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Aprimoramento humano e atravessamentos

Tarcísio Alves dos SANTOS1

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Resumo: O escopo do presente trabalho verifica alguns atravessamentos  entre conhecimento científico, cultura e ética. Na medida em que o mundo é modificado pelo conhecimento científico, de modo teórica e prático, podemos dizer que há, direta ou indiretamente, modificações culturais e sociais advindas desse conhecimento . Tais modificações podem se tornar mais abrangentes com o avanço do conhecimento científico em meios biológicos (as biociências). A Ciência  investiga hoje métodos para o human enhancement (aprimoramento humano), o que resulta em discussões bastante acirradas entre os bioconservadores e os trans-humanistas  a respeito do que poderia ser uma essência necessariamente humana e se podemos ou não modificá-la. Dessa forma, investigaremos algumas questões relacionadas ao Aprimoramento Humano, tanto no que diz respeito às qualidades físicas e ao cognitivo, como também se devemos ou não selecionar nossos filhos a partir da Beneficência procriativa. Entretanto, esse conhecimento, assim como os outros, suscita algumas questões éticas. Será que a realização do aprimoramento humano não está atrelada a interesses diversos, ligados, por vezes, à política e a grupos empresariais? Quais problemas sociais poderiam ocorrer? A própria Ciência poderia ser um fator discriminatório? Entendemos que a Ciência pode trazer consigo benefícios e malefícios à humanidade, e aqueles que a fazem devem ser responsáveis moralmente pelos seus atos. É necessária então, uma comunicação entre o conhecimento cientifico e o ético-filosófico. O que pretendemos  neste artigo é estabelecer que é imprescindível reflexões éticas-filosóficas para possíveis fundamentações morais ligadas ao conhecimento científico contemporâneo, acerca do aperfeiçoamento humano, e isso, sem dúvidas, deve ser levado em consideração, a fim de que o homem, como o criador e recriador de sua cultura, possa garantir o respeito à dignidade humana “como um fim em si mesmo”.Palavras-chave: Ética; Aprimoramento; Ciência; Beneficência; Cultura.

Abstract: The scope of this paper verifies some crossings between scientific knowledge, culture and ethics. To the extant in which the world is modified by scientific knowledge, in a theoretical practical manner, it can be said that there is, directly and indirecly, cultural and social modifications resulting from this knowledge. Such modifications can be made more embracing with the advancement of scientific knowledge in in biological media (biosciences). Science today investigates methods for human enhancement , which results in quite strained discussions between bioconservatives and transhumanists about what could be  a necessarily human essence and wheter it can be modified. Thus, we will investe some issues related to human enhancement, concerning both cognitive and physical qualities, as well as whether we should select our children from procreative beneficence. However, this knowledge, as well as others, raises some ethical issues. Could be human enhancement coupled to diverse interests, sometimes tied to politics and business groups? What social problemas could arise? Could science itself be a discriminatory factor? We understand that science brings harms and benefits to mankind, and those who do it must be morally responsible by their actions. It is necessary then, communication between scientific and ethical-philosophical knowledges. Our intention in this article is that it is essential to establish ethical-philosophical reflections for possible moral foundations related to contemporary scientific knowledge, about human improvement, and this, doubtless, must be taken into consideration in order that man, as the creator and recreator of its culture, can ensure respect for human dignity "as an end in itself."Key-words: Ethics; Enhancement; Science; Beneficence; Culture.

1 Mestrando em filosofia pela UFRN.

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1 Introdução

Podemos dizer que há significativamente atravessamentos entre conhecimento

científico, cultura e ética. Se a cultura parte da compreensão da humanidade a partir dos

diversos valores simbólicos por ela criados, incluindo aqui valores morais e éticos que guiam

nosso comportamento enquanto agir no mundo, o homem, como um ser transformador de sua

realidade, é também responsável pelos seus atos perante seus semelhantes e pelo próprio

mundo em que vive. Esse agir está em um estado de evolução constante, já que a cultura é

sempre dinâmica. Talvez não possamos falar de uma cultura específica, mas de culturas, nas

quais leis, crenças e práticas coletivas, que são desenvolvidas e internalizadas em cada

período de tempo, formam modelos sociais. No seu esforço de viver e de se desenvolver em

grupo, o homem tenta criar cada vez mais condições de aprimoramento, não somente daquilo

que ele descobre sobre o mundo, mas também de si mesmo.

Esse aprimoramento acaba por se transformar em conhecimento científico, que

remota aos antigos filósofos gregos. Embora a preocupação desses filósofos fosse a

compreensão da natureza e a desvinculação com os mitos, eles foram responsáveis por

organizar sistematicamente o pensamento de maneira lógica, revelando uma contraposição ao

comportamento natural advindo dos deuses.

Mais tarde, na época moderna, podemos dizer que a Ciência começou a ter maior

privilégio social em relação à própria filosofia, separando-se dela. Os métodos científicos

possibilitaram ao homem descrição e comprovação de sua realidade, de maneira que tais

métodos passaram a ser a forma genuína de conhecimento válido, uma “verdade” descoberta

pelo próprio homem que adquiriu hegemonia significativa em nossa sociedade. É certo que os

próprios métodos científicos nada mais são que uma tentativa de o homem conhecer a sua

realidade, representá-la, tão quanto à filosofia e as antigas narrativas mitológicas tentaram

fazer. O fato é que, desde a época moderna até os dias atuais, o conhecimento científico

ganhou um status de conhecimento verdadeiro sobre o mundo mediante as experimentações e

as formulações vindas dele.

O conhecimento científico não apenas mudou a relação do homem consigo mesmo,

mas também aquilo que ele descobriu no mundo, transformando-o, modificando-o e criando.

A Ciência passou a ser a parte responsável pelo conhecimento sobre esse mundo, deixando à

filosofia um saber questionador e crítico, que indaga sobre os modelos e práticas advindas da

própria Ciência. Nisso, temos atravessamentos importantes: já que o conhecimento científico

muda nossas ações no mundo, a filosofia questiona como essas ações podem comprometer a

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felicidade e o bem-estar das pessoas, a integridade física e também a própria condição

humana no mundo.

As descobertas da Ciência mudaram nossas ações no ambiente em que vivemos, de

maneira que ela tem responsabilidade, direta ou indiretamente, sobre os valores morais e

sociais, cabendo assim reflexões ético-filosóficas. A descoberta das leis da gravidade, tal

como suas forças, possibilitaram ao homem um conhecimento maior sobre o modelo físico

com o qual lidamos. No entanto, construir, por exemplo, um avião com bases nessas leis é

bem diferente de saber como ele será utilizado. Acreditamos que Santos Dumont ficaria

horrorizado ao saber que sua invenção, que serviria em princípio para reduzir as distâncias

que cruzam fronteiras e culturas, foi usada para destruir a própria humanidade, lançando

bombas e misseis. Não é a questão do aprimoramento das coisas ou do homem que está em

jogo, mas de como o poder do conhecimento científico pode afetar drasticamente nossas

vidas.

O homem veio se aprimorando ao longo da história; aprimorando suas formas de

viver no mundo, da escrita ao martelo de pedra lascada, até a construção de um avião e a

desnaturalização da questão de que ele próprio não pode voar. Mas é importante saber que,

seja qual for o aprimoramento humano, ele suscita várias questões éticas, pois um simples

palito de fósforo, que serve para a dona de casa acender o fogo para cozinhar, pode ser usado

para acender uma dinamite e matar centenas de pessoas. A história da humanidade é uma

história de aprimoramentos, sejam eles vindos da educação, da família, ou de outras fontes. O

homem conseguiu aprimorar, com base em suas tecnologias e avanços científicos, a natureza

ao seu redor e a si mesmo.

Hoje em dia, fala-se muito do human enhancement (aprimoramento humano); ou

seja, o homem agora não quer apenas aprimorar os objetos que ele mesmo criou com base no

aprimoramento de suas capacidades naturais, mas aprimorar também suas próprias

capacidades físicas e cognitivas com intervenções biológicas e mecânicas. O homem tem

encontrado maneiras tecnológicas para o progresso de sua qualidade de vida, desde um

implante de um dente, uma perna mecânica, um coração artificial que consegue bombear

sangue, até mãos mecânicas impulsionadas pelo sistema nervoso central que parecem quase

reais2. No entanto, isso são apenas terapias, pois visam apenas a restaurar o que foi

comprometido. O human enhancement pretende melhorar nossas capacidades naturais; ou

2 Veja:http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI285971-17773,00-INTEGRA+DA+REPORTAGEM+DE+CAPA+ASSINANTES.html

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seja, não apenas restaurar o que foi danificado, mas aperfeiçoar tantos as nossas qualidades

físicas, como as cognitivas.

Embora não seja tão fácil distinguir terapia de aprimoramento, Cinara Nahra

(NAHRA, 2012) destaca que a diferença fica evidente na seguinte situação: se fossem

colocadas pernas mecânicas em um indivíduo que perdeu as suas em determinado acidente, os

médicos responsáveis pelo implante estariam fazendo terapia, e assim, restaurando sua

capacidade de locomoção. Por outro lado, se esse implante proporcionasse ao indivíduo uma

capacidade de locomoção ou corrida além da considerada normal (como correr a 200 km/h,

por exemplo), isso seria um aperfeiçoamento. Acreditamos que, do mesmo modo, ainda sob o

ponto de vista hipotético, se a Ciência pudesse alterar o DNA de alguém para correr com

tamanha velocidade, seria considerado um aprimoramento humano por meios biológicos – e

não terapia.

Todos os métodos que podem ser utilizados pela Ciência para o aprimoramento

humano acabam por trazer várias questões e incitar discussões acirradas entre duas correntes

distintas: a dos bioconservadores e a dos trans-humanistas (claro que há aqueles que não

pertencem a nenhuma dessas correntes e que, devido a isso, acabam por ter um diálogo mais

aberto sobre o assunto). Os bioconservadores podem argumentar sobre uma possível essência

do homem, salientando que o aprimoramento afetaria nossa condição humana, ou seja, nos

tornaríamos outra espécie de animais que nada teria a ver com o humano natural – apesar de

os que compõem esse grupo serem favoráveis às terapias, porque acham-nas moralmente

aceitáveis. Por seu turno, os trans-humanistas não só admitem o aprimoramento, como

também acreditam que ele seja moralmente aceitável e desejável na maioria das vezes, na

medida em que não existe, para eles, uma essência necessariamente humana, a não ser o modo

de como nós, seres racionais, podemos modificar nossa própria condição ontológica.

Sendo assim, abordaremos aqui três fatores importantes relacionados à questão do

human enhancement. O primeiro, referente ao aprimoramento das qualidades físicas; o

segundo, às capacidades cognitivas; e o último, ao questionamento sobre se devemos ou não

selecionar nossos filhos a partir de uma beneficência procriativa. Todos esses pontos são de

extrema importância para a compreensão de como o conhecimento científico deve pensar

sobre as questões éticas que o envolvem.

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2 Aprimoramento Físico

Quando falamos de aprimoramento físico, podemos pensar em uma maior

resistência, força, coordenação, rapidez, agilidade, enfim, tudo o que pode aprimorar o corpo

humano a partir do que hoje chamamos de estado natural. No entanto, o que poderia

acontecer se fosse possível, por meios de fármacos, próteses mecânicas ou intervenção

biológica, um aperfeiçoamento humano em sua estrutura física? Compreendemos que alguém

que tem trabalho forçado muitas horas por dia aceitaria bem a ideia de poder ter maior força e

resistência. Porém, pode haver muitos casos em que isso poderia ser considerado um ato de

má fé, como os casos de Doping3. Certamente esses casos ferem a ética esportiva, uma vez

que eles proporcionam o fato de os atletas não estarem em condições de igualdade.

Ultimamente um caso chamou a atenção da mídia no mundo todo: o do corredor de

atletismo Oscar Pistorius, um jovem sul-africano que teve as pernas amputadas devido a uma

doença congênita aos 11 anos de idade, e que hoje usa próteses de fibra de carbono. Oscar se

classificou para o campeonato mundial de atletismos em Daegu 2011 na Coréia do Sul, após

já ter sido negado pela Federação Internacional de Atletismo (IAAF) o seu direito de competir

em 2008, sob a alegação de que as próteses davam ao atleta uma assistência mecânica e

fisiológica que lhe ofereciam vantagem mínima de 25% em relação aos seus concorrentes.4

Duas questões surgem nesse caso. Uma, o fato de Oscar superar a si mesmo, a ponto de

participar de corridas com concorrentes não paraolímpicos; a outra, a indagação sobre quais

seriam realmente as vantagens de Pistorius diante de suas outras desvantagens, como, por

exemplo, a perda de energia muito além da de outros competidores. Pensamos que, se todos

os competidores paraolímpicos tivessem acesso aos benefícios advindos da Ciência, as coisas

seriam mais justas. Contudo, será que todos seriam como Pistorius? Será que todos, mesmos

usando tais próteses, conseguiriam os mesmos resultados que ele? Não é o caso de levarmos

em conta seu esforço e superação, já que não temos outro caso semelhante? Certamente, o

esforço e superação de Oscar Pistorius, juntamente com as próteses, fazem dele um grande

atleta.

Logicamente, aqui fica difícil saber se o caso de Oscar é uma terapia, com uma

superação pessoal, ou se estamos falando de um aprimoramento humano proporcionado pelas

próteses mecânicas de fibra de carbono. Tais questões entre terapia e aprimoramento merecem 3 Doping pode ser considerado o uso de qualquer droga ou medicamento que possa aumentar o desempenho dos atletas durante as competições, dando-lhes vantagens sobre os demais competidores.

4Veja : http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2295337-EI6583,00.html

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ser melhor analisadas. Os casos de Doping com fármacos, que proporciona ao atleta um

aumento de massa física e explosão muscular considerável, que chega a índices

impressionantes, sempre suscita indagações de ordem ético-social. O fato é que em ambos os

casos, quer seja por próteses ou por fármacos, ainda está difícil a igualdade para todos os

competidores, o que poderia desfavorecer principalmente aos atletas iniciantes, que estão

longe da elite do esporte. Será que realmente é aceitável permitir o uso de drogas para um

melhor condicionamento físico muscular no esporte? Será que não seria injusto para os

participantes que não têm o auxilio desses medicamentos? Savulescu et. Al. (2008)

argumentam que muitas coisas no esporte mudaram, mas o esporte sempre foi uma forma de

superação física (velocidade, habilidade) e biológica, como também uma maneira de escolha e

julgamento, e não como corridas de cães e cavalos, a isso ele esclarece (SAVULESCU apud

BOSTROM & ROACHE, 2008, p. 9):

Humans are not horses or dogs. We make choices and exercise our own judgment. We choose what kind of training to use and how to run our race. We can display courage, determination, and wisdom. We are not flogged by a jockey on our back but drive ourselves. It is this judgment that competitors exercise when they choose diet, training, and whether to take drugs. We can choose what kind of competitor to be, not just through training, but through biological manipulation. … Far from being against the spirit of sport, biological manipulation embodies the human spirit—the capacity to improve ourselves on the basis of reason and judgment. 5

O que Savulescu argumenta é que, se as drogas não ferirem o espírito esportivo, elas

não deveriam ser proibidas, desde que, por um lado, houvesse um acompanhamento das

autoridades desportivas para saber quais drogas seriam seguras para os atletas; por outro,

tivessem todos acesso, de maneira igualitária, às drogas. Realmente, Parece que permitir o uso

de drogas não afetaria a prática esportiva, uma vez que todos melhorariam seus índices e 5 Humanos não são cavalos ou cães. Fazemos escolhas e exercemos nossos próprios juízos. Escolhemos

que tipo de treino usar e como percorrer nossos percursos. Podemos mostrar coragem, determinação e

sabedoria. Não somos açoitados por um jockey em nossas costas: nós nos autoconduzimos. Este é o juízo

que competidores exercem quando escolhem dietas, treinos e sobre o uso de drogas. Podemos decidir que

tipo de competidor seremos, não apenas pelo treinamento, como também por manipulação biológica. …

Longe de estar contra o espírito esportivo, manipulação biológica incorpora o espírito humano – a

capacidade de aprimoramento com base na razão e no discernimento. (Tradução nossa).

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desempenhos. Entretanto, os bioconservadores podem argumentar que o uso das drogas, além

de fazerem mal a saúde, pode ultrapassar o limite da moderação, favorecendo a dependência e

o vício, e promovendo a indústria de fármacos. Boa alimentação, dieta, boa noite de sono e

treinamento adequado podem proporcionar os mesmos resultados obtidos com esse uso,

embora à longo prazo. Não podemos esquecer de que a questão social é também bastante

importante. Pessoas com menos dinheiro poderiam ser discriminadas, pois não teriam

condições de pagar não somente pelas drogas, como também pelo acompanhamento médico.

Como afirmamos acima, um aprimoramento físico poderia ser importante para

pessoas que trabalham à exaustão, mas isso também poderia causar um fator discriminatório

entre os que poderiam ser contemplados com o aprimoramento e os humanos naturais. Ao

tratarmos de intervenções biológicas em uma possível mudança no DNA, isso ainda poderia

ser pior, pois poderia haver preconceito entre os alterados geneticamente e os que não tiveram

a mudança ou não optaram por ela.

É necessário que possamos pensar nessas questões de forma bastante cautelosa, pois

não sabemos ainda o quanto o uso de drogas anabolizantes pode comprometer a integridade

física e mental de uma pessoa, sabemos apenas que algumas pessoas já foram comprometidas

e passaram por um grande sofrimento para recuperar-se. Já que o homem pode usar sua

inteligência para a fabricação de drogas que aumentem sua capacidade física, é bem possível

que ele possa encontrar outros mecanismos para o trabalho pesado, tal como empilhadeiras,

guindastes e outras máquinas, que o ajude a aliviar o seu fardo.

3 Aprimoramento Cognitivo

Outro fator importante relacionado ao human enhancement é o aprimoramento

cognitivo, maneiras de melhorar nossas capacidades mentais, o que se resume em

basicamente nós termos melhor processamento, armazenamento ou memória. Certamente já

fazemos isso pelos meios tradicionais, como a educação, por exemplo. No entanto, se fosse

possível, por meios de fármacos e intervenção biológica, aprimorarmos nossas capacidades

cognitivas, seria isso eticamente correto? Nos últimos anos, surgiram algumas drogas, tal

como a Ritalina, que, em principio, serviria para tratar défices de hiperatividade, mas que

ocasionou aumento de concentração e de memória em pessoas saudáveis, fato que gerou a

proibição de seu uso apenas para esse fim. Assim como doping esportivo, drogas como essa

poderiam caracterizar o doping cognitivo, já que muitos as usariam, com má fé, para ganhar

vantagens em provas e exames de aptidão.

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Claro que é possível imaginar que um aprimoramento cognitivo seria

maravilhosamente formidável, uma vez que a população mais inteligente poderia resolver

seus problemas políticos e sociais com maior agilidade. Além do mais, no âmbito pessoal

quem é mais inteligente tende a obter bons empregos e a melhorar de vida.

No entanto, que riscos corre alguém que é demasiadamente inteligente? Que risco

corre os outros com esse alguém? Se pudermos usar a biotecnologia para o aprimoramento

cognitivo, o que poderia ser perigoso? Ora, alguém com capacidades cognitivas aprimoradas

poderia usar essa inteligência tanto para o bem da humanidade, quanto para o seu mal.

Correríamos o risco de ter seres humanos que explorassem outros de maneiras sub-humanas.

Persson & Savulescu (PERSSON & SAVULESCU apud HARRIS, 2011, p. 5) dizem que há

boas razões para nos preocuparmos com o aprimoramento cognitivo. Primeiro, porque é

relativamente mais fácil causar danos do que causar benefícios em um certo período de tempo

(por exemplo, uma bomba pode matar milhares de pessoas em fração de segundo, mas para

vacinar pessoas de uma epidemia na mesma proporção de tempo seria muito difícil ou

inimaginável); segundo, porque esse aprimoramento aumentaria o progresso científico, dando

a um grupo reduzido de pessoas – ou até mesmo a um único individuo – a possibilidade de

causar muitos danos à humanidade, chegando mesmo à possibilidade de dizimá-la com o uso

de armas nucleares e biológicas de destruição em massa; terceiro, porque deveria haver

também aprimoramento moral (ético) juntamente com o cognitivo, mas ele ainda está longe

de ser uma realidade; mesmo que fosse, teríamos que esperar anos para saber como funciona.

Harris (2011) questiona os pontos argumentados por Persson & Savulescu; segundo

o autor, porque não seria tão verdade assim que poderíamos causar mais danos que benefícios

da mesma maneira. Harris (2001, p.5) diz, por exemplo, que um alarme que fizesse as pessoas

evacuarem de lugar em chamas com segurança e o uso de equipamentos para anteceder e

detectar bombas poderia salvar muito mais vidas que uma tentativa de destruição de ataque

terrorista; depois, porque o progresso da Ciência vindo de mentes brilhantes e não maldosas,

como sugere nas entrelinhas Persson & Savulescu, ajudaria a humanidade em muitos

benefícios, inclusive em questões de segurança, pois muitas coisas poderiam ser

desenvolvidas em menos tempo, como, por exemplo, vacinas eficazes contra vírus biológicos

ou armamentos muito mais modernos do que temos para combater a violência.

Nesse ponto, perguntamos por que os cientistas não desenvolvem, por exemplo, um

campo magnético, como em filmes de ficção cientifica, que elimine potencialmente a ação das

balas de revólver ou de outras coisas, ao invés de simplesmente tentar desenvolver paliativos

como novas armas e coletes. Será que a indústria bélica não interfere? É bem possível, já que

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ela é responsável por boa parte do capital em diversos países, e o capitalismo parece tornar a

ética um meio secundário. A indústria bélica certamente tem sua interferência, pois muitos

são o que precisam dela para diversos fins, inclusive, o próprio governo. Talvez até mesmo já

tenha surgido protótipo de algo tão exuberante assim, mas para tal coisa haveria uma série de

interessados, como governos, indústrias, desportistas etc.

Claro que devemos levar em consideração o argumento de Persson & Savulescu

sobre a questão de que apenas uma mente maldosa coloca a humanidade em risco. A

inteligência usada de forma correta seria algo muito vantajoso para ela, porém utilizada de

forma equivocada causaria grandes danos. Alguém poderia ser um grande inventor, como

Thomas Edison, inventor da lâmpada elétrica; ou um médico neurocientista, como o Dr. Josef

Mengele, que, durante o regime nazista do qual participou, fez várias experiências em seres

humanos com grau terrível de atrocidades, matando milhares de pessoas. Parece-nos que a

inteligência, sem se levar em conta as relações éticas, seria na verdade algo bem pior para os

seres humanos que o próprio reino animal em que a ética passa despercebida e não existem

juízos de valores.

Também se fosse possível selecionarmos embriões que seriam mais inteligentes,

estaríamos, de certa forma, intervindo na autonomia de novos seres humanos. Os seres

humanos não poderiam eventualmente desenvolver pelos meios naturais o aprimoramento,

mas já estariam predispostos a serem mais inteligentes que outros; os pais estariam, de algum

modo, escolhendo pelos filhos o fato de terem mais inteligência e memória. Não seria,

portanto, uma decisão autônoma, deliberada. Não seria absurdo pensar que alguém pudesse

não querer ser inteligente, mas se isso ocorresse seria impossível voltar atrás.

Outro fato importante seria o aumento da desigualdade social decorrente da opção de

se poder ter melhor cognição, já que nem todos poderiam ter acesso a essa tecnologia, pois as

populações mais carentes não teriam condições para isso, o que seria um sério problema,

levando em conta que a parcela mais favorecida da população estaria em vantagem na medida

em que poderia ter filhos mais inteligentes. Além do mais, todos os critérios da beneficência

genética passam por sérios problemas quanto ao seu futuro em fundamentações ético-morais,

pois se a sociedade do futuro for essa modificada geneticamente, qual será o critério de

escolha para um ser humano? Os modificados geneticamente e “melhores” ou o ser humano

natural? Qual seria o ser humano melhor? Qual seria sumariamente descartado? Certamente

em uma sociedade na qual somente os inteligentes teriam vez, os menos inteligentes seriam

alijados ou faríamos escolhas genéticas para um novo modelo de escravos. Essas são grandes

questões éticas que ainda estão para ser melhor analisadas, porque certamente os mais pobres

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não poderiam se beneficiar desse novo modelo de sociedade genética, pelo menos não nessa

sociedade na qual vivemos hoje, o que a tornaria desigual e cada vez mais desumana.

Logicamente, devemos considerar também o outro lado da questão, pois seres mais

inteligentes poderiam ser também mais éticos, e ainda, capazes de solucionar grandes

problemas relacionados aos diversos campos do saber, como, por exemplo, na medicina, em

que se poderia desenvolver a cura de muitas doenças. Harris cita a obra Martin Rees, O Final

de nosso século (HARRIS, 2011, p.7), para dizer que não apenas maldade e malevolência

poderiam colocar todos em risco, mas também a incompetência e a estupidez. Ainda que o

aprimoramento moral ainda seja algo inacessível, uma utopia, não devemos negar o

aprimoramento cognitivo ou renunciar a ele, pois o mesmo pode vir a ser a cura de muitos

problemas sociais, tais como doenças, armas biológicas, fatores climáticos, ausência de

educação; ter uma melhor inteligência ajudaria muito a humanidade.

4 Beneficência procriativa

Tendo em vista todas estas questões, surge outra bastante peculiar, o último aspecto

relacionado ao human enhancement: se devemos ou não selecionar nossos filhos sobre uma

beneficência procriativa. Julian Savulescu, no seu texto Procreative beneficence: why we

hould select the best children6, nos remete a algumas questões sobre o Princípio de

Beneficência Procriativa (PB) na seleção eugênica de embriões; questões estas que não têm

apenas fins para a medicina ou para política, mas perpassa o campo da ética – ou melhor, da

bioética. O avanço na medicina criou possibilidades para que hoje nós possamos selecionar

embriões por meio da fertilização in vitro (FIV), com o diagnóstico de implantação (PGD); ou

seja, o diagnóstico analisa qual o melhor embrião a ser implantado. Savulescu enfatiza que as

pesquisas estão avançando rapidamente em bases genéticas, tanto que poderemos escolher a

cor do cabelo, dos olhos, em um futuro bem próximo. Mas talvez um ganho real seria se

pudéssemos escolher não termos doenças futuramente, pois estaríamos evitando vários

problemas relacionados à saúde e ao bem estar. Doenças como Alzheimer e câncer teriam

menor risco de ser desenvolvidas, e isso seria, sem dúvidas, um grande ganho para a

humanidade.

Talvez o grande embate na teoria de Savulescu seja a questão de um dever moral,

uma obrigação moral a ter que escolher o Princípio de Beneficência Procriativa para

6 Beneficiência Procriativa: nós devemos selecionar melhores crianças.

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selecionar melhores crianças, embriões selecionados e depois fertilizados in vitro como base

para uma vida melhor. Nas palavras desse autor,

Couples (or single reproducers) should select the child, of the possible children they could have, who is expected to have the best life, or at least as good a life as the others, based on the relevant, available information. 7(SAVULESCO, 2001)

Ainda podemos citar outro texto que nos esclarece tal fato de outra maneira:

According to what we call the Principle of Procreative Beneficence (PB), couples who decide to have a child have a significant moral reason to select the child who, given his or her genetic endowment, can be expected to enjoy the most well-being.8 (SAVULESCU and KAHANE, 2009)

A Beneficência é em si uma forma de tentar maximizar os benefícios e minimizar os

prejuízos à luz da ética. Mas Savulescu nos coloca diante de uma possível contradição ética a

ferir o princípio de autonomia da criança em relação aos pais; e também diante de uma

situação complicada, ao dizer o que seria em suma uma vida melhor. E ainda recebe diversas

críticas dos conservadores a respeito de uma modificação na essência humana.

Realmente é importante o fato de os avanços tecnológicos e biotecnológicos poderem

reduzir o índice de doenças hereditárias, tais como o câncer e fibrose cística. Acreditamos que

a maioria das pessoas poderia concordar que o diagnóstico genético, juntamente com a

fertilização in vitro nessas condições, seria louvável. Podemos dizer que os beneficiamentos e

os melhoramentos genéticos seguem um bom caminho quando tratam de doenças e da busca

por um melhoramento do “homem natural”, um suporto aumento de sua inteligência e de sua

estrutura física. De maneira geral, quando falamos de doença, é possível pensar que também a

maioria das pessoas concordaria com o fato de podermos usar tal procedimento para que

crianças não nasçam com predisposição genética a doenças.

7 Casais (ou reprodutores individuais) poderiam selecionar a criança, e as possíveis crianças que terão, que se espera que tenha a melhor vida possível, ou pelo menos tão boa quanto às de outros, com base nas informações relevantes disponíveis. (Tradução nossa).

8 De acordo com o que chamamos de Princípio da Beneficência Procriativa (PB), casais que decidem ter um filho tem uma significativa razão moral para selecionar a criança que, dada a sua dotação genética, pode-se esperar que desfrute de maior bem-estar. (Tradução nossa).

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Savulescu (2001, p.416) argumenta a favor do PB para os genes de doenças.

Imaginemos o seguinte: Um suposto casal vai realizar FIV em uma tentativa de ter um filho.

Produz então dois embriões, sendo que o embrião A não apresenta anormalidades nos testes

realizados, assim como o embrião B; mas, neste foi detectado predisposição para o

desenvolvimento de asma. A pergunta é: qual embrião deve ser implantado? Em uma escolha

lógica, certamente se escolheria o embrião A. O argumento parte da seguinte pergunta: por

que deveríamos escolher o embrião com predisposição para a asma? Sabemos que, de maneira

geral, a asma reduz a qualidade de vida e causa inúmeros problemas de saúde, podendo levar

até mesmo à morte, mesmo hoje, com todos os tratamentos possíveis. A asma causa

sofrimento e dor; além do mais, reduz o bem-estar. Em última análise, não proporcionaria

uma melhor vida a quem a tem.

Mesmo que o embrião A seja naturalmente o escolhido, poderiam surgir algumas

objeções, tais como imaginar que o embrião B pudesse ser alguém como Mozart ou um

nadador olímpico. Sob esse prisma, descartar este embrião seria um erro. No entanto, o

embrião A poderia ser alguém como Mozart, porém sem predisposição para a asma, o que

seria um ganho, pois teria uma vida melhor.

A questão que segue diante disso é: o que seria uma vida melhor? Certamente não ter

doença proporciona uma vida mais saudável, mas é isso que caracteriza uma vida melhor?

Sauvulescu esclarece que por vida melhor ele entende melhor bem-estar. Não seria

basicamente a doença que necessariamente tornaria a vida ruim, mas seus impactos nela. Essa

é uma questão complicada, pois imaginemos alguém sem doença, mas com uma vida de

miserável; não cremos que essa seja uma melhor vida, pois a miséria causa sofrimentos

terríveis. De outra forma, alguém também pode viver uma vida curta, embora doente, mas

vivê-la com o máximo de requinte, com dignidade e mesmo sem sofrimento, porque a doença

apenas o afetaria no final da vida; nesse caso, talvez se tivesse uma melhor vida.

Certamente é vantajoso se pudéssemos escolher embriões menos propensos a

doenças, como um modelo de Beneficência; achamos difícil alguém, que pudesse ter nascido

nessas condições, levantar questões no futuro sobre sua autonomia em relação a seus pais,

preferindo ter nascido com predisposição a algum tipo de doença. Certamente, ter menos

predisposição a doenças pode, sim, ser condição para uma melhor vida.

É bem verdade que alguns argumentariam que o uso dessas técnicas em produzir

filhos com qualidade poderia ser um assassinato, pois de cada embrião selecionado, um ou

mais seria simplesmente descartado. Se de fato isso é um assassinato – ou digamos,

simplesmente deixar morrer (um ato de omissão à vida) –, é algo que implica na origem da

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vida, na possibilidade de nos tornamos humanos necessariamente, e isso seria outra discussão

que não levantaremos aqui. No entanto, que outras de situações éticas podemos pensar? Além

de todas as questões éticas abordadas aqui, o fator discriminatório em torno desta contenda

também é mencionado. Não seria apenas os valores morais da sociedade a causa da

discriminação, mas a própria Ciência incitaria um genoísmo9 sem tamanho, na medida em que

distinguisse o humano natural do modificado geneticamente. Assim, empregos, relações

pessoais e financeiras, tudo poderia se tornar um fator discriminatório gerada pela própria

Ciência.

5 Considerações finais

É verdade que hoje em dia a Ciência é responsável por grande parte das terapias de

mercado sem que ninguém perceba isso, como, por exemplo, no uso de dentes postiços, de

próteses de membros humanos, em implantes de cabelos, em cirurgias plásticas – inclusive, as

estéticas, como nos casos de aumento de seios a partir de próteses de silicone – etc. É verdade

também que já fazemos melhoramento genético de plantas, mas não sabemos ainda o que isso

pode causar em nós, seres humanos, a longo prazo. É bem provável que a Ciência esconda a

verdadeira intenção em muitas experiências com plantas, com animais e até mesmo com seres

humanos, e isso seria de extrema importância, pois não podemos transformar a ciência técnica

em uma espécie de campo nazista, quando experiências foram feitas sem levar considerações

éticas. Diante disso, fica o questionamento: o que poderemos esperar da Ciência? Ciência por

ciência ou ciência para a humanidade?

Se é verdade que o aperfeiçoamento humano pode trazer consigo melhorias para a

humanidade, acreditamos que devemos usar essa técnica e progresso para o bem da

humanidade, sob o bem da própria ética. Porque, afinal, ser humano é, entre outras coisas,

mudar a natureza de nós mesmos. A natureza humana é a de criar; de se efetivar no mundo,

transformando as suas significações, as culturas, procurar o bem estar, sermos não deuses,

mas necessariamente humanos.

Pretendemos aqui esclarecer o fato de que, sejam quais forem as técnicas cientificas e

seus aprimoramentos, é preciso, acima de tudo, uma reflexão ética. Ao supormos o

aprimoramento do ser humano, geramos a questão sobre podermos ou não fazê-la eticamente,

pois, se melhorar o fator cognitivo fosse melhorar a moralidade humana, talvez o filósofo

Immanuel Kant estivesse certo ao supor que a racionalidade pura fosse a maior fonte de 9 Termo utilizado no filme Gattaca para designar pessoas modificadas pela Ciência. Sony Pictures. Gattaca – A experiência Genética. 106 min, 1997.

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moralidade, mas ele mesmo argumenta o conflito que existe entre a razão e sensibilidade pelo

fato de não sermos seres puramente racionais. Cabe à racionalidade procurar enfrentar nossas

inclinações sensíveis sob a forma de um dever que damos a nós mesmos. Mas, se a própria

racionalidade está sujeita a influência do sensível, qual seria a arma mais poderosa, a razão ou

a sensibilidade? Poderíamos pensar em uma ética não racional? Bem, se a ética não for

racional, como supôs Arthur Schopenhauer, mas sim um sentimento tão lindo como a

compaixão, parece-nos que ainda estamos muito longe de uma modificação genética como

forma de modificarmos as pessoas sentimentalmente; conseguimos apenas, no máximo,

colocar o humano como um robô e paralisá-lo de suas mágoas e dores com fármacos, como se

a dor e tristezas não fossem jamais parte de nós, assim, mascaramos o que nos deixa mal, mas

não cura a causa de nosso sofrimento. Esse aspecto, contudo, também não abordaremos aqui,

apenas deixamos para que possa ser refletido.

Independente, afinal, de quais forem as fundamentações éticas, é preciso –

fundamentalmente necessário – que a Ciência enquanto atividade humana, pertencente à

cultura humana, possa sempre fazer reflexões ético-filosóficas em suas ações, pois o homem,

como disse Kant, é “um fim em si mesmo”, não um objeto da Ciência ou de qualquer outra

atividade humana simplesmente. Tratar o humano dignamente é, sobretudo, uma forma de

respeito à condição humana.

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