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Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Sociais e Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia
MARINALDO PANTOJA PINHEIRO
INSTRUIR E CIVILIZAR: EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS NO
GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI, PARÁ (1904-1943)
Belém-Pará
2017
MARINALDO PANTOJA PINHEIRO
INSTRUIR E CIVILIZAR: EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS NO GRUPO
ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI, PARÁ (1904-1943)
Dissertação de mestrado apresentado ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade
do Estado do Pará – UEPA, na linha de pesquisa
Saberes Culturais e Educação na Amazônia.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria do Perpétuo Socorro
Gomes Avelino de França.
Belém-Pará
2017
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)
Biblioteca do CCSE/UEPA
Pinheiro, Marinaldo Pantoja
Instruir e civilizar: educação de crianças no Grupo Escolar de Igarapé-Miri, Pará
(1904-1943) / Marinaldo Pantoja Pinheiro; orientação de Maria do Perpétuo Socorro
G. Avelino de França, 2017
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém,
2017
1. Educação – História - Amazônia. 2. Grupo Escolar de Igarapé-Miri (PA). 3.
Educação de crianças – Igarapé-Miri (PA) I. França, Maria do Perpétuo S. Avelino de
(orient.). II. Título.
CDD. 513.214
MARINALDO PANTOJA PINHEIRO
INSTRUIR E CIVILIZAR: EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS NO GRUPO
ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI, PARÁ (1904-1943)
Dissertação de mestrado apresentado ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade
do Estado do Pará – UEPA, na linha de pesquisa
Saberes Culturais e Educação na Amazônia.
Orientado: Prof.ª Dr.ª Maria do Perpétuo Socorro
Gomes Avelino de França.
Examinado em: 18/12/2017
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________________
Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França – Orientadora
(PPGED/UEPA)
______________________________________________________________________
Prof. Dr. João Colares da Mota Neto – Membro interno (PPGED/UEPA)
______________________________________________________________________
Profª. Drª. Laura Maria Silva Araújo Alves – Membro externo (PPGED/UFPA)
À minha genitora Salvina Pantoja Pinheiro (In
memorian). Entre os cochilos e balanços de
rede em suas sestas diárias após o almoço,
ensinou-se as primeiras letras na cartilha do
“Método ABC”.
À minha esposa Ana Maria Rodrigues Corrêa
e meus filhos Madson Allan Corrêa Pinheiro e
Marianne Alinne Corrêa Pinheiro, pela
compreensão nos momentos em que o estudo
não me permitiu lhes dar a atenção merecida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me conceder o dom da vida.
À Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França, por
orientar maestriamente esta pesquisa.
Aos professores que participaram da banca de qualificação e defesa, Prof. Dr. João
Colares da Mota Neto (UEPA) e Profª. Drª. Laura Maria Silva Araújo Alves (UFPa), pelas
contribuições relevantes a esta investigação.
Aos professores do mestrado em educação da UEPA, que conduzem com amor e
dedicação deste programa de pós-graduação.
Aos colegas da 12ª turma do mestrado em educação da UEPA, pelas trocas simbólicas
de conhecimentos e experiências de vida.
Aos pesquisadores do Grupo História da Educação na Amazônia – GHEDA, pelas
contribuições para o amadurecimento intelectual deste objeto investigado.
A todos que contribuíram direta ou indiretamente com esta pesquisa, em especial:
Adriane da Costa Gonçalves, Carlos Alberto de Castro Souza, Clara Eunice Figueiredo
Brandão, Domingos do Nascimento Nonato, Elvis Nunes Correa, Joana Darc Costa, José
Maria Ribeiro Pinto, Maria da Assunção Pantoja Pinheiro, Maria José Corrêa Souza, Natanael
Pantoja Cuimar, Railson Wallace Rodrigues dos Santos, Sônia Maria Corrêa Amaral e
Manoel Raimundo Cabral Fonseca.
A todos os ex-alunos e ex-funcionários do Grupo Escolar de Igarapé-Miri,
particularmente à Crisálida Pantoja Soares, Iaci Guimarães Santana Moura, Layr Santana
Dias, Lucilinda Pantoja Ferreira, Maria Madalena Gonçalves, Maria Raimunda Corrêa de
Almeida e Virgínia de Jesus Nascimento Miranda.
Como um maestro de orquestra que ora dá a
vez a um instrumento musical, ora a outro, na
execução de uma única música, extrai
expressões de um depoimento, outras de outro,
trechos de reportagens de jornais e de
documentos para, de um conjunto de tantos
pequenos textos, formar uma única história
(NOSELLA, 2001, p.17).
PINHEIRO, Marinaldo Pantoja. INISTRUIR E CIVILIZAR: EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS
NO GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI, PARÁ (1904-1943). Dissertação (Mestrado
em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2017.
RESUMO
O presente trabalho vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade
do Estado do Pará, na linha de pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia e ao
Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia, na linha Instituiçoes Educativas,
Intelectuais e Impressos, que tem como objetivo geral analisar o tipo de formação recebida
pelas crianças no Grupo Escolar de Igarapé-Miri (PA) no período 1904 a 1943, e como
objetivos específicos: descrever os saberes ensinados às crianças nesta instituição; analisar as
práticas educativas que marcaram a educação de crianças neste estabelecimento e identificar
os sujeitos que faziam parte do Grupo Escolar de Igarapé-Miri. Caracteriza-se,
metodologicamente, como uma pesquisa do tipo documental na perspectiva da história
cultural. As fontes documentais utilizadas na pesquisa: Frequência dos funcionários do Grupo
Escolar de Igarapé-Miri 1907, 1908, 1911 e 1912; Matrícula e frequência dos alunos da
Segunda escola elementar masculina do GE de Igarapé-Miri: 1905, 1908 a 1911; Termos de
exames dos alunos do GE de Igarapé-Miri: 1907-1910; 1937-1939 e 1949-1955; Documentos
das Escolas Isoladas de Igarapé-Miri (relação de escolas, termos de exames escolares, ofícios,
matrícula e frequência) de 1913 a 1971; Livro de ocorrência do Grupo Escolar “Manoel
Antonio de Castro” de 1959 a 1962; Livro de cadastro dos funcionários do município de
Igarapé-Miri de 1950 a 1972. Relatório da Instrução Pública de Olympio de Araújo e Souza
do ano de 1911; Regulamentos do ensino primário de 1903, 1910, 1918, 1931, 1934 e 1944,
dentre outras; Mensagens dos govenadores Augusto Montenegro (1905), João Antônio Luís
Coelho (1911) e Antônio Emiliano Castro (1924). Os autores que fundamentam as análises
são: Lobato (1985, 2004, 2007), Lobato e Soares (2001), Nosella e Buffa (2009), Faria Filho
(2000) Faria Filho e Souza (2006), Souza (1998, 2000, 2014), Vidal (2006), Burke (1990,
1992, 2005), Ginzburg (1984, 1989), Le Goff (2003), McLaren (1991), Goffman (2015),
Bernartt (2009), Nascimento et al (2008), Gouvea (2009, 2011), dentre outros. Os resultados
da investigação revelam que através dos ritos cotidianos as crianças eram instruídas para
aprenderem ler, escrever, contar e assimilar conhecimentos gerais sobre o Brasil e o mundo a
fim de terem condições de continuarem os estudos; e educadas dentro do modelo de civilidade
(obedientes, disciplinadas, respeitadoras das hierarquias etc.) pensada pelos republicanos, para
serem futuros cidadãos cívicos, patrióticos e nacionalistas. As crianças eram submetidas a
vários rituais, e dentre estes os exames avaliativos que eram altamente seletivos, onde havia
crianças que não compareciam e a maioria tirava médias baixas ou ficava reprovada. Muitas
delas não obtiveram êxito nesses exames.
Palavras-Chave: Grupo Escolar de Igarapé-Miri. Educação de Criança. Saberes e Práticas
educativas. História da Educação.
PINHEIRO, Marinaldo Pantoja. INISTRO AND CIVILIZAR: EDUCATION OF
CHILDREN IN THE IGARAPÉ-MIRI SCHOOL GROUP, PARÁ (1904-1943). Dissertation
(Master in Education) - University of the State of Pará, Belém, 2017.
ABSTRACT
This work, linked to the Graduate Program in Education of the State University of Pará, in the
line of research Cultural Knowledge and Education in the Amazon and to the Research Group
History of Education in the Amazon, in line with Educational, Intellectual and Printed
Institutions, which has as general objective to analyze the type of training received by the
children in the School Group of Igarapé-Miri (PA) from 1904 to 1943, and specific
objectives: to describe the knowledge taught to children in this institution; to analyze the
educational practices that marked the education of children in this establishment and to
identify the subjects that were part of the School Group of Igarapé-Miri. It is characterized,
methodologically, as a research of the documentary type in the perspective of cultural history.
The documentary sources used in the research: Frequency of the employees of the School
Group of Igarapé-Miri 1907, 1908, 1911 and 1912; Enrollment and attendance of students of
the Second GE Elementary School of Igarapé-Miri: 1905, 1908 to 1911; Terms of exams of
GE students from Igarapé-Miri: 1907-1910; 1937-1939 and 1949-1955; Documents of the
Isolated Schools of Igarapé-Miri (list of schools, terms of examinations, offices, registration
and attendance) from 1913 to 1971; Book of occurrence of the School Group "Manoel
Antonio de Castro" from 1959 to 1962; Book of cadastre of the employees of the municipality
of Igarapé-Miri from 1950 to 1972. Report of the Public Instruction of Olympio de Araújo e
Souza of the year 1911; Primary education regulations of 1903, 1910, 1918, 1931, 1934 and
1944, among others; Messages from the govenadores Augusto Montenegro (1905), João
Antônio Luís Coelho (1911) and Antônio Emiliano Castro (1924).
The authors who base the analyzes are Lobato (1985, 2004, 2007), Lobato and Soares (2001),
Nosella and Buffa (2009), Faria Filho (2000) and Souza (1998), Ginzburg (1984, 1989), Le
Goff (2003), McLaren (1991), Goffman (2015), Bernartt (2009), Vidal (2006), Burke
Nascimento et al (2008), Gouvea (2009, 2011), among others. The results of the investigation
show that through daily rites children were instructed to learn to read, write, count and
assimilate general knowledge about Brazil and the world in order to be able to continue their
studies; and educated within the model of civility (obedient, disciplined, respectful of
hierarchies, etc.) thought by republicans, to be future civic, patriotic and nationalistic citizens.
The children were submitted to various rituals and among these were the highly selective
evaluative exams where there were children who did not attend and most of them took low
averages or disapproved. Many of them did not succed in these tests.
Key words: Igarapé-Miri School Group. Child Education. Educational Knowledge and
Practices. History of Education.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 Mapa do município de Igarapé-Miri, Pará......................................................... 18
Figura 02 Frequência dos funcionários do Grupo Escolar de Igarapé-Miri: março de
1907....................................................................................................................
30
Figura 03 Primeiro prédio que sediou o Grupo Escolar de Igarapé-Miri........................... 45
Figura 04 Planta baixa do primeiro prédio que sediou o Grupo Escolar de Igarapé-Miri. 47
Figura 05 Local do segundo prédio que sediou o Grupo Escolar...................................... 48
Figura 06 Grupo Escolar de Igarapé-Miri inaugurado em 1949........................................ 49
Figura 07 Planta baixa do Grupo Escolar de Igarapé-Miri inaugurado em 1949............... 50
Figura 08 Antigo Grupo Escolar, hoje Escola de Artes João Valente do Couto................ 53
Figura 09 Frequência dos alunos da 2ª escola elementar masculina, do Grupo Escolar
de Igarapé-Miri, set./1911..................................................................................
60
Figura 10 Villa de Santana Igarapé-Miry........................................................................... 64
Figura 11 Mapa da região do Marajó e Baixo Tocantins, destacando o Rio Pará........................................ 66
Figura 12 Mapa do município de Igarapé-Miri, destacando o Canal e o Furo Velho........ 68
Figura 13 Predicanda Carneiro de Amorim Lopes............................................................. 87
Figura 14 Ana da Trindade Almeida.................................................................................. 88
Figura 15 Crianças desfilando no Dia da Independência................................................... 139
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Resultado do levantamento de 124 produções acadêmicas publicadas
entre 1990 a 2009, que tem como objeto de estudo as instituições
escolares.......................................................................................................
19
Quadro 02 Produção do conhecimento sobre grupo escolar publicado no site
PPGED-UFPA.............................................................................................
21
Quadro 03 Matrícula nos grupos escolares do Pará em 1904........................................ 39
Quadro 04 Relação dos grupos escolares em 1910 e 1931............................................ 55
Quadro 05 Matrícula da segunda escola elementar masculina, do Grupo Escolar de
Igarapé-Miri: 1905-1908 a 1911.................................................................
57
Quadro 06 Quantitativo demográfico de Igarapé-Miri, Pará, em 1900........................ 76
Quadro 07 Diretores do Grupo Escolar de Igarapé-Miri nos anos 1904-1963:
formação e origem.......................................................................................
85
Quando 08 Professores nomeados para o Grupo Escolar de Igarapé-Miri nos anos
1904 a 1912: Formação e origem................................................................
93
Quadro 09 Relação dos professores do Grupo Escolar de Igarapé-Miri: 1937 a 1942. 96
Quadro 10 Discriminação por sexo do corpo docente do Pará: 1938 a 1941................ 98
Quadro 11 Escolas e professores de Igarapé-Miri nos anos 1938 e 1939..................... 99
Quadro 12 Professores das escolas isoladas de Igarapé-Miri: 1913-1950.................... 100
Quadro 13 Tabela de vencimentos anuais de funcionários dos Grupos Escolares e
Escolas Isoladas do Estado do Pará em 1903..............................................
102
Quadro 14 Matrícula no Grupo Escolar de Igarapé-Miri: 1905-1907........................... 115
Quadro 15 Matrícula no Grupo Escolar de Igarapé-Miri: 1937-1940; 1949-1954....... 115
Quadro 16 Relação dos porteiros e serventes do Grupo Escolar da cidade de
Igarapé-Miri.................................................................................................
116
Quadro 17 Horário de aula e distribuição do tempo nos grupos escolares em 1904..... 149
Quadro 18 Resultado dos exames finais do Grupo Escolar de Igarapé-Miri de 1904... 156
Quadro 19 Quantitativo de alunos matriculados e que prestaram exames no Grupo
Escolar nos anos 1904, 1907 a 1910............................................................
158
Quadro 20 Resultado dos exames finais do Grupo Escolar de Igarapé-Miri: 1937-
1940; 1949-1954..........................................................................................
160
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 14
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO......................................... 14
1.2 PERCURSO METODOLÓGICO.......................................................................... 25
1.3 PERSPECTIVA DE ANÁLISE............................................................................. 32
2 GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI E A CIDADE................................ 38
2.1 AS ORIGENS DO GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI............................. 41
2.2 A EXTINÇÃO DO GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI............................. 54
2.3 A CIDADE DE IGARAPÉ-MIRI.......................................................................... 63
2.4 ASPECTOS GERAIS DO MUNICÍPIO................................................................ 72
3 GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI E SEUS SUJEITOS..................... 78
3.1 ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DO GRUPO ESCOLAR DE
IGARAPÉ-MIRI.....................................................................................................
81
3.2 PROFESSORES...................................................................................................... 90
3.2.1 Tempo de desterro................................................................................................ 101
3.3 ALUNOS................................................................................................................. 108
3.3.1 Matrícula no Grupo Escolar de Igarapé-Miri.................................................... 114
3.4 PORTEIROS E SERVENTES................................................................................ 115
4 EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS NO GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-
MIRI.......................................................................................................................
119
4.1 RITUALIZAÇÃO DO COTIDIANO..................................................................... 119
4.1.1 A invenção da República brasileira..................................................................... 130
4.2 SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS............................................................. 138
4.2.1 Festas escolares...................................................................................................... 138
4.2.2 Distribuição do tempo........................................................................................... 142
4.2.3 O recreio................................................................................................................. 145
4.2.4 As aulas................................................................................................................... 148
4.3 APRENDER OU REPROVAR: AS EXIGÊNCIAS DO RITO DE PASSAGEM.
154
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................
163
FONTES DOCUMENTAIS.................................................................................
169
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 180
ANEXOS................................................................................................................. 186
ANEXO 1 - Regimento interno dos grupos escolares e das escolas isoladas do
Pará de 1904............................................................................................................
187
APÊNDICES.......................................................................................................... 213
APÊNDICE 1 - História do Grupo Escolar de Igarapé-Miri (Vídeo com duração
de 7:50)...................................................................................................................
214
APÊNDICE 2 – Planta 3D do Grupo Escolar de Igarapé-Miri fundado em
1904.........................................................................................................................
214
14
1 INTRODUÇÃO
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO
O presente estudo tem como objeto de investigação o Grupo Escolar de Igarapé-Miri1
(PA), criado em 1904 pelo governador Augusto Montenegro, nos anos de 1904-1943. Esse
estudo está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências
Sociais e Educação, da Universidade do Estado do Pará e da linha de pesquisa Saberes
Culturais e Educação na Amazônia, a qual investiga temas educacionais relacionados ao
contexto brasileiro e amazônico com o objetivo de fortalecer a identidade cultural da
Amazônia, bem como da linha de pesquisa história das instituições educativas, impressos e
intelectuais do Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia (GHEDA). Desde sua
fundação em 2010, o GHEDA vem desenvolvendo pesquisas que contribuem com a escrita da
história da educação na Amazônia.
A escolha deste objeto de estudo é bem interessante. A impressão que tenho foi que o
objeto me escolheu para reconstruir sua história, haja vista a proposta de pesquisa apresentada
por ocasião do processo seletivo do PPGED-UEPA de 2015 tinha como objeto o Instituto
Nossa Senhora Sant’Ana, criado em 1955 em Igarapé-Miri, Pará, pela Companhia das Irmãs
Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Entretanto, durante a entrevista de seleção para o
mestrado, alguns questionamentos me foram feitos acerca do Grupo Escolar de Igarapé-Miri,
como: Em que ano foi fundado? Quem o criou? Havia outras escolas primárias na década de
1950 neste município? Esses questionamentos me levaram a fazer uma pesquisa exploratória
sobre essa instituição de ensino. Descobri no levantamento que ele foi o primeiro grupo
escolar criado na cidade, que funcionou em prédios alugados, antes da construção de um
prédio próprio e que era um projeto de cunho nacional dos governos republicanos.
Durante o XII Seminário do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Estado do Pará (PPGEd – UEPA), realizado nos dias 17 e 18 de dezembro de
2015, no Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE) a Prof.ª Dr.ª Maria do Perpétuo
Socorro Gomes de Souza Avelino de França proferiu uma palestra sobre a implantação dos
grupos escolares criados no Pará, durante a primeira República. A palestrante apresentou um
mapa desses grupos escolares, onde figurava o Grupo Escolar de Igarapé-Miri, possibilitando-
1 A grafia Igarapé-Miry, foi escrita com “Y” até 1937, a partir do ano seguinte o “Y” foi substituído pelo “I”. Por
opção irei adotar a grafia atual, ou seja, Igarapé-Miri. Entretanto, nas citações, optei manter a grafia original de
algumas palavras que hoje sofreram modificações.
15
me uma visão geral sobre a temática. Percebi que a produção sobre grupo escolar no Pará é
diminuta e que este campo precisa ser desbravado. Isso aumentou em mim o desejo de estudar
o Grupo Escolar de Igarapé-Miri para compreender como eram educadas as crianças nas
primeiras décadas de existência desta instituição de ensino, para compreender como um
projeto de cunho nacional, pensado dentro de uma ótica capitalista, se adaptou
(completamente ou em parte) em um contexto rural do Norte do Brasil.
Para que a história centenária dessa instituição não seja esquecida e se torne
conhecida, é preciso ser investigada. Assim, se ninguém se propuser a construir as pontes que
reinventem este passado, em breve será esquecido. E isso é uma perda irreparável à nossa
história, pois o Grupo Escolar de Igarapé-Miri liga este município a um projeto nacional, em
que os grupos escolares seriam símbolos e instrumentos de progresso, civilização e
modernidade da República, e a instrução pública primária seria uma política de governo.
Outro momento significativo que ampliou o meu interesse por este tema foi o VI
Seminário do Grupo de Pesquisa em História da Educação na Amazônia (GHEDA), realizado
nos dias 06 e 07 de junho de 2016, no Campus I – no Centro de Ciências Sociais e Educação
– CCSE/UEPA, em Belém do Pará. O referido evento teve como tema “Educação na
Amazônia: O Ofício do Historiador”. Na conferência de encerramento proferida pelo Prof. Dr.
José Maia Bezerra Neto, da Universidade Federal do Pará (UFPa), intitulada “Arquivo
Público do Estado do Pará e a História da Educação na Amazônia”, o pesquisador expôs de
maneira didática o manancial de fontes documentais que tem no Arquivo Público do Pará
sobre a instrução pública neste estado. Chamou-me atenção a discussão que ele fez sobre a
organização no referido arquivo, de documentos catalogados por fundos (da instrução pública,
da segurança pública) destacando que há muitas informações sobre educação nos fundos da
segurança pública, ainda pouco explorados pelos pesquisadores.
Luciano Mendes de Faria Filho, professor da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), na conferência de abertura “O Ofício do Historiador da Educação: Desafios
Contemporâneos” destacou que o historiador da educação, para construir o seu objeto de
estudo, precisa fazer um trabalho de garimpagem, coletando fragmentos, somados a sua
criatividade, reinventa o passado. Na visão do palestrante, tudo isso é uma ficção. Assim, a
escrita da história é resultado de uma imaginação que é produzida, ancorada nas fontes e nas
discussões epistemológicas.
Os seminários me permitiram entender que as fontes documentais sobre o Grupo
Escolar de Igarapé-Miri poderiam ser encontradas fora do lócus da pesquisa: tudo dependeria
da pergunta que eu fizesse às fontes. Sendo assim, seria possível fazer uma pesquisa sobre a
16
educação oferecida por esta instituição educativa, considerando que praticamente toda a
documentação anterior à década de 1950 foi incinerada, a mando de uma diretora, que não via
necessidade em guardar o arquivo “morto” desta instituição? Na realidade, não existe arquivo
morto, e sim arquivo vivo, pois estes arquivos guardam experiências de vida, ou seja, a
memória de uma sociedade. Portanto, estes arquivos, somados às experiências
contemporâneas do pesquisador, contribuem para a reinvenção do passado, que poderá nos
ajudar a repensar o futuro.
A atitude desta diretora que mandou queimar os documentos antigos, e assim
consciente ou inconscientemente destruir fontes históricas, não é uma atitude isolada neste
município, pois muitos administradores não têm se voltado à conservação destas fontes. O
arquivo público do município de Igarapé-Miri está totalmente desorganizado, com
documentos amontoados, se deteriorando, sem higienização, etc., o que parece ser mais um
depósito de documentos.
Desde a minha infância testemunhei esses descasos com a nossa memória. Na década
de 1980 a Igreja Sant’Ana de Igarapé-Miri sofreu uma reforma que a transfigurou: trocaram o
piso, o altar, o forro e a pintura. Tudo isso sem respeitar as suas características originais. As
duas praças principais da cidade (Bandeira e Matriz) foram destruídas para dar lugar a outras:
a da Bandeira passou a se chamar Praça Sarges Barros e a da Matriz, Praça Pe. Henrique. O
monumento denominado obelisco, segundo o ofício 132 de 30/06/1945, construído em 1945
na Praça da Matriz, para comemorar o primeiro centenário do município de Igarapé-Miri,
orçado em Cr$ 23.600,00 (vinte e três mil e seiscentos cruzeiros), também foi destruído.
Nomes de ruas também foram modificados para atender interesses políticos, como por
exemplo, a Rua 03 de maio passou a se chamar Travessa Coronel Garcia e a Benjamin
Constant, Rua Padre Vitório. Esses são apenas alguns exemplos de desrespeito com a nossa
história.
Durante a minha graduação em História (1997-2002), pela Universidade Federal do
Pará (UFPa), Campus de Abaetetuba, Pará, fui aprimorando o meu sentimento de contribuir
com a preservação da história deste município, onde moro até hoje. É por isso que comungo
com uma frase muito usada: Um povo sem memória é um povo sem história. Nas palavras de
Chauí (1979), percebemos o drama que a demolição da uma paisagem causa nas pessoas.
Nada mais pungente em seu livro, Ecléa, do que a frase dezenas de vezes
repetida pelos recordadores: “já não existe mais”. Essa frase dilacera as
lembranças como um punhal e, cheios de temor, ficamos esperando que cada
um dos lembradores não realize o projeto de buscar uma rua, uma casa, uma
árvore guardadas na memória, pois sabemos que não irão encontrá-las nessa
17
cidade onde, como você assinala agudamente, os preconceitos da
funcionalidade demoliram paisagens de uma vida inteira (p.19).
Neste mesmo tom saudosista, Lobato (2004), descreve uma foto da extinta Praça
Lourenço D’Azevedo, que ficava localizada em Igarapé-Miri (PA), com as seguintes palavras:
[...] representa a principal praça da cidade construída em 1972, na qual se vê
as seculares palmeiras imperiais, sombreando os belos bancos de mármore
que foram ofertados pelo ROTARY CLUB DE IGARAPÉ-MIRI, o chafariz
em seu centro, com a bela iluminação a frio, a qual deu o destaque em ser
considerada a mais bela cidade do Tocantins (p. 03).
Isso me levou a compreender que, enquanto historiador, devo lutar contra o
esquecimento, pois considero que pior do que morrer, é ser esquecido. Deixar de existir, sem
deixar registro algum, significa desaparecer. É como se nunca estivesse existido. Nesta
perspectiva, de valorização da história local, a minha monografia apresentada em 2002 à
UFPA: “Quando houve o desatrelamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Igarapé-
Miri (PA) em relação ao Estado?”, buscou mostrar através da metodologia da história oral,
como se deu vez e voz a sujeitos anônimos que participaram da tomada deste sindicato (por
meio de eleição direta), das mãos da diretoria que era apoiada pelo estado.
Quando comecei a trabalhar a disciplina história em 2003 no ensino médio e 2006 no
ensino fundamental na Escola Enedina Sampaio Melo (ESAM), em Igarapé-Miri, Pará, passei
a sofrer as angústias que meus pares já sofriam: não conhecíamos bibliografias sobre a
história deste município. Digo não conhecíamos, porque existem algumas obras raras sobre a
história do município, como: “Igarapé-Miry: fases da sua formação histórica”, de Ernesto
Cruz, de 1945; e “Chrônicas de Igarapé-Miry” do tenente-coronel Agostinho Monteiro
Gonçalves de Oliveira, de 1899. O único livro que conhecíamos e que fundamentava as aulas
sobre a história local era “Caminho de Canoa Pequena”, de Eládio Corrêa Lobato (1921-
2010), que têm D'Oliveira e Cruz como fontes, mas não os cita na referência. A primeira
edição desde livro é de 1985. Ele aborda a história do município de Igarapé-Miri: fundação,
símbolos municipais (bandeira, brasão e hino), aspectos econômicos, políticos, religiosos etc.
Diante destas necessidades de preservação da nossa história, desenvolvi entre os anos
2010 a 2015 na Escola de Ensino Fundamental e Médio Enedina Sampaio Melo (ESAM) um
projeto de pesquisa intitulado: Contando Nossa História, Preservando Nossa Cultura e
Criando Cidadania. Neste projeto foram pesquisados vários temas, como a história dos nomes
de ruas e prédios públicos, as lendas do boto e cobra grande e a história dos engenhos em
18
Igarapé-Miri, que acabou gerando outro projeto: Igarapé-Miri no Contexto da Cana. Todos
estes trabalhos foram feitos com a participação de alunos desta instituição.
O Grupo Escolar de Igarapé-Miri estava localizado na região do Baixo Tocantins, cujo
nome é uma homenagem ao município ao qual está instalado. De acordo com Baena (1885), a
Comarca Geral de Igarapé-Miri foi criada em 26 de outubro de 1878. E segundo Lobato
(2007), foi elevada à categoria de cidade em 1896. Neste período, era composta por mais duas
vilas, posteriormente elevadas a municípios: Abaeté (atual Abaetetuba) e Moju. Possuía os
seguintes limites geográficos: ao Norte com a Comarca de Belém e ao Sul com a de Cametá.
Hoje, Igarapé-Miri limita-se com os seguintes municípios: ao Norte com Abaetetuba,
a Leste com Moju, ao Sul com Mocajuba e a Oeste com Cametá e Limoeiro do Ajuru,
conforme a figura (01).
Figura 01 Mapa do município de Igarapé-Miri, Pará
Fonte: GOOGLE. Mapas, 2013
Este estudo faz parte da temática “História das Instituições Educativas na Amazônia”,
que por sua vez está inserido no campo denominada “Instituições Escolares no Brasil”.
Nosella e Buffa (2009) citam três momentos distintos das pesquisas sobre a educação no
Brasil. Entre 1950-1960, as produções voltavam-se para temas referentes à educação e
sociedade. Entre 1970-1980, período marcado pela Ditadura Militar, os pesquisadores
preocupavam-se mais com a sociedade, do que com a escola. Assim, as pesquisas deste
19
período foram: “sociedade de classes, base material da sociedade, atividade ideológica,
compromisso político e competência técnica [...]” (NOSELLA E BUFFA, 2009, p. 16). Já no
terceiro momento, a partir da década de 1990, sendo influenciado pela história cultural ou
nova história, as abordagens sobre educação passou a privilegiar os seguintes temas: culturas
e disciplinas escolares, práticas educativas, instituições escolares e outros.
Atualmente, os estudos sobre instituições escolares se concentram nos grupos de
pesquisas dos programas de pós-graduação em educação de várias universidades brasileiras,
como da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), de São Carlos (UFSCar), da
Universidade de Sorocaba (UNISO), da Pontifícia Universidade Católica (PUC do RJ), entre
outros (NOSELLA E BUFFA, 2009).
Nosella e Buffa (2009) realizaram um levantamento com 124 produções acadêmicas
(monografias, dissertações, teses, relatórios de pesquisas, livros e artigos) publicadas entre
1990 e 2009, que tem como objeto de estudo as instituições escolares. A pesquisa foi
realizada a partir da leitura dos títulos, resumos e artigos publicados nos programas de pós-
graduação em educação do Sudeste, cujos discentes são oriundos de todo país e que
desenvolvem pesquisa sobre instituições escolares de sua terra natal. A somatória é superior a
124, porque a maioria das instituições educativas foi enquadrada em mais de uma categoria. O
resultado a que os autores chegaram, podem ser observados no quadro (01).
Quadro 01: Resultado do levantamento de 124 produções acadêmicas publicadas entre
1990 a 2009, que tem como objeto de estudo as instituições escolares
1 Instituições particulares de ensino básico (laicas e confessionais) 94
2 Instituições de ensino superior (públicas e privadas) 47
3 Instituições de ensino profissional (médio 36 e superior 5) 41
4 Escolas normais (públicas e privadas) 33
5 Instituições de referência (Exemplo: Colégio Caraça, Colégio Pedro II, antigos colégios
Jesuítas, antigas escolas normais)
11
6 Instituto de pesquisa (exemplo: Agronômico, Butatã, Pasteur) 12
7 Ensino básico público 09
8 Grupos escolares 18
9 Estudos gerais sobre a temática de instituições escolares 05
10 SENAI/SENAC e instituições profissionalizantes 03
11 Outras instituições de educação, mas não escolares (SEE, MEC) 02
12 APAE 01
Fonte: NOSELLA E BUFFA, 2009
20
Observamos no quadro (01) que os grupos escolares enquanto objeto de estudo, estão
na oitava posição desta pesquisa, ou seja, dos 124 títulos analisados em 2009, apenas 18 ou
22,32% estudaram os grupos escolares. Os autores tiraram a seguinte conclusão: as
“instituições mais antigas e socialmente mais prestigiadas são as mais estudadas” (NOSELLA
E BUFFA, 2009, p. 25).
No Portal de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) fiz uma busca no mês janeiro de 2017, referente aos anos 2013 a
2016, com o objetivo de levantar as produções que tenham como objeto de estudo os grupos
escolares. Utilizei nesse levantamento os descritores “Grupo Escolar”, “Grupo Escolar na
Primeira República” e “Grupo Escolar na Primeira República no Pará”. Foram encontradas 36
produções que tratam sobre grupos escolares, sendo 26 dissertações de mestrado e 10 teses de
doutorado. Desse universo, 11 foram defendidas em 2013, 9 em 2014, 8 em 2015 e 8 em
2016, sendo que 17 trabalhos abordam recortes temporais anteriores a 1940, 15 se debruçam
em recortes posteriores e 4 focalizam períodos entre 1912 a 1967. Apenas 13 produções
investigam as origens dos seus objetos (CAPES, 2017).
Geograficamente as 36 produções ficaram distribuídas da seguinte maneira:
No Sudeste foram encontradas 15 dissertações e 9 teses. As dissertações são: 4 da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), seguida da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) (com 2 trabalhos), Universidade de Uberaba (UNIUBE) (2), Universidade São
Francisco (USF) (2), Universidade Federal de Viçosa (UFV) (1), Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) (1), Universidade de Sorocaba (UNISA) (1), Centro Universitário
Moura Lacerda, Ribeirão Preto (CUML) (1) e Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
(1). Quanto às teses, 2 da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), da Universidade São
Francisco (USF) (1 trabalho), Universidade de Sorocaba (UNISA) (1), Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar) (1), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (1),
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Pr. Prudente (UNESP) (1),
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (1) e Universidade de São Paulo (USP) (1).
No Sul encontrou-se 4 dissertações e 1 tese. A tese e 1 dissertação estão localizadas na
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) (2 dissertações) e na Universidade de Caxias do Sul (UCS) (1).
Na região Nordeste, apareceram 4 dissertações: na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN) (2), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) (1) e
Fundação Universidade Federal do Piauí (UFPI) (1). No Centro-Oeste, 2 dissertações: na
21
Universidade Federal de Goiás (UFG) (1) e na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
(1). E no Norte, apenas 1 dissertação: na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Quando se visualiza as produções das universidades brasileiras sobre grupos escolares
entre 2013 a 2016, confirma-se o levantamento realizado por Nosella e Buffa (2009) no
quadro (01), onde no Sudeste se concentra o maior número de trabalhos nesta temática,
destacando-se a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) com quatro dissertações e duas
teses. Na realidade, o Sudeste é pioneiro nestas pesquisas, e a justificativa é que nesta região
surgiram e está presente a maioria dos programas de pós-graduação em educação. Estes dados
demostram que este campo vem crescendo e recebendo notoriedade dentro das pesquisas em
Educação no Brasil.
Neste mesmo período realizei outra pesquisa. Desta feita, no Banco de Dados dos
Programas de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e da
Universidade Federal do Pará (UFPA), com o mesmo objetivo da pesquisa anterior. O critério
utilizado foi fazer a leitura dos títulos, palavras chaves e resumos das dissertações e teses dos
referidos programas que estejam publicados em suas páginas na internet. No site do Programa
de Pós-graduação em Educação da UEPA não foi encontrado nenhuma publicação referente a
grupos escolares. Entretanto, no Programa de Pós-graduação em Educação da UFPa foram
encontrados três trabalhos que tratam sobre a temática em estudo, conforme apresento no
quadro (02).
Quadro 02: Produção do conhecimento sobre grupo escolar publicado no site PPGED-
UFPA
Nº Autor Título Ano
01 Renato Pinheiro da
Costa
O Grupo Escolar Lauro Sodré em face da política de expansão do
sistema escolar no Estado do Pará: institucionalização, organização
curricular e trabalho docente (1968-2008)
2011
02 Glaybe Antonio
Sousa Pimentel
Processos de subjetivação, poder disciplinar e trabalho docente no
Grupo Escolar Professor Manoel Antônio de Castro (1940-1970)
2012
03 Brianna Souza
Barreto
Políticas educacionais e curriculares para o exercício do ofício de
mestre no Grupo Escolar Doutor Otávio Meira, no município de
Benevides, estado do Pará (1965-1976)
2016
Fonte: PPGED-UFPA, 2017
A dissertação de mestrado de Renato Pinheiro da Costa, intitulado “O Grupo Escolar
Lauro Sodré em face da política de expansão do sistema escolar no Estado do Pará:
institucionalização, organização curricular e trabalho docente (1968-2008)”, defendida em
2011 no PPGED-UFPA, investigou o Grupo Escolar Lauro Sodré entre os anos 1968-2008,
localizado no município do Moju, Pará, objetivando compreender o desenvolvimento da
22
educação na região guajarina, assim como a importância desta instituição republicana na
organização social e na formação do cidadão. Para o autor, os grupos escolares são
identificados como projeto dos governos republicanos e como instrumento formador de mão
de obra para desenvolver o país.
Glaybe Antonio Sousa Pimentel defendeu no PPGED-UFPA em 2012 a dissertação de
mestrado: “Processos de subjetivação, poder disciplinar e trabalho docente no Grupo Escolar
Professor Manoel Antônio de Castro (1940-1970)” em Igarapé-Miri, Pará. Fundamentado
teoricamente em Michel Foucault, estudou esta escola primária como espaço de subjetivação
e cultivo do poder disciplinar. O autor concluiu que mesmo o estado tentando controlar a
educação escolar e seus agentes através dos dispositivos pedagógicos, os professores
obedecem às exigências no âmbito institucional, mas utiliza-se de mecanismos de defesa
(como ignorar, reagir ou repelir) contra a ação do estado.
Brianna Souza Barreto defendeu sua dissertação de mestrado em 2016, no mesmo
programa já citado, cujo título foi “Políticas educacionais e curriculares para o exercício do
ofício de mestre no Grupo Escolar Doutor Otávio Meira, no município de Benevides, Estado
do Pará (1965-1976)”, onde estudou a referida instituição escolar. Teve como objetivo,
entender como a idealização sobre o ofício de mestre se manifestava nas práticas educativas
dos intelectuais que atuavam como professores desta escola. A autora concluiu que o ofício de
mestre foi executado por profissionais que possuíam habilidades intelectuais em determinada
área do conhecimento e que carregam por toda a vida esta imagem de educador que fora
construída durante o exercício da profissão.
O resultado destes levantamentos demonstra que o estudo sobre grupo escolar no Pará
está iniciando. A UFPA é pioneira nesta produção. Estes trabalhos possuem como recorte
temporal períodos posteriores a 1940, e não investigam as origens das instituições
pesquisadas. Não há dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre grupos escolares na
Primeira República no Pará. As três pesquisas e a minha tem algo em comum no que tange à
realização de investigação sobre grupos escolares de cidades interioranas do Norte do Brasil.
Um lugar que para muitos não existe; e para outros, “uma região [...] parada no tempo, um
tempo sem história, tal qual se pensava os índios, estacionados na infância da humanidade”
(SCHUELER E RIZZINI, 2015, p. 232). A minha investigação diferencia-se delas por buscar
as origens do Grupo Escolar de Igarapé-Miri nos anos de 1904 a 1943, focalizando a sua
organização administrativa e pedagógica, seus agentes históricos e a educação transmitida às
crianças. Como já citado anteriormente, Glaybe Pimentel estudou o mesmo grupo escolar, só
23
que se debruçou em um período histórico posterior (1940 a 1970), voltado à análise da relação
de poder presente no interior desta instituição.
O ciclo dos grupos escolares no Brasil foi de 18942 a 1971, quando a nomenclatura
“Grupo Escolar” foi substituída por “Escola de Primeiro Grau”, modificação prevista na Lei
de Diretrizes e Base da Educação de 1971 (LDB 5692/71). Faria Filho e Souza (2006)
destacam que apenas os estados mais prósperos economicamente, como São Paulo, Minas
Gerais e Pará, tiveram condições de “implantar um sistema moderno de ensino ampliando
vagas e multiplicando instituições modelares” (p. 30).
O grupo escolar foi uma experiência educacional iniciada em São Paulo, no final do
século XIX. Representa uma proposta de implantação da escola primária com o propósito
republicano de instruir e civilizar as crianças nascidas com a República. Dentro desta
proposta, destacavam-se a construção dos prédios que deveriam contemplar a ideia de
modernidade e higienização.
Tendo como parâmetro a escola urbana, os grupos escolares foram instalados
em diversas cidades de diferentes estados do país, preferencialmente em
prédios especialmente construídos ou adaptados para abrigá-los, adotando
uma arquitetura monumental e edificante, que colocava a escola primária à
altura de suas finalidades políticas e sociais e servia para propagar o regime
republicano, seus signos e ritos (SCHUELER E RIZZINI, 2015, p. 225).
A experiência de São Paulo parece ter sido disseminada para outras regiões brasileiras
pelos governos republicanos. No Estado do Pará, as discussões sobre a construção dos
primeiros grupos escolares coincidiu com o período áureo da borracha em Belém (ocorrido
entre 1870-1910), denominado de Belle Époque, onde a elite seringalista buscava imprimir a
esta capital um ar de modernidade inspirado no modelo francês (FIGUEIREDO, 2012).
Assim, os grupos escolares passaram a ser prioridade para o governo do estado, pois traziam
benefícios políticos (representando o moderno) e pedagógicos, no sentido que diminuiria o
número de escolas isoladas, facilitando a inspeção e o controle dos professores.
França (2013) aponta que foram criados no Estado do Pará, entre 1899 a 1905, vinte e
seis grupos escolares, sendo seis na capital e os demais no interior, onde o número de escolas
isoladas era maior. O primeiro grupo escolar foi inaugurado no interior do estado em 1899, no
governo de José Paes de Carvalho (1897-1901), que implantou ao todo oito grupos escolares:
um na capital e sete no interior. Já o seu sucessor, Augusto Montenegro (1901-1909),
2 Os primeiros grupos escolares foram regulamentados e inaugurados em São Paulo em 1894 e no Rio de Janeiro
em 1897, entretanto a implantação destas escolas já estavam previstas nas leis desses estados desde 1893
(VIDAL, 2006).
24
implantou até 1905 dezoito grupos, sendo cinco em Belém e treze no interior do estado, e é
dentre estes, o Grupo Escolar de Igarapé-Miri, inaugurado em 27 de abril de 1904, com o
decreto nº 1.294. Nas palavras de Augusto Montenegro, percebe-se que os grupos escolares
eram bandeira de governo e matéria-prima de divulgação de seu trabalho. E com a
disseminação desta escola modelo, objetivava-se melhorar a instrução pública no Estado do
Pará.
Disseminação dos grupos escolares de modo a torná-los a nossa principal
instituição de ensino primário, construção de casas apropriadas para o seu
funcionamento, aparelhamento com os elementos materiais, sem os quais se
torna uma burla dispendiosa, escolha e formação de pessoal habilitado,
inspeção escolar minuciosa e efetiva (PARÁ. Mensagem Augusto
Montenegro, 1905, p. 47).
Estes vultosos investimentos estatais, destinados à construção de prédios apropriados à
implantação de grupos escolares, não chegou ao município de Igarapé-Miri. Neste município,
o grupo escolar foi inaugurado em uma residência alugada, localizado à Rua Rui Barbosa, nº
9, onde hoje está localizada a torre da concessionária de serviços de telecomunicações OI.
Além de Pimentel (2012), as professoras Cezarina Corrêa Lobato e Crisálida Pantoja
Soares publicaram em 2001, pela Imprensa Oficial do Estado, o livro “Prisma sobre a
Educação e Cultura em Igarapé-Miri no Século XX”. Nesta obra, elas discutem em dois
momentos o Grupo Escolar de Igarapé-Miri. No primeiro tópico, denominado “a primeira
experiência de escolarização formal” (p. 44-61) e no segundo, a “Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Professor Manoel Antônio de Castro” (p. 93-108), as autoras relatam a
história deste Grupo, enfatizando alguns pontos como fundação, transferências de prédios e a
instalação no prédio próprio no ano de 1949. A dissertação de Pimentel (2012) e o livro de
Lobato e Soares (2001) são o meu ponto de partida, por constituírem os primeiros trabalhos
sobre o Grupo Escolar de Igarapé-Miri.
Motivado pelo desejo de compreender a história da educação escolar de crianças no
município de Igarapé-Miri, de contribuir academicamente com a escrita da história da
educação na Amazônia e valorizar socialmente a história cultural deste município,
preservando parte de sua memória, levanto o seguinte problema de investigação: Que tipo de
formação recebiam as crianças no Grupo Escolar de Igarapé-Miri (PA) no período 1904 a
1943? A escolha deste recorte temporal se justifica por abranger o período de criação e
implantação do grupo escolar neste município. A partir do delineamento do problema foram
sendo construídos os objetivos. Assim, surgiu o objetivo geral: analisar o tipo de formação
recebida pelas crianças no Grupo Escolar de Igarapé-Miri (PA) no período 1904 a 1943. E os
25
objetivos específicos: reconstruir a história do Grupo Escolar de Igarapé-Miri; descrever os
saberes ensinados às crianças nesta instituição; analisar as práticas educativas que marcaram a
educação de crianças neste estabelecimento e identificar os sujeitos que faziam parte do
Grupo Escolar de Igarapé-Miri.
1.2 PERCURSO METODOLÓGICO
Este estudo é de natureza documental e bibliográfica. De acordo com Rodrigues e
França (2010, p. 55), “a pesquisa documental utiliza materiais que não receberam ainda um
tratamento analítico, ou que podem passar por novas análises de acordo com os objetivos da
pesquisa”. As fontes documentais podem ser divididas em primárias (fontes que ainda não
receberam nenhum trabalho analítico, chamadas também de testemunho direto) e fontes
secundárias (algo que já recebeu tratamento, conhecida também como fonte indireta). Como
exemplo de fontes primárias, podemos citar: cartas, telegramas, fotos, transcrições de
entrevistas etc. E como exemplo de fonte secundária, citamos: estatísticas, revistas, periódicos
etc. Enquanto que a pesquisa bibliográfica compreende:
a busca de informações bibliográficas, seleção de documentos que se
relacionam com o problema de pesquisa (livros, verbetes de enciclopédia,
artigo de revistas, trabalhos de congressos, teses, etc.) e o respectivo
fichamento das referências para que sejam posteriormente utilizadas.
(MACEDO, 1994, p. 12).
Trata-se, portanto, a pesquisa bibliográfica do levantamento, seleção do que já foi
produzido sobre o objeto que está sendo pesquisado em livros, revistas, jornais, boletins,
monografias, teses, dissertações, material cartográfico. (LAKATOS E MARCONI, 2003).
Enquanto, a pesquisa documental, realiza-se a partir de fontes de natureza escrita ou não
(fotos, objetos de arte, pinturas etc.).
Para Cellard (2008) “tudo o que é vestígio do passado, tudo o que serve de
testemunho, é considerado como documento ou ‘fonte” (p. 296). Estas fontes, portanto, “pode
tratar-se de textos escritos, mas também de documentos de natureza iconográfica e
cinematográfica, ou qualquer outro tipo de testemunho registrado, objetos do cotidiano,
elementos folclóricos etc.” (CELLARD, 2008, p. 297). Todo o vestígio do passado que sirva
para contar a história de determinado objeto, desde que seja selecionado pelo pesquisador, se
torna fonte documental. Todas as fontes sobre determinado objeto são importantes, e quanto
mais diversificada for o número de fontes, mais rico fica o estudo do objeto.
26
O documento para Cervo e Bervian (1983, p. 79), é “toda base de conhecimento
fixado materialmente e suscetível de ser utilizado para consulta ou estudo”, sendo assim, os
documentos podem ser visuais, escritos e orais.
Conforme Le Goff (2003), quem seleciona os monumentos que se transformarão em
documento é o pesquisador. Para ele, monumento é toda herança cultural, ou seja, tudo que
sirva para recordar, evocar o passado. Até o início do século XX, período dominado pela
tendência positivista, o documento era sinônimo de texto. Somente os atos escritos eram
confiáveis. Esta visão começou a mudar com o surgimento da história cultural.
As fontes são na realidade as memórias de uma dada cultura. Portanto, a memória
histórica não é exclusividade da oralidade, mas também está contida nos documentos escritos
e visuais. As sociedades contemporâneas convivem simultaneamente com as duas formas de
memória: “a oral e a escrita” (LE GOFF, 2003, p. 423). E estas memórias, mesmo que sendo
posições aparentemente individuais, revelam sempre um conhecimento coletivo (BOSI, 1994;
THOMPSON, 1998).
Segundo Laville e Dionne (1999), existem diversos tipos de documentos, como
oficiais, particulares, jurídicos, fontes estatísticas, fotografias etc. Sendo assim, os tipos de
documentos escolhidos dependem do objeto de pesquisa que se pretende realizar. No caso
desta pesquisa, trabalha-se com documentos variados, dentro do que conseguimos coletar.
Para Rodrigues e França (2010, p. 59), as “fontes fundamentam e embasam os
estudos históricos”, e sua seleção, análise e interpretação dependem das opções teóricas e
metodológicas do pesquisador. E para um trabalho consistente, defendem que “a diversidade
das fontes enriquece a leitura do objeto de estudo”.
De acordo com Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009), para que os resultados da
análise não sejam comprometidos, alguns elementos são considerados essenciais para a
seleção e avaliação prévia de um documento: o contexto histórico, o autor, a autenticidade, a
confiabilidade e a natureza do texto.
Segundo Rodrigues e França (2010, p. 60-61), o pesquisador deve identificar no
documento a sua forma material, seu conteúdo, a história do documento: quem o produziu,
para quem foi produzido, onde circulou, quais eram os seus objetivos etc. O pesquisador
precisa ter uma postura crítica em relação ao documento, pois não existe neutralidade em
nenhum tipo de documento.
27
Sobre os documentos oficiais, Souza (1998) destaca:
É preciso salientar os limites do uso de uma documentação dessa natureza.
Os relatórios, enquanto exigência legal, expressa uma visão “autorizada”, se
não “contaminada” tendo em vista os motivos pelos quais foram produzidos,
as circunstâncias dessa produção e a relação dos atores com os órgãos da
administração do ensino. Não obstante, ao ressaltar as representações de
diretores e inspetores do ensino, sujeitos que em alguns momentos foram
professores públicos, membros de associação de classe, representantes
políticos, escritores de artigos pedagógicos e de livros didáticos, ou seja,
profissionais no processo de produção da escola primária “popular”, [é]
possível destacar os conflitos, as reinterpretações, as representações
diferenciadas e singulares que demonstram a não absolutização do discurso e
das práticas emanadas do poder (p. 21).
Portanto, não podemos canonizar nenhum tipo de documento e nem desprezar os
oficiais, pois todos possuem limites, mas se analisados com seriedade podem contribuir para
compreendermos a história de determinado objeto.
Durante a realização da pesquisa, fui juntando indícios do meu objeto de estudo,
seguindo o que diz o historiador italiano Carlo Ginzburg, de como se deve realizar uma
investigação com a finalidade de encontrar indícios perceptíveis e imperceptíveis. Ginzburg é
o criador do método indiciário (ou paradigma indiciário), e desenvolve em suas pesquisas
uma investigação quase criminal, inspirado nos métodos investigativos de Giovanni Morelli
(1816-1891) e Arthur Conan Doyle (1859-1930) criador de Sherlock Holmes, personagem
da literatura inglesa, a quem Ginzburg nutre grande admiração (BETHENCOURT &
CURTO, 1991).
Segundo Ginzburg: “Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais,
indícios – que permitem decifrá-la” (GINZBURG, 1989, p. 177). Nesta perspectiva, entende-
se que a realidade pode ser decifrada a partir da análise de indícios deixados pelo homem.
Por milênios o homem foi caçador. Durante inúmeras perseguições, ele
aprendeu a reconstruir as formas e movimentos das presas invisíveis pelas
pegadas na lama, ramos quebrados, bolotas de esterco, tufos de pêlos,
plumas emaranhadas, odores estagnados. Aprendeu a farejar, registrar,
interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barbas. Aprendeu a
fazer operações com rapidez fulminante, no interior de um denso bosque ou
numa clareira cheia de ciladas. [...] O caçador teria sido o primeiro a ‘narrar
uma história’ porque era o único capaz de ler, nas pistas mudas uma série
coerente de eventos (GINZBURG, 1989, p.177).
Para o historiador italiano o seu método investigativo se utiliza de possibilidades
históricas, pois as pistas podem passar despercebidas, porque não têm tal sensibilidade:
“Depois do paradigma indiciário ou adivinhatório se entrevê o gesto talvez mais antigo da
28
história intelectual do gênero humano: o do caçador preso na lama em que escruta [investiga
de maneira rigorosa para tentar encontrar o que está oculto] os rastros da presa”
(GINZBURG, 1989, p. 7 e 9).
A investigação indiciária analisa os detalhes do fenômeno estudado, a partir da coleta
de indícios, e as lacunas que vão surgindo o pesquisador poderá preenchê-las, fazendo
inferências fundamentadas no contexto sócio cultural do objeto. O Paradigma Indiciário é um
método científico centrado na relação razão-sensibilidade. O método Indiciário está
fundamentado na investigação de “pistas”, “sinais” ou “indícios” reveladores acerca dos
fenômenos da realidade.
Ginzburg utiliza-se de fontes rejeitadas pelos pesquisadores iluministas como:
medalhas, moedas, atas judiciais e processos inquisitoriais, mas extremamente valorizadas
pela História Cultural: “A época em que os historiadores acreditavam que era seu dever
trabalhar exclusivamente com depoimentos escritos já passou faz algum tempo. Já Lucien
Febvre convidava a examinar ervas, as formas dos campos, os eclipses da lua” (GINZBURG,
1984, p. 22). Para interpretar os indícios do cotidiano, o pesquisador precisa conhecer a
cultura investigada para poder inferir sobre a realidade pesquisada e levantar as hipóteses.
No decorrer da pesquisa foram encontrados diversos indícios ou fontes, e por
relevância em relação ao objeto de estudo, algumas foram eleitas para compor o “corpus
documental” desta investigação, conforme expomos abaixo:
Iniciei a minha peregrinação em busca de fontes sobre o Grupo Escolar de Igarapé-
Miri pelo Arquivo Público do Estado do Pará, em 2016, localizado em um prédio improvisado
(pois o prédio próprio estava em reforma) à Travessa Félix Roque, nº 262, Bairro da Cidade
Velha em Belém, Pará. Lá encontrei o Relatório da Instrução Pública do Estado do Pará de
1910-1911, apresentado ao Governador João Antonio Luís Coelho, pelo desembargador
Olympio de Araújo e Souza, Secretário do Estado do Interior, Justiça e Instrução Pública,
onde se discute o Ensino Público no Estado, dando ênfase para o funcionamento dos grupos
escolares na capital e interior do Estado. Neste relatório, o Secretário do interior, justiça e
instrução pública sugere ao governador do Estado do Pará o fechamento do Grupo Escolar de
Igarapé-Miri, devido à diminuta frequência dos alunos.
Nesse mesmo ano realizei pesquisa na Biblioteca Arthur Vianna, no Centro Cultural
do Pará Tancredo Neves (CENTUR), localizado na Avenida Gentil Bitencourt, 650, no bairro
de Batista Campos, em Belém do Pará. Na hemeroteca, encontrei a publicação de 10/07/1987
do jornal impresso “O Liberal do Pará”, cuja matéria “Um canal feito pelos escravos” de
autoria de Milton Garcia, tratava sobre a escavação do Canal no município de Igarapé-Miri
29
entre 1821 e 1823. Infelizmente, durante a investigação não consegui ter acesso ao setor de
obras raras, pois estava em reforma. Mas, durante a pesquisa fui orientado pela bibliotecária
para consultar o site: www.fcp.pa.gov.br/consulta-do-acervo/obras-raras. Através deste site,
localizei os regulamentos do ensino primário de 1903, 1910 e 1918, que tratam sobre a
organização do ensino primário do Estado do Pará; Anuário de Belém publicado em 1915
para comemorar o tricentenário aniversário da referida cidade. Essa fonte é importante, pois
contém dados histórico, literário e comercial que ajudam a compreender a estrutura
econômica de Igarapé-Miri. Livro de Manoel Baena, “Informações sobre as comarcas da
Província do Pará”, de 1885, que descreve a cidade de Igarapé-Miri no final do século XIX;
de Agostinho Monteiro Gonçalves D’Oliveira, “Chronica de Igarapé-Miry”, de 1899, que traz
informações sobre a cidade de Igarapé-Miri no final do século XIX, dentre outros.
Em meados de 2017 o setor de obras raras do CENTUR voltou a funcionar, e eu tive a
oportunidade de continuar a minha pesquisa neste arquivo, conseguindo localizar fontes
relevantes a esta investigação, tais como: Regimento interno dos grupos escolares e das
escolas isoladas do estado do Pará de 1904; Regulamento do ensino primário do Pará de 1903,
1910, 1918, 1931,1934 e 1944; visitas de inspetores ao Grupo Escolar de Igarapé-Miri entre
os anos de 1905 a 1907 e o primeiro Relatório desta instituição apresentado pelo diretor
Aristides dos Reis e Silva em 1904, onde foi feita a descrição do grupo que serviram de base
para Natanael Pantoja Cuimar3, elaborar a planta baixa deste estabelecimento de ensino. Estas
fontes ajudaram-me a compreender o discurso oficial e a legislação que organizava o grupo
escolar.
Ainda em 2016 pesquisei no Arquivo Público da Casa da Cultura de Igarapé-Miri,
localizado à Avenida Carambolas, no centro da cidade. Essa foi a decisão mais difícil desta
pesquisa; porém, a mais acertada. Mais difícil, devido às condições impróprias do local para
realização da pesquisa por conta do risco que correria, já que poderia ser contaminado por
algum fungo ou bactéria. Entretanto, não tinha outra escolha, acreditava que encontraria neste
local muitas fontes relevantes a essa investigação. Mais acertada, porque encontrei fontes que
ainda não foram manuseadas por pesquisadores. Dado o estado de decomposição as quais se
encontram, dentro de poucos anos, não existirão mais. Essas fontes são: Frequência dos
funcionários do Grupo Escolar de Igarapé-Miri de 1907 a 1912; Matrícula e frequência dos
alunos da Segunda Escola Elementar, seção masculina do Grupo Escolar de Igarapé-Miri:
3 Estudante do curso de arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará
(FAU-UFPA).
30
1905, 1908 a 1911; Documentos de Escolas Isoladas (relação de escolas, termos de exames
escolares, ofícios, matrícula frequência, dentre outros), 1971; Matrícula da Escola Isolada
Seção Masculina de Igarapé-Miri: 1931-1934, dentre outras.
Durante o levantamento no Arquivo Público da Casa da Cultura de Igarapé-Miri
foram encontrados 29 ofícios e 5 telegramas que tratam sobre transferência, valor do aluguel e
reparos do prédio do grupo escolar, a quantidade de escolas no município, falta de
professores, solicitação de materiais escolares etc. Essas fontes trazem informações
significativas sobre o cotidiano da instituição. Eis um exemplo a seguir.
FIGURA 02: Frequência dos funcionários do Grupo Escolar de Igarapé-Miri: março de
1907
Fonte: IGARAPÉ-MIRI. Livro de ponto dos funcionários, 1912
Em 2016 consultei também o arquivo particular de Glaybe Antonio Sousa Pimentel,
que realizou a pesquisa sobre o Grupo Escolar de Igarapé-Miri: “Processos de subjetivação,
poder disciplinar e trabalho docente no Grupo Escolar Professor Manoel Antônio de Castro
(1940-1970)”, o qual me cedeu as fontes que tinha disponível sobre a referida instituição.
Ainda nesse mesmo ano visitei o prédio onde funcionou o grupo escolar da cidade,
entre 1949 a 1971, em busca de fontes. Fui recebido pela secretária, que me forneceu os
poucos documentos que ainda restavam sobre as origens desta instituição, lamentando que a
maioria da documentação anterior aos anos de 1960 foi incinerada, como já foi relatado
31
anteriormente. No arquivo desta instituição foram encontrados os termos dos exames de
suficiência dos anos 1907 a 1910; 1934 a 1940; 1949 a 1953, Livro de ocorrência do Grupo
Escolar “Manoel Antonio de Castro” de 1959 a 1962 e o Livro de cadastro dos funcionários
do município de Igarapé-Miri: 1950-1972. Nesses documentos, encontramos a forma de
avaliação que os alunos eram submetidos, como se dava os exames e as notas de avaliações
dos alunos. Nessas fontes encontram-se também os nomes de alunos e professores, número de
alunos matriculados, o material didático utilizado pela escola, etc. Este processo avaliativo
acontecia no final do primeiro e segundo semestres letivos. De acordo com o artigo 122 do
Regulamento geral do ensino primário de 1903, os exames nos Grupos Escolares poderiam
ser de “passagem de ano e finais dos cursos elementares [realizados] perante comissões de
membros nomeados pelo diretor” (PARÁ. Regulamento geral do ensino primário, 1903, p.
26). O rito, como era chamado o processo avaliativo, era composto por prova oral e escrita.
Eram avaliações marcadas pelo cansaço e rigor: alguns rituais ocorreram durante o dia todo,
muitos alunos faltavam e outros tantos eram reprovados. Optei em trabalhar com essas fontes
porque me ajudaram a compreender o cotidiano desta instituição educativa.
Outros espaços de pesquisa foram: www.facebook.com/acervohistoricomiriense onde
encontrei fotos do Grupo Velho fundado em 1904, fotos antigas e atuais do grupo escolar
fundado em 1949; Biblioteca Fórum Landi, localizado à Rua Siqueira Mendes, nº 60, na
Cidade Velha, em Belém, e também vários sites, como por exemplo:
moronguetaufpa.blogspot.com.br, www2.senado.leg.br/bdst, www.memoria.bn.br, dentre
outros. Esses espaços de pesquisa precisam ser desbravados pelos pesquisadores.
Durante o levantamento das fontes realizei conversas informais com três ex-alunas
do Grupo Escolar de Igarapé-Miri com a finalidade de conhecer a estrutura física do prédio e
os administradores da instituição. Estas ex-alunas aparecem em algumas passagens desta
dissertação pelas iniciais de seus nomes: L.P.F., M.R.C.A. e V.J.N.M.
No período de coleta das fontes, continuei realizando a pesquisa bibliográfica, que foi
se ampliando com as indicações oriundas das orientações e com as leituras realizadas durante
as disciplinas obrigatórias do mestrado. Após a qualificação, fiz as revisões sugeridas pela
banca examinadora e continuei a pesquisa documental e bibliográfica (que praticamente se
encerraram às vésperas da defesa), seguindo os desafios propostos pela orientadora desta
investigação. O levantamento bibliográfico levou-me a eleger o marco teórico de
investigação, constituído pelos seguintes autores: Lobato (1985, 2004, 2007), Lobato e Soares
(2001), Nosella e Buffa (2009), Faria Filho (2000) Faria Filho e Souza (2006), Souza (1998,
2000, 2014), Vidal (2006), Burke (1990, 1992, 2005), Ginzburg (1984, 1989), Le Goff
32
(2003), McLaren (1991), Goffman (2015), Bernartt (2009), Nascimento et al (2008), Gouvea
(2009, 2011), dentre outros.
1.3 PERSPECTIVA DE ANÁLISE
Este estudo envereda-se pelo viés histórico-educacional na perspectiva da História
Cultural (HC). Essa abordagem historiográfica caracteriza-se pelo estudo de novos temas,
como: estudo das Práticas – a exemplo das práticas religiosas diferentes da teologia; estudos
das Representações – a construção do imaginário social, a criação das ideias e das
representações da natureza, da nação; a história da memória; o estudo da cultura material – os
estudos dos objetos para percepção de mudanças e relações socioculturais; e história do corpo
– identificação dos elementos culturais nos aspectos físicos como a carga simbólica dos
gestos, higiene etc.
Para os pesquisadores que fundamentam seus estudos na História Cultural, a
compreensão de fonte foi ampliada, pois qualquer vestígio humano que possibilite a
compreensão do universo sociocultural de determinado grupo social é caracterizado como
documento histórico, quer sejam de natureza oral, documental, visual etc. Essa perspectiva de
análise, contrária à visão positivista, trouxe novas possibilidades à produção historiográfica,
passando a valorizar elementos culturais na compreensão das tramas sociais. (BURKE, 1990,
1992, 2005)
Para um estudo se fundamentar na História Cultural, é necessário que busque
compreender o objeto a partir de vários ângulos; precisa também ser um estudo de cunho
interdisciplinar, ou seja, que dialogue com outras ciências; que faça conexões entre o micro e
o macro; que desnaturalize os conceitos e analise o cotidiano a partir de suas tramas, de seus
conflitos etc.
Neste estudo, as fontes documentais foram organizadas e sistematizadas a partir da
análise de conteúdo. Segundo Olabuenaga e Ispizúa (1989), esse tipo de análise “é uma
técnica para ler e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos, que analisados
adequadamente nos abrem as portas ao conhecimento de aspectos e fenômenos da vida social
de outro modo inacessível.” Essa técnica vai além da descrição do objeto, pois possui um
caráter interpretativo do fenômeno em estudo.
Segundo Bardin (1979, p. 42), a análise de conteúdo é “um conjunto de técnicas de
análise de comunicação, visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de
33
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens”.
De acordo com Franco (2005, p. 60), os procedimentos deste tipo de análise ocorrem
em três etapas: a primeira é o levantamento das fontes documentais, a segunda etapa é a
organização dessas fontes, e por fim a análise das fontes: “As categorias vão sendo criadas,
[...], para depois serem interpretadas à luz das teorias explicativas.” Nessa última fase, os
documentos são analisados à luz das bibliografias, sem perder de vista o contexto
sociocultural do objeto.
Na análise documental, o pesquisador analisa o conteúdo do documento, e a partir daí
procede a padronização do formato, utilizando regras com o objetivo de criar um único
formato de linguagem, que pode ser a indexação, classificação, catalogação e outros. É o que
explica Bardin (1979) quando sintetiza a análise documental como um processo de
padronização do formato, onde se atribui um código ou categoria, desenvolve-se a
catalogação, o resumo ou a indexação, ou seja, a criação de estruturas de dados associadas à
parte textual dos documentos.
Para Minayo (2003, p. 70), a categoria de análise é “um conceito que abrange
elementos ou aspectos com características comuns ou que relacionam entre si”. A construção
das categorias possibilita a aglutinação de informações, viabilizando o estudo do fenômeno.
As categorias analíticas são oriundas de todo o material estudado, tanto das bibliografias,
quanto dos documentos, e podem ser modificadas de acordo com o desenvolvimento da
pesquisa.
Neste estudo, são utilizadas as seguintes categorias analíticas: Grupo Escolar,
Rituais, Educação Primária e Infância.
Segundo Faria Filho (2000, p. 32), o grupo escolar significa o agrupamento de
escolas, ou seja, a reunião de escolas isoladas em um único lugar. Corroborando, Vidal (2006)
ressalta que
o grupo escolar era criado, majoritariamente, pela junção das escolas
isoladas existentes no lugar, ou pela junção das escolas existentes e a criação
de mais algumas; mais raramente, pela sua criação pura e simplesmente.
Predominava, contudo, o modelo de junção das escolas existentes. Assim, os
grupos escolares eram criados primeiramente como escolas reunidas, sendo
estas, então, a etapa primeira, e muitas vezes duradoura, da constituição de
um grupo escolar, embora não fosse necessária (p.87).
No projeto grupo escolar foi possível implantar um modelo pedagógico de instrução
pública que podemos denominar de pedagogia republicana, marcado pelas seguintes
34
características: laico, universal, primário, seriado, de fiscalização permanente, da criação da
função do diretor e controlado pelo estado. Essa pedagogia tem como uma de suas metas
divulgar os valores da burguesia: “os republicanos fizeram da educação um meio de
propagação dos ideais liberais (...) e reafirmaram a escola como instituição fundamental para
o novo regime e para a reforma da sociedade brasileira” (SOUZA, 2014, p. 51).
A transmissão destes valores não se resumia aos interiores dos grupos escolares, mas
ultrapassava os seus portões. Daí a importância atribuída por esta pedagogia às festas
escolares, que eram o momento de mostrar para toda a sociedade, de maneira pomposa, os
avanços e as produções da escola. De acordo com o Regulamento do ensino primário do Pará
de 1918, os grupos escolares deveriam comemorar todos os anos:
1º A festa da bandeira, a 19 de novembro;
2º O anniversrio da fundação do grupo;
3º O anniversario da fundação da localidade em que funcionar o grupo;
4º O início e o encerramento dos trabalhos lectivos;
5º A distribuição de certificados primários aos alunos que tenham concluído
o curso (...).
Art.: 269 – As festas que se organizarem para solemnizar os acontecimentos
indicados, poderão constar de cantos e hymnos escolares, recitativos de
poesias patrióticas, sociais ou assumptos pedagógicos; exercícios de
gymnasticas ou passeatas escolares, (...) além das palestras que a propósito
dos mesmos factos realizarem os professores, por designação dos diretores
de grupos (PAR.Á. Regulamento do ensino primário, 1918, p. 51-52).
Essas datas comemorativas fazem parte dos rituais patrióticos presentes na liturgia
cotidiana dos grupos escolares. Segundo McLaren (1991), o ritual é um conceito que durante
muito tempo foi utilizado para designar as cerimônias religiosas, mas que na
contemporaneidade vem sendo redescoberto como elemento constitutivo de toda relação
social. Para esse autor:
Os rituais são atividades sociais naturais encontrados, mas não confinados a
contextos religiosos. Enquanto comportamento organizado, os rituais surgem
a partir das coisas ordinárias da vida. [...] os rituais estão sempre e, em toda
parte, presentes na vida industrial moderna. [...]. Sua órbita de influência
permeia todos os aspectos de nossa existência [...].
A ritualização é um processo que envolve a encarnação de símbolos,
conglomerados de símbolos, metáforas e paradigmas básicos através de
gestos corporais formativos. Enquanto formas de significação representada,
os rituais capacitam os atores sociais a demarcar, negociar e articular sua
existência fenomenológica como seres sociais, culturais e morais [...] os
rituais não devem ser vistos como veículos transparentes que abrigam
significados pré-embalados. Aspectos ideológicos da ritualização residem na
relação e interdependência de símbolos (significantes) e significados (p. 70 e
88).
35
Os seres humanos desde sua existência são seres ritualizados, pois os rituais, quer
sejam civis ou religiosos, são necessários à construção da sociedade, devido veicularem
valores, normas, tabus etc. Os agentes sociais absorvem estes valores pela repetição litúrgica
do rito que proporciona a assimilação dos ritmos e gestos. Os rituais são anteriores à escrita,
não estão restritos ao ambiente religioso e são eminentemente sociais e políticos, fazendo
parte das sociedades letradas ou não como meios educativos escolares ou não escolares.
McLaren (1991) salienta que na escola os valores são repassados nos rituais
cotidianos, como hinos, orações, chamadas, leituras, controle dos corpos, eventos cívicos,
advertências etc. De modo geral, o ritual é “tudo o que é repetitivo ou habitual” (p. 47),
funcionando como modelador social: “a dobradiça da cultura, a chaveta da sociedade e o
fundamento da vida institucional” (p. 73). Assim se constituem as ideologias, através da
cotidianidade litúrgica dos hábitos, que servem para normatizar psiquicamente valores
idealizados pelos grupos que estão no poder político.
Pré-condicionados pela lógica do capital, os rituais da escola tendem a
fortalecer a tirania do desejo artificial em oposição as necessidades genuínas.
Sua função de mecanismos simbólicos de mediação protege as estruturas de
poder opressivo da escola e da ordem social mais ampla. Frequentemente
sob a capa de símbolos da democracia, e da comunidade, o que é injusto
pode ser ocultado mais sub-reptícia ou talvez mais inconscientemente. Bem
paradoxalmente, os rituais podem estender valores liberalizantes, enquanto
intensificam a denominação (MCLAREN, 1991, p. 349).
Na escola, os rituais são determinados pela lógica do capital. Portanto, não buscam
fortalecer as necessidades individuais dos atores envolvidos na instituição, mas de proteger e
defender as estruturas de poder. Assim, esses rituais patrióticos visam fomentar valores
nacionais, que protegem e fortalecem o status quo do grupo dominante republicano.
A educação primária representa a etapa inicial da educação escolar. Na República, a
educação primária possuía as seguintes características: laica, popular, universal, gratuita e
obrigatória, e seria ofertada pelas unidades federativas. De acordo com o Regulamento do
ensino primário do Pará de 1910, o estado garantiria educação primária em dois cursos: o
elementar com duração de quatro anos, ofertada em escolas isoladas e grupos escolares, e o
complementar com duração de dois anos, ofertada somente nos grupos escolares. Assim, o
estado seria responsável em fornecer educação às crianças em idade escolar: meninos entre 6
a 14 anos e meninas entre 6 a 12 anos, que residissem em “cidades, villas e povoações ou
n’um raio de um kilômetro fora d’ellas” (PARÁ. Regulamento do ensino primário, 1910, p.
36).
36
No Brasil, a escola primária foi pensada pelos republicanos, não somente para
combater o analfabetismo, mas também como a “base da nacionalidade”, a partir da
“introdução da formação patriótica, através do ensino cívico” (RIBEIRO, 1981, p. 79).
Segundo Inácio et. al. (2006, p 24), com o advento da República a instrução de
crianças passou a ser considerada obrigatória no processo de construção de uma nação
civilizada e ordeira: “a intensão era ‘civilizar o povo’ e, assim, manter a ordem para melhor
governar”. A instrução primária passou a ser imprescindível à formação das crianças nascidas
no Regime Republicano. Portanto, a educação primária tornou-se um projeto de governo em
vistas a consolidação do estado republicano.
Há que se considerar que o Grupo Escolar de Igarapé-Miri era um espaço de
escolarização da infância miriense. O conceito infância é de origem cultural e biológico, fruto
de uma construção sócio histórica, forjada em determinado tempo e lugar, a partir de
interesses sociais, políticos, culturais, religiosos e econômicos de uma dada sociedade
(BERNARTT, 2009; NASCIMENTO et al, 2008). Portanto, historicamente a noção de
infância se modifica de acordo com o contexto de cada época, posto que cada lugar construiu
historicamente uma percepção sobre o que é ser criança.
[...] Alguns registros mais antigos, quando comparados a outros
contemporâneos, ensinam que infantes e infância foram diferentemente
concebidos, tratados de maneira diferente em distintos momentos e lugares
da história humana [...], sendo [infância] tantas quantas forem as ideias,
práticas e discursos que em torno dela e sobre ela se organizem” (LAJOLO,
2006, p. 230-231).
Partindo desses pressupostos, compreendemos que não podemos definir o que é
infância de maneira universal. Por outro lado, podemos tentar compreendê-la dentro do
contexto que nos propomos estudar. O nosso recorte é o início do século XX, e o lugar uma
cidade interiorana da Amazônia, onde existem múltiplas infâncias e buscaremos captá-las nas
fontes documentais e bibliográficas.
De que infância estou falando é uma questão central para compreendermos o cotidiano
do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, haja vista que numa mesma cultura existem experiências
diversas de infância que dependem de vários fatores, como: grupo econômico, religioso,
instrução escolar, relação com o trabalho (roçados, fábricas, vendedores ambulantes etc.), se
pertencem à famílias grandes ou pequenas, entre outros fatores culturais. Há de se considerar
que a noção de infância que temos representa o olhar do adulto sobre a criança, e não o
próprio olhar da criança sobre si. Segundo Gouvea (2009), a história sobre a infância não são
narradas pelas crianças, mas pelos adultos, ressignificando suas experiências vividas na
37
infância. É o adulto com sua experiência de vida que seletivamente extrai e traduz de suas
lembranças o que deseja contar.
Historicamente, foram produzidos espaços sociais diferenciados à formação de
crianças, como foi o caso do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, em que a criança era instruída e
educada para compor futuramente os papéis sociais atribuídos aos adultos. É como se a
criança não tivesse vida cultural no presente, mas fosse um eterno devir, vivendo em função
de um futuro pensado pelos adultos: “A linguagem infantil, por exemplo, fica reduzida a uma
expressão ingênua, ou graciosa em sua menoridade, preparatória para a fala adulta”
(GOUVEA, 2011, p. 550). Entretanto, as crianças são sujeitos do seu presente e construtores
de uma cultura infantil: “Como sujeito de cultura e na cultura, a criança apropria-se da
linguagem a partir de seu lugar social, definido pela condição infantil. Essa condição
socialmente faz dela o outro, representado como marcado pela incapacidade da compreensão
e do uso da linguagem adulta” (GOUVEA, 2011, p. 548).
Esta dissertação compreende cinco seções, e está organizado da seguinte maneira:
1) Na primeira seção “INTRODUÇÃO” apresento as motivações para o estudo,
problema, objetivos da investigação, percurso metodológico, as fontes e a perspectiva de
análise.
2) Na segunda seção “GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI E A CIDADE” foi
subdividida em dois tópicos: no primeiro, intitulado “AS ORIGENS DO GRUPO ESCOLAR
DE IGARAPÉ-MIRI”, apresento as origens desta escola primária: de grupo escolar a escola
isolada (1904-1912); de escola isolada a escola reunida (1913 a 1936); e o retorno do grupo
escolar (1937) até à construção e inauguração do prédio próprio em 1949. No segundo, “A
CIDADE DE IGARAPÉ-MIRI” apresento o município de Igarapé-Miri, sua população,
aspectos sociais, econômicos, religiosos e políticos, buscando compreender o objeto por
vários ângulos.
3) Na terceira seção “GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI E SEUS SUJEITOS”
apresento os sujeitos que faziam parte desta instituição: direção, professores, alunos, porteiro
e serventes, buscando compreender suas origens e sua função profissional.
4) Na quarta seção “EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS NO GRUPO ESCOLAR DE
IGARAPÉ-MIRI” analiso os saberes e práticas educativas que marcaram o cotidiano desta
instituição.
5) Na quinta seção “CONSIDERAÇÕES FINAIS” registro os principais resultados
obtidos na realização da investigação e as contribuições do trabalho para a escrita da história
da educação na Amazônia.
38
2 GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI E A CIDADE
Nesta seção será analisada a relação do grupo escolar com a cidade de Igarapé-Miri,
com vistas a compreender porque do final do século XIX até meados do XX o meio rural
obteve desenvolvimento econômico, enquanto a cidade praticamente estagnou. A partir da
compreensão do contexto local, podemos compreender as características econômicas, sociais
e culturais dos sujeitos que compunham a primeira e única escola primária graduada desta
localidade entre 1904 e 1959, quando começou a funcionar o “Instituto Nossa Senhora
Sant’Ana”, colégio católico que também ofertava o ensino primário. No poema a seguir,
podemos perceber a importância que a escola assumiu na sociedade brasileira do século XX
em diante, influenciada pelas teorias iluministas.
A ESCOLA
A escola é foco donde a luz radia.
A luz que aclara os tempos e as nações:
Ora é luz que descanta, é cotovia;
Ora é centelha de revoluções!
Pois onde é que o soldado balbucia
O nome – Pátria – que enche os corações?
Onde é que nasce o amor? Onde a poesia?
Onde as mais santas das inspirações?
Na escola irrompe em solidário afeto,
O altruístico e elevado sentimento,
Graças ao fogo de paixão repleto.
Das lavas do vulcão do conhecimento:
É que há mais luz do alfabeto
Que nas construções do firmamento (MAGALHÃES, 1957, p. 68).
O poema em destaque faz parte do livro didático “Páginas Brasileiras”, em
circulação no Brasil no ano de 1957, destinado aos alunos do quinto ano primário, de autoria
de Ester Nunes Bibas. Neste poema de Basílio de Magalhães, citado pela autora, caberia à
escola tirar o ser humano da escuridão do analfabetismo. E essa erupção das luzes do
conhecimento, é o que enobrece e ajuda a construir a civilidade. Portanto, o Brasil
republicano para se solidificar, precisava de patriotas alfabetizados e obedientes. Assim,
investir na instrução pública, era uma necessidade para o desenvolvimento do país, que
delegava aos grupos escolares a função de irradiar as luzes da instrução moral, intelectual e
física. Vejamos nas palavras de Aristides dos Reis e Silva, primeiro diretor do GE de Igarapé-
Miri, como ocorreu a instalação desta instituição educativa:
39
No dia 27 de Abril do corrente anno, teve logar esta, solemnemente, perante
numerosa assistência, sendo presidido o acto pelo sr. Capitão Casulo de
Mello, digno representante do Exmo. Sr. Dr. Governador do Estado, com a
presença do Intendente municipal, Coronel José Garcia da Silva, todas as
autoridades e muitas famílias desta cidade (PARÁ. Relatório de Aristides
dos Reis e Silva, 1904, p. 616).
A instalação de um grupo escolar era motivo de orgulho à cidade e prestígio junto à
comunidade aos políticos envolvidos nesta conquista. A escola graduada dava visibilidade ao
município, pois exercia nas pessoas um poder simbólico: “símbolo de modernização cultural,
morada de um dos mais caros valores urbanos – a cultura escrita” (SOUZA, 1998, p. 91).
Além da projeção que o estado e seu gestor ganhavam no cenário local e nacional, servia
também para divulgar o projeto republicano. No Pará, os grupos escolares começaram a ser
implantados em 1899, com a inauguração do Grupo Escolar de Alenquer no interior do
estado, no governo de José Paes de Carvalho (1897-1901), que até o final de seu mandato
inaugurou oito grupos escolares, apenas um em Belém e sete no interior. Em seguida, seu
sucessor, Augusto Montenegro (1901-1909), até em 30 de setembro de 1904 implantou mais
quinze grupos, sendo cinco em Belém e dez no interior do Estado, perfazendo um total de 23
grupos escolares inaugurados no estado do Pará entre 1899 a 1904, conforme constatamos no
quadro (03).
Quadro 03: Matrícula nos grupos escolares do Pará em 1904
Nº
GRUPOS ESCHOLARES
(Capital e interior)
MATRÍCULA FREQ.
MÁXIMA
01 Primeiro districto 438 325
02 Segundo districto 502 365
03 Eschola Normal (gr. annexo) 345 304
04 José Verissimo 616 447
05 Santa Luzia 754 550
06 Nazareth 573 441
3.228
07 Pinheiro 297 236
08 Mosqueiro 205 176
19 Castanhal 370 309
872
10 Abaeté 301 256
11 Alemquer 181 161
12 Baião 109 96
13 Bragança 230 200
14 Cametá 318 226
15 Curuçá 306 261
16 Igarapé-Miry 214 186
17 Maracanã 175 153
18 Marapanim 252 219
19 Muaná 73 71
40
20 Óbidos 226 166
21 Santarém 239 192
22 Soure 204 169
23 Vigia 322 254
Total 7.275 5.763
Fonte: A PROVÍNCIA DO PARÁ, 1904
De acordo com o Regulamento geral da instrução pública do Pará de 1899, os grupos
escolares poderiam ser implantados na capital do estado e nas sedes dos municípios que
possuíssem o mínimo de quatro escolas isoladas a uma distância de um quilômetro, e onde o
governo municipal fornecesse estrutura física (prédio ou terreno) apropriada para o seu
funcionamento, com capacidade para atender até trezentos alunos de ambos os sexos. Ao
analisarmos as regras para implantação de grupos escolares no Estado do Pará, é possível
percebermos que muitos grupos foram instalados em prédios alugados, tanto na capital Belém
como no interior do estado.
O Grupo Escolar de Igarapé-Miri não se enquadrou totalmente nos referidos
critérios, visto que mesmo tendo sido instalado na sede do município e a partir da reunião de
quatro escolas isoladas, não possuía prédio apropriado e o número de alunos era insipiente, o
que não era um fato isolado, já que havia grupos escolares, como por exemplo, o de Muaná
com apenas 73 alunos matriculados em 1904 (A PROVÍNCIA DO PARÁ, 1904). Portanto, a
implantação do Grupo Escolar de Igarapé-Miri pode ter ocorrido em decorrência de amizade
política, já que os favores e apadrinhamentos eram práticas corriqueiras da política
oligárquica e coronelística da República Velha, e seus resquícios se perpetuaram ao longo da
história brasileira. Lobato e Soares (2001) contam a história de uma professora primária,
Raimunda Marques do Nascimento, que foi exonerada em 1959 juntamente com suas colegas
de trabalho da função de educadora por decisão de um “coronel” local, que não concordava
com a opção política partidária destas professoras, conforme o relato abaixo:
Raimunda Marques ficou [lecionando] na casa do Sr. Caetano Leão durante
9 anos, mas foi vítima de perseguição política: no ano de 1959, o Sr. Julião
Simplício de Oliveira, dono do engenho de cachaça Brasil, residente no Rio
Santo Antônio, político influente que pertencia ao PSD (Partido Social
Democrático) com prestígio junto aos governantes da época como Alcides
Pinheiro Sampaio, prefeito municipal de Igarapé-Miri. Joaquim de
Magalhães Cardoso Barata, governador do Estado, solicitara exoneração das
professoras simpatizantes da UDN (União Democrática Nacional).
Raimunda Marques, Maria da Conceição Corrêa Lobato, Pretonila Souza
Pantoja Ferreira, todas foram exoneradas. [...]
Com a morte de Magalhães Barata em 29.05.1959, aos 73 anos, assumiu o
governo do Estado interinamente o Dr. Abel Nunes de Figueiredo, então
presidente da Assembleia Legislativa do Estado que pertencia a UDN e aí
41
não deu outra: baixou um ato, tornando sem efeito as demissões das
professoras e reconduzindo-as aos seus cargos, todas recebendo o pagamento
de seus salários atrasados [...] (LOBATO E SOARES, 2001, p. 137).
Durante o século XX, a influência de políticos locais na contratação e descontratação
de funcionários públicos era regra neste município. O curioso é que em pleno século XXI não
é diferente, posto que ainda hoje, alguns políticos continuam realizando essa prática em
relação aos cargos de diretores de escola, como é o caso das três escolas estaduais de ensino
médio do município (Enedina Sampaio Melo, Manoel Antônio de Castro e Dalila Afonso
Cunha) em que a escolha do diretor ainda é por indicação política. Na primeira escola citada,
há algum tempo atrás houve uma única vez eleição direta para a escolha dos gestores, mas
infelizmente não continuou, e tudo voltou como antes.
No subitem a seguir serão discutidas as origens e as fases históricas do Grupo Escolar
de Igarapé-Miri: de grupo escolar à escola isolada (1904-1912), da reinauguração do grupo
escolar a transferência ao prédio próprio (1937-1949) e de grupo escolar a escola de primeiro
grau (1949-1971). Essas fases foram marcadas por pouco desenvolvimento econômico e
demográfico na cidade.
2.1 AS ORIGENS DO GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI
Uma das mais palpitantes necessidades da nossa escola é a casa.
Não é permitido a ninguém ignorar, e eu creio que ninguém ignora, que a
escola moderna, a escola popular, na qual baseiam os povos as suas mais
gratas esperanças, exigem uma casa apropriada, própria devia eu dizer,
construída de acordo como certas e determinadas regras estabelecidas por
pedagogistas, mestres e architectos. Não é lícito a ninguém desconhecer. E
ninguém desconhece, que a construção de casas para escolas e objecto de um
ramo novo e especial da architectura civil, e architectura escolar (PARÁ.
Relatório de José Veríssimo, 1891, p. 94).
No relatório apresentado ao governador do Estado do Pará, Justo Leite Chermont, por
José Verissimo (1891), diretor Geral de Instrução do Pará (cargo hoje equivalente a Secretário
Estadual de Educação), no alvorecer do regime republicano, “a construção de casas para
escolas” (PARÁ, Relatório de José Verissimo, 1891, p. 94), para abrigar duas ou mais escolas
dependendo da capacidade do prédio, era uma necessidade urgente no estado, dado as
condições de insalubridade, falta de mobiliário, espaços inadequados das casas de professores
onde as escolas isoladas funcionavam. Desta forma, construir prédios apropriados para abrigar
as escolas seria uma necessidade urgente no estado, mas entre o discurso e a realidade existe
42
uma grande diferença, pois vários grupos escolares, inclusive em Belém, funcionaram por
muito tempo em casas alugadas.
O Grupo Escolar de Igarapé-Miri inaugurado no dia 27 de abril de 1904, pelo decreto
nº 1.294 assinado por Augusto Montenegro, governador do Estado do Pará de 01/02/1901 a
01/02/1909, foi instalado em uma casa cedida pela Intendência Municipal de Igarapé-Miri e
adaptada para esse fim, na segunda rua da cidade, denominada Rui Barbosa. Para o melhor
entendimento de sua história, optamos em dividi-la em três períodos:
De grupo escolar à escola isolada (1904-1912): compreende o período de fundação
desta instituição, situado à Rua Rui Barbosa, nº 9, em frente a extinta praça D. Pedro II, até
sua extinção no final do ano letivo de 1912.
Da reinauguração do grupo escolar a transferência ao prédio próprio (1937-1949):
representou o retorno do Grupo Escolar, no mesmo endereço, mas como o prédio estava
precisando de reformas, foi transferido em 02 de junho de 1943 para o segundo endereço, à
Rua 15 de novembro. E em 1947 retornou à Rua Rui Barbosa, para uma residência que ficava
situada ao lado do Grupo Velho, como ficou conhecida a primeira casa que sediou o grupo
escolar desta cidade. Neste endereço, ficou até 1949.
De grupo escolar a escola de primeiro grau (1949-1971): iniciou-se com a inauguração
do prédio próprio do grupo escolar, em 21 de julho de 1949, situado à Praça da Bandeira, em
frente à Prefeitura Municipal e Câmara dos Vereadores, e foi finalizada com a substituição da
nomenclatura “Grupo Escolar” por “Escola de Primeiro Grau” em 1971, alteração prevista na
Lei de Diretrizes e Base da Educação de 1971 (LDB 5692/71) que fixou as diretrizes e bases
para o ensino de 1° e 2º graus no Brasil:
Para efeito do que dispõe os artigos 176 e 178 da Constituição, entende-se
por ensino primário a educação correspondente ao ensino de primeiro grau e
por ensino médio, o de segundo grau. [...]
Para o ingresso no ensino de 1º grau, deverá o aluno ter a idade mínima de
sete anos.
O ensino de 1º grau será obrigatório dos 7 aos 14 anos, cabendo aos
Municípios promover, anualmente, o levantamento da população que
alcance a idade escolar e proceder à sua chamada para matrícula (BRASIL.
Lei de diretrizes e base da educação, 1971, cap. I, art. 1º, § 1º e cap. II, art.
19 e 20).
Com a extinção dos grupos escolares no Brasil em 1971, os prédios que sediavam o
ensino primário passaram a ser denominados de escolas de Primeiro Grau, que forneciam
educação obrigatória de sete aos quatorze anos, em séries de 1ª a 8ª.
43
Entre 1913 a 1936 o Grupo Escolar ficou extinto. Durante este período, não houve
nomeação de diretor. Vale ressaltar que a existência do grupo escolar é marcada pela presença
do diretor ou diretora.
(...) o espaço do grupo escolar denota não apenas mudanças ou continuidade
na forma de conceber a educação escolar e suas relações com a sociedade
como um todo, mas também o aparecimento e fortalecimento de uma nova
categoria profissional as das diretoras (FARIA FILHO, 2000, p. 67).
Corroborando com a ideia acima, Souza (1998, p. 75) ressalta que o diretor “foi
considerado o elemento-chave que transformaria a mera ‘reunião de escolas’ em uma escola
graduada orgânica”. Ou seja, a escola era vista como um corpo e o diretor seria o cérebro, “a
cabeça, elemento fundamental para a organização da escola graduada” (SOUZA, 1998, p. 75).
Então, sem a presença do diretor, não há grupo escolar. Como não havia diretor lotado na
instituição, nesta época os exames de suficiência foram organizados pelo presidente do
Conselho Escolar. De acordo com o regulamento geral do ensino primária do Estado do Pará
de 1910, os exames nas escolas isoladas realizar-se-iam nos municípios do interior pelos
Conselhos Escolares (PARÁ. Regulamento do ensino primário, 1910, Secção III, art. 136,
inciso 2º).
De 1913 até o final da década de 1920 as escolas isoladas da cidade de Igarapé-Miri
funcionaram em endereços distintos, a saber: a Escola Isolada Feminina à Rua Quintino
Bocaiúva, no local do atual Hospital e Maternidade Sant’Ana, sob o comando de Eulina da
Purificação Cardoso, ex-professora do grupo escolar desativado; e a Escola Isolada
Masculina, localizada à Rui Barbosa, próximo ao Fórum de Justiça da cidade, cuja professora
era Zulmira de Castro Antunes. Em algum momento, estas escolas foram unificadas, pois em
1930 encontramos a existência da Escola Isolada Mixta de Igarapé-Miri, funcionando no
prédio do extinto grupo escolar, sob a regência da professora Eulina da Purificação Cardoso,
que anteriormente era regente da Escola Isolada Feminina (LOBATO E SOARES, 2001).
Entretanto, entre 1931 a 1934 a Escola Isolada Mixta foi dividida em duas Escolas Isoladas:
masculina e feminina (IGARAPÉ-MIRI. Livro de matrícula, 1934).
Em 13 de maio de 1932 o grupo escolar começou a ser reorganizado novamente. Este
indício adveio de um documento denominado “Ao público desta cidade”, expedido em 14 de
maio de 1948, pelo prefeito municipal de Igarapé-Miri, Alcides Pinheiro Sampaio, que
esclarecia aos mirienses os problemas ocorridos com a energia elétrica na noite anterior:
O Prefeito deste Município sente-se no dever de vir de público dar a presente
satisfação em relação à ocorrencia relativa ao enfraquecimento da Luz,
44
ontem à noite, por ocasião em que se realizavam os festejos em
comemoração à data do 13 de Maio e celebração do 16º aniversario de
reorganização do Grupo Escolar desta cidade (SAMPAIO. Comunicado,
1948, p. 01).
Este comunicado foi expedido em 14 de maio de 1948, referindo-se ao um evento
ocorrido no dia anterior (13 de maio), no qual se comemorava o 16º aniversário de
reorganização desta instituição educativa. Fazendo as contas (1948-16=1932), podemos
inferir que no dia 13 de maio de 1932 deva ter acontecido algo significativo que representou
um passo importante para a reinstalação do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, passando a ser
comemorado como a data da reestruturação desta instituição.
De acordo com o termo de exame dos alunos de Igarapé-Miri, entre 1935 e 1936, as
“Escolas Isoladas do Estado” foram promovidas a “Escolas Reunidas”, que compreendiam, no
caso específico de Igarapé-Miri, a junção de três escolas isoladas regidas pelas professoras
Lúcia Campos Ferreira, Anna Maria Gonçalves Gomes e Osvaldina Novaes Coutinho
(IGARAPÉ-MIRI. Termo de exames, 1935). As Escolas Reunidas poderiam representar uma
etapa de transição entre escolas isoladas e grupo escolar. Assim, escolas reunidas eram
aquelas que mesmo funcionando em um único prédio, mantinham-se como escolas isoladas,
ou seja, independentes entre si (SOUZA, 1998). Nas Escolas Reunidas não havia a nomeação
de diretor, vigia e servente por parte do estado. Pode ser que o município, a pedido dos
professores, contratasse uma servente para realizar a limpeza do prédio. Vale ressaltar que
além da Escola Reunida já citada, houve outra inaugurada neste município em 1930,
denominada “Escola Reunida Antonio Lopes da Costa”, localizada na Vila de Maiauatá,
interior de Igarapé-Miri (IGARAPÉ-MIRI. Livro de cadastro, 1972).
O terceiro volume do Almanak Laemmert (1940), o único volume (de quatro
publicados) que contém dados sobre o município de Igarapé-Miri, consegue-se entender o
porquê da nomenclatura “Escolas Isoladas do Estado”. Na seção intitulada instrução pública,
página 3655, aparece funcionando em 1931 na cidade de Igarapé-Miri duas escolas isoladas:
Uma de sexo masculino e outra do sexo feminino. Assim, entende-se que no Pará quando o
governador autorizava a junção de apenas duas escolas mantinha-se a nomenclatura “Escolas
Isoladas”. Não obstante, quando eram reunidas três ou quatro escolas, com número
correspondente de professores, utilizava-se a nomenclatura “Escolas Reunidas” e quando se
juntavam cinco escolas em diante, denominava-se “Grupo Escolar”.
A fotografia a seguir (figura 03) é de aproximadamente 1932, o antigo prédio do grupo
escolar, voltava a abrigar duas escolas isoladas do estado, por isso, o nome na fachada do
45
prédio: “Escolas Isoladas do Estado”. Entretanto, o grupo escolar foi instalado e funcionou
por vários anos nesta casa, daí o porquê da utilização desta imagem.
A fotografia registra as escolas isoladas masculina e feminina de Igarapé-Miri. Do
topo da escada para baixo, podemos ver o inspetor escolar e as duas professoras responsáveis
pelas escolas na janela (chegou-se a esta conclusão devido eles estarem em um lugar de
destaque na imagem e o jovem inspetor está bem vestido). Na sequência, as crianças da escola
isolada feminina (das mais velhas às mais novas), e ao lado, os da escola isolada masculina.
Percebe-se ainda que os meninos sejam mais novos em relação a algumas meninas, cuja idade
variava dos 6 aos 12 anos ou talvez um pouco mais. Isso ocorria porque as meninas
começavam a estudar mais tarde, haja vista que era comum elas ficarem mais tempo no seio
da família; ou ficavam repetindo o ano a pedido dos pais que não tinham condições de
matriculá-las nos grupos escolares de Belém ou Abaeté.
A maioria das crianças é branca e parda e algumas são afro-descendentes. Não
conseguimos visualizar na imagem crianças com traços indígenas. A maioria das meninas está
de vestido branco e dos meninos, de bermuda e camisa manga longa branca. Quanto ao
calçado, temos impressão que alguns estão descalços.
Figura 03: Primeiro prédio que sediou o Grupo Escolar de Igarapé-Miri
Fonte: LOBATO E SOARES, 2001
46
A casa onde foi instalado o Grupo Escolar de Igarapé-Miri em 1904 era um chalé
construído em enchimento (madeira e barro) ou taipa revestida. Este deveria ser um dos
melhores prédio da cidade em 1904, construído em uma de área de 370m,17 quadrados. Era
uma construção moderna com janelas e portas envidraçadas e com grades nas janelas da
frente. Um corredor ao centro dava acesso a 4 espaçosas salas, algumas bem forradas, dentre
estas um salão medindo 16m,25 de comprimento por 6m,30 de largura, onde o diretor
pretendia criar um museu infantil. O prédio era todo pintado e assoalhado de madeira
aparelhada, possivelmente pau amarelo e acapu. Aos fundos ficavam os banheiros masculino
e feminino. O prédio foi cedido ao estado pela Intendência Municipal. Na década de 1940 a
casa pertencia a Deolinda Granja de Azevedo.
Parte dessas informações citadas foi descrita pelo diretor Aristides dos Reis e Silva no
seu relatório de 1904, e devido à sua importância para esta investigação, pois até então é o
único documento que descreve com detalhes este estabelecimento, resolvi transcrevê-la na
íntegra.
Este é o vasto e magnífico da Intendência Municipal desta cidade, cedido
gratuitamente pelo digno intendente Coronel José Garcia da Silva ao
governo do estado para o grupo. De construção moderna, colocado no centro
de uma espaçosa praça, representa um quadrilátero retângulo de 22m,85 de
comprimento e 16m,2 de largura, ocupando a área de 370m,17 quadrados.
Tem 13 janelas, sendo 4 com portas de vidros e grades de ferro, na frente,
ficando com de 2 de cada lado do corredor que ocupa o centro do prédio em
todo o comprimento, com a largura de 2 metros; 5 janelas de cada lado e
quadro que dão para os fundos, todas envidradas e bem altas. Além do
corredor, 4 belas salas, 1 grande salão compõem o prédio, duas daquelas,
este e o corredor, são bem forrados, tendo de altura 4m,96. A esquerda do
corredor encontra-se primeiro a sala onde funciona a 1ª escola da secção
feminina com 10m,10 de comprimento e 6m,30 de largura, 4 janelas, duas
portas para o corredor duas ditas que comunicam esta escola com a 2ª da
mesma secção; a sala desta escola tem 6m,35 de comprimento e 6m,25 de
largura, a janela e duas portas; ainda mesmo lado segue a 3ª sala onde
funciona a 1ª escola da secção masculina com 6m,80 de comprimento e
5m,25 de largura, 3 janelas e um gradil de madeira que a separa do corredor.
Do lado oposto deste e em frente a última sala descrita, está a em que
funciona a 2ª escola da última secção referida com as mesmas dimensões,
janelas o gradil da precedente. Por último encontra-se o vasto e bonito salão
com 16m,25 de comprimento e 6m,30 de largura.
A frente, separada por um gradil de madeira está o gabinete da Diretoria.
Este salão, pretendo, no ano vindouro, se a isto V. Exc. me autorizar, dividir
em duas salas, numa das quais instalarei a escola complementar e na outra
um museu infantil que é muito proveitoso à instrução da mocidade, uma vez
utilizado de acordo com as recomendações dos melhores educacionistas. No
fundo do edifício, comunicadas a este por larga porta e sem comunicação
para a praça, ficam as sentinas, separadamente para meninos e para meninas,
ocupando estes compartimentos uma área de 16m,58 quadrados.
47
O grande e excelente prédio que acabo de descrever, é todo pintado e caiado,
bem assoalhado, e acha-se atualmente em bom estado de conservação,
necessitando apenas de insignificantes reparos; recebe luz franca, forte e
contínua ventilação por todos os lados; finalmente, pode-se afirmar que
reúne as mais exigentes condições pedagógicas (PARÁ. Relatório de
Aristides Reis e Silva de 1904, p. 615-616).
Havia em Igarapé-Miri até meados do século XX, pelo menos 3 casas neste modelo
localizadas à Rua Rui Barbosa. Duas já foram demolidas, exatamente as que sediaram o grupo
escolar no seu primeiro e terceiro endereço; e uma continua a existir, apesar de está se
deteriorando. Este modelo de casa possuía dois quartos, uma sala de visita, uma varanda ou
sala de jantar atrás, seguida de cozinha e sanitário. A cozinha, como era o lugar onde ficava o
fogão a lenha, era construída com madeira não aparelhada e às vezes sem paredes. E o
sanitário (chamado na época de “sentina”) era uma casinha de madeira construída no quintal,
geralmente em cima de um buraco cavado na terra (V.J.N.M. e M.R.C.A., 2017).
Para elaborarmos a planta baixa do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, utilizamos as
descrições feitas pelo diretor do grupo, Aristides dos Reis e Silva de 1904, e do inspetor
escolar, João Pereira de Castro, que visitou a instituição em 1906 e fez o registro da divisão
do gabinete do diretor para se criar um espaço para o funcionamento da Escola Complementar
Mista. A distribuição das escolas no grupo escolar até 1912 era a seguinte: na sala 1 ficava a
1ª escola elementar, seção feminina; na sala 2 funcionava 2ª escola da mesma seção; na sala 3
encontrava-se a 1ª escola da seção masculina; na 4 estava a 2ª escola da seção masculina e a
5ª sala estava alojada a Escola Complementar Mista.
Figura 04: Planta baixa do primeiro prédio que sediou o Grupo Escolar de Igarapé-Miri
Fonte: Planta do Grupo Escolar de Igarapé-Miri elaborada por Natanael Cuimar, com base nas descrições de
Aristides dos Reis e Silva de 1904 e de João Pereira de Castro de 1906.
48
Na década de 1940 haviam sido construídos nos fundos da escola outros
compartimentos: um quarto ou despensa e cozinha com fogão a lenha (M.R.C.A, 2017).
Segundo Lobato e Soares (2001), como o prédio em que o Grupo Escolar de Igarapé-
Miri estava sediado precisava de reformas emergenciais, a instituição educativa foi transferida
em 1946 para o prédio dos Almeidas (ao lado da residência do seu Teodolino Sinimbú),
conhecido como sobrado, situado à Rua 15 de Novembro, naquele período a principal rua da
cidade. Entretanto, a transferência para o segundo endereço, ocorreu em 1943, conforme
expomos a seguir:
Em 19 de maio de 1943 foi constituída pelo prefeito Raimundo Monteiro Lopes uma
comissão formada pelos funcionários da prefeitura: João Afonso Lobato, João Augusto de
Lira Lobato e Olívio Rodrigues, com o objetivo de avaliar as condições estruturais do prédio
que iria abrigar o grupo escolar. No dia 20 de maio de 1943 saiu o parecer favorável ao
aluguel do novo prédio, recomendando algumas adaptações, caiação, limpeza etc. E ainda foi
avaliado pela comissão o valor do aluguel mensal em CR$ 200,00 (duzentos cruzeiros), 150%
a mais do que se pagava no prédio anterior, que era alugado por CR$ 80,00 (oitenta cruzeiros)
por mês (OFÍCIOS, nº 146,147 e 156/1943).
Em 31 de maio de 1943, o prefeito municipal informou a proprietária do prédio onde
funcionava o Grupo Escolar na Rui Barbosa nº 9, dona Deolinda Granja de Azevedo, que por
deliberação do Departamento de Educação e Cultura do Estado, nesta data estava encerrado o
aluguel de seu prédio. E no dia 04 de junho de 1943 o prefeito de Igarapé-Miri comunicou ao
Diretor do Departamento de Educação e Cultura do Estado e ao Interventor Federal do
Estado, respectivamente, que no dia 02 de junho ocorreu a inauguração das novas instalações
do grupo escolar deste município, em um prédio mais amplo e confortável, conhecido como
sobrado (OFÍCIOS, nº 169, 173 e 174/1943).
Figura 05: Local do segundo prédio que sediou o Grupo Escolar de Igarapé-Miri
Fonte: IGARAPÉ-MIRI. Álbum histórico, 1977
49
O prédio que abrigou o grupo escolar foi construído no local indicado pela seta na
figura nº (05). Era uma casa de madeira espaçosa denominada de sobrado, por ter o assoalho
construído com mais de um metro de altura em relação ao nível da rua. Nesta casa, ou anexa a
essa casa, moravam os seus proprietários: Alberto Almeida e Ana Almeida (funcionária do
grupo escolar). Em 1947 o grupo escolar foi transferido desse endereço devido a casa precisar
de reformas emergenciais. Quando retornou à Rua Rui Barbosa, passou a ser sediado em uma
residência que ficava ao lado do Grupo Velho, como a população passou a denominar o
antigo prédio do grupo escolar (LOABATO E SOARES, 2001). A terceira casa que abrigou o
grupo escolar seria do mesmo modelo do Grupo Velho. Esta casa era de madeira, teria uma
dispensa e fogão à lenha nos fundos e estava em péssimo estado de conservação (M.R.C.A.,
2017).
Dada à precariedade da situação do prédio onde funcionava o grupo, o prefeito
municipal da cidade, Alcides Pinheiro Sampaio, providenciou junto ao Governador do Estado,
Luiz Geoláz de Moura Carvalho, a construção do prédio próprio do Grupo Escolar de Igarapé-
Miri. Este foi inaugurado em 21 de julho de 1949, à Rua Generalíssimo Deodoro, nº 254, em
frente à Prefeitura, em frente a Praça da Bandeira, atualmente Praça Sarges Barros, passando a
se chamar “Professor Manoel Antônio de Castro” 4.
Figura 06: Grupo Escolar de Igarapé-Miri inaugurado em 1949
Fonte: FACEBOOK. Acervo historico miriense, 2016
4 Manoel Antônio de Castro nasceu em Igarapé-Miri e mudou-se para Belém onde se destacou no exercício de
funções do magistério, inclusive como diretor e proprietário do extinto Colégio Pará e Amazonas, que ficava
instalado no palacete nº 29, à Praça Barão do Rio Branco (antigo largo da Trindade). Este colégio oferecia os
cursos primário e secundário (FOLHA DO NORTE, 02/03/1917).
50
Este novo prédio é uma construção em alvenaria, com capacidade para 300 alunos.
Composto por diretoria, secretaria, copa-cozinha, banheiro, seis salas de aula (três de cada
lado), duas entradas com corredores laterais (para separar as meninas dos meninos).
Conforme podemos observar na planta baixa a seguir:
Figura 07: Planta baixa do Grupo Escolar de Igarapé-Miri inaugurado em 1949
Fonte: Planta do Grupo Escolar de Igarapé-Miri elaborada por José Pinto, com base em Lobato e Soares (2001),
2017
Pimentel (2012) enfatiza que mesmo sendo uma arquitetura humilde, está dentro dos
padrões de higiene que se exigia no período, com janelas e portas amplas.
Observando a estrutura do prédio, percebemos a preocupação com as
questões higiênicas, isto é: com a ventilação e iluminação, pois as salas são
bastante amplas, medindo cerca de 6m x 5m (30m2), janelas medindo 2m de
altura por 2m de largura, portas medindo 3m de altura e 1,5m de largura.
Piso medindo 1m de altura do nível da rua, para impedir os alagamentos em
épocas de chuvas, telhado bastante alto, medindo cerca de 5m de altura. Dois
corredores laterais, um do lado direito e outro do lado esquerdo do prédio
com bastante iluminação e ventilação (PIMENTEL, 2012, p. 116).
Na prestação de contas da Prefeitura Municipal de Igarapé-Miri, enviada à Câmara
Municipal em 15 de abril de 1950, para a aprovação das despesas do exercício de 1949, o
prefeito municipal, Alcides Pinheiro Sampaio, no tópico referente a “despesas com o ensino”,
esclarece:
Quer se trate ensino do domínio do Estado, quer do Supletivo Federal, quer
do Municipal, este executivo, por seu Prefeito, que também é o Presidente do
Conselho Escolar, tem influído para a solução desse problema magno, tudo
51
envidando para a ampliação de escolas, tornando-as mais eficientes na
administração do ensino com aumento de matrículas. Foi com esse
pensamento que o município construiu para o Estado o Grupo Escolar desta
cidade, de grande capacidade, cuja inauguração teve lugar em 21 de julho de
1949, assistida pelo Exmo. Senador Magalhães Barata, tendo representado o
Exmo. Sr. Major Governador do Estado, nessa solenidade, o Exmo. Sr. Dr.
Armando de Souza Corrêa, Secretário Geral do Estado. Esse moderno e
confortável edifício foi construído em menos de um ano (IGARAPÉ-MIRI.
Prestação de conta da prefeitura, 1950, p. 2).
As prestações de contas apresentadas à Câmara dos Vereadores em 1948, a portaria de
pagamento e os recibos de compra de materiais e serviços datados em 31 de janeiro de 1949,
deixam claro que foi a prefeitura municipal de Igarapé-Miri que construiu o grupo escolar
desta cidade (IGARAPÉ-MIRI. Prestação de conta e recibo da prefeitura, 1948b e 1949). Mas
se o prédio foi construído com recursos deste município, oriundos de impostos dos
contribuintes locais, por que ele pertencia ao estado5?
De acordo com o artigo 20 da Constituição Federal de 1946, “quando a arrecadação
estadual de impostos [...] exceder, em município que não seja o da capital, o total das rendas
locais de qualquer natureza, o estado dar-lhe-á anualmente trinta por cento do excesso
arrecadado” (BRASIL. Constituição Federal, 1946). De Igarapé-Miri exportava-se: borracha
(fina e sernambi), palha de ubuçu ou buçu (folhas de palmeira utilizada para cobrir casa e na
fabricação de moeda), madeira, aguardente, álcool, açúcar (moreno e branco), mel de cana,
lenha, sebo de ucuúba, louças de barro, sabão, arroz com casca, camarão seco, azeite de
andiroba, milho, assai (açaí) etc. Estes gêneros eram vendidos para Belém, Moju, São Miguel
do Guamá, Vigia, Manaus, Baixo Amazonas, Baixo Tocantins, Acará, Alenquer, Portel etc.
(IGARAPÉ-MIRI. Mapa de importação e exportação, 1939). Devido ao acordo que o prefeito
municipal, Alcides Sampaio, fez com o governador do Pará, Moura Carvalho, o município
reteve todo o repasse de impostos locais que o estado deveria receber por dois anos, e com
este recurso construiu o grupo escolar. Portanto, o Grupo Escolar de Igarapé-Miri foi
construído com os impostos gerados no município, mas que pertenciam ao estado.
Vejamos como o prefeito conseguiu esta autorização do governador: em 19 de maio de
1948, o Major Luiz Geolás de Moura Carvalho (governador do Estado do Pará) visitou o
município de Igarapé-Miri durante sua excursão pelos municípios do Rio Tocantins. Durante
esta visita, o governador inspecionou o grupo escolar da cidade, onde detectou os vários
problemas na estrutura física do prédio, assim como a falta de higiene que o imóvel se
5 O prédio onde funcionou o Grupo Escolar de Igarapé-Miri foi repassado para o município com a
municipalização do ensino fundamental nesta localidade em 2001.
52
encontrava. Aproveitando o momento oportuno, o prefeito municipal Alcides Pinheiro
Sampaio entregou ao governador um ofício, solicitando a construção de um prédio próprio
para a instalação do grupo escolar, apresentou-lhe de onde viriam os recursos e solicitou a sua
aprovação, conforme podemos ler na transcrição de parte do ofício que o governador recebeu.
[...] o executivo deste Município tem a subida honra de entregar o presente e
oportuno apelo que visa pedir a V. Excia. a necessária [...] para iniciar a
construção de um prédio para nele funcionar o Grupo Escolar desta cidade,
ora instalado numa casa particular e bastante [...] para atender maior número
de alunos, resultando disso a restrição de matrículas, o que é,
verdadeiramente, prejudicial a causa da instrução, atendendo que, desse
modo, ficam múltiplas creanças relegadas ao analfabetismo.
[...] Entretanto, é obvio informar a V. Excia. que este Executivo, para o alto
objetivo da construção de um prédio, cujo valor atinja a CR$ 300.000,00,
com a capacidade para 300 alunos, não pode prescindir do auxílio do Estado,
da forma que passa a expor: Este Município, no exercício em curso, terá de
entregar ao Estado a importância de CR$ 151.680,00, que corresponde ao
total das contribuições, a que está sujeito pelo respectivo orçamento.
V. Excia. determinando por dois anos consecutivos, a aplicação do total das
contribuições aludidas na construção do Grupo Escolar, esta prefeitura
responsabilizar-se-á pela execução da referida obra dentro do prazo mais
curto. É como este Executivo sugere a solução de tão importante problema,
que, certamente, será bem acolhido pelo elevado e patriótico governo de V.
Excia., de que espera-se a imediata ordem para que novo Grupo escolar de
Igarapé-Miri seja uma realidade dentro da provecta gestão de V. Excia.
(OFÍCIO, s/nº, 19/05/1948).
Após a leitura desse ofício, o governador autorizou que se iniciasse a construção do
prédio. Entretanto, a arrecadação de impostos devida ao Estado não era suficiente, para a
conclusão da obra. Portanto, não adiantava iniciar a construção se não teria recursos para
concluí-lo. Assim, na prestação de contas à Câmara Municipal em 1948, o prefeito explica
que foi autorizado pelo governador a investir os recursos necessários para a conclusão da
obra.
Conforme instrução de S. Excia. por intermédio do Diretor do
Departamento das Municipalidades, em telegrama de 16 de julho próximo
findo [1948], este executivo deverá concorrer com o numerário necessário à
urgência da obra em apreço, para futura indenização por parte do Estado,
operação essa garantida pelos auxílios e contribuições previstos no
orçamento municipal vigente e destinados ao Estado. É, precisamente, como
vem sendo financiado esse serviço de alta importância para este Município
[...] (IGARAPÉ-MIRI. Prestação de conta, 1948a).
Na mesma prestação de 1948, o prefeito municipal Alcides Pinheiro Sampaio, expôs
que estando garantidos os recursos à construção do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, em 26 de
julho de 1948 ocorreu “solenemente a cerimônia de lançamento da pedra angular”, e em
53
seguida foram iniciadas as obras, que em menos de um ano estavam concluídas (IGARAPÉ-
MIRI. Prestação de conta, 1948a, p. 4). Finalmente em 21 de julho de 1949 ocorreu a
inauguração da instituição em um endereço privilegiado em frente a Prefeitura, esquina com a
Capela Bom Jesus e os Correios e Telégrafos. Formando-se assim o círculo do poder: o paço
municipal (sede dos poderes executivo e legislativo), a Igreja Católica (sede do poder
espiritual), os Correios e Telégrafos (responsável pela circulação de informações) e o Grupo
Escolar (espaço de instrução e civilização de crianças). Com a localização do Grupo Escolar
de Igarapé-Miri no centro do poder, demonstra-se a importância política que é dada a
instituição pública, e simbolicamente o grupo escolar passou a ter a missão de contribuir com
o estado na formação do cidadão republicano. A sua construção foi possibilitada pela
prosperidade econômica gerada pelos engenhos de cana de açúcar no município de Igarapé-
Miri, haja vista que a maior arrecadação de impostos oriundos de exportação era proveniente
desta atividade econômica.
Segundo o termo de exames dos alunos do GE de Igarapé-Miri de 1951, foi nesta data
que surgiu pela primeira vez o nome Grupo Escolar Professor Manoel Antônio de Castro.
Com a Lei Diretrizes e Base da Educação (LDB 5.692/71), passou a se chamar Escola
Estadual de Primeiro Grau “Manoel Antônio de Castro”, encerrando-se o ciclo do Grupo
Escolar no Brasil. No início de 2016, o prédio foi desativado por falta de aluno (a mesma
desculpa que levou o estado a desativar o Grupo Escolar em 1912), dando lugar à Escola de
Artes João Valente do Couto, que já existia desde 19856, mas somente no papel.
Figura 08: Antigo Grupo Escolar, hoje Escola de Artes João Valente do Couto
Fonte: Marinaldo Pantoja Pinheiro, 2016
6 Com base na lei municipal nº 3.744/85 de 27/05/1985, o prefeito de Igarapé-Miri, Manoel da Paixão e Silva,
criou a Escola Municipal de Música Professor João Valente do Couto, que nunca existiu.
54
2.2 A EXTINÇÃO DO GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI
A extinção de grupos escolares não aconteceu somente no estado do Pará. Souza
(1998, p. 107) informa que no Estado de São Paulo em “1908, foram dissolvidos os grupos
escolares de Ubatuba, Bananal e São José dos Campos por apresentarem matrículas e
frequência insuficientes”. E no Pará?
No Pará entre 1912 e 1931 foram extintos 18 grupos escolares. Entretanto, as
extinções foram feitas de maneira gradual, representando que houve resistências locais contra
às propostas de extinções, que eram motivadas por questões econômicas. Em 05 de março de
1921 o governador do Pará, Antônio Emiliano de Sousa Castro (1921-1925), assinou o
decreto 3.806, que previa a extinção de diversos cargos no estado, dentre eles o de Diretor da
Instrução Pública Primária e 18 diretores de grupos escolares, alegando que o motivo das
demissões seria à crise financeira no estado.
No magisterio Primario de 2ª entrancia: 12 directorias de Grupo Escolar, 15
cadeiras de professor, 2 de adjuncto, 3 porteiros de Grupo, 24 serventes. No
de 1ª entrancia: 6 directorias de Grupo Escolar, 20 cadeiras de professor, 4
porteiros e 12 serventes de Grupo (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO.
Decreto 3.806, 06/03/1921).
O decreto 3.806 de 05 de março de 1921 foi assinado com o propósito de conter gastos
e oficializar algumas demissões e extinções de cargos no funcionalismo público que já
vinham acontecendo desde 1912, início da crise econômica proporcionada pela diminuição
nas exportações de borracha.
Na instrução pública foram extintos 18 cargos de diretores escolares, que seria uma
forma mais suave de dizer que se estaria eliminando 18 grupos, já que não exista grupo
escolar sem diretor. Para confirmarmos a exclusão dos 18 grupos precisamos fazer a seguinte
análise: o governador Antônio Emiliano de Sousa Castro em mensagem proferida ao
Congresso Legislativo do Pará em 1921 e em 07 de setembro 1924 afirmou que foram
extintos até 1921, 7 grupos escolares dos 25 que existiam no estado do Pará.
De 25 grupos escolares que contava o Estado na ocasião daquele decreto [nº
3.806 de 05/03/1921], extinguiram-se 7 [restaram 18], nas localidades onde a
estatística acusava uma diminuição da frequência, o que portanto não
justificaria a despesa administrativa da manutenção desses grupos (PARÁ,
Mensagem de Antônio Emiliano de Sousa Castro, 1921, p. 74).
Vale ressaltar que o referido governador refere-se a uma quantidade de 25 grupos
escolares que existiam até a homologação do decreto 3.806; entretanto, Augusto Montenegro
55
deixou 36 grupos instalados, no final do seu mandato em 1909. Portanto até a homologação
do decreto em 1921 já havia desaparecidos 11 grupos. E os outros 7 foram eliminados após o
referido decreto, perfazendo um total de 18.
Ao compararmos os Regulamentos do ensino primário do estado do Pará de 1910 com
o de 1931 percebemos que até 1931, 9 grupos haviam sido reinstalados e continuavam
extintos 9, sendo todos de 1ª entrância: Moju, Igarapé-Miry, Baião, São Miguel do Guamá,
Irituia, Muaná, Anajás, Macapá e Gurupá. Percebe-se também a criação de 4 grupos: 3 na
capital e um em Marabá. A impressão que fica é que os municípios que aumentavam sua
matrícula escolar conseguiam a reinstalação dos seus grupos escolares.
Quadro 04: Relação dos grupos escolares em 1910 e 1931.
Entrâncias Regulamentos do ensino primário do Pará
1910 1931
3ª 7 grupos escolares na capital 10 grupos escolares na capital
2ª Pinheiro, Mosqueiro, Santa Izabel,
Castanhal, Igarapé-Assú, Bragança, Vigia,
Soure, Cametá, Santarém, Alemquer e
Óbidos.
Pinheiro, Mosqueiro, Santa Izabel,
Castanhal, Igarapé-Assú, Bragança, Vigia,
Soure, Cametá, Santarém, Óbidos e Abeté.
1ª Abaeté, Moju, Igarapé-Miry, Mocajuba,
Baião, São Miguel do Guamá, Irituia,
Muaná, Anajás, Macapá, Gurupá, Faro, São
Caetano, Curuçá, Marapanim, Maracanã e
Viseu.
Mocajuba, Faro, São Caetano, Curuçá,
Marapanim, Maracanã, Alemquer, Viseu e
Marabá.
Total 36 grupos escolares 31 grupos escolares
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos regulamentos do ensino primário de 1910 e 1931
Suspeito que o Grupo Escolar de Igarapé-Miri foi um dos primeiros a serem extintos,
pois deixou de funcionar em 1912. Vale ressaltar que até 1912 não houve oficialmente
extinção de nenhum grupo escolar no Pará, pois existia a mesma quantidade de grupos
escolares deixados pelo governador Augusto Montenegro (1901-1909): sete grupos escolares
na capital e 29 no interior, conforme observamos abaixo:
existiam [em 1909] 36 grupos escolares, sendo 7 na capital e 29 no interior,
sendo, no período de sua operosa administração [referindo-se ao mandato de
Augusto Montenegro], fundados 6 grupos na capital e 22 no interior:
Igarapé-Miry, Pinheiro, Muaná, Mosqueiro, Mocajuba, Santa Izabel, Faro,
Gurupá, Moju, Vizeu, S. Caetano, Igarapé-Assú, Macapá, Anajás, Irituia e
Guamá [...].
A matrícula das escolas primárias, em 1912 [mandato de João Antônio Luís
Coelho], eram a seguinte: Sete grupos escolares funccinonando na capital,
3.578 alumnos; [...] 29 grupos no interior com 5.381 alumnos [...]
(ANNUARIO DE BELÉM, 1915, p. 71).
56
Entretanto, o livro de ponto do corpo docente do GE de Igarapé-Miri de 1912,
demonstra uma redução no quadro funcional desta instituição. Constata-se que em meados
desse ano houve a redução no quadro de professores. No início de 1912 eram cinco docentes:
Francisco Delgado Leão (Primeira Escola Elementar, secção Masculina); Estephania da Costa
Borges de Carvalho (Primeira Escola Elementar, secção Feminina), Eulina da Purificação
Cardoso (Segunda Escola Elementar, secção Feminina), Braulio Jesus Lopes de Mendonça7
(Segunda Escola Elementar, secção Masculina) e Estellita Gonçalves Coêlho (Escola
Complementar Mixta). Em meados do referido ano reduziu-se o quadro para quatro: a última
professora foi transferida (IGARAPÉ-MIRI. Livro de ponto, 1912). A transferência da
normalista Estellita Gonçalves Coêlho8 representou o fechamento da “Escola Complementar
Mista”, o que pode significar o início da desativação do grupo escolar e a reimplantação das
escolas isoladas, pois de acordo com o Regulamento geral do ensino primário de 1903,
capítulo I, artigo 31 e inciso único, “as escolas complementares só existirão nos grupos
escolares”. E o capítulo III, artigo 58, enfatiza que “as escolas públicas isoladas serão todas
elementares” (PARÁ. Regulamento geral do ensino primário, 1903). Portanto, a eliminação
da escola complementar é um indício da desativação do grupo escolar, mas faltava ainda, a
transferência do diretor para que realmente a instituição estivesse inativa, e isso aconteceu no
final do ano letivo de 1912.
Portanto, a extinção do Grupo Escolar de Igarapé-Miri ocorreu em 1912.
Primeiramente, devo frisar que há documentos deste grupo escolar até outubro (final do ano
letivo) de 1912, reaparecendo somente na década de 1930. As fontes sobre este grupo escolar
silenciaram-se a partir de 1913, dando lugar a documentos sobre escolas isoladas, como por
exemplo, o ofício nº 895 de 14/04/1913, de Antonio Martins Pinheiro, Secretário de Estado do
Interior, Justiça e Instrucção Publica, ao Intendente Municipal de Igarapé-Miri, Raimundo
Pinheiro Lopes, informando que a nomeação da professora interina para reger a Escola
Elementar do sexo Feminino da cidade de Igarapé-Miry, era de competência do Conselho
Escolar e não do intendente. Outro exemplo é o livro de matrícula da Escola Isolada
Masculina da cidade de Igarapé-Miri de 1931 a 1934. A reinstalação das escolas isoladas na
sede do município comprova a extinção do grupo escolar, pois de acordo com o artigo III, do
7 De acordo com o Boletim Official da Instrução Publica do Estado do Pará de 1905, neste período o normalista
Braulio Jesus Lopes de Mendonça era diretor do Grupo Escolar de Baião (PARÀ. Boletim Official, 1905). 8 Com base no Almanak Laemmert (1940) a professora Estellita Gonçalves Coêlho estava lotada entre 1915 e
1925 no Grupo Escolar “Dom Romualdo de Seixas”, em Cametá, Pará.
57
decreto nº 1.294 de 06 de abril de 1904, a partir da criação do Grupo Escolar de Igarapé-Miri,
estariam extintas todas as escolas isoladas na sede deste município.
Que motivos levariam um grupo escolar a ser extinto no Estado do Pará?
No relatório da instrução pública do Estado do Pará de 1911, o Secretário d’Estado do
Interior, Justiça e Instrução Pública, Augusto Olympio de Araújo e Souza, propõe ao
governador do Estado, João Antonio Luiz Coelho, a extinção dos grupos escolares de Gurupá,
Moju e Igarapé-Miri, devido o número insignificante de matrícula realizada em 1909, o que
não justificaria as despesas do estado com estas instituições (PARÁ. Relatório de Olympio de
Araújo e Souza, 1911b). Na mensagem do governador do Estado do Pará, João Antônio Luis
Coelho, ao Congresso Legislativo em 1911, o governador endossou a proposta do secretário
de extinguir os grupos escolares com frequência diminuta.
Para sanar os inconvenientes do facto que deixo apontado e uma vez que as
condições econômicas do Estado se oppoem a qualquer augumento na
despesa pública, um caminho único nos está indicado:- a extinção dos
grupos de insignificante matrícula, como alguns possuímos.
Insiste o sr. Secretário do Interior e Instrução Publica nessa proposta, à qual
não recusarei meu assentimento, sob o desígnio de aplicar as economias
resultantes dessas medidas na creação de escolas isoladas nos logares onde
as necessidades do ensino as reclamam (PARÁ. Mensagem de João Antônio
Luís Coelho, 1911a, p.33).
Segundo o discurso oficial o motivo para a extinção do Grupo Escolar de Igarapé-Miri
foi a diminuta matrícula e baixa frequência dos alunos, o que pode ser comprovado no quadro
(05).
Quadro 05: Matrícula da segunda escola elementar masculina, do Grupo Escolar de
Igarapé-Miri: 1905, 1908 a 1911
Ano Inicial Final
1905 36 70
1908 34 38
1909 13 21
1910 12 35
1911 10 17
Fonte: IGARAPÉ-MIRI. Livro de matrícula, 1911
De acordo com o capítulo II, artigo 12 do Regimento interno dos grupos escolares e
das escolas isoladas do estado do Pará de 1904, “a matrícula nos grupos escolares estará
aberta durante todo o anno lectivo” (Pará. Regimento interno dos grupos escolares, 1904). Ou
seja, todo dia era dia de matrícula, o que justifica a descrição na tabela: matrícula inicial e
58
final. A leitura da tabela demonstra que a matrícula na Segunda Escola Elementar Masculina
do Grupo Escolar de Igarapé-Miri foi diminuindo entre os anos 1905, 1908 a 1911. Quais
seriam os motivos para as matrículas decrescerem?
Conforme o Censo Demográfico de 1945 realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) havia poucos moradores na sede do município (BRASIL,
1945), e segundo Aristides dos Reis e Silva, diretor do Grupo Escolar de Igarapé-Miri entre
1904 a 1910, em torno de 33% das crianças em idade escolar não estavam matriculadas
(PARÁ. Relatório de Aristides dos Reis e Silva, 1904), demonstrando problemas de ordem
socioculturais, como: falta de condições econômicas das famílias investirem na educação de
seus filhos: aquisição de material didático, escolar e uniforme; e problemas de ordem
governamental como a falta de políticas públicas para atrair e manter as crianças na escola.
Havia crianças que trabalhavam para ajudar seus pais, é o que percebemos no título
V, da obrigatoriedade escolar, no artigo 182, onde a obrigação do ensino primário era de
responsabilidade dos pais, tutores, protetores ou patrões. O artigo 189 estabelece que
decorridos 30 dias após o início das aulas, os respectivos responsáveis, inclusive o patrão,
poderiam pagar multas de 20$000 (vinte mil réis) caso a criança dentro de oito dias não
comparecesse a escola, munida com justificativas plausíveis pelas faltas (PARÁ.
Regulamento do ensino primário, 1903). Acredita-se que muitas crianças ajudavam seus pais
e responsáveis nos trabalhos domésticos e atividades de subsistência, como: roçado, caça,
pesca, produção de farinha, coleta de frutos etc. Suponho que em alguns momentos o
envolvimento das crianças nessas atividades diárias poderiam dificultar a frequência delas na
escola.
As exigências para efetuar a matricula no Grupo Escolar acabavam excluindo
algumas crianças. No capítulo II, artigo 14, incisos 2º e 3º do Regimento interno dos grupos
escolares e das escolas isoladas do Estado do Pará de 1904, o matriculando deveria apresentar
atestado médico comprovando que estava vacinado e que não estava “affectado de moléstia
contagiosa e repugnante” (PARÁ. Regimento interno dos grupos escolares, 1904). Ora,
conforme o relatório da diretoria do serviço sanitário do Pará de 1909 nas primeiras décadas
do século XX, neste estado houve a incidência de vários tipos de doenças infecciosas, como:
varíola, hanseníase, paludismo (malária), febre amarela, tuberculose etc. O paludismo e a
Febre Amarela tornaram-se epidêmicas, flagelando vários moradores no estado. A febre
amarela com cerca de vinte óbitos por mês somente em Belém. A tuberculose e a lepra
(hanseníase) continuavam a fazer muitas vítimas. Houve casos isolados de peste bubônica e
varíola em Belém e região. No relatório se enfatiza que qualquer epidemia poderia ser
59
controlada com higiene e isolamento dos infectados, que, portanto estariam proibidos de
frequentar lugares públicos, inclusive escolas (PARÁ. Relatório da diretoria do serviço
sanitário, 1909).
Entre abril e novembro de 1908 foram registrados 23 óbitos no interior de Igarapé-
Miri, sendo 14 crianças (6 bebês e as demais com até 8 anos de idade). Os adultos tinham
entre 18 a 80 anos. As causas das mortes foram: 5 morreram durante o parto (4 bebês e 1 mãe
de 50 anos); 13 morreram de febre, que pode ser febre amarela ou malária; 2 foram vitimados
por asfixia e 3 não tiveram registrado as causas de seus óbitos. (PARÁ. Livro de registro de
óbitos, 1908).
O baixo número de registros de mortos pode ser justificado pelo fato que nem todos
os óbitos eram registrados. Por isso, a concentração de registros nos locais que havia
cartórios: Rio Pindobal, Anapú, Maiauatá e Panacauera. O que reforça esta afirmação é que
em 1940 o prefeito municipal de Igarapé-Miri, Antonio Augusto de Mesquita, recebeu um
ofício do Dr. Luís Lessa, Diretor do serviço da febre amarela no estado, no qual solicita que
somente seja autorizado o sepultamento depois de expedido o registro de óbitos pelo cartório.
Solicito providenciar que nenhum enterramento seja realizado sem que o
corpo esteja acompanhado da necessária guia expedida pelo Ofício do
Registo Civil, em face da declaração de óbito, devidamente visada pela
autoridade sanitária local ou representante do Serviço de Febre Amarela [...].
Outrossim, este Serviço [de febre amarela] deseja que seja plenamente
garantido o serviço de obtenção de specimens para exames anatomo-
patológicos, com o fim de elucidar o diagnósticos das causas das mortes, nos
casos suspeitos das doenças transmissíveis, [...] (OFÍCIO, s/n/1940).
Acredita-se que a febre amarela ceifou muitas vidas em Igarapé-Miri, e essa doença
somada a outras já citadas, contribuíram para o tímido crescimento demográfico no
município. Suponho que muitas crianças foram impedidas de serem matriculadas no grupo
escolar por estarem acometidas ou sob suspeitas de terem contraído a febre amarela ou outras
doenças. Isso poderia contribuir para o baixo número de alunos matriculados e baixa
frequência escolar, conforme sinaliza a figura (9).
60
Figura 09: Frequência dos alunos da 2ª escola elementar masculina do Grupo Escolar de
Igarapé-Miri, set. / 1911
Fonte: IGARAPÉ-MIRI. Livro de ponto, 1911
Além das matrículas decrescerem a cada ano, o índice de falta era elevado. É o que
se constata no diário de classe da Segunda Escola Elementar Masculina de setembro de 2011,
onde dos dezesseis alunos matriculados, apenas três não faltaram, dois faltaram e justificaram,
quatro não tiveram frequência, pois parece já terem evadido e sete faltaram várias vezes sem
justificar o motivo.
Em um período anterior à implantação dos grupos escolares, José Veríssimo (1891)
aponta que o péssimo desempenho da instrução pública neste estado teria sete causas
principais: a dispersão populacional pela vasta região amazônica, as escolas elementares
insuficientes para cobrir esta região, a vida ambulante da população utilizada na produção
extrativista, a falta de inspeção escolar, o despreparo de alguns professores, a falta de recursos
econômicos dos alunos e o relaxamento de muitos pais com a educação de seus filhos. Nas
palavras de Veríssimo (1891) fica claro que as dificuldades em alfabetizar as crianças
paraenses se deviam a vários problemas que perpassavam pela vasta região, pela falta de
investimento e controle do estado na educação, a população andarilha em busca de trabalho, a
falta de formação para professores, pobreza e falta de apoio de muitos pais à educação das
crianças.
1ª a disseminação da população por um vasto território; 2ª a falta de escolas
elementares por todos os lugares onde d’ellas há necessidade; 3ª a vida
ambulante da gente empregada na indústria extractiva; 4ª a falta de
61
inspecção regular; 5ª a falta de habilitações de alguns professores; 6ª a
pobreza dos alunos; 7ª finalmente, a negligencia de muitos pais de famílias
(PARÁ. Relatório de José Veríssimo, 1891, p. 10).
No relatório de 1943 o prefeito municipal de Igarapé-Miri e presidente do Conselho
Escolar, Raimundo Monteiro Lopes, salientou que a “insuficiência de professores nos tem
impedido a ação que é preciso desenvolver-se junto aos pais acerca de um número elevado de
crianças que não frequentam escola nesta cidade” (IGARAPÉ-MIRI. Relatório Raimundo
Lopes, 1943, p. 5). A frase expressa dois problemas: a falta de professores e o crescente
quantitativo de crianças que não frequentavam a escola. Acredito que o presidente do
Conselho Escolar se referia às crianças em idade escolar não matriculadas, que de acordo com
o Regulamento do ensino primário do Pará de 1910, o estado tinha o dever de cadastrá-las,
matriculá-las e obrigar (utilizando-se do artifício de cobrança de multas) os pais e
empregadores as encaminharem à escola (PARÁ. Relatório de Raimundo Lopes, 1910).
Parece que os motivos que levavam o estado a extinguir o Grupo Escolar de Igarapé-
Miri foram a diminuição de matrículas, a baixa frequência dos alunos, a falta de políticas
públicas, bem como dificuldades econômicas que o estado atravessava devido à crise da
borracha, dentre outras. Segundo a mensagem de 1921 do governador do Pará, Antônio
Emiliano Castro:
Os cortes, todavia, quase que se limitaram à parte puramente administrativa,
suprimindo funções especiaes de diretor do grupo e logares de porteiro e
serventes desses estabelecimentos (...).
A instrução em si nada sofreu, porque mantiveram-se as escolas mesmo
agremiações na sede onde existia o grupo, e as escolas disseminadas pela
área do município (PARÁ. Mensagem de Antônio Emiliano de Sousa
Castro, 1921, p. 74).
Segundo a mensagem de 1911 do governador João Antônio Coelho, os grupos
escolares tornaram a instrução pública mais dispendiosa para o estado: “O certo é que o
estado com a medida apontada [criação de grupos escolares] não realizou economia alguma,
tendo, ao contrário, crescido a verba despendida com o ensino primário” (PARÁ. Mensagem
de Antônio Emiliano de Sousa Castro, 1911a, p. 32).
Esta posição foi reforçada no discurso proferido pelo deputado Cônego Andrade
Pinheiro à Câmara dos Deputados do Estado do Pará, em 24 de outubro de 1911 e publicado
no Jornal “Estado do Pará”, na edição de 01 de novembro de 1911. O referido deputado
estadual era defensor das políticas governamentais do então governador João Antônio Luís
Coêlho (1909-1913), e argumentou que os grupos escolares foram implantados no Estado do
62
Pará com o propósito de diminuir os gastos com a instrução pública, mas na prática acabaram
onerando os cofres públicos.
Por certo, a idea do dr. Augusto Montenegro seria magnifica e salutar si as
intendencias do interior a soubessem comprehender e tivessem acudido ao
apello do illustre do governador de então.
Aconteceu, porém, sr. presidente [da Câmara dos Deputados Estaduais em
1911, Enéas Pinheiro], o contrario do esperava v. exc. Quando pensava
realizar uma grande economia para os cofres do Estado, essas economias
desappareceram e as despesas cresceeram, conforme diz expressamente em
sua mensagem o actual o atual governador [João Antônio Luís Coêlho]. (Lê)
‘É preciso porem, dizer que o meu eminente antecessor [Augusto
Montenegro] extinguindo em troca de cada grupo escholar creado,
determinado numero de escholas, fêl-o por não poder o thesouuro supportar
augmento [aumento] de despesas e firme na promessa de que os municipios
manteriam, de sua conta, escholas extintas’.
Vã foi, porém, esta promessa e repetidos são os pedidos que me têm sido
presentes para restabelecimneto de muitas escholas que fôram exctintas.
O certo é que o Estado, com a medida apontada, não realizou economia
alguma, tendo, ao contrario, crescido a verba despendida com o ensino
primario (ESTADO DO PARÁ, 01/11/1911, p. 01).
Nas mensagens dos governadores, a partir de 1911, várias vezes encontramos
referência à crise econômica que o estado estava atravessando, em virtude da queda da
exportação da borracha amazônica. No início do Decreto 3.806, de 05 de março de 1921, o
govenador Antônio Emiliano de Sousa Castro, expôs a crise econômica do estado como
justificativa para extinguir diversos cargos no estado.
O Governdor do estado, alttendendo á diminuição considerável da receita
publica, resultante das grandes alterações das nossas condições econômicas,
que por sua vez reflectem o transtorno da economia universal, e
Considerando que nenhuma providencia pode ser tomada que, melhorando
aquellas condições, produza immediatamente o aumento da receita na
importancia que exige a actual organização dos serviços publicos, senão que
toda medida a que recorra a administração será de resultados lentos [...]
(DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO, 06/03/1921).
Sob a desculpa da crise econômica, os governos paraenses entre 1912 a 1921
realizaram vários cortes de investimento em serviços essenciais, inclusive na instrução
pública, como a extinção de grupos escolares. É interessante que no momento de crise
econômica a educação é sempre prejudicada. O governo optava em extinguir alguns grupos
escolares porque acreditava que fosse mais oneroso aos cofres públicos, pois nas escolas
isoladas e reunidas os professores ganhavam menos e não havia as funções de diretor, porteiro
e servente. Sem contar que quando o estado dissolvia um grupo escolar, havia economia na
redução de escolas isoladas, demonstrando que o discurso governamental, proferido por
63
Antônio Emiliano Castro em 1921, de que os cortes feitos na instrução pública não afetariam
o corpo docente, mas somente o administrativo, era uma falácia (PARÁ. Mensagem de
Antônio Emiliano de Sousa Castro, 1921).
A dinâmica dos altos e baixos do Grupo Escolar de Igarapé-Miri nos ajuda a entender
que o projeto republicano de escola graduada encontrou dificuldades para permanecer em
alguns locais, devido à baixa matrícula e a problemas econômicos de famílias locais e do
próprio estado: não basta o governo fornecer somente escolas, é preciso também criar
políticas públicas para dar condições de acesso e permanência dos estudantes na instituição.
Vivíamos em um contexto onde não era obrigatório o estado fornecer gratuitamente transporte
escolar, merenda, material escolar e didático etc. Portanto, estas despesas pertenciam às
famílias dos alunos. Assim, as famílias que não tinham condições de fazer estes investimentos
nos seus filhos, estavam fadadas a deixá-los fora da escola.
A seguir, a discussão será sobre o município de Igarapé-Miri, na perspectiva de
compreendermos que a prosperidade econômica da cidade de Igarapé-Miri estava refém da
navegação, já que este foi o único meio de transporte até a década de 1980, quando foi
construída a Rodovia PA 151, e iremos perceber que historicamente houve uma luta constante
para superar esta dificuldade, pois quando parecia que o problema da navegação estava
resolvido, barcos maiores surgiam e o progresso se afastava da sede do município.
2.3 A CIDADE DE IGARAPÉ-MIRI
Igarapé-Miri fica localizada em linha reta a 74 Km de Belém, capital do Estado do
Pará. Segundo Lobato (2007), Igarapé-Miri foi elevada à categoria de cidade em 1896, pela
Lei Estadual nº 438, de 23 de maio de 1896. Seu nome se origina do Tupi-guarani e significa
“Caminho de Canoa Pequena”, uma alusão aos inúmeros braços de rios que recortam o
município.
A seguir, apresento a primeira gravura da Villa de Santana de Igarapé-Miry produzida
entre 1848 e 1860 pelo viajante inglês Paul Marcoy e publicada em 1867 na Revista Le Tour
du Monde: Nouveau Journal des Voyages, em 1867, em Londres, Inglaterra. A gravura
destaca a primeira Igreja de Sant’Ana de Igarapé-Miri construída em madeira e argila, as
casas de madeira do povoado, o pequeno rio de Igarapé-Miri, as plantas características da
região (árvores de miriti ao fundo e em frente à cidade, palmeiras de açaí, aningueiras etc.), e
os meios de transporte: barcos a remo e à vela.
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Figura 10: Villa de Santana Igarapé-Miry
Fonte: MARCOY, 1867
Conforme Lobato (2007), as fases históricas de Igarapé-Miri foram as seguintes: de 29
de dezembro de 1752 a localidade passou a ser denominada Freguesia de Santana de Igarapé-
Miry até 26 de julho de 1845 (decreto 113, de 16/10/1843, que exigia a construção da câmara
municipal e cadeia), quando houve a cerimônia de elevação à categoria de Villa de Santana
Igarapé-Miry, e finalmente em 23 de maio de 1896 recebeu o título de cidade.
De acordo com Baena (1885), a Comarca Geral de Igarapé-Miry, instalada em 26 de
outubro de 1878, era composta por três municípios: Abaeté (atual Abaetetuba), Moju e
Igarapé-Miri. Seus limites geográficos no final do século XIX, de acordo com D’Oliveira
(1899), era ao Norte com a comarca de Belém, ao Sul com Cametá e a Oeste com Cametá e
Cachoeira pela foz do Rio Tocantins. Atualmente, Igarapé-Miri limita-se com os seguintes
municípios: ao Norte com Abaetetuba, a Leste com Moju, ao Sul com Mocajuba e a Oeste
com Cametá e Limoeiro do Ajuru. Quanto a sua fundação, podemos captar alguns indícios na
letra da música abaixo.
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DOS MAMANGAIS AOS CAMINHOS DE CANOA PEQUENA
Vou viajar ao reino dos mamangais
Caminhos de Canoa Pequena, eu chego lá
Te amo Rancho, não posso me amofiná
Muito mais que você possa imaginar
De Portugal atravessou, o rio mar
Em caravelas o desbravador chegou, pra ficar
Veio em busca do Eldorado
Expulsou os invasores
Do solo cobiçado
A serraria real exalou prosperidade
Surge, Igarapé-Miri
A mais pura realidade
Os engenhos de cana de açúcar
Com Pernambuco conquistaram o apogeu
Radiante, época dourada
E a princesinha floresceu
Carambola, pioneiro o canal expandiu
Chegam os cabanos, enfrentando desafio
E hoje, hoje capital mundial do açaí.
A pesca do mapará é tradição
Fonte de renda e alimentação
O lugar onde brota a devoção
Ó Sant’Ana padroeira (...)
(GONÇALVES, 2008).
A letra do samba enredo do carnaval de 2008, de autoria de Aurino Quirino Pinduca
Gonçalves, intitulada: “Dos Mamangais aos Caminhos de Canoa Pequena”, da escola de
samba jurunense, de Belém, Pará, “Rancho Não Posso me Amofiná”, homenageou o
município de Igarapé-Miri, contando sua história. A música retrata a origem dos
colonizadores, a origem do município, a economia, dentre outros aspectos históricos da
localidade, como veremos a seguir.
As terras que deram origem ao município de Igarapé-Miri começam a ser colonizadas
pelos portugueses no reinado de D. João V, rei de Portugal, entre os anos 1706 a 1750,
quando nesta localidade foi fundada uma fábrica nacional para o beneficiamento de madeiras.
Quando foi escolhido para funcionar a serraria real, este local era estratégico, pois era
de fácil acesso à capital do estado, e toda a madeira aparelhada era transportada a Belém.
Posteriormente, tornou-se um entreposto comercial ou via de acesso entre o Baixo Tocantins,
o Estado do Amazonas e Belém.
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Figura 11: Mapa da região do Marajó e Baixo Tocantins, destacando o Rio Pará
Fonte: ROSA, 1904
Ao observarmos o mapa, constatamos que existem dois caminhos marítimos de Belém
para o Baixo Tocantins, notadamente a cidade de Cametá (fundada em 1635), que seria pelo
Rio Pará (conhecido como “por fora”) e passando pelo rio Sant’Anna de Igarapé-Miri
(chamado “por dentro”). As viagens “por fora”, significa passar pela Baía do Marajó para
chegar ou sair de Belém. Até o final do século XIX estas viagens eram mais arriscadas, com
constantes acidentes devido às correntezas, temporais e fragilidade das embarcações9. De
acordo com o Jornal “A Província do Pará”, eram comuns os acidentes marítimos, tais como
naufrágios, explosão de caldeiras de lanchas a vapor, dentre outros:
Na sexta-feira da semana passada, 14 andantes naufragou nos baixos do
Correio á entrada da cidade de Vigia, a canoa Flor de Nazareth[...].
Mal acabavamos de escrever a notícia acima, recebiamos aviso [...], de mais
os seguintes naufrágios [...] (A PROVINCIA DO PARÁ, 22 e 23/10/1904,
p.02).
9 Este posicionamento foi defendido pelo viajante inglês Paul Marcoy, no artigo Voyage de l’Océan Pacifique a
l’Océan Atlantique, a travers l’Amerique du Sud (1848-1860), publicado na revista Le Tour du Monde: Nouveau
Journal des Voyages, em 1867, na cidade de Londres, Inglaterra. Segundo Marcoy (1867) o Canal evitava que os
barcos que navegassem para Belém passassem pelo Rio Pará, onde ocorriam trevoadas, tempestades violentas e
tufões.
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Na edição do dia 15 de novembro de 1904 este mesmo jornal estampou a manchete de
que na noite do dia 12 a lancha a vapor Anapu pegou fogo no porto do Comércio. De acordo
com o laudo dos bombeiros, o motivo foi o estouro da caldeira. Em 24 de março de 1941 o
prefeito de Igarapé-Miri, Antonio Mesquita, emitiu um telegrama lamentando o naufrágio do
barco “Nova Pátria”, onde viajava o Padre Emílio, vigário da Paróquia de Igarapé-Miri. Esse
naufrágio ocorreu no Rio Tocantins, entre os municípios de Cametá e Igarapé-Miri e
perderam-se os registros de batismo deste período que o vigário transportava para Cametá.
Percebe-se que o temor da população miriense em viajar pela Baía do Marajó se justificava
pelas notícias de acidentes com embarcações, principalmente as movidas a vapor.
Outro problema causador de temor era o banzo, ou seja, o enjoo que os tripulantes
sofriam por conta dos banzeiros (termo regionalmente dado às maresias). As viagens “por
dentro”, que passavam em frente à freguesia de Igarapé-Miri, era a preferida e mais segura,
mas dependia das condições da maré, pois entre o Rio Moju e o Rio Sant’Ana de Igarapé-Miri
havia uma passagem natural, denominada de “Furo de Igarapé-Miri”, que posteriormente
ficou conhecida como “Furo de Igarapé-Miri Velho” ou simplesmente “Furo Velho”, que é
um igarapé ou pequeno rio raso, somente navegável nas águas maiores, chamadas de
lançantes ou águas vivas.
O furo de Igarapé-Miry velho, achava-se actualmente quase tapado, e só dá
passagem a pequenas montarias, quando maré cheia e fica na distancia de
uma e meia léguas da bôcca do canal, subindo o Rio Mojú (D’OLIVEIRA,
1899, p. 13).
As limitadas condições de navegação pelo Furo Velho, nas duas primeiras décadas do
século XIX gerou a dificuldade de relação comercial entre os munícipes de Igarapé-Miri com
Belém, e isso afetou o desenvolvimento econômico da cidade. As dificuldades comerciais
aumentavam à medida que a indústria naval se desenvolvia, já que embarcações maiores
tinham mais dificuldades em passar pelo “Furo Velho” e optavam navegar pelo Rio Pará. Isso
aumentou o abandono da sede do munícipio, pois a riqueza, oriunda do município e outras
localidades vizinhas circulavam pela rota marítima “por fora”, fato que deixava a cidade de
Igarapé-Miri por fora do desenvolvimento econômico, isto é, no abandono.
Como o “Furo Velho” não suportava o tamanho das embarcações, a saída encontrada
foi a escavação do Canal. No mapa abaixo, se observa o Canal na sequência do Rio de
Igarapé-Miri, desaguando no Rio Moju e o “Furo Velho” abaixo.
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Figura 12: Mapa de Igarapé-Miri, destacando o Canal e o “Furo Velho”
Fonte: Digitalizado por Railson dos Santos com base no Google Earth, 2017
O Canal10 foi construído por iniciativa de Sebastião Freire da Fonseca, de codinome
Carambolas, que era fazendeiro, comandante geral dos índios e proprietário de escravos. De
acordo com Cruz (1945, p. 19), “interesses comerciais levaram-no [referindo-se a
Carambolas] a imaginar esse caminho, que viria a ser em tempos futuros, preciosa via
econômica de escoadouro dos produtos da terra”.
O Canal foi construído entre 1821 a 1823, com a extensão de 1,5 Km, ligando o Rio
Igarapé-Miri ao Rio Moju. Nessa empreitada, Carambolas foi autorizado pela Junta Provisória
Governamental da Província (1821-1824), e a obra foi iniciada por dezenove escravos de sua
propriedade e quarenta índios da província. Depois de vários problemas referentes à falta de
mão de obra, os trabalhos foram encerrados em 1823 com o desabamento de um barranco.
Em dias do mez de novembro de 1823, por ocasião das aguas-vivas, desabou
com peso d’ellas, a parede de madeira que demorava do lado de Igarapé-
Miry, e as aguas penetraram com tanta impetuosidade no leito do canal, que
não deram tempo de alguns trabalhadores que ainda ahi se achavam de
desvencilharem-se do perigo, fazendo-os victimas; e os seus corpos, envoltos
10 Uma fonte primária sobre o Canal foi produzida pelo viajante inglês Paul Marcoy. Ver bibliografia Marcoy
(1867).
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com o turbilhão das aguas, levaram em sua frente a destruição das três
mocoocas de terra, e foram sepultar as victimas no profundo rio Mojú!
(D’OLIVEIRA, 1899, p. 20).
Este desabamento ceifou a vida de dezesseis trabalhadores: Inácio, Conrado, Caetano
(conhecido como Pai Caíto), José Antonio Vinagre, João Tenório, Ambrósio, Francisco, Pai
Augusto, Lindolfo, Manoel José, Joaquim Marujo, Chico Sales, Domingos, Máximo Cutia,
Policarpo e Pedro Salgado (GARCIA. O Liberal do Pará, 1987, p. 04).
Segundo D’Oliveira (1899), o novo canal trouxe para Igarapé-Miri prosperidade e
esperança de dias melhores, proporcionada pelo constante tráfego de embarcações, trazendo
desenvolvimento comercial ao município.
E d’esse modo tudo progredia admiravelmente prometendo à Igarapé-Miry
um esperançoso futuro. Pelos rios do districto notava-se também um
desenvolvimento commercial com a constante exportação em seus barcos, de
carregamento de milho, farinha, sabão, algodão, cacau, assucar, cachaça,
mel, madeiras, urucú, redes defios, cuias, urupemas, azeite de andiroba,
feizão, algum café e muito arroz, que alguns commerciantes diretamente
exportavam para a Europa (p. 21).
Entretanto, enfatiza D’Oliveira (1899), todo este desenvolvimento desapareceu no
final do século XIX com a diminuição da navegação pelo Canal, devido ao seu assoreamento.
Na realidade, no lugar onde houve o desabamento do barranco, as pedras não foram retiradas
e o trecho ficou mais raso. Por outro lado, o Canal foi cavado no tamanho ideal para os barcos
da época, mas com o tempo, barcos de portes maiores foram sendo construídos, não tendo
condições de passar pelo furo, principalmente no local das pedras.
Segundo Baena (1885), no final do século XIX no interior de Igarapé-Miri estavam
instalados trinta e seis engenhos e oitenta e quatro casas comerciais, enquanto que na vila
havia apenas nove casas comerciais e nenhum engenho, demonstrando que o meio rural
estava mais desenvolvido economicamente e demograficamente em relação ao urbano, que
era composto por
3 ruas, 4 travessas, 120 casas, sendo 3 sobrados, 9 casas de negócio na villa e
84 fóra, igreja matriz, 2 capellas, uma da invocação do Senhor Bom Jesus e
outra de N. S. da Conceição, cemitério, paço municipal, collectorias geral e
provincial, agencia de correio, 4 escólas publicas, sendo duas na villa, uma
do sexo masculino, com 31 alumnos, outra do feminino, com 22 alumnas, e
as demais nos diversos pontos do município, com 63 alumnos, ponte de
desembarque, cerca de 200 almas na villa. O seu principal gênero de
indústria e comércio é a borracha, e imediatamente o fabrico de assucar e
aguardente, em 36 engenhos, 11 movidos a vapor, 10 a agua e 15 a animaes;
arroz, milho e cacau, pouco. Comunica-se com a capital por uma linha de
vapores, subvencionada pela província, em duas viagens mensais, além de
70
um serviço regular de 3 lanchas a vapor, particulares e canôas (BAENA,
1885, p.32).
Comparando esta descrição com a de D’Oliveira (1899), sobre a Comarca de Igarapé-
Miry do final do século XIX, percebemos que não houve desenvolvimento no meio urbano, já
que o número de casas comerciais diminuiu e o número de moradores permaneceu o mesmo,
como vemos a seguir:
A cidade de Igarapé-Miry é assim dividida; -Quatro ruas:- a da “Praia”, a do
“Coronel Frade”, a do “Bom Jesus”, e a da “Conceição”; cinco travessas:- a
do “Bailiqui”, a da “Flores”, a de “Sant’Anna”, a das “Angustias” e a do
“Mocurão”; e tres largos;- o da “Matriz”, o de “D. Pedro II”, e o do “Bom
Jesus”. Tem edificadas cento e tantas casas, inclusive tres sobrados, com oito
casas commerciaes, além do paço municipal [...]:casa da cadeia publica e
bôa iluminação; tem a egreja de Sant’Anna, as capellas do Bom Jesus e da
Conceição, bom cemiterio, três pontes publicas e tres particulares, sendo a
illuminação publica montada sobre portes d’acapu em toda a cidade; e é
habitada por cerca de dusentas pessoas, reunindo-se, entretanto, quatro a
cinco mil pelas festas de N. S. Sant’Anna, Conceição, Nazareth e Divino
Espírito Santo (D’OLIVEIRA, 1899, p. 5-6).
De acordo com a Agência de Estatística do Município de Igarapé-Miri, em 1945 o
município possuía cento e sete casas comerciais, sendo apenas sete na cidade; tinha vinte e
cinco fábricas no interior: dezenove engenhos, três fábricas de sabão, três fábricas de extração
de óleos vegetais. Fica evidente que o desenvolvimento do município se processava no meio
rural.
No relatório apresentado em 1943 pelo prefeito municipal de Igarapé-Miri,
Raimundo Monteiro Lopes, ao Interventor Federal do Estado do Pará, Magalhães Barata,
constatamos um retrocesso na cidade. O documento revela as dificuldades e constrangimentos
que o prefeito municipal passava quando uma autoridade chegava ao município, pois não
havia casas apropriadas para abrigá-los.
Cidade antiga, o casario é quase todo inestético e não oferece duração os
reparos que lhes dá a população, procurando conservá-lo. Com o
desaparecimento de quanto em quanto, de uma e outra edificação, a cidade
se reduz e cria situações de angústia vez que aqui vem servir uma
autoridade, chega uma comissão, ou se recebe uma comitiva (IGARAPÉ-
MIRI. Relatório de Raimundo Monteiro Lopes, 1943, p. 8).
Neste mesmo relatório percebemos o contraste entre cidade e interior em meados do
século XX, onde a prosperidade econômica vivida pelo município não chegava à cidade.
[...] apesar da prosperidade sempre crescente em que vai o município todo o
seu desenvolvimento comercial, industrial e de construção, se opera no
71
interior. Nenhum comerciante, industrial ou proprietário abastado tem na
cidade uma simples casa sequer. A população da cidade sendo composta
apenas de funcionários e empregados, outros sujeitos à transferências na
maioria, e quando não, se habitantes pobres, não se dá a construção senão de
longe em longe (IGARAPÉ-MIRI. Relatório de Raimundo Monteiro Lopes,
1943, p. 8).
Neste período, a elite miriense morava nos engenhos localizados no meio rural, que
eram os lugares mais atrativos do município, por onde fluíam riquezas e oportunidade de
trabalho. O cenário dos engenhos era composto por vilas habitadas pelos funcionários e
familiares do proprietário do engenho e a fábrica de produção (de aguardente, açúcar moreno,
álcool etc.). Nos engenhos mais prósperos havia também uma engarrafadora de bebidas. Nos
portos circulavam barcos carregando e descarregando bebidas e produtos variados.
A maioria dos políticos de Igarapé-Miri, principalmente os prefeitos, moravam no
meio rural do município, sendo que a prefeitura mantinha uma casa alugada, na Avenida
Carambolas, (onde atualmente está localizada a Casa da Cultura) para ser a residência oficial
dos prefeitos. De acordo com Lobato e Garcia (2011), em 1957 o Interventor do Estado do
Pará, Magalhães Barata, instalou por três dias, a sede de seu governo no engenho Brasil, de
propriedade do Sr. Julião Forte, localizado no Rio Santo Antônio, afluente do Rio Maiauata,
em Igarapé-Miri, que seria o lugar mais próspero da localidade, neste período. O interventor
nem sequer passou pela sede do município. Enquanto no meio rural estavam as oportunidades
de emprego, na cidade multiplicava-se a pobreza. Portanto, o desenvolvimento econômico do
município melhorou as condições de vida do meio rural, deixando a cidade à mingua do
progresso.
Vale ressaltar que do final do século XIX até meados do século XX, a cidade de
Igarapé-Miri praticamente estagnou por conta da dificuldade de navegação e sobreviveu
graças aos impostos oriundos do meio rural. Até hoje nos portos de Igarapé-Miri não circulam
barcos de grande porte. A cidade não caiu nas ruínas graças à construção da Rodovia PA 151
na década de 1980, que interligou a sede do município às outras localidades, inclusive a
Belém.
Parece até trocadilho, mas as dificuldades econômicas que a sede do município
passava estavam ligadas a tradução do nome Igarapé-Miri, ou seja, ao caminho de canoa
pequena, que banha a frente da cidade. Mas porque as dificuldades econômicas não afetaram
todo o município? A resposta também está no transporte, pois os lugares mais prósperos
estavam ligados à rota marítima entre o Tocantins, o Amazonas e Belém, que era o rio
Maiauatá e seus afluentes. O rio Maiauatá era considerado a “avenida aquática” do município
72
de Igarapé-Miri (LOBATO, 2007, p. 52). Essas embarcações traziam pirarucu, peixe, carne
seca etc. para Belém. Levavam produtos industrializados e paravam para abastecer, comprar
aguardente no interior de Igarapé-Miri. Muitos viajantes eram financiados por comerciantes
mirienses. Isso desenvolvia o comércio no interior.
Assim, o que se desenvolveu economicamente foi o meio rural, pois os grandes portos,
como o Trapiche Hipólito, no Rio Maiauatá, era um entreposto e parada obrigatória para
navegantes que circulavam de Belém ao Tocantins e Amazonas. Estes barcos eram maiores e
navegavam pela baía. Na década de 1970, o comerciante Martiniano dos Reis Pinheiro
(26/10/1942 - 27/07/2011), residente no rio Maiauatá, ficou rico aviando (financiando) barcos
para o Amazonas. Ele construiu uma fortuna considerável: chegou a ter mercearia, farmácia,
posto de combustível, telheiro, salão de festa, um grande trapiche para embarque e
desembarque de mercadorias etc. Ele não tinha engenho, mas lucrava com a movimentação no
interior do município.
2.4 ASPECTOS GERAIS DO MUNICÍPIO
MÚSICA: NOSSO IGARAPÉ-MIRI
Refrão
Se você ainda não viu, vá ver
Se já viu vá ver de novo
Nosso Igarapé-Miri alegria do meu povo
I
Vá ver Festa de Sant’Ana
Conhecer a tradição
Vá tomar cachaça doce, mujica de camarão.
Vá tomar banho no rio
Na noite de São João
II
Vá ver tipo de madeira
Que temos para exportar
Tem o cedro e a cupiúba
Andiroba e marupá
Angelim e piquiá
Isso é produto de lá
III
Vá dançar o carimbó
Você vai sentir na cuca
Isso todo mundo sabe
Que é do Pim e do Pinduca (GAMA, 2004).
A letra da música “Nosso Igarapé-Miri”, de autoria de Ionete Gama (2004), destaca
elementos marcantes da cultura miriense: a religião católica; a cachaça branca ou “da nossa”,
como era conhecido o aguardente da cana pela população local; as festas juninas, com o
73
banho de rio na madrugada de 24 de junho; a influência da cultura portuguesa; a culinária
(mujica de camarão e o piquiá); as madeiras destinadas à exportação: angelin, cedro e cupiúba;
os conhecimentos medicinais da floresta: andiroba e cupiúba; o carimbó (dança típica da
região) e os talentos locais, exemplificados por dois cantores: os irmãos Pim e Pinduca.
A religião católica está ligada às origens do município, pois a cidade se originou da
devoção à Sant’Ana. Esta devoção veio de Portugal com os primeiros colonizadores da
localidade, que em 1714 fizeram o primeiro círio terrestre em homenagem a sua padroeira.
Esta festividade religiosa ocorre todos os anos de 16 a 26 de julho.
A festividade em homenagem à Sant’Ana é a principal manifestação religiosa da
localidade, e apesar de várias modificações, vem resistindo ao tempo. Porém, havia outras que
já desapareceram, como: N. Sr.ª da Conceição e Bom Jesus (século XIX e início do XX),
Santa Maria da Boa Esperança e Santa Maria do Caíto (foram extintas no final do século XX),
N. Sr.ª do Perpétuo Socorro (a festividade que era realizada em dezembro foi transferida para
junho, mas perdeu a tradição). Eis aqui alguns exemplos, mas inúmeras outras festividades
foram subsumidas pelo violento progresso ou pela violência gerada pelo progresso.
Até meados do século XX, não havia médico neste município. O sistema público de
saúde contava esporadicamente com um enfermeiro que receitava como se fosse médico. A
população apelava para as curandeiras, benzendeiras, remédios caseiros, dentre outros:
O que ajudava a população nesse sentido era o curandeirismo, benzeduras
feitas pelas rezadeiras que ensinavam os benéficos chás de hortelã, chama,
mastruz, marupazinho, erva-cidreira, capim-santo, cebolinha etc. não
esquecendo as garrafadas para homens e mulheres e que agiam curando as
pessoas de todas as doenças, inclusive infertilidade (LOBATO E SOARES,
2001, p. 236).
Economicamente o município de Igarapé-Miri passou por várias etapas:
Historicamente Igarapé-Miri experimentou processos de crescimento
econômico que marcaram a estruturação e representação da organização
social, política e cultural do município. Surgiu enquanto território já com a
herança do desmatamento para comercialização da madeira, do comércio e
regatões típicos da economia mercantil, entrou para a economia da cana-de-
açúcar onde viveu o período áureo de sua economia, embora fadada aos
desafios históricos da acumulação do capital a exemplo do desenvolvimento
tecnológico. Marcado ainda pela cultura econômica do aviamento e pelas
relações político-sociais de compadrio (CORRÊA, 2010, p. 01).
O desenvolvimento econômico do município esteve ligado à exportação de matérias-
primas, produtos agrícolas e extrativistas: incialmente foi palco da extração e beneficiamento
de madeira (cuja origem do município está ligada a esta atividade predatória) que seguiam
74
para Belém, e de lá para outros Estados. Posteriormente, passou a exportar aguardente de cana
de açúcar, tendo como primeira fase de 1712 a 1888, e segunda, do final da década de 1930 à
década de 1970. O ciclo dos engenhos em Igarapé-Miri foi de 1712 a 1991, quando o último
engenho foi desativado. De acordo com Cunha (1894), no município de Igarapé-Miri se
fabricavam cachaça, açúcar e mel. O Álbum do Estado do Pará de 1908 enfatizou que o
principal produto de exportação deste município era a aguardente e o látex. E o de 1939
destacou as 24 usinas de produção de aguardente, açúcar e derivados (como álcool e
rapadura), existentes em Igarapé-Miri no período.
O município de Igarapé-Miri, tinha uma produção diversificada nos engenhos, ou seja,
não se resumia a produzir somente cachaça, também fabricava açúcar em menor quantidade,
já que sua produção e exportação eram limitadas pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, a fim
de que não concorresse com o Nordeste e o Sudeste do país.
A cana-de-açúcar em Igarapé-Miri passou a ser fonte de renda do Município
e os senhores de engenho não se limitaram a produzir só cachaça. Surgiu a
firma Avelino Joaquim do Vale, no Rio Panacauera, onde as canas tinham
um teor de sacarose excepcional, que resolveu instalar uma usina de açúcar
cristal. Nela, chegou a produzir grande quantidade de açúcar, que não
exportou mais em razão da quota dada a usina pelo Instituto do Açúcar e do
Álcool ser limitada (LOBATO, 1985, p.65).
Acompanhou ainda o período áureo da borracha, de 1870 a 1912 e 1942 a 1945.
Segundo o Álbum do Estado do Pará de 1899, de julho de 1896 a junho de 1897, Igarapé-Miri
teve uma produção de 214.990 quilos de borracha, ficando entre os treze primeiros colocados
dos municípios do Pará.
Atualmente, o município se destaca no cultivo de um fruto típico da Amazônia,
chamado açaí. A sua produção destina-se ao consumo interno e à exportação para outros
estados brasileiros como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerias, Estados do Nordeste etc., e
países como Estados Unidos, Japão, países da União Europeia etc., sendo Igarapé-Miri
considerada a Capital Mundial do Açaí.
Todos estes períodos históricos citados foram acompanhados pela presença marcante
dos regatões, que eram os comerciantes marítimos que exerciam a função de atravessadores,
os quais trocavam gêneros alimentícios, vestuários, utensílios etc. por aguardente, látex,
madeira, farinha e produtos tropicais.
Os dois principais festivais realizados no município são: no final do primeiro semestre
o do Camarão (iniciado em 1979) e no segundo, o do Açaí, que teve sua primeira edição em
75
1989. Nestes festivais, que ocorrem durante três ou quatro dias, encontram-se elementos
típicos da região: comidas, danças, artesanatos etc.
A atividade artesanal é intensa e diversificada: da matéria-prima (barro, talas, miriti,
caroços de açaí etc.), produzem-se potes, telhas, tijolos, peneiras, paneiros, tipitis, brinquedos
de miriti, bijuterias, entre outros, gerando renda aos artesãos locais.
No campo educacional, o município de Igarapé-Miri desde o final do império até a
década de 1970 manteve no meio rural as escolas isoladas, que funcionavam nas casas dos
professores ou de pessoas influentes da localidade, como os proprietários de engenhos. Na
sede do município o grupo escolar foi a primeira e única escola graduada até 1959 quando
surgiu o Instituto Nossa Senhora Sant’Ana, que também era uma escola primária, fundado
pelas irmãs Vicentinas. Essa escola está localizado à Travessa Coronel Vitório, centro da
cidade. No grupo escolar estudavam crianças oriundas da cidade e algumas do interior, já que
a maioria dos residentes no interior estudavam o ensino elementar em escolas isoladas, com
professores pagos pelo estado, pelo município ou pelos próprios donos de engenho. Após
concluir o ensino elementar, era comum os filhos da elite irem cursar o complementar em
Belém, enquanto que os filhos dos pobres, paravam de estudar. Esse quadro mudou com a
criação do Ginásio Estadual Aristóteles Emiliano de Castro em 1968, a primeira escola no
município que ofertava o ensino de 5ª a 8ª série. Neste período passava-se pelo início da crise
aguardenteira, e os donos de engenho que não foram à falência, fundaram casas comerciais
em Belém ou em Igarapé-Miri, formando a elite local do município. A primeira escola de 2º
grau foi instalada neste município na década de 1980, nas dependências da Escola Estadual de
1º Grau Enedina Sampaio Melo.
Em 1943, além do grupo escolar, havia 22 escolas isoladas em Igarapé-Miri, sendo 20
no interior: Espera, Alto Meruú, Baixo Meruú, Concórdia, Itanimbuca, Panacauera-Açú,
Santo Antônio, Santo Antônio do Botelho, Caji, Anapu, Pindobal, Camarão-quara, Furo do
Seco, Mamangal, Santa Maria do Icatu, Sempre Viva Maiauatá, Santa Cruz, Murutipucú, Rio
das Flores e Cariá. E 02 na cidade: Noturna 13 de Maio e Escola Feminina de Prendas “Darcy
Vargas”. Estas duas escolas funcionavam nas dependências do grupo escolar. Destas escolas,
dezenove eram mistas: dezoito no interior e uma na cidade. (OFÍCIOS, nº 03/1940, 03/1942,
188 e 197/1943). Os dados demonstram a demanda de alunos no meio rural, maior que na
cidade e o aparecimento de escolas municipais no turno da noite para atender jovens e
adultos. Segundo a Agência de Estatística do Município de Igarapé-Miri, em 1945
encontramos a existência de 30 escolas isoladas primárias, sendo 05 mantidas pelo município,
22 pelo estado, e 03 pela Colônia dos Pescadores (OFÍCIO, s/nº/1945).
76
Quanto à população, o censo demográfico de 1900 realizado pela Diretoria Geral de
Estatística, a população do município de Igarapé-Miri era de 9.607 habitantes. Destes, 4.756
eram homens e 4.851, mulheres. Não foi possível localizar dados mais precisos sobre a
proporção de habitantes do meio rural e urbano. Para ilustrar a proporção de habitantes de
Igarapé-Miri, em relação ao Estado do Pará e Brasil, apresentamos o quadro abaixo.
Quadro 06: Quantitativo demográfico de Igarapé-Miri, Pará, em 1900
Homens Mulheres Total
BRASIL 8.885.237 8.515.832 17.371.069
PARÁ 228.471 216.885 445.256
IGARAPÉ-MIRI 4.756 4.851 9.607
Fonte: BRASIL. Censo demográfico, 1905
No censo demográfico de 1945, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), percebemos a quantidade real dos moradores da cidade. Neste censo o
município foi dividido em dois distritos: Igarapé-Miri e Concórdia (atual Vila de Maiauatá,
pertencente ainda ao município de Igarapé-Miri). O distrito de Igarapé-Miri possuía 3.545
moradores, sendo 771 no meio urbano e 2.774 no rural; e Concórdia com 11.421 habitantes,
sendo 251 no meio urbano e 11.170 às margens dos rios e igarapés (BRASIL. Censo
demográfico,1945). Nota-se um aumento demográfico da população do município, que saltou
de 9.607 em 1905 para 14.966 mil habitantes em 1945. O aumento populacional se estendeu
principalmente na rota das embarcações, cuja paisagem era marcada pelos engenhos de cana
de açúcar, notadamente no meio rural do distrito de Concórdia, onde se localiza o Rio
Maiauatá e seus afluentes. A sede do município continuava conforme este censo de 1945
pouco habitada. Lobato (2004) informa que no censo de 1960 havia na Cidade de Igarapé-
Miri apenas 900 moradores, ou seja, o meio urbano praticamente estagnou, pois de 771
moradores em 1945 foi para 900 em 1960.
A tradução destes números nos revela que a população deste município estava
concentrada no meio rural pelos motivos já citados, que são a oportunidade de emprego
oferecida em função dos engenhos. Portanto, até a década de 1970 a população miriense era
tipicamente ribeirinha, mesmo os que residiam na cidade, na sua maioria, exerciam atividades
ligadas ao meio rural, como: caça, pesca, roçado de mandioca etc.
77
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000 a
população residente neste município era de 52.604 habitantes. Já em 2015, o IBGE registrou
uma população estimada em 60.343 habitantes. O município cresceu quantitativamente em
termos populacionais, mas não se desenvolveu economicamente, com geração de emprego e
renda para a maioria da população, acarretando crescentes problemas sociais, como: tráfico de
drogas, comércio de armas de fogo, prostituição, assassinatos, dentre outras mazelas.
Após analisarmos as origens do Grupo Escolar de Igarapé-Miri e sua relação com o
município que o identificou nominalmente, buscamos compreender que o grupo escolar foi
influenciado e ao mesmo tempo influenciou a sociedade miriense, forjando elementos
culturais que se somaram à cultura local. Na seção seguinte, analisaremos o Grupo Escolar de
Igarapé-Miri enquanto espaço de encontro de vários sujeitos escolares, tais como: diretor,
professores, alunos, vigias e serventes, destacando os conflitos e diálogos resultantes desta
relação, as atribuições de cada função e sua posição hierárquica dentro da instituição.
78
3 O GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI E SEUS SUJEITOS
Fecharam-se as escolas isoladas de nenhum proveito, de nulla utilidade, para
abrirem-se estabelecimentos importantes, onde, sob uma direcção criteriosa
e sensata, o professor consciente de seus deveres e dedicação ao trabalho
mais por sentimento de amor á profissão, que por interesse á remuneração da
Fazenda, prodigalisa á mocidade, parcellas e parcellas, tudo que de melhor
encerra o seu coração, o seu espírito, a sua inteligência (PARÁ. Relatório de
João Pereira de Castro, 1907, p. 380).
A assertiva acima, contida no relatório apresentado a Amazonas de Figueiredo,
Secretário de estado da justiça, interior e instrução pública, pelo inspetor escolar João Pereira
de Castro em 18 de junho de 1907, demonstra que o grupo escolar inaugurou no Brasil, uma
dinâmica de relações mais complexa do que nas escolas isoladas, onde o professor era o único
funcionário. Nesta dialética surgiram as funções do diretor, porteiro e servente; e o
fortalecimento da representação vocacional e maternal das professoras, que junto com as
crianças, são os únicos atores deste universo acadêmico. O professor foi destacado como um
profissional cumpridor de seus deveres, à medida que executa sua função colocando em
primeiro lugar o amor à profissão e não o interesse pelo salário.
A escola antes denominada de isolada passou a ser agrupada no Pará em 1899 e
tornou-se uma repartição pública, com horários de funcionamento e regras para frequentá-la.
Representava um lugar “outro”, onde se deveriam assimilar as regras sociais tidas como
civilizadas: de higiene, de afastamento da rua e de comportamento. Imagino o quanto foi
difícil para muitas crianças inculcarem as normas sociais ensinadas na escola graduada?
Acredito que algumas regras iam de encontro aos costumes de muitas famílias caboclas, que
tinham o hábito de comerem com as mãos, andarem descalças, comerem frutas nos pés das
árvores sem lavá-las. Por outro lado, fico a imaginar o quanto deve ter sido difícil para os
professores vindos da capital do Pará se adaptarem à vida no interior.
Em Igarapé-Miri, o grupo escolar surgiu a partir da junção de quatro escolas isoladas:
Primeira e Segunda Escola Elementar, seção masculina. Primeira e Segunda Escola
Elementar, seção feminina. A Escola Complementar mista do grupo escolar começou a
funcionar em 1905, sob a regência da professora normalista Estellita Maria Gonçalves
Coêlho. De acordo com o decreto 1.294 de 06 de abril de 1904 as cinco escolas deveriam
funcionar em uma única seção, no turno da manhã, de 8h às 11h45 minutos.
No primeiro relatório do Grupo Escolar de Igarapé-Miri do ano de 1904, o diretor
desta instituição, Aristides dos Reis e Silva, expôs que os móveis deste grupo escolar
79
pertenciam às escolas isoladas que foram agrupadas ao “Instituto Lauro Sodré” e ao Grupo
Escolar do 1º distrito da Capital:
[...] após a instalação do grupo, acrescendo somente: uma bandeira nacional,
12 copos de vidro, 2 canecos de ferro esmaltado, 1 filtro grande, 6 toalhas, 2
contadores machanicos, livros escolares e diversos papeis de expediente.
Todos os moveis, utensílios e objetos mencionados, existem em regular
conservação, excepto o filtro grande que está com pedra quebrada e o globo
pequeno que tambem esta quebrado. Este pertenciam à escola isolada e
estava já muito velho.
50 carteiras duplas, 2 pés de filtro, 3 louzas e 5 bancas foram entregues a
esta directoria pelo ilustre diretor do Instituto “Lauro Sodré”, As demais
destas carteiras, 8 cadeiras e 1 sophá, vieram do grupo escolar do 1ª distrito
da capital. As carteiras de assento triplo, 1 louza e um globo pequeno
pertenciam às escolas isoladas desta cidade, os demais utensílios foram
comprados por mim, à ordem de V. Exc. E os objetos de ensino me foram
entregues na Secretaria de Estado da Instrucção Publica (PARÁ. Relatório
de Aristides dos Reis e Silva, 1904, p.621).
Havia a circulação de artefatos escolares entre as instituições educativas do Pará,
gerando uma ressignificação de artefatos que compunham a cultura material escolar de outras
instituições educativas: os objetos das escolas isoladas agrupadas passavam a pertencer ao
grupo escolar. Quando os grupos escolares da capital renovavam a sua mobília, transferiam a
usada para os grupos ou escolas isoladas do interior. Isto nos ajuda a compreender a ideia de
continuidade e mudança nos elementos constitutivos da cultura escolar, pois o “novo” traz em
si elementos inéditos, mas mantém em sua essência elementos do velho. Para Julia (2001,
p.32), “as heranças do passado, [...] se desfazem muito lentamente”, continuando presente por
longos anos em culturas que repetidas vezes tendem a negar a sua presença, como é o caso
dos grupos escolares, que mesmo sendo considerado moderno, carregavam elementos
culturais da escola isolada, considerada símbolo do atraso pelos republicanos.
Nas palavras de Peres e Souza (2013, p. 56) a cultura material escolar é “o conjunto
dos artefatos materiais em circulação e [de] uso nas escolas, mediados pela relação
pedagógica, que é intrinsecamente humana, revelador da dimensão social”. A definição de
determinado artefato como escolar depende da intencionalidade e do uso em determinados
períodos históricos (SOUZA, 2007). Portanto, para entender a cultura material escolar,
precisa-se ir além do estudo do artefato, pois os significados de cada objeto advém das
“condutas, valores e sentidos atribuídos pelos sujeitos que deles fazem uso” (PERES E
SOUZA, 2013, p. 55-56). É o ser humano que dá funcionalidade aos objetos de acordo com
suas necessidades. Por isso, muitos artefatos do cotidiano doméstico (como: armários, mesas
cadeiras, dentre outros) passaram a ser utilizados nas escolas.
80
Os Regulamentos do ensino primário que regeram o Grupo Escolar de Igarapé-Miri
entre os anos 1904 a 1943, foram os de 1903, 1910, 1931 e 1934. Na vigência do
Regulamento do ensino primário de 1918 este estabelecimento encontrava-se desativado.
Quando esta instituição foi reinaugurada em 1937, o Regulamento do ensino primário em
vigor no estado do Pará era o de 1934, entretanto em Igarapé-Miri ainda seguia-se o
Regulamento de 1931, conforme se observa no ofício nº 63, de 02 de março de 1939, enviado
pelo presidente do Conselho Escolar de Igarapé-Miri, Antonio Augusto de Mesquita, ao
Diretor de educação e cultura do Estado do Pará, onde foi solicitado o Regulamento do ensino
primário de 1934, que ainda não havia sido entregue para ao Conselho Escolar de Igarapé-
Miri.
Não tendo, até hoje, recebido um exemplar do impresso no qual consta o
Decreto n. 1.163, de 8 de janeiro, que dá nova organização ao ensino
primário, - venho reiterar a V. Excia. a minha solicitação contida no oficio
desta Prefeitura, sob n. 69, datado de 12 de setembro do ano passado.
De posse desse decreto, poderei melhor controlar as atividades concernentes
ao Conselho Escolar, do qual sou o Presidente nêste municipio (OFÍCIO, nº
63/1939).
Devido esta constatação utilizarei como fontes os regulamentos de ensino primário de
1903 e 1931, sem, contudo, deixar de fazer referência aos demais regulamentos quando a
discussão assim o exigir.
Quando o Grupo Escolar de Igarapé-Miri surgiu em 1904, a instrução pública no Pará
ofertava apenas o primário, que era ministrado nos grupos escolares e nas escolas isoladas
(PARÁ. Regulamento geral do ensino primário, 1903). Entretanto, em 1937 quando foi
reinstalado este grupo escolar, a instrução pública dividia-se nas seguintes modalidades:
infantil e primária. O ensino infantil era ministrado nos cursos do Jardim de Infância para
crianças de 4 a 6 anos de idade. O ensino primário, obrigatório para crianças de 7 a 14 anos,
era ministrado nos seguintes cursos: integral distribuído em 5 anos nos grupos escolares;
elementar ministrado em 3 anos nas escolas reunidas, isoladas e auxiliares suburbanas;
popular11 fornecido em 2 anos no ensino noturno e o especial ministrado para “débeis
orgânicos e retardados pedagógicos”, sem duração temporal específica. (PARÁ.
Regulamento do ensino primário do Pará, 1934).
Conforme os termos de exames dos alunos de 1937 a 1939, durante este período esta
instituição funcionou com 6 turmas: Classe preliminar (ensino infantil), 1º, 2º, 3º e 4º e 5º
11 A nomenclatura “Ensino Popular” aparece no Regulamento do Ensino Primário do Pará de 1934 designando o
ensino noturno destinados a jovens e adultos.
81
anos do curso integral. E à noite cedia uma sala à prefeitura para o funcionamento de uma
turma do ensino popular, para alunos com distorção idade-série.
Feito as devidas considerações passemos agora para o estudo desta seção, onde o
diálogo perpassa pelos atores formadores, e ao mesmo tempo formados no grupo escolar. A
discursão se faz em torno do deslindamento dos atores históricos do Grupo Escolar de
Igarapé-Miri, seus direitos e deveres regulamentados em lei, buscando captar as práticas
cotidianas destes sujeitos: diretores, professores, alunos, vigias e serventes.
3.1 – ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DO GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI
O progresso e crédito de um grupo escolar posso affirmal-o sem temor de
erro, dependem exclusivamente da competência, de bôa orientação, do
critério, pratica e dedicação do seu diretor (PARÁ. Relatório de João Pereira
de Castro, 1907, p. 380-1).
No relatório do inspetor escolar João Pereira de Castro de junho de 1907, fica evidente
que o sucesso ou insucesso de um grupo escolar dependia única e exclusivamente do seu
diretor. Nas palavras do inspetor, um diretor competente e dedicado levaria o grupo escolar ao
progresso, o contrário lhe conduziria a decadência. A impressão que paira no ar, é que os
demais membros do grupo escolar (professores, alunos, vigias e serventes), seriam meros
coadjuvantes em um ambiente, cujo diretor seria o ator principal.
No Relatório do inspetor Hilario Maximo de Sant’Anna apresentado a Genuino
Amazonas de Figueiredo, Secretário de Justiça, Interior e Instrução Pública, são ressaltados
que os bons resultados apresentados pelo Grupo Escolar de Igarapé-Miri em 1905, devem-se
ao trabalho desenvolvido pelo seu diretor, Aristides dos Reis e Silva:
D’entre os grupos escolares por mim inspecionados, aquelle que,
relativamente ao tempo de sua fundação, apresenta melhores resultados é,
incontestavelmente, o de Igarapé-Miry.
Este facto é devidamente aos esforços e dedicação do seu diretor, o sr.
Aristides Silva, que tem sido até hoje um bom auxiliar da administração de
V. Exc. (PARÁ. Relatório de Hilario Maximo de Sant’Anna, 1905, p. 16).
A função do diretor escolar está diretamente ligada à existência do grupo escolar, já
que foram criados juntos. De acordo com o Regimento interno dos grupos escolares de 190412
e os Regulamentos do ensino primário do estado do Pará de 1903, 1910, 1931 e 1934, cada
grupo escolar teria um diretor nomeado pelo Governo do Estado, estabelecendo que este
12 O Regimento interno dos grupos escolares de 1904 foi o único localizado durante a pesquisa.
82
cargo seria ocupado preferencialmente por professores normalistas. No regulamento do ensino
primário do Pará de 1903, além dos professores normalista, poderiam ser nomeados os
bacharéis. Ao diretor competia representar oficialmente o grupo escolar na sociedade,
inspecionar e fiscalizar o trabalho administrativo e pedagógico do grupo escolar, fazendo-se
cumprir as instruções que recebeu do Secretário de estado da instrução pública: organizar e
conservar a escola, realizar a matrícula com auxílio dos professores, submeter os alunos aos
estudos e exames avaliativos, eram algumas funções do diretor escolar. (PARÁ.
Regulamentos do ensino primário, 1903; 1910; 1931 e 1934; PARÁ. Regimento interno dos
grupos escolares, 1904).
O Regulamento do ensino primário de 1934 trouxe outras atribuições ao diretor, tais
como: assumir a sala de aula caso o professor faltasse e não houvesse professor para substituí-
lo; cuidar da higiene e saúde das crianças, promover a criação dos Círculos dos Pais, para que
os pais se interessasse pela educação de seus filhos; eram proibidos os diretores dos grupos
dos interiores, afastarem-se (durante o ano todo, inclusive nas férias) das sedes dos
municípios onde os grupos estavam instalados, sem autorização do diretor geral da educação e
ensino púbico (PARÁ. Regulamento do ensino primário, 1934).
Segundo Coelho (2008, p. 156), as funções do diretor seriam: “Organizar, coordenar,
fiscalizar e dirigir as atividades do grupo escolar”, afim de “estabelecer uma ordem
administrativa e pedagógica que alcançava, também, a questão da mobilização e da
civilização do povo”. A função do diretor seria fundamentalmente organizar, coordenar,
fiscalizar e inspecionar o ensino, portanto este era os olhos vigilantes e punitivos, ou seja, de
controle do estado na localidade. Para as pessoas influentes da comunidade ter uma boa
relação com o diretor do grupo escolar, poderia significar uma boa relação com o grupo
político situacionista.
O diretor era o principal responsável pelo grupo escolar perante o poder público e
tornou-se porta voz dos professores perante as instâncias superiores. Ele era a autoridade
máxima na escola e representante do estado na localidade. “A autoridade do diretor foi
construída sobre a encarnação do poder do Estado, como legítimo representante do governo
no âmbito de sua competência” (SOUZA, 1998, p. 78). Quando o governador nomeava um
diretor estava lhe atribuindo poderes e status social, pois a direção do grupo escolar era
autoridade dentro e fora dos muros da escola.
O diretor era comunicado oficialmente quando um prefeito assumia a administração
municipal. Em 09 de maio de 1945, Raimundo Monteiro Lopes, ao assumir a administração
83
municipal, comunicou via ofício circular à diretora do Grupo Escolar de Igarapé-Miri,
Predicanda Carneiro de Amorim Lopes, demonstrando o poder do diretor na comunidade:
Tenho a honra de comunicar a V. S. que nesta data assumi o exercício o
cargo de Prefeito Municipal deste município, [...]
Nessas funções, apraz-me manter as relações de cordialidade já existente
entre esta Prefeitura e V. S. para o bom desempenho do serviço público neste
município.
Prevaleço-me do ensejo para apresentar a V. S. os meus protestos de elevado
apreço e distinguida consideração (OFÍCIO CIRCULAR, s/n/1945).
Além da diretora, este ofício também foi enviado para o juiz, o promotor, o coletor
estadual, delegado de polícia, agente postal, vigário e os escrivãos do 1º e 2º ofícios. Somente
as autoridades estaduais que atuavam no município foram comunicadas oficialmente sobre a
posse do novo chefe do executivo municipal. A diretora, portanto, retratava o poder do estado
na localidade.
A fiscalização que o diretor exercia sobre os professores poderia causar mal-estar com
alguns professores, haja vista que ao diretor competia “comparecer diariamente às aulas,
assistindo as licções dos professores, interrogando os alunos, e fiscalizando a perfeita
execução do programma de ensino e a fiel observância do horário das aulas” (PARÁ.
Regimento interno dos grupos escolares, 1904, p. 52). O diretor determinava mudanças na
organização da sala de aula e na metodologia do professor, conforme declarou o diretor
Aristides no seu relatório de 1904: “Havendo entre todas as carteiras, uma mais baixas que
outras, coloquei aquellas na frente destas e ali fiz a arrumação dos alunos menores, pondo
para traz os maiores, na proporção das alturas [...]” (PARÁ. Relatório de Aristides dos Reis e
Silva, 1904, p 618). Nos primórdios do grupo escolar no Pará, o controle e fiscalização do
trabalho do professor pelo diretor era regulamentado em lei, mas poderia ser uma deliberação
administrativa mal vista pelos funcionários.
Outra função do diretor, que não era bem vista pelos funcionários, era o envio de faltas
para instâncias superiores. Em 16 de maio de 1962, a diretora do Grupo Escolar de Igarapé-
Miri, Ana da Trindade Almeida, relatou no livro de ocorrência da escola, um desacato a sua
pessoa, desferida pela servente Dulia Maria Pantoja, em virtude do envio de faltas da referida
funcionária. A diretora fez o seguinte registro:
Considerando que a falta de cumprimento de dever da referida servente vem
abalar a conduta disciplinar dos demais funcionários.
Considerando que quando a Diretora infra assinada, ao entrar neste
estabelecimento, foi desacatada em pleno recinto da Diretoria, pela dita
servente [...] com modos grosseiros, e em voz alta escandalosamente,
84
despertando a atenção dos que passavam no momento e da vizinhança,
exigindo satisfação da desaprovação da Diretora pela sua falta.
Considerando que ao ser repelida, a dita servente exclamou: “Agora me
suspenda se quiser”.
Considerando tamanha falta de respeito da referida servente à sua superiora
hierárquica, como Diretora deste estabelecimento de ensino.
Considerando, entretanto, que a aludida servente cometeu falta primária,
estando, portanto, incursa no inc. I do art. 181 do estatuto dos Funcionários
do estado e dos municípios (IGARAPÉ-MIRI. Livro de ocorrência, 1962).
Parte deste livro de ocorrência está deteriorado para acompanhar as penalidades
impostas à servente, Dulia Maria Pantoja, e o desenrolar desta história. Relata a diretora Ana
Almeida, no dia 28 de junho de 1962 no mesmo livro de ocorrência, que a servente foi
reprendida por escrito, mas que se recusou a assinar a portaria de repreensão, e que esta
recusa constituiu-se em falta grave, pois negar-se em aceitar uma determinação de instâncias
superiores, significava desrespeitar a autoridade do chefe imediato:
A diretora deste Estabelecimento de Ensino usando de suas atribuições faz
cientificar ao Corpo Docente e Discente dêste mesmo Departamento a
seguinte certidão:
Em virtude de que a servente Dulia Maria Pantoja tinha se portado com
maneiras desrespeitadas com a mesma, mas mesmo assim mediante seu
procedimento irregular mas não querendo lhe prejudicar embora que a lei
assim lhe permitisse, de acordo com o Estatuto dos Funcionários Públicos
recorreu somente a pena mínima que uma Repreensão por escrito cuja
serventuosa faltas negou a dar o ciênte.
Considerando que após a essa negativa já tinha sido observada pela Diretora
dêste mesmo Departamento continuando a dita servente no mesmo propósito
e a Diretora não podendo mais a sua disposição;
Considerando que desconhece essa sua atitude que seja por temeridade ou
desobediência:
Resolve:
Certificar êsse seu procedimento que se tratava porém uma rotina para a sua
folha corrida de serventeria estadual, porque o funcionário público jamais
deve negar a dar ciente em portaria baixada pelo chefe de Repartição.
Registre-se, dê-se ciência e cumpra-se (IGARAPÉ-MIRI. Livro de
ocorrência, 1962).
Com base em Elmore (1987), a autoridade advém de uma relação de reciprocidade,
onde a legitimidade é baseada em uma reconhecida desigualdade. A aceitação dessa
desigualdade pode ser oriunda de vários elementos sociais: acordo, represália, tradição,
respeito pelo conhecimento ou competência, regras formais, dentre outros. Assim, a
legitimidade existe ou deixa de existir à medida que esses elementos são reconhecidos ou não,
por aqueles que estão nessa relação hierárquica. Na instituição escolar a autoridade se
estabelece em níveis diferenciados de poder, gerando a hierarquia institucional que se reflete
na hierarquia social.
85
Como já foi destacado anteriormente, o diretor era uma autoridade oficial do estado no
município. Por isso, na escola, discutir com o diretor representava desacato à autoridade.
Percebe-se nestes relatos, dois lados opostos de uma mesma trama social: poder e resistência.
A diretora tentando impor o seu poder e a servente tentando resistir à ordem institucional.
Segundo Foucault (1997) o poder acontece de maneira circular, portanto não pertence
exclusivamente a ninguém. Todo ser humano exerce um determinado poder, e ao mesmo
tempo, sofre a ação do poder exercido por outros.
[...] Não se tem neste caso uma força que seria inteiramente dada a alguém e que
este alguém exerceria isoladamente, totalmente sobre os outros; é uma máquina que
circunscreve todo mundo, tanto aqueles que exercem o poder quanto aqueles sobre
os quais o poder se exerce. [...] o poder não é substancialmente identificado com um
indivíduo que o possuiria ou que exerceria devido o seu nascimento, ele torna-se
uma maquinaria de que ninguém é titular (FOUCAULT, 1997, p. 219).
Sendo o poder uma maquinaria, ninguém pode se considerar dono de determinado
cargo estatal. Este poder que o indivíduo exerce não se identifica a sua pessoa em particular,
mas a máquina pública que o delegou. Portanto, quem exerceu a função de diretor em um
determinado período, em outro foi professor ou vice-e-versa, dependendo da situação política.
O poder que povoava a imagem do diretor pode ser exemplificado no fechamento da
ata do termo de exame de passagem da Primeira Escola Elementar da secção masculina,
realizada no dia 14 de outubro de 1910: “Terminado os exames o senhor Diretor, mandou a
mim Estephania da Costa Borges de Carvalho, examinadora servindo de secretaria que
lavrasse a presente ata [...]” (IGARAPÉ-MIRI. Termo de exames, 1955, p. s/n). O diretor é
representado como aquele que tem autoridade sobre os funcionários da escola, pois é
revestido pelo poder do estado. Assim, aqueles que discordassem da sua autoridade estariam
questionando o próprio governo republicano, pois o seu poder emanava do estado.
O Grupo Escolar de Igarapé-Miri teve 10 diretores entre os anos de 1904 a 1963,
conforme o quadro (7).
Quadro 07: Diretores do Grupo Escolar de Igarapé-Miri nos anos 1904-1963: formação
e origem
Nº NOME FORMAÇÃO ORIGEM ANO DE ATUAÇÃO
01 Aristides dos Reis e Silva Leigo Abaetetuba 1904-1910
02 Manoel Victorio Ribeiro Machado ? ? 1911-1912
03 Predicanda Carneiro de Amorim Lopes Normalista Belém 1937-1945
04 Raimunda Tocantins Lobato ? Abaetetuba 1º semestre de 1941
05 Euvaldira Brandão Pinheiro Normalista Belém Um período em 1942
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06 Oscarina Sosinho Martins e Silva ? Belém 1946
07 Adalgisa Maria Batista de Miranda Normalista Belém 1947-1948
08 Helena Ferreira Normalista Belém 1949-1950
09 Euvaldira Brandão Pinheiro Normalista Belém 1951
10 Doralice de Oliveira Fonseca Normalista Belém 1952
11 Ana da Trindade Almeida Leiga Abaetetuba 1953-1955
12 Adalgisa Maria Batista de Miranda Normalista Belém 1956-1960
13 Ana da Trindade Almeida Leiga Abaetetuba 1961-1963
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos termos de exames dos anos 1904 a 1955 e livro de ocorrência de 1959
a 1962.
Optou-se em estender a lista dos diretores até 1963 pelo motivo que nesta data
terminou o segundo mandato da diretora Ana da Trindade Almeida (1961-1963) e o livro de
ocorrência deste período foi fundamental para compreendermos aspectos relevantes do
cotidiano deste grupo escolar.
No quadro dos diretores destaca-se: gênero, formação, origem e ano de atuação. Dos
10 diretores, apenas os dois primeiros eram do gênero masculino. Refiro-me a 10 diretores,
porque 3 administraram o grupo em dois períodos: Adalgisa Maria Batista de Miranda (1947-
1948 e 1956-1960), Euvaldira Brandão Pinheiro (1942 e 1951) e Ana da Trindade Almeida
(1953-1955 e 1961-1963). Quanto à origem: 6 eram de Belém, 3 de Abaetetuba e 1 sem
identificação da origem. Os diretores tinham a seguinte formação: 5 eram normalistas, 2 eram
leigos e 3 de formação desconhecida.
Como não se tem a pretensão de traçar o perfil de cada diretor do Grupo Escolar de
Igarapé-Miri, serão citados apenas os que atuaram na instituição por períodos mais longos:
Aristides dos Reis e Silva (6 anos), Predicanda Carneiro de Amorim Lopes (9 anos), Ana da
Trindade Almeida (6 anos) e Adalgisa Maria Batista de Miranda (7 anos).
Na inspeção escolar de 1905, João Pereira de Castro, avaliou o trabalho do diretor
Aristides dos Reis e Silva como competente, zeloso, criterioso, ordeiro, organizado, asseado e
devoto a sua função.
Competente e conscientemente dirigido pelo sr. Aristides dos Reis e Silva,
moço de incontestaveis habilitações e alto criterio, optima orientação e muito
devotamento ao trabalho, há este estabelecimento tomado logar condigno e
honroso á vanguarda de seus melhores congeneres.
A escripturação oficial, a cargo da directoria, é zelosamente confeccionada,
achando-se em dia e no mais rigoroso asseio e ordem (PARÁ. Relatório de
João Pereira de Castro, 1906, p. 20).
87
A diretora Predicanda Carneiro de Amorim Lopes é considerada uma das precursoras
da educação primária no Amapá, isso graças às experiências adquiridas no magistério no
estado do Pará, notadamente em Igarapé-Miri.
Figura 13: Predicanda Carneiro de Amorim Lopes
Fonte: PORTA RETRATO. Blogspot, 2017
Predicanda Carneiro de Amorim Lopes nasceu em 20 de agosto de 1908 em Belém,
capital do Estado do Pará. Estudou na Escola Normal em Belém na década de 1920 e conclui
o curso de normalista em 1928, com apenas 20 anos de idade. Em 19 de fevereiro de 1929,
Predicanda Amorim foi nomeada professora do Grupo Escolar de Soure, Pará. Posteriormente
foi transferida para o Grupo Escolar José Veríssimo, em Belém. Em 1937 assumiu a direção
do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, onde atuou como diretora e professora até 1945, quando
retornou ao grupo Escolar José Veríssimo, na capital (PORTA RETRATO. Blogspot, 2017).
Durante esses anos em que esteve em Igarapé-Miri, Predicanda de Amorim foi
secretária do Conselho Escolar desta cidade. Em 7 de junho de 1947, o governador do Estado
do Pará a pedido de Predicanda a exonerou do cargo de professora do Grupo Escolar José
Veríssimo. Ela solicitou sua exoneração para acompanhar seu esposo Lourenço Monteiro
Lopes (vulgo Lulu Arara) que havia sido transferido para o Território do Amapá.
88
Neste período, foi enviada para o Instituto de Educação, no Território Federal do
Amapá13, onde depois de atuar nas séries iniciais, exerceu os cargos de secretária e diretora
desse instituto. Afastou-se do trabalho para se aposentar em 1961 e faleceu em 1982, com 74
anos de idade. Como reconhecimento pelo seu trabalho no Amapá, foi inaugurada em 09 de
agosto de 1976 a Escola Predicanda Amorim Lopes. (BARBOSA, 1997; O LIBERAL,
09/06/1947).
Ana da Trindade Almeida foi diretora do Grupo Escolar de Igarapé-Miri em dois
períodos: 1953-1955 e 1961-1963. Foi a única diretora até 1963 desta instituição educativa,
que efetivamente se erradicou em Igarapé-Miri. Nasceu no município de Abaetetuba e
dedicou-se à educação em Igarapé-Miri até o seu falecimento.
Figura 14: Ana da Trindade Almeida
Fonte: LOBATO E SOARES, 2001
A diretora e professora Ana da Trindade Almeida nasceu em 1º de janeiro de 1900 e
faleceu em 02 de junho de 1978 em Belém, Pará. Foi aluna da professora Eulina da
Purificação Cardoso, com quem aprendeu a ler e escrever. Residia à Rua 15 de novembro, no
segundo prédio que sediou o grupo escolar da cidade, que era propriedade de sua família
(LOBATO E SORES, 2001).
13 O Território Federal do Amapá (TFA) foi instituído em 13 de setembro de 1943 pelo decreto-lei 5.812. Com a
Constituição Federal de 1988 foi criado o Estado do Amapá (https://pt.wikipedia.org/wiki/Amapá).
89
Como professora, atuou em várias localidades do município, começou a dar aulas
particulares em sua residência. Em 1930 lecionou na Casa Vale e no Rio Panacauera (escolas
pertencentes ao meio rural de Igarapé-Miri). E em 1932 trabalhou na Escola Isolada Mista de
Igarapé-Miri, ao mesmo tempo em que lecionava em sua residência. Em 1937 começou a
trabalharar como professora adjunta do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, paga com recursos
municipais (a partir de 1938), demonstrando que poderia haver funcionários no grupo escolar
contratados e custeados pelo município e não somente pelo estado, o fiel mantenedor desta
modalidade de ensino (IGARAPÉ-MIRI. Decreto nº 20, 1938)14.
Ana Almeida dedicou parte de sua vida à educação de crianças no Grupo Escolar da
cidade de Igarapé-Miri: Foi professora deste grupo entre 1937 a 1940, 1950 e 1951, bem
como diretora nos anos 1953 a 1955 e 1961 a 1963. Em sua homenagem, foi construída uma
pequena escola na década de 1970 (já extinta) e batizada uma pequena rua na cidade de
Igarapé-Miri. A Escola Estadual Professora Ana Almeida ficava localizada à travessa de
mesmo nome, esquina com a 15 de Novembro, no Bairro da Matinha, em Igarapé-Miri, Pará.
(LOBATO, 2007; ROCHA. Blogspot, 2017).
A professora Adalgisa Maria Batista de Miranda era natural de Belém, Pará e foi a
única diretora negra dessa instituição. Em Igarapé-Miri casou-se com Raimundo Miranda
Henrique, brasileiro, ex-padre formado na Bélgica, com quem teve um filho. Por motivos
políticos, Adalgisa foi transferida a Belém, e posteriormente se aposentou. Foi funcionária do
Grupo Escolar de Igarapé-Miri entre os anos 1947 a 1960 (L.P.F., 2017).
No início da década de 1950, Adalgisa Batista era professora de uma escola particular
que funcionava em sua casa, localizada à Rua Rui Barbosa, próximo ao Grupo Velho. Em 24
de agosto de 1954, a professora Adalgisa ganhou da Câmara municipal de Igarapé-Miri o
direito de receber um auxílio monetário como professora particular, pois segundo ela, as
mensalidades pagas eram baixas devido à população ser carente. Conforme Adalgisa, a ajuda
econômica do município seria necessária porque ela se dedicava a combater o analfabetismo,
preparando as crianças que seriam o futuro da nação.
[...] e como este é um dos fatores mais importante da nossa Patria a luta
contra o analfabetismo é a rasão porque venho antes os espiritos justiceiros
de V. Excias solicitar um auxilio monetario por parte do Municipio, que
nada vem onerar os cofres municipais, uma vez que já frisei venho
14 O Decreto nº 20 de 07 de abril de 1938 definiu a gratificação mensal de 190$000 (cento e noventa mil réis) da
prefeitura municipal de Igarapé-Miri a professora adjunta Ana da Trindade Almeida, nomeada desde maio de
1937 como auxiliar da cadeira de 1º ano.
90
empregando esforços para combater esse microbio reinante em nosso paiz,
que é o analfabetismo, preparando os homens de amanhã que muito vem ser
util a terra e a pátria (OFÍCIO, nº 112/1954).
A primeira fase (1904-1912) do Grupo Escolar de Igarapé-Miri foi marcada somente
por diretores, enquanto que a segunda (1937-1949) e terceira (1949-1971) por diretoras e
professoras, demonstrando que a feminização que ocorria no magistério no âmbito da sala de
aula, ampliou-se também para os cargos de chefia da educação escolar15.
A história destes diretores nos permite compreender a dedicação quase exclusiva que
eles atribuíam à educação escolar. A escola era a extensão de sua casa e a vida profissional
uma vocação “sacerdotal”. Estas características também podem ser observadas na maioria dos
professores que veremos a seguir.
3.2 - PROFESSORES
O PROFESSOR
Na sua cadeira de educador, o mestre recebe a visita de um deus: é a Pátria
que se instala no seu espírito.
O professor, quando professor, sente na sua individualidade a Pátria visível e
palpável, raciocinando no seu cérebro e falando pela sua boca. A palavra,
que ele dá ao discípulo, é como a hóstia que, no templo, o sacerdote dá ao
comungante. É a Eucaristia Cívica.
Na lição, há a transubstanciação do corpo, do sangue, da alma de toda a
nacionalidade (BILAC, 1957, p.16).
O texto “O professor” de Olavo Bilac, publicado no livro “Páginas Brasileiras, de
Ester Nunes Bibas, em 1957, associa a imagem do professor a de um sacerdote católico,
criando as seguintes analogias: Deus é a Pátria, os discípulos são os alunos, a hóstia é a
palavra (a eucaristia cívica), o templo é a escola, o lugar sagrado onde ocorre o rito da
transubstanciação através do estudo diário, quando se cria a alma da nacionalidade brasileira.
O professor exerce, então, uma função sagrada, onde deve falar com amor daquilo que o
coração está cheio, ou seja, da Pátria.
Segundo o deputado estadual do Pará, Andrade Pinheiro, em discurso proferido em 24
de outubro de 1911 à Câmara dos Deputados do Estado do Pará, é nos grupos escolares que os
professores podem exercer mais facilmente a sublime missão de educar, já que estas
instituições eram o centro de convergência de energias positivas dos mestres e discípulos em
15 Sobre a feminização do magistério discutiremos no decorrer desta seção.
91
torno de um projeto comum, visando à melhoria da instrução pública primária. Os grupos
escolares seriam a síntese dos esforços em torno da melhoria da instrução pública no estado.
Os grupos escholares têm a grande vantagem de reunir e coadunar os
esforços communs e reciprocos dos professores para o bem geral da
instrucção dos meninos, de constituirem um centro para onde convergem as
energias dos mestres e dos discípulos, de facilitar mais os professores a sua
sublime missão, o labutar quotidiano e conjuncto, de onde provêm o
estimulo, o estudo e a dedicação, proprios de fomentar o processo e o ensino
methodico das disciplinas das varias cadeiras, e para cumprimento, enfim,
mais rigoroso de seus deveres (ESTADO DO PARÁ. Discurso proferido por
Andrade Pinheiro, 1911, p. 01).
Chamados também de lentes ou donos das cadeiras, os professores primários recebiam
nomenclaturas diferentes “quanto à natureza dos provimentos”: efetivos, em comissão,
interinos e substitutos. De acordo com o Regulamento geral do ensino primário de 1903,
capítulo IV, artigo 65, 79 e 82 § único estas quatro classes de professores poderiam ser assim
definidas: Eram considerados “efetivos” os professores normalistas e na falta destes, os não
normalistas com no mínimo cinco anos de exercício de profissão no magistério16. Aos
professores não normalistas era vedada a nomeação como efetivo nos grupos escolares e nas
escolas da capital; eram considerados “em comissão” os professores efetivos que estivessem
regendo provisoriamente alguma escola (classe) superior vaga; os “interinos” seriam os
professores normalistas ou não normalistas que regessem interinamente (temporariamente)
escolas vagas; e os substitutos seriam aqueles que substituíssem os professores durante os
seus impedimentos (PARÁ. Regulamento do ensino primário, 1903).
O capítulo X, artigo 69 do Regulamento do ensino primário do Pará de 1934
considerava para efeito de salário as seguintes nomenclaturas para os professores primários:
efetivos, em comissão e interinos. Os “efetivos” eram os professores normalistas nomeados à
1ª e 2ª entrâncias ou concursado à 3ª, os não normalistas nomeados até 31 de março de 1931,
e os não normalistas que regessem escolas de 1ª entrância ou auxiliares. Os professores “em
comissão” eram os de 1ª e 2ª entrâncias17 nomeados para escolas de 2ª e 3ª entrâncias
respectivamente, para substituir professores afastados do cargo. E os “interinos” eram os
professores nomeados para substituir os efetivos que estivessem impedidos de assumir os seus
16 No Regulamento geral do ensino primário do Pará de 1903, para ser professor efetivo não havia submissão a
concurso público, mas deveria ser diplomado pela Escola Normal, ou caso não fosse normalista deveria possuir
mais de 5 anos de efetivo exercício no magistério (capítulo IV, artigos 65, §1 e 79). 17 Conforme o artigo 80, do Regulamento geral do ensino primário de 1903, para efeito de vencimento salarial
dos funcionários públicos da educação, o estado do Pará classificou as escolas primárias em três entrâncias:
faziam parte da 1ª entrância as escolas localizadas nas vilas, na 2ª entrância as instaladas nas cidades interioranas
e na 3ª as escolas existentes na capital do estado.
92
cargos e os que assumiam vagas existentes até o preenchimento definitivo (PARÁ.
Regulamento do ensino primário, 1934).
Quais os requisitos necessários para poder exercer o magistério público no estado do
Pará?
Segundo o capítulo IV, artigo 76 do Regulamento geral do ensino primário do Pará de
1903: ser brasileiro, não ter sido condenado judicialmente, não sofrer doenças contagiosas ou
ter defeito físico que o impedisse de exercer a profissão, a idade mínima exigida às mulheres
era 18 e aos homens 20 anos de idade (caso não fossem casados), ser titulado pela escola
Normal e ter seu diploma registrado na Secretaria de Estado da Instrução Pública e não sido
afastado do magistério por condenação administrativa (PARÁ. Regulamento do ensino
primário, 1903).
Com base no capítulo IX, artigo 62 do Regulamento do ensino primário do Pará de
1934, os requisitos para ser admitido ao magistério no Estado do Pará eram: ser cidadão
brasileiro, ter 18 anos, não sofrer doenças contagiosas como lepra, sífilis, epilepsia,
tuberculose, esteria (felicidade e loucura) e tracoma; ser formado na Escola Normal ou
institutos equiparados de outros estados, não sofrer problemas físicos que o impedisse de
exercer o magistério, não possuir ficha criminal, ser aprovado em concurso público (PARÁ.
Regulamento do ensino primário, 1934).
De acordo com o Regimento interno dos grupos escolares de 1904 e os Regulamentos
do ensino primário do Estado do Pará de 1903, 1910, 1931 e 1934, os professores dos grupos
escolares tinham as seguintes funções: Ser pontual às aulas, vestir-se adequadamente durante
a sua função de docente, fazer a chamada diária no início das aulas, ministrar as aulas pelos
compêndios e livros devidamente aprovados pelo Conselho da instrução pública, explicar as
lições, zelar pela ordem e disciplina no estabelecimento, dedicar-se ao aprendizado das
crianças tratando-os de maneira igual (louvando as melhores e admoestando as negligentes),
aplicar a seus discípulos as correções disciplinares, ser exemplo de moralidade e conduta para
os alunos, lançar as notas de lições e comportamentos dos alunos na caderneta, organizar os
mapas de matrícula e frequência trimestral, comparecer nos exames, fazer parte da comissão
examinadora e solenidades do grupo, cumprir as ordens de seus superiores, dar ao rito dos
exames caráter festivo, dentre outros (PARÁ. Regulamentos do ensino primário, 1903; 1910;
1931 e 1934; PARÁ. Regimento interno dos grupos escolares, 1904).
93
Quais os professores que trabalharam no Grupo Escolar de Igarapé-Miri entre os anos
1904 a 1943?18
Entre 1904 e 1912 foram nomeados para o Grupo Escolar de Igarapé-Miri 11
professores, sendo oito efetivos, dois substitutos e uma adjunta, conforme o quadro (08).
Quadro 08: Professores nomeados para o Grupo Escolar de Igarapé-Miri nos anos 1904
a 1912: Formação e origem
Nº NOME FORMAÇÃO ORIGEM ESCOLA
01 Francisco Delgado Leão Normalista Belém 1ª escola elementar, secção
masculina
02 Estephania da Costa Borges de Carvalho Leiga Belém 1ª escola elementar, secção
feminina
03 Eudoxia de Jesus Alves (até 1907). Normalista Belém
2ª escola elementar, secção
masculina 04 Francisca de Castro Paes (substituta em
1906)
? Belém
05 Sancha Ferreira Bentes (até 1910). Normalista Belém
06 Lafayette Palmeira (substituto no início
de 1908).
? Belém
07 Edelvira do Carmo Cardoso (1911) Normalista Belém
08 Braulio Jesus de Mendonça (1912) Normalista Belém
09 Eulina da Purificação Cardoso Normalista Belém 2ª escola elementar, seção
feminina 10 Edelmira do Carmo Cardoso (adjunta) ? Belém
11 Estellita Gonçalves Coêlho Normalista Belém Escola complementar mixta
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos termos de classificação dos alunos de 1904 a 1910; Frequência dos
funcionários de 1907 a 1912 e Revista Boletim Official de 1907.
Com base no quadro (08), constatamos que entre 1904 a 1912 foram nomeados 11
professores para trabalhar no Grupo Escolar de Igarapé-Miri. Todos eram oriundos de Belém
e a maioria formada na Escola Normal (7 normalista, 1 leiga e 3 sem formação declarada).
No relatório de inspeção de 1905, o inspetor Hilario Maximo de Sant’Anna, apresenta
uma avaliação do trabalho dos professores do Grupo Escolar de Igarapé-Miri: Estephania da
Costa Borges de Carvalho, Eudoxia de Jesus Alves, Eulina da Purificação Cardoso e
Francisco Delgado Leão.
18As informações sobre os professores foram captadas nos resultados de exames avaliativos dos alunos. Entre
1904 e 1912 os exames eram realizados por escolas separadamente, dando destaque ao nome dos respectivos
professores. Entretanto a partir de 1937 os exames passaram a ser realizado por todos os alunos do grupo no
mesmo dia e posteriormente em uma semana, não sendo especificado a partir desta data o nome das professoras.
Devido este fato, não foi possível definir a partir de 1937 em qual turma as professoras atuavam.
94
De acordo com a avaliação do inspetor escolar Hilario Maximo de Sant’Anna, a
professora leiga Estephania da Costa Borges de Carvalho, da primeira escola elementar
feminina, seria uma profissional cumpridora de seus deveres com zelo e dedicação; a
professora Eulina da Purificação Cardoso, da segunda escola elementar feminina, apresentava
ordem em sua escola, desempenhava seus deveres com dedicação e vocação, mas o inspetor
considerou o seu trabalho regular; o trabalho de Francisco Delgado Leão, professor da
primeira escola elementar masculina, também foi considerado regular. Observava o inspetor
que o referido docente deveria melhorar as suas habilidades como professor; Eudoxia de Jesus
Alves, professora da segunda escola elementar masculina, foi avaliado pelo inspetor como
sofrível, pois sua turma tinha pouca ordem o que obrigava o diretor fazê-la funcionar junto ao
seu gabinete. Ressaltava ainda o inspetor que Eudoxia era professora dos alunos menores,
cuja idade variava entre 6 a 9 anos (PARÁ. Relatório de Hilario Maximo de Sant’Anna,
1905).
O trabalho dos professores do Grupo Escolar de Igarapé-Miri voltou a ser avaliado em
1906, desta vez pelo inspetor escolar João Pereira de Castro. Foram avaliados: Francisca de
Castro Paes, Francisco Delgado Leão, Estellita Gonçalves Coêlho, Estephania da Costa
Borges de Carvalho e Eulina da Purificação Cardoso.
Conforme o inspetor escolar João Pereira de Castro, a professora Francisca de Castro
Paes, substituta da segunda escola elementar masculina, não possuía as características
necessárias para ser considerada uma boa professora, sendo avaliada como regular; o
professor Francisco Delgado Leão, da primeira escola elementar masculina, foi louvado pelo
inspetor como mantenedor da ordem em sua sala, devido ao aproveitamento de seus alunos,
por suas habilitações e método de ensino; Estellita Gonçalves Coêlho, regente da Escola
complementar mixta foi avaliada pelo inspetor como dedicada e de boa vontade para o
trabalho docente; Estephania da Costa Borges de Carvalho, da primeira escola elementar
feminina, foi avaliada pelo inspetor escolar como competente e criteriosa e a sua escola uma
das melhores do grupo, pois ensinava com amor e interesse as meninas; Eulina da Purificação
Cardoso, da segunda escola elementar feminina, foi elogiada pelo inspetor como alguém que
amava a profissão de professora, sendo assídua e cumpridora de seus deveres, entretanto suas
alunas apresentavam aproveitamento regular (PARÁ. Relatório de João Pereira de Castro,
1906).
Em junho de 1907 a escola foi novamente inspecionada por João Pereira de Castro que
fez a seguinte avaliação do trabalho dos professores: Estellita Coêlho foi considerada
habilitada e cumpridora de seus deveres, possuía boa escritura, seus alunos tiveram bom
95
aproveitamento escolar e possuíam disciplina e ordem; Francisco Delgado foi avaliado como
digno de ocupar a sua cadeira, pois seus alunos tinham bom aproveitamento e ele era
dedicado, competente e boa escrituração. Eudoxia Alves havia sido transferida para Marituba;
entretanto, o inspetor fez questão de registrar que ela foi uma boa professora enquanto esteve
neste grupo escolar; Estephania Carvalho considerada uma boa professora e Eulina da
Purificação Cardoso era assídua (PARÁ. Relatório de João Pereira de Castro, 1907).
Conforme o artigo 78 do Regimento interno dos grupos escolares do Pará de 1904 os
quesitos que deveriam ser avaliados pelos inspetores escolares eram os seguintes:
a) A ordem e o asseio do estabelecimento;
b) A assuduidade, dedicação e comprehensão de deveres dos funccionários;
c) A methodologia empregada pelos professores no ensino de suas aulas;
d) O aproveitamento dos alumnos, relativamente ao tempo de seu
aprendizado e frequência ás aulas;
e) A localisação e demais condições pedagógicas e hygienicas do prédio
escolar (PARÁ. Regimento interno dos grupos escolares, 1904).
Os inspetores escolares seriam os fiscalizadores do estado, pois repassavam suas
avaliações ao secretário de estado da instrução pública e este ao governador do Pará sobre o
funcionamento das instituições educativas e o desempenho profissional de seus agentes.
Acredita-se que uma avaliação negativa do professor feita pelo inspetor escolar poderia
comprometer a imagem profissional do docente, dificultando transferências para instituições
desejadas pelo profissional.
As avaliações realizadas pelos inspetores escolares sobre o trabalho pedagógico dos
professores no Grupo Escolar de Igarapé-Miri entre os anos de 1905 e 1907 acabaram
produzindo um perfil desejável de professores. Estes deveriam ter competência profissional,
amor à docência, assiduidade, disciplina em sala de aula, dedicação, cumprimento das normas
escolares. A responsabilidade pelo mau desempenho da instituição recaia sobre os professores
e o diretor, isentando o estado. Problemas que dificultavam a aprendizagem dos alunos não
eram observados pelos inspetores, como as substituições temporárias de professores que
ocorriam geralmente por motivos de tratamento médico na capital do estado, como foi o caso
da substituição de Eudóxia Alves por Francisca Paes (PARÁ. Boletim official, 1907).
Ressalto que dos 10 professores do grupo escolar entre 1904 a 1912, apenas a cearense
Eulina da Purificação Cardoso permaneceu em Igarapé-Miri. Após a extinção em 1912 do
grupo escolar, Eulina Cardoso foi professora da escola isolada feminina, que inicialmente
funcionava à Rua Quintino Bocaiuva, onde hoje está localizado o Hospital Sant’Ana. Em
1930 a referida professora foi regente da Escola Isolada Mista de Igarapé-Miri, que nesta data
96
funcionava no prédio do antigo grupo escolar. Com o desmembramento da Escola Isolada
Mista em Escolas Isoladas Masculina e Feminina o nome da professora Eulina Cardoso não
apareceu mais, pois em 1934 a Escola Isolada Masculina, estava sendo ministrada pela
normalista Lucylinda Gonçalves Rosado (LOBATO E SOARES, 2011; IGARAPÉ-MIRI.
Termos de exames, 1935).
O ano de 1937 inaugurou um novo período no Grupo Escolar de Igarapé-Miri,
surgindo uma nova geração de professores. Entre 1937 e 1942 foram nomeadas 13
professoras para o Grupo Escolar de Igarapé-Miri. Não foi possível identificar a turma que
cada professor trabalhava, pois esta informação não consta nos resultados dos exames finais
deste período. A impressão que tenho é que aos poucos as professoras foram perdendo a
relação com uma determinada turma em especial, passando a serem professoras do grupo
escolar, podendo ser nomeadas para trabalharem em qualquer turma. Devido ocorrer
mudanças anuais, de professoras neste estabelecimento, optei em colocar um “X” para indicar
o ano em que a regente passou pela instituição.
Quadro 09: Relação dos professores do Grupo Escolar de Igarapé-Miri: 1937 a 1942
Nº NOME 1937 1938 1939 1940 1941 1942
01 Alda Neri (adjunta) X X X X X X
02 Almerinda Lopes Braga X
03 Ana Trindade Almeida (Adjunta) X X X X X X
04 Antonia Simões Bentes X
05 Aurea Guerreiro Bentes X
06 Dalva Guerreiro Bentes X X X X
07 Elza Pantoja Fontenelle X
08 Laura Martins Fernandes X X
09 Maria de Belém Campos X
10 Maria de Lourdes Silva X X
11 Maria das Mercês e Silva X X
12 Nanthilde Isaias do Nascimento X
13 Raimunda Tocantins Lobato X X X
Fonte: IGARAPÉ-MIRI. Termos de exames, 1955; PIMENTEL, 2012
97
A partir de 1937, foram nomeadas para o Grupo Escolar de Igarapé-Miri as primeiras
professoras leigas, a saber: Ana Almeida e Alda Neri. Esta última, solicitou ao governador do
estado sua exoneração do magistério para dedicar-se ao Cartório do 2º Ofício da sede da
Comarca de Igarapé-Miri, demonstrando que havia oportunidades para as mulheres
trabalharem em outras atividades intelectuais além da educação (O LIBERAL, 22/03/1947) e
que muitas mulheres buscavam conquistar empregos onde a remuneração salarial fosse
melhor. Suspeito que nem todas as professoras encontravam a dignidade e o reconhecimento
esperado no magistério. É possível que algumas fossem professoras por falta de outras
oportunidades de trabalho. O que parece ficar perceptível é que o magistério garantia certa
liberdade econômica às mulheres: deve ser por isso que a professora Eulina Cardoso não
constituiu família e a diretora Adalgisa Batista se casou depois de certa idade. Nas palavras de
Almeida (2014, p. 139), “o magistério permitia às mulheres viver com dignidade sem
necessariamente se submeter a matrimônio malfadados ou impostos”.
Entre 1904 e 1971 no Grupo Escolar de Igarapé-Miri foram nomeados apenas três
professores, a saber: Francisco Delgado Leão, Lafayette Palmeira e Braulio Jesus de
Mendonça. Este último antes de ser lotado no GE de Igarapé-Miri era diretor do GE de Baião.
Os três professores atuaram em Igarapé-Miri até 1912. A partir de 1937 só houve a nomeação
de professoras para o GE de Igarapé-Miri, demonstrando um fenômeno que vinha ocorrendo
no Brasil desde o final do século XIX que era a feminização do magistério.
De acordo com Souza (1998), a feminização do magistério foi um fenômeno que
ocorreu em todo o Brasil, a partir do século XIX, devido à necessidade de maior número de
profissionais para atender ao aumento da educação primária; além do magistério representar
um espaço aberto às mulheres e respeitado pela sociedade etc.
A utilização do trabalho feminino no campo da educação vinha ganhando
força em toda parte no final do século XIX, tendo em vista a necessidade de
conciliar o recrutamento de um grande número de profissionais para atender
à difusão da educação popular mantendo-se salários pouco atrativos para os
homens. Em compensação, viria a se constituir num dos primeiros campos
profissionais “respeitáveis”, para os padrões da época, abertos à atividade
feminina (SOUZA, 1998, p. 62).
Conforme Almeida (2014), a feminização do magistério ocorrida no Brasil, foi em
decorrência da expansão qualitativa do campo educacional. As professoras tornaram-se
necessárias devido à sociedade, do ponto de vista moral, não concordar que as meninas
fossem educadas por professores. A ampliação da mão de obra feminina na educação foi
acompanhada por uma série de discursos oficiais favoráveis que atribuíam à docência as
98
características de vocação, domesticidade, maternidade, dentre outros. Às mulheres foi
atribuído o papel de regenerar a sociedade. E os homens, por que foram se retirando da
educação?
Almeida (2014) aponta que para os homens o magistério, na maioria das vezes, era um
trabalho complementar, já que possuíam outras profissões como: medicina, advocacia,
jornalismo, engenharia etc. Ser professor não lhes garantia uma vida confortável
economicamente, mas lhes assegurava visibilidade política e prestígio social. Portanto, o
magistério deixou de ser atrativo para eles no momento que os discursos governamentais
associavam o magistério às qualidades maternais e domésticas.
Para Almeida (2014), a entrada da mão de obra feminina no magistério ocorreu depois
de muitas reivindicações por parte das mulheres, e enfrentou resistência pelo segmento
masculino: pais, maridos e igreja. Várias mulheres solteiras e casadas foram impedidas pelos
pais e maridos de exercerem a profissão; outras precisaram de autorização por escrito dos pais
ou maridos para se matricularem na Escola Normal. Entretanto, aos poucos foram
conquistando o seu espaço no magistério passando a ser maioria.
No século XX a presença feminina no magistério ampliou-se consubstancialmente
pelo Brasil, conforme demonstra os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) de 1946, referente aos anos 1938 e 1939 sobre os professores do Pará.
QUADRO 10: Discriminação por sexo do corpo docente do Pará: 1938 a 1941
Ano Masculino Feminino Total
1938 146 1757 1903
1939 96 1892 1988
1940 102 1937 2039
1941 89 1905 1994
Fonte: BRASIL. Censo demográfico, 1946
Durante o século XX, no município de Igarapé-Miri, a presença feminina no
magistério foi superior à masculina, tanto no grupo escolar quanto nas escolas isoladas. A
partir da análise do quadro (11), podemos verificar que nos anos 1938 e 1939, as professoras
eram nomeadas preferencialmente para as escolas diurnas e os professores para as escolas
noturnas. Muitos pais e esposos não permitiam que as professoras trabalhassem à noite.
99
Quadro 11: Escolas e professores de Igarapé-Miri nos anos 1938 e 1939
Nº Espécie da escola Denominação Localidade Nome do professor
1 Grupo Escolar Cidade Predicanda C. A. Lopes (diretora)
2 Aux. Mista Gil Bráz Alves Concórdia (atual
Vila de Maiauatá)
Sára Monteiro Marques
3 Aux. Mista N. S.do Rosário Itanimbuca Celina Corrêa Lobato
4 Aux. Mista Ilha Uruá Inez Moraes Lobato
5 Aux. Mista Camarão-quara Ana dos Santos Lobato. Substituída em
1939 por Catarina Costa de Oliveira.
6 Aux. Mista Santa-Maria Maiauatá Jovita da Silva Mota
7 Aux. Mista Murutipucu Maria Pereira da Trindade
8 Aux. Mista Sempre-Viva Maiauatá Adelina Lopes Tocantins
9 Aux. Mista Bazar Maiauatá Regina Bastos Menesez
10 Aux. Mista Maiauatá Almerinda França Messias
11 Aux. Mista Panacuera-assú Delfina Lobato da Silva
12 Aux. Mista Panacuéra-Miri Maria de Castro Fernandes
13 Aux. Mista Santa-Cruz Panacuéra Delfina Lobato da Silva
14 Aux. Mista Menino-Deus Anapú Francisca Lavôr Pinto
15 Aux. Mista Pindobal Pindobal-Grande Alcinda Cacela Lima. Substituída em
1939 por Neuza da Silva Farias.
16 Aux. Mista Menino-Deus Meruú Paulina Longuinhos de Miranda
17 Aux. Mista Meruú Maria Rosa de Miranda Moraes
18 Aux. Mista Cotijuba Adelina Lopes Tocantins
19 Aux. Mista Vila-Alegre Meruú Maria Rosa de Miranda Moraes
20 Aux. Noturna Icatu Alto Meruú Tomé Lopes de Castro
21 Aux. Noturna Cagi Bricio José de Sousa
22 Aux. Noturna Feliciano Martins Furo-Seco Miguel Tourão Feitosa
23 Aux. Noturna 13 de Maio Cidade Edmundo Dantes Almeida
Fonte: IGARAPÉ-MIRI. Documentos das escolas isoladas, 197119
Nos anos de 1938 e 1939 havia 22 escolas isoladas no município de Igarapé-Miri,
sendo 18 mistas que funcionavam diurnamente e 4 noturnas. Os espaços em brancos no
quadro (11) podem indicar que as escolas não tinham nomes específicos, mas talvez fossem
conhecidas pelos lugares em que estavam instaladas, no caso os rios. A denominação “escola
auxiliar” começou a ser utilizada em Igarapé-Miri a partir da portaria de 11 de maio de 1931,
assinada por Mario M. Chermont, Secretário de saúde pública e educação do Estado do Pará.
Esta portaria determinava que as escolas municipais do interior do Estado do Pará deveriam
receber a designação de auxiliares. Anos depois, retornou a nomenclatura “escolas isoladas”,
19 Várias fontes documentais datadas entre 1913 a 1971, tais como: ofícios, matrículas, resultados de exames
escolares, mapas anuais de movimentação escolar, dentre outras, sobre escolas isoladas do município de Igarapé-
Miri custodiadas na Casa da Cultura de Igarapé-Miri, serão referenciadas neste relatório como: Documentos das
Escolas Isoladas, 1971.
100
conforme podemos verificar no livro de cadastro dos professores das escolas do município de
Igarapé-Miri, da década de 1950 e início da década de 1970 (IGARAPÉ-MIRI. Livro de
cadastro dos professores, 1972).
Dos 24 professores das escolas isoladas que aparecem no quadro (11), apenas 4 eram
homens, e regiam exclusivamente as escolas noturnas. As substituições de professores entre
1938 e 1939 nas escolas isoladas foram baixas, tendo apenas dois casos: na escola auxiliar de
Camarão-quara a professora Ana dos Santos Lobato foi substituída por Catarina Costa de
Oliveira, e na Escola Auxiliar Mista do Pindobal houve a substituição da regente Alcinda
Cacela Lima por Neuza da Silva Farias. A transferência de professores também não era
comum: o professor Edmundo Dantes Almeida, que a partir de 1939 regeu a Escola Noturna
13 de Maio, sediada no prédio do Grupo Escolar da Igarapé-Miri, em 1917 era professor da
Escola Elementar Municipal do rio Camarão-quara (IGARAPÉ-MIRI. Documentos das
escolas isoladas, 1971; OFÍCIO, s/n/1940).
Em 1943 o prefeito criou duas escolas municipais que funcionaram nas dependências
do Grupo Escolar de Igarapé-Miri: a Escola Auxiliar Noturna “13 de maio”, ministrada pelo
professor Edmundo Dantes de Almeida (OFÍCIO, nº 03/1940), e a Escola feminina de prendas
“Darcy Vargas”, dirigida pela senhora professora Emiliana de Castro Rodrigues, nomeada em
05 de junho de 1943 (OFÍCIO, nª 188/1943). O “senhora” antes do nome pode significar que
a professora não fosse normalista.
Como vimos no quadro (11), dos 24 professores nomeados nas escolas isoladas entre
1938 a 1939 apenas 4 eram homens. Porém, a história da educação em Igarapé-Miri contou
com colaboração de outros professores, como podemos ver a seguir:
QUADRO 12: Professores das escolas isoladas de Igarapé-Miri: 1913-1950
Nº Professor Escola Local Ano
01 Antonio de Moraes Lourinho Escola Noturna Municipal de
Igarapé-Miry
Cidade 1913
02 Antonio Manoel Christão Escola Noturna Municipal “Lauro
Sodré”
Cidade 1923
03 Antonio Athanasio de Paiva
Castro
Escola Municipal do Rio Meruhú Rio Meruhú 1923
04 Raymundo de Miranda Henrique Escola Auxiliar do Estado do Pará Tucunarehi grande 1932
05 Joaquim Vieira da Cruz Escola Elementar Auxiliar “Dom
Pedro II”
Interior 1933
06 Bricio José de Souza Escola Auxiliar Noturna Alto Cagi 1937
07 Thome Lopes de Castro Escola Auxiliar Masculina “Santa
Maria”
Alto Meruú 1939
101
Fonte: IGARAPÉ-MIRI. Documentos das escolas isoladas, 1971
A relação de algumas escolas isoladas do município de Igarapé-Miri entre 1913 a 1950
nos aponta para outra realidade que supera a ideia de que os grupos escolares seriam os
sustentáculos da nação brasileira, no diz respeito à instrução de crianças entre 1894 a 1971,
demonstrando que nem só nos grupos escolares instruía-se e civilizava-se o cidadão
republicano. Em 1939 o município de Igarapé-Miri tinha 779 alunos, sendo 229 no grupo
escolar, 550 nas escolas isoladas, e a população do interior do município continuava a exigir a
nomeação de professores para algumas localidades como Espera, Carmo, Itanimbuca, dentre
outras (OFÍCIOS, nº 105, 113, 121 e 124/1939).
A contribuição das escolas isoladas à instrução pública no Brasil é inegável,
principalmente na região Amazônica, onde a geografia é marcada por inúmeros povoados
dispersos pelos rios e estradas. Se a instrução pública fosse depender exclusivamente dos
grupos escolares, os índices de analfabetismo seriam bem maiores nesta região e no Brasil.
O século XX foi marcado por duas realidades experimentadas pelos professores
mirienses: a do grupo escolar e das escolas isoladas. A primeira seria, pelos menos nos
discursos oficiais, o modelo ideal para se promover a educação de crianças, e a segunda seria
uma necessidade, já que os grupos escolares não poderiam ser implantados em qualquer lugar.
E os professores preferiam trabalhar na sede do município ou nos interiores?
3.2.1 - Tempo de desterro
A maioria dos professores passou pelo “tempo do desterro”, expressão usada por
Souza (1998, p.72), cujo significado seria “a passagem apressada e provisória do professor
pela escola isolada em direção ao lugar sonhado – isto é, uma vaga no grupo escolar”. Ou
passagem por grupos escolares do interior para tentar uma transferência à escola mais perto da
capital ou na capital, cujo salário seria mais atraente. O “tempo do desterro” demonstra que
havia uma hierarquia dentro da própria instituição ou entre as instituições dependendo da
localização. A hierarquização no meio educacional configurava-se a partir dos valores
salariais, que eram pagos de acordo com o valor que era atribuído ao cargo e ao lugar onde se
08 Antonio da Silva Castro Escola Supletiva Juarimbu 1949
09 Francisco Rodrigues da Silva Classe Supletiva Murutipucu 1949
10 Adolfo Sérgio da Cunha Classe Supletiva Federal de
Adolescente
Vila de Maiauatá 1949
11 Maurício Almeida da Trindade Escola Supletiva Murutipucu 1950
12 Raimundo Ferreira Chaves Escola Supletiva Vila Martins 1950
102
exercia essa função: nas escolas isoladas e nos grupos escolares, da capital ou do interior etc.,
conforme veremos abaixo:
Quadro 13: Tabela de vencimentos anuais de funcionários dos Grupos Escolares e
Escolas Isoladas do Estado do Pará em 1903.
Fonte: A PROVÍNCIA DO PARÁ, 18/02/1903
Observe no quadro, que quando se faz referência à regência da escola mista que
funcionavam nos grupos escolares, utiliza-se a palavra “professora”. Isso ocorre porque de
acordo com o capítulo I, artigo 30 do Regulamento geral do ensino primário de 1903, as
escolas mistas que funcionassem nos grupos escolares só poderiam ser regidas por
professoras. Essa exigência não era feita às escolas isoladas, onde as escolas mistas poderiam
ser ministradas tanto por professores quanto por professoras. (PARÁ. Regulamento do ensino
primário, 1903).
Conforme o quadro (13) o salário dos professores das escolas sediadas na capital do
estado era mais atraente que dos professores do interior. Um professor do grupo escolar da
capital ganhava 1:800$000; enquanto que de grupo escolar do interior ganhava 1:400$000
(400$000 a menos). Esse valor é praticamente o mesmo que recebia o professor de escola
isolada da capital, a saber: 1:410$000. Não obstante, o professor de escola isolada do interior
ganhava bem menos: 1:050$000 de 2ª entrância e 930$000 de 1ª entrância. O salário do
professor de 1ª entrância é praticamente o mesmo do porteiro dos grupos escolares de Belém:
GRUPOS ESCOLARES
FUNÇÃO CAPITAL INTERIOR
Diretor 2:200$000 1:800$000
Professor 1:800$000 1:400$000
Adjunto 1:000$000 700$000
Porteiro 900$000 720$000
Servente 500$000 360$000
A professora da escola complementar mixta terá mais 100$000 anuais
ESCOLAS ISOLADAS Quando a escola isolada for mixta o
professor receberá a mais.
3ª entrância 1:410$000 30$000
2ª entrância 1:050$000 30$000
1ª entrância 930$000 30$000
De povoados e outros
lugares
720$000 20$000
103
900$000. De acordo com a tabela de vencimentos anuais dos funcionários públicos da
educação primária do Pará de 1903, havia uma desvalorização salarial dos professores das
escolas isoladas do interior do estado.
Os professores das escolas mistas que funcionavam nas escolas isoladas, recebiam
uma pequena gratificação no vencimento (30$000 nas escolas de 1ª, 2ª e 3ª entrâncias e de
20$000 em outros lugares e povoados), mas de acordo com o capítulo III, artigo 61 do mesmo
regulamento, esses teriam que trabalhar em dois turnos: de 8h30 às 11h30 as aulas seriam
exclusivas às meninas e de 14h às 17h para os meninos (PARÁ, Regulamento do ensino
primário, 1903).
A distinção salarial dos professores das escolas isoladas variava de acordo com as
entrâncias. É o que consta no capítulo V, artigo 80 do Regulamento geral do ensino primário
de 1903.
Para o fim da fixação dos vencimentos devidos aos professores, as escolas
primárias serão classificadas:
De 1ª entrancia as das villas.
De 2ª entrancia as da cidade
De 3ª entrancia as da capital, dentro do perímetro urbano.
Sub-urbanas a dos povoados e outros logares.
§ Único. As escolas das villas do Pinheiro e Mosqueiro continuarão a ser
consideradas de 2ª entrancia, mas os professores perceberão vencimentos
correspondente às da 3ª entrancia (PARÁ. Regulamento geral do ensino
primário, 1903).
Parece que a política salarial do governo do Pará, de valorização dos professores da
capital do estado, acabava estimulando alguns professores a preferirem trabalhar em Belém, já
que lá estavam os melhores salários.
A vida dos professores das escolas isoladas do interior não deveria ser fácil, e as
dificuldades começavam pela desvalorização salarial: quanto mais longe da capital menos
ganhavam; seguida pela falta de prédio adequado para lecionar e falta de mobiliário. Um
ofício enviado em 06 de junho de 1932 por Raymundo de Miranda Henrique, professor da
Escola Isolada do Estado do Pará, com sede no Rio Tucunarehi Grande, município de
Igarapé-Miri, ao Prefeito municipal e Igarapé-Miri, Cecílio Tavares (01/04/1932-15/06/1932),
exemplifica parte das dificuldades enfrentadas pelos professores das escolas isoladas.
Em cumprimento as determinações exarada [registrada, apontada,
assinalada] em vosso officio de 1º do corrente, no qual V. Sa. requisita desta
“Escola”, por parte do Exmº Sr. Dr. Secretario da Educação e Saude Publica
do estado uma relação completa dos moveis e utencilios [utensílios]
fornecidos pelo governo revolucionario. Tenho a dizer-vos que a aludida
casa de encino [ensino] infantil, apenas foi contemplada este anno e pela
primeira vez, desde a sua installação, com o material de expediente escolar,
104
constando de livro, papel, pennas, canetas, tinta, lápis, gis [giz], esponjas, 1
bandeira brazileira, canecos para agua e um mappa geographico do Pará.
Os moveis existentes pertencem particularmente ao professor.
Eis o que me é dado relacionar-vos pela fiel observancia do vosso aludido
officio.
Aguardando as vossas ordens, permaneço com [...] estima e consideração
(OFÍCIO, s/n de 06/06/1932).
Apesar da cordialidade obrigatória no final do ofício, o teor desde documento
demonstra o desabafo do professor e o abandono em que a escola isolada se encontrava em
Igarapé-Miri. O professor Raymundo começa a demonstrar a sua indignação quando escreve
“escola” (entre aspas). A impressão que se tem é que ele está fazendo um questionamento:
Será que realmente se pode chamar esse espaço de escola? O descontentamento do professor
fica mais evidente quando ele expõe que a sua escola foi “contemplada este anno e pela
primeira vez”. Ou seja, era uma escola abandonada pelo estado. Mas será que este era um
caso isolado? Claro que não!
Em 09 de fevereiro de 1939, o prefeito municipal e presidente do Conselho Escolar de
Igarapé-Miri, Antonio Augusto de Mesquita, solicitou via ofício ao Interventor Federal do
Estado do Pará, Magalhães Barata, o fornecimento dos seguintes materiais escolares para ser
distribuído às escolas isoladas:
18 litros de tinta preta
10 vidros de tinta encarnada
18 caixas de giz
18 caixas de penas
500 canetas para alunos
18 canetas para professoras
18 tinteiros para professoras
50 folhas de mata borrão
18 lapis bicolor para professoras
18 borrachas para tinta e lápis
10 duzias de lapis escolares
18 resmas de papel ao maço
300 mapas estatísticos escolares
220 envelopes em branco
18 livros de ponto diário
18 livros de ponto de matricula
2 duzias de lapis bons para professora
40 carteiras escolares
18 bancas para professoras
Goma arábica [quantidade não definida]
500 cartilhas A.B.C.
500 taboadas
72 1º livros de leitura
72 2º livros de leitura
72 3º livros de leitura
18 aritmetica
105
18 gramaticas
18 geografias
18 historia do Brasil
18 geometria
18 resmas de papel quadriculado
18 quadros pretos
18 esponjas
18 vassouras
18 espanadores (OFÍCIO, nº 39/1939).
A lista engloba materiais para alunos, como tabuadas, cartilhas ABC, canetas, livros
de leitura, história, geografia, aritmética e gramática. Para professores foram solicitadas
canetas, tinteiro, lápis, borracha dentre outros, e para a própria instituição: carteira, mesas
para professora e quadros pretos. A justificativa para solicitar esta extensa lista de materiais,
segundo o prefeito Antonio Mesquita, seria que todas as escolas auxiliares mistas estavam
praticamente sem condições de funcionamento:
Justifica-se este pedido o fato de ter o Municipio 18 escolas auxiliares
mixtas, todas desprovidas não só dos objetos mais insignificantes que deve
possuir uma escola, como tambem se ressentem da falta de mobiliario
proprio.
Desta maneira, pedia a V. Excia. a fineza de dar ordens para me serem
remetidas algumas carteiras já usadas nos estabelecimentos de ensino dessa
capital, afim de distribuir entre as escolas no interior deste Municipio
(OFÍCIO, nº 39/1939).
A falta de condições mínimas de funcionamento das escolas isoladas era um problema
constante. Havia uma precariedade geral e uma falta de compromisso do Governo Estadual,
responsável por esta modalidade educativa, em melhorar as condições de funcionamento
destas instituições. Todavia, a “íris dos olhos” dos governos republicanos não eram as escolas
isoladas e sim os grupos escolares. Então, na escola graduada de Igarapé-Miri estava tudo
bem? Também não! No final da década de 1930 e 1940 foram comuns os pedidos de reformas
para o grupo escolar da cidade; entretanto, as poucas reformas que ocorreram foram apenas
paliativas, ou seja, somente pequenos reparos, retelhamento, pintura e limpeza do terreno
(OFÍCIOS, nº 14/1938; nº 30/1939; nº 517/1940; s/n /1945; nº 35/1947).
Outro problema que atingia o Grupo Escolar de Igarapé-Miri foi a falta de professores.
No dia 03 de maio de 1946, o Prefeito Municipal de Igarapé-Miri, Alberto da Trindade
Almeida, informou ao Diretor de Educação do Estado do Pará que diariamente recebia
reclamaçãoes de falta de professoras no Grupo Escolar de Igarapé-Miri.
Atendendo diárias reclamações [dos] pais [de] meninos matriculados [no]
grupo escolar local [que] estavam sem frequentar aulas [por] falta de
106
professoras. Entrei [em] entendimento [com] duas professoras [que] estão
funcionando [no] sentido [de] darem aulas [nas] tardes dos dias uteis [aos]
referidos meninos, até regularizarem a atual situação constatada [pelo]
inspetor [que] esteve até ontem nesta cidade. Saudações (TELEGRAMA, s/n
/1946).
Em 1º de agosto de 1956 a diretora do referido grupo, Adalgisa Maria Batista de
Miranda, expediu uma portaria designando duas professoras do turno da manhã, Eurídice
Marques de Sousa (3º série) e Maria da Consolação Lobato dos Santos (1ª série atrasada),
para assumirem também no turno da tarde as turmas de primeira série que estavam sem
professoras (IGARAPÉ-MIRI. Livro de ocorrência, 1962). A falta de verbas do estado
destinada à educação no município de Igarapé-Miri atingia tanto as escolas isoladas quanto ao
grupo escolar.
Vários professores do Grupo Escolar de Igarapé-Miri eram oriundos de Belém e
teriam laços familiares na capital do estado. Em um ofício de 05 de fevereiro 1942, o prefeito
municipal comunicou ao Interventor Federal do Estado que as seis classes (com 127 alunos
matriculados) estavam sendo ministradas apenas por duas professoras Maria das Mercês e
Silva (normalista) e Ana da Trindade Almeida (leiga). Esta última era moradora da cidade.
Enquanto que as demais, inclusive a diretora tinham residência em Belém:
[...] encontra-se em goso de licença para repouso, a normalista, senhora,
Predicanda C. Amorim Lopes, lecionando no grupo escolar Augusto
Olimpio, a professora Laura Fernandes Bentes e na capital junto as suas
famílias, as professoras: Raimunda Tocantins Lobato. Esmeralda de Souza
Gomes e Maria de Nazaré Nunes Lima, pelo que solicito a V. Excia. sejam
tomadas as providências necessárias, afim de que venham estas normalistas
ocupar os seus cargos, visto que as duas professoras presentemente em
exercício não atendem as seis classes primárias que já conta com a elevada
matrícula de 127 alunos até a presente data (OFÍCIO, nº 12/1942).
Devido à maioria dos professores serem da capital do estado, encontramos denúncias
de que as aulas nem sempre começavam em janeiro, como previam os regulamentos do ensino
primário. É o que pode ser comprovado no telegrama enviado pelo prefeito municipal e
presidente do Conselho Escolar, Antonio Mesquita, ao diretor de educação do Estado do Pará:
“Acabo [de] saber pela Adjunta professora Alda Nery não achar-se nenhuma professora [no]
Grupo Escolar achando-se [o] mesmo entregue [ao] porteiro pt [.] Consulto Vossencia [Vossa
excelência se a] mesma pode assumir [o] seu cargo [n]aquele estabelecimento”
(TELEGRAMA, nº 07, de 05/02/1941). Na prática, a professora Alda Neri quando retornou
ao seu trabalho, não encontrou o grupo funcionando. Por isso, comunicou ao presidente do
Conselho Escolar de Igarapé-Miri e este enviou o telegrama ao diretor de educação do Estado
107
do Pará. Pela data do telegrama (05/02), percebemos que as aulas já estavam atrasadas, pois
deveriam ter iniciado no dia 08 de janeiro. Essa demora em iniciar às aulas talvez ocorresse
porque a maioria das professoras e a diretora residiam em Belém.
Vale ressaltar que a primeira geração de professores do Grupo Escolar de igarapé-Miri
(1904-1912), todos eram de Belém. Da segunda geração (1937-1949) a maioria eram de
Belém e outras de Abaetetuba e Cametá. Muitas professoras vieram para Igarapé-Miri
solteiras e aqui constituíram família, outras nem se casaram. Duas professoras da segunda
geração, cujas famílias eram de Abaetetuba, mas que se mudaram e firmaram raízes em
Igarapé-Miri foram: Ana Almeida e Alda Neri. As professoras oriundas de Igarapé-Miri,
começam a aparecer a partir de 1950, e seriam ex-alunas do Grupo Escolar desta cidade. A
maioria passou a assumir a docência no grupo com apenas o ensino primário. Algumas
continuaram os estudos em Belém, como: Lucilinda Ferreira e Nazaré Almeida. As ex-alunos
do Grupo Escolar de Igarapé-Miri também passaram a ocupar os cargos de professoras das
escolas isoladas do interior de Igarapé-Miri. O grupo passou a formar as professoras para
atuar na educação de crianças do município de Igarapé-Miri.
Por outro lado, Igarapé-Miri até a década de 1980 não possuía estrada, e todo o
transporte era feito por embarcações. As pessoas que vinham trabalhar neste município teriam
que morar na localidade, ficando meses sem ir à Belém. Para muitos isso era um processo
doloroso de afastamento de seu convívio familiar e de amizades. No recorte abaixo notamos o
tom de despedida, do coletor estadual Raul Pessoa da Cunha que iria se afastar por bastante
tempo de Belém, por ter que trabalhar em Igarapé-Miri.
Trouxe-nos o seu abraço de despedida, por ter de seguir à noite para Igarapé-
Miri, onde desempenha com critério as funções de Coletor Estadual, o nosso
presado amigo e correligionario Raul Pessoa da Cunha, ardoroso pessedista
da velha guarda (O LIBERAL, 20/05/1947).
Na prática havia realmente um longo afastamento, já que o único meio de
comunicação era o telégrafo, e, portanto as pessoas ficavam incomunicáveis por meses. Era
como se estivessem viajando para outro país. O sentimento de afastamento de familiares e
amigos deveria ser vivenciado pelos professores que vinham trabalhar no grupo escolar. Caso
houvesse possibilidades dos professores do grupo escolar de continuarem morando em Belém
não poderiam, pois de acordo com o Regulamento geral do ensino primário de 1903, capítulo
VIII, artigo 112, o professor deveria morar na cidade que sediava o grupo escolar no qual
trabalhava, e para ausentar-se em dias letivos somente com autorização prévia do diretor do
estabelecimento.
108
3.3 - ALUNOS
A creança, porém, mais do que o homem, precisa do deleite do espírito [...].
É de bom aviso manter a alma do menino em estado de permanente
satisfação, mesmo do caracter, o avigoramento dos sentimentos e a bôa
direção de suas inclinações (A PROVÍNCIA DO PARÁ, 22/10/1904, p. 02).
A edição de 22 de outubro de 1904 do jornal “A Província do Pará”, ressalta a
necessidade de direcionar as crianças para a formação do bom caráter, das boas inclinações,
dos bons sentimentos e da felicidade. A criança deveria ser instruída e educada para tornar-se
um cidadão republicano. Instruída para ser alfabetizada, elemento indispensável no mundo
civilizado, e educada dentro dos valores cívicos e patrióticos da nação brasileira.
O grupo escolar seria a instituição responsável para instruir e civilizar a infância
republicana. A infância é por excelência a fase humana mais aceptível a aquisição de valores,
devido ainda não ter a sua personalidade formada, por isso os governos republicanos se
propuserem a fornecer uma educação popular e gratuita para esta faixa etária. Conforme o
Regimento interno dos grupos escolares e das escolas isoladas do Pará de 1904, a finalidade
da escola primária seria fornecer cultura intelectual as crianças para prosseguirem os seus
estudos no curso secundário, assim como para serem bons cidadãos, cumprindo com suas
responsabilidades sociais.
a escola publica primaria é a instituição creada e mantida pelos poderes
públicos para o fim de proporcionar gratuitamente á infância de ambos os
sexos cultura intelectual necessária não só a matricula do curso secundario,
como também ao bom desempenho dos deveres sociaes (PARÁ. Regimento
interno dos grupos escolares, 1904, p. 33-34).
Segundo o artigo 82 do Regimento interno dos grupos escolares do Pará de 1904, as
crianças tinham os seguintes deveres: serem pontuais aos estudos, frequentarem a escola com
higiene e vestidos decentemente; só ausentar-se da escola com as devidas autorizações;
durante as aulas deveriam ser atenciosas, ordeiras e respeitadoras, não se distraindo e
respeitando as ordens de seus professores; serem silenciosas dentro das dependências do
grupo escolar, inclusive quando estivessem preparando as lições diárias; não poderiam
levantar-se das carteiras sem autorização do professor; comparecerem aos exames escolares;
levantar-se para saudar qualquer autoridade que adentrasse na sala de aula; serem cortezes
com o diretor e professores dentro e fora do grupo e delicados com os demais funcionários,
dentre outros. As crianças tinham o direito de receber gratuitamente a instrução primária e
educação moral e física; serem tratadas com respeito pelos professores e diretor; terem acesso
109
às dependências da instituição durante o horário de aula quando não estivessem cumprindo
suspensões, dentre outras (PARÁ. Regimento interno dos grupos escolares, 1904).
Era expressamente proibido às crianças durante sua permanência no grupo: fumarem,
usarem chapéus; gritarem, assoviarem, vaiarem, fazerem algazarras dentro ou nas redondezas,
próximo ao grupo; formarem grupos na portaria da escola; incitarem desordens ou
rivalidades; depredarem o prédio e o mobiliário (pintarem, riscarem, sujarem paredes e
cadeiras); apelidarem os colegas etc. As penalidades a que as crianças estavam sujeitas:
admoestação em particular, repreensão verbal, comunicado ao seu representante ou expulsão
(PARÁ. Regimento interno dos grupos escolares, 1904).
As normas disciplinares visavam uniformizar e controlar os corpos. Conforme
Foucault (2004), as disciplinas organizam e criam os espaços institucionais, permitindo a
racionalização do tempo, obediência às normas, circulação e convivência de pessoas. O poder
disciplinar transforma mentes diversas em uma diversidade organizada.
As disciplinas, organizando as “celas”, os “lugares” e as “fileiras” criam
espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e
hierárquicos. São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação;
recortam segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam
lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas
também uma melhor economia do tempo e dos gestos. São espaços mistos:
reais porque regem a disposição dos edifícios, de sala, de moveis, mas
ideais, pois projetam-se sobre essa organização caracterizações, estimativas,
hierarquias. As primeiras das grandes operações da disciplina é então a
constituição de “quadros vivos” que transformam as multidões confusas,
inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas (FOUCAULT, 2004, p.
127).
Acredito que as indisciplinas ou resistências às normas escolares por parte das crianças
deveriam ser frequentes. Em 18 de outubro de 1959 e 13 de agosto de 1957, a diretora do
grupo escolar, Adalgisa Batista de Miranda, suspendeu alunos que a xingaram com palavras
de baixo calão. Em 08 de maio e 12 de junho de 1962, a diretora Ana da Trindade Almeida
expediu duas portarias por faltas consideradas graves: desobediência de alunos aos
professores e agressão entre alunos. Parece que a suspensão de crianças, era um recurso
aplicado quando outras formas de controle haviam falhado, já que na portaria de 12 de junho
de 1962, a aluna Clara Corrêa Gomes da 3ª série, foi suspensa depois ter sido advertida
verbalmente pelos menos duas vezes. Vejamos as portarias:
Em 13 de agosto de 1957, a diretora Adalgisa Batista de Miranda, suspendeu por
tempo indeterminado o aluno da 2ª série, Artenio de Castro Vernech, por desrespeitar com
palavras obscenas a diretora e uma professora do grupo escolar.
110
Portaria de 13 de agosto de 1957.
A diretora deste Estabelecimento de Ensino, usando de suas atribuições faz
baixar a seguinte portaria:
Considerando suspenso por tempo indeterminado o aluno da 2ª, 2º turno,
Artenio de Castro Verneck, por desrespeito a professora e diretora, com
palavrões indecentes.
Dê-se ciência e publique (IGARAPÉ-MIRI. Livro de ocorrência, 1962).
Em 16 de abril de 1958, Maria de Jesus Corrêa, da 5ª série, foi suspensa por 20 dias
por está namorando na escola. A aluna era reincidente, pois a diretora já havia lhe advertido
quanto à proibição de namorar nas dependências da escola, mas a aluna não obedeceu. No dia
18 de abril de 1958, o menor Raimundo Odorico da conceição, a 5ª série, foi suspenso
também por 20 dias em virtude de “desacato a autoridade da diretora”. Desobediência e
reincidência imprimiam penalidades mais duras. (IGARAPÉ-MIRI. Livro de ocorrência,
1962).
A suspensão de crianças passou a ser um recurso utilizado para demonstrar o poder da
diretora, já que desrespeito a sua pessoa era passível de punições de até trinta dias de
afastamento das aulas, o que praticamente significava decretar a reprovação do aluno. Na
portaria de 18 de outubro de 1959, a diretora Adalgisa Batista de Miranda, suspendeu uma
criança por um mês, pelo motivo de lhe ter desrespeitado.
Portaria de 18 de outubro de 1959.
A diretora deste Estabelecimento de Ensino, usando de suas atribuições faz
baixar a seguinte portaria:
Considerando suspenso por 30, a partir desta data até 17 de novembro, o
aluno da 3ª série, 2º turno, Fernando Corrêa Gomes, por desrespeito a essa
Diretora.
Dê-se ciência e publique (IGARAPÉ-MIRI. Livro de ocorrência, 1962).
Na portaria de 08 de maio de 1962, a diretora Ana Almeida restabeleceu o recreio
escolar que havia sido suspenso em 23 de abril, pelo motivo de indisciplina de duas alunas da
4ª série, cujos nomes não foram expostos.
Portaria de 08 de maio de 1962.
A diretora deste Estabelecimento de Ensino, usando de suas atribuições faz
baixar a seguinte portaria:
Considerando que a 23 de abril do mês passado por ter necessidade de seguir
para a capital do Estado a fim de tratar de interesses referêntes a esta
Repartição transmitindo o cargo a Secretária dêste Grupo Escolar, a
professôra Maria José Corrêa de Almeida;
Considerando que na sua ausência a hora do recreio entre duas alunas da 4ª
série e a professôra Isidora Ferreira da Cruz, procedeu-se certa indisciplina
por falta de respeito daquelas alunas e falta de tolerância da parte Dita;
111
Considerando que em virtude dessa falta de disciplina ter-se dado no horário
do recreio a diretora em exercício para que não se repetisse a mesma falta de
disciplina, suspendeu o recreio até a presença da Diretora;
Considerando que achou justo o ato da secretária, depois de observar a
professora e as referidas alunas, faz restabelecer o recreio para que se
processe em ordem como vinha sendo, para que não mais se repita a mesma
falta digna de censura.
Registre-se, dê-se ciência e cumpra-se (IGARAPÉ-MIRI. Livro de
ocorrência, 1962).
Na portaria seguinte, de 12 de junho de 1962, a diretora Ana Almeida suspendeu por 8
dias a aluna da 3ª série, Clara Corrêa Gomes, por desrespeitar professoras e espancar em via
pública a aluna da 2ª série, Vaguiomar dos Santos Pinheiro, não atendendo o apelo de uma
professora para que não praticasse a agressão. Vaguiomar, aluna agredida, foi suspensa por 6
dias, devido ter aceitado as provocações, e brigado com a agressora:
Portaria de 12 de junho de 1962.
A Diretora deste Estabelecimento, usando de suas atribuições;
Considerando que o procedimento da aluna da 3ª série Clara Corrêa Gomes,
já pela 3ª vez, merece punição;
Considerando que dentre essas faltas de disciplinas pela 2ª vez
desrespeitaram duas professoras deste estabelecimento;
Considerando que pela 3ª vez ao sair da aula atacou na via pública a aluna da
2ª série Vaguiomar dos Santos Pinheiro, espancando-a, sem querer atender
uma professora que procurará repreender-lhe;
Considerando que com o Estatuto do Regulamento de Ensino, já é a terceira
vez que a aluna comete faltas sendo esta última grave;
Resolve:
Baixar a seguinte portaria suspendendo Clara Correa Gomes por 8 dias e
Vaguiomar dos Santos Pinheiro por 6 dias em virtude de ter se atacado com
a outra em plena via pública.
Registre-se, dê-se ciência e cumpra-se (IGARAPÉ-MIRI. Livro de
ocorrência, 1962).
As principais indisciplinas das crianças registradas no livro de ocorrência do Grupo
Escolar de Igarapé-Miri dos anos de 1957 a 1962, referem-se a desrespeito à professora e
diretora, utilização de palavras obscenas nas dependências da instituição, brigas e namoros
entre alunos, dentre outros. Acredita-se que outras formas de indisciplinas, talvez
consideradas em menor grau ofensivo, tenham ocorrido e não foram registradas. Algumas
ocorrências foram registradas somente após as crianças terem sido advertidas pela terceira vez
e as punições geralmente recaiam na suspensão de direitos, como o recreio e no afastamento
das aulas.
Os bancos escolares do Grupo Escolar de Igarapé-Miri foram ocupados por crianças
de vários grupos sociais, a saber: filhos de vendedores autônomos, de barbeiros, comerciários,
112
açougueiros, funcionários públicos, donos de engenhos, proprietários de serrarias,
profissionais liberais, pescadores, caçadores, trabalhadores rurais, domésticas etc. É o que
percebemos no Orçamento Municipal de Igarapé-Miri para 1913, em que as profissões dos
moradores de Igarapé-Miri eram: professor, vendedor (casa de comércio e loja de fazenda),
advogado, trabalhador de oficina de cadeeiro, ferreiro, funileiro, ourives, calafate, marceneiro,
barbeiro, sapateiro, alfaiate, padeiro, fotógrafo, pedreiro, quitandeira, regatão (vendedor
marítimo), vendedor autônomo (tabaco, cafezinho etc.), administrador do cemitério, dentre
outros (IGARAPÉ-MIRI. Orçamento municipal, 1912).
A infância das crianças mirienses até o final do século XX estava ligada a brincadeiras
de rua e a produção de seus próprios brinquedos. Como as famílias geralmente eram carentes,
o jeito era improvisar e brincar de construir e desmontar o seu próprio brinquedo: carrinho de
lata com rodas de sandálias, bonecas de vassouras de açaí etc.
O professor Elvis Nunes Corrêa escreveu em 1996 um poema intitulado “Saudades da
Infância”, no qual ele retrata as lembranças de sua época de criança ocorridas na década de
1970, em Igarapé-Miri, quando se valorizavam brincadeiras coletivas e criativas, onde
embaixo de uma mesa fazia-se uma casinha, um lençol posto em uma corda tornava-se um
barco a vela e assim por diante. Vejamos:
SAUDADE DA INFÂNCIA
Perdeu-se o sentido do brinquedo,
Troca-se a magia do fazer
Pela vaidade da compra,
A alegria de aprender
Pelo o que a máquina monta.
Perdeu-se a magia de brincar,
Troca-se um brinquedo à vela,
Castelhinho de cinderela,
A boneca e a infância
Por cartucho e uma tela
Que não ensina coisa bela,
Só a luta e a vingança,
Que saudade da infância.
Brincar com uma bola
Era pura diversão,
Aprender a jogar
Hoje é obrigação,
Só se pensa no lucro,
Acabou a emoção.
Que saudade da infância,
Das casinhas e amigos,
113
Dos brinquedos que fiz,
Dos amores de criança,
Tudo isso se perdeu,
Procurei pela infância
E a vi brincando no museu (CORRÊA, 1996).
A poetisa Nazaré Ferreira20 produziu recentemente um texto em prosa intitulado “As
flores e os amores que o mundo esqueceu”, em que retrata parte de sua infância vivida nos
anos 60 no Rio Maiauatá, interior de Igarapé-Miri. Destaca com saudosismo a beleza e a
simplicidade de uma infância interiorana, onde a felicidade estava na simplicidade da vida. As
crianças viviam em contato com a natureza e com as pessoas, não viviam em ilhotas como a
maioria das crianças de hoje, que se isola nas mídias sociais, acreditando que estão se
socializando.
AS FLORES E OS AMORES QUE O MUNDO ESQUECEU
[...] comecei a lembrar daquela casinha simples onde eu nasci: meus pais,
irmãos, tios e meus primos. A escolinha. Minha professorinha. A merenda da
escola era bolinhos de trigo com açúcar frito acompanhado de um cafezinho
e a gente achava uma delícia. A casinha de brincadeira feita por meus primos
onde fazíamos café enquanto nossos pais descansavam após o almoço, a
casinha de meus sonhos de criança [...] As folhas e as flores têm formas e
cores diferentes e cada uma tem sua própria beleza. Eu aprendi muito com a
natureza. Nossos gatinhos: meu irmão e eu sempre tínhamos um gatinho e
passávamos horas brincando com ele. O nosso terreiro enfeitado para a festa
de São João. O belo banho de rio na madrugada do dia 24 de junho reunia a
nossa turminha maravilhosa. Os balões e os foguetinhos e os fogos de vista.
Papai foi o primeiro a soltar fogos de vista no Maiauatá o que chamou a
atenção dos vizinhos que ficaram maravilhados. Mamãe não esquecia o
mingau de milho e o arroz doce. E as histórias que meu pai mesmo cansado
do trabalho contava todas as noites após recitarmos o Pai Nosso, para fazer a
gente dormir. Histórias bonitas e engraçadas.
No Natal era tudo simples; porém, com muito amor a reunião da família para
a ceia. O presente do Papai Noel que eu sempre esperava era uma boneca,
mas papai não podia comprar presente para todos. E como eu acreditava que
existia realmente um Papai Noel, eu ficava me perguntando por que ele não
passava em nossa casa [...] Papai me ensinou a tabuada e o alfabeto.
As roupinhas que mamãe costurava com agulhas de mão e os tecidos que ela
emendava para fazer as roupas. Muitas vezes mamãe e minhas tias faziam
roupas do mesmo tecido para as filhas e nem se preocupavam se alguém ia
achar engraçado, o importante era poder se vestir e participar das festinhas.
Algumas notícias ruins que a gente escutava não conseguiam tirar o brilho
da vida. [...] Lembrei-me que eu tirava notas boas na escola, mas ajudava
uma amiguinha que tinha dificuldades para escrever. Eu fazia isso para que
ela também tirasse boas notas. Aos sábados a professora nos ensinava
20 Nazaré Ferreira estudou na Escola Isolada Ararinha, localizada no Rio Maiauatá com a professora Ana Maria
Lopes Pinheiro.
114
catecismo que era um pequeno livro, onde estavam escritos os mandamentos
de Deus e quando terminava a aula de catecismo ela oferecia bombons para
as crianças, mas eu levava para repartir com meus irmãos.
As pessoas ajudavam uns aos outros. Um vizinho levava um pratinho com
comida para o outro: um pedaço de bolo, uma fruta. Todos eram amigos.
Minha avó era parteira e ajudava as mulheres com muito amor e sem pedir
nada em troca. Ela ficava feliz em poder ajudar uma criança vir ao mundo.
Vovó tinha um belo costume de orar em uma janela olhando para o alto. Ele
nunca colecionou nada. Nem imagens, nem fotos, ela não se congregava em
nenhuma igreja evangélica, mas seu costume era esse. Vovó não tinha
nenhum bem material. Somente uma mala com roupas. Só uma árvore de
manga que ela plantou no quintal do filho caçula que ela dizia que era dela.
E eu vestia o que mamãe costurava e comia o que mamãe servia e nem
perguntava por outros tipos de roupas ou de comidas, pois a vida nos
oferecia a simplicidade [...] (FERREIRA, 2017).
3.3.1 Matrícula no Grupo Escolar de Igarapé-Miri
O capítulo IX, artigos 113 e 114 do Regulamento geral do ensino primário de 1903, e
os capítulos 127 e 128 do Regulamento do ensino primário de 1910, definiam que a matrícula
nos grupos escolares seria realizada durante o todo o ano letivo: de 15 de janeiro a 15 de
novembro. Somente seriam aceitos nos grupos escolares meninos maiores de 6 anos e
menores de 14 e meninas maiores de 6 e menores de 12 anos. Não poderiam ser matriculadas
crianças com doenças contagiosas, principalmente varíola, e que não comprovassem que
teriam sido vacinadas.
O capítulo VI, artigos 105 a 112 do Regulamento do ensino primário de 1931,
estabeleciam as regras para as crianças poderem ser matriculadas nos grupos escolares. As
aulas começariam 8 de janeiro e as crianças poderiam ser matriculadas por seus pais e
responsáveis no período de 5 dias antes do início das aulas até 60 dias depois. O candidato à
matrícula deveria fazer um teste para definir à sua classificação pedagógica na instituição de
ensino. Só seriam matriculadas no curso primário as crianças entre 7 a 13 anos de idade. As
crianças entre 4 a 6 anos seriam matriculadas no jardim de infância. Continuavam proibidas
de se matricularem crianças que sofressem de doenças contagiosas ou que não tivessem sido
vacinadas.
Com base no Jornal “A Província do Pará”, em 30 de setembro de 1904, o Grupo
Escolar de Igarapé-Miri tinha 214 crianças matriculadas, com uma frequência máxima de 186
alunos. Em 1905 de acordo com o relatório do inspetor escolar Hilario Maximo de Sant’Anna,
a matrícula do Grupo Escolar de Igarapé-Miri saltou para 318 alunos. Entretanto, nos anos de
1906 e 1907, conforme os relatórios do inspetor João Pereira de Castro, as matrículas
diminuíram para 227 e 236, respectivamente.
115
Quadro 14: Matrícula no Grupo Escolar de Igarapé-Miri: 1905-1907
ESCOLAS
1905 1906 1907
M F M F M F
1ª Escola Elementar, secção Masculina 42 32 38 27 34 19
2ª Escola Elementar, secção Masculina 54 47 32 19 41 22
1ª Escola Elementar, secção Feminina 41 34 26 19 28 20
2ª Escola Elementar, secção Feminina 37 31 29 19 31 17
Escola Complementar Mixta _ _ 10 08 12 12
Soma 174 144 135 92 146 90
Fonte: PARÁ. Relatório de Hilario M. de Sant’Anna, 1905; PARÁ. Relatório de João P. de Castro, 1906-07
O baixo número de alunos matriculados no Grupo Escolar de Igarapé-Miri manteve-se
nos anos seguintes, sendo a desculpa para o governo estadual, Enéias Pinheiro, extingui-lo em
1912. Nos anos de 1937 a 1940 e de 1949 a 1954 a quantidade de crianças matriculadas
continuava inferior a 300.
Quadro 15: Matrícula no Grupo Escolar de Igarapé-Miri: 1937-1940 e 1949-1954
Anos 1937 1938 1939 1940 1949 1950 1951 1952 1953 1954
Matriculados 176 207 229 179 235 254 232 257 257 291
Fonte: IGARAPÉ-MIRI. Termos de exames, 1955
3.4 - PORTEIROS E SERVENTES
Conforme o capítulo II, artigo 40, do Regulamento geral do ensino primário de 1903,
em cada grupo escolar seria nomeado um porteiro que seria auxiliado por 2 serventes (um
destinado a seção masculina e outra lotada na seção feminina). Este regulamento de 1903 e o
Regimento interno dos grupos escolares de 1904 especificavam que “o porteiro [seria]
nomeado pelo secretário de Estado do Interior; e os serventes [seriam] contratados e
despedido pelo diretor do grupo, sob aprovação do secretário” (PARÁ. Regulamento geral do
ensino primário, 1903; PARÁ. Regimento interno dos grupos escolares, 1904). Portanto, eram
cargos que poderiam ser indicados pelo diretor do grupo escolar, e suas permanências na
instituição dependiam do consentimento da direção.
116
As principais funções do porteiro eram abrir, fechar, guardar o livro de ponto dos
funcionários, receber e enviar as correspondências oficiais, fiscalizar e controlar o corredor
denunciando os alunos que transgredissem as leis, tocar a sineta e cuidar da limpeza da escola,
que eram feitas pelos serventes sobre o seu comando. O regulamento do ensino primário de
1931, no seu artigo 48 e 49 estabelece que em cada grupo escolar houvesse um porteiro, que
teria as seguintes atribuições: cumprir as ordens do diretor, abrir e fechar o grupo escolar,
auxiliar a manutenção da disciplina escolar, cuidar da limpeza e higiene da instituição e seus
móveis, ser responsável pole livro de ponto dos funcionários, receber e fazer o controle das
correspondências oficiais (PARÁ. Regulamento do ensino primário, 1931).
Os serventes eram indicados pela direção do grupo escolar e estavam submetidos tanto
ao diretor quanto ao porteiro. Suas funções perpassavam pela limpeza e auxilio ao porteiro,
como por exemplo, a manutenção da ordem fora da sala de aula (PARÁ. Regimento interno
dos grupos escolares, 1904). Com base no artigo 50 do Regulamento do ensino primário de
1931, os serventes tinham as seguintes obrigações: cumprir as ordens do diretor e porteiro,
atender o chamado dos professores para serviço dentro da escola, zelar pela arrumação e
limpeza do prédio e mobiliário escolar (PARÁ. Regulamento do ensino primário, 1931).
Quadro 16: Relação dos porteiros e serventes do Grupo Escolar de Igarapé-Miri
Nº Nome Função Data nomeação
01 Antonio do Nascimento da Silva Servente 1905
02 Benedita dos Santos Souza Servente 1958
03 Braulina de C. Corrêa Servente Década de 1960
04 Diogo Domêncio da Silva (Seu Dondom) Porteiro Década de 1950/60
05 Dulia Maria Pantoja Servente 1956
06 Filomena de Castro Corrêa Servente Década de 1950/60
07 Helenita de Moraes Servente 1959
08 Ivone Corrêa Santana (Dona Santa) Servente 1968
09 Izabel Vila Real de oliveira Servente 1958
10 Izidoria Maria da Conceição Servente 1905
11 Julio Lobato Porteiro Década de 1930/40
12 Maria do Céu Servente 1904
13 Maria Sabina da Conceição Servente 1945
14 Paulo de Moarais Lobato Porteiro 1959
15 Pedro Rattes de Souza Moraes Porteiro 1905
16 Raymundo Pereira Lobato Porteiro 1904
17 Sabina Gonçalves de Castro (Tia Sabina) Servente 1947
Fonte: IGARAPÉ-MIRI. Livro de cadastro dos funcionários, 1972; O LIBERAL, 25/03/1947; TELEGRAMA,
10/06/1945.
117
Até a década de 1960 o Grupo Escolar de Igarapé-Miri teve pelos menos 5 porteiros e
12 serventes. Todos eram moradores de Igarapé-Miri e possivelmente, sem o ensino primário
completo. Alguns continuam vivos na memória de ex-alunos do grupo, como Seu Dondom,
Seu Júlio e Tia Sabina, talvez pelo tempo de serviço prestado à instituição e o carisma que
tinham com as crianças. A imagem de Tia Sabina ficou registrada na memória das crianças
como de uma mãe, pois além de terem nascidas por suas mãos (já que foi parteira), era
também carinhosa, generosa, amiga, conselheira etc. Seu Júlio e Seu Dondom são
relembrados como pessoas prestativas e companheiras.
Houve momentos que o porteiro tentava realizar ações que não correspondiam a sua
função, como podemos verificar em um ofício de 04 de fevereiro de 1939, onde o prefeito
municipal, Antonio Mesquita, reclama à diretora Predicanda Amorim, os intrometimentos do
porteiro Julio Lobato, durante uma reforma do grupo escolar:
Acontece, porém, que permanecendo ali diariamente o porteiro do Grupo
Escolar, entendeu esse cidadão de dar ordens com relação aos serviços.
É justamente esse motivo por que levo ao conhecimento da V. Excia. tal fato
pedindo providencias para que não se reproduza, fim de não trazer
embaraços as ordens emanadas por esta Prefeitura, a quem cabe administrar
as aludidas obras (OFÍCIO, nº 30/1939).
A atitude do porteiro Julio Lobato em “dar ordens com relação aos serviços”, como
observou o prefeito Antonio Mesquita, pode ter sido inconveniente, mas justifica-se à medida
que o porteiro era o único funcionário da instituição presente no momento daquela reforma, já
que as aulas não haviam iniciado, e a diretora provavelmente estaria em Belém. Por outro
lado, o porteiro tinha pelas suas atribuições alguns poderes (estava acima dos serventes na
hierarquia) e responsabilidades pela integridade física do estabelecimento escolar.
Os porteiros e os serventes participavam do processo educativo, organizando a
mobilidade, a conduta das crianças fora da sala de aula e mantendo a preservação e a higiene
dos estabelecimentos. Seriam a extensão dos olhos e ouvidos do (a) diretor (a) nos momentos
em que os alunos não estivam sob o controle dos professores. Prestavam uma importante
contribuição para o funcionamento e manutenção física e moral da instituição. Sem eles a
escola não seria aberta, as dependências não estariam limpas, o corredor do estabelecimento
estaria desorganizado.
Os sujeitos escolares (diretores, professores, alunos, porteiros e serventes)
transformaram as dependências do grupo em um espaço de encontro entre pessoas distintas.
Tentou-se camuflar as diferenças culturais, étnicas, sociais, econômicas, religiosas e políticas
através da uniformização dos corpos e das almas que ocorriam nas atividades ritualizadas do
118
cotidiano. Entretanto, as faltas de alunos e professores sem justificativas, as suspensões de
alunos por despeito às normas institucionais, as ocorrências sobre funcionários que não havia
assimilado as regras, demonstram que a política de controle e imposição das normas estatais
não foram aceitas por todos.
Na seção seguinte, analisaremos os saberes ensinados às crianças no Grupo Escolar de
Igarapé-Miri e as formas de veiculação destes conhecimentos. Selecionamos, dentro do que as
fontes nos permitiu, alguns rituais para analisarmos, a saber: festas escolares, distribuição do
tempo, recreio, aulas e exames avaliativos.
119
4 EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS NO GRUPO ESCOLAR DE IGARAPÉ-MIRI
Não resta dúvida que a celebração das grandes datas, a explicação dos
grandes feitos por que passou a pátria são a mais bella lição que se pode dar
a mocidade. O patriotismo nasce com o homem, porém cresce e alimenta-se
ao contato social. O homem torna-se apto para grandes empresas si desde o
seu berço não vê ao redor de si senão o amor do bem e da virtude. É na casa
paterna, portanto, que começa a formar-se o patriota e o cidadão, sob a
influencia do sorriso materno, mas é na eschola que esta formação si decide
e completa. É lá que, aos 10 ou 12 annos, começa a criança a fazer-se
homem e procurar o modelo que deve imitar durante todo o correr de sua
existência; é ahi, portanto, que o professor deve procurar incutir no coração
dos seus alumnos o verdadeiro amor á pátria e todas as virtudes que lhe
fazem cortejo (A ESCOLA. Discurso de Virgilio Cardoso de Oliveira,1901,
p. 796).
Este trecho é parte do discurso realizado pelo escritor Virgilio Cardoso de Oliveira, na
19ª sessão ordinária do Conselho Superior de Instrução Pública do Pará, em 30 de janeiro de
1901 e publicado na revista “A Escola: revista official do ensino no Estado do Pará”, em maio
de 1901. Para o escritor, as celebrações cívicas são importantes para que as crianças
conheçam os fatos históricos e aprendam a amar a Pátria. O patriotismo é inerente ao ser
humano, mas desenvolve-se no cotidiano: começa em casa e se completa na escola. O
professor tem a missão de tatuar no coração das crianças o amor à Pátria e as virtudes para ser
um autêntico patriota. A instrução e civilização de crianças, realizada através dos rituais
escolares diários, tornou-se indispensável à construção do modelo de homem cívico e patriota
idealizado pelos republicanos.
Nesta seção, iremos discutir os saberes repassados em alguns rituais instrucionais
cotidianos que ocorreram no Grupo Escolar de Igarapé-Miri, os quais são múltiplos e
funcionam como um caleidoscópio, pois mesmo possuindo uma única origem ou uma única
fôrma (único molde), seguiram diversas direções, entrecruzando-se e afastando-se mútua e
coordenadamente com a mesma finalidade propulsora discursiva de progresso da nação e
modeladora da civilização, pois os saberes repassados ritualisticamente deveriam instruír e
civilizar as crianças para serem o futuro cidadão republicano brasileiro.
4.1 RITUALIZAÇÃO DO COTIDIANO
Pátria e Escóla
A Pátria, meus caros meninos, não é somente o vasto territorio em que
vivemos, o sólo que cultivamos, a terra que nos viu nascer, esse conjuncto de
incomparaveis bellezas naturaes, que chamamos carinhosamente — Brazil.
Não: sentimol-a tambem em tudo que nos desperta o affecto ou o
enthusiasmo pelo nome brazileiro, – nas estatuas dos heroes, nas grandes
120
datas da historia, nas obras primas dos artistas, nos monumentos da literatura
[...].
Não, não basta: o amor da Patria sem à orientação necessária [...]. Para seu
cultivo, porém, ha dois grandes e bellos scenarios, intimamente ligados, aos
quaes deveis o maior acatamento: — a Familia e a Escóla.
Si ao deixar o seio carinhoso do lar, onde a alma desabrocha, não vierdes
devidamente encaminhados, por conselhos e exemplos valiosos, para a
sociedade civil, esta receberá um elemento negativo para seu progresso, sem
que possa ser bastante efficaz a acção civilisadora da escola [...]. Podereis,
porventura, servir bem á Pátria, ignorando os deveres que ella impõe,
desconhecendo suas grandezas physicas e moraes?
Assim, a escóla é o grande templo do trabalho, onde o mestre, verdadeiro
sacerdote, prepara na mocidade estudiosa o futuro da Patria. Amae, pois, a
escóla: ahi obtereis não somente o esclarecimento de vossa intelligencia, mas
ainda o espirito de ordem, de disciplina, de estimulo e de solidariedade,
indispensaveis ao convivio social (OLIVEIRA, 1903, p.1-5).
O recorte do texto “Pátria e Escola” contida no capítulo I do livro didático “A Pátria
Brazileira”, destinado à educação cívica, de Virgilio Cardoso de Oliveira (1868-1935), então
diretor do Instituto Cívico-Jurídico Paes de Carvalho, publicado em 1903. É um livro
volumoso com 15 capítulos, 358 páginas com 260 gravuras (várias ocupam a página inteira),
que tem como marco a implantação da República, pois discute em poucas páginas os períodos
anteriores (colônia e império), elogia as figuras históricas do movimento republicano
(Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, dentre outros), expõe em poucas páginas as
configurações externas do Brasil e atem-se a exposição de todos os estados brasileiros e o
Distrito Federal de maneira descritiva e mecânica, sem análises. Segundo Antonio José de
Lemos, intendente municipal de Belém entre 1897 e 1911, “A Pátria Brazileira”, é um livro
“destinado a prestar os mais relevantes serviços á mocidade escolar e ao Brazil, pondo-lhe em
destaque as grandezas, quer com relação à vida industrial, quer no que concerne à vida
espiritual e histórica” (LEMOS,1903, p. 2). É, portanto, uma obra destinada ao elogio da
República brasileira.
No dia 16 de outubro de 1904, durante a primeira festa anual do Grupo Escolar de
Igarapé-Miri, o aluno Raymundo Pinheiro Garcia, recitou o texto “Pátria e Escola” do livro”
“A Pátria Brazileira” contida no início desta seção, e deixou a população da cidade de
Igarapé-Miri, que se espremiam no salão do grupo escolar, emocionada. De acordo com o
relatório de 1904 do diretor da instituição, major Aristides dos Reis e Silva, o Jornal “A
Província do Pará”, nas edições dos dias 21 a 23 de outubro de 1904 trouxe recortes sobre esta
festa, e em um destes dias fez elogios a participação dos alunos destacando a participação de
Raymundo:
121
Releva porém, salientar, além de algumas alumnas que excederam em muito
a espectativa, tal modo garboso, palavra final, gesticulação prompta e
adequado uma scena tocante, e comovedora produzida pelo alumno
Raymundo Pinheiro Garcia, de 10 anos de idade, que tocasse no seu bello
recitativo “A Patria” do grande e esforçado educador da mocidade paraense,
Dr. Virgílo Cardoso de Oliveira, o coração de toda a assistencia, provocando
sensação tão delizada que fez, como que possuindo o auditorio, a maioria
derramar sentidas lágrimas (PARÁ. Relatório de Aristides dos Reis e Silva,
1904, p.626).
Com 10 anos de idade, cursando o 4º ano, o miriense Raymundo Pinheiro Garcia, era
filho do Coronel José Garcia da Silva, Intendente Municipal de Igarapé-Miri entre os anos
1897 a 1906 (LOBATO, 2007). De acordo com o relatório final de 1904, Raymundo aprendeu
ler e escrever em casa com o próprio pai. Foi o 46º aluno a ser matriculado no grupo escolar
em 1904, onde estudou somente o ano letivo de 1904, foi um aluno de boa conduta e de bom
aproveitamento, sendo aprovado plenamente nos exames finais (Pará, Relatório de Aristides
dos Reis e Silva de 1904,). Seria um aluno que se enquadrava na classificação “adiantado”
para diferenciar-se dos “atrasados” e talvez recebeu o destaque midiático por ser filho do
intendente municipal, que fora o mediador junto ao estado da instalação deste grupo escolar e
patrocinador, já que a intendência municipal pagava o aluguel da casa onde funcionava a
instituição educativa.
Segundo o relatório de Aristides dos Reis e Silva de 1904, além de Raymundo
Pinheiro Garcia, outras crianças (Alzira Caripuna, Anna Machado, Joanna Andrade, Victoria
Caripuna, Almerinda Caripuna e Almerinda Andrade), foram citadas no Jornal “A Província
do Pará” nas edições dos dias 21 a 23 de outubro de 1904, como componente da equipe
celebrante do ritual da festa anual de 1904. Nas suas apresentações as alunas declamavam
poesias “de cór”, faziam agradecimentos espontâneos aos professores e diretor pela instrução
recebida. A população assistia às apresentações, aplaudindo e ao mesmo tempo admirada:
como crianças em pouco tempo de estudo conseguiam demonstrar tamanho desenvolvimento
escolar.
As alumnas Alzira Caripuna, Anna Machado, Joanna Andrade, Victoria
Caripuna, Almerinda Caripuna, Almerinda Andrade, também nos seus
complicados e não pequenos papeis, receberam uma verdadeira ovação que
tocou ao delírio, sendo que as duas primeiras, de tal modo chegaram a
desenvolver-se que torna-se inacreditável em meninas de tão pouco tempo
de estudos, terem o adiantamento por estas reveladas. A primeira além de
uma poesia bem recitada, proferiu dous discursos, ambos de cór e bem
declarados, um correspondia a II tiras de papel de lettra minuscula, sobre a
mocidade e os deveres desta para com a velhice, e outro, acto espontaneo
como agradecimento á sua digna mestra e seu distincto diretor, pelo grande
labor não só no preparo das alumnas suas, como pela delicadeza e interesse
122
na forma de sua educação (PARÁ. Relatório de Aristides dos Reis e Silva,
1904, p. 627).
No mesmo relatório de 1904, o diretor do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, expôs um
mapa de matrícula do referido ano letivo. Neste mapa consta o nome do aluno, o município de
origem, nome do responsável, primeiro educador, a série em que estava matriculado, a
conduta moral, o aproveitamento intelectual, o resultado no exame e a observação, onde é
possível perceber o desenvolvimento do aluno na escola. A partir deste mapa conseguimos
obter dados dos alunos citados:
Alzira e Almerinda Corrêa Caripuna eram irmãs gêmeas e tinham 12 anos de idade.
Elas eram irmãs de Victoria Corrêa Caripuna, de 10 anos. O primeiro educador dessas
crianças foi o próprio pai, José Fleuny Corrêa Caripuna (vereador de Igarapé-Miri entre 1903
a 1906), natural de Igarapé-Miri. Ambas cursaram o 4ª ano em 1904: Almerinda e Victoria
foram consideradas alunas de boa conduta e bom aproveitamento escolar, aprovadas
plenamente nos exames finais de 1904. Já Alzira foi aprovada com distinção e foi considerada
uma aluna de ótima conduta e ótimo aproveitamento (PARÁ. Relatório de Aristides dos Reis
e Silva, 1904).
Anna Sanches Machado (12 anos) iniciou seus estudos em casa, tendo como primeiro
educador o seu pai, Maximiliano Fonseca, nascido no próprio município. Ela cursava neste
período o 4º ano e foi aprovada plenamente nos exames finais e com distinção, sendo
considerada como aluna de ótima conduta e ótimo aproveitamento (PARÁ. Relatório de
Aristides dos Reis e Silva, 1904).
Joanna José Andrade (11 anos), natural do município de Cametá, era filha de Feliciano
José Andrade, foi aprovada plenamente como aluna de boa conduta e bom aproveitamento.
Almerinda Andrade (9 anos), oriunda do município de Abaeté (atual Abaetetuba), era
filha de Veridiano Conceição, cursou em 1904 o 2ª ano, foi aprovada plenamente e
considerada aluna de boa conduta e bom aproveitamento (PARÁ. Relatório de Aristides dos
Reis e Silva, 1904).
Subentende-se que as alunas educadas pelos pais, chegaram à escola sabendo ler e
escrever, e tiveram no referido ano o primeiro contado com uma instituição escolar. Estas seis
alunas e o Raymundo (com quem iniciamos esta discussão) possuem algo em comum: são
alunos do 4º ano, sabem ler, são filhos de famílias influentes no município. Constatamos que
o rito também tinha a função de demonstrar à sociedade o desenvolvimento da instituição,
através de seus alunos, mas funcionava também como um elemento meritocrático, haja vista
123
que era executado pelos melhores alunos, como um prêmio ao mérito individual e ao mesmo
tempo um destaque à suas famílias, algumas chefiadas por pessoas importantes na localidade.
As crianças escolhidas para o ritual deveriam ter destaque intelectual e moral, pois passariam
a representar a imagem da escola na comunidade. Seriam socialmente reconhecidos como
parte daquela instituição que o educava. As demais crianças que não se destacavam na escola,
eram silenciadas, ficando praticamente invisíveis socialmente.
A comoção do povo, o derramamento de lágrimas e a sensibilidade cívica dos
participantes do ritual parecem informar ao leitor de “A Província do Pará” que o espírito
patriótico, de civilidade começava a fazer parte dos munícipes de Igarapé-Miri. O grupo
escolar estava cumprindo o seu papel de instruir e educar o povo: alfabetizando e civilizando
as crianças, e estas, por sua vez, transmitindo parte do que aprendiam às suas famílias e
consequentemente à comunidade, mudando hábitos e costumes considerados incivilizados,
como o impatriotismo e o desamor pela Pátria mãe.
No início do século XX, segundo Souza (1998, p. 268) “a escola pública estava se
constituindo não só como o lugar onde se ensinava os valores cívicos, mas como instituição
guardiã desses valores, cuja ação moral e pedagógica se estendia para toda a sociedade”.
Implantar nas crianças os valores republicanos era fundamental à manutenção do sistema
vigente, pois estava presente na memória de muitos pais destas crianças o saudosismo do
sistema político anterior.
Os movimentos contrários ao governo demonstravam até dentro da oficialidade a falta
de espírito patriótico pela república. O Jornal “A República”, de circulação em Belém, Pará,
na edição de 10 de setembro de 1893, traz a matéria de que um grupo de oficiais superiores da
Armada Brasileira, no Rio de Janeiro, liderados pelo Contra Almirante Custodio de Mello,
tomaram dois navios e tentaram derrubar o governo central (A REPÚBLICA, 1893). Esse
episódio demonstra que o sistema político brasileiro precisava combater os seus opositores,
instruir e civilizar as crianças para que se formassem no futuro, defensores e amantes da
república visando trazer a ordem e a tranquilidade, elementos indispensáveis ao
desenvolvimento e a prosperidade econômica de qualquer país.
A ordem e a tranquillidade publicas são, de certo, condições essenciaes para
a estabelidade das instituições e prosperidade de qualquer paiz, nas
circumstancias especiaes em que esta o Brazil na infancia de um regimen
governamental, devem pugnar todos para que ordem não seja perturbada [...]
(A REPÚBLICA, 1893, p. 1).
124
A festa anual do Grupo Escolar de Igarapé-Miri realizada em 16 de outubro de 1904
foi o único evento social do dia no município, entre os raríssimos que ocorriam durante o ano,
como a visita de um padre para celebrar uma missa ou de um político em época de campanhas
eleitorais, dentre outros. Além desta festa escolar, o diretor descreveu no seu relatório de 1904
que três outras ocorreram: duas realizadas durante o recreio escolar, que constituiu em
saudações dos alunos aos professores em virtude de datas natalícias e uma seção literária
dedicada ao inspetor João Pereira de Castro, em sua passagem por Igarapé-Miri em agosto de
1904.
[...] saudações dos alunos, durante o recreio, aos professores, por ocasião dos
seus anniversarios natalícios, orando diversos alumnos. Outra dedicada ao
distincto normalista João Pereira de Castro, quando em visita de inspecção
neste grupo [nos dias 24 e 29 de agosto], a qual constou de uma secção
litteraria, cujo programa foi o hymno infantil cantado no princípio e no fim
da sessão e vários discursos e poesias recitados pelos alunos (PARÁ.
Relatório de Aristides dos Reis e Silva, 1904, p. 624).
As comemorações dos aniversários dos professores e a seção literária em homenagem
ao inspetor escolar foram eventos internos. Entretanto, a festa anual ocorrida em outubro foi o
primeiro e único evento realizado pelo grupo escolar em 1904 destinado a comunidade.
Segundo o diretor Aristides dos Reis e Silva, as festas escolares são um “complemento directo
do desenvolvimento intelectual da mocidade” (PARÁ. Relatório de Aristides dos Reis e Silva,
1904, p. 624).
A data da festa anual21 foi sugerida pelo inspetor escolar, o normalista João Pereira de
Castro, conforme informa o diretor deste grupo escolar no relatório do ano de 1904, enviado
ao Secretário da Instrução Pública do Pará, onde Aristides dos Reis e Silva sugere que as
próximas festas anuais sejam homologadas pelo Secretário (PARÁ. Relatório de Aristides dos
Reis e Silva, 1904). Partindo desta prerrogativa acredita-se que o secretário da Instrução
Pública deva ter indicado o dia 27 de abril (data alusiva à fundação da escola) como festa
anual, já que em anos posteriores foi o evento principal. Como era previsto no capítulo I, art.
II, do Regimento interno dos grupos escolares de 1904, “em cada grupo haverá uma festa
escolar anual, cuja data será marcada pelo Secretario de Estado da Instrucção Publica”.
21 No Relatório dos exames finais do Grupo Escolar de Igarapé-Miri de 1904, o diretor Aristides dos Reis e Silva
afirmou que a festa anual de 1904 desta instituição iria se realizar no dia 16 de novembro, acredito que tenha
mudado de ideia em acatar a data de 16 de outubro proposta pelo inspetor escolar, porque o ano letivo de 1904 foi
encerrado em 08 de novembro, sendo improvável realizar uma festa escolar fora do período letivo (16/11), pois os
funcionários e alunos já estariam de férias (A PROVÍNCIA DO PARÁ, 31/ 10/ 1904).
125
A festa anual do Grupo Escolar de Igarapé-Miri de 1904, foi um evento
disputadíssimo pelos moradores e presença confirmada de autoridades locais e representações
estaduais, pois os documentos analisados, na maioria das vezes encontramos políticos locais
representando os estaduais. Para esse evento anual, foram convidados: o governador do
estado, Augusto Montenegro, e o governador em exercício, Senador Antonio Lemos,
representante do Jornal “A Província do Pará”, o prefeito e presidente do Conselho Escolar
Coronel José Garcia da Silva, autoridades locais e todas as famílias, inclusive do meio rural
com crianças matriculadas na instituição. Barros (2007) destaca que nas festas cívicas eram
convidadas as autoridades municipais e a população da localidade. Em geral, essas
autoridades seriam os próprios patrocinadores do evento.
Nas comemorações cívicas [...] eram convidados todas as autoridades
municipais e extenso público, visando a atingir primeiramente a elite local,
representantes das esferas instituídas na Educação, Saúde, Segurança Pública
além dos representantes legais do Executivo, Legislativo e Judiciário,
geralmente, os promotores desses eventos festivos (BARROS, 2007, p.143-
134).
O convite às autoridades e comunidade local para participarem dos principais eventos
escolares fazem parte da ritualização do cotidiano escolar, onde a escola se organiza para
demostrar à sociedade que os objetivos educacionais esperados, estavam sendo cumpridos, ou
seja, que a escola fazia jus à confiança depositada pela comunidade em seu quadro funcional
para formar o futuro cidadão. O artigo 115, parágrafo 4º e § 2º do Regulamento do Ensino
Primário do Estado do Pará de 1931, determinava que na festa de encerramento do ano letivo
deveriam ser convidados pelo diretor da escola: autoridades escolares, professores locais e
familiares dos alunos.
Além de exaltar o valor da instituição educativa e criar uma espécie de poder cultural
ao diretor, professores e alunos, o ritual aberto à sociedade, também funcionava para exaltar o
sistema político e o próprio governo. Por isso, os convites eram necessários, e serviam para
acalentar o ego daquele grupo político, e ao mesmo tempo serviam para o diretor demonstrar
para o seu padrinho político que estava desenvolvendo um ótimo trabalho.
Souza (1998) aponta que a instituição educativa abria-se à comunidade para ser
admirada. Por isso, nos eventos escolares destinados à sociedade mostrava-se de maneira
teatral.
Configurada como um microcosmo próprio encerrado por muros, grades e
paredes e outras fronteiras materiais, a escola abria-se à cidade, à rua, à
sociedade, aos alunos, aos seus pais, aos seus amigos e a suas famílias. Nas
126
festas e nas exposições ela se dava a conhecer e a admirar ainda que fosse de
forma teatralizada e figurativa” (SOUZA,1998, p. 261).
Com base em Goffman (2015) destacamos que o ritual destinado ao público externo é
construído para esconder as lacunas, os problemas internos e as deficiências da instituição.
Por isso, tudo é belo. Todas as palavras exaltam os egos envolvidos, todos ficam satisfeitos.
Mas no fundo, como em um teatro, se tem uma realidade criada e recriada com maior requinte
a cada nova edição daquele ritual. Portanto, a instituição selecionava os alunos considerados
“melhores”, aqueles que pedagogicamente assimilaram a cultura republicana, para participar
da cerimônia ritualística que tinha como finalidade principal a exaltação da própria República.
Goffman (2015) analisando as cerimônias institucionais no manicômio do Hospital St.
Elizabeths, Washington, EUA, percebeu que as cerimônias destinadas aos visitantes,
configuravam-se como uma exibição, em que o visitante teria uma visão ficcional, criada
pelos organizadores do evento, com o objetivo de exaltar o valor social e reduzir a pressão da
sociedade sobre a instituição.
A exibição institucional pode também ser dirigida para visitantes em geral,
dando-lhes uma imagem ‘adequada’ do estabelecimento – imagem calculada
para reduzir seu vago temor de estabelecimento involuntário. Embora
aparentemente vejam tudo, os visitantes tendem a ver, naturalmente, apenas
os internados mais cooperadores e serviçais, e as partes melhores do
estabelecimento (GOFFMAN, 2015, p. 91).
As festas cívicas desempenham um caráter pedagógico, no sentido em que educavam a
sociedade a reverenciar e decorar os nomes e datas considerados importantes ao regime
político em vigor.
No início da República, dava-se destaque nos grupos escolares às comemorações
alusivas à Proclamação da República nos dias 15 e 16 de novembro. A partir da Era Vargas
(1930 a 1945), o destaque festivo concentrou-se na Independência do Brasil. O Diário do
Estado do Pará de 04 de setembro de 1934 registrou o recebimento de um ofício circular pelo
Comandante da 8º Região Militar de Belém, tenente-coronel Libanio Augusto da Cunha
Mattos, enviada do Rio de Janeiro, sede do Governo Federal na época, determinando que
fosse dada maior visibilidade as comemorações da Independência do Brasil, que já era
considerada a maior celebração nacional.
Commandante da Oitava Região Militar, Belém. De Rio. Circular 355.
Intuito dar maior expressão cívica aos festejos 7 de setembro proximo
melhorando interpretação geral solemnidades militar relativas maior data
nacional, determine que em todas as unidades, Sociedades e Escolas de
instrucção militar, sejam feitas nos dias 2 e 5 de setembro prelecções simples
127
explicativas sobre nossa emancipação política, sua significação e grandeza
moral dos brasileiros que collaboraram para seu advento. Taes prelecções
devem obedecer a um programma relacionado. Dia 7 todas as Unidades,
Tiros de Guerra e Escolas de instrucção deverão formar ás 9 horas para
prestar continencia á Bandeira e fazer um desfile em honra da Pátria Deveis
ainda empenhar-vos para que outras festas de carater militar ou civico se
realizem gravando melhor possivel no espirito de cada cidadão o amor pela
independencia e integridade da nação (PARÁ. Diário do Estado, 1934, p.
s/n).
Uma festa de exibição escolar voltada à sociedade envolve recursos econômicos que
necessitam de patrocinadores, mesmo que haja contribuição dos funcionários da instituição,
não são suficientes para pagar as despesas de um rito pomposo. Nesse sentido, a quem caberia
as despesas dos ritos escolares mais glamorosos?
No Boletim Official de abril a junho de 1907, na secção “Atos do Sr. Secretário”,
consta que no dia 6 de abril de 1907, foi aprovado pelo Secretário de Estado da Instrução
Publica, o programa de uma festa escolar, proposto pelo diretor do Grupo Escolar de Igarapé-
Miri, Aristides dos Reis e Silva, e que iria se realizar do dia 27 de abril de 1907. Na seção
referente aos ofícios do mês de abril, na mesma revista, o secretário determina que seja
entregue ao procurador do diretor do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, tenente-coronel
Agostinho Monteiro Gonçalves de Oliveira, a quantia de 300$000 (trezentos mil reis) para
custear as despesas da festa escolar do dia 27 (PARÁ. Boletim official, 1907).
No ofício s/n expedido em 21 de maio de 1943, pelo prefeito municipal de Igarapé-
Miri, Raimundo Monteiro Lopes, foram elencadas as principais festas cívicas do município de
Igarapé-Miri, e evidentemente realizadas com a participação do grupo escolar da cidade, a
saber: 19 de abril data alusiva ao Dia do Exército Brasileiro, entretanto a partir de 1943
passou-se também a comemorar o Dia do índio (Decreto-lei 5.540/43 assinado por Getúlio
Vargas); 07 de setembro e 10 de novembro, início das comemorações da Proclamação da
República que ia de 10 a 16 de novembro. Referindo-se ao ritual do dia 19 de abril, o prefeito
municipal, expôs que os recursos destinados ao evento foram gastos com compra de bombons
e doces aos estudantes, foguetes, ornamentação e 290 quilos de carne que foram distribuídos
para os pobres da cidade. O prefeito solicitou ao governo do estado mais recursos para as
próximas comemorações cívicas. Podemos inferir que estas fossem em 1943 as principais
festas escolares, e que as despesas destas festas eram custeadas pelo poder público estadual,
enquanto que as festas menos expressivas (internas) não teriam financiamento específico às
despesas.
128
As crianças do grupo escolar participavam de cerimônias cívicas organizadas pela
administração municipal, é o que constatamos em um telegrama enviado em 1943 por
Antônio Augusto de Mesquita, prefeito municipal de Igarapé-Miri, a Magalhães Barata,
Interventor Federal do Pará, onde o prefeito comenta sobre a cerimônia cívica alusiva ao
Estado Novo, que foi promovido pela Prefeitura Municipal de Igarapé-Miri com a presença
das crianças matriculadas no grupo escolar da cidade. No telegrama, o prefeito de Igarapé-
Miri descreve as etapas do ritual cívico em homenagem ao Estado Novo: as solenidades
tiveram início às 5h da manhã com uma alvorada pelas ruas da cidade ao som da banda
musical, às 6h aconteceu o hasteamento da bandeira nacional em frente ao prédio da
prefeitura, às 9h foi realizada uma sessão cívica no Paço Municipal, e às 16h encerrou-se com
um torneio esportivo com premiação dos vencedores.
Data Estado Novo condignamente comemorada cinco horas da manhã
alvorada banda musica local percorrendo cidade pt seis hasteamento banda
nacional prédio prefeitura presente autoridades nove horas sessão civica
paço municipal presença autoridades famílias creanças grupo escolar falando
Dr. Otélo Leoncio Antonio Serra e Olivio Rodrigues sendo nome Dr Getulio
Vargas Vossencia bastante ovacionados vg 16 horas festiva esportivo disputa
premio Prefeitura presidentes grupos ofereceram (TELEGRAMA, s/n,
1941).
Este rito foi realizado para relembrar e exaltar a Pátria com a presença da comunidade
local, das autoridades e dos alunos do Grupo Escolar de Igarapé-Miri. É evidente que para
este rito acontecer precisou-se de estrutura econômica e humana para organizar e coordenar o
evento.
Conforme Goffman (2015), todo ritual é composto por três etapas: organização,
cerimônia e repercussão positiva do cerimonial.
Essas etapas podem ser observadas na festa anual do Grupo Escolar de Igarapé-Miri
de 1904, onde a organização e coordenação foram feitas pelos funcionários da instituição,
representado a primeira etapa do ritual. Nessa etapa, foi definida a data do evento, um
programa com as atividades, o convite às famílias dos alunos, a confecção e envio de ofícios
com a programação do evento, convidando as autoridades estaduais, locais e a redação do
jornal patrocinado pelo governo estadual. O diretor Aristides dos Reis e Silva
estrategicamente convidou os jornalistas para poder divulgar o evento na esfera estadual.
Segundo Goffman (2015, p. 85), “uma das formas mais comuns de cerimônia institucional é o
órgão de divulgação – geralmente um jornal semanal ou uma revista mensal”.
129
Ainda nesta etapa, os professores selecionaram e ensaiaram os alunos para realizarem
as apresentações. Os serventes realizaram a limpeza da instituição, a fim de demonstrar aos
visitantes a preocupação diária com a higiene: “Na véspera [do ritual] começa uma limpeza
geral” (GOFFMAN, 2015, p. 92). Tudo foi lavado e arrumado para causar boa impressão aos
visitantes.
A segunda etapa compreende a realização do cerimonial. Nesse dia, tudo deveria estar
preparado, e os celebrantes da liturgia deveriam estar treinados ou ensaiados. Começa a
exibição teatral: ocorre o discurso dos convidados ilustres e do diretor, a apresentação dos
alunos recitando poesias e a finalização do evento com o hino nacional e distribuição de doces
e bombons aos participantes.
A terceira e última etapa compreende a repercussão positiva do evento. Segundo
Goffman (2015), para o rito de exibição se completar precisa da repercussão positiva do
cerimonial; Dessa forma, entram em cena os comentários positivos do evento, realizados
pelos participantes, dentre estes os jornalistas de “A Província do Pará”. De acordo com o
diretor Aristides Silva, as edições de 21 a 23 de outubro de 1904 do referido jornal trouxeram
várias notas fazendo elogios à grandiosidade do evento, aos organizadores, aos familiares dos
alunos e a atuação do diretor escolar, dando destaque a utilidade da escola graduada e o
empenho do governador Augusto Montenegro.
Com effeito a par da numerosa assistencia que enchia os salões do
importante predio do grupo, linda e galhardamente ornado onde se notavam
as mais distinctas familias de Igarapé-miry e algumas de Belem e da
multidão que apinhava-se no exterior d’aquella casa de ensino,
demonstrando o mais vivo emthusiasmo, lia-se communicativa em cada
rosto, parecendo alli completa toda a felicidade.
A festa escolar de Igarapé-miry, foi, sem duvida, um preito de homenagem
aos organizadores do actual systema de ensino, devido talvez a que
inspirações como estas poucas vezes surgem ao espirito do administrador,
tão rápida é a sua passagem na direção geral dos negocios publicos.
Cada dia que passa para a família paraense, vai-se firmando ainda mais na
sua consciência a utilidade da instituição escolar, pela forma que
actualmente se a vê em atividade em exito inegualvel.
O Dr. Augusto Montenegro, o moralizador das escolas, cuja energia
inquebrantavel ampara actos como este, dignos dos mais subitos encomios
deve esta intimamente satisfeito [...], sustentando o mestre, com a sua
elevadíssima profissão.
Temos certeza que nos estreitos limites de uma noticia não podemos fazer
conhecer em geral todos os pormenores da grandiosa festa escolar de
Igarapé-miry, imprimiu no animo dos assistentes o maior jubilo, alem de
firme convicção da proficuidade e magnificencia da formação actual do
ensino publico do Pará, vamos no entanto dar algumas ligeiras notas, após a
impressão da festa oriunda de um dever do regulamento escolar que ainda
neste ponto exprime o progresso das lettras paraenses, atenta a necessidade
130
da educação moral viver unida a educação civica (Pará. Relatório de
Aristides dos Reis e Silva, 1904, p. 625-627).
A divulgação positiva do ritual serve para multiplicar a ideia de que a instituição está
cumprindo o seu objetivo. Esse narcisismo institucional é importante para que a escola tenha
visibilidade e respeito externo; e o diretor receba elogios e reconhecimento de seus pares e
superiores que não puderam comparecer ao evento. Por fim, a divulgação do ritual pelo jornal
situacionista, conforme a transcrição feita pelo diretor Aristides dos Reis e Silva em seu
relatório de 1904, expunha somente o que o governo permitia, ou seja, a exaltação da Pátria
republicana, o compromisso que o governador do Pará tinha com a instrução pública e a
utilidade da instituição escolar, notadamente dos grupos escolares. Esses e outros ritos
ajudaram a formar o modelo de cidadão brasileiro idealizado com a implantação e invenção
da república.
4. 1.1 A invenção da República brasileira
[...] restava o problema da legitimação popular. Isto significava a
necessidade do uso de outros signos além da palavra escrita, especialmente o
uso de imagens, alegorias, símbolos e mitos, capazes de atingir não só a
cabeça mas o coração e as aspirações populares (SOUZA, 1998, p. 266).
A república brasileira nasceu desprovida de participação popular. Foi um golpe de
estado político-militar sem derramamento de sangue, gestado no seio da elite econômica do
sudeste do país, e orquestrado por parte do exército brasileiro, na figura respeitada e
fisicamente fragilizada, do marechal Deodoro da Fonseca.
Para a maioria da população fluminense o ato não passou de uma parada militar, de
um desfile previamente ensaiado, pois após o ato melancólico do dia 15 de novembro de
1889, a jovem nação continuou com os mesmos quadros funcionais, ou seja, os mesmos
funcionários da monarquia continuaram a ocupar os cargos políticos (CARVALHO, 1987). A
República não representou oportunidades e democratização ao exercício do poder político a
população carente, principalmente a analfabeta que continuou sem direito de voto, pois a
primeira Constituição Republicana (1891) “manteve a restrição do voto de analfabetos”
(XAVIER, 1994, p. 103).
No restante do país, como no longínquo estado do Pará, os ecos da Proclamação da
República chegaram pelos telégrafos e foram discutidos no Club Republicano Paraense
(fundado em 1886) e divulgado no Jornal “A República” (1886-1900), cujos leitores seriam a
própria elite econômica, política e intelectual, repetindo-se a exclusão popular ocorrida no Rio
131
de Janeiro. Ou seja, as discussões em torno das doutrinas republicanas não atingiram as
massas populares.
A cidade [Belém] projetada pela economia de exportação da borracha,
internacionalizara-se nos domínios das linguagens e dos rituais de uma
cultura mundializada, no que era então proclamado como estatuto do
progresso e da civilização. Os republicanos paraenses, na sua grande
maioria, saíram dos quadros dessa elite que a economia do látex melhor
definira, e cujo acesso à erudição francesa em geral, e à cultura política da
França em particular, modelara a bagagem intelectual com que se
apresentavam na cena política local, esgrimindo pela doutrinação
republicana (COELHO, 2002, 32).
Nos seus primórdios, o Club Republicano do Pará possuía em seus quadros Lauro
Sodré, Manoel Barata e Justo Chermont que alinhavam-se com as teorias evolucionistas,
contrapondo-se à revolução armada: “República sem revolução, sem traumatismos políticos,
sem choques profundos, salvo aqueles processados no plano doutrinário, era o ideal dos
republicanos históricos do Pará” (COELHO, 2002, p. 35).
Como projetos gestados em ambientes elitizados poderiam ser significativos para uma
população pobre, analfabeta e órfã (em relação à Pátria) do Norte do Brasil? O povo
desassistido pela Pátria mãe, de modo geral, era desconhecedor da sua nova identidade, pois
não eram mais súditos do rei, e sim “cidadãos” de uma nova nação. Mas que nação?
Precisava-se então, construir novas simbologias e criar novos mitos, para formar as almas
patrióticas, necessárias para compor as fileiras do exército e a mão de obra, que deveriam
proteger militarmente e desenvolver economicamente o país (CARVALHO, 1987).
Que pedagogia22 poderia ser utilizada para fazer com que o povo se identificasse com
a nação? A ausência popular na implantação da república brasileira cingiu um distanciamento
22 Entendemos pedagogia na perspectiva de Libâneo (2001; 2015), enquanto atos, processos e práticas educativas
realizada pela sociedade, em todos os contextos sociais, como parte fundamental da atividade humana. A
pedagogia ou pedagogias não acontecem só nas instituições escolares e mesmo as pedagogias escolares tem
como uma de suas finalidades educar à sociedade. Segundo Libâneo (2001, p. 157-158), “pedagogia é o campo
do conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação − do ato educativo, da prática educativa como
componente integrante da atividade humana, como fato da vida social, inerente ao conjunto dos processos
sociais. Não há sociedade sem práticas educativas. Pedagogia diz respeito a uma reflexão sistemática sobre o
fenômeno educativo, sobre as práticas educativas, para poder ser uma instância orientadora do trabalho
educativo. Ou seja, ela não se refere apenas às práticas escolares, mas a um imenso conjunto de outras práticas.
O campo do educativo é bastante vasto, uma vez que a educação ocorre em muitos lugares e sob variadas
modalidades: na família, no trabalho, na rua, na fábrica, nos meios de comunicação, na política, na escola. De
modo que não podemos reduzir a educação ao ensino e nem a Pedagogia aos métodos de ensino. Por
consequência, se há uma diversidade de práticas educativas, há também várias pedagogias: a pedagogia familiar,
a pedagogia sindical, a pedagogia dos meios de comunicação etc., além, é claro, da pedagogia escolar”.
132
das camadas populares em relação aos valores republicanos. Para moldar o cidadão
republicano, na sua maioria analfabeto, foram criadas estratégias pedagógicas.
O extravasamento das visões de república para o mundo extra-elite, ou as
tentativas de operar tal extravasamento, (...) não poderia ser feito por meio
do discurso, inacessível a um público com baixo nível de educação formal.
Ele teria de ser feito mediante sinais mais universais, de leitura mais fácil,
como as imagens, as alegorias, os símbolos, os ritos (CARVALHO, 1990,
p.10).
A pedagogia utilizada inicialmente objetivava ampliar os quadros da República no
Pará e divulgar o conteúdo doutrinário republicano, e estava restrito aos “clubes e jornais
[que] representavam as tribunas mais valorizadas pelos nossos republicanos, o locus onde
exercitavam a sua pregação e proclamavam o triunfo necessário e inevitável da República”
(COELHO, 2002, p. 31). Posteriormente, somou-se a esse objetivo, a necessidade de tocar o
coração do povo, objetivando “formar as almas republicanas para habitarem o corpo social [os
governos paraenses passaram a investir em] “outras formas de pedagogia [...], como as
cerimônias cívicas, com grande apelo popular, e o recurso à iconografia, ambos encastelados
na melhor tradição francesa” (COELHO, 2002, p. 32, 132).
Um dos exemplos imagéticos são os monumentos enquanto documento. De acordo
com Le Goff (2003, p. 526), “O monumento é um sinal do passado. [...] é tudo aquilo que
pode evocar o passado, perpetuar a recordação”. Nessa ótica, os monumentos são heranças do
passado, não o passado tal como ocorreu, mas construções oriundas de interesses temporais.
Não obstante, os documentos representam uma escolha do interlocutor, ou seja, o monumento
para ser documento precisa ser escolhido e lido. Assim, o documento-monumento foi pensado
e construído com a finalidade de criar uma memória oral e coletiva dos povos sem escrita em
torno de determinado fato político. Portanto, significa o reenvio às massas populares de
discussões políticas que circulavam no âmbito da memória escrita (LE GOFF, 2003).
Em 1897 foi erigido um conjunto escultórico denominado “Marianne”, na Praça D.
Pedro II, atual Praça da República, em Belém do Pará, que é uma representação alegórica da
República, cujo objetivo era pedagogicamente aproximar a república do cidadão, no sentido
que as datas, os vultos históricos e os principais acontecimentos da república pudessem ser
lidos, compreendidos e memorizados pela população. Estas imagens funcionavam como
restaurador e fixador da imaginação.
Esse atrelamento dos republicanos brasileiros aos simbolismo da tradição
republicana francesa fica patente, no caso, quando Justo Chermont fez ver à
Intendência Municipal a importância, como pedagogia cívica, de um
133
monumento à República, para levar os cidadãos a simpatizar com as
instituições republicanas, e assim criar um imaginário republicano
propriamente dito (COELHO, 2002, p. 61).
Dentre as cerimônias cívicas pode-se citar a alusiva à Proclamação da República,
realizada nos dias 15 e 16 de novembro, cujo objetivo era “reafirmar os princípios fundantes
da nova ordem e de exaltar o papel dos pais fundadores do novo regime”. Enfatizando “as
virtudes dos grandes homens cultuados pela religião laica do Positivismo” (COELHO, 2002,
p. 129,133).
E para modelar as crianças nascidas na República utilizou-se como ponto de partida a
educação popular, cuja pedagogia estava ligada ao aprendizado dos valores que enalteciam o
ser cidadão cívico e patriótico, amantes da nação e cumpridores de seus deveres sociais com o
estado. A pedagogia republicana estava presente diariamente nos rituais cívicos, visando
“associar a República às realizações duradouras do espírito humano” (COELHO, 2002, p. 83).
As liturgias, cultuavam os vultos históricos transplantado da monarquia ou oriundo da
República, como Tiradentes, Benjamin Constant, Floriano Peixoto, Joaquim Bonifácio dentre
outros, cujos valores positivista e liberal-burguês (como por exemplo, a meritocracia)
cultuados por estes deveriam contribuir para a formação do imaginário coletivo sobre a
República no Brasil. A república seria uma religião laica e positivista: “a ideia, de uma
República laica, conduzida pela chama do Progresso, seria comum aos quadros hegemônicos
do republicanismo no Pará, tocados pelos valores positivistas, doutrinariamente impregnados
do conservadorismo evolucionista advogado por Comte” (COELHO, 2002, p. 34). A
República seria moderada e ordeira e buscava acima de tudo a liberdade dos cidadãos. E a
educação popular despontava-se como o elemento propulsor do progresso e da civilização.
A educação popular passa a ser considerada um elemento propulsor,
instrumento importante no projeto prometeico de civilização da nação
brasileira [...] a educação popular foi associada ao projeto de controle e
ordem social, a civilização vista da perspectiva da suavização das maneiras,
da polidez, da civilidade e da dulcificação dos costumes (SOUZA, 1998,
p.27).
A pedagogia republicana destinada às classes populares visava formar cidadãos
cívicos: obediente, ordeiro, patriota dentre outras qualidades. Entretanto, não se destinavam a
formar o cidadão-político para ocupar os cargos de chefia do estado, pois esta função
continuava nas mãos da elite.
Para atender a este propósito, estas concepções pedagógicas passaram a ser aplicadas,
desenvolvidas e exploradas pela escola primária, notadamente pelos grupos escolares, onde o
134
prédio passou a ser concebido como um monumento-documento, que deveria ser lido por
todos a partir de sua experiência com a instituição: cada um armazenaria no seu inconsciente
uma experiência vivida na instituição. Segundo Viñao-Frago (2001, p. 63), “o que recordamos
são espaços [lugar em construção] que levam dentro de si, comprimido, um tempo. Nesse
sentido, a noção do tempo, de duração, nos chega através da recordação de espaços diversos
ou de fixações diferentes de um mesmo espaço”. Os espaços estão cheios de muitas
lembranças, cada pessoa que por ali passou tem algo a contar. O espaço do Grupo Escolar de
Igarapé-Miri marcou a vida de muitos alunos, funcionários, familiares e da comunidade em
geral. É um local que deverá ser recordado como lugar da ordem, da disciplina, já que foi a
fôrma modeladora de cidadãos nascidos com a República. O grupo escolar também tem a
função de evitar o esquecimento, por isso a existência do calendário escolar cíclico, onde nas
comemorações cívicas, segundo Souza (1998), a instituição educativa tem o papel de avivar,
preservar e fortalecer a memória nacional, que é a matéria-prima por excelência da construção
da identidade coletiva de uma nação.
Para Coelho (2002, p. 23) “o monumento é tanto um marco como uma marca”, o
prédio do Grupo Escolar de Igarapé-Miri exerceu esta dupla função, foi referencial na cidade
e marco na história do município, representando a marca do progresso e da civilização
moderna.
Como recorte imagético da pluridimensionalidade do urbano, todo
monumento é referencial de um espaço que, apropriado a uma presumível
indefinição topográfica, abrigará um bem cultural e um patrimônio
simbólico que o seus gestores proclamarão como legenda da identidade
coletiva dos cidadãos. O monumento, assim, enraíza-se progressivamente na
memória social como um elemento da própria história da cidade, percebido
como perene, atemporal, fragmento de um caleidoscópio imagético a reunir
as muitas figurações e representações o tecido polissêmico do que é
constituído o corpus urbano (COELHO, 2002, p.23-24).
O grupo escolar, enquanto monumento, exerceu estas funções, pois educou a todos:
pertencentes ou não à instituição: “O espaço não é neutro. Sempre educa” (VIÑAO-FRAGO,
2001, p. 75). As festas cívicas representavam a maneira como a escola queria ser vista pela
sociedade, ressaltando os valores republicanos.
A festa republicana chamava o cidadão a integrar-se ao universo de signos
que redefinia os parâmetros da sua lealdade à República, ao mesmo tempo
que universalizava os grandes emblemas – a começar, é claro, por Marianne
– pelos quais o cidadão reconhecia a República e se reconhecia nela. Havia,
portanto, uma nítida preocupação em formar uma alma republicana a habitar
o corpo social.[...] a festa republicana, no caso, cerimônias cívicas voltadas
ao enaltecimento do novo regime, precisamente porque a festa, vista por esse
135
ângulo, cerca-se do sentido de coesão, unidade, congraçamento em torno de
um valor comum [...] (COELHO, 2002, p. 132-133).
A pedagogia republicana foi instituída e adaptada aos grupos escolares,
transformando-os em espaços destinados à realização de espetáculos e rituais cívicos, em que
se ressaltava a importância da instrução escolar, como elemento indispensável para o
progresso da nação. Nas palavras de Souza (1998), a instituição escolar através das festas
cívicas, dos exames e exposições públicas estendeu a pedagogia política dos republicanos à
sociedade, criando-se uma identidade institucional e sacralizando o grupo como um elemento
de expressão da nação republicana.
Os exames públicos, as festas e exposições escolares e as comemorações
cívicas explicitam as múltiplas formas pelas quais a escola primária
construiu sua identidade institucional e estendeu sua pedagogia à sociedade
mais ampla. Dimensão simbólica da cultura escolar, os rituais e espetáculos
– momentos de dramatização do cotidiano – estiveram implicados na
construção da identidade institucional e desempenharam a função de
sacralizar o grupo como uma expressão da pátria e da República. Essa
pedagogia política e simbólica da escola primária não pode ser subestimada
na compreensão da cultura brasileira na transição do século XIX para o
século XX (SOUZA, 1998, p 277).
A pedagogia republicana desenvolvida pela escola primária compreendeu a
ritualização do cotidiano escolar objetivando instruir e educar as crianças através da formação
cívica e difundir a base da nacionalidade a toda sociedade a partir dos exames públicos, das
cerimônias patrióticas, das festas e exposições escolares, dentre outros, forjando novos
elementos culturais e transformando a escola em uma expressão do Estado. Internamente,
faziam parte desta pedagogia os ritos instrucionais presentes no método de ensino, nos
conteúdos programáticos, nas normas disciplinares da instituição, dentre outras coisas. Esse
modelo pedagógico visava criar almas consensuais para corporificar o Estado. Todas as almas
eram cidadãs, mas se dividiam entre dirigentes e trabalhadoras: as almas dirigentes eram
cidadãs sociais e políticas, e as almas trabalhadoras eram apenas cidadãs sociais. Portanto, os
ritos instrucionais tinham entre suas funções “reforçar os valores dominantes” (MCLAREN,
1991, p. 296).
Como os novos paradigmas se formam a partir dos velhos, a pedagogia republicana se
constituiu a partir de elementos laicos e religiosos anteriores.
O acoplamento dos ensinamentos acadêmicos e religiosos (incluindo seu
denso arsenal de símbolos e metáforas concomitantes) criavam um
intercâmbio que oscilava entre os valores religiosos e leigos. O efeito e tal
intercâmbio servia para acomodar uma visão de mundo cuja ordem era aceita
136
de forma não problemática, bem como a desigualdade, a opressão e o
respeito à autoridade. O poder e a legitimidade eram ligados simbolicamente
aos ‘nossos antepassados’, ‘nossa pátria’, ‘nosso Deus’ (MCLAREN, 1991,
p. 305).
Os ritos instrucionais serviram também para fomentar a santificação e importância do
espaço escolar, que representava um lugar sagrado, uma linha de montagem fabril (por
exemplo, divisão das aulas e marcação do tempo) e/ou um espaço comercial. Comparando-se,
nessa perspectiva, o prédio escolar a um templo, fábrica ou casa comercial, a liturgia diária
destes espaços é o cotidiano que foi ritualizado nas várias atividades, promovidas pelos
sacerdotes, operários ou vendedores que são os professores, fiscalizados pelo chefe imediato
que é o capataz, o diretor, que também é fiscalizado por outros. Os ritos são múltiplos e
ocorrem diariamente nas linhas de montagem, na igreja e na atividade comercial que
representa a sala de aula. Por fim, o conhecimento é representado pela produção da fábrica, os
lucros do comércio e a eucaristia; os alunos são os fiéis, os operários e os consumidores.
o conhecimento revelado [é] uma mercadoria sagrada necessária à salvação
material e para entrar em um céu cheio de mercadorias. Neste sentido [...] os
rituais do salão das aulas não eram senão módulos ou unidades rituais,
derivados do mais definitivo dos atos católicos de ensino – a celebração da
Eucaristia (MCLAREN, 1991, p. 296).
Nas cerimônias de ensino aconteciam vários ritos: entrada, recreação, saída, aula,
dentre outros. A sala de aula era um espaço rigidamente organizado, e, por conseguinte,
apropriado para promover a efetiva comunicação ritualizada, através de diálogos, símbolos,
controle dos corpos, tom de vozes, lições diárias. Além disso, as salas de aulas eram
ambientes disseminadores das visões de mundo. Na escola o tempo é ritualizado e os horários
são demarcados pelo toque da sineta ou campainha: entrada, recreio e saída. O professor além
de guardião do conhecimento é também um coreógrafo de símbolos. Os alunos são
considerados um corpo único, mascarando as diferenças sociais; entretanto, são divididos
entre adiantados ou atrasados. Conforme Souza (1998), o mito da identidade e unidade
nacional, foi trabalhado pelos republicanos com a utilização de símbolos, tais como a bandeira
e hino nacional, o soldado-herói etc. A construção da identidade e unidade coletiva era um
problema latente no Brasil, pois um país formado por várias nações nativas, várias
nacionalidades migratórias, por ex-escravos também oriundos de várias culturas, era um país
sem rosto. Portanto, a necessidade de se desenhar nas letras e nos símbolos a fisionomia para
o “novo” país. A escola primária assumiu um papel fundamental na construção do imaginário
republicano.
137
A escola primária republicana instaurou ritos, espetáculos, celebrações. Em
nenhuma outra época, a escola primária, no Brasil, mostrara-se tão
francamente como expressão de um regime político. De fato, ela passou a
celebrar a liturgia política da República; além de divulgar a ação
republicana, corporificou os símbolos, os valores e a pedagogia moral e
cívica que lhe era própria. Festas, exposições escolares, desfiles dos
batalhões infantis, exames e comemorações cívicas constituíram momentos
especiais na vida da escola pelos quais ela ganhava ainda maior visibilidade
social e reforçava sentidos culturais compartilhados. Eles podem ser vistos
como práticas simbólicas que no universo escolar, tornaram-se uma
expressão do imaginário sociopolítico da República (SOUZA, 1998, p. 241).
A instrução primária implantada pela República assumiu-se enquanto uma instituição
responsável pela formação cívica e patriótica do brasileiro, configurando-se um meio de
atuação e divulgação do regime político. Através da educação primária, o sistema político
ganhou visibilidade, pois seu discurso nacionalista reproduzido nos rituais cotidianos
conseguiu chegar ao coração das crianças. O sistema educacional formou uma rede
disseminadora do projeto político. As escolas estrategicamente foram usadas como núcleos
reprodutores das ideias do sistema político, que eram repassadas ritualisticamente. Os rituais
espontâneos ou repetitivos eram o meio pedagógico de reprodução e disseminação dos ideais
políticos, ou seja, através da repetição do rito, as crianças compartilhavam e assimilavam o
modelo de cidadão que o estado desejava (SOUZA, 1998; MCLAREN, 1991).
As crianças citadas no início desta seção estavam participando de um ritual escolar,
termo utilizado por McLaren (1991) para designar qualquer ação humana repetitiva em
qualquer intervalo de tempo. Para esse autor, os eventos que ocorrem no dia a dia da
instituição escolar podem ser denominados também de rituais instrucionais, no sentido que
instruem e educam as crianças. São eles: entrada, recreio, saída, aula, leitura, palestras,
exames avaliativos, festas anuais, dentre outros.
Goffman (2015, p. 85) pesquisando um hospital para doentes mentais nos Estados
Unidos, ou seja, uma denominada instituição total23 cunhou a expressão “cerimônias
institucionais” para designar o “conjunto de práticas institucionais – seja espontaneamente,
seja por imitação [...]. Tais práticas exprimem solidariedade, unidade e compromisso conjunto
com relação à instituição, e não diferenças entre os dois níveis”. Compreendem cerimônias
institucionais: as reuniões de grupo, os portões abertos, o boletim interno, os esportes
internos, dentre outros. Outra função dos rituais instrucionais é a coisificação das coisas, isto
23 “Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de
indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam
uma vida fechada e formalmente administrada” (GOFFMAN, 2015, p. 11).
138
é, tratar ou transformar os conceitos abstratos como se fossem coisas materiais, como é o caso
de Marianne, a personificação ou materialidade da ideia abstrata de República. Ao mesmo
tempo, idealiza-se a realidade, como por exemplo, a visão de trabalhador obediente, feliz e
satisfeito com sua profissão e salário.
Os eventos espontâneos ou repetitivos que ocorrem no cotidiano das instituições
educativas são denominados de rituais escolares ou instrucionais por McLaren (1991), e de
cerimônias institucionais por Goffman (2015). São expressões que apontam para o mesmo
significado, a saber: os rituais cotidianos de uma instituição educativa, quer seja escolar ou
total, visam instruir e educar através da repetição ou espontaneidade os seus educandos para
formar um modelo de homem-cidadão pretendido pelo sistema político vigente. Torna-se,
portanto, uma forma de controle social realizada através da tentativa de padronização do ser
humano a partir dos interesses do estado, podendo ser considerado uma política de cunho
nacionalista.
Diversos rituais foram adaptados ou criados para divulgar e fortalecer a República, tais
como: monumentos, iconografias, festas cívicas, livros didáticos, dentre outros. Os grupos
escolares foram os espaços que congregaram ou absorveram praticamente todos estes rituais e
criaram outros. De acordo com o capitulo IV, artigo 49, do Regimento interno dos grupos
escolares do Pará de 1904, muitos ritos que aconteciam no interior desta instituição educativa
eram demarcados pelo uso da sineta.
4.2 SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS
O Regimento interno dos grupos escolares e das escolas isoladas do Estado do Pará de
1904 apresenta a regulamentação estatal sobre os principais rituais republicanos, visando
manter o controle e a uniformidade dos grupos escolares do estado. Os ritos diários
apresentados são: matérias com os respectivos conteúdos que deveriam ser ensinados,
matrícula, aulas, horários, entrada, recreio, saída, disciplina, advertências, uniforme, meios de
emulação, exames avaliativos, inspeções, festas escolares etc.
4.2.1 Festas escolares
As principais festas celebradas no Grupo Escolar de Igarapé-Miri entre 1904 a 1912
foram: a festa anual, que geralmente ocorria no dia 27 de abril, data de fundação da
instituição, e a Proclamação da República nos dias 15 e 16 de novembro. Porém, entre 1937 e
1943 passou-se a dar destaque às comemorações do dia 7 de setembro em homenagem à
139
Independência política do Brasil. Uma festa escolar tornava-se um espaço de socialização de
pessoas e ideias, sendo um momento ideal para educar a comunidade. Os grupos escolares
tornaram-se “um espaço de encontro, de solenidades e comemorações. Cravados no coração
dos centros urbanos, [...] irradiavam sua dimensão educativa para toda a sociedade” (SOUZA,
1998, p. 116).
A seguir, apresentamos uma fotografia que registra a comemoração da Independência
do Brasil, na década de 1940 em frente à Prefeitura Municipal e Câmara dos vereadores de
Igarapé-Miri. As autoridades estão nas janelas, assistindo a passagem dos alunos, seus
familiares e funcionários do grupo escolar da cidade.
Figura 15: Crianças desfilando no Dia da Independência
Fonte: FACEBOOK. Acervo historico miriense, 2016
Segundo Lobato e Soares (2001), a principal data cívica comemorada pelo Grupo
Escolar de Igarapé-Miri na década de 1940 era o dia 07 de setembro, quando acontecia o
desfile escolar, os discursos das autoridades, o hasteamento da bandeira e cantava-se o hino
nacional.
As festas cívicas jamais foram esquecidas, sendo o ponto alto o 7 de
setembro, em que havia o desfile da escola para as autoridades como
prefeito, juiz de direito, padre e as professoras. Como plateia, os alunos e
pais, sendo feitos discursos pelas autoridades, aluno e professoras, alusivos à
Independência do Brasil. Após a sessão, havia o desfile pelas principais ruas
da cidade até a escola, onde, então, após o hasteamento da bandeira
brasileira e a entonação do hino nacional, os alunos se dispersavam e
retornavam a sua casa [...] (LOBATO E SOARES, 2001, p. 55).
140
O ritual da Independência do Brasil na década de 1940 apresentava as seguintes
etapas: a primeira era a organização do evento com ensaios dos alunos sob a responsabilidade
de policiais de serviço em Igarapé-Miri, convites aos pais dos alunos e as autoridades
políticas, jurídicas e religiosas, confecção de roupas e cartazes etc.). A segunda etapa era o
cerimonial, que acontecia através da entoação do hino nacional e hasteamento da bandeira,
discurso das autoridades, desfile dos alunos, apresentação da equipe de ginástica, dentre
outros. E a terceira e última etapa, era a disseminação de comentários positivos sobre o
evento, que ocorriam verbalmente pelos participantes, já que não havia jornal de circulação
local. Lobato e Soares (2001) expressam que nas comemorações da Semana da Pátria
ocorriam as seguintes atividades:
Além da sessão cívica, havia o desfile escolar com a presença das
autoridades estaduais, municipais e eclesiásticos e o povo em geral que
participava aplaudindo. O ponto culminante era sua participação discursiva
referente à data, bem como os hinos pátrios muito bem ensaiados e o brado
triunfal à Independência por D. Pedro I, representado por um aluno vestido a
caráter em plena praça com todo o requinte de um momento de glória. Nesse
instante era executado o hino nacional brasileiro pela banda de música com a
participação do público em geral. Em seguida, ocorria a apresentação de
ginástica pelas meninas e as famosas pirâmides com cerca de 20 meninos,
exibidos para os presentes com muitos aplausos. À tarde havia a
apresentação de comédias ilustrando o Brasil do momento [...] (LOBATO E
SOARES, 2001, p. 80).
O sete de setembro, como data comemorativa, surgiu no Regulamento do ensino
primário do Pará de 1918, como o dia de inauguração da exposição escolar de desenho, que
passou a ocorrer em Belém, Pará. De acordo com o artigo 268 do Regulamento do ensino
primário do Pará de 1918, os grupos escolares deveriam comemorar todos os anos, a festa da
bandeira, o aniversário da escola, o começo e fim do ano letivo e a entrega dos certificados de
conclusão de curso.
O regulamento indica também como deveriam ser organizados os rituais nos grupos
escolares do Pará a partir de 1918: entonação de hinos escolares e pátrios, recitação de
poesias, apresentação de ginástica e passeatas pelas ruas. O artigo 270 e 271, do mesmo
regulamento de 1918, expõe parte da estrutura do rito.
Art. 270 - Os trabalhos escolares principiarão sempre por cânticos, entoados
em côro por toda a escola, os quaes serão escolhidos e ensaiados pelo
professor, devendo ser, de preferencia, cantos patrioticos.
Art. 271 – As datas nacionaes ou regionaes que assignalarem eventos
memoraveis da nossa historia, serão objeto de palestras civicas dos
professores aos seus alumnos, em linguagem ao alcance da intelligencia das
crianças, um dia antes e um dia depois das referidas datas, iniciando-se por
141
ellas a abertura das aulas (PARÁ. Regulamento do ensino primário, 1918, p.
52).
Conforme o artigo 113 § 2º do Regulamento do Ensino Primário de 1931, os trabalhos
nos grupos escolares deveriam começar com cânticos em coro, especialmente dos hinos
nacional e à bandeira, com explicação previa das letras dos hinos entoados.
No artigo 222 do capítulo XIII do Regulamento do ensino primário do Pará de 1931,
permanecem como festas obrigatórias o aniversário de fundação da escola e o encerramento
do ano letivo. Entretanto, a festa da bandeira (19 de novembro), o aniversário da fundação da
cidade que sediava o grupo; a abertura do ano letivo e a distribuição de certificados primários
deixaram de ser cerimônias obrigatórias. O referido regulamento de 1931, também
especificava que a exposição escolar de desenho seria realizada todo dia 12 de outubro.
No artigo 210 do capítulo XXI do Regulamento do Ensino Primário do Pará de 1934,
foi incluído como festa principal e obrigatória o 7 de setembro, seguido do aniversário da
escola e o encerramento das atividades escolares. O artigo 211 do mesmo regulamento define
os ritos que poderiam compor a estrutura da cerimônia cívica, a saber: cânticos, hinos;
recitativos e poesias patrióticas; exercícios físicos, dentre outros, especifica também que a
escola poderia celebrar o ato cívico com passeatas escolares.
Art. 210 – São festas de comemorações obrigatórias:
1º A data de 7 de Setembro.
2º A data de aniversario de fundação do grupo.
3º O encerramento do ano letivo.
Art. 211 – As festas que se organisarem nos grupos e escolas do Estado
poderão constar de cantos, hinos escolares; recitativos e poesias patrioticas;
exercicios de cultura e fisica, passeatas escolares, etc. (PARÁ. Regulamento
do ensino primário, 1934, p. 13).
As mesmas festas escolares são mantidas no Regulamento do Ensino Primário do Pará
de 1944, incluindo apenas o Dia do Livro, que seria um evento de distribuição de livros aos
alunos alfabetizados naquele ano.
A partir do Regulamento do ensino primário de 1918, ocorreu o processo de
uniformização institucional do rito, ou seja, em todos os grupos escolares as celebrações
seguiriam a mesma estrutura. Com isso, o estado passou a normatizar a estrutura dos ritos,
garantindo maior eficiência de resultados e racionalização do tempo empregado em cada
ritual.
O destaque que as comemorações alusivas ao sete de setembro foi adquirindo nas
festas escolares demonstra uma política de cunho nacional de militarização da infância no
Brasil. De acordo com Souza (2000), a prática dos exercícios militares e ginástica foi
142
inserida nas escolas de São Paulo no início do século XX, demonstrando a valorização de um
política educacional nacionalista e militarista. A introdução da educação militar foi
acontecendo gradativamente nas escolas paulistas.
No início do século, a Revista de Ensino publicou vários artigos sobre a
educação militar com base no livro Instruções para o Exército Brasileiro. No
programa de 1905, esses exercícios compreendiam marchas, formaturas em
filas e fileiras, evolução da companhia sem armas e com armas. O ensino de
ginástica e exercícios militares faziam parte do currículo da Escola Normal
de São Paulo, para os alunos do sexo masculino. [...] vários grupos escolares
contaram, no início do século XX, com o trabalho voluntário de soldados
reformados do exército para o desenvolvimento dessa atividade (SOUZA,
2000, p. 107-108).
No estado do Pará, conforme Silva (2015) a nomenclatura “Educação Física” foi
citada pela primeira vez no Regulamento geral da instrução pública primária de 1890, e foi
substituída por “Ginástica Escolar” no Regulamento do ensino primário do Pará de 1910: “a
introdução [dos exercícios físicos nas escolas] não se deu por acaso, mas estava arraigada na
concepção de eugenia como ciência que buscava aprimorar a raça” (SILVA, 2015, p. 55).
Com a introdução da ginástica escolar, o estado demonstrava o propósito em fornecer valores
militares à infância. Estas práticas militares tornaram-se perceptíveis no valor empregado às
comemorações da Semana da Pátria, em que as ações patrióticas e militares tornaram-se a
tônica do ritual. Desta forma, os símbolos nacionais: bandeira, hino, marcha, autoridades,
ordem e outros, convergiram para formar o ideário de nação forte e indestrutível. Nesse ritual
cívico, a escola extrapola os limites geográficos, passando a assumir a responsabilidade de
educar toda a sociedade.
4.2.2 Distribuição do tempo
O tempo escolar organiza os ritos diários, semanais e anuais. De acordo com o
Regimento interno dos grupos escolares de 1904, o período letivo era de 15 de janeiro a 15 de
novembro. As aulas ocorriam de segunda a sábado, de 8h às 11h30 nas escolas elementares, e
nas escolas complementares de 8h30 às 11h30 para as meninas e 14h às 17h para os meninos
(Art. 21 e inciso único). Não havia férias em julho. Até 1912 no Grupo Escolar de Igarapé-
Miri, as turmas do Curso Complementar eram compostas por poucos alunos. Por isso,
funcionavam somente no turno da manhã.
O Regulamento do ensino primário de 1931 estabelecia que as aulas nos grupos
escolares ocorreriam de 8 de janeiro a 30 de outubro. Entretanto, o período letivo poderia ser
reduzido com a autorização do governador. De acordo com o Diário Oficial do Estado de 12
143
de setembro de 1934, o Interventor Federal do Pará, Magalhães Barata, homologou nesta data
o decreto 1.380 que abreviou o ano letivo de 1934 para 10 de outubro.
O Regulamento do Ensino Primário de 1931 e 1934 apontavam que os grupos
escolares poderiam funcionar em dois turnos: de 8h às 11h e de 13h30 às 16h30. Com isso, o
recreio foi reduzido para 10 minutos no meio do turno.
Em 8 de fevereiro de 1939, o prefeito municipal de Igarapé-Miri e presidente do
Conselho Escolar, Antonio Augusto de Mesquita, solicitaram, via ofício ao Interventor
Federal, Magalhães Barata, permissão para o Grupo Escolar de Igarapé-Miri funcionar em
dois turnos (manhã e tarde), devido ao aumento no número de alunos. O prefeito especifica
que as cinco turmas (primeiro preliminar, primeiro adiantado, segundo, terceiro, quarto e
quinto ano) funcionavam em três salas, dificultando o trabalho das professoras e que a
instituição iria iniciar uma turma de ensino infantil.
Informo a V. Excia. que o prédio onde funciona aquêle estabelecimento de
ensino é pequeno para conter o grande numero de alunos alí matriculados,
pois, dispõe, apenas de três salas para comportar cinco classes, fóra o
“Jardim de Infancia”, cujas mezas e cadeiras estão amontoadas, há mais de
um ano num compartimento desta Prefeitura.
Dessa maneira, peço permissão para aviltrar a V. Excia. a idéa de serem as
aulas do grupo divididas em dois turnos, pela manhã e á tarde, funcionando,
no primeiro, as aulas do “Jardim de Infância”, primeiro ano preliminar e
primeiro ano adiantado e segundo ano, e, no segundo, as aulas do terceiro,
quarto e quintos anos. Só assim ficariam melhor acomodadas as criancinhas
e, mesmo, as senhoras professôras teriam maior espaço de locomoção para
se desincumbir de sua obrigação.
Como vem acontecendo, que funcionam em três salas cinco classes reunidas,
num amontoado de alunos de diferentes grupos, resulta no fáto de ocasionar
perturbação ás professôras que ficam inhibidas de dar melhor eficiencia ao
ensino distribuido entre centenas de meninos (OFÍCIO, nº 36/1939).
O desdobramento do horário pode representar a necessidade de ampliação de vagas em
razão do aumento populacional ou também a falta de carteiras escolares. Em 1º de agosto de
1956 a diretora do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, Adalgisa Maria Batista de Miranda,
justificando que devido faltarem carteiras na escola, resolveu criar o segundo turno. O
primeiro turno ficou das 7h50 às 10h50 e o segundo das 11h às 14h. Até esta data a escola
funcionou apenas no turno da manhã.
Em 1957 a instituição passou a funcionar somente no turno da manhã. No dia 7 de
novembro de 1957 a referida diretora, sob a alegação da necessidade de disponibilizar mais
tempo às aulas, assinou outra portaria ampliando o horário escolar de 7h30 às 12h. Em 04 de
março de 1958 a escola voltava a funcionar em dois turnos, mas os horários haviam sido
alterados: de 7h30 às 11h e de 13h às 17h. Como vemos, havia certa autonomia com relação
144
ao horário de funcionamento do grupo escolar, que poderia ser alterado pela diretora em
consonância com o Conselho Escolar. Na portaria assinada em 1957, a diretora Adalgisa
fundamenta a alteração no horário de funcionamento do Grupo Escolar de Igarapé-Miri,
referindo que o regulamento de ensino lhe possibilitava estas alterações e que havia aceitado
as ponderações do Presidente do Conselho Escolar de Igarapé-Miri (IGARAPÉ-MIRI. Livro
de ocorrência, 1962).
Independente do horário de aula, a criança cumpria o mesmo ritual diário. Ao chegar
à escola, deveria seguir direto à sua sala de aula. Caso não cumprisse esta regra, seria
advertido pelo porteiro. Em sala, não poderia fazer barulho, ficar olhando na janela, ou seja,
deveria passar pelo processo de desencarnação do mundo externo para interiorizar o sagrado
espaço da aprendizagem. Quando o professor entrava na sala, começavam a entoar os hinos:
nacional, à bandeira, Pátria, centenário e liberdade (LOBATO E SOARES, 2001). O Grupo
Escolar de Igarapé-Miri, não possuiu hino.
Conforme o Regimento interno dos grupos escolares do Pará de 1904, as crianças não
poderiam sair da sala de aula sem autorização do professor que deveria liberá-las apenas em
momentos fisiologicamente necessários. Saída e entrada da sala em momentos como recreio e
final das aulas deveriam ocorrer em fila, sempre formando par com o mesmo colega e em
silêncio (PARÁ. Regimento interno dos grupos escolares, 1904, p. 43).
Os horários eram organizados para que os meninos e as meninas não tivessem
contatos, é o que demonstra o diretor Aristides dos Reis e Silva no seu relatório final do ano
de 1904.
Deve ajuntar neste capítulo que sempre conservei em absoluta separação as
duas secções de alunos, tanto nas festas escolares, como nos recreios e
mesmo na sahida do grupo. Nesta ocasião, às 11 1/12 [11h30] horas do dia,
fazia sahir primeiro as meninas e depois de estarem estas distanciadas, os
meninos (PARÁ. Relatório de Aristides dos Reis e Silva, 1904, p. 622).
Percebe-se que nos grupos escolares, a distribuição do tempo era marcada pelo toque
da sineta que representava o controle dos corpos, a ordem institucional, o aproveitamento
racional do tempo, a civilidade, o progresso, dentre outros, visto que viver sob o controle do
tempo cronológico era uma prática de países industrializados, considerados civilizados e
desenvolvidos. Os povos considerados “atrasados” orientavam-se pelos fenômenos da
natureza.
Parece que o tempo escolar reproduz a temporalidade de uma fábrica do século XIX e
XX, como se fosse uma linha de montagem, onde a distribuição racional e aproveitamento do
145
tempo, marcado pelas chaminés das indústrias, era algo indispensável e obrigatório. Em
Igarapé-Miri, o som das chaminés advinha dos engenhos de cana de açúcar e de algumas
serrarias (beneficiadoras de madeira). A contagem do tempo a partir do som, que estava
presente nas indústrias, passou a ser utilizada nos grupos escolares. Entretanto, a
racionalidade temporal, tornou-se um elemento de dominação à criança, já que representava
um controle repetitivo de gestos ritualísticos, buscando atingir a uniformidade e conformidade
das almas que habitariam o corpo social.
O tempo escolar ultrapassa os limites geográficos da instituição, influenciando nos
costumes das famílias e alterando a rotina dos espaços públicos. Conforme Vidal e Silva
(2013, p. 35), “a chegada da idade escolar, o período de permanência na escola, as
festividades promovidas são rituais que adentram a dinâmica familiar”. As famílias adaptam
seus horários de dormir, acordar, viajar, passear, tratamento médico de rotina em função do
tempo escolar das crianças.
4.2.3 O recreio
No Regimento interno dos grupos escolares do Pará de 1904, o capítulo VI,
compreendendo oito artigos (do 60 ao 67), é dedicado exclusivamente ao rito do recreio
escolar. O artigo 60 justifica a importância do tempo dedicado ao recreio: “dar repouso ao
espírito e necessário desenvolvimento ao corpo” (PARÁ. Regimento interno dos grupos
escolares, 1904, p. 46).
Meurer e Oliveira (1995) analisando “a construção social dos recreios escolares” nas
escolas públicas do Paraná no início do século XX, através de discursos de autoridades no
ensino e registros de professores de época, descobriram que a implantação do receio e
intervalo na escola se justificava pelo sentido de utilidade que os professores davam à escola
primária nesse período: “o propósito da escola elementar era formar tomando-se por base
certo princípio de utilidade para a vida. [...], pela lógica da utilidade, de um sentido ‘prático’,
que a escola deveria organizar seus saberes, suas ações e suas práticas” (MEURER E
OLIVEIRA, 1995, p. 238).
A escola elementar, nas palavras de Meurer e Oliveira (1995), deveria formar
integralmente a criança a partir de três dimensões: intelectual, moral e física. Ao mesmo
tempo em que a escola instruía, deveria civilizar para viver em sociedade para ter uma boa
saúde e os sentidos treinados para aprender. A arte de recrear estaria ligada a outros saberes
escolares, como canto, declamações e ginástica. O mesmo também a valores sociais, como
146
ordem e respeito, e ajudaria no desenvolvimento sensorial das crianças, melhorando a
percepção, a atenção e o controle dos corpos, ajudando-as a assimilar os saberes que a
instituição pretendia infundi-los.
No relatório do Grupo Escolar de Igarapé-Miri de 1904, o diretor descrevendo como
se realizava o recreio, informa que as meninas recreavam-se no salão do grupo e os meninos
na praça em frente à escola. No primeiro toque de sineta saiam os meninos, e no segundo as
meninas. Ao término do recreio, a ordem de entrada se invertia: no primeiro toque da sineta,
as meninas entravam na sala de aula; e no segundo, os meninos.
No salão do grupo fiz os recreios para as meninas e na praça, à frente do
predio, debaixo de varias arvores copadas que ali estão e onde mandei
colocar diversos bancos, os dos meninos, tendo conseguido separar os
menores dos maiores. A’ hora de recreio, e ao primeiro toque da sineta
sahiam os meninos, emquanto que as meninas permaneciam nas escolas, até
o segundo toque. A’ entrada era inversamente: entravam primeiro as
meninas e depois os meninos (PARÁ. Relatório Aristides dos Reis e Silva, 1904, p. 621-2).
O tempo do recreio era de 15 minutos diários nos intervalos de aula reservados aos
exercícios físicos, exceto às quintas e sábados, quando o intervalo recreativo seria de 30
minutos. O capítulo I, artigos 9º e 10º do Regimento interno dos grupos escolares do Pará de
1904 estabelece os seguintes conteúdos para serem trabalhados durante as aulas de educação
física: noções de higiene, exercícios físicos e jogos para os meninos; enquanto que às
meninas, poderiam aprender prendas e trabalhos considerados exclusivos às mulheres da
época.
Art. 10 – [...] será dada, em ambos os cursos, conveniente educação physica
aos alumnos, comprehendendo:
§ 1.º- Noções práticas de hygiene; - cuidados de asseios exigidos e
recommendados.
§ 2.º- Exercícios phisicos, marchas saltos, movimentos a pé firme e outros
exercícios calistenicos feito durante os recreios.
§ 3.º- Jogos: brinquedos ao ar livre.
Art. 10 – Nas escholas do sexo feminino, duas vezes por semana, nos dias
designados para os exercicios physicos dos alumnos, poderá ser dado ás
alumnas ensino de prendas e trabalhos femininos (PARÁ. Regimento interno
dos grupos escolares, 1904, p 39).
Os exercícios físicos eram diferentes: as meninas deveriam praticar somente jogos e
brincadeiras ao ar livre; aos meninos deveria ser evitados jogos com as mãos e capoeira e
outros similares, que segundo o regimento não visavam educar. De acordo com Silva (2015),
estas proibições se justificam porque os “jogos com as mãos” durante o recreio representava o
147
conhecimento adquirido fora do ambiente escolar, como na rua, em casa, e ao mesmo tempo
reportava às tradições indígenas e afro-brasileiras. Quanto à proibição de praticar capoeira nas
escolas, também tem uma finalidade de afastar a memória da cultura afro-brasileira das
crianças. Os praticantes de capoeira, na sua maioria eram pobres e negros, eram
marginalizados e considerados perigosos e sua prática esportiva ou de defesa, um péssimo
exemplo às crianças. Conforme Silva (2015),
a motivação em evitar essas atividades [jogos com as mãos e capoeira ] não
estava ligada ao seu teor pedagógico, se eram capazes de desenvolver e/ou
trazer habilidades corporais para as crianças, mas, exclusivamente em afastar
da educação delas as influências culturais vistas pelas elites como
“inferiores”, e por isso, “indignas” de fazerem parte do novo modelo de
cidadãos que a República pretendia formar (p. 68).
A cada dia um (a) professor (a) era escalado (a) para ser “presidente de recreio”, e a
este (a) competia manter a ordem e a disciplina, controlando os “máos instinctos [...], os actos
contrarios à moralidade e bôa educação” (PARÁ. Regimento interno dos grupos escolares,
1904, p. 47). Quais seriam os hábitos infantis considerados abomináveis? A edição da Revista
Escola de maio de 1904 traz um artigo de Beltodo Nunes, intitulado “Educação”, onde se
destaca algumas práticas infantis consideradas abomináveis à cidadania, como: participar de
conversa entre adultos, subir, pular, gritar etc.
Crianças grimpando [subindo, trepando] como se fossem adultos, de cabeça
coberta ao pé dos paes, intrometendo-se nas conversações, bambaleando-se,
gritando, fumando, dando opiniões sem que nunguem lh’as peça, discutindo
as ordens que recebem dos seus progenitores, tratando a estes, não com o
respeito e acatamento devidos, sim como se fossem seus colegas de escola
ou fâmulos da casa (PARÁ. Revista escola: artigo de Beltodo Nunes,
1904, p. 38).
As crianças chegavam à escola com “maus” costumes e deveriam ser educadas. Mas a
quem caberia a educação inicial da criança? Primeiramente aos pais: “um pae é o médico da
alma de seus filhos, e deve ter a coragem de castigal-os quando for mister, para restituir-lhes a
saude do espírito” (PARÁ. Revista escola: artigo de Beltodo Nunes, 1904, p. 37). Como
muitos pais perdiam a autoridade sobre seus filhos e não conseguiam controlar os instintos
considerados negativos pela escola, caberia ao professor a missão de educar para os bons
costumes, entretanto a autoridade do professor jamais substituirá a dos pais, não seria justo os
pais se “desobrigarem de seus deveres sagrados para sobrecarregar com elles o professor”
(PARÁ. Revista escola: artigo de Beltodo Nunes, 1904, p. 38). Como podemos observar,
havia um descompasso entre a educação doméstica e a educação escolar, pois estes hábitos na
148
infância eram considerados normais no seio das famílias, como subir em árvores, tomar banho
de igarapé, correr ou andar descalço, dentre outros. Ao que parece, nem sempre os costumes
negados pela escola representam desautoridade dos pais, pois a educação escolar republicana
visava criar um modelo de cidadão aos moldes europeus, notadamente franceses, que iam de
encontro com os costumes das comunidades locais, em especial ribeirinhas da Amazônia.
Com base no Regulamento do ensino primário de 1931, nos grupos escolares do
interior as aulas de cultura física deveriam acontecer no início do período letivo de 7h30 às 8h
da manhã e o intervalo para descanso das crianças seria de 10 minutos no meio do turno
(capítulo VI, seção II, artigos 113 § 2º e 114). O tempo destinado ao recreio foi reduzido para
10 minutos e ficou exclusivo para o descanso das crianças. Enquanto que as aulas de
educação física passaram para o início das atividades escolares diárias.
4.2.4 As aulas
De acordo com o horário de aula e distribuição do tempo, fixado no Regimento interno
dos grupos escolares de 1904, os ritos diários nos grupos escolares para meninos e meninas
estavam divididos da seguinte maneira. Comecemos pelo Curso Elementar:
8h às 9h: o rito da aula começava com a entrada, chamada diária, escrita e ditado, uma
hora aula.
9h às 10h (quarta e sábado) 10h15 (demais dias): o professor corrigia as atividades do
período anterior.
10h30 às 11h30: aconteciam as aulas de gramática, geometria e desenho elementar
(segunda e sexta), aritmética e geografia (terça e quinta), gramática e história (quarta) e
aritmética e história (sábado).
De 11h30 às 11h45 era reservado a saída.
No Curso Complementar, as aulas estavam dividas:
8h às 09h: após a chamada, ocorria o ditado (segunda, quarta e sexta) e escrita (terça,
quinta e sábado).
09h às 10h (quarta) ou 10h15 (outros dias): era reservado às aulas de correção do
tema, exercício de gramática (segunda e sexta), leitura, exercício de aritmética (terça e
quinta), correção do tema, exercício de redação (quarta) e composições (sábado).
10h às 11h30: as aulas eram de gramática, geometria e desenho elementar (segunda e
sexta), aritmética e geografia (terça e quinta), gramática e história (quarta) e história e
conferências (sábado).
149
11h30 às 11h45: ocorria a saída (PARÁ. Regimento interno dos grupos escolares,
1904).
O turno era dividido em dois momentos: o primeiro era dedicado mais à instrução:
leitura, escrita e cálculo; o segundo, à educação cívica: desenho, história e geografia. No meio
do turno ocorria o recreio, momento em que os alunos recebiam aulas de civilidade, como a
educação dos corpos.
Apresenta-se no quadro abaixo o horário de aula e distribuição do tempo nos cursos
elementares e complementares dos grupos escolares proposto em 24 de fevereiro de 1904, por
Amazonas de Figueiredo, Secretário de estado da Instrução Pública do Pará.
Quadro 17: Horário de aula e distribuição do tempo nos grupos escolares em 1904
Dias de
aula
CURSO ELEMENTAR
Observações
8h às 9h 9h às 10h15 10h15 às
10h30
10h30 às
11h30
11h30 às
11h45
Segunda Entrada,
chamada
escrita e
ditado
Correção de
escrita,
ditado e
leitura
Recreio Gramática.
Geometria
e desenho
elementar
Saída Nas quintas-
feiras e sábados
o recreio será de
10h às 10h30.
Terça Entrada,
chamada
escrita e
ditado
Correção de
escrita,
ditado e
leitura
Recreio Aritmética
e geografia
Saída
Quarta Entrada,
chamada
escrita e
ditado
Correção de
escrita,
ditado e
leitura
Recreio Gramática
e história
Saída
Quinta Entrada,
chamada
escrita e
ditado
Correção de
escrita,
ditado e
leitura
Recreio:
10h às
10h30
Aritmética
e geografia
Saída
Sexta Entrada,
chamada
escrita e
ditado
Correção de
escrita,
ditado e
leitura
Recreio Gramática.
Geometria
e desenho
elementar
Saída
Sábado Entrada,
chamada
aposta de
escrita
Argumento
de tabuada,
exercício de
aritmética
Recreio:
10h às
10h30
Aritmética
e história
Saída
Dias de
aula
CURSO COMPLEMENTAR
Observações
8h às 9h 9h às 10h15 10h15 às
10h30
10h30 às
11h30
11h30 às
11h45
Segunda Entrada,
chamada e
tema
Correção do
tema e
exercício
Recreio Gramática.
Geometria
e desenho
Saída Nas quartas-
feiras o recreio
será de 10h às
150
ditado gramática elementar 10h30.
No curso
complementar a
cópia do tema
ditado do dia
anterior servirá
de escrita do dia
seguinte.
Terça Entrada,
chamada e
escrita
Leitura e
exercício
aritmética
Recreio Aritmética
e geografia
Saída
Quarta Entrada,
chamada e
tema
ditado
Correção do
tema e
exercício
redação
Recreio:
10h às
10h30
Gramática
e história
Saída
Quinta Entrada,
chamada e
escrita
Leitura e
exercício
aritmética
Recreio: Aritmética
e geografia
Saída
Sexta Entrada,
chamada e
tema
ditado
Correção do
tema e
exercício
gramática
Recreio Gramática.
Geometria
e desenho
elementar
Saída
Sábado Entrada,
chamada e
escrita
(caligrafia)
Composição Recreio História e
conferênci
as
Saída
Fonte: PARÁ. Regimento interno dos grupos escolares, 1904
O Programa do ensino primário do estado do Pará de 1903 estabelecia o conteúdo
programático para os cursos elementar com duração de 4 anos e complementar em 2 anos:
No primeiro ano elementar as crianças estudavam duas disciplinas: a leitura e escrita e
a aritmética. Em leitura e escrita se estudaria os primeiros exercícios; em aritmética, os
conteúdos seriam os algarismos: leitura, escrita e contagem dos números e os primeiros
exercícios de adição.
No segundo ano, novamente as crianças estudariam leitura, escrita e aritmética. Em
leitura e escrita continuavam-se os exercícios do ano anterior. Em aritmética repetiam-se os
assuntos do ano anterior e se acrescentariam outros conteúdos: exercícios de subtração, sinais
de adição, subtração, mutiplicação e divisão, exercícios e leitura dos números.
As crianças do terceiro ano elementar estudavam quatro disciplinas: leitura, escrita,
português e aritmética. Na disciplina leitura o aluno deveria aprender ler e escrever ditado
(depois de corrigido era necessário passá-lo a limpo). Em escrita a criança continuava os
exercícios anteriores e fazia os exercícios do conteúdo do ditado. Em português aprendia-se
definições e divisões gerais da gramática; e análises fonológicas. E na disciplina aritmética os
assuntos eram recordação do ano anterior, multiplicação e divisão, operações fundamentais,
máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum, números primos e frações ordinárias.
No quarto e último ano do curso elementar, as crianças continuavam a estudavam
leitura, escrita, português, aritmética, geometria, geografia, e história. Em leitura os alunos
liam textos explicativos de instrução moral e cívica e lições das coisas. Em escrita o
151
aprendizado era escrever trechos de livros ditados, exercícios de caligrafia, aperfeiçoamento
de cursivo e bastardo. Em português estudavam-se divisões e definições da gramática,
análises fonológicas e taxionômicas e elementos de morfologia e sintaxe. Em aritmética
recapitulava-se o ano anterior, frações decimais, distinção entre frações decimais e ordinárias,
operações com frações decimais e ordinárias, conversão de frações e sistema métrico com
exercícios práticos. Em geometria os assuntos eram definições, corpo, superfície, linha e
ponto e exercícios práticos de desenho no caderno com reprodução no quadro preto. Em
geografia, definições e divisões geográficas, ideia da terra e sua forma, os acidentes físicos,
indicação dos oceanos, localização dos continentes dando ênfase à América, Brasil e Pará. E
em história estudava-se o conceito, descoberta da América e do Brasil, informações sobre
Cristovão Colombo e Pedro Álvares Cabral, os indígenas, sistema colonial, descobrimento e
fundação do Pará, adesão do Pará à carta portuguesa, Felippe Patroni, dentre outros.
No primeiro ano do curso completar eram matérias obrigatórias: leitura, escrita,
português, aritmética, geometria, geografia e história. Em leitura as crianças liam a
Constituição Federal para instruir-se moralmente. Em escrita os assuntos eram os exercícios
de alto bastardo, bastardinho e meio-bastardinho24, cursivo maior e menor com trechos
ditados. Em Português os assuntos eram composição, fonologia, taxionomia e morfologia. Em
aritmética o estudo concentrava-se em frações, decimais periódicas, noções de números
complexos, razão, equidiferença e suas propriedades, e composição da aritmética. Em
geometria, após recapitular a série anterior, estudava-se ângulos, perpendiculares, oblíquas e
paralelas, e desenho livre. Em geografia se aprendia sobre os principais países da Europa, os
continentes com seus países e capitais, a geografia e limites do Brasil, planetas e sistema
solar, e longitude e latitude. E em história, os conteúdos eram sobre o domínio espanhol,
invasão holandesa, os jesuítas no Brasil: de Manoel da Nóbrega a Antônio Vieira, conjuração
Mineira e Tiradentes, exploração do Amazonas por Pedro Teixeira.
No segundo e último ano do curso complementar, as crianças estudavam as mesmas
matérias do ano anterior. Em leitura estudava-se a Constituição Estadual, comparando a
Constituição Federal, o regimento interno dos grupos escolares e das instruções para os
exames de certificados primários. Em escrita estudavam-se os conteúdos aperfeiçoados do
primeiro ano, e trechos ditados. Em português aprofundavam-se os conteúdos do ano anterior:
estudo completo de sintaxe, análise fonológica, taxionômica, morfológica e exercícios de
24 Alto bastardo, bastardinho e meio-bastardinho são estilos de letras manuscritas. Segundo o dicionário Word
Magic, a letra bastarda é um tipo de fonte inclinado à direita e curva. Exemplo: letra itálica ou cursiva.
152
redação. Em aritmética, sistema métrico decimal, potenciação, radiciação, proporção,
propriedade fundamental, regra de três simples e de companhia simples, regra de juro simples
e noções de câmbio. Em geometria, círculo, circunferência, medida de ângulos, polígonos,
triângulos, quadriláteros, sólidos e desenho livre com reprodução no quadro preto. Em
geografia estudava-se o Brasil e seus estados, Pará e sua geografia física e política, as estrelas,
as fases do sol e o eclipse. E por fim, em História, as crianças deveriam estudar a família real,
adesão do Pará à Independência, o Cônego Batista Campos, notícias da Cabanagem, Dom
Romualdo de Seixas e Dom Romualdo Coelho, segundo reinado, Guerra do Paraguai,
extinção da escravidão no Brasil, abolicionismo no Pará, propaganda republicana no Pará,
Club republicano, queda da monarquia, Proclamação da República, adesão do Pará, dentre
outros (PARÁ. Programa do ensino primário, 1903).
Nos capítulo I, artigos 2 e 3 do regulamento do ensino primário de 1931, o primário
dividia-se em infantil, primário, prático popular (ensino noturno) e especial para “débeis
orgânicos e retardados pedagógicos”. O primário ofertado nos grupos escolares deveria
ensinar os seguintes saberes: língua portuguesa (leitura, escrita e caligrafia), noções de
aritmética, geografia e história, onde se deveriam destacar os aspectos históricos e geográficos
do Pará; noções práticas de geometria, zoologia, botânica, física e química; noções de higiene
e profilaxia; canto (hinos patrióticos e escolares); trabalhos manuais (modelagem, tecelagem,
dobraduras dentre outros); educação social, desenho, cultura física, escoteirismo para os
meninos, prendas domésticas às meninas. E o infantil seria ofertado nos cursos de Jardim de
Infância para crianças de 4 a 6 anos de idade, que deveria aprender as noções das coisas
através dos sentidos, iniciação da leitura, escrita e cálculo. O professor só deveria intervir nas
atividades infantis para “discipliná-la, corrigi-la e orientá-la [a fim de que as crianças
formassem] os primeiros atos mentais, morais, higiênicos e sociais” (PARÁ. Regulamento do
ensino primário, 1931).
O Regulamento da Inspectoria de Hygiene Escolar de 1931 estabelecia no artigo 15
que antes de se organizar o programa escolar, principalmente no que tange às horas destinadas
ao estudo e recreio, esta inspetoria deveria ser consultada. De acordo com o referido
regulamento, os alunos deveriam participar de palestras e conferências onde aprenderiam as
vantagens dos preceitos salutares de higiene individual e coletiva. Portanto, as noções de
higiene e profilaxia eram saberes indispensáveis nos grupos escolares, pois a instituição e seus
membros deveriam estar dentro dos padrões de higiene exigidos pelo regulamento (PARÁ.
Regulamento de higiene escolar, 1931). Essas normas foram incluídas no Regulamento do
ensino primário de 1934.
153
De acordo com Souza (2009, p 113), “na escola, conteúdos, atividades e exercícios,
tudo se presta à formação do caráter, à introjeção de uma disciplina intelectual e corporal
moldada nos gestos, na fala, na escrita, nas condutas”, sendo que o elemento principal da
escola é a cultura escrita, fomentada nos grupos escolares através de cópias e ditados (escrita
e caligrafia), que correspondia a metade do tempo escolar. O ato de escrever eruditamente
seria um abridor de oportunidades e reconhecimento no mundo. As demais disciplinas como
geografia, história, educação física “deveriam desenvolver nas crianças o sentimento de
patriotismo e nacionalismo; deveriam contribuir para a formação moral do povo e, no limite,
para a construção da nacionalidade” (SOUZA, 2009, p. 113). As matérias de aritmética,
geometria e arte, além de terem formação para o cotidiano, tinham também funções
propedêuticas para o trabalho nas indústrias.
No Relatório Escolar de 1904 o diretor Aristides dos Reis e Silva descreve que
diariamente, às 9h da manhã, ocorria no seu gabinete um ritual complementar à sala de aula,
que seria o julgamento avaliativo, com menções honrosas e censura das melhores redações,
exercícios de aritmética e outras atividades realizadas pelos melhores alunos selecionados
pelos professores e enviados à sala do diretor.
Por acto escripto, criei na directoria do grupo, a exposição de analyses e de
escriptas; diariamente, às nove horas, todos professores enviavam para ali as
melhores escriptas que eram julgadas por mim, com as referencias honrosas
merecidas; e nas segundas-feiras as analyses phonologicas e nas sextas as
taxionômicas que eram julgadas igualmente.
Independente do serviço dos professores, sob os meus cuidados, os alunos do
4º anno faziam alguns trabalhos praticos de arithmetica que lhes apresentava
aos sabbados em um caderno, os quaes eram tambem julgados por mim com
a menção honrosa ou censura que mereciam (Pará. Relatório de Aristides
dos Reis e Silva, 1904, p. 619).
Além de destacar com menções honrosas os melhores alunos, cujos nomes seriam
afixados no quadro de honras, também destacava as qualidades intelectuais e formadora do
diretor. Este ritual teria dupla função: valorizar os melhores alunos, e consequentemente os
seus professores, e também demonstrar à comunidade escolar e aos superiores do diretor, o
seu compromisso com a educação, pois além de fiscalizador do professor tornava-se também
avaliador dos alunos.
Durante as aulas era comum ocorrer o rito do castigo, que poderia ser apanhar de
palmatória, ficar de joelho atrás da porta e colocar orelha de abano (LOBATO E SOARES,
2001). De acordo com a Revista Escola de maio de 1904, os alunos que cometiam faltas
graves poderiam ser excluídos da instituição e privados de ingressar em outra.
154
4.3 APRENDER OU REPROVAR: AS EXIGÊNCIAS DO RITO DE PASSAGEM
Se o culto às datas cívicas e aos símbolos nacionais foi utilizado como
dispositivo para fazer da escola um instrumento da memória histórica, a
instituição dos exames de avaliação no decorrer do ensino primário formou a
representação de uma escola pública severa e rigorosa, que garantia prestígio
e qualidade de ensino. Os exames da escola primária foram mecanismos
importantes para classificar e selecionar os alunos, pois pela seleção e
classificação se confirmava os atributos de rigor e austeridade do ensino da
escola primária (COELHO, 2008, p. 177).
A epígrafe retirada da tese de doutoramento defendida em 2008 na Universidade de
São Paulo (USP) por Maricilde Oliveira Coelho, intitulada “A escola primária no estado do
Pará (1920-1940)”, reflete a rigorosidade e severidade dos exames escolares realizados nos
grupos escolares, tornando-se mecanismo de classificação e seleção dos alunos. A escola
primária assumia o poder transcendental de prever o futuro dos alunos: através do resultado
dos exames previa-se quem seriam os melhores.
Conforme o Programa para exames de estudos primários de 1903, os conteúdos que as
crianças deveriam aprender para fazer as provas estavam divididos em quatro disciplinas:
português, geometria, geografia e história.
O aprendizado na disciplina português ocorria a partir da leitura diária de um livro
aceito nas escolas públicas. Os textos lidos cotidianamente deveriam ser analisados pelas
crianças na seguinte ordem: fonologia, morfologia, taxionomia e sintaxe. Em fonologia
seriam analisados os sons das letras: vogais, consoantes, ditongo, tritongo, grupos
consonantais, dentre outros. Em morfologia, dever-se-ia estudar a significação de prefixos,
sufixos, formações de gêneros, números e graus dos substantivos etc. Em taxionomia
estudava-se a classificação e distinção das palavras quanto a sua variação e classificação. Na
sintaxe as cianças aprendiam os elementos das orações, as proporções, regência, pontuação,
figura sintaxe, concordância e função das palavras nas orações.
Na disciplina aritmética o professor sorteava o assunto que deveria ser arguido pelas
crianças: frações, numerações, operações fundamentais, proporções, regras de juros simples,
dentre outros.
Na matéria geometria, deveria-se aprender a divisão e definição de geometria, corpo,
superfície, linha e ponto; círculo, circunferência, polígonos, triângulos, dentre outros.
Em geografia estudava-se a divisão dos continentes, os principais países da Europa e
da Ásia, os Estado do Amazonas, Pará e Piauí, forma e movimento da terra etc.
Por fim, na disciplina história as crianças deveriam aprender a descoberta da América,
Brasil e Pará, a fundação e sujeição do Pará ao Maranhão, os usos e costumes dos povos
155
indígenas, Guerra do Paraguai, Tiradentes, Cabanagem, os jesuítas no Brasil, sistema de
colonização, o abolicionismo no Pará, extinção da escravidão no Brasil, propaganda
republicana no Pará, queda da monarquia, dentre outros (PARÁ. Programa para exames dos
estudos primários, 1903).
De acordo com o Regimento interno dos grupos escolares do Pará de 1904, os exames
teriam caráter festivo e seriam de suficiência ou parciais, realizados no final do primeiro
semestre para efeito de classificação definitiva dos alunos; e de passagem de ano e finais de
curso no fim do ano letivo, visando avaliar se as crianças teriam condições de ascenderem às
séries seguintes ou concluirem o curso.
Conforme o Regulamento do ensino primário de 1903 a média mínima para as
crianças serem aprovadas eram 4,0 pontos e deveriam receber os seguintes graus de
aprovação: 10,0 equivaleria a “aprovado com distinção”; 7,0 a 9,0 representava “aprovação
plena”; e de 6,0 a 4,0 pontos “aprovação simples”.
Com o Regulamento do ensino primário de 1910 a nota mínima passou para 5,0
pontos e os graus de aprovação eram os seguintes: 10,0 equivalaria a “aprovado com
distinção”; de 8,0 a 9,0 pontos “aprovação plena” e de 5,0 a 7,0 seria “aprovação simples”.
De acordo com o Regulamento do ensino primário de 1931, o rito dos exames
escolares deveriam ocorrer somente no final do ano letivo, destinado à promoção dos alunos e
conclusão dos estudos primários. A nota mínima para ser aprovado seria 5,0 pontos e nos
grupos escolares os exames teriam a seguinte estrutura: deveriam ser realizados perante uma
comissão examinadora composta pelos professores da instituição, sob a presidência do
professor da turma ou do diretor. Esses exames compreendiam duas provas: escrita versando
os conteúdos das disciplinas português e aritmética, e oral com conteúdo de história,
geografia, dentre outros.
Com o Regulamento do ensino primário de 1934, os exames avaliativos nos grupos
escolares deveriam ocorrer nos meses de abril, junho e setembro com data designada pela
Diretoria geral da educação e ensino público do Pará (capítulo XIV artigo 16). Entretanto,
pelo menos até 1940 no Grupo escolar de Igarapé-Miri ocorreu apenas um exame anual,
conforme previa o Regulamento do ensino primário de 1931. O rito avaliativo acontecia no
final do ano letivo para todas as crianças: em 1937 os alunos foram avaliadas no dia 30 de
setembro, nos anos de 1938, 1939 e 1940 as provas foram aplicados em 05 de outubro
(IGARAPÉ-MIRI. Termo de exames, 1955).
O rito avaliativo dos alunos era realizado por uma comissão de três professores da
instituição, supervisionada pelo diretor. Era presidido pelo(a) diretor(a) ou professor(a) da
156
turma que estava sendo submetida ao exame, quando não houvesse impedimento, como
parente próximo sendo avaliado. Nos exames de suficiência e passagem de ano, os alunos
eram submetidos apenas à prova oral e nos exames finais, à escrita e oral. Quando
terminavam os exames, os diretores dos grupos escolares baixavam um edital e afixavam em
praça pública para a inscrição de alunos estranhos aos exames finais do curso elementar.
Terminados aquelles exames, de acordo com a portaria de 5 de Outubro,
baixei e fiz afixar nos logares mais públicos desta cidade, edital com o praso
de 5 dias, para a inscrição de alunos extranhos ao grupo, para exames finaes
de estudos elementares, não tendo concorrido a essa inscripção um só
alumno, até exgotar-se o praso estabelecido (PARÁ. Relatório de Aristides
dos Reis e Silva, 1904, p. 623).
Nos exames destinados aos candidatos estranhos, chamou-me a atenção dois ritos
realizados para avaliar candidatos individuais: o então Capitão Francisco de Assis Negrão,
que prestou exame de português e aritmética em 31 de agosto de 1910 e foi aprovado
plenamente no grau oito. E no dia 21 de outubro do mesmo ano foi realizado o ritual para
Cezar de Assis Negrão, pela assinatura seria filho do capitão, também aprovado. O exame do
capitão foi realizado em agosto, fora da data prevista no Regimento interno dos grupos
escolares de 1904 (IGARAPÉ-MIRI. Termos de classificação, 1955).
Conforme relatório final dos exames de passagens de 1904, publicado pelo diretor
Aristides dos Reis e Silva no jornal “A Província do Pará” em 31 de outubro do referido ano,
os exames finais do Grupo Escolar de Igarapé-Miri ocorreram entre os dias 21 e 25 de
outubro de 1904, das 14h às 17h, sendo cada dia dedicado às avaliações das crianças de uma
escola. Foram matriculadas 206 crianças em 1904. Destas, compareceram aos exames finais
180 e faltaram 26 (7 na primeira escola masculina, 7 na segunda escola da mesma secção, 4
na primeira escola feminina e 8 na segunda escola da mesma secção). Além dos professores,
estiveram presentes nestes exames: o diretor da instituição, o intendente municipal, coronel
José Garcia da Silva, e algumas famílias convidadas. O rito foi finalizado com a distribuição
de doces e bebidas a todos os participantes (A PROVÍNCIA DO PARÁ, 1904).
Quadro 18: Resultado dos exames finais do Grupo Escolar de Igarapé-Miri de 1904
Escola Matriculados Prestaram exames Faltaram
1ª elementar masculina 53 46 (86,8%) 7 (13,2%)
2ª elementar masculina 51 44 (86,3%) 7 (13,7%)
157
Fonte: A PROVÍNCIA DO PARÁ, 1904
O termo de exame de 17 de outubro de 1908, da Primeira escola elementar feminina
do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, especifica os tipos de distinção de grau, que iam de 7 a 10
pontos, subentende-se que os distintos seriam os alunos bons e ótimos, que poderiam ser
também os alunos plenamente aprovados. Fica subentendido nos termos de classificação desta
instituição, que os alunos aprovados plenamente com distinção seriam os alunos avaliados
com nota 10, tanto nas provas como no comportamento diário na escola. Entretanto, as
classificações nos exames como: distinto, aprovado pleno e reprovado era o modelo avaliativo
anterior a 1904, e que no GE de Igarapé-Miri continuou a ser praticado.
Dos 206 alunos matriculados no ano de 1904 nas quatro escolas elementares, doze
alunos foram matriculados no 4º ano, sendo que dez concluíram o curso elementar recebendo
a seguinte classificação: aprovados plenamente e aprovados plenamente com distinção. Foram
aprovados plenamente as irmãs Almerinda (12) e Victoria Corrêa Caripuna (10), Raymundo
Pinheiro Garcia (10), Benjamin Pereira Tourão (13), Francisco Castro Moraes (12), João de
Souza Castro (11), Joaquim Azevedo Perdigão (10) e Mario do Ceu Pereira (12). Foram
aprovados plenamente com distinção: Alzira Corrêa Caripuna (12 anos) e Ana Sanches
Machado (12). E foram excluídos por falta nas aulas: Moysés T. Corrêa e Pedro Marcos
Duarte, ambos de 9 anos (Pará, Relatório de Aristides dos Reis e Silva de 1904). Estes três
não foram incluídos no número de matriculados. Vale ressaltar que 26 alunos matriculados
nas quatro escolas não compareceram ao exame, significando que menos de 10 % não se
sentiam preparados para ser avaliados, o que não representa uma exceção, pois em todos os
exames o número de faltosos sempre foi expressivo. A idade da maioria das crianças
apresentava distorção idade-série, pois deveriam concluir o 4º ano do elementar com a idade
de 10 anos, já que começavam a estudar com 7. Entretanto, acredito que muitas crianças
estariam estudando pela primeira vez em um estabelecimento escolar, já que este foi o ano de
inauguração do grupo nesta cidade. Ou seriam oriundas de escolas isoladas, e como esta
modalidade de ensino ofertava até o 4º ano elementar, deveriam ter ficado repetindo o ano por
não possuir condições de realizar esses exames nos grupos escolares de Belém ou no Grupo
Escolar de Abaetetuba, criado em 1902 onde se ofertava o curso complementar.
1ª elementar feminina 53 49 ( 47,1%) 4 (52,9%)
2ª elementar feminina 49 41 (83.7%) 8 (16,3%)
Total 206 180 (87,4%) 26 (12,6%)
158
Quadro 19: Quantitativo de alunos matriculados e que prestaram exames no Grupo
Escolar de Igarapé-Miri nos anos 1904, 1907 a 1910
Escola
1904
Final
1907
Final
1908 – parciais 1909
Final
1910
Final 1º sem. 2º sem.
Matr
ícula
exame Matrí
cula
exame Matrí
cula
exame Matrí
cula
exame Matrí
cula
exame Matrí
cula
Exame
1ª escola elementar,
secção masculina
53 46 33 22 33 23 ? 20 27 14 43 25
1ª escola elementar,
secção Feminina
53 49 ? ? 30 18 ? 19 23 9 17 14
2ª escola elementar,
secção Masculina
51 44 ? 29 30 18 32 15 21 ? 17 12
2ª escola elementar,
secção Feminina
49 41 ? 19 27 22 3 1 30 20 54 29
Escola complementar
Mixta
- - 12 8 12 8 17 16 12 12 8 5
Total 206 180 ? ? 132 89 ? 71 113 55 139 85
Fonte: A PROVÍNCIA DO PARÁ, 1904; IGARAPÉ-MIRI. Termos de classificação, 1955
O rigor nos exames fazia com que muitos não comparecessem. Dos que compareciam,
muitos eram reprovados e poucos recebiam o mérito da aprovação. Nos exames de suficiência
e parciais da Segunda Escola Elementar da Secção Feminina, realizado em 18 de junho de
1908, das 27 alunas matriculadas, 5 faltaram. E das 22 presentes, somente 3 alunas do 4º ano
foram habilitadas para prestarem os exames finais. As demais (1 do 3º ano, 3 do 2º e 15 do
1º), continuaram na mesma série. Nos exames de suficiência e parciais de 17 de junho de
1908, da Segunda escola elementar masculina, dos 30 alunos matriculados, só compareceram
18 (do 4º ano apenas 2 foram habilitados para prestar os exames finais. Os demais do 1º, 2º e
3º anos continuaram na mesma série. Outros exemplos demonstram este mesmo padrão de
rigorosidade nos exames. Acredita-se que muitos se sentiam inferiorizados, caso não fossem
aprovados com boas notas, pois segundo o termo de classificação de 22 de outubro de 1910, o
resultado dos exames eram lidos à toda sociedade, já que eram públicos, em alta voz
(IGARAPÉ-MIRI. Termos de classificação, 1955). Como aconteciam esse rito?
No dia 21 de outubro de 1907 ocorreu, a partir das 14h, o exame final da Primeira
escola elementar masculina, regida pelo professor Francisco Delgado Leão. Esse exame foi
presidido pela professora Estephania da Costa Borges de Cardoso, e compuseram a banca
159
examinadora as professoras: Estellita Gonçalves Coêlho, Eulina da Purificação Cardoso e
Sancha Ferreira Bentes. De acordo com este termo de classificação, o rito começou após o
diretor constatar que o presidente do ato não tinha nenhum grau de parentesco ou parcialidade
com os examinadores e examinados. O exame constou de prova escrita de português que foi
um ditado de dez linhas do livro “Vida Prática” de Felix Ferreira, escolhido através de sorteio;
prova escrita de aritmética, em que o assunto sorteado foi “o ponto 3º do programa de estudos
primários”, a saber: “operações fundamentais, adições de números inteiros; fração ordinária,
sua representação e leitura; dízima periódica e simples; sua conversão em fração ordinária”
(PARÁ. Programa para os exames de estudos primários, 1903, p. 68). E na prova oral “os
examinados foram arguidos separadamente por todos os examinadores, sobre o ponto
respectivamente tirado à sorte” (IGARAPÉ-MIRI. Termos de classificação, 1955). No final, a
comissão fez o julgamento e estabeleceu a nota. Como faltam páginas no documento, não foi
possível saber quantos alunos não compareceram e quantos fizeram o exame, bem como a
classificação de suas aprovações e eventuais reprovações.
Em 21 de outubro de 1908 os exames finais da primeira e segunda escola elementar
masculina e feminina e da segunda escola elementar feminina foram de 8h às 11h e de 14h às
17h, demonstrando como o rito foi ficando exaustivo. No turno da manhã, foram realizadas as
provas escritas, e à tarde, as de arguição, onde um aluno por vez era avaliado. Por serem os
exames finais, poucas crianças estavam aptas a fazê-los: 10 alunos pertencentes à secção
masculina, 3 alunas pertencente à secção feminina (só compareceu uma) e 4 alunos estranhos.
O exame durou o dia todo para avaliar apenas 14 crianças, demostrando a rigidez e a
seletividade dos processos avaliativos.
O índice de reprovação era elevado, pois de quatro turmas do 4º ano das escolas
elementares, montava-se apenas uma mista complementar, que terminava com poucas
crianças: em 1907 no mês de junho eram apenas 12; em outubro de 1908 eram 17.
Esse alto índice de reprovação continuou a partir da reinstalação do grupo escolar em
1937, conforme podemos observar nos resultados dos exames finais dos anos de 1937 a 1940
e de 1950 a 1954, com destaque para os anos 1939, 1940 e 1950, quando as crianças
reprovadas atingiram a casa dos três dígitos: 161, 103 e 102, respectivamente. Em 1951 das
232 crianças matriculadas, 96 foram reprovadas.
160
Quadro 20: Resultado dos exames finais do Grupo Escolar de Igarapé-Miri: 1937-1940;
1949-1954
Anos 1937 1938 1939 1940 1949 1950 1951 1952 1953 1954
Matriculados 176 207 229 179 235 254 232 257 257 291
Aprovados 116
66,%
159
77%
68
30%
64
36%
97
41%
140
55%
120
52%
123
48%
155
60%
151
52%
Reprovados 60
34%
48
23%
161
70%
103
58%
118
50%
102
40%
96
41%
62
24%
32
13%
48
16,5%
Eliminados - - - 4
2%
20
9%
12
5%
16
7%
40
16%
35
13,5%
52
18%
Faltosos - - - 8
4%
- - - 32
12%
35
13,5%
40
13,5%
Fonte: IGARAPÉ-MIRI. Termos de classificação, 1955
Os alunos seriam eliminados por faltas, mudança de endereço e por falecimento
(IGARAPÉ-MIRI. Termo de classificação, 1935). No ano de 1939, dos 130 alunos
matriculados na classe preliminar, 112 foram reprovados. Esta classe preliminar era regida
por uma única professora, revelando que havia turmas de séries iniciais com superlotação, e o
resultado seria reprovação em massa. É possível que estejam inclusos nestes números os
alunos eliminados e faltosos. Entre os anos de 1937 a 1939 não constam nos exames a
quantidade de crianças eliminadas e faltosas. E nos anos de 1950 e 1951 não foi registrado o
número de faltosos.
Os exames escolares representaram o ápice dos ritos republicanos ocorridos nos
grupos escolares: eram festivos, abertos ao público e exigiam preparações anuais voltadas a
essa finalidade. Representava o ritual de passagem à sociedade letrada. Adquirir boas notas
garantia reconhecimento social e prêmios. Pimentel (2012) expõe que na década de 1960 no
grupo escolar da cidade Igarapé-Miri as professoras viviam em função dos exames escolares e
161
recebiam pressão da diretora para que as crianças obtivessem notas boas. Pimentel (2012)
comenta que segundo uma ex-professora desta instituição, cuja identidade não foi revelada, “a
diretora [...] falava nas reuniões antes do exame final que os resultados obtidos eram de total
responsabilidade dos professores, e se o nome da instituição escolar fosse mal visto pela
sociedade, os maiores responsáveis seriam os professores” (p. 142). Esse clima gerava muita
expectativa e nervosismo às crianças.
Os resultados positivos dos alunos nas provas serviam para gerar reconhecimento à
instituição e prestígios ao diretor e professores perante a sociedade e instâncias superiores.
Entretanto, se as crianças fossem mal nos exames, a direção ficaria em situação
constrangedora perante os seus superiores.
A Revista “O Ensino” de janeiro de 1919, no artigo intitulado “Examinador e
Examinando” de autoria identificada no texto pelas iniciais F.S., destaca as qualidades dos
examinadores: “sentimentos avançados do progresso intelectivo, os examinadores só julgam a
verdade, só ajuízam pelo merecimento, só classificam pelo valor real” (PARÁ. Revista O
ensino: artigo de F.S., 1919, p. 17). O examinador, segundo o autor, é um profissional de
confiança do governo e qualificado para julgar o intelecto de alguém. O examinador deveria
ser concebido como um ser objetivo, preparado para julgar sem paixões, não faltando com a
verdade.
O artigo estava rebatendo críticas em relação ao alto número de reprovações de
crianças que faltavam nos exames, tentando justificar que a culpa não estava nas exigências
dos examinadores e sim nas próprias crianças: “que as reprovações ou inabilitações sirvam de
estímulo para que [as crianças] mais se apliquem ao estudo” (PARÁ. Revista O ensino: artigo
de F.S., 1919, p. 18). De acordo com o autor, os examinandos que não se preparavam
ficavam receosos e viam o exame como um fantasma, ficavam preocupados em saber qual
seria a comissão examinadora e apavorados, muitos desistiam; enquanto, que as crianças
preparadas ficavam mais tranquilas e conseguiam fazer as provas. A revista, ao defender os
examinadores, acabava deixando passar a ideia de que existiam uns mais exigentes do que
outros, demonstrando a subjetividade nos exames, que a própria revista afirmava não fazer
parte das caraterísticas dos examinadores.
Parece ficar latente que o clima de expectativa e exigência da instituição educativa em
relação às boas notas nos exames escolares das crianças, contaminava toda a sociedade. Todos
os escolares viviam em função dos exames finais, pois o êxito nessas provas representaria o
sucesso e reconhecimento da instituição e seus membros: diretor (a), professor (a), crianças e
a felicidade de suas famílias. Porém, o êxito nos exames escolares não dependia
162
exclusivamente das crianças, mas de uma cadeia de relações e oportunidades. No campo das
relações é possível destacar a postura subjetiva do examinador, que poderia contribuir ou
deixar o cenário dos exames mais tensos. E quanto às oportunidades, pode-se inferir que
muitas crianças não tinham o mesmo tempo de dedicação ao estudo, haja vista que
precisavam ajudar nas atividades familiares e não poderiam ter acompanhamento ou reforço
escolar em casa devido à falta de tempo ou o analfabetismo dos pais.
Como vimos, os saberes instrucionais e educativos foram repassados no Grupo Escolar
de Igarapé-Miri através dos rituais cotidianos com o objetivo de instruir e civilizar as crianças,
moldando o futuro cidadão republicano. Esses saberes estavam presentes no conteúdo
programático, nas ações de controle das crianças, nos exames escolares, dentre outros. Na
prática, esses saberes acabavam ensinando valores que visavam formar corpos e mentes
dóceis. O modo de falar, de se relacionar com a natureza, de se alimentar e os costumes
diários das crianças foram amplamente combatidos pelas pedagogias implementadas no
Grupo Escolar de Igarapé-Miri, a fim de que as crianças absorvessem hábitos e costumes
favoráveis ao modelo de cidadão idealizado pelos republicanos.
163
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Criado no Brasil no contexto da Primeira República, os grupos escolares,
representaram uma nova modalidade de escola primária, tornando-se espaços voltados à
formação da infância, com o propósito de instrumentalizar o modelo de cidadão desejado pelo
sistema político vigente.
Reafirmar a importância e superioridade dos grupos escolares em relação às escolas
isoladas tornou-se bandeira discursiva de governos republicanos do Pará como José Paes de
Carvalho (1897-1901) e Augusto Montenegro (1901-1909) que associavam os grupos
escolares à modernidade, enquanto às escolas isoladas eram rotuladas como símbolo do
atraso, já que eram heranças deixadas pela monarquia. O certo é que durante o ciclo dos
grupos escolares no Pará (1899-1971) o número de escolas isoladas e de alunos matriculados
nessas unidades de ensino sempre foram superiores às dos grupos escolares, demonstrando
que se a instrução pública dependesse exclusivamente dos grupos escolares o número de
analfabetos nesse estado seria bem maior.
O Grupo Escolar de Igarapé-Miri foi fundado em 27 de abril de 1904, a partir da
junção de quatro escolas isoladas, em um prédio cedido pela intendência municipal. Em 1912
foi extinto, sendo reinaugurado em 1937 até 1971, quando a nomenclatura “Grupo Escolar”
foi substituída por “Escola de Primeiro Grau” em decorrência da Lei de Diretrizes e Base da
Educação (LDB 5692/71). Durante esse período, esteve sediado em três casas alugadas, até a
construção do prédio próprio. De 1904 a 1912 e 1937 a 1943, ficou localizado à Rua Rui
Barbosa nº 9, em frente a extinta praça D. Pedro II; de 1943 a 1947, o seu endereço foi à Rua
15 de novembro, na primeira rua da cidade; entre 1947 a 1949, retornou à Rua Rui Barbosa
para uma casa localizada ao lado do Grupo Velho, como ficou conhecido o primeiro prédio
que sediou essa instituição. Finalmente, em 1949 foi transferido para o prédio definitivo
localizado em frente ao paço municipal, denominado Palacete Senador Garcia. A história
dessa instituição perpassou por três etapas: de grupo escolar a escola isolada (1904-1912), da
reinauguração do grupo escolar à transferência para o prédio próprio (1937-1949) e de grupo
escolar a escola de primeiro grau (1949-1971).
Durante o seu funcionamento, essa modalidade escolar ofertou o ensino primário
elementar para crianças a partir dos 6 ou 7 anos de idade (dependendo da legislação), o
complementar para crianças que concluísse o elementar e o Jardim de Infância para crianças
entre 4 aos 6 anos de idade, visando instruir e civilizar o futuro cidadão republicano. As
164
crianças eram educadas para constituírem os homens e mulheres do amanhã. A criança era
pensada como um eterno “devir” que deveria ser moldada para ocupar um espaço social no
mundo republicano. A maioria dessas crianças era oriunda de famílias pobres: filhos de
vendedores autônomos, barbeiros, comerciários, açougueiros, funcionários públicos, donos de
engenhos, proprietários de serrarias, pescadores, caçadores, trabalhadores rurais, domésticas,
professores, trabalhadores de oficina de cadeireiro, ferreiros, funileiros, ourives, calafate,
marceneiros, sapateiros, alfaiates, padeiros, fotógrafos, pedreiros, quitandeiras, regatões
(vendedores marítimos), etc.
O número de crianças matriculadas nessa instituição em geral foi menos de 300,
alcançando a média maior em 1905 que chegou a 318 alunos. Em 1906 foram matriculadas
227, em 1907 chegaram a estudar 236 crianças, em 1937 foram 176, em 1938 passaram por
este estabelecimento 207, em 1939 foram 229 e em 1940 somente 179 crianças foram
matriculadas.
Uma das justificativas para o baixo número de alunos recaiu na falta de políticas
públicas governamentais para atrair e mantê-los na instituição. As crianças matriculadas
deveriam cumprir obrigações que poderiam não fazer parte de sua faixa etária e de sua
cultura, tais como: serem pontuais e assíduas nas aulas, higiênicas e vestir-se decentemente;
serem atenciosas, ordeiras, silenciosas e respeitadoras.
Os sujeitos escolares (diretores, professores, alunos, porteiros e serventes) foram o
veículo de divulgação do projeto republicano nessa localidade. Encarnaram e ressignificaram
as propostas pedagógicas e os ensinamentos transmitidos nos livros, regulamentos,
regimentos, rituais cívicos, dentre outros. Reelaboraram os espaços da instituição, fazendo
uma simbiose entre a proposta cultural republicana e a cultura local, redesenhando o grupo
escolar enquanto o espaço da infância ou a própria infância miriense, de origens amazônica e
ribeirinha.
A instrução visava alfabetizar as crianças, ensinando-lhes a ler, escrever, contar e
assimilar os conteúdos gerais sobre o mundo, Brasil e Pará; e a civilidade visava educar as
crianças a partir de valores que visavam formar corpos e mentes dóceis. Os professores teriam
a função de trazer o conhecimento e aproximar as crianças do mundo letrado e civilizado,
formando os cidadãos do amanhã.
A instrução e civilização das crianças eram realizadas nesse estabelecimento de ensino
através de rituais escolares diários, tais como: festas escolares, distribuição do tempo, recreio,
aula, exames avaliativos, dentre outros. Essas cerimônias ritualísticas tornaram-se
indispensável à construção do modelo de homem cívico e patriota idealizado pela República
165
brasileira. É latente esse objetivo formativo, à medida que a pedagogia republicana aplicada
cotidianamente nos regimentos internos, regulamentos de ensino e nos rituais presentes na
instituição voltavam-se à concretização desse modelo formativo.
Para decifrar esse universo formativo trilhamos os indícios produzidos pelos sujeitos
(governadores, secretários da instrução pública, inspetores escolares, prefeitos, diretores,
professores, alunos, porteiros, serventes, dentre outros) nas suas relações cotidianas. A
captação desses indícios nos permitiram montar um mosaico que revelaram um universo
sociocultural marcado pelas tramas do cotidiano: superação, dedicação, conquista, advertência
e luta.
As principais festas celebradas no Grupo Escolar de Igarapé-Miri entre 1904 a 1912
foram: a festa anual, que geralmente ocorria no dia 27 de abril, data de fundação da
instituição, e a Proclamação da República nos dias 15 e 16 de novembro. Porém, entre 1937 e
1943 passou-se a dar destaque às comemorações do 7 de setembro em homenagem à
Independência política do Brasil.
Durante o período investigado (1904-1943) esse grupo escolar funcionou somente no
turno da manhã: entre 1904 e 1912 era de 8h às 11h30 nas escolas elementares, e nas escolas
complementares de 8h30 às 11h30. Entretanto, de 1937 a 1943 funcionou de 8h às 11h. O
desdobramento em dois turnos ocorreu somente em 1956, cujo motivo foi a falta de carteiras
escolares: o primeiro turno ficou das 7h50 às 10h50 e o segundo das 11h às 14h.
O recreio entre 1904 a 1912 era de 15 minutos diários nos intervalos de aula
reservados aos exercícios físicos, exceto às quintas e sábados quando o intervalo recreativo
seria de 30 minutos. Entre 1937 a 1943 as aulas de cultura física deveriam acontecer no início
do período letivo de 7h30 às 8h da manhã e o intervalo para descanso das crianças seria de 10
minutos no meio do horário letivo. No recreio, as crianças deveriam descansar a mente e
civilizar-se, treinando os corpos, as emoções, os gestos e o controle.
As aulas eram divididas em dois momentos: o primeiro era dedicado mais à instrução:
leitura, escrita e cálculo; o segundo à educação cívica: desenho, história e geografia.
No curso elementar de 8h às 10h (quarta e sábado) 10h15 (demais dias): o rito da aula
nas escolas elementares começava com a entrada, chamada diária, escrita e ditado, uma hora
aula e corrigia as atividades. De 10h30 às 11h30 aconteciam as aulas de gramática, geometria
e desenho elementar (segunda e sexta), aritmética e geografia (terça e quinta), gramática e
história (quarta) e aritmética e história (sábado).
No Curso Complementar, as aulas estavam divididas: de 8h às 10h (quarta) ou 10h15
(outros dias). Após a chamada, ocorria o ditado (segunda, quarta e sexta) e escrita (terça,
166
quinta e sábado), posteriormente correção do tema, exercício de gramática (segunda e sexta),
leitura, exercício de aritmética (terça e quinta), correção do tema, exercício de redação
(quarta) e composições (sábado). De 10h às 11h30, as aulas eram de gramática, geometria e
desenho elementar (segunda e sexta), aritmética e geografia (terça e quinta), gramática e
história (quarta) e história e conferências (sábado).
Entre 1937 e 1943 as crianças deveriam aprender os seguintes saberes: língua
portuguesa (leitura, escrita e caligrafia), noções de aritmética, geografia e história, onde se
deveriam destacar os aspectos históricos e geográficos do Pará; noções práticas de geometria,
zoologia, botânica, física e química; noções de higiene e profilaxia; canto (hinos patrióticos e
escolares); trabalhos manuais (modelagem, tecelagem, dobraduras, dentre outros); educação
social, desenho, cultura física, escoteirismo para os meninos, prendas domésticas às meninas.
Todos os saberes instrutivos e civilizatórios deveriam ser assimilados pelas crianças, porque
seriam assunto de pauta dos exames.
Os exames escolares entre 1904 a 1912 seriam de suficiência, de passagem de ano e
finais de curso. Os exames de suficiência ou parciais eram realizados no final do primeiro
semestre para efeito de classificação definitiva dos alunos, e os de passagem de ano e finais de
curso no fim do ano letivo. A partir de 1937 os exames escolares passaram a ocorrer somente
no final do ano letivo, destinado à promoção dos alunos e conclusão dos estudos primários e a
nota mínima para ser aprovado seriam 5,0 pontos. Nos grupos escolares, os exames teriam a
seguinte estrutura: deveriam ser realizados perante uma comissão examinadora composta
pelos professores da instituição, presidida pelo professor da turma ou pelo (a) diretor (a).
Esses exames compreendiam duas provas: escrita, versando conteúdo das disciplinas
português e aritmética: e oral, com conteúdo de história e geografia.
O índice de reprovação era elevado, pois de quatro turmas do 4º ano das escolas
elementares, montava-se apenas uma mista complementar, que terminava com poucos alunos:
em 1907 eram apenas 12; em 1908 somente 17. Esse alto índice de reprovação continuou a
partir da reinstalação do grupo escolar em 1937: nos exames finais de 1939 foram reprovadas
161 crianças. Os resultados positivos dos alunos nas provas serviam para gerar
reconhecimento à instituição e prestígio ao diretor e professores, perante a sociedade e
instâncias superiores.
Escrever sobre a história de crianças no Grupo Escolar de Igarapé-Miri nos ajudou a
compreender os caminhos percorridos pela instrução primária na Amazônia: seus avanços e
recuos delimitados por questões políticas, econômicas e geográficas, em um vasto território,
visto por muitos como selvagem, exótico e atrasado. O grupo escolar investigado se
167
configurou como representante legal do Estado Republicano, assumindo o discurso
salvacionista para retirar a população miriense do obscurantismo social, ou seja, do
analfabetismo e do impatriotismo. A educação primária seria a possibilidade de incluir a
Amazônia, notadamente Igarapé-Miri, ao Brasil “civilizado”. A indolência e o parasitismo da
população ribeirinha dessa localidade poderia ser amenizada ou superada com instrução e
educação.
O Grupo Escolar de Igarapé-Miri cumpriu o seu papel de instruir e civilizar as
crianças, e por extensão, a sociedade miriense como um todo. A educação fornecida nesse
grupo escolar transcendeu o seu espaço interno, pois a sociedade miriense adquiriu hábitos e
valores culturais relacionados à formação escolar, como: levar e buscar os filhos na escola,
participar de eventos escolares, dentre outros. Algumas meninas por meio da educação
mudaram o seu destino traçado pela sociedade: como se casar e ser dona de casa. Muitas delas
tornaram-se professoras, funcionárias do cartório civil, do fórum da cidade, etc. Algumas
continuaram solteiras devido a sua independência financeira e para não se submeterem à
estrutura patriarcal. Outras constituíram família e dedicaram suas vidas a cuidar dos filhos e
dos alunos.
No decorrer desta investigação, inúmeros objetos foram surgindo e instigando a minha
curiosidade por conhecê-los. Encontrei vários indícios de professoras negras atuando na
educação primária de Igarapé-Miri, tanto no grupo escolar como nas escolas isoladas.
Adalgisa Batista foi a única diretora negra deste grupo escolar. Pesquisar a vida dessas
professoras poderá nos revelar uma história de superação. Interessante seria também estudar a
história dos ex-alunos e ex-funcionários do grupo: o que eles pensam sobre a instituição? O
aprendizado adquirido neste estabelecimento de ensino continua presente em suas vidas? Que
lembranças guardam dessa instituição? O que aconteceu com os funcionários do grupo? Por
onde passaram e onde encerraram sua carreira? Que destino tiveram? Enfim, há inúmeras
possibilidades de estudos a serem realizados no Grupo Escolar de Igarapé -Miri.
Reitero a necessidade urgente de higienização, catalogação e acondicionamento
adequado dos documentos que se encontram no Arquivo da Casa da Cultura de Igarapé-Miri,
a fim de preservar parte da nossa memória. É triste a maneira como os gestores municipais
que passaram por Igarapé-Miri cuidaram dos documentos históricos, ou melhor, não
cuidaram: parte da documentação encontra-se amontoada, em um espaço inapropriado no
segundo andar da Casa da Cultura dessa cidade. Percebi que há um certo interesse em
preservar essa documentação, mas não se sabe por onde começar. Cabe a nós pesquisadores
propormos uma solução: a sugestão mais viável no momento seria transformar o prédio
168
histórico da Prefeitura Municipal em Arquivo Público de Igarapé-Miri, pois a Prefeitura
possui um prédio novo, denominado Centro Administrativo, que ainda está em desuso.
Entretanto, não basta possuir apenas o espaço físico, precisa-se também de profissionais
capacitados para lidar com essa documentação e a contratação desses profissionais cabe ao
poder público.
Acredito que esta investigação contribui com a escrita da história da educação na
Amazônia. Espero ainda que venha suscitar novas pesquisas que aprofunde o debate sobre
essa instituição, haja vista que um estudo nunca está completo e nem consegue dar conta de
todo o universo cultural do objeto.
169
FONTES DOCUMENTAIS
Álbuns
IGARAPÉ-MIRI. Álbum Histórico de Igarapé-Miri, Pará. Mandado organizar por pelo
prefeito municipal, Alberone Lobato. Belém. Pará, 1977.
PARÁ. Álbum do Estado do Pará: 1899. Mandado organizar pelo governador do Estado do
Pará, José Paes de Carvalho. S/L. F.A. Fidanza. 1899.
______. Álbum do Estado do Pará. Oito anos do Governo (1901 a 1909). Paris: Imprimerie
Chaponet. 1908.
______. Álbum do Estado do Pará: 1939. Mandado organizar pelo governador do Estado do
Pará, José Carneiro da Gama Malcher. Belém, Pa. Typographia “novidades”, 1939.
Diversos
ALMANACK LAEMMERT. Annuario Commercial, Industrial, Agrícola, Profissional e
Administrativo da Capital Federal e dos Estados Unidos do Brasil: 1891 a 1940. 3º
VOLUME, Estados do Norte. Rio de Janeiro. A. Hénault & Cia, 1940.
ANNUARIO DE BELÉM. Em comemoração do seu tricentenário 1616-1916: histórico,
literário e comercial. Organizado, em colaboração, por um grupo de intellectuais, por
iniciativa do Eng. Ignacio Moura Pará: Imprensa Official, 1915.
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(IBGE). 1941/45 Rio de Janeiro. Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e
estatística. 1946.
______. Administração. Decreto-Lei Nº 5.540, de 2 de junho de 1943. Considera "Dia do
Índio" a data de 19 de abril. Rio de Janeiro, 1943. Disponível em: <http://
www2.camara.leg.b>. Acesso em: 15 de outibro de 2017.
______. Directoria Geral de Estatística. Synopse do recenseamento de 31 de dezembro de
1900: Censo demográfico, Brasil, 1900. Rio de Janeiro: Typ. de Estatística, 1905. Disponível
em: <http:// www2.senado.leg.br >. Acesso em: 15 de novembro de 2016.
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse estatística do município de
Igarapé-Miri, Estado do Pará: Principais resultados censitários de 1940 e alguns resultados
estatísticos 1945. Rio de Janeiro: Serviço gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, 1945.
IGARAPÉ-MIRI. Administração. Decreto nº 20 de 07 abril 1938. Define a gratificação
mensal de 190$000 (cento e noventa mil réis) da prefeitura municipal de Igarapé-Miri a
professora adjunta Ana da Trindade Almeida, nomeada desde maio de 1937 como auxiliar da
cadeira de 1º ano. Igarapé-Miri, Pará, 1938.
______. Administração. Prestação de conta da Prefeitura Municipal de Igarapé-Miri, exercício
1947, apresentada à Câmara dos vereadores. Igarapé-Miri, Pará, 1948a.
170
______. Administração. Notas da prestação de conta da prefeitura Municipal de Igarapé-
Miri:1946 a junho de 1948, 1948b.
______. Administração. Recibos de pagamento de serviços e materiais referentes à construção
do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, 1949.
______. Administração. Prestação de conta da Prefeitura Municipal de Igarapé-Miri, exercício
1949, apresentada à Câmara Municipal. Igarapé-Miri, Pará, 1950.
______. Instituto de Estatística do Pará. Mapa de importação e exportação do Município de
Igarapé-Miri do segundo semestre de 1939. Igarapé-Miri, Pará, 1939.
______. Orçamento Municipal para 1913. Lei nº 28 de 23 de dezembro de 1912: orça a
receita e fixa a despesa do município de Igarapé-Miri para o ano de 1913. Belém: Imprensa
Official do Estado do Pará, 1913.
______. Instrução Pública. Livro de ponto dos alunos da 2ª Escola Elementar Masculina do
Grupo Escolar de Igarapé-Miri: 1905, 1908 a 1911. Igarapé-Miri, Pará, 1911.
______. Instrução Pública. Livro de ponto dos funcionários do Grupo escolar de Igarapé-Miri:
1907 a 1912. Igarapé-Miri, Pará, 1912.
______. Instrução Pública. Livro de matrícula da Escola Isolada Seção Masculina de Igarapé-
Miri: 1931 – 1934. Igarapé-Miri, Pará, 1934.
______. Instrução Pública. Termos de exames dos alunos da Escola Isolada masculina e
Escolas Reunidas de Igarapé-Miri: 1934-1935. Igarapé-Miri, Pará, 1935.
______. Instrução Pública. Termos de exames dos alunos do Grupo Escolar de Igarapé-Miri:
1907-1910; 1937-1939 e 1949-1955. Igarapé-Miri. Pará, 1955.
______. Documentos das Escolas Isoladas (relação de escolas, termos de exames escolares,
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do ensino no Estado do Pará. Belém, Imprensa oficial. Anno 2, num. 16, Maio de 1901.
171
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José Veríssimo, diretor geral da instrução pública. Pará: Tipografia de Tavares e
Cardoso,1891.
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Secretario de Estado da Justiça, Interior e Instrucção Publica, pelo inspector escolar João
Pereira de Castro em 18 de junho de 1907. In: Boletim Official da Instrucção Pública do
Estado do Pará. Tomo V, nº 3, julho – setembro. Pará: Typ. Encadernação do Instituto Lauro
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Jornais
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Estado até 1904. Belém, Pará, 30 set.1904.
______. Instrução Primária no Pará. Relatório final dos exames de passagens de 1904 dos
alunos do Grupo Escolar de garapé-Miri. Belém, Pará, 31 out. 1904.
______. Naufrágios. A redação do jornal informa os sucessivos acidentes marítimos, tais
como naufrágios, explosão de caldeiras de lanchas a vapor, dentre outros. Belém, Pará, 22 e
23 out.1904, p.02.
A REPÚBLICA. Propósito do que se diz por aí. Um grupo de oficiais superiores da Armada
Brasileira, no Rio de Janeiro, liderados pelo Contra Almirante Custodio de Mello, tomaram
dois navios e tentaram derrubar o governo central. Anno 4, nº 666, Belém, Pará, 10 set.1893,
p. 01.
DIÁRIO DO ESTADO. Comemoração de 7 de setembro. Registrou o recebimento de um
ofício circular pelo Comandante da 8º Região Militar de Belém, tenente-coronel Libanio
Augusto da Cunha Mattos, enviada do Rio de Janeiro, sede do Governo Federal na época,
172
determinando que fosse dada maior visibilidade as comemorações da Independência do
Brasil, que já era considerada a maior celebração nacional. Belém, Pará, 04 set.1934
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ. Atos do Governo. Decreto 3.806, de 05 de
março de 1921. Belém, Pará, 06 mar.1921.
ESTADO DO PARÁ. Ensino Público. Discurso proferido pelo deputado Cônego Andrade
Pinheiro à Câmara dos Deputados do Estado do Pará em 24 de outubro de 1911. O deputado
estadual argumentou que os grupos escolares foram implantados no Estado do Pará com o
propósito de diminuir os gastos com a instrução pública, mas na prática acabaram exonerando
os cofres públicos. Belém, Pará, 01 nov. 1911.
FOLHA DO NORTE. Propaganda do Colégio Pará e Amazonas de propriedade de Manoel
Antonio de Castro. Belém, Pará, 02 mar. 1917.
O LIBERAL. Atos do Governo Constitucional do Estado. Resolve nomear Sabina Gonçalves
de Castro para o cargo de servente do Grupo Escolar de Igarapé-Miri. Belém, Pará, 25
mar.1947, p. 9.
______. Atos do Governador Constitucional do Estado. Em 7 de junho de 1947, o governador
do Estado do Pará exonerou Predicanda Carneiro de Amorim Lopes do cargo de professora do
Grupo Escolar José Veríssimo. Belém, Pará, 09 jun.1947.
______. Visita. Despedida do coletor estadual Raul Pessoa da Cunha que iria se afastar por
bastante tempo de Belém, por ter que trabalhar em Igarapé-Miri. Belém, Pará, 20 maio1947,
p. 02.
______. Atos do Governador. Nomeação de Alda pelo governador do Pará, Moura Carvalho,
tabeliã e escrivã do Cartório do 2º Ofício da sede da Comarca de Igarapé-Miri. Belém, Pará,
22 mar.1947.
______. Um canal feito pelos escravos: o autor Milton Garcia, tratava sobre a escavação do
Canal em Igarapé-Miri entre 1821 e 1823. Belém, Pará, 10 jul.1987, p. 4.
Mensagens
PARÁ. Governador, 1901-1909 (Augusto Montenegro). Mensagem dirigida ao Congresso
Legislativo do Pará. Belém: Imprensa Oficial, 1905. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2439/index.html p 47 >. Acesso em: 15 de novembro de 2016.
______. Governador, 1909-1913 (João Antônio Luís Coelho). Mensagem dirigida ao
Congresso Legislativo do Pará. Belém: Imprensa Oficial, 1911a. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1031>. Acesso em: 09 de janeiro de 2017.
______. Governador, 1921-1925 (Antônio Emiliano de Sousa Castro). Mensagem dirigida ao
Congresso Legislativo do Pará. Belém: Imprensa Oficial, 1921. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1042>. Acesso em: 27 de dezembro de 2016.
______. Governador, 1921-1925 (Antônio Emiliano de Sousa Castro). Mensagem apresentada
ao Congresso Legislativo do Estado do Pará, em sessão solene de abertura 1ª reunião de sua
173
12ª legislatura, a 07 de setembro 1924. Belém: Imprensa Oficial, 1924. p. 77 – 80. Disponível
em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1042>. Acesso em: 01 de setembro de 2017.
MÚSICAS
GAMA, Ionete. Nosso Igarapé-Miri. Intérprete: Paulo Gonçalves (PIM). As coisas de
Igarapé-Miri, 2004. CD
GONÇALVES, Aurino Quirino Pinduca. Dos Mamangais aos Caminhos de Canoa Pequena.
Intérprete: Gogó de Ouro. Samba enredo do Rancho, 2008. CD
Ofícios, telegramas e comunicados.
ALMEIDA, Alberto da Trindade. [Telegrama] s/n de 03 maio 1946, Igarapé-Miri, Pará.
[para] Diretor de Educação do Pará, Belém, PA. 1f. O prefeito e Presidente do Conselho
Escolar de Igarapé-Miri comunica ao Diretor de Educação do Pará que diariamente recebe
reclamações de falta de professoras no Grupo Escolar da cidade.
ALMEIDA, Edmundo Dantes. [Ofício] s/n de 07 outubro 1940, Igarapé-Miri, Pará. [para]
MESQUITA, Antonio Augusto de, Igarapé-Miri, PA. 1f. O professor comunica ao prefeito o
fechamento da escola noturna “13 de maio”.
HENRIQUE, Raymundo de Miranda. [Ofício] s/n de 06 de junho de 1932, Igarapé-Miri, PA.
[para] TAVARES, Cecílio, Igarapé-Miri, PA. 1f. O professor da Escola Isolada do Estado do
Pará, com sede no município de Igarapé-Miri, demonstra ao prefeito de municipal as
dificuldades enfrentadas pelos professores das escolas isoladas.
IGARAPÉ-MIRI. Agência de Estatística do Município. [Ofício] s/n de 15 março 1945,
Igarapé-Miri, PA. [para] LOPES, Raimundo Monteiro, Igarapé-Miri, PA. 1f. Dispõe sobre
quantidade de escolas, casas comerciais e bens patrimoniais da prefeitura.
LESSA, Luis. [Ofício] s/n de 22 abril 1940, Belém, Pará. [para] MESQUITA, Antonio
Augusto de, Igarapé-Miri, PA. 1f. O Diretor do Serviço da Febre Amarela no Estado do Pará,
solicita ao prefeito Municipal de Igarapé-Miri, apoio no combate à Febre Amarela.
LOBATO, João Augusto de Lira e RODRIGUES, Olívio. [Ofício] nº 156 de 20 maio 1943,
Igarapé-Miri, PA. [para] LOPES, Raimundo Monteiro, Igarapé-Miri, PA. 1f. Comunica ao
prefeito o parecer favorável para o aluguel do prédio da 15 de Novembro.
LOPES, Predicanda Carneiro de Amorim. [Ofício] nº 14 de 29 abril 1938, Igarapé-Miri, PA
[para] MESQUITA, Antônio Augusto de, Igarapé-Miri, Pará. 1f. A diretora do Grupo Escolar
de Igarapé-Miri solicita ao Presidente do Conselho Escolar dessa cidade providencias para
que sejam retiradas goteiras, capinado o terreno e colocado uma fechadura no portão do
prédio onde funciona o referido grupo escolar.
______. [Ofício] nº 03 de 15 jan. 1940, Igarapé-Miri, PA [para] MESQUITA, Antônio
Augusto de, Igarapé-Miri, Pará. 1f. A diretora do Grupo Escolar de Igarapé-Miri comunica o
prefeito local que a 3ª sala desta instituição continua disponível à escola noturna “13 de
174
maio”, mantida pela Prefeitura, e informa que o porteiro Julio Lobato abrirá a escola às 19hs e
fechará às 21hs, para que funcione a referida escola.
LOPES, Raimundo Monteiro. [Ofícios] nº 146, 147 de 19 maio 1943, Igarapé-Miri, PA. [para]
LOBATO, João Augusto de Lira e RODRIGUES, Olívio, Igarapé-Miri, PA. 1f. O prefeito
municipal de Igarapé-Miri constitui a comissão para avaliar o aluguel do prédio da 15 de
Novembro.
______. [Ofícios] nº s/n de 21 maio 1943, Igarapé-Miri, PA. [para] BARATA, Magalhães,
Belém, PA. 1f. O prefeito municipal de Igarapé-Miri solicita recursos ao governo do estado
do Pará para custear as festas cívicas.
______. [Ofício] nº 169 de 31 maio 1943, Igarapé-Miri, PA. [para] AZEVEDO, Deolinda
Granja de, Igarapé-Miri, PA. 1f. O prefeito entrega o Grupo Velho à sua proprietária.
______. [Ofícios] nº 173 e 174 de 04 jun. 1943, Igarapé-Miri, PA. [para] BARATA,
Magalhães e ao Diretor de Departamento de Educação e Cultura do Estado, Belém, PA. 1f. O
prefeito municipal comunica a inauguração do Grupo Escolar na 15 de novembro.
______. [Ofício] nº 188 de 11 junho 1943, Igarapé-Miri, PA. [para] RODRIGUES, Emiliano
de Castro, Igarapé-Miri, PA. 1f. O prefeito acusa o recebimento do ofício da professora que
havia assumido a Escola Feminina de Prendas “Darcy Vargas”.
______. [Ofício circular] nº 197 de 14 jun. 1943, Igarapé-Miri, PA. [para] vários professores,
Igarapé-Miri, PA. 1f. O prefeito municipal solicita às professoras das vinte e duas escolas
isoladas do município que promovam nas suas escolas palestras sobre a campanha da
borracha. Os estudos deveriam ser feitos com base nas publicações dos jornais da capital.
______. [Ofício circular] s/n de 09 de maio de 1945, Igarapé-Miri, Pará. [para] Diretora do
Grupo Escolar de Igarapé-Miri, Igarapé-Miri, PA. 1f. Comunicando que nesta data havia
assumido o cargo de prefeito municipal de Igarapé-Miri.
______. [Ofício] s/n de 04 de agosto de 1945, Igarapé-Miri, Pará. [para] Diretor geral do
departamento de Educação e Cultura, Belém, PA. 1f. O prefeito informa que irá enviar o
orçamento à reforma do grupo escolar e que tem em vista permutar algumas turmas do grupo
no prédio da prefeitura.
______. [Ofício] nº 132 de 30 jun. 1945, Igarapé-Miri, Pará. [para] Diretor do departamento
das Municipalidades, Belém, PA. 1f. Discorre sobre o orçamento do obelisco da Praça da
Matriz.
MÁCOLA, Lauro Alves. [Telegrama] s/nº de 10 jun. 1945, Igarapé-Miri, PA [para] Diretor
de Educação, Belém, Pará. 1f. O secretário informa que Diogo Domencio Silva continua
exercendo a função de porteiro do Grupo Escolar de Igarapé-Miri, e que o cargo de servente
está vago, pois Euridice Soares Marques que exercia esta função, foi nomeada professora da
Escola Auxiliar Mista do Rio Santo Antonio.
MESQUITA, Antônio Augusto de. [Telegrama] nº 07 de 05 fev. 1941, Igarapé-Miri, PA
[para] Diretor de Ensino e Educação do Estado, Belém, Pará. 1f. O prefeito e presidente do
175
Conselho Escolar de Igarapé-Miri comunicou o diretor de educação do Estado do Pará que as
aulas ainda não haviam começado por que os professores não havia retornado das férias.
______. [Telegrama] s/nº de 1941, Igarapé-Miri, PA [para] BARATA, Joaquim de Magalhães
Cardoso, Belém, Pará. 1f. O prefeito e presidente do Conselho Escolar de Igarapé-Miri
comunicou o Interventor Federal do Estado do Pará sobre a cerimônia cívica alusiva ao
Estado Novo, que foi promovido pela Prefeitura Municipal de Igarapé-Miri com a presença
das crianças matriculadas no grupo escolar da cidade.
______. [Telegrama] nº 221 de 24/03/1941, Igarapé-Miri, PA [para] Arcebispo de Belém,
Belém, Pará. 1f. O prefeito municipal de igarapé-Miri lamenta o naufrágio do barco “Nova
Pátria” que transportava o Pe. Emílio, vigário da Paróquia de Igarapé-Miri.
______. [Ofício] nº 30 de 04 fev. 1939, Igarapé-Miri, PA [para] Miranda, Adalgisa Maria
Batista de. 1f. O prefeito municipal e presidente do Conselho Escolar de Igarapé-Miri,
Antonio Augusto de Mesquita, reclama à diretora sobre os intrometimentos do porteiro Julio
Lobato, durante uma reforma do grupo escolar.
______. [Ofício] nº 36 de 08 fev. 1939, Igarapé-Miri, PA [para] BARATA, Magalhães,
Belém, Pará. 1f. O prefeito municipal e presidente do Conselho Escolar de Igarapé-Miri,
Antonio Augusto de Mesquita, solicita ao Interventor Federal do Estado do Pará, solicita via
ofício ao Interventor Federal, Magalhães Barata, permissão para o Grupo Escolar de Igarapé-
Miri funcionar em dois turnos, manhã e tarde, devido a aumento no número de alunos.
______. [Ofício] nº 39 de 09 fev. 1939, Igarapé-Miri, PA [para] BARATA, Magalhães,
Belém, Pará. 2f. O prefeito municipal e presidente do Conselho Escolar de Igarapé-Miri,
Antonio Augusto de Mesquita, solicita ao Interventor Federal do Estado do Pará, o
fornecimento de material escolar para ser distribuído as escolas isoladas do interior de
Igarapé-Miri.
______. [Ofício] nº 63 de 02 março 1939, Igarapé-Miri, PA [para] Diretor de Educação e
Cultura do Estado do Pará, Belém, Pará. 1f. O presidente do Conselho Escolar de Igarapé-
Miri solicita o Regulamento do Ensino Primário do Pará de 1934, que ainda não havia sido
entregue ao Conselho Escolar de Igarapé-Miri.
______. [Ofício] nº 105 de 10 abril 1939, Igarapé-Miri, PA [para] Representante d
Companhia de Lápis, L.T.D., São Paulo, SP. 2f. O prefeito municipal informa o número de
alunos do município de Igarapé-Miri, para receber doação de lápis desta empresa.
______. [Ofício] nº 113 de 17 abril 1939, Igarapé-Miri, Pará. [para] Diretor Geral de
Educação e Cultura, Belém, PA. 1f. Solicita a criação de uma Escola Auxiliar Mista na
localidade Espera, às margens do Rio de Igarapé-Miri, Pará, justificando que lá existiam 102
crianças em idade escolar sem estudar.
______. [Ofício] nº 121 de 20 abril 1939, Igarapé-Miri, Pará. [para] Diretor Geral de
Educação e Cultura, Belém, PA. 1f. Solicita a criação de uma Escola Auxiliar Mista na
localidade Carmo, às margens do Rio de Igarapé-Miri, Pará, justificando que lá existiam 60
crianças em idade escolar sem estudar.
176
______. [Ofício] nº 124 de 25 abril 1939, Igarapé-Miri, Pará. [para] Alexandre Antonio
Lobato, Igarapé-Miri, Pará, PA. 1f. O prefeito municipal autoriza o Fiscal Municipal do Rio
Itanimbuca a realizar um recenseamento das crianças em idade escolar deste rio, devido ter
recebido um abaixo-assassinato solicitando a implantação de uma escola.
______. [Ofício] nº 03 de 07 jan. 1942, Igarapé-Miri, PA [para] Diretor de Ensino e Educação
do Estado, Belém, Pará. 1f. O presidente do Conselho Escolar de Igarapé-Miri solicita
material para dezoito escolas mistas do interior de Igarapé-Miri.
______. [Ofício] nº 12 de 05 fev. 1942, Igarapé-Miri, PA [para] BARATA, Joaquim de
Magalhães Cardoso, Belém, Pará. 1f. O prefeito em Comsão comunica ao Interventor Federal
do Estado os professores que ainda não haviam se apresentado para o trabalho.
MIRANDA, Adalgisa Maria Batista de. [Ofício] nº 112 de 1940, Igarapé-Miri, PA [para]
LEÃO, Acacio Corrêa. A normalista solicita ao presidente da Câmara municipal de Igarapé-
Miri um auxílio monetário do município para continuar atuando como professora de um
externato particular.
PERNAMBUCO FILHO, Miguel. [Ofício] nº 517 de 03/05/1940, Belém, PA [para]
MESQUITA, Antônio Augusto de, Igarapé-Miri, PA. 1f. O diretor geral da instrução pública
do estado do Pará, atendendo ao pedido da diretora do grupo Escolar, solicita ao presidente do
Conselho Escolar de Igarapé-Miri reparos na referida instituição.
PINHEIRO, Antonio Martins. [Ofício] nº 895 de 14/04/1913, Belém, PA [para] LOPES,
Raimundo Pinheiro, Igarapé-Miri, PA. 1f. O Secretário de Estado do Interior, Justiça e
Instrucção Publica, informa ao Intendente Municipal que a nomeação de professores é de
competência do Conselho Escolar e não do intendente.
RODRIGUES, Emiliana de Castro. [Ofício] nº 188 de 11 jun. 1943, Igarapé-Miri, PA. [para]
LOPES, Raimundo Monteiro, Igarapé-Miri, PA. 1f. A professora comunica ao prefeito que
assumiu a Escola Feminina de Prendas “Darcy Vargas”, que funcionava no turno da noite na
cidade de Igarapé-Miri, 1943.
SAMPAIO, Alcides Pinheiro. [Ofício] nº 35 de 19 abril 1947, Igarapé-Miri, Pará. [para]
Secretário Geral do Estado. Belém, PA. 1f. O prefeito de Igarapé-Miri informa que em
atendimento ao ofício nº 14 de 09 de abril de 1947 enviado pelo Secretário Geral do Estado,
deu início a reforma do mobiliário, conserto e limpeza do prédio onde funciona o grupo
escolar dessa cidade.
______. [Ofício] s/n de 19 maio 1948, Igarapé-Miri, Pará. [para] CARVALHO. Luiz Geolas
de Moura. Belém, PA. 1f. O prefeito de Igarapé-Miri solicita autorização do governador do
Estado para construir o Grupo Escolar.
______. [comunicado] s/n de 14 maio 1948, Igarapé-Miri, Pará. [para] ao povo da cidade,
Igarapé-Miri, PA. 1f. O prefeito de Igarapé-Miri que no dia anterior (13 de maio)
comemorava-se o 16ª aniversário de reorganização do Grupo Escolar.
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XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado, RIBEIRO, Maria Luisa Santos e NORONHA,
Olinda Maria. História da educação: a escola no Brasil. São Paulo: FTD, 1994.
187
ANEXO 1:
Regimento interno dos grupos escolares e das escolas isoladas do estado do Pará de 1904
SECRETARIO DA JUSTIÇA
Ensino Público Primario
Por decreto n. 1280 de 24 de Fevereiro de 1904 foi aprovado o Regimento interno dos
grupos escolares e das escolas isoladas do Estado.
DECRETO n. 1280 de 24 de fevereiro de 1904
Approva o Regimento interno dos grupos escolares e das escolas isoladas do Estado.
O Governador do Estado, nos termos do artigo 20 n. 5 do Decreto n. 1190 de 17 de
Fevereiro de 1903, decreta:
Art. Único: Fica aprovado o Regimento interno dos grupos escolares e das escolas
isoladas do Estado o que com este baixa, assignado pelo Secretario de Estado da Instrucção
Publica.
Palacio do Governo do Estado do Pará, 24 de Fevereiro de 1904.
AUGUSTO MONTENEGRO
G. Amazonas de Figueiredo
REGIMENTO INTERNO
DOS
GRUPOS ESCOLARES E DAS ESCOLAS ISOLADAS DO ESTADO DO PARÁ
_____________
TITULO I
FIM DA CREAÇÃO DAS ESCOLAS
Art. 1.°- A escola publica primaria é a instituição creada e mantida pelos poderes
publicos para o fim de proporcionar gratuitamente á infancia de ambos os sexos a cultura
intellectual necessária não só a matricula do curso secundário, como tambem ao bom
desempenho dos deveres sociaes.
Art. 2.º - O ensino publico primario do Estado será dado em:
§ 1.º - Grupos escolares.
§ 2.º - Escolas isoladas.
188
CAPITULO I
DOS GRUPOS ESCOLARES
Art. 3.º - O agrupamento das escolas publicas da capital, das cidades e villas do
interior, sob uma direcção uniforme tem por fim principal dar ao ensino, o regimem e
methodo concentaneos aos principios pedagogicos, tornando, ao mesmo tempo, facil a sua
inspecção.
Art. 4.º - O ensino primario dado nos grupos divide-se em elementar e complementar.
Art. 5.º - O ensino elementar é dado em 4 annos e comprehende as seguintes materias:
§ 1.º - Leitura – Desde os primeiros exercicios até leitura corrente com pausa e
accentuação. Leitura explicativa de instrucção moral e civica e licções de coisas.
§ 2.º - Escripta – Desde os primeiros exercicios até os trechos dictados com exercicios
calligraphicos aperfeiçoados de cursivo e bastardo.
Obs. I – O ensino da escripta deve começar com o da leitura. Sendo a leitura o meio de
dar aos alumnos as noções necessarias de licções de coisas e de instrucção moral e civica, o
professor fará sempre, depois da licção, uma explicação clara e concisa, interrogando ao
alumno os principaes assumptos tratados, a fim de certificar-se se o que foi lido ficou bem
comprehendido.
§ 3.º - Portuguez – Ensino pratico da grammatica com exercicio de analyse
phonologica e taxionomica, e elementos de morphologia e syntaxe.
Obs. II – o ensino de portuguez no curso elementar terá por fim conseguir que o
alumno saiba applicar em exercicios fáceis de redacção, em techos dictados ou em analyse
phnologica e taxionomica, os conhecimentos adquiridos pelo estudo de um compendio tão
simples quanto possivel.
§ 4.º - Arithmetica – Estudo pratico, comprehendendo numeração, as 4 operações
fundamentaes do calculo fracções ordinarias e decimaes, noções geraes sobre o systema
metrico decimal, com exercicios praticos de suas principaes medidas.
Obs. III – No ensino de arithmetica o professor deverá ser o mais restricto possivel na
materia, evitando assim excesso de extensão e difficuldades. Attenderá especialmente o lado
pratico das operações, de modo que o ensino se torne util pelos exercicios e escolha de
problemas consonantes á vida commum. O decorar no estudo de arithmetica deve ser com
escrupulo regulado pelo professor, que, antes de tudo e de preferencia, incutirà no espirito do
alumno a compehensão das licções por meio de exemplos e explicações no quadro preto, ao
alcance da tenras intelligencias. De acordo com esses preceitos, o professor evitará a fadiga e
189
confusão do alumno, aproveitando o que de mais utilidade julgar das materias do programma
por meio de compendios resumidos e claros em suas definições.
§ 5.º - Geometria – Noções sobre corpo, superficie, linha e ponto. Posição das linhas.
Exercicios praticados de desenho em cadernos com reproducção no quadro preto.
Obs. IV – O ensino de geometria deve tambem, na pratica, ser modelado pelo de
arithmetica, especializando-se o desenho a mão livre que, além de superficial, será
restrictamente pratico. N’este curso versará elle sobre algumas figuras de geometria plana ou
simplemente combinações lineares, podendo o professor desenvolvel-as por meio de alguns
ornatos se permittirem a vocação e o gosto do alumno.
§ 6.º - Geographia – Idéa da terra e sua forma. Definição de seus accidentes physicos
em geral. Indicação dos oceanos. Idéa geral das partes em que se divide a terra, especialmente
da America. O Brazil e o Pará; suas posições geographicas. Forma da terra; seu movimento.
Prova pratica da redondeza da terra e de seus movimentos. Pontos cardeaes e collateraes.
Obs. V – No ensino de elementos de geographia, todo esforço do professor deve
tender para dar ao alumno noções syntheticas da terra e das cinco partes do mumdo, dos
paizes da America do Sul, especialmente do Brazil e do Pará, com accentuada preoccupação
de evitar minucias, nomenclaturas extensas, dados estatisticos e tudo quanto possa
sobrecarregar a memoria do alumno.
O estudo de cosmografia limitar-se-ha ás definições e exposição das leis elementares
referentes aos pontos do programma de modo verdadeiramente simples e, quando possível,
intuitivo.
§ 7.º - Historia – Descoberta da America e do Brazil. Noticias de Christovam Colombo
e Pedro Alves Cabral. Historia do Brazil – desde o seu descobrimneto até a sua divisão em
dois governos e estabelecimento de um só; historia do Pará – desde o seu descobrimento e
fundação até a sua adhesão á carta Portugueza.
Obs. VI – O professor no ensino de historia deve attender que – “é a licção oral o
grande elemento de fecundação de toda a cultura histórica, o sopro vivificador desse ensino, a
licção oral, com a animação, o calor, o interesse que lhe são proprios, mui superior nos
resultados a todos os que se obtém pelo emprego dos melhores livros”.
Feita a narração pelo professor ou lida pelo alumno, deverá ser reproduzida oralmente,
primeiro com o auxilio de perguntas, depois como exercicio de elocução e finalmente como
trabalho escripto.
E’ este o verdadeiro caracter que deve ter o ensino de historia.
190
Art. 6.º - o ensino complementar, dado em 2 annos, comprehende as seguintes
materias:
§ 1º - Leitura – Leitura explicativa da Constituição Federal e da Constituição Estadual,
comparando esta com os preceitos d’aquella. Leitura do regimento interno das escolas e das
instrucções para os exames de certificado primário Leitura explicativa de instrucção moral e
civica.
Obs. VII – Uma vez por semana o professor deste curso deverá fazer em sua escola
uma conferencia sobre instrucção moral e civica, interrogando os alumnos de modo a
certificar-se que o assumpto tratado foi bem comprehendido.
§ 2.º - Escripta – Exercicios de alto bastardo, bastardinho, meio-bastardinho, cursivo
maior e menor. Trechos dictados.
§ 3.º - Portuguez – Estudo completo da grammatica, com exercícios de composição e
redacção.
Obs. VIII – No curso complementar o estudo da grammatica terá por objeto dar aos
alunos o conhecimento preciso para que possam falar e escrever regularmente a língua
materna. Nesse sentido o trabalho do alumno desenvolver-se-á em trechos dictados, em
exercicios graduados de redacção, em composições semanaes de analyse, quer lexicologica,
quer syntactica.
§ 4.º - Arithmetica – Estudo theorico e pratico até noções de cambio inclusive.
Obs. IX – Uma vez por semana deverá o alumno desse curso fazer uma composição
theorica e pratica, correspondendo ás materias estudadas, especialmente sobre portuguez e
arithmetica.
§ 5.º - Geometria – Estudo pratico da construcção das figuras planas no quadro preto.
Medição pratica das áreas e capacidades. Noções geraes sobre os solidos. Desenho á mão
livre com reproducção no quadro preto.
Obs. X – O estudo de geometria no curso complementar poderá abranger ornatos,
flores, figuras, etc. feitos em cadernos e reproduzidos depois, em maior escala, no quadro
preto em presença do professor. Em ambos os cursos os alunos usarão de cadernos ou álbuns
que servirão de simples ornatos nos exames.
§ 6.º - Geographia – Indicação dos principaes paizes da Europa, Ásia, África, America
e Oceania. America do Sul, enumeração de todos os seus paizes e capitães. O Brazil. – noções
physica e politica, tanto quanto possivel resumidas de cada um de seus Estados. O Pará; sua
geographia physica e politica, desenvolvida.
191
Noções sobre o systema solar e sua formação. Planetas. Circulos da esphera terrestre;
longitude e latitude. Estrellas cadentes, cometas e aerólitos. O Sol, seus movimentos e suas
phases. Eclipses.
§ 7. ° - Historia – Epitome da historia do Brazil e do Pará.
Obs. XI – No ensino de historia, o professor não perderá occasião de aproveitar os
factos narrados para ministrar aos alumnos proveitosas licções de educação civica, incutindo-
lhes a idéa de verdadeiro patriotismo.
Art. 7.º - O ensino das materias que constituem os cursos elementar e complementar,
será dado, pelos respectivos annos, de inteiro accordo com o programma de ensino vigente.
Art. 8.º - As materias, quer do curso elementar, quer do complementar, serão
leccionadas pelos compendios que o Conselho Superior de Instrucção Publica mandar
adoptar.
Art. 9.º - Além das materias acima declaradas, será dada, em ambos os cursos,
conveniente educação physica aos alunos, comprehendendo:
§ 1.º - Noções praticas de hygiene; - cuidados de asseio exigidos e recommendados.
§ 2.º - Exercicios physicos, marchas, saltos, movimento a pé firme e outros xercicios
calisthenicos feitos durante os recreios.
§ 3.º - Jogos; brinquedos ao ar livre.
Art. 10 – Nas escholas do sexo feminino, duas vezes por semana, nos dias designados
para os exercícios physicos dos alunos, poderá ser dado ás alumnas ensino de prendas e de
trabalho femininos.
Art. 11 – Em cada grupo haverá uma festa escolar annual, cuja data será marcada pelo
Secretario de Estado da Instrucção Publica.
CAPITULO II
DA MATRICULA
Art. 12. – A matricula nos grupos escolares estará aberta todo o anno lectivo.
Art. 13. – A matricula será solicitada pelo Director pelos paes, tutores ou proctetores
das crenças, mediante requerimento escripto, ou verbal, com declaração do nome por extenso
do matriculando, sua filiação, idade, data da primeira matricula escolar e anno do curso em
que se quer matricular.
§ 1.º - Para ser admitido a matricula no curso complementar deverá o interessado
exhibir certificado de approvação nos estudos elementares.
192
§ 2.º - Os alumnos matriculados pela primeira vez no grupo soffrerão um ligeiro
exame a fim de serem classificados.
Art. 14. – São condições indispensáveis a matricula:
§ 1.º - Ter 6 a 14 annos para a secção masculina, 6 a 12 annos para a secção feminina.
§ 2.º - Ter sido o matriculando vaccinado ou soffrido variola.
§ 3.º - Não ser achar affectado de molestia contagiosa ou repugnante.
Art. 15. – Para satisfazer os requisitos estabelecidos no art. supra §§ 2.º e 3.º o
interessado apresentar um attestado medico.
Art. 16. – Serão eliminados da matricula:
§ 1.º - Os alumnos que se despedirem com auctorisação manifestada ao Director ou
professor pelos seus responsaveis.
§ 2.º - Os que forem despedidos por inhabilidade physica superveniente.
§ 3.º - Os que forem expulsos ou despedidos por medida disciplinar.
§ 4.º - Os que faltarem durante um trimestre sem motivo justificado.
§ 5.º - Os que ffalecerem.
Art. 17. – Expulso o alumno do grupo á bem da disciplina escolar, deverá o Director
expedir circulares aos seus collegas, fornecendo-lhes todos os esclarecimentos precisos, no
sentido de lhe ser ahi obstada a matricula durante o anno escolar.
Art. 18. – Da denegação de matricula ou da eliminação nos grupos escolares, assim
como de todas as questões que se suscitarem a tal respeito caberá recurso para o Conselho
Escolar no interior, e na capital, para o Secretario de Estado da Instrucção Publica.
Ar. 19. – Cada professor fará matricula parcial de seus alumnos e a geral ficará a cargo
do Director.
CAPITULO III
DAS AULAS E SEU REGIMENTO
Art. 20. – O periodo lectivo nos grupos começa em 15 de janeiro e encerrar-se a 15 de
novembro de cada anno.
§ Unico. – O período de 26 a 31 de outubro será empregado em exames finaes para
obtenção de diplomas de estudos elementares e primarios, para os alumnos dos grupos e para
os candidatos extranhos aos mesmos, realizando-se aquelles exames sempre depois do meio
dia afim de não perturbarem as aulas.
Art. 21. – As aulas funccionarão todos os dias uteis das 8 às 11 ½ horas da manhã.
193
§ Unico. – As escolas complementares mistas funccionarão em duas secções diárias:
das 8 ½ as 11 ½ para as meninas e das 2 ás 5 para os meninos.
Art. 22. – Serão de férias os domingos e os dias feriados por lei e pelo Regulamento
Geral do Ensino Publico do Estado.
Art. 23. – A distribuição do tempo e a duração de cada matéria nas aulas serão
marcadas pelo horario.
Ar. 24. – Antes de começarem a aulas, sera feita a chamada dos alumnos pelo
professor que marcará a devida falta aos que a ella não responderem.
Art. 25. - Ao alumno que se apresentar meia hora depois de concluída a chamada, não
será retirada a falta, ficando por esse motivo passível de admoestação e privado do recreio, se,
depois de advertido mais de uma vez, for reincidente.
Art. 26. – Quando o alumno, depois de admoestado pelo professor, continuar a
comparecer atrasado à aula, deverá o professor apresental-o ao Director, que por seu turno
communicará o occorrido ao seu responsavel, pedindo-lhe informações ou providencias a tal
respeito.
Art. 27. – Fica ao critério do professor a justificação das faltas dos alumnos que
comparecerem até 15 minutos depois de feita a chamada, uma vez que ellas não sejam
consecutivas.
Art. 28. – Os paes tutores ou proctetores dos alumnos são obrigados a justificar
perante o Director as faltas commetidas por seus filhos, tutelados ou protegidos.
Art. 29. – O alumno que faltar durante um trimestre sem motivo justificado será
excluído da matricula.
Art. 30. – Mensalmente serão distribuídos pelos alumnos os respecivos boletins, com
as notas de aproveitamento, conducta e numero de falta commettidas durante o mez.
Art. 31. – Os professores ministrarão o ensino aos seus alunos pelo methodo
simultaneo, dividindo-os em classe, não podendo utilizar-se de decuriões sem expressa
acquiescencia do Diretor, que não a dará sem detido conhecimento da moralidade e
adiantamento do alumno escolhido, e somente quando for de muita conveniência esta medida.
Art. 32. – Não será permittido aos professores distrahir o tempo das licções em
conversas alheias a qualquer assumpto que não seja directamente ligado ao ensino primário.
Ar. 33. – Durante o funccionamento das aulas é expressamento prohibida sob qualquer
pretexto a entrada de pessoas extranhas no recinto.
Art. 34. – O professor não poderá abandonar o recinto da aula, sem auctorização ou
previa licença do Director, salvo caso de força maior.
194
Art. 35. – Sendo a ordem e a disciplina a fonte da prosperidade do ensino, deve cada
professor procurar, encarecidamente, manter-as em suas aulas, não consentindo de modo
algum que os alumnos estudem ou conversem com voz alta, perturbando as suas explicações
ou prelecções.
Ar. 36. – Os professores devem ter muito em vista a distribuição methodica do tempo
pelos seus alumnos, não permitindo que eles permaneçam na aula sem occupação alguma.
Art. 37- Aos Dirctores dos grupos fica facultada a reunião de alumnos de 6 à 9 annos
de idade em duas aulas especiaes, uma para cada sexo.
§ 1.º - Estas aulas serão regidas por adjunctos, que mensalmente serão revezados.
§ 2.º - Os grupos em que não houver adjunctos ellas serão regidas pelos professores
que os Directores designarem.
§ 3.º - Estes alumnos terão, depois de cada hora de aula, um recreio de 15 minutos.
§ 4.º - Durante o recreio os professores aproveitarão esse tempo para dar aos alumnos,
breves licções de coisas, procurando com brandura e verdadeiro interesse inspirarem-lhes o
amor pelo estudo e desenvolver-lhes os sentimentos do bem, do dever e da virtude.
Art. 38. – A reunião dos alumnos de que trata o art. supra e §§, tem por fim evitar que
eles perturbem o silencio nas aulas dos mais adeantados, e muito especialmente, para evitar
que elles se enfastiem e aborreçam o estudo com uma prolongada permanência nas aulas.
Art. 39. – Nenhum alumno poderá se retirar do grupo durante o funccionamento das
aulas, sem licença do diretor, depois de ter avisado o professor, salvo coisa de força maior.
Art. 40. – Os alumnos não poderão abandonar o recinto da aula, sem licença do
professor.
§ Único – Somente lhe será concedida licença para tomarem agua ou fazerem outra
qualquer necessidade durante os recreios, salvo caso urgente ou inevitável.
Art. 41. – Quer na sahida das aulas para o recreio, quer na entrada do recreio para as
aulas e que por occasião de retirarem-se do grupo, no encerramento das aulas, devem os
alumnos andar em fila, dois á dois, e em silencio.
Art. 42. – Haverá em cada aula, livros de matricula, de termos de exame e caderneta
para notas.
Art. 43. - No curso complementar haverá na ultima aula de cada mez, sem prejuízo das
composições semanaes, uma composição que terá por objeto os principaes assumptos
desenovolvidos durante o decurso do mez.
195
§ 1.º - Estas composições soffrerão, em plena aula, a critica do respectivo professor
que as classificará segundo o merecimento e fornecerá ao director uma nota da classificação
feita para ser affixada na Directoria.
§ 2.º - Estas composições não só têm por fim mostrar o gráo de approveitamento de
cada alumno nesse mez, como tambem familiarisal-o com este genero de provas para os
exames escriptos.
Art. 44. – As notas das lições e composições serão marcadas em cadernetas
appropriadas, que o diretor distribuirá pelos professores no principio dos annos lectivos.
§ 1.º - Estas notas são:
Optima – 10;
Bôa de – 7 á 9;
Soffrivel de 4 á 6;
Má – 1 > 3;
Pessima – 0.
§ 2.º – A média das notas datas a cada alumno durante um mez, será extrahida da
caderneta para o boletim, pelo respectivo professor, que apresentará ao director, com as
observações que julgar necessarias.
§ 3.º – No fim do anno lectivo, será pelos professores tirada d’entre as médias
mensais, a média geral, que constituirá o gráo do aproveitamento do alumno.
Art. 45. – Os professores devem zelar pela bôa ordem e conservação dos moveis de
suas aulas, communicando ao director qualquer extravio ou damno nelles causados.
Art. 46. – O responsavel do alumno respondera pelos damnos ou prejuízos por este
causados, não somente nas aulas como em qualquer outra dependencia do respectivo edifício.
Art. 47. – O diretor manterá por todos os meios ao seu alcance a mais rigorosa
disciplina escolar durante as aulas, visto só assim poderem os alumnos seguir com proveito as
explicações dos professores.
Art. 48. – Os professores receberão de pé o diretor e as auctoridades do ensino, em
suas visitas ás aulas, offerecendo-lhes a cadeiras magistral e lhes prestarão, com a devida
attenção e solicitude, as informações que lhes forem solicitadas.
§ Unico – Igualmente os alumnos receberão de pé o diretor, as auctoridades do ensino
e os respectivos professores, quando entrarem nas aulas.
196
CAPITULO IV
DO HORARIO E DA DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO
Art. 49. – Todo o movimento do grupo será annunciado pela sineta.
Art. 50. – O horário das aulas e a distribuição dos trabalhos nos cursos elementar e
complementar serão executados de conformidada com os dois quadros annexos ao presente
regimento.
CAPITULO V
DO PONTO DO PESSOAL DOCENTE E ADMINISTRATIVO
Art. 51. – O ponto do pessoal docente será encerrado pelo director 10 minutos depois
da hora marcada para o inicio das aulas.
§ 1.º - No impedimento do director o ponto será encerrado pelo professor que o
Secretario da Instrucção Publica designar.
§ 2.º - O professor que se apresentar, com causa justificada, dentro da primeira hora
depois de encerrado o ponto e somente duas vezes em cada mez, soffrerá o desconto da
metade de sua gratificação, se preencher o resto do tempo em dando aula, para o que rubricará
o ponto na sahida.
§ 3.º - Se o comparecimento tiver logar depois da primeira hora do encerramento do
ponto, com causa justificada, soffrerá o professor o desconto de toda a gratificação, se dér
aula no tempo restante, ou menos de uma hora, rubricando o ponto na sahida.
§ 4. º - O professor que comparecer ao grupo depois de encerrado o ponto e não dér
aula, retirando-se sem consentimento do director, soffrererá o desconto de todo o vencimento
do dia, sem prejuízo da pena em que estiver incurso, sendo esta falta considerada como não
justificada.
Art. 52. – As faltas dos professores serão justificadas na fórma do regulamento geral
do ensino.
Art. 53. – Os professores que não poderem comparecer ás aulas por qualquer
impedimento legal ou por motivo de moléstia, devem communicar o occorrido ao director,
dentro de 24 horas, afim de que sejam tomadas as providencias no sentido de não soffrer o
ensino interrupção alguma.
Art. 54. – O director justificará até 3 faltas em cada mez aos professores, si elles
enviarem parte de doente por escripto, dentro do praso de que trata o artigo supra.
Art. 55. – As justificações das faltas serão requeridas ao director, até 3; ao Secretário
de Estado da Instrucção Publica, até 15; e ao Governo do Estado, até 30.
197
§ 1.º – O professor não poderá ter mais de 30 faltas justificadas durante um anno
escolar.
§ 2.° – O desconto por faltas interpolladas recahirá sómente nos dias em que ellas se
derem; mas, si as faltas forem suceessivas, o desconto se estenderá também aos dias que, não
sendo de serviço, se acharem comprehendidos no período das faltas.
§ 3.º – Serão justificadas as faltas, por moléstia, provada com attestado medico, se não
excederem de cinco em cada mez.
Art. 56. – Para o porteiro e servente haverá um ponto especial que será também
encerrado pelo director.
Art. 57. – Os serventes não terão direito á justificação de faltas; e dos dias em que
faltarem perderão a gratificação integralmente.
§ Único – Só lhes serão abonados os dias em que faltarem, quando mandarem fazer o
serviço por outra pessoa, a suas expensas; em caso contrario outro servente que o fizer
ganhará a sua gratificação.
Art. 58. – O porteiro póde justificar perante o director até 3 faltas, durante o mez, e
perante o Secretario da Instrucção Publica até 15, devendo solicitar licença, quando as faltas
forem seguidas e excederem á 15 dias.
Art. 59. – O porteiro em seus impedimentos menores de 30 dias, será substituído pelo
servente designado pelo director; nos impedimentos maiores de 30 dias pelo cidadão que o
Secretario de Estado da Instrucção Publica designar.
CAPITULO VI
DO RECREIO
Art. 60. – Afim de dar repouso ao espirito e necessário desenvolcimento ao corpo,
haverá nos grupos durante as aulas um intervallo de 15 minutos destinados aos exercícios
physicos dos alumnos.
Art. 61. – Os professores procurarão mostrar, por todos os meios directos, aos
alumnos, as vantagens por elles tiradas, nesses exercícios, quando fôr convenientemente
approveitado o tempo que lhes é consagrado.
Art. 62. – Os recreios serão dados separadamente aos meninos e ás meninas, em duas
secções, havendo ahi separação entre os menores e maiores.
§ Único – Serão considerados menores os alumnos de 6 á 9 annos; e maiores os de 10
13 annos.
198
Art. 63. – Nas quintas-feiras e nos sabbados uteis, quando o tempo permitir, haverá
exercicios callisthonicos, ao ar livre, para os meninos; e durante esse tempo será facultado o
ensino de costuras e prendas para as meninas.
§ 1.º – Nos dias designados para taes exercícios o recreio durará meia hora.
§ 2.º– Os exercícios physicos para as meninas constarão apenas de jogos e brinquedos
ao ar livre.
Art. 64. – O director designará os professores para presidirem os recreios, revesando-
os, semanalmente.
Art. 65. – Os professores que presidirem os recreios devem estar em contacto com os
alumnos, buscando refrear-lhes os máos instinctos, impedindo a infracção deste Regimento e
obervando-lhes com brandura e polidez todos os actos contrários á moralidade e bôa
educação.
§ 1.º – Não devem permitir que, sem motivo justificado, os alumnos abandonem os
exercícios ou deixem de a elles comparecer.
§ 2.° – Devem levar immediatemente ao conhecimento do director os delictos que se
derem durante os exercícios, e os nomes dos delinquentes.
Art. 66. – Os professores que presidirem os exercícios devem manter e evitar os jogos
de mãos, de capoeiragem e outros que não convem a meninos que querem educar-se.
Art. 67. – Os presidentes de recreios são responsaveis directamente, perante o director,
pela manutenção da ordem e disciplina durante o tempo dos exercícios.
CAPITULO VII
DO UNIFORME
Art. 68. – Os professores são obrigados a trajar de preto:
§ 1.º – Nos dias de formatura official
§ 2.º – Nas solemnidades escolares.
Art. 69. – Os professores envidarão os meios brando e persuasivos no sentido de
conseguirem que os meninos em dias de festas escolares compareçam de fato preto e as
meninas de vestido branco, com o respectivo distinctivo do grupo a que pertencerem.
Art. 70. – Cada grupo terá um estandarte, cujo emblema será organizado pelo
respectivo Director com approvação do Secretario de Estado da Instrucção Publica.
199
CAPITULO VIII
MEIOS DE EMULAÇÃO
Art. 71. – Para animar os tibios e conservar o alento dos estudiosos e bem procedidos,
os professores empregarão de preferencia os meios moraes: – elogio na aula, publicação de –
Banco de Honra – medalhas de prata com as legendas: Capacidade moral – Capacidade
intellectual – boletins de satisfação e quadro de honra.
§ 1.° – Estes meios de animação serão empregados pelos professores com prudência e
discrição, de inteiro accôrdo com as recommendações pedagógicas, e com prévia permissão
do Director.
§ 2.º – As medalhas de prata serão conferidas com solemnidade, na festa annual do
grupo, aos alumnos que mais se houverem distinguido em procedimento, talento, applicação e
aproveitamento.
Art. 72. – No fim do anno lectivo dar-se-há aos alumnos um boletim com todos os
dizeres relativos ao seu aproveitamento nos estudos e modo de proceder no Grupo.
§ Único – No boletim dos alumnos que tiverem terminado o curso far-se-há menção
dos prêmios que obtiveram.
CAPIULO IX
DOS EXAMES
Art. 73. – Haverá nos grupos três séries de exames, a saber: de sufficiência, de
passagem de anno e finaes.
Art. 74. – Os exames de sufficiência ou parciaes serão feitas no fim do primeiro
semestre de estudos, para effeito da classificação definitiva dos alumnos, e os de passagem de
anno e finaes no fim do anno lectivo.
Ar. 75. – Os exames de sufficiência e os de passagem de anno constarão só de prova
oral feita perante uma commissão de dois professores do grupo, presidida pelo professor da
cadeira, com assistência do director.
Art. 76. – Os exames finaes dos cursos elementar e complementar constarão e duas
provas, uma escripta e outra oral, feitas perante uma commissão de 3 professores para os
exames de estudos elementares, e de 5 professores para os de estudos primários. A de exames
de estudos primários funccionará sob a presidência do director e a dos demais sob a
presidência do professor mais velho em idade.
§ Único – No processo destes exames serão observadas as disposições regulamentores
vigentes.
200
TITULO II
ATTRIBUIÇÕES E DEVERES DO INSPECTOR ESCOLAR
Art. 77. – Ao inspector escolar incumbe a fiscalisação e inspecção de todos os grupos
escolares e escolas isoladas do Estado, velando pela perfeita execução das disposições
regulamentares e instruindo os respectivos directores e professores quanto ao bom
desempenho de seus deveres.
Art. 78. – N’estas inspecções terá muito em vista:
f) A ordem e o asseio do estabelecimento;
g) A assuduidade, dedicação e comprehensão de deveres dos funccionários;
h) A methodologia empregada pelos professores no ensino de suas aulas;
i) O aproveitamento dos alumnos, relativamente ao tempo de seu aprendizado e
frequência ás aulas;
j) A localisação e demais condições pedagógicas e hygienicas do prédio escolar;
k) Todas as demais prescripções do Regulamento Geral do Ensino e Regimento
interno dos grupos escolares e das escolas isoladas.
Art. 79. – Compete aos inspector escolar:
§ 1.º – A inspecção dos estabelecimentos particulares de ensino, no sentido de serem
fielmente cumpridas as disposições do Titulo IV do Regimento Geral, toda a vez que assim
determinar o Secretario de Estado da Instrucção Publica.
§ 2.º – Informar á esta auctoridade, quando em serviço no interior, as petições dos
directores e professores de grupos escolares e escolas isoladas.
§ 3.º– Propôr ao Secretario de Estado da Instrucção Publica a exoneração dos
professores interinos não diplomados, a quem fallecerem habilitações, e dos que
negligenciarem no cumprimento de seus deveres.
§ 4.º – Nomear pessoas idôneas para substituírem os professores em seus
impedimentos, sempre que taes impedimentos se derem ao tempo de suas inspecções no
interior, submettendo a portaria de nomeação á approvação do Secretario de Estado de
Instrucção Publica.
§ 5.º – Designar os professores que substituirão os directores de grupos escolares do
interior em seus impedimentos até quinze dias.
§ 6.º – Attestar o exercício dos professores das escolas isoladas, quando verificar que
as auctoridades escolares se negam a fazel-o sem motivo justo.
§ 7.º – Dispensar e contractar serventes para os grupos do interior, sempre que julgar
conveniente á bôa marcha do serviço.
201
§ 8.º – Applicar aos porteiros dos mesmos grupos a pena de suspensão até trinta dias,
providenciando para a substituição.
§ 9.º – Annotar a data do exercício dos professores nomeados para o interior, quando o
assumam ao tempo de inspecção.
§ 10. – Abrir, numerar e rubricar os livros necessários á escripturação escolar, quando
não o tenham feito os Conselhos Escolares, e directores de grupo.
§ 11. – Solicitar dos Conselhos escolares todos os esclarecimentos que julgar
necessários ao desempenho de suas funcções.
§ 12. – Determinar a transferência das escolas isoladas, quando o prédio escolar não
reunir as necessárias condições pedagógicas.
§ 13. – Inspeccionar os exames para obtenção de diplomas de estudos elementares e
primários, quando assim determine o Secretario de Estado da Instrucção Publica.
§ 14. – Solicitar do Secretario de Estado da Instrucção Publica urgentes providencias,
quando algum funccionário do ensino primário, com escândalo publico, tornar-se
incompatível para o cargo que excerce.
§ 15. – Tomar conhecimento das queixas contra os funccionários do magisterio
publico, ouvindo os accusados e colhendo as informações que julgar necessárias para leval-as
ao conhecimento do Secretario de Estado da Instrucção Publica.
§ 16. – Promover pelos meios ao seu alcance e, de accordo com as auctoridades
escolares, a execução das disposições regulamentares que dizem respeito á obrigatoriedade do
ensino e ao recenseamento escolar.
§ 17. – Dar conta ao Secretario de Estado da Instrucção Publica, em relatórios
parciaes, do resultado de suas inspecções no interior, no praso máximo de cinco dias após o
seu regresso.
§ 18. – Apresentar no fim de cada anno um relatório dos seus trabalhos, propondo as
medidas necessárias ao beneficio da instrucçao publica.
§ 19. – Desempenhar todas as demais commissões que lhe forem confiadas.
TITULO III
DO DIRECTOR
Art. 80. – Ao Director do grupo escolar compete:
§ 1.º – A representação official do grupo em todas as suas relações externas.
202
§ 2.º – Inspecção e fiscalisação de todos os cursos durante o seu funccionamento,
imprimindo ao grupo o regimen e methodo de ensino, de accôrdo com respectivo programma
e instrucções que receber do Secretario de Estado da Intsrucção Publica e Inspector Escolar.
§ 3.º – Comparecer diariamente ás aulas, assistindo as licções dos professores,
interrogando os alumnos, e fiscalisando a perfeita execução do programma de ensino e a fiel
observância do horário das aulas.
§ 4.º - Zelar com particular cuidado sobre a educação e instrucção dos alumnos,
applicando-lhes as penas que merecem conforme, auctorisa este Regimento.
§ 5.º - Chamar particularmente á fiel observância dos seus deveres os professores, não
pontuaes, pouco assíduos, apressados em concluir as aulas, e que e distrahirem com
digressões alheias ao assunpto das aulas, ou que não mantiverem o silencio e a ordem durante
as licções, primeiramente em caracter reservado e na reincidência por meio de portaria.
§ 6.º – Fazer vaccinar até 30 dias, contados da data da matricula, os alumnos que ainda
o não tiverem sido, ou não mostrarem signaes de haverem tido varíola.
§ 7.º – Propor ao Secretario de Estado da Instrucção Publica a creação e supressão dos
logares de adjunctos de professores.
§ 8.º – Proceder com auxilio dos professores a matricula, classificação e eliminação
dos alumnos.
§ 9.º – Submetter os alumnos de cada curso a exames semestraes ou de sufficiência, de
passagem de anno e aos finaes, na terminação do anno letivo.
§ 10. – Enviar ao Secretario de Estado da Instrucção Publica os mappas trimestraes da
matricula e frequências dos alumnos do grupo.
§ 11. – Apresentar ao Secretario de Estado da Instrucção Publica no fim do ano letivo
um relatório minucioso sobre o movimento do grupo, mencionando todas as ocorrências que
se deram durante o anno acompanhando-o dos mappas e quadros explicativos necessários e de
todos os esclarecimentos e informações que lhe forem exigidos.
§ 12. – Justificar até 3 faltas em cada mez aos professores.
§ 13. – Contractar e dispensar os serventes.
§ 14. – Cumprir e fazer cumprir todas as disposições legaes e determinações do
Secretario de Estado da Instrucção Publica, relativas ao ensino e regular funccionamento do
grupo.
§ 15. – Zelar pela bôa conservação da casa, biblioteca, gabinetes, moveis e objectos
escolares.
§ 16. – Abrir, numerar, rubicar e encerrar os livros de escripturação do grupo.
203
§ 17. – Abrir e encerrar diariamente o ponto do pessoal, notando as faltas de cada um.
§ 18. – Propôr ao Secretario de Estado da Instrucção Publica, a adopção de medidas
que julgar de conveniência para a bôa direcção do grupo.
§ 19. – Encaminhar ao Secretario de Estado da Instrucção Publica as petições dos
professores, informando-as.
§ 20. – Impôr ao pessoal e aos alumnos as penas que forem determinadas neste
Regimento.
§ 21. – Tomar as medidas urgentes nos casos não previstos, sujeitando
immediatamente o seu acto á approvação do Secretario de Estado da Instrucção Publica.
§ 22. – Organisar mensalmente, em duplicata, de accordo com o livro de ponto, a folha
do pagamento do pessoal o grupo, mencionando as faltas e eu motivo, enviando-a ao
Secretario de Estado da Instrucção Publica, para os devidos fins.
§ 23. – Despachar os requerimentos sobre inscripções aos exames de estudos
elementares.
§ 24. – Presidir os exames dos alumnos, candidatos aos diplomas de estudos primários,
assistindo aos elementares e de passagem de anno.
§ 25. – Nomear commissões de professores do grupo para os exames de sufficiência,
passagem de anno e finaes, dos respectivos alumnos e das escolas isoladas pertencentes ao
distrito em que funccionar o grupo.
§ 26. – Assistir com frequencia os exercícios dos alumnos.
§ 27. – Receber na porta da entrada do grupo e acompanhar até a da sahida ao
Governador do Estado e Secretario da Instrucção Publica, quando em visita ao mesmo.
§ 28. – Dirigir, todos os serviços do grupo, mantendo a ordem no pessoal e
providenciando pela conservação dos objectos confiados a sua guarda.
§ 29. – Cumprir e fazer cumprir as instrucções dadas pelo inspector escolar.
§ 30. – Organizar o programa da festa annual e submettel-o á aprovação do Secretario
de Estado da Instrucção Publica.
§ 31. – Justificar as faltas dadas pelos alumnos.
TITULO IV
DOS PROFESSORES DE GRUPO
Art. 81. – Aos professore do grupo compete:
§ 1.º – Comparecer com pontualidade á aula decentemente vestidos, não podendo
retirar-se senão depois de concluídos os trabalhos escolares e á hora marcada para esse fim.
204
§ 2.º – Fazer a chamada dos alumnos antes de começar os trabalhos, notando as faltas
dos que á ella não responderem.
§ 3.º – Leccionar pelos compêndios e livros que o Conselho Superior mandar adoptar
annualmente nas aulas.
§ 4.º– Explica as licções em termos claros, sem afastar-se com digressões, extranhas
com ás matérias da aula.
§ 5.º– Recapitular na ultima aula de cada mez as theorias mais importantes explicadas
durante esse tempo e dal-as para composição dos alumnos do curso complementar na primeira
aula do mez seguinte.
§ 6.º – Corrigir estas composições na primeira aula que a ellas succeder, clasifical-as
segundo o mérito real de cada uma e fornecer ao Director uma nota de classificação feita, para
ser archivada.
§ 7.º – Manter a ordem e disciplina na aula.
§ 8.º – Esforçar-se para que os meninos desenvolvam a intelligência, incutindo-lhes o
amor ao estudo e o sentimento do dever.
§ 9.º – Tratar com igual desvelo os alumnos, louvando os que dérem boas contas de si,
admoestando os que forem negligentes.
§ 10. – Dar aos alumnos, pela irreprehensibilidade de sua conducta, constantes
exemplos de moralidade e amor ás instituições.
§ 11. – Exgottar os meios brandos antes de applicar aos seus discípulos qualquer
correcção disciplinar.
§ 12. – Dividir em turmas os alumnos para as licções.
§ 13. – Manter o silencio, o respeito e o decoro durante a aula, fazendo retirar della,
scientificando o facto ao Director, o alumno mal procedido que concorrer para implantar ahi a
desordem.
§ 14. – Observar as recommendações e instrucções do Director, auxilial-o na
manutenção da ordem e bôa disciplina dentro do grupo, cuja reputação zelará em toda a parte.
§ 15. – Lançar na caderneta as notas de licções e comportamento.
§ 16. – Dar ao Director todas as informações que forem exigidas a bem do ensino.
§ I7. – Propôr ao Director todas as medidas que julgar convenientes á bôa marcha do
ensino e á disciplina da aula.
§ 18. – Requisitar do Director todos os materiaes necessários ao ensino de suas aulas.
205
§ 19. – Participar immediatamente ao Director qualquer impedimento que o inhiba de
comparecer á aula, para que sejam tomadas as providencias no sentido do ensino não soffrer
interrupção.
§ 20. – Comparecer aos exames, distribuições de prêmios e aos actos solemnes do
grupo.
§ 21. – Não procurar esquivar-se de fazer parte das commissões examinadoras, para
que forem nomeados.
§ 22. – Presidir o recreio nos dias determinados pelo Director.
§ 23. – Conter nos recreios a ordem, fazendo observar os preceitos de moral e os que
concorram para o aproveitamento physico dos alumnos.
§ 24. – Impôr aos alumnos as penas do artigo 85, letras a, e b, primeira parte, e
quando a falta exigir pena mais rigorosa, communicar ao Director para applical-a.
§ 25. – Organizar os mappas de matricula e frequência, trimestralmente, e apresentar
ao Director para pôr o Visto e encaminhal-os á Secretaria da Instrucção Publica.
§ 26. – Organizar no fim de cada mez os boletins com as notas das licções,
aproveitamento e conducta dos seus alumnos nesse mez, e subbmetel-os á assignatura do
Director, fazendo por escripto as observações que julgar necessárias.
§ 27. – Tirar a média geral das notas de seus alumnos no final do anno letivo.
§ 28. – Começar e suspender os trabalhos escolares á hora marcada no horário.
§ 29. – Assignar o livro do ponto á entrada e rubrical-o á sahida.
§ 30. – Dar aos actos de exames caracter festivo, com auctorisação do Director.
§ 31. – Não dirigir-se directamente ao Secretario de Estado da Instrucção Publica,
salvo caso de queixa ou representação contra o Director.
§ 32. – Não infligir castigos physicos aos alumnos.
§ 33. – Não fumar ou satisfazer qualquer outro vicio durante as horas de aulas.
§ 34. – Não occupar-se ou não occupar os alumnos durante as horas de aula em
misteres extranhos ao ensino.
TITULO V
DOS ALUMNOS
Art. 82. – Aos alumnos compete:
§ 1.º – Comparecer com pontualidade, asseio e decência ao grupo, nos dias de aula, e
só sahir della nas horas marcadas, salvo caso de força maior provada perante o Director.
206
§ 2.º – Portar-se durante as aulas com toda attenção, ordem e respeito, não distrahindo
os seus companheiros, e obedecendo sempre á voz do seu professor.
§ 3.º – Preparar as suas licções em voz baixa e não se levantar de seu logar por
qualquer motivo, sem previa licença do professor.
§ 4.º – Apresentar os seus trabalhos escriptos sem emendas, borrão ou raspas, nos dias
designados conservando os seus livros sempre limpos e bem cuidados.
§ 5.º – Não tomar apontamentos nos livros que lhe fornecer o grupo, sem deterioral-os.
§ 6.º – Comparecer aos actos de exames e ás solemnidades promovidas pelo grupo.
§ 7.º – Pôr-se em pé sempre que na aula penetrar qualquer auctoridade do ensino.
§ 8.º – Mostrar-se cortez e bem educado perante o Director e os professores, dentro e
fóra do grupo, nunca faltando-lhes com o devido respeito.
§ 9.º – Justificar junto com o Director o seu não comparecimento á aula, allegando o
motivo ou motivos que determinaram essas faltas.
§ 10. – Tratar com delicadeza e urbanidade todos os empregados do grupo e as pessôas
extranhas que nelle entrarem.
§ 11. – Dispensar a todos os seus collegas em geral e a cada um em particular,
tratamento ameno e affectuoso.
§ 12. – Guardar o maior silencio nos corredores e nas aulas. Findo do recreio, e ao
primeiro toque da sineta, deve cessar toda e qualquer conversação.
§ 13. – Applicar-se aos estudos com calma e placidez de animo, de modo que possa
nelles aproveitar, sem que se canse o espírito, nem se enfraqueça o corpo com detrimento da
saúde.
§ 14. – Recolher-se logo á aula quando chegar, guardando alli silencio e não se pôr á
janela.
Art. 83.º – São direitos de cada alumno:
§ 1.º – Receber gratuitamente no grupo instrucção primaria e educação moral e
physica.
§ 2.º – Ser examinado nas ephocas marcadas neste regimento.
§ 3.º – Receber os prêmios ou recompensas que tiver alcançado.
§ 4.º – Ser tratado com urbanidade e brandura pelo director e professores.
§ 5.º – Ter franca entrada no grupo nas horas destinadas ás aulas, quando não esteja
cumprindo pena disciplinar.
Art. 84. – E’ expressamente vedado a cada alumno:
§ 1.º – Abandonar qualquer exercício antes de concluído.
207
§ 2.º – Conservar-se de chapéo na cabeça dentro do estabelecimento de ensino.
§ 3.º – Fumar no interior do mesmo ou nas suas proximidades.
§ 4.º – Gritar, assobiar, fazer algazarras ou dar vaias dentro ou nas visinhanças dos
grupos.
§ 5.º – Formar grupos na portaria, em frente ou nas proximidades do grupo.
§ 6.º – Provocar desordens ou rivalidades com alumnos de outros grupos.
§ 7.º – Escrever, pintar, desenhar, gravar, riscar, sujar, estragar ou damnificar o
edifício ou seus moveis e utensílios.
§ 8.º – Proferir palavras obscenas e incorrectas, nomes ou appelidos entre os seus
collegas, contos particulares de famílias e tudo o mais que possa abrir margem á intriga.
§ 9.º – Usar no recreio de divertimentos prejudiciaes aos seus companheiros.
§ 10. – Ameaçar ou offender physicamente a qualquer pessoa extranha ou não, dentro
ou nas proximidades do estabelecimento.
Art. 85. – O alumno está sujeito ás seguintes penas:
a) – Admoestação em particular;
b) – Reprehensão durante os trabalhos escolares com subsequente communicação ao
representante legal;
c) – Expulsão.
§ Único- A pena da letra a será destinada ás faltas leves; a da letra b ás faltas graves
oriundas de máo comportamento, reincidência nas faltas leves; e a da letra c, ao caso
de incorrigibilidade em todos os sentidos.
TITULO VI
DOS DEVERES DO PORTEIRO
Art. 86. – Ao porteiro incumbe:
§ 1.º – Abrir com necessária antecedência e fechar, depois do concluídos os trabalhos
do dia, as portas do estabelecimento.
§ 2.º - Responder pelo asseio e bôa guarda do edifício, mobília e utensílios do grupo.
§ 3.º - Determinar o serviço diário dos serventes.
§ 4.º - Ter sob sua guarda o livro do ponto do pessoal do grupo.
§ 5.º - Receber os requerimentos, officios e mais papeis que lhe forem apresentados,
remetttendo ao seu destino a correspondência official do mesmo grupo e fazendo de tudo
assento em livro especial.
§ 6.º - Assignar o livro de presença.
208
§ 7.º - Informar-se cortezmente do nome dos visitantes e do que pretendem, e não
consentir que penetrem ahi sem prévia determinação do Director.
§ 8.º - Franquear o ingresso, a qualquer hora, ás auctoridades do ensino.
§ 9.º - Tratar com delicadeza os alumnos, e observar-lhes com brandura as infracções
regimentaes.
§ 10. – Não consentir reuniões dos alumnos na portaria, em frente ou nas immediações
do grupo.
§ 11. – Impedir a entrada aos que tiverem sido eliminados ou suspensos, emquanto
perdurarem os effeitos da pena.
§ 12. – fazer o alumno entrar, logo que chegue, para a sala de estudos e não consentir
na sahida de um só antes de terminados os seus exercícios, sem o devido consentimento do
Director ou de quem as suas vezes fizer.
§ 13. – Fazer chegar immediatamente ao conhecimento do Director, toda a vez que um
educando mal comportado, não quiser attender ás observações.
§ 14. – Tocar na campa os signaes de aula e de todos os exercícios do grupo.
§ 15. – Cumprir e fazer cumprir tudo o que lhe fôr determinado pelo Director.
Art. 87. – O porteiro não póde abandonar o seu posto, salvo caso muito urgente e de
pouca duração em que o substitua o servente.
TITULO VII
DOS DEVERES DO PORTEIRO
Art. 88. – Aos serventes incumbe:
§ 1.º - Conservar o edifício e suas dependencias em perfeito estado de asseio.
§ 2.º - Cumprir as ordens do Director e do porteiro com relação ao serviço.
§ 3.º - Attender ás chamadas dos professores para serviço dentro do estabelecimento.
§ 4.º - Assignar o livro de presença e auxiliar o porteiro na manutenção da ordem antes
de começarem as aulas.
§ 5.º - Auxiliar, emfim, o porteiro em todo o serviço a seu cargo.
TITULO VIII
DA DISCIPLINA ESCOLAR
Art. 89. – O Director exigirá submissão mais absoluta, da parte dos professores e
alumnos, ás regras estabelecidas para a manutenção da ordem e bôa disciplina indispensáveis
209
n’uma casa de educação. Não tolerará a menor quebra do respeito devido pelos alumnos e ás
dos professores.
Art. 90. – Os professores estão sujeitos ás eguintes penas:
a) – Advertencia;
b) – Reprehensão;
c) – Multa;
d) – Suspensão;
e) – Remoção;
f) – Demissão;
§ Único- Estas penas serão aplicadas de conformidade com as disposições
regulamentares que regem o assumpto.
Art. 91. – O porteiro está sujeito ás seguintes penas:
a) – Admoestção;
b) – Repreensão;
c) – Multa até 50$000;
d) – Suspensão do exercício até 30 dias;
e) – Demissão.
§ 1.º – A pena de demissão será imposta pelo Secretario de Estado da Instrucção
Publica.
§ 2.º – A pena da admoestação e repreensão será imposta nas pequenas faltas sobre
cumprimento de dever.
Art. 92. – As penas de multa e suspensão serão applicadas em portaria do Inspector
escolar ou Director e terão as seguintes causas:
§ 1.º – Reincidencia de actos pelos quaes já tenha sido reprehendido.
§ 2.º – A reincidência, em faltas não justificadas, nos dias de serviço extraordinário
conhecidos com antecedencia.
§ 3.º – Faltar ao serviço sem justificação oito dias consecutivos.
§ 4.º – Faltar ao serviço habitualmente, sem justificação mais de 3 dias por mez.
§ 5.º – Maltratar as pessoas que tenham qualquer dependência no estabelecimento.
§ 6.º – Negligencia culposa no cumprimento de seus deveres, depois de admoestado.
Art. 93. – A pena de demissão, terá as seguintes causas:
§ 1.º – Desobediencia voluntaria e formalmente ás ordens do Director, em objecto de
serviço publico.
210
§ 2.º – Desattender, com gestos affrontosos ou com expressões offensivas, ao Director
e aos professores.
§ 3.º – Faltar continuadamente ao serviço, sem motivo justificado.
§ 4.º – A incontinência pública e escandalosa; vícios de jogos prohibidos ou de
embriaguez.
§ 5.º – Desidia habitual no desempenho de suas funcções.
§ 6.º – Abandono de emprego por mais de 15 dias.
Art. 94. – Os serventes estão sujeitos ás penas de reprehensão, multa e demissão
segundo as gravidade das faltas que commetterem.
§ Único – As penas de multa e demissão serão impostas em portaria do Inspector
escolar ou Director, sem recurso algum.
TITULO IX
DAS ESCOLAS ISOLADAS
Art. 95. – A organização das escolas elementares isoladas é a mesma que a dos grupos
escolares.
Art. 96. – A matricula das escolas isoladas será aberta durante todo anno lectivo; e
será solicitada ao respectivo professor, de accordo com os arts. 14 e 15 deste Regimento.
Ar. 97. – A eliminação da matricula em escolas isoladas far-se-á de acordo com o art.
17.
Art. 98. – da degeneração da matricula ou da eliminação em escolas isoladas caberá
recursos, no interior para o Conselho Escolar e na capital, para o Secretario de Estado da
Instrucção Publica.
Art. 99. – O período lectivo nas escolas isoladas será de 15 de Janeiro á 15 de
Novembro.
Art. 100. – As aulas funccionarão todos os dias uteis, das 7 ás 11 ½ da manhã.
§ Único- Nas escolas mistas a instrucção será dada separadamente aos meninos e ás
meninas, em duas secções diárias: a primeira das 8 ½ as 11 ½, destinadas ás alumnas, a
segunda, da 2 ás 5 horas da tarde, destinada aos alumnos.
Art. 101. – Nas escolas isoladas será observado o horário annexo, sendo o tempo
destinado ao recreio occupado pelo professor com uma breve lição de cousas.
Art. 102. – Nas escolas isoladas é permittido ao professor o uso dos meios de
emulação de que trata o tit. VII, com prévia permissão do Inspector Escolar.
211
Art. 103. – Os exames de passagens e finaes far-se-ão de accordo com o Regulamento
geral do Ensino, sendo que os últimos realisar-se-ão no grupo do districto a que pertencer a
escola, de acordo com o § único do art. 20.
Art. 104. – Aos professores de escolas isoladas, além dos deveres prescriptos no art.
79 §§ 1 a 5, 7 a 12, 15, 21, 28, 27, 31 a 34, cumpre:
§ 1.º – Reservar para a escola a sala principal do edifício;
§ 2.º – Conservar na sala de aula o máximo asseio;
§ 3.º – Collocar no alto da porta da entrada, na face externa, uma taboleta oval,
medindo quarenta e cinco centímetros de comprimento e designados, em caracteres brancos
sob fundo azul, a cathegoria da escola e o sexo a que pertencer;
§ 4.º – Franquear a escola ás pessoas que a quiserem visitar;
§ 5.º – Proceder o inventario dos moveis e utensílios da escola, quando assumir o
exercício da cadeira, ou quando houver de deixal-a, passando a outrem o exercício, lavrando
no respectivo livro um termo de responsabilidade, que assignará;
§ 6.º – Conservar em boa ordem, devidamente asseiados, os moveis da escola;
§ 7.º – Fazer a matricula da escola;
§ 8.º – Organisar os mappas da matricula e frequência conforme os modelos já
adoptados e remettel-os á Secretaria de Estado da Instrucção Publica, depois de havel-os
submettido no interior ao visto dos Conselhos Escolares;
§ 9.º – Prestar as informações que lhes forem exigidas por qualquer auctoridade de
ensino;
§ 10. – Cumprir as ordens dos superiores hierarchicos no que concernir ao ensino
publico, evitando factos prejudiciaes ao prestigio da auctoridade ou do magistério;
§ 11. – Receber em pé, no ponto em que estiver collocado o Inspector Escolar, e á
porta da escola o Governador do Estado ou o Secretario de Estado da Instrucção Publica;
§ 12. – Communicar ao Secretario de Estado da Instrucção Publica o inicio de seu
exercício, bem como as interrupções que tiver, por entrada em goso de licença ou qualquer
outro motivo;
§ 13. – Comparecer com pontualidade á escola, dez minutos antes do seu
funcionamento, decentemente vestido, não podendo retirar-se senão depois de concluídos os
trabalhos escolares e á hora marcada pelo Regulamento Geral do Ensino;
§ 14. – Fazer vaccinar até 30 dias, contados da data da matricula, os alumnos que
ainda o não tiverem sido, ou não mostrarem signaes de haverem tido varíola;
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§ 15. – Impedir, em absoluto, a comunicação das creanças nas horas das lições, com as
pessoas de famílias que residirem na casa da escola.
§ 16. – Não distrahir os meninos em serviços alheios á escola.
Art. 105. – Os alumnos das escolas isoladas terão os mesmos direitos e obrigações e
soffrerão as mesmas penas estabelecidas neste Regimento para os de grupos.
Art. 106. – Revogam-se as disposições em contrario.
Secretaria de Estado da Instrucção Publica, 24 de Fevereiro de I904.
G. AMAZONAS DE FIGUEIREDO
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APÊNDICE 1:
História do Grupo Escolar de Igarapé-Miri (Vídeo com duração de 7:50). Disponível
em: <https://youtu.be/0dYtyX4ZVzI>. Acesso em: 31 de dezembro de 2017.
APÊNDICE 2:
Planta 3D do Grupo Escolar de Igarapé-Miri fundado em 1904. Disponível em:
<https://3dwarehouse.sketchup.com/search/?backendClass=entity&q=Grupo%20de%2
0Igarapé-Miri%20>. Acesso em: 17 de janeiro de 2018.