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    R o b e r t G i l p in

    o D E S A F I O D OC A P I T A l l S M O G lO B A l

    Traducao deCLOV IS MARQUESRevisao tecnica

    MARTA SKI NN ER

    EDITORA RECORDRIO DE JANEIRO sA o PAULO

    2004

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    CIP-BRASIL. CATALOGAc;:Ao-NA-FONTESlNDlCATO NACIONAL DOS EDlTORES DE LIVROS, RJ .

    Gilpin, Rober t 1930-G398d 0desaf io do capital ismo global I Robert Gilpin;

    t raducao de Cl6vi s Marques. - R io de Jane ir o: Record,2004. sumario

    Traducao de: The Challenge of global capital ismInclui bibliografiaISBN 85-01-06370-3l.Relacoes econornicas internacionais. 2. Relacoes

    internacionais. 3. Recuperacao econornica. 4. Cornerciointernacional I. Titulo. L i st a d e i lu s tr a ~o e s 7

    Agradecimentos 9L ista de abrevia tu ra s 11COO-33703-2383 COU - 339

    T i tu lo o ri g in a l em ingl es :TH E C HA LL EN GE O F G LO BA L C AP IT AL IS M

    INTRODUy&.OA fragil economia global 13

    Copyright 2 00 0 b y P ri nc eto n U ni ve rs ity P re ss C APinrr.o U MA segunda grande era do capitalismo 29Todo s o s d ir ei to s r es er va do s. P ro ib id a a r ep ro du ca o, a rma ze namen too u t ra nsmis sa o d e p ar te s d es te l iv ro , a tra ve s d e q ua is qu er m ei os , s emp re vi a a ut or iz ac ao p or e sc ri to .P ro ib id a a v en da d es ta e di ca o e m P ort ug al e r es to d a E uro pa

    C AP in rr.o D OISA economia internacional da Guerra Fria 77

    D ir ei to s e xc Iu si vo s d e p ub li ca ca o em I in gu a p or tu gu es a p ar a 0 B ra si la dqu ir ido s pe laD IS TR IB UID OR A R EC OR D D E S ER VI(:O S D E IM PR EN SA S AR ua A rg en tin a 1 71 - R io d e Jan eiro , R J -2 09 21 -3 80 - T el.: 2 58 5-2 00 0q ue s e r es er va a p ro pr ie da de l it er ar ia d es ta t ra du ca o

    CAPinrr.o T R E sUrn sistema de comercio inseguro 123CAPin rr.o Q UA TROUrn sistema monetario instavel 157

    I mpr es so n o B ra si lI SBN 85 -01 -06370 - 3 CA Pi Tu Lo C IN COA vulnerabilidade financeira global 183PE DID OS PE LO R EE MB OL SO PO ST ALCa ix a P os ta l 2 3. 05 2R io d e J an eir o, R J - 2 09 22 -9 70 CA Pi Tu Lo S EISA era da multinacional 221

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    --6 ROBERT G IL P IN

    C AP iT uL o S ET HA integra~ao regional europeia 261C AP iT uL o O IT OA estrategia economica americana 303C AP iT uL o N OV Eo regionalismo asiatico 353C AP iT uL o D ElOs crfticos da globalizacao 389C AP iT uL o O NZ EPara gerir a economia global 431Notas 473Bibliografia 481indice 489

    Lis ta de i lustra~oes

    G R A F I C O S

    G R A F I C O 1.1G RA FIc o 1 .2

    Crescimento daproducao e do comercio mundiais 37Tendencias da globalizacao: fluxos de cornercio einvestimento 39Divisao do cornercio mundial 43R A F I C O 1.3G R A F IC O 1 .4 P N B p e r c ap it a nos "Quatro Tigres" 56

    G R A F I C O 6.1 Tendencias dos fluxos de IDE em parsesemdesenvolvimento 231

    G R A F I C O 6.2 0 investimento direto americano no exterior 243G R A F I C O 6.3 Posicoes totais dos parses industrializados em IDE 256G R A F I C O 8.1 Deficit de conta corrente e posicao do investimento

    internacional Iiquido 306G R A F I C O 8.2 Investimentos e poupanc;a nos EVA 347G R A F I C O 8.3 Poupanc;ae investimento e a balanc;ade conta corrente 347G R A F I C O 10.1 Crescimento em renda famil iar real , 1947-1997 408G R A F I C O 11.1 Exportacoes e importacoes american asem 1986 e 1996 461

    TABELAS

    TABELA2.1TABELA 5.1

    Cronologia docomercio 93Cronologia da crise financeira do Leste Asiatico e suadisseminacao 196Cronologia da integracao europeia 263ABELA 7.1

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    Agradec imen t o s

    Ao preparar este livro, muito me beneficiei da ajuda e do apoio demuitas instituicoes e individuos. Meu principal debito e' corn jWoodrow Wilson School e 0Centro de Estudos Internacionais daUniversidade de Princeton, por sua ajuda financeira e de Outrasformas. 0 Abe Fellowship Program, financiado principalmente peloJapan Foundation Center for Global Partnership, tambem apoiougenerosamente minha pesquisa. Quero igualmente agradecer aoJohn Sloan Dickey Center for International Understanding, doDartmouth College, por me ter proporcionado um porto intelec_tual durante 0periodo letivo do inverno de 1998. Urn especial agra-decimento aJoanne Gowa, Robert Keohane e Atul Kohli, por seusexcelentes comentarios sobre uma versao inicial do manuscr't10.Seminaries patrocinados pelo Dickey Center, 0Departamento deCiencia Politica do MIT e 0Departamento de Ciencia Polftica daUniversidade de Vermont puseram-me em contato com crfticas dealto valor das minhas ideias, Urn agradecimento especialaMalcolmLitchfield, da Princeton University Press, sobretudo por suapacien-cia com os prazos descumpridos e outras experiencin, desgastantescom 0autor no momenta de encaminhar este livro a Editora.

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    AFCDAODAMIAMOApecARCAseanAUEBCEBMCECEECMNCIPCVEDESEcoFinFMAFTAFMIG-7GATSGATTIDEl I EIMEMercosul

    L is ta d e abreviaturas

    Ajuda a Famflias com Criancas DependentesAjuda Ofic ial para 0DesenvolvimentoAcordo Multilateral de Investimentosarea monetaria 6t imaCooperacao Economica Asia-Pacfficoacordo regional de cornercioAssociacao dos Paises do Sudeste AsiaticoAto Unico EuropeuBanco Central EuropeuBanco MundialComunidade EuropeiaComunidade Economica Europeia (Mercado Com urn)corporacao multinacionalcoordenacao internacional de politicascontencao voluntaria de exportacoesDireitos Especiais de SaqueMinistros de Economia da Uniao EuropeiaFundo Monetario AsiaticoAcordo de Livre Cornercio (Free Trade Agreement, entre osEstados Unidos e 0Canada)Fundo Monetario InternacionalGrupo das sete economias mais desenvolvidasAcordo Geral de Cornercio em Services (General Agreement onTrade in Services)Acordo Geral de Tarifas e Cornercio (General Agreement onTariffs and Trade)investimento direto estrangeiroIniciativa de Impedimentos EstruturaisInstituto Monetario EuropeuAcordo regional ent re Argentina . Brasil e outros pafses la tino-americanos

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    MICMitiMOFMossNafta

    NEANOELOCDEOCEEOICOMCONUOpepPACPDAPIBPM DPN BP&DRCEURV ESBWSEBCSM ETDNAITRIMs

    TRIPsUEMUEZESZona Euro

    ROBERT GILPIN

    Mecanismo de Indexacao CambialMinisterio do Comercio e Investimentos japonesMinisterio das Financas japonesNegociacoes Voltadas para 0Mercado e Sele tivas por Setor(Market-Oriented, Sector Selective)Acordo de Livre Cornercio da America do Norte (Nor thAmerican Free Trade Agreement)Nova Economia AmericanaNova Ordem Economica InternacionalOrganizacao para a Cooperacao e 0Desenvolvimento EconomicoOrganizacao para a Cooperacao Economica EuropCiaOrganizacao Internacional do CornercioOrganizacao Mundial do CornercioOrganizacao das Nacoes UnidasOrganizacao dos Paises Exportadores de Petr6leoPolitica Agricola Comumpafses desenvolvidos (ou industrializados) avanc;adosProduto Interno Bruto (as vezes equivalendo a PNB)pais men os desenvolvidoProduto Nacional Bruto (as vezes equivalendo a PIB)pesquisa e desenvolvimentoRepresentante Comercial dos Estados UnidosRestricao Voluntaria de Exportac;aoSistema de Bret ton WoodsSistema Europeu de Bancos CentraisSistema Monetario EuropeuTaxa de Desemprego Nao-aceleracionista da Inflac;aoMedidas de Investimento Relacionadas ao Cornercio (Trade-Related Investment Measures)Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados aoCo~ercio (Trade-Related Aspects ofInteIIectual Property Rights)Uniao Econornica e MonetariaUniao EuropeiaZona Economica EspecialMembros da UEM

    Introduciu:A fragil e conom i a g lo bal

    ocapitalismo e 0mais bem-sucedido sistema economico de cria-~ao de riqueza que 0mundo ja conheceu; como frisou 0 respeitadoeconomistaJoseph Schumpeter, nenhum outro sistema beneficioutanto "0homem com urn" . 0 capitalismo, observou ele, cria rique-zapor estar constante mente avancando em direcao a niveis cada vezmais altos de produtividade e sofisticacao tecnol6gica; este proces-so determina que 0 "velho" seja destrufdo para que 0 "novo" tomeseu lugar. 0 progresso tecnol6gico, que vern a ser 0motor funda-mental do capitalismo, exige que estejam permanentemente sendodescartadas fabricas, setores econornicos e ate capacidades huma-nas obsoletos. 0 sistema premia 0que e adaptavel e eficiente, pu-nindo 0 que e redundante e menos produtivo.

    Este "processo de destruicao criativa", para usar a expressao deSchumpeter, produz muitos vitoriosos mas tambem muitos der-rotados, pelo menos a curto prazo, representando uma seria amea-~aa valores sociais, crencas e instituicoes tradicionais. Alern disso,o avanco do capitalismo e acompanhado de movimentos peri6di-cos de recessao e desaquecimento economico que podem semeardestruicao na vida dos individuos. Embora acabe por distribuir ariqueza mais equitativamente que qualquer outro sistema econo-

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    14 R OB ER T G IL PI N o D ESA FIO D O C APIT AL ISM O G LO BA L 15mico, ja que tende a recompensar os mais eficrentes e produtivos,o capitalismo tende igualmente a concentrar a riqueza, 0poder e asatividades econornicas. Os individuos, grupos e pafses ameacadosconstituem uma forca sempre presente que pode derrubar ou pelomenos perturbar seriamente 0 sistema capitalista.

    A revolta no sistema internacional contra uma economia globalcaracterizada pelos mercados abertos, os fluxos irrestritos de capi-tal e as atividades das empresas multinacionais manifesta-sereiteradamente, na forma de protecao ao comercio, blocos econo-micos fechados e varias formas de subterfiigios. Pafses ou podero-sos grupos que consideram que a economia mundial funcionainjustamente e em seu prejuizo, ou que desejam mudar 0 sistemapara se beneficiarem em detrimento de outros, constituem umaameaca constante a estabilidade do sistema.osistema capitalista internacional nao sera capaz de sobreviversem uma lideranca forte e escIarecida. Esta lideranca internacionaldeve promover a cooperacao internacional para estabelecer e im-por regras de regulamentacao do comercio, dos investimentosestrangeiros e das questoes monetarias internacionais. Mas e igual-mente importante que tal lideranca assegure pelo menos salvaguar-das minimas para os inevitaveis derrotados das forcas de mercado edo processo de destruicao criativa; aqueles que perdem precisampelo menos acreditar que 0sistema funciona cornjustica. A conti-nuidade do sistema capitalista ou de mercado estara ameacada se 0empenho de eficiencia nao for contrabalancado pela protecao socialdos economicamente fracos e 0 treinamento/educacso dos traba-lhadores deixados para tras pela rapidez das mudancas economicase tecnol6gicas.

    Com 0 fim da Guerra Fria em 1989, muitos procIamaram 0"triunfo do capitalismo global", e pelo fim da decada de 19900 povoamericano desfrutava da "mais longa expansao economica (... ) javista", segundo The Economis t , de Londres. 0 desemprego (cercade 4%) era 0mais baixo em quase trinta anos, os salaries haviam

    aumentado para a maioria dos trabalhadores amencanos e a infla-~aomantinha-se baixa; tratava-se efetivamente de uma proeza eco-nomica. 0 desempenho da bolsa de valores era extraordinario,superando 0 Indice Dow Jones a marca de 10.000 pontos na prima-vera de 1999; 0 "efeito riqueza" da alta da bolsa, estimulando osamericanos a gastar livremente, recorrer a sua poupanca e se endi-vidarem profundamente, estimulou 0 rapido crescimento econo-mico. Com 0resto do mundo em recessao ou sofrendo outras seriasdificuldades econornicas, muitos americanos acreditavam que osEstados Unidos haviam criado na decada de 1990 urn novo tipo deeconomia capitalista e que se haviam livrado para sempre de pro-blemas historicamente associados ao sistema capitalista.

    Para muitos, esta Nova EconomiaAmericana (NEA) fora cria-da por varias tendencias i~portantes, entre elas a liberacao dosmercados do excesso de regularnentacoes governamentais, 0enxugamento e a reestruturacao de corporacoes american as e a ra-pidez dos avances tecnol6gicos (especialmente 0 computador, astecnologias da informacao e a Internet). Alern disso, a globalizacaoeconomica, os Indices altos de crescimento da produtividade e aabertura da economia americana as importacoes haviam mantidoos pre~os baixos e amortecido as pressoes inflacionarias, permitin-do que 0Federal Reserve (0banco central americano) desse pros-seguimento a politicas economicas expansivas. Por outro lado, areducao do deficit orcamentario federal, a alta qualidade da gestaeempresarial e 0 novo vigor da capacidade americana de empreen-dimento tornaram a economia americana mais capaz que seuscompetidores japones e europeu de tirar vantagem da economia daInternet e da inevitavel evolucao das economias avancadas dos se-tores de producao para os de service. Estes desdobramentos haviamaumentado muito a competitividade internacional da economiaamericana.Os mais entusiasmados com a NEA chegaram a afirmar que aeconomia americana havia transcendido 0 cicIo de "expansao e

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    retracao" de neg6cios que historicamente afetava as economias ca-pitalistas. Parecia que 0 boom economico poderia continuar parasempre. Por outro lado, muitos economistas academicos mostra-vam-se ceticos, advertindo que a economia americana estava numa"bolha especulativa". Como a bolhajaponesa do fim da deca~a de1980 e outras bolhas equivalentes do passado, a bolha amencanatambern haveria urn dia de explodir.

    Desfrutando de sua boa sorte, os americanos nao perceberamque a prosperidade do pais era altamente dependente da economiaglobal, e que nenhuma pessoa ou pals e uma ilha, nas questoes eco-nomicas internacionais como em outros aspectos da vida. Poucospareciam dar-se conta de que, embora 0 capitalismo global hou-vesse efetivamente triunfado, essa economia global amplificadaenfrentava series problemas. Nem parecia preocupa-los 0 fato deque 0 governo Clinton e 0 Congresso muito pouco estivessem fa-zendo a respeito. Entretanto, 0 rapido crescimento economicoamericano na maior parte da decada de 1990 foi consideravelmen-te ajudado pelas exportacoes para mercados externos e tambem porgrandes quantidades de capitais importados, assim como pelas im-portacoes baratas. Os Estados Unidos sao urn dos maiores expor-tadores do mundo, e seu progresso economico de lange prazodepende dessas exportacoes. Muitos trabalhadores americanos be-neficiam-se altamente da economia de exportacao, pois as exporta-~oes estao associadas a empregos de mais alta remuneracao, Com 0Indice mais baixo de poupanca individual do mundo industrializa-do, a economia americana tambem se tornou muito dependente dasimportacoes de capital, e sua prosperidade na decada de 1990 de-veu-se em parte ao fato de que os investidores estrangeiros esta-yam contribuindo significativamente para financiar a bolsaamericana e, desse modo, 0 crescimento economico do pafs,

    Embora as mudancas ligadas a NEA expliquem em parte a boasituacao economic a da America na decada de 1990, houve outrosfatores igualmente importantes, como a bern conduzida gestae da

    economia pelo Federal Reserve, sob a presidencia de AlanGreenspan, e pura e simples sorte. E os Estados Unidos beneficia-ram-se ainda de acontecimentos internacionais altamente favora-veis. A vitoria sobre a inflacao e asbaixas taxas dejuros deveram-seem grande medida ao fato de que a economia do resto do mundopassou boa parte do perfodo em recessao ou baixo crescim~nto; estasitua~ao levou a precos mais baixos de importacao, especialmentenos casos do petr6leo, de outras materias-primas e de bens de con-sumo. Pe10 mesmo motivo, os Estados Unidos tern podido impor-tar enormes quantidades de capital em condicoes altamentefavoraveis: dispondo de poucos outros lugares para investir seucapital, tanto os investidores americanos quanta os estrangeirospassaram a inflacionar a bols a americana ou a comprar letras doTesouro. Como advertiu Greenspan, 0 resultante aciimulo de di-vida externa pode levar 0 dolar a cair consideravelmente, nao po-dendo continuar para sempre.

    A retomada do crescimento economico na Europa e na Asiadiminuiria essas condicoes favoraveis, e a curto prazo desacelerariao crescimento economico americano, embora a mais longo prazo 0reinfcio do crescimento economico global devesse beneficiar imen-samente as exportacoes americanas. Alern disso, nao esta claro quea retomada da produtividade verificada no fim da decada de 1990possa ser sustentada. Urn saIto semelhante de produtividade ocor-reu durante 0 boom reaganiano do infcio da decada de 1980, maseste boom ja se havia dissipado no fim da decada,0 aumento daprodutividade dos anos 90 pode ter-se devido ao fato de que osamericanos vinham trabalhando mais e por mais tempo durante osanos do boom , nao sendo necessariamente uma consequencia daeconomia informatizada e da informacao.

    Durante as decadas de 1980 e 1990, os deficits comerciais e depagamentos da America atingiram recordes. Desde 0 infcio dos anos80, com efeito, os american os tomaram emprestados aproximada-mente US$ 5 trilh6es de poupadores detodo 0 mundo, especialmente

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    osjaponeses, para financiar seu consumo e seus investimentos. Nomeade dos anos 80, os Estados Unidos passaram da posicao de maiorpals credor do mundo, que ocupavam desde 0fim da Primeira GuerraMundial, para a de maior devedor. Se descontarmos os investimen-tos americanos no exterior, a divida intemacional americana lfquidano fim da decada de 1990 era de aproximadamente US$ 1 trilhao;conseqiientemente, uma parte consideravel do orcamento federaldeve destinar-se ao pagamento dos juros dessa gigantesca dfvida emcrescimento. Alern disso, os americanos esvaziaram suas poupanc;asao lange dos anos 90 para alimentar "sete anos de vacas gordas", dei-xando muito pouco para os "sete anos de vacas magras" que muitoseconomistas, talvez a maioria deles, acreditam estarem para chegar;o frenesi de gastos deixou 2 0 % dos lares americanos endividados. Eas "vacas gordas" daquele perfodo deixaram muitos para tras, a me-dida que a renda dos menos capacitados ficava defasada.' Os ameri-canos pareciam nao se dar conta de que urn dia a enorme dfvidaacumulada pelo pals tera de ser paga, tomando-se necessaries pro-fundos ajustes no padrao de vida americano.

    Se 0]apao, a Europa Ocidental e os mercados "emergentes" doLeste Asiatico tambern tivessem crescido rapidamente na decada de1990, os precos internacionais das commodit ies (como petroleo, ali-mentos e materias-primas) teriam aumentado, agravando a pres-sao inflacionaria e com isto comprometendo 0 crescimentoeconomico americano. Mas, seja como for, a inedita prosperidadeeconomica americana urn dia chegara ao fim, e quando isto aeon-tecer os Estados U nidos terao de encarar 0baixo nivel de poupan-c;aindividual, a deterioracao de seu sistema de ensino e 0aciimuloda divida externa, ainda por cima adaptando-se a uma economiaglobal em rapida transformacao, caracterizada pela crescente com-peticao, os acordos regionais excludentes e a instabilidade do siste-ma financeiro internacional. As tendencias de transforrnacao daeconomia global representam urn serio desafio para os EstadosUnidos.

    Impulsionado por uma serie de mudancas polfticas, ecoriorni-cas e tecnologicas, 0mundo passou da economia internacional acen-tuadamente dividida da Guerra Fria para uma economia capitalistaglobal cada vez mais integrada. 0 fim da Guerra Fria em 1989 e asubseqiiente desintegracao do imperio sovietico foram natural mentede extrema importancia neste processo. A rapida industrializa~aodos mercados emergentes do Leste Asiatico, da America Latina ede outras regioes nas decadas de 1980 e 1990 deslocaram 0 podereconomico global, criando uma economia internacional cada vezmais competitiva. Alem disso, a permanente revolucao tecno16gicaassociada ao computador eo surgimento da economia da informa-

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    "'u l\U01:IU \.JU.I'IN o D ES AFIO D O C APIT ALIS MO G LO BA L 21Embora a economia russa constitufsse uma parte pequena da eco-nomia internacional e seus problemas fossem em grande medidade origem interna, as mas notfcias econornicas provenientes daRussia no fim do verao de 1998 desequilibraram os mercados fi-nanceiros internacionais, seguindo-se uma queda acentuada nasbolsas dos Estados Unidos e de outros pafses. 0 impacto psicol6-gico desses acontecimentos levou os investidores a se retirarem doBrasil e de outros mercados emergentes.

    Embora os mercados emergentes fossem no infcio dos anos 90saudados como fonte de enormes lucros para os investidores ame-ricanos, pelo fim da decadaja eram considerados uma grande fontede instabilidade polftica e econornica global. Nos anos 80, teria sideimpensavel que uma crise financeira origin ada numa economiasecundaria do Sudeste Asiatico pudesse prejudicar nao s6 os Esta-dos Unidos como 0 resto do mundo. Durante os governos Reagane Bush (1981-1993), com efeito, os Estados Unidos eram cons ide-rados a unica autentica superpotencia; ap6s a vit6ria na Guerra doGolfo, 0presidente Bush proclamou uma "Nova Ordem Mundial"de paz, prosperidade e democracia, com os Estados Unidos em seucentro, naturalmente Dez anos depois, entretanto.ja havia seriasduvidas quanto a perspectiva de uma nova ordem mundial pr6spe-ra e pacifica baseada na lideranca americana.

    No infcio do seculo Xxl, a economia global cada vez mais abertaesta sob ameaca. Embora os problemas financeiros do Leste Asiati-co e de todo 0mundo tenham consideravelmente se abrandado, avulnerabilidade do sistema financeiro e monetario internacionalarneaca a estabilidade da economia global; embora as crises finan-ceiras parecam ser uma caracterfstica inerente do capitalismo in-ternacional, s6 foram tomadas medidas paliativas para prevenir quevoltem a ocorrer no futuro. Por outro lado, a unidade e a integracaoda economia global veem-se crescentemente desafiadas pela disse-rninacao dos acordos economicos regionais; tanto 0movimentoeuropeu em direcao a maior unidade economica e polftica quanta

    o Acordo de Livre Comercio da America do Norte (Nafta) repre-sentam importantes mecanismos de distanciamento de uma eco-nomia global aberta. Mais importante que tudo, as bases polfticasda economia internacional vern sendo seriamente minadas desde 0fim da Guerra Fria.

    Embora se venha tornando cada vez mais integrado tanto eco-nomica quanto tecnologicamente, 0planeta continua politicamen-te fragmentado em Estados independentes e voltados para seuspr6prios interesses. As forcas da globalizacao economica - comer-cio, fluxos financeiros, as atividades das corporacoes multinacionais- tornaram a economia internacional muito mais interdependente.Ao mesmo tempo, 0 fim da Guerra Fria e a menor necessidade decooperacao estreita entre os Estados Unidos, a Europa Ocidental eojapao enfraqueceram consideravelmente os elos polfticos que vi-nham mantendo coesa a economia internacional. Em consequencia,o sistema econornico internacional baseado em regras estabelecidona Conferencia de Bretton Woods (1944) desgastou-se muito. Naoobstante certas reformas importantes, entre elas a criacao em 1995da Organizacao Mundial do Comercio (OMC), as regras que go-vernam 0cornercio, 0dinheiro e outras questoes economicas inter-nacionais ja nao sao adequadas para uma economia global altamenteintegrada e fragil,

    Os problemas decorrentes da maior integracao economica daseconomias nacionais exigem novas regras ou a modificacao dasantigas regras, para que possam ser enfrentadas questoes economi-cas prementes e seja assegurada a continuidade de uma economiaglobal aberta e estavel, A integracao internacional dos mercados fi-nanceiros, a crescente importancia das corporacoes multinacionaise do investimento direto estrangeiro e a disserninacao dos blocoseconomicos regionais estao a exigir a~oes das principais potenciaseconomicas e das economias em ascensao no Leste Asiatico e emoutras regioes. Se continuar se eximindo de atacar os problemaseconomicos internacionais mais cruciais, a comunidade internacio-

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    nal pode estar ameacando a estabilidade da economia global. Me-lhorar os padroes de governo e gestao tornou-se algo imperativo.

    A atrofia da cooperacjio polftica que caracterizou a ordem eco-nomica internacional posterior a Segunda Guerra Mundial minouas proprias bases dessa ordem. A estabilidade e a prosperi dade daeconomia internacional (como de uma economia domestica) exi-gem bases polfticas fortes e estaveis, capazes de escorar as institui-~oes e regras que governam 0sistema e impedir que os problemasevoluam para crises como a crise finance ira posterior a 1997. Umaforte lideranca internacional, relacoes de cooperacao entre as prin-cipais potencias economicas e 0compromisso dos cidadaos para comurn mundo aberto sao elementos cruciais. Entre 1945 e a decada de1980, a lideranca americana forte e em geral prudente, a estreitacooperacao entre os Estados Unidos e seus principais aliados e urnconsenso interno nas principais economias capitalistas em favor dolivre comercio e de uma economia mundial aberta proporciona-ram alicerces firmes para 0 desenvolvimento de uma economiainternacional integrada. Entretanto, os alicerces lancados em BrettonWoods se enfraqueceram, assim como os interesses politicos com-partilhados, 0entendimento redproco e os acordos de coopera~aodas decadas da Guerra Fria.

    Neste inicio do seculo XXI, a Iideranca americana da economiamundial ve-se significativamente enfraquecida por uma serie defatores. 0 vacilante consenso interno sobre questoes economicascontribuiu para este declinio, Enquanto na maior parte do perfododa Guerra Fria se esperava do governo federal americano que assu-misse urn papel importante na gestao das questces economicas, tantointernas quanto internacionais, 0mercado tornou-se urn elementodominante com a presidencia de Ronald Reagan, e muitos come-~aram a crer que so ele seria capaz de governar 0mundo. 0 fim daGuerra Fria minou a capacidade e a disposicao da America de pagaro pre~o, economico ou de outra natureza, da lideranca economicamundial. Ao longo da Guerra Fria, os americanos acreditavam que

    o D ES AF IO D O C AP IT AL IS MO G LO BA L 23preocupa~oes politico-partidarias e ~utras questoes .causador~s dedivisao deviam ser postas de lado no interesse da unidade nacionalem questoes externas; 0 colapso da ameaca sovietica esmoreceugrandemente esta crenca, No .terreno ~co.no~ico, 0 cons.enso in-ternO americano em favor do livre cornercio foi enfraquecido peIasdivisoes ideologicas e polfticas quanto a polftica economica e peIocrescente temor de que a globalizacao economica ameacasse 0bem-estar economico americano.

    Na dec ada de 1990, muitos setores nos Estados Unidos protes-taram contra a expansao do comercio e do investimento estrangei-ro, argumentando que prejudicavam 0 trabalhador americano, 0meio ambiente e os direitos humanos. Simultaneamente, aumen-tava cada vez mais 0mimero de americanos que atribuiam os proble-mas do pais, de natureza economica ou nao, a globalizacao, acusandoas importacoes e os investimentos corporativos no exterior de pre-judicarem os trabalhadores, aspequenas empresas e de mane ira gerala sociedade do pais. Foram muitos, por exemplo, os que comeca-ram a acreditar que 0agravamento das desigualdades economicas,a queda dos salaries reais e 0 aumento da inseguranca trabalhistahaviam sido causados pela maior competicao por parte do Mexico,dos paises da Asia do Pacffico e de outras economias apoiadas emsalaries baixos. Esta mudanca na opiniao publica foi claramente ilus-trada pelo aspero debate, em 1997, em torno do chamado ' la s t t ra c k " ,autorizacao que 0Congresso afinal nao pode aprovar para facilitarnovas negociacoes comerciais, e peIa longa demora para que 0mes-mo Congresso aprovasse em 1998 uma dotacao orcamentaria (US$18bilhoes) para 0Fundo Monetario Internacional (FMI).2 Os ata-ques tanto da esquerda quanta da direita aos males da economiaglobal tornaram-se sintornaticos do recuo da lideranca internacio-nal americana.

    Desde 0 fim da Guerra Fria, a cooperacao economica entre osEstados Unidos e seus aliados desgastou-se consideravelmente,tornando-se a polftica externa e economica americana mais unila-

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    eral e autocentrada. Este maior distanciamento da cooperacao in-ernacional comecou no meade dos anos 80, quando 0 governo~eagandescartou 0compromisso com 0multilateralismo econo-nico adotado no pos-guerra, em favor de uma politica comercial'multidirecionada" que englobava0comercio controlado e0Nafta;)S Estados Unidos converteram-se ao regionalismo economico, A19ressivaofensivaeconomica do governo Clinton contra 0japao,10 infcio da decada de 1990, evidenciou ainda mais que aAmericarelegava0multilateralismo e a enfase ate entao adotada na coope-ra~aointernacional com seus aliados daGuerra Fria. A politica ofi-cialde "comercio control ado" com0japao nunca teria sido lancadano auge daGuerra Fria.

    Enquanto isto, os europeus tambem se tornavam muito maisparoquiais que no passado em suas preocupacoes economicas epoliticas. Suas energias tem-se concentrado em esforcos intensifi-cados para criar uma economia e uma polftica europeias, Tern-seempenhado em estabilizar 0 continente politicamente, criar umaeconomia europeia globalmente competitiva e fortalecer sua posi-~aoeconornica e polftica faceaosEstadosUnidos e, em menor grau,aojapao. Liderados pela alianca economica franco-germanica, oseuropeus ocidentais tem-se concentrado na concretizacao da uni-ficacao economics do continente e no fortalecimento da UniaoEuropeia,

    Os japoneses tambern reorientaram sua polftica econornica eexterna. Em seguida aoAcordo de Plaza de 1985 e a consequentevalorizacao substancial do iene, a elite politica e economics do Ja-paopassou a darmaior atencao a regiaoasiaticado Pacifico,e0maiorinteresse na regiao levou ao empenho de modelar uma economiaregional estreitamente vinculada ao japao, As corporacoes multi-nacionais japonesas, fortemente apoiadas pelo governo, criaramredes de producao integradas de empresas japonesas e locais paraaumentar a competitividade das empresas japonesas na economiaglobal. Embora este empenho tenha sofrido urn reves com as cri-

    ses financeiras do Leste Asiatico e os problemas economicos doproprio Japao,0esforco coordenado no sentido de forjar uma eco-nomia daAsia do Pacifico liderada pelo japao tern prosseguimen-to, refletindo a confianca e a independencia cada vez maiores dopals na economia global.A incapacidade das principais potencias capitalistas de lancarqualquer esforco coordenado para enfrentar a instabilidade dosmereados financeiros internacionais depois de 1997 revelou 0graude recuo verificado na cooperacao internacional. A debilidade dalideran~a americana ficou dolorosamente evidente no discurso dopresidente Clinton no Conselho de Relacoes Exteriores no dia 14de setembro de 1998, assim como em subseqiientes debates entreasprincipais potencias econornicas (G-7) apos a reuniao conjuntaanual do Banco Mundial e do Fundo Monetario Internacional emoutubro de 1998. A principal proposta do discurso do presidenteno Conselho - de urn corte mundial nas taxas de juros - teverecepcao fria.0Bundesbank, mais preocupado com 0combate ainflacao do que com a saiide da economia global, descartou a pro-posta; 0japao, que ja trabalhava com quase zero por cento de taxasdejuros e envolvido com suas proprias e graves dificuldades eco-nomicas, pouco pareceu fazer para estimular sua economia. Em-bora se tivesse alcancado no G-7 urn acordo para a criacao de urnnovo fundo de emprestimos no FMI, nao severificou ate agora urnavanco adequado na salvaguarda das questoes financeiras interna-cionais.Muitos lfderes politicos, empresarios e acadernicos, especial-mente nos Estados Unidos, descartam aspreocupacoes com 0 fu-turo do capitalismo global. Segundo e1es,a economia mundialpassou a ser dominada pelo mercado, e os mercados livres podemperfeitamente conduzir a economia global a nfveis cada vez maisaltos de prosperidade e estabilidade. De acordo com esta argumen-tacao, 0fracasso das economias centralmente geridas e das econo-mias fechadas dos paises menos desenvolvidos levou governos de

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    todas as partes do mundo a buscar solucoes de mercado para osproblemas economicos. Nos paises desenvolvidos, a desregula-mentacao, a privatizacao e outras reformas reduziram 0 papel doEstado na economia, levando muitos a proclamarem 0 triunfo docapitalismo internacional e das ideias economicas sobre as quaisrepousa. A crenca na vitoria assegurada do capitalismo liberado poderevelar-se valida, mas e importante lembrar que 0mundo ja passoupor situacao equivalente na era do laissez-faire antes do inicio daPrimeira Guerra Mundial e no subsequente colapso daquela queera uma economia mundial altamente integrada. Embora 0 riscode uma nova guerra de grandes dirnensoes seja muito pequeno,outros acontecimentos podem derrubar ou pelo menos prejudicarseriamente 0 sistema capitalista internacional contemporaneo.Como nos indica a revolta contra a globalizacao nos Estados Uni-dos e em outros paises, 0 capitalismo cria seus proprios inimigosinternos.

    Sustentarei neste livro que a politica internacional afeta signifi-cativamente a natureza e a dinarnica da economia internacional.Embora os progressos tecnologicos eo jogo das forcas de mercadorepresentem motivos suficientes para ampliar a integracao da eco-nomia mundial, as politicas de apoio dos Estados mais fortes e asrelacoes de cooperacao entre eles constituem a base polftica neces-saria para uma economia mundial estavel e unificada. As regras in-ternacionais (regimes) que govern am as questoes econornicasinternacionais nao podem ter exito se nao se apoiarem em solidabase polftica.

    Desde 0 fim da Guerra Fria, todos os elementos politicos desustentacao de uma economia global aberta tern-se debilitado con-sideravelmente. Dirninuiram tanto a capacidade quanta a disposi-~ao dos Estados Unidos de liderar, e embora subsista 0 contextoformal das aliancas anti-sovieticas, a unidade politica dos aliadosda Guerra Fria tern diminuido a medida que os Estados Unidos, aEuropa Ocidental e 0japao passaram a dar mais enfase que no pas-

    o DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 27sado a suas proprias prioridades paroquiais nacionais e regionais.Alem disso, 0cons enso interno tanto nos Estados Unidos quantona Europa tern sido desgastado por anos sucessivos de agravamen-to das desigualdades de renda, inseguranca no emprego nos Esta-dos Unidos e altos Indices de desemprego na Europa Ocidental.Embora as grandes mudancas estruturais propiciadas pela evolu-~aotecnologica e por polfticas nacionais equivocadas sejam em boaparte responsaveis por estes problemas sociais e econornicos, e cadavez maior nos Estados Unidos e na Europa 0niimero dos que res-ponsabilizam a globaliza~ao e a concorrencia da mao-de-obra es-trangeira de baixa rernuneracao. A crescente preocupacao com aglobaliza~ao econornica e 0 aumento da competicao deram forcaao movimento em direcao ao regionalismo econornico e ao apelodo protecionismo.

    Varies livros sustentam que, queiramos ou nao, 0 capitalismoglobal e a globaliza~ao economica vieram para ficar. Os mercadossem peias, argumentam, e que comandam hoje 0mundo, e todosterao de se adaptar, por doloroso que seja. Entretanto, consideroque nao obstante os enormes beneflcios do livre comercio e deoutros aspectos da economia global, uma economia global aberta eintegrada nao e necessariamente tao ampla e inexoravel nem taoirreversivel quanta sustentam muitos. 0 capitalismo global e aglobalizacao economica tem-se escorado e devem continuar a es-corar-se em solidas bases politicas. Entretanto, os fundamentos daeconomia global posterior a Segunda Guerra Mundial vem-se des-gastando continuamente desde 0 fim da ameaca sovietica. Para ga -rantir a sobrevivencia da economia global, os Estados Unidos eoutras gran des potencias devem voltar a comprometer-se a traba-lhar juntos para reconstruir seus enfraquecidos alicerces politicos,

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    CAPiTULO UM

    A segunda grande era do capitalismo

    Os americanos, outros cidadaos do mundo industrializado e mui-tas pessoas em outros segmentos da economia internacional vivemhoje na "segunda grande era do capitalismo global", para usar aexpressao do especialista financeiro e comentarista econornicoDavid D. Hale. 0 sistema economico e politico mundial passa porsua mais profunda transformacao desde 0 surgimento da econo-mia internacional nos seculos XVII e XVIII. 0 fim da Guerra Fria,o colapso da Uniao Sovietica, a estagnacao de um japao no entantoextremamente rico, a reunificacao da Alemanha e seu conseqiienteressurgimento como potencia dominante da Europa Ocidental e aascensao da China e da Asia do Pacifico influenciam praticamentetodos os aspectos das relacoes internacionais. Certas mudancas ini-ciadas em decadas anteriores tambem se tornaram mais proeminen-tes; entre estas tendencias estao a revolucao tecnol6gica associadaao computador e a economia da inforrnacao e a redistribuicao dopoder economico do Ocidente industrializado para as economiasem rapida industrializacao mas vulneraveis a crises daAsia do Paci-fico. A tendencia mundial para maior dependencia do mercado nagestae dos neg6cios economicos, assim como 0 chamado "recuodo Estado", estao integrando as economias nacionais de todo 0mundo numa economia global de comercio e fluxos financeiros emexpansao, E entretanto a revolucao demografica que exercera a longo

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    prazo a principal influencia. 0 extraordinario declfnio populacionaldo mundo industrializado e 0explosivo crescimento dernograficona China, na India, em outras regi6es da Asia e do mundo em de-senvolvimento continuarao a alterar significativamente a distribui-~ao global do poder econornico e, naturalmente, militar.

    Estas tendencias tern importantes consequencias nas vidas detodos nos. Havera muitos vitoriosos a medida que 0 capitalismoglobal remodela praticamente todos os aspectos das quest6es eco-nornicas internas e internacionais. E havera tarnbern muitos derro-tados, pelo menos a curto prazo, a medida que a competicaointernacional se intensifica e as empresas e os trabalhadores per-dem nichos de seguranca de que desfrutavam no passado. Aglobalizacao econornica apresenta ameacas e desafios ao bem-estardos povos de todo 0mundo. Se os individuos e as sociedades qui-serem adaptar-se de maneira inteligente ao desafio do capitalismoglobal, terao de entender as principais forcas de transforrnacao dasrelacoes economicas e polfticas internacionais.

    o TRIUNFO DO LIBERALISMO ECONOMICOo fim da Guerra Fria em 1989 e 0 colapso da U niao Sovietica em1991 desencadearam urn debate internacional sobre a natureza da"nova ordem mundial". Apos a desintegracao do imperio sovieticona Europa Oriental e a subsequente fragmentacao da pr6pria U niaoSovietica, desencadearam-se asespeculacoes sobre a transformacaodo sistema internacional e a natureza dos equilfbrios mundiais aposa Guerra Fria. Quando 0 desaparecimento da ameaca comunistadeixou os Estados Unidos como (mica verdadeira superpotencia,muitos comentaristas acreditaram que os valores liberais america-nos de democracia, individualismo e livre mercado haviam triun-fado, e que 0mundo estava no limiar de uma era de prosperidade,democracia e paz sem precedentes. Observadores mais pondera-

    o DE SAFIO D O C APIT ALISM O G LOB AL 31dos argumentaram que a estabilidade bipolar do mundo no pos-guerra estava sendo suplantada por urn mundo caotico e multipolarde cinco ou mais potencias principais, urn mundo caracterizado pornovas formas de intens os conflitos etnicos, politicos e econornicos;alguns chegavam inclusive a prever que 0mundo poderia urn diasentir saudades dos tempos mais simples e previsiveis da bipolari-dade da Guerra Fria, aos quais 0historiador John Lewis Gaddisreferiu-se como "a longa paz"."

    Durante a maior parte da segunda metade do seculo xx, aGuerra Fria e suas estruturas de aliancas constituiam 0 arcaboucono qual evoluia a economia mundial; agora esse arcabouco via-sedebilitado. Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e seus alia-dos em geral subordinavam os conflitos potenciais dentro de suaalianca aos interesses da cooperacao politica e de seguranca, A en-fase nos interesses de seguranca e na coesao da alianca criava os la-~os capazes de manter a economia mundial em funcionamento efacilitar acordos em torno de divergencias econornicas importan-tes. Embora os Estados Unidos com efeito recorressem eventual-mente, como acusavam muitos europeus ejaponeses, a seu poderiopolitico para obter concess6es econornicas dos diferentes parceirosde alianca, eles com toda evidencia tambern davam mais enfase aseus interesses de seguranca e a cooperacao aliada do que a seusinteresses economicos imediatos.Com 0 fim da Guerra Fria, as prioridades nacionais mudarame os aliados ocidentais passaram a dar mais importancia a seus pro-prios interesses econornicos nacionais (e nao raro paroquiais). Arnudanca na polftica americana ja se tornara evidente durante osgovernos Reagan e Bush. A nova enfase em preocupacoes maisnacionalistas foi levada ainda mais longe no governo Clinton, quedeixou patente a mudanca ao declarar que a s eg u ra n fa e c on bm ic a to-mava agora 0lugar da preocupacao anterior com s seguranca mil i tar. 'Os defensores da "geoeconomia" argumentavam que 0 conflitoeconornico tomara 0lugar dos tradicionais interesses politicos e de

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    seguranca." A mudanca nas atitudes e prioridades americanas ma-nifestou-se num crescente unilateralismo economico e na ratifica-~ao do Acordo de Livre Comercio da America do Norte. Outramanifestacao significativa dessa mudanca foi a adocio no inicio dadecada de 1990 de uma agressiva politica comercial control ada oude "busca de resultados" em relacao ao japao.

    A s prioridades da Europa Ocidental e do japao tam bern muda-ram nos anos 90. Uma e outro passaram a mostrar-se menos dis-postos a seguir a lideranca americana, muito menos tolerantes como desprezo americano por seus interesses econornicos e politicos emais inclinados a enfatizar suas proprias prioridades nacionais. AAlemanha reunificada passou a dar mais irnportancia a questoesregionais europeias e menos a sua alianca com os Estados Unidos ,comecando a tomar a frente do processo de criacao de uma Europapolitica e economicamente unida. 0 japao redescobriu sua "asiati-cidade", passando a dar enfase cada vez maior ao desenvolvimentode uma economia integrada na Asia do Pacifico sob sua propria li-deranca. Ao longo dos anos 90, as preocupacoes regionais comeca-ram a ganhar precedencia sobre as questoes norte-americanas ,transatlanticas e transpacfficas.

    Essas mudancas nas prioridades nacionais e nas politicas exter-nas tern ramificacoes extraordinariamente importantes para 0 fu-turo da economia mundial. Desde a Segunda Guerra Mundial, asbases fundamentais da economia internacional, com seus merca-dos livres e a liberalizacao do comercio, vinham sendo a liderancainternacional americana e a disposicao da Europa Ocidental e dojapao de segui-Ia. Na decada de 1990, no entanto, a era mais pros-pera e economicamente bem-sucedida da hist6ria mundial via-seameacada por mudancas, A estreita cooperacao das decadas anterio-res afrouxara, e podiam ser graves as consequencias negativas paraa paz e a prosperidade mundiais. A turbulencia economica mundialdos ultimos anos do seculo deixa claro que existem serias ameacasa saude e a estabilidade de uma economia global liberal.

    o calcanhar-de-aquiles da ordem mundial liberal posterior aGuerra Fria e a incompreensao em relacao ao liberalismo econo-mico, ao funcionamento do sistema de mercado e a maneira comoo capitalismo cria riqueza. 0 aspero debate em tomo do Acordo deLivre Comercio da America do Norte (Nafta), por exemplo, reve-lou que muitos cidadaos americanos e mesmo certos executivos deneg6cios muito bem-sucedidos nao entenderam os fundamentosda liberalizacio do cornercio. Os argumentos dos economistas deque os mercados abertos sao extremamente beneficos e de que aprote~ao comercial pode ser altamente onerosa sao frequentementesobrepujados por equivocos popularmente aceitos e exigenciasegofstas de protecao contra importacoes "baratas" e parceiros co-merciais "injustos".

    Os pr6prios economistas tern de assumir em parte a responsa-bilidade por esses equivocos. Sao muitos os economistas america-nos que se limitam a continuar escrevendo suas teses nao raroincompreensfveis, indiferentes aodebate publico emtome de ques-toes cruciais de politica economica, Uma notavel excecao a estaatitude de distanciamento e encontrada em Globaphobia (1998), noqual Gary Burtless e seus colegas recorrem a analise econornicaconvencional de maneira compreensfvel para rebater criticas estri-dentes e infundadas a globalizacao." Se os cidadaos comuns naoforem capazes de compreender melhor 0 funcionamento da eco-nomia de mercado, assim como suas vantagens e fraquezas, a or-dem economica liberal continuara ameacada.

    A GLOBALIZA< ;:AO ECONOMICADesde 0inicio da decada de 1980, as questoes economicas e a eco-nomia global tornaram-se mais decisivas para astelacoeseconomi-cas e polfticas internacionais do que em qualquer outro perfododesde 0 fim do seculo XIX. Muitos observadores tern assinalado a

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    profundidade da mudanca de urn mundo dommado pelo Estadopara urn mundo dominado pelo mercado. A maior importancia domercado, refletida no aumento do luxo internacional de bens, ca-pitais e services, tern sido estimulada pela diminuicao dos custosdos transportes e das comunicacoes, 0 colapso das economias degestae centralizada e a crescente influencia de uma ideologia con-servadora baseada na adocao de orientacoes gerais de polftica eco-nomica. Este ressurgimento do mercado resulta na realidade numretorno a era de crescente globalizacao dos mercados, da producaoe das financas anterior a Primeira Guerra Mundial.

    Na virada do seculo, asquestoes decorrentes da globalizacao eco-nomica desafiam as sociedades nacionais e a comunidade internacio-naI. Imediatamente apos 0 fim da Guerra Fria, praticamente todos oseconomistas, empresarios e dirigentes politicos dos pafses industriali-zados ou em processo de industrializacao esperavam que a globalizacaoeconomica levasse a urn mundo caracterizado por economias abertase prosperas, democracia polftica e cooperacao internacionaI. A medidaque avancava a decada de 1990, entretanto, e especialmente em reacaoa turbulencia economica global posterior a 1997, surgiu uma forte re-a!;ao negativa a globalizacao, tanto nos pafses desenvolvidos quandonos menos desenvolvidos. A rejeicio da globalizacao e de suas alegadasconsequencias negativas tornou-se particularrnente ruidosa nos Esta-dos Unidos, na Europa Ocidental e em certas economias em processode industrializacao. A globalizacao tern sido culpada por tudo e maisalguma coisa, da crescente desigualdade das rendas aos nfveis cronica-mente altos de desemprego e ate a opressao das mulheres, levando seuscriticos a defenderem de panaceias como 0protecionismo comercial,os acordos regionais fechados e severas restricoes a migracao. Pode-mos ter como certo que 0sistema economico e politico intemacionalsera fortemente afetado pelo maior exito ou fracasso dos defensores eopositores da globalizacao,

    De acordo com a "tese da globalizacao", uma mudanca quantita-tiva verificou-se nas questoes humanas a medida que 0luxo de gran-

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    des quantidades de comercio, investimento e tecnolooi ' '. . . I:>.astraves dasfrontelras nacionais adquiriu proporcoes ineditas As ti id d, A a IVI a es po-UtlCas,econornicas e SOCIalSadquiriram alcance rnundi I .la, e as mte-ra~oes entre os Estados e sociedades intensificaram, ., . se em mUltasfrentes. A medida que se ampliam e aprofundam os processosintegradores, alguns observadores acreditam que os mer d i:ca OSlOram-se rornando ou estao em processo de tomar-se 0mai . . _ als ImportanteOlecamsmo de determma!;ao das questoes tanto intern .. . . as quanto m-temaClOnalS.Numa economia global altamente integr d E_ a a, 0 stado-na~aotomou-se para alguns anacronico estando em posi - d. " ' I~ao e recuo.Urna e cono rr na c ap ita lis ta global caracterizada por com' '. .. . erclOIrrestntofluxos de mvestunenro e atividades internacionais d '. '. . ,. e empresasOlultmaclOnalSbeneficiarf igualrnente a ricos e pobres.Outros no entanto enfatizam os aspectos alegadam .. ente negatI-

    vos daglobahza~ao econornica entre eles 0aumento d d ...' as eSlgualda-des de renda no mtenor das nacoes e e ntre elas nfveis ., crollIcamenteelevados de desemprego na Europa Ocidental e em ._outras regioese sobretudo as consequencias devastadoras dos fl f .uxos mancelrosdesregulados. Segundo esses crfticos as sociedades . . _. . ' naCtonaIS estaosendo mtegradas a urn sistema econornico global e f . dA , ustlga as porforcas economicas e tecnologicas sobre as quais tern .mUlto poucocontrole. Para eles, os problemas economicos glob . d fais 0 im dosanos 90 demonstram que os custos da globalizarao sao rn . .

    :5' ultomalO-res que suas vantagens.Embora a palavra "globaliza~ao" seja hoie empregad II . - ~ a amp a-mente, a g obahza~ao econornica acarretou poucas mud, . an~as-cha-ve no comercio, nas financas enos investimento di s lretosestrangeiros por parte das corpora~oes multinacionais D d fd S . . es eo irna egunda Guerra M undial, 0comercio internacional exp di. an lU-se muito, tornando-se urn fator muito mais importante t- A anto nasquestoes economIcas internas quanto nas internacionais EI ' .. .nquan-to0vo ume do cornercio mternacional aumentou apenas 0 5 0/1913 ' /0porano entre e 1948, no perfodo de 1948 1973a cresceu a urn

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    ritmo anual de 7%.7 Como evidencia 0 grafico 1.1,0 cornercio in-ternacional cresceu muito mais rapidamente que a producao eco-nomica global. No periodo p6s-guerra, 0 comercio aumentou de7% para 21% da renda mundial total. 0 valor do comercio mundialaumentou de US$ 57 bilhoes em 1947 para US$ 6 trilhoes na de-cada de 1990. Alern da grande expansao do comercio de mercado-rias (bens), 0comercio de services (bancarios, de informacao etc.)ampliou-se significativamente nas decadas recentes. Com esta imen-sa expansao do comercio mundial, a competicao internacional tam-bern aumentou muito. Embora os consumidores e os setores deexportacao em cada pais se beneficiem com a maior abertura, mui-tos empreendimentos se veem competindo com empresas estran-geiras que aumentaram grandemente sua eficiencia, Na decada de1990, a competicao comercial tornou-se ainda mais intensa por terurn mimero crescente de economias em processo de industriali-zac;ao passado de uma estrategia de crescimento baseada na substi-tuicao de importacoes para outra calcada nas exportacoes. Seja comofor, os principais concorrentes da maioria das empresas totalmenteamericanas sao outras empresas americanas.

    Existem certas tendencias subjacentes a expansao do comercioglobal. Desde a Segunda Guerra Mundial, as barreiras comerciaistern recuado consideravelmente em virtude de sucessivas rodadasde negociacoes internacionais." Ao longo do ultimo meio seculo,por exemplo, os nfveis medics de tarifas sobre produtos importa-dos nos Estados Unidos e em outros paises industrializados caiude cerca de 40% para apenas 6%, e as barreiras ao cornercio de ser-vices tambern diminuiram, Alem disso, desde 0 fim da decada de1970 a desregulamentacao e a privatizacao abriram ainda mais aseconomias nacionais as importacoes, Os avances tecnol6gicos nascomunicacoes e no transporte reduziram custos, estimulando con-sideravelmente a expansao do cornercio, Valendo-se dessas mudan-cas econornicas e tecnol6gicas, e cad a vez maior 0mimero deempresas que expandem seus horizontes para os mercados

    . .

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    internacionais. Apesar dessas tendencias, a maior parte das trocascomerciais e efetuada entre as tres principais economias industriaisavanc;adas - Estados Unidos, Europa Ocidental e japao - e al-guns mercados emergentes no Leste Asiatico, na America Lati~a eem outras regi6es. A maior parte do mundo menos desenvolvidove-se excluida, a excecao de exportadores de alimentos e rnaterias-primas. Estima-se por exemplo que os pafses africanos ao sui doSaara tenham respondido por apenas cerca de 1% do cornerciomundial na decada de 1990.

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    1960 1964 1968 1972 1976 1980 1984 1988 1992

    Grl i f uo 1.1 Crescimento da producao e do cornercio mundiais.ocornercio expandiu-se com muito maior rapidez que a producio,sobretudo a partir do infcio da decada de 1970.

    Fonte: U.S. Council of Economic Advisors.

    Desde meados dos anos 70, a suspensao de controles de capi-tal, a criacao de novos instrumentos financeiros e os avances tec-nologicos nas comunicacoes tern contribuido para urn sistemafi-

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    nanceuo i n te r nacwna l muito mais intensivamente integrado. 0 volumede trocas de divisas (cornpra e venda de moedas nacionais) no fim dosanos 90 foi de aproximadamente US$ 1,5 trilhao por dia, aumentode oito vezes em relacao a 1986; em contrapartida, 0volume global deexporta~6es (bens e servi~os) em todo 0 ana de 1997 foi de US$ 6,6rrilhoes, ou US$ 25 bilhoes por dial Alem disso, 0total de capitais parainvestimento em busca de remuneracao mais alta aumentou enorme-mente; em meados dos anos 90, osfundos mutuos, os fundos de pensaoe similares totalizaram US$ 20 trilhoes, dez vezes mais que em 1980.Por outro lado, a importancia desses investimentos gigantescos e emmuito ampliada pelo fato deque osinvestimentos estrangeiros sao cadavez mais feitos com fundos emprestados. Finalmente, os derivativosou valores mobiliarios lastreados em outros valores mobiliarios desem-penham um papel decisivo nas financas intemacionais. Avaliados emUS$ 360 trilhoes (mais que 0valor de toda a economia global), elescontribuiram para a complexidade e a instabilidade das financas inter-nacionais. E evidente que asfinancas intemacionais exercem urn pro-fundo imp acto na economia global.

    Esta revolucao financeira vem ligando estreitamente as econo-mias nacionais, aumentando significativamente a quantidade decapital disponfvel para os pafses em desenvolvimento e, no caso dosmercados emergentes do Leste Asiatico, acelerando 0desenvolvi-mento economico. Como, entretanto, grande parte desses fluxosfinanceiros e de curto prazo, altamente volatil e especulativo, as fi-nancas intemacionais tornaram-se 0 aspecto mais vulneravel e ins-tavel da economia capitalista global. A gigantesca escala, velocidadee natureza especulativa dos movimentos financeiros atraves dasfronteiras nacionais tomou os govemos mais vulneraveis as mu-dancas bruscas nesses movimentos. Os govemos podem assim tor-nar-se facilmente presas de especuladores com divisas, comoaconteceu na crise finance ira europeia de 1992 (que levou a Gra-Bretanha a se retirar do Mecanismo de Indexacao Cambial), noarrasador colapso do peso mexicano em 1994-1995 e na devastado-

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    ra crise financeira do fim da decada de 1990 no Leste Asiatico. En-quanto para alguns a globalizacao financeira exemplifica 0saudavele benefice triunfo do capitalismo global, para outros 0 sistema fi-nanceiro internacional parece "fora de controle" e carente de maiorregulamenta~ao.

    A palavra "globalizacfo" passou a ser usada popularmente na se-gunda metade dos anos 80, concomitantemente ao gigantesco au-mento dos investimentos diretos estrangeiros (IDEs) por parte dascorporacoes multinacionais (CMNs). Como demonstrao grafico 1.2,o IDE expandiu-se significativamente no fim da decada de 1980,aumentando com muito maior rapidez que 0comercio e a producaoeconomica mundiais. Na maior parte dos anos 90, os fluxos de IDEdos principais pafses industrializados para os paises em processo deindustrializacao aumentaram cerca de 15% ao ano; os fluxos de IDEentre os pr6prios pafses industrializados aumentaram aproximada-mente no mesmo percentual. No fim dos anos 90, 0valor cumulati-vo dos IDEs chega a centenas de bilhoes de d6lares. A maior partedesses investimentos foi carreada para setores de alta tecnologia, comoo automobilistico e 0da tecnologia da informacao.

    Estas observacoes gerais ocultam no entanto aspectos rele-vantes das atividades relacionadas aos IDEs e as CMN s. Naoobstante as insistentes referencias a globalizacao corporativa, osIDEs estao na realidade altamente concentrados e distribuidosmuito desigualmente pelo mundo. A maior parte dos IDEs edirecionada para os Estados Unidos, a China e a Europa Ociden-tal porque as empresas sao atrafdas para mercados grandes oupotencialmente grandes. Com algumas poucas excecoes, os IDEstern sido modestos nos parses menos desenvolvidos. A parte osdirecionados a alguns poucos paises latino-americanos, especial-mente nos setores automobilisticos do Brasil e do Mexico, a maio-ria dos IDEs que os paises em desenvolvimento demandamvoltarn-se para os mercados emergentes do Leste e do SudesteAsiaticos, particularmente a China. Quando se fala de globalizacaocorporativa, sao poucos os pafses efetivamente envolvidos.

    o D ESA FIO D O C APIT AL ISM O G LO BA L 41Apesar da natureza limitada da globalizacao corporativa, as

    corporacoes multinacionais (CMNs) e 0 IDE sao fatores muitoimportantes da economia global. A crescente importancia dasCMNs alterou profundamente a estrutura e 0 funcionamento daeconomia global. Estas ernpresas gigantescas e suas estrategias glo-bais tomaram-se vetores determinantes dos fluxos comerciais e dalocalizacao das indiistrias e de outras atividades em todo 0mundo.A maior parte dos investimentos e em setores intensivos de capitale de tecnologia. Essas empresas tornaram-se decisivas na expansaodos fluxos tecnol6gicos tanto para as economias em industrializa-~aoquanto para as industrializadas. Em consequencia, as empresasmultinacionais tornaram-se extremamente importantes na deter-minacao do bern-estar econornico, politico e social de muitos pai-ses. Controlando a maior parte dos capitais de investimento, datecnologia e do acesso aos mercados globais em todo 0mundo, essasempresas tornaram-se atores centrais nao apenas nas questoes eco-nomicas intemacionais quanta nas politicas, 0que em muitos pai-ses levou a uma reacao,

    A globalizacao economica tern sido estimulada por acontecimen-tos polfticos, economicos e tecnol6gicos. A contracao do tempo e doespaco pelos avances nas cornunicacoes enos transportes reduziumuito os custos do cornercio, ao passo que tanto as economias emprocesso de industrializacao quanta as industrializadas, em grandeparte sob lideranca americana, tomaram certas iniciativas para dimi-nuir asbarreiras comerciais e de investimentos. Oito rodadas de ne-gociacoes comerciais multilaterais no contexto do Acordo Geral deTarifas e Comercio (GAIT), 0principal f6rum da liberalizacao docornercio, contribufram para diminuir significativamente as barrei-rascomerciais. Desde mead os dos anos 80, os pafses em desenvolvi-mento da America Latina, da Asia do Pacffico e de outras regioesempreenderam importantes reformas para reduzir suas barreirascomerciais, financeiras e outras no terreno economico. E cada vezmaior 0mirnero de empresas que adotam estrategias economicasg10baispara tirar vantagem dessas tendencias.

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    A eliminacio dos con troles de capital e 0movimento em direcaoa urn sistema financeiro global, paralelamente a remocao das barrei-ras aos investimentos estrangeiros, tambem contribuiram para ace-lerar 0movimento rumo a integracio tanto global quanto regionaldos services e da manufatura. Tanto nas economias em industriali-zacao quanta nas industrializadas, a disserninacao das ideias pro-mercado influenciou fortemente aspoliticas econornicas, no sentidode reduzir 0papel do Estado na economia. 0 colapso da economiasovietica centralizada, 0fracasso da estrategia de substituicao de im-portacoes do Terceiro Mundo e a conviccio cada vez maior nos Es-tados U nidos e nas demais economias industrializadas de que 0Estadoprevidenciario tornou-se urn serio obsticulo ao crescimento econo-mico e a competitividade internacional estimularam a aceitacao dosmercados sem restricoes como solucao para os problemas economi-cos da sociedade moderna. Reformas generalizadas levaram adesregulamentacio, a privatizacio e a abertura das economias nacio-nais. Na ultima parte da decada de 1990, 0debate sobre os custos ebeneflcios da globalizacao econornica tornou-se dos mais asperos.

    Enquanto isto, a maior abertura das economias nacionais, 0cres-cente numero de exportadores de bens manufaturados, 0aumentomais rapido do comercio do que do crescimento do produto econo-mico global e a internacionalizacao dos services intensificaram mui-to a competicao economica intemacional. 0 aumento da proporcioda producao mundial comercializada nos mercados intemacionaisveio acompanhado de uma significativa mudanca nos padroes do co-mercio mundial. Muitos pafses menos desenvolvidos (PMDs) pas-saram da exportacao de alimentos e commodi t i es para a exportacao debens manufaturados e ate mesmo services. Como demonstra 0gra-fico 1.3,desde 1965 aparticipacao das economias em desenvolvimentono comercio mundial aumentou consideravelmente. Os bens rna-nufaturados cornecaram a responder por uma proporcao cada vezmaior do cornercio desses PMDs, ao mesmo tempo em que os Esta-dos Unidos e outras economias industriais avancadas passavam das

    " "o D ESA FIO D O C APITA LIS MO G LO BA L 43exportac,:oes de manufaturados para a exportacio de services. Estareestruturac,:ao de toda a economia global e economicamente onero-sae politicamente dificil, produzindo nao s6muitos vencedores comomuitos perdedores.

    1965 1980

    EuropaOriental

    Graf teo 1.3 Divisao do cornercio mundial. A parricipacao de pafsesasiaticos em desenvolvimento no comercio internacional aumentou muitodesde 1980, dando maior peso global aos paises em desenvolvimento no

    comercio mundial. Europa Oriental inclui a (antiga) URSS.Fonte: U. S. Council of Economic Advisors.

    A intensificacao da competicao global em producao, especial-mente produtos de alta tecnologia, resultou em maior preocupa-c,:aonas economias avancadas com a competitividade intemacional,especialmente no que diz respeito a manufaturas dos pafses emprocesso de industrializacao onde sao baixos os salaries. 0 presti-gioso F6rum Econornico Mundial refletiu tais preocupacoes ao

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    44 ROBERT GILPIN

    proclamar em meados dos anos 90 que a cornpeticio dos pafses emprocesso de industrializacio estava causando a desindustrializacaodas economias avancadas. Tais preocupacoes foram agravadas itmedida que aumentava 0mimero de paises da Asia do Pacificoempenhados em exportar para superar seus problemas economi-cos; em consequencia, aumentou tambem 0 numero de grupos elideres das economias avancadas preocupados com esta competi-~ao e declarando-a injusta. Alguns chegam a expressar 0 temor deque seus pr6prios padroes de vida possam ser reduzidos ao nfveldo da China. Muitos acreditam que a maior cornpeticao por partedos paises em industrializacao no minirno aumentou a inseguran-~a trabalhista, 0desemprego e a desigualdade de rendas; 0 aumen-to dessas preocupacoes intensificou por sua vez aspressoes em favordo protecionismo comercial e do regionalismo economico.A maior abertura da economia mundial, a ernergencia de no-vas potencias industriais e 0 desaquecimento econornico globaltern contribuido para uma substancial capacidade produtiva ex-cedente em certos setores industriais. Urn exemplo digno de notae a fabricacao de autom6veis, que hi muito era considerada, aolade das linhas aereas nacionais, urn atributo necessario de qual-quer nacao soberana, alern de fonte de salaries altos para os traba-lhadores. Os Estados Unidos, 0apao, muitos paises europeus ealguns pafses em processo de industrializacao contam com im-portantes industrias automotivas. E evidente que muitas dessasempresas precisam fundir-se ou ate mesmo acabar por fechar asportas, pois 0fornecimento global de autom6veis supera a deman-da real; dentre as cerca de dezoito grandes empresas automotivasdo mundo, e provavel que apenas umas sete mais ou menos ve-nham a sobreviver.

    A sobrecapacidade global em alguns setores econornicos le-you certos observadores a afirmar que a economia mundial estasofrendo de indigestao de bens manufaturados, ou 0que os mar-xistas denominam "subconsumo"; muitos sustentam, por isto, que

    o DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 45

    apitalismo global encontra-se numa crise sistemica que exigeo c , dad lbl"-formas estruturais profundasY Ever a e que ago a izacaore id dtornou necessarias a racionalizac;ao e a eliminacao da capaci a eexcedente no setor automobiHstico e em muitos outros setoreseconomicos. Os ajustes serao dolorosos e conduzirao a urn gra~-de numero de trabalhadores demitidos, especialmente os de bai-xa ou media especializac;ao, que podem ter dificuldades parancontrar empregos de igual remunerac;ao. Como argumentoue d "Paul Krugman, no entanto, grande parte do problema os exce-dentes" devc-se ao medo exagerado da inflac;ao em paises como 0J ao e a Alemanha, onde os ban cos centrais dao mais priori dadeap . A 10, estabilidade de precos do que ao creSClmento economlCO.~ovas poHticas economicas expansionistas reduziriam significa-tivamente os excedentes. Alern disso, como aconteceu no passa-do, 0problema da capacidade excedente em determinados setoresse resolved. por si mesmo a medida que a oferta seja reduzida paraequilibrar-se com a demanda. Mas ate que 0 pr~b~em~ seja re-solvido, apresentara graves problemas polIticos adlclonals para osgovernos nacionais e a economia mundial.

    Embora haja consenso quanto a maior importancia do merca-do e da globalizac;ao, e intensa a controversia sobre 0papel dos fa-tores economicos na determinac;ao das questoes economicasinternacionais e a probabilidade de que a cooperac;ao leve a melhorsobre 0conflito. Simplificando urn pouco, duas escolas de pensa-mento a este respeito podem ser distinguidas nas obras publicadasnos Estados Unidos e em outros paises. Referir-me-ei a uma delascomo a escola "voltada para 0mercado", por sua enfase nos merca-dos livres e seu compromisso com 0 comercio e sobretudo comuma diminuicao significativa do papel do Estado na economia. Aoutra tendencia e mais diversificada, mas a falta de melhor deno-minacao chama-Ia-ei "revisionista", por sua enfase no conflito eco-nomico, na protec;ao comercial e no papel fundamental do Estadona economia."

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    . teorias e nasercado basela-se nasA posi~ao voltada para 0 rn nto no pas-. l'. sustentando que, enquaPropostas da economla po inca, . d e das institui-I' . d E tados rnais po erosossado recente as po incas os 5 I dominante na~6es internacionais desempenharam 0 pa~e. ternacional, nofunci ento da economia inorganiza~ao e no unclOnam A cas determina-seculo XXI os mercados livres e as fo~~as ~conom~ . A derro-. I- economlCaS mternaclOnals.rao cada vez mars as re a~oes d dos nacionais. ~ao os mercacad a do comunismo, a crescente integra db' mesmas nos

    , A volta as so re SIe 0 fracas so das pohttcas economlCas d ~aglobal parapafses menos desenvolvidos resultaram numl.a mu ma:rcio e 0cres-d cado como 0 rvre coPoliticas volta as para 0 mer , drastic a redu-. d ssim como numacimento da matriz exporta ora, a . b rvou a revistad onomla Como 0 secao do papel do Esta 0 na ec . .' universal 03' d d I so do comumsmo elondrina Economis t , es e 0co ap ., . apitalismo de- . t uma alternatlva sena ao cconsenso de que nao eXISe . I6es economicas.livre mercado como maneira de orgamzar as id a~ ve-se na dire-bern que 0mun 0 moMuitos argumentam tam e . , . ltamente_ duma economia global sem frontelras pohtlCaS e a _~ao e .d de a coopera~aointerdependente, a qual fomentara a pros pen a d e vista com 0di I S gundo este ponto 'internacional e a paz mun iai. e d id . d I issezJaire do se-. c. Id I' ercado e os I ears 0 a :1 'retorno triunta 0 lyre m lid na organi-b . . - a I eran~aculo XIX. as corpora~6es g10 ais assuml.ra~ _ da riquezaglobal.d -' cional e na maxtmlza~aoza~ao da pro ucao mtema I . A 'co e polftico. - , e 0 sIstema economlUm coro1ario desta posicao e qu d AI' disso. os Es-. dele para 0 mun o. emamencano tomou-se 0 mo A liderarao 0. ,. verdadeira superpotenCla,tados Unidos, como umca A 1 b I havera decentrar-seresto do mundo. A polftica economlca g 0 la. to das regras e

    A e no forta ecimenno multilaterahsmo economlCO . d B ttonWoods.Ainsti tui~6es intemacionais criadas no sIstema eW

    re ds reformado. . tema de Bretton 00lideranca amencana e um SIS (ncias econo-. .d d d coopera~ao entre as po efacilitarao a contmUl a ea. da econo-micas dominantes, assegurando 0bom funclOnamentomia global.

    o D ES AFIO D O C APIT AL IS MO G LO BA Las criticos revisionistas da globalizacao preveern urn mundo

    caracterizado por intenso conflito econornico tanto a nivel inter-no quanta internacional, Acreditando que uma economia mun-dial aberta inevitavelmente produzira mais perdedores queganhadores, os revisionistas argumentam que a liberacao das for-~as de mercado e outras forcas economicas pode resultar numaimensa luta entre nacoes, classes economicas e grupos poderosos.as adeptos geoeconomicistas desta posicao acreditam (para-fraseando 0 estrategista alernao Karl von Clausewitz) que a com-peticao economica internacional, particularmente no setormanufatureiro, e a continuacao da politica externa por outrosmeios. Muitos sustentam que esta luta global pela participacao demercado e a supremacia tecnol6gica sera encarnada em blocoseconomicos em competicao e dominados por alguma das tres prin-cipais potencias econornicas, e que a Uniao Europeia sob liderancaalerna, 0 bloco norte-americano liderado pelos EVA e 0bloco daAsia do Pacifico sob lideranca japonesa disputarao a ascendenciaeconomica e polftica.

    Esta posicio tendente ao pessimismo afirma que 0 choque en-tre 0 comunismo e 0capitalismo foi substitufdo pelo conflito entreformas rivais de capitalismo e de sistemas sociais representadas emblocos econornicos regionais. Num provocativo artigo publicadoem 1991, por exemplo, Samuel P . Huntington argumentava que,com 0 fim da Guerra Fria, 0japao tomara-se uma "ameaca de se-guranca" aos Estados Unidos." Posteriormente, em escritos aindamais provocativos, Huntington asseverou que os conflitosintracivilizat6rios dominarao a polftica rnundial atraves do seculoX X I . 1 3 Certos observadores, refletindo sobre os tragicos aconteci-mentos na antiga Jugoslavia e na antiga Uniao Sovietica na decadade 1990, sustentam que uma era de intensos conflitos etnicos enacionalistas foi desencadeada no mundo. Num mundo ainda di-vidido por ambicoes nacionais rivais, no qual os fatores economi-cos determinam na realidade 0 destino das nacoes, muitos sao

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    T ECN OL OG IA , E CO NOMIA D A IN FO RM AC ;Ji.O E SE RV IC;O S

    transi~ao das economias da era do petr6leo para a era da informa-~ao, sustentarn alguns que esta recente mudanca criou urn novomodelo econornico baseado no computador, na globalizacao eco-nomica e na reestruturacao das corporacoes, e que e este 0substratodo notavel sucesso da economia americana na decada de 1990.

    as economistas estao profundamente divididos quanta a ques-tao de saber se 0 poder da informatica representa uma revoluciotecnol6gica da mesma escala que 0vapor, 0 petr6leo e a energiaeIetrica. Alguns argumentam que e diffcil obter provas convincen-res de que os computadores aceleraram significativamente os Indi-ces de crescimento economico e de produtividade. Sustentamtambem que 0poder da informatica nao transformou 0conjuntodaeconomia na mesma escala que a energia avapor ou eletrica trans-formou cada aspecto das relacoes economicas e sociais. Apesar doinvestimento pesado em computadores e tecnologias correIatas, oscomputadores e seus elementos perifericos ainda representam urnpercentual muito pequeno do estoque liquido de capital fum nao-residencial. Urn numero cada vez maior de economistas acreditaentre tanto que os investimentos em computadores e tecnologias dainformacao cornecam a ter urn impacto importante na produtivi-dade e nas relacoes economicas em geral. Corroborando esta posi-c;:ao,0historiador econornico Paul David observou que 0 impactoa longo prazo da informatica e da economia da inforrnacao naopodera ser avaliado com precisao antes de bern avancado 0 seculoXXI. Afinal, como lembra David, foram necessaries quase quaren-ta anos, do inicio da decada de 1880 ate a de 1920, para que acomercializacao da eletricidade afetasse 0crescirnento econornicoe a mudanca social em grau apreciavel, A solucao desta questao tam-bern e extremamente ardua, pois e muito diffcil mensurar 0cresci-mento da produtividade, especialmente no setor de services, quehoje abarca 70% da economia americana.

    Se a economia da inforrnacao nao resultar em aumentos signi-ficativos de produtividade, e irnprovavel que haja aumentos regu-

    levados a conclusao de que as relacoes economicas internacionaistornar-se-ao cada vez rnais conflituosas.

    o fim da Guerra Fria e a globalizacao economics coincidiram comuma nova revolucao industrial. 0omputador eo advento da eco-nomia da informac;:ao, da Internet ou do conhecimento estao trans-form.a~do quase todos os aspectos das relacoes economicas, politicase sociais. Alguns analistas chegarn a sustentar que 0reconhecimentopeIos dirigentes sovieticos de que a Uniao Sovietica estava sendodeixada para tras peIo Japao e 0Ocidente nessas tecnologias foi umacausa indireta de sua malfadada decisao de reformar a atrasada eco-nomia sovietica, Reconhecendo a irnportancia da economia da in-formacao, certos acadernicos criaram ambiciosas teorias voltadaspara a previsao da trajet6ria das relacoes sociais no seculo que co-meca." Embora essas teorias contenham conclusoes interessantes ,as consequencias a longo prazo do computador e da economia dainformacao nao poderao ficar c1aras ainda por muitas decadas.

    A maioria dos observadores acredita que a economia da infor-macae e a forca da informatica vern dan do a economia mundial urnfn:p~to semelha~te ao produzido peIa energia a vapor, a energiaeletnca e a energia petrolffera no passado. Desde meados do seculoXVIII, sempre que 0estfrnulo proporcionado por uma transforma-~~oindustrial se esgota, outra revolucao tecnol6gica passa a impul-sionar a economia mundial rumo a urn novo patamar. Quando a~evoluc;:aoindustrial baseada na energia a vapor cornecou a perderirnpulso nas tiltimas decadas do seculo XIX, 0vapor foi substituf-do pelo petr6leo e a energia eletrica, 0 Impeto proporcionado pela~ra.do petr6leo desapareceu nas iiltimas decadas do seculo xx, e 0Indice de crescimento econornico e de produtividade declinou es-pecialmente nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Corn a

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    lares e sustentados nos indices de desenvolvimento economico nospafses industriais avancados. Nos Estados Unidos, os aumentosrelativamente baixos de produtividade depois do inicio da decadade 1970 levaram a estagnacao dos salaries. Tern sido intenso 0de-bate sobre a possibilidade ou nao de que urn aumento significativodo Indice geral de crescimento da produtividade americana tenhaefetivamente ocorrido na decada de 1990. Na Europa Ocidental, adiminuicao do indice de produtividade contribuiu para 0desaque-cimento das economias. A prevalencia dessas condicoes de ambosos lados do Atlantico alimentou as forcas do protecionismo comer-cial e levou muitos a acreditar que a economia da informatica e dainforrnacao e antes a causa que a solucao de seus problemas econo-micos. Este medo tern sido agravado pelas crescentes preocupacoescom a concorrencia das economias da Asia do Pacifico, com suasgigantescas forcas de trabalho disciplinadas e sustentadas com sala-rios baixos. Muitos trabalhadores ocidentais, tanto os de producaoquanto os administrativos, acreditam que se viram apanhados en-tre uma demanda comprimida de seu trabalho, por causa do usageneralizado do computador, e uma oferta ampliada de trabalha-dores em to do 0mundo, devida a entrada da China e de outraseconomias do Leste Asiatico para a economia mundial.

    Tenha ou nao havido uma verdadeira revolucao tecno16gicadecorrente do poder da informatica, asmudancas tecno16gicas verntendo urn imp acto significativo na economia mundial; sao particu-larmente importantes as seguintes mudancas: 151. Maio r i n du e d e i no v a~i io t e cn o lOgua .Tem-se verificado uma avalanche

    de inovacoes cientfficas e tecno16gicas em uma ampla gama decampos, como a biotecnologia, a microeletronica, as telecomu-nicacoes e novos materiais. Produziu-se mais conhecimento novonos iiltimos trinta anos do que nos cinco mil anteriores. Deter-minados fatores parecem especialmente responsaveis pela ace-leracao do desenvolvimento tecnol6gico. Os progressos signifi-

    51

    cativos obtidos na ciencia basica e 0 custo muito reduzido damanipulacao do conhecimento devido ao uso de computadoressao fatores importantes. 0 custo do armazenamento e transmis-sao do conhecimento caiu a urn indice de cerca de 20% ao anadurante quarenta anos; 0declfnio dos custos energeticos associa-do a Revolucao Industrial foi de apenas 50% durante urn perfodode trinta anos. A maior competicao internacional entre as gran-des potencias estimulou a inovacao cicntffica e tecnol6gica, e aaceleracao no Indice de mudanca tecnol6gica transformou atecnologia no fator mais crucial do crescimento economico e dacompetitividade internacional.

    2 . A m pla p os sib ilid ad e d e a plic a~ iio d e n ov as te cn olo gia s. As tecnologiasinovadoras, especialmente em computacao e eletronica, sao im-portantes para toda uma serie de processos economicos e outrasatividades em muitos setores da economia. 0 controle de pro-cessos, a automacao e 0processamento automatico de dados es-tao revolucionando tanto a manufatura quanto os services emtodas as economias industriais; e em todas essas areas a deman-da de trabalho de baixa ou nenhuma qualificacao diminuiu.

    3. C ic lo s m ais curios d e v id a d o s p r o ce ss os e p ro d uto s. Os cidos de vidatecnol6gicos tanto dos produtos quanta dos processos de pro-du

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    tidas. Alguns criticos da tecnologia afirmam que 0 avancotecnol6gico rapido vern exercendo urn impacto devastador nospafses altamente industrializados. Alguns neoluditas sustentamque a velocidade dos progressos tecnol6gicos contemporaneoslevara ao desemprego tecnol6gico em massa e ao "fim do traba-lho". Em resposta a esses receios, por outro lado, a maioria doseconomistas americanos argumenta que eles se baseiam na ideiaequivocada de que se os empregos de uma economia sao assumi-dos por maquinas, havera men os empregos para os homens. Oseconomistas sustentam, pelo contrario, que 0 progresso tecno-logico tern significado e continuara significando novos e melho-res empregos para todos.

    Estreitamente relacionada a ascensao da economia da informa-~ao, a drastica e cada vez mais rapida mudanca da producao para osservices (financas, programas de computacao, varejo etc.) provocao receio de desemprego tecnol6gico em massa. Esta fundamentaltransformacao vern ocorrendo paralelamente a queda dos nfveis deemprego no setor de producao e ao rapido aumento da participa-~ao dos services na economia; mudanca semelhante no empregoverificou-se no fim do seculo XlX, com a mudanca de uma econo-mia baseada na agricultura para uma economia baseada na indus-tria. Enquanto 0 setor manufatureiro representava 27% do PNBamericano em 1960, em 1998 seu percentual caira para 15%. Estamudanca nao significa necessariamente "desindustrializacao" daeconomia, e sim que 0mesmo volume de bens manufaturados podeser produzido com uma forca de trabalho men or e mais produtiva.Os Estados Unidos e 0Canada assumiram a lideranca nesta passa-gem de uma economia manufatureira para uma economia de ser-vicos, com quase tres quartos de suas forcas de trabalho nos servicesno fim do seculo; o japao e aAlemanha ficam bern arras. Nos Esta-dos Unidos, 0 "downsizing" e a "reengenharia" das corporacoesiniciados na decada de 1980 foi pelo menos parcialmente uma con-sequencia dessa decisiva mudanca.

    o D ES AFIO D O C AP IT ALlSM O G LO BA L 53A mudan

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    mais antigas - Estados Unidos, Europa Ocidental e em men ormedida 0Japao - para 0Asia do Pacifico, a America Latina e ou-tras economias em processo de industrializacao, Embora esses mer-cados emergentes venham enfrentando problemas econornicosgraves desde 1997, seus "fundamentos" econornicos, especial men-te no Leste Asiatico, sao s6lidos; eles dispoern de indices elevadosde poupanr;a e investimentos, assim como de excelentes forcas detrabalho, e urn dia se haverao de recuperar. Embora os Estados U ni-dos e as demais economias industrializadas ainda detenham umaparte preponderante da riqueza e da industria globais, 0fato e quetern declinado em termos relativos (nao absolutos), enquanto aseco-nomias em processo de industrializacao, especial mente a China,vern ganhando irnportancia economica ao longo do perfodo do p6s-guerra. 0mpacto da crise economics da Asia do Pacifico sobre aeconomia global como urn todo evidencia claramente a magnitudeda mudanca que ocorreu.

    Nas decadas imediatamente posteriores a Segunda GuerraMundial, os dirigentes politicos e os intelectuais dos pafses menosdesenvolvidos (PMDs) acusaram os pafses capitalistas desenvolvi-dos de "imperialistas" e "exploradores". A teoria da dependenciaresponsabilizava pela pobreza e 0subdesenvolvimento dos PMDsas polfticas das economias capitalistas dominantes e as corporacoesmultinacionais. Na tentativa de acabar com a dependencia dos pai-ses desenvolvidos, muitos PMDs, especialmente na America Lati-na, fecharam seus mercados ao mundo exterior e encetaramestrategias nacionalistas de substituicao de importacoes para se tor-narem auto-suficientes. Seus esforcos para acabar com 0 controleda economia mundial por parte dos pafses desenvolvidos chegaramao auge no meado da decada de 1970, com a malograda tentativa deuma coalizao de PMDs de criar uma Nova Ordem Economica In-ternacional (NOEl). Pela altura da decada de 1980, a tentativa ha-via fracassado; urn numero significativo de PMDs vergava ao pesode enormes dividas, seus governos tentavam administrar deficits

    o D ES AFIO D O C APIT AL IS MO G LO BA L 55Orr;amentarios impossfveis de administrar e suas econornias eracorrofdas por fndices altos de inflacao que desestimulavarn as ativ~1,dades econornicas produtivas e 0investimento estrangeiro.

    Pelo infcio dos anos 90, entretanto, a situacao de certo nurnerode PMDs havia mais uma vez mudado drasticamente. A crise ddfvida da maioria desses pafses cedera. Muitos haviam desistido d:dar prioridade a estrategia de substituicao de importar;oes, ao rnee,mo tempo aplicando amplas polfticas de ajuste estrutural para re,formar e fortalecer suas economias. Entre asreformas voltadas parao mercado estavam a adocao de politicas fiscais sadias, a desregu,lamentacao e uma drastica reducao do papel do Estado na econo,mia. Seguindo 0 exemplo de mercados emergentes da Asia doPacffico, outros parses comecaram a abrir suas economias ao mun,do exterior e a adotar estrategias de crescimento baseadas na expor,tar;ao. A mudanca entao verificada em sua situacao economica fez aunidade politica dos PMDs desintegrar-se em agrupamentos regie,nais como a Associacao dos Pafses do Sudeste Asiatico (Asean) ealiancas baseadas em interesses econornicos, como ados expOrta,dores agrfcolas do grupo de Cairns." Amaioria dos PMD s,entretanto, nao conseguiu reformar-se e adaptar-se as mudan~as daeconomia global.A partir do infcio da decada de 1960, como podemos ver no

    grafico 1.4, os Quatro Tigres do Leste Asiatico (Hong Kong,Cingapura, Coreia do SuI e Formosa), crescendo a urn fndice anua]de 6%, superaram 0 resto do mundo. Outros pafses do Leste e doSudeste Asiaticos, como a Malasia, a Tailandia e a Indonesia, tarn,bern tern crescido rapidamente. A mudanca mais significativa noequilibrio internacional do poder econornico tern sido a industria_liza~ao da Asia do Pacifico e especialmente da China, que, depen,dendo do mecanismo de avaliacao empregado, tomou-se a segundaou a terceira maior economia do mundo. Algumas econornias ernprocesso de industrializacao na Asia do Padfico desenvolverarn ouestao desenvolvendo industrias automobilfsticas, eletronicas e ern

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    outros setores avancados (em areas comoacoequfmica) que seestaotornando altamente competitivas nos mercados mundiais.

    Emmilhares de d61ares/1987 (escala de proporcao)20,0 r-----------------------,10,0

    Hong Kongv. ,,~.~ ~ -. ;, ...". . . . . . . . -"'"-1/1*--":; , ...:: 0 - " " , . - ".. :,:,..... Jf" "-~..;:. - Cingapura / Formos

    .. " ' . : ;,. .. . ..--" .. . .." /_"''':.' s:... < -: : -.. .. _ -

    ;:.::. Mundo //

    5,0

    2,0

    1,0

    0,5

    1980 1984 1988

    G r 4 f u o 1.4PNB p e r c a pi ta nos "Quatro Tigres". Desde 1960,0 PNB real emcada urn dos "quatro tigres" aumentou mais de 6% ao ano.

    Fonte: U. S. Council of Economic Advisors.

    Embora haja divergencias quanta aos !imites geograficos da re-giao, e evidente que uma economia pr6pria da Asia do Pacifico,englobando 0 Nordeste Asiatico, 0 Sudeste Asiatico e 0 SuI daChina, comecou a tomar forma no fim da decada de 1980, quandoestavasta regiao tornou-se a area economicamente mais dinamicado mundo e importante exportadora de produtos industriais e dealtatecnologia. Ate a crise financeira de 1997 0sucesso economicodaAsiado Pacifico foi, com efeito, impression'ante. Durante os trintaanosanteriores a crise financeira do Leste Asiatico, os nfveis de rend ap e r c a p it a se haviam multiplicado por dez na Coreia do SuI, por cin-conaTailandia e por quatro na Malasia. A renda p e r c ap ita em Hong

    o DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 57Kong e Cingapura ultrapassou a de certos pafses industrializadosdo Ocidente.

    No anos 80 e no inicio dos 90, a China experimentou urn fndicede crescimento economico e industrializacao acelerados, tornando-seo mais importante membro do grupo de economias em rapido pro-cesso de industrializa~ao. As economias cada vez mais imbricadas daChina, de Hong Kong e de Formosa (vale dizer, a "Grande China")tomaram-se uma forca economica importante na regiao. Antes de1850,a China e aIndia eram asmaiores economias do mundo, e comseu atual indice de crescimento economico a China muito provave1-mente voltara a ocupar esta posicao de destaque em algum momen-to do seculo XXI. Se esta previsao se concretizar, outros paises daregiaoe do resto do mundo terao de proceder a gigantescos reajustesparase adaptar a semelhante mudanca no poder economico. E igual-mente significativo, ou ainda mais, que a capacidade militar chinesavenha aumentando, e que, com 0declfnio da importancia militar daRussia no Leste Asiatico, a China tenha surgido como uma potenciaeconomica e militar forte e imprevisfvel. A possibilidade de que aChina possa ou nao dar continuidade a seu rapido crescimento e asescolhas que fad a medida que expande seu poderio economico emilitar sao fatores de importancia crucial para 0Leste Asiatico emparticular, mas tambern para 0mundo em geral.A relacao entre a Asia do Pacffico e 0Ocidente, principalmenteosEstados Unidos e a Europa Ocidental, e uma questao importan-te e polemica a ser enfrentada pela comunidade internacional. Paramuitos lfderes polfticos e empresariais ocidentais, a ascensao eco-nomica e a crescente afluencia do Leste Asiatico representam umaoportunidade econornica inedita, No momento em que os neg6ciosocidentais contemplam este gigantesco mercado em crescimento,vern-nos a lembranca 0ditado d