase

    vinte anos de completa liberdade para o trabalho da imprensa.

    Seguir-se-iam quase vinte an~s onde a liberdade de imprensa foi

    solapada pelo poder das foras armadas.

    129

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    Jornalismo poltico

    Anos de chumbo

    Essa mesma imprensa que em duas dcadas construiu um

    novo modelo de jornalismo poltico, juntando informao, an-

    lise e interpretao dos acontecimentos, no conseguiu se livrar

    completamente do jogo poltico dos interesses privados. A pesa-

    da campanha que alguns dos maiores jornais do Rio e So Paulo

    fizeram contra o ex-dtador e depois presidente eleito pelo voto

    Getlio Vargas, denunciando um suposto mar de lama no Pa-

    lcio do Catete, encaixa-se naquilo que nio Silveira chamava de

    jornalismo instigativo . Esse mesmo tipo de jornalismo tentou

    desmoralizar o governo de Juscelino Kubitschek e jogou muita

    gua no moinho da intolerncia e do golpismo que, juntos, for-

    aram o afastamento de Iango da Presidncia da Repblica. Para

    esse tipo de jornalismo, a verso mais importante que os fatos,

    confirmando a mxima de Ios Maria Alkmin, uma velha raposa

    , mnera.

    Portanto, o golpe militar de 1964 no surpreendeu a grande

    imprensa, que durante muitos anos dizia ter apoiado uma revo-

    luo militar que veio para acabar com a baderna dos esquer-

    distas que estavam no poder .

    Mas, como em outros momentos da Histria do Brasil, os que

    vieram em nome do povo para restabelecer a ordem acabaram

    estabelecendo um regime de perpetuao no poder. E, para isso,

    foi preciso, em um primeiro momento, boicotar os veculos de

    comunicao que no concordavam com o novo regime, para

    em seguida lanar mo da censura de forma indiscriminada. O

    6No filme O

    hom em qu e m ato u

    o

    [ac inora ,

    de John Ford, o personagem interpretado por

    Edmond O'Bren, um jornalista, fala a clebre frase: Quando a lenda mais interessante

    do que a realidade, imprima-se a lenda.

    130

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    23/32

    Jornalismo poltic o: h is t ria e p ro cesso

    AI-5, editado em dezembro de 1968, cassou os direitos polticos

    de parlamentares da oposio e permitiu a censura prvia im-

    prensa e espetculos.

    O jornalismo poltico sofreu um duro golpe nesse perodo.

    Tornou-se proibido escrever ou falar sobre qualquer coisa que ti-

    vesse relao com aqueles que faziam oposio Revoluo . O

    pas crescia a taxas mdias de 11 ao ano e para que o milagre

    brasileiro fosse completo era preciso calar os adversrios do regi-

    me. Jornais como a ltim a H o ra , por exemplo, foram minguan-

    do at desaparecer. Outros, que souberam respeitar a nova ordem,

    conseguiram atravessar a procela e sobreviver.

    As revistas semanais de informao aparecem justamente no

    perodo de crise do jornalismo poltico:

    Veja , I s to

    e

    Afinal ,

    entre

    outras, formaro um espao novo para a reportagem e a anlise

    polticas, mesmo sob forte censura. Veja, comandada por Mino

    Carta, vai trazer a clebre capa sobre a tortura, publicada em ple-

    no Governo

    Mdc,?

    Com o declnio da cobertura poltica, por razes bvias, a gran-

    de imprensa acabou apostando em um novo segmento: o jorna-

    lismo econmico. A forte expanso econmica que ocorreu entre

    1969 e 1973, a crise do petrleo que se seguiu e a retomada do ci-

    clo inflacionrio a partir de meados da dcada de 1970 acabou por

    exigir dos jornalistas um conhecimento mais tcnico e menos

    emprico sobre as notcias que afetavam o bolso dos cidados. No

    que antes tais assuntos no fossem importantes, mas que agora

    a economia desvencilhava-se da poltica, ganhando espao nobre

    nos jornais e revistas, quando no em publicaes especializadas.

    '

    1 1 1 : '

    I~

    I

    I .

    7Em 1969, em entrevista ao jornalista Dirceu Brlsola, da Veja , o ento ministro da justia

    de Mdici, Alfredo Buzaid, declarou que se comprometia, no caso de denncias de tortu-

    ra, a intervir dentro dos seus limites para preservar a ordem jurdica Interna . Mino Carta

    decidiu ento pela capa com a chamada O presidente no admite torturas . A censura

    proibiu que os jornais repercutissem a capa da revista

    in

    CONTI, 1999, p. 73-75).

    131

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    Jornalismo poltico

    Imprensa alternativa

    Se o jornalismo poltico brasileiro sobreviveu aos vinte anos

    de arbtrio militar isso se deve, em grande parte, ao trabalho fei-

    to pela chamada imprensa nanica. Como analisa Perseu Abramo,

    difcil caracterizar com preciso o papel da imprensa alternati-

    va da dcada de 1960.

    (...) o carter real da imprensa chamada alternativa

    o de que,

    na verdade, tratava-se muito mais de fazer um contraponto

    imprensa burguesa do que efetivamente substitu-Ia. como se,

    na Era da Ditadura, houvesse necessidade de colocar no papel o

    substrato de um movimento de contracultura, disperso e fragmen-

    tado sim, mas inegavelmente existente nos anos 60 e 70.

    (ABRAMO, 1988.)

    li

    Jornais como P if-pa f, O pin io , M ovim en to , Em Tem po , Versu s,

    Bond inho , O So l e O Pasqu im , entre tantos outros, tentavam fazer

    o contraponto grande imprensa, publicar no a notcia em si,

    pois os pequenos jornais no tinham acesso aos meandros da

    chamada grande poltica, mas podiam publicar a verso da opo-

    sio . Isso permitiu manter aceso o debate poltico, mesmo que

    entre uma elite de letores.

    Os donos do poder temiam esse poder paralelo da impren-

    sa alternativa e tentavam minar seu trabalho. E nesse processo

    cometiam absurdos, como explodir bancas de jornais que

    comercializavam os ditos jornais alternativos.

    Mesmo os jornalistas que no estavam envolvidos diretamen-

    te com a imprensa de oposio sofreram perseguies da linha

    'Para saber mais, veja J o rn a li st as e r ev o lu ci on rio s: n o s temp o s d a impr en sa a lter n at iv a , de B.

    Kucinski. .

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    Jornalismo poltico: histria e processo

    dura do regime militar. Em outubro de 1975, o jornalista Vladimir

    Herzog, chefe do Departamento de Jornalismo da TV Cultura de

    So Paulo, morre nas celas do DOI-CODI paulista, aps seguidas

    sesses de tortura. Herzog era simpatizante do Partido Comunis-

    ta Brasileiro (PCB), o velho Partido, mas nunca esteve envolvi-

    do com aes armadas contra o governo e sempre trabalhou na

    grande imprensa. Sua morte causou comoo e mobilizou milha-

    res de pessoas em um ato pblico em So Paulo, o primeiro de-

    pois de decretado o AI-5.

    Quando a censura acabou, no final da dcada de 1970, e os

    jornalistas puderam voltar a escrever e falar abertamente sobre a

    situao poltica do pas, muitos daqueles profissionais que atua-

    ram na imprensa alternativa aproveitaram a experincia para

    levar para as redaes um jornalismo politizado, no neces-

    sariamente partidrio, mas certamente comprometido com o res-

    tabelecimento da ordem democrtica.

    Entre o final da dcada de 1970 e meados da de 1980, ou seja,

    da abertura poltica ao fim do ciclo de presidentes militares, a

    classe jornalstica foi pea fundamental para o processo de re-

    democratizao. Os jornalistas, e no exatamente os jornais,

    ensaiaram os primeiros passos rumo

    liberdade de escrever o que

    pensavam.

    Em 1977, o sargento Slvio Delmar Hollembach morreu no

    Zoolgico de Braslia, aps ter pulado no cercado das ariranhas

    para salvar uma criana. O jornalista Loureno Diafria, do jor-

    nal Fo lha de S . P aulo , elogiou em sua crnica o gesto de coragem

    de Hollembach e disse preferir esse sargento heri ao Duque

    de Caxias, patrono do Exrcito.

    0

    povo est cansado de espadas

    e de cavalos. O povo urina nos heris de pedestal

    Fo lha de S .

    P aulo , a pud

    GASPARI,2004, p. 452), escreveu Diafria. O general

    Sylvio Frota, ministro do Exrcito e candidato da linha dura

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    Jornalismo poltico

    1 11

    li

    sucesso do presidente Ernesto Geisel, mandou prender o jorna-

    lista. A

    Folha

    protestou e decidiu circular com o espao da crni-

    ca em branco. O governo ameaou o jornal com a Lei de

    Segurana Nacional. A Fo lha d e S.Paulo teve que recuar e demitir

    Cludio Abramo, diretor de redao. Isso aconteceu em setem-

    bro. Em 12 de outubro de 1977 Sylvio Frota demitido.

    Tambm comearam a surgir as primeiras reportagens que

    denunciavam os desmandos do poder. Em 1976, uma srie de

    reportagens publicadas pelo jornal O

    E sta do d e

    S.

    Paulo ,

    assina-

    das pelo jornalista Ricardo Kotscho, denunciava o escndalo das

    mordomias entre ministros e altos funcionrios do governo.

    Como lembra Kotscho em seu livro

    A prtica da re po rta gem ,

    lia srie de reportagens sobre as mordomias foi apenas uma esp-

    cie de aperitivo do banquete de denncias de corrupo que se-

    ria servido ao Pas, medida que, sem censura prvia, a imprensa

    ia retomando suas funes . (KOTSCHO, 1995, p. 55.)

    A imprensa tambm teve papel decisivo quando desmasca-

    rou a farsa do atentado a bomba no Riocentro, em 1981. Reme-

    morando: na vspera do 1

    0

    de Maio daquele ano, uma bomba

    explodiu no colo de dois militares, dentro de um Puma no es-

    tacionamento do Riocentro, na cidade do Rio de Janeiro, onde o

    Cebrade (Centro Brasil Democrtico) promovia um show em ho-

    menagem aos trabalhadores. Um dos homens morreu e o outro

    teve a perna amputada. O atentado terrorista frustrado, promo-

    vido pela direita, pretendia jogar a culpa na oposio e atrapa-

    lhar o processo de abertura.

    Sufocado durante anos, o jornalismo poltico retoma sua im-

    portncia ao denunciar os equvocos da Ditadura e de seus alia-

    dos, mas tambm ao dar voz a uma nascente oposio. Primeiro,

    acompanhando os passos dos anistiados polticos que comea-

    ram a voltar ao Brasil a partir de 1979, com a aprovao da Lei

    1 1

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    Jornalismo poltico: histria e processo

    da Anistia. Depois em 1984, quando milhes de pessoas toma-

    ram as ruas das grandes cidades para pedir eleies diretas para

    presidente. A imprensa, inicialmente apenas alguns jornais, em

    especial a Folha de S. Paulo, mas depois praticamente toda ela,

    anunciou o grande movmento das Diretas

    J

    9

    Um ano depois,

    essa mesma imprensa assumiu sem disfarces a preferncia por

    Tancredo Neves nas disputa com Paulo Maluf pelos votos do

    Colgio Eleitoral que elegeu o primeiro presidente civil depois

    de 21 anos de regime militar.

    Redemocratizao e momento atual

    o jornalismo poltico viveria outros momentos importantes

    a partir de 1985, com a posse de Jos Sarney, vice de Tancredo

    Neves.Amorte do presidente eleito frustrou o pas, mas foi um

    grande teste para a imprensa poltica que renascia das cinzas. Es-

    tudante de Jornalismo na Universidade de Braslia(UnB),assisti

    ao rpido amadurecimento da nossa reportagem poltica, que

    aprendeu a entender de economia para acompanhar a era dos

    planos econmicos. E que tambm especializou-se em diversos

    assuntos para entender os debates tcnicos durante os trabalhos

    da AssembliaNacional Constituinte. Em 1989, a primeira elei-

    o direta para presidente dividiu o pas, mas no as redaes.

    Na chamada grande imprensa, sediada nas capitais, os jornalis-

    tas em peso apoiavam Lula da Silva, candidato do PT,mas os

    muito lembrado o episdio envolvendo a TV Globo durante a campanha das Diretas

    J .

    Compromissada com o regime militar, a maior emissora do pas ignorou o movimen-

    to, at que populares comearam a cobrar, em praa pblica, a divulgao das manifesta-

    es, que chegaram a reunir mais de um milho de pessoas em um s dia. O

    slog an O

    povo no bobo, abaixo a Rede Globo , correu os comcios de norte a sul do pas.

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    Jornalismo poltico

    patres penderam a gangorra para a candidatura de Fernando

    ColIor. Em seguida, um novo teste: o primeiro presidente eleito

    pelo voto direto obrigado a renunciar para tentar escapar de

    um processo de

    impeachment ,

    depois que a imprensa denunciou

    as ligaes perigosas entre ele e o empresrio Paulo Csar Farias.

    Apenas sete anos depois da redemocratizao, o jornalismo pol-

    tico brasileiro viveu seu Watergate.'?

    A posse do vice-presidente Itamar Franco no lugar de Collor

    levou o pas a uma nova guinada poltica. Em 1994 o jornalismo

    poltico precisaria novamente se reciclar para acompanhar as

    novidades na economia, com a adoo do Plano Real, e a eleio

    de Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda do go-

    verno Itamar Franco. Quatro anos depois os jornalistas assisti-

    ram reeleio de FHC, graas a uma mudana da Constituio

    que pela primeira vez na histria republicana permitiu a

    reconduo de um presidente pelo voto direto.

    Nosso captulo histrico encerra-se com as eleies de 2002,

    com a vitria de Lula da Silva, do PT, que disputou com o ex-

    ministro da Sade de FHC Jos Serra, do PSDB, o segundo turno

    das eleies. A ampla cobertura jornalstica realizada em 2002 e

    o equilbrio com que a imprensa tratou os candidatos fizeram des-

    ta eleio um modelo de atuao para o jornalismo poltico. Em

    quase dois sculos de histria, o pleito de 2002 foi a primeira vez

    em que vimos uma coincidncia total entre poltica e jornalis-

    mo. Pois, antes, se havia equilbrio poltico, como em 1955, na

    acirrada disputa vencida por J K havia tambm uma imprensa

    JOPressionado por seu envolvmento no Caso Watergate, em 8 de agosto de 1974 o presi-

    dente norte-americano Rchard Nixon renunciava ao cargo. O caso Watergate foi um

    episdio de escuta ilegal na sede do Partido Democrata por elementos ligados ao gover-

    no, e foi desvendado pelo trabalho de dois reprteres do jornal Washington Post, Bob

    Woodward e Carl Bernstein.

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    Jornalismo poltico: histria e processo

    _ sicionada e que agia claramente em defesa de grupos. Nada

    5Mante, entretanto, que as prximas eleies mantero o padro

    ze comportamento de 2002.

    Para encer rar

    No incio do sculo XXI alguns estudiosos detectaram uma

    :rise no jornalismo poltico. Estudo realizado na Inglaterra e apre-

    sentado pelo professor Nelson Traquna' durante congresso que

    reuniu jornalistas brasileiros e portugueses mostrou que os gran-

    _e5 jornais ingleses vm reduzindo a cada dcada o espao dedi-

    :ado ao que acontece no Parlamento britnico.

    As novas tecnologias, por sua vez, geraram um processo ace-

    _ITcidode obteno de informaes, o que em geral resultou no

    zumento quantitativo da oferta de noticirio, sem garantias de

    alidade deste material ofertado. Uma cobertura mais extensi-

    va, mais abrangente, mas no imune ao erro.

    Em fevereiro de 2005, o Brasil surpreendeu-se com a eleio

    o deputado Severino Cavalcanti para a Presidncia da Cmara

    Federal. Muitos se perguntaram na poca por que a imprensa no

    _reviu essa zebra nas eleies do Parlamento Nesse caso a

    prensa cometeu o erro de fazer uma cobertura burocrtica da

    - e o

    na Cmara, sem atentar para as novidades daquela dis-

    s: ~ .

    Abusou do fontismo , ou seja, da confiana excessiva nas

    - tes oficiais, e se esqueceu de olhar para o que acontecia nos

    terrneos da poltica. Meses depois essa mesma imprensa aju-

    a abreviar o mandato de Severino Cavalcanti, ao denunciar

    esquema de propinas na Cmara.

    Congresso Luso-Brasileiro de]ornalismo. Porto, abril de 2003. Anotaes do autor.

    137

    t-

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    Jornalismo poltico

    -I

    Nelson Traquina, autor de diversos estudos importantes so-

    bre o jornalismo contemporneo, lembra que a teoria democr-

    tica prev trs grandes papis para o jornalismo: 1) o jornalismo

    deve dar aos cidados as informaes que so teis, que so ne-

    cessrias para que eles possam cumprir os seus papis de pessoas

    interessadas na vida social e na governao do pas; 2) o jorna-

    lismo deve ser o espao do contraditrio e da pluralidade de opi-

    nies, ser uma espcie de mercado de idias; e 3) o jornalismo

    tem o papel de ser o watchdog (co de guarda) da sociedade, pro-

    teger os cidados contra os abusos do poder.

    Estas trs grandes funes resumem bem os papis do jorna-

    lismo poltico: informar, formar opinio e fiscalizar. Mas as per-

    guntas que devem ser feitas hoje so as seguintes: a imprensa tem

    conseguido informar com credibilidade e qualidade sobre o que

    acontece no mundo da poltica? Ou ser que o excesso de infor-

    maes vem confundindo mais do que esclarecendo? A grande

    mdia tem conseguido ser imparcial e equilibrada ao disponibilizar

    fatos e opinies sobre os diferentes segmentos polticos? E, por

    ltimo, ao desempenhar o papel de fiscal do poder, o jornalismo

    poltico no corre o risco de cometer excessos e frustrar expecta-

    tivas, justamente por no poder cumprir as duas premissas bsi-

    cas anteriores? Ou seja, como fiscalizar com iseno e eficincia

    se no h qualidade na informao que se oferece e no se ga-

    rante a pluralidade de opinies divergentes?

    Em quase duzentos anos de histria, o jornalismo poltico bra-

    sileiro acompanhou o roteiro traado pelos grupos dominantes

    que pretenderam assegurar o poder, ora aderindo a este modelo,

    ,

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    . '

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    i i

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    ,

    12Entrevista ao

    Observatrio da Imprensa

    n 225, em 20 de maio de 2003

    (www.observatoriodaimprensa.br).

    138

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    Jornalismo poltico: histria e processo

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    dur a e s can ca rada .

    So Paulo: Companhia das Letras, 2001.

    ora denunciando-o. Aderiu quando apoiou o Golpe Militar de

    1964. Denunciou quando mostrou asmanifestaes de rua pelas

    Diretas

    J .

    Hoje, a popularizao de novos meios de eletrnicos de co-

    municao (especialmente a internet e o telefone celular) vem

    promovendo novas transformaes no jornalismo poltico. Os

    b logs

    e

    sites

    de notcia nos fazem lembrar a imprensa brasileira

    em seusprimrdios, quando uma profuso de folhas alimentava

    o debate poltico e desancava a segurana dos poderosos.

    Aderir ao modelo tornou-se tarefa mais arriscada, mas nem

    por isso afastada. Denunciar o modelo, sim, deve ser uma ta-

    refa permanente. Mas este papel, hoje, no cabe apenas ao jor-

    nalismo.

    Referncias bibliogrficas

    139

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