176
06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos Categoria pai: Métodos Categoria: Fichas Técnicas INTRODUÇÃO:TORNANDOOSSONHOSREALIDADE. USANDOODRAGONDREAMINGPARACONSTRUIRUMPROJETOEXTREMAMENTEBEMSUCEDIDO: UMAABORDAGEMABRANGENTEEMESTÁGIOS Por John Croft Quinta feira, 19 de fevereiro de 2009. Título original: Fact Sheet Number #06 INTRODUCTION: MAKING DREAMS COME TRUE: USING DRAGON DREAMING TO BUILD AN OUTRAGEOUSLY SUCCESSFUL PROJECT: A COMPREHENSIVE STAGE APPROACH Tradução : Felipe Simas (Julho de 2011) Revisão e figuras: Áureo Gaspar (Dezembro de 2011) “Grandes massas de pessoas vivem na verdade em suspense diante do iminente advento de algo desconhecido que pode mudar inteiramente o seu destino coletivo… O Ser Humano (sic) não sabe como ser um Homem verdadeiramente moderno… O Homem inventou a estória do Dragão malvado, mas se houve algum dragão mal, este foi o próprio Homem… Aqui temos o paradoxo humano: o Homem preso por sua capacidade extraordinária e suas realizações, como em uma areia movediça – quanto mais usa o seu poder mais precisa dele.” Aurellio Pecceci, fundador do Clube de Roma. RESUMO: Nestecapítulo, é explicado o processo fundamental da abordagem do Dragon Dreaming para o desenvolvimento de projetos, junto com uma explanação sobre os sintomas que surgem quando os projetos se encontram bloqueados. INTRODUÇÃO: CONSTRUINDO UMA PONTE PARA SE CHEGAR DAQUI ATÉ LÁ Como você faz o seu próprio sonho ou de outras pessoas se tornar realidade? Atualmente, em toda parte existe uma lacuna entre como as coisas são e como elas podem vir a ser. Esta lacuna pode ser estreita e fácil de ser atravessada. Para outros, esta pode ser um abismo largo, profundo e aterrorizante. Em certos casos as tendências apontam para um futuro com maiores problemas, com o aparente aumento de probabilidades desfavoráveis, e a possibilidade de um desdobramento favorável parece evaporar. Em 1983, eu estava em Mendi, na província das Terras Altas do Sul da Papua Nova Guiné, trabalhando no Projeto de Desenvolvimento Rural Integrado das Terras Altas do Sul, financiado pelo Banco Mundial, projeto este que foi desenhado para fazer a ponte sobre a lacuna descrita no parágrafo anterior. Este projeto teve uma história interessante. A província das Terras Altas do Sul foi a última parte da Papua Nova Guiné em que os exploradores europeus penetraram. Com uma população atual de quase meio milhão de pessoas, a maior parte da província só teve contato com exploradores e administradores europeus a partir das décadas de 1950 a 1960. Até então, a maior parte da população

06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem SucedidosCategoria pai: MétodosCategoria: Fichas TécnicasINTRODUÇÃO:TORNANDOOSSONHOSREALIDADE.USANDOODRAGONDREAMINGPARACONSTRUIRUMPROJETOEXTREMAMENTEBEMSUCEDIDO: UMAABORDAGEMABRANGENTEEMESTÁGIOS Por John Croft                                                                                               Quinta feira, 19 de fevereiro de 2009. Título original: Fact Sheet Number #06 INTRODUCTION: MAKING DREAMS COME TRUE:  USING DRAGON DREAMING TO BUILD AN OUTRAGEOUSLY SUCCESSFUL PROJECT: A COMPREHENSIVE STAGE APPROACHTradução             : Felipe Simas    (Julho de 2011)Revisão e figuras: Áureo Gaspar (Dezembro de 2011) “Grandes massas de pessoas vivem na verdade em suspense diante do iminente advento de algo desconhecido que pode mudar inteiramente o seu destino coletivo… O Ser Humano (sic) não sabe como ser um Homem verdadeiramente moderno… O Homem inventou a estória do Dragão malvado, mas se houve algum dragão mal, este foi o próprio Homem… Aqui temos o paradoxo humano: o Homem preso por sua capacidade extraordinária e suas realizações, como em uma areia movediça – quanto mais usa o seu poder mais precisa dele.”Aurellio Pecceci, fundador do Clube de Roma. RESUMO: Nestecapítulo, é explicado o processo fundamental da abordagem do Dragon Dreaming para o desenvolvimento de projetos, junto com uma explanação sobre os sintomas que surgem quando os projetos se encontram bloqueados. INTRODUÇÃO: CONSTRUINDO UMA PONTE PARA SE CHEGAR DAQUI ATÉ LÁComo você faz o seu próprio sonho ou de outras pessoas se tornar realidade?  Atualmente, em toda parte existe uma lacuna entre como as coisas são e como elas podem vir a ser.  Esta lacuna pode ser estreita e fácil de ser atravessada. Para outros, esta pode ser um abismo largo, profundo e aterrorizante. Em certos casos as tendências apontam para um futuro com maiores problemas, com o aparente aumento de probabilidades desfavoráveis, e a possibilidade de um desdobramento favorável parece evaporar.Em 1983, eu estava em Mendi, na província das Terras Altas do Sul da Papua Nova Guiné, trabalhando no Projeto de Desenvolvimento Rural Integrado das Terras Altas do Sul, financiado pelo Banco Mundial, projeto este que foi desenhado para fazer a ponte sobre a lacuna descrita no parágrafo anterior. Este projeto teve uma história interessante. A província das Terras Altas do Sul foi a última parte da Papua Nova Guiné em que os exploradores europeus penetraram. Com uma população atual de quase meio milhão de pessoas, a maior parte da província só teve contato com exploradores e administradores europeus a partir das décadas de 1950 a 1960. Até então, a maior parte da população acreditava que o universo terminava onde o céu tocava a terra do outro lado da montanha que os cercava, e que os europeus eram literalmente ‘homens do espaço exterior’.  O primeiro contato com os europeus foi para o povo local uma experiência semelhante ao que se teria sido um contato com seres extraterrestres que viessem nos informar que na verdade éramos parte de um império intragalático.Em 1983, o Governo da Papua Nova Guiné, em seu segundo plano quinquenal, decidiu primeiramente solicitar que cada província criasse seu próprio plano.  A partir disto o Escritório Nacional de Planejamento avaliou quais partes dos planos de cada província eram idênticos e, de acordo com a constituição nacional, deveriam ser tratadas nacionalmente, quais partes eram específicas a cada província e poderiam ser apoiadas nacionalmente, e quais partes seriam omitidas e poderiam ser tratadas em nível nacional. Tal abordagem ainda é bastante recomendável e pode ser aplicada de forma favorável em qualquer “organização de ponta” que possua uma estrutura federativa representando os interesses de grupos minoritários.O Governo das Províncias das Terras Altas do Sul, a meu pedido, havia decidido fazer o mesmo, e concordamos em usar a técnica da “Conferência de Pesquisa”(Search Conference), desenvolvida inicialmente por Fred Emery, do Centro para Educação Continuada da Universidade Nacional Australiana em Canberra.  A “Conferência de Pesquisa” é uma técnica que prevê a reunião de todos os formadores de opinião e atores sociais que podem influenciar em uma determinada situação, para considerar as lacunas existentes entre os futuros desejável, possível e provável. Após avaliar os fatores que dificultam ou auxiliam na conquista das metas desejadas, são desenhadas estratégias para se atingir aquilo que se deseja coletivamente.Para estas oficinas, nos sete distritos dos vales remotos e montanhosos da Papua Nova Guiné, convidamos o diretor da escola secundária local, administradores provinciais, políticos locais, magistrados das cortes dos vilarejos, supervisores de turmas de

Page 2: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

alfabetização, agentes de saúde, membros da equipe de planejamento do distrito, missionários, líderes religiosos e líderes de grupos de jovens e de mulheres.  Após uma semana de trabalho em conjunto, eles deveriam definir as prioridades para o desenvolvimento local, que seriam incluídas no plano distrital. Este seria tecido em um Plano Provincial nos moldes desejados pelo Escritório Nacional de Planejamento.Eu me lembro de estar sentado ao lado de Francis Awesa, então Oficial de Planejamento Provincial, quando se levantou um homem idoso, que não havia falado durante os encontros em Mendi.  De pés descalços, usava um terno surrado, um cinto escuro e um avental típico feito na vila, com folhas de dracena cobrindo suas nádegas. Um silêncio de expectativa desceu sobre o recinto quando ele começou a cantar. Como eu não entendia a língua local, Anggal Heneng, eu perguntei ao Francis “O que ele está dizendo?” Francis pediu para que eu me silenciasse e ele me diria assim que o canto terminasse.Parece que o homem era da vila que ficava acima de Mendi, a capital da província. Foi ele que, quando menino, teve contato com os primeiros europeus e os guiou vale acima.  Até então o seu povo não tinha ideia da existência de um mundo mais amplo. Ele também foi o líder que pouco depois persuadiu o seu povo a abrir mão da terra sobre a qual a capital da província foi construída.   Ele cantou como, sentado em sua montanha, assistiu os europeus fazerem coisas que ele nunca havia imaginado ser possíveis. Muitas eram as maravilhas das quais seu povo tinha grande necessidade. Contudo, disse também que viu os europeus fazendo coisas que eram completamente estúpidas e que de forma alguma deveriam ser disseminadas em meio ao seu povo.Observando as maneiras dos Kondol ou “homens vermelhos”, como ele chamava a nós europeus (pela forma como ficamos facilmente vermelhos quando expostos aos sol das Terras Altas), ele também começou a ver o seu povo de uma nova maneira. Ele viu coisas de seu povo que eram verdadeiramente maravilhosas e de grande utilidade para os europeus. Ao mesmo tempo, viu coisas em seu povo que eram igualmente estúpidas e que não deveriam ser espalhadas.Segundo o ancião, o verdadeiro desenvolvimento provincial era um novo tipo de ponte a ser construída entre os dois povos. Poderia começar, ele sugeriu, como uma simples ponte de cordas, mas deveria ter um portão em cada ponta. Do lado europeu, deveria deixar passar as características necessárias para um futuro desejável e excluir as coisas indesejáveis.  O mesmo deveria acontecer do lado das vilas tradicionais da Papua Nova Guiné.  Quando mais e mais pessoas entrassem na ponte, esta deveria ser refeita, primeiro com madeira e depois com aço e concreto, permitindo que cada vez mais pessoas de seu povo pudessem subir à ponte. Um dia, ele profetizou, todos estariam sobre a ponte, e seria possível desmantelar os portões em cada ponta, pois o verdadeiro desenvolvimento estaria acontecendo. O desempenho da sua oratória cantada foi virtuoso, provavelmente sem igual nos nossos dias. Ele se sentou e um silêncio profundo e respeitoso pairou sobre o recinto.Para mim, esta imagem gráfica, criada pelo canto de um homem analfabeto, porém de grande sabedoria, traz a verdadeira fonte da arte sustentável do Dragon Dreaming, o segredo de tornar os sonhos em realidade.  Dragon Dreaming é a arte de se construir pontes, criando a estrutura que liga o ponto em que estamos hoje ao ponto no qual gostaríamos de estar, e que permite que nos movamos seguramente através desta ponte desde onde nós somos agora até o que poderemos vir a ser. No entanto, diferente das pontes normais, esta ponte é construída ao longo do percurso.  E, como toda jornada, se inicia com um único passo.CONSTRUINDO UM NOVO TIPO DE PROJETOIsto me remete de volta à primeira pergunta colocada neste texto.  Como tornar real o seu sonho ou o sonho de outras pessoas?  A liderança é frequentemente necessária para que comecem a acontecer coisas que não aconteciam antes.  Em Mendi, bem como em todos os locais, existe uma lacuna entre como as coisas são e como podem vir a ser.   Muitas pessoas recorrem aos seus “líderes” em busca de soluções. Pode parecer que a liderança efetiva seja meramente a questão de fazer a ponte sobre esta lacuna, de construir a ponte, de permitir que os outros venham trabalhar com o líder para alcançar sua visão pessoal ou a visão do grupo.   Contudo, a dependência de lideranças geralmente resulta em passividade e, enquanto as pessoas esperam seus líderes, nos governos, na indústria ou em nossas comunidades, façam as mudanças que queremos ou que vemos como necessárias, as coisa vão de mal a pior. A recente Cúpula da Mudança Climática em Copenhague é um exemplo clássico.   Apesar da urgência em se encontrar soluções, e do reconhecimento de que algo deve ser feito para que o nível de CO2 atmosférico fique abaixo de 350 partes por milhão para que se estabilize o clima dentro dos limites que permitiram o desenvolvimento da civilização humana, nada aconteceu.   Os líderes ficaram paralisados no velho paradigma no qual prevalecem interesses nacionais concorrentes. Os líderes dos negócios dizem que nada podem fazer se não houver um marco regulatório ou um mercado para os seus produtos.  Esperar que os outros nos tragam as respostas para os nossos problemas parece não funcionar nos dias de hoje. Precisamos de uma nova abordagem, um novo paradigma.  Em Copenhague ficou claro que não se pode esperar muito dos líderes políticos ou empresários.   Ao contrário, precisamos da comunidade, com se diz frequentemente “Quando o povo lidera, os líderes seguem”, ou ainda, “nós somos as pessoas pelas quais estávamos esperando”!É sobre isso que trata o processo de construção de projetos usando o Dragon Dreaming.Os resultados da maior parte dos projetos comunitários pode ser muitas vezes um tanto deprimentes. Um estudo de 16 anos atrás na Austrália ocidental, assim como em outras partes do mundo, mostrou que 90% dos pequenos projetos que foram implantados

Page 3: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

geralmente não sobreviveram mais do que 03 anos. As pessoas envolvidas frequentemente ficam estressadas, esgotadas e juravam nunca mais se envolver em coisas deste tipo. Mas não precisa ser assim. Existe um caminho alternativo.O método do Dragon Dreaming diz respeito ao desenvolvimento de projetos extremamente bem sucedidos.  Mas, primeiramente, o que é um “projeto”?Normalmente as pessoas pensam em projetos como sendo alguma atividade especial, fora da vida normal do dia a dia. Porém isto está longe da verdade. Por exemplo, para o Instituto de Gestão de Projetos o projeto é definido como “qualquer esforço temporário na busca de se alcançar um determinado objetivo… independente do tamanho, orçamento ou duração do projeto.” No  Dragon Dreaming um projeto é definido como sendo qualquer ação planejada para se alcançar resultados específicos dentro de um dado tempo. Esta definição engloba praticamente todas as ações humanas intencionais como sendo um “projeto” o que, em certo sentido, é bem verdadeiro.  Pense em um dia típico.  Você começa o dia dormindo, o estado de consciência mais próximo da morte que alguém pode estar em vida.  A atividade cerebral é reduzida ao mínimo, apesar de que mesmo dormindo você está processando informações recebidas do ambiente, como sabe bem qualquer pai que acorda com o choro de uma criança à noite. O sono vem em diversos estados, normalmente descritos como “Sonho” ou “Movimento Rápido dos Olhos” (MRO) e o sono Sem Movimento Rápido dos Olhos (SMRO), associado a um estado de inconsciência mais profundo, no qual a noção de si mesmo é totalmente suspensa.Então você acorda, talvez com a lembrança de um dos últimos seis ou sete sonhos que teve durante a noite, pronto para iniciar o dia. Seu sonho pode colorir as primeiras horas do dia.  Neste estado recém desperto, a parte do cérebro logo abaixo do córtex motor, usada para o planejamento das estratégias do dia, se torna mais ativa, e você coloca uma série de atividades em mente, na intenção   de coordenar suas ações para atingir certos objetivos. Outros planos são incubados ao longo do dia, uma vez que nosso nível de atividade e atenção atinge seu pico entre as dez horas da manhã e as duas da tarde, permanecendo os reflexos rápidos até o fim da tarde.  Com o cair da noite, começamos a diminuir o passo, e precisamos relaxar por períodos mais longos e, à noite, com o aumento dos níveis de melanina no cérebro, a capacidade de nos mantermos acordados diminui e o dia termina como começou, dormindo.   O nível de atividade no decorrer do dia é representado pela linha vermelha na figura abaixo, enquanto que as conquistas cumulativas são representadas pela linha azul-esverdeada.Este padrão de aumento e queda da energia investida reflete a natureza de qualquer projeto sustentável, com o início e o fim demandando os menores níveis de energia enquanto que a parte central ou o meio de um projeto exige o máximo investimento de energia.  Da mesma forma, as realizações de um dia aumentam mais lentamente no início, acelerando no meio do dia e à noite tornam a diminuir, de forma similar à natureza das conquistas ao longo de um projeto.  Portanto, num sentido efetivo, as atividades típicas ao longo de um dia podem ser consideradas “projetos”.Um padrão semelhante pode ser encontrado não só na escala de um dia, mas também ao longo de uma vida.   Desta forma, nossa vida, do nascimento à morte, poderia ser considerada como um único projeto. No início descobrimos nosso propósito na vida, trabalhamos para realizá-lo e, na noite da nossa vida, colhemos os frutos do que plantamos.Da mesma forma, cada dia de nossas vidas pode ser considerado um projeto separado, e toda a uma vida pode ser vista desta maneira.  Culturas e civilizações inteiras também passam por um processo semelhante, germinando nas vidas das primeiras gerações, crescendo rapidamente em direção a seu climax e declinando tempos depois, mas contribuindo como um todo para o surgimento de culturas futuras. Geralmente, tais “projetos multigeracionais” acontecem em circunstâncias excepcionais, mas podem ser mais comuns do que imaginamos. Por exemplo, as revoluções sociais, políticas, tecnológicas, científicas e econômicas associadas com a cultura ocidental da Revolução Industrial compreendem tal projeto “multigeracional”. A transição de uma sociedade de crescimento industrial para uma sociedade que sustente a vida, o que Joanna Macy e David Korten denominam “A Grande Virada” é, de acordo com o método Dragon Dreaming, o projeto central mais importante dos tempos em que vivemos.  Contudo, a maior parte dos projetos em que nos engajamos não são considerados multigeracionais.   Duram normalmente mais do que um dia, porém menos do que uma vida inteira, e embora envolvam muitas pessoas, não envolverão múltiplas gerações.O fato de nós seres humanos termos “objetivos” ou “intenções” é uma das características que nos define como indivíduos e como espécie. Nos ajuda a definir o que entendemos como consciência humana. Apesar da tomada de consciência ser considerada como o monitoramento interno de estados mentais pessoais, isto não ocorre no vácuo. A tomada ou despertar da consciência é moldada pelo nosso modelo interno do mundo, criando uma representação do que entendemos como mundo. Este modelo é baseado, em parte, em experiências passadas, mas também é moldado pela nossa intenção. A intencionalidade se relaciona com aquilo que nossa mente está engajada, e junto com a consciência, determina o que se deve ter em mente. A intenção ajuda a moldar aquilo em que prestamos atenção e como obtemos novas informações, que refletem de volta nos modelos de mundo que construímos e nos quais vivemos nossas vidas. Neste sentido, ser humano é criar em conjunto projetos colaborativos, que por sua vez nos ajudam a criar o que e quem somos.A PRÁTICA DO PINAKARRI: ESCUTA PROFUNDA

Page 4: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Logo, um projeto nunca é algo confinado totalmente a um único indivíduo. É um processo de comprometimento, um diálogo profundo com o mundo que é externo àquele definido pela própria pessoa.  O projeto, neste sentido, pode ser visto como a forma que o indivíduo se cura da separação, do medo, da alienação ou da dominação do mundo ou pelo mundo. Requer um processo de “escuta profunda” se for para se tornar um diálogo verdadeiro e não um simples monólogo administrativo.   Tal “escuta profunda”, chamada pelo povo aborígene Mandjilidjara Mardu do Grande Deserto Arenoso da Austrália Ocidental de “Pinakarri”, é necessária não só entre os seres humanos envolvidos no projeto, mas também entre os seres humanos e os demais animais, plantas e toda a paisagem que é por eles compartilhada.  Tal escuta profunda é feita tanto com os olhos quanto com os ouvidos.Ita Gabert, uma instrutora de Dragon Dreaming na Alemanha e no Brasil, sugeriu que há um número de diferentes níveis de "escuta profunda".Nível 1: É apenas ouvir o som de outra voz.Nível 2: É ouvir com o filtro do que você já sabe.Nível 3: É só ouvir a informação da mensagem que está sendo enviada.Nível 4: Você ouve também o contexto da mensagem que está sendo enviada. Vocês estão ouvindo de um espaço que é novo – maximizando seus próprios "Aha!" ou experiência de Eureka.Nível 5: Você é capaz de ouvir entrelinhas, no mais profundo nível quase "telepático", a partir do qual a pessoa está comunicando.Nível 6: Escuta criativa – você está escutando ativamente e, pela maneira como você ouve,  incentiva uma comunicação mais profunda por parte da outra pessoa.Nível 7: Escuta profunda, onde o silêncio é também uma forma de comunicação, e você está ciente da Terra falando e ouvindo simultaneamente.Com se consegue praticar o Pinakarri?  Na nossa cultura, quando estamos recebendo uma comunicação, já estamos imediatamente engajados em um diálogo ou debate interno, baseado em nossas expectativas do que está acontecendo, fazendo avaliações baseadas em nossa experiência prévia.  “Sim, ele está certo!”, ou “Não, isto está errado!”, ou “Humm… Terei que pensar sobre isto!” Tais vozes internas nos são tão familiares que muitas vezes nem percebemos que este diálogo interior está acontecendo. O leitor pode estar passando por este processo neste momento.  Se você não sabe de qual diálogo interno eu estou falando, eu normalmente falo aos participantes deworkshops que é o diálogo interno que acabou de perguntar “Que será este diálogo interno do qual ele está falando?”Parar esta voz interna, de forma a estar verdadeiramente presente nas comunicações que recebemos do mundo humano ou dos mundos extra-humanos nos quais estamos sempre inseridos, não é fácil para muitos de nós. Mas há uma forma. Nós estamos ligados de formas as quais sequer imaginamos.  Em media, uma pessoa pode ficar até quarenta dias sem comida e quatro dias sem água; mas não pode ficar quatro minutos sem respirar.  Mais de 94 % da nossa energia vital vem da respiração; sem o oxigênio que respiramos teríamos que obter nossa energia da fermentação, que é bem menos eficiente do que a respiração.   É admirável que, em muitas línguas, a palavra respirar é a mesma usada para significar fôlego.  Em hebraico era ruach, a palavra usada na segunda linha do Gênesis, na qual o “ruach” de Deus se moveu sobre as águas.  Nós falamos em “espírito”, do latim “respirar”.  Uma pessoa pode estar inspirada (inspirou o ar), pode ter expirado (morreu ou expirou o ar), ou pode estar buscando conspirar (respirando junto).   Culturas antigas acreditavam que a alma deixava o corpo com a última expiração para se tornar um com o “espírito” dos ventos. A nossa atmosfera contém a mesma quantidade de inspirações/respirações humanas que os átomos em cada inspiração/respiração.   A nossa respiração é um dos poucos processos que pode ser controlado de forma consciente ou inconsciente. Tornar-se totalmente consciente do ato de respirar, seguindo cada inspiração entrando pelas narinas, passando pela garganta e entrando nos pulmões, é uma ótima forma de acalmar a mente barulhenta. Isto facilita o processo de escuta profunda, silenciando os julgamentos internos, para se praticar o Pinakarri.Para aqueles interessados em praticar o Pinakarri, tentem agora. Primeiramente, conecte-se com a Terra, sinta-a suportando você sob os seus pés, no lugar em que está sentado. Agora respire e tente se manter consciente da entrada e saída do ar. Ao inspirar e expirar visualize a energia do oxigênio viajando até o seu coração. Torne-se agora consciente de onde você está retendo de forma mais intensa a energia em seu corpo.  Muitas vezes, isto se dá em conjuntos de músculos contraídos. A manutenção por longo tempo deste estado de tensão envia uma mensagem química ao seu corpo de que você não precisa de músculo mais naquele local e o seu corpo irá substituir a fibra muscular por fibrina cartilaginosa, impossibilitando assim relaxamento. O corpo de pessoas de idade avançada se torna enrijecidos por tais tensões, afetando sua postura. Na próxima inspiração, visualize a sua energia viajando do seu coração até as células centrais onde a energia está sendo retida, e use a sua respiração para dissolvê-la.   Na expiração seguinte, puxe a tensão ou cansaço de volta para o seu coração, e na próxima inspiração passa do seu coração para os pulmões, expelindo-a com o ar na próxima expiração. A prática de tal respiração consciente, circular e conectada também é uma ótima forma de lidar com medos e fortes emoções de todos os tipos. Com a prática, é possível até mesmo se conectar com a atmosfera de tal forma que se tem a

Page 5: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

impressão de que o ar está nos respirando, entrando ativamente pelo corpo e criando conexões com humanos e não humanos ao nosso redor.  Se a tensão não relaxar espontaneamente, pode ser útil visualizar a tensão como uma cor. Atribuir então a ela uma temperatura e textura. Qual será a sensação de tocá-la? Tente visualizar o centro de tal sentimento, a célula em que a tensão se origina.   Se isto não ajudar, é possível em alguns casos conectar-se com a sensação de uma emoção sutil, como ouvir uma música sendo tocada a grande distância. Esta conscientização pode bastar para levar a um relaxamento espontâneo, frequentemente associado a um suspiro durante a expiração. Se ainda assim não se desfizer da tensão, é provavelmente porque esta não é a primeira vez que sente tal emoção associada a esta tensão. Siga a cadeia de memórias até a primeira vez nesta vida em que esteve consciente da ligação emoção-tensão. O seu ser criança ou jovem, frequentemente tem uma mensagem – alguma comunicação não pronunciada com as pessoas ao redor, e pode te ajudar a se conscientizar do que o jovem dentro de você estava tentando dizer. Imaginar que é possível se comunicar com esta versão mais jovem de você mesmo pode ajudar imensamente, especialmente se você pode garantir “a eles” que você ouviu a mensagem que outros não perceberam, e que você pode estar aberto para as necessidades desta pessoa, quando outros estavam fechados a ela.  Imaginando tomar em seus braços o jovem dentro de você, ou estreitando-o ao seu coração, pode ajudá-lo a relaxar.Recentemente, em um workshop de Dragon Dreaming, tínhamos que ir muito rápido para poder cobrir todo o conteúdo dentro do tempo disponível. Henry, um dos participantes, confessou estar segurando esta tensão com raiva no seu coração. Quando estava respirando na maneira Pinakarri, disse que sentia uma energia quente, ligeiramente avermelhada,  se movimentando nesta região. Ao se conectar com a mensagem que não foi transmitida quando criança, Henry sentiu a tensão se dissolver em cinzas escuras, que eram mais fáceis de ser eliminadas de seu corpo. Sua postura mudou e foi capaz de, a partir daí, estar totalmente atento ao processo de uma maneira que os seus julgamentos e experiências anteriores não permitiam.Se você esteve praticando o Pinakarri, você deve agora voltar e focar a sua consciência no ambiente ao seu redor.  Pode ser que agora você se sinta capaz de focar com maior atenção nas mensagens humanas e extra-humanas que está recebendo – de fato, os povos aborígenes na Australia são capazes de se sintonizar com seu ambiente através doPinakarri, percebendo aspectos de seu mundo que os europeus não conseguem.O CAMINHO ALTERNATIVO DO DRAGON DREAMINGA partir de grande parte da nossa experiência no método ocidental de projetos, os gestores frequentemente reivindicam a propriedade de todo o processo de organizar e tocar os projetos, tentando controlar seus resultados. Porém este é o resultado de se inflacionar drasticamente a importância do processo de “gestão”. Isto também decorre da tentativa de se obter “poder sobre” o mundo, ao invés de compreender que tal poder é construído, em última análise, sobre o mito do poder da violência da coação e da redenção.  É-nos dito “Gerencie o projeto com sucesso”, nos dizem, ou então você verá que o projeto tomou o controle sobre você.  Portanto, para realizar um projeto com sucesso, dizem que precisamos de “Gestão de Projetos”, envolvendo as etapas de Integração do Projeto, Escopo do Projeto, Tempo do Projeto, Custo do Projeto, Qualidade do Projeto, Recursos Humanos do Projeto, Comunicação do Projeto, Risco do Projeto e Aquisições de Projeto. Porém, esta abordagem convencional confina nosso pensamento a ser totalmente linear, lógico e “com a parte esquerda do cérebro”, que é um entendimento completamente equivocado da verdadeira natureza de um projeto. A partir da nossa experiência, esta “gestão e administração do projeto” é apenas um dos doze processos essenciais, necessários para realizar projetos bem sucedidos. Muitas outras coisas são necessárias antes e depois que o processo de gestão possa ser bem sucedido, e a posse sobre o projeto por parte dos gestores é normalmente uma forma de eliminar a espontaneidade e a criatividade essenciais para que um projeto seja um sucesso.Ao analisar qualquer projeto, vemos que todos começam como o sonho de uma única pessoa.   Mas de que tipos de sonho estão falando?  T. E. Lawrence (Lawrence da Arábia) escreveu que “Todos os homens sonham; mas não de forma semelhante. Aqueles que sonham durante a noite nas profundezas poeirentas de suas mentes acordam de manhã e descobrem que foi só um sonho: mas os que sonham durante o dia são homens perigosos, pois podem agir de olhos abertos para torná-los realidade.” A criatividade que é liberada por tal tipo de sonho, no entanto, é muitas vezes originada nas profundezas poeirentas da mente que Lawrence subestimou.Infelizmente, com frequência o sonho é o ponto em que os projetos param. Cerca de 90% dos projetos ficam paralisados e não ultrapassam a fase do sonhar. Este processo de sonhar sobre o qual estamos falando leva o indivíduo a se conectar com suas motivações mais profundas. O processo Pinakarri de “escuta profunda” não é só sobre escutar o mundo, mas também requer que se escute verdadeiramente o seu interior, para alcançar o som sutil das nossas necessidades e aspirações mais íntimas. Infelizmente, a nossa cultura considera o sonho como um estado subjetivo, irreal, fora do tempo. Falar que alguém “sonha acordado” é tido como um insulto, um atributo de quem está “fora da realidade”. Mas, como disse Martin Luther King, em seu poderoso discurso que deu origem ao movimento de Direitos Civis, “Eu tenho um sonho”. São sonhos poderosos expressados de forma convincente que permitem a nós, seres humanos, visualizar novas possibilidades, e comprometer nosso esforço e tempo para tornar tais sonhos realidade.  Estes sonhos só são possíveis devido à consciência de que vivemos em um mundo caído e quebrado, um mundo imperfeito, um mundo que não funciona igualmente para todos e no qual a melhoria não é só possível, mas, em certo grau, essencial

Page 6: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

ao processo pelo qual somos criados. Como sabiam os Aborígenes Australianos e como foi demostrado por Carl Gustav Jung, os sonhos nos dão acesso à consciência coletiva da humanidade e provém uma fonte que permite a cura profunda de nós mesmos e do mundo.Projetos que ficam agarrados no estágio do sonhar são frequentemente engavetados até que “um dia eu mexo nisso”, ou colocado no mundo do nunca-nunca do “se ao menos eu pudesse...”.  Permanecem como fantasias pessoais não realizadas.Para ultrapassar o estágio do “sonhar” o projeto tem que ser compartilhado com outros. Precisa ser assumido por um “time de sonho”, que se junta para concretizar um sonho comum ou coletivo. Um projeto que permanece trancado na imaginação de um indivíduo é um projeto apenas no nome. Para ser bem sucedido o projeto precisa envolver o mundo além do universo pessoal de um indivíduo. Neste processo o indivíduo contribui com investimentos pessoais – de tempo e esforço, energia, imaginação, habilidades, determinação e sabedoria. Pode talvez envolver até mesmo investimento monetário do iniciador. Estes inputs são essenciais ao sucesso de qualquer projeto.No entanto, projetos bem sucedidos possuem também um retorno, um efeito positivo sobre cada pessoa que neles se engaja. Projetos extremamente bem sucedidos possuem o efeito de transformar vidas. As pessoas engajadas descobrirão coisas sobre si mesmas e sobre seu mundo que julgavam impossíveis. Irão adquirir habilidades e conhecimentos que muitas vezes simplesmente não sabiam que não sabiam, melhorando imensamente sua qualidade de vida neste processo. Um projeto de sucesso pode ainda aumentar a capacidade das pessoas em trabalhar calmamente em situações de crise ou traumáticas que possam surgir no futuro. Projetos mal sucedidos, no entanto, podem ter efeitos negativos, como disparar respostas instintivas de paralisia, fuga ou luta, produzindo depressão profunda.  Tais respostas podem consolidar estratégias de convívio que talvez não se adaptem a circunstâncias futuras, impedindo que sejam encontradas as soluções para problemas e dificuldades pessoais e sociais. No entanto, mesmo um projeto mal sucedido pode resultar em aprendizado individual ou organizacional. Infelizmente, podem também resultar em consequências negativas tais como desumanização e perda de poder das pessoas envolvidas.É sempre no mundo em que nos envolvemos nos nossos projetos. Embora seja verdade que criamos nossas próprias realidades, este processo de criação não vem exclusivamente de dentro de nós mesmos, ou apenas através da nossa intenção e consciência.   O mundo com o qual nos envolvemos é radicalmente uma “outra” realidade, completamente separada do “eu” de cada indivíduo.   Enquanto este limite entre “eu mesmo” e “outro” é negociado, criado segundo a segundo, é preciso reconhecer que não somos “egos encapsulados por pele”.  A membrana no entorno de células vivas é, em última análise, um órgão de comunicação entre uma vida interior do “eu” e a vida exterior com a qual se está envolvido.  De forma similar, a fronteira entre “eu” e “outro”, “indivíduo” e “ambiente” também é uma membrana semipermeável e é um órgão de comunicação. O enrijecimento desta fronteira em busca de segurança ou invulnerabilidade na verdade reduz o senso de responsabilidade os processos de comunicação necessários para a resiliência da comunidade, o que leva à tentativa de alcançar a “invulnerabilidade” em uma tentativa de escapar a ser controlado e ao mesmo tempo tentar controlar os demais.  Isto reduz a habilidade de resposta e gera indivíduos, organizações e projetos irresponsáveis.Ao compartilhar este sonho com outros, através de um "Círculo de Sonhos", o sonho passa a ser da equipe do projeto. Projetos de sucesso requerem que você dance com os seus sonhos ao mesmo tempo em que encare os seus medos mais íntimos. Requer que você descubra que é muito mais do que você pensa que é, para fortalecer a comunidade onde você estiver e contribuir para a cura do planeta trabalhando em algum nível, em serviço da Terra. Todos os projetos de Dragon Dreaming são profundamente influenciados por três princípios, trazidos da Fundação Gaia do Oeste da Austrália.Crescimento pessoal – compromisso com a cura e o empoderamento pessoal. Todos nós somos mais do que pensamos que somos. Nos workshops de Dragon Dreaming frequentemente digo que a pior forma de preconceito, muito mais agressiva e prejudicial que o racismo ou sexismo, é o preconceito contra si mesmo, além de ser uma forma de preconceito do qual, em última análise, a pessoa não tem como fugir.  No entanto todos nós carregamos algum grau de preconceito pessoal profundo.  Esta “autoimagem” limita as coisas que pensamos ser possíveis. Confundimos esta imagem com o que somos verdadeiramente, sem perceber que não somos esta imagem, mas sim a pessoa que criou a imagem. Projetos Dragon Dreaming são fundamentados no princípio de crescimento para além daquilo que pensamos ser.Construção de comunidades – fortalecendo as comunidades das quais você faz parte. Comunidades podem ser locais, culturais, de interesse ou organizações.  A construção de comunidades é essencial ao Dragon Dreaming, visto que em tempos de rápidas mudanças socioculturais, políticas, econômicas e ambientais, as pessoas que vivem e trabalham em comunidades são as que vão conseguir passar melhor. Aqueles alienados de sua comunidade, vivendo isoladamente de forma hiperindividual, são os que mais dependem de sistemas vulneráveis, frágeis e complexos, facilmente desestruturáveis, e são os que mais sofrerão.   Precisamos construir comunidades como se nossas vidas dependessem disto, pois de fato dependem.Serviço à Terra – aumentando o bem estar e o crescimento de toda a vida. Infelizmente, nós construímos economias que tratam a Terra como uma fonte inesgotável de recursos e como um buraco sem fim onde depositamos nossos resíduos.  Nós tiramos e tiramos

Page 7: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

da Terra, raramente pensando sobre o que ela necessita para manter sua saúde e vitalidade. O dano que causamos e continuamos a causar diariamente é um resultado da nossa exploração excessiva da Terra, e desta forma estamos consumindo a vida do planeta com o nosso desejo de transformá-la em dinheiro. Os projetos Dragon Dreaming são baseados no princípio de dar mais do que receber, de recuperar ambientes degradados onde for possível e garantir que de alguma forma o ambiente seja melhor para toda a vida, como resultado da sua existência.Na concepção, começamos como uma única célula viva. Está célula é totipotente, capaz de se desenvolver em todos os tipos de tecidos encontrados no corpo humano. O grau de organização é impressionante. Contidas dentro desta membrana viva estão as instruções sobre como se engajar com o mundo vivo do útero materno, para negociar os recursos necessários para crescer como um indivíduo separado, e como eliminar toxinas que se deixadas acumular envenenariam o indivíduo em desenvolvimento. Mas não são apenas as instruções que herdamos de nossos pais. São também as estruturas que permitem que este conjunto de instruções se comunique com o ambiente interno e externo no qual a célula se encontra. Ao invés de ser escravos de um conjunto de instruções, como somos levados a acreditar pelos engenheiros genéticos, o processo de construir uma nova vida pode ser visto como um modelo que delineia a comunicação com o ambiente em que cada célula viva se encontra. A organização que ocorre como resposta às entradas e saídas entre a célula e o ambiente permite que a nova vida se desenvolva.  Visto que o ambiente é acolhedor e nutridor, a célula individual se divide. Porém as divisões não são estritamente idênticas. O ambiente do citoplasma, a organização específica da célula dentro do útero e até mesmo o campo gravitacional da Terra interagem para criar planos específicos de clivagem entre as células. Imediatamente estas interações especiais entre a célula e seu ambiente criam eixos de orientação que começam a mudar a velocidade e a composição das divisões subsequentes.Por exemplo, em embriões de sapo, dois pontos no cérebro em desenvolvimento são quimicamente induzidos para saírem um de cada lado, para formar vesículas óticas que se expandem continuamente até se conectarem com células localizadas na superfície da cabeça. O tecido da vesícula ótica produz outro sinal químico – o indutor – que vai até o tecido superficial. O tecido superficial da cabeça em contato com as vesículas ósseas fica espesso, formando o placóide das lentes. Esta estrutura se dobra para dentro, depois por cima de si mesma e por fim se destaca da superfície da cabeça para produzir uma estrutura que vai se desenvolver em lentes transparentes. As lentes por sua vez induzem o tecido superficial a desenvolver a córnea.   O nervo ótico fica mais forte com o primeiro estímulo da retina do olho com a luz do ambiente externo. Nervos que não são presos para receber tais estímulos sofrem uma morte pré-programada. Desta forma as células que não se comunicam através da membrana individual se atrofiam e morrem. A questão é o que vem primeiro, o indutor ou o sinal que estimula a produção do indutor. O padrão da “galinha e ovo” é aparentemente de pouca significância, visto que está organizado como um sistema de intercomunicação sem começo ou fim. Da mesma forma são nossos projetos.  No nosso lidar com o mundo, entre o individual e o ambiente ao nosso redor, é um processo sem começo e sem fim.ESTABELECENDO UMA MOLDURAComo usamos estes conhecimentos para construir um projeto realmente bem sucedido? Apesar de cada projeto ser diferente e existirem enormes diferenças entre uma iniciativa governamental, um empreendimento econômico, um serviço comunitário ou atividade individual, surpreendentemente todos tendem a seguir o mesmo padrão geral. Mesmo que as pessoas estejam completamente inconscientes deste fato, projetos bem sucedidos de qualquer tipo tendem a seguir o mesmo processo. Projetos sem sucesso normalmente falham em função de algum fator crítico, que se fosse superado poderia resultar no sucesso do projeto.Qualquer projeto começa como uma ideia, uma intenção de uma única pessoa. É esta ideia que é apresentada a um grupo que se junta com o propósito específico de realizar o projeto.  Neste sentido um projeto é um pouco como se “arremessar” uma ideia em um obstáculo na intenção de superar o obstáculo e concretizar a ideia. É como jogar um chapéu sobre um muro, com a intenção de achar um caminho sobre, sob ou ao redor do muro para recuperar o chapéu.Apenas algumas ideias tem o potencial de se tornarem projetos. Novamente, a ideia de “arremessar” nos ajuda a entender uma possível ideia de projeto. Em todos os casos, um arremesso é feito com uma intenção, a de acertar o alvo ou o gol. Para se criar um projeto ao redor de uma de suas ideias é importante que esta ideia seja expressa de forma que possa cumprir esta função.Uma meta é objeto de esforço, ambição, destinação ou objetivo que alguém almeja.  Ideias deste tipo são criadas o tempo todo. Mesmo sem notar, uma pessoa cria em média uma ideia de meta a cada dez minutos de seu tempo acordado.  Mais de 90 % destas ideias morrem antes de nascer. Falham em se tornar ações. Menos de uma em cada dez passa para o próximo passo.Com todo mundo criando ideias o tempo todo, existem bilhões de possíveis ideias de projetos circulando ao mesmo tempo. De fato existem mais ideias de projetos do que cabeças para segurá-las. Neste sentido, ideias de projetos competem por espaço, dentro da mente, para crescer até o próximo estágio. Logo, a maior parte das ideias desaparece no “ruído de fundo”, tornando-se apenas ruídos de nossos pensamentos. Se você não sabe a que “ruído” eu estou me referindo aqui, é a voz dentro de você que acabou de perguntar “A que ruído ele está se referindo?”.

Page 8: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Sendo assim, todos os projetos bem sucedidos são o resultado do encontro entre o indivíduo e seu meio. Como usamos este conhecimento para tornar nossos sonhos realidade?  Neste encontro o indivíduo contribui com entradas (inputs) e recebe retornos (outputs). Se bem sucedido, o ambiente também contribui com inputs e recebe outputsformando uma interface aberta entre o indivíduo e seu meio. Isto pode ser mostrado de forma esquemática conforme o diagrama abaixo.Neste encontro, o indivíduo que originou o projeto investe alguma parte de si mesmo. Pode ser apenas algum tempo e esforço. Pode ser algo mais considerável. Quanto maior o investimento, maiores são os riscos e maior a possibilidade de retorno. Invista pouco e receberá pouco.  Logo o investimento individual neste encontro do projeto terá um efeito direto sobre o retorno gerado. Em muitos projetos o retorno é menor que o investimento, e o projeto é extinto –   sua continuação se torna difícil demais. As demandas individuais não são desproporcionais ao retorno obtido.  Nestes casos acontece o que é chamado de “esgotamento”– o desequilíbrio entre investir mais e ter menos retorno indica que sua participação no projeto não é sustentável.O ambiente envolvido em qualquer encontro de projeto não é passivo. O mundo não é uma máquina inanimada ou um mecanismo simples – uma série de alavancas e botões usados para se chegar a um determinado fim. O mundo, o ambiente em que nos encontramos, está totalmente vivo. Está tão vivo quanto qualquer indivíduo, na verdade está mais vivo do que o indivíduo – pois os indivíduos recebem suas vidas desta vida maior.Portanto, no caso de projetos bem sucedidos, o ambiente também oferece investimentos e recebe retornos.   Estes investimentos vêm de várias formas. Pode vir de outras pessoas que se engajam no projeto. Pode vir do mundo não humano do qual fazemos parte na forma de recursos e materiais deste mundo. Pode vir na forma de informação da qual não se tinha consciência anteriormente ou de novas formas de energia ou inspiração.O retorno obtido pelo ambiente também é igualmente importante. Assim como o indivíduo, o ambiente será mudado em função de participar do seu projeto. Esta mudança é benéfica para o ambiente ou irá causar algum tipo de problema? Os nomes que damos a estes problemas são “poluição” ou “destruição” ou “exploração”.  Muitos projetos no passado não consideravam os efeitos no ambiente – tendo como meta unicamente obter benefícios para os indivíduos.  Estes projetos também não são sustentáveis. Eventualmente, se não for atendido, o ambiente sofrerá o equivalente a um  “esgotamento” e o projeto irá colapsar. Logo o toma-lá-dá-cá de investimentos e retornos se aplica tanto ao indivíduo como ao ambiente.Entre o indivíduo e o ambiente existe uma interface aberta, uma “membrana semipermeável” que possui um efeito intrigante. Nós estamos acostumados a pensar em um indivíduo com base em sua persona ou personalidade. Esta “personalidade” nós reconhecemos através das palavras e atos da pessoa, o que no Latim é chamado “per-sonae” – a máscara usada no palco por atores ancestrais.  É esta personalidade que define nossa “autoimagem”. A imagem internalizada que cada um tem de si mesmo. A maior parte das pessoas passa  a maior parte da vida como se esta “imagem ” fosse quem eles realmente são. E desta forma ficam limitados.“Eu não consigo…” (complete a frase) e isto ajuda a definir a extensão de suas habilidades. Este tipo de autolimitação leva ao colapso da comunidade, à destruição do ambiente, à guerra, à fome e às epidemias. Na verdade não é o indivíduo que é tão limitado, mas a construção feita por este indivíduo, com base em suas experiências com ambientes passados, que nos levam a assumir esta autoimagem como sendo de alguma forma verdadeira. Mas não é. A autoimagem é uma construção, feita pelo indivíduo como resultado de sua participação em projetos que fracassaram ou não foram bem sucedidos. Neste sentido, um projeto se torna essencial para saber como cada um define a si mesmo. Ele determina quem você é e o que você pode vir a ser.Infelizmente, muitas pessoas possuem uma visão muito limitada de quem são e do que são capazes. Experiências negativas do passado as levaram a adotar uma imagem reduzida de si mesmas, ferindo sua autoestima a partir destas experiências. Para evitar novos desapontamentos, estas pessoas buscam não se empenhar, e não se envolvem em projetos que se enquadram na nossa definição. Elas dizem “que diferença uma pessoa faz? Eu não posso fazer nada para fazer a diferença!” Esta afirmação, enquanto feita individualmente, é sem dúvida verdadeira.  Mas por outro lado é totalmente falsa. É verdade, pois leva o indivíduo a evitar projetos que poderiam fazer a diferença. E é falsa, pois a coisa que impede o indivíduo de “fazer a diferença”, mais do que qualquer outra coisa, é a sua própria autoimagem restrita.  A pior forma de preconceito neste mundo, muito mais do que danosa que qualquer racismo ou sexismo é o preconceito contra si próprio – pois em última análise é a única foram de preconceito da qual não se pode escapar. Só você mesmo.Que habilidades você possui atualmente?  Participe em um projeto bem sucedido de outra pessoa e você irá adquirir maiores habilidades e destreza. Crie seu próprios projetos bem sucedidos e você crescerá de maneira nunca antes imagináveis. Todos que enfrentam grandes coisas na vida, quem “faz a diferença no mundo” são pessoas que estão ativa e continuamente criando e participando em projetos pessoais e de terceiros. De fato, participar, estar engajado com o mundo, através do envolvimento em “projetos” é a forma como a própria vida cresce e se sustenta.  É o que cria tanto a noção de “você mesmo” em torno do qual a sua personalidade se desenvolve, como cria a noção do “outro”, do mundo ou do ambiente ao seu redor. Se você busca mudar o sentido da sua existência, ou sua visão do mundo, a única forma disto acontecer de fato é você se engajar na criação do seu próprio projeto.

Page 9: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

O modelo de projeto que temos criado até agora, aonde o encontro do projeto se dá entre o indivíduo e o ambiente, com investimentos e ganhos de ambos os lados, e uma interface aberta no meio, é apenas parte do processo. Na vida, a atividade é sempre máxima perto das “bordas”, o mais próximo da divisa ou da membrana. Membranas vivas são mantidas por trocas de informação, energia e materiais, que passam de maneira ordenada pela membrana.   São flexíveis, mudam e se adaptam.Isto é exatamente o que acontece em um projeto bem sucedido. Quando um projeto começa, esta interface aberta é deslocada em direção ao ambiente, indicando que a maior parte do investimento, do esforço, da energia e dos recursos vem do indivíduo e tem-se pouca contribuição do ambiente. Este estágio de desenvolvimento de projetos é também associado com pouco retorno para os indivíduos envolvidos – é possível haver uma proporção de até dez unidades de investimento para cada unidade de retorno.   Não vai haver muita coisa acontecendo no ambiente, do lado externo da fronteira.  Logo, a primeira parte de um projeto é a fase em que os indivíduos se doam mais para o sucesso do projeto.  A “interface aberta” sofrerá então um deslocamento para a esquerda, pois toda a atividade estará do lado do indivíduo. Em direção ao término de um projeto bem sucedido, a maior parte da energia, recursos materiais e informações virão do ambiente. O indivíduo será apenas parte do grupo de pessoas envolvidas. Neste estágio o indivíduo é capaz de ter algum retorno do projeto, mesmo que seja algo pouco substancial como o reconhecimento de suas conquistas e gratidão por seus esforços. E, em última análise, se o projeto for sobreviver, o indivíduo iniciador terá que deixar o grupo. Eventualmente, se o sucesso for verdadeiro, o indivíduo conseguirá deixar totalmente o projeto, com todo o esforço agora vindo para o projeto de um ambiente empoderado. Neste caso, seu projeto pode sobreviver após a sua saída. Estas situações são mostradas nos diagramas acima. Neste momento a fronteira entre o indivíduo e o ambiente estará totalmente deslocada para a direita. O segundo estágio é quando o ambiente é que doa mais.A falha em reconhecer este fato, ou de não se criar uma estrutura que permita esta troca entre indivíduo e ambiente, é a principal razão do fracasso de muitos projetos. Algumas pessoas são muito boas em iniciar – são “doadores” naturais, que podem desempenhar papel de liderança. Outros são bons seguidores e apoiadores, pessoas que apesar de não assumirem o papel iniciador são excelentes em apoiar a ideia dos outros. Um projeto de sucesso precisa de ambos os tipos de pessoas.No entanto, este “modelo” de uma comunidade de sucesso possui uma série de pontos fracos. Primeiro por ser unidimensional – tratando o projeto como um sistema de entradas e saídas linear, em apenas duas direções. Este modelo também considera o projeto como uma “caixa preta”.   Não nos mostra quais os sistemas operando dentro do projeto que vão assegura seu sucesso em última instância. Para reforçar nosso modelo podemos sobrepor uma segunda dimensão.Projetos verdadeiramente bem sucedidos são os que integram pensamento e teoria com a prática.   Isto porque a teoria sem a prática é irrelevante e a prática sem teoria é cega.  Isto quer dizer que a reflexão é essencial ao processo, a visão de mundo que se tem ao iniciar o projeto é vital para o seu sucesso. Não se deve ignorar qualquer teoria que possua impacto no aspecto prático do projeto, sob o risco de se fracassar. Da mesma forma se você está envolvido em uma prática sem uma moldura teórica razoável, também se arrisca ao desastre. Mais uma vez, como antes, existem entradas e retornos da teoria.   Isto quer dizer que, ao começar, você terá que investir em crenças e na compreensão teórica para assumir o projeto. Da mesma forma, com o progresso do projeto, seu conhecimento teórico será modificado pela experiência prática do projeto. Semelhantemente, também tem entradas e saídas na sua prática. Mais uma vez, existe uma interface aberta entre teoria e prática conforme ilustra o diagrama.Novamente, com o avanço do projeto, esta interface aberta se move. Em seu início, o projeto será em grande parte teórico. Com o avanço, o componente prático tem que crescer, como mostra o próximo diagrama. Eventualmente, talvez as considerações práticas possam parecer estar se sobressaindo em relação à teoria, e pode se chegar ao ponto em que as coisas acontecem quase que “automaticamente” sem que se pense muito – semelhantemente a uma pessoa dirigindo um carro. Isto pode ser perigoso para o projeto, pois em projetos realmente bem sucedidos esta linha separando a teoria da prática se move para frente e para trás com a reflexão crítica sobre como o projeto está andando. Este movimento de ida e vinda entre a teoria e a prática é denominado “Práxis”, e uma práxis eficiente é vital para o sucesso de qualquer projeto que você inicie.Agora podemos sobrepor esta segunda dimensão sobre o modelo unidimensional criado acima.  Isto dá ao projeto quatro quadrantes e fornece a moldura para qualquer projeto bem sucedido.  No entanto, esta moldura ainda considera o processo essencialmente como uma “caixa preta” na qual existem diferentes entradas e saídas, mas não nos permite considerar o processo de desenvolvimento de projetos bem sucedidos que ocorre dentro desta “caixa preta”.ELABORANDO O PROCESSO O processo que usaremos aqui deriva da obra de Gregory Bateson, filósofo, biólogo, antropólogo e psicólogo e também deriva da Teoria Geral de Sistemas de Ludwig Von Bertanlaffy.  Em seu livro “Passos em Direção da Ecologia da Mente”, Bateson propôs que temos uma profunda concepção cultural equivocada sobre a natureza da inteligência.

Page 10: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Acreditamos que a inteligência reside meramente dentro da cabeça e que algumas pessoas tem mais “coisa na cabeça” que outras. Mas, na verdade, a inteligência é um “padrão que conecta” um indivíduo ao seu ambiente. É um “padrão por atrás do padrão”.   Por exemplo, Bateson nos convida a considerar um homem que se propõe a cortar lenha.   De onde vem a sua intenção? Começa com o indivíduo ou do ambiente no qual cortar lenha é uma possibilidade? Como mostra Bateson, o grau com que um indivíduo se propõe a esta tarefa é determinada por uma série constante de ciclos de retroalimentação entre a madeira, o homem e sua postura, como segura e maneja o machado e onde o machado bate.  Isto, por sua vez, determina como o lenhador segura o machado e movimenta o seu corpo para obter o máximo de velocidade.A inteligência reside na interconectividade da informação que flui do ambiente para o homem, de volta para o ambiente e novamente retornando ao homem.  Os elementos nesta cena são conectados por fluxos incessantes de informação, energia, matéria e entropia, causando um comportamento coerente no contínuo homem-indivíduo-ambiente.  Bateson considera que a informação pode ser definida como “uma diferença que faz a diferença”, um “padrão que reconecta”. Informação demais resulta em uma “sobrecarga de informações” nos quais os conjuntos de dados se tornam indistinguíveis do “ruído de fundo”. Portanto, a informação começa como um estímulo. Mas o estímulo por si só não é suficiente, pois o sistema precisa reconhecer o estímulo como um sinal, diferente do ruído de fundo. Portanto, o estímulo precisa cruzar um limiar de reconhecimento. Após o estímulo atravessar este limiar e ser reconhecido, tem-se como resultado alguma ação em alguma parte do ambiente.  Esta ação é percebida pelo indivíduo como uma resposta. Estes quatro passos para o fluxo da informação – Estímulo, Limiar, Ação e Resposta – podem ser considerados como o primeiro nível de análise dos estágios do processo de qualquer projeto bem sucedido.Pense em qualquer projeto bem sucedido que você conheça.  Este projeto começou com um estímulo. Veja se você consegue identificar o estímulo do projeto que escolheu para aplicar o processo do Dragon Dreaming. Qual foi a intenção por trás do processo que deu início ao seu projeto? Este estímulo é importante, mas provavelmente não foi suficiente para iniciar o projeto.   Este estímulo teve que atravessar o limiar do reconhecimento para um número significativo de pessoas antes de ser bem sucedido. Quais os limiares que você identifica no caso deste projeto específico? Atravessar o limiar resulta então na ação tomada pela comunidade no ambiente em que se desenvolve o projeto. Que tipo de ação este projeto bem sucedido demanda do ambiente?  Por fim, qual foi a reposta que esta ação produziu e determinou seu sucesso?Após estudar estes quatro passos em um projeto bem sucedido, considere agora os quarto passos no caso do projeto que você está desenvolvendo.O estágio da resposta geralmente produz dois resultados.  A reposta pode agir positivamente e reforçar o estímulo, possibilitando um estímulo mais intenso, maior reconhecimento, mais ação e ainda mais resposta, gerando uma reação em cadeia, ou pode reforçar negativamente ou enfraquecer o estímulo, levando à sua extinção, levando a mudança a terminar. Entre estes dois resultados há uma resposta que aumenta se cair abaixo de certo valor, mas decresce se for maior que este valor.  Um exemplo de tal resposta é o termostato que controla a geladeira. Se a temperatura ultrapassar um limiar crítico, o motor liga e resfria o interior. Se ficar frio demais e ultrapassar outro limiar, o motor desliga e a geladeira se aquece lentamente.Estes diferentes tipos de comportamentos são encontrados, em várias sequências, como estágios de desenvolvimento de qualquer projeto bem sucedido. Logo, ao ser iniciado, um projeto bem sucedido busca incentivar uma cadeia de reações de cuidado e preocupação com as pessoas envolvidas, para mobilizar os recursos necessários para realizar a tarefa a que se propõem.  Eventualmente, no entanto, o projeto chegará a uma segunda transição onde o crescimento explosivo e continuado se torna contra produtivo, e pode de fato prejudicar os resultados ou desdobramentos que o projeto almeja garantir.  Neste estágio um “ciclo de retroalimentação negativo”, semelhante à analogia do resfriamento da geladeira, é necessário.   Aqui o seu projeto precisa focar em conquistar a sustentabilidade de longo prazo, respondendo às mudanças no ambiente que podem perturbar o seu desempenho, mantendo as coisas equilibradas.Pense novamente no seu exemplo de projeto bem sucedido, considere o primeiro estágio do projeto no qual as pessoas almejavam o crescimento rápido na fase inicial. De que formas eles acumularam a “massa crítica” necessária para a reação em cadeia, na qual as respostas produziram um estímulo maior? Como mudaram para um ciclo de retroalimentação negativo, estabelecendo limites acima e abaixo da condição ótima?  Agora tente considerar o projeto proposto por você. Como você vai construir uma “reação em cadeia” no início do seu projeto, e como você pretende mudar para um nível sustentável no longo prazo?Esquematicamente, a situação do processo em um projeto bem sucedido é mostrada no diagrama abaixo.O estímulo do seu projeto começa com a intenção. Infelizmente, a maior parte dos projetos ficam presos ao estágio de estímulo, e muitas boas ideias e intenções nunca cruzam o limiar da ação.  O limiar aqui é o exame detalhado de possibilidades. É este estágio que transforma a intenção em ação.  As ações que se mostrarão no seu projeto sempre serão mudanças significativas no comportamento das pessoas envolvidas, enquanto a resposta atuar em um ciclo de retroalimentação até o início do processo. Embora o processo seja descrito de forma circular, projetos bem sucedidos são na verdade em forma de espirais positivas, quando se retorna ao início já houve uma série de desenvolvimentos positivos que trazem um senso de direção ao projeto. Infelizmente, projetos mal

Page 11: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

sucedidos também frequentemente são espirais, só que o ciclo de retroalimentação vai enfraquecendo a intenção, roubando a motivação das pessoas para continuar e, possivelmente, desempoderando os envolvidos de tal forma que os torna menos preparados para considerar outro projeto deste tipo no futuro.Cada um dos quarto quadrantes  – Estímulo / Intenção, Limiar / Possibilidade, Ação / Comportamento e Resposta / Retroalimentação – também é associado a um resultado ou desdobramento.  Assim, o resultado do primeiro é a construção de relações, entre você e o possível projeto, entre todas as pessoas que se juntam para apoiar o projeto e uma relação entre você e o ambiente onde o projeto está atuando. O resultado do segundo quadrante será uma melhor compreensão do contexto ambiental, dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis e que podem ser aproveitados e quem sabe mobilizados para o seu projeto.  O resultado do terceiro quadrante se manifestará no grau de comprometimento das pessoas em realizar as ações necessárias, enquanto que o resultado do quarto quadrante se mostrará no grau de satisfação que os indivíduos que trabalham no projeto recebem do ambiente. A Tabela 1 ilustra a situação quanto aos quarto estágios do seu projeto. Tabela 1: Tarefas e resultados dos estágios de um projeto de sucessoEstágio do Projeto Avaliação do SucessoQuadrante 1: Estímulo Geração da Intenção do projeto Estabelecimento de tudo o que é necessário para o projetoQuadrante 2: Limiar Exame de todas asPossibilidades Entendimento do Contextoambiental do projeto

Quadrante 3: Ação Garantindo a AtitudenecessáriaSaber mobilizar oComprometimento de todos os envolvidos

Quadrante 4: Resposta Mantendo a Retroalimentaçãodas informaçõesGarantindo que os resultados do projeto

Satisfaçãoindividual. Garantindo que os resultados do projeto produzem Satisfação individual.No caso do projeto de sucesso que você vem considerando, pondere sobre as seguintes questões. Então, pense sobre o seu projeto proposto. Como você vai responder a estas questões?O estímulo da intenção nas relações: Como são estabelecidas e mantidas as três relações entre as pessoas envolvidas no projeto?  Todas as pessoas envolvidas tem o entendimento das intenções do projeto e tem uma relação clara com o ambiente em que estão trabalhando?Este estágio pode ser resumido na palavra SONHANDOA pessoa é envolvida em uma NOVA PERCEPÇÃO     Este estágio pode ser resumido pela palavra PLANEJANDOA pessoa é envolvida em PENSAR GLOBALMENTEEste estágio pode ser resumido pela palavra FAZENDOA pessoa é envolvida em AGIR LOCALMENTEEste estágio pode ser resumido pela palavra CELEBRANDOA pessoa é envolvida em SER PESSOALMENTEO Limiar das Possibilidades em Contexto: Todas as possibilidades reveladas pelo projeto foram consideradas?   Como, quando e por quem estas foram consideradas?  Qual era o contexto ambiental do projeto e como a efetividade do projeto proposto foi testada? Como você vai conseguir isto no seu projeto?A Ação de Postura Comprometida: O projeto bem sucedido traz ao seu redor mundanças no comportamento pessoal e gera compromisso com estas mudanças. No caso do seu exemplo de projeto bem sucedido  como isto foi conquistado? O que você prevê no seu projeto para garantir que as pessoas envolvidas se comprometam com mudanças de comportamento?A Resposta de Feedback em Satisfação: Projetos bem sucedidos garantem que respostas satisfatórias sejam obtidas, e que ocorra o reconhecimento das conquistas, e aqueles envolvidos são cumprimentados por seus esforços. Como isto se deu no seu exemplo de projeto bem sucedido e como fosse fará isto no seu projeto?O PRÓXIMO NÍVEL DE DETALHETendo considerado a natureza de cada estágio no processo de desenvolvimento de um projeto bem sucedido, agora precisamos examinar em detalhe a natureza dos processos que ocorrem dentro de cada quadrante. O modelo aqui lembra um holograma, e é, como muitos processos semicaóticos, organizado fractalmente. O que isto quer dizer?Primeiro; um holograma é um tipo especial de fotografia produzida por luz laser, a partir da qual se podem gerar imagens tridimensionais.  Hologramas são incrivelmente ricos em informações e possuem uma propriedade que, se você examinar uma parte do holograma, ainda assim esta parte conterá a informação necessária para gerar a imagem inteira. E uma parte desta parte também conterá o todo.

Page 12: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Logo o modelo Estímulo/Limiar/Ação/Resposta não só determina os quarto quadrantes, mas está igualmente contido dentro de cada quadrante. Em breve vamos examinar o que isto significa no caso de projetos bem sucedidos.Em segundo lugar; um processo semicaótico é aquele que existe à beira do caos. Se considerarmos que os extremos neste caso são a “ordem”, na qual tudo está sob controle e o “caos” em que tudo é aleatório e espontâneo, então a beira do caos é o estado em que a máxima troca é possível sem resultar em dissolução e colapso. Esta borda é onde os projetos de sucesso obtêm sua vitalidade e resiliência, bem como sua habilidade em enfrentar novos desafios.Logo, é importante assumir riscos, não tentar controlar tudo e deixar que as pessoas inovem, usando sua criatividade o máximo possível, sem “deixar a peteca cair”.  Pode ser que você queira refletir sobre como o exemplo de projeto bem sucedido que você está avaliando existiu nesta “beira do caos” e como você propõe que o seu projeto irá estimular esta criatividade inovadora por parte das pessoas envolvidas.Em terceiro lugar; um fractal é uma imagem que, ao se olhar uma parte dela, pode-se observar a mesma ou mais informação do que quando se olha o todo. Por exemplo – qual o comprimento da costa australiana?  Uma forma de descobrir é pegar um pequeno mapa da Austrália e medir a costa com uma linha. Depois, usando a escala do mapa tem-se a resposta. Um mapa mais detalhado terá uma costa com mais baías, penínsulas e promontórios do que o mapa anterior, aumentando o comprimento da costa.   Portanto, o comprimento da costa é determinado pela escala do mapa.  As figuras são isomórficas, as mesmas feições aparecem em escalas diferentes.O mesmo com o nosso modelo. Cada nível do modelo é organizado fractalmente, de forma que cada passo contém os quarto passos dentro de si, e cada um destes possui os mesmos passos, e assim por diante, ad infinitum. A escala que você vai precisar é determinada pela complexidade do seu projeto, a quantidade de recursos necessários e o número de pessoas que precisam ser envolvidas. Projetos pequenos podem ficar no nível dos quatro estágios já discutidos – Sonhar, Planejar, Fazer e Celebrar. Projetos mais complexos requerem um exame mais detalhado.O PRIMEIRO PASSO – SONHARNo quadrante um, o estímulo a qualquer projeto está no nível de tomada de consciência individual.  Esta consciência pode ser algo que foi cultivado por um período considerável, antes de iniciar o projeto, ou então ser alguma ideia que vem como um lampejo de inspiração, aparentemente claro em todos os detalhes. Sonhar é um processo que existe fora do modelo linear de pensar do cérebro esquerdo, e resulta de se estar aberto para todas as possibilidades a qualquer momento.   Tal consciência é mais bem cultivada através da atenção plena, cultivando o Pinakarri para o mundo ao seu redor.  Esta consciência, embora necessária como estímulo para o seu projeto, não é suficiente para fazê-lo acontecer. A maior parte dos projetos morre após deixar o reino das boas ideias.   É necessário que se atravesse o limiar e se tornar motivado o suficiente para fazer o seu projeto acontecer.   Projetos bem sucedidos nunca são feitos isoladamente e são sempre compartilhados. Compartilhar sua consciência e motivação pode ser uma boa forma de aumentar a consciência  e motivar os outros. A ação que resulta da motivação é sempre a de secompilar informações. Esta informação pode vir informalmente de outros, como resultado do seu processo de compartilhamento da sua consciência e motivação, ou pode ser produzida formalmente como resultado de um projeto de pesquisa, ou estudo de mercado para testar a aplicabilidade da sua ideia. A compilação de informações terá sempre um efeito de retroalimentação cíclica que leva à revisão e possivelmente ao aprofundamento e extensão da natureza da tomada de consciência que originou o projeto. Os quatro estágios do primeiro quadrante de um projeto bem sucedido são:Estímulo             -              Tomada de ConsciênciaLimiar                  -              MotivaçãoAção                    -              Obter InformaçõesResposta            -              RevisãoVocê pode agora aplicar estes quatro passos aos projetos que você escolheu, tanto ao já realizado e bem sucedido como ao projeto atual em que você está envolvido ou planejando iniciar.Primeiramente, considere a tomada de consciência que originou cada projeto.  Quem teve primeiro esta consciência?  Como ela foi compartilhada?  Quais as formas que o iniciador usou para difundir sua tomada de consciência para um grupo maior? Como você propõe manter o nível de consciência do seu projeto à luz das diferentes demandas que competem pelo seu tempo e atenção?   Como você pretende espalhar esta consciência às pessoas que podem ser tornar sócios, clientes ou consumidores do seu projeto?Depois, considere a motivação no seu novo projeto. Como o iniciador manteve sua motivação, e como motivou as pessoas que vieram a auxiliar e apoiar o projeto? A motivação pode ser intrínseca – o resultado da satisfação diante de uma tarefa bem executada e sucedida, ou pode ser extrínseca, através de uma recompensa ou ameaça externa por um desempenho insatisfatório ou mal sucedido.  Qual combinação de motivações intrínsecas e extrínsecas que o projeto bem sucedido usou?  O que você fará no seu novo projeto?

Page 13: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Em terceiro lugar considere a compilação de informações em seu novo projeto.  Quais informações obtidas foram vitais para o sucesso do exemplo de projeto bem sucedido? E no seu novo projeto? Onde a informação estava disponível?  Ela está disponível? Quais habilidades foram ou são necessárias para compilar estas informações? No projeto bem sucedido, quem mais deu assistência na compilação de informações.  No seu projeto, quem você precisará consultar, onde e quando estas pessoas estarão disponíveis?Finalmente, considere a revisão das informações compiladas em ambos os projetos.  Estas informações fortaleceram ou enfraqueceram o projeto bem sucedido? E no caso do seu próprio projeto proposto?  Esta informação é suficiente ou é necessário mais um ciclo de compilação para obter mais informações necessárias?  Quais habilidades de compilação, pesquisa e análise de informações foram necessárias ao projeto de sucesso? Você tem as habilidades necessárias ou estas estão disponíveis em outro local?O que estamos fazendo aqui é, a partir da visão holística do processo de sonhar, seguindo em direção à teoria e pensamento lógico e linear. Em suma, podemos colocar então que o primeiro estágio de um projeto acontece da seguinte forma:Estágio 1: Do indivíduo a uma compreensão da TeoriaSONHANDO – O estímulo da Intenção na RelaçãoComponentes:Estímulo             – Criando ConsciênciaLimiar                  – Gerando MotivaçãoAção                    – Gerando MotivaçãoResposta            – RevisãoO SEGUNDO PASSO – PLANEJAMENTOO Segundo estágio de um projeto bem sucedido atravessa a fronteira entre o indivíduo e o ambiente. Atravessar tal fronteira é sempre um negócio arriscado. Como o meu projeto será recebido pelo mundo? Conseguirá apoio e comprometimento de outros? Através do uso da técnica do Círculo de Sonhos, a esta altura o seu projeto já deve ter deixado de ser uma coisa individual e se tornado “propriedade” de um grupo.  O indivíduo que começou o projeto deve ser capaz de, neste ponto, “deixar fluir”, confiando no processo e nas demais pessoas envolvidas. No estágio de Sonho, ideias contraditórias podem surgir, mas no plano da estratégia e não das necessidades. Durante o planejamento podem acontecer conflitos, pois as pessoas podem ter ideias diferentes ou dar ênfase ao projeto de forma diferente do que no início. Projetos de sucesso são os que gerenciam os conflitos de forma criativa, e podem assimilar as diferentes perspectivas, sem cair em recriminações interpessoais e negatividade não resolvida. O segundo quadrante, bem como o primeiro, também possui quatro componentes.O estímulo agora é estar considerando alternativas. Existirão diversas alternativas de abordagem teórica para lidar com os problemas que o seu projeto estará enfrentando e que necessitam ser pensadas, e o seu levantamento de informações pode ter revelado uma gama de estratégias diferentes que podem funcionar. A despeito do que pensamos, sempre existirão alternativas.   Considerar alternativas, enquanto um estímulo, não é suficiente, pois é possível ficar neste ponto para sempre. Em si, não levará a um projeto de sucesso, é preciso atravessar um limiar. O limiar neste caso é o desenho da estratégia. As pessoas não planejam para falhar, elas somente falham em planejar. A sua estratégia, planejada pelo grupo, ajudará a criar as normas compartilhadas de comportamento satisfatório das quais o seu projeto irá depender, bem como identificar os recursos humanos, materiais e financeiros necessários, e a escala de tempo que as ações têm que seguir para garantir um resultado bem sucedido. Estratégias, por si só, não produzirão os resultados necessários, como demonstrou o planejamento central de cinco anos do velho bloco comunista.  A ação necessária é o teste ou prova da estratégia. Possivelmente, em casos mais complexos, seja necessário até mesmo um projeto piloto.  Em casos mais simples, este teste pode ser rudimentar, como um grupo de pessoas que consideram conjuntamente a questão “o que pode dar errado no nosso projeto?” Em casos mais complexos, pode ser necessário consultar as opiniões de outros associados, acionistas, clientes, consumidores ou outras pessoas informadas sobre o tema. A resposta ao seu teste ou prova será um processo de retroalimentação que leva à  reconsideração das alternativas originais que foram desenhadas.Portanto, os quatro estágios do Segundo quadrante de um projeto de sucesso são:Estímulo             – Considerando AlternativasLimiar                  – Desenhando a EstratégiaAção                    – Teste ou ProvaResposta            – ReconsideraçãoAgora, da mesma forma que foi feito para o primeiro quadrante, aplique estes quatro passos do segundo quadrante no seu exemplo de projeto bem sucedido e no projeto que você quer desenvolver. Isto pode levar algum tempo e não se deve ter pressa neste estágio. Um fator deixado de fora ou mal considerado pode causar grande perda ao projeto mais à frente.Em suma, portanto, podemos dizer que o estágio 2 de um projeto ocorre da seguinte formaEstágio 2: Do entendimento da teoria ao envolvimento do ambiente

Page 14: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

PLANEJAMENTO – O limiar das possibilidades no contextoComponentes:Estímulo             – Considerando AlternativasLimiar                  – Desenhando a EstratégiaAção                    – Testando e colocando à prova um projeto pilotoResposta            – ReconsideraçãoVoltaremos a tratar com mais atenção alguns dos fatores discutidos aqui após o término da análise dos quatro quadrantes.TERCEIRO PASSO – FAZERSe você chegou até este ponto com o seu projeto, chegou ao ponto em que se atravessa a linha entre a teoria e a prática. Aqui começa o trabalho pesado, pois é quando o projeto exige o maior esforço. Se você completou de forma bem sucedida os primeiros estágios, este trabalho, por vezes difícil, terá um foco e direção claros e todos os envolvidos enxergarão a meta para a qual os esforços estão sendo despendidos.  Você pode inclusive ter chegado ao ponto desejável no qual as pessoas entendem tão claramente o que está em jogo que seu desempenho é aumentado, de forma que duas pessoas trabalhando juntas, sem um esforço demasiado, parecem alcançar mais do que duas pessoas trabalhando isoladamente podem sonhar em alcançar. Esta sinergia e companheirismo resultantes ajudam a construir o comprometimento das pessoas em relação aos resultados do projeto e garante que será mantida a aplicação e o foco que o projeto requer. Novamente, estímulo, limiar, ação e resposta são necessários neste quadrante, como exposto a seguirO estímulo aqui é a implementação. Isto envolve a mobilização de todos os recursos necessários, para que possam estar no lugar certo e na hora certa para serem usados nas tarefas a serem desempenhadas.  Fazer isto de forma bem sucedida requer que se considerem continuamente os limiares de assuntos ligados à gestão e administração. Muitas pessoas consideram isto chato, mas é vitalmente necessário para minimizar o estresse e se manejar o tempo efetivamente. Uma técnica que os projetos bem sucedidos têm adotado para garantir que isto flua suavemente é descentralizar o máximo possível as decisões de gestão e administração entre as pessoas envolvidas.  Desta forma, as pessoas tendem a se apropriar da decisão e responsabilidade pelos resultados, ajudando a manter o comprometimento tão necessário neste estágio. A ação necessária aqui é o continuo monitoramento do progresso.  Nesta fase é muito fácil um projeto “perder o rumo”, pois o detalhamento do trabalho parece deslocar a atenção e consciência das metas e objetivos gerais que se quer atingir, e as tarefas se tornam um fim em si mesmas. A resposta de retroalimentação aqui é o  reexame.  Este funcionará como o volante de um carro ou leme de um navio, e pode mudar a natureza da implementação, possivelmente com consequências sobre a administração e a gestão.Os quatro estágios do terceiro quadrante de um projeto de sucesso sãoEstímulo             – ImplementaçãoLimiar                  – Gestão e AdministraçãoAção                    – Monitorando ProgressoResposta            – ReexameDa mesma forma que antes, tente agora considerar como o projeto bem sucedido no qual você trabalha gerenciou sua implantação, gestão e administração. Como monitorou os processos e como se reexaminou, para talvez mudar ao longo do percurso, de acordo com as necessidades, para alcançar os resultados propostos.Portanto, de forma resumida o terceiro estágio de um projeto se dá da seguinte forma:Estágio 3: Do Envolvimento do Ambiente à Criação de PráticasFAZENDO – A Ação de Atitude CompromissadaComponentes:Estímulo             – Implementando Suas IdeiasLimiar                  – Gestão e AdministraçãoAção                    – Monitorando ProgressoResposta            – ReexameQUARTO PASSO – CELEBRAÇÃOA maioria das pessoas conhece este modelo até este ponto, que é frequentemente usado, com diversas adaptações, como estágios de solução efetiva de problemas ou como “formação”, “tempestade”, “normatização” e “desenvolvimento”, enquanto estágios da constituição de grupos. Muitas organizações comunitárias que conseguem acertar os três primeiros estágios não dão atenção suficiente ao quarto estágio. E então ficam se perguntando por que as reuniões de gestão do projeto são tão chatas, ou muito difíceis, porque as pessoas não participam das reuniões anuais gerais, porque o moral da equipe parece estar sempre caindo, ou porque os voluntários rapidamente se cansam e deixam o projeto. Em parte este é um fracasso cultural – a Ética de Trabalho Protestante, que levou à criação do capitalismo industrial, acreditava na ética da “gratificação deferida”, que era vista como sendo de alguma forma

Page 15: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

muito virtuosa. A celebração era vista como sendo um tanto “pecaminosa”, algo que podia ser rapidamente dispensado ou então esquecido como um todo.No entanto, todos os projetos envolvem um balanço entre “dar” e “receber”, mas isto é  frequentemente esquecido, e espera-se que as pessoas deem, deem mais e continuem a dar como se isso fosse garantia de sucesso contínuo. Infelizmente, esta é uma situação de injustiça e exploração, e resultará no alargamento da distância entre aqueles dentro do projeto que detêm mais poder e que dominam outros com menos poder ou mais submissos. Esta injustiça vai se acumulando e leva a uma perda de comprometimento. Sanções extrínsecas e coercivas serão necessárias para se completar as tarefas, o que resultará em mais ressentimento. As pessoas podem recorrer a comportamentos de auto sabotagem que limitarão a eficiência do projeto.  A celebração é o processo pelo qual o seu projeto muda o seu foco de preocupação voltada par o ambiente para os indivíduos envolvidos; da tarefa para a manutenção do grupo.Projetos verdadeiramente bem sucedidos são também aqueles que se baseiam nas chamadas “organizações de aprendizado” e o aprendizado bem sucedido depende sempre do reconhecimento do bom trabalho, e do comprimento e celebração pelas conquistas.   É isto que verdadeiramente valida a tarefa maior. A capacidade de conviver ajuda a construir uma equipe forte que consegue continuar diante das adversidades que sempre surgem em qualquer projeto. Por estes motivos, normalmente eu advogo que 25% dos esforços da organização e 24% dos custos devem ser investidos na celebração. Os estágios de estímulo, limiar, ação e resposta neste quarto quadrantes são descritos a seguir.O estímulo à celebração, à resposta de retroalimentação em satisfação, é sempre a aquisição de novas habilidades.  Neste estágio, todos no projeto já terão descoberto que possuem talentos antes desconhecidos por eles próprios, ou então através de seu trabalho no projeto chegaram à compreensões, mudanças de atitude ou desenvolveram habilidades que não tinham antes.  O empoderamento resulta deste processo, e deve permanecer sempre como uma das metas importantes de cada projeto. No caso do projeto bem sucedido que você escolheu, foram as novas habilidades que as pessoas envolvidas adquiriram do ambiente. Estas habilidades foram aprendidas “no trabalho”, em função das atividades conduzidas, ou as pessoas receberam treinamento formal e certificação por estas habilidades?  Estas habilidades ainda foram usadas continuamente, ou em apenas um momento específico? Infelizmente, as pessoas têm uma “memória curta”, e a informação que não é revista rapidamente se perde. Como você pretende “capacitar” as pessoas envolvidas no seu projeto? O treinamento formal é uma possibilidade? Você terá um “programa de nivelamento” para os novos participantes ou voluntários que quiserem se juntar ao projeto? Uma técnica útil é ter um “aprendiz” ligado a cada pessoa. Assim, se por algum motivo, a pessoa tiver que sair, a continuidade  é mantida e não se perde tempo na substituição que, caso contrário, terá que prever o aprendizado desde o início.Estas novas habilidades, por si mesmas, não são suficientes a não ser que atravessem o limiar de gerar resultadostransformativos para todos os indivíduos envolvidos.  Estes resultados são percebidos o tempo todo, mas frequentemente são percebidos subconscientemente, e permanecem abaixo do nível de consciência.   Por exemplo, a equipe termina o dia de trabalho esgotada, exausta ou as pessoas se sentem energizados pelo “tempo bem gasto”?   As pessoas estão entusiasmadas com a possibilidade de se juntar para trabalhar no que precisa ser feito, ou acham difícil encontrar força para chegar na hora, e preferiam muito mais estar fazendo outra coisa? Estes são sintomas que irão mostrar “que algo está errado com o estado do seu projeto”, e algo necessita ser feito com certa rapidez.Com estas habilidades, a ação que os indivíduos envolvidos tomam é um exercício de Discernimento sábio. O discernimento é um ato de julgamento que não condena e que é necessário em todo projeto de sucesso. Infelizmente, o termo julgamento atualmente tem uma conotação pejorativa, associada com controle e coerção, dos mais poderosos supervisionando e avaliando os sem poder. Supervisão de fato significa “olhar além”,  e é necessitada por todos, para que se certifiquem que se sentem satisfeitos com o que está acontecendo.  Na verdade, os projetos de maior sucesso são aqueles que adotam uma “supervisão por pares”, na qual todos, inclusive os coordenadores do projeto, são supervisionados, possivelmente por seus coordenados e voluntários.  Este processo de supervisão pode ocorrer através de contatos regulares, semanais ou quinzenais de forma descontraída, amigável e informal, para considerar “uma a uma” as seguintes questões:“O que você tem feito neste último período?”,“Foi bem sucedido?”,“O que pode ser feito para que seja mais satisfatório para você?”,“Quais são as suas atividades para o próximo período?” e“Existe alguma dificuldade que você prevê no momento?”A resposta para estes discernimentos é a reavaliação, que vai determinar como os indivíduos envolvidos irão usar suas novas habilidades para enxergar que podem ser mais bem aplicadas.  Encontrar oportunidades para reconhecer publicamente e honrar os esforços individuais de membros da equipe também é vital para o sucesso do projeto. Novamente, estas podem ser na forma de uma recompensa extrínseca (por exemplo, algum prêmio financeiro ou consideração futura especial), ou podem ser intrínsecas – apenas

Page 16: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

uma declaração de apreço sincero, reconhecendo o valor que a pessoa traz para o grupo.   Oportunidades para eventos de convívio - “happy hours”, aniversários, sucesso de tarefas difíceis, entrada de novas pessoas, ou pessoas antigas partindo, não devem ser deixadas passar desapercebidas, enquanto uma oportunidade de celebração.Os quatro estágios do quarto quadrante de um projeto de sucesso são:Estímulo             – Aquisição de novas habilidadesLimiar                  – Resultados Transformadores para os indivíduosAção                    – Discernimento com sabedoriaResposta            – ReavaliaçãoA atenção a estes detalhes sempre leva ao sucesso do programa. Caso sejam negligenciados, existe o risco do fracasso.  Considere agora, o caso do projeto bem sucedido que você tem usado como exemplo. Como eles celebram o projeto?  O que fazem para garantir que a equipe, voluntários, clientes ou comunidade envolvida se sintam valorizados? Agora considere o que o seu projeto irá fazer para garantir que as celebrações sejam uma parte importante de um eventual sucesso.Em suma, pode-se dizer que o quarto estágio do projeto se dá da seguinte formaEstágio 4: Criando a Prática de Reconhecimento dos IndivíduosCELEBRANDO – A Resposta da Retroalimentação em SatisfaçãoComponentes:Estímulo             – Aquisição de novas habilidadesLimiar                  – Resultados Transformadores para os indivíduosAção                    – Discernimento com sabedoriaResposta            – Reavaliação Assim fechamos o ciclo, pois Discernir com sabedoria leva de volta à tomada de consciência.Juntando-se as peças do modelo, temos doze passos.Estes doze passos não devem ser seguidos de forma mecânica e linear, mas sim sob a perspectiva de que podem ocorrer concomitantemente, lado-a-lado, como um processo orgânico. Isto se deve a dois motivos.Primeiro, os 12 passo em si são fractais, pois cada um contém todos os 12 passos.   Por exemplo, se você estiver compilando informações (Passo 3), você precisa estar consciente das informações que você vai precisar compilar,motivado para sair e obtê-las, considerar formas alternativas  de obtê-las, desenhar uma estratégia, testar sua estratégia, implementar a tarefa de compilação de informação, gerenciar e administrar o processo, monitorar seu progresso, adquirir novas habilidades que irão produzir resultados, e sobre os quais você terá que exercer seujulgamento. Seria possível usar esta roda de 12 passos para praticamente qualquer atividade.(nota: John Croft “Dragon Dreaming: Um Manual de Empoderamento Pessoal, Construção de Comunidades e Ação Ambiental” considerou 120 tarefas diferentes ou processos usando este modelo).Em segundo lugar, os doze passos não representam uma roda e sim um espiral, pois o nível de consciência ao qual se retorna não é o mesmo de quando o projeto começou. Como disse T.S.Elliot em “Little Giddings”, um de seus Quatro Quartetos.“Você não deixará de descobrir,Ao fim de toda a sua exploraçãoChegará de onde você primeiro partiuE o conhecerá pela primeira vezAtravés do portão desconhecido e lembradoQuando a última coisa da terra a ser descobertaÉ o começo;Na fonte do rio mais longoA voz da cachoeira escondidaE as crianças na macieiraNão conhecidas, não observadasMas escutadas, meio escutadas, na quietudeEntre duas ondas do mar.Rápido agora, aqui, agora, sempre–uma condição de simplicidade completa(custando nada menos do que tudo)E tudo ficará bem etodo tipo de coisa ficará bem

Page 17: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

quando as línguas da chama estiverem dobradasno laço de fogo coroadoe fogo e rosa são um." De fato, os ciclos de retroalimentação em cada quadrante  estão interconectados através do centro por conexões poderosas que reforçam a natureza orgânica do processo.  Esta posição central do ciclo é na verdade o ponto mágico do poder. Este é o ponto, por exemplo, no qual teoria e prática são totalmente integradas, e onde a distinção entre o indivíduo e o ambiente não pode mais ser feita e os dois se tornam um.  É neste ponto central do círculo que encontramos o estado de graça mágico, em que as pessoas trabalham juntas com a mesma graça e facilidade com os quais um cardume de peixe pode mudar de direção, ou um grupo enorme de pássaros decola simultaneamente, sem que um pássaro bata no outro. Projetos verdadeiramente bem sucedidos não são portanto processos de um espiral mas de duas espirais, pois estão continuamente espiralando para dentro e para fora deste ponto ao mesmo tempo. Este padrão forma uma dupla hélice, semelhante à que se vê em galáxias gigantes ou no microcosmo de uma molécula de DNA no coração de cada célula.O poder no centro deste modelo enfraquece quando uma das tarefas identificadas é subvalorizada ou deixada de fora. Neste ponto, ao invés do projeto resultar no fortalecimento da comunicação interpessoal, no empoderamento, humanização, interdependência e autonomia, o processo se caracteriza por uma perda de comunicação interpessoal, desempoderamento, desumanização, dependência, alienação e angústia, e ao invés de ser uma transição fácil, cada passo fica parecendo uma repetição mecânica.Este colapso do projeto se deve a muitos fatores. Pode ser que o projeto seja inadequado para o ambiente que se está trabalhando. Isto indicaria um colapso no estágio de compilando informações em relação à viabilidade do projeto.  Você pode não ter sido capaz de compilar estas informações, pois estas não estavam disponíveis, ou porque você não adquiriu as habilidades necessárias para conduzir o levantamento apropriado, ou porque no processo dedesenhar a estratégia para a compilação de informação você não identificou recursos suficientes para permitir que esta tarefa ocorresse de forma apropriada. Em última análise, as razões estão relacionadas com as dimensões dos projetos que identificamos na nossa moldura. Colapsos podem ocorrer em função de:Motivos Individuais: As pessoas envolvidas na inicialização do projeto não conseguiram gerar ou sustentar o trabalho necessário por motivos pessoais.Motivos Ambientais: O ambiente em que o projeto se encontrava era impróprio por razões sociais, econômicas ou ecológicas.Motivos Teóricos: As pessoas envolvidas tinham informação insuficiente, ou conhecimento e entendimentos insuficientes para tornar o projeto bem sucedido.Motivos Práticos: As técnicas e ferramentas usadas pelo projeto eram limitadas ou inapropriadas de alguma forma para se atingir os objetivos propostos.OS ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO DE GRUPOS DE REALIZAÇÃO DE PROJETOSObviamente para levar o seu projeto ao sucesso vai ser necessário o esforço de muitas pessoas.   É dito que “um sucesso tem muitos pais, só o fracasso é órfão”.  Existem vários modelos de desenvolvimento de grupos disponíveis. Todos eles se encaixam em maior ou menor extensão no modelo descrito.  Um dos modelos mais apropriados desenvolvidos considera quatro aspectos:As relações pessoais e interpessoais que ocorremA tarefa que o grupo precisa conquistar para se mover para o próximo estágioO comportamento típico observado neste estágio de desenvolvimento do grupoA ênfase do grupo neste estágio de seu desenvolvimentoEste modelo considera que existem cinco estágios de desenvolvimento, que de qualquer forma podem ser enquadrados de forma confortável no nosso modelo a seguir:Pré-formação: diz respeito à formação do seu grupo de projeto. Está relacionado com Tomada de Consciência e Motivação (passos 1 & 2) no nosso modelo de 12 passosFormação: é quando o grupo se junta pela primeira vez. Está relacionado com Compilação de Informações e Considerar Alternativas.Tempestade: diz respeito às questões de tomada de decisão, liderança, poder e conflito.  Está relacionado com os passos Desenhando Estratégias e Testando e Colocando à Prova (passos 5 & 6) no nosso modelo do Dragon DreamingNormatização: diz respeito ao estabelecimento de princípios operacionais acordados. Relaciona-se com a Implementação, Gestão e Administração, (passos 7 & 8) no nosso modeloDesempenhando: preocupa-se em executar as tarefas necessárias. Está relacionado como o Monitoramento do Progresso e Aquisição de Novas Habilidades (passos 9 & 10) do nosso modeloTransformando: onde os resultados de um projeto realmente ocorrem, tanto para os indivíduos como para o ambiente quem se está desenvolvendo o projeto.  Frequentemente, está relacionado com a substituição eficiente de membros do grupo, com a despedida de

Page 18: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

líderes antigos. Está relacionado com os passos Resultados para os Indivíduos e Discernimento com Sabedoria (passos 11 e 12) do nosso modelo.ESTILOS INDIVIDUAIS DE APRENDIZADO, LIDERANÇA E TIPOS DE PERSONALIDADEEste modelo para projeto possui imenso poder de explanação. Olhar as relações construídas entre as pessoas mostra conexões com as personalidades, estilos individuais de aprendizado e necessidades de liderança.CHEGANDO DAQUI ATÉ LÁ: UMA FERRAMENTA PARA DIAGNOSTICAR O QUE VAI BEM E O QUE VAI MALNo presente trabalho nós sugerimos que projetos bem sucedidos levam ao empoderamento interdependente das pessoas envolvidas. Projetos mal sucedidos resultarão em situações de desempoderamento e dependência.   Você pode usar este conjunto de sintomas para diagnosticar as fortalezas e fraquezas dos vários estágios do projeto. Tabela 2: Sintomas da Empoderamento e DependênciaEstágio do Projeto Sintomas de Empoderamento Sintomas de Dependência

Tomada de ConsciênciaConsciência crescente de você mesmo e dos outros, aumento da autoestima e da auto aceitação.

Falta de consciência sobre si próprio e sobre os outros, “falsa consciência” e ignorância sobre si

Altamente desafiado pela situação, disposto e entusiasmado em relação ao projeto.

Baixa motivação.  As questões parecem muito grandes ou delicadas para se lidar com elas de forma

Coletando InformaçãoPesquisa ativa por novas perspectivas e informações relevantes sobre as questões envolvidas.

Pouco acesso a informações relevantes. Não existe teoria apropriada para dar forma às ações.

Considerando AlternativasUm bom “Pensamento lateral” ocorre em relação a novas alternativas e possíveis soluções.

Não se percebe nenhuma alternativa. Não há uma escolha real disponível.

Desenho da EstratégiaSão feitas proposições práticas que podem transformar o possível no provável.

Prevalece uma atitude fatalista.  As pessoas tendem a aceitar apaticamente o status quo. Não se vê nenhuma mudança possível. 

Pessoas assumem riscos de forma apropriada. Compreensão e determinação para fazer uma tentativa.

As pessoas evitam a situação em uma tentativa de minimizar todos os riscos.

ImplementaçãoEngajamento com o ambiente, concentrando no “trabalho a ser Surgem distrações para se evitar o contato com

certas situações.

Gestão e AdministraçãoA criatividade é canalizada e focada, minimizando o estresse por manter a meta à vista.

Não existe uma visão de futuro.  As pessoas minimizam o estresse vivendo dia após dia.

Monitoramento do progresso

O retorno dos investimentos pessoais é claro. As ações são modificadas levemente e de forma apropriada, aumentando o conhecimento pessoal.

São tentadas soluções impraticáveis. Não são mudadas as ações, confirmando os sentimentos de falta de poder.

Aquisição de novas habilidadesHabilidades pessoais são reforçadas. Chega-se à maestria e novas habilidades são adquiridas

Ocorre a perda de habilidade individual.  As pessoas envolvidas tem uma crescente imagem negativa de si

Resultados transformadores para Resultados positivos contribuem para uma melhoria na qualidade de vida

Progressiva perda de controle com redução da alta

Sabedoria do DiscernimentoCrescimento do valor e discriminação acurada do discernimento. Sabedoria crescente.

Aceitação dos limites impostos por outros. Passa-se a mimicar os poderosos.

 Este quadro pode ser usado em qualquer projeto em que ocorra um bloqueio individual. Se você observar um sintoma específico, no caso da dependência, será porque existe uma fraqueza no seu projeto neste ponto que precisa ser trabalhada. Por outro lado, se for um sintoma do lado do empoderamento, será uma indicação de que o projeto está bem desenvolvido e fortalecido neste aspecto.   A forma de sair da dificuldade está em aceitar um grau de domínio comum sobre o assunto e, como grupo, focar a atenção para encontrar uma solução comum, sem ficar procurando culpados ou atribuindo culpa. Nos casos de conflito, pode ser apropriada uma mediação por uma terceira parte, mas de qualquer forma, esta noção de “onde estamos agarrados” pode ser extremamente útil.E agora?  O presente documento é parte de uma série de artigos que trazem técnicas e dicas práticas para diversas situações. Dependendo do ponto em que o seu projeto está, você verá alguma aplicabilidade destas informações.  Alternativamente você poderá contatar John Croft pelo e-mail: [email protected]. Boa sorte com o seu projeto.

Page 19: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

10 O Círculo de Criação de Dragon DreamingCategoria pai: MétodosCategoria: Fichas TécnicasCOMO CONDUZIR UM CÍRCULO DE CRIAÇÃO DE DRAGON DREAMING Por John Croft                                                                                                                atualizado em 8/11/2010 Título original: Fact Sheet Number #10 HOW TO RUN A DRAGON DREAMING CREATION CIRCLE: THE FACILITATOR'S GUIDETradução: Felipe Simas (Outubro de 2011).Revisão   : Áureo Gaspar (Março de 2012). RESUMO: O Círculo de Sonhos é uma das técnicas essenciais do Dragon Dreaming. É o processo pelo qual o projeto de um indivíduo torna-se o projeto de um Time de Sonhos, de forma tal que todos ganham. INTRODUÇÃO: O CONTEXTO A PARTIR DO QUAL COMEÇAREm 1985, em Margaret River, na Austrália Ocidental, um grupo de 27 pessoas se reuniu por um fim de semana para olhar para o futuro de sua comunidade. Usando a abordagem da “Conferência de Busca” (Search Conference), criada por Fred Emery, do Centro de Educação Continuada na Universidade Nacional da Austrália, o grupo gerou uma “lista de desejos”, com sete projetos que queriam para o futuro de sua comunidade. As pessoas ficaram animadas com suas contribuições coletivas a esta lista, e o aumento da motivação foi um dos resultados do processo. Infelizmente, nenhuma estratégia foi posta em prática para alcançar qualquer projeto da lista, e nada mais se ouviu da comunidade até o início de 1991.Naquele ano, houve uma segunda oficina de planejamento proposta para a Comunidade de Margaret River, e o facilitador sabiamente decidiu resgatar os planos anteriores para ver o que tinha acontecido. Os resultados doworkshop de 1985 foram apresentados e os participantes da segunda oficina ficaram espantados ao verificar que todos os sete projetos haviam sido alcançados, mesmo sem estratégias objetivas para a implementação dos mesmos. O “sonho coletivo” tinha sido suficientemente poderoso e compartilhado de forma ampla, gerando o seu própriomomentum de implementação. Havia sido criada uma cultura coletiva, em que as pessoas agiam com intenção de tornar o sonho realidade, mesmo sem estar conscientes de que estavam fazendo isso. O poder das intenções de alguém, por si só, é uma força que pode ser usada para o bem do mundo. Este exemplo ilustra um pouco do poder do “Círculo de Sonhos” – um dos processos únicos e próprios do método Dragon Dreaming.Trabalhar em um projeto que foi iniciado por alguém sempre gera menos motivação pessoal do que trabalhar em um projeto conjunto de propriedade de um grupo. Todos os projetos sempre começam como o sonho de um único indivíduo. Porém, com demasiada frequência, o sonho não é compartilhado. E ainda, como Carl Gustav Jung e os aborígines australianos sabiam, nós raramente perguntamos: “de onde é que esses sonhos vêm?”. A incapacidade de compartilhar nossos sonhos de forma adequada é a razão pela qual 90% de todos os projetos são bloqueados na fase do Sonho. É mais fácil trabalhar no “nosso projeto” do que trabalhar no “seu projeto”. Mas todo projeto começa como uma ideia de uma pessoa. Como pode ser resolvido esse aparente paradoxo?Catherine Baldwin chama esse processo de “primeira chamada” ou “lançando o círculo”. Esta é a primeira etapa na conversão de uma intenção individual em coletiva, no processo de Dragon Dreaming, e é a forma pela qual “a propriedade sobre o projeto” é transferida do indivíduo para o grupo. Ao invés de um sentimento de posse, o grupo se torna zelador do sonho coletivo do projeto, sendo o processo semelhante à maneira com que o povo aborígine da Austrália torna-se guardião de um território, guiados pela linha de sonho de uma determinada “trilha encantada” ou história da criação. Mas, para isso precisa-se de um “Time de Sonhos” (Dream Team), um grupo inicial que pode ser composto por amigos, familiares, colegas, vizinhos, conhecidos, ou pessoas escolhidas por possuírem habilidades especiais, que se reúnem para compartilhar um sonho.Se o seu projeto tem a intenção de atingir uma comunidade mais ampla, não se devem escolher os líderes tradicionais destas comunidades. Essas pessoas foram socializadas em um determinado sistema de poder e prestígio e com frequência tornaram-se tão identificados com o “sistema” a que pertencem, que têm pouca capacidade para a mudança. Tais líderes tradicionais, na maioria das sociedades, tendem a ser homens entre 50 e 60 anos de idade, economicamente confortáveis. Pertencendo a grupos específicos de liderança, sua visão de futuro muitas vezes é do tipo “eu consegui o que eu tenho através de um trabalho árduo, se todos trabalhassem tão duro quanto eu, poderiam ter tido sucesso também.” Há exceções. Eventualmente, uma ou duas pessoas deste grupo, muitas vezes que sofreram algum acidente de biografia pessoal, por exemplo, um suicídio na família, um filho ou filha

Page 20: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

deficiente, ou qualquer outra tragédia, estão conscientes de que “fórmulas fáceis” do passado não funcionam nos dias de hoje. Tais pessoas podem não saber o que precisa ser feito, mas estão conscientes de que algo novo precisa ser tentado, e por isto são valiosos membros adicionais em um Círculo de Sonhos.Muitas vezes as comunidades podem ter um segundo grupo de pessoas, geralmente 10 a 15 anos mais jovens que o primeiro grupo, que apesar de não ter o poder ou o prestígio de serem da diretoria das associações, podem estar nos conselhos. Essas pessoas tendem a ser os ‘corretores de informações’ de uma comunidade, passando (ou ocasionalmente bloqueando) a informação de uma rede para outra. Como ‘guardiões do portal’, são pessoas importantes para garantir que as informações circulem rapidamente por toda a comunidade. Geralmente 70% deste grupo tende a ser composto por mulheres que não estão mais cuidando de crianças pequenas. Envolver essas pessoas em seu círculo de compartilhamento é essencial.Há geralmente um ou mais grupos que devem ser envolvido em círculos de compartilhamento. A liderança destes grupos muitas vezes não é amplamente reconhecida por pessoas que não pertencem a eles. Este grupos podem muitas vezes ser considerados pelos mais poderosos como ‘marginais’ – como membros de uma minoria étnica, ou um grupo que, em virtude da faixa etária, é frequentemente ignorado. Quem, por exemplo, é o líder dos rapazes de 15 anos em uma comunidade? Geralmente qualquer garoto de 15 anos poderia rapidamente responder, mas se você não tiver um filho desta idade dificilmente você terá alguma ideia sobre este assunto. Essas pessoas, muitas vezes invisíveis para o mundo exterior, quando convidadas para um círculo de sonhar, podem a princípio se sentir um pouco inibidas, mas com a evolução do Círculo de Sonhos, sua autoconfiança vai melhorando e poderão ser pessoas poderosas que levarão os outros a considerar aspectos a partir de perspectivas anteriormente ignoradas. A participação de tais pessoas em seu Círculo de Sonho vai melhorar muito a natureza do seu projeto. A minha experiência é de que a presença de jovens razoavelmente responsáveis e maduros em um Círculo de Sonhos muda visivelmente o resultado para melhor. Afinal, eles são os verdadeiros habitantes do futuro que estamos planejando! A inclusão de adolescentes ou jovens adultos articulados em um Círculo de Sonhos melhora significativamente os benefícios que serão gerados pelos resultados do projeto.Depois de ter identificado as pessoas para o seu Círculo de Sonho, escolha a data e o local que seja conveniente para todos. Busque um local livre de distrações externas, onde a empolgação dos participantes não incomode outras pessoas (não se aconselha um restaurante lotado!).Qual o tamanho ideal de um Círculo de Sonhos? A partir na minha experiência pessoal, eu recomendo para o início de um projeto um grupo de cinco a seis pessoas. Um grupo de sete ou oito pessoas no início de um projeto é razoável, mas grupos maiores podem resultar em uma maior expressão dos membros extrovertidos, enquanto que os introvertidos podem se sentir um pouco excluídos, ou tender a se interiorizar. Com grupos maiores é aconselhável também executar dois Círculos de sonhos simultaneamente. Mais tarde, com o crescimento do projeto, é possível que mais pessoas venham a integrar o Círculo. Um projeto que já começou pode vir a ter de 12 a 15 pessoas no Círculo, mas isso acontece com frequência quando o projeto já tem um pouco mais de impulso interno. Círculos com ainda mais pessoas são possíveis, mas, nesses casos, geralmente é melhor dividir o grupo, pois quando se tem mais de 12 a 15 pessoas, a possibilidade de contribuição individual é minimizada e os membros mais dominantes do grupo rapidamente assumem a apresentação de ideias. Nestes casos, é preferível ter dois grupos de oito. Em tais casos, é importante ter uma maneira de compartilhar os resultados dos diferentes Times de Sonho no final do processo.Há uma série de maneiras disto ocorrer. Uma maneira é através da Sessão Plenária, onde todos os grupos se reúnem e apresentam suas descobertas, um de cada vez. Este pode ser um processo muito demorado e, infelizmente, muitas vezes se degenera em uma releitura das listas registradas.Outra maneira que eu muitas vezes uso é a da ‘galeria de imagens’. Os Grupos são convidados a exibir os resultados do seu Círculo de Sonhos em um lugar de destaque (geralmente paredes, janelas ou painéis colocados para este fim) e os membros encorajados a circular e ler as paredes. Muitas vezes é uma boa ideia ter um ‘Curador da Galeria’ ou membro do grupo que fica junto do resultado de seu grupo para responder a quaisquer questões ou explicar pontos mais difíceis que os leitores possam não estar entendendo. É importante que esse papel de curador seja compartilhado entre os membros do grupo para permitir que o curador também possa circular e ver o que os outros produziram.Quando estávamos desenvolvendo o Planejamento Sustentável para o Condado de Jarrahdale Serpentine, Austrália, com Gerard Siero da Landmark Associates, no início de 1990, enquanto várias Equipes de Sonho simultâneas faziam seu trabalho, uma pequena equipe de especialistas liderada pela inovadora freira católica Dra. Veronica Brady, lia os sonhos do ‘futuro possível’ que as pessoas tinham produzido e geravam um relatório de síntese ao final de intervalos-chave no processo. Para grandes grupos ter um ‘Círculo de Sonhos sobre o Círculo de Sonhos’ é uma estratégia útil. Neste caso, é formando um grupo com uma pessoa de cada Círculo, que tem a responsabilidade de sintetizar os resultados. Este grupo considera três perguntas:O que os grupos têm em comum? Algo que tenha sido recorrente em todos os grupos.O que é único para algum grupo de Círculo de Sonho em particular?O que está obviamente faltando em todos os grupos, que pode ser importantes considerar?

Page 21: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Em grupos muito grandes, como os trabalhados pela Dra. Janet Hartz-Karp da Murdoch University, na Austrália, onde mais de 400 pessoas participaram de um exercício de Círculo de Sonhos para o planejamento do futuro da cidade de Perth, Austrália Ocidental, o uso de softwares pode aliviar o fardo de recolher e sintetizar as informações de muitos Times de Sonho em um formato utilizável.Enquanto iniciador, facilitador ou organizador (o ‘agente de mudança’) de qualquer projeto futuro, será necessário que você declare a razão do grupo ter se reunido. Se você é um facilitador, compartilhe com o grupo a natureza de todas as discussões que teve com o patrocinador do evento antes do grupo se reunir. É importante que o grupo compreenda a natureza dessas discussões, a fim de criar uma sensação de transparência honesta, e para equalizar as relações de poder entre todos os membros. Ao explicar as razões para o grupo estar reunido evite usar palavras que ‘coloquem para baixo’, como, por exemplo, eu ‘apenas’, eu ‘estou tentando’ etc. (o ‘apenas’ neste caso diminui o poder do que você dirá em seguida, você não está tentando nada – você está fazendo!). Estas palavras minimizam a importância da tarefa que você está realizando. Nós tendemos a usá-las como uma tentativa de minimizar o ‘fracasso’ – se um projeto é ‘apenas’ ou ‘uma tentativa’, então seu fracasso não importa realmente. Mas como um ativista comunitário eficaz e empoderado, você quer ‘fazer uma diferença real’. Sem falsa modéstia! Nesta hora é valioso praticar as habilidades de Comunicação Carismática e Pinakarri (veja abaixo).Tendo clara a natureza do projeto e a razão pela qual o grupo está reunido, é importante para o indivíduo que chamou o grupo renunciar como líder exclusivo do projeto. Este é o centro do paradoxo. Se você quer que o projeto aconteça, por que você deveria renunciar? Em primeiro lugar, é preciso entender que, enquanto este projeto for puramente seu, tem grandes chances de falhar. Ninguém jamais fez um projeto inteiramente sozinho. Como se costuma dizer “Um sucesso tem muitos pais, apenas os fracassos são órfãos”. Para seu projeto se realizar será necessário o trabalho e empenho de muitos outros. A partir do momento que os outros veem uma pessoa como o ‘líder’, postergarão suas próprias autoridades, assumirão que essa pessoa tem todas as respostas, ou se sentirão em uma posição de inferioridade. Isso impede a expressão da inteligência coletiva e a sabedoria do grupo em encontrar sua verdadeira expressão.O grande educador e filósofo brasileiro Paulo Freire disse que, para o verdadeiro desenvolvimento ocorrer, é necessário que o líder faça a sua ‘Páscoa’, para morrer como líder e renascer como um seguidor, para que o projeto possa alcançar a ressurreição nas mãos dos seguidores, que desta forma se tornam líderes por direito próprio. Ele mostrou como a tentativa de manter uma posição de controle em tais circunstâncias não conduz à liberdade das pessoas e à libertação coletiva, mas sim leva à domesticação das pessoas e a exploração. Martin Buber, em seu livro “Eu/Você” considerou que a tarefa que temos é a de transformar as nossas relações morais de ‘Eu-Aquilo’, onde o outro é considerado apenas como um objeto fundamental para a própria satisfação pessoal, em ‘Eu-Você’, onde você é sujeito, com sua própria independência. Em tais circunstâncias, ao invés de dialogar com um ‘você’ que é livre, a pessoa escolhe um ‘isso’ que deve ser ordenado a partir de uma posição de autoridade superior. O Dragon Dreamingassume que o projeto é de um ‘Time de Sonhos’, em profunda igualdade, no qual todos contribuem com suas habilidades e pontos fortes, únicos a cada um. A ‘Criação’ ou ‘Círculo de Sonhos’Na condução de um Círculo de Criação você, portanto, convida a equipe organizadora que propôs a oficina para contribuir para a construção de uma visão conjunta para o projeto. É importante nesta fase mostrar o projeto da forma mais inclusiva, pessoal e inspiradora possível. É bom usar um ‘Bastão da Fala’ (talking stick) para evitar que a pessoa ‘mais rápida’ ou mais dominante se sobreponha em relação àqueles que levam mais tempo pensando. Aqui é importante também introduzir o conceito de ‘Pinakarri’  ou escuta profunda. Pinakarri ocorre quando todos os indivíduos são totalmente engajados com a sua intenção na outra pessoa, tentando ver e entender através ‘do andar de seus mocassins’ ou ‘ver com os seus olhos’. Os povos aborígines Mandjilidjara Martu do Grande Deserto Arenoso da Austrália Ocidental chamam de ‘Pinakarri’ a este processo de escuta profunda, sendo uma parte importante de sua cultura. É muito diferente da escuta cotidiana à qual estamos acostumados, onde enquanto escutamos com a metade de um ouvido, já estamos preparando internamente a resposta. O Pinakarri exige que seja silenciada a voz individual interna da mente, e a doação de uma empatia profunda, tanto para si mesmo como para o outro. Aqui, muitas vezes a insistência em um período de silêncio de 20 a 30 segundos pode ajudar. A Ecologia Profunda, “O trabalho que Reconecta” de Joanna Macy e John Seed, nos ensina que os índios norte-americanos Lakota Sioux frequentemente diziam “Ho”, significando “você foi ouvido”, e adotamos isto por muitos anos. Ao invés de se utilizar da cultura de outro continente, a Fundação Gaia da Austrália Ocidental, com a aprovação dos anciãos tradicionais, adotou a prática de dizer “Gaia” ou “Kaya”, depois do que cada pessoa falou. Na língua aborígene Noongar do Sudoeste da Austrália Ocidental, essa palavra significava “Sim”.Em um Círculo de Criação é extremamente importante que ninguém possa negar, refutar, ou discordar do que alguém disse. Não há ninguém que entenda o ponto de vista pessoal melhor do que a pessoa que está compartilhando. Só esta pessoa é especialista em ser ela mesma e em compreender as suas singularidades pessoais. A única interrupção permitida é quando alguém não entende completamente o que uma pessoa falou e, neste caso, uma questão de esclarecimento pode ser colocada. O facilitador ou redator

Page 22: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

deste evento precisa escrever a essência do que cada pessoa diz, registrando o nome da pessoa. Isto dará ao orador a oportunidade de verificar se o facilitador/redator efetivamente capturou a essência do que foi dito. Se o orador discordar, é livre para acrescentar, suprimir ou corrigir de alguma forma o que foi escrito para ele.Participantes em Círculos de Sonho às vezes se preocupam que visões contraditórias possam ser expressas. Isso pode acontecer. Tais contradições muitas vezes surgem como resultado de estratégias incompatíveis adotadas para satisfazer profundas necessidades pessoais. A Comunicação Não-Violenta ou Compassiva (CNV) de Marshall Rosenberg afirma que ao nível das necessidades pessoais, não há contradição. Manfred Max-Neef mostra que nós, seres humanos, compartilhamos o mesmo conjunto limitado de necessidades universais, que são invariantes entre os indivíduos, períodos históricos e culturas. O que difere é que há um número ilimitado de fontes de satisfação ou estratégias pelas quais essas necessidades podem ser expressas.Algumas pessoas familiarizadas com CNV insistem que é importante separar as Necessidades das Estratégias, mas noDragon Dreaming isso é desaconselhável, pois seria implementado um processo ‘racional’ ou ‘conceitual’, que contraria o processo espontâneo e criativo do Círculo de Sonho. Nossos sonhos são muitas vezes contraditórios e cheios de imagens que podem parecer paradoxais. Estes paradoxos podem ser abordados mais tarde. Em um Círculo de Sonhos é importante deixar que as imagens surjam e sejam capturadas enquanto fluem. Se tentarmos censurar o nosso sonho resultará em um projeto atrofiado, o mesmo velho ‘Negócio de Sempre’ (NDS ou Business as Usual), que não consegue captar a emoção espontânea de um bom Círculo de Sonhos.Comece o seu Círculo de Sonhos rodando uma vez a palavra no círculo, dando a todos a oportunidade de partilhar as suas ideias. Se alguém não tem nada a dizer, pode passar a vez. Quando tiver terminado a rodada inicial provavelmente serão necessárias mais uma ou duas rodadas. A ideia de uma pessoa pode estimular novos pensamentos dos outros da equipe. É bom propiciar um momento de excitação aqui. Você verá que rapidamente forma-se um coro de “Eu também”, e “Isso!”. Se alguém não quiser acrescentar nada, depois de um momento de reflexão apenas, diz “Eu passo”. É uma boa ideia ter um redator para este processo, pois caso você se perca mais tarde, pode resgatar esta lista para lembrar e reenergizar o grupo sobre o que este quer fazer e obter do processo.No início de um projeto de sonho e de círculo como este, é uma boa ideia começar usando o que Paulo Freire chama de ‘questão geradora’. Esta é uma pergunta poderosa, aberta, a fim de estimular a discussão. Essa pergunta pode ser, por exemplo, “O que esse projeto precisa ter para que eu me comprometa 100% com ele?” Em outras palavras, “Quais são os meus sonhos que irão se realizar neste projeto, de forma que eu fique profundamente comprometido?”. Uma frase boa para começar o processo de construção de visão é “Dado o tempo que vamos passar juntos, (ex. XX meses ou anos) o que é que, se pudesse ser criado coletivamente para você, iria lhe permitir dizer com entusiasmo que esta foi a melhor forma que poderia ter gasto seu tempo?”.Na fase inicial deve-se esclarecer o propósito do Círculo de Sonhos. É um círculo sonhando apenas para um evento ou reunião em particular ou é para o projeto como um todo? Qual será a duração do projeto: seis meses, dois anos, ou ira durar indefinidamente? Neste último caso, a que parte do período o Círculo de Sonhos se aplica? É uma boa ideia separar a fase de estabelecimento inicial da fase de manutenção secundária de um projeto, pois é possível que a segunda fase exija um novo Círculo de Sonhos próprio. A confusão nesta fase pode resultar em metas impossíveis de alcançar em um tempo limitado.As pessoas então falam, uma de cada vez, e os resultados são registrados. Assim, um dos papéis importantes em um Círculo de Sonhos é o da pessoa que registra as falas, ou o redator. Existem duas maneiras pelas quais isso pode ser feito. O redator pode registrar em primeiro lugar as falas em um flip chart. Pessoalmente, prefiro este método, pois permite que todos os participantes vejam o que foi dito antes, e lhes permite ver o fluxo de ideias. Em tais casos, é importante escolher alguém com escrita bastante legível. Se não houver um flip chart, o registro pode ser feito em folhas de papel ou um caderno. O redator escreve o nome da pessoa e depois o sonho dessa pessoa. Em grupos novos isto é útil para aprender os nomes dos outros membros, mas também é importante para depois ser possível identificar quem foi a pessoa cujo sonho ou ideia foi capturado. Como regra geral, é importante que o redator não tente registrar todas as palavras ditas, mas sim a ‘essência’ ou a ‘alma’ da ideia que é compartilhada. Isto é muito importante, pois as pessoas podem ter uma tendência a ficar muito prolixas ao compartilhar seus sonhos. Em todo caso, é importante que o redator dê à pessoa a oportunidade de dizer se a essência da sua ideia foi capturada. Na ausência do  flip chart, isto é feito através da leitura para o grupo do que foi registrado e em seguida a pessoa tem a chance de corrigir qualquer erro. “Não, isso não é exatamente o que eu estava sentido, o que eu quis dizer foi...” Muitas vezes também a pessoa pode repetir uma ideia que já foi expressa. Em tais casos, é suficiente adicionar uma marca reforçando a ideia.A seguir tem-se o registro de grupos de jovens que se reuniram para aprender a abordagem de Dragon Dreaming. RESULTADOS REAIS PARA CÍRCULOS DE SONHOS EM CURSOS DE DRAGON DREAMING[Alexis] Para me tornar habilitado para assumir qualquer projeto que eu jamais tenha pensado em fazer.[Chid] Para adquirir conhecimento – uma compreensão da conexão de transformação com a natureza – para trabalhar com a natureza, levando ao seu sua florescimento.[Jonathan] Para aprender a construir um Karabirrdt – absorvendo as habilidades, sabedoria e experiência de John.

Page 23: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

[Ben] Para obter acesso a um conhecimento incrível – para Sonhar, Planejar, Fazer e Celebrar – e me tornar um facilitador desse trabalho.[Olly] Para sair de 100% de intenção – aprender a funcionar no campo onde a paixão e a funcionalidade interagem e ir nadando ao redor – para participar da Gaia House University – absorvendo as habilidades de todos nós.[Bernie] Para aprender técnicas que reúnam pessoas para trabalhar de forma eficaz, eficiente e positivamente.[Kat] Para aprender maneiras de fazer melhores projetos de trabalho.[KA] Para aprender a levar as pessoas juntas como um coletivo e obter a confiança necessária para fazê-lo.[Sandy] Para vir junto, checar ‘o jardim e as rãs’ e obter inspiração.[Tam] Para continuar a construção da S&S e obter confiança para fazer projetos acontecer.[Nic] Para estender o meu apreço pelo Karabirrdt como uma maneira impressionante para alcançar o que eu quero – para tornar-me a essência do que quero para o futuro.[John] Para encontrar um caminho a seguir na criação e recuperação das formas verdadeiras e antigas de aprendizagem, partilha, ser e fazer – estamos caminhando para um momento de uma ‘era de trevas’ para dar à luz à fundação de uma nova civilização. Reconhecer que todos vocês são incríveis agentes de mudança e que me sinto honrado e privilegiado por trabalhar com vocês. Para compartilhar com todos vocês a experiência de 30 anos de ativismo, aprendidas em três continentes, em mais de 10 países.[Jonathan] Para construir uma forma colaborativa na Internet, que nos dê a chance de continuar o trabalho – uma forma de incorporar a nossa própria história individual, referindo-se sobre o que aconteceu semana a semana. Eu sonho em ser capaz, ao mesmo tempo, de me comunicar com o mundo exterior, me relacionando com o que eu aprendi com um amigo próximo.[Ben] Para me beneficiar da difusão do conhecimento – Eu sou viciado em Comunidades – Sumários de ideias fazendo uso sempre que possível de recursos audiovisuais – uma série de seis semanas – Gaia está conosco, o nascimento de uma nova história – em seis semanas, nos comprometemos a passá-lo para outros.[Bernie] Tudo isto soa muito bem. De ver, neste tempo sombrio, a maneira fantástica como as coisas podem ser positivamente alteradas.[Kat] Para estabelecer uma ‘Academia’ com o objetivo de levá-las a outros círculos de aprendizado. Uma aprendizagem regular.[KA] (passou)[Sandy] Para apoiar a ideia da Academia – Eu gosto da ideia do Velho Sócrates de sair compartilhando o conhecimento com as pessoas que encontrava nas ruas.[Tam] Para praticar a autorreflexão no processo em ir adiante como um grupo.[John] Promover o desenvolvimento do conhecimento da comunidade através do aproveitamento da riqueza de experiência coletiva de grupos de pessoas comuns. Para ver a ‘luz no olho’ que vem com esta experiência de libertação da sabedoria coletiva e acrescenta ‘consistência real’ às situações da comunidade.[Alexis] A ideia da Academia é de natureza fractal – dando-nos a capacidade de levar o que aprendemos para o resto da comunidade. Aprender processos de dinâmica de grupo especialmente junto àqueles que promovem o compartilhamento.[Chit] Gosta da ideia de ‘Fractalização’ – este poderia ser um ponto de partida para a criação de algo novo.[Jonathan] Este poderia ser o início de um grande Círculo de Sonhos – alargar a aprendizagem no campo através dos protestos de paz. Estamos realmente divididos atualmente dentro de nós. Para transmitir informações enviamos folhetos, e-mails que mantém o aspecto da distância. Eu sonho com uma aproximação face a face para compartilhar. Durante as próximas semanas, buscarei usar o que estou aprendendo em projetos que eu já estou executando. Para usar esta oportunidade para inspirar processos dentro de nossos grupos sem perder de vista a enormidade da tarefa.[Olly] Para criar um espaço para a mudança – lidar com a tensão que acontece quando se abrem espaços. A intenção de uma biblioteca é espalhar as coisas dos livros nas cabeças das pessoas e depois para o mundo real. Para escapar de ser esmagado por concreto, jornais e pela vida diária inspirada pelos meios de comunicação.[Kat] Para ser continuamente auto reflexiva sobre onde as pessoas estão e o que estão fazendo.[KA] Desenvolver uma nova forma de resistência, o desenvolvimento de sonhos para a mudança. Estes são tempos difíceis, é fácil nos tornarmos separados. Como é que vamos encontrar novas maneiras de resistir às estruturas sociais?[Sandy] Sinto-me frustrado tanto como ativista, socialmente, bem como pessoalmente – isto vem com a exaustão. Eu busco a melhor maneira de ser eficaz e lidar com as coisas. Sentada aqui eu estou à beira do desespero e me pergunto – parece que estou na borda, é fácil escorregar, é assustador estar na beira do colapso. Vamos para lá – sobre o poço das maravilhas.[Nic] Para encontrar uma forma de viver de uma ‘nova maneira’, para não ser pego na urgência da tarefa. Para olhar o tempo todo para a forma como fazemos as coisas atualmente.

Page 24: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

[Alexis] Para construir uma vida mental forte para uma pessoa forte. Através de relações com a comunidade. Eu vejo isto como um balde para guardar areia, sem buracos para formar a nossa sanidade. Olhando para si mesmo e para a comunidade como uma forma de entender a psicologia pessoal.[Bernie] Para ser envolvido – vendo a disfuncionalidade do jeito como as coisas estão e encontrar formas de mudá-las. É estranho estar em um grupo que tem as mesmas intenções e ideais – o que queremos parece ser tão similar. Eu não quero ficar perdido ao longo do caminho – eu quero manter essas verdadeiras intenções.[KA] Para incluir o elemento de jogo e diversão – isto pode ser sério, mas é preciso permitir a espontaneidade e se divertir.[Ben] Preciso de um ponto de transição ainda que o fim do mundo como o conhecemos possa estar próximo. Quero que este seja um grupo que reconhece a importância da comunidade. Precisamos expandir a conversa. É difícil sair de hábitos da idade – eu preciso do apoio de um grupo. Preciso me tornar mais fundamentado, calmo e localizado.[Olly] Eu quero que isto seja um complemento do trabalho de Joanna Macy, com o triângulo formado pela mão (resistência às forças da destruição), pela cabeça (trabalho conceitual e construção de novas estruturas) e pelo coração (mudança de consciência, transformando o Ser). Quanto mais conseguirmos prover o nosso alimento, maiores capacidades teremos de organizar acampamentos de paz. Cuidar de nós mesmos com o equilíbrio certo é possível.[Jonathan] Quero cumprir todos os nossos sonhos – nós vamos muito rápido e não gastamos tempo suficiente. Eu quero um aperfeiçoamento deste processo com as pessoas das ruas. Precisamos sair da situação em que os mais francos falam mais e os ‘fazedores’ apenas escrevem em seus livros as ações que irão tomar. Outras formas são possíveis.[Sandy] Tenho mil coisas para fazer que estão começadas, eu não quero que esta seja mais um outra maneira de envolver a minha mente e depois ver a coisa decair no caos. Eu quero ver a alegria e ter o tempo necessário para enaltecer isto. Eu preciso simplificar e simplificar – isso vem ocupando a minha mente há meses.[Alexis] De Gandhi “Eu quero ser a mudança que eu gostaria de ver no mundo”. RESULTADOS DE UM PROGRAMA DE TREINAMENTO COM 30 DIAS DE DURAÇÃOOutro exemplo (sem os nomes dos participantes) é o Círculo de Sonhos feito para um Workshop de 30 dias do ‘Trabalho que Reconecta’: “Sementes para o Futuro: Uma Viagem no Tempo Profundo, Tempo do Sonho, o Tempo Lunar”, organizado pela Fundação Gaia, em Janeiro e Fevereiro de 2005.Para ser um canteiro de sementes de ideias criativas.Um encontro das principais cabeças do "Trabalho que Reconecta".Sinergia.Quando um grupo está reunido ele cria seu próprio ser vivo.Para nutrir e ser nutrido por este ser.Peregrinação Espiritual.Presentear, como sinal de agradecimento, a comunidade de Danmark (N.R.: cidade da Austrália Ocidental).Presentear a cidade de Danmark com algo que é muito querido pela comunidade inteira.Oportunidade para uma cura comunitária especial.Experimentar a desaceleração do tempo para os ciclos de vida do planeta.Experimentar a clareza de visão e de vida neste espaço por 30 dias.Para derrubar as barreiras que nos separam de experimentar mais e mais profundamente.Para experimentar a unidade permanente e contínua com o mundo físico e ver com novos olhos, experimentando com todo o nosso ser.Radical confiança no mundo, abordando o profundo medo que nos impede de viver plenamente o nosso próprio poder.Para estar em um estado para o resto da minha vida em que os animais selvagens se sintam seguros na minha presença. Abertura no coração.Para ter tudo isso agora.A rendição do tempo do relógio – um ritual de tratar cada pessoa como sendo extraordinária – “Dar-te o presente do meu dom e honrar o seu presente” (Jean Vanier).A Convocação de Boddhisattvas.Algo de Conclusão: germinação e parto; geração de renovação.Para honrar Joanna presenteando-a com nosso próprio nascimento do trabalho que reconecta.Para a Austrália, o dom que o continente traz para o trabalho que reconecta através do “Tempo dos Sonhos” – recolher energias únicas e insights para a germinação e formação de um modo australiano.Para lidar com a força para poder olhar o monstro cara a cara – para ter as ferramentas espirituais para transformar.

Page 25: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Fazê-lo agora! Precisamos dele agora!Encontrar um equilíbrio em tempos de desequilíbrio. Ampliando o recipiente de trinta dias que o torna tão poderoso. Enorme Integridade. Perseverança.Respostas para o campo de batalha – como ser capaz de agir de forma adequada e fazer o que precisa ser feito.Encarar com a força e habilidade para olhar para tudo isso com compaixão destemida.Forças internas para florescer no espaço onde outros congelam, lutam ou fogem.Encontrar o caminho através do campo minado de coisas que não fazem sentido. Estamos reagindo a fabricações desconectadas de ganância e de medo que vem de Maya – das mentes dos povos. Procuramos não condenar ninguém, mas nomear isto.Estamos em terror por causa da estreiteza de nossos contextos. O tempo é da essência. Ancorar novamente a vida.Futuro seres nos chamando.“Reaborigenização”.Despertar novamente para as raízes aborígenes.Abaixo do concreto, depois que este estiver ido, as flores florescerão novamente.Quero sair dos 30 dias me sentido forte, centrado, porque sinto que as coisas vão piorar antes de melhorar.O trabalho de Joanna é necessário.Formação Shambhala.Tornarem-se moradores de ‘Everywhen’.Na borda de um continente – vivendo “à beira”.Sem nome – encontrar palavras para expressá-la, mas sentindo a energia dele.Quanto mais aceitamos o que está acontecendo, mais fluido se torna em vez de solidificado pelo julgamento e pela razão.Não tolerar o que está acontecendo por nossa aquiescência.Ir além do correr e do congelar lutando com a energia do florescimento.Para conhecer um cuidado novo no uso de palavras.Transformar o nosso ‘sentido cultural comum’, longe da doença terminal.O caminho dos heróis – de inocente, a órfão, errante, guerreiro, mártir e mágico.Manter a energia no cadinho, mais tarde ampliando-o para incluir outros – sonhar com o que parece – o limite de comprometimento. A DIFERENÇA ENTRE CÍRCULOS DE SONHO E TEMPESTADES DE IDÉIASQuando se explica um Círculo Sonho pela primeira vez, muitas pessoas o confundem com sessões de Tempestade de Ideias (brainstorming). Há muito em comum, mas também existem diferenças importantes. Por exemplo, ambos geram listas de ideias para o futuro. Mas a diferença é que, em uma sessão de tempestade de ideias, os mais extrovertidos e falantes, que sonham vivamente, dominam os introvertidos e menos falantes, ou aqueles que são mais práticos e menos teóricos. Desta forma uma sessão de Tempestade de Ideias polariza estes grupos.Em segundo lugar, na prática de um Círculo de Sonhos existe a preocupação de se enxergar as pessoas, enquanto que a Tempestade de Ideias é focada no quadro ou flip chart.  Por ter foco no Conselho, no Círculo de Sonhos há uma gama muito mais rica e muito maior de comunicação interpessoal e construção de relacionamentos. A ênfase na ‘escuta profunda’ através do Pinakarri e a forma ritual de se passar um bastão falante de pessoa em pessoa criam um sentido sagrado que emerge naturalmente em um bom Círculo de Sonhos. O QUE PODE DAR ERRADO EM UM CÍRCULO DE SONHOS?Em todos os bons Círculos de Sonhos o sonho final coletivo é sempre maior, mais emocionante e mais abrangente que a intenção do sonho inicial do organizador que reuniu a equipe em primeiro lugar. No entanto, para isso é preciso que se tenha, antes de se começar o Círculo, uma clareza sobre qual o projeto que será sonhado. Se isto não estiver claro para alguém, o Círculo de Sonho pode rapidamente tornar-se demasiado nebuloso ou muito desfocado, sem resultar em caminhos claros para os participantes. Quanto mais clareza melhor.No processo do Dragon Dreaming, do qual o Círculo Sonho é uma parte importante para a geração de sensibilização e de motivação para um projeto, é geralmente desaconselhável se convidar para o Círculo de Sonhos inicial pessoas que sejam ativamente antipáticas ao projeto. Antes disso, é preciso que o grupo faça o processo de ‘Enfrentamento do Dragão’, em que a antipatia de tais pessoas é diretamente dirigida. Uma vez que isto tenha ocorrido, o convite para esta pessoa participar de um segundo ou terceiro Círculos de Sonho subsequentes, pode dar frutos surpreendentes.Outro problema enfrentado nos Círculos de Sonho ocorre como resultado da maneira pela qual nossa cultura está inserida nos jogos de ‘ganha-perde’.  Pessoas que são um pouco incertas sobre a validade do projeto, podem se sentir como se estivessem barganhando

Page 26: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

algo e assim o Círculo de Sonho pode mudar em uma direção que os deixa vagamente insatisfeitas. Em um círculo sonho, como o jogo é de ‘ganha-ganha’, não pode haver ‘nenhum tipo de barganha’ em relação às suas necessidades, objetivos e visões. Como mencionado acima e demonstrado por Marshall Rosenberg, fundador da Comunicação Não-Violenta, e Manfred Max-Neef, economista ecológico chileno, são as estratégias, ou as ‘satisfações’ que vêm depois, que exigem ‘dar e receber’, embora isso também aconteça muito menos em Dragon Dreaming do que se poderia supor.Um quarto ponto fraco em um Círculo de Sonhos ocorre quando as pessoas desconhecem a duração provável do projeto. Em tais circunstâncias, os objetivos e visões sobre o projeto irão se multiplicar a tal ponto que vai parecer: “Aleluia, a utopia começa amanhã!”. Alguns indivíduos, ao partilhar seus sonhos, podem, por vezes, também perder a noção da realidade e divagar por fantasias inatingíveis. Em tais circunstâncias, como facilitador, é útil lembrar aos participantes da duração do projeto, e perguntar se eles realmente entendem que determinado sonho pode ser alcançado no tempo previsto. Se eles persistirem com o sonho, não se deve rejeitá-lo, pois os Círculos de Sonho frequentemente serão cheios de surpresas, e você descobrirá que com a quantidade certa de esforço o sonho desta pessoa também se tornará realidade no tempo previsto.Outra fraqueza pode acontecer quando o grupo fica muito tempo debatendo se o redator capturou com precisão a essência do que foi dito. Passa-se assim a um exercício analítico ao invés de criativo. Grupos em que há um grande número de ‘pensadores’ ou ‘teóricos’ podem ter problemas, quando as pessoas começam a debater se a ideia que foi escrita reflete exatamente o que foi dito.   Este ‘perfeccionismo’ vai tirar o aspecto ‘lúdico ou divertido’ que é uma parte importante de um Círculo de Sonhos. Um princípio importante expresso em um dos ditados do Dragon Dreamingé: “O perfeito é inimigo do bom!” Neste caso é importante estabelecer que só a pessoa que fez a declaração original pode pedir correção do que foi registrado pelo redator.Uma última fraqueza que pode acontecer é quando uma ou mais pessoas preparam de antemão uma longa lista de ideias e sonhos para o projeto e leem a sua lista completa para o grupo. Em tais circunstâncias, pode-se realmente sentir a perda de motivação do grupo, pois as pessoas se sentem enganadas e manipuladas, e a pessoa que faz isso não está respondendo ao acaso e à magia do momento. VARIAÇÕES SOBRE CÍRCULOS SONHOO Método MeshWorks (trabalho em malha): Além das variações dos Círculos de Sonhos mencionadas acima, quando se lida com grupos muito grandes, há uma série de inovações que podem ser tentadas. Uma, usada pelo pessoal doMeshWorks, um grupo do Centro de Convergência Humana na Holanda, é criar um muro em que um grupo anônimo de pessoas postam como quiserem suas respostas à perguntas geradoras. Este sistema de geração e captura os sonhos das pessoas, no entanto, não captura o espírito e motivação do grupo como discutido acima.Em tais casos, é importante ter uma maneira de separar com duas questões geradoras, “O que deve ser feito?” de “O que eu vou fazer pessoalmente?” E ter uma maneira de capturar os nomes e endereços das pessoas que responderem. Na Cúpula do Clima de Copenhague, o Fórum Climático realizado em dezembro 2009, o “MeshWorks” havia cartas em forma de um quebra-cabeça onde as pessoas poderiam considerar seus sonhos como uma peça de um quebra-cabeça global. A leitura do quebra-cabeça estimulou um grande número de outras contribuições. Ter uma grande pilha dessas cartas no centro de um círculo e indivíduos escrevendo suas ideias, discutindo o que eles criaram e fixando-as a uma parede cria uma forma artística diferente do que as listas geradas normalmente nos Círculos de Sonho. Pela mesma razão, o Movimento Cidades em Transição faz muito uso de “Post-It”.Modificação de Ulrike Reimann: No segundo Train the Trainers (Formação de Professores) realizado na EcovilaSieben Linden em 2010, ao invés de haver uma única pessoa a registrar as falas, Ulrike propôs que também fosse revezando o redator conforme a palavra rodava no círculo. Esta abordagem tornou o processo muito mais divertido, e levou a brincadeiras e descontração quando alguém passava a vez.Outra inovação de Ulrike foi feita na conclusão de um Círculo de Sonhos. Ao invés de apenas ler o que todo mundo escreveu, o grupo se reveza para ler o que os outros falaram, lendo os verbos no passado, como se o sonho já tivesse sido alcançado. PARA ONDE IREMOS A PARTIR DAQUI?Durante um Círculo da Criação, um facilitador hábil vai notar uma mudança na linguagem utilizada pelos participantes. Os participantes muitas vezes começam dizendo “o que o projeto deve fazer é...”.  Mas depois isto muda para “o que vamos fazer é...”. Quando isso acontece, é um sinal de que o processo de criação em círculo está funcionando com sucesso. Muitas vezes você vai perceber que há um aumento geral na energia do grupo. Pessoas do círculo parecem ficar mais animadas com a grandeza do projeto incrível que se apresenta. A motivação na sala cresce, bem como o compromisso com o projeto. O projeto está verdadeiramente se tornando um projeto do grupo em vez de ser ‘propriedade’ de um único indivíduo.

Page 27: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

No início de uma oficina ou reunião de caráter ativista, é uma boa ideia usar o Círculo dos Sonhos para reunir as ideias, pois ajuda a estabelecer os critérios de sucesso para a atividade. Muitas vezes, os ativistas se reúnem e apenas listam os pontos da agenda e depois se perguntam por que as pessoas deixam a reunião com um sentimento de insatisfação. Isso acontece porque no fundo as necessidades pessoais de alguma forma foram negligenciadas ou não resolvidas. Não responder a essas necessidades o mais rapidamente possível tornará a reunião arrastada. As pessoas vão sempre voltar para itens da agenda que o grupo já discutiu e reuniões que deveriam levar meia hora podem se prolongar por horas.Abordar as questões registradas em uma lista de Círculo dos Sonhos antes de resolver quaisquer problemas da agenda oficial tem o efeito inverso. Reuniões que você espera que vão demorar horas, e itens da agenda para os quais as pessoas esperam uma discussão acalorada são resolvidos em questão de minutos. Em tais casos, é importante, ao final do encontro, checar o andamento dos resultados em relação ao Círculo de Sonhos para ver se foi mantida a promessa de se atingir 100% das metas estabelecidas no sonho. Se forem identificados pontos que não foram alcançados, ou ainda estão pendentes, deve se considerar uma estratégia pela qual estes sonhos possam ser realizados. Isso talvez leve a incluir o assunto na pauta da próxima reunião ou mesmo organizar alguns procedimentos adicionais para garantir que todos os sonhos sejam alcançados.Se o Círculo de Sonhos é para um grande projeto, é importante que este seja um documento vivo. Como tal, precisa ser resgatado em transições importantes no projeto, normalmente no limiar entre o Sonhar e o Planejar, ou o Planejamento e o Realizar. Também é importante que o Círculo de Sonhos seja levado e apresentado a qualquer nova pessoa que possa mais tarde vir a integrar a Equipe de Sonhos do projeto. Às vezes, é importante que essas pessoas adicionem seus próprios sonhos ao círculo, o que pode inclusive estimular uma nova rodada ou duas entre os outros membros. Em tais momentos, por vezes (embora raramente) pode acontecer que um indivíduo queira excluir um sonho anterior que tinha para o projeto, ou porque ele já foi alcançado, ou porque já não é mais relevante para sua vida.O resgate dos resultados de um Círculo de Sonhos também é importante no momento da Celebração. Neste momento, fornece informações importantes para a reunião final, para sabermos se o projeto cumpriu sua promessa inicial. Se os resultados do Círculo de Sonhos tornaram-se um documento vivo, um refúgio familiar ou um porto seguro a partir do qual podemos nos aventurar no projeto, então há grande probabilidade de que 100% dos resultados serão alcançados para cada ponto. Os resultados do Círculo de Sonho também precisam ser atualizados cada vez que uma nova pessoa se junta ao grupo. É importante que eles acrescentem seus sonhos para o projeto também. Como pessoas únicas possuindo habilidades individuais, podem enxergar oportunidades no projeto que foram perdidas na euforia coletiva gerada anteriormente.Em segundo lugar, os resultados do Círculo dos Sonhos devem ser mantidos em um lugar de destaque. Nós vamos mantê-lo na seção ‘Arquivos’ do servidor de lista estabelecido para cada projeto. A construção de um consenso bem sucedido requer que não classifiquemos ou priorizemos esta lista, porque a classificação e priorização levam a uma diminuição da importância de algumas das ideias e um aumento da importância das outras. São esperanças, pensamentos, vontades e desejos das pessoas em um momento fixo no tempo. Ser um agente de mudança bem sucedido é conseguir que todo o grupo concorde com a realização de todos estes sonhos, senão alguém vai sentir que, de alguma forma, ficou de fora.Ao final da oficina ou reunião, precisamos retornar à nossa lista de pontos coletados durante o Círculo de Sonho. A partir da minha experiência, acredito que é útil perguntar a cada pessoa “Até que ponto você sente que conseguimos alcançar este objetivo?”. Muitas vezes é útil pedir para que as pessoas expressem isso como uma porcentagem. A próxima pergunta é: “O que precisa acontecer para chegar a 100%?”. A resposta é geralmente “Mais tempo e prática”. Projetar um desdobramento adequado é, então, essencial.Em terceiro lugar, afirmar o que você quer ‘preto no branco’ tem um poder imenso. Como escreveu H.M. Murray, em sua expedição ao Himalaia: “Até que uma pessoa esteja comprometida, há hesitação, há chance de recuar”. Em relação a todos os atos de iniciativa e criação, há uma verdade elementar que se for ignorada mata inúmeras ideias e planos esplêndidos: que naquele momento em que a pessoa se compromete definitivamente, a Providência também se move. Todos os tipos de coisas pouco prováveis ocorrem para ajudar. Um rio de acontecimentos brota da decisão, trazendo a favor incidentes, encontros e assistência material, que nenhum homem poderia ter imaginado ou sonhado que viria. Aprendi a ter um profundo respeito por um dos dizeres de Goethe. “Tudo o que você pode fazer, ou sonha que pode fazer, comece. Ousadia tem gênio, poder e magia. Comece agora”. Colocar seus sonhos no papel, através de um Círculo de Sonhos, vai surpreendentemente conduzir ao cumprimento de muitos dos sonhos, como os do povo de Margaret River, muitas vezes sem que seja preciso fazer mais nada.Finalmente, quando as coisas ficam complicadas, facilmente uma determinada tarefa ou atividade pode consumir todos os nossos pensamentos e nossa imaginação. Desta forma, podemos perder de vista o motivo pelo qual estamos fazendo as coisas. Esse ‘deslocamento da mente’ pode nos levar a odiar o que estamos fazendo, porque perdemos de vista como isto contribui para o todo.Há uma história apócrifa que conta que diversos trabalhadores foram entrevistados sobre o que estavam fazendo. Um disse: “Eu estou colocando este tijolo em cima do outro”. O segundo disse: “Eu estou construindo esta parede”. Um terceiro disse: “Eu estou construindo uma igreja”. Um quarto disse: “Eu estou construindo a Catedral de Chartres, que será uma inspiração para milhões de

Page 28: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

pessoas por mil anos.” O trabalho pesado de ‘pedreiro’ do projeto pode nos levar a perder de vista o ‘palácio’ que de fato o projeto está construindo! Ter o sonho ou resultados do Círculo Criação visíveis e disponíveis nestes momentos nos ajuda a resgatar e lembrar “por que eu estou fazendo isso?” O Círculo nos permite avançar para a conclusão do projeto com um maior grau de graça e facilidade. A tradução para o português, revisão e divulgação deste e de outros textos de John Croft é fruto de uma iniciativa colaborativa e voluntária que endossa a ética de Crescimento Pessoal, Formação de Comunidades e Serviço à Terra – encontramos em  Dragon Dreaming contribuições significativas para as mudanças necessárias à nossa sociedade.

04 A Espiritualidade das Trilhas AborígenesCategoria pai: MétodosCategoria: Fichas TécnicasO tempo profundo e Dragon Dreaming: a espiritualidade sustentável aborígene das trilhas encantadas – da celebração ao sonho. Por John Croft.                                                                                                                                                              Fevereiro de 2011.         Revisado 25 de Maio de 2012 Título original: Fact Sheet Number #04 DEEP TIME AND DRAGON DREAMING: THE SUSTAINABLE ABORIGINAL SPIRITUALITY OF THE SONG LINES FROM THE CELEBRATION TO DREAMINGTradução: Áureo Gaspar (Julho de 2012). RESUMO: Sugere-se que, em uma cultura que é suicida, para obter uma melhor compreensão do que é a autêntica sustentabilidade, somos obrigados a ver através do espectro de uma cultura diferente. As culturas aborígenes australianas, indiscutivelmente sustentáveis por 70.000 anos, fornecem uma lente útil para tal propósito.INTRODUÇÃOQualquer cultura que destrói o seu próprio sistema de apoio à vida em nome do progresso é suicida e funcionalmente insana, e não tem viverá muito tempo. É um pouco como serrar o galho em que você está sentado, chamando de progresso quando você aumenta a velocidade com que a serra funciona. Aqueles que participam de tal cultura, quando não fazem parte da solução, são parte do problema, e nesta situação o que se acredita ser a normalidade é, de fato, uma peça da demência. Vivemos em uma cultura ecocida e consumista, a Civilização de Crescimento Industrial, que vê o progresso como o ato de transformar o tecido vivo da superfície planetária em dinheiro tão rapidamente como pode. A sanidade em tal situação suicida é vista como ‘alternativa’ se não ‘anormal’.Os australianos têm sorte – não só têm um ambiente natural que ainda permanece intacto, mas também têm o incomparável patrimônio aborígine. Do ponto de vista ambiental, isso os torna duplamente ricos. Nossa cultura está passando por uma necessária mudança na visão de mundo, a mudança de ver tudo como um simples mecanismo sem vida para vê-lo como organismo – cheio de vida, mente, inteligência e alma. Esta realização é importante para o cientista convencional. Se nós definirmos a alma, como a ‘essência’ no âmago das coisas, então a alma está em toda parte.Essa percepção estava presente nas visões pré-ocidentais do mundo, antes das grandes revoluções no pensamento associadas com o ‘Iluminismo’ europeu. Para essas pessoas, havia um evidente ‘Anima Mundi’ ou ‘alma do mundo’ que infundia toda a Terra – as pessoas, árvores, água e rochas, com capacidade de resposta e sabedoria. Conversando com os anciãos aborígines, confirmamos e demonstramos como o ‘Anima Mundi’, a Alma da Terra, de ‘Sonho’, que anima toda a sua visão de mundo – o mundo inteiro para eles está vivo. Para tornar-se consciente disto é necessário uma ‘escuta profunda’, que os aborígenes Walpuri chamam de Dadirri, e os Mardu chamam de Pinakarri.Esta escuta profunda nos obriga a ouvir com mais atenção à própria Terra, vendo-a como um todo, com propriedades semelhantes aos sistemas vivos. Esta ‘Teoria de Gaia’ moderna foi desenvolvida pela primeira vez por Sir James Lovelock nos anos 1960, num momento em que ele estava trabalhando com a Administração Nacional para Aeronáutica e Espaço (National Aeronautics and Space Administration – NASA) dos EUA, buscando um teste para descobrir vida em Marte, que poderia ser enviado em uma cápsula para o planeta vermelho. Em sua própria maneira criativa, Lovelock deu meia-volta no problema, imaginando que ele era um cientista marciano tentando testar se havia vida na Terra. De repente, ele percebeu que, nos paradoxos da atmosfera da Terra, onde os gases de combustão residem lado a lado, só podiam ser explicados pela visão da Terra como sendo um organismo de vida autorregulador. O estudioso de Gaia Stephan Harding mostrou como, visto a partir de outro ponto de vista, (com o qual James Lovelock se sentiu

Page 29: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

muito desconfortável), podemos dizer que foi o ‘Anima Mundi’, que contatou James Lovelock. Depois de uma ausência de séculos, o ‘Anima Mundi’ foi subitamente apresentada de novo, dentro dos bastiões da ciência convencional.Cientistas não convencionais como Lovelock usaram o nome Gaia, até mesmo como metáfora. Para eles, o termo ‘autorregularão do sistema semi-homeostático autopoiético’ teria sido muito mais satisfatório. Para aumentar a aceitação de sua teoria, Lovelock veio a chamar a ‘Ciência de Gaia’, como ‘geofisiologia’. Parte do problema com a não aceitação do novo paradigma gaiano reside na motivação dos próprios cientistas.“Por que deveríamos fazer ciência?” A razão convencional, dada por muitos cientistas desde os tempos de Bacon e Descartes, foi a de adquirir conhecimento para o controle e poder sobre a vida e o mundo. De tais sistemas, Gregory Bateson1, o pensador de sistemas, por exemplo, argumentou:"O mito do poder, é claro, é um mito muito poderoso, e provavelmente a maioria das pessoas neste mundo acredita um pouco nisso... Mas ainda é loucura epistemológica e leva inevitavelmente a todo tipo de desastre... Se nós continuarmos a operar em termos de um dualismo cartesiano de mente contra a matéria, provavelmente veremos o mundo em termos de Deus contra o homem, de elite contra o povo, da raça escolhida versus outras raças, de nação contra nação e do homem contra o ambiente. É de se duvidar se uma espécie que possua uma tecnologia avançada e esta estranha forma de olhar o mundo possa sobreviver...”.“O conjunto dos nossos pensamentos sobre o que somos e o que outras pessoas são tem que ser reestruturado. Isso não é engraçado, e eu não sei quanto tempo temos para fazê-lo. Se continuarmos a operar a partir das premissas que eram moda na época pré-cibernética, e que foram especialmente reforçadas durante a Revolução Industrial, premissas estas que pareciam validar a sobrevivência individual darwiniana, podemos ter vinte ou trinta anos antes que a lógica ‘reductio ad absurdum’ de nossas antigas posições nos destrua. Ninguém sabe quanto tempo temos, sob o atual sistema, antes que algum desastre, mais grave do que a destruição de qualquer grupo de nações, nos atinja. A tarefa mais importante hoje é, talvez, aprender a pensar de uma nova forma”.Se Bateson estiver certo, como a visão apresentada na última seção sugere, então a nossa cultura precisa passar por uma grande mudança na sua visão de mundo – a mudança de ver tudo como um mero mecanismo, uma máquina sem vida, para vê-lo como um organismo complexo – cheio de vida, mente, inteligência e alma. Este é o maior projeto que temos na Terra no momento. Essa percepção é extremamente importante e desafiadora para o cientista reducionista e mecanicista convencional, que fica tentando obter ‘poder sobre’ a natureza. Também é importante para Dragon Dreaming, se quisermos finalmente construir uma verdadeira cultura de sustentação da vida como parte da Grande Virada2, nos afastando da civilização de crescimento industrial canceroso para uma cultura que sustenta plena e integralmente a vida.Essa racionalidade convencional de controle sobre a natureza, no entanto, foi rompido pela teoria Gaia, pois o controle sobre uma entidade viva tão grande quanto a Terra é simplesmente impossível. Isso nos leva a uma nova razão, uma razão holística para nos engajarmos na ciência. Esta razão holística sugere que devemos ‘fazer’ ciência, não para obter controle, mas para atingir um maior sentido de participação e pertencimento. Isso está se tornando a verdadeira razão pela qual estamos fazendo ciência.Arne Naess, que foi o primeiro a falar de Ecologia Profunda, fala da “ampla identificação com aquilo que é mais do que o mundo humano”. Aldo Leopold, que começou a falar de uma ‘ética da Terra’ na década de 1940, mencionou a necessidade de começar a ‘Pensar como uma Montanha’, quando viu a grande faísca de vida que ligava a luz nos olhos de um lobo morrendo com o mundo em que este lobo vivia.Fazer ciência na ausência de tal identificação e participação torna a ciência um assunto árido e sem vida, que suga a alma do que é estudado. Nós precisamos reviver a ciência com alma, poesia e animação, nos alegrando pela nossa plena participação na vida e com a vida.UMA INTRODUÇÃO À CULTURA ABORÍGENENo início de um workshop intensivo Dragon Dreaming eu muitas vezes começo com um método que conecta a Celebração com o Sonho, com uma apresentação das Songlines (linhas encantadas ou linhas da canção) aborígenes, uma vez que isto oferece uma poderosa forma de celebrar a nós mesmos e as viagens que fizemos em nossas vidas até chegarmos ao presente momento. O método Dragon Dreaming também trabalha através da criação dos Songlines para o Planejamento e Execução de seu projeto, centrado no local, conectado ao Sonho e concluído em Celebração, e compartilhado em jogo, história e até mesmo na música. Estes são todos os conceitos extraídos da crença e da cultura aborígene australiana, sem dúvida a mais antiga na Terra, e são importantes para Dragon Dreaming por muitos motivos.O povo aborígene australiano é constituído pelos habitantes originais do continente habitado mais seco da Terra. Provavelmente entre 50.000 e 70.000 anos atrás os aborígenes foram ocupando a terra em que nasci, no canto sudoeste da Austrália Ocidental. Essas pessoas se chamavam de Nyungar ou Noongar, uma palavra que no antigo idioma significa simplesmente ‘povo’. Originalmente, com aprovação do Conselho de Anciãos Noongar, Dragon Dreaming foi chamado Waugyl Dreaming, em homenagem à Serpente do Arco-íris Noongar, no sudoeste da Austrália Ocidental. No entanto, para evitar a frequente reação de “Ah!” e confusão para as audiências que não fossem da região (e mesmo entre muitos australianos ocidentais), foi

Page 30: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

rebatizada Dragon Dreaming no início de 1990, pois o Dragão tem algumas das energias arquetípicas associadas com a Serpente do Arco-íris aborígene, e é mais facilmente compreendido em nossa cultura eurocêntrica moderna.Como outros povos aborígines da Austrália, os Noongar construíram uma cultura sustentável em um terreno de contínua mudança climática, em que a diferença entre um ano de seca e um ano de inundação é maior do que a diferença entre o verão quente e seco e o inverno mais frio e úmido. Além disso, as terras do Planalto Yilgarn, na maior parte da Austrália Ocidental, estão entre as mais antigas na Terra, e emergiram acima do nível do mar há 2,5 bilhões de anos. Sua fertilidade natural tem sido lavada para o mar. Praticar a agricultura pré-moderna e sustentável em um ambiente como esse não depende de enormes quantidades de fertilizantes, pesticidas ou outros produtos químicos transportados a longas distâncias por combustíveis fósseis, o que era claramente impossível. Este ambiente cultural, portanto, não poderia contar com altas densidades populacionais suportadas pela agricultura camponesa, como foi o caso das culturas do norte – na Indonésia, no Sudeste Asiático, na Índia, China e Japão. Enquanto eles compreenderam os princípios da agricultura, o povo aborígine procurou e encontrou outro caminho, um caminho importante para o mundo que nós estamos adentrando atualmente.Os aborígenes limitam a sua população abaixo do que os ecossistemas de alta biodiversidade locais podem sustentar. Com seus princípios de ‘agricultura com vareta de fogo’, queimando um mosaico na paisagem, na primavera e no outono, eles abrem o dossel das florestas para fazer clareiras, retornando pequenas quantidades de fertilidade para as terras empobrecidas, incentivando o crescimento das plantas e encorajando a propagação de espécies muitos resistentes ao fogo, que de outra forma teriam uma propagação limitada. Com a sua cobertura de eucaliptos, acácias e casuarinas, a Austrália teve os ambientes desérticos mais arborizadas da Terra. Uma paisagem australiana parecida com um parque, aberta de forma pirogênica e admirada pelos primeiros colonizadores europeus, foi a sua maior conquista cultural. Os aborígenes eram gerentes ambientais de grande sofisticação, e onde suas práticas sobreviveram à destruição pela cultura branca europeia, eles estão agora trabalhando com as autoridades de conservação para preservar da extinção espécies e habitats nativos.Uma dieta diversificada e incrivelmente nutritiva, com a coleta natural de alimentos de alto valor nutritivo, muito melhor do que dietas europeias da época, era central para a manutenção desta cultura. “Bush Tucker” (N.T.: Comida do Mato) são plantas que ainda hoje reservam surpresas nutricionais e de saúde para os cientistas!Este estilo de vida circular nômade impediu a acumulação de resíduos em qualquer local ou o esgotamento ruinoso de plantas e animais, e as baixas densidades populacionais limitavam em grande parte a propagação de doenças infecciosas. Como resultado, quando se iniciou o contato, os povos aborígenes, mesmo descontando os efeitos da mortalidade infantil, tinham um padrão de saúde e uma qualidade de vida muito superiores às dos europeus contemporâneos. Numa situação em que, através da simplicidade cultural e a limitação de ‘desejos’, foi caracterizada uma afluência de lazer e uma rica vida cerimonial. Os europeus cedo descobriram que os aborígenes, antes de entrar em contato com uma cultura orgulhosa e naturalmente aristocrática, tinham uma infância extremamente feliz e solidária, e pouco desejo por bens materiais. Estas são todas as lições que nossas modernas culturas consumistas precisam lutar para aprender.Estas características, e a posse aborígine da terra, foram um desafio central para os colonos europeus, e nos dois séculos desde então, na maioria dos casos, essa cultura aborígene foi sistematicamente atacada, as suas instituições centrais da linguagem, da vida familiar e da cultura enfraquecidas ou destruídas, o seu uso da terra reduzido, e a terra em si sofreu ecologicamente, como resultado. Hoje, em muitas partes da Austrália, os aborígenes vivem uma cultura de desapropriação, semelhante a outras culturas indígenas também afetadas por confiscos de terra e cultura.As técnicas agrícolas europeias, que se presumia serem adequadas nesta terra muito distante, têm se mostrado desastrosas, em comparação com as práticas de conservação de solo aborígenes. O desmatamento para a agricultura impediu a evapotranspiração necessária das águas subterrâneas para a atmosfera, reduzindo em muito as chuvas e levando à salinização e desertificação das regiões. Solos expostos pelo desmatamento indiscriminado e lavouras agora dependem para a sua produtividade de aplicações artificiais de agroquímicos, fertilizantes e pesticidas. O colapso ecológico ainda foi reforçado pela introdução de espécies europeias, que se tornaram selvagens, especialmente coelhos, gatos e raposas. Antes do contato europeu com o sudoeste da Austrália Ocidental, este era um dos pontos centrais no mundo pela sua rica biodiversidade de espécies únicas e endêmicas. Agora é um ponto de perigo, pelo número de espécies raras de plantas e animais em risco crítico de extinção. Quando se iniciou o contato europeu no extremo sudoeste da Austrália Ocidental, havia 27 rios de água doce potável. Hoje em dia, em todos estes rios corre uma solução salina em maior ou menor grau e suas águas são impróprias para consumo humano.A ignorância ecológica demonstrada pelos europeus, quando encontraram pela primeira vez o povo aborígene, foi uma das razões porque os povos aborígenes chamaram os europeus de Djanga, que significa ‘espírito morto’. Houve uma série de outras razões para isso também. Em primeiro lugar, os europeus não demonstraram compreensão dos complexos sistemas de parentesco que ligavam os grupos aborígenes com toda a vida. Este fato deve ter sido esquecido, como resultado de seus espíritos terem morrido. Os aborígenes acreditavam que viemos das estrelas, fato confirmado cientificamente pelo fato de que cada átomo de nosso ser, no

Page 31: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

passado, fez parte de uma estrela. Mas os aborígenes Noongar acreditavam que os espíritos dos seus antepassados mortos também acabariam por voltar ao céu, e lá seguiriam o caminho do Sol, para viajar através do céu, onde as estrelas representam os inúmeros fogos finais dos acampamentos de seus antepassados.Os europeus aqui chegaram vindos do oeste, a direção da Karinyup, o sol poente. Os europeus tinham uma palidez mortal branca, outra característica dos mortos. Os aborígenes também disseram que, graças à pobre higiene europeia, que os europeus, que raramente se lavavam, tinham cheiro de cadáveres. Constatou-se também que qualquer pessoa aborígene que estivesse intimamente associada com os europeus também era passível de sofrer uma doença europeia para a qual os povos aborígenes não tinham resistência imunológica e eram, portanto, propensos a morrer. Sarampo e varíola eram especialmente perigosos. A crença aborígene que os europeus já estavam mortos explicou por que os europeus eram tão ignorantes em relação ao cuidado adequado da terra, e sua incapacidade de reconhecer todas as plantas e animais no ambiente como parentes próximos. Após quase 200 anos de contato, só agora os australianos de origem europeia estão descobrindo o custo dos danos que causaram e a necessidade de cuidar de forma adequada desta terra, como guardiões temporários para as gerações futuras.Os europeus também sentiram grande desprezo por esses sistemas de crenças aborígenes. Eles foram chamados de ‘primitivos animistas totêmicos’ pelas suas alegações de que os mundos humanos e não humanos compartilhavam um ancestral comum. Aborígenes, alegou-se, careciam de um conceito de tempo, números complexos ou de progresso cultural, características que tornavam as culturas europeias ‘superiores’ aos aborígenes da ‘idade da pedra’. Tais visões ainda são amplamente difundidas por alguns colonos europeus, e ainda hoje os povos aborígenes são referidos, por europeus sem instrução, como um ‘povo primitivo’. Mas, como visto na última seção, as nossas alardeadas culturas europeias já provaram não ser sustentáveis. Elas trouxeram o nosso planeta à beira do colapso ecológico maciço e a uma megaextinção da biodiversidade de espécies muito mais complexas e ecossistemas com os quais partilhamos o planeta estão desaparecendo rapidamente.Em tal cultura, a noção de uma forma de progresso que destrói os sistemas de suporte de vida é uma forma de insanidade. Para descobrir o grau em que somos loucos, somos obrigados a ver a nossa própria cultura a partir de outro ponto de vista, e eu tenho a sorte de conhecer o suficiente de culturas não europeias, como as dos aborígines, ou das Terras Altas da Nova Guiné, Indonésia e África, para ser capaz de ver o quão ‘loucas’ nossas concepções de progresso se tornaram.A INSUSTENTABILIDADE DAS CULTURAS CIVILIZADASIsto não é novo. Culturas civilizadas são inerentemente instáveis. Desde a construção da primeira cidade do mundo,Eridu, mais de sete mil e trezentos anos atrás, no sul do Iraque, possivelmente até 31 civilizações se desenvolveram e caíram, algumas de forma mais rápida e mais violenta do que outras. Como as primeiras civilizações que se desenvolveram, todas elas têm por sua própria natureza, gradualmente ou rapidamente, consumir a base de recursos naturais dos quais dependem.Pelo rápido esgotamento dos recursos não renováveis, estamos mostrando que não somos diferentes. Vastos desertos, das costas atlânticas do Sara Ocidental até o deserto de Gobi na China, marcam o traço de muitas civilizações antigas e culturas que, por usar em excesso e abusar do frágil ambiente semiárido do qual faziam parte, mataram a vida de que dependiam e como resultado sofreram colapsos.No epicentro cultural desta vasta zona de destruição, no deserto de sal no sul do Iraque, encontra-se a primeira cidade humana encontrada, em Eridu, e isso não é acidente, porque foi a partir deste antigo centro Sumério que todas as civilizações mais tarde se desenvolveram e se espalharam, tanto para o oeste quanto para o leste. Desde então, muitas outras culturas também se destruíram de forma semelhante.Desde a Ilha de Páscoa, que teve suas florestas devastadas e a seguir desabou em guerra e canibalismo, até a cultura Maia da planície que destruiu solos frágeis de seu ecossistema tropical através da superpopulação e abuso ambiental, ou os assentamentos na Groenlândia Nórdica, que se viram empurrados à fome e extinção após terem suas florestas desmatadas e o solo erodido com a mudança climática3.O mais recente colapso de civilização deu-se na própria história europeia, com a queda do Império Romano do Ocidente, ponto de início da Idade das Trevas da Europa Ocidental.Houve muitas outras Idade das Trevas no passado, e algumas muito mais recentes e muito mais destrutivas. Quando Colombo chegou à América, a população podia ser contada à casa de 100 milhões de habitantes. Enquanto que o violento colapso dos impérios asteca e inca são os mais bem conhecidos, em outros lugares o colapso não foi menos violento e voraz.Este padrão antigo de colapso está agora em risco de acontecer novamente, no período de nossas vidas. Hoje, em vastas zonas do Velho Mundo, nas latitudes médias, estamos ocupados construindo extensões desérticas novas, desertos e zonas semidesérticas, em nosso uso abusivo de frágeis florestas tropicais para alimentar as exigências para pasta de papel, madeira e biodiesel de óleo de palma, com uso excessivo de solos frágeis e sistemas hídricos, causando mudanças climáticas e perda de biodiversidade.

Page 32: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Parece que, como as rãs em lenta fervura4, demoramos a aprender com nossa história passada no planeta. Parece que estamos a sofrer de Transtorno de Déficit de Atenção e Histórico, uma expressão que significa que “aqueles que não aprendem com o passado estão condenados a repeti-lo”.Durante o passado recente, por exemplo, apesar das repetidas advertências, temos continuado a ultrapassar ainda mais a nossa pegada ecológica disponível. No mesmo período, especialmente nos últimos vinte anos, a sustentabilidade tornou-se uma ‘palavra da moda’. Mas como reconhecer e celebrar a sustentabilidade, mesmo quando a nossa cultura tem tido pouca ou nenhuma experiência de uma verdadeira sustentabilidade através de milhares de anos e não temos nenhuma ideia de como esta é na realidade?Mesmo os ambientalistas, por suas ações, parecem trancados em alguma forma de dissonância cognitiva psicológica – “faça como eu falo, não faça como eu faço!” Examinando sua prática diária vemos que eles também levam uma vida que parece indicar que seus corpos estão envolvidos em atividades cotidianas de alguma forma fundamentalmente desconectadas de seu pensamento sobre a ecologia natural, bem como de seus sonhos mais profundos, do seu anseio mais selvagem, dos seus pensamentos e desejos.Com o pico do petróleo, mudanças climáticas, o colapso econômico e a perda de biodiversidade, em qualquer lugar nossas vidas não são sustentáveis em qualquer coisa que façamos.Como já mencionado duas vezes acima, qualquer cultura que destrói seus próprios sistemas de suporte à vida em nome do progresso é insana (terceira vez é sorte!), E ainda, como Jarrod Diamond mostra em seu livro “Colapso: Por que algumas sociedades têm sucesso e outras fracassam”, muitas culturas têm feito exatamente isso.Em uma cultura tão insana e insustentável, a maioria das pessoas se torna cúmplice na loucura implícita. Como disse Einstein, insanidade é “fazer a mesma coisa uma e outra vez e esperar resultados diferentes”. Parece ser este o nosso atual modelo de civilização e temos feito isso há milhares de anos, chamando-o de progresso. Em sua atual encarnação, por exemplo, nos é dito que só podemos proteger o meio ambiente através do crescimento econômico, sem perceber que o crescimento ilimitado é como um sintoma de câncer, que mata o corpo do hospedeiro infectado, e assim mata a si mesmo!Há obviamente uma fonte psico-espiritual para essas dificuldades. Lynne White Junior argumentou que a fonte do problema era uma visão de mundo judaico-cristã em que Deus deu aos seres humanos “domínio sobre a Terra”, e ordenou-lhes para se reproduzir e multiplicar, mas esse foi apenas o último passo em uma visão anterior.Esta é uma visão de mundo que se originou em parte, como Rudolph Bahro mostrou, a partir de uma epistemologia humana, construída na psique humana sobre a natureza da realidade. A maior parte das Línguas humanas, como Stephen Pinker e Noam Chomsky demonstraram, compartilham de uma ‘estrutura profunda’, provavelmente de origem genética, que separa ‘sujeito’ (o ator) do ‘objeto’ (a ação prática).Exceto se combatidos por meio de experiências de infância e reforço cultural contínuo, isto potencialmente cria um senso absolutista de “poder sobre”, e a criação de estruturas de poder hierárquica e autoritária.Nós pensamos que esta separação de sujeito e objeto, do ‘eu’ de ‘outro’ é ‘real’ em algum sentido fundamental. Até mesmo em nossas memórias mais antigas já existe uma separação clara entre um “eu” interno separado de um “mundo externo”. E, no entanto, a psicologia infantil nos mostra claramente que tal separação é criada na realidade através da linguagem. Em suas primeiras palavras, uma criança fala de si mesma como um objeto: a minha filha quando era pequena não dizia “eu quero”, mas dizia que “Arwen quer”. Somente quando ela começou a aprender a língua que ela começar a inserir um ego individual separado em sua fala e dizer “eu”.Em um mundo polarizado desta forma, entre o ‘Eu’ e ‘Não-Eu’, a sobrevivência do indivíduo torna-se problemática. O mundo ‘exterior’ é ameaçador e perigoso, e apesar de termos eliminado a maioria das grandes predadores dos seres humanos, ainda vivemos como se isso fosse verdade. Os maiores perigos para nós são agora outros seres humanos. Não só acreditamos que o nosso ‘modelo’ do mundo é real, mas também inserimos um modelo similar de nós mesmos. Como mostrou Ernst Becker, a inserção de um modelo de si mesmo dentro do modelo do mundo, criando ao mesmo tempo o imenso poder da possibilidade de previsão (o deus grego Prometeu) e retrospectiva (Epimeteu em grego), ensaiando comportamentos futuros ou reconsiderando as alternativas do passado, este dom de ser capaz de projetar a nossa consciência para o passado e o futuro, introduziu a consciência dos problemas do mundo, sobretudo a realidade da morte.A Mitologia grega expressa bem essa circunstância. Para ajudar os deuses do Olimpo a derrotar os Titãs, na guerra primordial da criação, Zeus deu a Prometeu e Epimeteu um dom, uma mulher que era para ser sua esposa, Pandora (‘Pan’ = tudo, ‘Dora’ = dom) e uma caixa, que nunca devia ser aberta. Mas a curiosidade sobre o ‘presente de tudo’ era muito grande, ela abriu a caixa e trouxe todos os problemas para o mundo, acabando com a idade de ouro. Isto é similar à história misógina judaica de Adão e Eva no Jardim, onde Eva seduziu Adão a comer do fruto do conhecimento do ‘Bem’ e do ‘Mal’ e assim foram expulsos do paraíso. Esse mito em sua essência expressa bem a angústia existencial associada com a descoberta na infância da realidade da ‘morte’. Nós encontramos histórias semelhantes nas memórias ancestrais de outras culturas civilizadas do mundo.Sobreviver, em seguida, torna-se problemático, o que parece resultar em duas estratégias:

Page 33: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Em uma estratégia a criança pensa: “Se eu me mantiver pequeno, para que ninguém me note, eu vou sobreviver”. Na outra, a criança pensa: “Se eu assumir o controle da realidade externa, eu vou sobreviver”.Mas, dentro dessa polarização, cria-se um sistema hierárquico de ‘poder sobre’ em que sempre há ‘vencedores’ e ‘perdedores’, e um jogo de soma zero do tipo ganha-perde ou ‘poder-sobre’ se desenvolve, uma luta de poder que é o caráter dominante da todas as culturas civilizadas.Em todos os lugares, encontramos o desenvolvimento de elites, em que um pequeno número de sacerdotes, soldados, burocratas e príncipes comerciantes, usam o seu poder através do controle de condicionamento cultural, coerção ou comércio, para dominar as vidas das pessoas comuns, extraindo socialmente, politicamente, culturalmente ou economicamente a produção excedente dos dízimos, a tributação, ou tarifação da qual a sobrevivência da elite depende.A maximização da produção, necessária para permitir que o tamanho dessas elites cresça e assim minimizar os conflitos internos, requer tanto uma população crescente, quanto um aumento da exploração do ambiente natural, ou extração cada vez maior da produção excedente, reduzindo a vida dos plebeus a maior pobreza. Quando os limites sociotécnicos a estes processos são atingidos, aumentam as lutas entre elites e gera-se violência e destruição, tendo como resultado o colapso final. As civilizações não morrem, elas cometem um tipo de suicídio ecológico.Torna-se então muito difícil encontrar e viver com sanidade real em tais circunstâncias. Uma das necessidades para se tornar um peixe capaz de deixar a água na qual ele está nadando, para obter uma perspectiva diferente, é ter um novo ponto de vista sobre a natureza da água que diariamente o rodeia.Mas como podemos nos libertar de tal ilusão persistente? A convicção sobre nossa separação do mundo natural ocorre em parte porque nossa cultura reforça essa divisão, valorizando lógicas, linguísticas e atividades racionais cerebrais mais do que as integradoras, intuitivas, criativas e holísticas atividades do hemisfério direito do cérebro.Tendemos a organizar o nosso pensamento de forma ‘objetiva’, Planejando e Fazendo de forma independente e separada dos nossas práticas ‘subjetivas’ de Sonhar e Celebrar.Nossa cultura separa o trabalho da brincadeira, e considera o brincar uma forma menos importante (e menos valorizada) de trabalho. Na tentativa de assumir o controle da própria vida, o ser humano cria situações, de ‘poder sobre’ estruturas de autoridade hierárquica, nas quais os homens são mais importantes do que as mulheres, a cultura é mais importante do que a natureza, o indivíduo é mais importante que a comunidade. Em uma cultura tão contraditória, governos são considerados ‘vencedores’ sobre a oposição e na escola, acadêmicos ‘vencedores’ têm ‘sucesso’ e são mais importantes que não acadêmicos ‘perdedores’, que levam à ‘falha’.Nossos sistemas legais baseiam-se no confronto de adversários para imputar culpa ou declarar inocência, nosso sistema econômico versa sobre como se tornar rico e evitar ser pobre, nossos sistemas de saúde tratam a saúde como se esta fosse o ato de evitar doenças.Em um mundo onde excedemos a capacidade de suporte do ambiente natural, temos como resultado a construção de sistemas de educação que não podem aprender, sistemas de saúde que estão doentes e passando mal, sistemas de justiça penal que são criminalmente injustos, governos que não conseguem se governar, e como a atual crise econômica demonstra, uma economia mundial que não pode economizar, e está em recessão e se desfazendo, como resultado.Nessa hierarquia de vencedores e perdedores, o trabalho mental se torna mais importante que o trabalho do coração ou o trabalho das mãos, na forma como modelamos nossas organizações, em uma visão transcendental completamente obsoleta do corpo humano. Persistir em tais visões equivocadas resultará inevitavelmente naquilo que Joseph Tainter chamou de ‘Colapso Geral do Sistema’. Os ventos da futura “Idade das Trevas” já se fazem sentir de muitas maneiras.Assim, mesmo que a teoria da relatividade, a mecânica quântica, a nova física, as ciências biológicas, a ecologia moderna, a neurologia e a teoria epigenética nos mostrem a falsidade desta teoria absolutista do modelo linear de ‘poder sobre’, continuamos em nossas ações cotidianas a atuar como se isso fosse de fato correto.Estamos presos em uma posição de ‘duplo poder’, onde as velhas estruturas ganha-perde de poder e autoridade, não só não podem mais resolver os nossos problemas, mas também se tornam parte do problema. As estruturas alternativas que poderiam resolver os nossos problemas não têm nenhum poder ou autoridade. É uma dissonância cognitiva em escala planetária.Albert Einstein afirmou que para encontrar a solução para nossos problemas, precisamos de uma consciência diferente daquela que inicialmente criou o problema. No entanto, como o fracasso da recente Cúpula do Clima de Copenhague, foi claramente demonstrado que persistimos em tentar resolver os nossos problemas internacionais usando as mesmas estruturas de crescimento do individualismo sem limites e os interesses econômicos concorrentes de estados nacionais rivais, que criaram os problemas em primeiro lugar. O pensamento de que precisamos resolver estes problemas com uma consciência diferente daquela que acreditamos ser verdade, não entrou na consciência da maioria dos tomadores de decisão.

Page 34: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

No entanto, mais de 50 anos atrás, quando refletiu sobre nossas circunstâncias no século 20, Einstein viu o que era necessário. Ele escreveu: “Um ser humano é uma parte de um todo, chamado por nós de Universo, uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele experimenta a si mesmo, seus pensamentos e sentimentos como algo separado do resto... uma espécie de ilusão de ótica de sua consciência. Esta ilusão é um tipo de prisão que nos restringe a nossos desejos pessoais e ao afeto pelas pessoas mais próximas. Nossa tarefa deve ser a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando nosso círculo de compaixão para abraçar todas as criaturas vivas e toda a natureza em sua beleza.”Este é claramente um trabalho importante, e deve ser fundamental para a Grande Virada da nossa civilização para uma verdadeira Cultura de Suporte à Vida. Sabemos agora que nós, como indivíduos, não somos separados da Terra, e estruturas ganha-perde em uma cultura que já ultrapassou a capacidade de carga do seu ambiente apenas produzem resultados perde-perde de soma negativa para todos nós. Mas lutamos em nossas tentativas de construir tal sustentabilidade. Isso é concebível de outra forma? Precisamos encontrar um ‘novo jogo’, um jogo de soma positiva com base em ‘ganha-ganha’. Eu acredito que os princípios e as práticas descobertas por aborígenes nos mostram que outro caminho é possível.SONHO: UMA VISÃO ALTERNATIVA DO TEMPO?No meu trabalho em toda a Austrália com aborígines e em outros países, com outras culturas, eu encontrei um caminho que me permitiu, até certo ponto, me tornar um peixe fora da água, e ver a água cultural em que nadamos em de uma forma completamente diferente.Este caminho me ensinou um pouco da consciência que precisamos ter para compreender e viver uma vida construída sobre uma verdadeira sustentabilidade ganha-ganha, tão necessária para os filhos de nossos filhos. Culturas aborígenes, provavelmente, entraram no continente australiano pela primeira vez há pelo menos 70.000 anos atrás, e têm se mantido sustentáveis, apesar das grandes mudanças no clima provocadas por eras glaciais, secas, inundações e incêndios, por esse período de tempo.Formam sem dúvida a maior e mais antiga cultura sustentável no mundo, e essa sustentabilidade vem da profundidade de sua relação holística com o tempo e o espaço, e sua relação integrativa com a terra, seus ancestrais e seus descendentes, de uma forma que poucos europeus experimentaram. Em tal ambiente árido, uma cultura como a nossa, baseada em estratégias do tipo ganhar-perder, iria resultar em uma sentença de morte para a maioria dos participantes, e uma cultura baseada em ‘jogos ganha-ganha’ se torna a única cultura sustentável, em última análise. Se queremos construir uma verdadeira sustentabilidade, tais ‘jogos ganha-ganha’ precisam se tornar a base de tudo o que fazemos.A nossa cultura de ‘poder-sobre’ tem uma estreita e puramente linear visão ‘progressista’ de tempo, uma mudança do passado, através do presente, para o futuro. Nós medimos isso em segundos. Coloque esses segundos em uma sequência linear de causa e efeito e acredite que esta é uma realidade objetiva absoluta.Tempo tornou-se dinheiro. Nós achamos que podemos controlar e ‘economizar tempo’, tornando-nos ‘mais eficientes’, mas como Tom Attlee nos mostra, isso resulta no fato de que o tempo se acelera, “As coisas estão ficando melhores e melhores, e a cada vez piores, cada vez mais rápido”.A velocidade de mudança e as tensões que esta causa são superiores ao que a nossa cultura, nossas comunidades, nossos corpos e até mesmo os ecossistemas vivos do planeta dos quais todos nós dependemos, conseguem lidar.Como tudo desaba em um sentido de ‘Agora’, perdemos a noção do passado profundo, que é cada vez mais visto como irrelevante para o presente e um futuro que se torna cada vez mais assustador, terrível e apocalíptico.Nossos medos do futuro ameaçam se tornar profecias que cumprem a si mesmas, quando nos confrontamos com as situações de mudança climática, com o colapso econômico e a extinção em escala planetária da variedade biológica. Outros, sentindo-se ameaçados por esses pensamentos obscuros, procuram escapismo na prevenção, na desilusão e negação, ou mergulhando em comportamentos de dependência de consumismo irracional. Mas uma alternativa para essa situação existe – os princípios culturais dos aborígenes australianos mostram-nos como.Recentemente, durante a execução de uma Oficina Dragon Dreaming, eu tive um sonho estranho. Ulrike, a mulher com quem eu estava trabalhando para preparar as apresentações em busca de uma subvenção para um projeto da comunidade, apareceu vestida com uma roupa e capacete de ciclismo, montada em um monociclo elétrico. Parada pela polícia, ela explicou que precisava entregar medicamentos a um hospital. A polícia não iria deixá-la continuar, e eu disse que estava viajando com os amigos desse jeito, e que eu poderia entregar os medicamentos. Estávamos com um grupo que desejava iniciar uma comunidade de ecovilas em um Polder, nome dado aos terrenos que os holandeses recuperaram do mar. O Polder tinha 28 quilômetros quadrados, e eu disse que com a mudança climática e aquecimento global a sua comunidade não iria sobreviver à elevação do nível do mar. Uma pessoa disse: “Não se preocupe! O Polder está localizado no Reno, em Frankfurt”.Este sonho ilustra muitos dos fatos estranhos da natureza dos sonhos. Frankfurt não é no litoral. Mas há muito neste sonho que não pode ser facilmente explicado. Por exemplo, na manhã seguinte, quando compartilhei o sonho na oficina, Anoutosh, um holandês

Page 35: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

que participava do treinamento, explicou que ele havia, de fato, vivido em uma ecovila que estava em um Polder com um tamanho de 28 quilômetros quadrados (um fato que eu ignorava completamente). Ele explicou que tinha uma namorada que vivia em Frankfurt, e que estava tentando persuadi-la a viver com ele na Holanda, e ela estava tentando persuadi-lo a mover-se para Frankfurt. E então, recentemente, considerando que a oficina da comunidade para a qual a concessão foi preparada iria em frente de qualquer forma, recebi uma notificação de que a concessão que Ulrike e eu estávamos trabalhando não teve sucesso. Teríamos que encontrar uma nova maneira de proceder com o trabalho que desejávamos.Um segundo sonho em um workshop subsequente eu me vi a cantar a canção de aniversário em alemão durante toda a noite. Na manhã seguinte, enquanto compartilhava o sonho, Dorte, um dos participantes do grupo declarou: “Sim, hoje é meu aniversário, e eu nasci no meio da noite!”De onde é que esse insight veio? Será que eu ouvi inconscientemente conversas de Anoutosh e Dorte, mas não prestei atenção no momento? Mas nem Anoutosh ou Dorte se lembravam de ter compartilhado a informação com outros na época. Isto é evidência da existência de alguma forma de telepatia? Anoutosh e Dorte, sem dúvida, estavam pensando sobre essas coisas durante o tempo em que estivemos juntos. Seja qual for a explicação, isto mostra que através do processo de sonhar estamos processando informações que nos ligam aos outros e ao mundo de forma completamente não-racional e não-linear, em relação ao que chamamos de consciência desperta normal.Sonhar assim parece ter uma eternidade essencial, em que tanto o passado quanto as expectativas sobre o futuro interagem de estranhas formas com o presente. Somos esquisitos, e nossas vidas são muito mais estranhas do que imaginamos. Foi demonstrado, por exemplo, que precisamos de cerca de 7 a 8 horas de sono por dia e que o nosso desempenho é diminuído se dormimos muito menos do que isto.Por que isso acontece? Também foi mostrado que, mesmo para criaturas tão simples como as formigas, o sono é essencial para a sobrevivência, mas a biologia ainda não encontrou respostas a respeito dos motivos por que isso acontece.O sono se processa em ciclos. Há o chamado sono de ondas lentas (N.T.: em inglês  Short Wave Sleep, SWS) que ocupa cerca de 80% da noite e é um estado mais profundo do que sonhar. O sono também é mais estranho do que sabemos. Por exemplo, o sonambulismo é um fenômeno que ocorre durante o sono SWS, não em nossos sonhos, como às vezes se pensa. Mais comum em crianças, afetando mais de 5% da população, o sonambulismo pode ocorrer também com adultos. Adultos têm feito até mesmo amor, dirigido carros ou escrito e-mails semi-coerentes enquanto dormem! Sonâmbulos têm sido até mesmo considerados inocentes de assassinatos que cometeram neste estado. Eu posso pessoalmente atestar sobre um evento como a minha filha, casada com um ex-soldado, que relatou que uma vez ela acordou com as mãos do marido em volta do seu pescoço durante a noite.Sonhar está sendo considerado, em grande parte, embora não completamente, associado com o que é chamado de movimento rápido dos olhos (N.T.: em inglês Rapid Eyes Movement, REM), e torna-se mais frequente ao longo da noite para a manhã, e ocupa 20% a 25% do tempo total de sono. A pessoa média tem cerca de sete sonhos cada noite, e estes sonhos duram tipicamente de 5 a 45 minutos. Sonhar tem sido uma parte importante de todas as culturas humanas desde os tempos pré-históricos, e houve muitas tentativas de entender sua natureza. Eles são biologicamente importantes e pessoas que têm dificuldade em sonhar podem ter um número de problemas psicológicos bem definidos, mas a natureza biológica do sonho também não é claramente compreendida.Também foi mostrado que ter consciência sobre uma vida de sonho ativa pode ser associado com uma maior eficácia do funcionamento pessoal e resolução criativa de problemas na vida cotidiana. Apesar disso, a maioria das pessoas em nossa cultura não se lembra de seus sonhos ao acordar, embora tenha sido demonstrado que isto pode mudar com a prática. Os índios iroqueses da América do Norte acreditam que as pessoas que perderam a consciência de seus sonhos perderam parte de sua alma, crença esta compartilhada por muitas culturas aborígenes, e eles desenvolveram práticas rituais pelas quais essa ‘alma’ pode ser recuperada.A Biologia também mostra que estamos programados para ter um segundo período de sono após o almoço. Nas oficinas eu digo que este período após o almoço é muitas vezes a ‘mudança do turno’, quando o desempenho conceitual é menor e por isso muitas vezes é preciso dar um tempo de sesta prolongada aos participantes neste período, que lhes permitam se recuperar. Em tempos antigos, as pessoas que trabalhavam durante todo o dia, sem pausa, eram considerados por seus vizinhos com suspeita, e a ‘siesta’  (do latim, significando a ‘hora sexta’ – Sexta – depois do nascer do Sol) é ainda uma parte importante em muitas culturas. O hábito moderno de trabalho direto através do dia, sem cochilo, tem demonstrado resultar em um menor desempenho. Indivíduos verdadeiramente criativos ou eficazes, como Leonardo da Vinci, Isaac Newton, Napoleão Bonaparte, Gandhi e Albert Einstein todos eram famosos por seus cochilos ao meio-dia. Churchill ainda creditou a vitória da Batalha da Inglaterra ao seu cochilo do meio dia! Os sonhos associados cochilando também são especialmente importantes para a criatividade durante a tarde. A NASA descobriu que cochilos ao meio-dia melhoram o desempenho de astronautas e muitas companhias aéreas já adotaram esta prática5.Os nossos relógios internos são também regulado por variações sazonais de luz e escuridão; estender a luz do dia artificialmente para a noite conduz a um desejo de açúcar, e foi mostrado que isto está relacionado à obesidade e a outros problemas de saúde. A

Page 36: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

falta de sono inibe a produção de prolactina e melatonina, o que perturba o nosso sistema imunológico e aumenta o risco de depressão, hipertensão, diabetes, doença cardíaca e câncer6.Os sonhos na Bíblia eram vistos como capazes de trazer informações importantes para o sonhador, e as pessoas que conseguiam interpretar os sonhos, como José e Daniel, foram consideradas santas. Na Torá, Salomão e Jacó podiam conversar com o divino através de sonhos. Os Três Reis Magos foram guiados através de um sonho para não ver Herodes, e disseram a José através de um sonho para fugir para o Egito com Maria e o menino Jesus. O pensamento de que podemos adquirir outras informações além das disponibilizadas pelo pensamento racional, através de nossos sonhos, não era problema nos sistemas de crenças dos antigos.Sonhar é uma parte importante da ‘profecia interior’ no islamismo Shia'ite (xiita). Para os xiitas, os sonhos são divididos em dois tipos: aqueles que ocorrem durante o sono profundo e os que sucedem durante o limiar de consciência ao despertar. Esses sonhos especiais são experimentados pelo sonhador como um êxtase incomum, inspiradores e acrescidos de elementos cognitivos. Acreditam que são uma partida do corpo, muitas vezes guiada por um anjo, ou uma transformação em uma criatura alada que voa para reinos fantásticos7. Conforme explicado no Alcorão, o profeta Mohammed experimentou essa visão em sua jornada mística para o Domo da Rocha em Jerusalém.Diferenças culturais produzem sonhos de diversos matizes. É comum entre as mulheres árabes ter pesadelos de que estão em queda livre pelo ar. Talvez estes pesadelos tenham um simbolismo metafórico – a pesquisadora do sono Kelly Bulkeley indica que “há um prêmio nestes países para a mulher que se mantiver casta, e os perigos de se tornar uma ‘mulher caída’ são tão grandes, que a tendência natural para sonhos de quedas é amplificada em muito”8.Artemidoro, no século II a.C., escreveu a Oneirocritica (A Interpretação dos Sonhos), e sugeriu que os sonhos são únicos para o sonhador individual. A literatura “greco-romana sobre sonhos funcionava como uma linguagem de sinais, que formavam um padrão pessoal e cultural da imaginação e davam substância tangível a ideias como o tempo, a história cósmica e a percepção de si mesmo.”9.As pessoas que buscavam cura na Grécia Antiga viajavam em peregrinação ao centro de Asclepion, consagrado a Esculápio, o Deus da Cura, em Epidauro. Lá eram incentivadas pelos sacerdotes para dormir e tentar lembrar seus sonhos, pois estes continham importantes pistas para a sua cura. Esta prática continuou por mais de 1.000 anos! Asclépio, o deus da cura, através dos sonhos, fornecia orientação ou inspiração divina, bem como informações que permitem um diagnóstico preciso, de uma maneira que o pensamento racional era incapaz de fazer.Os sonhos “têm influenciado fortemente tanto as crenças e práticas de tradições religiosas de todo o mundo, ao longo da história”, continua Kelly Bulkeley, que “uma pergunta impossível de responder é saber se sonhar veio antes da religião ou a religião veio antes de sonhar. Mas agora temos fortes evidências sugerindo que o enraizamento natural de sonhar no sistema cérebro-mental humano o torna uma fonte universalmente disponível de consciência experiencial, precisamente os poderes que as pessoas têm historicamente associado à religião. Aceitar essa evidência não significa abandonar a ciência ou comprometer-se na fé a algum credo religioso ou dogma. Pelo contrário, significa reconhecer a realidade de uma capacidade visionária autônoma dentro do sistema cérebro-mental humano, uma capacidade impulsionada por uma inteligência inconsciente profundamente enraizada em nossa natureza biológica, ainda se esforçando continuamente para a compreensão transcendente e discernimento.”10.A partir da obra de Freud, considera-se a interpretação dos sonhos como sendo ligada a uma compreensão do funcionamento da mente subconsciente, que funciona às vezes como piloto automático para as atividades cotidianas, ou pode às vezes estar ligada a um fluxo repentino de sentimentos ou estranhos voos da imaginação11. A mente inconsciente é muito maior do que imaginamos, e geralmente está completamente além e fora da consciência do nosso eu individual. Por exemplo, falamos que ‘algo se apoderou de mim’, ou que ‘não era eu mesmo’, ou ‘estava fora do personagem’. Sonhos e imaginação parecem funcionar a partir do inconsciente por algum tipo de linguagem simbólica subconsciente difícil de interpretar.Carl Jung, que via o sonho como uma forma de expressar um inconsciente coletivo, similar à dos aborígines australianos, escreveu: “Deus fala no sonho.” Marie von Franz, uma discípula de Jung, usando uma série de importantes estudos de caso, demonstrou através de sonhos registrados como se revelam conexões entre as histórias pessoais e familiares dos sonhadores e os costumes individuais e coletivos de suas épocas12. Essa visão tem se tornado comum na psicologia Junguiana e em outras formas de psicoterapia ocidental. Mas mesmo aí os nossos sonhos parecem escapar facilmente à compreensão.Ao mesmo tempo, o córtex visual primário está inativo, enquanto que o córtex visual secundário, que processa a visão, criando a paisagem visual interna em que vivemos, é muito ativo. Felizmente, o tronco cerebral parece estar paralisado durante o sonho, impedindo-nos de agir em nossos sonhos, razão pela qual o sonambulismo não está associado com o sonho normal.Uma definição de ‘pesadelo’ é um sonho que faz a pessoa acordar no meio do ciclo do sono e lembrar-se de uma experiência com emoções negativas, como o medo. Este tipo de evento nas culturas ocidentais ocorre em média uma vez por mês. Pré-escolares são relativamente imunes a pesadelos até os cinco anos de idade, enquanto que pesadelos em vigília são mais comuns em crianças

Page 37: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

pequenas (25% vivem um pesadelo pelo menos uma vez por semana). Os pesadelos tornam-se mais comuns durante a adolescência e a seguir perdem intensidade em adultos (queda na frequência de cerca de um terço, entre os 25 e 55 anos de idade).Nossa cultura descarta o sonho como um processo subjetivo individual e, assim, a maioria das pessoas ignora os seus sonhos na maioria das vezes. Eles são muitas vezes considerados aborrecimentos que distraem, sem relação nenhuma com as nossas experiências durante o ‘tempo linear objetivo’ e deles nos esquecemos imediatamente ao acordar.Mas não foi sempre assim, mesmo em nossa cultura, como mostrei acima. Os Sioux Lakota usavam ‘Visões de Busca’ como um rito de passagem, jejuando e orando até que um sonho orientador fosse recebido, para posteriormente ser compartilhado com os demais membros da tribo após o seu regresso13.Como mostrado acima, sonhar é importante, pois pessoas que não podem sonhar sofrem um estranho tipo de neurose em que a eficácia diária é muito prejudicada.A maioria das pessoas em nossa cultura não consegue se lembrar de seus sonhos, e a maioria dos sonhos são esquecidos durante os primeiros cinco segundos de vigília.Ainda sonhando, tanto o ‘sonhar desperto’ quanto o ‘sonhar noturno’ são muitas vezes a fonte de uma criatividade profunda. Nossos sonhos esquecidos podem ser recuperados. Manter um ‘diário de sonhos’ ao lado de sua cama, para escrever seu sonho imediatamente ao acordar, ou ir dormir com a intenção de lembrar um sonho ao acordar, pode ser de grande ajuda. A investigação sobre sonhar mostra que muitos sonhos estão associados com um elevado nível de excitação ou ansiedade. Os pesquisadores do sono estimam que em quase três quartos de nosso sonho as emoções predominantes são negativas. O uso de ressonância magnética e tomografias do cérebro de sonhadores mostram que a amígdala e o córtex cingulado anterior, partes importantes do cérebro no processamento de emoções fortes de medo e ansiedade, são particularmente ativos em sonhos, enquanto o neocórtex do pensamento racional fica quase totalmente inativo. É por isso que podemos facilmente aceitar que as pessoas que se transformam em animais, ou na existência de criaturas fantásticas como dragões, em sonhos, sem pensar que isto seja estranho ou bizarro.Pesadelos são comuns particularmente no início da noite, e os sonhos agradáveis são mais frequentes pouco antes de acordar. Pesadelos, como todos os sonhos, assumem os matizes da vida e, em períodos de dificuldade, os pesadelos também são mais comuns, levando alguns a supor que o sonho é uma espécie de ‘descarga mental’ de poderosos estados emocionais vividos durante o dia.Recém-nascidos passam até 80% do seu tempo sonhando, e os padrões cerebrais associados com o estado de sonho foram encontrados em fetos de cinco meses. Como os povos aborígenes sabiam, este estado de sonho é associado com os primeiros movimentos do bebê no útero. Nos sonhos normais, a pessoa não percebe que está na verdade sonhando.Há também uma categoria de sonho lúcido, quando, durante o próprio sonho, uma pessoa se torna consciente de que está de fato sonhando, e tem um grau de controle consciente sobre o assunto e a direção do sonho.O sonho lúcido pode ser associado a uma ‘experiência fora do corpo’ (N.T.: EFDC – em inglês ‘Out of Body Experience’  – OOBE) na fronteira entre o sono e sonho, tendo um estímulo semelhante aos relatados por pessoas que têm ‘experiências de quase morte’ (N.T.: EQM – em inglês ‘Near Death Experiences’ – NDE). Tais experiências ‘fora do corpo’ são mais comuns do que os psicólogos imaginam.Minha segunda memória mais antiga é o nascimento de meu irmão caçula Chris, e está associada a uma saída específica da memória corporal que se tornou especialmente vívida na minha imaginação.Tal como acontece com experiências OOBE ou NDE, os sonhos lúcidos podem produzir mudanças permanentes em valores de uma pessoa e nas suas crenças, inclusive causando alterações permanentes de personalidade, com um profundo sentimento de estar conectado e valorização de toda a vida, maior autoestima e compaixão pelos outros, senso de significado e propósito e um desejo de aprender e contribuir significativamente para o mundo.O sonho lúcido contribui muito no processo de Dragon Dreaming. Ele nos ajuda a superar a separação construída pela nossa cultura entre ‘eu’ e o ‘outro’. Esta competência é absolutamente necessária para a Grande Virada, para constituir uma Cultura de amparo à vida do futuro. Também ajuda as pessoas a encontrar uma resposta pessoal a questões como “Qual é o propósito da minha vida?” ou “O que significa tudo isso?”As pessoas podem treinar a capacidade de sonho lúcido. Como eu mencionei acima, a intencionalidade ajuda, especialmente se apenas antes de dormir você conscientemente mantiver uma forte intenção de estar ciente enquanto você está sonhando.Com este poder, você pode se tornar um ‘sonhador perspicaz’ e ser capaz de mudar o seu sonho, no meio da experiência. Igualmente, se você tem um sonho desagradável, é possível ter sucesso em noites sucessivas ou, na mesma noite e no mesmo sonho, reentrar no sonho com a intenção de descobrir uma resposta para o que o sonho realmente significa. Recentemente, por exemplo, eu sonhei, durante a Conferência sobre Mudança Climática, em Copenhague, que estava num prado à beira de uma floresta, e um homem tinha uma arma apontada para mim. “Não quero levar um tiro”, eu disse a mim mesmo, “isso não é aceitável”. Imediatamente, um grande cão preto saltou sobre o homem, agarrando seu braço e desviando a arma. Mais tarde, no mesmo sonho,

Page 38: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

perturbado por que alguém tentou atirar em mim, eu sonhei em encontrar o homem em um bar e perguntar por que ele estava tentando atirar em mim. Ele disse: “Bem, você sabe o que Gandhi disse:” “Primeiro eles te ignoram, depois te ridicularizam, então eles te atacam, e então você ganha!” “Eu estava a atacá-lo”. O sonho fazia sentido porque eu estava participando de um fórum sobre mudança climática, e neste fórum havia uma pessoa que negava veementemente a mudança climática, atacando verbalmente e de forma violenta qualquer um que expressasse uma visão contrária à sua.Em todos estes casos, na visão ocidental dominante, vemos tais sonhos como puramente subjetivos, como sendo experiências irreais.Os aborígenes australianos têm uma visão semelhante à nossa, no que concerne à realidade e subjetividade do tempo linear sequencial, movendo-se do passado para o presente e deste para o futuro, mas eles vêm ‘o sonho’ de forma contrária à nossa cultura. Como Albert Einstein, eles sabiam que o tempo linear é uma experiência puramente relativa e subjetiva, não é absoluto e objetivo como o nosso conceito newtoniano dominante do tempo sugere. Aborígenes teriam concordado com Einstein, que demonstrou que “a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão, mesmo para uma pessoa teimosa”. Explicando a teoria da relatividade, Einstein disse: “Quando você está cortejando uma bela garota, uma hora parece um segundo. Quando você se senta em uma brasa incandescente, um segundo parece uma hora. Isso é relatividade”.Os aborígenes também acreditavam, baseados em evidências, que a nossa experiência de tempo linear é totalmente relativa e subjetiva, criada como resultado da consciência dividida entre o ‘eu’ pessoal e um ‘outro’ externo, encontrada na nossa memória inicial. Eles acreditavam que isso se tornou um ponto de ancoragem, em torno do qual nós organizamos o nosso passado, e daí o nosso futuro. É esta divisão do eu e do outro, e a organização correspondente do passado e do futuro, que cria a nossa visão subjetiva do tempo linear.Antes disso, acreditavam eles, toda a nossa existência real era encontrada objetivamente ‘no Sonhar’. Os escritores ocidentais dizem que os mitos e lendas aborígenes se reportam de alguma forma a eles mesmos no passado, mas as histórias de sonhos aborígenes não são algo do passado, embora provenham dele também. Ao serem recontadas, são trazidas para o presente e, deste modo, ficam disponíveis para o futuro.Os sonhos não eram fixos por todo o tempo, mas flexíveis e adaptáveis a novas circunstâncias e realizações. A cada anoitecer retornamos ao Sonho, da mesma forma que entramos em um lapso do sonho inconsciente no fim da vida, quando nos confrontamos com o mistério cada vez mais próximo da nossa não existência, retornando ao Sonho. Estes achados são consistentes como as experiências OOBE e NDE, tal qual confirmadas na psicologia moderna, e completamente consistentes com as crenças dos aborígenes australianos.Assim, “Aborígenes acreditam em duas formas de tempo, duas correntes paralelas de atividade. Uma delas é a atividade linear diária, a outra é um ciclo infinito espiritual chamado de ‘Tempo do Sonho’, mais real que a própria realidade. O que ocorre no Tempo do Sonho estabelece os valores, símbolos e leis da sociedade aborígene. Acreditava-se que algumas pessoas com poderes espirituais incomuns tinham contato com a hora do sonho.”14“O Sonho”, nos estudos modernos, muitas vezes se refere ao ‘tempo antes do tempo’, ‘tempo fora do tempo’ ou ‘tempo da criação de todas as coisas’, como se fosse o passado.Mas o sonho, como já mostrado, em um sentido real também está no presente e no futuro. O ‘Sonho’ aborígine também preserva as possibilidades de estranhas metamorfose e viagens no tempo, por vezes encontrados em sonhos entre animais, humanos e até mesmo em objetos inanimados, semelhantes aos dois exemplos que dei acima.Isto é semelhante à experiência do filósofo taoísta Chuang Tzu, que afirmou que na noite passada “Sonhei que era uma borboleta, voando ao redor do céu, e então eu acordei. Agora eu me pergunto: Eu sou um homem que sonhava ser uma borboleta, ou sou uma borboleta sonhando que eu sou um homem?”. Esta vivacidade dos sonhos é especialmente verdade para as crianças. Lembro-me que, quando aos sete anos de idade, eu tinha sonhos de voar tão vívidos que passei uma manhã na praia correndo por um caminho e saltando, enquanto meus irmãos e irmãs estavam brincando na água.O SONHO ABORÍGENE, A ECOLOGIA PROFUNDA E O SER ECOLÓGICO.Esta capacidade para os seres humanos se transformarem em outros animais, ou para os demais animais tornarem-se humanos, é, portanto, simplesmente explicada pela importância cultural dada à natureza do Sonhar. É fundamental, para o “Conselho de Todos os Seres” criado por John Seed e Joanna Macy. A clara intersubjetividade dos sonhos, em que sujeito e objeto não estão claramente marcados, não é encontrada apenas em mitos aborígenes. Os sonhos oferecem a todos os seres humanos uma fonte potencial de insight ou introspecção visionária, inspiração criativa, e expansão da autoconsciência.Sonhar também é encontrado nos mais profundos estados de meditação relatados pelos praticantes do budismo tibetano. Neurologistas que estudam tais métodos de meditação profunda descobriram que a ressonância magnética do cérebro mostra uma diminuição generalizada do consumo de energia nos meditadores, e um equilíbrio entre as áreas de atividade cerebral, particularmente entre os hemisférios direito e esquerdo, especialmente em partes do hemisfério esquerdo, que é responsável por

Page 39: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

manter a ilusão da existência separada de um ‘eu’ discreto do ‘outro’. O mestre zen vietnamita Thic Nhat Hanh descreve essa intersubjetividade ou “ser interior” em seu poema evocativo:   Não diga que eu vou partir amanhãporque até hoje eu ainda estou chegandoOlhe profundamente: eu chego em cada segundoPara ser um broto num galho primaverilpara ser um pequeno pássaro, com asas ainda tão frágeisaprendendo a cantar em meu novo ninhopara ser uma lagarta no coração da florpara ser uma joia que se esconde na pedraEu estou chegando, a fim de rir e de chorar,a fim de ter medo e esperança,o ritmo do meu coração é o nascimento e a morte de tudo que está vivo.Eu sou a libélula metamorfoseando-se sobre a superfície do rio,e eu sou o pássaro que, quando a primavera chega, chega a tempo de comer a libélula.Eu sou o sapo nadando feliz na água clara do lago,e eu também sou a cobra da grama,aproximando-se em silêncio, para se alimentar do sapo.Eu sou a criança de Uganda, toda pele e ossos,minhas pernas finas como varas de bambu,e eu sou o mercador de armas vendendo armas mortais a Uganda.Eu sou a garota de 12 anos, refugiada em um pequeno barco,que se atira ao mar depois de ser estuprada por um pirata do mar,e eu sou o pirata, meu coração ainda incapaz de ver e amarEu sou um membro do Politburo, com abundância de poder em minhas mãos,e eu sou o homem que tem que pagar sua "dívida de sangue" ao meu povo,morrendo lentamente num campo de trabalhos forçados.Minha alegria é como a Primavera, tão cálida que faz as flores florescem em todas as esferas da vida.Minha dor é como um rio de lágrimas, tão cheio que enche os quatro oceanos.Por favor, me chame pelos meus verdadeiros nomes,para que eu possa ouvir meus gritos e minhas risadas de uma só vez,assim eu posso ver que a minha alegria e dor são uma só.Por favor, me chame pelos meus verdadeiros nomes,para que eu possa acordar,e assim a porta do meu coração poderá ser deixada aberta,a porta da compaixão. Por Favor, Me Chame Pelo Meu Verdadeiro Nome.Por Thich Nhat Hahn  A consciência da intersubjetividade parece ter sido uma característica fundamental dos sistemas de crenças de muitos indígenas dos ‘primeiros povos’. O Chefe Seattle, em sua declaração ao Presidente dos EUA, em 1854, reconheceu claramente que a cegueira dos europeus para a intersubjetividade do que hoje reconhecemos como um ‘sujeito ecológico’ foi uma grande fraqueza e poderia resultar na destruição dos sistemas de suporte dos quais toda a vida depende.Esta consciência também foi encontrada em culturas indígenas europeias. Amergin, o bardo druida da antiga Irlanda cantava:   

Page 40: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

  Eu sou um Veado: de sete dentesEu sou uma inundação na planícieEu sou um Vento: sobre as ondasEu sou um Rasgo: o sol deixa cairEu sou um Falcão: acima do penhascoEu sou um Milagre: entre floresEu sou um Mago: mas eu que defino a cabeça fria em chamas?Eu sou uma Lança: que ruge por sangueEu sou um Salmão: em uma piscinaEu sou um Enganador: do ParaísoEu sou uma Colina: onde andam os poetasEu sou um Javali: cruel e vermelhoEu sou um Infrator: desgraça ameaçadoraEu sou um Espinho: abaixo da unhaEu sou uma Maré: que se arrasta até a morteEu sou uma Criança: quem, mas eu espio do arco tosco do dólmã?Eu sou o Ventre: de cada bosqueEu sou a Chama: em cada colinaEu sou a Rainha: de cada colmeiaEu sou a Sombra: para cada cabeçaEu sou o Túmulo: de toda a esperança Embora exista desde o início de nossa própria cultura, a intersubjetividade ou ‘interser’ foi perdida no mundo moderno. Esta é uma valorização da nossa cultura urgentemente necessária e precisamos recuperá-la, se quisermos alcançar o início de uma Cultura de Vida Sustentável e sobreviver para além do século XXI. Caso contrário, corremos o risco de sofrer aquilo que o astrônomo real britânico Martin Rees nos advertiu que poderia ser “O Último Século Humano”, como estamos neste momento a desencadear a sexta megaextinção, causando a morte de até 50% da vida no planeta ao longo dos próximos cinquenta anos.Na cultura aborígine, Sonhar era um fenômeno construído sobre esses movimentos e que levaram à apreciação profunda do nosso parentesco com toda a vida. Os Aborígenes também sabiam que o tempo linear é subjetivo, não uma experiência objetiva. Sonhar, através de suas estranhas justaposições, foi considerado por aborígenes como sendo a fonte de toda criatividade. Não é por acaso que a nossa língua refere-se a sonhos como o nosso ‘anseio mais profundo’. Nossos sonhos estabelecem a estrutura através da qual construímos as pontes, as trilhas encantadas e narrativas de nossas vidas diárias.Isso confirma a abordagem à criatividade de Arthur Koestler, que acreditava que a criatividade ocorre como resultado de reunir diferentes quadros de referência, normalmente mantidos separados15. Como o estado de sonho nos leva a confiar em coisas que são estranhas, enquanto aliena as coisas que são irrefletidamente confiáveis.Os anciãos Noongar do Sonho Aborígene, conhecidos como Djinagabee ou ‘Pés de Pena’, certamente reuniram os três arquétipos – do sábio, do artista e do coringa – considerados por Koestler como a epítome da criatividade, juntos em uma união poderosamente evocativa. Como com muitas outras grandes descobertas científicas, mais uma vez a ligação de Sonho e criatividade foi dada por Einstein, que depois de anos de cálculos infrutíferos, de repente, teve a solução para a teoria geral da relatividade revelada em um sonho “como um dado gigante fazendo uma marca indelével, um enorme mapa do universo descrito em uma visão clara.”16. Assim como para Einstein, Sonhar era para o povo aborígine um meio de acessar a consciência coletiva do seu povo17  que deu sentido ao mundo, e do qual veio toda a arte, música, dança e celebração.“Alguns dizem que o sonho é um reino espiritual que satura o mundo visível com significado, que é a matriz do ser; que é o momento da criação, que é um universo paralelo que pode ser acessado através do desempenho ritual de música, dança e pintura, que é uma rede de histórias de heróis...”“Não é certo, no entanto, dizer que o período de criação está no passado, porque é um passado que é eterno e, portanto, também presente. Antepassados afundam, mas também emergem e passam através dos sítios. Em outras palavras, uma jornada ancestral, ou história, se torna um lugar, e esse lugar tem passado, presente e futuro ao mesmo tempo.”“Para o povo aborígene orientado tradicionalmente, o Sonhar abrange e envolve este tempo de memória viva, que nele afunda. O tempo afunda em um lugar no País.”

Page 41: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

“Cada local sagrado contém uma fonte potencialmente ilimitada de determinadas espécies deixadas lá por um ancestral. Mas para assegurar a sua geração contínua, é necessário o ato cerimonial. Se isso não for feito, ou não for feito corretamente, este estilo de vida acabará por desaparecer...”“A Terra é sagrada e consciente, não é um contraponto para o céu. O Céu e a Terra são incorporados em conjunto, no mesmo plano. Um país está saturado na consciência. Ele reconhece e responde às pessoas. Isto depende das pessoas”.18 Mas mesmo esta visão é uma distorção. A crença implícita e não declarada de Davidson de que o mundo não era sagrado e espiritual, ou que a matéria era de alguma forma morta e inerte e desprovida de espírito vivo, tem uma origem ocidental e não é um conceito aborígine. Assim os ancestrais realmente e literalmente retornam para locais específicos da Terra a partir do qual surgiram, uma Terra que os sustentava cada vez que respiravam. Esta é uma afirmação real do que é real, e não uma crença ‘espiritual’ desconectada.Assim, como Inga Chedinnen escreveu sobre o Sonhar Aborígine: "Eles também desenvolveram estruturas de pensamento móveis – edifícios intelectuais tão abrangentes que cada criatura e planta tinha o seu lugar dentro deles. Eles viajavam leves, mas levavam atlas, enciclopédias ambulantes de história natural. Eram Sherazades, também, porque este conhecimento complicado não era escrito, mas alocado nas mentes humanas através de canções, danças e histórias.”“Observações detalhadas da natureza eram transformadas em drama pelo desenvolvimento de narrativas múltiplas e de muitos níveis: narrativas que ajudavam a memorizar as intrincadas relações entre fenômenos observados. Essas narrativas dramáticas identificavam fatores recorrentes e, portanto, o atemporal e o significativo dentro do fugaz e do idiossincrático.”“Elas também eram muito humanas, carregadas de significado moral, com emoção e com humor também – afinal, as criaturas do Sonho não eram divindades austeras, mas seres falíveis que construíam o mundo e tudo nele, enquanto agiam como criaturas. A cultura aborígene tradicional fundia solidamente áreas de conhecimento que os europeus ‘naturalmente’ mantêm separadas: ecologia, cosmologia, teologia, moralidade social, arte, comédia e tragédia – o observado e o imaginado ricamente se fundiam em um conjunto harmonioso”. 19 Chedinnen continuou “W. E. Stanner chamava o ‘Tempo de Sonho’ de Duradouro, ou Permanência, palavras que Stanner preferia em detrimento do mais familiar ‘Sonhar’, que ele pensava lembrar por demais um conto de fadas”.Mais tarde, em sua própria série de palestras, ele se referia a isto com o ‘Todo Quando’20. O professor e estudioso zen budista vietnamita já mencionado, Esp Nhat Hanh, chama isso de ‘Interexistência’ e sugere que é de vital importância para a cura de nós mesmos no mundo. Na última seção, brevemente mostrei como esse conceito é necessário na Grande Virada, para voltarmos a habitar o tempo. Einstein também entendeu isso. Desta forma, Sonhar é parte do padrão final atrás do padrão – o padrão que liga os sistemas vivos. Em sua Teoria da Relatividade Especial, através do seu ‘Continuum do Espaço-Tempo’, Einstein compreendeu o ‘Todo Quando’ com uma visão do tempo como estando em todos os lugares totalmente presente, de uma forma muito parecida com a interpenetração do tempo e do país dos aborígenes.SONHO E SUSTENTABILIDADEMas a espiritualidade aborígene foi ainda mais longe do que Einstein. Não era apenas um conjunto de equações científicas. Era vivo e ecológico, bem como de natureza física. Baseava-se na importância de suprir sua necessidade de alimento sem degradar o meio ambiente do qual dependia. Viver em um ambiente tão frágil como na Austrália mostrou aos aborígenes que, se eles se tornassem ‘Comensais Futuros’21, os comedores de seu próprio futuro como temos feito, não haveria comida no futuro.Como Chedinnen mostrou, os “aborígines se sustentavam em delicado equilíbrio entre a população e o abastecimento de alimentos, através de uma contenção do consumo e coreografados movimentos sazonais.” Estes movimentos foram determinados pelas ‘Linhas da Canção’, que Bruce Chetwin descreveu como“... o labirinto de caminhos invisíveis que correm por toda a Austrália e são conhecidos pelos europeus como as ‘Trilhas de Sonho’ ou ‘Linhas da Canção’, para os aborígenes como as ‘Pegadas dos Antepassados’” ou o ‘Caminho da Lei’”.“Os mitos de criação aborígenes falam do ser lendário totêmico que andava sobre o continente no Tempo do Sonho, cantando o nome de tudo o que cruzasse o seu caminho – pássaros, animais, plantas, rochas, nascentes – e assim cantando trazia o mundo à existência.”22Robyn Davidson escreveu sobre as ‘Linhas da Canção’ quando ela diz que“Muitos ancestrais diferentes criaram um país, viajando através dele conhecendo-se uns aos outros. Dessa forma, um determinado país é compartilhado por todas as criaturas que ali vivem, suas essências surgindo do Sonhar, e a ele retornando. Algumas ‘Trilhas do Sonho’ atravessaram muitos países, interagindo com os locais onde foram e conectando lugares distantes uns aos outros. Assim,

Page 42: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

o pulso de espalhar a vida, como um batimento cardíaco, leva sangue através do corpo do continente – nó / caminho, nó / caminho – tanto quanto, e às vezes através do mar...”Isto leva a um comportamento muito diferente em relação a como é tratado o ambiente natural. O reconhecimento de parentesco com toda a vida, amplamente demonstrado cientificamente com a descoberta de que somos todos descendentes do Último Ancestral Universal Comum (N.T.: LUCA – Last Universal Common Ancestor), alguma bactéria pioneira que viveu há mais de três e meio bilhões de anos atrás, leva a uma condição de respeito, como você poderia mostrar aos membros da sua família biológica imediata.Ian Tarrant, em seu livro ‘Sob a Árvore Carley’, relata uma experiência quando, acompanhado de um ancião aborígine, se deparou com uma árvore carregada de frutos. Os dois homens começaram a colheita da abundância. Tarrant estava ocupado colhendo todos os frutos de um galho, quando ele notou que seu companheiro tinha parado e estava olhando para ele com perplexa indulgência. “Por que você parou?” Tarrant perguntou. “Porque precisamos deixar frutos para os outros em nossa família”, foi a resposta. Tarrant perguntou: “Quais outros?” Sabendo que não havia ninguém em um raio de centenas de quilômetros. “Os outros animais e insetos, que também dependem destes frutos”, ele disse.Desta forma, o parentesco com os outros animais da ‘Linha da Canção’ criou uma cultura que não pega e pega e pega do ambiente, deixando um vazio atrás, mas garante que o suficiente seja deixado para todos. Precisamos de uma tal sensibilidade, tornarmo-nos cientes de que a Terra está prestes a mudar rapidamente, porque ela tem sido usada como um fornecedor inesgotável de recursos e um poço sem fundo para os nossos resíduos. A atitude de respeito e serviço profundo à Terra, demonstrada pelo cuidado dos guardiões aborígenes com o seu país, precisa ser construída em cada projeto e atividade Dragon Dreaming. Nós todos precisamos trabalhar em serviço à Terra, para incentivarmos o florescimento e bem-estar de toda a vida, porque somos uma parte da Terra e a Terra é uma parte de nós. O que fazemos com a Terra fazemos a nós mesmos. E como visto acima, desertos vazios são o resultado de não tomarmos esses cuidados.Acreditava-se também que as ‘Linhas da Canção’ colocavam “os espíritos dos nascituros e determinavam as formas da sociedade humana”23. Na cultura Noongar Wadjuk, dos aborígenes que viviam em torno de Perth, acreditava-se que os espíritos dos nascituros descansavam em determinadas grandes rochas nas linhas da canção, chamadas Booyar, e quando uma mulher casada, que já era sexualmente ativa, desejava conceber, ela deveria passar a noite em uma dessas pedras, e os espíritos de crianças ainda não nascidas iriam visitá-la em seus sonhos.Tão forte era a crença de que essa intencionalidade era suficiente para limitar a gravidez, que funcionava como uma forma psicológica de controle de natalidade para as mulheres que ainda não estavam preparadas para serem mães. Os homens não eram autorizados a visitar esses locais, e tinham que se afastar imediatamente, se inadvertidamente tivessem se aproximando de um destes locais considerados como ‘negócio secreto das mulheres’. Em Goonininyup, um local sagrado perto de Perth, os europeus rolaram essa pedra para o rio, na tentativa de evitar que os aborígines visitassem o local e assim, inadvertidamente, em sua ignorância, tornaram muitas mulheres locais inférteis.Quando o bebê se move no ventre pela primeira vez, a mãe considera que é o país sobre o qual ela está de pé, a ‘Linha da Canção’ em que descansam seus pés, que optou por ativar o feto, e ele começou o seu sonho. Quando nasce, é dito à criança que este lugar é o seu país, não como um ato de posse, no sentido da Europa Ocidental, mas no sentido de que ela é guardiã, uma zeladora responsável por essa parte da ‘Linha da Canção’ e, ao invés de ‘possuir’ a canção ou história, ela é em um sentido real a personificação dela – tanto proprietária da história quanto propriedade desta. Os artistas aborígenes só estão autorizados a pintar os Sonhos com os quais eles têm uma relação social24. Desta forma, uma ‘Linha da Canção’ se relaciona também com o próprio destino de uma pessoa ou sua história individual na sociedade e em relação à Terra.Em Dragon Dreaming, muitas vezes é uma boa ideia dar às pessoas a chance de explicar suas próprias  Songlines pessoais, que os levaram juntos a trabalhar em um projeto comum. Estas Songlines são delas, com base em experiências pessoais, interpessoais e sociais anteriores. Reuniram-se em sua própria vida e talvez na vida de seus pais ou outras pessoas com quem se encontraram e trabalharam ao longo de sua vida. Tal Songline dá sentido à história pessoal que agrega as vivências de toda uma vida. Outras pessoas, ouvindo e respeitando essas histórias, sem julgamento, dão à pessoa a chance de ser compreendida, reconhecida e celebrada por quem ela é e pela singularidade de sua viagem que a trouxe a este lugar e tempo no aqui e agora, o coração do ‘Todo Quando’.Isso me lembra duma ocasião em que, após ter criado um ‘plano de jogo’ para um determinado projeto na comunidade aborígine de Halls Creek, no extremo nordeste da Austrália Ocidental, um velho ancião aborígine, que estava sentado em silêncio no fundo da sala durante a maior parte do processo, veio com um sorriso perplexo e me tomou pela mão, levando-me para o saguão de entrada do edifício em que estávamos trabalhando.Havia na parede um magnífico trabalho de cinco metros de altura de arte aborígene. “Eu fiz isso”, disse. “É parte do meu sonho”. Ele apontou para trás no diagrama confuso do projeto que estava trabalhando. “Você acabou de criar um novo sonho,  Songlines novas para o nosso país.” Com seu jeito discreto, que ele havia me mostrado que Dragon Dreaming é mais do que criar um jogo de tabuleiro para a criação de projetos tremendamente bem-sucedidos. É um mapa de um território sagrado e secreto, que mostra como

Page 43: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

somos parte deste mundo, sempre fomos e sempre seremos. E em Dragon Dreaming este encontro entre eu e o outro, entre o pensamento e a ação, ligando Sonho e Celebração ao nosso Planejamento e Execução de uma maneira que sempre ocorre em um lugar específico – um país que continuará a existir por muito tempo após nossa partida, e do qual somos apenas guardiões temporários.DESCOBRINDO SUA SONGLINE PESSOALA Tradição Noongar dos povos do sudoeste da Austrália Ocidental viu a criação como um produto de "Karl" ou "Garl", o fogo. É o fogo do leste, o Sol, que começa no dia, e o retorno do Sol após a estação fria e molhada de Makuru, associada com o florescimento de Djilba, e a vinda da ‘ave comedora de mel’ de mesmo nome, que marcou a virada do ano. O lugar onde o fogo era aceso na lareira, era o ‘Karlup’, um lugar da segurança e da celebração no final do dia. As pessoas que se reuniram em torno do Karlup formavam o ‘Karlupgur’, as pessoas com quem você tem parentesco, compartilhando comida, história, música e tomando decisões em conjunto.O Karlupgur não era um grupo fixo, mas muitas vezes uma reunião temporária, um lugar de encontro, onde as pessoas poderiam se juntar com os outros. Karlupgur muitas vezes tinham a mesma forma que a oficina Dragon Dreaming. Eles se reuniam em um semicírculo ao redor do fogo ou Karl, porque a direção em que o vento estava soprando, iria também determinar a direção que a fumaça seguiria. Em um Karlupgur, as pessoas podiam vir de várias direções diferentes, e tinham muitas histórias diferentes para contar.A verdadeira natureza da celebração é a maneira pela qual a transformação de sua prática leva à transformação de você como um indivíduo. É a maneira em que seu conhecimento se torna a verdadeira sabedoria do tipo que estivemos falando acima, a sabedoria na forma como você age no mundo, e como isso leva para o mundo agindo em e através de você.Eu muitas vezes começo uma oficina Dragon Dreaming com a descoberta, partilha e celebração de cada Songlinepessoal, como forma de Celebrar as pessoas que se reúnem nesta oficina.Pelo que descrevi acima, na cultura aborígene, cada pessoa era a guardiã de um ‘Sonho’ altamente personalizado, desenhado sobre a terra em que viviam. Era uma parte importante da transformação do ‘Auto Conhecimento’. “Conheça-te a ti mesmo”, (γνῶθι σεαυτόν ou gnōthi seauton) uma das duas grandes injunções do templo de Gaia em Delphi, mais tarde assumida por Apolo, era a fonte para descobrir seu Songline pessoal.Realmente ‘conhecer a si mesmo’, nesse sentido, envolve um profundo sentimento de celebração pessoal, uma transformação espiritual em que você procura orientar-se para a compreensão de suas próprias percepções fenomenológicas da realidade, de modo a ter uma visão séria e significativa para os aspectos de sua própria existência.O sentido teológico de “Conhece-te a ti mesmo” implica uma revolução do espírito experimental. A Songline pessoal dos povos aborígenes foi determinada pelo movimento de suas vidas entre o tempo linear da memória de volta para o sonho, a fonte de criatividade e significado, e vice-versa. Este tear em movimento na tapeçaria da vida cria um ‘filamento’, ou uma ponte, entre o mistério que havia antes do nascimento e aquele que se seguirá após a sua morte. Na oficina eu recebo pessoas em primeiro lugar para se conectar com a respiração e visualizar estes dois mistérios como um vazio em que a ponte de corda da sua vida se estende. Uma vez que as pessoas estão ligadas a este filamento, nós a trazemos à realidade da prática a seguir relatada.Acreditava-se, na mitologia grega, que estes filamentos foram dados pelas três ‘Fatalidades’ ou Moiras, diante de quem até mesmo Zeus, o rei dos deuses, era impotente.Cloto era a fiandeira do fio da sua vida: em uma oficina Dragon Dreaming esta pessoa segura a bola de lã ou de corda que é a fonte da Songline.Larchesis era a medidora de sua vida. Ela segura a vara de medição, que determina a duração da sua vida, que indica o comprimento, ou quanto tempo a sua ponte de corda dura entre o nascimento e a morte. Eu costumo definir de antemão um comprimento da corda de medida que essa pessoa segura para mensurar as vidas.Atropos, ou a inevitável, tem a tesoura, e quando ela corta o fio, este determina o momento exato de sua morte. Eu levo as pessoas a respirar e concentrar-se nisso, porque o Buda disse: “Uma coisa é certa na vida, a nossa morte, outra coisa é incerta e que é o momento em que esta morre ocorre. Da consciência destas verdades vem a iluminação”.Primeiro meça um comprimento de fio (de lã ou corda é perfeito) entre quatro metros (para um grupo mais velho) a seis metros (para um grupo mais jovem) de comprimento. Isto se torna a ‘medida’ para a pessoa que irá assumir o papel de Larchesis.O corte do seu segmento por uma mulher, assumindo o papel de Atropos, determina o momento do nascimento para a próxima pessoa do ciclo, e na oficina eu encontro a próxima pessoa no momento da morte de seu vizinho, para dar gratidão e graças à sua existência, e para honrar a sua passagem, pois dá espaço para uma nova vida na Terra. Gaia consome e recicla tudo que nela há; da morte sempre vem uma nova vida.Depois de ter sido dado o cordão sagrado de sua vida, eu convido as pessoas para dividi-lo ao meio com um nó, e depois dividi-lo em quartos. À medida que a esperança média de vida nos países desenvolvidos está em quase 84 anos, cada nó representa cerca de

Page 44: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

21 anos de sua existência. Eu, então, levo as pessoas a amarrar ainda outro nó que representa o seu momento presente ao longo deste fio.Em nossa cultura, a palavra ‘misterioso’ (Weird) significa estranho ou diferente. Mas o Songline que lhe foi dado está intimamente relacionado com o Wyrd do inglês arcaico, que se refere à forma como ações passadas continuamente afetam e condicionam o futuro, e também como o futuro afeta o passado. O conceito de Wyrd destaca a natureza interligada de todas as ações e como elas se influenciam mutuamente. De fato, para uma verdadeira compreensão, é fundamental que o Wyrd seja visto como um mistério conceitual, seu destino, onde as marés e as notícias de tempo e atemporalidade de fluxo estão a se entretecer sempre, de todas as formas, entrelaçando-se na tapeçaria do tecido do ser e não-ser no fio da sua vida pessoal.Em seguida, eu peço para as pessoas escreverem em um post-it uma breve descrição ou fazer um desenho de sua lembrança mais antiga nesta vida, e anexá-lo ao local apropriado na linha. Fazer isso auxilia que as pessoas entrem em contato com sentimentos que surgem a partir dessa memória. Estes sentimentos podem colorir intensamente e determinar a direção para a tomada de decisões futuras em todo o curso de sua vida.Então, peço para considerar as três maiores alegrias de suas vidas e anexar estas nos lugares apropriados, mais uma vez se conectando tão profundamente quanto possível com os sentimentos que surgem dessas alegrias.Em seguida, vêm os três maiores sofrimentos, a fonte de suas feridas mais profundas. Muitas vezes tentamos manter essas feridas escondidas. Lembro-me de minha esposa Vivienne, que sofreu muito nas mãos de seu pai, que por sua vez foi profundamente ferido por ter crescido na Alemanha nazista dentro de uma família pró-fascista. Minha esposa deixou a família e não teve contato com seus pais por muitos anos, chegando ao ponto de se recusar a falar alemão, sua língua materna.Em um seminário sobre Psicologia Sagrada com o Dr. Jean Houston, o psicólogo que conversou com os astronautas em seu retorno da Lua à Terra, Jean de repente virou-se para Vivienne e pediu-lhe para falar em alemão com outro participante, um homem que também tinha sofrido algo semelhante. Vivienne a princípio se recusou, mas depois Jean explicou que rever essas feridas dar-lhe-iam uma visão única do mundo, importante para compreender quem ela era, e a difícil compreensão do mundo que ela havia forjado, oferecendo um presente a seu trabalho na cura do nosso mundo. O conceito do curar feridas é antigo, e nós todos fomos feridos de várias maneiras. É uma parte do ser humano que vive nestes tempos e nesta cultura.Tendo celebrado e lamentado as feridas que sofrem, então eu peço que as pessoas pensem sobre os três maiores pontos de mudança nas suas vidas. Estes pontos de inflexão, que podem não ter sido especialmente importantes no momento, em retrospectiva representam momentos de ‘Kairos’ quando o tempo torna-se uma encruzilhada, e você se torna consciente de que, talvez alterando um pequeno passo, você poderia ter ido por um caminho completamente diferente. A ‘Kairos’ é um tempo entre eles, um momento de tempo indeterminado em que algo especial e de outra forma inexplicável acontece. Assim como ‘Chronos’  é a passagem do tempo linear, é ‘Kairos’ que conecta e reconecta-nos de volta ao nosso sonho. Marque seus pontos de viragem Kairos e anexe-os nos lugares apropriados ao longo de sua Songline.Olhando para esses dez ou mais pontos, procure perceber agora como você gostaria de ser lembrado quando da sua morte. Qual qualidade, trabalho, dom ou característica aqueceria seu coração se esta fosse a coisa que as pessoas mais se lembrassem de você. Escreva isso em outra nota de post-it, e anexe no final do seu Songline.Agora olhe para trás para considerar o momento presente. Olhando para tudo o que você criou em sua vida, as pessoas que conheceu, as circunstâncias que levaram ao momento presente e o sentido para o qual a sua vida aponta. É isso que você está procurando? O que se busca é encontrar as verdadeiras motivações, que podem estar ocultas atrás de mentiras, para vir e participar de uma oficina Dragon Dreaming.Depois de ter respondido a estas perguntas, você estará pronto para compartilhar um pouco do seu Songline com um vizinho, da mesma forma que ele compartilha com você. Ao ouvir a sua história, praticando escuta profunda e celebrando o dom da jornada única que está sendo oferecida, à medida que vocês estão ouvindo sobre a sua vida um do outro. Neste mundo o valor é muitas vezes determinada pela escassez. O Songline que você está ouvindo é único neste universo. Se pudéssemos tratar uns aos outros com o verdadeiro valor da nossa singularidade, este mundo poderia ser um paraíso.Eu sempre convido as pessoas para manter sua Songline, para levar para casa e compartilhar com outros em sua vida. Assemelha-se a uma bandeira tibetana de oração, com diferentes cores marcando os eventos de sua vida. Convido as pessoas a pendurá-la em um lugar de destaque e adicionar a ela itens, de tempos em tempos, quando a vontade ou oinsight vem.Na cultura aborígine, as Songlines encontram-se e são conectadas a partes específicas do ‘Todo-Quando’ (Everywhen). Tais pontos de encontro eram profundamente sagrados, e apontados como os locais de encontro onde diversas  Songlines convergiam. Esses locais eram frequentemente locais de Karlupgur, pontos de encontro importantes em mitos e lendas aborígenes, mas também pontos de encontro no presente e no futuro.Por destino ou acidente, ou talvez ambos, os Songlines de todos os participantes de uma oficina Dragon Dreamingvieram juntas, como se fosse por um encontro marcado em determinado momento e lugar. No Karlupgur da oficinaDragon Dreaming,

Page 45: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

compartilhamos histórias e canções de aprendizagem e de celebração, e tomamos decisões sobre o nosso futuro, em conjunto ou separadamente. A partilha deste sonho, a fonte que os impulsionou a vir a este lugar e momento particular, é um lugar poderoso que para iniciar a oficina de Dragon Dreaming. Depois de todos terem feito seu Songline, eu encorajo as pessoas a aproveitar o momento presente e, segurando-o com cuidado, colocá-lo o mais próximo possível do centro do nosso círculo, com sua viagem para a oficina, e a viagem desconhecida para longe, viajando ao longo da sua Songline, criando uma representação visual da riqueza da experiência adquirida na sala.Rastrear as viagens que os indivíduos fizeram em uma única grande folha de papel também cria uma obra de arte que pode ser revista e revisitada ao longo do resto do tempo em seu projeto conjunto, e pode ser um bom lugar para olhar para a "jornada além" ao final do workshop Dragon Dreaming. No final destes exercícios, a partilha de "Experiências Aha!" ao passar a bola de cristal ou o ‘bastão da fala’ em torno do círculo, é uma ótima maneira de descobrir as transformações pessoais da  Songline de sua vida, e de vir a valorizar profundamente os outros que compartilham a sua história conosco. Notas de Tradução:Alguns termos usados por John Croft não são passíveis de tradução direta, ou implicam em perda de sentido quando traduzidos para um diferente contexto cultural. Nossa opção, como regra geral, foi por buscar manter os termos aborígenes na mesma grafia do original, assim como alguns neologismos, como:Everywhen – todo momento, ou ‘todo quando’, refere-se à singularidade do contínuo espaço-tempo.Songlines – as ‘linhas da canção’, ‘linhas encantadas’, ‘trilhas encantadas’ ou ‘caminhos sagrados’, se referem tanto às trilhas físicas percorridas pelos aborígenes na paisagem australiana, quanto às trilhas rituais e sendas espirituais por estes traçadas.Karlup – local de encontro sagrado aborígene, ao redor de uma fogueira (karl), e ponto de entrecruzamento de diversas ‘Songlines’.

01 A Mandala Universal e o Mistério do Sentido da VidaCategoria pai: MétodosCategoria: Fichas TécnicasA Mandala Universal e o Mistério do Sentido da VidaPor John Croft                                                                                                   Última revisão: 15 de Maio de 2012 Título original: Fact Sheet Number # 01 TOWARDS A UNIVERSAL MANDALA: THE MYSTERY OF THE MEANING OF LIFETradução (texto e figuras): Áureo Gaspar (Junho de 2012).RESUMO: Este texto apresenta a ideia de que as mais recentes teorias científicas trazem uma compreensão nova e radical do que somos no universo, e da forma como podemos construir uma ponte ligando o passado ao futuro, através de nosso engajamento no mundo – a origem de Dragon Dreaming.Qual é o sentido da nossa vida?Eu tinha 25 anos e estava viajando de Londres para Lyon, na França, quanto tive o sentimento de que havia descoberto um significado profundo da natureza da vida, o ‘padrão por trás do padrão’ da vida cotidiana e a natureza essencial da estrutura do próprio universo. Eu tinha um amigo, um físico que então trabalhava no seu pós-doutorado no Imperial College de Londres, que me apresentou as teorias do físico Richard Feynman, que esteve no cerne do desenvolvimento da cromodinâmica quântica e que buscava desvendar os segredos do núcleo do átomo.Feynman procurou descobrir o misterioso motivo pelo qual todos os elétrons, por exemplo, parecem ser idênticos, indistinguíveis uns dos outros. Feynman propôs a Teoria do Calibre, em que, ao invés dos elétrons serem vistos como entidades discretas ou "coisas" separadas, quando observados no continuum múltipo de quarta dimensão do espaço-tempo, estas partículas podem ser similares a filamentos, aparecendo e desaparecendo como fantasmas através de interações com outras partículas. Partículas de tamanhos específicos surgem, transferindo momentum (quantidade de movimento), carga elétrica, spin (rotação) e massa de uma partícula em um estado para outra. Feynman tinha estudado a forma como, de acordo com a famosa equação E = mc² de Einstein, não só a matéria poderia ser convertida a partir de energia, como em explosões nucleares, mas também como a energia, se estivesse em estados suficientemente elevados, poderia ser convertida novamente em matéria. Isso ocorreria através da criação de pares de partículas de matéria e antimatéria. Feynman descobriu que se seguisse o “filamento” de antimatéria  em nosso universo, este pareceria ser um fenômeno de duração indescritivelmente curta, que quase imediatamente se chocaria com uma partícula de matéria normal, aniquilando-se estas duas partículas mutuamente e liberando enorme quantidade de energia. Feynman acreditva que um

Page 46: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

elétron, encontrando outra partícula com energia suficiente, mudaria seu momentum ou velocidade através do tempo, alterando o seu caminho para uma nova trajetória.Ele, então, teve o pensamento contra-intuitivo que, ao encontrar a energia da aniquilação, seria possível considerar que o elétron saltasse para trás no tempo, aparecendo como a sua própria anti-partícula, que então encontraria a energia de criação do par e reverteria a direção para mover-se novamente para a frente no tempo. Assim, ao invés de três partículas separadas, dois elétrons e um anti-elétron ou pósitron, temos apenas um elétron que salta para trás no tempo como um pósitron, antes de saltar para a frente novamente como elétron. A antimatéria poderia desta forma ser considerada idêntica à matéria normal, viajando para trás no tempo, do futuro para o passado. Eventualmente, ao se deparar com outra explosão de energia, poderia ser empurrada de volta viajando para a frente no tempo, mais uma vez aparecendo como um elétron. Assim, em vez da “criação de pares”, houve uma reação de calibre, onde um elétron que viajou ao passado, percebido como um pósitron de antimatéria, vira-se para viajar novamente para a frente no tempo. Da mesma forma, a "aniquilação de pares" era de fato um evento energético, onde um elétron normal, volta-se para viajar para trás no tempo, aparecendo como um positron. A antipartícula era idêntica a uma partícula normal, mas com a sua direção ao longo do tempo invertida. Um viajante do tempo em miniatura, que poderia ir para trás para encontrar e aniquilar-se a si mesmo viajando através do tempo. A razão pela qual todos os elétrons são parecidos, Feynman tinha descoberto, é que em todo o universo, pode haver apenas um elétron!As implicações dessa teoria, pela qual Feynman ganhou o Prêmio Nobel de Física, pareciam-me surpreendentes. Não só a impressão de que todos os elétrons eram realmente apenas uma partícula, criada no início do tempo e do espaço, mas toda a matéria do universo poderia, de fato, ser feita a partir desta única partícula, saltando de diversas formas para trás e para frente, entre o início e o fim do nosso universo, tecendo todas as estrelas, galáxias, planetas, nossos corpos e nós mesmos, como resultado desse processo!É claro que existem muitos problemas neste ponto de vista do cosmos. Um problema é que não há um número igual de elétrons e suas contrapartidas em antimatéria, os pósitrons, fato que deveria acontecer se a visão de Feynman fosse correta. Ou há? Elétrons se unem com os prótons carregados positivamente para formar átomos de hidrogênio, o elemento mais comum no universo. Quando a partícula instável neutra torna-se um próton estável, através da adição de uma carga positiva exatamente igual e oposta à do elétron de carga negativa, ele realmente diminui sua massa por volta do peso de um pósitron. Ficamos com o pensamento: “conteriam os prótons, de alguma forma, pósitrons disfarçados?” Prótons, como os elétrons, parecem ser partículas estáveis, mas a física quântica sugere que os prótons podem se tornar instáveis após períodos de tempo incrivelmente longos, decompondo-se em um número de partículas menores, incluindo um elétron positivo (pósitron), quando se aproximam do seu fim. A razão pela qual um próton tem carga positiva exatamente igual à carga negativa do elétron, portanto, pode ser porque um próton pode conter em algum lugar um pósitron disfarçado. O nêutron, uma partícula com carga neutra um pouco mais pesada que um próton, desta forma poderia ser considerado como a partícula a partir da qual os prótons são feitos, com o seu peso reduzido pela adição de um elétron de antimatéria. Talvez o universo de fato tenha começado como um “evento singular”, uma única partícula subatômica.Em 1971, essa sugestão foi brilhantemente confirmada pelo físico francês Alain Aspect, que estava procurando testar um lado pouco conhecido dos problemas que Albert Einstein tinha com a Mecânica Quântica. O Princípio da Incerteza de Heisenberg tinha banido para sempre a previsibilidade completa do universo material, quando foi mostrado que a posição exata e o  momentum (a dinâmica com que uma partícula estava se movendo), não poderiam ser conhecidos completamente com precisão e ao mesmo tempo. A velha teoria de que tudo o que existe são átomos em movimento foi negada. Qualquer tentativa para calcular a posição de uma partícula, tornava a sua dinâmica imprevisível, e uma tentativa de medir o seu impulso iria igualmente alterar a sua posição de forma imprevisível.As mudanças pareciam totalmente aleatórias, e Einstein não podia aceitar que “Deus jogasse dados com o Universo”. Ele propôs, com Rosen e Podulsky, que duas partículas estavam interagindo e que posteriormente se separavam. Medir a posição de uma partícula, enquanto que, simultaneamente, media-se a força de outra, permitiria que momento e posição de ambas as partículas fossem calculados. O princípio da Incerteza de Heisenberg seria violado e alegou-se que esta teoria só poderia ser acolhida através de algum tipo de ‘comunicação mística’ entre as duas partículas, a uma velocidade mais rápida que a luz, em violação à própria teoria da Relatividade de Einstein.A experiência de Alain Aspect mostrou que o Princípio da Incerteza de Heisenberg em Mecânica Quântica estava certo e Einstein estava errado. O Princípio de Heisenberg foi confirmado, sugerindo-se que as duas partículas estavam de algum modo ainda em contato uma com a outra através da ‘não-localidade’, o que sugeria que não importa quão distantes elas estavam uma da outra, ainda assim se ‘lembravam’ de um estágio no passado em que "eram um". A Teoria do Calibre sugeriu ainda que a separação da força do eletromagnetismo, que preenche o universo com as partículas mensuráveis de luz, numa fase anterior viu uma convergência entre as força nuclear fraca e a força nuclear forte, através do surgimento da chamada ‘partícula de Deus’, uma partícula mensurável chamada bóson de Higgs, que deu às partículas no Universo seu peso. Atualmente os cientistas estão procurando o bóson de Higgs, uma vez que acredita-se que o próprio Universo começou menor do que uma única partícula subatômica, que continha todo o espaço

Page 47: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

e tempo, e tudo era contido, neste momento, unificado em uma singularidade. A memória deste período, Aspect indicou, estaria em todas as partículas no universo. A intuição de Feynman de que toda a matéria existente começou com um evento singular no início do tempo parecia estranhamente confirmada. Ele indicou que todos nós estamos para sempre ligados de formas tais, que sequer começamos a entender.Esta descoberta foi a fonte da minha súbita compreensão. Se existiu essa singularidade, com a criação de tempo e espaço, vieram as questões: O que existia antes da existência do tempo e do espaço, e o que poderia existir após o tempo e o espaço desaparecem? Assim como o Universo inteiro pode ser considerado um projeto ou um processo de transição, uma ponte entre dois mistérios, eu comecei a perceber que, se tudo na vida é na verdade uma ponte, uma ponte que construímos enquanto viajamos entre dois destes tais mistérios, o que teria acontecido antes do início e o que acontecerá após o fim?Onde “eu” estava antes da minha concepção? Algumas respostas foram dadas em nossas culturas históricas, muitas vezes afirmadas com veemência, mas quando examinamos essas respostas em detalhe, vemos que elas se dissolvem em um mar de ignorância, e ficamos com um fato central: a resposta permanece cercada por mistério. Quando morrer, para onde "eu" irei? Novamente, há diferentes respostas culturais dadas a esta pergunta. Algumas pesquisas sobre experiências de quase morte, experimentadas por algumas pessoas, podem fornecer evidências, mas mesmo isso é discutível. Como antes, quando eu examinei esta questão na maior profundidade que pude, descobri mais uma que vez que ficamos apenas com o mistério insondável. O que se sabe é que a minha existência concreta é um fio, uma dança complexa de partículas filamentosas, movendo-se através do tempo e do espaço entre o passado profundo e o futuro insondável.O que eu percebi com a idade de 25 anos foi que todos nós somos andarilhos, viajando através de uma ponte entre estes dois grandes mistérios. Mas esta ponte não é como qualquer ponte normal, ela é uma ponte na qual construímos a nós mesmos, é um projeto no qual estamos ocupados construindo a ponte enquanto viajamos. É uma ponte feita a partir da nossa experiência, da vida que nós tocamos e pela qual somos tocados, é uma ponte alicerçada sobre as diferenças que fazemos com nossas vidas no mundo. Mais tarde descobri que esse caminho místico está no cerne da maioria das tradições espirituais, incluindo a da mais antiga cultura ainda existente na Terra.Qual é a diferença que eu posso fazer pessoalmente neste mundo? Quais mudanças você faz? Foi impressionante perceber que o mundo que vemos de "coisas" separadas era totalmente ilusório, e o que existia, na realidade, eram os fluxos, os fluxos de matéria e energia, fluxos de informação e entropia caótica, e o que vimos como ‘coisas’ reais – partículas, átomos, moléculas, células, planetas, estrelas e galáxias – são na verdade pontos de auto-organização dos nodos em um grande processo universal de fluxo. Foi para mim uma revelação profunda de algum mistério essencial do universo, que parecia afetar tudo o que eu via, dando uma consciência mais profunda da própria consciência, criando uma ponte para o significado mais profundo e mistério da vida.Ao falar posteriormente sobre a minha epifania com outras pessoas, muitas não conseguiam entender do que eu estava falando. Rapidamente surgia em muitos olhos uma expressão vidrada. Em outros casos, descobri que tais ‘Aha!’ ou ‘experiências de descoberta profunda’ eram bastante comuns na vida de pessoas com esta idade, e que isto poderia dar sentido e significado à nossa existência para a vida das pessoas a partir de então. Christina Baldwin descreve algo da criação repentina desta ponte no sentido de sua vida:“Eu me lembro do dia em que eu realmente me tornei consciente. Lembro-me porque eu tinha 24 anos de idade, estava vivendo na Europa, dando os primeiros passos na minha pós-graduação para encontrar a direção da minha vida. Eu tinha idade suficiente para saber que algo estava faltando. Alguns aspectos ocultos de meu próprio processo de pensamento precisavam ser revelados para o meu progresso. Eu estava morando na Inglaterra, no início da primavera de 1970, trabalhando em tempo parcial e ativamente em busca de algo desconhecido para mim. Perambulei por Londres, especialmente pelo distrito de Soho, o ponto focal da contracultura. Eu dava algumas voltas, absorvendo a atmosfera, o incenso e muitas xícaras de chá de jasmim. Um dia um homem sisudo se juntou ao círculo de conversa durante o chá. Ele se inclinou para mim e disse: ‘Eu tenho uma mensagem para você. O que você procura, vai encontrar nos Jardins Chalice.’ Vá para Glastonbury. Antes que eu pudesse questioná-lo, ele se foi.”“Dois dias depois, eu peguei o trem para Bath e o ônibus para Glastonbury. Eu visitei o mosteiro local, onde Guenevere e Arthur estão enterrados, e vaguei pela cidade à procura de jardins. Duas horas mais tarde, seguindo as instruções, eu estava vagando pelas encostas do mítico Camelot. Os Jardins Chalice acabaram se mostrando ser um grande cemitério. No início de abril, essas encostas estavam cobertas com narcisos, balançando a cabeça sob um céu mutável. ‘O que estou fazendo aqui? ’ Eu ficava me perguntando. 'Quem está tentando me ensinar? O que quer? ’ Como nenhum insight ou respostas vieram, eu fiquei quase frenética: lá estava eu, no início de minha busca, e não estava obtendo nada. Perdendo os sinais. Senti-me estúpida, sozinha e enganada.”“Adentrei uma pequena capela para descansar e pensar sobre isso. Folheando uma Bíblia que estava sobre o altar, fechei os olhos, deixando o livro cair aberto ao acaso. Meu dedo parou em Isaías 55:12: “Haveis de sair com alegria e ser deixado em paz; as montanhas e as colinas antes de você explodirão em canto; e todas as árvores do campo celebrarão.” De repente eu estava chorando. Deitei-me em um carrinho comprido na parte de trás da capela (só mais tarde percebi que era um carrinho para levar caixões) e

Page 48: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

tentei acalmar-me o melhor que pude. Respirei de forma longa e lenta, recitando a frase mais e mais: vou sair com alegria... Vou sair com alegria. Acredito que cochilei brevemente e, quando acordei, o Sol, que tinha estado encoberto o dia todo, inundava a capela através das janelas, e um feixe de luz se movia acima do meu corpo, enquanto diminuía o calor da tarde. Fiquei ali aceitando a carícia. Quando a luz chegou à minha cabeça, alguma coisa mudou: a luz parecia entrar em minha mente e transformar todo o meu ser em luz. Eu havia mudado. Eu estava acordando para um mistério maior do qual eu era parte.”No meu caso, as respostas dadas pelas nossas ciências foram o estímulo para olhar mais profundamente as questões sobre "de onde vim" e "para onde vou". Mas a revelação foi tão forte como a descrita por Christina Baldwin. Aos 18 anos de idade eu já havia percebido que estava sendo tecido dentro do cosmos como se fosse um fio de fibras em uma tapeçaria enorme. Há quatro grandes fontes destas fibras que posso reconhecidamente detectar. Elas podem ser ilustradas por uma experiência ocorrida nos últimos dias.Algum tempo atrás, eu raspei minha barba pela primeira vez em 35 anos. Eu tinha deixado crescer a barba como resultado de uma experiência que tive em uma escola na qual trabalhei como professor estagiário. Nesta escola, estando eu de pé defronte uma turma de alunos, o diretor-adjunto enfiou a cabeça pela porta da sala e disse: "Sente-se, filho, porque o professor estará aqui em um minuto!” Mais tarde, ele me encontrou na sala dos professores e reconheceu que eu era de fato o professor, pedindo-me desculpas. A outra razão para me tornar barbudo na época era a necessidade de criar para mim uma identidade diferente, após o colapso tumultuado do primeiro grande amor da minha vida. E assim eu deixei a barba crescer. A única vez que eu a raspei, estava com 24 anos, como resultado de minha noiva ter dito: "Eu nunca vi você sem barba", e assim no dia antes do meu casamento eu a raspei. Ela se queixava que havia se casado com um estranho, e disse que eu deveria deixar a barba crescer novamente. Brincando, ela acrescentou: “ou eu vou me divorciar de você!” Ela mais tarde se divorciou de mim, mas desta vez eu mantive a minha barba!Por que eu compartilho esta história? É porque quando eu raspei minha barba na semana passada, o rosto que eu vi olhando para mim através do espelho não era o meu próprio rosto familiar. Era na verdade uma face muito diferente. Eu podia reconhecer naquele rosto que via no espelho a face de meu irmão mais novo, não nitidamente, mas muito distintamente. E não era o rosto que eu me lembrava do jovem que eu era antes de ter me barbeado. Era agora o rosto de um homem muito mais velho. Embora a vizinha ao lado temporariamente dissesse que eu parecia mais jovem, na verdade para mim mesmo eu parecia muito mais velho, e me veio uma grande tristeza em relação ao que eu acreditava ser. Ver esta face foi um choque para minha identidade, a imagem ou o quadro que eu tinha construído ao longo dos últimos 35 anos da vida de quem eu acreditava que era.Isso me fez pensar na teoria do filósofo francês Lacan que falou sobre a ‘Imago’, a imagem que criamos de nós mesmos. No meu caso a imagem que eu tinha construído de mim mesmo, que eu vi sem pensar todos os dias no espelho, foi temporariamente negada como resultado da minha experiência em raspar minha barba. E como eu observei esse estranho no espelho, um estranho que era eu, cheguei a reconhecer que ‘quem eu sou’ não era o que eu via em qualquer espelho. Quem eu sou era algo completamente diferente. O padrão também havia mudado.Doulgas Hoffstader, em "A Mente Sou Eu" citou Alan Watts, que afirmou que acordou de manhã e descobriu que ele não tinha cabeça. Ele podia ver seus braços e pernas estendendo-se para longe de seu corpo, mas sem olhar em um espelho, ele não podia ver a própria cabeça. No lugar da cabeça havia escuridão, a partir da qual ele estava olhando, como dois buracos sobrepostos pelo interior de uma máscara. Sem olhar para o espelho ele não tinha ideia do que a máscara parecia. Este é o "interior" da experiência que todos nós vivemos, levando-a em todos os lugares a que vamos. Visto desta perspectiva nós realmente não temos ideia do que os demais realmente experienciam em relação a cada um de nós.Por exemplo, quando eu olho para o rosto de um amigo no espelho, o rosto parece estranhamente distorcido. Isto é porque nossa face não é perfeitamente simétrica e há diferenças sutis, mas importantes entre os lados direito e esquerdo de nosso rosto. No espelho estes lados são invertidos, mudando a aparência. Mas quando eu me vejo, eu aparento ser normal. Mas a minha cara também é invertida, e assim mesmo no espelho eu não me vejo com precisão, mas também de forma invertida. Mas porque essa é a única imagem de mim mesmo que eu vejo, me parece normal. Desta forma a nossa visão de nós mesmos é a nossa própria criação pessoal.Nós comemos cerca de duas toneladas e meia de alimentos a cada ano. Quase três quartos desta alimentação é água. Em menos de uma quinzena toda a água do meu corpo é completamente substituída. Isso é mais de 70% do meu corpo material. Dizem que cada célula do meu corpo é substituída a cada sete anos, e que em um período de sete anos, talvez, apenas alguns átomos em meus dentes ou ossos do meu corpo anterior ainda estarão lá. Diferentes partes são substituídas a diferentes taxas. O revestimento do meu intestino é substituído diariamente, as células do sangue a cada três dias. As células nervosas e as células do fígado podem durar uma vida, mas as moléculas que compõem estas peças de longa duração do meu corpo são substituídas constantemente. Eu espalho as células da pele em todo lugar que vou. Diz-se que até 90% da poeira doméstica é pele humana. Então, na medida em que meu corpo está em causa, eu sou um pouco como a história do machado do meu avô. "Nós substituímos o punho três vezes e a cabeça do machado duas vezes, mas ainda é o mesmo machado".

Page 49: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Dada esta substituição da matéria, meu corpo está agora ensinando todas as minhas memórias de infância ao cereal que eu comi no café da manhã. Se meu corpo não tivesse essa capacidade de ensinar, e o cereal a capacidade de aprendizagem, estas memórias teriam se ido para sempre. Antes de ver no espelho a minha face barbeada, eu comecei a acreditar que eu não era o meu corpo, que eu era um padrão que persistiu apesar das mudanças constantes trazidas pela vida diária. Todas as manhãs, tomando meu café ou comendo meu almoço, ou bebendo água, ou mesmo respirando, eu estou obtendo a matéria para substituir o material do ‘machado’ que sou, reordenando esta matéria no padrão que eu reconheço no espelho.Este corpo material, novo a cada segundo, tem de ser reordenado, ensinado a se estruturar naquilo em que outros podem reconhecer como a pessoa que eu sou. O cereal que comi no café da manhã atendeu às necessidades diárias de ser ensinado sobre as memórias a meu respeito, de John, e a assumir a minha identidade. Desta forma eu também sou um "nó temporário em um processo de fluxo" apenas criado a cada segundo neste movimento incessante de matéria e energia através de mim.Refletindo sobre estes pensamentos algum tempo depois, com uma amiga. Esta amiga contou que foi a uma casa no sul da Suíça, local que havia visitado pela última vez quando era uma menina de 12 anos. Ela se perguntava o que havia em comum entre a mulher madura que ela era agora e a garotinha da qual se recordava, mais de 40 anos atrás. Nós falamos da padronização do DNA, e os padrões de significados contidos na arte e na poesia, que podem nos religar àquilo que já fomos.Isso me levou a um segundo segmento da fibra que compõe o ‘quem sou eu?’ Eu vi fotos do meu pai quando ele era um jovem e isto me lembrou de mim mesmo quando tinha essa idade. Duas vidas se uniram para me criar, para que eu fosse concebido no ventre da minha mãe. Pouco depois da morte de meu pai, durante seu funeral, uma mulher, que não tinha visto meu pai por muitos anos, me perguntou se eu era irmão de meu pai. Eu lhe disse que era seu filho, sentindo-me um pouco desconcertado ao ser confundido com um homem 23 anos mais velho que eu, mas devo admitir que, em um sentido real, meu pai continua a viver através de mim. Lembro-me bem dele. Recentemente, minha cunhada comentou que eu era cada vez mais parecido com ele. Na verdade, posso ser preciso e dizer que geneticamente exatamente 50% do que sou advém dele, e os outros 50% tem como origem a minha mãe.Eu vi de perto essa conexão na forma como minha amiga, ao visitar a casa no sul da Suíça sentou-se no jardim da casa, junto com seu idoso pai, e lembrou-se como era quando criança. Apesar das diferenças de idade e gênero, o padrão das duas pessoas, mesmo o jeito que eles estavam falando e a maneira como seguravam suas mãos, e cruzavam as pernas, era muito semelhante. De uma forma estranha, me tocou profundamente ver este padrão sobrevivente entre as duas gerações. Este padrão foi um fluxo transgeracional de informações genéticas, culturais e biológicas, uma configuração dos fluxos de matéria para os padrões de similaridade que eu vi.Minha mãe era muito próxima de meus avós, e meu pai passou os últimos anos da sua vida ativa satisfazendo as necessidades de seus pais idosos. Tenho 25% de cada uma dessas pessoas também. Mais de cinco anos atrás eu encontrei uma prima que não via há 20 anos em um Café lotado, por acaso. Ela teve que ir, e quando se levantou eu reconheci suas mãos. Eles eram minhas! Claramente cada um de nós tinha herdado essas mãos, sua flexibilidade e força de um avô comum. Eu só encontrei meu bisavô uma vez, pouco antes dele morrer, e eu sou 12,5% dele. Desta forma eu tenho oito bisavós, e todas as gerações antes que o número duplique. São apenas 29 gerações para trás para regressarmos ao ano de 1.275 e eu tenho tantos antepassados quanto havia pessoas vivas no planeta naquela época! Claro que isso não significa que eu estou relacionado com todos à minha volta, mas como a maioria dos meus antepassados veio do noroeste da Europa Ocidental, os mesmos ancestrais aparecem repetidamente em muitas linhagens.Há pouco tempo a ciência biológica moderna nos mostrou que, geneticamente, somos todos descendentes em parte de uma única mulher que viveu cerca de 150.000 anos atrás, provavelmente na África Oriental. Chamada de "Eva mitocondrial", por causa do DNA em nossas mitocôndrias, as fábricas de energia das nossas células, compartilhadas com todos os seres humanos vivos hoje. Em certo sentido, ela é a mãe de toda a humanidade moderna. Ela era nossa mãe, mãe, mãe, mãe... Mãe. Isto não quer dizer que ela era a única mulher viva. Isso também não significa que ela forneceu toda a nossa constituição genética. Na verdade, os europeus têm cerca de 4% de sua composição genética herdada de homens de Neandertal, grupo que se separou de nossa linhagem cerca de 600.000 anos atrás, e os melanésios têm um percentual semelhante de outra subespécie que se separaram ainda mais cedo. Mas o que isso significa é que ela contribuiu com todo o DNA que é encontrado na mitocôndria de cada célula em cada corpo de cada ser humano vivo, de nós todos, sete bilhões.A ciência mostrou também que todos os cromossomos Y de cada homem são igualmente descendentes de um único homem ‘Adão cromossomo Y’ que viveu possivelmente cerca de 80.000 anos atrás. Da mesma forma que ele era o pai do nosso pai, o pai do pai... Pai. Entre essas pessoas, homens e mulheres, os nossos antepassados se espalharam para viver em nós e através de nós. Meus pais, que tiveram cinco filhos e nove netos, têm agora três bisnetos que, um dia, possivelmente, também terão descendência. Através de seus bisnetos "eles" vão viver no mundo. Assim, os meus pais são como o ponto no foco de uma lente, ou como o gargalo de uma ampulheta de vidro através do qual as areias do tempo foram escoando do passado para o futuro. Eles são os fios individuais ancestrais que trazem os grandes mistérios entre o nascimento e morte, da qual eu e meus filhos viemos.Desta forma, biológica, social e psiquicamente, eu sou um fio tecido geneticamente e biologicamente como um filamento de DNA de muitas pessoas pré-existentes. Tais fios, que se estendem cada vez mais e mais para o passado, de volta ao Último Ancestral

Page 50: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Universal em Comum (LUCA – Last Universal Common Ancestor) de toda a vida na Terra, uma bactéria simples que nadava no mar primordial quase quatro bilhões de anos atrás. Tudo na vida é um. Eu sou um terráqueo, uma parte deste mundo, e cada átomo do meu ser, cada célula e cada pensamento é parte desta vida que está se desenrolando.E aqui vemos que os fios de nossas vidas individuais são na verdade parte desta vasta tapeçaria do desdobramento da existência humana sobre o planeta Terra. Das idades de gelo ao calor do aquecimento global, a tapeçaria humana se espalhou para penetrar todo o planeta, e agora através de seus impactos se tornou uma força geológica que rege o destino não só de nossa própria espécie, mas de todas as espécies vivas que compartilham este mundo frágil conosco. Qual é o objetivo final desta grande revelação? Enquanto a humanidade se envolveu em participar do mundo, chegamos a tocar e compreender a luz das estrelas, em alguns detalhes, mais do que o lugar que nos rodeia. Apesar de não termos respostas claras sobre o sentido da vida, há muito a nossa visão se ampliou para percebemos que somos uma parte aparentemente pequena da vida. Mais uma vez as nossas vidas são como um projeto, uma ponte entre nossos antepassados e nossos descendentes.Mas estou consciente de que muitas pessoas que encontram tais explicações científicas descartam essa evidência dizendo “isso se refere apenas ao meu corpo! Eu sou mais do que o meu corpo!”. E acrescentam: “Eu tenho uma mente, uma alma, uma essência própria também!”.“Quem é esse?”, você pergunta, pois isso está próximo da sua experiência de “quem sou eu?”.O rosto que me olhou no espelho, eu senti, se entristecia com isso. Nossos sentimentos esculpem o nosso rosto. As linhas marcam a nossa face da forma como envelhecemos, criadas pelos sentimentos que vivemos, pelos músculos que usamos de forma a que possamos reconhecer um rosto triste ou feliz. Talvez a tristeza que vi foi criada, em parte, pela dor que eu experimentei sete anos e meio atrás, com a morte de Vivienne, minha alma gêmea e parceira há mais de 20 anos. Talvez fosse mais temporário, parte da dificuldade de viver hoje na Alemanha, em uma nova cultura, lutando com uma nova linguagem, em um novo relacionamento. Ou pode apenas ter sido o efeito de 61 anos de experiência, vivendo no mundo estressante do final do século 20 e início do século 21.Assim, “quem sou eu?” Eu sou os meus pensamentos? Eu estou tendo esses pensamentos agora, espremendo-os para fora do meu cérebro para causar o movimento dos meus dedos no teclado deste computador, para gerar caracteres neste monitor de vídeo. Você leitor verá estes caracteres, seja em uma página impressa ou na tela diante de si mesmo, e vai interpretar essas formas e integrá-las em seus próprios pensamentos. Assim, uma parte de meu pensamento já se tornou uma parte de você, e você não pode se livrar dela. Você pode parar de ler aqui e agora, isso vai limitar o efeito, mas você não pode livrar-se dos ‘memes’ ou vírus mentais, as peças de informação que estas palavras já transmitiram.Você pode pensar que isso não muda nada, mas muda. A experiência terá um efeito, mesmo um efeito momentâneo, mas estará lá, e se você persistir em ler esses pensamentos ela vai crescer. E assim ‘quem eu sou’ é realmente como uma ondulação em uma lagoa. Vivienne, minha esposa, que morreu há sete anos, vive na memória de cada pessoa que ela conhecia e mesmo daqueles estranhos que ela cruzou ao caminhar pela rua. Recentemente fui contatado pela organização que nomeia as ruas da cidade de Canberra, capital nacional da Austrália. Eles querem dar o nome dela a uma rua. E assim ela vive dentro de mim e de outros que foram afetados por sua vida. Às vezes eu quase posso ouvir sua voz e, em muitas circunstâncias, posso ver como ela teria reagido em uma determinada circunstância. Ela vive em mim, assim como quando eu morrer, de uma forma real, eu viverei dentro de meus filhos e as outras pessoas que eu conheci e que me conhecem. A "ondulação no espaço e no tempo" que foi Vivienne também será repassada até o fim da vida humana na Terra, e possivelmente além. Nós não precisamos de céu para nos tornar imortais – ao submergir e nos integrarmos à Terra, nossa imortalidade está garantida.Esta ondulação no lago se espalha ainda mais longe. Eu contava a história de sua morte a muitas pessoas e por isso, de alguma forma elas também foram tocados pela sua vida e morte. Uma amiga, que nunca conhecera Vivienne, no entanto, disse que veio a conhecê-la muito bem através de mim. E desta forma a ‘essência’ ou ‘alma’ de Vivienne vivem ainda no mundo, espalhando-se mais e mais como uma ondulação em uma lagoa. Esta ondulação continua a se espalhar até o fim do tempo e do espaço. Sua ‘memória’ mantém-se no interior dos pensamentos e ações meus e de todos que a conheciam. E estes pensamentos e ações moldam o mundo em que agora vivemos de maneiras novas e diferentes. Desta forma, aprendemos a viver além daquilo que outros acreditam que é o único caminho. À medida que expandimos e lançamos um olhar sobre as ondulações que se espalham na lagoa do cosmos, para a escuridão que cai a nossa frente, e os caminhos encobertos são vistos como limitações nas nossas crenças, a luz das estrelas vai mostrando-nos novos caminhos.Isto é verdade para cada pessoa, mas também é verdade para todos nós. Quem sou eu? Mais uma vez somos levados a reconhecer que eu sou um fio na tapeçaria da vida. Sou simultaneamente tecido e estou ao mesmo tempo a tecer-me na tapeçaria, ao transportar minhas experiências do momento presente no tear da existência. E assim como esta discussão teve um começo no mistério de tudo isso, então um dia ela vai ter um fim. Eu tenho 61 anos de idade. Meu filho tem 29. E daqui a 29 anos, ele terá 58 anos, quase tão velho quanto eu e eu, se ainda estiver vivo, terei 90. Pode ser que então o meu fio na tapeçaria da vida terá se desgastado e talvez terminado, e suas fibras sejam dispersadas, em todos os outros segmentos. A pedra de John, que faz a ondulação no lago grande do

Page 51: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

cosmos, pode ter finalmente cruzado a superfície da lagoa e agora estará descansando em silêncio no fundo da água, mas as ondulações de sua passagem pelo mundo continuarão se espalhando. Esta é a natureza de uma realidade em relação a qual todos nós podemos concordar, independentemente das diferenças de fé religiosa ou de convicção filosófica. Ao contrário do conteúdo das outras respostas puramente religiosas para os mistérios mencionados acima, esta ‘realidade’ não pode ser contestado como ‘imaginária’. Eu acredito que há grande beleza nessa realidade comum da História Universal que emerge da disseminação das ondulações por todo o cosmos. E se for assim, então ‘quem exatamente sou eu?’.Olhando dessas perspectivas, quem eu sou é uma parte de um projeto, parte de um processo de algo muito maior, em que esta realidade maior está refletindo por um instante sobre si mesmo. Faço parte de uma cultura frágil, que como veremos, de muitas formas parece inclinada à autodestruição. Mas a ciência nos diz que cada átomo do meu corpo tem a lembrança de uma existência muito mais vasta, de ter viajado através do calor de grandes estrelas que foram destruídos milhares de milhões de anos atrás para fazer o sol e a Terra, e da família de seus irmãos planetas. O padrão do meu DNA, tecido e novamente tecido entre as gerações, está ligado há pelo menos 3,8 bilhões de anos passados a LUCA, o último ancestral universal comum de todas as coisas vivas, como diz a ciência.Cada pensamento que tenho é uma reformulação das minhas experiências, elaborado a partir dos pensamentos e ações de milhões de pessoas do passado e do presente, cujos pensamentos continuam a viver dentro de mim, na minha fala e em meus devaneios silenciosos e sonhos. Sou muito mais do que as limitações que minha cultura me impõe, sou parte do todo de tudo, pegando a ponte que liga o momento presente refletindo sobre esse todo. Quem eu sou? Sou claramente uma parte de todo o cosmos, um projeto de tempo e espaço temporariamente tendo uma experiência de “John”.Então eu sou como o próprio universo, uma ponte entre dois mistérios, o mistério de onde viemos no passado e para onde iremos no futuro. Estes são os elementos que compõem neste espaço o ‘Eu mesmo’ de ‘Mim’. “Mas há algo além disso na minha experiência de ‘Eu mesmo’?” Nicolau Copérnico, o clérigo polonês, quando nos mostrou que a Terra não era o centro do Universo, destronou a visão de excepcionalidade do nosso ponto de vista subjetivo. Agora sabemos que nossa vida é apenas um grão minúsculo em uma imensidão de tempo e espaço. Vista em tal imensidão, é difícil sentir que qualquer vida tem significado. No entanto, em outro sentido, a ciência tem mostrado que realmente vivemos no centro do único universo que podemos imaginar – como a velocidade da luz é finita, para toda parte que você olhar, estará olhando não para o presente, mas para o passado. Da mesma forma, os efeitos do que você faz, pensa e fala nunca poderão ser sentidos no presente, ocorrerão apenas no futuro. Como ondas em um lago que são o verdadeiro ponto de equilíbrio, são a ponte entre as causas do passado e possibilidades futuras. O aqui e agora, o ‘dedo em movimento’ do momento presente, contém todo o passado e todo o futuro. Na verdade, é o ‘Todomomento’, uma quarta vez, quando todo o espaço e todo o tempo se juntam. Podemos agora criar uma Mandala Universal, em que tudo que existiu, existe ou que existirá pode ser encaixado em uma única página. Pegue uma nova folha de papel. No centro, na parte inferior da página faça um boneco. Este é você. À direita desta figura, as coisas tendem a ficar maiores e para a esquerda, menores. A ‘escala humana’ – o que podemos julgar a uma distância confiável – se estende para cima por 36 km, este é o horizonte numa paisagem plana. À esquerda o menor objeto perceptível a olho nu é tem 0,05 milímetro. Se marcarmos estas distâncias, cerca de um centímetro de cada lado da régua, mostraremos o tamanho do universo que vivemos na maior parte da existência humana. Foi somente no século 17 que começamos realmente a habitar um espaço ou tempo maior. À esquerda do nosso universo, descobrimos o mundo microscópico. Uma única gota de água não esterilizadas pode conter muitos bilhões de pequenas criaturas unicelulares, todas ocupadas com suas próprias vidas. Para a direita, com telescópios, realmente descobrimos o tamanho da nossa família de planetas. Mais tarde, melhorias nos permitiram ver mais longe, além do nosso planeta, em direção ao Sol, e descobrimos que ele também é apenas uma estrela indistinta entre inúmeras estrelas, rodeadas por sua vez por famílias de planetas. Abaixo do mundo celular bacteriano, descobrimos que todos os objetos conhecidos são compostos por moléculas que giram e ressoam, compostas de átomos, vistos pela primeira vez somente no século 20.Como nosso ponto de vista ficou ainda maior, na primeira metade do século 20 percebemos que as manchas fracas no céu, visto em Andrômeda, e nas Nuvens de Magalhães no hemisfério sul, eram de fato ‘universos-ilha’ que hoje chamamos de Galáxias, da palavra grega para o leite, em homenagem a nossa própria Via Láctea de estrelas que se estende por todo o céu noturno. Mais uma vez, ficamos menores, reconhecendo que o Universo é muito maior do que imaginamos, como as galáxias, contendo inumeráveis estrelas, também são organizadas em grupos unidos por invisíveis e ainda desconhecidas ‘Matérias Escuras’, muito mais preponderantes do que a matéria normal atômica que vemos, que representa apenas 4% do universo, e que o universo está sendo acelerado para fora por uma igualmente misteriosa e ainda maior ‘energia escura’, compreendendo 73% da ‘substância’, conhecida de espaço e tempo.Paradoxalmente, os horizontes também se expandiram ao se perceber que o mundo atômico era em sua maior parte vazio e outro reino microscópico subjazia a este, o reino subatômico das energias que giram, a matéria temporária, antimatéria e outras partículas

Page 52: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

discutido acima. Aqui temos o estranho mundo quântico de partículas subatômicas. Você pode imaginar essas distâncias existentes da margem esquerda para a margem direita na parte inferior da página. Além destas distâncias, os cientistas de hoje estão começando a encontrar indícios de espaços ainda maiores e menores, um megaverso contendo universos ilimitados, ou dentro das menores partículas subatômicas, encontrando onze pequenas dimensões de ‘cadeias’ dobradas que fazem as partículas subatômicas parecerem ter um tamanho comparável ao do universo. E, além disso, do mais infinito para o menos infinito, ainda existem reinos dos quais nada sabemos. Esta realidade é um lugar estranho e alienígena em que as consciências da maioria das pessoas estão presas, no centro deste reino visível do horizonte a uma partícula de pó, mas todo o espaço discutido aqui é necessário para explicar quem nós somos e como chegamos a ser quem somos.O lado vertical da página que você está segurando representa o tempo. Novamente, partindo no centro para a margem esquerda, faça um bonequinho. Isso representa o momento presente. A parte inferior do papel representa o passado, a parte superior mede o futuro. Nossa escala humana de tempo – a média de vida desde o nascimento até a morte aos 80 anos é apenas uma pequena parte da imagem. Abaixo de nós, sabemos que as civilizações humanas já existem há 5.000 anos. Mas isso é apenas um breve momento em comparação com as idades de gelo que nos precederam, e agora sabemos que seres humanos como nós vagueavam pela Terra há pelo menos 150 mil anos, como caçadores e coletores, espalhando-se de nosso lar africano para preencher o planeta.A vida humana também é produto de uma causa, a rápida evolução no tamanho do cérebro ao longo dos últimos 2.500 mil anos de criaturas que já não existem, que caminhavam no Vale do Rift da África Oriental, de forma similar a macacos. Estas criaturas também são muito recentes em comparação com o mais profundo passado. Sessenta e cinco milhões de anos atrás um desastre astronômico dizimou quase 80% de todos os seres vivos. Anteriormente, havia um mundo de dinossauros. Nossos pequenos ancestrais sobreviveram a esta megaextinção, mas mesmo este mundo era produto de uma catástrofe anterior, ocorrida cerca de 220 milhões de anos antes, onde 98% de toda a vida pereceu.Antes disso, outras eras glaciais viram a criação de florestas de carvão que queimamos em nossas indústrias hoje, e antes ainda encontramos vida complexa que estava confinada no mar por centenas de milhões de anos. 530 milhões de anos atrás, o nosso registo fóssil demonstra como organismos multicelulares complexos apareceram entre os ecossistemas unicelulares que haviam dominado a vida do planeta na maioria de sua existência. Nesta idade, vemos os primeiros sinais da evolução da mente, o processo que Teilhard de Chardin (sacerdote, místico e cientista) chamava de Noogênese. Este é um recorde incrível de realização. Se jogar uma moeda e quando sair "cara", significa a sobrevivência de nossos filhos para reproduzir e "coroas" significa extinção, estamos na situação de ter “caras” lançando moedas por todas as gerações há quase 3,9 bilhões de anos, quando a vida começou, através do processo que Teilhard chamou Biogênese.Nosso mundo, nascido dos fogos em rotação de uma estrela que explodiu há 4,6 bilhões de anos atrás, nos mostra que nossos corpos são feitos de material estelar. Mas ainda mais distante vemos que este material estelar também teve seu começo. A expansão de nosso universo mostra que ele teve um início, um momento em que o tempo e o espaço eram menores, quando as estrelas e até as galáxias não existiam, um momento de imenso calor e enormes energias que mais tarde se resfriariam durante a expansão, que desde a década de 1990 sabemos que começou há aproximadamente, 13,73 bilhões de anos (+ ou - 120 milhões de anos)! Estamos agora de volta à singularidade, menor que uma partícula subatômica única, e à criação do tempo e do espaço em si, o início da Cosmogênese, o infinito mínimo a partir do qual tudo começou.O véu de nossa ignorância está lentamente cedendo seus segredos, e enquanto muitos detalhes ainda nos escapam, podemos agora esboçar os contornos do que aconteceu. Os ‘Três Primeiros Minutos’ depois da criação nos mostram que uma expansão explosiva estava ocorrendo, uma expansão que não começou e se espalhou, mas foi simultânea e em toda parte. Na fração de tempo menor do que o necessário para fazer-se luz (com uma velocidade de 299.792.458 metros por segundo), para viajar por todo o diâmetro de um próton (0,8875 x 10-15 metros), o conjunto do universo, menor em tamanho do que um átomo, duplicou sua dimensão e dobrou novamente. Com a suavização das flutuações quânticas do seu nascimento, dentro de 10-35 de segundo, cresceu até o tamanho de uma laranja, 1060 vezes maior do que era antes. A expansão rápida se desacelerou tão rapidamente como tinha começado, com o calor da energia da duplicação, aquecendo o universo a mais de 100 milhões de milhões de milhões de milhões de milhões (1032) de graus. Antes disto, todas as forças do universo eram uma e nessa pequena fração minúscula de tempo, a gravidade, a mais antiga de todas as forças, se separou. Dentro de 1/100 de segundo mais tarde, quando o universo tinha esfriado a cem bilhões de graus, a força nuclear forte e a força nuclear fraca surgiram.Então, de repente, pela primeira vez, o universo estava cheio de luz. Matéria e antimatéria foram constantemente sendo criadas a partir da pura energia e quase que instantaneamente aniquiladas novamente. A densidade do universo agora era inconcebível: quatro bilhões de vezes a da água. A contínua expansão explosiva viu a temperatura despencar. Menos três bilhões de graus, depois de 14 segundos, a aniquilação agora era maior do que a criação, e a maior parte da matéria e antimatéria desapareceram, deixando menos de 4% do universo como o que nós reconhecemos como ‘matéria normal’. A matéria escura, tendo apenas um efeito gravitacional,

Page 53: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

mas de outra forma invisível, representava 23% e a energia escura, que hoje está acelerando a expansão do Universo, constituiu os 73% restantes.Três minutos após o nascimento do universo, estando este a um bilhão de graus, as partículas mais pesadas começaram a se acumular em assembleias mais pesadas de núcleos de hélio, mas quase 80% ficaram como hidrogênio, que depois de 380 mil anos arrefeceu a 5.700 graus, frio o suficiente para atrair elétrons e formar átomos estáveis. Neste momento o universo se tornou transparente, a luz universal, tão quente, de repente, tornou-se escura por milhões de anos até que as primeiras estrelas pudessem nascer. Mas a expansão do espaço, a 71 quilômetros por segundo por Mpc (onde uma Mpc ou megaparsec – 3,26 anos-luz – equivale a pouco menos de 31 trilhões – 3,1 × 1013 de quilômetros) continua até nossos dias, da mesma forma que continua o resfriamento do universo. Hoje, a imensa luz que iluminou a criação ainda está lá como micro-ondas, aquecida agora a apenas 2,76 graus acima do zero absoluto. Desde a década de 1960 os cientistas têm observado esta energia da própria criação.Este é o nosso passado. Cada partícula subatômica do nosso corpo estava presente. Aqui testemunhamos a criação ex-nihilo, criação de tudo a partir do nada. Uma flutuação gigantesca em nada e um evento, o primeiro evento, a criação de um universo, aconteceu. Nós estamos, como todo o resto, ainda dentro deste evento. Esta é a nossa casa, o início das condições que tornaram possíveis, eventualmente, eu me sentar aqui, escrevendo para você. Nós não somos estrangeiros neste universo. Nós somos uma parte e sempre seremos uma parte de um processo modelado para as nossas necessidades.Tanto vimos sobre o passado, mas o que temos para o nosso futuro? Não sabemos quanto tempo a nossa civilização tecnológica vai sobreviver, e esta pode desabar como tantas outras. Mas sabemos que as espécies médias de mamíferos nos últimos dois milhões de anos se extinguiram ou evoluíram para algo diferente. Este é um curto espaço de tempo em comparação com o tempo de vida restante para o nosso Sol. Parece que a nossa estrela é de meia idade, e durante os próximos cinco bilhões de anos ela vai lentamente ficar mais quente e expandir-se até consumir os planetas interiores, Mercúrio em primeiro lugar, Vênus e Terra a seguir, e possivelmente engolindo até mesmo Marte, sob a sua superfície flamejante que crescerá. Sabemos também que, como resultado dessa expansão, a vida na Terra estará sob estresse causado por calor extremo, quando os oceanos começarem a ferver, apenas 500 milhões de anos no futuro.A vida, se sobreviver, então deverá ter evoluído, estando apta a viver nos espaços entre as estrelas, ou mudar a Terra para uma órbita nova e mais segura (ou talvez ambos). Talvez aí já tenha alcançado o Ponto Ômega, onde Gaia, o planeta vivo como um todo, se tornará plenamente consciente e autoconsciente de si mesmo. Podemos ser parte desse processo. Mas sabemos que o Sol também morrerá. O envelope exterior se desfará e apenas o núcleo minúsculo irá permanecer, encolhendo em uma anã branca que se desvanecerá ao vermelho e marrom, e, eventualmente, irá torna-se escura. Se for para sobrevivermos, nossa vida terrena neste tempo muito distante terá que se estabelecer em torno de outras estrelas em nossa galáxia, possivelmente convivendo com outras formas de vida em evolução, de outros planetas.Mas essas outras estrelas também não são imortais. Recentemente, foi descoberto que nossa galáxia está em rota de colisão com a galáxia de Andrômeda, e o resultado da colisão extrairá o gás necessário para nossa galáxia fazer novas estrelas, criando uma galáxia gigantesca circular ou elíptica a partir da espiral achatada em que habitamos. A criação de estrelas acabará por cessar e, lentamente, até mesmo a mais longeva estrela que existe também vai queimar. Mais uma vez, se a vida sobreviver quando nossas estrelas se extinguirem, terá que alternar entre as galáxias para encontrar lares mais jovens. O que acontecerá então? Nós não sabemos. Será que a vida finalmente escapará do próprio universo, para morar, como deuses, no megaverso além? Será que o próprio tempo chegará ao fim em um vazio, semelhante a esse vazio ou estado de vácuo, de onde tudo começou?O que sabemos é que não experimentamos viver em um momento presente, como a nossa própria experiência de tempo é determinada pela velocidade da luz. Quando você olha para a Lua você não a vê como é agora, mas como ela era 1,7 segundos atrás. O Sol que você vê é como ele era 8,3 minutos atrás. Nós vemos a estrela mais próxima com a luz que a deixou 4,3 anos atrás. As estrelas de Andrômeda apresentam a aparência de como estavam quase três milhões de anos atrás, antes dos seres humanos existirem, e quando observamos o fundo de micro-ondas do universo como um todo, o que vemos está quase 13,473 bilhões ano para o passado, apenas 380.000 anos após a criação do próprio universo. Quanto mais recuamos nosso olhar ao passado, mais experimentamos a realidade. Todos os tempos passados, portanto, vêm a existir juntos no momento presente, a cada momento (everywhen).Similar ao futuro, as consequências de você ler estas palavras são como uma pedra jogada em uma lagoa, esticando-se à velocidade da luz, e desta forma nós estamos literalmente no ponto de foco onde convergem dois ‘cones de luz’, um ponto advindo do passado e o outro do futuro tangível. Estamos no gargalo da ampulheta através da qual as areias do futuro derramam-se e se tornam passado. Este é o momento presente através da qual sua própria existência é a ponte. Sobre este pedaço de papel, do macrocosmo ao microcosmo, temos traçado todo o espaço e todo o tempo, e mapeamos o vasto projeto do universo como um todo.Aqui começamos a entrar em controvérsia e discussão. Isso é tudo o que existe?

Page 54: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Um materialista pode muito bem argumentar, “E isso é tudo que existe. O tempo vai desaparecer lentamente de volta para o nada de onde veio.” Uma pessoa religiosa pode até ficar zangada com a discussão que apresentei acima, alegando que eu “perdi o verdadeiro significado da vida, eu perdi a parte mais importante de quem eu sou, a minha alma imaterial”. “Mas o que é a alma?”, eu pergunto. Assim que eu tiver tal pensamento estarei usando uma linguagem, e isso é algo que aprendi quando criança. E as respostas que as pessoas darão a esta pergunta são baseadas nas crenças culturais a que fomos expostos e nas respostas que passamos a aceitar. Dê-me uma cultura diferente e eu terei uma linguagem diferente e um conjunto diferente de crenças. Em diferentes circunstâncias culturais ou experienciais eu daria respostas diferentes. Mas aqui e agora deixamos o mundo de acordos verificáveis e começamos a entrar em um mundo diferente, dos possíveis argumentos e controvérsias.Essa disputa apenas se limita a uma questão de cultura e língua? Eu tenho um sobrinho que tem uma deficiência desde o nascimento e nunca disse uma palavra. Ele definitivamente não pensa como eu, em uma linguagem, mas ele tem uma ‘essência’ reconhecível, uma presença, que os religiosos e até mesmo as pessoas não religiosas iriam reconhecer por aquela qualidade que comumente chamamos de ‘alma’. Ainda mais, tendo convivido recentemente com um cão e dois gatos, eu iria mais longe ao dizer que estes animais também possuem tal ‘essência’ característica da ‘alma’. Uma pessoa religiosa pode reivindicar que os animais são desprovidos de tal coisa, mas qualquer pessoa que tenha presenciado o sofrimento de um animal seria fortemente pressionada a explicar como isso é diferente da experiência de sofrimento ocasionalmente vivenciada por meu sobrinho. Mas isso é tudo o que entendemos por ‘alma’, a capacidade de senciência, a capacidade de sofrer?Acho que não. Eu tenho visto casas também, que sem dúvida têm uma ‘alma’, e já visitei muitos lugares que têm esta indefinível essência de ‘alma’. Esta ‘alma’ era uma profunda ressonância, um sentimento palpável. Eu senti isso recentemente, senti que no jardim da casa de Roveredo, no sul da Suíça, que a minha amiga e seu pai visitaram, há aquilo que eu descrevi acima.O que é esta ‘alma’? Eu diria que isso também faz parte do profundo mistério que reside no coração de cada individuo, na sua resposta ao mundo de que faz parte. A plenitude da alma parece ser a qualidade potencial de provocar uma profunda mudança de consciência, criando uma sensação maior de calma, uma unidade atemporal, em que a diferença entre tempo e espaço, e do indivíduo separado do mundo parecem entrar em colapso e desaparecem. Em que o Eu e toda a realidade se fazem sentir, literalmente, como um só. Também é um mistério que talvez seja relacionado aos mistérios anteriores, de onde viemos e para onde estamos indo. São estes três mistérios separados ou são elementos de um arqui-mistério? Infelizmente isso também é um mistério! Eu não posso dar uma resposta definitiva, embora mais uma vez, ao longo da história humana, muitas respostas foram dadas por diferentes culturas e religiões (e ainda estão sendo). A este respeito, podemos dizer que temos uma trindade de mistérios em nossa vida, corpo, mente e alma. A essência indefinível do John que está escrevendo estas palavras, o mistério de onde vim e para onde vou, são três mistérios, e podem, em algum sentido mais profundo, se relacionar, ou podem ser completamente independentes um do outro. Somos mais parecidos com crianças brincando na areia na praia do infinito.Juntando tudo isso, em relação ao que podemos dizer do sentido da vida, quando olhamos para o Universo como um todo, há ainda mais. Há pelo menos cinco grandes mistérios da vida. Não só temos o primeiro, o início ou antecedente, mistério ancestral de onde se fez o Universo e tudo começou, ou o último e derradeiro mistério para onde tudo está indo. Temos o mistério da essência, que é individual, a minha própria ‘alma’, aqui e agora. Temos o mistério da nossa evolução coletiva, de como ela começou; e o mistério do nosso futuro, o mistério exterior sobre para onde estamos indo, como vamos chegar e qual seu significado, ou seja, como Shakespeare uma vez declarou: “é um conto contado por um idiota, cheio de som e fúria, sem significado”. Ou será que isto realmente tem um significado mais profundo?O cientista grego Arquimedes uma vez disse: “Dê-me uma alavanca e eu moverei o mundo”. A Mandala Universal mostra que há tal ponto de Arquimedes. Como viajo por esta ponte da minha própria construção, estou ciente de que o projeto da minha ponte, o fio que eu estou tecendo na tapeçaria é, em parte, a realidade de uma ponte muito maior, é outro trecho de tecelagem em uma tapeçaria muito maior, e esta é a tapeçaria da Terra e do cosmos como um todo, e é a este nível que quero agora retornar, porque é isso que está no coração do processo de Dragon Dreaming.Duas noites atrás, despertando de um sonho, eu percebi o quanto meu trabalho em Dragon Dreaming é colorido pela profundidade da espiritualidade sustentável dos aborígenes australianos, os habitantes originais da terra de onde venho. E dentro dessa experiência do que eles chamam ‘O Sonho’ e que podemos chamar de ‘O Cadamomento’, eu encontrei uma maneira de espiar além do véu destes mistérios que nos cercam.O mistério da minha vida individual, da minha essência ou ‘alma’ que encontrei é mais bem compreendido através da profundidade do meu projeto pessoal de vida, o desdobramento do envolvimento no mundo em que vivo. Esse engajamento me permite entender melhor o ‘outro’, os inúmeros espíritos com quem partilho a minha vida. Ele me permite entender melhor, além da experiência dos outros segmentos da vasta tapeçaria que me rodeia, para ver um cantinho do padrão da tapeçaria que se desenrola como um todo. Quanto mais eu me engajar no mundo, mais da tapeçaria da realidade me será revelada.

Page 55: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Este compromisso é o mesmo engajamento que acelera e se espalha na ampliação dos círculos da minha vida e da cultura e além, para as ondulações na lagoa do cosmos como um todo. Ele também me ajuda a sentir e responder às ondulações da lagoa, que afeta a forma como eu viajo entre os mistérios de onde venho e para onde vou.Mas como este compromisso ocorre? Ele não pode ser assegurado através de minhas posses, pelo que eu ‘tenho’. Posses são apropriadamente nomeadas, pois no desejo de mantê-las e manter o conforto que acreditamos que podem nos dar, acabaram por vir a nos possuir. O engajamento de que falo envolve mais do que o meu pensar e a minha ação no mundo, o meu ‘fazer’ e, assim, torna-se eventualmente uma expressão do meu ‘ser’, ou mesmo o meu ‘vir a ser’. Através deste compromisso do meu pensamento conceitual e senso de percepção eu me torno cada vez mais em mim mesmo.Este Ser Profundamente Ecológico não é uma ‘coisa’ fixa, é um ‘vir a ser’ em crescimento e evolução, um processo de contínua transformação e humanização, não de um estado final, mas uma parte inseparável do desdobramento do mistério do cosmos que nos rodeia por todos os lados. O engajamento ao qual sou chamado é um compromisso que suscita a mais alta moralidade que minha vida é capaz de expressar. Como eu construo e viajo através da ponte entre quem eu era o que eu serei, assim se aprofundam e ampliam a minha consciência e compreensão a meu próprio respeito e a respeito do mundo em que vivo. Os aspectos da vida que antes estavam ocultos pelo véu da ignorância são lentamente revelados. Por isso, é através do compromisso com o mundo que os mistérios do significado da vida estão lentamente se revelando. Mas esse compromisso que eu encontrei tem um preço.O preço é um processo de constante desapego das certezas e conceitos e teorias do passado. Mesmo aquelas apólices de seguros sobre as quais estávamos tão certos, o amor de uma alma gêmea e uma parceira, em última análise terminam em uma tragédia – como o fato de que um morrerá antes do outro. Viver requer ainda que o amor seja transcendido, para que ele possa ser transformado e para que possamos aprender a profundidade das lições que tem a nos ensinar. Desta forma, envolvendo-se no mundo, na plenitude de sua profundidade e mistério, ao sair das zonas de conforto que encontramos para estar seguros e viver em segredo, então, de alguma forma essencial, crescemos. Nossa ‘alma’ desenvolve novas capacidades e novas compreensões. A razão para isto é que ao nos envolvermos com o mundo não estamos agindo sobre algo que é meramente ‘morto’ ou matéria ‘inanimada’, como a nossa cultura e nossas religiões podem ter-nos ensinado, mas estamos engajados em uma dança com algo que é plena e intimamente vivo.Na verdade, a vida da biosfera, se não do cosmos como um todo, excede em muito a vida sensorial dos nossos próprios egos estreitos. Assim como a minha vida excede em muito a das células vivas que compõem o meu corpo, a vida da Terra e, mais que isso, provavelmente, do cosmos como um todo excedem em muito a minha própria, com a minha crença de existência separada. Assim, não estou envolvido em qualquer tentativa de controle, mas em um diálogo com o ‘Você’ final de ‘Ser’ em si. Neste diálogo estou envolvido com o que me deu existência e que trará minha morte, onde minha existência, em última análise, será lançada.Qual é a natureza desse compromisso? Aqui, no quarto tempo do ‘cada momento’ chegamos ao sagrado, o celebrar, o caminho, se houver, para o divino. Em última análise, este ato de engajamento é religioso no sentido mais profundo da palavra. Linguisticamente a palavra ‘religião’, re-ligare, significa a ligação que reconecta. Minha vida, o fio da ponte que eu construo, é essa ligação.Além de todos os significados que associamos a uma religião mundial – além de todas as respostas dadas pelas nossas circunstâncias históricas e culturais, no Dragon Dreaming reside uma conexão mais profunda, talvez uma ‘profunda religião’, uma religião reconectora que veio antes de todas as outras religiões, e que vai continuar além do momento em que os seres humanos tenham se extinguido ou talvez tenham evoluído para uma espécie filha que, com o tempo, suceda-nos e espalhe-se para além da Terra no reino das estrelas. A tapeçaria de nossa existência é, portanto, em sua essência última, apenas uma parte da árvore sagrada da própria vida, que se estende desde a criação do primeiro momento de tempo e espaço, e continuará a dar frutos até o último momento da existência do nosso cosmos, quando o elétron de Feynman ou a partícula de Higgs ou a Singularidade de onde viemos, saltar para trás no tempo e espaço criando tudo o que foi, é e será.Infelizmente, no mundo moderno, a religião é um conceito que muitas vezes vem a significar algo completamente diferente. Ao invés de algo que ‘re-liga-nos’ com as realidades da nossa existência total, como foi tentado na grande Era Axial milenar de nossa cultura por profetas e santos judeus, cristãos e muçulmanos, ou por hindus, budistas e sábios chineses, homens santos e filósofos gregos, a religião do mundo moderno é muitas vezes algo que nos separa dos outros, da Natureza e de outras comunidades. Com os fundamentalistas, tornou-se uma mentalidade rígida e violenta, imposta desde o nascimento ou por conversão para a aceitação de um antigo dogma espiritual, que somos obrigados a aceitar, em vez de um mistério que nos liga através de gratidão e agradecimento a toda a existência.Estas ‘religiões’ separam e não nos reúnem, não nos reconectando de forma alguma. Essas religiões já não religam, elas tornaram-se ‘de-ligiões’. A ‘deligião’ ocorre como resultado de uma série infeliz de eventos culturais que aconteceram mais de cinquenta séculos atrás, quando, como resultado de uma crise cultural e ambiental, nós começamos a construir estruturas hierárquicas, dando a alguns seres humanos poder sobre outros, e levamos a instituição da violência na guerra, e a perpetuação da repressão das mulheres.

Page 56: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

É um caminho que, para nós mesmos, para a atual civilização global a que pertencemos, e para a sobrevivência da vida complexa no planeta, como veremos, ameaça se tornar uma última instância fatal. Qualquer cultura que trata a parte masculina da humanidade como superior à existência do todo, ou que trata o todo como meramente uma fonte de matérias-primas ou um receptáculo dos nossos resíduos, é uma cultura que aceitou se tornar cancerosa e não vai viver muito. Espiritualidades que apoiam e justificam essa desconexão não devem ser aceitas como religiões. Elas têm de fato se tornado ‘de-ligiões’, ‘des-ligando-nos’ temporariamente desse grande projeto da mandala universal descrito acima, que realmente nos conecta com o nosso próprio fluxo, nossas comunidades, ou do Planeta Vivo e Cosmos dos quais sempre fomos e sempre seremos uma parte integrada.Este é o resultado do projeto de vida e processos de construção de pontes de compromisso que nos permitem primeiro reconhecer a importância de ‘dados’ no ruído da vida diária. Esses dados, através da adição de consciência e intencionalidade, tornam-se informação. Através da aplicação desta informação para o mundo real em que vivemos torna-se o entendimento, e pelo teste desses entendimentos através dos nossos compromissos, torna-se o verdadeiro conhecimento. Mas o conhecimento advém de um trabalho que não é apenas a aquisição de novas competências, mas também é proveniente de uma sabedoria coletiva mais profunda. Disto vem o significado da vida de cada pessoa.Isto tem sido descrito como o exercício de ‘bom senso’, que ‘reflete uma grande compreensão sobre as pessoas e situações. O processo que cria significado é a consideração de múltiplas perspectivas e formas de inteligência’. Sabedoria em grupos, assim como em indivíduos, “é demonstrado pelo insight, pelo bom senso, pela clareza, pela objetividade e pelo discernimento enraizados no profundo carinho e compaixão” (Briskin, 2009). Inteligência não é uma ‘coisa’ que reside em nossas cabeças. Ao contrário, é um processo de fluxo que nos une como nós temporários com o mundo e liga o mundo de volta a nós. Como Gregory Bateson reconheceu, esta inteligência é o ‘padrão por trás do padrão’, ‘o padrão que conecta’.A natureza resultante do presente compromisso leva a um significado mais profundo que talvez possa ser mais bem descrito poeticamente. Nós não cessaremos de explorare o término de nossa exploraçãoserá chegar onde começamose conhecer o lugar pela primeira vez.Através do desconhecido, relembrando o portãoquando o último da Terra deixar descobriré o que é o começo;na fonte do maior rioa voz da cachoeira escondidae as crianças na macieiradesconhecida, porque não procuradamas ouvida, meio-ouvida, na quietudeentre duas ondas do mar.rápido agora, aqui, agora, sempre –uma condição de completa simplicidade(que custa não menos do que tudo)e todos devem estar bem etodo tipo de coisas devem estar bemquando as línguas de fogo estão dobradosno nó de fogo coroadoe o fogo e a rosa são um."De "Little Giddings", III Quatro Quartetos por T.S. EliotA tradução para o português, revisão e divulgação deste e de outros textos de John Croft é fruto de uma iniciativa colaborativa e voluntária que endossa a ética de Crescimento Pessoal, Formação de Comunidades e Serviço à Terra – encontramos em  Dragon Dreaming contribuições significativas para as mudanças necessárias à nossa sociedade.

00 Estratégias para Agentes de MudançasCategoria pai: MétodosCategoria: Fichas Técnicas

Page 57: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Estratégias de Sobrevivência para o Agente de MudançasPor John Croft.Título original: SURVIVAL STRATEGY FOR THE CHANGE AGENT Tradução: Áureo Gaspar (Agosto de 2012) Você é um agente ou promotor de mudanças? Você trabalha para perpetuar o “status quo”, fazendo “os negócios de sempre”, ou você é social, politica, econômica e ambientalmente inventivo, atuando de forma a criar e recriar novas formas de trabalhar e ser?Este texto é dedicado àquelas pessoas que estão comprometidas em provocar as mudanças que dão voz aos sem voz, humanos e o mundo mais do que humano, em que estamos inseridos.Como podemos contribuir para que as pessoas realmente ouçam e vejam as consequências da surdez e miopia parciais, individuais e coletivas, para o que realmente está acontecendo ao nosso redor?Sobreviver como um efetivo agente de mudança é uma tarefa difícil mesmo no melhor dos tempos. É fácil nos encontrarmos desejando voltar a ser embalados no sono, ou anestesiados pela ilusão de que “tudo ficará bem” ou paralisados pelo medo de que o trabalho é grande demais para uma única pessoa fazer a diferença. Muitas vezes nos sentimos tão pressionados que não temos tempo para pensar sobre o caminho por onde estamos realmente indo.Noventa e nove por cento de todas as formas de vida que já viveram neste planeta, e vinte e seis das vinte e sete civilizações que nós conhecemos, estão agora extintas. Tais fatos argumentam contra a complacência. Os princípios abaixo foram apresentados originalmente por Lord Michael Young de Dartington para os alunos do Centro de Recursos Internacionais, no jantar de encerramento realizado na Casa África, em 1977. Desde então, o texto foi ampliado e os princípios listados já foram testados e vivenciados, agregando a experiência de muitas vidas, sobre como provocar, iniciar e ter sucesso na consecução de mudanças significativas.PRINCÍPIOS UNIVERSAIS.Existe apenas uma lei permanente e imutável neste universo, isto é, que tudo muda e tudo é impermanente.Tentar mudar alguma coisa através da busca de ‘permanência’ é como a construção de castelos de cartas de baralho em um furacão – elas continuam caindo.O mundo não é só tão estranho como imaginamos, é ainda mais estranho do que somos capazes de imaginar.Nunca caia na armadilha de pensar que você, ou alguém, fez tudo certo. Haverá sempre algum fator esquecido ou que você não conhece.O caminho que pode ser nomeado não é o caminho real. Lao Tzu, em “Tao te Ching”, foi um dos primeiros a apontar que há uma forma de ser e agir que existe além de toda linguagem, além do falar. O agente de mudança efetiva busca constantemente esta forma.A alma do mundo e a alma de cada pessoa são um. No hinduísmo, “Brahman e Atman são Ohm” – esta é a base de uma filosofia que reconhece a unidade essencial das visões objetivas e subjetivas da realidade. Sua visão de mudança é o caminho em que o nosso mundo funciona. Mude sua visão sobre mudança se você quer que o mundo trabalhe de forma diferente.Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a Terra. O Sermão de Jesus no Monte das Oliveiras é poderoso, e estamos esperando há muito tempo por ele. Em um mundo nuclear armado, com mudanças climáticas e pico do petróleo, todos terão que se tornar ‘mansos’, apenas para sobreviver.O Mundo está Vivo. O maior ser vivo na Terra é o próprio planeta. Sua atmosfera é um produto biológico, como a pele ou as penas, que trabalha para manter o ambiente adequado para a continuidade da vida. Trate a Terra como morta e inanimada, e você vai ajudar a matá-la. Sua morte também vai te matar.O universo obedece à Lei de Murphy: “Qualquer coisa que pode dar errado, dará” porque “tudo tende ao caos”. Também conhecida como a Segunda Lei da Termodinâmica, esta regra não pode ser ignorada. Tentar impor ordem a um sistema sempre resulta em caos em outras partes do sistema.Há apenas um almoço grátis. Nossa existência é o único “almoço grátis” verdadeiramente disponível. Todo o resto tem que ser pago. Infelizmente, a maioria das pessoas abusa do meio ambiente, tratando a água, ar e solo como “bens livres”, com pouca reflexão sobre as consequências finais.Tudo é reciclado. Não vai desde o berço até o túmulo, mas desde o berço ao berço.  O agente de mudança deve se planejar para substituir tudo no projeto, mesmo a si próprio. Tudo tem que ser reciclado, eventualmente, ou então só produzirá mais resíduo ou mais poluição.Não confundir o mapa com o território, ou o cardápio com a refeição. Sua representação da realidade é só isso, uma “representação”. Não é e nunca poderá ser a realidade. Cuidado ao confundir a sua explicação do “mundo real” com a realidade, porque ela pode cegá-lo a outros fatores que você não sabe que você não sabe, mas que são importantes para o sucesso.

Page 58: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Epimênides de Creta disse: “Os cretenses sempre mentem”. Este paradoxo que reforça a si mesmo contém em si sua própria contradição e, eventualmente, nega a si mesmo. Cada projeto também contradiz a si mesmo de alguma forma fundamental. Descubra onde reside a contradição e esta pode se tornar um ‘espaço livre’, ampliável como a fonte para a mudança.A NATUREZA DA COMUNIDADE E DO DESENVOLVIMENTOTodos os problemas são problemas de desenvolvimento, definham muito pouco, em excesso ou do jeito errado.Se você pode identificar, em primeiro lugar, como a questão se desenvolveu, então você está a meio caminho para encontrar o que pode ser feito para descobrir uma solução.O verdadeiro desenvolvimento reside no desenvolvimento integral do indivíduo e no desenvolvimento de todas as pessoas.  A domesticação e a escravidão fragmentam uma pessoa e levam à criação de uma elite de ‘grupos internos’ e ‘grupos externos’.Há sempre uma diferença entre o que somos e o que poderíamos nos tornar. O verdadeiro desenvolvimento é a construção de uma ponte de um para o outro. Isto é verdade tanto individualmente como coletivamente. Para alguns a separação é estreita e fácil de atravessar, para outros o abismo parece quase intransponível. Como um agente de mudança, você está no trabalho de construção de um tipo especial de ponte, a construção da ponte pela qual vai viajar.Todos os resultados da mudança advêm de um encontro entre um indivíduo e seu ambiente. Quanto mais íntimo o encontro, mais poderosa a mudança poderá ser. As mudanças mais poderosas que assistimos na história são aquelas em que um indivíduo se torna tão identificado com o seu ambiente, que é impossível separar um do outro. Onde Jesus finda e o Cristianismo começa? Onde é que Mohammed termina e o Islam se inicia?A cisão entre o indivíduo e a comunidade de seu mundo é uma ilusão. O nosso sentido de individualidade é criado como um resultado da nossa participante no ambiente. O segredo para a mudança bem sucedida reside na realização individual, buscada através da contribuição para a comunidade, e a comunidade, então agindo de tal forma a aumentar a consciência do indivíduo. Somos sempre parte do todo.Para separar o ‘bom’ do ‘mau’ desenvolvimento, ou o desenvolvimento ‘apropriado’ do ‘impróprio’, fazemos a pergunta: “Será que isto irá aumentar ou diminuir as possibilidade ou variedade?”. Aprender que aquilo que aumenta a oportunidade para o indivíduo, em última análise não pode ser sustentado, se reduz a diversidade do ambiente, e se isso continuar, eventualmente você vai serrar o galho sobre o qual está sentado, na crença equivocada de que é progresso.A fonte de todo o mal é a “ignorância militante”. É fácil para o agente de mudança, com a coragem de suas convicções, insistir que está ‘certo’ e que todos os outros estão ‘errados’. Cuidado com isso, pois é uma armadilha real – basta olhar para Hitler!A jornada de mil milhas começa com um único passo, e todas as viagens começam em sua porta. Agentes de mudança podem ser paralisados pela inércia, pela enormidade dos problemas com que lidam, e pela escala de sua tarefa, e essa paralisia pode impedi-los de entrar em ação.O passado está morto e enterrado e não pode ser mudado, e o que você acha que é o futuro é, na realidade, um produto da sua imaginação. Temos apenas o momento presente. Muitas pessoas passam a maior parte de seu tempo, quer se sentindo culpadas por coisas que fizeram ou não fizeram, quer se preocupando com coisas que ainda têm de fazer. Isso as leva para ‘fora do momento presente’, o único lugar de onde pode vir uma mudança real. Precisamos aprender a habitar uma quarta dimensão – um ‘cada momento’ – colhendo os dons de nossos antepassados e assumindo a responsabilidade pelo mundo que deixaremos aos nossos descendentes, mas agindo agora!Não há nada sem relação, e nenhuma mudança sem engajamento. Podemos pensar que estamos sozinhos, mas todos nós existimos como parte de uma vasta teia invisível de ‘linhas sagradas’ das quais somos parte. O que fazemos a esta rede, em última análise, fazemos a nós mesmos. A mudança sempre envolve a partilha com outros e engajá-los com o seu entusiasmo. Fazendo isso você também se engaja em seus próprios compromissos.Perceber o novo, pensar globalmente, agir localmente, ser pessoalmente, refletir agora!  Tudo com que você está envolvido é parte de uma pintura maior, mas você nunca pode causar impacto, exceto na sua vizinhança imediata. Qual o efeito que a sua ação diminuta tem sobre o todo?Poder comunitário vem dos ‘5 Cs’ – consulta, cooperação, coordenação, planejamento comunitário e educação comunitária.  Você nunca terá recursos suficientes para a tarefa quando trabalha sozinho, mas você sempre terá recursos suficientes e adequados quando você se inserir na comunidade.Conceda-me a serenidade para aceitar o que precisa ser aceito, o poder de mudar o que deve ser mudado, e a sabedoria para saber a diferença. Dependendo da situação, por vezes, o agente de mudança pode estar apenas batendo sua cabeça contra uma parede de tijolos. Isso só resulta em frustração e dor de cabeça. Mas, ocasionalmente, uma janela de oportunidade se abre. Capitalize sobre esta e você vai se surpreender com a sua realização.

Page 59: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

A mudança só vai acontecer quando a dor de mudar for vista como menor do que a dor de ficar no mesmo.  Isso também se aplica à alegria. Pessoas na nossa sociedade tendem a mudar com base em um cálculo pessoal, amplificado por milhões de escolhas individuais e coletivas tentando evitar riscos e buscar benefícios.A AÇÃO INDIVIDUAL“Eu desafio você a me dar uma perspectiva oposta à minha. Dessa forma vou saber como mudar meu pensamento para que eu possa incluir as suas preocupações e problemas”. Okanagans – En'owkin.Agarrar-se a seus objetivos, nunca perdê-los de vista e relacioná-los com tudo que você faz. As pessoas em geral são muito facilmente distraídas por ‘ruídos’ na vida cotidiana, e tudo isso pode facilmente deslocar o seu propósito na vida.Você não pode apressar o desabrochar de uma flor. Certas mudanças levam tempo para amadurecer e interferir só vai apressar e fazer que caia aos pedaços. Reconheça essas circunstâncias quando elas ocorrem. Algumas coisas começam a acontecer, mas às vezes precisam de mais tempo para se desenvolver. Paciência ainda é uma virtude. Apressa-te lentamente.Nossa vida emocional é composta apenas por diferentes aspectos de dois estados emocionais mestres – amor e medo – e o medo é principalmente a ausência de amor. Em uma situação desfavorável, é muito fácil ficar impressionado por sentimentos de raiva, ira, frustração e ressentimento, e armazenar essas tensões e estresses no corpo. Nós temos essas emoções porque elas fornecem informações importantes. Lide com elas como se fossem velhos amigos.Seja flexível e teimoso. Teimoso sobre as metas e flexível em relação aos meios. Se você é claro sobre seus objetivos, mas inovador e inventivo, aberto a ser convencido de que existem melhores maneiras de chegar lá, seus sonhos têm maior chance de se tornar reais.Há mais maneiras para quebrar uma noz do que usando uma marreta. O caminho convencional não é o único caminho, e pode, muitas vezes, ao final, ser a forma menos adequada para alcançar seus objetivos.Jogue seu chapéu por cima do muro. Para obtê-lo de volta, tente escalar o muro. Se for demasiado alto, tente contorná-lo. Se for demasiado longo, faça um túnel. Se ele for muito espesso, use dinamite! Há sempre um curso alternativo de ação.  As barreiras que se encontram são os principais obstáculos na mente. O número de alternativas é, em última análise, limitado pela imaginação sem limites da mente humana.A pior forma de preconceito não é de classe social, racismo ou sexismo. O pior preconceito é contra si mesmo. Este é o prejuízo do qual você não pode escapar. A forma como as pessoas tentam levá-lo a aceitar suas limitações é para que você aceite a imagem limitada que elas têm de você. Seja fiel a seu verdadeiro eu.O PLANEJAMENTO PARA A MUDANÇAGrandes projetos bem sucedidos crescem a partir de pequenos projetos bem sucedidos. As pessoas são facilmente impressionadas pela grandiosidade e, por vezes, pensam erroneamente que para conseguir que as coisas mudem, exige-se grandeza. A campanha de Gandhi contra a Regra Colonial para a Índia cresceu a partir de muitos projetos de pequeno porte, mas bem sucedidos.O princípio “Mantenha Simples, com Segurança”. Quanto maior clareza e simplicidade houver em uma ideia, mais fácil poderá ser explicada para outros, para que eles possam entender. Grandes ideias não precisam ser complexas.O fim nunca justifica os meios, porque nós nunca vamos chegar lá, ao final. O “meio é a mensagem”.  Isto vem de Marshall McLuhan. O que você vê é o que você começa, e nada mais, pois no longo prazo, nós (e em última análise, nossos projetos também) vamos morrer e ser transformados.Saul Alinsky diz: “Faça o que puder com o que você tem, e depois o vista com argumentos morais”.  Muitas vezes, quanto menos importante é o fim desejado, mais a comunidade procura se envolver em avaliações éticas, procurando ocultar a sua estrutura e processos básicos imorais.As pessoas não planejam fracassar, elas só não conseguem planejar. Isso explica a necessidade do segundo passo de Dragon Dreaming (Planejar). Em todos os casos, quando um projeto não dá certo, a causa geralmente reside no fato de que alguém, em algum lugar, algum dia, não considerou antecipadamente algum fator que era absolutamente essencial para o sucesso.Cuidado com as “LELS – Lixo Entra, Lixo Sai”. Esta é a lei de bases de dados de computador. A assertividade do que você vai obter é geralmente determinada pela qualidade da informação sobre a qual você baseia suas decisões.As pessoas não são ‘donas’ de nada de que não tenham participado na criação, e nunca estarão totalmente comprometidas com qualquer coisa que não lhes pertença desta forma. Crie um ‘time de sonhos’ que compartilhe seu sonho, e ele terá maior possibilidade de se tornar realidade. Envolva o máximo de pessoas que puder e seu sonho vai se tornar realidade mais rápido.Você pode planejar fazer o plano, então planejar em seguida e planejar seu teste; a seguir planejar a avaliação de seu experimento que, na sequência, pretender implementar e nunca entrar em ação. Lembre-se, projetos nunca acontecem exatamente de acordo com o plano. Este é o inverso da armadilha acima. O mundo está cheio de sobras de planos quinquenais, sendo que nenhum deles aconteceu da forma que os planejadores esperavam.

Page 60: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Teoria sem prática é irrelevante, e prática sem teoria é cega. Resultados efetivos de mudança provêm da integração da teoria com a prática, e a recriação da teoria a partir da prática. Aquelas pessoas que não conseguem explicar a teoria do que estão trabalhando, ou que afirmam estar a trabalhar sem uma teoria, estão realmente sendo governadas pelas teorias de outros, que estabeleceram as regras do seu jogo. Aqueles que trabalham sem uma ‘prática’ negam sua responsabilidade pelo que fazem e desejam permanecer peões sem poder, à mercê de outros.O todo é sempre maior do que a soma das suas partes. Circunstâncias imprevistas estão sempre presentes. Construa a sua estratégia para ser flexível o suficiente para adaptar-se a revisões frequentes, à medida que as circunstâncias mudem.Duas pessoas trabalhando juntas podem obter mais que o dobro do que duas pessoas que trabalham sozinhas. Esta sinergia é a inteligência coletiva. Duas pessoas trabalhando juntas podem conseguir muito menos do que duas pessoas trabalhando sozinhas. Esta é a estupidez coletiva. O efeito de sinergia de pessoas trabalhando juntas pode contribuir muito para manter o moral elevado. Deve ser guardado ferozmente, e não se pode permitir que murche ou perca intensidade.Noventa por cento dos projetos comunitários terminam dentro de três anos, geralmente no ponto em que o iniciador fica exausto, seus interesses mudam ou passa a fazer outra coisa. Se você está construindo uma organização, verifique se ela vai sobreviver à sua partida. Planejar a sucessão o mais cedo possível é vital. Substitua-se por alguém que, em sua opinião, seja melhor do que você, e então você terá liberdade dentro de seu projeto.A qualidade de uma decisão é proporcional ao número de pessoas cujos pareceres foram consultados. A velocidade de tomar uma decisão é no sentido inverso ao número de pessoas consultadas. Decisões de consenso, quando se evita a partilha de mera ignorância, são sempre de melhor qualidade do que decisões tomadas por maioria; decisões por maioria são de melhor qualidade do que os minoritários, e assim por diante, mas elas sempre levam mais tempo.O camelo foi um cavalo desenhado por um comitê. O que você quer? Graça e olhares ou resistência? Tenha clareza sobre o resultado esperado e você pode então escolher o melhor caminho para chegar lá.O TRABALHO COM ORGANIZAÇÕESTodas as organizações convencionais são muito parecidas com um ralo de pia; uma grande quantidade de energia gira ao redor e ao redor em círculos cada vez menores, puxando tudo para o centro, e de água relativamente estável, com pedaços flutuando na periferia. Cuidado com a construção do império e burocratização, mascarados como mudanças na comunidade. O poder que o centro oferece pode ser sedutor e pode cooptar e sabotar a mudança genuína. Construa organizações de centro vazio.Em uma burocracia, todo mundo galga seu próprio nível de incompetência. Este é o Princípio de Peter, e isso significa que as únicas pessoas que em uma burocracia fazem qualquer trabalho real são os recém-chegados, cujo verdadeiro valor ainda não foi reconhecido e que ainda não foram promovidos a um nível além de sua capacidade.Tudo está crescendo ou morrendo. Ambos os processos são importantes. A morte abre espaço para e fertiliza a vida.  O tempo não é a essência aqui. A maioria das organizações começa a morrer no momento em que são concebidas. Não tente prolongar a vida de algo além de sua vitalidade – há um monte de cadáveres ambulantes e zumbis de organizações comunitárias andando por aí.Atrás de cada organograma há uma rede invisível ao longo da qual a informação “de verdade” flui.  Esta rede de companheirismo e amizade da rede é real e existe em cada organização. Ela pode fortalecer ou enfraquecer as pessoas. Saiba o que é e como usá-la adequadamente.Em todos os períodos ‘pré-revolucionários’ existe um período de ‘duplo poder’, onde as instituições tradicionais que têm todo o poder não têm capacidade de resolver problemas, enquanto as instituições emergentes que têm o poder de resolver os problemas não têm autoridade ou legitimidade. Esta situação é mantida por uma ‘dissonância cognitiva’, onde os valores que você defende parecem ser negados pelo comportamento que você adota.Ao trabalhar com uma burocracia procure acessar o topo. Evite pedir permissão. Encontre a ideia mais próxima da sua e, a seguir, ofereça-se para tornar seu sonho em realidade. O tempo gasto para convencer um funcionário de nível inferior, que não pode tomar uma decisão, pode ser perda de tempo. Localize quem pode tomar a decisão, saiba mais sobre essa pessoa antes de encontra-la e a convença. Todos os demais ‘funcionários’ vão cair em linha.Não tente um projeto piloto, a menos que você esteja convencido de que pode garantir que será bem sucedido.Os projetos-piloto concebidos para ‘testar’ uma ideia trarão resultados parciais e ‘mornos’, porque é isso que as pessoas estão esperando. Certifique-se primeiro, que sua ideia funciona muito bem, e então as pessoas vão descobrir que as suas ideias realmente funcionam.Acordos verbais em uma burocracia não valem o papel sobre o qual serão escritos. Mantenha a documentação dos contratos, e garanta que todos estão de acordo. De outra forma, quando houver divergências, será apenas a sua palavra contra a deles.A separação entre planejar a implementação no centro de uma organização e implementar sem planejamento na periferia, apenas cria dois grupos separados –  e ambos têm alguém para culpar por seus fracassos. A especialização é uma primeira lei da maioria das organizações mas, em muitos casos, pode levar a bodes expiatórios e fanfarrões de passagem, e ser bastante perigosa.A AVALIAÇÃO

Page 61: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Nada falha tanto quanto o sucesso. Só porque algo funcionou uma vez, não espere que funcione uma segunda vez. Não vai. Infelizmente, para muitas pessoas o sucesso estabelece um padrão de comportamento que se repete uma e outra vez, mesmo quando inapropriado. Basta olhar para as burocracias governamentais e grandes empresas!Quanto maior for o sistema, mais tempo e esforço será necessário para mantê-lo vivo, e menos será usado para concluir o trabalho. Em grandes empresas e burocracias, uma grande quantidade de esforço é dirigida para a manutenção da organização, e proporcionalmente menos está disponível para as funções de execução de tarefas.As organizações bem sucedidas que tenham resolvido seu ‘problema’ inicial vão procurar um novo objetivo, ao invés de se dissolver. O novo objetivo é geralmente sobrevivência. Todos que abriram novos negócios em novos mercados vão tentar estabelecer um grau de controle monopolista para ver-se livre de concorrência. Muitos grupos de projetos comunitários fazem o mesmo.Tanto quanto, se não mais, pode ser aprendido com os erros do que com os acertos. Se você não estiver falhando, você não está aprendendo. Não varra seus fracassos para debaixo do tapete. Olhe para eles como bens temporários que podem lhe dar mais informações e ajudá-lo a caminhar rumo ao objetivo maior. Não tenha medo da avaliação.Se o seu objetivo era mudar o mundo, você sempre pode alegar que falhou porque estava com poucos recursos.  Pequenas organizações com objetivos imensos vão funcionar a todo vapor e os membros irão acabar com moral baixo, porque não apresentarão progresso no sentido de atingir seus objetivos. A exaustão é contagiante. Prossiga por pequenas partes que sejam de fácil digestão.A história é a propaganda dos vencedores. O lado perdedor raramente tem a oportunidade de escrever a história para colocar as suas ideias. No entanto, é possível ler nas entrelinhas e descobrir o que realmente aconteceu. Não leve as coisas pelo seu valor facial, especialmente quando as vítimas são culpadas.Se você se preocupa excessivamente com falhas de ontem, então os sucessos de amanhã serão poucos e distantes entre si.  O perigo aqui é o dobro. Se você está muito preocupado com falhas, a preocupação pode se tornar infecciosa, e outros podem vir a associar o fracasso de uma atividade com você, você será ‘etiquetado’ como sendo a causa da falha. Como um promotor de mudanças você também deve prestar atenção à Síndrome de Cassandra, onde ao invés de ouvir a mensagem, os superiores matam o mensageiro.A luz que você vê no fim do túnel pode ser apenas o farol da locomotiva que se aproximava em alta velocidade.Não deixe que o otimismo te leve para longe da realidade. Mantenha seus ‘sensores de realidade’ funcionando. Verifique, buscando encontrar o que poderia dar errado e, sempre que possível, tente encontrar provas da situação real antes de se comprometer com a ação.A pessoa é sempre maior do que seu papel. A ideia de que o mundo é um palco e nós somos jogadores tem sido usado para explicar como as pessoas trabalham nas organizações, mas tal visão é limitada. Relacionar-se com a pessoa e não com o papel irá sempre ajudar o seu projeto através da construção de relacionamento.LIDAR COM OPOSIÇÃOVocê reconhece algumas características como inaceitáveis em outros, quando ainda não aprendeu a aceita-las dentro de si mesmo. Todos que você encontrar são, portanto, um espelho de você. Você não seria capaz de reconhecer qualquer característica se está já não fosse parte da sua própria vida. Se ainda não estivesse lá, não te afetaria agora. Você não será tão eficaz quanto poderia ser ao se aceitar incondicionalmente.Faça aos outros o que gostaria que fizessem a você. Ama o teu próximo como a ti mesmo.  A Regra de Ouro, reconhecendo a todos no planeta como o “outro”, leva a um mundo de cooperação baseada em uma estratégia ganha-ganha que beneficia a todos. A estratégia de ganha-perde em nosso mundo acaba se tornando em uma estratégia de perde-perde.Algumas pessoas são sempre ‘a favor’ e algumas são ‘contra’. Em outra dimensão, alguns são ‘ativos’ e alguns são ‘passivos’. Elabore uma lista de cada espécie. Aqueles que são ativos e a favor do seu projeto são membros ideais para o seu ‘time de sonhos’. Mas são aqueles que são ativos e contra o seu projeto, que mais irão ajuda-lo. Pedir a essas pessoas as razões para seu ponto de vista negativo, e tentar encontrar respostas para a sua negatividade, acabará por dar frutos – tornará o seu projeto mais forte e trará mais argumentos para responder a seus críticos.As pessoas, na nossa cultura, geralmente apoiam ou se opõem a mudanças em função de um cálculo pessoal, baseadas geralmente na informação disponível, de riscos, custos e benefícios. As pessoas que se opõem a seu projeto geralmente o fazem por estas razões. Altere suas informações, diminua o risco, reduza o custo e aumente os benefícios e você pode ter angariado um torcedor.O inimigo de seu projeto poderia ser seu maior aliado. Ouça a razão pela qual alguém se opõe a seu projeto, encontre a resposta que efetivamente lida com isso e você pode ter ganhado um aliado poderoso.Pegue leve e não se agarre às suas ideias. Se as pessoas acham que a ideia de um projeto é delas, então se relacionam com esta ideia da mesma forma que se relacionam contigo. Se uma pessoa pensa em algo como ‘seu’, então estará empenhada para que aconteça.Todo sucesso tem muitos pais, apenas o fracasso é órfão. Se alguém toma o crédito para o seu projeto – parabenize-o. Isto constrói relacionamentos para o seu próximo projeto.

Page 62: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

O que você coloca em jogo? Quanto mais as apostas pessoais estejam comprometidas com um projeto, e maior o risco de que este não dê certo, mais todo mundo vai investir para que o projeto seja bem sucedido. Saber a aposta de cada membro do time dos sonhos, ou o que cada um coloca em jogo, une a todos. Esta pode ser também uma boa forma de resolver conflitos.

02 Quem ou o que é GaiaCategoria pai: MétodosCategoria: Fichas TécnicasQuem ou o Que é Gaia – Música do Sangue – A Terra do Mito ao MovimentoPor John Croft.                                                                                                                                 11 de Fevereiro de 2011                                                                                                                                     Revisado 17 de Maio de 2012 Título original: Fact Sheet Number #02 WHO OR WHAT IS GAIA? BLOOD MUSIC – THE EARTH FROM MYTH TO MOVEMENTTradução: Áureo Gaspar (Agosto de 2012)A REDESCOBERTA DE GAIA“Vista a partir da distância da Lua, a coisa mais surpreendente sobre a Terra, e que nos tira o fôlego, é que ela está viva. As fotografias mostram a superfície árida da Lua em primeiro plano, seca como um osso velho. Além, flutuando livremente sob a membrana úmida e cintilante de céu azul brilhante, está a ‘Terra crescente’, a única coisa exuberante nesta parte do cosmos. Se você pudesse olhar por muito tempo, iria ver a agitação dos grandes desvios de nuvens brancas, cobrindo e descobrindo as massas semiocultas de terra. Se você estivesse olhando por um longo tempo geológico, você poderia ter visto os próprios continentes em movimento, distanciando-se em suas placas da crosta, trazidas à tona, flutuando sobre a lava abaixo. Ele tem a aparência organizada e autossuficiente de uma criatura viva, cheia de informações, maravilhosamente hábil em lidar com o Sol.”Lewis Thomas – “As Vidas de uma Célula”"Minha alegria perigosa ainda estará em botãoquando momentos eternos chorarComo trombetas de ouro em meu sangue"Autor desconhecido RESUMO: A compreensão de que a Terra não é apenas uma casa passiva para a vida, mas tem muitas propriedades de um sistema vivo, nos permite conectar a ciência moderna e a antiga espiritualidade, em uma ética para um movimento social integrador. O cuidado com o todo é, portanto, profundamente ligado ao cuidado com cada parte.Quem ou que é Gaia?Dragon Dreaming surgiu como resultado do trabalho de mais de 26 anos da Fundação Gaia da Austrália Ocidental. A Fundação Gaia é parte de uma rede mundial informal de pessoas e grupos, que têm preocupações sobre como aprender a viver de forma mais sustentável na Terra. Membros da Fundação Gaia na Austrália estão comprometidos com três objetivos:• Crescimento pessoal – compromisso com a sua própria cura e empoderamento.• Construção de comunidade – o reforço das comunidades de que você é uma parte.• Serviço à Terra – melhorando o bem-estar e a prosperidade de toda a vida.A estrutura da Fundação Gaia evita a organização convencional das organizações não governamentais, com um comitê central e uma periferia passiva. Ela é modelada sobre a ecologia de vida da própria Terra. Todas as atividades da Fundação são criadas como ‘projetos’ em que os participantes envolvidos em cada projeto têm todo o poder e autoridade. Esta estrutura ‘caórdica’ da Fundação, concebida como uma série de projetos inter-relacionados, funciona de forma semelhante a que a natureza interliga ecologias. Cada projeto é independente, autônomo, autogovernado e autofinanciado. Todos os projetos informam e apoiam uns aos outros para alcançar os três objetivos. A Fundação Gaia é, portanto, parte do que tem sido chamado da ‘Bendita Agitação’, que ninguém previu – o maior movimento social, ambiental e política do mundo.Mas quem, ou o que é Gaia? Como, no Século 21, podemos ouvir novamente a voz de Gaia? Alguns leitores já deve ter ouvido a palavra antes. Alguns podem até pensar que têm alguma ideia que ‘Gaia’ é tanto um fato em si, quanto uma ideia sobre esse fato.Caroline Merchant1 nos mostrou que a ideia de ‘natureza’ tem uma história, ‘dentro’ da nossa própria história. Gaia pode, portanto, ser vista como uma ‘ideia’ ou ‘conceito’ que tem uma história própria. Esta é a ‘visão interior’. Ao mesmo tempo, Gaia pode ser descrita como um modelo objetivo de funções do sistema terrestre, mantidas e mantendo-se como um habitat vivo e pleno de vida. O eco-filósofo Ken Wilbur2 considera esta uma ‘visão exterior’. Ao mesmo tempo, Gaia pode ser usada por um escritor antigo ou

Page 63: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

moderno como uma metáfora específica para a ‘vida’ ou para a ‘Terra’, e cada vez mais Gaia está sendo usada como uma imagem de inspiração coletiva para ativistas sociais ligados a questões ambientais outros mundo afora. Tom Ellis, da GAIA Internacional, demonstrou que estes quatro usos de Gaia, compreendem, simultaneamente:Um mito, nascido de nossas antigas civilizações, de 5.400 a.C. a 393 d.C. A civilização, como ela cresceu e mudou de uma base amorosa para se tornar baseada na morte e no controle sobre Gaia. Nos longos séculos cristãos, Gaia foi reduzida aUma metáfora para representar a própria vida. Em civilizações clássicas, de 776 a.C. a 1789 d.C., o cosmos era visto como um organismo, uma coisa viva da qual todos participaram. Mas com o Iluminismo e a mudança ocorrida a partir de 1.648, discutida no texto sobre a Civilização do Crescimento Industrial, o cosmos se tornou um relógio, um mecanismo morto e inerte. Foi com...Um modelo de Gaia, recém-nascido de dentro do seio da ciência moderna, que vemos a realidade da antiga visão da Terra como um sistema vivo reentrar no mundo moderno, começando a reestruturar completamente a nossa visão da realidade. A partir dessa nova realidade planetária, emergiu...Um movimento, que tem sido chamado ‘o movimento ambiental profundo de longo alcance’, que está em processo de fusão com outros grupos de mudança social no Fórum Social Mundial, no Movimento de Transição e no Movimento ‘Ocupa’ para se tornar ‘a segunda superpotência mundial’.Aqui vamos discutir as consequências e significado para nós e nosso destino como seres humanos do ressurgimento de Gaia nos últimos tempos.Dianne Skafte, em seu livro "Quando os Oráculos Falam", é da opinião de que, depois de uma ausência de 1.700 anos, os oráculos estão voltando para o mundo. Ela afirma que “receber um oráculo é receber orientação, conhecimento, ou iluminação de uma fonte misteriosa além do Eu pessoal”. Agora temos que entender o que está além deste Eu pessoal e como este pode se comunicar conosco. Este é um tema central de Dragon Dreaming. Como a Terra fala através de nós? Dizia-se que o oráculo de Delfos era a voz do deus Apolo, mas supõe-se que Apolo tomou o santuário de Delfos de Gaia, da própria Terra. Esta usurpação foi o resultado de um longo processo histórico, que parece ter começado como resultado de condições históricas específicas, com a ascensão de sociedades guerreiras estratificadas com elites masculinas ociosas e seus subservientes dependentes do sexo masculino e feminino, a partir de um período de mudanças climáticas e aridez nas cidades do sul do Iraque e ao longo do vale do Rio Nilo cinquenta séculos atrás.Antes disso, o maior mistério para as primeiras culturas no sul do Iraque era o ato de amor entre um homem e uma mulher, que levava ao nascimento de uma nova criança. Neste ato da concepção e do nascimento, o ato mais sublime da criação concebível, homens e mulheres eram conjuntamente e igualmente envolvidos no processo. Os primeiros sumérios, como a cultura de substrato anterior a eles, viam o processo de criação como uma série de deuses que vêm junto com deusas para dar à luz à próxima geração.Neste período de mudanças climáticas e consequentes pressões ambientais, houve a mudança na metáfora, que se afastou de um amor equilibrado entre os princípios masculino e feminino, usados para descrever o mistério da criação, ao assassinato e desmembramento de uma Deusa anteriormente feminina. Isso ocorreu no exato momento em que uma classe de ‘grandes homens’ militaristas tomava a autoridade política sobre templos que eram neutros quanto a gênero, anteriormente centrados em uma união sagrada entre macho e fêmea.Este período mostra uma clara mudança de uma mitologia em que o heroísmo masculino era inclusivo e preocupado com a manutenção do equilíbrio ecológico, e que mudou para um mito onde o heroísmo era exclusivo de homens preocupados em sobrepujar o medo da morte e da destruição ecológica, e da busca da imortalidade dos governantes do sexo masculino. Como a demonização dos últimos espetáculos de guerra iraquianos, ainda vivemos nesses padrões antigos.O nome Gaia vem de duas palavras muito mais antigas, *Ge (ou ‘Terra’ encontrado em palavras como geografia ou geologia), possivelmente derivado do Ki sumério, e *aia, que parece ter originalmente significado ‘Mãe’ ou ‘avó’. Nos tempos mais antigos gregos ela foi chamada de ‘Urania Gaia’4 ou ‘Terra, a Mãe de Todos’.Gaia, a Terra avó, retornou à consciência moderna novamente depois de uma ausência de quase 1.600 anos, quando se sugeriu como o possível nome que poderia ser dado a uma hipótese importante, que a própria Terra poderia ser considerada viva, desenvolvida pelo cientista britânico independente, o professor James E. Lovelock e por seu vizinho de Bowerchalke em Wiltshire, William Golding, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1983. Lovelock e Golding frequentemente caminhavam juntos até a estação de correios local, a seiscentos metros de distância.Ao discutir novas e excitantes ideias, sua caminhada muitas vezes os levava ainda mais longe. Golding sugeriu que uma nova e importante ideia sobre a Terra exigia um nome importante, a fim de atrair a atenção, e sugeriu o nome Gaia. Lovelock no início pensou que ele queria dizer ‘giro’ (N.T.: gyre – giro, em inglês, tem pronúncia similar a Gaia), um nome antigo para rodamoinho, o que levou a alguma confusão. Golding, um erudito com formação científica, explicou que não, Gaia era a deusa grega da Terra. Este foi um ato inspirado. Depois de uma ausência de mais de um milênio, Gaia de Delfos foi ressuscitada, desta vez com uma roupagem moderna e científica, como um modelo de como a Terra realmente funciona. Com a teoria de Lovelock, mais uma vez, fomos

Page 64: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

descobrindo maneiras em que a nossa vida individual, vista por tanto tempo como corpos individuais separados, é de fato realmente parte de algo muito maior e mais velho do que nós, um enorme e antigo ‘ser’ em evolução, cujas interações coletivas criam as condições necessárias para a continuação de toda a vida sobre o planeta. Gaia, como a Deusa Suméria da Terra,  Ki, A Senhora da Montanha Sagrada – Ninhursag, em cujo corpo tudo o que existia tinha sido ressuscitado de uma nova forma. Os mais recentes testes por satélites e a evidência científica confirmaram a sabedoria inerente destas culturas antigas, que mostravam que era só por viver em harmonia com os ritmos e ciclos naturais da Terra que toda a vida poderia ser mantida.Lovelock tinha uma formação científica intrigante. Sempre pensando ‘fora dos padrões’ do convencionalismo e a sua ampla leitura científica na biblioteca pública Brixton de Londres, quando criança, fizeram com que se interessasse pela Ciência muito mais do que a sua educação formal, e ele começou a trabalhar como técnico de laboratório qualificado para uma pequena firma na indústria fotográfica, onde precisão era essencial. Matriculando-se em aulas noturnas para ganhar uma qualificação científica, em seguida foi para Manchester para terminar uma graduação formal em Química. A precisão de seu trabalho levou um professor a acusá-lo de trapacear, mas esta exatidão e uma vontade de ajudar os outros em seus problemas levaram-no a obter um emprego no Instituto Nacional Britânico para a Pesquisa Médica. Foi o trabalho perfeito para cultivar as habilidades de alguém tão criativo como Lovelock.O Instituto cuidava das questões administrativas e encorajava seu pessoal, enquanto profissionais qualificados, a perseguir os seus objetivos em qualquer campo de pesquisa que desejassem, sabendo que a livre investigação acabaria por trazer dividendos comerciais. O trabalho de Lovelock abrigava um vasto leque de áreas relacionadas com ‘higiene atmosférica’, investigando a absorção de cálcio nas células, a proteção das células animais contra o congelamento, doenças infecciosas no ar e o resfriado comum. Isto o levou a se interessar sobre como detectar a presença de produtos químicos em quantidades muito pequenas, por vezes, uma parte por bilhão. Lovelock, como uma pessoa prática e um químico bem treinado e preciso, prosperou na busca de soluções técnicas engenhosas, usando a Química para lidar como os problemas biológicos de outras pessoas.Desde 1950, mais de 70.000 novos produtos químicos, nunca antes vistos na natureza, foram libertados no ambiente. Em 1957, Lovelock inventou uma tecnologia de sistema de detecção em espectroscopia por captura de elétrons, particularmente sensível para encontrar baixas concentrações de compostos, como os derivados do DDT (um inseticida) nas cascas de ovos de aves de rapina.Esta tecnologia foi uma importante contribuição para a pesquisa de Rachel Carson, em seu livro "Primavera Silenciosa", onde ela foi a primeira a chamar a atenção para o problema da descarga de produtos químicos tóxicos na biosfera, lançando o movimento ambientalista moderno. Desde o início do século 20, como resultado da Revolução Científica Quântica e Relativística, e lutando para compreender a complexidade das novas ciências da ecologia e da cibernética, os cientistas haviam reconhecido que o ‘reducionismo’ só trouxe uma parte da imagem e na verdade, a Natureza se organiza como um sistema muito mais complexo. Carson tinha conhecimento do trabalho do ecologista russo Vladimir Verdansky5, que afirmava que a biosfera era um sistema de suporte à vida que se auto-organizava e auto adaptava, com o potencial para ser uma grande força geológica na superfície de um planeta e ecosfera. Ele também se inspirou na abordagem da Teoria Geral dos Sistemas de Ludwig Von Bertanlaffy6 e na cibernética de John Von Neumann7.Carson utilizou estes resultados para demonstrar efetivamente a interligação ecológica de toda a vida, mostrando como os pesticidas foram eliminando a vida de aves em diferentes áreas – pulverizados sobre os insetos, que eram devorados por pequenos pássaros, que eram predados por aves de rapina maiores, eles estavam se concentrando em seus tecidos do corpo, e eliminados através da postura dos ovos, afinando as cascas e fazendo com que o filhote morresse. As constatações de Carson, baseado na tecnologia de Lovelock, tiveram um enorme efeito em galvanizar ativistas contra o envenenamento químico de pragas, e levou aos Atos do Ar Limpo nos Estados Unidos e a novo limiar de outras legislações de proteção ambiental.A tecnologia de captura de elétrons de Lovelock também foi utilizada por ele duas décadas depois da primeira descoberta da acumulação de Cloro-Flúor Carbonos (CFC), que são agora conhecidos por perfurar um buraco na camada de ozônio na atmosfera, que protege a vida terrestre de prejudiciais raios ultravioleta solares. No entanto, na década de 1970, sob pressão da indústria química, essas conclusões foram ignoradas até prova irrefutável de que um buraco na camada de ozônio foi visto na Antártica, através de observações espaciais e terrestres. Até então as empresas químicas líderes tinham desenvolvido um produto químico para a substituição do CFC e assim criou-se um protocolo internacional, assinado em Montreal, concordando-se em eliminar gradualmente esses produtos químicos de produção.A mesma pesquisa, feita por Lovelock usando o navio cargueiro Antarctic Shackleton, também confirmou a primeira previsão científica feita para sua Hipótese Gaia. Assim, de uma forma muito real, toda a preocupação moderna sobre algumas das grandes questões do nosso meio ambiente decorre da pequena invenção de Lovelock.Em parte como resultado da descoberta de captura de elétrons, Lovelock foi convidado pela NASA (Administração Nacional para Aeronáutica e Espaço, do Governo dos Estados Unidos) para trabalhar no Laboratório de Propulsão a Jato, na Califórnia, EUA, em 1961, para ajudar a desenvolver testes para a detecção de vida em Marte. Na tentativa de descobrir se havia vida em Marte,

Page 65: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Lovelock usou o pensamento criativo “Se eu fosse um marciano, como eu poderia detectar vida na Terra?” Lovelock estava lendo o livro do influente físico quântico Erwin Schrödinger “O que é a Vida?”, escrito depois de uma série de palestras que ele ministrou no Trinity College de Dublin, em 1943, que também tinham sido lidas por James Watson e Francis Crick e teve um enorme impacto sobre a descoberta do DNA. Em seu livro, Schrödinger sugeriu que a característica fundamental do tecido vivo era produzir estados internos altamente ordenados de baixa entropia, obtendo energia e eliminando resíduos no ambiente mais amplo.O pensamento criativo de Lovelock o levou a refletir sobre as maneiras pelas quais o próprio ambiente fornecia energia e removia os resíduos nas proximidades do local da célula porque, sem essa cooperação ambiental, as células morreriam de fome ou pela acumulação de venenos. O ambiente não era passivo, mas tornava-se um colaborador ativo neste processo.Houve um segundo impulso para o desenvolvimento da teoria Gaia de Lovelock. Foi Fred Hoyle, o físico britânico, que disse: “Uma vez que digerimos as implicações da foto da Terra vista do espaço exterior, nós liberamos uma ideia tão potente quanto qualquer outra na história da humanidade”. As fotos têm se tornado familiares nos últimos anos, como slogans publicitários, mas Peter Westbroek8, por exemplo, escreveu que, embora:“As fotos da Terra [podem] se tornar estereótipos comuns e é difícil lembrar o seu significado original, mas não pode haver dúvida de que, uma vez por todas, elas mudaram a percepção do mundo para bilhões de pessoas. Nos anos seguintes às viagens Apollo, nós nos tornamos coletivamente conscientes da vulnerabilidade do ambiente e dos riscos de crescimento tecnológico e econômico desenfreado. Isso marcou o nascimento do [moderno] movimento ambiental”.

Terra Crescente – foto tirada pelo tripulante Bill Anders da astronave Apollo Oito, em 24 de dezembro de 1968, que mostra a Terra aparentemente elevando-se acima da superfície lunar. Fonte: Wikimedia Commons. (acréscimo do Tradutor ao texto original).

A incrível foto ‘Terra Nascente’ da Apollo 8, por exemplo, da Terra viva grávida nascendo acima da lua estéril, também parece ter tido um efeito no desenvolvimento da hipótese Gaia. Ela certamente criou uma impressão poderosa que a Terra era um único sistema vivo, complexo e dinâmico. O poeta americano Archibald MacLeish, por exemplo, escreveu no dia de Natal de 1968:

“Ver a Terra como ela realmente é, pequena e azul e bela nesse silêncio eterno em que flutua, é vermo-nos como passageiros unidos na Terra, irmãos nesta beleza brilhante no eterno frio – irmãos que sabem agora que são verdadeiramente irmãos”.Lewis Thomas, comentando sobre a mesma fotografia, afirmou em seu livro "Vida de uma célula":“Vista a partir da distância da Lua, a coisa mais surpreendente sobre a Terra, e que nos tira o fôlego, é que ela está viva. As fotografias mostram a superfície árida da Lua em primeiro plano, seca como um osso velho. Além, flutuando livremente sob a membrana úmida e cintilante de céu azul brilhante, está a ‘Terra crescente’, a única coisa exuberante nesta parte do cosmos. Se você pudesse olhar por muito tempo, iria ver a agitação dos grandes desvios de nuvens brancas, cobrindo e descobrindo as massas semiocultas de terra. Se você estivesse olhando por um longo tempo geológico, você poderia ter visto os próprios continentes em movimento, distanciando-se em suas placas da crosta, trazidas à tona, flutuando sobre a lava abaixo. Ele tem a aparência organizada e autossuficiente de uma criatura viva, cheia de informações, maravilhosamente hábil em lidar com o Sol”.Mais tarde no mesmo ensaio, ele escreveu:“Eu tenho tentado pensar a Terra como uma espécie de organismo,”...”A outra noite, dirigindo por uma parte montanhosa e arborizada do sul da Nova Inglaterra, eu me perguntava sobre isso. Se não fosse como um organismo, com o que seria mais parecida? Então, de forma satisfatória para esse momento, veio-me a resposta: ela é mais como uma única célula”.A visão de Thomas foi ignorada por cientistas como um voo de fantasia poética. No entanto, ele escreveu o prefácio de um segundo livro de Lovelock, “As Idades de Gaia”, afirmando sua crença de que a hipótese Gaia de Lovelock pode ser, no momento, “reconhecido como uma das grandes descontinuidades no pensamento humano”. Foi Lovelock, no entanto, que levou esta ideia de uma Terra viva a um novo nível de complexidade.Testes franceses de infravermelho realizados na década de 1960 mostraram que as atmosferas de Marte e Vênus eram completamente opostas à atmosfera terrestre. Com mais de 98% de dióxido de carbono e 2% de nitrogênio, estavam totalmente sem oxigênio livre, e se assemelhavam à atmosfera que seria criada na Terra se fossem queimados todos os combustíveis do nosso planeta e todo o dióxido de carbono, enterrados como calcário, fosse liberado. Em comparação, a atmosfera da Terra, com 78% de nitrogênio e 21% de oxigênio, pareceu totalmente instável, como uma situação de pré-combustão – que inclui pequenas quantidades de gases inflamáveis como o metano, simultaneamente presentes em associação com oxigênio. O oxigênio, como o segundo gás mais reativo depois de flúor, devia tornar tal atmosfera, de acordo com a ciência convencional, uma impossibilidade química. A fórmula da reação é fácil de compreender:(1) CH4 (metano) + 2O2 (oxigênio) → CO2 (dióxido de carbono) + 2H2O (água) + energia.O metano, quando existe na presença de oxigênio, é convertido em dióxido de carbono e água, com uma libertação de quantidades consideráveis de energia. Somente através da adição contínua de metano a uma taxa de mais de um bilhão de toneladas por ano e oxigênio no dobro da quantidade existente, podia-se explicar sua presença mútua, e Lovelock percebeu que apenas a vida como um

Page 66: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

todo poderia produzir tais resultados. Na verdade, quanto mais ele considerou isto, mais ele percebeu que não só a vida produzia tais condições, mas o florescimento da vida em qualquer planeta dependia deles. Inspirado pelas fotos da Terra do espaço, como Lovelock escreveu em sua autobiografia “Homenagem a Gaia”, ele chegou a ver que a Terra era:“Muito mais do que apenas uma bola de rocha umedecida pelos oceanos ou uma nave espacial colocada ali por um Deus benevolente apenas para o uso da humanidade. Eu a vi como um planeta que, desde as suas origens há quase quatro bilhões de anos, manteve-se como um lar adequado para a vida que nele aconteceu e eu pensei que o fez pela homeostase, a sabedoria do corpo, assim como mantemos a nossa temperatura e química constantes.”A vida como um todo coletivo parecia estar gerando as condições necessárias para sua própria sobrevivência no futuro. Estes pensamentos levaram Lovelock a perceber que estas condições ‘longe de equilíbrio’ poderiam ser detectadas por telescópio a partir da Terra, na superfície de um planeta distante. Não era necessário visitar Marte ou Vênus para saber que estavam sem vida, em comparação com a Terra – poderíamos dizer isto daqui. Esta foi uma mensagem clara para a NASA, mas esta não quis ouvir, pois estava planejando enviar sondas a Marte.A atmosfera da Terra é claramente uma mistura surpreendente. O oxigênio é um material estranho, ele vai oxidar, enferrujar e corroer qualquer metal exposto a ele, exceto o ouro. Por todas as leis conhecidas da química, com energia suficiente, o oxigênio reage até com o nitrogênio para formar o óxido nitroso (o anestésico ‘gás hilariante’). Ao longo do tempo seria de se esperar que a quantidade deste gás aumentasse e as concentrações de oxigênio puro e nitrogênio diminuíssem, mas isto não acontece.Ainda mais estranho, como o astrônomo Carl Sagan sugeriu a Lovelock, foi a maneira pela qual a Terra se manteve como um ambiente com água em estado líquido pela maior parte de sua existência. Na verdade, Lovelock pensou inicialmente que as temperaturas em todo o mundo tinham ficado entre 10 e 20 graus Celsius, mas é hoje sabido que no início da sua história o planeta era menos sofisticado em regulação homeostática do que é hoje.Após o fim da fase quente Tauri T, quando a Terra foi formada até o momento em que a crosta se solidificou, cerca de 4 bilhões de anos atrás, o Sol era 72% menos quente do que é atualmente. Uma Terra com a nossa atmosfera atual, 800 milhões de anos atrás, teria sido congelada, formando uma bola de gelo completamente desprovida de vida, como a lua Europa de Júpiter. Estudos recentes em paleoclimatologia sugerem que isto quase aconteceu, mas em vez de ser o resultado do Sol menos quente, foi causada principalmente por uma rápida redução do efeito estufa causado pelo dióxido de carbono, cuja concentração havia diminuído para um milésimo do seu efeito anterior.Uma período similar de ‘Terra Bola de Neve’9 foi encontrado na Idade do Gelo Huroniana, cerca de 2,300 bilhões de anos atrás, quando o metano foi amplamente eliminado da atmosfera pela presença de oxigênio. No entanto, estudos de temperatura passada da Terra mostraram que uma vez que o fim do período formativo Hadeano e no final do Bombardeamento Pesado, as temperaturas do planeta, em grande medida oscilaram entre +30 e +5 graus Celsius. Apesar das condições geladas da Terra nestes períodos, o congelamento pode nunca ter sido total, pois a vida na Terra não teria continuado, já que precisa da presença contínua de água líquida no planeta.O fato de que a Terra não congelou ou ferveu irremediavelmente foi demonstrado pela presença de zircônios fósseis encontrados na região de Narilyer Hills, na Austrália Ocidental – esta região já esteve no fundo mar, indicando a presença de água líquida há 4,15 bilhões de anos atrás, apesar do Sol muito mais frio. As pesquisas de Lovelock mostraram pela primeira vez que esta presença contínua de água era outro paradoxo inexplicável.Nossa estranha atmosfera, com 21% de oxigênio e 78% de nitrogênio, com apenas traços de outros gases, tão diferente das atmosferas de Vênus e Marte, que são compostas por quase 98% de dióxido de carbono e menos de 2% de nitrogênio, deve, portanto, ser um fenômeno relativamente recente, especificamente adaptado para um Sol mais quente. À medida que o Sol se aquecia, era de se esperar que as temperaturas dos oceanos na Terra na época de sua formação fossem aumentando de tal forma que os oceanos há muito teriam evaporado, e toda a água presente nessa fase deveria ter fervido e se tornado vapor, deixando um mundo venusiano seco, mas este não é o caso. Somos ainda um mundo de água e parece ter sido assim desde o início.A terceira parte intrigante das provas diz respeito à salinidade dos oceanos. A água evapora dos nossos mares para cair sobre a terra como chuva de água doce. Esta chuva dissolve o íon cloreto de calcita e o íon de sódio dos granitos, e os leva para o oceano como cloreto de sódio – o sal marinho, a uma taxa de 800 milhões de toneladas por ano. Isso é suficiente para atingir a salinidade atual de 3,4% a 3,6% em poucos anos. Enquanto este processo continue ao longo da história geológica, podíamos esperar que a salinidade da água do mar aumentasse ao longo do tempo. No entanto, diversos testes sugerem que não é assim – a salinidade da água do mar parece ter sido mantida constante em cerca de 3,6%. Qualquer alteração tornaria difícil para a vida marinha continuar.Apesar de intrigado sobre estas três peças de informação, Lovelock descobriu que havia uma explicação possível.Ele percebeu que paradoxos semelhantes são encontrados no caso de tecidos vivos no corpo humano. Por exemplo, assim como nós inalamos o oxigênio do ar e exalamos o dióxido de carbono, então, igualmente, a Terra como um todo, inala o óxido nitroso para fazer fertilizantes de nitrato para as plantas, e depois de desnitrificação e fotossíntese exala nitrogênio e oxigênio, na proporção

Page 67: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

exata para maximizar a energia disponível para a vida, sem arriscar a conflagração de incêndios florestais, em que tudo inflamável seria consumido.De igual modo, tal como o nosso corpo mantém uma gama de temperaturas entre 36 e 37 graus Celsius, a Terra parece manter uma temperatura e a pressão atmosférica dentro de limites que permitem que a água exista em estreita proximidade em todos os três estados – como o gelo, líquido e gás – a uma temperatura planetária corrente média de cerca de 15o Celsius. Finalmente, assim como nós mantemos a salinidade do sangue dentro de certos limites médios, a Terra, de alguma forma, através da regulamentação de fontes e sumidouros, está fazendo o mesmo para os oceanos como um todo.O salto de pensamento que Lovelock fez hoje parece evidente, mas não era tão evidente naquela época. Lovelock, em sua autobiografia descreve como, em setembro de 1965, veio a ele com um flash de insight inspirado que a Terra, em si, estava viva, como uma espécie de dom da própria criação. Sua teoria foi anunciada publicamente pela primeira vez em 1968, no Jornal da Associação Americana de Astronáutica, e causou uma onda de reações. Olhando em retrospectiva, esta devia provavelmente ser esperada. O Mahatma Gandhi disse certa vez que “primeiro eles te ignoram, depois riem de você, então eles brigam com você. Então você vence”. Isto é exatamente o que parece ter acontecido com a primeira menção da hipótese – Gaia de Lovelock foi inicialmente ignorada.Mas para Lovelock ser aceito, tinha que demonstrar “como é que um planeta vivo alcança tais resultados surpreendentes”.Foi a ex-mulher de Carl Sagan, Lynn Margulis, que forneceu a resposta. Mais de vinte anos mais jovem do que Lovelock, Margulis, que tinha sido um tipo de prodígio científico, entrou na universidade quando tinha 14 anos de idade.Quando já tinha sua tese de doutorado, foi invadindo as cidadelas da biologia convencional, sugerindo que a cooperação era um fator tão importante na evolução da vida complexa quanto a competição. Aparentemente, as bactérias mais aptas à sobrevivência, que melhor se encaixavam no conceito de vantagem competitiva, eram as que mais e melhor cooperavam com as outras. Ela demonstrou que as organelas (mitocôndrias e cloroplastos) encontradas dentro das células de plantas superiores eucarióticas e de animais, uma vez foram bactérias púrpuras de vida livre e algas verde-azuladas. Encontrar um caminho dentro das células muito maiores de levedura, sem ser digeridas, levou a benefícios por toda parte.As células grandes receberam novas ‘casas de força’ geradoras de energia e alguma proteção contra o prejudicial oxigênio atmosférico, produzindo como subproduto da fotossíntese. Em troca, as pequenas bactérias recebiam proteção dos predadores, e passavam a ter uma existência confortável em que muitas de suas necessidades eram automaticamente cuidadas. Margulis demonstrou como esses ciclos metabólicos foram montadas por meio das atividades simbióticas em que colaboraram de trilhões de bactérias, que, coletivamente, teciam a teia da vida através da ‘linguagem’ da química orgânica, um produto das trocas impulsionadas pela luz do Sol que nos mantém vivos. Isto pode mesmo ser expresso como uma fórmula química simples:(2) 106 CO2 + 90H2O +16NO3+ + PO43+ + minerais 5,4MJ luz = 3,258g de protoplasma vivo + 154O2 + 5,35MJ (calor)A composição química de 3.258 gramas de protoplasma é como segue:

106 mol átomos de carbono 1.272 gramas180 mol átomos de hidrogênio 180 gramas46 mol átomos de oxigênio 736 gramas16 mol átomos de nitrogênio 224 gramas1 mol átomo de fósforoVários minerais (incluindo enxofre e ferro)10 815 gramas

 E através da respiração de plantas e animais:(3) 3.258g de protoplasma vivo + 154O2 + 5,35MJ calor = 106 CO2 + 90H2O + 8N2 + 24O3+ + 3PO4+ minerais + calor 5,4MJ.Margulis sugeriu que criaturas multicelulares, como você ou eu, em vez de sermos os resultados de uma única linha de evolução de um último ancestral universal comum, são alianças de cooperação estabelecidas entre muitas espécies diferentes de bactérias através da ‘transferência horizontal de genes’ (HGT – Horizontal Gene Transfer). Essa cooperação evoluiu pela primeira vez na Terra dentro dos ecossistemas, tais como estromatólitos, os primeiros ‘fósseis vivos’ encontrados amplamente nas rochas mais antigas do planeta, em Shark Bay e no lago Clifton, perto da minha casa na Austrália Ocidental.Lovelock e Margulis reuniram-se brevemente em 1968, em Princeton. Margulis estava interessado nas origens da atmosfera de oxigênio, importantes para a compreensão da evolução, a partir de bactérias anaeróbicas, de bactérias aeróbias que respiram oxigênio, e pediu ajuda a Sagan. Ele sugeriu que ela procurasse Lovelock, e em 1971 eles se encontraram novamente em Boston. Foi um encontro que parecia que tinha que acontecer. Para Margulis, Gaia era o maior campo de cooperação para os enxames de bactérias vivas, que através de HGT indicavam estar compreendidas em um único grande conjunto de genes, cooperativamente trocando livremente pedaços de DNA entre o que os cientistas tinham pensado previamente como espécies que se excluíam mutuamente e competiam.

Page 68: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Margulis supriu Lovelock com o entendimento microbiano detalhado sobre a qual toda a futura teoria Gaia deveria se basear. Lovelock propiciou, com a teoria de Gaia, um cenário amplo o suficiente para que os princípios de simbiogênese cooperativa bacteriana de Margulis pudessem ter um impacto final maior, qual seja o de moldar e remodelar um planeta inteiro. Ela incentivou Lovelock a publicar sua teoria, mas nenhuma revista científica de primeira linha poderia aceitar uma teoria radical batizada com o nome de uma deusa grega. Em 1972, na pouco conhecida revista Atmospheric Environment, Lovelock escreveu um artigo, “Gaia como é vista através da atmosfera”, em que a teoria foi mencionada publicamente pela primeira vez.Em 1974, Margulis e Lovelock, trabalharam juntos em três artigos, que também foram publicados em pequena tiragem, fora do caminho das publicações científicas. “Homeostase Atmosférica pela e para a biosfera: a hipótese Gaia” tinha apenas 10 páginas, publicada em Tellus, (No. 26,1974, pp.1-10). Aqui Lovelock definia a hipótese Gaia como a visão que “a biosfera como um sistema de controle ativo adaptativo [que é] capaz de manter a Terra em homeostase”. Em “Modulação biológica da atmosfera da Terra”, Lovelock e Margulis, explicaram o esboço da teoria em Icarus (No. 21, 1974, p.471), um jornal editado por Carl Sagan, e uma outra explicação de 10 páginas sobre “Tendências da homeostase da atmosfera da Terra”, impresso na  Origem da Vida (No. 1, 1974, pp.12-22).Em todos os três artigos, a Hipótese Gaia foi apresentada como um ato de equilíbrio homeostático, em que a própria vida agiu para equilibrar o ambiente e mantê-lo apto para a vida em si. As revistas não eram ‘dominantes’ por qualquer meio, mas atraíram a atenção do jornal britânico New Scientist. Em sua edição de fevereiro de 1975, Lovelock, em associação com Sydney Epton, publicou um artigo, “A Busca por Gaia”. A resposta do público foi repentina e esmagadora. A New Scientist mais tarde informou que este artigo gerou uma resposta mais popular do que qualquer outro artigo que tinha publicado até então. Lovelock foi imediatamente abordado com mais de 20 ofertas para produzir um livro popular sobre a teoria. Gaia voltou à consciência popular, com um estrondo, e agora não podia mais ser ignorada pela comunidade científica. Lovelock escreveu:"A melhor explicação para as impossibilidades físicas e químicas da Terra é que a Terra é um organismo vivo"Gaia foi definida por Lovelock como:“Uma entidade complexa envolvendo a biosfera da Terra, a atmosfera, os oceanos, e solo; a totalidade constituindo um sistema de feedback ou cibernético que busca um ambiente físico e químico ótimo para a vida neste planeta”.Lembro-me do dia em que li o primeiro artigo. Eu estava com amigos da Austrália, que, como eu, faziam a pós-graduação em Londres. Desde a idade de 16 anos eu tinha ficado impressionado com o trabalho do padre jesuíta e cientista francês Pierre Teilhard de Chardin. Foi enquanto trabalhava como paleontólogo no deserto egípcio que a visão evolutiva de Teilhard surgiu como um eureka místico, quase totalmente formado em sua mente, como uma previsão do retorno de Gaia. Enquanto procurava os restos de fósseis antigos, ele virou uma pedra, tirou fora a poeira e de repente percebeu que tudo ao redor e além dele era maravilhosamente interconectado em uma vasta e pulsante rede, de uma vida divina. Teilhard a seguir propôs que a evolução em si tinha uma direção geral para estados de complexidade crescente e com isso – de aumentar a ‘interioridade’ – nos levava ao estado que reconhecemos como consciência. Ele propôs que a evolução poderia ser dividida em três grandes categorias distintas, que eram:Cosmogênese – o nascimento e desenvolvimento do cosmosfera do Universo, com base em física e química;Biogênese – o nascimento e desenvolvimento da biosfera da Vida, baseada em Biologia e Ecologia, e...Noogênese (às vezes chamado antropogênese) – o nascimento e desenvolvimento da noosfera – a rede de mentes que interagem.Teilhard argumentou que cada fase de evolução emergiu da anterior, mas em cada caso, o conjunto era muito maior do que a soma das partes.Assim, enquanto a Cosmogênese foi dominada pelas ciências físicas, a Biologia viu uma fase adicional da evolução hereditária e ciências da vida, que derivam do mundo físico, mas deram uma maior direcionalidade ao processo. Da mesma forma Teilhard viu a humanidade, historicamente, na cobertura da face da Terra, com uma teia cultural e tecnológica de comunicação que não poderia ser inteiramente subsumida dentro da Biologia. Buscando uma forma de unificar sua firme crença na evolução científica com suas crenças cristãs, ele viu que a direção da evolução levava a uma apoteose, um fim que ele chamou de ponto Ômega, em que a Noosfera consegue autoconsciência e autoconhecimento, trazendo ao processo evolutivo um centro divino, que ele identificou com a visão de São Paulo de uma vinda de um Cristo cósmico.Como a hipótese de Gaia mais tarde, as teorias de Teilhard foram atacados tanto cientificamente quanto teologicamente. A ciência Teilhard foi posteriormente indeferida pelo colega cientista francês Jacques Monod, que argumentou que a possibilidade contingente de desempenhar um papel tão grande na evolução da vida como necessidade e a direção apontada pela evolução que Teilhard viu, na verdade, não existiam. Ao invés de seguir um caminho evolutivo pré-ordenado, a evolução poderia simplificar tanto quanto aumentar a complexidade, e foi a escolha humana que direcionou nossa evolução científica atual, Monod argumentou, não um plano divino que, de qualquer forma, não podia ser confirmado ou negado pela experiência científica e, portanto, era improvável.O debate ainda não foi resolvido, como o trabalho dos biólogos Stephen Jay Gould e Richard Dawkins mostrou11. Como defensores de pontos de vista de Monod, que reagiram contra a obra de Teilhard como lhes parecia propor uma direcionalidade teleológica ou

Page 69: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

propósito para a evolução, o que é considerado totalmente anticientífico. A Igreja Católica também sentiu suas crenças tradicionais ameaçadas pela reformulação radical da doutrina cristã e da teologia por Teilhard, e respondeu silenciando-o durante a sua vida – seus livros foram publicados apenas após sua morte. O cristianismo fundamentalista nos EUA também levou essa crítica baseada fé contra a evolução e ainda atacou o fato da evolução como uma teoria que contradiz a verdade inerente das escrituras12.Mas quando li o artigo na New Scientist, eu imediatamente vi que Lovelock estava falando de uma inteligência da Terra muito mais antiga e sábia do que a Noosfera de Teilhard, que parecia insignificante e recente, por comparação. Teilhard era para mim desavergonhadamente antropocêntrico em seu pensamento, e acreditava que a Noosfera, através de um processo de espiritualização, iria abandonar suas conexões físicas com a Biosfera, como uma borboleta sai de seu casulo13. Tal cenário, como Thomas Berry mostrou, era poético, mas acabaria por significar não só a extinção da vida, mas também a extinção da humanidade como a conhecemos.Quando Lovelock publicou seu primeiro livro “Gaia: Um Novo Olhar para a Vida na Terra”, com a  Oxford University Press, em 1979, atraiu, no mesmo instante, seguidores entre ecologistas e ativistas. Suas teorias já não podiam mais ser ignoradas pela comunidade científica. A Teoria Gaia não iria embora.O ridículo foi agora trazido ao jogo e em certos círculos esta continua a ser uma resposta científica comum. Francis Bacon, que chamou para esta revolução científica, afirmou: “Devemos nos empenhar para estabelecer o poder e domínio da raça humana sobre o universo...” E também “Estou direcionando a Natureza ao seu serviço para torná-la seu escravo”. Galileu Galilei escreveu “O livro do universo está escrito na linguagem da matemática e seus caracteres são triângulos, círculos e as características geométricas... Daí eu acho que gostos, cores e assim por diante são meros nomes”. A experiência sensorial do mundo era claramente não confiável. O filósofo francês René Descartes escreveu: “Eu descrevi a Terra e todo o universo visível na forma de uma máquina”. Falando do papel do homem e seu destino, ele afirmou que era “tornar-se como os senhores e possuidores da natureza”. Assim como os europeus foram escravizar os africanos para instalar seus impérios coloniais nas Américas, para a própria natureza foi proferido um termo de posse para ser usada à vontade.Descartes falou do fato de que o mundo era totalmente sem alma e sem sensação. Ele alegou que os gritos de medo e dor testemunhados quando um animal era abatido ou cortado vivo e sofria vivissecção eram nada mais do que os rangidos de uma máquina.Isaac Newton declarou: “Os raios de luz, para falar corretamente, não são coloridos. Neles não há nada mais do que certo poder e disposição para trazer a sensação desta ou daquela cor”.A razão convencional, dada pelos cientistas desde os dias de Francis Bacon e René Descartes, tem sido a de adquirir conhecimento para o controle da vida e poder sobre o mundo, ver o mundo e tudo, exceto a alma humana como uma máquina sem vida. Isso faz parte das atuais ‘de-ligiões’ ilusórias, que nos separam uns dos outros e do mundo, criadas a partir das tentativas hierárquicas de alguns seres humanos para obter ‘poder sobre’ os outros, começando de uma forma sistemática e organizada com a construção das primeiras civilizações, há cinco mil anos. De tais sistemas, Gregory Bateson14, o pensador sistêmico, por exemplo, argumentou: “O mito do poder, certamente é um mito muito poderoso, e provavelmente a maioria das pessoas neste mundo mais ou menos acredita nisso... Mas ainda é loucura epistemológica e leva inevitavelmente a todo tipo de desastre... Se continuarmos a operar em termos de um dualismo cartesiano de mente versus matéria, também iremos ver, provavelmente, o mundo em termos de Deus contra o homem, de elite contra o povo, raça escolhida versus outras, nação contra nação e o homem versus o ambiente. É duvidoso se uma espécie que possua uma tecnologia avançada e esta estranha forma de olhar o mundo possa durar...”“O conjunto do nosso pensamento sobre o que somos e o que outras pessoas são tem de ser reestruturado. Isso não é engraçado, e eu não sei quanto tempo temos para fazê-lo. Se continuarmos a operar nas instalações que eram moda na época pré-cibernética, e que foram especialmente sublinhadas durante a Revolução Industrial, que pareciam validar a unidade darwiniana pela sobrevivência, podemos ter vinte ou trinta anos antes da lógica ‘reductio ad absurdum’ de nossas posições antigas nos destruir. Ninguém sabe quanto tempo temos, sob o atual sistema, antes que algum desastre nos atinja, mais grave do que a destruição de qualquer grupo de nações. A tarefa mais importante hoje é, talvez, aprender a pensar de uma nova forma.”.O modelo de ‘poder sobre’, foi perturbado pela teoria Gaia de Lovelock e Margulis, já que o controle sobre uma entidade viva, tão grande quanto um planeta vivo, é simplesmente impossível. Lovelock chamou-o de o ‘último ato de arrogância’. Parafraseando o biólogo britânico J. B. S. Haldane15, podemos dizer que “O mundo não é só tão estranho quanto imaginamos, ele é mais estranho do que podemos imaginar”.Em uma conferência sobre mudança climática, quando um delegado perguntou sobre o efeito de sulfureto de dimetila na regulação do clima, um cientista convencional entre os coordenadores interveio dizendo “Senhores, estamos aqui para discutir ciência séria, não contos de fadas sobre uma deusa grega”16. Stephen Jay Gould, ao falar da hipótese de Gaia, reagiu dizendo que “Gaia me parece uma metáfora, não um mecanismo. Metáforas podem ser libertadoras e esclarecedoras, mas teorias científicas devem

Page 70: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

fornecer novas informações sobre a causalidade. Gaia, para mim, só parece reformular, em termos diferentes, as conclusões básicas alcançadas por argumentos classicamente reducionistas da teoria de ciclos biogeoquímicos”.A ortodoxia neodarwiniana, liderada por Richard Dawkins e Ford W. Doolittle, atacou a hipótese de Gaia, pelas mesmas razões que os neodarwinianas já havia atacado o trabalho de Teilhard como implicando que o mundo era teleológico, isto é, que ele tinha um propósito e uma direção. Por estes motivos, Dawkins proclamou a teoria de Gaia como ‘profundamente errada’. Doolittle alegou que a teoria de Gaia também não podia ser falseada e, portanto, era impossível de provar. Por estas razões, nem sequer qualificou como científica.Uma vez que Lovelock anunciou a teoria de Gaia, alguns cientistas negaram que ele havia dito algo novo. A ciência reducionista há muito tempo mostrou que a vida tinha uma influência sobre a atmosfera. Eles estavam cientes de que uma atmosfera de oxigênio era parte do subproduto da fotossíntese. Outros cientistas argumentaram que uma atmosfera de oxigênio era o resultado de processos não-vivos e não-biológicos, tais como a fotodissociação de água em hidrogênio e oxigênio por luz ultravioleta, como segue:(3) 2H2O + uV à 2H2 + 02Detalhados estudos posteriores mostraram que tais reações, apesar de possivelmente explicando parte da presença de oxigênio na atmosfera da Terra, não eram suficientes para explicar por que nossa atmosfera manteve-se com cerca de 20% de oxigênio por períodos geológicos. A dissociação pode explicar melhor um volume de oxigênio atmosférico de apenas 2% a 5% do total. Parecia, quando os estudos foram feitos, que a vida tinha retomado e ampliado esses processos químicos não vivos, através de sua fotossíntese e ciclos de respiração.Lovelock também estava ansioso para refutar os críticos que o acusavam de teleologia não científica. Para demonstrar que o balanceamento de equilíbrio da homeostase da temperatura planetária fosse possível em condições de seleção natural, Lovelock desenvolveu o ‘experimento mental’17 informatizado de Mundo das Margaridas, um planeta hipotético, cuja estrela, como o Sol, foi crescendo e lentamente ficando mais quente. Mundo das Margaridas tinha um tipo de flor, uma margarida, em duas variedades – a preta e a branca. Lovelock mostrou que as margaridas pretas, que aqueceram seus arredores, seriam selecionadas pela evolução quando o planeta era fresco. E margaridas brancas seriam selecionadas quando ficasse mais quente. Atuando em conjunto, os dois grupos criavam um regime de temperatura estável, o que, eventualmente, se romperia quando as temperaturas se tornassem demasiado extremas, mesmo para margaridas brancas ou pretas lidarem. O sistema mostrou ser surpreendentemente resistente. Introduzir diferentes variedades de margaridas cinza e coelhos que comiam as margaridas, e raposas que comiam coelhos, só aumentava a resistência global do sistema – demonstrando o princípio ecológico de resiliência de sistemas com maior aumento da biodiversidade. Mesmo perturbações importantes, como um impacto ocasional de um meteorito, como aquele que eliminou os dinossauros, provaram ser apenas um soluço temporário para o Mundo das Margaridas18.Este equilíbrio homeostático é muito importante, porque uma Terra sem atmosfera, ou mesmo com uma atmosfera tão rarefeita como a que é encontrada em Marte, nunca teria uma temperatura acima de zero e assim também não poderia ter desenvolvido vida. Em vez de margaridas, Gaia, de fato, parece usar a mistura de gases planetárias para regular a temperatura e manter a presença de água em todos os três estados; gelo sólido, a água líquida e o vapor gasoso. A presença de água líquida, apesar de três períodos nos quais o gelo se estendeu quase até o Equador19, demonstra que desde o início do período Arqueano, mais de 2,9 bilhões de anos atrás, nunca as temperaturas globais do planeta ficaram abaixo de zero e não muito acima de 50o Celsius, uma variação de menos de 12% , um ato de equilíbrio notável dado que a temperatura do ambiente solar aumentou em cerca de 30%.Isto foi conseguido pela redução constantemente do nível de gases de efeito estufa, a partir de um valor próximo aos de Marte ou Vênus, quatro bilhões de anos atrás, a uma proporção menor do que 0,28% em nosso passado recente.Um dos fundadores da abordagem neodarwiniana, William (Bill) Hamilton (1936-2000), que cunhou o termo ‘O Gene Egoísta’, usado por Richard Dawkins como o título de um livro de muito sucesso, no início teve dificuldade em aceitar qualquer abordagem Gaia. Parecia envolver um tipo de altruísmo por parte de todos os organismos vivos, que não poderiam ter evoluído.Sua explicação neodarwiniana para a evolução do altruísmo demonstra que o altruísmo só evolui quando a sua existência favorece a sobrevivência dos altruístas, através do aumento da sobrevida dos parentes que compartilhavam os mesmos genes. Com superorganismos como formigueiros, cupinzeiros e colmeias de abelhas, os genes do trabalhador são repassados através da rainha. Se isso não acontecer, Hamilton, Dawkins e Doolittle argumentaram, as espécies egoístas seriam oportunistas que, não se comportando altruisticamente, poderiam tirar proveito dos cooperadores, e não estando preparados para se sacrificar, rapidamente superariam e substituiriam os altruístas.Eles argumentaram que não havia nenhum mecanismo possível para a evolução de uma cooperação ampla planetária Gaiana do tipo que Lovelock e Margulis pareciam estar defendendo. Mais recentemente, a descoberta da existência e a importância da transferência horizontal de genes (HGT) entre bactérias, minou esta controvérsia contra o altruísmo20, propondo que ao invés de espécies distintas, as bactérias são, de uma maneira importante, todasmembros de um único agrupamento de gene, e podem ser consideradas como apenas uma espécie, ou até mesmo como um indivíduo extremamente complexo.

Page 71: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

No entanto, Lovelock viu lógica nesses argumentos neodarwinistas, “Eles estavam certos”, disse ele, “não havia nenhuma maneira para que os organismos por si só evoluíssem de modo que pudessem regular o ambiente global. Mas, perguntava eu, poderia todo o sistema, organismos e meio ambiente juntos, desenvolver a autorregulação?”.Hamilton ficou intrigado com a Hipótese Gaia, e depois de muitas reuniões com Lovelock, procurou investigar algumas de suas reivindicações mais a sério. Hamilton trabalhou com o cientista Gaiano Tim Lenton, que mostrou as bactérias que produzem sulfureto de dimetila (DMS), essencial na formação de nuvens sobre os oceanos e, portanto, importantes no sentido de refletir luz solar e manter a Terra fresca. Juntos, eles mostraram como eram as tempestades desenvolvidas por essas bactérias que espalham DMS nas nuvens, em busca de novos ambientes. Parecia um pouco que Gaianos podem ter encontrado suas margaridas reguladoras. Mas para cada mecanismo Homeostático preservado encontrado, havia outros que pareciam ter embutidos efeitos de amplificação.Por exemplo, fotossintetizadores, absorvendo o dióxido de carbono em excesso, esfriaram o mundo abruptamente há 2,25 bilhões de anos atrás, no período Huroniano e novamente entre 735 e 682 milhões de anos atrás, (períodos Esturtiano e Maranoano), causando idades do gelo quase planetárias. O gelo, refletindo a luz do Sol, esfriou a Terra ainda mais, fazendo com que os campos de gelo se espalhassem, e uma rápida evolução a uma condição de ‘depósito de gelo’ parece ter ameaçar a extinção de toda a vida. Mas, com a limitação da fotossíntese pelo frio, o dióxido de carbono acumulado, escapando de vulcões, quebrou o ciclo. À medida que o gelo e neve se derretiam, o planeta tornou-se mais quente, propiciando o desenvolvimento de um ciclo inverso, com o rápido aquecimento do planeta e início rápido da fotossíntese, mais uma vez. O ciclo se repetiu pelo menos duas vezes, nos episódios Esturtiano e Maranoano da ‘Terra Bola de Neve’. Foi só a evolução de animais herbívoros multicelulares, pastando nos estromatólitos de algas azul-verdes, que impediram um terceiro pulso no ciclo lentamente oscilante de geladeira e estufa.É evidente que o ambiente físico era como um jogador ativo com a biosfera nestes circuitos de realimentação gaiana do planeta. Lovelock mudou a abordagem Gaia adequadamente. Depois de três conferências científicas sobre a teoria de Gaia, em 1981 Lovelock definiu a teoria de Gaia como “A evolução dos organismos e do seu meio ambiente material como um único processo estreitamente acoplado a partir do qual a autorregularão do ambiente em um estado habitável aparece como um fenômeno emergente”. “Seleção natural”, diz ele, “favorece os melhoradores”, da mesma forma que aqueles que pioram as coisas para seus descendentes serão substituídos por criaturas que deixam o ambiente em melhor forma e irão sobreviver melhor. Como resultado de tais modificações, Hamilton admitiu que a Teoria de Gaia tivesse mérito22 e que Lovelock era “um Copérnico esperando seu Newton”. Primeiro ignoradas, depois ridicularizadas e enfim atacadas, parece que as abordagens científicas de Gaia estavam vencendo.Desenvolvimentos paralelos na ciência climática do aquecimento global também foram mostrando que o sistema Terra-atmosfera-oceano era muito mais complexo do que tinham pensado, e que um novo método transdisciplinar gaiano biogeofisiológico de uma “Ciência de Sistemas da Terra” era necessário para lidar com estas complexidades. Geólogos convencionais argumentaram que a teoria Gaia não era necessária para explicar a redução observada em dióxido de carbono na atmosfera. Eles argumentaram que o fato de que os vulcões continuam a emitir dióxido de carbono (CO2) na atmosfera é um problema para a teoria de Gaia. O dióxido de carbono, como sabemos, é um gás de efeito estufa, e como o Sol fica mais quente, com o aumento de CO2,  a Terra também deve ficar mais quente, com o resultado que a Terra poderia ‘fritar’.Geoquímicos convencionais argumentam que o dióxido de carbono dissolvido na água, criando um ácido diluído, através do intemperismo das rochas de silicato deve ser suficiente. Eles argumentam que o seguinte processo iria ocorrer:(1) CaSiO3 + 2CO2 + H2O à Ca2+ + 2HCO3- + SiO2(2) Ca2+ + 2HCO3 à CaCO3 + 2CO2 + H2ODesta forma, o íon cálcio (Ca2+) é lavado para os oceanos sob a forma de soluções supersaturadas que deveriam precipitar como giz (carbonato). Este então, alegam alguns geofísicos convencionais, é suficiente para proporcionar uma regulação termostática da temperatura da Terra. Assim:Isto nos dá um ciclo de feedback negativo em que a regulação da temperatura ocorre e parece que a vida não é necessária. Mas quando os cálculos para esse processo são feitos, ele acaba por ser muito pouco para o que é observável e necessário, representando menos de 1/8 do que precisaria acontecer para explicar os fatos. E há ainda a dificuldade adicional de que oceanos supersaturados de cálcio seriam extremamente difíceis de gerar vida, e tais oceanos parecem não ter existido na Terra, pois tal situação acabaria com a vida no planeta. A vida é claramente necessária como um regulador no processo. Quando os processos vitais foram incluídos, de repente se descobriu que a ação bacteriana de plâncton (Cocolitóforos) e ácidos húmicos de solos vivos tinham uma eficiência mais de 1.000 vezes maior, e precisavam ser incluídos nos processos de feedback.Na verdade, são os menores componentes de vida que desempenham o papel mais importante na remoção de cálcio e de dióxido de carbono. Pequenas bactérias como a Aemiliana huxleyi, que tem cerca de um 1/4000 de milímetro, parecem ser centrais. Seu esqueleto minúsculo é feito de giz, CaCO3. Apesar de pequena, produz enormes ‘florescências’ no oceano, fazendo com que as camadas superficiais fiquem brancas e leitosas em áreas tão grandes como toda a Escócia. A acumulação de tais tipos de plâncton ao

Page 72: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

longo do tempo, desde o Cretáceo, a era dos dinossauros, foi suficiente para construir os enormes penhascos de giz dos White Cliffs de Dover. As famosas ‘falésias brancas’ são atmosfera sólida, criada por um processo para manter a Terra habitável.Assim, uma das principais formas pelas quais Gaia consegue regulação climática é retirando o carbono da atmosfera e o enterrando. Gaia, portanto, é uma entidade planetária enorme, e ainda não somos nós, seres humanos, os seus constituintes mais importantes. As bactérias têm mantido a vida ao longo de quatro bilhões de anos e estas bactérias regulam todos os principais ciclos planetários. Quão eficiente isto é, pode ser mostrado na tabela a seguir.

Fonte de CarbonoMontantes de carbono (gigatoneladas -

Metano na atmosfera

atmosfériconos oceanos

CO nos oceanosCarbono em solos e sedimentosCarbono nos combustíveis fósseis

nos oceanosRochas sedimentares (como xistos) 10.000.000 GtRochas calcárias 40.000.000 Gt

 Sem tal sequestro e enterro de dióxido de carbono, a Terra teria uma pressão atmosférica superior a 60 vezes a atual, e seria um ‘mundo estufa’ como Vênus, com temperaturas acima de 600 graus. Uma imagem mais próxima do inferno na Terra seria difícil de imaginar.O plâncton, portanto, parece envolvido em um ciclo de realimentação necessário para a chuva e, portanto, necessário para a vida. A partir dos efeitos da turbulência atmosférica e oceânica foi recentemente confirmado que o plâncton está produzindo turbulência, a fim de se dispersar mais. Quando olhamos para as nuvens, podemos realmente estar vendo os ônibus de dispersão necessários para que eles se espalhem ao redor da Terra. Este uso de nuvens como agentes de dispersão pode explicar por que estas bactérias parecem ter um anticongelante genético que impede a cristalização da sua água interna.Os plâncton são, portanto, capazes de precipitar o íon de cálcio em concentrações muito inferiores ao que é requerido pela geoquímica convencional, e têm deste modo mantido o mundo como um ambiente de ajuste para a vida (e para si próprios). Estes plâncton, como Aemiliana huxleyi, como veremos, também parecem também desempenhar um papel mais importante e direto na regulação da temperatura.Cocolitóforos  também retiram cálcio a partir da água e conseguem precipitá-lo como giz a partir de concentrações muito abaixo do que os processos naturais exigiriam. Isto é importante porque, se a acumulação de cálcio fosse deixada prosseguir para os níveis necessários para a precipitação espontânea ocorrer, isto tornaria os oceanos venenosos.Os íons de silício solúveis (a partir de SiO2) lavados das rochas para os oceanos são de certo modo semelhantes e também utilizados por diatomáceas nas suas caixas e conchas.Mais de 90% do equilíbrio térmico da Terra é mantido pela fuga regular de calor ao longo das margens das placas tectônicas, processos não encontrados em Vênus ou Marte. A diferença parece ser devida à presença de água na Terra, quando comparada com estes mundos secos. A água, quando incorporada nas treliças cristalinas de rochas, efetivamente reduz seu ponto de fusão, com o resultado de que não se forma uma espessa crosta isolante venusiana na Terra. Em vez disso, temos uma crosta oceânica que possui entre três e 20 quilômetros, e carrega continentes encaixados em uma das 12 placas tectônicas terrestres.A água é essencial neste processo, e ao se infiltrar em meandros nas rochas sob o oceano reduz o ponto de fusão destas rochas, de modo que as sólidas placas tectônicas podem deslizar sobre o manto e, nas zonas de subducção, uma placa pode deslizar por baixo da outra. A água aqui funciona como um lubrificante. Devido a estes movimentos de placas, a vida tem de continuar a colonizar novos habitats se quer sobreviver.Este ciclo também recicla os fosfatos necessários dos oceanos profundos, empurrando-os acima para formar altas montanhas, tornando-os mais uma vez disponíveis e reciclando de forma a que a vida na Terra continue. É como se toda a vida tivesse que continuar andando para frente, para que se mantivesse no lugar, em uma escada rolante em movimento descendente.As colisões entre essas placas são interessantes. Como elas não apenas permitem o resfriamento contínuo das partes mais profundo da Terra, impedindo assim eventos catastróficos de recapeamento, mas também raspando o fundo dos oceanos, quando uma placa é empurrada sob outra, elevando montanhas jovens em uma fase de construção orogênica, e assim retornando fósforo e outros minerais, essenciais para a vida, para os cumes dos montes, onde através de intemperismo e erosão começa, mais uma vez, a sua

Page 73: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

longa viagem para o mar. Sem essa reciclagem de fósforo, a vida teria chegado ao fim há muito tempo. Mas, ironicamente, é a própria vida que parece ter indiretamente organizado esta reciclagem, através de um feedback indireto geológico.Mas porque é que temos água na Terra, quando os planetas Marte e Vênus perderam toda a água que outrora possuíam?A água desapareceu de Marte e Vênus há muito tempo como um resultado da luz ultravioleta do Sol, que separa a molécula de água em oxigênio e hidrogênio. Este último, por ser mais leve que o ar, escapa da gravidade do planeta para o espaço exterior. Sem dúvida, isso acontece aqui em algum grau, mas a Terra reduz este fenômeno pela camada de ozônio, que impede que a luz ultravioleta penetre na troposfera, a camada mais baixa da nossa atmosfera, e divida as moléculas de água em hidrogênio e oxigênio e fazendo com que o hidrogênio, incapaz de ser detido pela atmosfera da Terra, escape (é por essa razão que Marte e Vênus não têm água superficial – eles não têm uma atmosfera com oxigênio livre – mais uma vez um produto biológico, desta vez de cianobactérias azul-verdes).A única razão pela qual isso não aconteceu na Terra parece ter sido a presença da própria vida. A evolução das bactérias produtoras de metano, cerca de 3,8 bilhões de anos atrás, efetivamente protegeu os oceanos da luz ultravioleta, uma tarefa que foi ultrapassada por ozônio quando a atmosfera passou a conter 1% de oxigênio, entre 1,8 e 2,0 bilhões de anos atrás.Assim, a vida, pela triagem dos oceanos e atmosfera inferior de luz ultravioleta, permite a existência de água para sobreviver. Esta água, embebida em estruturas cristalinas das rochas, faz com que as placas tectônicas, que gradualmente esfriam a Terra, retornem fosfato mineral para as montanhas, onde a erosão o torna disponível como um dos seis elementos mais essenciais à vida. Acima da troposfera, a atmosfera estratosférica é mantida seca e quase completamente sem água. A água é aqui limitada à baixa atmosfera através do ciclo de evaporação, condensação e precipitação como chuva ou neve, que só funciona em alturas mais baixas.Mas há mais. Como uma placa é empurrada por baixo da outra, é forçada para dentro da astenosfera onde, perde parcialmente a sua água cristalina, que se move para cima como fluxos magmáticos fundidos para formar granitos abaixo da superfície, e vulcões quando estes se rompem.Os continentes foram construídos desta forma. A placa descendente, agora mais densa e mais fria do que o manto ao redor, lentamente afunda em direção ao núcleo, efetivamente cobrindo parte do núcleo até a temperatura subir por baixo, aquecendo-a e forçando-a a subir como uma pluma do manto, que perfura a crosta como um ponto quente. As plumas do manto também forçam as placas das margens do oceano a subir como uma crista, separando as placas e reiniciando todo o ciclo de espalhar o fundo marinho.Através da manutenção de água na Terra, a vida de Gaia teve o efeito indireto sobre a elaboração deste planeta, por todo o caminho até ao seu núcleo. Mesmo lá, pensa-se que estes efeitos geofísicos podem ter algum impacto sobre a produção do efeito dínamo auto excitante que gera o campo magnético da Terra, um campo que ajuda a filtrar a radiação cósmica e proteger a vida. Assim, através de Gaia, efeitos geológicos podem ter causas biológicas, que por sua vez são mantidas por fatores geofísicos, que mais uma vez ajudam a vida no planeta. O sistema não só é mais complexo do que imaginamos, é provavelmente muito mais complexo do que podemos imaginar.Vista desta perspectiva, Gaia é, portanto, uma criação fronteiriça, em dois sentidos da palavra.Não só Gaia existe cientificamente sobre a borda do paradigma científico reducionista do Iluminismo, como na realidade existe também na outra aresta. Essa ‘borda’ é exibida pela complexidade dos seus sistemas derealimentação positivos e negativos, uma complexidade que existe em estados críticos de comportamento auto emergente espontâneo. Gaia é criada em uma fronteira entre ordem e caos. Nessa ‘borda’, como um resultado do que tem sido chamado de ‘autopoiese’ ou propriedade de ‘auto-organização’, a própria vida surgiu inicialmente.Lovelock demonstrou que há, possivelmente, uma razão ainda mais profunda a respeito de porque os cientistas convencionais têm dificuldade com a hipótese de Gaia. A hipótese de Gaia rejeita como arrogância, o ‘mito do controle’, a tentativa de atingir também ‘poder sobre’ a Terra. Gaia, de fato, nos permite alcançar um maior sentido de parceria, participação e pertença ao mundo dos vivos do qual nós somos uma pequena, mas cada vez mais importante parte.No paradigma de Gaia, nós não somos os observadores separados newtonianos e cartesianos, fora dos sistemas que observamos, mas, como foi demonstrado com as primeiras teorias quânticas da física, estamos intimamente envolvidos como participantes ativos, e os nossos projetos e nossos comportamentos podem e têm efeitos potencialmente enormes. Esta nova sensibilidade e curiosidade, mais próxima do significado original de ‘scientia’como verdadeiro ‘conhecimento’ está dentro daqueles que trabalham no paradigma de Gaia, tornando-se mais uma vez uma verdadeira razão pela qual estamos fazendo ciência.A TEORIA GAIA E A ORIGEM DA VIDAPor exemplo, no caso da Terra recém-formada, a cerca de 4,4 bilhões de anos atrás23, a possibilidade de complexidade foi provavelmente maximizada originalmente nos profundos oceanos recém-formados, às margens vulcânicas de várias pequenas placas tectônicas produzidas onde quer que os fogos do centro da Terra derramassem o seu calor. Este calor tinha duas fontes: em primeiro lugar, foi produzido a partir da queda gravitacional e das colisões com os planetesimais do disco de agregação protoplanetário do novo sistema de solar que formou a Terra24 e, em segundo lugar, foi o resultado da radioatividade natural das rochas de que a Terra

Page 74: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

foi formada, que sobraram da explosão de uma estrela supernova, cerca de 4,6 bilhões de anos atrás. A explosão desta estrela formou a maior parte da matéria da qual nossos corpos são feitos e detonou a onda de choque nas nuvens HII de poeira interestelar e gás que ao longo dos dois milhões de anos25 seguintes foram espremidas para formar o Sol e sua família de planetas.Estas fontes de calor e gravidade juntas26 promoveram a separação diferencial posterior do manto, núcleo e crosta. A borda a partir do qual a vida se desenvolveu foi, provavelmente, onde a rocha derretida que estava se solidificando encontrou a água fria do oceano que cobria o mundo original. Nestas águas aquecidas, foram criados ambientes quimicamente ricos em sulfureto de ferro, em que a desgaseificação vulcânica de metano, amoníaco e vapor de água na terra precoce criaram uma gama de produtos químicos biológicos, incluindo aminoácidos e polipeptídios, em um ambiente ecológico protobiótico no qual células bacterianas altamente complexas puderam evoluir rapidamente27.Assim como a adição de grãos de areia em uma pilha cria uma situação em que eventualmente se atinge criticidade, e um grão adicional é suficiente para desencadear uma avalanche, algo semelhante parece ter catalisado a evolução da vida. É completamente imprevisível qual grão adicional irá definir uma avalanche no monte de areia, mas quando se aproxima da borda crítica, cada grão de areia adicional tem uma chance maior de ser ‘aquele’28. Sistemas complexos que tendem a estados de maior aderência às respectivas paisagens, têm melhores chances de sobrevivência. Assim foi com a própria vida.Foi demonstrado que o mundo de quatro bilhões de anos atrás era um mundo muito diferente daquele que temos hoje. Com uma atmosfera sem oxigênio livre, nenhum ser humano poderia existir por muito tempo. Nosso jovem Sol tinha passado por uma curta fase brilhante e quente de estrelas azuis T Tauri, e se estabeleceu no longo prazo em sua cor atual amarelo, embora significativamente mais fria do que é hoje.A Terra foi coberta por crateras como a Lua, resultado de milhões de anos de bombardeios de sobras, desde a criação do Sistema Solar. A nova Lua, recém-formada após uma colisão entre a Terra e Theia29, um planeta do porte de Marte, mas mais de 20 vezes mais próximo da Terra, 4,5 bilhões de anos atrás, criou enormes ondas.Os dias eram muito menores que as atuais 24 horas, com forças de maré entre o sistema Terra-Lua. Não só a Lua recuou para sua posição atual, mas o giro diário da Terra sobre seu eixo também diminuiu.Não muito antes o planeta tinha sido um mundo quente coberto de nuvens, como Vênus é hoje. A irradiação do calor de sua formação para o espaço, e o arrefecimento do Sol, no entanto, permitiram que se formasse água líquida, primeiro apenas como gotículas na atmosfera superior e, então, como chuvas que correram para as bacias que encheram e tornaram-se lagos, mares e oceanos.Elementos radioativos mergulharam nas profundezas do manto da Terra, a crosta se dividiu em muitos pequenos sulcos e falhas nas profundezas dos oceanos primitivos. Sempre correndo o risco de outro bombardeio aéreo a partir do espaço, respiradouros vulcânicos de sulfureto de hidrogénio, água, dióxido de carbono e outros gases remodelaram a atmosfera, e estavam em processo de construção os primeiros organismos vivos.Apesar do bombardeio contínuo vindo do espaço, durante o Bombardeio Pesado Tardio da Bacia Lunar e as fases Nectarianas, talvez causadas por movimentos dos planetas exteriores do sistema solar, a Terra aos poucos foi criando uma pequena máquina de autorreplicação, que hoje chamamos de célula bacteriana.A fronteira entre a ordem e o caos é precisamente onde o que é conhecido como a complexidade existe – uma zona de penumbra em que a Natureza é mais prolífica e criativa.Complexidade aqui é caracterizada por três critérios, em primeiro lugar pela sua estrutura, como ilustrado pelos fluxos de informação dentro do sistema. A segunda é a entropia da Segunda Lei da Termodinâmica, que é uma medida da desordem produzida através da energia que flui, necessária para a manutenção da referida estrutura. O terceiro critério é determinado pela sua ‘granularidade’ ou a granulação da escala em que a análise ocorre. Este último critério é ilustrado pela natureza da menor escala dos recém-descobertos ‘nanobes’; as bactérias minúsculas que podem existir na biosfera profunda e quente, e que podem ser sobreviventes das criaturas que eram, talvez, descendentes diretos do passado “Último Ancestral Comum Universal” (ou LUCA – Last Universal Common Ancestor) de toda a vida na Terra.Em sua extremidade superior, o ‘grão’ de complexidade é ilustrado pela incorporação inclusiva e emergente de todas as coisas vivas, para a estrutura de Gaia, o Sistema vivo da Terra em si. Esta organização holárquica, a partir de muitas a um, é um exemplo de um ‘ajuste à paisagem’ que representa todas as características que podem ser utilizadas para descrever um ponto particular numa matriz matemática, e pode ser considerada como a forma em que as condições físicas de elevação, declividade e rugosidade, insolação e sombra, temperatura e precipitação variam para cada ponto em particular à medida que avançamos em uma região geográfica específica. Em escalas muito pequenas, esta granularidade é maximizada; em grandes escalas temos que trabalhar com médias.Isso cria um enorme número de nichos ambientais, quer em termos de complexidades que podem ser chamadas de ‘atratores’ – em pequenas escalas há um número enorme, mas em níveis mais elevados, há cada vez menos em escalas maiores.

Page 75: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

É por isso que a vida na Terra se assemelha a um gráfico distorcido. Há muitos milhões de tipos diferentes de bactérias em um nível simples de granularidade holárquica, mas há um menor grau de resolução e apenas uma espécie que sabemos que tem uma consciência totalmente reflexiva – ou seja, nós.Da mesma forma, há dezenas de milhões de espécies vivas individuais, mas à medida que avançamos pelos níveis crescentes de complexidade – através de organismos, para as comunidades, sociedades e ecossistemas de Gaia, o número de nichos ecológicos declina através de uma lei de potência, até que no limite ficamos com apenas um exemplo – o planeta vivo em si.Dado que não existe uma complexidade máxima para qualquer sistema complexo, à medida que se move no sentido da sua extremidade de caos, a sua fragilidade aumenta.Quando um sistema é frágil – ou seja, próximo à sua complexidade crítica – uma perturbação muito pequena pode fazer o sistema ruir. Em muitas partes do mundo de hoje, a complexidade atingiu níveis onde os nossos sistemas socioeconômicos já se tornaram extremamente frágeis e, se complexidade adicional for adicionado, sofrerão um colapso geral dos sistemas.Nossas sociedades complexas de crescimento industrial estão rapidamente evoluindo para estados muito frágeis, estados em que a agitação social ou conflito tornam-se os únicos mecanismos de remoção de entropia. Em tais situações, como no fim do comunismo, um súbito colapso geral dos sistemas ocorre. Quando sistemas colapsam, parcial ou totalmente, o evento é acompanhado por uma perda súbita de complexidade. Fragilidade, por conseguinte, é inversamente proporcional à distância que separa a complexidade do sistema a partir do seu nível de complexidade crítica.A resiliência ou robustez de qualquer sistema é determinada pela sua capacidade de lidar com esta fragilidade e refere-se à capacidade do sistema para manter intacta a sua aderência ao meio e a funcionalidade da sua estrutura, na presença de incertezas. No caso da Terra, esta fragilidade é minimizada através da biodiversidade.No ponto de colapso geral de sistemas, no entanto, uma bifurcação é alcançada, em que o sistema irá espontaneamente colapsar em um novo estado de menor complexidade, ou então irá rapidamente evoluir para um estado mais entrópico e longe do equilíbrio. Em tais pontos de bifurcação, o que acontecerá é ou ser reduzida a entropia do sistema através de uma complexidade menor ou, por meio de movimento evolutivo, dirigir-se para uma nova forma, através da adição de nova estrutura.A evolução na Terra é um fenômeno criativo. Quando a vida apareceu pela primeira vez, era altamente dependente de um ambiente pré-biótico rico em moléculas orgânicas. Estas moléculas foram produzidas em massa no ambiente oceânico quente e rico em hidrogênio. A exploração de energia química livre disponível também conduziu à acumulação no ambiente de moléculas grandes e estáveis, como o dióxido de carbono, nitrogênio diatômico e água, que acumularam no ambiente a energia disponível e a vida pôde explorar a energia livre gerada no processo de acumulação planetário.Mas havia um problema imediato. A vida, à medida que incorporava estas moléculas pré-bióticas dentro das membranas de células vivas, gradualmente foi reduzindo seu ambiente e empobrecendo a fonte de moléculas orgânicas sintetizadas abioenergeticamente, da qual originalmente dependia. A crise foi enfrentada através de mutações nos caminhos de síntese química, levando a vida a encontrar novas maneiras de sintetizar as substâncias químicas de que necessitava. Mas tal tendência resultou na redução da disponibilidade de moléculas precursoras necessárias. Essa redução, por sua vez, abriu o nicho para a evolução de uma nova via biológica que sintetizava recursos necessários a partir de elementos ainda mais simples.Eventualmente, uma forma de vida bacteriológica parecia ser capaz de usar a energia fotoquímica capturada de luz solar para dividir a molécula de água. Com o hidrogênio e o oxigênio assim libertados, obteve-se acesso a energia suficiente para dividir o dióxido de carbono e de nitrogênio diatômico suficiente para permitir a síntese de um conjunto completo de moléculas orgânicas. Com este avanço, a vida ganhou tudo que era necessário para o estabelecimento de um sistema sustentável na superfície do planeta. Gaia nasceu.Gaia é, portanto, toda a Terra viva, tanto biológica e geofísica, nascida quando a vida tomou conta do terceiro planeta da família do Sol, cerca de quatro bilhões de anos atrás30.Gaia é um sistema baseado no profundo acoplamento de ciclos geológicos e biológicos envolvendo os quatro elementos químicos principais, essenciais para manter a terra como uma casa para a vida: o carbono (30,37% de átomos, 39,04% do peso), hidrogênio (51,58% de átomos, mas apenas 5,12% do peso), oxigênio (13,18% de átomos, 22,59% de peso), nitrogênio (4,58% e 6,88%). Estes, juntamente com enxofre e iodo, são todos reciclados pelo ar e oceanos, que atuam como principal mecanismo de circulação de Gaia. O fósforo (0,29% de átomos, 0,95%, em peso) e um número de outros minerais (por exemplo, ferro, cálcio e magnésio), que representam até 25% em peso, requerem outro mecanismo de reciclagem determinada pelo acoplamento da biologia e da geologia.Ilustrar a natureza deste acoplamento nos obriga a olhar temporariamente novamente para Marte e Vênus. O equilíbrio térmico em qualquer planeta ocorre quando a taxa de produção de calor interno (uma produção do seu volume, medido em km cúbicos) é igual ao calor irradiado através da sua superfície (medido em quilômetros quadrados). Pequenos planetas, como Mercúrio, Marte e a Lua, com uma superfície elevada em relação ao volume, resfriam rapidamente. Planetas maiores, como Vênus e a Terra, com menor superfície em relação ao volume, levam muito mais tempo para esfriar, e ainda têm um núcleo fundido. Mas o crescimento de uma

Page 76: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

crosta grossa, como a de Vênus, efetivamente isola o planeta, fazendo-o se aquecer por dentro, eventualmente afinando a crosta, à medida que é dividida através de um evento de recapeamento total a cada 800 milhões de anos. A crosta antiga é largamente subduzida e uma crosta nova se forma quando a superfície arrefece, iniciando o ciclo mais uma vez. Pensa-se que tal cenário pode ser responsável pelas peculiares características vulcânicas encontradas em Vénus. A vida complexa na Terra não poderia sobreviver a repetitivos cataclismos planetários.O sucesso da fotossíntese no sistema Arqueano gerou outro problema – o que fazer com os grandes volumes acumulados de oxigênio livre? Várias soluções foram tentadas. No Gabão, uma bactéria conseguiu bloquear o oxigênio como uranita insolúvel, precipitando suficiente urânio 238 enriquecido por este meio para construir o primeiro reator nuclear do mundo.Em outra parte, o ferro foi utilizado como um receptor de oxigênio, levando a bandas de precipitado oxidado (formações ferríferas) em sedimentos marinhos antigos. A depleção do íon ferroso disponível levou ao acúmulo de oxigênio a níveis tóxicos, eliminando a vida que produziu o problema, e permitiu que um minério ferroso fosse depositado.Essa oscilação entre a vida precipitando compostos ricos em ferro e o acúmulo de vida pobre em ferro criou os famosos depósitos ferríferos em Pilbara, na Austrália Ocidental, ou as bordas do escudo Laurenciano canadense, ricos oceanos rasos de ferro desses tempos.Oxigênio livre, no entanto, era um depósito imenso de energia. À medida que o oxigênio, o segundo mais reativo dos elementos químicos, como um aceitador de elétrons, tendia a ser prejudicial para as estruturas iniciais de vida, que se desenvolveram em um ambiente anóxico (sem oxigênio livre). Selvagens moléculas que causam câncer foram geradas, e requeriam a evolução de antioxidantes químicos para que fossem eliminadas e removidas. As bactérias evoluíram com habilidades adequadas para eliminar o oxigênio dos tapetes microbianos, o que se tornou uma parte importante da crescente complexidade dos ecossistemas que foram aparecendo com a resolução bem sucedida de cada crise. Esta resolução bem sucedida em si foi a causa do problema que veio a seguir.O sucesso do ecossistema de tapetes de algas verdes azuis começou o processo de conversão de nossa atmosfera para longe do estado estável de dióxido de carbono e nitrogênio, semelhante ao encontrado no interior ‘telúrico’ de planetas como Marte e Vênus. Nossa atmosfera, doravante, foi caracterizada por oxigênio e nitrogênio, e isso gerou um problema enorme. Em primeiro lugar, essas bactérias, que já haviam evoluído, tiveram que encontrar ambientes anóxicos em solos pobres de oxigênio, dentro dos corpos de respiradores de oxigênio ou em poças de águas paradas, a fim de sobreviver. Problema ainda maior era a depleção de dióxido de carbono, o gás do efeito estufa, que tinha aquecido a atmosfera da Terra precoce. A vida quase acabou em um grande depósito de gelo, que resultou como vimos em geleiras que se aproximaram do equador nos episódios ‘Terra Bola de Neve’ nos períodos Huroniano, Maranoano e Esturtiano.Felizmente para nós, a fotossíntese reduzida permitiu a acumulação de dióxido de carbono de origem vulcânica, que finalmente começou o derretimento das geleiras do tamanho do planeta, temporariamente gerando condições extremamente quentes. As algas verdes-azuis marinhas proliferaram novamente, permitindo a depleção de dióxido de carbono uma segunda e talvez mesmo uma terceira vez. Com tais grandes oscilações entre os extremos frios e quentes prejudiciais à vida, uma nova solução foi necessária. Verificou-se na evolução de animais mais complexos que podem pastam nas esteiras de algas, respirando o oxigênio e o convertendo em dióxido de carbono, e retornando este gás para a atmosfera.Através de tentativa e erro, a vida criou meios mais sofisticados de modular a temperatura, estabilizando a situação o suficiente para permitir o florescimento de novos tipos de animais. Novos nichos ecológicos foram criados, que adaptaram os herbívoros que se alimentavam pastando e filtrando os tapetes microbianos para se tornarem carnívoros, predando os herbívoros sésseis.Para evitar serem comidos, os primeiros animais similares a vermes desenvolveram sistemas de motilidade, evoluindo olhos e a adaptação dos sistemas segmentados de músculos e nervos para sentir o ambiente de novas maneiras. Uma série de várias ‘corridas armamentistas’ seguiu-se na coevolução dos herbívoros e carnívoros. Sistemas esqueléticos forneciam maiores possibilidades para a fixação dos músculos e órgãos internos e exoesqueletos de fosfato de cálcio, carbonato de cálcio, quitina ou escamas de queratina ajudaram a proteger os tecidos moles do ataque de predadores. Por sua vez, os olhos, dentes e outros órgãos sensoriais evoluíram para detectar mudanças internas e externas.Outro exemplo de caminho no qual a crescente complexidade do sistema leva a um aumento da fragilidade deste, foi a maneira em que, por 230 milhões de anos atrás, a evolução das plantas terrestres criou novas formas de Gaia para remover dióxido de carbono da atmosfera, atraindo-o a um grau tal, a ponto de alterar o equilíbrio do efeito estufa que havia sido estabelecido na Terra, e produzindo ainda uma outra Era do Gelo.A quantidade de carbono preso desta vez em celulose e lignina das árvores foi indigesta para a vida na época, e fez com que os grandes depósitos de carvão que os seres humanos descobriram estivessem sob nossos pés, e foram utilizados em nossos processos industriais. Foi a evolução de insetos, especialmente brocas de madeira e térmitas que reequilibraram o sistema, devolvendo este carbono para a atmosfera, mas este aumento da complexidade do sistema o moveu para mais perto do ponto crítico. Eventualmente,

Page 77: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

as perturbações do fim do período Permiano produziram um Colapso Geral dos Sistemas e mais de 95% de todas as espécies se extinguiram no maior evento de extinção em massa dos últimos 530 milhões de anos. A eventual extinção de vida era neste caso apenas evitada através da coevolução de insetos, plantas e flores, o que permitiu a adição de nova estrutura de maior complexidade à biosfera.No período Cretáceo, Gaia tinha recuperado os níveis de complexidade que tinha alcançado anteriormente, no final do Permiano, e estava em melhor posição para sobreviver intacta, como resultado dos eventos de perturbação, que forçaram os dinossauros à extinção. No período Cenozóico que se seguiu, plantas com flores continuaram a preencher os nichos disponíveis na paisagem, criando um grau de complexidade suficiente para permitir que a vida humana surgisse. E assim, na década de 1970, chegamos a outro ponto de bifurcação.Assim como as moléculas orgânicas são montadas em sistemas ecológicos chamados de células, de modo que as células são combinadas em tecidos, tecidos em órgãos, órgãos nos corpos, organismos nos ecossistemas e a biosfera. A evolução de qualquer parte deste processo teve impactos sobre todos os outros. A idade ecológica em que estávamos nos movendo nos mostrou que, de uma forma real, era a integridade e o contínuo funcionamento geofísico da biosfera que mantiveram toda a vida trabalhando.Foi a bicicleta geo-biogénica dos componentes da vida – carbono, nitrogênio, água, fósforo e enxofre – que permitiu que os ecossistemas florescessem. Um ecossistema diverso e ‘saudável’ cria nichos nos quais uma grande variedade de diferentes espécies podem se desenvolver.GAIA E A CULTURA INDUSTRIALE assim chegamos à Revolução Industrial, baseada na incessante ‘exploração dos recursos da natureza’ para fins humanos, e como terreno de despejo para nossos resíduos, viu a eliminação dos últimos vestígios dessas sensibilidades campesinas anteriores.O primeiro ato desse drama veio com a privatização da terra comunitária e a condução dos pobres sem-terra para as cidades para trabalhar nas novas fábricas industriais. Com o desaparecimento da economia de dádiva recíproca de subsistência, a terra foi totalmente reduzida a um recurso, uma propriedade a ser explorada como qualquer outro recurso, à medida que o ‘progresso’ industrial, econômico e tecnológico procurou estender essa exploração a ‘florestas virgens’, tomadas de povos nativos no ‘Novo Mundo’.O crescimento das grandes empresas privadas, mercados crescentes e novas tecnologias eram todas partes do ‘progresso’ ou ‘desenvolvimento’, visto como desejável e inevitável. Apesar da sombra lançada por duas guerras mundiais, quando a tecnologia foi utilizada principalmente para encontrar novas maneiras de matar uns aos outros em números cada vez maiores, esperava-se que em breve o mundo inteiro poderia alcançar tal prosperidade orientada pelo mercado.Hoje é considerado por muitos que o processo de ‘globalização’ é igualmente inevitável, apesar das evidências de um colapso econômico generalizado, que está aumentando o fosso entre ricos e pobre, destruindo a biodiversidade, causando mudanças climáticas e o aquecimento global a um ritmo alarmante. Lovelock sugere que, atualmente, a Terra tem uma doença como o câncer de ‘primateaemia disseminada’ uma forma de ‘homosapientitis’.Podemos dizer que há seis pilares da vida complexa sustentável no planeta. Mas em cada caso, a Civilização do Crescimento Industrial em que vivemos parece estar tendo um efeito prejudicial.Pilar 1. Sequestro de carbono (regulação da temperatura – um habitat adequado para a vida).Sequestrado da atmosfera e enterrado como carbonato de cálcio e combustíveis fósseis, a maior parte do dióxido de carbono da atmosfera primitiva, tem impedido a Terra de sofrer um aquecimento excessivo, simultaneamente liberando oxigênio e mantendo as temperaturas que tornam a vida complexa possível.Parece também ter havido uma regulação de longo prazo da temperatura planetária, que permitiu a coexistência simultânea de todos os três estados de água (gelo sólido, água líquida, e vapor gasoso) no planeta. Como K.C. Condle e R.E. Sloan mostraram, a temperatura em longo prazo e umidade da atmosfera tem oscilado para trás e para frente no curto e longo prazo geológico, mas, diferentemente das condições de extraterrestres, nunca ultrapassaram os limites em que água se mantém líquida.Este padrão de manutenção da temperatura ocorreu apesar do conhecido aquecimento da atmosfera pelo Sol, como mostrado acima, por um montante de entre um terço e metade do seu valor atual. Apesar de o Sol estar ficando mais quente, a temperatura da Terra manteve-se notavelmente constante. Pelo menos por enquanto, nos últimos 800 milhões de anos, a Terra parece nunca ter sido muito mais quente do que cerca de 30o C e nunca muito mais fria do que cerca de 7 o C ou 8 o C. Qualquer frio adicional, e o planeta arriscaria sofrer um efeito de congelador, onde as temperaturas cairiam, geleiras maiores se formariam e mais calor seria refletido; mais dióxido de carbono (CO2) seria dissolvido nos oceanos e as temperaturas cairiam ainda mais.Alternativamente, acima de 45 o C, menos CO2 seria absorvido nos oceanos, que iriam se tornar uma fonte ao invés de um sorvedouro de gás. As temperaturas subiriam mais. As florestas tropicais se queimariam, e o permafrostderreteria, liberando enormes quantidades de carbono na atmosfera. Um efeito estufa descontrolado desse tipo traria o risco de converter a Terra a uma situação de Vênus. O que vemos é um forte acoplamento da composição atmosférica, temperatura e umidade dos nossos climas.

Page 78: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

A atividade humana é a intenção de desenterrar os combustíveis fósseis e retornar dióxido de carbono no ar o mais rápido possível, em quantidades tais que tornam nosso clima cada vez mais imprevisível, ameaçando toda a vida no planeta. O aumento nos níveis de dióxido de carbono e o consequente incremento nas temperaturas globais sugerem uma febre planetária que poderia acabar como nossos sistemas estáveis de agricultura e afogar nossas cidades. A atividade humana já é responsável, desde a Revolução Industrial, por 30% do nível total de dióxido de carbono presente na atmosfera. Gases do efeito estufa estão forçando um aquecimento global. Através da atividade humana, voltamos aos níveis de dióxido de carbono vistos pela última vez no período Eoceno, 50 milhões de anos atrás, quando não havia geleiras na Antártida, e os níveis do mar eram até 70 metros mais elevadas do que atualmente.Também agora arriscamos liberar metano da tundra ou hidratos no fundo do oceano, tornando a situação climática muito pior. Na verdade, o Termal Máximo do Paleoceno e Eoceno viram lançamentos maciços de metano, que causaram grandes extinções em muitas espécies e alteraram o clima por mais de 100.000 anos. Padrões de precipitação em todo o mundo estão mudando rapidamente e a evaporação está aumentando rapidamente, a secagem dos solos limita a capacidade destes para absorver a água do escoamento ao longo do ano.Ao mesmo tempo, com mais energia no sistema climático, a evaporação aumentada está a causar tempestades ou inundações em áreas onde a água não seria normalmente um problema. Eventos climáticos extremos aumentam à medida que maiores quantidades de energia estão agora sendo ‘processadas’ através dos ciclos de tempo e clima, com o resultado de que ‘eventos climáticos extremos’ que eram contabilizados à média de 24 por ano nos EUA, entre 1950 e 1959, no período de 2000 a 2004 chegaram a mais de 350. O Conselho Ártico apresentou recentemente um relatório sobre os efeitos do aquecimento global no extremo norte que mostra inundações globais, extinção dos ursos polares e outros mamíferos marinhos, e o colapso da pesca.Pilar 2. Manutenção do escudo de ozônio (abertura de habitats terrestres).O oxigênio criou um escudo de ozônio, o que impediu a quebra fotoquímica da água, impedindo a Terra de secar como Marte e Vênus. Ao proteger a terra da luz ultravioleta, a vida era capaz de deixar os oceanos de proteção e se espalhou para todos os habitats do planeta.A atividade humana, através da liberação de produtos químicos que destroem o ozônio, criou enormes buracos de ozônio sobre os polos e reduziu os níveis de ozônio em todo o mundo, ameaçando seriamente toda a vida e aumentando as taxas de câncer de todas as coisas vivas. O ozônio estava em declínio a uma taxa entre 3% a 4% por ano, mas estabilizou a partir de 1997, e espera-se que retorne aos níveis de 1980 até 2050. Aumentou a radiação ultravioleta que atinge a superfície – temos focalizado sobre câncer de pele, mas não abordamos o surgimento de cegueira por catarata e mortandade na fauna provocada pela luz ultravioleta, perpetuando nosso antropocentrismo, como se não importasse os 10% a 15% dos cangurus da Austrália que foram cegados31. A luz ultravioleta também coloca maior pressão sobre o sistema imunológico, não apenas de seres humanos, mas de todos os animais. Por exemplo, parece relacionada ao desaparecimento de rãs australianas.Os efeitos da radiação ultravioleta sobre o zooplâncton marinho também é raramente considerado. Uma pesquisa realizada em Julho de 2006 demonstrou que a luz Ultravioleta B tem um efeito negativo sobre o fitoplâncton32, na base da cadeia alimentar antártica, e já desde 1970, 80% de krill (um pequeno crustáceo base da alimentação de muitos animais nesta região) nestas águas desapareceu. Acreditou-se que era devido apenas ao aquecimento global, mas a pesquisa mostra também krill australiano morto pela luz ultravioleta. Esta é a principal fonte de alimento para todas as espécies da Antártida. Esses impactos aprofundam o grau em que os sistemas ecológicos são danificados, de forma semelhante às mudanças que estão sendo criadas pelo efeito estufa. As espécies mais suscetíveis às mudanças serão as primeiras a sofrer e com elas os ecossistemas vão se deteriorando progressivamente. Também não é considerado o fato de que é o ozônio que preserva nosso planeta como um mundo de água – a luz ultravioleta dissocia a água em oxigênio e hidrogênio, que, posteriormente, escapa do campo gravitacional do planeta.Pilar 3. Depuração natural de água doce (irrigação natural).Canais e zonas húmidas, advindos da interação dos pilares anteriores da vida, criaram fontes de águas límpidas e frescas, que reabastecem aquíferos e sistemas de água subterrânea, e através da interação com as plantas mantêm um ciclo hidrológico que, como vimos, sustenta e nutre toda a vida. Globalmente, a humanidade já consome mais de metade da água fresca de escoamento que é razoavelmente acessível, com cerca de 70% desse uso na agricultura. Os principais rios, incluindo o Colorado, o Nilo e o Ganges, são usados tão extensivamente que pouca água chega ao mar.Enormes massas de água interiores, incluindo o Mar de Aral e o Lago Chade, têm sido bastante reduzidas em extensão, mediante o desvio de água para a agricultura. A acidificação e as camadas de algas causadas por fertilizante produzem eutrofização dos cursos de água e a sobrepesca acelerou a morte dos corais marinhos, que se pensava ser as maiores estruturas de vida na Terra. A redução do volume do mar de Aral resultou na morte dos peixes nativos e da perda de outras biotas; a perda de um maior volume de pescado; a exposição do fundo do mar carregado de sal, proporcionando assim uma fonte importante de tempestades e nuvens de pó; a produção de um clima mais seco e mais continental local e uma diminuição na qualidade da água na região em geral, e um aumento nas doenças humanas pelas descargas de mais de 70.000 novos produtos químicos até então desconhecidos para a vida.

Page 79: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Estes são bombeados através de sistemas de esgotos e da utilização de quantidades excessivas de produtos químicos agrícolas nos solos.Enormes quantidades de água doce tornaram-se poluídas, a criação de algas e eutrofização, ao mesmo tempo a liberação de exo-estrogênio e disjuntores hormonais que atentam contra o pilar de vida de nossos cursos de água e zonas húmidas.Em Perth, na Austrália Ocidental, a família média consome aproximadamente 920 litros de água por dia, com 70% sendo usado para irrigação do jardim. O desmatamento e a mudança climática fizeram com que desde 1976 a precipitação média de Perth foi 12% a 15% mais baixa do que nos últimos 75 anos. Isto contribuiu para um declínio significativo no escoamento dos mananciais hídricos superficiais e recarga aos recursos de água subterrânea. E a demanda por água continua a aumentar. Atualmente nossas barragens ocupam apenas 32,1% de sua capacidade total. Ao mesmo tempo, os problemas de eutrofização em rios e canais aumentam, e em outros lugares outros poluentes, resíduos industriais e matéria fecal humana poluem os cursos d’água. Problemas semelhantes são encontrados em todo o mundo. Em Hanói, dezenas de milhares de metros cúbicos de água suja e sem tratamento, com toxinas inorgânicas e orgânicas, bactérias e parasitas são drenados para os lagos, lagoas e canais dentro da cidade e seus arredores. O Rio Tâmisa, na costa leste da Grã-Bretanha, contribui com uma carga anual de 70 quilos do pesticida Lindane e cem quilos de DDT, além de cerca de cinco milhões de toneladas de esgoto parcialmente tratado.Pilar 4. Criação de Solos (manutenção da fertilidade).O entrelaçamento de ciclos de nutrientes entre a microflora do solo, fungos, bactérias e vertebrados criou grossos solos férteis que retêm a umidade e nutrientes, evita a erosão, estimulam o crescimento de vegetais e reciclam todos os resíduos de plantas e animais.Por exemplo, há um intervalo infinito de estados possíveis entre o estado de acidez final (pH 1), e o estado final de base (pH 14). Há também um grande número de ciclos de bactérias reguladoras que mostram como o pH do solo é equilibrado por ácidos húmicos que parecem concebidos para fornecer exatamente e simultaneamente, a libertação de minerais necessários a partir de rochas, e ao mesmo tempo, para impedir uma lixiviação demasiado rápida nas correntes de água e transporte para os oceanos, mantendo assim a vida como um todo. Na verdade, foi a criação dessa habilidade que permitiu o acúmulo de íons de cálcio e fosfato nos solos e lamas no final do período Cambriano e pode ter levado à explosão da vida multicelular complexa no planeta naquela época.A atividade humana, através de superutilização dos solos e da dependência excessiva dos agroquímicos para fertilizantes e controle de pragas, aumenta a erosão e reduz a viabilidade do solo. A Avaliação Global de Degradação do Solo, publicada pela ONU no final de 1980, mostra que quase um terço dos solos agrícolas do mundo foram afetados. Através da desertificação resultante, aumento da salinidade e redução da estrutura do solo, toda a vida está ameaçando pela remoção deste pilar. Estudos mostram que os 56 milhões de quilômetros quadrados vulneráveis à desertificação têm quase seis vezes as taxas médias globais de erosão33. Cerca de 430 milhões de hectares de terras foram perdidas desde que a agricultura começou e a atual taxa de perda é de quase três milhões de hectares por ano. Continuando a erosão dos solos e salinização (uma tonelada de trigo causa a perda de quatro toneladas de solo) esta se tornará um problema em todos os lugares. Mas o princípio é que, se os seres humanos não podem manter o solo do planeta, a civilização entra em colapso e eles não podem viver aqui. Em 1988, a perda de solo devido à erosão anual era de vinte e cinco bilhões de toneladas e subia rapidamente. Se os fertilizantes químicos fossem eliminados devido à perda da fertilidade e erosão do solo, os danos causados fariam a produção mundial agrícola cair em pelo menos um terço.Pilar 5. Criação de Florestas (manutenção das chuvas)Os ecossistemas florestais, com centenas de milhões de anos, evoluíram para maximizar a biodiversidade da vida, fornecendo muitos milhões de nichos ecológicos que ajudam a gerar resistência biológica, amortecendo os efeitos climáticos destrutivos e outras flutuações e mudanças ambientais.A atividade humana através do desmatamento e do corte raso de florestas antigas em todo o mundo, está contribuindo para a destruição de centenas de milhares de quilômetros quadrados de habitat por ano. Isso está produzindo uma enorme redução na biodiversidade, levando à extinção de 63 mil espécies de plantas e animais por ano, a maioria delas desconhecidas para a ciência, de modo a minar este pilar fundamental de toda a vida. As florestas são os maiores produtores de solo, e cobriam cerca de um terço dos continentes antes do advento da civilização. Espalhar a desertificação e devastar florestas antigas causam enormes ‘lesões de pele’ na face da Terra. Os ecossistemas outrora férteis e diversificados entraram em colapso, arrastando dezenas de milhares de espécies à extinção, a maioria delas nunca sequer nomeada e registrada pela Ciência.Em 1975, a cobertura florestal era um quarto e em 1980 havia encolhido para um quinto, e a rapidez de eliminação das florestas continua a aumentar. Na verdade, O Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF – World Wildlife Fund) lançou um estudo em 1998, afirmando que, entre 1970 e 1995, as florestas do mundo diminuíram 10 por cento. Esta é uma perda de floresta que equivale ao tamanho da Inglaterra mais o País de Gales em cada ano. Se as tendências atuais continuarem sem interrupção, 80 por cento da vegetação do planeta terá desaparecido até 2040.Pilar 6. Manutenção da biodiversidade (criação de estabilidade ecológica).

Page 80: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Como o Mundo das Margaridas e exemplos mais sofisticados mostram, acrescentar diversidade para o sistema Gaia aumenta a sua resistência e permite que este se recupere melhor e mais rapidamente de qualquer perturbação interna ou externa.O sudoeste da Austrália Ocidental é considerado um dos seis principais pontos de biodiversidade marinha do mundo e entre os nove principais para a biodiversidade terrestre. Não há nenhum outro lugar na Terra que tenha ao mesmo tempo tanta diversidade terrestre e marinha, e há poucos pontos em que essa diversidade é tão pressionada pela extinção. Como os bancos de sementes em centros de Vavilov são privatizados, os estoques de sementes tradicionais são eliminados em todo o mundo e substituídos por sementes remanescentes, de controle centralizado e patenteados por corporações de elite multinacionais como a Monsanto.A pesca excessiva também está matando os oceanos. Desde 1984, o pescado mundial começou a diminuir, embora o investimento em equipamentos de pesca tenha aumentado substancialmente. No Noroeste do Atlântico, as capturas de bacalhau, hadoque, alabote, arenque e outras grandes espécies de alimentos humanos atingiram um pico em finais dos anos sessenta. A captura destas espécies caiu drasticamente desde então. De tal forma que estão participando da sexta extinção da vida no planeta, a maior perda da vida desde a extinção dos dinossauros.A causa da ‘doença’ em todo o planeta é o comportamento egoísta do câncer de apenas uma espécie, a nossa própria. A nossa vida como seres humanos é mantida através de cada célula, sendo parte de um sistema maciço e complexo de comunicação, ligando o ADN das nossas células, os neurotransmissores do cérebro, o sistema endócrino e hormonal e os transmissores químicos envolvidos no sistema imunitário. A doença é provocada quando este sistema de comunicação é interrompido de alguma forma. As células cancerosas se desenvolvem quando o tecido vivo perde a sua conexão com o corpo todo, reproduzindo descontroladamente, mudando a rota de sistemas de circulação e tratando o corpo como mero recurso para apoiar o crescimento de novo tecido canceroso. No pior dos casos, os subprodutos tóxicos e as interrupções a órgãos vitais produzidas à medida que o tecido canceroso cresce, tornam cada vez mais difícil para o corpo se manter em equilíbrio. Desta forma também, os seres humanos, fora de contato com o corpo vivo de Gaia, são igualmente se comportando egoisticamente, minando os pilares dos quais a vida depende.Gaia, como um sistema vivo, no entanto, já sofreu assaltos planetário anteriores. Ela sobreviveu a eras glaciais que chegaram perto de congelar todos os oceanos da Terra e outras catástrofes que por vezes dizimaram 98% de todas as espécies. Mesmo a extinção dos dinossauros devido a um enorme impacto meteórico não foi suficiente para esterilizar a Terra e acabar com a vida. Mais de 99% de todas as espécies que já existiram estão extintas hoje, e Gaia pode sobreviver, ainda que de forma menos complexa, com a simples extinção da humanidade. Esta é a última lição de humildade que a ciência de Gaia nos mostrou. Não apenas somos totalmente dispensáveis, mas a menos que façamos uma correção nos nossos caminhos cancerosos, como veremos, a saúde contínua e a sobrevivência no futuro do nosso planeta pode exigir nossa extinção.A civilização está fora de equilíbrio com o fluxo de energia planetária e está causando dano a cada um desses pilares. Em cada caso, no entanto, as Corporações da Civilização do Crescimento Industrial e os porta-vozes do governo fazem uma campanha de luta contínua contra cada um desses achados. As táticas que eles usam incluem:Lançamento de campanhas de relações públicas que disputam as evidências.Encontrar grupos de ação fictícios dos cidadãos que fazem campanha contra a questão.Prever terríveis consequências econômicas, e ignorar a relação custo / benefício.Localizar e pagar cientistas respeitados para argumentar persuasivamente contra a ameaça.Usar publicações sem revisão por pares ou artigos elaborados por cientistas financiados pela indústria, que não publicam trabalhos científicos peer reviewed para apoiar seu ponto de vista.Trombetear, desacreditando estudos científicos e reforçando os mitos para apoiar seu ponto de vista como fato científico.Pontuar a substancial incerteza científica, e a certeza da perda econômica se ação imediata não for tomada.Em todos os casos essas táticas míopes têm atrasado a ação em cada uma dessas questões ambientais. Mas a vida na Terra é sustentada por uma única reação reversível mantida em equilíbrio dinâmico.Como todas as reações reversíveis em química em geral, pode-se dizer que Gaia permanece no princípio de Le Chetalier, que afirma: “Quando uma tensão é aplicada a um sistema em equilíbrio, o sistema tenta eliminar o estresse, alterando o equilíbrio”. Através de nossos ataques contra os seis pilares que juntos suportam a vida complexa no planeta, somos como um estresse. E Gaia pode e vai responder, e esta resposta será a de eliminar o estresse. O estresse é a força aparentemente irresistível da Civilização do Crescimento Industrial. Ela finalmente encontrou o objeto final imóvel, a realidade fundamental dos sistemas de suporte à vida de Gaia em si mesma. Mas como é a remoção do estresse vai acontecer?Em 16 de janeiro de 2006, James Lovelock, em artigo publicado no Sunday Independent, escreveu:“Os centros de climatologia espalhados pelo mundo, que são o equivalente ao laboratório de patologia de um hospital, relataram a condição física da Terra, e os especialistas em clima a veem como gravemente doente, e logo passará por uma febre mórbida que pode durar perto de 100.000 anos. Eu tenho que te dizer, como membro da família da Terra e uma parte íntima dela, que você e, especialmente, a civilização está em grave perigo.”

Page 81: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

“Nosso planeta tem se mantido saudável e apto para a vida, assim como um animal faz, na maior parte dos últimos três bilhões de anos de sua existência. Foi má sorte que nós começamos a poluir num momento em que o Sol é muito quente para o conforto. Nós demos a Gaia uma febre e logo seu estado irá piorar para um estado similar a um coma. Ela já passou por isso antes e se recuperou, mas levou mais de 100.000 anos. Somos responsáveis e vamos sofrer as consequências: o século avança, a temperatura vai subir 8 graus centígrados em regiões temperadas e 5 graus nos trópicos.”“Grande parte das terras tropicais se tornará árida e deserta, e não servirá mais para regulação, o que aumenta a 40 por cento da superfície terrestre que nós já devastamos para produzir nosso alimento.”“Curiosamente, a poluição por aerossóis no hemisfério Norte reduz o aquecimento global ao refletir a luz solar de volta ao espaço. Este ‘apagamento global’ é transitório e pode desaparecer em poucos dias, como a fumaça que o carrega, deixando-nos completamente expostos ao calor da estufa global. Estamos em clima de loucos, resfriado acidentalmente pela fumaça, e antes do fim deste século bilhões de nós morreremos e os poucos casais férteis que sobreviverão estarão no Ártico, onde o clima continuará tolerável”.“Ao não perceber que a Terra regula seu clima e sua composição, nós cometemos a trapalhada de tentar fazê-lo nós mesmos, agindo como se estivéssemos no comando. Ao fazer isso, condenamos a nós mesmos ao pior estado de escravidão. Se escolhermos ser os guardiões da Terra, somos os responsáveis por manter a atmosfera, o oceano e a superfície terrestre aptos para a vida. Uma tarefa que logo acharíamos impossível – e algo que antes de termos tratado Gaia tão mal, ela fazia para nós”.“Para entender o quão impossível é, pense sobre como você regularia a sua temperatura ou a composição de seu sangue. Quem tem problemas renais conhece a dificuldade diária inesgotável de ajustar o consumo de água, sal e proteínas. A muleta tecnológica da diálise ajuda, mas não é substituto para rins saudáveis”.Ele concluiu:“Talvez o mais triste seja que Gaia perderá tanto quanto ou mais do que nós. Não só da vida selvagem e ecossistemas inteiros que serão extintos, mas também pela civilização humana, um recurso precioso para o planeta. Não somos meramente uma doença; somos, através da nossa inteligência e comunicação, o sistema nervoso do planeta. Através de nós, Gaia se viu do espaço, e começa a descobrir seu lugar no universo”.“Nós deveríamos ser o coração e a mente da Terra, não sua moléstia. Então, sejamos corajosos e paremos de pensar as necessidades e direitos humanos por si só, e enxerguemos que nós ferimos a Terra e precisamos fazer as pazes com Gaia. Precisamos fazer isso enquanto somos fortes o bastante para negociar, e não uma turba esfacelada liderada por senhores da guerra brutais. Acima de tudo, devemos lembrar que somos parte dela, e ela é de fato nosso lar”.Os nossos níveis de estresse são a causa desta doença, e este desequilíbrio sempre interfere com a linguagem química circulando dentro de nossos corpos. Não é de estranhar que as duas grandes doenças do nosso tempo – o câncer e as doenças autoimunes – estão sinalizando o colapso da comunicação química que une os pontos dos nossos corpos. Como impactamos no ecossistema planetário, através de venenos bioquímicos, pesticidas e outras toxinas, não é de surpreender que os nossos ecossistemas internos estão se desfazendo também34. Mas não tem que ser dessa maneira. Há uma alternativa. Robert Constanza, presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, calculou que o ambiente oferece os seguintes serviços ecológicos, que custariam os seguintes montantes se o homem tivesse a lhes proporcionar:

Valor (Trilhões $ Área da Biosfera (Milhões Produção Liquida PrimáriaCarbono seco por peso

Total (Gigatons) Total (Gigatons)

Mar abertoTotal MarinhoTerras secas

Lagos/Rios

Culturas (todas)Total TerrestreTotal Geral

                                                                                                                     Este valor é equivalente aos ‘juros’ da Produção Primária Líquida de 170,28 bilhões de toneladas de carbono seco por peso, produzido pela fotossíntese de uma biosfera de 1.877,29 bilhões de toneladas, dando um "retorno sobre investimento" de tecido vivo de 9,07%, maior e melhor que tudo, exceto as economias espoliativas de mais rápido crescimento.

Page 82: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Mas este tipo de cálculo economicista é um pouco como tentar encaixar um elefante do planeta em um automóvel Fusca, da economia humana. O mundo, naturalmente, não ‘possui’ essas coisas nem as vende, é a fecundidade generosa da vida que mantém o dom de tal vida da biosfera e nossa. No entanto, como mostrou Constanza, o valor econômico do meio ambiente é muito maior do que o Produto Interno Bruto total de todas as nações do mundo e sua destruição é, mesmo economicamente, nosso próprio perigo. E mesmo assim, é facilmente defensável que Constanza deixou muitas coisas fora de seu cálculo. Por exemplo, qual é o custo da polinização natural de todas as nossas plantas com flores por insetos? O desaparecimento das abelhas está demonstrando isso de uma maneira dramática. E como é que se coloca um valor sobre o dom da própria vida? Destruindo a capacidade de sustentação da vida do planeta, obviamente, destruiremos a nós mesmos e à nossa economia.O modelo de Gaia nos forneceu um novo paradigma científico, que ainda está sendo incorporado às estruturas científicas mais convencionais. Também mostrou como a Civilização do Crescimento Industrial, da qual fazemos parte, por ignorância antropocêntrica, estupidez e cegueira, está seletivamente atacando e destruindo cada um dos ‘pilares’ em que a estabilidade de Gaia é mantida, aumentando a fragilidade e reduzindo a capacidade de resistência dos sistemas vivos de que fazemos parte. Mas como podemos minar e remover esta cegueira antropocêntrica? Há muitas maneiras, mas a ciência em si mesma mostra-nos que, em vez de sermos a coroa da criação, somos na verdade apenas uma parte de uma sabedoria muito mais antiga da música de raiz.O cérebro humano é o órgão mais complexamente organizado ainda conhecido pela humanidade. Enquanto excedido em tamanho pelos cérebros dos elefantes e baleias, quando considerados em relação ao tamanho do corpo como um todo, os seres humanos são claramente a mais inteligente criatura no planeta. Com um tamanho médio, nos adultos, de 1.500 centímetros cúbicos, representa um número impressionante de mais de 100 bilhões de células nervosas, quase uma para cada ser humano que já viveu, um valor igual ao número de estrelas na Via Láctea. Os superlativos multiplicam quando se considera que o número de interconexões possíveis entre essas células em um único cérebro, através das fibras nervosas, os axônios e sinapses, ultrapassa o número de átomos no universo inteiro.Este órgão surpreendente é um habitante incrivelmente recente da Terra. Apenas dois milhões de anos atrás, os nossos antepassados, já um dos ‘mais inteligentes’ sobre a Terra, tinham um cérebro de apenas 480 centímetros cúbicos, comparáveis ao dos chimpanzés, gorilas e os orangotangos de hoje. Embora a taxa de aumento seja quase imperceptível de geração para geração, um aumento da ordem de dois milésimos de um centímetro cúbico, por ano, se se tratasse de um aumento constante, significaria que cada geração de seres humanos, em dois milhões anos, teria 640.000 células cerebrais adicionais, comparados aos seus pais. Há muito debate sobre a causa deste aumento no tamanho do cérebro humano. Menos conhecido é o fato de que nossos cérebros pararam de aumentar cerca de 150.000 anos atrás. De fato, se o tamanho é a medida de inteligência, então somos menos ‘inteligentes’ do que os ‘homens das cavernas’ Neandertais, que foram substituídos pelos seres humanos modernos entre 45 e 28 mil anos atrás.Nossos cérebros não são organizados hierarquicamente. Não existe um ‘circuito central de controle’ no cérebro, não há um ‘Eu’, localizado no interior que puxa as cordas, não há uma ‘sede da alma’ aparente, como Descartes procurou encontrar na glândula pineal. Ao contrário, o cérebro está organizado por redes. Cada célula cerebral é semelhante a cada outra célula do cérebro – não há células no cérebro ‘maiores’ ou ‘menores’. As células são iguais, é na organização de rede em que se acoplam, de um modo geral, que funciona a consciência. Isso é contrário ao nosso sentido cultural hierárquica comum, nossa visão cotidiana do mundo. Esta visão comum percebe o cérebro como sede da mente, e vê a mente como mais ‘divina’ e superior ao corpo. Órgãos vitais, como o coração, na linguagem e metáfora, também são vistos como superiores às ‘entranhas’. Nós usamos metáforas corporais em nossas organizações hierárquicas. A ‘cabeça’ dirige as operações, contrata as ‘mãos’ para fazer o trabalho que lhes é dito para fazer. Mas esta visão é falsa, como mostrado pelas modernas descobertas científicas.Os neurotransmissores, as substâncias químicas que transmitem mensagens de um axônio para outro, são pequenos produtos químicos (neuropeptídios) que anteriormente se pensava serem confinados ao cérebro. As pesquisas mais recentes mostram que eles passam facilmente entre o cérebro e o sangue. Quimicamente eles são muito semelhantes, em muitos casos idênticos, aos hormônios que são produzidas pelas glândulas endócrinas do corpo. Assim, a testosterona masculina, produzida pelas gônadas, também é produzido pelo cérebro, e o cérebro não pode distinguir uma da outra. A adrenalina – produzida pelas glândulas suprarrenais, perto dos rins, e são associadas com as respostas de ‘luta’ ou ‘fuga’ quando somos confrontados com o medo – é um precursor da noradrenalina no cérebro, um dos estimuladores de sinapses nervosas quando as mensagens são passadas. Pesquisas médicas recentes também mostram que estes mesmos produtos químicos estão envolvidos na preparação ou impedindo as células do sistema imunológico fazer o seu trabalho. Afigura-se que este é o mecanismo pelo qual o estresse mental pode ter um efeito adverso sobre a resistência à doença.A obra de Candace Pert e outros demonstrou que a maioria dos neurotransmissores está em todos os principais órgãos do corpo e as concentrações desses neuroreceptores em nosso sangue é determinada por diferenças na forma de pensar. Na ciência emergente da psico-neuro-endócrino-imunologia, o sangue em nossas veias é, literalmente, uma parte importante do nosso processo de pensamento, parte de nossa mente. Apesar das histórias de ficção científica sobre transplantes de cérebro com a transferência de

Page 83: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

uma consciência para outro corpo, este é um resquício da velha visão dualista de ‘corpo e mente’. Nossa autoconsciência, em si, não reside só em nossos cérebros, mas em cada órgão do nosso corpo, em todo o nosso ser.Na verdade, a linguagem química dos neurotransmissores não para no nosso corpo. Estes pequenos produtos químicos, e seus primos neuropeptídios, estendem-se muito mais, em todos os ecossistemas. Eles são encontrados em árvores, no solo, nas águas profundas do oceano e no ar que respiramos. Como unidades de informação, eles carregam múltiplos significados através da seiva da árvore, através da criação de solo, através das zonas húmidas em correntes oceânicas, na regulação da temperatura global pelos ventos da terra, o perfume do nosso cabelo, e em nosso próprio sangue, música de raiz. Ao olhar para os meandros das vias bioquímicas que ligam nosso corpo ao corpo maior da Terra, encontramos harmonias surpreendentes. Os ritmos diários e sazonais adicionam um contraponto, e a organização de cada instrumento químico cria uma melodia maior, preenchendo o caos e as discordâncias com clímax e resolução – é positivamente uma orquestra sinfônica.Circulando através e entre os ‘seis pilares’ da Terra Viva, essas mensagens de informação participam coletivamente de uma inteligência muito mais antiga e muito mais complexa do que a nossa. É finalmente a música do sangue que cria a ordem intrincada da vida e as estruturas dos mecanismos sinfônicos de comunicação dentro do planeta vivo, a Terra, Gaia em si mesma. Sangue musical determina a natureza do ar que respiramos e da água que flui através de nossas veias.Ao longo das florestas através da superfície da terra, as árvores nutrem o solo com uma queda de folhas. Depois de já ter sugado o máximo possível de açúcares e umidade das folhas, tudo o que resta é a celulose e minerais. À medida que as folhas das árvores caducam, é bloqueado um neuropeptídio, a citocinina, enviado como um mensageiro contínuo da ponta das raízes. Isto liberta o ácido abscísico (ABA), o que cria uma camada de abscisão de células especiais preenchido com uma substância gelatinosa que cresce na base de cada haste da folha que caduca. Com a menor brisa, ou mesmo com o peso da folha em si, estas células gelatinosas se rompem. Desprovida de uma cobertura, as células de repente liberam a citocinina, que quimicamente diz à haste para secretar uma camada impermeável para curar a súbita ferida. Tais árvores são responsáveis por capturar a grande maioria da energia que mantém o corpo da Terra vivo, formando um ‘superórgão’ planetário que ‘come’ luz solar. As florestas podem cobrir apenas 32,55% da superfície terrestre, mas possuem em conjunto 88,21% da biomassa de tecido vivo.Uma vez que a folha cai, é digerida por fungos e bactérias do solo. As folhas caídas modificam a estrutura química do solo para aumentar a sua retenção da humidade e limite de evaporação. A umidade do solo aumentada oferece uma casa úmida para numerosos invertebrados que se alimentam de pólen e esporos de hifas de fungos. Minhocas, alimentando-se do fungo, revolvem o solo, adicionando suas fezes para o desenvolvimento do sistema de música do sangue. Esses invertebrados, por sua vez, são alimento para outros predadores, tendo as formigas como topo desta cadeia alimentar. Um fino spray de húmus percolados ao longo dos fios de raízes finas é conectado, nos solos mais férteis, por uma massa de micorrizomas que acessa produtos químicos do solo e umidade para torná-los disponíveis para as finas raízes capilares de árvores. Mesmo que o solo tenha sido severamente danificado, o húmus realiza controle de danos, por exemplo, ajudando a prevenir o apodrecimento das raízes após inundações. O meristema na ponta dos pelos radiculares produz neuropeptídios de sinalização, as auxinas, hormônios de crescimento de plantas e neuropeptídios que estimulam o crescimento rápido. Não é por acaso que estas auxinas também são encontradas na urina de animais, pois elas também fazem parte deste sistema de música de sangue.A velocidade com que isso acontece é inacreditável. Uma planta de centeio maduro, por exemplo, vai estender seus sistemas de raízes por 5 km cada dia, e os cabelos de raiz aumentam em 90 quilômetros no mesmo período. Isto está longe da passividade vegetativa descrita por Aristóteles. As plantas podem parecer passivas na forma como as vemos acima do solo, mas a níveis microscópicos, abaixo do solo, há uma atividade incessante. Na maturidade, as raízes do pé de centeio, se estendidas de ponta a ponta, prolongam-se por 622 quilômetros, e os capilares da raiz, por inacreditáveis 10.620 km. Charles Darwin ficou tão impressionado com essas habilidades que ele escreveu, “não é um exagero dizer que a ponta da raiz assim dotada tem o poder de dirigir o movimento das partes adjacentes, em atos similares aos do cérebro dos animais inferiores.” Se a ponta da raiz age de modo inteligente, o que dizer de toda a rede de raízes em conjunto? Esta atividade de agitação abaixo da terra esconde o lento crescimento vegetativo e a estabilidade das plantas acima do solo. Aos poucos percebemos que a rede entrelaçada de galhos e folhas acima do solo é amplamente ultrapassada pela complexidade das redes de raízes que penetram cada canto e recanto sob a superfície do solo, em uma complexidade que só pode ser comparada com a do padrão de fiação de células nervosas no cérebro humano.A geologia é uma parte do sistema de Gaia. A chuva que cai sobre o solo dissolve pequenas quantidades de dióxido de carbono, tornando-se uma solução fraca de ácido carbônico. Através da percolação nos canais feitos pelas raízes das árvores e por invertebrados escavadores, dissolve-se um coquetel de fortes ácidos húmicos e fólicos. A percolação desta ‘música de sangue’ líquida lentamente come as rochas mais profundas abaixo, seguido de perto por pelos radiculares, e liberta os minerais necessários para a vida. Esta os liga em formas que podem ser absorvidos rapidamente através dos fungos e radículas. O solo vivo da Terra constitui um segundo grande ‘órgão’ da Terra viva, ainda mais velho do que as próprias árvores.

Page 84: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Um grupo de árvores da mesma espécie ajuda a alimentar os fungos micorrízicos, similares a corais, que aderem às pontas de suas raízes. Eles usam o excesso de açúcares que foram fabricados em folhas que crescem acima do chão da floresta, recebendo em troca uma variedade destes minerais, outros produtos químicos e umidade necessária para seu crescimento e manutenção. Um comércio subterrâneo secreto está em andamento, com cada lado se beneficiando da transação. Ambos os lados ganham, realizando tarefas que não poderiam alcançar sozinhos. A ponta felpuda das bainhas micorrízicas em torno das raízes são as bombas de água mais surpreendentes. As bombas d’água micorrízicas funcionam a uma velocidade até três vezes a pressão da atmosfera. Outros produtos químicos também são trocados no processo. Uma árvore, sofrendo um ataque de insetos comedores de folhas, vai passar uma mensagem química através de suas raízes, aceita e difundida pelas micorrizas para outras árvores, alertando-as para começar a produzir maiores quantidades de terpenos, taninos e outros neuropeptídios alcaloides para fazer suas folhas menos saborosas e mais indigestas. As folhas podem também produzir substâncias químicas que imitam os hormônios de muda de lagartas, impedindo-as de se transformar em adultos reprodutores, e colocar ovos em outro lugar.Este sistema de mútuas interconexões entre os solos e as árvores levou mais de 300 milhões de anos para evoluir. A tentativa de mapear a complexidade bioquímica na sua totalidade é quase impossível. Ela realmente só pode ser apreciada como um todo e suas harmonias só podem ser comparadas à grande sinfonia de um coral. Os cientistas que trabalharam com apenas um metro quadrado de solo, na Noruega, por exemplo, descobriram que os solos podem agir como esponjas vivas. Eles podem acumular metais pesados que são tóxicos para outras formas de vida, e com estes processos químicos extrair a energia contida através da recolha, concentrando-se e precipitando substâncias nocivas dissolvidas como compostos inertes inofensivos. Em caso de excesso de fertilização de solos, o húmus ativamente forma um reservatório para o excesso de nutrientes e libera-os gradualmente em doses que a planta pode absorver facilmente quando necessário. Plantas que cooperam nas interligações de bactérias, fungos e vegetais são recompensados com um crescimento mais rápido, enquanto que os que não estão conectados progressivamente se envenenam e o seu crescimento é atrofiado. Ácidos húmicos também ativam as raízes das plantas. Em particular, promovem o crescimento longitudinal das raízes e as protegem de muitas influências nocivas. Isso acelera e otimiza o processo de enraizamento.Os solos proporcionam uma série de mundos interligados onde os sólidos, líquidos e gases podem ser agrupados em estranhas novas combinações. Bactérias absorvem o manganês da água e o oxidam para formar manganita, um mineral insolúvel, que pode ser depositado para agir como um sítio para outras bactérias. Moléculas de argila com um revestimento de produtos bioquímicos quelados e expostos a concentrações locais de dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e outros gases, podem agir como pequenos laboratórios de síntese química. Eles continuamente passam mensagens de outros produtos químicos para o meio ambiente, que são retransmitidas adiante por uma série de diferentes bactérias e espécies fúngicas. Os quelatos polifenóis, por exemplo, evitam que os oligoelementos reajam inapropriadamente com outras substâncias no solo ou nas plantas. Isto as impede de reagir em conjunto e assim permite que as plantas absorvam esses elementos, na medida necessária para o crescimento saudável. Fertilizantes inorgânicos estão vinculados por estes quelatos, tornando-se mais facilmente ativados para absorção pelas raízes das plantas. A ligação também ajuda a limitar a lixiviação destes importantes produtos químicos para fora do solo, mantendo-os em um estado pronto para o crescimento das plantas. É como se no subsolo houvesse um cabeamento de uma central telefônica de grande porte, comutando e levando mensagens de milhares de assinantes individuais.Este estranho mundo dos solos vivos ecoa ao longo da costa, onde se encontra um antigo órgão do corpo da Terra. Neste mundo pungente, de cheiro estranho de estuários de maré, o mar de sargaços e lodaçais, em conjunto com as raízes de mangues, lagoas de nutrientes ricos e remansos se desenvolvem, proporcionando áreas de desova protegidas para centenas de espécies de camarões, lagostas e vários tipos de peixe. Os manguezais também ajudam a estabilizar o habitat costeiro da destrutiva erosão pelas ondas. As raízes aéreas que crescem verticalmente para fora da água fornecem o oxigênio que falta nas raízes. A proliferação de algas que crescem sobre os nutrientes filtrados através de deltas de rios fornece sustento aos alevinos antes de irem para o mar aberto. Mordiscando as raízes expostas das árvores, estimulam o crescimento das plantas e a frutificação, e ajudam a eliminar os sais nocivos e patógenos de árvores, mantendo-os à distância e reciclando-os por outros órgãos que precisam deles. Diferentes espécies são encontradas em zonas, dependendo da sua proximidade com a erosão do solo, a partir de terra, da profundidade ou da salinidade da água. Sua forma e suas habilidades para capturar e segurar sedimentos realmente esculpe o fluxo de água em redemoinhos e regatos que mantêm o habitat trabalhando como um sistema de comunicação inter-relacionado de incrível complexidade. Estes, por sua vez, classificam os sedimentos por tamanho para depositá-los em padrões que formam costas para os ecossistemas mais produtivos encontrados em pântanos. Mais uma vez, vemos uma evidência da inteligência vasta e antiga de Gaia ocupada no trabalho.Em águas mais profundas, a princípio, parece haver uma inteligência de ‘música de sangue’ diferente no trabalho. Na oitava noite após a Lua Cheia de Agosto, no Golfo do México:"De repente, e em silêncio, três espécies diferentes de corais parecendo grandes cérebros e estrelas começam a liberar seus glóbulos coloridos, que sobem em direção à superfície do mar, como pequenos balões. Em pouco tempo, a água se enche de milhões desses

Page 85: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

pacotes de óvulos ou esperma, a soma total da produção reprodutiva deste ano para essas colônias. A bordo do barco de pesquisa, os cientistas notam um ligeiro odor doce enquanto a superfície da água torna-se repleta de gametas flutuantes.”“O primeiro ato do show continua por duas horas antes de outras espécies de corais assumirem. Corais estrela montanhosos medindo 15 metros de diâmetro emitem vastas quantidades de pacotes de ovo e esperma. Perto dali, outra espécie de coral estrela libera seus ovos e delicados espermatozoides separadamente, como bolhas de champanhe. Na superfície do oceano, a mancha formada pelos gametas muda do rosa ao laranja, com os recém-chegados.”“Invisível para os cientistas, mas crucial para esta bonança reprodutiva anual, o esperma microscópico cruza a água em uma busca cega por ovos. Cada ovo fertilizado pode se desenvolver em uma pequena larva que passa semanas à deriva com as correntes oceânicas, possivelmente viajando grandes distâncias. Eventualmente, se ela escapa de peixes e outros predadores e encontra um local adequado e limpo no fundo do mar, a prole vai juntar-se a uma superfície firme e irá se metamorfosear em um único pólipo de coral, imóvel – os primórdios de uma nova colônia de corais”.Exatamente a mesma sinfonia de reprodução pode ser observada na primeira lua cheia depois do equinócio de primavera na Grande Barreira de Corais da Austrália, em uma noite que era na antiga Babilônia celebrada como Akitu, a noite do casamento sagrado entre Ishtar, Rainha do céu e terra, e Tamuz. Nove meses mais tarde, perto do solstício de dezembro, se uma criança fosse concebida a partir desta união, era conhecida como ‘o Filho (ou Filha) de Deus’. Sim, encontramos a sincronia funcionando mesmo ao nível da própria natureza. O que não é conhecido é a natureza do sistema de comunicação, que opera através de águas para sincronizar esta coordenação surpreendente de comportamento. Os cientistas que estudam o comportamento descobriram um hormônio neuropeptídio feminino, o estradiol, lançado na água em grandes quantidades, alguns dias antes do evento, que pode ajudar os recifes de coral a sincronizar sua desova. Esta é apenas parte da complexa linguagem química e inteligência que está atuando.Os recifes de corais são alguns dos mais complexos ecossistemas do oceano, ao mesmo tempo refúgio e esconderijo de predadores e presas, na colheita da generosa luz solar em águas cálidas e nutritivas das paredes externas de atóis e lagoas de recifes. Estes sistemas aquáticos, de pântanos e lagoas, mangues e recifes, constituem um dos órgãos mais importantes da Terra viva, que remonta pelo menos há 530 milhões anos, se não mais. Compreendendo menos de 1,64% do meio aquático total, produz um escalonamento de 96,25% da sua biomassa.Da mesma maneira que a água é o principal componente do sangue, é também a base da presente inteligência química da Terra. Ambos contêm uma pequena percentagem de sais dissolvidos (os oceanos têm 3,6% e o sangue aproximadamente 2,0%), que tem uma grande importância sobre a sua estrutura e função. William Harvey (1578-1657 d.C.) demonstrou a circulação do sangue. Como vimos, de forma semelhante o ciclo da água inclui evaporação e precipitação, ventos e correntes oceânicas, rios, lagos e oceanos, compreendem o sistema de circulação que impulsiona o carbono, nitrogênio, oxigênio, enxofre, fósforo e minerais dos ciclos metabólicos de que a continuação da vida da terra depende. É o ciclo de água que conduz o sistema de ‘música de sangue’. No H2O da molécula de água, o oxigênio é fortemente eletronegativo, ficando o hidrogênio com uma pequena carga positiva. A água pode dissolver, assim, ambos os íons positivos de metais e negativos de compostos não metálicos, e as ligações fracas de hidrogênio auxiliam no transporte e na solução de muitos produtos químicos, mais do que qualquer outro solvente. Muitos dos compostos químicos são hidrofílicos, facilmente dissolvidos, ao passo que outros são hidrofóbicos e repelem a água, para formar revestimentos gordurosos ou oleosos e membranas semipermeáveis. Ao combinar as propriedades hidrofílicas e hidrofóbicas, os mensageiros químicos podem dobrar e moldar outros para se ajustar aos modelos criados, atingindo tarefas não possíveis de outra forma.Marcos e Dianna McMenamin (1994) mostram que, além de todos os oceanos do mundo, há outro enorme corpo de água, o ‘hipermar’ composto de todas as águas que viajam através dos órgãos da vida no curso de um ano. Este ‘hipermar’ é rico e fecundo, a fonte e solvente de substâncias químicas da ‘música de sangue’, que explora as estranhas propriedades que tornam a água única e meio de troca das linguagens químicas das quais fazemos parte. Ao nos banharmos ou bebermos água, estamos participando da forma mais pessoal neste ciclo contínuo de nutrientes. O caldo rico de águas em nossos intestinos é o lar de uma variedade desconcertante de criaturas. Na verdade, o corpo humano é o lar de mais bactérias do que há seres humanos vivos hoje na Terra, e as células bacterianas, sendo tão pequenas, podem de fato superam as células oficialmente reconhecidas geneticamente como parte de nossos próprios corpos.Os ares acima dos oceanos abertos também são invadidos pelo sistema de comunicações à base da água da inteligência química. Cocolitóforos absorvem o bicarbonato de cálcio a partir dos sistemas em seus corpos, criando uma chuva incessante de carbonato de cálcio ao longo do leito oceânico. O enterro do dióxido de carbono atmosférico desta maneira tem vital importância para a continuidade da vida na Terra, e também foi modulado por neuropeptídios da ‘música de sangue’. Este precipitado rochoso de calcário é raspado de margens continentais como penhascos de giz, ou empurrados para baixo de arcos vulcânicos insulares, emergindo novamente através de desgaseificação vulcânica como o dióxido de carbono atmosférico. Como vasto lago leitoso, formado quando as condições são apropriadas, os Cocolitóforos semeiam o ar com elevadas concentrações de sulfureto de dimetila,

Page 86: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

que reage com o oxigênio do ar para fazer gotas de ácido sulfúrico, sobre o qual se condensa o vapor de água. O calor contido nos vapores é repentinamente bombeado para cima em rápidas correntes ascendentes de ar. Varre as gotículas no ar que repetidamente congelam e descongelam, crescendo em volume. Vastas nuvens são assim formadas, que refletem a luz solar recebida, causando ventos e ondas e o arrefecimento dos oceanos abaixo. Os motores de bactérias em si são movimentados para semear áreas do oceano não tão depauperadas do necessário bicarbonato de cálcio. Aqui vemos novamente uma inteligência vasta e antiga no trabalho. Estes minúsculos ‘fazedores de chuva’ criam os véus brancos de nuvens que coroam o planeta para resfriá-lo do calor de aquecimento do sol, aumentando sua refletividade.Um análogo desta linguagem química entre água e ar é encontrado no ar acima das florestas. Não só cada árvore atua como uma enorme bomba de água, propiciando a passagem da água do solo em linha reta de volta ao ar, mas as gotículas de vapor geradas são aromas de um tipo diferente. A água pode subir pelo lenho de uma árvore a uma taxa de 50 metros por hora, em um dia quente e ensolarado, empurrando 200 litros por hora para a atmosfera. Dissolvido nesta água está toda uma família de leves fenóis sulfurados e outros óleos que são transportadas no ar para estimular a formação de nuvens de chuva. Ali, eles também definem o calor latente livre pelo vapor de água no ar, aquecendo-a e fazendo com que as enormes nuvens  cúmulo-nimbus de tempestade se formem mais uma vez.As florestas tropicais do mundo criam perpetuamente estes ciclos sazonais, em processos que criam os ‘pulmões de vida’ do planeta. A inalação e exalação de dióxido de carbono e oxigênio do balanço anual de todo o planeta foi medida como um pulso anual, na qual as várias partes são coordenadas para trabalhar em conjunto com a linguagem química do sistema como um todo. Pode-se dizer que as florestas são a forma como os oceanos se perpetuam sobre a terra seca, para colonizar as antigas superfícies desérticas da Terra. Trabalhando em harmonia com os oceanos, elas contribuíram para a atmosfera de oxigênio. Este, por sua vez, reforçou o escudo de ozônio, impedindo a luz ultravioleta de decompor as moléculas de água, processo que teria privado este planeta de sua umidade há dois bilhões de anos atrás. Desta forma, a linguagem química da Terra alcançou sua maior vitória, a criação de Gaia, o planeta Terra vivo. A Terra sozinha, da família dos planetas próximos ao Sol, tem se mantido como um mundo de água.Muita desta linguagem da ‘música de sangue’ ocorre próximo ou mesmo no interior do corpo. É uma linguagem de intimidade, em última análise, a linguagem do toque comunicativo. Para obter uma compreensão fraca do poder de uma linguagem nós, humanos, precisamos descer em nossas mãos e joelhos e colocar os nossos narizes próximos ao solo fértil. O aroma rico forma uma bebida inebriante, mas nossos narizes, em comparação com outros, são daltônicos. Cães cheiram em technicolor. Um único floco de pele que um ser humano lança enquanto caminha, dá aobloodhound (um cão farejador) sua incrível capacidade de seguir uma trilha até mesmo dias depois de uma pessoa ter passado por ela. Mas mesmo os narizes de cães não são tão sensíveis como alguns no planeta. E. O. Wilson é um especialista em formigas. Ele identificou que a formiga é "uma bateria de glândulas endócrinas", com mais de 17 locais no seu corpo, cada um capaz de produzir uma gama de perfumes de neuropeptídios específicos. Ao se reunir com outra formiga, a primeira mensagem dada é de reconhecimento – este é um de ‘nós’. Outras mensagens são transportadas. Estas incluem ‘siga-me’, ‘perigo perto’, ‘comida’ e muitas outras que os cientistas ainda não conseguiram aprender. Feromônios de ‘Alarme’ trarão formigas soldado. O cheiro de ácido fórmico distintivo de uma formiga esmagada também traz uma mensagem para as outras da colônia que diz ‘perigo, proceda com cuidado!’ Multiplicada por milhões, esta antiga linguagem química cria os comportamentos intrincados e complexos da colônia de formigas.Aqui, nas cidades mais antigas do mundo, muito mais antigas do que as nossas, continuamente reconstruídas por centenas de milhões de anos, os primeiros agricultores do mundo, as formigas, aprenderam a cultivar fungos com folhas frescas colhidas e cortadas com suas mandíbulas geneticamente modificadas. A inteligência do formigueiro, como a da colmeia de abelhas, ou, na verdade, os cérebros, são construídos a partir de componentes simples, mas, como em todos os casos, quando a comunicação é envolvida, o todo é maior do que a soma das partes. Em um dia quente na câmara de reprodução, abelhas buscam água misturada com álcool para acelerar a evaporação dos seus corpos minúsculos. Atuando como minúsculos aparelhos de ar-condicionado, linhas de abelhas com asas batendo fazem esta água evaporar, gerando o resfriamento da câmara de reprodução para exatamente a temperatura necessária. Como Lewis Thomas sugeriu, estes exemplos de insetos sociais não são de qualquer forma separados um do outro, eles são partes de um único indivíduo, um superorganismo colonial.Mas esses exemplos são apenas produtos recentes da floração da inteligência química. Insetos compreendem as maiores e mais importantes contribuições animais para o mundo em biodiversidade de ‘música de sangue’. Borboletas podem pressentir um companheiro a uma distância de quilômetros, e flores chamam insetos cujos pequenos corpos foram geneticamente esculpidos ao longo de milhões de anos para atender especificamente às suas necessidades para a polinização. Besouros sentem o cheiro de maturação ou folhas novas. Nós, os seres humanos, somos como um touro cego em uma loja cheia de enfeites de cristais, mas ainda podemos detectar os pólens de mudança e odores da Primavera, em um grande florescimento de aromas que se assemelha à desova dos corais que mencionei anteriormente.

Page 87: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Apesar de estarmos geralmente inconsciente dessa inteligência química, a ‘música de sangue’ governa completamente nossos corpos. Suas conquistas quase miraculosas são impressionantes. No embrião em desenvolvimento, os sinais químicos fazem com que a pele se dobre e crie pregas, abaulamentos para dentro e mudanças de forma e função para formar as células nervosas. Como pequenos narizes, seguem ocupados, em busca de aromas específicos produzidos a partir de músculos alvos. Crescendo rapidamente na direção de onde emana perfume, finalmente atingem a meta que procuram. Uma mensagem eletroquímica é enviada ao longo do axônio do nervo, de volta para o cérebro em desenvolvimento, moldando a divisão celular em nova arquitetura orgânica. Células nervosas que não conseguem fazer a conexão apropriada, murcham e morrem uma morte pré-programada, acionada por antigos interruptores químicos na linguagem interna da célula. Mais complexa do que todas as centrais telefônicas e redes de computadores do planeta, a estrutura de auto-organização de cada cérebro humano individual, com as suas capacidades milagrosas para processar a informação, é apenas um dos produtos mais recentes da química inteligente de ‘música de sangue’ da Terra. Abaixo da consciência, os aromas químicos viajam pelas sinapses do cérebro, levando mensagens específicas para ser transmitidas amplamente ou sussurram secretamente para as células vizinhas. Estes neurotransmissores são arrastados para a corrente sanguínea, para viajar para outras partes do corpo. O sistema endócrino complexo de órgãos especializados modula tudo, de nossa sexualidade à nossa digestão, liberando a nossa energia para a atividade extenuante, ou desligam sistemas periféricos não exigidos no momento.Os agentes químicos aparecem novamente na linfa do vasto sistema de comunicação imunológico, onde os sinais de reconhecer, como a colônia de formigas entre ‘nós’ de ‘não nós’, o eu e o outro. Por muito tempo, os nossos cientistas têm usado metáforas militares descrevendo as ‘defesas’ criadas pelos nossos ‘anticorpos’, mas alguns suspeitam que um ‘sistema de comunicação’ seria a melhor maneira de descrevê-lo. ‘Infecção’ aqui se assemelha a uma ‘falha de comunicação’, que pode ser explorada para fins próprios do agente viral ou bacteriano. Mas as capacidades de aprendizagem da orquestra de ‘música de sangue’ parecem milagrosas, e na maioria dos casos, a harmonia interna pode ser reestabelecida. Se não, os fenóis e esteroides secretados pela pele passam despercebidos aos narizes de nossos vizinhos por formas que nós estamos apenas começando a descobrir, levando mensagens da inteligência mais vasta da qual somos parte.Um odor corporal desagradável ou sinais de mau hálito indicam que a condição física e mental do portador está sob estresse, e nem tudo está bem. Odores corporais desagradáveis são repulsivos e, no mundo natural, alertam a quem os detectar que nem tudo está como deveria estar para o portador infeliz de notícias químicas tão más. Mas há muito mais sinais químicos que passam entre nós o tempo todo, dos quais somos totalmente inconscientes. Por exemplo, a pesquisa mostrou que os seres humanos podem conscientemente distinguir entre 10.000 e 100.000 odores específicos, e trabalhos recentes sugerem que a nossa discriminação olfativa é muito mais vasta do que pensamos, pois os nervos do nariz viagem às mais profundas partes subconscientes de nosso cérebro, e não podemos mesmo estar cientes que estamos recebendo sinais químicos em grande parte do tempo. As androsteronas masculinas são dificilmente detectáveis conscientemente, mas quando pulverizadas em uma cadeira específica na sala de espera de um dentista, irão atrair pacientes mulheres para sentar o mais próximo possível, como borboletas ao redor de uma chama de vela. Equivalentes femininos levam os homens a encontrar as mulheres mais atraentes em torno do momento da ovulação. Semelhantes mensageiros químicos (neuropeptídios) correlacionam os ciclos menstruais das mulheres que vivem na proximidade nos dormitórios, e em circunstâncias naturais, com as fases da Lua. Estes produtos químicos, ou feromônios, são espalhados a partir da linha do cabelo, dos cantos dos olhos, nariz e boca, por trás das orelhas, ao longo da base do pescoço, ao redor dos poços do antebraço, seios, a partir da virilha e atrás dos joelhos. Estão estreitamente associados com os gânglios linfáticos e, portanto, fazem parte do sistema externo que nos une socialmente no corpo da Terra e nos manipula psicologicamente, ligando a linfa, sistema endócrino, imunológico e neurotransmissores em uma vasta teia química de mensagens interagindo incessantemente. Em comparação, as sutilezas da nossa língua falada são rudes e grosseiras quando comparadas com a precisão e exatidão da sintaxe e gramática química que nos rodeia.A ‘Música de sangue’ é um bom nome para esta sinfonia química que nos rodeia. Com muito mais instrumentos que qualquer orquestra sinfônica, ou mais vozes do que até mesmo o maior coro, nossos corpos continuamente ‘cantam’, e ouviríamos se tivéssemos ouvidos para tanto. A música começa antes do nascimento, na sinalização entre o espermatozoide e o óvulo, e a música continua após a morte, com a continuidade do crescimento do cabelo e unhas. Mas a nossa canção não é uma melodia solitária. Como vimos acima, a nossa sinfonia química é apenas uma parte de um minuto de um refrão muito maior com múltiplas vozes, espalhado em torno de nós em todo o mundo. Na morte, as palavras químicas sinalizam para as bactérias que vivem sobre e dentro de nós que o anfitrião deixou de manter sua estrutura interna intacta, e elas mudam para novas formas, rapidamente se reproduzindo em processo preparatório para a difusão para outro lugar. Uma vez tendo auxiliado no processo de digestão do alimento fornecido pelo seu anfitrião, agora descobrem que seu anfitrião é uma última fonte de alimento, e assim os componentes químicos do nosso corpo são recicladas mais uma vez para a mais antiga inteligência do planeta vivo. Enriquecendo os solos e alimentando vastas e incontáveis hostes, a nossa morte não é um fim, mas é de fato um novo começo, uma abertura de possibilidade e de uma criação de espaço para outros que ainda virão. A canção se adapta, evolui e assim continua. Apenas os cantores mudaram.

Page 88: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Esses canais de comunicação fazem parte de uma rede de linguagem que se estende para fora e entre todos nós, criando, difundindo e transmitindo novas informações. O fluxo de energia, informação e laços materiais nesta vasta teia de vida. Alguma desta informação é codificada, destinada apenas aos ouvidos de um ouvinte químico específico. Outras informações são amplamente difundidas, destinadas a ser ouvidas por todos ao alcance da voz química. Algumas informações degradam rapidamente após serem ouvidas uma única vez, como se fossem uma mensagem secreta escrita em um pedaço de papel que pega fogo espontaneamente a seguir. Outras mensagens podem viajar em torno do planeta, passando melodias necessárias para cantores em outros continentes. Além de auxiliar na propagação de mensagens, algumas substâncias químicas também atuam para bloquear ou distorcer o sinal de outras. Desarmonias locais encontram resolução dentro do corpo maior da Terra. A complexidade dos produtos químicos de bloqueio, apesar de filtrados através de membranas de alguns dos vários órgãos ‘vivos’ de Gaia que discutimos, são rejeitados ou destruídos por outros, em uma rede complexa integrada que reconhece somente o limite de topo da atmosfera e as mais profundas rochas abaixo da superfície. A descoberta recente de nanobes em amostras de rocha que tinham sido recuperados de 3 a 5 km abaixo do leito do oceano sugerem que esta linguagem química inteligente pode mesmo ser geológica além de biológica. Nessas profundidades, a pressão é cerca de 2.000 vezes maior do que a atmosfera ao nível do mar, e as temperaturas variam entre 115 a 170 graus Celsius.Infelizmente, a Sociedade de Crescimento Industrial internacional é cega para a realidade de ‘música de sangue’. Um por um, a disseminação da cultura de consumo de massas e do seu sistema ético antropocêntrico hierárquico causa o desmantelamento dos ‘órgãos vivos’ da Terra de que a ‘música de sangue’ depende. Nossa tarefa, se não estamos a perecer, é reconstruir e aprender a viver dentro destes sistemas naturais da Terra.Foram os caçadores-coletores aborígenes australianos que primeiro viram a natureza como uma série de interseções de ‘linhas de canção’. Para eles, o processo de maturidade veio com uma maior consciência, uma maior capacidade, para reconhecer a melodia e a letra da música que era deles, a melodia e as frases que emanam do país que lhes pertence, do qual eles eram apenas guardiões temporários.Nós, do Ocidente, só agora estamos começando a recuperar a consciência de que somos apenas uma pequena parte de algo muito maior e muito mais sábio do que nós, que somos parte dessa inteligência planetária de Gaia que faz com que nossos próprios entendimentos sejam insignificantemente minúsculos quando comparados com os seus vastos saberes. Estamos lenta e dolorosamente recuperando a sabedoria da ‘música de sangue’, uma sabedoria que começou a cantar com a vida há mais de quatro bilhões de anos atrás, com a reprodução da primeira célula viva. A música continua ao redor e através de nós.Apesar dos melhores esforços da ciência reducionista para hierarquicamente separar-nos e dos neoconservadores da economia para ensurdecer-nos para as suas músicas, da tecnologia para subjugar a nossa vontade, estes irão falhar. Vamos deixar que aconteça, porque somos apenas uma parte muito recente da ‘música de sangue’, e por sua vez esta é uma parte antiga de nós. Esperemos que a nossa cegueira à sua beleza será apenas uma cegueira temporária. Como temos pressa em realizar nossas tarefas diárias, nós, no Ocidente, continuamos a negar esta realidade. Encerramos nossos corpos em roupas, sabonetes e aromas estranhos, e nossas mentes em nossa armadura mental, para evitar que as mensagens de nosso medo, solidão ou tristeza diária nos desviem para fora dos grandes sistemas sociais dos quais fazemos parte.A ‘música de sangue’ não pode ser negada. Os nossos níveis de estresse são uma causa de dis-vontade, e esse desequilíbrio sempre interfere com a linguagem química circulando dentro de nossos corpos. Não é de estranhar que as duas grandes doenças da nossa era – o câncer e as doenças autoimunes – são doenças sinalizando o colapso da comunicação química entre os pontos de nossos corpos. Como nós desequilibramos o ecossistema planetário externo, por meio de venenos bioquímicos, pesticidas e outras toxinas, não é de se estranhar que os nossos ecossistemas internos também estejam se desdobrando.A música deve continuar, e se bloquearmos seu caminho, se buscarmos cegueira sobre a visão e surdez sobre a capacidade de ouvir, nós também estaremos sinalizando que somos um impedimento. O canto de ‘música de sangue’ do planeta rejeitou cantores antes, na verdade os cientistas estimam que mais de 99% de todas as espécies que já existiram estão hoje extintas. Extinção em circunstâncias naturais é apenas uma forma da canção de reciclagem de alguns dos componentes e de colocar seus corpos para outros usos. Através da ‘música de sangue’, a vida de nossos corpos não para na nossa pele, mas se infiltra em limos e sinaliza o tempo todo. Assim como formigas em uma colônia são indivíduos e partes de um superorganismo, da mesma forma é conosco, seres humanos. Por pelo menos 100 milhões de anos não temos informações armazenadas individualmente, mas socialmente. Nós primatas somos criaturas sociais. O conhecimento que nos permite sobreviver é saber que pertencemos a um grupo maior do que nós mesmos. É surpreendente notar que a cultura industrial moderna, que se orgulha de colocar o individualismo acima e além de qualquer coletivo, é a mesma cultura em que os indivíduos são mais dependentes do funcionamento azeitado da maior coletividade que o planeta já viu. É uma pena que esta coletividade tem procurado obter hierarquicamente o controle mestre da natureza, ao invés de tentar aprender formas para viver em maior harmonia dentro da natureza. Tal ignorância sempre se revela fatal, já que tem similaridade com as culturas e civilizações passadas que se orgulhavam de sua ignorância ecológica, ao invés de sua sabedoria

Page 89: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

ecológica. Elas também morreram e desapareceram, como acontecerá conosco, também, a menos que urgentemente aprendamos a sabedoria não hierárquica da ‘música de sangue’ e comecemos a cantar em harmonia outra vez.Ao olhar para o passado, nas aulas de ecologia do planeta Terra, encontramos um antídoto para os sistemas hierárquicos antropocêntricos que nos acompanham desde os gregos. Visto a partir da perspectiva de ‘música de sangue’, a vida humana não é superior à do cão, da árvore, do solo, ou mesmo do vento ou água. A ascensão hierárquica aristotélica da Grande Cadeia do Ser pode agora ser finalmente deixada descansar. Temos a possibilidade de um sistema ético baseado, não em um sistema de superior e subordinado, mas no respeito recíproco e interdependência. A saúde, nesta realidade, não pode ser reduzida pela separação das suas partes, mas envolve a saúde de todo o sistema. Uma tentativa de manter a saúde individual, que prejudique o sistema como um todo, não pode continuar por muito tempo.A construção de uma ética em tal sistema é muito mais dependente de contexto e consequências. Tem que se relacionar ao campo. Não pode ser sobre a adesão a abstrações atemporais, porque elas também evoluem. A flexibilidade e a adaptabilidade, portanto, são mais importantes, pois permitem lidar melhor com a mudança do que tentativas de controle uniforme. Ao invés de buscar conformidade, exclusividade e obediência, é preciso haver um sistema que seja íntimo, participativo e inclusivo. O valor deve ser determinado não por alguma medida externa ou padrão, mas pela qualidade de comunicação e relacionamento. Na biologia de entrelaçamento da ‘música de sangue’, encontramos finalmente a base para uma ética que promova uma igualdade mútua em nossa singularidade, que se desdobra incessantemente. Como prega o Samyutta Nikaya Vina (alaúde) Sutta da Cânone Budista Pali:"Nós que olhamos para o todo e não apenas a parte, sabemos que também somos sistemas de interdependência, de sentimentos, percepções, pensamentos e consciência, todos interligados. Investigando, desta forma, chegamos a perceber que não há eu ou meu em qualquer parte, assim como um som não pertence a qualquer parte do alaúde".A ‘música de sangue’ nos dá uma maneira alternativa de ver o mundo, um meio de reconhecer a forma como o planeta se auto-organiza como uma entidade viva, não como uma hierarquia de autoridade, mas como redes de comunicação e capacidade de resposta, redes que ligam fluxos vastos e incessantes de informação. Se é verdade que a nossa tão alardeada inteligência humana é realmente apenas uma parte muito recente de uma inteligência muito maior e muito mais antiga, e se, como já afirmado, tendemos a modelar nossas organizações humanas sob a forma como vemos a nós mesmos e o mundo, então as cooperativas não hierárquicas baseadas em sistemas de ‘música de sangue’ nos fornecem melhores modelos conceituais sobre os quais construir organizações humanas que estão em harmonia com as realidades ecológicos de que fazemos parte. O futuro da humanidade claramente deve ser trabalhar em harmonia com a ‘música de sangue’ de que nós, nossas mentes e corpos, são uma parte. Mas como é que vamos trabalhar em maior harmonia com os processos de Gaia? É a esta que agora devemos voltar, mas antes, há uma melhor forma de examinar a natureza da consciência humana do que temos considerado até agora? Pode ser que não exista, mas primeiro precisamos analisar um pouco mais a natureza humana.GAIA COMO UM MOVIMENTODada a atual ignorância sobre a sabedoria de Gaia, e o fato de que o consumismo corporativo equipara progresso a transformar a vida do planeta em dinheiro, ignorando tanto as fontes finitas de sua riqueza e a sua limitada capacidade de se desintoxicar de resíduos, esta é uma cultura que Lovelock recentemente reforçou que, a partir das tendências atuais, não irá sobreviver muito mais.Se não queremos desaparecer, precisamos nos engajar em um projeto de transição de escala planetária, a criação de uma Grande Virada, longe da Civilização de Crescimento Industrial consumista para uma futura Cultura de Sustentação da Vida. Desta forma, a Teoria de Gaia, ou melhor, com mais precisão, a Ciência de Gaia, é agora reconhecida como uma parte importante daquilo que tem sido chamado de ‘Movimento da Ecologia Profunda’.Arne Naess35, filósofo e ativista ambiental norueguês, foi o primeiro a falar de Ecologia Profunda, em 1973. Ele também falou da transpessoal ‘ampla identificação com o mundo mais do que humano’.Aldo Leopold36, um perito em engenharia florestal e vida selvagem, começou a falar de uma ‘ética da Terra’ na década de 1940, ressaltando também a necessidade de começar a ‘Pensar como uma Montanha’, quando ele viu grande a faísca de vida que ligava a luz nos olhos de um lobo morrendo com o mundo em que vivia. David Thoreau tinha feito sugestões semelhantes, quando ele estava vivendo em Walden Pond, no século XIX.Thoreau, Leopold e Naess sugeriram que os seres humanos também precisam respeitar os sistemas maiores dos quais Lovelock e Margulis mostraram que todos nós somos parte indissolúvel. Como não podemos nos separar dos processos metabólicos que mantêm nosso ar respirável, as nossas águas potáveis e os nossos solos férteis. O que fazemos à Terra, nós finalmente faremos a nós mesmos. Nós não somos ‘coisas’ separadas, na verdade somos apenas nós temporários neste processo planetário de fluxo.Fazer ciência na ausência de tal identificação e participação dentro do Anima Mundi, a Alma da Terra, ao que parece torna a Ciência em um mecanismo sem alma, seco e sem vida, e, possivelmente, trará como resultado cometermos um suicídio ecológico, que extingue e suga a alma do corpo vivo que está sendo estudado.

Page 90: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Como a vivissecção, a dissecção de tecidos vivos primeiro mata o que está tentando estudar. Mas olhando para a verdadeira natureza da criatividade científica, vemos que essa nunca foi a única, nem mesmo a melhor Ciência já feita. A Ciência verdadeiramente grande sempre está em contato com os mistérios finais da existência, a consciência como Newton disse que estamos “em uma praia infinita explorando algumas conchas de pequeno interesse, enquanto à nossa volta batem os vagalhões dos poderosos oceanos desconhecidos”.Para recuperar uma Ciência viva e não suicida, precisamos reanima-la com esta alma antiga, um projeto planetário com poesia, animação e alegria de nossa plena participação e com vida. Todo o trabalho que o mundo faz para manter a vida não é feito com base nos motivos econômicos estéreis de estreitos e limitados cálculos de custo-benefício, que parecem ter se tornado a forma dominante de descrever o ‘comportamento econômico racional’ para nós, seres humanos. Cada vida humana que compartilhamos dessa maneira é um dom que precisa ser comemorado, é o ‘almoço grátis’ final. A vida não é uma economia de mercado, mas uma economia de troca, em que nunca somos plenamente capazes de compreender a riqueza do que nos foi dada.Este é o desafio que enfrentamos, um desafio para se engajar no que tem sido chamado de ‘A Grande Obra’, a ‘Grande Virada’, a ‘Grande Religação’, ou o ‘Trabalho que Reconecta’. Nós, seres humanos, precisamos reduzir o nosso consumo, para encontrar formas de viver mais uma vez em plena harmonia dentro do corpo vivo do qual somos uma parte indivisível, para nossa própria sobrevivência.Não é mais suficiente salvar uma floresta amazônica da destruição, ou uma única espécie da extinção, ou impedir a contaminação da água e do ar em alguma cidade do Terceiro Mundo. Essas ações fragmentadas, embora importantes, só poupam um pouco de tempo. Um tempo para o trabalho de construir uma ponte cultural para entrar no que tem sido chamado de Era Solar ou Ecozóica.Como isso pode ocorrer? De certo modo, já está acontecendo. Gaia Trust, operando a partir da Dinamarca, o trabalho de Ross e Jackson Hildur, tem sido fundamental em ajudar a formação de uma Rede Global de Ecovilas, com filiais nas Américas, Ásia e Oceania, Europa e, agora, África e Oriente Médio. Também tem sido fundamental na criação da Universidade Gaia, com sede nos EUA, mas operando em todo o mundo. A Fundação Gaia, com sede em Londres, tem tomado parte em muitos projetos, especialmente em associação com grupos como o MovimentoGreenbelt Africano liderado pelo recentemente falecido prêmio Nobel Wangari Matthai. Fundações Gaia são encontradas em todo o mundo, organizações de destaque no Brasil e no Chile. Educação Gaia, defendendo a propagação do Movimento de Transição está ajudando a sua disseminação através Educação de  Design de Ecovilas, que está se espalhando rapidamente por toda a África e agora na Índia.Esses movimentos nos mostram que, paradoxalmente, a resposta é muito simples. Se, por exemplo, como resultado daDragon Dreaming, você estiver inspirado e com poderes para alterar o seu estilo de vida para viver em harmonia com a Terra, é um começo enorme. Se você puder, com um amigo, colega de trabalho ou familiar, ao longo de uma semana, levá-los também para compreender a natureza de Gaia e fazer a mudança, é o próximo passo. Se, ao longo dessa semana, essa pessoa também, desenvolver a habilidade de compartilhar o que aprenderam uns com os outros, trabalhando com uma nova pessoa por dia, temos a terceira e última etapa no lugar. Isso é tudo que precisamos para construir uma sociedade justa, pacífica, sustentável e democrática para todos nós, e para os nossos primos sem patas, com quatro patas, muitas patas, asas, raízes e nadadeiras, os ‘mais do que os seres humanos’ com quem partilhamos este mundo. Porque, se conseguirmos atingir essa disseminação de um estilo de vida sustentável, hoje poderia haver dois como você, amanhã, quando o seu co-conspirador trabalhar com outra pessoa e você repetir o que você aprendeu com outra, haverá quatro como você. Na próxima semana podem haver oito, depois 16, 32, 64. Se o poder da duplicação continuar, portanto, em apenas 33 semanas você terá mudado a vida de todo homem, mulher e criança no planeta. A primeira pessoa trabalhando apenas com 33 pessoas, em pouco mais de oito meses poderia mudar e curar o mundo para sempre.Este é o poder e a promessa do movimento internacional profundamente ecológico e de longo alcance de Gaia em que Dragon Dreaming é baseado. É um movimento que já está saltando fronteiras internacionais, detendo práticas destrutivas e incentivando a construção de novas tecnologias verdes sustentáveis, sistemas econômicos e estruturas sociais, e reprogramando a consciência humana para retomar às suas responsabilidades para viver em harmonia com tudo o que é vivo.Parece que não só a cura da situação planetária da nossa existência cancerosa presente requerer tal mobilização pessoal e coletiva, mas, paradoxalmente, as novas tecnologias, os novos movimentos e a proliferação de organizações e projetos comunitários estão fazendo tal mobilização cada vez mais possível.Ao contrário de outras mudanças revolucionárias anteriores na história humana, este movimento de Gaia exige de todos nós, trabalhando juntos para fazer a mudança. Ele também nos obriga a liberar o nosso potencial humano enterrado em uma escala nunca antes tentada. Isso não pode ocorrer apenas em uma parte do mundo, como as perturbações que poderiam produzir seriam quase tão catastróficas como a extinção da própria vida humana. Somos todos parte deste ser vivo. Esta tem de se tornar a fonte de nossa verdadeira globalização, não a paródia superficial ocorrendo em nome do corporativismo planetário ou da economia de livre mercado. Não só esta mudança vai nos levar a todos, ela também vai nos exigir o uso de todas as nossas habilidades e capacidades

Page 91: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

potenciais, incluindo as competências e habilidades que não foram ainda suficientemente desenvolvidas. Levará a todos2. Enfrentar o desafio inspirador e fortalecedor da Grande Obra vai levar a nós todos e tudo de melhor que há em cada um de nós.CONCLUSÃOGaia era um mito de povos antigos e indígenas em que a Terra estava viva, e as existências de humanos e não humanos eram profundamente interligados. Gaia tornou-se então uma metáfora, substituindo uma ‘cadeia de seres’ com os humanos na ‘teia da vida’, onde nós, os seres humanos, somos apenas uma vertente. Muitas pessoas também estão cada vez mais conscientes de Gaia, o modelo científico de James Lovelock e Lynn Margulis da Terra como um sistema auto organizado energizado pelo Sol. Hoje Gaia é também um movimento internacional de pessoas que trabalham para eliminar as características cancerígenas da sociedade de Crescimento Industrial, e para facilitar a Grande Virada para propiciar uma civilização de Vida Sustentável na Terra. É importante para nós, as pessoas envolvidas nesta grande obra, nos familiarizarmos com os meandros do mito, da metáfora, do modelo e do movimento. Podemos então tirar força do fato de que não somos impotentes, indivíduos separados, mas parte da tentativa do próprio mundo para curar o relacionamento danificado com sua parte humana.Desde o início da história, a ‘ideia de Gaia’ nos deu uma importante forma de combater a tendência inerente da civilização para destruir a importante conexão entre os seres humanos e o mundo natural do qual fazem parte. Para culturas que são ecologicamente sustentáveis, a realidade de Gaia é abrangente, mas também ela é tão invisível como a água para um peixe. Por exemplo, como o Sioux Lakota, Black Elk (Alce Negro), disse:"Então eu estava de pé sobre a montanha mais alta de todas, e ao redor, abaixo de mim, estava o aro do mundo inteiro. E enquanto eu estava lá, vi mais do que eu posso dizer e compreender mais do que eu vi. Pois eu estava vendo de uma maneira sagrada as formas de todas as coisas do espírito, e a forma de todas as formas como elas devem viver juntas como um só ser. E eu digo o arco sagrado do meu povo foi um dos muitos arcos que fizeram um círculo, amplo como a luz do dia e como a luz das estrelas, e no centro cresceu uma poderosa árvore florida para abrigar todos os filhos de uma mãe e um pai. E eu vi que ela era santa...”“Mas qualquer lugar é o centro do mundo”.Em última análise, Gaia é uma tentativa de recapturar esse sentimento de plenitude compartilhado por Black Elk, de que estamos sempre e em realidade conectados. Ela tem o poder de curar o nosso senso de quebrantamento, a nossa sensação de estar tudo partido e separado do mundo natural, uma separação que parece ser um resultado automático da ‘natureza’ da nossa civilização predatória.Então, por que a visão de Gaia é tão importante para o “Movimento Ecológico Profundo de Longo Alcance”? Gaia procura, simplesmente, nos salvar de nós mesmos, expandindo nossa identificação – nosso senso de “eu egoísta separado”, além da comunidade e Estado-nação, além até mesmo da humanidade – para toda a biosfera – a um sentimento de “rede interconectada eco-ser” de Gaia. O que ela mostra é que não estamos sozinhos nas mudanças que pretendemos fazer. À medida que curamos a nós mesmos, trabalhamos em harmonia com mais de quatro bilhões de anos de evolução biológica. Podemos sentir a imensa força destas ligações.Esta cura é urgentemente necessária. Peter Vitousek, em 1986, mostrou como quase 40% da produção anual líquida de material orgânico primário são capturadas pelos seres humanos. Depois de apenas uma única duplicação da população do mundo (por exemplo, em 40 anos), usaremos entre 80% e 100%, levando a uma extinção planetária verdadeiramente maciça. A análise da Pegada Ecológica pelo Dr. W. Rees e Dr. M. Wackernagel mostra que são necessários 1,8 hectares de terra para manter os atuais níveis médios mundiais de consumo (8 a 9 hectares na Austrália), que, quando multiplicado por população mundial atual trata de uma superfície terrestre igual a 1,3 planetas! Como resultado, estima-se que 103 espécies são extintas por dia, 37.500 por ano, uma perda que levará 10 milhões de anos para reparar. Esses estudos indicam que hoje sete bilhões de seres humanos, nos níveis atuais de consumo, representam quase o dobro do que é possível para Gaia se manter como um ambiente adequado para formas de vida complexas. O Índice Planeta Vivo, da União Internacional da Conservação da Natureza, hoje representa 70% dos valores na década de 1960.22 Captação EmpoderadaCategoria pai: MétodosCategoria: Fichas TécnicasCaptação Empoderada de Recursos:generosidade radical – o poder da filantropia para mudar o mundoPor John Croft e Dot Greenatualizado em 16/05/2012Título original: Fact Sheet Number #22 – EMPOWERED FUNDRAISINGTradução: Dionizio Bueno (Agosto de 2012). 

Page 92: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

RESUMO: A busca pelo dinheiro é a fonte de todo o mal, dizia Jesus. Em nosso mundo moderno, o dinheiro que usamos é o que mais traz danos ao mundo, mas a reconstrução de uma economia de dádivas pode levar à grande cura.Introdução à desmistificação do dinheiroA captação empoderada de recursos é uma parte muito importante do método Dragon Dreaming. Ao conduzir as oficinas de Dragon Dreaming, eu sempre percebo que as pessoas têm grandes dificuldades na distribuição de tarefas de seus projetos no que diz respeito à captação de recursos. As pessoas têm resistência a assumir tarefas deste tipo e também as tarefas relacionadas com o orçamento, como se tivessem medo de assumi-las. É como se todos nós tivéssemos profundas feridas relacionadas ao dinheiro e à sua função em nossas comunidades, e essas feridas viessem à tona quando estamos lidando com a captação de recursos. A captação empoderada de recursos é uma técnica voltada para transformar a nossa relação com o dinheiro e tratar da profunda ferida que nossa cultura tem a respeito desse tema. Ao tratar dessa ferida, a captação empoderada de recursos cria oportunidades para que as pessoas se envolvam com sua grandeza e generosidade, ao mesmo tempo conectando-se à grandeza e generosidade dos outros. Essa abordagem é bem diferente da relação que temos com o dinheiro e com a captação de recursos atualmente.Nossa relação com o dinheiro atualmente é, sem dúvida, fonte de uma grande ferida para a maioria de nós. É o que aliena as pessoas de sua própria habilidade de criar algo de real valor – um futuro sustentável que funcione para todos – e dessa forma aliena as pessoas das próprias fontes profundas de criatividade. A captação empoderada de recursos, nas palavras de Lynne Twist, visa “inspirar, educar e empoderar você para que realinhe a aquisição e a alocação de recursos financeiros de acordo com seus mais profundos valores”.[i] A abordagem tem a preocupação de oferecer programas e meios para que sua relação com dinheiro deixe de ser de dependência, confusão e desempoderamento e passe a ser de liberdade, significado e cooperação.Estudo de caso 1: o Projeto Peregrinação – a história de como descobrimos a captação empoderada de recursosEm 1996, Joanna Macy veio à Austrália Ocidental para conduzir uma oficina para a Fundação Gaia e público em geral. Nessa ocasião ela nos contou a trágica história da cidade russa de Novozybkov, cujos habitantes foram sacrificados pelas autoridades para evitar que a radioatividade de Chernobyl chegasse até Moscou. Ela também compartilhou a dança Elm, muito apreciada naquela cidade, e que Joanna Macy tem divulgado pelo mundo desde então.A história de Novozybkov nos impressionou muito, e então 5 pessoas da oficina se juntaram para criar um projeto especial, parcialmente inspirado na peregrinação Sacred Fire (Fogo Sagrado) que aconteceu no Reino Unido. Naquela época, o governo australiano, o Banco ANZ e uma grande empresa de mineração estavam projetando uma mina de urânio em Jabiluka, contra a vontade da população local e dentro de território aborígine e do Parque Nacional Kakadu, considerado patrimônio mundial.Decidimos trazer à Austrália Ocidental duas pessoas de Novozybkov, um homem e uma mulher, para conduzir uma peregrinação de 55 dias pelo país e visitando 6 das 7 principais capitais e todas as minas de urânio, informando e explicando às pessoas sobre a natureza destruidora e ridícula da indústria do urânio. Para organizar esse projeto, decidimos partir em 6 de agosto de 1997, dia do 42º aniversário da bomba de Hiroshima, chamando atenção para o fato que o único uso dos resíduos da indústria do urânio é a construção de armas nucleares. Tínhamos uma tocha, acesa com o fogo que é mantido aceso em Hiroshima. Levamos também um cinegrafista e um jornalista. Contando o aluguel do ônibus e o equipamento de camping, o custo do projeto seria da ordem de 100.000 dólares australianos. Tínhamos 10 semanas para captar o dinheiro.Como fazer isso? O Partido Verde da Austrália Ocidental, particularmente o senador Dee Margetts, foi muito solícito e nos forneceu um cadastro com 5.000 nomes. Escrevemos e enviamos cartas pedindo apoio. Em duas semanas, conseguimos apenas $400. Restavam ainda 8 semanas. Nessa altura, o grupo organizador tinha aumentado para 12 pessoas. Estava claro que era necessário um novo paradigma de captação de recursos, ou o projeto daria um enorme prejuízo.Tínhamos um amigo australiano, Cathy Burke, um captador de recursos profissional que havia trabalhado com o projeto  The Hunger por vários anos. Esse projeto captava milhões de dólares por ano para apoiar projetos de mulheres em países do Terceiro Mundo para lidar com a fome. Cathy nos ofereceu um treinamento diferente. Dos 12 integrantes do grupo, apenas 4 vieram à primeira oficina. Isso gerou um grande problema e até algum conflito em nosso grupo, pois muitos queriam continuar tentando a captação de recursos convencional: vender bolo e organizar rifas. Se continuássemos assim, com rifas, vendas de doces ou bazares beneficentes, acabaríamos milhares de dólares aquém do nosso objetivo. Naquela época eu estive envolvido com outro caso de captação empoderada de recursos na cidade de Katanning, na Austrália Ocidental, e lá conheci um sistema diferente de captar recursos que mobilizava toda a comunidade para que os doadores dessem sua contribuição filantrópica diretamente.Organizamos uma segunda oficina e 8 pessoas compareceram. Uma terceira oficina, em que também comemoramos o aniversário de Vivienne Elanta, conseguiu reunir os 12 membros do grupo, e nas semanas seguintes do projeto nós conseguimos captar os recursos.Estamos todos conectados em redes invisíveis de amigos e conhecidos que ajudam a definir quem somos. Esses amigos são centros de outras redes que chegam rapidamente aos milhões e centenas de milhões. Algumas pessoas são nós e pontos de contato de grandes redes de informação e interconexão. Outras estão ligadas através de relacionamentos menos numerosos, só que mais

Page 93: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

profundos. Para construir um mundo verdadeiramente sustentável será necessário mobilizar essas redes com o objetivo de modificar as políticas governamentais e as práticas empresariais. Temos que construir comunidades e ecossistemas benéficos à vida, dos quais precisaremos em nosso futuro. Cathy mostrou ao Projeto Peregrinação que através da mobilização dessas redes, com compromissos e propósitos em comum, nós conseguiríamos captar os recursos necessários ao projeto.Mas as velhas atitudes com relação ao dinheiro, baseadas na falta, escassez e insuficiência, tinham raízes profundas. Alguns se sentiram um pouco ameaçados pela nova abordagem e não participaram das duas primeiras oficinas de captação empoderada de recursos. Foi somente com a terceira oficina, uma imersão de dois dias, que todas as pessoas da equipe ficaram entusiasmadas com a nova abordagem. Estava criada a captação empoderada de recursos. Como resultado, em dez semanas nós conseguimos toda a verba necessária ao Projeto Peregrinação, lançado na catedral de Saint Georges, em Perth.A ferida relacionada ao dinheiroTradicionalmente nós temos uma “relação com dinheiro que, de maneira inconsciente e irrefletida, molda nossa experiência de vida e nossos sentimentos mais profundos sobre nós mesmos e sobre os outros”. Isso vem da maneira como usamos e criamos o dinheiro em nossas comunidades.Segundo os economistas, o dinheiro tem uma série de funções diferentes.Funções econômicas do dinheiroMedida de valor. O dinheiro é um meio pelo qual diferentes pessoas podem avaliar e chegar a um acordo sobre o valor de um bem ou serviço, da mesma maneira que polegadas ou centímetros são unidades de medida padronizadas. Para servir como medida de valor, o dinheiro deve ser divisível em unidades predeterminadas, ter valor reconhecível e ser contável. Como diz Lynne Twist, “costuma-se dar mais valor ao dinheiro do que à vida”. Por exemplo, as seguradoras colocam um valor na vida humana como se sua vida pudesse ser vendida e comprada.Meio de troca. Sendo um meio de facilitar as trocas, o dinheiro resolve o problema que haveria com a troca direta em situações em que não existe a “dupla coincidência de necessidades”. A troca direta acontece quando uma pessoa tem alguma coisa de que a outra precisa e esta tem algo para trocar que seja, consensualmente, de igual valor. Quando estas condições não ocorrem, a troca direta não pode acontecer. A economia define essas trocas como racionais, nas quais buscamos maximizar nossos benefícios e minimizar os custos, sem dever lealdade a ninguém ou nada além das obrigações contratuais estabelecidas no mercado. A neuroeconomia demonstra que essa abordagem gera desconfiança e estresse nocivo.Reserva de valor. Para que funcione como reserva de valor, o dinheiro deve ser poupado, armazenado e retirado sem grandes perdas. Porém isso pode incentivar a acumulação e, se o dinheiro não for reinvestido e sair de circulação, a escassez na comunidade aumenta.Além dessas funções econômicas e em parte como resultado delas e da maneira como é criado, o dinheiro tem também algumas funções políticas que nem sempre são mencionadas.Funções políticas do dinheiroForma de racionar o acesso a bens e serviços escassos. Muitos bens têm pouca oferta e portanto não podem ser disponíveis para todos. Ao racionar o acesso e torná-los disponíveis apenas para quem tem dinheiro, um sistema monetário pode garantir que apenas as pessoas com poder de compra suficiente tenham acesso a esses bens.Forma de ganhar dinheiro. Costuma-se dizer que a principal regra da economia é “quem tem o ouro dita as regras”. O crédito é uma quantia de dinheiro a ser paga no futuro e pode ser usado para comprar hoje bens e serviços que não serão usados para atender às necessidades imediatas de alguém, mas simplesmente como meios de ganhar ainda mais dinheiro. Dessa forma, aqueles que têm acesso ao crédito tendem a enriquecer mais rápido do que as pessoas sem acesso a ele.Meio de poder. Através do sistema de crédito, o dinheiro pode ser usado para aumentar a riqueza. Dessa forma, o dinheiro tem também uma função política, dando acesso diferenciado aos bens e serviços que proporcionam poder social, político e econômico em uma comunidade. Fiat money[1] é o dinheiro criado a partir do nada e declarado como válido por um governo ou banco central. O Fiat money pode estar sujeito a inflação, desequilibra a circulação de bens e serviços e pode reduzir o poder de alguns enquanto aumenta o de outros.Um exame mais detalhado dessas diferentes funções do dinheiro em uma comunidade demonstra que nem todas essas funções são estritamente compatíveis entre si e que, na verdade, algumas funções são contraditórias. Essas contradições mistificam a natureza do dinheiro, e isso não é fácil de entender. Assim, sendo o dinheiro um meio de racionar o acesso a bens e serviços, a tendência é que os recursos financeiros sejam alocados para atender às luxuosas “necessidades” daqueles com maior poder de compra em vez de atender às necessidades reais de “subsistência” dos setores mais pobres de uma comunidade. A forma como o milho vem sendo atualmente usado para produção de biocombustível e não para alimentar pessoas no Terceiro Mundo é um exemplo disso.Outro exemplo vem do dinheiro como reserva de valor. Como o dinheiro pode ser usado como meio para se ganhar mais dinheiro, o capital tende a se afastar das comunidades em que há restrições a isso. Nesses casos, o uso do dinheiro como meio de troca ou como

Page 94: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

medida de valor acaba prejudicado, pois ele flui em direção às comunidades em que existe grande facilidade em se ganhar dinheiro. A escassez de dinheiro naquelas comunidades não se deve necessariamente à falta de habilidades, de recursos ou de demanda local para bens e serviços – é possível que seja resultado simplesmente da própria escassez de dinheiro. Essa escassez pode levar as pessoas a buscar dinheiro de maneiras inapropriadas, recorrendo a atividades ilegais ou prostituição. Por exemplo, o ditado popular “quem toca a flauta escolhe a música” é diretamente relevante para as organizações comunitárias ou ambientalistas. Quando tais organizações dependem de empresas ou do governo, fica sensivelmente limitada a possibilidade de atuarem junto a estas últimas sem que haja interferência direta em sua viabilidade econômica.Essa confusão de funções também está relacionada à “criação de dinheiro”. O dinheiro que usamos atualmente é criado através de reservas bancárias fracionárias. O dinheiro é “criado” através de empréstimos dados pelos bancos, injetando “dinheiro novo” na economia. Assim, enquanto o valor principal do empréstimo pode muito bem ser criado, o valor dos juros sobre aquele empréstimo se torna uma demanda futura, associada à devolução. Dessa forma, o emprestador aposta na possibilidade de receber uma quantia maior de dinheiro que a inicialmente emprestada. Como somente o valor principal é imediatamente criado passa a ser necessário que haja crescimento econômico e injeção de ainda mais dinheiro, e caso isso não aconteça haverá falência generalizada. Essa situação gera insegurança, já que a oferta de dinheiro é sempre percebida como escassa. O resultado disso é que nas “sociedades monetárias” o dinheiro acaba sendo um dos elementos centrais de nossas vidas, pois “todo mundo quer dinheiro, e praticamente qualquer um de nós vive preocupado, até mesmo com medo de não ter ou não conseguir juntar o suficiente... Muitas pessoas têm, assumidamente, a acumulação de dinheiro como o principal objetivo na vida. Não importa quanto dinheiro temos ou não temos, estamos sempre preocupados se temos ou teremos o suficiente”.[ii]Como diz Lynne Twist em seu livro The Soul of Money (A alma do dinheiro), essas características têm um estranho efeito. “Vivemos a vida assistindo a uma eterna disputa entre nossos interesses materiais e o chamado de nossa alma. Quando estamos no domínio da alma, agimos com integridade. Somos profundos, generosos, tolerantes, corajosos e comprometidos. Reconhecemos o valor do amor e da amizade. Admiramos as pequenas coisas bem feitas. Vivemos momentos sublimes na presença da natureza e de sua beleza simples. Somos abertos, vulneráveis e afetuosos. Deixamo-nos levar, a generosidade é natural. Somos confiáveis e sabemos confiar, e nossa expressividade floresce. Sentimos paz interior, conscientes de que somos uma parte integral dentro de uma experiência superior e universal, algo maior do que nós.”“Quando entramos no domínio do dinheiro, parece haver uma desconexão daquela pessoa sensível que conhecíamos. É como se fôssemos de repente transportados para outro jogo, em que todas as regras são diferentes. Dominados pelo dinheiro, aquelas maravilhosas qualidades da nossa alma parecem estar menos disponíveis. Diminuímos. Corremos e lutamos para “pegar o que é nosso”. Vamos ficando mais egoístas, cobiçosos, fúteis, medrosos, controladores, às vezes confusos, culpados ou cheios de conflitos. Passamos a nos ver como vencedores ou perdedores, poderosos ou desamparados, deixamos que esses rótulos nos definam profundamente e de maneira imprecisa, como se riqueza e poder indicassem superioridade inata e a falta deles sugerisse falta de importância ou de potencial humano. Visões de possibilidades se dissolvem. Tornamo-nos desconfiados, suspeitando de tudo, querendo proteger nosso pequeno pedaço, desprotegidos e sem esperança. Às vezes nos sentimos forçados a nos comportar de maneira incompatível com nossos valores essenciais, incapazes de agir de maneira diferente”.[iii]O resultado é uma profunda cisão em nosso jeito de ser, em nosso comportamento e em nosso senso de caráter e integridade. Essa dicotomia, essa quebra em nossa verdade, não só nos confunde quanto à questão do dinheiro, mas também nos impede de integrar nossos mundos interior e exterior e ter uma experiência de totalidade em nossas vidas, o momento sublime em que nos sentimos em paz, nos sentimos um com a vida. Essa experiência silenciosa de totalidade está amplamente perdida em nossa cultura, atropelada pelo barulho e correria em torno do dinheiro. Esse vazio existe para todos nós – eu incluído – e está na essência das lutas mais difíceis das nossas vidas. Conforme diz Lynne Twist em seu vídeo, isso é sustentado por três poderosos mitos.O mito da escassez: não temos o suficiente (tempo, dinheiro, amor etc.) para atender às nossas necessidades.O mito de que mais é melhor: se pudermos ter mais (tempo, dinheiro, amor etc.), nossa situação será melhor.O mito de que as coisas são assim mesmo: não há alternativas possíveis.Em nome desses mitos do dinheiro, já fizemos (e continuamos fazendo) enormes danos à Terra. Destruímos florestas tropicais, represamos e dizimamos rios, esgotamos a pesca em oceanos, rios e lagos e envenenamos nosso solo com os poluentes químicos da indústria e da agricultura. Segregamos grupos inteiros da sociedade, confinando-os em cortiços e favelas; exploramos regiões e nações inteiras, forçando jovens a vender drogas ou seus próprios corpos por dinheiro. Usamos o dinheiro para gerar desigualdades milenares entre homens e mulheres e distorcer as expectativas e obrigações das pessoas em relação à busca pelo dinheiro. Muitos são preparados para desafiar e criticar qualquer outro aspecto da vida, mas poucos chegam a questionar o poder que o dinheiro tem de determinar o que vale e o que não vale a pena.Esse comportamento, que é motivado pela escassez de dinheiro, faz com que o discurso do crescimento pessoal fale em abundância. Mas abundância é apenas o reverso da escassez, portanto é tão negativa quanto, e não precisamos tê-la como objetivo. Falar em

Page 95: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

“suficiência” gera mais empoderamento. Como dizia Gandhi: “Há o suficiente no nosso planeta (acredite ou não) para que cada um de nós tenha uma vida saudável, produtiva e feliz. Não há o suficiente para um único ganancioso”. Desnecessário dizer que essa ganância é geralmente motivada pelo desejo de mais dinheiro. Suficiência é acreditar em nós mesmos, é um modo de vida mais simples, é focar naquilo que realmente temos na vida e apreciar em vez de passar por cima de tudo sem nem ver, tentando ter mais, e mais e ainda mais. Eis os grandes mitos da escassez: “não há o suficiente”, “mais é melhor” e “as coisas são assim mesmo”. Essas atitudes afetam todos nós, seja uma pessoa pobre que viva em condições precárias no Terceiro Mundo, seja um milionário presidente de uma grande corporação.Rever a nossa relação com o dinheiro é um passo importante para mudar de uma economia industrial da escassez (baseada no crescimento contínuo do consumismo e do lixo) para uma economia da suficiência (baseada naquilo que é suficiente para todos os seres, humanos ou não, e que gere aumento da resiliência para as comunidades e ambientes). Essa é a tarefa central de nossa época. A captação empoderada de recursos ajuda nesse processo.As sete regras da Economia de DádivasIta Gabert, treinadora de Dragon Dreaming alemã com muitos trabalhos realizados no Brasil, propôs estas sete regras.Seja honesto. Peça ou aceite apenas aquilo que você realmente precisa.Perceba quanto trabalho amoroso existe nas coisas que você tem; honre e cuide disso adequadamente.Se você não precisa mais de alguma coisa, dê de presente a alguém.Coloque seu sangue em tudo que você fizer e doe; desapegue-se.Olhe nos olhos quando você der algo, olhe nos olhos quando você receber algo; faça disso um encontro verdadeiro.Quando alguém dá algo, essa pessoa também já está recebendo algo muito precioso. Se você receber alguma coisa, não precisa exagerar na comemoração, mas honre isso.Tome cuidado com as suas emoções. Se perceber em você alguma ganância, inveja ou egoísmo quando der ou receber algo, transforme esse sentimento em um sorriso.Estudo de caso 2: a cidade de KatanningKatanning é uma comunidade de aproximadamente 5.700 pessoas, no cinturão do trigo da Austrália Ocidental, e que apresentava muitas das características para uma boa mobilização de captação de recursos. No final dos anos 1980, era uma cidade com poucos equipamentos de lazer satisfatórios. Por muitos anos, a comunidade falou sobre o que precisava ser feito mas nunca aconteceu nada. Era sempre aquele caso de “todos”, “qualquer um”, “alguém” e “ninguém”. “Todos decidiram que alguma coisa deve ser feita, qualquer um poderia ter feito, alguém deveria ter feito mas ninguém fez. Como resultado, todos procuraram alguém para culpar, poderia ser qualquer um mas ninguém assumiu a responsabilidade”.Finalmente a comunidade decidiu fazer algo a respeito e montou um comitê com conselheiros e assistentes envolvidos na criação de um centro comunitário. Dentro do grupo, era essencial que houvesse comprometimento e fé no projeto – e os membros do comitê deveriam dar sua contribuição em dinheiro e tempo ao projeto de acordo com a suas possibilidades. Essas pessoas se tornariam mais tarde os principais captadores de recursos. É importante notar que elas não estavam pedindo aos outros que fizessem algo que elas mesmas não fariam. As pessoas detectam facilmente esse tipo de hipocrisia através da linguagem corporal. O grupo contava com pessoas consideradas como grandes lideranças comunitárias do projeto (incluindo dois ex-presidentes distritais), formadores de opinião reconhecidos pela comunidade.O comitê passou então a trabalhar por um tempo considerável na proposta, reunindo-se a cada duas ou três semanas por um período de seis meses. Para garantir a participação e o envolvimento comunitário, o comitê era presidido por um dos membros da comunidade. Durante esse tempo também se formaram alguns sub-comitês para auxiliar os trabalhos.O Distrito de Katanning fez todo o trabalho de apoio, atuando nos bastidores, mas o comitê se desligou da prefeitura para garantir que quando começassem a pedir dinheiro ela não estivesse envolvida. Isso era uma questão importante, pois pedir doações seria uma violação ética por parte de membros da prefeitura, uma vez que ela já coleta impostos da comunidade para atender às suas demandas.A prefeitura então se comprometeu a buscar um captador de recursos profissional: Ern Flint, de Sidney, na região de New South Wales, foi contratado como prestador de serviços. Seu trabalho seria o de coordenar a campanha.Para começar, em 10 dias ele entrevistou uma amostra de 60 pessoas da comunidade, passando uma hora com cada pessoa. Isso permitiu reunir uma grande quantidade de outras informações. Foi formado inicialmente um comitê de 3 pessoas, que recebeu um escritório no distrito e tinha a tarefa de juntar aquelas 60 pessoas. Dentro desse grupo, buscavam-se dois tipos de fontes de fundos:doações pessoais de contatos dos membros da comunidade;patrocínios corporativos de empresas locais.

Page 96: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Acompanhado de 12 membros do comitê, Ern Flint saiu para falar com as pessoas sobre contribuições. Ele também foi responsável pelo desenvolvimento de um certificado de doador (com o apoio da Fundação Australiana de Esportes), que facilitou a venda do conceito para a comunidade.O comitê então consultou o cadastro de impostos da prefeitura e dividiu as pessoas em grupos: doadores pessoais, patrocínio corporativo e contribuições em espécie. Foram criados sub-comitês, e cada um era presidido por uma pessoa do comitê principal. Buscava-se envolver mais pessoas em cada sub-comitê para poder dividir o trabalho.O coordenador dava treinamento ao sub-comitê, e este passava adiante essas habilidades de envolver pessoas na construção de relações pessoais, autênticas e genuínas com todos os doadores em potencial.Durante dois meses veicularam anúncios na imprensa local, enviaram correspondências às pessoas e a campanha atingiu um clímax.A primeira meta eram os grandes potenciais doadores. Isso levou as pessoas a enxergarem o que seria possível e criou um entusiasmo contagiante dentro da comunidade quanto às possibilidades. Ao criar essas relações pessoais diretas com os potenciais doadores, posteriormente envolvendo-os na busca por mais contribuições, a comunidade mobilizou redes familiares, de amizade, profissionais e comunitárias. Dessa forma, conseguiu captar $1,5 milhão para o projeto em 10 semanas.Captação empoderada de recursos em formato de oficinasComo então essa abordagem do tipo “treinamento e ação” pode levar à captação empoderada de recursos?O foco na escassez cria jogos competitivos do tipo ganha-perde, de soma zero, relações de “ou você ou eu”, um mundo de ganhadores e perdedores. Em situações como essas, comportamentos cooperativos são considerados como ilógicos: “se você não tem como me ajudar a ganhar, nossa associação é improdutiva”. A captação empoderada de recursos desafia esse modo de pensar e leva à cooperação compassiva, um jogo do tipo ganha-ganha e de soma positiva, relações “você e eu” em que nos juntamos com um propósito comum e produtivo.Se o dinheiro é medida e estoque de valor, será que o modo como usamos o dinheiro não reflete os nossos valores de vida? Se esperamos sinceramente por um mundo melhor, deveríamos usar parte do nosso dinheiro de acordo com nossos valores de vida – valores de crescimento pessoal, de fortalecimento comunitário ou de serviço para a Terra. No momento, parece que usamos a maior parte do nosso dinheiro para mera sobrevivência (se somos pobres) ou para ganhar mais dinheiro (se somos ricos). As duas atitudes são motivadas pela ideia de escassez. Ambas geram também a escassez de valor comunitário autêntico, enfraquecem o espírito comunitário.Mas existe uma alternativa. Motivados por nosso senso de suficiência, podemos começar a usar parte do nosso dinheiro investindo nossas almas na transformação deste mundo, para nos juntarmos àqueles que estão engajados nesse esforço. Acredito que com esses meios nós podemos de fato mudar o mundo e construir para o nosso futuro uma cultura benéfica à vida. Essa abordagem nos dá a chance de sair da nossa zona pessoal de conforto e de não-ação e entrar em um novo reino de participação e engajamento na construção do mundo melhor que queremos.Como fazer isso? O mais importante é que deve haver interesse comunitário. Muitas questões desse tipo estão presentes em nossa comunidade. Na Fundação Gaia, nós acreditamos que há três características fundamentais nos projetos que merecem apoio.Deve ser um projeto de:crescimento pessoal – compromisso com a nossa própria cura e empoderamento;formação de comunidades – fortalecimento dos grupos de que fazemos parte;serviço à Terra – promoção de bem-estar e florescimento da vida.Primeira etapaHavendo um projeto e um grupo de pessoas comprometidas trabalhando para mantê-lo vivo, deve ser feita uma estimativa dos custos e um cronograma para a captação de todos os recursos necessários e para o seu lançamento. O grupo então está pronto para a primeira oficina de captação empoderada de recursos.Ironicamente, o segredo de uma oficina de captação de recursos não tem nada a ver com dinheiro. Na verdade, tem a ver com a criação de relações comunitárias, em que cada ligação pessoal é baseada em confiança, intimidade e incerteza. É essencialmente um processo de formação de comunidades. Infelizmente, assim como dinheiro, comunidade é para nós um conceito bastante mal entendido. A palavra tem três raízes:[2] com (do Latim), que significa “com” ou “junto”; munis (do Proto-indo-europeu), que significa “as trocas que conectam”, sendo também a origem das palavras “município” e “money”;[3] e ity (do Latim, “itatus”), que significa “pequeno”, “íntimo” ou “local”.Geralmente, em nossa vida cotidiana, uma comunidade é vista como um grupo acidental de pessoas que têm pouco em comum. Definida de maneira mais apropriada seria: “as trocas locais que nos ligam, de modo íntimo”. Uma autêntica comunidade é determinada pela qualidade dos elos que juntam as pessoas. É construída sobre seus valores mais profundos e com a disposição que elas têm em fazer diferença para o processo da vida. O maior presente na vida é alguém poder viver de acordo com seus valores mais profundos, e a captação empoderada de recursos é dar de presente ao maior número possível de pessoas essa autêntica

Page 97: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

comunidade. Captar os recursos para os seus projetos é realmente uma questão de construir as relações que vão sustentar ambas as partes – doador e recebedor – por um longo período. Itay Talgam, o maestro judeu, mostra que “se você ama algo, ofereça-o à comunidade; dessa forma, nunca irá perdê-lo”. Ben Zander mostra que o poder do maestro depende de sua habilidade de tornar as outras pessoas poderosas.Por causa da visão convencional que se tem do dinheiro, é muito comum que, ao solicitar uma doação, a pessoa se comporte como um mendigo, um pedinte em situação de falta ou escassez, buscando algo numa situação de dependência em relação a alguém mais poderoso e com mais recursos. Essa motivação pela escassez irá transparecer automaticamente e vai ativar o pensamento de escassez nos outros, e então eles vão resistir em contribuir com o projeto. Como existe esse espírito, quem trabalha com captação de recursos normalmente tenta organizar alguma outra coisa – uma rifa ou um bazar para vender e arrecadar dinheiro. Mas tal atitude reforça a ideia desempoderante de que a causa em nome da qual você está arrecadando dinheiro é de certa forma sem importância ou sem valor, e assim as pessoas apenas contribuirão por um desejo de serem “caridosos” ou “socialmente responsáveis”. Isso reforça a mentalidade de escassez e vai minimizar suas chances no futuro. Novamente, isso leva todas as pessoas envolvidas a achar que a causa é sem importância ou sem valor e faz com que ainda mais pessoas comprometidas passem a abominar a tarefa de captação de recursos. Mas com a captação empoderada de recursos há um outro caminho. Nas palavras do poeta sufi Hafiz:Mesmo depois de tanto tempo,o Sol jamais diz à Terra,“Você deve a mim”.Veja o que fazum amor como esse:ilumina todo o Céu.Todas as pessoas, não importa quão pobres ou ricas, têm um ponto de equilíbrio, um ponto em algum lugar entre o simbólico e o sacrifício.O simbólico é o ponto em que as pessoas colocam a mão no bolso e dão apenas alguns trocados.O sacrifício é o ponto em que a pessoa dá tanto que acaba ficando sem comida ou abrigo, ou deixa de atender a uma necessidade pessoal importante.O ponto de equilíbrio depende da situação particular e individual da pessoa. Cada pessoa tem um, e ninguém além de você mesmo pode saber onde está o seu ponto de equilíbrio. Você é o maior especialista quanto à natureza dos seus compromissos na vida, só você sabe onde fica esse ponto.Uma segunda observação é que o ponto de equilíbrio de qualquer pessoa, seja rica ou pobre, é funcionalmente igual ao ponto de equilíbrio de outra. A captação de recursos convencional, “baseada na escassez”, tende a considerar as doações de pessoas ricas como mais valiosas que as dos grupos mais pobres da sociedade, mas isso apenas reforça as crenças que relacionam estrutura de poder, riqueza e pobreza. São os recursos nesse ponto de equilíbrio que representam o valor realmente disponível. Em um contexto de Terceiro Mundo, o ponto de equilíbrio de um camponês pobre que ganha menos de $1 por dia pode ser de alguns centavos. Para o presidente de uma grande multinacional, pode ser de centenas ou milhares de dólares. O segredo na captação empoderada de recursos é que todos os pontos de equilíbrio são iguais e devem ser tratados igualmente. Dez dólares de uma viúva pensionista podem representar mais do que dez mil dólares de um milionário.A primeira tarefa para alguém envolvido em uma oficina de captação empoderada de recursos é identificar o seu próprio ponto de equilíbrio. Então, para que possa experimentar a ideia de “suficiência”, cada pessoa é estimulada a dar um pequeno passo adiante desse ponto de equilíbrio, indo um pouco além da sua zona de conforto. Essa é a primeira contribuição necessária. Cada pessoa envolvida na campanha de captação de recursos faz esse compromisso pessoal um pouco além de sua zona de conforto para garantir que está sendo coerente e que não está pedindo que os outros façam algo que ela mesmo não está preparada para fazer. É importante perceber que os envolvidos neste método de captação empoderada de recursos não estão pedindo aos outros que façam algo que eles mesmos não fariam.Tendo estimado o seu ponto de equilíbrio, cada um então escreve uma nota promissória pessoal com esse valor, colocando também a data em que aqueles recursos estarão disponíveis para o projeto. Essas notas promissórias são então reunidas e somadas. É impressionante como os recursos surgem rapidamente, e projetos que pareciam à primeira vista impossíveis de repente tornam-se viáveis.Por exemplo, em uma oficina de captação empoderada de recursos que aconteceu em fevereiro de 2007 no Schumacher College, em Devon, na Inglaterra, conseguimos juntar mais de £27.000 em algumas horas, em um grupo de 17 pessoas, para projetos de conscientização quanto aos problemas das mudanças climáticas. Em abril de 2008, a Western Australian Forest Alliance juntou $13.700, em um grupo de 7 pessoas, para um projeto com um orçamento de $100.000.

Page 98: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

A captação empoderada de recursos é sempre uma troca com valor verdadeiramente recíproco, não a busca por um presente não solicitado. Ao dar dinheiro, o doador está recebendo o valor da participação e do engajamento em um projeto poderoso, recompensador e com potencial de modificar a vida, que tem o objetivo de criar uma mudança positiva para nós, para nossas comunidades e para nossa Terra. Nem todos têm o tempo necessário para dedicar a um projeto desses. Na captação empoderada de recursos, é o valor recíproco que é dado. Assim, em vez de mera doação, a contribuição tem mais um caráter de investimento no futuro – um investimento em generosidade, da qual toda a comunidade vai se beneficiar. É diferente da maioria dos casos, com mentalidade de escassez, nos quais um único indivíduo privado pode se beneficiar ilimitadamente do projeto, geralmente às custas das pessoas, das comunidades e do planeta.Pela forma como usamos o dinheiro, nosso sistema monetário criou feridas. Por causa disso é comum que, quando uma pessoa se recusa a dar uma contribuição, a gente sinta como se ela estivesse nos rejeitando, pois está rejeitando os nossos valores. É fácil internalizar isso como um sentimento negativo. O segredo da captação empoderada de recursos é dar ao “não” o mesmo significado do “sim”, já que ambos trazem uma oportunidade de estabelecer uma relação mais profunda com essa pessoa, uma relação baseada em valor e não em interesses comuns superficiais. Ao pedir, você está oferecendo um autêntico convite para o envolvimento, e um convite autêntico está baseado tanto no poder de recusar quanto no de aceitar, igualmente. O desapontamento com a resposta “não” será invariavelmente comunicado pela linguagem corporal, e isso vai parecer uma forma de coerção que em vez de convidar tenta manipular a pessoa a dizer “sim”. Isso também é motivado pela nossa “mentalidade de escassez”, sendo portanto uma forma de desempoderamento.Quando receber um “não”, a pessoa deve seguir estas três questões.Será que eu poderia perguntar “por que”? Estamos sinceramente interessados em saber os motivos que levam as pessoas a aceitar ou recusar o nosso convite.Você gostaria de ser informado sobre o andamento do projeto?Você conhece alguém que pode ter interesse neste projeto, a quem você possa nos apresentar?Mais uma vez, ninguém deve ser obrigado a responder estas perguntas, já que qualquer ideia de obrigação vai agir contra o projeto. Nesse tipo de situação, alguém insatisfeito tende a comentar isso com os outros muito mais que alguém satisfeito.Essa troca de informações sobre o projeto vai manter vivas as relações comunitárias e pode, algum dia, fazer com que alguém que havia recusado o convite venha a se envolver, talvez até de uma forma mais valiosa.A captação empoderada de recursos é sempre resultado de um envolvimento face a face com as pessoas. Ela nunca se dá na base daqueles pedidos frios que chegam batendo de porta em porta ou pelo telefone. Isso não tira a importância da comunicação por telefone, mas esta deve ser usada para marcar uma visita ou um encontro em lugar conveniente para ambos. E nesses casos deve sempre haver alguma amizade ou proximidade com a pessoa, ou no mínimo ser alguém já conhecido. Deve ser alguém com quem você já teve algum contato anteriormente, ainda que esporádico.O que fazer então? Depois que cada membro participante tiver feito a contribuição de acordo com seu ponto de equilíbrio, pede-se que cada um faça uma lista com 10 pessoas de suas redes de família, amigos, colegas e conhecidos com as quais, nas próximas 3 semanas, entrará em contato para fazer o convite. Baseado no que conhece da pessoa, cada participante estima qual será o ponto de equilíbrio dela. Será essa a quantia pedida à pessoa, não importando a precisão da estimativa já que ela poderá modificar o valor para cima ou para baixo, a seu critério, no momento do contato. Feito isso, cada um escolhe as primeiras 3 pessoas a serem abordadas na primeira semana.Os participantes então juntam-se em pares para praticar a abordagem. A primeira tarefa é contar ao parceiro como é a relação com a pessoa a ser abordada e como é o lugar e a situação em que a abordagem será feita. Isso permite que o parceiro se sinta na pele daquela pessoa e ambos possam imaginar como a pessoa vai reagir à abordagem. Ao praticar, é importante verificar alguns pontos.Primeiro, certifique-se de que você entende claramente a natureza do projeto e consegue explicar em detalhes como ele é e porque é importante.Segundo, deixe claro à pessoa, antes do encontro, que você a convidará para participar do projeto e que ela se envolverá de alguma maneira com ele.Terceiro, depois de apresentar a natureza do projeto, fale um pouco sobre a natureza da captação empoderada de recursos e sobre a noção de ponto de equilíbrio.Diga então à pessoa que você estimou o ponto de equilíbrio dela em $XXX e peça a contribuição. Depois de fazer o pedido é importante ficar em silêncio e permitir à pessoa que responda. Não tente preencher o silêncio, pois acabará dando mais explicações ou justificativas.Neste ponto a pessoa pode aceitar, aumentar ou diminuir o valor solicitado ou recusar totalmente. Como antes, seja delicado em aceitar qualquer resposta.Termine fazendo as três perguntas indicadas acima.

Page 99: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Será que eu poderia perguntar “por que”? Estamos sinceramente interessados em saber os motivos que levam as pessoas a aceitar ou recusar o nosso convite.Você gostaria de ser informado sobre o andamento do projeto?Você conhece alguém que pode ter interesse neste projeto, a quem você possa nos apresentar?Se a pessoa aceitou o seu convite, você pode ainda contar a ela um pouco do que aprendeu na oficina de captação empoderada de recursos e perguntar se ela gostaria de participar desse treinamento.Em seguida é a vez da outra pessoa da dupla praticar o papel de quem vai fazer a abordagem. Quando ambos tiverem praticado, é o momento de conversar sobre como foi fazer isso. Quais sentimentos apareceram com o pedido? Como foi que a pessoa que recebeu o pedido se sentiu quanto à abertura, honestidade e autenticidade do convite? O que pode ser melhorado?Para terminar esta etapa, forma-se uma equipe para dar apoio a quem vai fazer os pedidos. Para cada um, a pessoa mais importante da equipe de apoio é o “parceiro”, a pessoa com quem fez o exercício de abordagem. Todos então trocam nomes, endereços, dados de contato e informam ao “parceiro” a data da próxima semana em que será feito o primeiro contato. Ambos então combinam um bom horário para contar como foi a abordagem e qual foi o resultado.Nesta etapa é importante manter uma cópia com todos os nomes e valores que serão solicitados às pessoas de cada lista. Esses números podem ser somados e, junto com as primeiras notas promissórias, serão a quantia possivelmente arrecadada durante as próximas três semanas de captação empoderada de recursos. Torno a dizer, tenho visto as pessoas ficarem incrivelmente surpresas com a quantidade de dinheiro que pode ser captado dessa forma.Segunda etapa: indo além da nossa zona de confortoRaramente acontece de uma única oficina de captação empoderada de recursos ser suficiente para juntar a quantia estimada como necessária ao projeto. É preciso também criar as relações de apoio mútuo para que as pessoas possam atingir as metas de captação que elas mesmas estabeleceram. Assim como no projeto Katanning, muito trabalho precisa acontecer também nos bastidores. Existe a necessidade de fornecer algum tipo de certificado que permita abater do imposto de renda as doações? É possível que alguma instituição possa estender ou emprestar sua credibilidade ao projeto? De que forma os participantes serão informados sobre os progressos do projeto? Como as relações criadas pela captação empoderada de recursos podem ser mantidas e ampliadas? Como organizar a participação das pessoas que se ofereceram para contribuir diretamente (com seu trabalho ou com materiais) para o projeto? Como dar-lhes os devidos créditos? Em situações como estas, o dinheiro é sempre um meio para um determinado fim, jamais deve se tornar um fim em si mesmo.Albert Einstein certa vez disse: “Nenhum problema pode ser resolvido com o mesmo nível de consciência que o criou”. Os problemas atuais do nosso mundo são criados, em última instância, pelas regras econômicas, sociais e políticas que escolhemos para o nosso sistema monetário, nossas interações sociais e nossos processos de tomada de decisões políticas. Se é para construir um mundo sustentável para todos, isso requer que mudemos a consciência que temos das coisas. Mais importante ainda, como dizia Gandhi, que sejamos nós mesmos “a mudança que queremos ver no mundo”.Porém, participar de uma oficina de captação empoderada de recursos não é suficiente para mudar nossa mentalidade de escassez, nem as regras monetárias nas quais nossa vida é baseada atualmente. Enquanto acontecia a oficina de captação empoderada de recursos o mundo não se alterou. Continua sendo o mesmo mundo que criou nossos conceitos sobre dinheiro. Ao fim da oficina, a pessoa está mais empoderada com a ideia de suficiência, mas com o tempo esse sentimento vai desaparecendo e a velha mentalidade de escassez tende a voltar. A oficina de captação empoderada de recursos por si só não terá feito diferença e, pior ainda, após o treinamento a pessoa sairá achando que sabe tudo sobre como captar verba para um projeto, o que é um engano. Uma oficina que não seja seguida de um bom acompanhamento deixará que as coisas rapidamente voltem à situação anterior.Por esta razão, é importante que haja um acompanhamento adequado. É preciso criar e manter uma estrutura de apoio e acompanhamento de todos os participantes. É preciso também entrar em contato individualmente com todos eles logo após o encontro, o que vai ajudá-los a fixar e reforçar as descobertas que eles tiveram durante a oficina.Duas oficinas de captação empoderada de recursos nunca são iguais. Cada oficina é única e vai revelar aspectos ligeiramente diferentes dos assuntos tratados. Dizem que o melhor jeito de aprender profundamente alguma coisa é ensiná-la a alguém. Recomendo que todas as pessoas que participam das oficinas de captação empoderada de recursos participem de um novo treinamento a cada ano. Dessa forma, cada um terá um conselheiro e também será o conselheiro de alguém. Há várias características importantes para ser um conselheiro.Disponibilidade. Esteja disponível durante 15 minutos por semana. Nesse tempo você pode ajudar com as abordagens, discutir os papéis das pessoas em reuniões, fazer avaliações, responder perguntas.Respeito. Uma das coisas que fazem o brilho de um conselheiro é o número de pessoas que se envolvem com a captação empoderada de recursos. Seja respeitoso e aprenda com as diferenças que vai encontrar. O verdadeiro respeito inclui tratar o outro de maneira respeitosa também.

Page 100: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Apoio. Damos apoio uns aos outros mas também damos apoio ao projeto. Estimule as pessoas.Boa escuta. Muitas vezes, o que a pessoa realmente precisa é que você simplesmente a escute, sem tentar resolver nada. Ouvir o problema em voz alta pode levá-la a uma solução. Um bom escutador também pratica a escuta ativa. Preste atenção à postura, tom de voz, respiração e tempo gasto em um assunto e você terá pistas quanto às preocupações da pessoa.Paciência. Coisas importantes demandam tempo. Não dá para apressar o florescimento de uma rosa, processos de desenvolvimento têm o seu próprio tempo. Isto é algo importante.Confiança. Se a pessoa escolheu você como conselheiro, há uma razão para isso. Sua conduta deve levar isso em consideração. Seja seguro e amigável.Terceira etapa: empoderando os outros – recriando a economia de dádivasComo podemos mudar o mundo? Como podemos construir um mundo que funcione para todos? Não é possível comprar ou vender um mundo assim. Por 150.000 anos, nossos sistemas econômicos não dependeram das trocas monetárias. Tais trocas têm a finalidade de maximizar os benefícios e minimizar os custos. A neuroeconomia é a técnica de ligar sensores ao cérebro humano e monitorar, através de ressonância magnética e em tempo real, o que acontece quando as pessoas tomam certas decisões econômicas. Essa técnica mostra que aumentam os níveis de ansiedade, adrenalina, hormônios do estresse e esteroides e que o sistema imunológico tem sua ação inibida, tornando-nos suscetíveis a infecções. Por 150.000 anos, nossas economias foram “economias de dádivas”, baseadas em altruísmo mútuo. Marshall Salins mostrou que as economias de dádivas eram, justamente por sua natureza, economias de suficiência, não de escassez.Dar um presente é uma atitude que, de um ponto de vista econômico, pode ser considerada como ilógica, pois maximiza os custos e limita os benefícios. Surpreendentemente, a ressonância magnética mostra que, ao dar um presente, os níveis de ansiedade de fato diminuem, os níveis de serotonina e endorfinas sobem, o funcionamento do sistema imunológico é estimulado e a felicidade daquele que dá o presente aumenta, já que ele está praticando um “gesto casual de generosidade e de louca beleza”. Os níveis de confiança no mundo e de otimismo em relação ao futuro também aumentam, e os estados de depressão são minimizados.Neste momento em que uma crise econômica internacional está afetando todo o planeta, uma das coisas mais radicais que podemos fazer é recriar a economia de dádivas. Mas afinal o que é a economia de dádivas? Uma cultura de dádivas ou economia de dádivas é uma sociedade em que existe o hábito de dar bens e serviços de valor sem que se espere por uma recompensa imediata ou futura. O resultado é que esse hábito de dar vai colocar em circulação e redistribuir as coisas que têm valor dentro da comunidade, em contraste com uma economia de mercado ou de escambo, onde algo só é trocado por dinheiro ou por alguma outra mercadoria. Ao contrário do que diz a teoria econômica moderna, os sistemas de escambo de épocas pré-modernas somente existiam entre estranhos ou potenciais inimigos – era essa economia baseada em presentes que mantinha juntas as comunidades e permitia que elas efetivamente funcionassem.Um presente verdadeiro não é meramente um “dar e receber” entre indivíduos. Há um conto budista fala de duas pessoas que faziam isso, e acabaram sendo transformados em seres envenenados. Um presente verdadeiro é dado com generosidade, como resultado de uma cuidadosa compaixão, voltada para atender às necessidades dos outros – um presente de tempo, dinheiro ou apenas atenção. Ao contrário da ideia de “propriedade intelectual”, a ser vendida pela maior oferta, a prática de dar presentes é a fonte de todo progresso científico e tecnológico, como acontece em publicações, conferências e congressos, nos quais compartilhamos nossas descobertas. Um presente autêntico é dado em troca de gratidão, não por obrigação. É uma forma de celebrar quem eu sou e quem você é. Por exemplo, no filme Pay it Forward (lançado no Brasil como “A Corrente do Bem”) está a ideia de que a gente pague cada belo gesto recebido fazendo três belos gestos para os outros. Inspirado nisso, o australiano Blake Beattie criou, em 2007, o Pay it Forward Day, que acontece todos os anos na terceira quinta-feira de abril. Isso já se espalhou para mais de 35 países do mundo, para lembrar as pessoas do poder irracional que tem um presente. É estimado que nessa data, no ano de 2012, ocorram por volta de 3 milhões de gestos de generosidade. Ele costuma dizer: “Aquilo que temos serve para viver; aquilo que damos serve para criar vida”. Trata-se de reforçar aquilo que Anne Herbert criou, em 1983, num restaurante em Suasalito: “Pratique gestos casuais de generosidade e de louca beleza”.É geralmente negligenciado o fato de que, 24 horas após uma oficina de captação empoderada de recursos, as pessoas terão esquecido 50% do que aprenderam. Daquilo que foi retido, 50% irá desaparecer em uma semana; em um mês as pessoas só vão se lembrar de um oitavo do conteúdo. Como podemos desacelerar a curva do esquecimento? A melhor maneira é ensinar a alguém aquilo que você aprendeu, estimulando a pessoa a fazer o mesmo. Ao presentear alguém com a possibilidade de recriar a economia de dádivas, você não apenas mobiliza recursos adicionais para o seu projeto. Você também cuida das feridas, sua e da pessoa, em relação ao dinheiro, criando uma comunidade que funciona para todos. Se você empoderar apenas uma pessoa com a capacidade de empoderar os outros, dentro de 33 semanas, a uma taxa de apenas uma pessoa por semana, você terá atingido todas as pessoas da Terra, homens, mulheres e crianças. Se começar em janeiro, ao final de setembro você terá criado um mundo que curou totalmente suas relações com a economia e com os outros. Não temos nada a perder, temos um mundo a ganhar. Quando estiver conduzindo

Page 101: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

um trabalho de captação empoderada de recursos, lembre-se que ao assumir seu poder de liderança você não deve duvidar, nem por um instante, da capacidade de seus parceiros de realizar seus sonhos.Facilitar uma oficina de captação empoderada de recursos é o melhor jeito de aprender por conta própria essas habilidades e também de transmiti-las aos outros. Mas sempre é importante reservar um tempo no final da oficina para avaliação e celebração. Na avaliação, estimule que as pessoas compartilhem as seguintes questões.Em que medida a oficina supriu as expectativas dos participantes? Não tenha medo de críticas negativas ou de saber que as pessoas não tiveram suas expectativas satisfeitas. Isso dará a chance de acertar mais da próxima vez.Que resultados inesperados ou momentos de “aha!” as pessoas tiveram? Nessas situações sempre acontecem momentos de “eureka!”, nos quais as pessoas passam a ver as coisas de um jeito diferente ou a entender a sua utilidade.De que maneira a oficina pode ser aperfeiçoada para uma nova oportunidade? Recebendo esse tipo de informação você garante que cada oficina será melhor que a anterior.A celebração é parte importante de qualquer projeto, e a parte mais importante da celebração é o reconhecimento daquilo que foi verdadeiramente conquistado. Nenhum projeto está totalmente concluído até que seja adequadamente celebrado. Portanto tome o cuidado de reservar algum tempo no final do projeto para isso.Conclusão: para onde ir a partir daquiO poeta libanês Khalil Gibran disse assim:Você dá pouco quando dá dos seus bens.É quando dá de você mesmo que você realmente dá.Pois o que são seus bens senão coisas que você guardapor medo de vir a precisar amanhã?E amanhã, que trará o amanhã ao cachorro demais providenteque enterra ossos em lugares sem pegadas seguindo os peregrinos à cidade sagrada?E que é o medo da necessidade senão a própria necessidade?Não é insaciável a sede de quem a teme tendo o poço cheio?Há aqueles que dão pouco do muito que tême dão pelo mero reconhecimento, e seu desejo secreto torna seus presentes indignos.E há aqueles que têm pouco e dão tudo.Há os que acreditam na vida e em sua abundância, e sua dispensa nunca está vazia.Há aqueles que dão com alegria, e a alegria é sua recompensa.E há aqueles que dão com dor, e a dor é o seu rito.E há aqueles que dão e não sabem o que é essa dor,nem buscam alegria, nem dão pensando em virtude.Eles dão como a murta exala seu perfume pelos ares desses vales.Pelas mãos dessas pessoas Deus fala,e por detrás de seus olhos Ele sorri sobre a Terra.É bom dar quando pedem, mas é melhor dar sem que peçam.E a busca por alguém que receba é uma alegria ainda maior que dar.Há algo que você possa reterse tudo que você tem será dado um dia?Portanto dê agora, e o tempo de dar será seu e não de seus herdeiros.Você costuma dizer, “Eu só dou se a pessoa merece”.As árvores de seu pomar não dizem isso, nem o rebanho em seu pasto.Eles vivem de dar, pois recusar é perecer.Aquele que merece seus dias e suas noitescom certeza merece qualquer coisa de você.E aquele que mereceu beber do oceano da vidamerece encher a caneca em sua bica.E que melhor sobremesa haverá que a coragem,a confiança e também a caridade de receber?E quem é você para que os homens tenham que abrir seu peito, mostrar seu orgulho,para que você lhes veja a honra exposta, o orgulho escancarado?Veja primeiro que você merece ser um doador, um instrumento da dádiva.

Page 102: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Pois na verdade é a vida que dá a si mesma enquanto você,que se considera doador, nada mais é que testemunha.E aos que recebem, e vocês todos recebem, não tomem a gratidão como um peso,temendo ficar atado a quem deu.Ao contrário, voe junto com o doador, fazendo do presente suas asas.Pois preocupar-se demais com a dívida é duvidar de sua generosidadeque tem a dadivosa Terra por mãe e Deus por pai.Agora que o Dragon Dreaming se espalhou pelo mundo, a captação empoderada de recursos tem sido usada para apoiar centenas de projetos valiosos em muitos países. Por exemplo, mais de meio milhão de euros foram captados em 6 meses através de quatro oficinas com monges budistas do European Institute of Applied Buddhism e de Plum Village. Com o mesmo método foram feitos projetos no Congo, Gana, Brasil e muitos outros países. Em apenas um dia, a jovem Katherina Philip conseguiu captar 20.000 euros para o Transition Project Café.Novos passos da captação empoderada de recursosAo final da Segunda Guerra, em parte como um gesto de inigualável generosidade e em parte como uma política contra o espalhamento do comunismo pela Europa Ocidental, os EUA organizaram o Plano Marshall para ajudar na reconstrução das nações europeias prejudicadas pela guerra. Foi um grande sucesso. Em 1960, o ex-primeiro ministro canadense Lester Pearson escreveu o livro Partners in Development (Parceiros no Desenvolvimento), no qual sugere que se apenas 1% da riqueza mundial for transferido de maneira semelhante, como um presente para o Terceiro Mundo, isso diminuiria permanentemente a desigualdade entre as nações ricas e as pobres. Como resultado, as Nações Unidas propuseram que 1% do PIB das nações ricas seja alocado, a cada ano, para ajudar no desenvolvimento dos países pobres. A meta foi então revisada pelas Nações Unidas para 0,7% do PIB. Poucos países chegaram a atingir essa meta. A pouca ajuda já dada veio muitas vezes na forma de benefícios vinculados, ou seja, dinheiro que deve ser gasto em produtos do país doador. Subornam os funcionários para aprovar empréstimos para projetos que terão pouco efeito na assistência aos pobres, e que na verdade serão revertidos em benefício dos ricos. Como resultado, a desigualdade entre ricos e pobres continua a aumentar. As empresas usam os empréstimos de desenvolvimento para criar crises de dívida em muitos países. Isso leva à privatização de seus recursos e ao fechamento de muitos serviços de saúde, de educação e comunitários, beneficiando as empresas.Se os governos e as empresas não estão preparados para atingir a meta de 0,7%, com benefícios desvinculados, para resolver os problemas do mundo, talvez nós possamos fazer isso na condição de cidadãos comprometidos com a recriação da economia de dádivas. Poderíamos reservar para isso talvez 3% da nossa receita pessoal – sendo 1% para a meta original de Lester Pearson, 1% para projetos no próprio país e 1% para apoiar trabalhos com Dragon Dreaming e captação empoderada de recursos.Cada grupo de Dragon Dreaming poderia, assim, criar seu próprio projeto de captação de recursos. Uma vez a cada ano, ou mesmo a cada seis meses, os participantes poderiam se encontrar para comemorar e decidir os projetos a serem apoiados com os recursos que eles juntaram. Os projetos, naturalmente, teriam que estar de acordo com os princípios da Fundação Gaia. Com a difusão desse trabalho, poderíamos perceber uma grande mudança na natureza do funcionamento do dinheiro em nossas comunidades. Como diz Lynne Twist, “O dinheiro levou a energia da alma”. No momento, usamos mais de 300 dólares por cada ser humano vivo na Terra para matarmos uns aos outros, nos chamados “gastos com defesa”. Uma pequena fração disso, se adequadamente usada, poderia resolver a maioria dos problemas de pobreza no mundo e garantir que toda a população mundial tivesse alimento, roupa, casa, educação e acesso a água limpa e um bom sistema público de saúde. A ausência desses elementos essenciais para os humanos alimenta a disputa que leva à guerra e à violência, criando assim pressão para ainda mais gastos com defesa. A captação empoderada de recursos é apenas um caminho para mobilizar essa energia planetária para construir um mundo que funcione para todos.Então aí está. Se você tem interesse em levar adiante a captação empoderada de recursos, por favor entre em contato e me conte. Eu também sou um aprendiz deste sistema, apesar de já tê-lo usado em muitos projetos. Também estou aprendendo o tempo todo, e o mesmo vai acontecer com você a partir do momento em que começar a pôr em prática. Muitos projetos valiosos jamais saem do papel por falta de dinheiro. Com a captação empoderada de recursos, a falta de dinheiro nunca mais será motivo para deixar de realizar um grande trabalho.Costuma ser atribuída a Wolfgang von Goethe a seguinte frase: “No momento em que alguém decididamente se compromete, a providência também atua. Para ajudá-lo, acontecem as coisas mais inesperadas. De uma simples decisão emerge uma série de eventos, agindo em seu favor. Toda sorte de incidentes, encontros imprevistos e recursos materiais que ninguém jamais havia imaginado, tudo isso se interpõe em seu caminho. Qualquer coisa que você saiba fazer, ou sonha que sabe: comece! A ousadia tem um poder criativo e uma magia impressionantes. Comece agora!”. Experimente a sua própria campanha de captação empoderada de recursos e veja a mágica acontecer.A história de Catriona Blanke

Page 103: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Como o Dragon Dreaming me ajudou a lançar meu segundo álbumEu aprendi muito com o John na oficina de Dragon Dreaming, mas uma coisa em especial ficou comigo. É o momento em que o sonhador realmente tem que se desapegar de seu projeto e pedir ajuda aos parceiros de sonho. E foi exatamente o que fiz quando, sendo cantora e compositora, eu quis publicar meu segundo álbum, Fortuna.Encontrei por acaso na internet uma plataforma de crowdfunding chamada Startnext. Qualquer pessoa que tenha um projeto artístico pode colocar na página todas as informações e captar os recursos da “multidão”. Eu então pedi ajuda a todos os meus conhecidos. Eles financiariam o projeto de antemão, isso me possibilitaria produzir o CD e então enviar uma cópia a cada um deles. Eu tinha 30 dias para conseguir o dinheiro: 1500 euros. Eu pensei que seria apenas uma tentativa, gentilmente pedindo ajuda, sem saber qual seria o resultado.Para o meu espanto, nas primeiras 2 horas chegou a primeira ajuda. E em 6 dias toda a quantia estava em minha conta. O número de pessoas ajudando e a velocidade com que isso aconteceu foram impressionantes. Eu me senti muito apoiada e reconhecida, fiquei maravilhada pela maneira como as pessoas aparentemente acharam meu projeto e meu sonho tão valiosos a ponto de apoiá-los de coração aberto. Acabei conseguindo mais de 2000 euros, e assim consegui lançar meu novo CD.Os apoiadores não eram apenas amigos próximos ou família – com alguns deles eu não tinha contato havia anos, ou mal os conhecia. Mas agora eu percebo como o simples fato de eu me desapegar do meu sonho e compartilhá-lo, fazendo dele o NOSSO projeto e não apenas meu, foi tão forte e convidativo que todas essas pessoas apareceram para ajudar.Essa experiência trouxe um sentimento de gratidão e alegria que fluiu em tudo que fiz durante as semanas seguintes. Aprendi a ser humilde diante de todo esse carinhoso apoio, e as coisas se tornaram leves e fáceis. É muito diferente não estar sozinho com um sonho e receber o apoio dos outros dessa maneira.Há muitos materiais disponíveis para ajudar com a captação empoderada de recursos.Um deles é o Crowdrise, do ator e filantropista Edward Norton, que faz a conexão entre as redes sociais e o apoio a causas importantes. Visite http://www.crowdrise.com e procure os materiais sobre captação de recursos. Outra obra importante é o livro The Soul of Money, de Lynne Twist.  

[1] Termo da economia que se refere a dinheiro criado por decreto. (N.T.)[2]  O autor analisa aqui a forma inglesa community. (N.T.)[3] “Dinheiro” em inglês. (N.T.)

[i] Da página eletrônica de Lynne Twist.[ii] Op. cit.[iii] Lynne Twist. The Soul of Money: reclaiming the wealth of our inner resources. New York: W. W. Norton, 2003.

28 Gerenciar e Administrar um ProjetoCategoria pai: MétodosCategoria: Fichas TécnicasGerenciando e administrando um projeto – adaptando o método Greenskills Por John Croft                                                                               atualizado em 23 de Maio de 2011 Título original: Fact Sheet Number #28 MANAGING AND ADMINISTERING A PROJECT – ADAPTING THE GREENSKILLS WAY Tradução: Áureo Gaspar (Abril de 2012). 

Page 104: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Resumo: Esta ficha técnica ajuda a construir a ponte através do “fazer” de um projeto, indo da teoria à prática, e capacitando os participantes a mudar da implementação para o monitoramento do progresso de seu projeto.IntroduçãoComo vamos construir de fato uma cultura de apoio à vida ecologicamente sustentável do futuro? Nestes materiais temos mostrado muitas vezes que qualquer cultura que destrói o seu sistema de suporte à vida, chamando isso de progresso, é funcionalmente insana. Infelizmente, quando se vive em tal cultura, esta se sustenta ao assegurar o cumprimento ou cooptação de seus participantes através da socialização destes em sua insanidade. Ser ‘normal’, em tais circunstâncias, é parte da insanidade, e ser sensato é ser anormal. As oficinas Dragon Dreaming visam não só incentivar essa ‘anormalidade’, mas garantir que sejam tomadas medidas para ter certeza que isso realmente acontece.No início de workshops muitas vezes eu falo da ‘curva de esquecimento’. Na maioria dos casos, quando as pessoas recebem explicações sobre algo, elas esquecem 50% do que aprenderam em 24 horas. Um quarto ainda será perdido em uma semana, e até o final de um mês, as pessoas têm sorte se lembrarem de 1/8 do material que foi coberto. Esta é uma imensa perda em termos de tempo e os custos associados a um workshop de treinamento, mas a situação pode ser melhorada. Eu geralmente faço uso de quatro métodos.1. Tomar notas do que foi dito. Isto envolve as mãos, os olhos e ouvidos, e vai diminuir a taxa de esquecimento. Ler as notas em voz alta o mais rapidamente possível após a sessão ajuda a prevenir a perda e esquecimento.2. Colocar no workshop um objeto específico que seja usado na vida diária, também é útil. O orador romano Cícero costumava situar partes do seu discurso em lugares imaginários no Fórum Romano e assim conseguia se lembrar de longos discursos na íntegra.3. A melhor maneira de aprender alguma coisa é ensiná-la. Eu encorajo todos os participantes em workshops a investir algum tempo para ensinar o material para outra pessoa o mais rapidamente possível. Não só este vai ajudar a difundir as ideias do  Dragon Dreaming de forma mais ampla na comunidade, mas também contribuirá para reduzir significativamente a curva de esquecimento.4. Ter um parceiro ou ‘camarada’, com quem você possa entrar em contato a intervalos regulares, após a conclusão do treinamento, também ajuda. É útil por uma série de motivos. Estes parceiros podem contribuir, como veremos abaixo, para a supervisão do quadrante de ‘Realizar’ projetos.Ideias úteisEm seu “Trabalho que Reconecta”, que prepara as pessoas para voltar ao mundo, a Ecologista Profunda e Estudiosa do Budismo Joanna Macy (uma das mentoras que inspiraram Dragon Dreaming) coloca as pessoas para trabalhar em pares, onde uma atua como um entrevistador / escriba e a outra pessoa atua como entrevistada. O escriba interlocutor escreve em um bloco de notas do entrevistado quais são as respostas do respondente às seguintes perguntas: “Se você soubesse que não poderia falhar, o que você faria para a cura do nosso mundo? Aqui é a nossa chance de retirar todas as paradas e pensar grande, sem ‘se’ e ‘mas’ no caminho.” Alternativa: “Se você fosse libertado de todo o medo e estivesse aberto ao poder disponível na teia da vida, o que você faria para a cura do nosso mundo?”.Para concretizar este objetivo, qual é o projeto em particular que você quer realizar? Pode ser uma nova direção para o que você está fazendo, ou algo inteiramente novo. Aqui é a nossa chance de sermos específicos. Pensar em termos do que poderia ser feito, ou pelo menos bem encaminhado no período de um ano.Quais recursos, interiores e exteriores, que se você tivesse agora o ajudariam a fazer isso?  Recursos internos incluem pontos fortes específicos de caráter e experiência relevante, conhecimentos e habilidades que você adquiriu. Recursos externos incluem relacionamentos, os contatos e as redes que você pode traçar – não se esqueça de babás, tios ricos, amigos experientes em informática – bem como sua localização, emprego, bens reais e dinheiro no banco.Agora, quais recursos, internos e externos, você precisará adquirir? Para fazer o que você quer fazer, o que você precisa aprender e obter? Estes podem ser executados a partir de treinamento em assertividade para garantir contatos com organizações, igrejas, comerciantes locais, e o apoio que estes podem lhe dar.Como você pode bloquear a si mesmo? Quais obstáculos você poderia lançar em seu caminho rumo a cumprir seus objetivos? Nós temos todos os padrões familiares de insegurança e sabotagem.Como você vai superar esses obstáculos? Conte com a sua experiência anterior em lidar com esses obstáculos impostos a si mesmo, e talvez ocorra a você algumas novas maneiras de contorna-los.O que você pode fazer nas próximas 24 horas, não importa quão pequeno o passo – pode ser apenas um telefonema – que irá mover você em direção a esse objetivo?Estas perguntas são muito úteis como autopreparação no “Estágio Realizar” de qualquer projeto, e ainda mais úteis quando se considera mover-se da Implementação para o Gerenciamento e Administração na roda do Dragon Dreaming. Entretanto, a partir da longa experiência de trabalho de Joanna, eu frequentemente sofria para aprender como alguns desses projetos eram concebidos ao

Page 105: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

mesmo tempo em que eram postos em ação. Algo parecia estar faltando. Na verdade toda a abordagem do  Dragon Dreaming pode ser vista como uma tentativa de ‘preencher a lacuna’ e ajudar esses projetos a fluir.Santo Inácio de Loyola, fundador da Ordem Jesuíta da Igreja Católica Romana, tem a fama de ter dito “Trazei-me uma criança até que ela tenha sete anos e vou devolver-lhe um homem”. A psicologia freudiana tende a fazer o mesmo pedido, afirmando que nossa personalidade não pode ser alterada após essa data, que ela se fixa durante os primeiros sete anos de vida. Esta afirmação, de que somos impotentes perante a nossa natureza, é negada por uma experiência que mostra que podemos ter uma escolha, enquanto observamos os seguintes termos e condições.1. Primeiro, nós temos que sair do nosso ambiente cotidiano – é este ambiente que mantém nosso comportamento no lugar e reforça os comportamentos existentes.2. Em segundo lugar, precisamos de um espaço no qual nós podemos refletir criticamente sobre o nosso passado, conectando-nos com os nossos antepassados, e as forças que moldaram e deram forma para sermos quem somos.3. Em terceiro lugar, precisamos compartilhar experiências emocionalmente poderosas em um ambiente de confiança, experiências que nos permitem reconectar-nos profundamente com o nosso mais profundo ‘eu’, e podem ajudar a identificar os pontos em que comportamentos são disparados.4. Em quarto lugar, precisamos ser capazes de tomar decisões para o futuro, conectando-nos com intenções que prossigam além do tempo em que estamos, e que se conectem com os nossos descendentes.5. Precisamos de um acompanhamento adequado. Isto é importante porque sem esse acompanhamento, os outros quatro fatores serão desperdiçados. Embora uma pessoa possa ter se modificado, o ambiente do qual ela veio não se alterou, e num prazo muito curto, ela vai perceber que as suas intenções foram comprometidos, retornaram à forma como estavam e nada mudou.Assim, ao final de um workshop Dragon Dreaming, eu frequentemente faço a declaração paradoxal que, embora os participantes tenham vindo assistir a uma oficina Dragon Dreaming, eles não vieram ‘fazer’ Dragon Dreaming. É importante que os participantes compreendam a diferença entre ‘a leitura de um mapa’ e ‘andar pelo país’, ou entre ‘a leitura da receita’ e ‘cozinhar e comer a refeição’. O curso Dragon Dreaming é um curso de leitura de mapa ou receita. O verdadeiro Dragon Dreaming começa ao empreender um projeto no mundo real. É aqui que o verdadeiro aprendizado começa. Isso está no processo de ‘Realizar’ de  Dragon Dreaming – não em sonhar com isso, ou planejar ou celebrar, embora, naturalmente, estes processos sejam importantes.Gestão e Administração de um projeto é o limiar que leva o projeto através de sua fase de implementação e garante que a fase de “Realizar: Agir Localmente”, funcione de forma efetiva. Esta fase funciona como o ‘planejamento do fazer’, e atua para alocar pessoas e recursos financeiros de forma a atingir as metas fixadas para um projeto, minimizando o estresse e usando o tempo de forma eficaz e eficiente. Como todos os aspectos de Dragon Dreaming, Gestão e Administração é um processo fractal, incorporando toda a roda. Ela procura responder a uma série de questões importantes, como por exemplo:1.      SONHARPOR QUE – este trabalho deve ser feito? Como é contribuir para aprofundar o nosso sonho geral?QUEM – deveria estar envolvido? Quem são os interessados nessas atividades?2.      PLANEJARO QUE – funciona melhor? Quais recursos espirituais, mentais, físicos ou financeiros são necessários?COMO – o trabalho deve ser feito? Quais são os melhores processos para essa parte do projeto?3.      FAZERQUANDO – o trabalho precisa ser concluído? Quando deve começar?ONDE – devem os produtos do trabalho ser entregues? Onde o trabalho será melhor executado?4.      CELEBRARSERÁ QUE ISSO FUNCIONA – as respostas para as perguntas acima consolidam um produto de qualidade, entregue em quantidade suficiente para fazer a diferença esperada? Isso foi celebrado?TEM SUCESSO – em seus impactos sobre o meio ambiente, os indivíduos envolvidos e todos os interessados e participantes? Como isso foi comunicado?Infelizmente, em grande parte devido às Escolas de Gestão de Negócios em todo o mundo, gerentes e administradores muitas vezes tendem a procurar tomar conta de toda a organização do projeto, assumindo o planejamento primeiro, e então edificando a visão e papéis de desenvolvimento de competências, mas raramente encorajando de forma eficaz o Sonhar ou Celebrar na estrutura de um projeto. Em Dragon Dreaming, deve-se resistir a esta ‘apropriação’ do projeto por gerentes e administradores, pois promove padrões altamente hierárquicos de trabalho, incapacitantes, ‘subordinados’ e criam estruturas coercitivas de fiscalização e controle. Nesses casos, a questão é uma versão da velha pergunta sobre “quem controla os controladores”. Desde 1940, o trabalho de Kurt Lewin e seus associados, por exemplo, mostrou que essas estruturas de poder autoritário muitas vezes criam ressentimentos ocultos, o que leva a trabalhadores improdutivos quando a autoridade não está presente.

Page 106: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Se quisermos construir organizações verdadeiramente baseadas nos princípios de ‘ganha-ganha’, são urgentemente necessários novos métodos de administração e gestão que não produzam hierarquias de comando e controle. Como podemos criar estruturas de supervisão que não produzem hierarquias? Uma organização que tem sido altamente inovadora a este respeito é Greenskills.Greenskills é uma pequena organização não governamental no Sudoeste da cidade de Denmark, na Austrália Ocidental, que desde 1989 provou ser uma fonte altamente criativa de ações inovadoras que visam “desenvolver e gerenciar projetos ambientais que ajudam todos os níveis de comunidades da nossa região e metrópole para efetivamente implementar uma visão para um futuro sustentável”. Suas “atividades de gerenciamento de projetos e programas de formação e de emprego têm como objetivo maximizar o envolvimento de grupos de desempregados e subempregados, particularmente os jovens e grupos aborígenes, bem como outros grupos desfavorecidos que estejam em busca de treinamento e oportunidades de emprego nas mais remotas áreas”. Sua missão é: “Greenskills está comprometida com a promoção e demonstração de sustentabilidade pela criação e apoio a projetos inspiradores, que envolvem as comunidades locais, fornecendo serviços de qualidade em capacitação ambiental, emprego e desenvolvimento de carreira.”.Seu estilo de gestão adaptou uma série de métodos altamente criativos, não hierárquicos, para a gestão e administração. A pedra angular desta abordagem são reuniões de pessoal realizadas internamente, em uma base anual. É nessas reuniões que algumas decisões muito controversas são tomadas de forma consensual. Por exemplo, Annabelle Newberry, Gerente de Estado de 1998-2011 disse: “Quando eu comecei, não havia uma estrutura de remuneração fixa, e todos os funcionários permanentes ganhavam $15 por hora. Níveis de remuneração variados gradualmente foram introduzidos, embora houvesse algum sentimento de culpa ao fazer isso. Os funcionários podiam decidir sobre as taxas de pagamento e promoção nestes serviços internos, e às vezes nós decidíamos contra um aumento salarial na própria equipe de gestão, por causa da preocupação com o impacto financeiro que este aumento salarial poderia ter na organização.”.A Gestão é assegurada através forma como todo o pessoal mantém quadros de horários que permitem à Greenskills trabalhar de forma realista com custos associados a cada projeto, incluindo férias, licença médica, aposentadoria e remunerações dos trabalhadores. Tempo livre em vez de salário é pago pelas horas extraordinárias. O pessoal permanente de Greenskills, em 2008, ganhava entre $ 15,49 por hora (salário básico) e $ 29,06 para um gerente de projetos de nível três. Isto é muito baixo e reflete, em parte, os diferentes níveis de responsabilidade dos trabalhadores. O pessoal temporário ou eventual é pago a uma taxa ligeiramente mais elevada, em função da maior insegurança de seu trabalho. Para manter funcionando dois escritórios, custa cerca de 63.000 dólares por ano, com mais 108.000 dólares para os custos organizacionais como veículos e seguros.Outra ponto foi uma abordagem de supervisão altamente inovadora, adaptada de Co-aconselhamento, um aconselhamento por pares recíproco que usa um formulário com alguns métodos simples a partir de um refinamento de ‘você me conte os seus problemas e eu vou te dizer os meus’. Todos os funcionários e voluntários que trabalham em Greenskills foram incentivados a ter uma sessão de supervisão uma vez por semana, sem se importar com a hierarquia organizacional ou a posição dos participantes na organização. O tempo é dividido igualmente entre os participantes e o requisito essencial é que cada pessoa tem sua vez no papel de ‘conselheiro silencioso’. Esta pessoa faz o seu melhor por ouvir profundamente. Pratica ‘Pinakarri’, dando a sua total atenção, sem fazer comentários a seu parceiro. Esta é uma importante ferramenta para aqueles que buscam a adotar essa abordagem. Não há discussão em co-aconselhamento, o objetivo é apoiar a pessoa a trabalhar com seus próprios problemas de uma maneira autodirigida de auto descoberta.Harvey Jackins, uma figura controvertida de Seattle, Washington, começou o que ele chamou de Aconselhamento Reavaliativo na década de 1950. Este método se espalhou através de grupos alternativos e contracultura na década de 1970. Jackins tinha sido um membro do Partido Comunista dos EUA nos anos 1930, mas mais tarde foi expulso por não seguir a linha stalinista no apoio à URSS. Ele descobriu a abordagem quando falharam os esforços para ajudar os colegas de trabalho em um sindicato local, até que um dia um sindicalista repetidamente chorou e depois se sentiu melhor. Depois de tentar impedi-lo de chorar, Jackins cedeu e resolveu apenas ouvi-lo a chorar, achando que sua condição e vida melhoraram depois.Os participantes de Greenskills tomaram e adaptaram esta abordagem de supervisão do projeto, onde se organizam para reunir-se regularmente em pares, por uma hora a uma hora e meia por semana, para propiciar um ao outro um aconselhamento entre pares, cada um por sua vez assumindo o papel de conselheiro e cliente, reservando entre meia hora a quarenta e cinco minutos do tempo para cada participante. A pessoa no papel de conselheiro age às vezes como um facilitador para seu parceiro, às vezes como um observador e às vezes como um confidente, supervisionando gestores, bem como aqueles envolvidos em outras funções. Esta abordagem em Greenskills substituiu o papel de supervisão hierárquica de forma top-down.Em Greenskills, a supervisão de co-aconselhamento ocorre fora dos escritórios da organização formal, e a confiança e a segurança, no sentido de reduzir o risco, são centrais para que uma sessão de co-orientação seja um espaço acolhedor. Isto também é assegurado pelo fato de que o conselheiro não pode falar mais tarde sobre a sessão de um participante sem a permissão explícita e

Page 107: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

específica deste participante. Esse ‘relacionamento entre pares’ contribui grandemente para a construção da confiança necessário para a sessão.As sessões são também sempre abertas à possibilidade de que fortes emoções possam surgir. Como em todo trabalho de  Dragon Dreaming, estas são honradas e respeitadas. As capacidades emocionais surgiram através de milhares de anos de evolução dos mamíferos e nos dão acesso a informações que não estariam disponíveis de nenhuma outra maneira. A crença no valor de trabalhar com as emoções tornou-se um foco central da abordagem. A co-orientação de treinamento enfatiza métodos para acessar e trabalhar com as emoções, e co-conselheiros têm como objetivo desenvolver e melhorar a inteligência emocional e competência através da prática.Em Dragon Dreaming, estas abordagens de supervisão, gestão e administração são baseadas na teoria de que são os padrões de sofrimento, em grande parte herdados do passado, que limitam a nossa eficácia e impedem-nos de alcançar o nosso pleno potencial como seres humanos. Por exemplo, quando as pessoas experimentam a dor, a primeira coisa que fazem é segurar a respiração, para forçá-la ou controlá-la de alguma forma. Imediatamente após, há uma tentativa de mudar a atenção para longe da experiência dolorosa, como se ao fazê-lo, fosse possível ‘externalizá-la’, levando-a para ‘fora de si’. Os humanos, a seguir, tentam encontrar um rótulo para explicar a dor. Esse rótulo substitui a experiência, e está associada com um movimento que afasta do ‘aqui e agora’, lançando ou para o passado, tentando alterar como entrou em uma experiência dolorosa, ou para o futuro, buscando uma forma de escapar à dor.Finalmente, uma tensão emocional se armazena em algum lugar do corpo, como uma tensão muscular específica, um lugar onde um conjunto de músculos é mantido em estado de contração semipermanente, que tornam o relaxamento difícil. Às vezes, consolidadas durante anos, essas tensões reestruturam o corpo, como músculos mantidos em permanente tensão, eventualmente substituídos por cartilagem fibrosa, incapaz de relaxar. Os idosos muitas vezes se tornam curvados e seus corpos torcidos, como resultado de tais tensões não resolvidas.Precisamos ser capazes de reprogramar estes padrões aprendidos de respostas, que devem ser modificados para nos tornarmos mais eficazes. Esses padrões são levados pelas consequências acumuladas no corpo-mente, muitas vezes tiradas de memórias de eventos passados enterrados profundamente, em que a pessoa era incapaz de exprimir ou descarregar a emoção ou entregar uma comunicação adequada para o evento no momento. O ‘Pinakarri’, processo deDragon Dreaming, inicia-se com uma conexão, em primeiro lugar, à Terra que dá suporte, centrando-se a consciência em uma respiração relaxada e consciente, permitindo-nos encontrar dentro do nosso corpo os locais onde a energia está concentrada, como resultado de uma contração muscular, podendo levar a uma libertação espontânea de tais dores profundamente enterradas, melhorando a nossa eficácia em sermos capazes de estar presente em tais circunstâncias, sem julgamento mental ou avaliação inadequada.Quando tais padrões mentais não podem ser descarregados, uma técnica mais profunda pode ser necessária. O parceiro pode perguntar “Em qual parte do seu corpo você sente dor, ou a energia parece estar bloqueada?” Atribuir uma cor, temperatura ou textura a esta energia pode ser útil. A consciência orientada para o ‘núcleo central de células’, da qual emana a sensação, pode levar à descoberta de uma emoção atrás da sensação, semelhante a uma música que se ouve à distância. Tais sentimentos são também geralmente ligados a recordações. É útil seguir a sequência de volta à primeira lembrança destes sentimentos, para descobrir a cadeia de memória de tais emoções.Uma sessão de aconselhamento cuidadosa e empática vai ajudar a descobrir qual era a comunicação não entregue no momento, permitindo à pessoa perceber que o parceiro adulto pode ouvir a mensagem da sua ‘criança interna’, criando um espaço para esta criança ferida, que agora pode descansar com o conhecimento que a mensagem foi entregue, auxiliando poderosamente no relaxamento da tensão e liberando um suspiro de alívio.O ‘Pinakarri’, assim, trabalha profundamente através da reprogramação das consequências automáticas de experiências dolorosas. Ao invés de prender a respiração, você respira relaxada e conscientemente. Ao invés de retirar a consciência da experiência, você concentra sua consciência sobre ela. Ao invés de rotular a experiência, você foca sobre os sentimentos. Ao invés de jogar fora o passado e o futuro, se concentra sobre o aqui e agora. Ao invés de armazenar a tensão muscular no corpo, você descobre onde está localizada a tensão, relaxa conscientemente e usa a respiração como uma ‘válvula de alívio’, respirando de volta para o mundo.Esta descarga catártica pode incluir choro, suor quente, tremores, bocejos ou riso. Na vida cotidiana, tais descargas podem ser limitadas por normas sociais, como os tabus em torno de choro encontrado em nossa própria e em muitas outras culturas. A base teórica para este trabalho é que, ao suprimirmos o que chamamos de sentimentos negativos, também suprimir os positivos. Viver em uma ‘terra emocional rasa’ não só limita nossa eficácia, mas também nos rouba as energias vitais, as energias necessárias para fazermos uma alteração nas condições do nosso mundo. Não é por acaso que fazendo isso vamos silenciar temporariamente a voz interior de julgamento, tornando o ouvinte capaz de estar totalmente presente para apoiar o seu parceiro em uma sessão de Co-aconselhamento.Conclusão

Page 108: 06 Introdução à Elaboração de Projetos Bem Sucedidos

Em cada sessão de treinamento de Dragon Dreaming, para realmente ajudar as pessoas a realizar os seus projetos, é importante ter um supervisor ou camarada com quem você mantenha contato uma vez por semana.Eu encorajo as pessoas a fazer uso das questões a seguir, quando aderem ao método de co-aconselhamento com seus parceiros, realizado em encontros em locais e horários mutuamente combinados.1. SONHARO que você esperava alcançar na semana passada? Você concluiu? Se ainda não concluiu, este trabalho ainda deve ser feito?Qual trabalho extra você espera concluir até o final da próxima semana? Como essas atividades contribuem para promover o nosso sonho coletivo?Quem deve ser envolvido? Quem são os interessados nessas atividades?2. PLANEJARComo é que vai abordar aqueles que estão envolvidos?Quais recursos espirituais, mentais, físicos ou financeiros são necessários para você alcançar seus objetivos?De que forma você pode melhor obter esses recursos? Como o trabalho deve ser feito? Quais são os melhores processos para executar esta parte do projeto?3. REALIZAR

Até quando o trabalho precisa ser concluído? Quando deve começar?Como você pode tentar sabotar, distrair ou impedir a você mesmo de realizar as tarefas a que se propôs?Como você pode melhor resistir às tentações? Onde os produtos do trabalho serão entregues? Onde é o melhor lugar para realizar o trabalho?4. CELEBRARSerá que a última vez que respondeu às perguntas acima vez levou a um produto de qualidade, entregue em quantidade suficiente para fazer a diferença que você esperava? Isso foi celebrado? Como?O seu projeto está tendo sucesso nos impactos sobre o meio ambiente, sobre os indivíduos envolvidos e sobre todos os interessados e participantes? Como isto foi comunicado e celebrado?Quando e onde podemos nos encontrar novamente? Como você se sente agora? Você necessita de mais alguma coisa?Uma ferramenta simples como esta não só ajuda a superar o problema da curva de esquecimento, mas também contribui para vencer o espaço entre a teoria de ‘aprender sobre’ Dragon Dreaming e a prática, ajudando você a se manter na fase de execução do projeto. Ela dá a todos os participantes a oportunidade de realmente fazer o que dizem, a colocar verdadeiramente em prática as ações para tornar seus sonhos realidade, de uma forma poderosa e sem estresse.