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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/279196044 THE HOLY HOUSES OF MERCY IN ASIA. As Misericórdias na Ásia: de Malaca às Molucas. Article · January 2007 READS 34 1 author: Ivo Carneiro de Sousa City University of Macau 247 PUBLICATIONS 6 CITATIONS SEE PROFILE Available from: Ivo Carneiro de Sousa Retrieved on: 23 May 2016

THE HOLY HOUSES OF MERCY IN ASIA. As Misericórdias na Ásia: de Malaca às Molucas

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THEHOLYHOUSESOFMERCYINASIA.AsMisericórdiasnaÁsia:deMalacaàsMolucas.

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IvoCarneirodeSousa

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THE HOLY HOUSES OF MERCY IN ASIA

AsMisericórdias

na ÁsiaDe Malaca às Molucas(Séculos XVI e XVII)

IVO CARNEIRO DE SOUSA

Passam este ano cinco demorados séculos sob adecisão política do Venturoso monarca português,Manuel de seu nome, de nomear uma autoridadepermanente que, solenemente titulada como vice-rei,representasse a soberania nos primeiros enclaves querecebiam no Índico as vagas iniciais de uma futurafrenética movimentação portuguesa nos espaçosorganizados pelos ricos tratos e itinerários económicosorientais. D. Francisco de Almeida receberia estanomeação original para dominar em nome do rei cadavez mais instalado em Lisboa as agitações da sua armadae um pequeno núcleo inicial de fortalezas que secomeçavam a erguer em Moçambique, Socotorá,Angediva e Cochim. Não sobreviveria esse primeirovice-rei à viagem de retorno ao reino – um temageralmente esquecido por uma historiografia dominadapelos “sucessos” das “descobertas”, negligenciando aimportância da estruturação dos regressos –, nãoconseguindo, assim, testemunhar a ampliação da redede fortalezas, feitorias e cidades portuárias que, entreconquista, negociação e as artes habituais do “dividirpara reinar”, remete exornadamente para a dura figuraquase fundadora do governador Afonso de Albuquerquee das suas decisivas conquistas: Goa é subjugada em1510, a abertura dos mares malaio-indonésiosprepara-se com a violenta conquista de Malaca,

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IVO CARNEIRO DE SOUSA

AS MISERICÓRDIAS NA ÁSIA

em 1511, apertando-se a malha portuguesa dadominação de parte significativa da circulaçãomarítima dos mares índicos com a fixação em Ormuz,já em 1515. Nesta rede entretecida por nósestratégicos suficientemente capaz de apanhar nãoapenas o “peixe miúdo”, mas principalmente ossumptuários escambos asiáticos de especiarias e ricasmercancias, a cidade de Malaca jogava papel nodal,controlando os tráficos dos estreitos que permitiamalcançar as variadas ilhas dos cravinhos, das maças,da noz-moscada, do sândalo e de outras muitasfragrâncias tão procuradas na China e na Índia comoraras e caríssimas quando arribavam às corteseuropeias do Renascimento. Por isso, imediatamentenos meses seguintes à conquista da cidade malaia,descobre-se o próprio Afonso de Albuquerque adinamizar a organização de uma expedição marítimaque, graças às notícias recolhidas entre os mercadoresde várias “nações” activas em Malaca, permitisseidentificar os itinerários das “ilhas das especiarias”: aaventura em 1511-1512 da pequena armada deAntónio de Abreu e Francisco Serrão, do jovem pilotoe cartógrafo Francisco Rodrigues e, provavelmente,de Fernão de Magalhães e vár ios outros ésuficientemente conhecida para comprovar o interessemais do que estratégico dos tratos das ilhas do que éhoje o norte da província indonésia de Maluku.

Se aventuras e explorações pioneiras narepresentação portuguesa, capitães, combates,resistências, cercos e “traições”, alguns heróis eaventureiros muitos marcaram para ficar nos nossoslugares da memória estas arriscadas movimentaçõesportuguesas nos mares da Insulíndia, mais escassa é aatenção dirigida para os temas que verdadeiramenteinteressam à história profissional, da demografia àespecialização de instituições, do ordenamento socialao encontro de culturas, passando pela rigorosarecons t rução dos jogos das t rocas , mui toinsuficientemente iluminados pelo rigor de preços,moedas, investimentos e lucros. Ainda mais limitada éa investigação histórica dirigida para a vida socialquodiana destes enclaves que, por Malaca e Ternate,depois em Tidore e Ambon, ao mesmo tempo em Solor,a seguir em Larantuka e Lifao até chegar a Díli, na ilhado sândalo de Timor, recriaram modalidades de associarhomens europeus e mulheres asiáticas, reproduzindofamílias e agrupamentos sociais, dominações e poderesque não podem ser pensados exteriormente às

instituições que os suportaram. Nestes apertadosenclaves de complicada reivindicação de uma soberaniaportuguesa, quase sempre mais negociada,vantajosamente tolerada e arduamente negociada, doque imposta sobre territórios de colonização,instituições se especializaram para tentar assegurar ummínimo de “identidade portuguesa”, normalmentesubsumida numa identificação cristã, logo depoiscatólica, obrigando as populações locais pelo poder dapalavra, mas ainda mais pelo poder da discriminaçãosocial, a abrigar-se debaixo da estreita associação da“cruz e da espada”.

Entre as pouquíssimas instituições queorganizaram esta sociabilidade cristã nas fortalezasportuguesas do Sudeste Asiático destacam-se asirmandades de Misericórdia. Em Malaca, na fortalezaconstruída desde 1522 em Ternate, no enclave deAmbon ou em Tidore, provalmente também napequena ilha de Solor, identifica-se a história deMisericórdias que desafiam mesmo essa teoria maiorde Charles Boxer sublinhando que as ‘Santas Casas’ eos senados camarários constituíram na longa duraçãodo império colonial português, do Brasil a Macau, osseus mais pers is tentes pi lares , just i f icandodiscriminações tanto como impondo as primeiras elitescoloniais1. Nos enclaves portuguesas do SudesteAsiático faltam as instituições municipais, rendidas aosmuitos poderes dos seus capitães e respectivos clientes,mas persistem as Misericórdias mesmo em tempos deescassez, entre a míngua de cristãos e o punhadolimitado de portugueses que associavam actividades dedefesa militar à exploração comercial. Na pequenacolecção de fortalezas, movimentações e instalaçõesportuguesa no Sudeste Asiático, as irmandades daMisericórdia conseguem mesmo proporcionar a maiscontinuada modalidade social de permanência dacultura oficial cristã, sobrepujando o tempo breve doscapitães e das aventuras políticas, militares e comerciais,precisamente o tipo de temporalidade que invadiu aordem narrativa da cronística e das memórias epocaisque tentaram representar uma estranha soberania“lusitana” destes espaços. Infelizmente, o estudo densodestas outras Misericórdias alargando-se de Malaca àsMolucas encontra-se ainda por fazer rigorosa edocumentadamente2, mas várias pistas e algunsrecorrentes indícios podem concorrer para se perceberas suas funções e interesses durante o século XVI e asprimeiras décadas de Seiscentos.

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DE MALACA ÀS MOLUCAS

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A MISERICÓRDIA DE MALACA

Desconhe-se criteriosamente quando é que seinaugurou uma Misericórdia na cidade de Malaca. Épossível que, seguindo os modelos das Misericórdiaspoderosas de Goa3 e Cochim, a irmandade do grandeporto malaio tenha conseguido abrir as suas actividadescaritativas na primeira década da sua “históriaportuguesa”, recenseando-se algumas tradições queapontam para a acção fundacional de Garcia de Sá,mas encontrando-se os espaços da irmandade,provavelmente a sua igreja, ainda em construção porvolta de 15324. Seja como for, a Misericórdia de Malacamostrava-se já plenamente organizada, dispondo deespaços confraternais e igreja própios, quando ocelebrado jesuíta S. Francisco Xavier visita, entreSetembro e Dezembro de 1545, a cidade e fortalezaportuguesas. O activo religioso encontra umapopulação portuguesa mais do que diminuta,congraçando talvez entre 60 a 70 casados, somados auns 200 soldados da fortaleza, contrastando com o pesodominante dos habitantes locais que, somente nossubúrbios de Upeh, aglomerava mais de 20 mil pessoas.Seguindo a estratégica informação da epistolografia deXavier e dos seus poucos companheiros de Companhia,a cidade representa-se marcada pela relaxação social,encontrando-se a “cultura” e “moral” cristãs sumidasentre as outras culturas maioritárias, dominando asusuras, os comércios ilícitos e as muitas corrupções.Era frequente os poucos portugueses abrigarem váriasmulheres, associando a esposas asiáticas, váriasconcubinas e escravas domésticas que conservavamtanto o seu vestuário local como os costumes religiososislâmicos e tradicionais. Faltava, segundo estesprimeiros jesuítas, em catequese e pregação o quesobrava em mistura social e cultural5, contradiçãopermitindo delimitar um campo de intervençãoreligiosa orientado para a celebração da superioridadesocial e moral da fidelidade cristã. Tentando confrontaras resistência e hostilidades abertas a esta militânciareligiosa agitada pelo zelo ético de S. Franciso Xavier,o jesuíta volta a oferecer à cidade a estratégia deexemplaridade que tinha organizado anteriormente emGoa: visitar os enfermos e os presos, pedir esmola paraos pobres, reconciliar soldados e aplacar animosidades,distribuindo as obras de caridade enquanto praxis devida normativa da sociabilidade de uma “cidade cristã”.Uma estratégia que encontraria na Misericórdia de

Malaca, no seu provedor e irmãos tanto como na suaordem e espaços confraternais, o mais importantealiado.

Não nos encontramos suficientementedocumentados sobre as relações entre Xavier e aMisericórdia de Malaca durante a sua primeira visita àcidade, mas conhecemos a tipologia de comunicaçõeslegada aos companheiros de religião que ficaram noenclave português. Os dois únicos jesuítas que, nesteperíodo, se encontravam em Malaca, os padres Perez eOliveira, informaram por carta S. Francisco Xavier dasua chegada, a 28 de Maio de 1548, sublinhando oseu acolhimento amigável pelo provedor e membrosda Misericórdia, em cuja igreja ensinavam diariamenteo catecismo aos filhos dos portugueses, a vários escravose a alguns indígenas cristianizados6. A Misericórdia dacidade era, de acordo com estes relatos, especialmentepobre, não se encontrava dotada de capelães, comoestipulavam os Compromissos destas irmandades, peloque o padre Francisco Perez funcionava como oprincipal sacerdote da instituição, celebrando missa nasua igreja todas as quartas-feiras, dirigindo tambémuma celebração semanal no seu hospital, ouvindo osenfermos e oferecendo-lhes comunhão, concretizandoprecisamente a actividade exemplar cumprida porS. Francisco Xavier durante a sua primeira permanênciaem Malaca. Poucos anos depois, quando o celebradojesuíta se voltou a instalar no grande porto malaio comos seus companheiros, a 31 de Maio de 1549, viu-sesolenemente recebido pelo capitão da fortaleza, Pedroda Silva, e por parte importante da população da cidade,destacando-se a presença dos irmãos da Misericórdia eespalhando-se a lindíssima legenda distribuída pelascrianças que frequentavam a catequese na irmandade,clamando pelo “padre santo”7.

Esclarecendo a importância da Misericórdia noscircuitos e actividades religiosas públicos de Malaca,em carta escrita da cidade, entre 20 e 22 de Junho de1549, S. Francisco Xavier recorda que o seucompanheiro jesuíta Afonso de Castro se haviaordenado sacerdote ainda em Goa, mas realizara a suaprimeira missa já no porto malaio, tendo sido levadoem procissão concorrida da igreja da Misericórdia àcatedral8 . A procissão mobilizou muitas esmolas, maso futuro santo jesuíta preferiu “entregar tudo o queofereciam à Misericórdia para que o repartissem pelospobres”9. Ainda neste mesmo texto, Xavier testemunhaa catequese do padre Perez ensinando todos os dias a

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IVO CARNEIRO DE SOUSA

AS MISERICÓRDIAS NA ÁSIA

Bandeira da Confraria de Santa Maria do Pópulo, Caldas da Rainha. Pintura sobre madeira, século XVI. In Ivo Carneiro de Sousa,V Centenário das Misericórdias Portuguesas, Lisboa, Clube do Coleccionador dos Correios, 1998.

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DE MALACA ÀS MOLUCAS

THE HOLY HOUSES OF MERCY IN ASIA

doutrina cristã às crianças na Misericórdia,aconselhando-o mesmo a servir na irmandade comocostumam fazer estatutariamente os seus capelães10.Uma carta do próprio Francisco Perez, datada de 1550,certifica a sua actividade diária na Misericórdia deMalaca e a importância da igreja da irmandade noscircuitos processionais da cidade11. Uma especializaçãonovamente recordada pelo jesuíta, em documentoconcluído a 24 de Novembro de 1551, noticiando que,perante mais um cerco do enclave português, asautoridades políticas e os religiosos cristãos da cidadehaviam decidido organizar uma grande procissão commissa na igreja da irmandade12. A Misericórdia deMalaca e a sua igreja tornaram-se espaço referencial desolenidades religiosas, de educação cristã e deexemplaridade social. A tal ponto que conseguiam atéfuncionar como instrumento de evangelização econversão. Noutra cuidada carta escrita do portomalaio, a 4 de Dezembro de 1548, o padre FranciscoPerez conta pormenorizada e triunfantemente oepisódio mais do que simbólico da conversão de umjudeu: “estando eu na igreja da Misericórdia entrou etomou água benta; chamaram-no certas pessoas e comome viu, veio-se a mim com os braços abertos, dizendoque queria ser cristão, que já, glória a Deus, conhecia averdade e o ferro em que andava”13.

A estreita associação entre as orientações religiosasdos jesuítas e as obrigações caritativas da Misericórdiade Malaca prosseguiram de acordo com o modelo decolaboração fundado por S. Francisco Xavier. Em 1554,descobrimos outro sacerdote jesuíta, o padre BelchiorNunes, a identificar os seus trabalhos na irmandadelocal, agora já claramente comprometidos com aprópria edificação moral dos seus membros: “àsquartas-feiras pregava na Misericórdia declarando asobras em que os irmãos se devem ocupar com opróximo, conformando-se com o nome da Santa Casae com as obrigações dos que nela servem”14. Esta estreitaconexão entre a Companhia de Jesus e a Misericórdiade Malaca, seguindo um modelo quase geral deassociação entre as duas instituições nos enclaves dochamado Estado da Índia, parece ter suscitado algumasrivalidades e concorrências com outras ordens religiosascatólicas activas nestes espaços. Um demoradodocumento epistolar remetido pelo padre Paulo Gomesaos jesuítas de Goa, escrito em Malaca a 11 deNovembro de 1557, informa detalhadamente que“fizeram os irmãos da Misericórdia cabido, acerca de

quem havia de pregar na Misericórdia e assentaram todos,tirando uma voz, que pregasse o nosso padre, de maneiraque lhe vieram falar para que fosse pregar à Misericórdia.E como quer que ele está sempre aparelhado para assemelhantes coisas, lhe disse que sim, pregaria. E pregandoele na Misericórdia, de algum tanto os padres deS. Domingos se agravaram, mas tudo se pacificou bem,de maneira que pregou o padre na Misericórdia todasas quartas-feiras da Quaresma, acudindo-lhe a morparte da gente que nesta terra avia”15.

O poder social da Misericórdia de Malaca nãoresidia, porém, apenas nesta colaboração de íntimafrequência com os jesuítas que circulavam na cidade,mas assentava igualmente num continuado patrocíniorégio. Entre outros testemunhos documentais,acompanhem-se as preocupações sobre a situação daMisericórdia de Malaca enviadas por Filipe II ao vice--rei do Estado da Índia, Duarte de Meneses, sublinhandoem carta régia de 11 de Março de 1585 que “o provedore irmãos da Misericórdia desta cidade se me queixarampor sua carta de algumas coisas que por eles vos serãoapontadas. Encomendo-vos que os ouçais e lhes deis todoo favor e ajuda para que possam bem cumprir com asobras de sua obrigação que são tão dignas de serfavorecidas e ajudadas como deveis”16. Esta protecçãorégia estendia-se mesmo ao funcionamento solidárioestabelecido entre a rede de Misericórdias dos enclavesportugueses da Ásia, podendo recuperar-se uma cartarégia que, datada de 12 de Junho de 1591, privilegia aMisericórdia de Malaca no interior do sistema deconcessões de viagens e empréstimos em que asirmandades concretizavam um papel beneficiáriorelevante: “por a cidade de Cochim me pedir lhemandasse fazer pagamento de uns dezasseis mil e tantospardaus, que dizem que despenderam com osmantimentos com que socorreram a fortaleza deMalaca, antes de lhe mandar responder, mandei aogovernador me enviasse a informação que disto tinha.E posto que por ela entendi que os moradores daquelacidade não deram este dinheiro de suas casas, e queesta despesa foi feita do rendimento de um por cento ese fez naquele ano a armada para o Cabo de Comorim,à custa de minha fazenda, hei por bem de fazer mercêa esta cidade de duas viagens de Choromandel paraMalaca, na vagante dos providos, antes de Outubrodo ano passado de quinhentos e noventa, para sevenderem por ordem do provedor e irmão daMisericórdia daquela cidade, e se casarem com o

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IVO CARNEIRO DE SOUSA

AS MISERICÓRDIAS NA ÁSIA

dinheiro dela algumas orfãs; e a pessoa ou pessoas aque venderem mandareis passar certidão vossa doconteúdo neste capítulo para com ela se fazerem asprovisões necessárias”17.

O apoio régio à Misericórdia de Malaca seguiaainda uma outra especialização que, desde meadosdo século XVI, se havia generalizado a todas asirmandades activas em espaços asiáticos de instalaçãoe circulação portuguesas, concedendo-lhes asadministrações dos principais hospitais régios locais,situação validando a prioridade ética que, do social àmentalidade económica, referenciava as Misericórdiascomo “santas casas” rigorosas, às quais era possívelconfiar tanto bens e legados privados, como atéorganizações oficiais “públicas”. Num manuscritoquinhentista tardio, arrolando com pormenor asmuitas despesas da coroa com a fortaleza da cidademalaia, discrimina-se também que “despende-se como hospital da dita Malaca na cura de doentes, físico,cirurgião, servidores e mesinhas e em outras coisasnecessárias, um conto e quatrocentos mil reis por anopara o que lhe está ordenado pelo regimento, se nãobastar, pela carestia da terra e as coisas valerem muitomais, o qual dinheiro se entrega ao provedor e irmãosda Santa Misericórdia, como administradores do ditohospital, e sendo necessário mais dinheiro se lhes daráconforme a necessidade”18.

Nas primeiras décadas do século XVII, aMisericórdia de Malaca continuava a manter a estruturafundamental das suas actividades, mas tendo abandonadoa gestão do hospital da cidade, recebendo ainda em 1614os privilégios régios que, concedidos às Misericórdia deGoa e Cochim, actualizavam o patrocínio real dasirmandades19. No entanto, a partir da década de 1620, oenclave português nos estreitos de Malaca enreda-senum incontornável processo de declínio político eeconómico, progressivamente mais cercado e isoladoface à expansão da concorrência holandesa no mundomalaio-indonésio, não sobrevivendo em 1641 àaliança entre o poder militar da Companhia das ÍndiasOrientais, a famosa VOC, e os exércitos do sultão deJohore. Com a conquista holandesa da cidade,também as estruturas, pessoal e equipamentosreligiosos católicos se dissolvem, desaparecendo tantoa Santa Casa da Misericórdia como a sede episcopalde uma diocese que, criada em 1558, inicia uma difícilrecriação nas regiões mais orientais da Indonésia, entrea parte oriental das Flores e o norte de Timor.

A MISERICÓRDIA DE TERNATE

Seguindo essa ordem normativa da historiografiaprofissional que continua a ser a cronologia, a segundaMisericórdia instalada em enclaves portugueses doSudeste Asiático visita-se longe, no norte das Molucas,na pequena ilha de Ternate. É a partir de Maio de 1522,com a chegada do capitão António de Brito que começao processo de construção da futura fortaleza de SãoJoão Baptista de Ternate. Tratava-se, na altura, deconsolidar um mínimo de presença política e militarsuficientemente capaz de, duplamente, apoiar oslucrativos escambos do cravinho, a principal especiarialocal, ao mesmo tempo que se tentavam limitar asconcorrências já dos potentados da região já mesmodos interesses espanhóis recentemente transportadospara estas ilhas com a grande exploração oceânicadirigida por Fernão de Magalhães. A posiçãoportuguesa na ilha de Ternate foi, porém, quase semprefraca, limitada pelo peso da distância, pela falta derecursos, pelas disfunções ditadas pela escassez depessoal e, sobretudo, por uma demorada hostilidadelocal. A instalação de uma fortaleza portuguesa foi-semantendo enquanto teve utilidade nos jogos dasconflitualidades regionais, nomeadamente as queopunham os reinos de Ternate e Tidore, conseguindoestabilizar-se precariamente em função destasestratégias de alianças com a chegada, em Outubro de1536, do capitão António Galvão, promotor tanto depolíticas de reconciliação com os poderes territoriaisdesta zona quanto de esforços sérios de apoio àevangelização cristã. O balanço das obras tambémorganizacionais e materiais promovidas por AntónioGalvão na fortaleza portuguesa de Ternate podemseguir-se através da elogiosa prosa do cronista FernãoLopes de Castanheda, destacando que o operosocapitão “entregou a fortaleza bem reparada, e com aigreja começada a fazer de pedra e cal, e com uma casade Nossa Senhora da Misericórdia acabada com suaconfraria de provedor, oficiais da mesa e irmãos queenterravam os mortos”20. Várias outras memórias etestemunhos documentais comprovam ter-se devido àacção política e social orientada por António Galvão aerecção da Misericórdia de Ternate que, nos anos finaisda década de 1530, possuía já uma capela própria dainvocação da Madre de Deus21.

Em contraste, outras tradições memoriais, maisancoradas às economias narrativas próprias da literatura

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DE MALACA ÀS MOLUCAS

THE HOLY HOUSES OF MERCY IN ASIA

hagiográfica jesuítica, preferem apresentar a visita deS. Francisco Xavier à fortaleza portuguesa de Ternate,em 1549, como a verdadeira causa da fundação daSanta Casa local. Em rigor, a Misericórdia encontrava--se em pleno funcionamento na altura da estada dosanto jesuíta, representada exemplarmente como umrenovado projecto sócio-religioso de redenção de umapopulação dominada, à semelhança dos outros enclavesfrequentados originalmente pelo padre navarro, pelospiores pecados. A acção apostólica de S. FranciscoXavier descreve-se normativamente sempre com estaestrutura redentora, transformando com a sua passagemos “depravados” enclaves portugueses em restauradas“cidades cristãs”. Assim aconteceria em Ternate,esclarecendo as fontes jesuítas que, com a pregação eexemplo de Xavier “foram tão grandes as restituiçõesque se fizeram que das incertas ficou a casa da santaMisericórdia uma das mais ricas de toda a Índia”22. As

cartas do grande jesuíta permitem claramente perceberque a Misericórdia de Ternate se encontrava emfuncionamento, difundindo mesmo algumas dasdevoções religiosas públicas que mobilizavam asirmandades tanto no reino como por todos os espaçosultramarinos, como ocorria com a oração pelas almasdo purgatório, uma imposição dos Compromissos dasMisericórdias desde a década de 152023. Em carta de20 de Janeiro de 1548, remetida de Cochim para osjesuítas de Roma, S. Francisco Xavier recorda a difusãopela Misericórdia de Ternate da devoção às almas dopurgatório, mas apresentado-se como o impulsionadordesta celebração: “o tempo que estive em Maluco,ordenei que todas as noites pelas praças seencomendassem as almas do purgatório, e depois todosaqueles que vivem em pecado mortal; e isto causavamuita devoção e perseverança aos bons e temor eespanto aos maus. E assim elegeram um homem os da

Molucas, in António Bocarro, Livro das Plantas de todas as Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental, 1635 (BPADE).

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AS MISERICÓRDIAS NA ÁSIA

cidade, vestido em hábitos da Misericórdia, que todasas noites com uma lanterna na mão e uma campana naoutra, andasse pelas praças, e de quando em quandoparasse encomendando com grandes vozes as almas dosfiéis cristãos que estão no purgatório, e depois pelamesma ordem as almas de todos aqueles que perseveramem pecados mortais sem querer sair deles...”24. Uma cartade Juan de Beira para o reitor do Colégio de S. Paulo deGoa, concluída em Abril de 1549, permite esclarecer maise s t r a t e g i c a m e n t e acomunicação de S. FranciscoX a v i e r c o m u m aMisericórdia já instalada,encontrando na prática dasobras de caridade o principalfactor de conexão entre apregação jesuíta e os seusobjectivos de conversão.As s im, recordando aactividade caritativa e ar e c o l h a d e e s m o l a spromovidas por Xavier emTernate, o texto de Juan deBeira conclui que “queriaele que a Companhia seencarregasse disto para maisserviço de Deus nossoSenhor e, quando não, quea Misericórdia a receba parase gastar a quantos bastar asua fazenda, assim aosdaqui da terra, como aosda s ou t r a s i lha s quenovamente vierem à nossasanta fé”25.

A c o m u n i c a ç ã oestreita entre a primeirageração de jesuítas emtrabalho religioso na Ásia e a rede de irmandades deMisericórdia concretiza-se plenamente em Ternate,voltando a perspectivar um sistema de frequência emque os espaços l i túrgicos, equipamentos e,principalmente, a mútua projecção da doutrina dasobras de Misericórdia permitiam aos membros daCompanhia de Jesus encontrar nas irmandades osapoios e os auditórios em que ecoava a sua pregação.Em carta dirigida pelo padre Francisco Perez aos jesuítasde Coimbra, escrita em Malaca, a 4 de Fevereiro de

1548, recordava-se o acolhimento mais do quefavorável da Misericórdia de Ternate aos religiososjesuítas: “embarcaram para Maluco Juan de Vera, NunoRibeiro com seus companheiros, donde chegram asalvamento, e foram recebidos pelos irmãos daMisericórdia com grande alegria porque os estavamesperando, porque o Padre Mestre Francisco haviaprometido mandá-los”26. Trata-se de um documentointeressante, testemunhando não apenas essa ligação

de acolhimento constantedas Miser icórdias aoapostolado dos jesuítas,mas permitindo perceberque as irmandades erampraticamente a únicainstituição de inspiraçãocristã permanente nestesenclaves portugueses daInsulíndia, pelo que seapresentavam mesmo “osirmãos da Misericórdia”como praticamente aú n i c a “ c a t e g o r i a ”organizada de cristãos que“com grande alegria”albergava a circulação dapregação dos escassosmembros da Companhiaque frequentavam estesespaços longínquos doSudeste Asiático.

A Misericórdia e osseus limitados espaços emTernate estavam tambémsujeitos às contigênciasdramáticas de construçõesgeralmente pobres, muitasvezes provisórias e de

madeira. Numa carta dirigida pelo padre Luís Fróisaos jesuítas de Goa, datada do primeiro dia deDezembro de 1555, noticiava-se com pesar que,ardendo a fortaleza portuguesa, “não se pode salvar maisda casa da Misericórdia, segundo dizem os que de lávieram, que um crucifixo e a bandeira”27. Umainformação que tem, pelo menos, a vantagem dereferenciar uma das poucas alusões actualmentedocumentadas ao pendão da irmandade, obrigaçãoestatutária simbólica fundamental que se projectava nas

D. Francisco de Almeida.

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DE MALACA ÀS MOLUCAS

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actividades públicas e nas saídas processionaispromovidas pelas Misericórdias. Comprovando arápida reconstrução da igreja da Misericórdia, umacarta remetida de Ternate aos jesuítas de Portugal pelopadre Francisco Vieira, concluída a 9 de Março de1559, noticia a importante conversão do rei de Bachãoe o baptismo de uma sua filha, tendo-se usado na missa“um mui rico pontifical de brocado que este anochegara da Índia para a Misericórdia desta povoação efortaleza”28. Alguns anos mais tarde, um relatório dopadre Francisco Jorge enviado novamente para osjesuítas de Portugal, a partir de Cochim, a 3 deFevereiro de 1562, informava sobre a actividadereligiosa dos três jesuítas instalados em Ternate – opadre Nicolau Nunes e os irmãos Baltasar de Araújo eFernão de Osório –, esclarecendo a incontornávelimportância dos espaços litúrgicos da irmandade: “vai--lhes o padre ministrar os sacramentos à Misericórdiaassim da eucaristia como da confissão, por não termosigreja”29.

Neste enclave português de São João Baptista deTernate consegue também identificar-se entre asactividades da Misericórdia local a gestão de umhospital. Seguindo um manuscrito da segunda metadedo século XVI em que se fixavam as despesas régiascom a presença em Ternate, indica-se que “ao hospitalde Sua Magestade da dita fortaleza se dá cento ecinquenta mil réis para a cura dos doentes e comidadeles, pagamento dos oficiais e servidores da dita casae outras despesas que se entregam ao provedor e irmãosda Santa Misericórdia, como administradores do ditohospital, e sucedendo caso que haja necessidade de maisdinheiro, por haver mais doentes, ou outro algumrespeito, se lhes dará tudo o que mais for necessário, ea botica para mesinhas do dito hospital é-lhe mandadada Índia”30.

A partir da década de 1560, a situação portuguesana fortaleza de Ternate tornou-se progressivamentemais difícil, mas ainda assim se consegue fixar acontinuação da permanência da Misericórdia local,como se testemunha em memória manuscrita damovimentação de socorro dirigida por Gonçalo PereiraMarramaque na região das Molucas, texto posterior a1568 recordando que “ao outro dia tomaram osPortugueses terra na cidade de Maluco, indo todosfazer oração a Nossa Senhora da Barra e à Misericórdiae S. Paulo e Sé da mesma cidade, que toda acharamem um vivo pranto de contentamento com sua vinda,

vendo-se livres da morte que já tinham por muitocerta”31. Não adiantariam estas tentativas de procurarcontinuar a manter uma fortaleza em Ternate, já que,a 15 de Julho de 1575, os poucos portugueses doenclave foram obrigados a renderem-se, rapidamentedesaparecendo os vestígios que recordavam aMisericórdia da cidade das Molucas.

A MISERICÓRDIA DE AMBON

Apesar de se situar no centro da mais rica regiãodas especiarias da Indonésia oriental, quase centrandoos tráficos das Molucas, depois de uma primeirainstalação portuguesa temporária, promovida em 1544pelo capitão Jordão de Freitas, é preciso esperar por1569 para se recuperarem esforços dirigidos para aerecção de uma fortaleza de madeira na costa norte dailha de Ambon, normalmente designada nadocumentação e memórias históricas portuguesas porAmboíno(a)32. Uma actividade dirigida por aquelereferido fidalgo do Norte de Portugal, Gonçalo PereiraMarramaque, capitaneando uma frota militarmenteimportante com que as autoridades centrais do Estadoda Índia procuravam contrariar essa crítica contracçãoda movimentação portuguesa nas Molucas levando,após a morte do Sultão Hairun, à dissolução dessaaliança central em Ternate, dissolvendo em 1575 apresença portuguesa. Após as construções iniciais, afortaleza em Ambon foi mudada para uma zona a oesteda baía, a partir de 1572, promovendo ainda o seucapitão Sancho de Vasconcelos a construção defortalezas temporárias em madeira em Gelala eBatumarah. Somente em 1576 começava a edificaçãode uma fortaleza de pedra no território em que hoje sesitua a cidade de Ambon, ocupado em Julho desse anopor Vasconcelos, muito demorado capitão local em nomedo rei português por quase 20 anos, desde 1572 até 1591.Consagrada a Nossa Senhora da Anunciada, a fortalezaainda não estava acabada em 1588, tendo provavelmentesido concluída sob a direcção do capitão António PereiraPinto entre 1592 e 1593.

Tratava-se de uma fortaleza que procuravaresponder às necessidades estratégicas portuguesas naregião. Exibia quatro torres em cada um dos seus cantos,oferecia residência ao capitão, alguns armazéns, umpoço, espaços para os oficiais e soldados. Serviu durante30 anos para estruturar acções defensivas e ofensivascontra ternatenses, hituenses, javaneses e outras

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concorrências que limitavam cada vez mais o acessoportuguês aos escambos das especiarias das Molucas.À sombra desta fortaleza organizou-se uma pequenapovoação não murada, dividida talvez em diferentesespaços que procuravam acolher e distribuir apopulação cristianizada local. Apenas aos jesuítas,começando a circular a partir de 1578 em Ambon enas ilhas adjacentes de Haruku, Saparua e Nusalaut,estava autorizada uma residência murada protegendoas suas casas e jardins contra os ataques frequentes degentes, aldeias e territórios hostis. Sabe-se que, por voltade 1605, esta pequena “cidade cristã” reunia quatroigrejas: para além da capela da fortaleza, talvez dainvocação de S. Paulo, servida por um padre secularnomeado pelo bispo de Malaca, descobria-se a igrejada Misericórdia e capelas nos subúrbios de Hatiwi eHalong, dedicadas a Santiago e S. Tomás. Estes espaçoseram servidos por jesuítas, mobilizando exclusivamentepopulação indígena que, contando talvez entre 1600 a2000 conversos, não frequentava os templos dafortaleza reservados aos cristãos europeus33.

Entre 1576 e 1578, Ambon foi mesmo a únicafortaleza portuguesa nas Molucas e, por isso, o derradeiroespaço de instalação de jesuítas activos nesta parte doSudeste Asiático. À semelhança da presença lusa emTernate, novamente se identifica a par das autoridadesoficiais, centradas no poder de um capitão e sua clientela,a continuada permanência de uma Misericórdia,inaugurada na fortaleza de Ambon entre 1578 e 1579sob a orientação directa de Sanches de Vasconcelos,fixando igualmente uma capela que se tornaria elementofundamental da vida religiosa local da restritacomunidade portuguesa e luso-descendente34. Uma cartado jesuíta Lourenço Pinheiro remetida de Goa aoGeral Mercuriano, datando de 14 de Novembro de1579, recorda a fundação da irmandade da Misericórdiade Ambon, promovida pelo capitão e moradores pararesponder às necessidades das gentes cristãs: “e porserem muitas e grandes fizeram os Padres com o capitãoe mais moradores que se ordenasse confraria da santaMisericórdia pera o qual logo em princípio se juntarammil pardaus de esmolas e se edificou um hospital paraos enfermos e pela bondade de Deus nunca faltadinheiro para acudir às necessidades que se oferecem”35.A memória manuscrita das fortalezas do Estado da Índiaque temos vindo a seguir, das décadas finais do séculoXVI, testemunha a ligação entre a Misericórdia e ohospital criado em Ambon, informando que “ao

hospital de Sua Magestade se dá cem mil reis para curados doentes, pagamento do físico e cirurgião, servidorese para outras coisas necessárias que se entregam aosprovedor e irmãos da Santa Misericórdia comoadministradores dela”36. A fortaleza portuguesaapresenta, contudo, uma história recorrente de cercose ataques violentos, sendo entre 1591 e 1593 sitiadapor tropas de Ternate; em 1598, é cercada e atacadapor javaneses; em 1600, assistiria ao primeiroreconhecimento dos holandeses, aos pés dos quais cairiarendida em 1605, desaparecendo também a suaMisericórdia, cuja memória de dissolveu definiti-vamente, pese embora a existência ainda hoje emAmbon de uma activa minoria católica.

A MISERICÓRDIA DE TIDORE

Recorde-se que, praticamente desde 1536, osespanhóis começaram a frequentar Tidore, explorandoa rivalidade dos reis locais contra a instalaçãoportuguesa e as suas alianças com os poderes da ilhavizinha de Ternate. Uma situação limitada durante acapitania de António Galvão, mas reacendendo-se osantagonismos ibéricos com a progressiva estruturaçãoda rota que conduziria as armadas espanholas desdeAcapulco até à sua fixação no arquipélago que se viriaa designar por Filipinas, primeiro em Cebu e, desde1571, em Manila. Procurando encontrar pontos deapoio à circulação portuguesa nas Molucas após odesmantelamento da fortaleza de Ternate, em 1575,deve-se a iniciativas dirigidas três anos depois pelocapitão Sancho de Vasconcelos o início dolevantamento de uma pequena fortaleza em Tidore,curiosamente dedicada aos “Reis Magos”. A instalaçãoportuguesa mobilizaria também a erecção de umairmandade da Misericórdia, promovida pelo capitãoDiogo de Azambuja, como se rememora em carta ânuaenviada de Malaca, a 3 Dezembro de 1580, pelo jesuítaGomes Vaz ao Geral da Companhia em Roma,destacando que “polla muita pobreza e falta assim dosportugueses como dos cristãos da terra, ordenou-se porvia dos nossos (que neste interim com sua pobreza osiam sustentando) a casa da Misericórdia, fazendo como capitão-mor que fosse provedor dela, para a qual deulogo mil cruzados para estas casas. Também para oprincípio delas se houverão outras esmolas, o que foigrande serviço de Deus. Porque já agora têm os pobresquem olhe por eles, e a nós se nos aliviou uma grande

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carga. Porque os ajudamos agora com os ministériosda Companhia somente, servindo-os e consolando-osem suas enfermidades. Desta obra se edificam muitosMalucos, porque, como é gente mui alheia de caridade,quando a vêm entre os cristãos, se confundem e nãopodem deixar de confessar ser esta obra de Deus e dehomens humanos”37.

Identifica-se, assim, mais uma vez, o modelo queassociava directamente as autoridades da capitania, alimitada comunidade cristã local e os religiosos jesuítas,reencontrando nos espaços e funções misericordiosasda irmandade as oportunidades para a difusão dapregação e exemplaridade religiosas fundamentais paraa sua evangelização, catequese e sacerdócio. Nos anosseguintes, os raros jesuítas que circulavam pela fortalezade Tidore parece terem conseguido erguer edifíciosreligiosos próprios, mas que se viriam a dissolver,

obrigando a projectar novas instalações. É o que serecorda no relatório escrito em Abril de 1588 pelovisitador jesuíta a Tidore, padre António Marta,sublinhando que, estando a igreja da companhiaarruinada, se decidiu fazer novo edifcío tendo dado “estechão de empréstimos aos Irmãos da Misericórdia”38.Apesar desta comunicação privilegiada com aMisericórdia local, o visitador da Companhia de Jesusnão deixa de confessar na sua informação que “aquinão há nem missa por defuntos, nem confraria, nemprocissão nem outra cerimónia que se costuma fazerna igreja”39, declaração remetendo para uma mais doque limitada acção da Misericórdia de Tidore, ao tempoincapaz de concretizar alguns dos objectivos maiscomuns a este tipo de irmandades que encontrava naritualização funerária, estendendo-se dos seus membrosaos grupos sociais cristãos subalternos, uma das suas

Bandeira da Misericórdia de Lisboa, óleo sobre tela do século XVIII (Museu de S. Roque / Santa Casa da Misericórdia de Lisboa). In Oceanos 35, Lisboa,Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.

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mais permanentes obrigações estatutárias. A seguir,repete-se essa história conhecida da inevitáveldissolução da presença oficial portuguesa nas Molucas:na primeira década do século XVII, também a fortalezados Reis Magos não conseguiria resistir à superiorpresença marítima e militar das embarcações e soldadosque serviam a Companhia holandesa das ÍndiasOrientais, rendendo-se a guarnição portuguesa em1605 à forte armada comandada por CorneliusSebastiaanszoon.

limitando-se a erguer os abrigos provisórios suficientespara apoiar os carregamentos de sândalo escambadoscom vários régulos e territórios ao longo da costa nortede Timor. Acrescentando-se a algumas conversões feitasainda perante mercadores portugueses e, provavel-mente, suscitadas pela circulação isolada de algunsreligiosos, identifica-se à roda de 1561-1562 actividadede evangelização continuada nesta colecção depequenas ilhas e territórios de frequência comercialanual, descobrindo-se vários dominicanos que,dirigidos por Frei António da Cruz, acabam por se fixarem Solor com o apoio do recém criado bispado deMalaca, entregue também a um religioso da Ordemdos Pregadores. A cronística dominicana, várias relaçõese algumas cartas sublinham, não sem o exagero própriode uma literatura próxima da hagiografia, largossucessos na conversão das populações locais em Solor,na parte oriental das Flores e nalgumas outras pequenasilhas adjacentes, situação que exigia novas formas deinstalação, defesa e organização política.

A partir de cerca de 1566 são mesmo os religiososPregadores que começam a orientar a construção deuma fortaleza em pedra na ilha de Solor, tratando deapoiar e proteger o seu activo trabalho religioso,projectando formas de reordenamento social eparoquial das gentes convertidas. A 14 de Setembrode 1571, o governador do Estado da Índia, AntónioMoniz Barreto, optaria por privilegiar os dominicanoscom o apontamento do capitão da nova fortaleza deSolor, decisão política mais tarde alterada por Filipe IIque, desde 1583, passa a reservar ao poder régio anomeação da capitania40. No interior da fortalezasolorense descobriam-se aposentos para osdominicanos, uma torre para abrigar o capitão,edificou-se também uma igreja da invocação de NossaSenhora da Piedade, reservada aos portugueses, maistarde surgiu a criação de um pequeno seminário que,por volta de 1600, conseguia reunir umas cinco dezenasde alunos. À esquerda da fortaleza construiu-se aindauma igreja dedicada a São João Baptista e, mais tarde,talvez na década de 1580, uma igreja da Misericórdia.A partir deste centro político e religioso, as conversõesparece terem irradiado para as ilhas vizinhas de Adunarae da região oriental das Flores, chegando até a circulaçãoportuguesa a erigir na pequeníssima ilha de Ende Menoruma outra fortaleza portuguesa que, concluída por voltade 1595, acolhia uma igreja dedicada a S. Domingos.As cronísticas e memórias dominicanas representam

Nestes apertados enclavesde complicada reivindicaçãode uma soberania portuguesa,quase sempre mais negociada,vantajosamente toleradae arduamente negociada,do que imposta sobre territóriosde colonização, instituiçõesse especializaram para tentarassegurar um mínimode “identidade portuguesa”...

UMA MISERICÓRDIA EM SOLOR?

A presença política, comercial e religiosaportuguesa no Sudeste Asiático acabaria por especializardemoradas estratégias de sobrevivência nas ilhas maisorientais das Sundas Menores, instalando-sesucessivamente em Solor e em alguns espaços do lestedas Flores para, ao longo do século XVII, inaugurarum longo processo de alianças e circulação em Timor.A movimentação portuguesa nestas ilhas quase remotascomeça a concretizar-se entre 1515 e 1520,encontrando nas enseadas da ilha de Solor espaçosprotegidos para o objetivo fundamental do trato dorico sândalo branco timorense. Os primeiroscomerciantes portugueses vindos de Malaca nãoconstruíram quaisquer instalações permanentes,

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um demorado acumular das conversões religiosas nestesespaços, discriminando para 1599 um conjunto de 18igrejas que, em Solor, nas Flores e Adunara começavama cumprir evidente enquadramento paroquial. Entreesta colecção de edifícios cristãos, muitas vezes simplescapelas, identificava-se de novo uma igreja daMisericórdia, desta vez colocada na aldeia de Laboiana.Se estas referências a um templo católico da dedicaçãode Nossa Senhora da Misericórdia remetem para acriação de uma irmandade ou concretizavam umainvocação largamente privilegiada pela espiritualidadedominicana, cura-se de um tema que não se consegueesclarecer com indiscutível rigor documental.

Uma das fontes mais importantes para a históriada instalação religiosa dominicana sucessivamente nasilhas de Solor, Flores, Adunara e, mais tarde, Timorencontra-se na Relação das Cristandades e ilhas de Solor,memória organizada por Fr. Miguel Rangel, umreligioso com larga experiência e frequência dessa regiãoinsular. Impressa em Malaca, em 1633, a obra destacaum capítulo dedicado à fundação da fortaleza de Solor,esclarecendo que “baixo da fortaleza, no campo dela,para o mar, de uma parte a igreja da santa Misericórdiaque os Portugueses (os quais em breves tempos eramjá ali muitos casados) haviam feito”41. Trata-se da únicainformação actualmente conhecida que parece indiciara criação de uma Misericórdia em Solor, preferindo otexto filiar a erecção da “igreja da santa Misericórdia”nesses “portugueses” que, “em breves tempos”, “eramjá a l i muitos casados”, não discr iminandorigorosamente uma fundação eclesial dominicana damesma invocação mariana. Seja como for, a memóriade Fr. Miguel Rangel também não esclarece claramentea organização das actividades confraternais de umairmandade de Misericórdia, conquanto a economiatextual pareça categorizar um movimento de reuniãoda comunidade portuguesa semelhante ao que se foireconstruindo para as outras fortalezas dos enclavesportugueses erguidos entre Malaca e as Molucas. Maistarde, desde 1613, também a fortaleza de Solorreceberia a confrontação holandesa que, em 1629,atacaria violentamente as instalações portuguesas napequena ilha, recordando a memória de Fr. MiguelRangel a destruição dos edifícios católicos, destacandoque “da outra casa da senhora da Misericórdia deixaramsomente a capela mor com a sacristia para de tudo istofazerem estrebarias, como fizeram, de suas alimárias,daquelas mesmas casas e lugares santos em que tantas

vezes o Senhor foi louvado, e venerado, e adorado”42.Esta relação tem algum interesse ao preferir distinguir“casas” e “lugares santos”, pormenorizando a quasecompleta destruição de uma “casa da senhora daMisericórdia”, distinção que, não sem esforço, podecolaborar na sugestão da existência de uma irmandadede Misericórdia na fortaleza de Solor. A ter havido umaMisericórdia em Solor, remete para uma experiênciaconfraternal activa entre cerca de 1580 e os primeirosanos do século XVII, cuja memória documental evestígios materiais se dissiparam quase completamente.Ao contrário, mais do que a memória, a activa presençareligiosa ainda hoje de uma impressiva rede deconfrarias de Nossa Senhora do Rosário, reunindo tantotemplos como tesouros, organizando fidelidades,devoções e populares saídas processionais, sobretudo

D. Manuel I. Tábua com pintura a óleo (Misericórdia de Vila do Conde).

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AS MISERICÓRDIAS NA ÁSIA

no ciclo da Semana Santa, continua a marcar apaisagem católica de muitas cidades e povoações daparte oriental da ilha das Flores, entre Larantuka, Sikae Maomere, recordando vestustas ritualizações desentido pendor e inspiração dominicanos43. Não deixede se recordar que os portugueses voltaram a ocupara fortaleza de Solor com brevidade por volta de 1630,defini- tivamente abandonada em 1636 para, umadécada volvida, retornar ao controlo holandês. Osmissionários dominicanos tinham já iniciado essaaventura que os havia levado, desde 1613, a sediar assuas actividades em Larantuka, prelúdio de uma longafixação em Timor centrada desde, pelo menos, 1662,em Lifao. Uma caminhada religiosa que deixoumarcas devocionais, mais do que vestígios oumemórias perdidas, contribuindo para firmaridentidades locais que, nos espaços orientais das Florese de Timor, encontram num catolicismo popular econfraternal um dos seus principais factores dediversidade e solidariedade culturais.

AS MISERICÓRDIAS NA ÁSIAE A COMPANHIA DE JESUS

Quando se investiga a história das Misericórdiasdas fortalezas portuguesas do Sudeste Asiático, emMalaca, Ternate, Ambon e Tidore, uma estruturaformativa e funcional que imediatamente se impõesublinha uma estreita conexão entre as irmandades e asactividades religiosas locais da Companhia de Jesus,precisamente a relação que falta no caso de Solor. Apesarda circulação esporádica de alguns jesuítas nas ilhas dasSundas Menores, nomeadamente em Timor, o trabalhomissionário resiste sob a direcção continuada dosdominicanos, tendo espalhado para ficar as suas própriasdevoções e confrarias principalmente dedicadas àcelebração de Nossa Senhora do Rosário, um temacultual e confraternal maior da “religião” dos Pregadores.A comunicação de estratégica frequência que, doreligioso ao social, passando pela exemplaridade moral,se foi entretecendo entre Misericórdias e jesuítas nosenclaves portugueses da Ásia constituiu mesmo uma dasprimeiras orientações da pregação de S. Francisco Xavier.Durante a sua primeira estada em Goa, entre Maio eSetembro de 1542, o celebrado jesuíta torna-serapidamente um interessado frequentador da grandeMisericórdia local, apoiando e acompanhando as suasactividades caritativas: ouvia no hospital administrado

pela irmandade as confissões dos seus pobres doentes,concelebrava na igreja da irmandade e visitava com osmodermos confraternais os encarcerados, na altura cercade trinta a quarenta presos detidos em miseráveiscondições de salubridade, praticamente sem apoioalimentar, vestuário e, muito menos, protecção jurídica44.Encontramos até S. Francisco Xavier a testemunhar, em1542, a entrega pelo vice-rei da gestão do hospital realda cidade à Misericórdia de Goa, decisão depois tambémseguida em Cochim para se projectar em todas as outrasfortalezas do “Estado da Índia”45, ampliando o“monopólio” da circulação da caridade cristã que seconfiava às provedorias, mesas e irmãos dasMisericórdias.

Numa das primeiras car tas escr i tas porS. Francisco Xavier de Goa, dirigida à cuidadaobservação de S. Inácio de Loyola, depara-sevantajosamente com uma admirada informação da obrada Misericórdia, para a qual o jesuíta solicita mesmoos favores papais: “Havéis de saber que nesta terra, nosdemais lugares cristãos, existe uma companhia dehomens muito honrados que tem cargo de amparar atoda a gente necessitada, assim aos naturais cristãos,como aos que novamente se convertem. Estacompanhia de homens portugueses chama-se aMisericórdia; é coisa de admiração ver o serviço queestes bons homens fazem a Deus Nosso Senhor emfavorecer a todos os necessitados. Para que esta devoçãodesta boa gente seja acrescentada, pede o senhorgovernador a Sua Santidade que conceda a todos osconfrades desta santa Misericórdia, confessando-se ecomungando cada ano, que ganhem indulgênciaplenária e depois da morte absolvidos da culpa e pena;e isto por amor que as obras de misericórdia com maiorfervor se exercitem, vendo que Sua Santidade assim osfavorece: e porquanto a maioria destes são casados, queas suas mulheres participem da mesma graça”46. Estafavorável “descoberta” xaveriana da acção exemplar daMisericórdia de Goa autoriza o santo jesuíta a alargaro seu papel de intermediação que chega também adirigir-se para a obtenção de renovados favores régios.Ao escrever de Cochim, a 20 de Janeiro de 1548, umacarta importante a D. João III, Xavier intercedeinteressadamente pela poderosa Misericórdia local,

Pormenor do retábulo do altar-mor da Igreja da Misericórdia de Bragança,finais do século XVII. In Ivo Carneiro de Sousa,V Centenário das Misericórdias Portuguesas, Lisboa,Clube do Coleccionador dos Correios, 1998.

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a primeira a inaugurar-se na Índia, solicitandoadequada concretização do investimento significativode 500 cruzados que a irmandade havia remetido aoreino para o pagamentos de três retábulos: um paraornar o altar-mor da invocação da Misericórdia, a somarà execução de dois outros, celebrando S. Amaro eS. Jorge, para decorarem os altares menores da igrejada irmandade. Neste sugestivo texto epistolar, o jesuítapede igualmente ao monarca português que consigaacautelar tanto os nove mil réis de esmola prometidosà Misericórdia de Cochim para apoio a orfãs quantoos mil pardaus anuais para sustento de pobres, apoiandoainda a pretensão da irmandade de receber as herançasdos portugueses que, em Bengala, Pegu, Coromandelou “outro qualquer lugar” lhe fossem confiadas47.

Anos mais tarde, em instruções religiosas elitúrgicas importantes enviadas nos princípios de Abril

de 1549 ao padre Gaspar Barceo, S. Francisco Xaviertrata de destacar as principais obrigações que aquelejesuíta deveria cumprir na fortaleza de Ormuz,aconselhando: “aos presos visitareis e pregareis,exortando-os que se confessem geralmente de toda asua vida passada, porque entre estas pessoas há muitas,a maior parte, que nunca se confessaram. A estes,encomendá-los-eis à Misericórdia que tenha especialcuidado de os favorecer com sua justiça e dar onecessário aos pobres que padecem”48. Em continuação,sugerindo uma estratégia de serviço à irmandade deMisericórdia local, colaborando estreitamente nocumprimento das suas funções piedosas e, em especial,num rigoroso apoio à verdadeira pobreza, S. FranciscoXavier estabelece quase prescritivamente que “servireis,em quanto puderes, à Misericórdia, e sereis muitoamigo dos seus irmãos, ajudando-os em tudo. Os que

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confessareis nessa cidade e vires que são obrigados arestituições, e não se podem dar aos donos, ou porserem mortos, ou por não se saberem deles, o que nãose puder restituir aos seus verdadeiros donos, mandareisentregar tudo à Misericórdia, ainda que se ofereçampobres a quem a esmola será bem empregue, pelosmuitos enganos que há nos pobres, por serem pessoasmetidas em vícios e pecados. Estes são muitoconhecidos da Misericórdia. A esmola que a estes haveisde dar, dai-a à Misericórdia e ela a dispensará aos pobresmais necessitados e conhecidos”49. Repare-se que Xaviersublinha o conhecimento privilegiado que aMisericórdia possuía das condições sociais, vigiando,como impunham os seus Compromissos, a própriadeclaração de pobreza, preferindo concentrar acirculação de esmolas na irmandade, confiando na suaexemplar discriminação na distribuição de caridade.Por isso, o santo jesuíta aconselha o seu companheirode religião a pregar na Misericórdia local “aos escravose escravas e cristãos libertados, e aos filhos dosportugueses”50, colocando ainda sob a protecção dairmandade o controlo confessional, a formaçãocatequética e a expiação penitencial: “levareis de casa adoutrina cristã e a declaração sobre os artigos da fé, e aordem e regime que um homem há-de ter todos osdias para encomendar-se a Deus e salvar a sua alma.

Esta ordem e regime dareis aos que confessareis empenitência de seus pecados, por certo tempo, e depoisacabará em costume; porque é muito bom regime eacham-se bem com ele os penitentes. E assim opraticareis com muitas pessoas, ainda que não seconfessem convosco, e colocá-los-eis numa tábua naigreja de Nossa Senhora da Misericórdia para que daío tomem os que quiserem aproveitar”51.

Esta aproximação às Misericórdias, colaborandonas suas obras, frequentando os seus espaçosconfraternais e garantindo as suas celebrações litúrgicas,estendia-se também a alguns dos objectivos maisinovadores que, desde a fundação da Misericórdia deLisboa, em 1498, orientavam o seu Compromisso paraum programa de reconciliação das conflitualidades da“cidade cristã”. Com efeito, nos estatutos primitivosdas primeiras Misericórdias portuguesas, destacava-seum capítulo original que, simplesmente intitulado“amizades”, impunha aos irmãos a obrigação de aplacarconflitos e inimizades, identificar contradições econcorrência sociais, firmando a harmonia entre crentesdesavindos52. Uma orientação confraternal que ajudavao programa de reconciliação moral e harmonizaçãosocial pela fé que os jesuítas mobilizaram para a suadifícil pregação nos enclaves portuguesas da Ásia,excessivamente marcados por conflitos, corrupções,c l i ente l i smos e abundante f requênc ia doscomportamentos culturais que, do vestuário àcomunicação sexual, deixavam mal identificar“comunidades cristãs”. Em carta escrita em Malaca pelojesuíta Gomes Vaz, datada de 3 de Dezembro de 1580,noticia-se uma extraordinária prática pública dessecompromisso da “amizade”, concretizado na igreja daMisericórdia de Tidore, envolvendo mesmo aadmiração de um muçulmano pela caridade cristã aover-se restituído dos seus cabedais em cravinho atravésda intermediação de um sacerdote jesuíta: “fizeram-se[em Tidore] este ano muitas amizades de importânciaque, como é terra de soldados, sempre há ódios einimizades que dão não pouco trabalho aos Padres emos apaziguar, e dá-se por bem empregado pois é serviçode Nosso Senhor e quietação deles. Fizeram-se algumasrestituições, entre as quais duas foram grossas e amouros de que ficaram assaz edificados. E porque aum cacis lhe tinham tomado uma certa quantia decravo, de que ele não sabia parte, e fazendo-lhe arestituição ficou pasmado. Disse ao Padre que semdúvida a lei dos cristãos era verdadeira, pois em furto

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1 Charles R. Boxer, O Império Marítimo Português (1415-1825).Lisboa: Ed. 70, 1992, p. 267.

2 Uma proposta panorâmica de síntese sob as categorias actuais de“Higiene e Saúde” oferece algumas indicações muito gerais sobreas Misericórdias asiáticas em A. H. de Oliveira Marques (dir.),

NOTAS

História da Presença dos Portugueses no Extremo Orinte. Lisboa:Fundação Oriente, 1998, I vol., t. I (Em torno de Macau), pp. 532--535.

3 Fátima da Silva Gracias, Beyond the Self. Santa Casa da Misericórdiade Goa. Goa: Surya Publications, 2000.

tão secreto se fazia restituição dele. E ficou maismaravilhado em ver que o mesmo Padre lhe deu ocravo, dizendo que nenhum cacis fez em Maluco nemfaria outro tanto, mas antes o tomaria para si. Edeclarando-lhe que coisa era a nossa Quaresma (porqueentão se lhe fez esta restituição), disse que esta era averdadeira Quaresma e não a sua, porque nela, postoque jejuem ao comer, todavia não aos pecados, nem àemenda da vida, pois se dão mais nela a delícias queem todo outro tempo. Por estas e outras coisas nãopodem deixar estes infiéis de confessar a verdade dapureza da lei de Cristo”53.

Esta estreita cooperação entre as Misericórdias dosenclaves portugueses do Estado da Índia e a pregação daCompanhia de Jesus mostra-se naturalmente simétrica,mas não deixa de oferecer ganhos substanciais àespecialização das estratégias de exemplaridade que, novirar do século XVI, transformariam a evangelizaçãojesuíta em definitiva “missão”. Sublinhe-se que a doutrinae praxis das obras de Misericórdia constitui um temapraticamente ausente dos Exercícios Espirituais deS. Inácio de Loyola, o texto referencial da formaçãoespiritual e da militância religiosa da Companhia. Adoutrina das obras piedosas ocupa ainda um lugarlimitado na Fórmula organizada em 1540, sendo precisoesperar dez anos para que a versão alargada deste textode orientação do ministério convidasse os jesuítas aensinar as opera caritatis, mas destacando apenas umadas sete obras de misericórdia espirituais: “perdoarofensas e injúrias”. Quando os primeiros jesuítaschegaram a Moçambique, em 1548, albergaram-se numhospital em que a maioria dos cerca de 120 doentespadecia de enfermidades contagiosas, em Goa e Cochimfariam o mesmo, identificando-se na década de 1570vários membros da Companhia em espaços ultramarinosque eram médicos, obrigando o papa Gregório XIII apromulgar uma isenção para, em caso de ausência deoutros apoios, ultrapassar o cânone que proibia praticarmedicina a clérigos e religiosos54.Os jesuítas encontraramnestes hospitais, entre a pobreza, a orfandade e as prisões

a presença das Misericórdias. Antes mesmo da suaacção, já as irmandades cumpriam com elevação moralmuitas das funções caritativas que viriam a escorar aexemplaridade religiosa e ética dos primeiros jesuítas eda sua figura maior, S. Francisco Xavier. Ao mesmotempo, muitos dos jesuítas que circularam nalgumasdas Misericórdias do Sudeste Asiático, em Ternate,Ambon ou Tidore, eram frequentemente os únicossacerdotes nestes locais pelo que administravam asobrigações e os ritos que se inscreviam também nosCompromissos das Misericórdias: vistando presos epobres, garantindo confissões, comunhões epenitências, suportando o funcionamento das igrejase capelas da irmandade, acompanhando moribundose assegurando os seus ritos funerários. A estas tarefasfundamentais para a vida também religiosa dasMisericórdias, os jesuítas dirigiam ainda especialatenção para alguns dos segmentos que, reunidosfrequentemente a “casados”, famílias e “comunidadesportuguesas”, se encontravam frequentemente nas suasmargens culturais: mulheres pobres locais, escravas,prostitutas e sua filhas, orfãs e viúvas. Colaboravam,assim, numa das principais orientações da caridade queas Misericórdias, sobretudo as poderosas instituiçõesinstaladas em Goa ou Macau, dirigiam para o mundofeminino, seleccionando, educando e protegendo ossegmentos sociais mais fundamentais na reproduçãode uma estranha presença portuguesa que, entrecruzamentos sexuais, escravaturas e indigências degénero, encontrava nos sectores mais desprotegidos dasmulheres asiáticas as estruturas familiares e domésticasque se vazavam em “cidades cristãs”. Os membros daCompanhia de Jesus na Ásia foram, ao longo dasegunda metade do século XVI e nas primeiras décadasde Seiscentos, colaboradores imprescindíveis para queas Misericórdias pudessem sobreviver nas fortalezasmais orientais do “Estado da Índia”, mas os jesuítasreceberam também das irmandades lições de caridade,exemplaridade social e espaços cristãos sem os quais asua pregação se arriscava a não ser escutada.

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Revista de Cultura • 14 • 2005130

AS MISERICÓRDIAS NA ÁSIA

4 Marques, ob. cit., p. 533.5 Georg Schurhammer, Francisco Javier su vida y su tiempo. T. II –

India-Indonesia (1541-1547). Pamplona: Gobierno de Navarra/Compañia de Jesús/Arzobispado de Pamplona, 1992, p. 793-794.

6 Georg Schurhammer, Francisco Javier su vida y su tiempo. T. IV –Japon-China (1549-1552), p. 5-6.

7 Georg Schurhammer, Francisco Javier su vida y su tiempo. T. IV –Japon-China (1549-1552), p. 4.

8 San Francisco Javier, Cartas y escritos. Madrid: BAC, 1996, p. 325.9 San Francisco Javier, Cartas y escritos, p. 326; Georg Schurhammer,

Francisco Javier su vida y su tiempo. T. IV – Japon-China (1549-1552), p. 8.

10 San Francisco Javier, Cartas y escritos, p. 330-331.11 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões do

Padroado Português do Oriente: Insulíndia, vol. 2 (1550-1562).Lisboa: AGU, 1955, p. 8.

12 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente. Insulíndia, vol. 2, p. 61.

13 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente: Insulíndia, vol. 1 (1506-1549).Lisboa: AGU, 1954, p. 587.

14 Pe. Sebastião Gonçalves, Primeira Parte da História dos Religiososda Companhia de Jesus (ed. de José Wicki). Coimbra: Atlântida,1960, II, p. 123.

15 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente: Insulíndia, vol. 2, p. 286.

16 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente: Insulíndia, vol. 5 (1580-1595).Lisboa: AGU, 1958, p. 35.

17 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente: Insulíndia, vol. 5, p. 182.

18 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente: Insulíndia, vol. 5, p. 259.

19 Isabel dos Guimarães Sá, “As Misericórdia no Império Português(1500-1800)”, in 500 Anos das Misericórdias Portuguesas.Solidariedade de Geração em Geração. Lisboa: Comissão para asComemorações dos 500 Anos das Misericórdias”, 2000, p.108.

20 Fernão Lopes de Castanheda, Descobrimento e Conquista da Índiapelos Portugueses, (ed. de P. M. Laranjo Coelho). Coimbra: Imprensada Universidade, 1933, p. 561.

21 Georg Schurhammer, Francisco Javier su vida y su tiempo. T. II –India-Indonesia (1541-1547), p. 962.

22 Pe. Sebastião Gonçalves, Primeira Parte da História dos Religiosos daCompanhia de Jesus (ed. de José Wicki). Coimbra: Atlântida, 1957,I, p. 220.

23 Ivo Carneiro de Sousa, Da Descoberta da Misericórdia à Invenção dasMisericórdias (1498-1525), Porto, Granito Editores & Livreiros, 1999.

24 San Francisco Javier, Cartas y escritos, p. 220; Artur Basílio de Sá,Documentação para a História das Missões do Padroado Português doOriente. Insulíndia, vol. 1, p. 540; Hubert Jacobs (ed.), DocumentaMalucensia. II (1577-1606). Roma: Institutum HistoricumSocietatis Iesu, 1974, p. 39.

25 Hubert Jacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), p. 63.26 Hubert Jacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), p. 48.27 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões do

Padroado Português do Oriente. Insulíndia, vol. 2, p. 169; HubertJacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), p. 176.

28 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente. Insulíndia, vol. 2, p. 326; HubertJacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), p. 271.

29 Hubert Jacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), p. 341.30 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões do

Padroado Português do Oriente. Insulíndia, vol. 5, 1958, p. 264.

31 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente. Insulíndia, vol. 4 (1568-1579).Lisboa: AGU, 1954, p. 463.

32 Seguimos Hubert Jacobs, “The Portuguese Town of Ambon, 1576-1605”, in Actas do II Seminário Internacional de História Indo--Portuguesa, eds. Luís de Albuquerque & Inácio Guerreiro . Lisboa:IICT, 1985, pp. 603-614.

33 Hubert Jacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), p. 100e 365.

34 Hubert Jacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), p. 39.35 Documenta Malucensia (ed. Hubert Jacobs), Roma: IHSJ, 1980,

pp. 47-57. Hubert Jacobs, “The Portuguese town of Ambon, 1567--1605”, in Actas do II Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa, pp. 601-614.

36 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente. Insulíndia, vol. 5 , p. 268.

37 Hubert Jacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), Roma:Jesuit Historical Institute, 1980, p. 93.

38 Hubert Jacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), Roma:Jesuit Historical Institute, 1980, p. 271.

39 Hubert Jacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), Roma:Jesuit Historical Institute, 1980, p. 274

40 Nomeação régia por Filipe II de António Andria para Capitão dasIlhas de Solor e Timor (1583, Março, 18 – Lisboa: Instituto dosArquivos Nacionais/Torre do Tombo, Chancelaria de D. Filipe I,Livro 28, fl. 81-81v.)

41 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente. Insulíndia, vol. 5, p. 331. Seguemliteralmente esta descrição Humberto Leitão, Os Portugueses em Solore Timor de 1515 a 1702. Lisboa: Liga dos Combatentes, 1948, p. 80e A. Faria de Morais, Subsídios para a História de Timor. Bastorá:Tip. Rangel, 1934, p. 83.

42 Artur Basílio de Sá, Documentação para a História das Missões doPadroado Português do Oriente. Insulíndia, vol. 5, p. 333. Seguemliteralmente esta memória Humberto Leitão, Os Portugueses em Solore Timor de 1515 a 1702, p. 123 e A. Faria de Morais, Subsídiospara a História de Timor, p. 87.

43 Cf. António Pinto da França, Portuguese influence in Indonesia.Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.

44 Georg Schurhammer, Francisco Javier su vida y su tiempo. T. II –India-Indonesia (1541-1547), p. 266.

45 Georg Schurhammer, Francisco Javier su vida y su tiempo. T. II –India-Indonesia (1541-1547), p. 492.

46 San Francisco Javier, Cartas y escritos, p. 100; Georg Schurhammer,Francisco Javier su vida y su tiempo. T. II – India-Indonesia (1541-1547), p. 266.

47 San Francisco Javier, Cartas y escritos, p. 238; Georg Schurhammer,Francisco Javier su vida y su tiempo. T. III – India (1547-1549).Pamplona: Gobierno de Navarra/Compañia de Jesús/Arzobispadode Pamplona, 1992, p. 173.

48 San Francisco Javier, Cartas y escritos, p. 304; Georg Schurhammer,Francisco Javier su vida y su tiempo. T. III – India (1547-1549),p. 524.

49 San Francisco Javier, Cartas y escritos, p. 305.50 San Francisco Javier, Cartas y escritos, p. 309.51 San Francisco Javier, Cartas y escritos, p. 309.52 Ivo Carneiro de Sousa, “O Compromisso Primitivo das

Misericórdias Portuguesas (1498-1500)”, in Revista da Faculdadede Letras (série História), XIII (1996), pp. 259-306.

53 Hubert Jacobs (ed.), Documenta Malucensia. II (1577-1606), Roma:Jesuit Historical Institute, 1980p. 93.

54 John W. O’Malley, Los Primeros Jesuitas. Bilbao-Santander: Eds.Mensajero & Sal Terrae, 1995, p. 215.