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3º Encontro da Região Norte da Sociedade Brasileira de Sociologia: Amazônia e Sociologia: fronteira do século XXI
GT 4 – Africanidades e Negros na Sociedade Amazônica
Patrimônio Arqueológico e Turismo em Comunidades Quilombolas do Estado do Pará?
Raul Ivan Raiol de Campos
Universidade Federal do Pará
Manaus, 26, 27 e 28 de setembro de 2012
Patrimônio Arqueológico e Turismo em Comunidades Quilombolas do Estado do Pará?
Raul Ivan Raiol de Campos
Resumo
O presente trabalho integra um projeto de pesquisa que vem discutindo a relação entre comunidades locais, turismo e patrimônio arqueológico, verificando como ocorre o processo de interação das comunidades com essas duas categorias de análise. O artigo em questão faz um levantamento das comunidades quilombolas no estado do Pará, a fim de verificar a presença de sítios arqueológicos nas mesmas e a possibilidade de desenvolver a prática do turismo arqueológico nessas comunidades. Para a realização trabalho utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica e documental. Embora o turismo em comunidades quilombolas e turismo arqueológico já aconteçam no Brasil, a pesquisa mostra que não há evidências de turismo arqueológico em comunidades quilombolas no estado do Pará.
Introdução
O presente artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla que discute a relação entre
turismo, comunidades locais e patrimônio arqueológico e que vem averiguando como ocorre
o processo de interação entre essas categorias. Estudos realizados por Campos (2008) na
região do rio Maracá sul do estado do Amapá e na região da Serra dos Martírios/Andorinhas
(Pará), demonstraram a existência de comunidades locais assentadas ou no entorno de sítios
arqueológicos bem como a presença da atividade turismo nas mesmas sem planejamento, sem
benefícios para essas comunidades e também sem a preservação do patrimônio arqueológico.
Estudo de Schaan (2009) também demonstrou a destruição de sítios na Ilha de Marajó (Pará),
tanto de maneira não intencional pela comunidade, quanto por pessoas mal intencionadas.
Diante do exposto, questiona-se como ocorre ou não o turismo arqueológico em
comunidades quilombolas no estado do Pará, visto que este tipo de turismo já acontece no
Brasil, a exemplo, do Projeto Circuito Quilombola em São Paulo. A fragilidade deste
patrimônio requer ações integradas e mais criteriosas por parte do Estado e dos empresários
do setor turístico, pois a "informalidade" ou a falta de planejamento podem comprometer a
existência deste patrimônio e o acesso a ele pelas gerações futuras. Neste sentido, as
comunidades quilombolas que estão assentadas ou no entorno de patrimônio arqueológico
podem ser agentes ativos no desenvolvimento do turismo arqueológico. Por isso, este artigo
tem como objetivo verificar a possibilidade da prática do turismo arqueológico em
comunidades quilombolas do estado do Pará. Para a realização do trabalho utilizou-se como
metodologia a pesquisa bibliográfica e documental em estabelecimentos de ensino, pesquisa e
em instituições relacionadas à gestão do patrimônio arqueológico, além da ferramenta
tecnológica para a pesquisa online.
Patrimônio cultural: da gênese à atualidade
O termo patrimônio originou-se do latim patrimonium, que se relaciona com paterno,
pátria (MEIRA, 2004), por isso faz referência à herança de família, isto é, a bens de natureza
material. Entre os antigos romanos o termo patrimônio era tudo que pertencia ao pai, ou seja,
a família estava sob o domínio do senhor; nesse sentido, a esposa, os filhos, os escravos, os
bens moveis e imóveis, etc. tudo poderia ser legado por testamento. Desse modo, conceito de
patrimônio nasceu do direito privado e do interesse aristocrático (FUNARI; PELEGRINI,
2006).
Para Funari e Pelegrini (2006) com a difusão do Cristianismo e o predomínio da
antiguidade tardia e na Idade Média (séculos VI-XV) surgiu o patrimônio com caráter
simbólico e coletivo (religioso) devido ao culto aos santos e valorização das relíquias,
contudo, o caráter aristocrático permaneceu. Para os autores, uma nova perspectiva sobre o
patrimônio surgiu, apesar da manutenção do caráter aristocrático pelo humanismo nascente,
que foi uma resposta ao domínio da religião (combate ao teocentrismo). Os humanistas
buscaram inspiração na Antiguidade Grega e Romana e condenaram seus antecessores que
teriam vivido no período das trevas; os humanistas criaram os antiquariados que faziam
pesquisa e levantamentos em cidades tanto com monumento clássico quanto nas aldeias por
toda Europa.
Entretanto, a concepção moderna de patrimônio histórico e cultural surgiu com o
Estado-Nação Moderno, cujo marco histórico foi a Revolução Francesa. O surgimento deste
modelo de Estado traz o atributo nacional, e os bens patrimoniais pertencem ao povo
(CAMARGO, 2002). Assim o Estado moderno estabeleceu políticas públicas de preservação
do patrimônio histórico a partir da elaboração de leis para gestão desse patrimônio cabendo
aos intelectuais e especialistas a tarefa de selecionar os bens que seriam tombados e serviriam
de representação simbólica da memória coletiva do povo.
No Brasil, as preocupações com a preservação do patrimônio histórico começaram no
século XVIII. Lemos (1985) estabeleceu a trajetória das primeiras iniciativas de preservação
dos monumentos históricos no Brasil, iniciada com o Conde de Galveias em meados do
século XVIII, quando escreveu ao governador de Pernambuco, sobre a transformação em
quartel do palácio das Duas Torres, construído pelo Conde de Nassau. Porém, em 1923, Luis
Cedro (BRASIL, 1980) sugeriu a criação da Inspetoria dos Monumentos Históricos dos
Estados Unidos do Brasil.
Posteriormente, no final da década de 1920, o deputado e historiador José Wanderley
de Araújo Pinho elaborou projeto de lei para a proteção do patrimônio histórico-artístico
nacional, no qual explicita os bens que seriam considerados no processo de catalogação
(BRASIL, 1980, p. 70-80). Nesse período, nota-se a insistência dos intelectuais para a criação
de uma instituição de proteção aos monumentos nacionais, como se ela fosse resolver
definitivamente os problemas de destruição e exportação ilegal de bens. Barroso (1933) foi
um dos intelectuais desse período que insistiu na necessidade da defesa do patrimônio
histórico e artístico nacional. Ele dizia que enquanto não houvesse um órgão acautelador do
patrimônio e uma legislação específica contra os constantes assaltos aos monumentos
históricos, continuar-se-ia a assistir à destruição da riqueza nacional.
Nesse sentido, Barroso (1933) propôs a criação da Inspetoria dos Monumentos
Nacionais, ligada ao Museu Histórico Nacional. A mesma foi efetivamente instituída pelo
presidente Getulio Vargas, em 1934, pelo Decreto no. 24.735 (BRASIL, 1934). Denominada
de Inspetoria de Monumentos Históricos, foi a primeira instituição oficial brasileira de
preservação do patrimônio nacional. Na efetivação de sua política destaca-se o papel de Mário
de Andrade. Por seu amplo conhecimento da diversidade cultural brasileira, o ministro da
Educação, Gustavo Capanema, solicitou, em 1936, que o mesmo elaborasse um anteprojeto
para o SPHAN. Em seu anteprojeto, Mário de Andrade definiu como integrantes do PAN “[...]
todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira,
pertencentes aos poderes públicos, a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares
estrangeiros, residentes no Brasil” (SIMÃO, 2001, p. 104). O anteprojeto foi aprovado na Câmara
e no Senado, quando ocorreu o golpe de estado que dissolveu o Congresso e o país entrou no
período que passou a ser denominado de Estado Novo (1937).
O patrimônio histórico e artístico nacional brasileiro foi inventando a partir do Estado
Novo. Rodrigo de Melo Franco foi essencial na invenção/constituição do patrimônio nacional
brasileiro e sua contribuição se deu via Decreto-Lei n0. 25, de 30 de novembro de 1937 (BRASIL,
1937) e na criação do SPHAN, sendo o diretor da instituição até o seu falecimento no final da
década de 1970 do século XX. A partir do Estado Novo a nação brasileira se apropria da cultura
nacional através do patrimônio histórico e artístico nacional, visto que, na perspectiva nacionalista
“[...] uma nação é concebida como legítima proprietária de sua cultura” (GONÇALVES, 1996, p.
63).
Ao fazer o levantamento social sobre a origem dos monumentos tombados, Falcão (1984,
p. 28) destaca que eles são vinculados: “[...] à experiência vitoriosa da etnia branca; [...] à
experiência vitoriosa da religião católica; [...] à experiência vitoriosa do Estado (palácios, fortes,
fóruns etc.) e na sociedade (sedes de fazendas, sobrados urbanos etc.) da elite política e
econômica do país”. O tombamento exclusivo dos monumentos da elite tem relação direta com a
tradição histórica bastante influente nesse período. A política de patrimônio cultural elitista que
surgiu a partir do final da década de 1970, teve sua ruptura com Aloísio Magalhães, que
expandiu o conceito e a noção de patrimônio incorporando numa concepção mais ampla,
chamada de bens culturais, da qual faziam parte bens da elite e do povo, isto é, das etnias
brancas, índias e negras.
Embora o Decreto Lei no. 25 de 1937 não tenha sido alterado até hoje, pois nele
apenas os bens de natureza material poderiam ser considerados, após o processo de
tombamento, patrimônio nacional. A Constituição Federal de 1988, nos seus artigos 215 e 216
garante a proteção das manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e de
outros grupos formadores da cultura nacional, bem como garante a diversidade cultural ao
estabelecer que patrimônios culturais materiais e imateriais, tomados individualmente ou em
conjunto, são patrimônio cultural nacional.
O patrimônio cultural passa por um processo de reconceitualização que envolve uma
discussão sobre: (1) desigualdade social na apropriação dos bens culturais, porque embora
formalmente pertença a todos, na perspectiva da reprodução cultural nem todos têm direito;
(2) diminuição do capital cultural na medida em que se desce a escala econômica e social; (3)
ambivalência do Estado, que considera o patrimônio como integrador, mas procura converter
o patrimônio local em nacional para diluir as particularidades e os conflitos (CANCLINI,
1994; 2003). Por isso, para Canclini (1994), uma das formas de reconceituar o patrimônio
cultural é uma gestão ampliada do patrimônio cultural que inclui seu uso social, no sentido de
atender às necessidades da maioria da população.
Essa discussão tem suscitado o recente interesse dos movimentos sociais pela defesa e
uso do patrimônio cultural, tornando a questão do patrimônio não exclusiva do Estado e de
profissionais do setor por isso o desafio é o uso social do patrimônio cultural (CANCLINI,
2003). Desse modo, tem havido uma mudança do paradigma tradicionalista substancialista
para o paradigma participacionista (CANCLINI, 1994). Nesse contexto, as políticas de
desenvolvimento também têm contribuído com o paradigma participacionista, uma vez que
passaram a incluir a cultura (patrimônio cultural) nas dimensões do desenvolvimento
(TUCKER, 1997; RAMALHO FILHO, 1999; CANDEAS, 1999).
Essa nova relação tem procurado romper com a aparência passiva, contemplativa do
patrimônio cultural ou, até mesmo, com o fetiche do patrimônio cultural, isto é, como se o
objeto tivesse vida própria independente da sociedade. Desse modo, tenta-se romper com o
paradigma tradicionalista (CANCLINI, 1994), pelo qual o patrimônio tem valor em si mesmo,
para o paradigma participacionista, que considera não somente o objeto em si, mas seu uso
social. Este mesmo autor propõe a ampliação da política de gestão e conservação do
patrimônio cultural devido às necessidades atuais da maioria da população.
Patrimônio Arqueológico na Amazônia
Abordar a questão do patrimônio arqueológico passa necessariamente pela abordagem
da arqueologia como campo do conhecimento científico, sendo importante compreender sua
origem no contexto nacional e sua relação com a preservação do patrimônio arqueológico. A
paleontologia possibilitou o surgimento da arqueologia no Brasil, com os estudos de Peter
Wilhem Lund, que montou um laboratório de paleontologia em Lagoa Santa, Minas Gerais,
onde, no período de 1834 a 1844, localizou 800 cavernas com fósseis de animais antigos e
restos humanos (FUNARI, 2003).
Entretanto, segundo Funari (2003), as pesquisas arqueológicas só tiveram ampliação
com a criação do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e a vinda de estudiosos estrangeiros
para realizar expedições no país a partir de 1870. Nesse período começam as pesquisas o
Museu Paulista, em São Paulo, e o Museu Paraense, em Belém, responsáveis pelas iniciativas
de preservação mais amplas do patrimônio arqueológico. Segundo Funari (2003), a pesquisa
arqueológica começou por influência de Paulo Duarte por seu contato com Paul Rivet -
diretor do Museu do Homem de Paris.
As primeiras propostas de proteção do patrimônio arqueológico, especialmente pré-
colonial, ocorreram a partir de 1900. Em 1920 foi feita a primeira proposta nesse sentido por
Albert Child (1920 apud SILVA, 1996). Child ao organizar uma proposta de lei para a
proteção do patrimônio artístico nacional, por solicitação do presidente da Academia
Brasileira de Belas Artes, professor Bruno Lobo, incluiu no seu projeto uma parte dedicada à
preservação de sítios arqueológicos, propondo, inclusive, a desapropriação de bens,
percebendo-se, então, uma tentativa de intervenção na propriedade privada.
A pesquisa arqueológica acadêmica possibilitou iniciativas que levariam a uma
legislação específica à proteção do patrimônio arqueológico, que começaram no governo de
Juscelino Kubistchek. De acordo com Lima (1987), o projeto que deu origem à lei estava
relacionado ao ideário nacional-desenvolvimentista fundamentado em um novo espírito
nacionalista, mas não ufanista como no período de Vargas. Neste momento mais recente, tal
espírito é racional e voltado para o desenvolvimento econômico. Lima (1987) ressalta que o
surto desenvolvimentista contaminou a arqueologia brasileira com incremento e abertura à
vinda de pesquisadores estrangeiros para ajudar no ensino e na pesquisa arqueológica no
Brasil.
Assim, segundo Lima (1987), em 1957 o Ministério da Agricultura nomeou uma
comissão formada por Paulo Duarte, Rodrigo Mello Franco de Andrade e José Loureiro
Fernandes, além de outros, para elaborar uma lei de proteção dos sítios arqueológicos. Após
ser encaminhado ao Congresso, o projeto tramitou por seis anos, sendo aprovado no governo
de Jânio Quadros, em 1961, marcado pelo populismo, assumindo uma posição nacionalista
anti-colonialista, defendendo os interesses e a soberania da nação. Talvez por isso, a lei a no.
3.924 de 29 de julho de 1961 (BRASIL, 1961), tenha levado pouco tempo para ser aprovada
e mantinha sob a tutela do Estado o patrimônio arqueológico pré-histórico.
A Amazônia foi inicialmente ocupada por grupos de forrageio, isto é, grupos pré-
coloniais de caçadores-coletores. Segundo Roosevelt (1991), pesquisadores do século XIX
encontraram evidências estratigráficas e artefatos no Pleistoceno Tardio (11 mil 200 anos AP)
e no inicio do Holoceno (11 mil anos) no Baixo Amazonas da existência de forrageadores. Os
grupos de forrageio viviam em bandos, eram nômades e dependentes dos recursos florestais.
Existem três teorias que explicam a ocupação humana na Amazônia. A primeira
influenciada pela teoria do determinismo ecológico ou ambiental defendida por Betty
Meggers e Clifford Evans. Segundo Roosevelt (1991), para os defensores do determinismo
ecológico, a pobreza dos recursos ambientais teria limitado o desenvolvimento de sociedades
indígenas, devido aos solos ácidos, lixiviados e frágeis. Para a autora, segundo a teoria, o
ambiente amazônico não poderia produzir recursos alimentares em grande escala,
conseqüentemente, não poderia desenvolver sociedades complexas (cacicados). Portanto, os
teóricos que defendiam essa teoria concluíram que as sociedades complexas vieram dos
Andes e da Mesoamérica, que eram os centros de civilização da América (ROOSEVELT,
1991).
A segunda teoria defendida por Roosevelt (1991) contrária a anterior, afirma a
existência de sociedades complexas (cacicados) autóctones na Amazônia. Para a autora havia
cacicados complexos que praticavam a agricultura intensiva e tinham sítios com arquitetura
em escala urbana de aterros monumentais e agrícolas. Contudo, segundo Schaan (2009),
Roosevelt propôs que o cultivo de milho poderia ter dado condições econômicas para o
surgimento de cacicados centralizados, mas como ela não obteve evidências da existência do
cultivo de milho no teso dos Bichos (ilha de Marajó), mas uma economia baseada na coleta e
pesca sazonal, propôs que as sociedades não eram economicamente e politicamente
centralizadas.
A terceira explicação para ocupação humana na Amazônia é defendida por Schaan
(2009). A autora usa dados ecológicos, etnológicos e arqueológicos para explicar o
surgimento de sociedades complexas na Ilha do Marajó, tendo como base a economia da
pesca intensiva. Para Schaan (2009), a exploração intensiva de recursos aquáticos e não a
agricultura intensiva pode estar na base do desenvolvimento de cacicados na Amazônia antes
da conquista pelos europeus.
Para Schaan (2009), a construção aterros ou tesos não era para escapar da cheias
sazonais como defendiam Meggers e Evans, mas escavação de lagos artificiais para reter
grande quantidade de peixes durante o período de estiagem na ilha. Para a autora, os
cacicados surgiram nas cabeceiras dos rios, onde era necessário para garantir água anualmente
e manter o controle dos recursos aquáticos. A localização dos aterros cerimoniais junto aos
reservatórios para peixes indicaria o controle religioso e político sobre a economia
Na Amazônia, o patrimônio arqueológico começou a ser conhecido na década de 1860
com a chamada Cultura Maracá do sul do estado do Amapá (BERTHO, 1994; LANGER
2002). Segundo os autores, foi o doutor Francisco da Silva Castro que encontrou os primeiros
vestígios de cerâmica no Marajó e no rio Maracá. Em 1871, Dr. Castro doou uma urna
funerária antropomorfa da região da Guiana Brasileira ao Museu Paraense (BARRETO, 1992;
PENNA, 1973). De acordo com Bertho (1994, p. 66), “[...] constava de um sarcófago
imitando a figura humana e contendo ossos”. Ainda de acordo com Bertho (1994) e Langer
(2002), foi a partir das informações repassadas pelo Dr. Castro e por sua influência que
Domingos Soares Penna, fundador do Museu, iniciou suas explorações arqueológicas na
região do Maracá.
Em 1871, Penna realizou a primeira expedição arqueológica a ilha do Marajó, no
aterro do Pacoval, onde durante as escavações duas urnas funerárias incompletas e vários
fragmentos de cerâmica (BARRETO, 1992). Em 1872. Penna visitou a região de Maracá duas
vezes (janeiro e outubro), onde coletou urnas antropomorfas e zoomorfas que ele denominou
respectivamente de “tubulares” e “tartarugas terrestres” (PENNA, 1973). Ele retornou em
1877 a Maracá, onde coletou mais urnas, algumas inclusive com crânios. Penna (1877, p. 50-
51) afirma que “[...] as urnas oferecem grande interesse tanto por suas fórmas, como pelo
facto de conterem ossos humanos, e às vezes esqueletos completos”.
Em 1895, Emílio Goeldi realizou expedição científica ao rio Cunaní, onde no monte
Curú encontrou em poços funerários 18 urnas que continham restos humanos (BARRETO,
1992). Em 1896, Aureliano Lima Guedes, auxiliar de Emílio Goeldi no Museu Paraense,
realizou expedição à região de Maracá, mais precisamente ao rio Igarapé do Lago, afluente da
margem direita do rio Maracá. Nesse local, ele realizou escavações nas ilhas de Cunhaí,
Fortaleza e Terra Preta, onde encontrou nos "necrotérios indígenas" urnas semelhantes às
encontradas por Penna. Na ilha de Terra Preta encontrou uma urna (igaçaba) do sexo feminino
com um colar nos braços, o que o levou a supor que o sítio era contemporâneo à colonização
(GUEDES, 1897).
O Museu Paraense Emilio Goeldi tem sido desde sua fundação em 1866, a principal
instituição de pesquisa arqueológica da Amazônia, portanto, detém o maior acervo
arqueológico da região. Dentre as principais coleções destacam-se as culturas: Maracá,
Cunaní, Marajó, Tapajônica. Além de uma coleção de peças africanas.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), existe na
Amazônia Legal 4.330 sítios arqueológicos registrados no Cadastro Nacional de Sítios
Arqueológicos, sendo que no estado do Pará existem 1.242 sítios pré-coloniais, 116 históricos
e 5 de contato (total de 1359). Porém, o cadastro não permite saber quantos desses sítios estão
em comunidades quilombolas.
Apesar da existência de um numero expressivo de sítios arqueológicos no estado Pará,
isso não garante a preservação dos mesmos. Schaan (2009) relatou a pilhagem de sítios
arqueológicos das culturas marajoara e tapajônica. Campos (2008) demonstra a pilhagem e o
saque de um sítios arqueológico da cultura maracá, no sul do estado do Amapá. Há também o
vandalismo que compromete a preservação de sítios arqueológicos, como é o caso sítio Igreja
de Pedra na Serra dos Martírios/Andorinhas, conforme aponta Campos (2008).
Existe também a destruição não intencional de sítios arqueológicos por comunidades
locais, devido muitas dessas comunidades viverem assentadas ou próximas a esses sítios.
Exemplo dessa natureza foi registrado por Campos (2008) na Vila Santa Cruz dos Martírios,
localizada sobre o sitio arqueológico, onde é comum os moradores encontrarem fragmentos
de cerâmica, vasilhas de cerâmica e urnas funerárias quando cavam seus quintais para fazer
fossas, enterrar lixo ou mesmo fazer construções. Outro exemplo de destruição não
intencional é apontado por Schaan (2009) nas comunidades ribeirinhas que depredam os sítios
na construção de casas e retirada de vasos de cerâmica arqueológica para uso doméstico. A
destruição do patrimônio arqueológico pode ser evitada se as políticas de gestão envolverem
as comunidades locais.
O Turismo Cultural e Turismo Arqueológico
Pode-se dizer que o turismo teve sua gênese relacionada aos grupos pré-históricos que
tinham como característica o nomadismo, cuja presença de seus deslocamentos é evidenciada
por sítios cemitérios, pintura e gravuras rupestres, por exemplo. Entretanto, o deslocamento
desses grupos era mais devido à questão de necessidade, de sobrevivência, do que lazer ou
divertimento.
No século XVII, surgem às viagens direcionadas para o conhecimento, assim, teve
origem o Grand Tour considerado o precursor do turismo cultural. O Grand Tour era uma
viagem que durava mais de dois anos, principalmente para Itália clássica, que servia como
reforço pedagógico para os filhos das famílias aristocráticas inglesas que iriam ocupar cargos
importantes: diplomatas, executivos, forças armadas e parlamento (CAMARGO, 2002).
Entretanto, é a partir da Revolução Industrial, especialmente no século XIX que teve
início o desenvolvimento do turismo moderno. Nesse contexto, o avanço tecnológico foi fator
essencial, porque houve melhoria no sistema de transporte, com destaque para o ferroviário e
marítimo. Os transportes também influenciaram as áreas de transporte, indústria, comércio e
serviços. A industrialização proporcionou o surgimento das atividades de turismo com
surgimento das primeiras excursões feitas por agências de viagens. Para Barreto (2003), a
Revolução Industrial também fez surgir à classe média com melhores salários e os
trabalhadores com muito mais tempo para o lazer.
Uma conceituação que talvez consiga expressar o que significa turismo é a de De La
Torre (1992, apud MOESCH, 2002, p. 12): Turismo é fenômeno social, que consiste no deslocamento voluntário e temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que, fundamentalmente por motivos de recreação, descanso, cultura ou saúde, saem de seu local de residência para outro, no qual não exercem nenhuma atividade lucrativa nem remunerada, gerando múltiplas inter-relações de importância social, econômica e cultural.
Este conceito desloca o centro da discussão da conceituação do turismo como fenômeno
meramente econômico para um fenômeno social. Isto porque a perspectiva econômica torna a
análise do turismo superficial, aparente e reducionista, invisibilizando questões sociais e
ambientais.
O turismo cultural é um dos segmentos do turismo que mais vem crescendo. Constitui-
se a partir do patrimônio cultural material e imaterial que moldam a identidade cultural de
uma comunidade ou sociedade. Esta produção cultural é o elemento, que atrai os visitantes
com interesse de interagir e vivenciar esse patrimônio. O turismo cultural pode desempenhar
um papel importante na relação sustentabilidade e patrimônio cultural. Robinson (1999)
citando Arizpe (1997) considera a noção de sustentabilidade cultural como uma resposta
positiva à perda de identidade. Para Robinson (1999), o turismo precisa valorizar a
diversidade cultural e responder à homogeneização global com a “glocalização”, afirmar e
reafirmar a heterogeneidade da identidade cultural local numa maneira global.
Para que o turismo assuma seu papel no processo de desenvolvimento sustentável, é
necessário, conforme aponta Azevedo (2002), além do valor econômico, uma maior
aproximação da população com o patrimônio. Nessa linha, o turismo cultural tem uma função
fundamental como instrumento de transformação social e de prática da cidadania. Ele
precisaria se comprometer com a preservação do patrimônio cultural nas suas várias
manifestações, destacando-se o patrimônio arqueológico.
O turismo arqueológico é um outro segmento do turismo que está adquirindo atenção no
cenário nacional, embora seja uma prática recente no Brasil, se comparado com países tais
como Peru, Egito e México. De acordo com Manzato (2005, p. 44), o turismo arqueológico: Consiste no processo decorrente do deslocamento e da permanência de visitantes a locais denominados sítios arqueológicos, onde são encontrados os vestígios remanescentes de antigas sociedades, sejam elas pré-históricas e/ou históricas, passíveis de visitação terrestre ou aquática.
Scatamacchia (2005) defende o uso turístico do patrimônio arqueológico enfatizando que a
conscientização e o aproveitamento turístico dos sítios arqueológicos podem evitar que eles
sejam destruídos ou suas peças saqueadas. A mesma ainda argumenta que municípios sem
recursos, mas com um rico patrimônio arqueológico podem criar programas de turismo
sustentável para gerar empregos diretos e indiretos na economia local, produzindo um efeito
multiplicador.
A referida autora afirma que a maioria dos municípios que detém esse rico patrimônio
arqueológico continua na miséria. E isto porque não o aproveitam turisticamente.
Scatamacchia (2005, p. 83) observa ainda que “[...] o uso social dentro de um programa de
turismo cultural, além de ser uma maneira de conservação do patrimônio arqueológico,
significa também a introdução de valores e de aumento da qualidade de vida da comunidade
que vive no entorno”.
Segundo Bastos (2002), o turismo arqueológico sustentável não é somente uma
alternativa de preservação do objeto de visitação, porque requer manutenção constante dos
recursos arqueológicos, mas também por ser uma fonte de recursos, emprego e envolvimento
da comunidade. Funari (2003) é a favor do uso turístico do patrimônio arqueológico devido a
grande quantidade de sítios arqueológicos com potencial turístico. Contudo, ele ressalta que
esse aproveitamento não pode ser somente econômico, mas com base em uma política cultural
que envolva a comunidade, de maneira que o patrimônio arqueológico tenha sentido para essa
comunidade.
Nesse sentido, alguns exemplos da relação entre turismo, comunidades e patrimônio
arqueológico têm surgido na Amazônia. No estado do Amapá já existe a ocorrência do
turismo arqueológico, embora caracterizado como não planejado. Na região de Maracá, por
exemplo, alguns projetos de turismo foram elaborados, porém, a falta de planejamento não
possibilitou benefícios para o Estado, nem para as comunidades, ocasionando assim, uma
ameaça à preservação do patrimônio arqueológico (CAMPOS, 2008) uma vez que o
patrimônio arqueológico da Cultura Maracá tem sido alvo de saque.
O turismo arqueológico não planejado também ocorre no município de São Geraldo do
Araguaia, nas vilas de Sucupira e Santa Cruz dos Martírios. De acordo com pesquisa realizada
por Campos (2008), nas duas vilas é muito grande a presença de material arqueológico,
principalmente pinturas e gravuras rupestres, assim como a presença de visitantes, inclusive,
estrangeiros e/ou pesquisadores. Contudo, a comunidade não participa das atividades
realizadas, o que significa a “ausência de uma política de gestão do patrimônio arqueológico
focada pelo envolvimento social” (CAMPOS 2008, p. 321).
Na Ilha do Marajó, diversos são os sítios arqueológicos encontrados e utilizados para a
prática do turismo, embora, de maneira não planejada, como o que acontece na vila de Joanes
no município de Salvaterra, onde os artefatos estavam sendo depredados e sofrendo
pichações, como no caso da Igreja de Pedra erguida pelos missionários franciscanos no século
XVII (SCHAAN, 2009). Entretanto, o IPHAN resolveu patrocinar um projeto de pesquisa
com a participação da comunidade, cujo resultado foi o sentimento de apreço pela história do
lugar e sua preservação (SCHAAN, 2009).
No que tange aos sítios de arte rupestres, de acordo com Barreto (2010), eles são os que
mais representam potencial para a prática do turismo, sendo os que mais sofrem depredação.
No município de Monte Alegre os sítios de arte rupestres estão localizados dentro do parque
estadual, sendo a atividade turística liberada, mas ainda não planejada. O que vem também
ocasionado depredação deste acervo.
No contexto específico do patrimônio arqueológico, estudos como o de Bastos (2002)
apontam a necessidade de uma política de gerenciamento do patrimônio arqueológico que
envolva o Estado, organizações empresariais e sociais voltadas para o local, com o objetivo de
fortalecer o município na gestão do patrimônio arqueológico. Sua preocupação se dá por
considerar que a política de gestão do patrimônio arqueológico é inadequada para tratar da
política de proteção, valorização e benefícios para as comunidades. Pardi (2002) considera de
fundamental importância o desenvolvimento de ações dos governos estaduais e municipais
para assumirem suas parcelas de responsabilidade no processo de gestão do patrimônio
arqueológico, pelo disciplinamento de projetos, criação de conselhos, contratação de técnicos,
fomento à criação e desenvolvimento de instituições de pesquisa, do turismo cultural e
educação patrimonial, entre outros.
Comunidades Quilombolas do Estado do Pará e as Possibilidades para o Turismo
Arqueológico?
Na Amazônia, a presença de escravos negros iniciou na última década do século XVI
e na primeira década do século XVII trazidos pelos ingleses que mantinham empreendimento
agrário na costa do Amapá de cana de açúcar, por isso, trouxeram os africanos para não entrar
em conflito com os índios com os quais pretendiam alianças (SALLES, 1980). No Pará a
presença de escravos africanos ocorreu devido ao crescimento da produção de cana-de-açúcar,
arroz, algodão, tabaco e cacau. Isto ocorreu principalmente no século XVIII com a criação da
Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
A formação da maioria dos quilombos aconteceu entre os séculos XVIII e XIX. A
história dos negros africanos foi marcada por um processo de exclusão social, econômica e
cultural. Mesmo com a Abolição em 1888, segundo Leite (2000), eles tem sido
desqualificados e os lugares onde habitam são ignorados pelo Poder Público ou mesmo
reivindicados por outros grupos, que tem apoio do Estado.
Essa exclusão foi tão evidente que a primeira Lei de Terras de 1850 excluiu os
africanos e seus descentes colocando-os na categoria de “libertos” (grifo do autor) e não de
brasileiros (LEITE, 2000). O termo quilombo foi definido pelo Conselho Ultramarino
Português de 1740 (apud LEITE, 2000, p. 336) como “toda habitação de negros fugidos que
passem de cinco, em parte desprovida, ainda que não tenham ranchos levantados nem se
achem pilões neles”. Salles (2003, p. 222) considera quilombo como “povoado de ex-escravos
negros foragidos; coletivo de mucambo, que é a habitação propriamente dita. Os termos se
confundem, como se fossem sinônimos, na documentação histórica do Pará e quase sempre
são usados indiferentemente”. Portanto, o termo quilombo no passado era o local onde os
negros africanos se refugiavam para viver em liberdade e também para se rebelar contra a
escravidão.
Ao longo da história do Brasil, o significado de quilombo vem sendo reconceituado,
conforme os estudos de Leite (2000) e Amaral (2010). Contudo, Amaral (2010, p. 182)
observa que, embora a nova etnografia aponte para a diversidade de elementos que
caracterizam um quilombo, ele destaca que existem elementos comuns aos conceitos, como
“etnicidade, território, mobilização política, liberdade e trabalho, etc”. Entretanto, na
perspectiva atual, a discussão acerca das comunidades quilombolas ou remanescentes tem que
ser vista, conforme enfatiza Amaral (2010, p. 187), a partir das suas reivindicações, que
incluem “organização étnico-racial, cidadania, autoconsciência, território, gestão participativa
e a preocupação com o meio ambiente, como forma de sobrevivência, através dos recursos
naturais, animais, vegetais e minerais”. Tais pleitos são essenciais para as comunidades
quilombolas continuarem a ter seus direitos reconhecidos e garantidos, não somente pelo
aspecto legal (Constituição de 1988), mas também considerando seus aspectos sociais,
econômicos e culturais.
A Comissão Pró-Índio de São Paulo alega a existência de 240 comunidades
quilombolas tituladas no Pará, no entanto existem outras comunidades que ainda não foram
certificadas para entrarem em processo de titulação, ou que ainda esperam por este processo.
Segundo o Guia de Cadastro de Famílias Quilombolas (BRASIL, 2010), no estado da Pará
existem 457 comunidades quilombolas, com uma estimativa de 6.300 famílias distribuídas em
64 municípios.
As comunidades quilombolas têm buscado melhorias na qualidade de vida. Uma das
alternativas é sua inserção/envolvimento com a atividade do turismo. O turismo apesar de,
muitas vezes, ser visto como o vilão pelo seu aspecto massificador, tem se voltado para as
questões sociais e ambientais. As reações ao turismo de massa deram início ao processo de
mudança paradigmática em relação ao mesmo, a partir dos anos de 1980, esse tipo de turismo
começou a ser questionado influenciado pelas questões ambientais da década de 1960.
Neste sentido, as comunidades quilombolas também têm procurado se inserir na
atividade turística. Tal interesse resultou no I Encontro Nacional de Turismo em
Comunidades Quilombolas (2010), cujo um dos objetivos foi elaborar uma proposta de
política pública para o desenvolvimento do turismo em comunidades quilombolas. Para a
elaboração da referida política foram criados os seguintes Grupos de Trabalho (GT): cultura,
território e atrativos turísticos; produtos e serviços turísticos; capacitação e orientação técnica;
organização e integração das comunidades; comunicação e divulgação; financiamento e
comercialização.
No evento houve a apresentação de experiências de turismo em comunidades
quilombolas de vários estados brasileiros de acordo com os seis itens do GT. No resumo geral
das experiências de turismo em comunidades quilombolas destaca-se a influência do turismo
na organização da comunidade no que diz respeito ao fortalecimento do pensamento coletivo,
ao resgate da cultura, a elevação da auto-estima. Em relação ao perfil de público que elas
desejam, as comunidades quilombolas não querem público de massa. Portanto, essas
comunidades querem o turismo que preze a qualidade e não quantidade de visitantes, o que é
correto e vem ao encontro dos pressupostos da sustentabilidade.
No Brasil, um exemplo de turismo arqueológico acontece no Vale do Paraíba com o
projeto Rota da Liberdade que envolve quinze municípios do estado de São Paulo. O projeto é
coordenado pela United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
(UNESCO), envolvendo comunidades quilombolas, mapeando os passos dos escravos
africanos e a história da região do Vale do Paraíba. Um dos locais visitados é o sítio
arqueológico São Francisco na Praia da Figueira.
No estado do Pará existem comunidades quilombolas que estão assentadas em sítios
arqueológicos e muitas delas utilizam esse patrimônio em suas práticas cotidianas, na maioria
das vezes, desconhece que tal patrimônio é protegido por Lei Federal (nº 3924 de 1961), que
considera crime escavação de sítios arqueológicos sem a autorização legal do IPHAN.
Entre as comunidades, Schaan (2009) cita a comunidade de Boa Vista formada por
112 famílias que vivem na margem direita do rio Trombetas. Segundo a autora, a origem dos
quilombos dessas famílias localizava-se nas cabeceiras dos rios Erepecuru e Trombetas e
posteriormente habitaram o médio/alto Trombetas. Lá existem sítios arqueológicos da
tradição inciso-ponteada (1.000 e 1.500 d.C). Por ser uma área de atividade mineradora houve
salvamento arqueológico, junto com programa de educação patrimonial para preservar o
patrimônio arqueológico, por meio de ensino e incentivo a produção de cerâmica, e também
gerar alternativa de renda para as comunidades. A autora ressalta que, a produção cerâmica
não era uma prática dessas comunidades quilombolas, que passou a ser inserida no seu
cotidiano. Isto demonstra que as comunidades quilombolas devem ser inseridas no processo
de gestão do patrimônio arqueológico e que elas podem junto com atividade turística, ter
benefícios econômicos, sociais e culturais.
Outra comunidade quilombola assentada em sitio arqueológico é a de Bom Jardim,
localizada no município de Santarém, a oeste do estado do Pará, que possui como material
arqueológico, artefatos cerâmicos encontrados nas plantações e nos quintais das casas dos
moradores (AMARAL, 2010). Contudo, os moradores confeccionam artesanato utilizando
materiais locais como o cipó, fibras das palmeiras de arumã, palmeiras de inajá, tucumã
(AMARAL, 2010).
A área do quilombo Bom Jardim possui muitas palmeiras. Pode-se inferir que essa
área tenha sido manejada culturalmente. Balée (1989) afirma que fatores culturais são
significativos na formação de diversas florestas na Amazônia. Ele encontrou a palmeira inajá
(Maximiliana maripa Drude) com freqüência em sítios arqueológicos não escavados no
Igarapé Ipixuna, afluente do rio Xingu. Ele afirma também que o tucumã (Astrocaryum
vulgare) é importante na mata sucessional chamada taper pelos índios Urubu-Kaapor, uma
mata que apresenta sinais de ocupação antiga.
Outro exemplo da relação entre patrimônio arqueológico e comunidades quilombolas
encontra-se em São Domingos do Capim na região nordeste do estado do Pará, na
comunidade quilombola “Povos do Aproaga” (MORAES, 2011). Lá existe o sitio
arqueológico histórico chamado pela comunidade de Engenho Aproaga. Ele está situado na
margem direita do rio Capim, onde existem estruturas do casarão, rodas e engrenagens de
ferro, estruturas de represamento de água, portanto, de um sistema de engenho de força motriz
(MORAES, 2011).
É importante destacar que a comunidade quilombola do Aproaga tem uma relação
simbólica com esse sítio. Segundo Moraes (2011), essa comunidade tem uma relação de
pertencimento com o sítio, pois faz parte da memória e da identidade da mesma. Esta
identidade é tão evidente que a comunidade quilombola quer transformar o sítio em museu.
Segundo a autora, está claro que o museu será gerenciado pela comunidade, que o acervo
fique na comunidade, que tenha um centro de visitação e que gere renda para a comunidade.
Desse modo, o que a comunidade quilombola do Aproaga pretende é a criação de um
museu comunitário. Este tipo de museu faz parte do paradigma da Nova Museologia que teve
como base o conceito de Museu Integral que concebe a sociedade como objeto de estudo e
trata o Patrimônio Integral como produto das relações sociais (SOARES, 2006). Para o autor,
nessa perspectiva o museu é um instrumento de desenvolvimento social e cultural. Na Nova
Museologia, portanto, o museu passa a ser o instrumento para o desenvolvimento sustentável
das comunidades, portanto, se transformando em agente do desenvolvimento. Segundo
Moraes (2011), já houve um pleito formal junto ao IPHAN para preservação do sitio,
inclusive, com visita de técnicas do IPHAN para viabilizar o processo de tombamento do
mesmo.
Quanto à questão de geração de renda para a comunidade a partir da criação do museu
e seu centro de visitação, o planejamento e o desenvolvimento do turismo arqueológico junto
com a comunidade quilombola, pode não somente representar ganhos econômicos, mas a
valorização do patrimônio arqueológico dessa comunidade. Quanto ao desenvolvimento do
turismo arqueológico em comunidade quilombolas no estado do Pará, a pesquisa realizada
não encontrou nenhuma ocorrência explicita, nem nos registros oficiais junto ao IPAHN. Mas
os exemplos citados podem vim a ser constituir em práticas de turismo arqueológico. Porém,
a gestão compartilhada desse patrimônio com as comunidades quilombolas e junto com
desenvolvimento do turismo arqueológico poderão contribuir para preservação desse
patrimônio, bem como ganhos financeiros para comunidade.
Considerações Finais
O patrimônio cultural brasileiro embora tenha tido um passado elitizado, atualmente
inclui, também, os bens da cultura popular, resultado do interesse dos movimentos socais pela
preservação e uso social desse patrimônio. As comunidades quilombolas ao longo de sua
história têm reivindicado, não somente, seus direitos à cidadania, territórios, gestão
participativa, etc., mas também o direito ao seu patrimônio cultural. Os exemplos citados
neste artigo mostram o envolvimento das comunidades quilombolas com o patrimônio
arqueológico, com destaque para comunidade quilombola “Povos do Aproaga” que quer
transformar um sítio arqueológico em museu gerenciado pela própria comunidade. Tal
iniciativa está de acordo com o paradigma participacionista defendido do Canclini (1994) e
pela Nova Museologia (SOARES, 2006).
As comunidades quilombolas têm buscado melhoria na sua qualidade de vida. Uma
das alternativas que elas encontraram é o turismo. Prova disso, é que em 2010 foi realizado o
I Encontro Nacional de Turismo em Comunidades Quilombolas com o objetivo de elaborar
uma proposta de política pública para o desenvolvimento do turismo. Nota-se que no estado
do Pará existem 457 comunidades quilombolas (BRASIL, 2010), certamente muitas estão
assentadas ou no entorno de sítios arqueológicos e, que até, podem cometer crime ao
destruírem esses sítios não intencionalmente por desconhecimento, mas que podem ser
utilizados para o desenvolvimento dessas comunidades.
Apesar de este artigo ter demonstrado que o turismo arqueológico ainda não é um
vetor de desenvolvimento nas comunidades quilombolas, ele pode vir a se constituir em um
canal de melhoria de qualidade de vida. Autores como Scatamacchia (2005), Bastos (2002) e
Funari (2003) defendem o uso turístico do patrimônio arqueológico. Contudo, o turismo
arqueológico não pode ser visto como a penácea ou como uma “monocultura”, ou seja, a
única atividade a ser desenvolvida por essas comunidades sob pena de perda da sua
identidade. Este tipo de turismo pode ser desenvolvido em caráter complementar a outras
atividades econômicas e sociais, cuja decisão deve ser sempre demanda por essas
comunidades. Para isso, é preciso trabalho de uma equipe multidisciplinar envolvendo
agentes do IPHAN, arqueólogos, sociólogos, antropólogos, museólogos, turismólogos e as
comunidades quilombolas, afim de que este tipo de turismo se torne um dos meios de
sustentabilidade local.
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