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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE NÚCLEO DE DESIGN CURSO DE DESIGN SUELEIDE SILVA PEREIRA SALES O PAPEL DO FIGURINO NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE NEY MATOGROSSO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE

NÚCLEO DE DESIGN

CURSO DE DESIGN

SUELEIDE SILVA PEREIRA SALES

O PAPEL DO FIGURINO NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE

NEY MATOGROSSO

CARUARU, 2017

SUELEIDE SILVA PEREIRA SALES

O PAPEL DO FIGURINO NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE

NEY MATOGROSSO

CARUARU, 2017.

Monografia apresentada à Universidade

Federal de Pernambuco - Centro

Acadêmico do Agreste (UFPE-CAA),

como requisito parcial para obtenção do

título de Bacharel em Design, sob

orientação da professora Andrea

Camargo.

S163p Sales, Sueleide Silva Pereira.

O papel do figurino na construção da imagem pública de Ney Matogrosso. / Sueleide Silva Pereira Sales. – 2017.

58f. ; il. : 30 cm. Orientadora: Andrea Barbosa Camargo. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Federal de

Pernambuco, CAA, Design, 2017. Inclui Referências. 1. Trajes. 2. Moda. 3. Marketing artístico. I. Camargo, Andrea Barbosa

(Orientadora). II. Título.

740 CDD (23. ed.) UFPE (CAA 2017-150)

Catalogação na fonte:

Bibliotecária – Marcela Porfírio – CRB/4-1878

SUELEIDE SILVA PEREIRA SALES.

O PAPEL DO FIGURINO NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE NEY

MATOGROSSO

A comissão examinadora, comporta pelos membros abaixo, sob a presidência do

primeiro, considera a aluna APROVADA.

Caruaru, 14 de julho de 2017.

_______________________________________

Prof.ª. Andrea Barbosa Camargo

UFPE/CAA

_______________________________________

Profª. Iracema Tatiana Leite Ribeiro Justo

UFPE/CAA

_______________________________________

Profª. Dra. Nara Oliveira de Lima Rocha

UFPE/CAA

Dedico esta monografia ao meu esposo

Marcos e meus filhos, Rafaella,

Mariana e Emanuel a quem tanto amo.

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus que sempre está do meu lado em todos os momentos da minha vida, sempre me abençoando e atendendo aos meus pedidos e por permitir a conclusão do meu curso. Devo a ele todos os méritos conquistados durante os anos que estive na Universidade e os que estão por vir. Ao meu esposo Marcos Fernando que foi quem me incentivou durante todos os anos do curso me apoiando em tudo. Aos meus filhos Rafaella, Mariana e Emanuel. Eles que tiveram muita paciência e ajudaram para que eu concluísse este curso.

Aos meus familiares minha mãe, meus irmãos, minha sogra, sogro e cunhados que sempre me deram força para continuar seguindo em rumo aos meus objetivos. Aos meus colegas de faculdade que sempre estiveram juntos comigo, em especial ao meu querido amigo, Isaac Batista que sempre esteve do meu lado quando precisei.

A minha orientadora professora Andréa Camargo, por ter aceitado o meu convite para ser minha orientadora no desenvolvimento do meu projeto de graduação, pela a paciência, disponibilidade, dedicação e pela sua excelência na orientação. Agradeço profundamente por acreditar e confiar na minha capacidade.

Aos professores do curso de Design da UFPE/CAA pela qualidade do ensino, pelo comprometimento e apoio dados durante os quatro anos que passei no curso de design.

Por fim, agradeço a toda turma de Design (2013.1) e aos amigos que fiz ao longo desses anos de Graduação, sempre alegrando os meus dias, os quais tenho um grande carinho.

“Dizem que sou louco por pensar assim

Se eu sou muito louco por eu ser feliz

Mas louco é quem me diz

E não é feliz, não é feliz.

Se eles são bonitos, sou Alain Delon

Se eles são famosos, sou Napoleão

Mas louco é quem me diz

E não é feliz, não é feliz

Eu juro que é melhor

Não ser o normal

Se eu posso pensar que Deus sou eu

Se eles têm três carros, eu posso voar

Se eles rezam muito, eu já estou no céu

Mas louco é quem me diz

E não é feliz, não é feliz

Eu feliz…”

Artistas: Ney Matogrosso, Raphael Rabello

Álbum: Bugre,1986

RESUMO

Este estudo tem como objetivo compreender como o figurino participou da constru-

ção da imagem pública do artista Ney Matogrosso na década de 1970, por meio de

análises de fotografias. Desse modo, busca-se contribuir para uma visão do fazer

do design que se relacione com as diversas instituições que contribuem para a

construção social e cultural, sobretudo no campo da relação entre moda e música.

Este trabalho trata-se de uma pesquisa pura, pois a pretensão é apenas sobre os

aspectos teóricos que giram em torno do nosso objeto de estudo, será teórico-

reflexivo pois pretende-se analisar criticamente o figurino de Ney, com dados

coletados através de pesquisas bibliográficas, explicativa com descrição das

fotografias, o foco de interesse à pesquisa qualitativa, a atenção será mais sobre os

significados associados ao fenômeno observado do que à periodicidade do mesmo.

A partir das analises obtidas por meio das fotográficas de Ney, chega-se a uma

interpretação de que foram fortes os significados evocados por ele através do

comportamento e do seu figurino usado na década de 1970, em suas

apresentações. Com valores simbólicos que influenciaram muitos jovens e adultos.

Percebeu-se com as análises o quê Ney Matogrosso representou naquela época e

quais os significados encontrados, através de seu figurino e performances, no

contexto em que se insere. Contudo as análises feitas no presente trabalho não

podem ser apontadas profundamente como decisivas, mas podem colaborar para

futuras pesquisas tanto no curso de design, como em outros trabalhos acadêmicos.

.

Palavras chaves: Moda. Figurino. Comportamento.

ABSTRACT

This study aims to understand how the costumes participated in the construction of the

public image of the artist Ney Matogrosso in the 1970s, through analysis of

photographs. In this way, we seek to contribute to a vision of the design process that

relates to the various institutions that contribute to social and cultural construction,

especially in the field of the relationship between fashion and music. This work is a pure

research, because the pretension is only about the theoretical aspects that revolve

around our object of study, will be theoretical-reflective because it is intended to

critically analyze the costume of Ney, with data collected through research

Bibliographical, explanatory with descriptions of the photographs, the focus of interest to

the qualitative research, the attention will be more on the meanings associated to the

phenomenon observed than to the periodicity of the same. From the analyzes obtained

through the photographic ones of Ney, one arrives at an interpretation of which were

strong the meanings evoked by him through the behavior and his costumes used in the

decade of 1970, in his presentations. With symbolic values that have influenced many

young people and adults. Ney Matogrosso represented at that time and what the

meanings found, through his costumes and performances, in the context in which he is

inserted. However, the analyzes made in the present work can not be deeply pointed

out as decisive, but may contribute to future research both in the design course and in

other academic works.

Key words: Fashion. Costume. Behavior.

LISTA DE IMAGENS

Figura 1 – Encontro de Hippies.............................................................................. 22

Figura 2 – Cher e Sony, 1968....................................................................................24

Figura 3 – Estética Flower, usada inclusive por homens......................................25

Figura 4 – Capa do disco da Banda Secos & Molhados,1973...............................31

Figura 5 – Foto dos integrantes do grupo Secos & Molhados.............................33

Figura 6 – Foto de Ney Matogrosso da série Campos, 1974.................................37

Figura 7 – Foto Divulgação do Disco Bandido, 1976..............................................40

Figura 8 – Variação do Figurino usado na divulgação do LP bandido, 1976......44

Figura 9 – Foto do Encarte da Capa do disco Feitiço, 1978..................................47

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 11

1.1 PROBLEMAS DE PESQUISA E OBJETO DE ESTUDO 11

1.2 PROBLEMAS DE PESQUISA E OBJETO DE ESTUDO 12

1.3 JUSTIFICATIVAS 12

2. OBJETIVOS 13

2.1 OBJETIVOS GERAIS 13

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 13

3. METODOLOGIA 14

4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 17

4.1 O PAPEL DO FIGURINO NA CONSTRUÇÃO DO ARTISTA 19

4.2 A MODA DOS ANOS DE 1970 19

4.2.1 CONTRACULTURA E MODA 20

4.2.2 MODA E GÊNERO 23

5. BREVE HISTÓRIA DE NEY MATOGROSSO 27

5.1 O FIGURINO DE NEY MATOGROSSO 27

5.2 MÚSICA E DITADURA MILITAR 28

5.3 A CARREIRA DE NEY MATOGROSSO NA DÉCADA DE 1970 30

6. ANÁLISES DE IMAGENS 33

6.1 PRIMEIRA IMAGEM 33

6.2 SEGUNDA IMAGEM 37

6.3 TERCEIRA IMAGEM 40

6.4 QUARTA IMAGEM 44

6.5 QUINTA IMAGEM 47

7. RESULTADOS 50

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS 52

REFERÊNCIAS 53

11

1. INTRODUÇÃO

1.1 PROBLEMAS DE PESQUISA E OBJETO DE ESTUDO

Esta pesquisa se enquadra na grande área do design de moda, entretanto, mais

particularmente, se debruça sobre o figurino, o qual é definido com o conjunto total de

acessórios e roupas que são usados por personagens (COSTA, 2002).

O figurino aparece em várias instâncias, como novelas, cinema, teatro, entre

outras, com a função de construir a identidade do personagem que o veste. Vários

artistas são bastante reconhecidos e admirados pelo vestuário que portam durante

suas apresentações. Como é o caso do cantor Ney Matogrosso, o qual iniciou sua

carreira profissional em 1973, como vocalista do grupo Secos & Molhados, que era

formado por quatro integrantes: Ney Matogrosso, João Ricardo, Gerson Conrad e

Moracy do Val (empresário). Essa formação é a mesma que consta na capa do

primeiro disco do grupo, porém quem mais se destacou na banda foi Ney Matogrosso

que exerceu grande influência sobre os jovens e adultos da década de 1970 (VAZ,

1992). É referente a década de 1970 que será focada toda a pesquisa.

Matogrosso causou grandes delírios durante o auge de sua carreira por meio de

suas performances e de seus figurinos exóticos, os quais eram criados por ele mesmo

com os mais diversos tipos de materiais, como, por exemplo, penas de faisão, crina de

cavalo, ossos, cocos, chifres e outros, fazendo com que ele às vezes parecesse meio

homem, meio animal (VAZ, 1992).

Pelo figurino ter sido fator fundamental da mítica que gira em torno do artista, já

existe textos publicados acerca do assunto. Entretanto, é perceptível que tais

publicações se debruçam apenas sobre a materialidade da roupa e seu processo de

criação, por meio de uma abordagem descritiva. Diante disso, nota-se a necessidade

de explorar mais profundamente os significados evocados através desses figurinos,

identificando o modo como eles contribuem para a construção da identidade de Ney

Matogrosso enquanto artista e personagem.

Para isso, nesse estudo, analisaremos imagens do cantor Ney Matogrosso

fotografado durante a década de 1970. Essa época marca o pináculo de sua carreira

artística, que ocorreu simultaneamente aos anos da ditadura militar, o que tornava seu

comportamento e vestes ainda mais irreverentes e transgressivos, quebrando os tabus

da época onde havia muita proibição pelo rigor da censura (DIAS, 2004).

12

É imprescindível esse estudo sobre o figurino, uma vez que as roupas usadas por

Ney Matogrosso, além de maravilhosas, ganham vida, história, viram transgressões,

uma vez que vestido por tal figura contrastante, de sexualidade dúbia e selvagem, com

pelos masculinos e rebolados normativamente classificados como femininos, ganham

ares de desafio, de ruptura com os padrões impostos na época.

1.2 QUESTIONAMENTOS

a) Quais os valores simbólicos associados à identidade de Ney Matogrosso

enquanto artista/personagem?

b) Quais os significados evocados pelos figurinos usados por Ney Matogrosso que

colaboram na construção de sua identidade enquanto artista/personagem?

c) Como as performances artísticas de Ney Matogrosso poderiam contribuir para a

criação, reprodução e disseminação de papéis e modelos sociais a serem

adotados pelo público através do consumo de vestuário no período em questão?

1.3 JUSTIFICATIVA

A importância desse estudo está em contribuir para a história do vestuário,

observando a forma como a moda se relaciona com os diversos artistas e personagens

do universo pop, os quais são de fundamental importância para a disseminação de

padrões estéticos a serem adotados pela sociedade. Desse modo, buscamos contribuir

para uma visão do fazer do design que se relacione com as diversas instituições que

contribuem para a construção da cultura, visto que ao projetar um produto, muito além

dos aspectos práticos e estéticos, o designer cria símbolos a serem consumidos pelos

usuários.

13

2. OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Compreender como o figurino participou da construção da imagem pública do

artista Ney Matogrosso.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

a) Caracterizar a imagem pública de Ney Matogrosso através do seu figurino.

b) Interpretar os significados expressos através dos figurinos usados por Ney

Matogrosso, e entender como esses significados se conectam com sua

identidade enquanto artista/personagem.

c) Assimilar a relação entre a imagem pública de Ney Matogrosso, seus figurinos e

as mudanças sociais e culturais ocorridas na década de 1970.

14

3. METODOLOGIA

No campo de atuação esta é uma pesquisa pura, pois a pretensão aqui é

concentrar-se apenas sobre os aspectos teóricos que giram em torno do nosso objeto

de estudo, procurando trazer uma resposta para compreender o figurino de Ney

Matogrosso nos anos da ditadura militar (CIRIBELLI, 2003).

Na ordem dos resultados, esse trabalho será teórico-reflexivo, pois pretendemos

analisar criticamente o figurino de Ney Matogrosso e apresentar os resultados por meio

da avaliação discursiva (MORAES, 2008).

Com relação à origem dos dados, os mesmos serão coletados através de

pesquisas bibliográficas. De acordo com os objetivos, a pesquisa será explicativa, pois,

depois faremos a descrição das fotografias, quando passaremos a evidenciar os

significados que são evocados através dos diversos elementos que constroem as

imagens. Em relação à natureza dos dados, é uma pesquisa objetiva, porque o próprio

pesquisador é quem produz informações e dados a serem analisados. Isso se dará no

momento da descrição das fotografias (MACHADO, MAIA, LABEGALINE, 2007).

Visamos como foco de interesse à pesquisa qualitativa, pois nossa atenção será

mais sobre os significados associados ao fenômeno observado do que à periodicidade

do mesmo.

A abrangência dos resultados será através de uma amostragem de fotografias de

Ney Matogrosso enquanto artista/personagem, todas localizadas no período da década

de 1970. A abordagem utilizada será dedutiva, pois partiremos de teorias gerais que

nortearão nossa pesquisa acerca do nosso objeto de estudo.

O procedimento empregado será o método histórico que abordará alguns temas

recorrentes nos anos 1970, como a ditadura militar, a androginia, os movimentos de

contracultura. Dessa forma os resultados obtidos servirão para futuros estudos

acadêmicos na área de história e design de moda e outros.

A pesquisa será sistemática feita de forma organizada, as ferramentas serão

teóricas através de pesquisas analíticas. O campo de atuação a área acadêmica, para

buscar o conhecimento cientifico teórico (MARCONI, LAKATOS, 2010).

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Por meio de pesquisas em livros, artigos, revista, jornais, que são fontes

secundárias de pesquisa, realizará um levantamento de dados bibliográficos para

coletar informações preliminares sobre o figurino do artista Ney Matogrosso. Haverá

uma pesquisa documental, porque serão utilizadas fontes primárias para coleta de

dados que serão compilados. Isso se dará através das análises das imagens

fotográficas.

A análise documental constitui uma técnica importante na pesquisa qualitativa,

seja complementando informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando

aspectos novos de um tema ou problema (LUDKE, ANDRÉ, 1986).

Na análise de conteúdo será feita a observação estruturada, para organizar e

distribuir de forma mais concreta os argumentos de forma objetiva para concentrar a

pesquisa no campo de interesse (MARCONI, LAKATOS, 2010).

Os recursos que serão empregados para melhor evidenciar a pesquisa serão os

materiais, os contextuais e os conceituais (LUDKE, ANDRÉ, 1986).

Os materiais serão: papel, lápis, computador instrumentos que permitirão à

elaboração de informações convenientes para a realização dos trabalhos.

Contextuais por meio de livros, revista, jornais, fotografias, filmes, pesquisas em

site acadêmicos da internet, para compilar e organizar as informações pertinentes a

pesquisa obtida através desses instrumentos.

Para análise semiótica iremos utilizar procedimentos que estabelece cinco etapas

a serem consideradas nesse processo de análise: (1) escolher o material para análise;

(2) descrever os elementos que constituem com o objeto de estudo; (3) inferir

conotação a partir dos elementos descritos, levando em consideração o contexto social

e histórico da obra; (4) finalizar a análise de acordo com os objetivos do trabalho; (5)

criar uma forma de apresentação dos resultados, como por meio de um quadro, tabela

ou texto (PENN, 2011, p.340-341).

Para guiar nosso olhar aos diversos elementos que compõem as fotografias a

serem observadas, serão usados critérios de análise para imagens paradas (PENN,

2011).

Faremos isso ao examinarmos e interpretarmos o figurino de acordo com a

forma, cor, material, composição da roupa, gestual do personagem que o veste e a

composição do plano. A composição do plano diz respeito a elementos como o

posicionamento da câmera, o enquadramento, o cenário, a iluminação, os efeitos etc.

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Nossa amostra é não probabilística e intencional, uma vez que selecionamos as

imagens fotográficas que achamos mais relevantes para o nosso trabalho,

considerando que durante a década de 1970, existem muito mais fotografias que as

expostas na pesquisa elaborada.

17

4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

4.1 O PAPEL DO FIGURINO NA CONSTRUÇÃO DO ARTISTA

Talvez uma das expressões culturais mais remotas que remetem ao figurino

tenham sido as máscaras usadas durante rituais e cerimônias mágico-religiosas dos

povos primitivos. Algumas comunidades africanas, por exemplo, acreditavam que ao

usarem determinadas máscaras, os espíritos seriam invocados e incorporados na

pessoa que portasse o objeto sobre o rosto. Embora de maneira bem mais cética, o

figurino ainda perpetua resquícios dessa crença, uma vez que ao entrar em sintonia

com o corpo de quem o veste, dota o sujeito de uma sobre sua personalidade. Ao usar

o figurino, o indivíduo já não é mais o indivíduo, mas outro ser de origem e destino

distintos (GOMBRICH, 2012; ROJEK, 2008; COSTA, 2002).

O figurino, também conhecido como traje de cena, pode ser entendido como

todos os acessórios e roupas usados nas artes cênicas sejam no teatro, no cinema, em

performances musicais, balés, enfim em qualquer formato.

Antigamente, o figurino era mais usado para sugerir conotações mais óbvias

como:

Localização geográfica, por exemplo: um ator usando roupas de esquimó

indicava que estava no Polo Norte. O clima ou a época do ano: uma atriz

trajando casaco de pele mostra o inverno, assim como uma atriz trajando um

maiô pode retratar um clima mais quente, ou o verão. A idade do personagem!

Um ator usando roupinha de marinheiro pode estar representando uma criança

de seis anos da década de 1930. O sexo do portador: trajes masculinos ou

femininos. O traje profissional de determinadas categoriais é revelador quanto

à sua ocupação: roupa de garçom de maître, por exemplo. A posição social de

uma personagem pode ser expressa através da riqueza de seus trajes. A hora

do dia e a ocasião sendo retratada no espetáculo podem ser indicadas no traje,

como um vestido soirée usado para um casamento (à noite) (VIANA,

PEREIRA, pag.06,2015).

Atualmente, por outro lado, os figurinistas durante seus processos criativos já

são bem mais ousados e se preocupam em transmitir muito mais que informações

demográficas através dos trajes. Há uma preocupação maior em comunicar, por meio

do vestuário, as emoções, sentimentos e personalidade do personagem que o porta.

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Inclusive, alguns estudiosos da área defendem a maior propagação de figurinos que

extrapolem o caráter realista, de modo a apostarem em proposições estéticas mais

ousadas e que caracterizem o personagem de forma mais poética e experimental

(COSTA, 2002; MOURA, 2010).

Seja de forma mais ou então menos realista, a função principal do figurino é

colaborar com a construção da identidade do sujeito que o veste, ao evocar

significados que ajudam o público a entender quem o personagem é, qual sua função

na história, em quais estereótipos eles se inserem e que clichês retomam (COSTA,

2002).

Não se pode chamar de figurino o simples ato de vestir-se. Figurino vai mais

além, é uma roupa específica direcionada para comunicar algo, é cheio de significados,

a pessoa que usa o figurino sempre o faz com a intenção de passar uma mensagem

através dele.

Por meio do figurino é possível reconhecer à época, a personalidade, a posição

social a qual pertence uma pessoa ou um grupo. O figurino também pode causar

efeitos de provocar, persuadir. Ele contém informações que podem identificar o caráter

de um personagem, e é muito forte na construção do espetáculo, seja no teatro,

televisão ou em qualquer outra instância (LEITE, GUERRA, 2002; STEFFEN, 2005).

O figurino transforma a pessoa comum em um personagem, faz o sujeito sair do

mundo real e entrar na vida de outra pessoa. O figurino é importante na construção da

persona do artista.

“É através do figurino que o artista vai conseguir passar para a plateia quem

ele é, pois sem o figurino, ou seja, com a roupa descaracterizada, ele é o

artista ‘fulano de tal”. Ele só se transforma no personagem, e consegue passar

isso como uma verdade para o público quando está vestido como tal (VIVANE,

2009).

Com o advento da fotografia, o figurino se tornou uma das peças essenciais para

a modulação da aparência dos artistas que cada vez mais tinham suas imagens

veiculadas nos meios de comunicação impressos. A importância do vestuário só fez

aumentar com o surgimento do cinema e, posteriormente, da televisão (ROJEK, 2008).

19

O artista depende da fachada que é criada em torno de si. Essa fachada que o

separa do sujeito real e o caracteriza enquanto personagem é chamada pelos teóricos

de persona ou rosto público.

A persona, ou rosto público, é gerido por profissionais que criam a aparência e

administram as aparições das celebridades, e através da assimilação e

modificação dessa imagem pelas diversas mídias e pelo público. Tais

representações, mitificadas em astros pop, participam dos processos de

identificação e projeção com a audiência, servindo, assim, como modelos de

ser e estar na sociedade, os quais auxiliarão no modo como os grupos sociais

compreendem a si mesmos e aos outros (BEZERRA, BATISTA, 2016, p. 4).

Almeida (1999) afirma que no momento em que o artista age na imagem

capturada de si, ele dá um exemplo de como se deve agir no mundo real. Suas práticas

se tornam, então, referência de comportamento a serem negados ou aceitos pelo

público. Desse modo, o figurino passa a fazer parte da performance do artista,

adquirindo ele mesmo uma performance, uma identidade. Ou seja, o traje de cena e o

artista se influenciam mutuamente através de transferências simbólicas. O Figurino

recebe significado de quem o porta, e doa significados à ele. O vestuário, então, torna-

se uma extensão do corpo, torna-se ele um só com o indivíduo, daí sua grande

relevância para a imagem pública dos artistas.

4.2 A MODA DOS ANOS 1970

Os anos de 1970 iniciou-se com referencias da moda hippie que ainda veio do

final dos anos de 1960. Os jovens usavam calças boca-de-sino, geralmente

estampadas, cabelos longos ou "black-power", batas indianas etc., no entanto a moda

nesse período era muito diversificada, apareceram vários estilos contanto demostrasse

jovialidade, conforto e praticidade. Em meio essas variações de estilos surgiu o New

Romantic. Foi uma tendência de um novo romantismo que ressaltava as estampas

florais, as rendas e acessórios que remetiam ao romantismo. Incompatível com esse

novo romantismo apresentados nas roupas, as mulheres queriam ao mesmo tempo ser

independentes, passaram a usar roupas mais masculinizadas. Porém, a peça do

vestuário que se destacou, foi a calça jeans que variava desde bocas-de-sino no início

da década, passando por cortes mais tradicionais.

20

O estilo unissex deu à moda masculina uma tendência maior às roupas menos

formais, as roupas mais justas apareceram no início da década.

Em 1970, surgiu uma moda jovem associada aos grupos musicais, quando surgiu

o movimento glam, também chamados glitter. Influenciado pelo visual de líderes dos

grupos musicais. Os jovens aderiram ao visual de muito brilho e excentricidade

exagerada, um exemplo foi a bota de cano alto e muito saltos plataformas virou moda

nessa época.

A moda dos anos 1970 era muito diversificada, com variações de estilos: de saias

longas a curtas; os cabelos dos penteados aos despenteados; os jeans com variações

de forma que trazia jovialidade, isso fez do jeans a roupa mais usada.

A moda foi composta de uma grande democratização, e no final dessa época

surgi uma proposta que cria uma nova diferenciação social através das roupas. Foi o

conceito de "grife", que em francês significa "garra", enfim, que quer dizer: “roupa de

marca”. Foi quando começou a aparecer às primeiras marcas famosas no Brasil.

4.2.1 CONTRACULTURA E MODA

A moda pode ser entendida como um conjunto de mudanças que conduzem, de

maneira generalizada, o complexo de práticas sociais expressas de maneira material e

imaterial (LIPOVETSKY, 2009; MIRANDA, 2008).·.

A moda é passageira e serve como mecanismo que direciona as escolhas e as

preferências das pessoas, indicando-lhes aquilo que devem consumir, utilizar, usar e

fazer, não de forma manipuladora, mas sempre baseada nos desejos dos indivíduos

que se deixam seduzir pelos atrativos da moda. Embora surja em diferentes instâncias,

o vestuário é considerado o suporte ideal da moda. É nas roupas e nos acessórios

onde a moda se manifesta de maneira mais explícita, sugerindo, de forma perceptível,

as diversas alterações que ocorrem na sociedade ao longo do tempo (BARNARD,

2003; LIPOVETSKY, 2009).

Por muito tempo, a moda estava reservada apenas a um público de mulheres de

classe alta. Os homens e as pessoas pertencentes a baixos estratos sociais não

achavam espaço na moda, sendo assim excluídas desse fenômeno.

A partir dos anos 1960, porém, cada vez mais os estilistas passaram a buscar

inspiração no vestuário de rua para compor suas coleções. Houve, nessa época, um

rompimento com a moda elitista, e as empresas de vestuário começaram a dialogar

21

com vários outros públicos, focando, principalmente, pessoas de um perfil jovial. A

moda deixou, assim, de ser o privilégio de uma elite social, e todas as classes foram

seduzidas pela embriaguez da mudança e das paixonites. Tanto a infraestrutura como

a superestrutura foram submetidas, ainda que em graus diferentes, ao reino da moda.

Os anos 1960 e 1970 marcam o início da era da moda consumada, a extensão de seu

processo a instâncias cada vez mais vastas da vida coletiva. A partir da década de

1960, os designers e a indústria do vestuário perderam um pouco o poder de ditar as

normas para a moda. O vestuário com valor de moda não nascia mais apenas das

mãos dos famosos costureiros parisienses, nascia nas ruas, entre os jovens, que nesse

tempo se faziam ouvir e exigiam seus direitos (LIPOVETSKY, 2009).

Nessa época, a indústria da moda experimentou uma expansão extraordinária,

assentando as bases do sistema prêt-à-porter nos moldes que ainda vigoram até hoje.

Nomes, como Yves Saint Laurent, Pierre Cardin e Mary Quant ascendiam no cenário

internacional (BAUDOT, 1999).

Segundo Cidreira (2008), a promoção de um estilo pessoal de se vestir, que

valorizasse o prazer pessoal a despeito dos padrões tradicionais foi a grande marca

dos anos 1960 e 1970 na moda. Esta foi impulsionada pela contracultura e atinge

outros consumidores, adquire uma nova dimensão inserida na cultura de massa,

ganhando visibilidade enquanto manifestação artística e cultural.

Um dos principais deflagradores de moda foram os hippies, os quais formavam

um movimento de contracultura que influenciou bastante o cantor Ney Matogrosso nos

anos de 1970. O artista acompanhava o que acontecia no mundo, e percebia que as

ideologias do movimento não eram simples modismo, mas representavam mesmo uma

possível história de forte transformação, que era baseada numa filosofia que valorizava

a vida, a liberdade e a comunhão entre as pessoas.

“Hippie ou guerrilheiro. Nos anos de 1960, essas foram as duas únicas armas vislumbradas por Ney para contestar o golpe de 1964. A política nunca havia feito sua cabeça. ‘Desde o início, eu me senti inteiramente atraído pelo o movimento hippie’” (VAZ, 1992, p. 69-71).

Os hippies nos anos de 1970 viviam em comunidades e em contato com a

natureza, pregavam a paz e o amor. Os integrantes desse grupo se vestiam com

roupas de estampas psicodélicas, naturalmente rasgadas, além de diversos outros

elementos de estilo incomuns, como as calças boca-de-sino, camisas tingidas, roupas

inspiradas nas estampas indianas, túnicas, sandálias, cabelos compridos e flores para

22

ornamentar os cabelos em ambos os sexos. Tal estilo contrastava exageradamente

com a elegância e formalidade da moda que predominava no momento (figura 1).

Figura 1. Encontro de hippies.

Fonte: Baudot, 1999, p. 225.

O governo tentou impedir a liberação dos costumes através da censura e da

repressão. Nos anos de 1970 o movimento hippie foi absorvido pela mídia e passou a

ser "mais uma tendência", nas batinhas indianas, tecidos florais e bijuterias artesanais.

Os hippies pretendiam ser uma contracultura, mas acabaram produzindo um conceito

de moda que beneficiou o crescimento da indústria do consumo (BAUDOT, 1999).

Em meio aos escombros da pós-modernidade que floresce nos anos 1960 e

1970, da complexidade das relações sociais, políticas e culturais, a moda se afirma

como a busca da individualidade, reagindo contra uma sociedade homogeneizada. A

liberdade almejada pelos hippies no Brasil se tornou real, se fez matéria, através,

também, de suas roupas (BAUDOT, 1999).

23

4.2.2 MODA E GENERO

Para um melhor entendimento acerca de identidade de gênero e identidade

sexual, é fundamental entendermos inicialmente o que se pensa sobre identidade.

Desta forma, quando nos referimos à identidade pretendemos ressaltar aspectos

individuais que caracteriza o individuo, inteiramente relacionada a forma como o ser

humano se percebe, tanto individual quanto socialmente, podendo esta ser modificada

ao longo da vida de acordo com as transformações pessoais do ser humano (MATOS,

2010).

Conforme as relações sociais e culturais que são determinadas para as crianças

desde o seu nascimento, elas vão identificando-se em determinado gênero, onde a

família, a escola, a igreja e as demais instituições sociais vão influenciar nesse

processo de construção de uma identidade de gênero.

A diferença biológica será o ponto de partida para a construção social do que é

ser homem e mulher. O sexo é atribuído ao fator biológico, enquanto gênero é uma

construção histórico-social. A noção que se tem acerca de gênero aponta para a

dimensão das relações sociais do masculino e do feminino (BRAGA, 2007).

Nunes e Silva (2000) entendem a identidade de gênero como um conjunto de

significações causais que explicam o que é ser homem e o que é ser mulher, sendo

que as primeiras identidades de gênero são observadas em narrações míticas,

cosmológicas e cosmogônicas no que diz respeito a origem de homens e mulheres,

narrativas estas permeadas por determinismos de poder e simbologias de

diferenciação entre ambos os sexos.

Embora o ser-humano nasça dotado de um sexo, ser macho ou fêmea não

define de forma alguma o modo como o sujeito deve se comportar em sociedade. O

gênero é justamente isso, as representações culturais do feminino e do masculino. É

sendo ensinados a agir e agindo de certa forma que as posicionalidades de gênero são

criadas, reproduzidas e disseminadas; como também podem ser questionadas e

subvertidas (BRAGA, 2007).

A década de 1970 vivenciou um período de quebra dos modelos tradicionais de

gênero e sexualidade, graças, em grande parte, aos esforços das militantes do

movimento feministas que lutavam pela igualdade de gênero, exigindo o direito sobre o

próprio corpo e sobre a sexualidade, assim como o maior engajamento no mercado de

trabalho e no ensino superior (BAUDOT, 1999).

24

Isso vai se refletir na moda, com mulheres usando calças, como uma forma de

expressar certo empoderamento; e saias curtas, que mostravam mais o corpo e

estavam relacionadas com a maior liberdade sexual que as mulheres vinham

ganhando. Um exemplo disso pode ser percebido nos trajes usados pela cantora ícone

dos anos 1970, Cher. Em suas apresentações, ela aparecia com roupas muito

semelhantes ao de seu companheiro, Sonny (FIGURA 2).

Figura 2. Cher e Sonny, 1968.

Fonte: Fischer, 2016

Os homens não ficavam fora disso. Com a moda cada vez mais explorando o

mercado masculino, para eles houve criações mais coloridas e que tomavam

inspiração no vestuário feminino, como por meio de peças compostas por tecidos leves

e estampas florais.

A moda desse tempo é um dos principais meios de contestação dos rígidos

padrões de comportamento impostos pela elite tradicional que homogeneizava os

cidadãos sob determinados valores como classe, etnia, gênero e local de nascimento,

não dando espaço para as escolhas indenitárias escolhidas de forma livre e individual

(BAUDOT, 1999; POLLINI, 2007), (FIGURA 3).

25

Figura 3. Estética flower power, usada inclusive por homens.

Fonte: Baudot, 1999, p. 235.

Nesse contexto, Ney, considerado andrógino com suas apresentações e

performances que levava o púbico ao delírio, visualmente era uma combinação de

homem e mulher. A dubiedade de seu personagem era uma das marcas registradas do

artista, que queria justamente criar essa reação em seu público, fazendo uso desse

comportamento ambíguo para se lançar no meio musical e confrontar a repressão e a

censura (VAZ, 1992).

Em entrevista a revista Veja, Ney fala sobre a forma que as pessoas o veem no

palco: “De mil maneiras, homem, mulher, marciano, bicho, pomba-gira, louco, divino,

tudo. Eu quero que cada um continue vendo em mim o que bem entender. Quero ser

tudo o que as pessoas desejam que eu seja” (VEJA, 1974 pag,78).

26

Ney Matogrosso, visto como um símbolo sexual por alguns, com corpo esguio,

pelos masculinos no peito e maquiagens pesadas, chamava a atenção de ambos os

sexos pelo seu jeito sensual de aparentar e se apresentar.

Ney mexia com componentes mais profundos que o estritamente politico (que é episódico e depende da conjuntura), já que o problema, ou a solução, do masculino e do feminino vive dentro da espécie humana desde sua origem. É um dado de natureza permanente e que afeta todas as pessoas. Ele mexia exatamente com essa parte, o que se revelou muito interessante e muito útil para a época (VAZ, 1992, p. 209).

Assim, meio homem, meio mulher, Matogrosso ajudava a quebrar estereótipos

de gênero e sexualidade ajustando-se ao período de contracultura que marca os anos

1970.

27

5. BREVE HISTÓRIA DE NEY MATOGROSSO

5.1 O FIGURINO DE NEY MATOGROSSO

Vários artistas são bastante reconhecidos e admirados pelo vestuário que portam

durante suas apresentações artísticas, como é o caso do cantor Ney Matogrosso, o

qual iniciou sua carreira profissional em 1973, como vocalista da banda Secos &

Molhados. A postura de Ney Matogrosso no palco era exageradamente transgressora

para a época isso contribuiu muito para seu destaque no grupo.

O figurino de Ney chamava mais a atenção das pessoas do que as músicas que

ele cantava. É claro que a voz sempre foi muito marcante, mas todos os ornamentos

que usava para compor seu figurino se destacavam. Numa época em que a censura

controlava o teor das manifestações artísticas, ele era muito ousado e tinha muita

personalidade para resistir às críticas.

Houve um tempo em que a curiosidade do público sobre as novidades que Ney

Matogrosso poderia deflagrar recaía menos sobre a sua música do que sobre os

penachos e balangandãs que inventaria para cobrir o corpo (OKKY, 1983).

Ney era dono de uma criatividade inesgotável, ele mesmo fazia alguns dos

objetos com os quais se apresentava. Artefatos singulares. Com todo esse talento, ele

mesmo confeccionava, no inicio de sua carreira, algumas peças para o seu figurino

(DIAS, 2010; VAZ, 1992).

Matogrosso causou grandes delírios durante o auge de sua carreira, por meio,

também, de seus trajes exóticos que usava durante as gravações das apresentações, e

os quais eram criados por ele mesmo com os mais diversos tipos de materiais, como,

por exemplo, penas de faisão, crina de cavalo, ossos de tartarugas, chifres de

carneiros, entre outros, fazendo com que ele às vezes parecesse meio homem meio

animal (VAZ, 1992).

Nas sessões que se seguem, apresentaremos de forma mais profunda o contexto

sócio histórico dos anos 1970, época que marca o pináculo da carreira do artista em

questão, e que ocorreu simultaneamente aos anos da ditadura militar, o que tornava

seu comportamento e vestes ainda mais irreverentes e transgressivos, quebrando os

tabus na década de 1970 onde os “excessos” eram proibidos pelo rigor da censura.

É de grande relevância esse estudo sobre o figurino, uma vez que as roupas

usadas por Ney Matogrosso, apesar de maravilhosas, são meras peças de roupa, mas

28

que ganham vida, história, vira transgressão, uma vez que vestido por tal figura de

sexualidade dúbia e selvagem, com pelos masculinos e rebolados normativamente

classificados como femininos, ganham ares de desafio, de ruptura com os padrões

impostos e aceitos pela sociedade.

5.2 MÚSICA E DITADURA MILITAR

Apesar dos sistemas de gravação terem surgido desde a década de 1930, os

anos 1970 viram uma expansão muito grande da indústria fonográfica brasileira. Por

seu poder de disseminação massiva, a música popular, no Brasil, era uma das maiores

manifestações culturais, e um dos principais meios de unificação social, auxiliando,

assim, na construção da identidade do país. Foi diante de esse poder cada vez maior

da música, que o regime militar percebeu a necessidade de dar atenção ao que era

produzido e veiculado pela indústria musical no Brasil.

No meio artístico, a ditadura militar dos anos de 1970 foi muito opressiva. A

censura bloqueava todo o tipo de música que manifestasse qualquer insatisfação pelo

governo da época.

A partir de 1965, uma nova legislação censória foi sendo construída pelo regime

militar, aproveitando muitas leis já existentes e criando novos mecanismos que melhor

atendessem às suas necessidades coercitivas e controladoras. A ação censória,

institucionalizada em códigos e leis, foi orientada no sentido de preservar a moral

vigente e o poder constituído (CAROCHA, 2006, p. 195).

Houve uma grande concentração de músicas censuradas no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980. Em 1973 foram censuradas 159 letras musicais; em 1976, 198 e, em sua fase final, já nos anos 1980, houve um registro de 458 músicas censuradas. Nos anos 1980 foram promovidos alguns seminários para atualizar o pessoal que trabalhava com a censura de diversões públicas. Além disso, foram propostas novas diretrizes e projetos de reformulação da legislação. Estes fatores nos indicam que mesmo em um período considerado de abertura política a censura funcionou a pleno vapor (CAROCHA, 2006, p. 210-211).

Os anos de 1970 foram anos de opressão. Com o golpe de 1964, o Brasil

passou a viver o regime de ditadura militar, onde muita coisa era proibida, não havia

liberdade de expressão e a censura era extrema, tudo isso acabou servindo para

fortalecer os jovens e, principalmente o meio artístico, quando apareceram os

movimentos de contracultura (CAROCHA, 2006).

29

O termo “contracultura” apareceu nos meios de comunicação norte-americano

para definir os movimentos alternativos de caráter diversificado, místico-político, que

tinham por objetivo rebelar-se contra os valores instituídos pela sociedade norte-

americana, engendrando uma cultura marginal que se pautou pela transcendência do

mundo capitalista e tecnocrático. Entretanto, vale ressaltar que o movimento de

contracultura não se restringe apenas aos EUA, sendo também manifestado no Brasil

(BARROS, 2007).

Segundo Maffesoli (1996), a contracultura foi um marco de um processo

nascente batizado posteriormente de pós-modernidade, caracterizado, sobretudo, pelo

neotribálismo, modo de agregação social cujo vínculo se estabelece a partir do ponto

de vista afetivo.

A música, não somente através dos discos, mas também por meio da televisão,

que deixava de ser um item de elite e se disseminava até as camadas sociais mais

baixas do país, foi utilizada para a propagação de valores de contracultura. Vários

cantores nacionais agenciavam em suas canções temas e letras que iam de encontro

com o padrão de comportamento que era defendido pelo governo. A música popular

brasileira foi uma das armas de combate contra a opressão causada pela ditadura

(CAROCHA, 2006).

30

5.3 A CARREIRA MUSICAL DE NEY MATOGROSSO NA DECADA DE 1970

O grupo, Secos & Molhados sobe no palco da casa badalação e Tédio, no teatro

Ruth Escobar em dezembro de 1972.

Foi um choque. A primeira aparição do grupo reuniu a estranha mistura de dois guerrilheiros e um ser completamente enlouquecido, pintado de dourado, com calça de odalisca, enormes bigodões e grinalda na cabeça. A voz de soprano, o corpo ondulante e sensual parecia liberar emoções do inconsciente. É homem ou mulher? Ele provocou sobressaltos na libido de todos, e a androginia de cada um saia do armário. Ney era uma bomba erótica. Foi assim que Ney de Souza Pereira, um hippie, que vivia entre Rio e São Paulo, fazendo artesanato em couro que vendia na Praça da República em Ipanema, criou sua persona artística, Ney, o andrógino que escandalizou o país no começo da década (DIAS, 2004, p. 145).

O próprio Ney afirmava que utilizava seu trabalho artístico para desafiar a plateia

e incentivá-la à transgressão, à abertura dos horizontes da alma e do pensamento. Sua

música era uma forma de questionar a sociedade e expor novos pontos de vista que

valorizassem a diversidade. “Durante muito tempo, utilizei meu trabalho para

transformar as pessoas. Cutucava a plateia com o intuito de abrir cabeças, mostrar a

bobeira dos preconceitos e a necessidade de uma mudança de comportamento”.

O cantor tinha um estilo muito original, ora parecia homem, ora animal, tanto

através do figurino quanto do comportamento em cena. Ele fazia uso de vários

materiais para compor seu traje de cena, como penas, crina de cavalo, chifres, entre

outros. Como ele mesmo criava seus figurinos, aproveitava alguns objetos que seriam

descartados e os transformava em roupas que a serem usadas por ele no palco. Assim

ele mesmo era o designer de suas próprias peças, a qual criava de maneira muito

criativa (VAZ, 1992).

Durante os tempos difíceis da ditadura, o sentido de liberdade era expresso

com grande veemência pela arte, porque ela se fundamenta e nasce num clima em que

a opressão não tem lugar. Pode-se proibir o homem de falar, mas nunca de existir

(BASTTISTONI, 1937).

Nesse período as músicas de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e dos

extravagantes integrantes do grupo Secos & Molhados, do qual Ney foi um integrante,

foram as mais tocadas no rádio e na televisão, no inicio dos anos 1970, afrontando o

governo com suas letras repletas de mensagens ocultas que se direcionavam contra o

governo ilegítimo (CAROCHA, 2006).

31

Na banda denominada Secos & Molhados, o cantor Ney Matogrosso se

destacava por suas roupas extremamente extravagantes e afeminadas, que

contrastavam com a barba e maquiagem, deixando uma interrogação na imaginação

do público: é um homem ou uma mulher? O certo é que o figurino era muito ousado

para aquela época de repressão. Homem com corpo de macho e ao mesmo tempo

com jeito de mulher, não era de forma alguma o padrão de masculinidade da época.

Talvez tenha sido essa a arma de guerra usada por ele para enfrentar as proibições e

opressões naquele momento de tormenta no país.

A banda em questão era formada por quatro integrantes: Ney Matogrosso, João

Ricardo, Gerson Conrad e Moracy do Val (que também era o empresário). Essa

formação é a mesma que consta na capa do primeiro LP do grupo. Entretanto, quem

mais se destacou na banda foi Ney Matogrosso, que exerceu grande influência sobre

os jovens e adultos da década de 1970 (FIGURA 4).

Figura 4. Capa do primeiro disco da banda Secos & Molhados, 1973.

Fonte: Polysom, 2016.

Dono de uma voz que se diferenciava dos cantores da época, voz fina e

considerada “afeminada”, e com um rebolado que não era comum, quebrava os

padrões de masculinidade daquela sociedade tradicional.

32

Ney rompia com a ideia de que “homem tem que ser viril”. Impressionante como

tudo em Ney chamava a atenção do público: a agressividade na maquiagem, a voz e a

dança, além do figurino muito extravagante para um homem usar em plena era de

ditadura militar.

A existência da banda Secos & Molhados foi muito rápida no cenário musical

brasileiro, iniciando em 1972 e se dissolvendo em 1974. Com o fim dos Secos &

Molhados.

Ney Matogrosso que diferente dos outros tinha um rebolado sensual, e voz

afeminada que chamava atenção de todas as mulheres ficavam apaixonadas e os

homens achavam um escândalo, mas foi assim que Ney conquistou todos os públicos.

Em seguida Ney continuou se apresentando sozinho e fez uma carreira espetacular

que até hoje é sucesso, ícone da música brasileira.

Em 1975, gravou seu primeiro LP como artista solista, "Ney Matogrosso", com

destaque para a canção "América do Sul". Em seguida, apresentou-se no Rio e em

São Paulo, singularizando-se no cenário artístico por sua voz aguda e por sua

performance em palco, apresentando-se maquiado e fantasiado.

Lançou, em 1976, o LP "Bandido", obtendo sucesso com a faixa "Bandido

corazón”. No ano seguinte, foi o LP "Pecado" que ganhou as massas, contendo

canções como "Da cor do pecado", "Tigresa", "San Vicente" e "Sangue latino”. Em

1978, gravou o LP "Feitiço", com destaque para as canções "Bandoleiro" e "Não existe

pecado ao sul do Equador”. No ano seguinte, apresentou o show "Seu tipo", lançando

um LP homônimo, no qual interpretou "Dor medonha" e "Rosa de Hiroshima", entre

outras belas canções (VAZ, 1992).

Como não é relevante para a pesquisa o lado musical de Ney, não se fez

necessário levantar a discografia do cantor dos anos que sucederam, mas sim o

figurino e como este influenciou no comportamento dos jovens daquela época.

33

6 ANÁLISES DAS IMAGENS

Como explicitado anteriormente, nosso objeto principal é compreender como o

figurino participou da construção da imagem pública do artista Ney Matogrosso. Para

isso, realizaremos, nas próximas sessões, as análises de cinco fotografias do artista,

todas localizadas no período dos anos 1970. Para isso será feito pelo o processo de

analise Denotativo, que consiste em usar o sentido literal, real do objeto observado e

Conotativo que aborda o sentido figurativo do objeto observado ganhado um novo

significado. Segundo (PENN, 2004), não precisa referenciar cientificamente as

analises, pois é baseada no repertório cultural do pesquisador.

É por meio dessas análises que pretendemos observar como o figurino evoca

significados importantes para a persona do cantor em questão.

6.1 PRIMEIRA IMAGEM

A primeira imagem a ser analisada é uma obra feita pelo famoso fotógrafo

brasileiro Antônio Guerreiro, o qual capturou a imagem dos integrantes do grupo Secos

& Molhados em 1974, ano em que esse grupo musical se desintegrou (FIGURA 5).

Figura 5. Fotografia dos integrantes do grupo Secos & Molhados, 1974.

Fonte: Antonio Guerrreiro, 2016

34

Denotação:

a) Forma: Colar com série de pequenos cocos; além disso, na extremidade, há

pingentes com formato de dente canino de animal. Bracelete cilíndrico. Bracelete com

bastante crina de cavalo muito longa que pende sobre o braço. Tapa-sex com bastante

crina de cavalo muito longa que fica pendente.

b) Cor: Tons médios, claros e escuros.

c) Material: Crina de cavalo. Cocos. Osso. Pena.

d) Composição: Colar feito de pequenos cocos escuros e com pingentes de ossos

em tonalidade clara. O colar faz várias voltas no pescoço e o pingente fica para frente.

O tapa-sex é feito de crina de cavalo em tonalidade média. O bracelete do braço direito

é feito de pequenas penas em tonalidade clara.

e) Gestual: Agachado, ele mantém as pernas muito abertas. Tronco inclinado para

frente, rosto muito elevado e olhar de cima para baixo em direção à câmera. Um dos

braços segura um objeto na boca, que está semiaberta. O braço esquerdo inclina-se

para trás, com o cotovelo por debaixo do cotovelo do outro rapaz. A mão esquerda

localiza-se na cintura. Ele está encostado em outro homem, que se mantém por detrás

dele, inclusive a cabeça de Ney repousa sobre o pescoço dele.

f) Resumo do figurino dos demais personagens: O rapaz que está encostado em

Ney possui uma roupa de algodão em tonalidade clara. Vê-se muito pouco da roupa,

mas a manga da camisa é justa e ¾. O seu rosto está pintado com tinta clara, a qual

cobre apenas o lado direito da face. O segundo rapaz que está mais ao fundo possui

um turbante sobre a cabeça, o qual tem um pingente de metal na parte da frente.

Calças retas de algodão em tonalidade clara e camisa clara.

g) Planos: Plano médio. Um pouco de ar em cima e corta a imagem nas

panturrilhas de Ney. Atrás, há uma parede de concreto áspero.

Conotação:

a) Forma: O colar feito de pequenos cocos traz um tipo de ornamentação comum

entre os artistas do tropicalismo. Naquela época o padrão masculino ainda era que o

homem não se interessava pela efemeridade da moda e da beleza. Um homem sério,

sofisticado e elegante, naqueles anos, jamais usaria um colar e, ainda por cima, um

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colar tão excessivo e extravagante quanto o utilizado pelo artista. Os pingentes

remetem ao canino de um animal, comunicando uma masculinidade feroz.

É perceptível a simultaneidade de significados divergentes como o colar

(delicado) e o dente canino (agressivo). Vale lembrar que a simultaneidade de

identidades multiculturais é uma das características da identidade pós-moderna que

floresce nos anos 1960 e 1970 (CARDOSO, 2008; CANCLINI, 2010), de modo que é

facilmente perceptível a maneira como a persona de Ney Matogrosso estava em

sintonia com as mudanças que ocorriam na sua época de maior sucesso.

O tapa-sex faz uma clara referência ao que se identifica como uma típica

indumentária indígena. O uso dessa peça alude a uma sociedade primitiva e mais pura,

onde o que é valorizado é a vida em comunidade, o trabalho grupal e o contato com a

natureza, uma crítica forte à sociedade moderna, que muitos acreditavam valorizar

mais os bens materiais, o capital e o lucro do que os humanos (CANCLINI, 2010).

b) Cor: O uso do preto e branco revela o equilíbrio que existe entre os valores duais

do mundo. São opostos que se completam e que são interdependentes. Isso reforça a

imagem pública de Ney, o qual integra dentro de sua identidade significados por vezes

divergentes, como ativo/passivo, masculino/feminino, humano/animal, entre outros.

c) Material: A crina de cavalo remete ao visceral, ao instintivo, de modo que foge

do conceito de civilização, onde a contração das emoções é percebida como uma

forma de diminuir o espaço dado à liberdade pessoal (ELIAS, 2001). Ou seja, Ney

representa, por meio de seu figurino, um sujeito livre e verdadeiro, que age conforme o

que sente e não para agradar os demais à sua volta, algo bastante valorizado na pós-

modernidade, época que preza pela liberdade e prazer individuais.

O uso de materiais naturais alude ao desejo dos hippies em viverem em contato

com a natureza em lugar de viverem na zona urbana, o que também é uma forma de

transgredir os padrões da sociedade moderna que via na cidade um modelo de vida

progressista (CARDOSO, 2008; CANCLINI, 2010).

d) Composição: É nítido que o modo como a roupa está composta no corpo de Ney

Matogrosso alude àquilo que percebemos como roupas de índios. Seu corpo fica em

boa parte à mostra, tornando explícita uma sexualidade que seria normalmente velada

pelas normas religiosas e patriarcais.

e) Gestual: As pernas abertas de Ney chamam a atenção para seu órgão genital, o

que traz erotismo e revela uma sexualidade à flor da pele. Essa sexualidade é forte e

ativa, uma vez que seu falo é destacado no eixo central da imagem. Por outro lado, o

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homem que se posiciona por trás de Ney faz alusão ao coito entre homossexuais, e

revela Ney como um homem passivo. Sendo assim, mais uma vez significados opostos

estão contidos num único artista, desafiando as identidades homogeneizadoras da

sociedade moderna. Isso fica explícito, também, através do modo como a cabeça do

artista se posiciona, embora seu rosto esteja altivo, olhando o observador de cima para

baixo, o ato de virar a cabeça para trás, que faz seu olhar se elevar, é o mesmo ato

que faz sua cabeça se reclinar no ombro de seu colega. Assim, ao mesmo tempo em

que parece um guerreiro imponente, parece frágil e necessitado de um homem que lhe

dê abrigo e carinho.

f) Resumo do figurino dos demais personagens: Os demais personagens usam

roupas que se parecem com as indumentárias dos homens ciganos. Entendendo-os

como um grupo, percebemos que, apesar das diferenças culturais, os três personagens

estão em harmonia. Um dos anseios dos hippies era justamente esse: que os povos da

terra vivessem em harmonia e paz e que a justiça entre toda a humanidade fosse uma

realidade que não dependesse de variáveis como raça, etnia, sexo ou sexualidade

(EMBAIXADA CIGANA, 2016. VAZ, 1992).

g) Planos: O ambiente urbano e moderno reforça o caráter multicultural da

identidade da sociedade pós-moderna e da identidade de Ney Matogrosso enquanto

artista. Apesar de estar vestido como um índio e de estar cercado de “ciganos’, muitos

dos quais são nômades e vive em áreas rurais, o ambiente em que o trio se encontra é

a cidade”. Isso é bastante interessante, pois parece que a cidade, que antes era uma

forte variável que definia o pertencimento à determinada sociedade, agora já não

possui fronteiras para as várias referências culturais vindas de diversas partes do

mundo. A globalização, causada principalmente pelos meios de comunicação de

massa, permite justamente que dentro de um pequeno espaço, como o da cidade, as

influências que constroem as identidades sejam múltiplas (CANCLINI, 2010), assim

como a identidade do grupo musical que Ney fazia parte.

37

6.2 SEGUNDA IMAGEM

Em 1974, Ary Brandi realizou uma série de fotografia de Ney Matogrosso que

ficaram intituladas como Série Campos. As fotos foram realizadas em Arembepe, na

Bahia em 1974. É uma dessas criativas fotos que analisaremos agora (FIGURA 6).

Figura 6. Fotografia de Ney Matogrosso da Série Campos, 1974.

Fonte: Série Campos. Arembepe, Bahia. 1974 .

Denotação:

a) Forma: Cocar bastante alto. Ao redor dos olhos há uma pintura em forma

orgânica; o resto do rosto é pintado homogeneamente, exceto pela boca, que está em

outra tonalidade, às unhas com grandes garras.

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b) Cor: Tons claros, médios e escuros.

c) Material: Pena. Tinta. Metal.

d) Composição: Cocar feito de penas está localizado sobre a cabeça, garras feitas

supostamente com metal. O restante do corpo está sem roupa.

e) Gestual: Ney está dentro de um rio, sentado, com o tronco inclinado para trás e

sustentado pelo braço esquerdo que se coloca para bem longe do corpo, mão direita

com dedos abertos dando um ar animalesco pelas as garras nas unhas. Pernas um

pouco dobradas e com pés direcionados para o lado direito. Cabeça olhando para o

lado esquerdo, sem fitar a câmera. Corpo nu.

f) Planos: Câmera alta. Plano médio. O cenário é um rio.

Conotação:

a) Forma: O cocar é um dos símbolos muito associados à cultura indígena, pois era

usado por muitos povos primitivos da América, nas unhas garras dando um ar

animalesco. O uso desse pequeno figurino rapidamente o caracteriza como um

indígena, o que faz referência aos indígenas. A partir disso, constrói-se uma imagem

que foge a civilização moderna e que tem raízes no que se entende como uma volta a

uma vida mais livre. Onde os sentimentos e a humanidade poderiam ser expressos de

forma verdadeira e pura, sem a intervenção de pessoas que exercessem coerção

sobre os indivíduos para que se ajustasse a um determinado padrão moral e indenitário

homogeneizador Como coloca Souza (2016).

No Romantismo, o indivíduo sente-se em desajuste com a sociedade, por isso a necessidade de fugir da realidade. Um dos mecanismos usados para fugir da realidade é voltar-se ao passado. No romantismo europeu, a volta ao passado histórico leva à Idade Média, onde estão as origens das nações europeias. Mas, como o Brasil não teve Idade Média, voltar ao passado significa redescobrir o país da chegada dos europeus, quando era habitado por nações indígenas. [...] Outro mecanismo usado para fugir da realidade é voltar-se para paisagens novas, que podem ser exóticas, como o Oriente, ou primitivas, como a selva. Por isso, uma das características da nossa primeira geração romântica é a valorização da natureza pátria. Pag.06 (SOUZA, 2016).

b) Cor: Por muito tempo, o preto e branco davam uma expressão mais realista da

imagem. Talvez por isso, o fotógrafo tenha escolhido esse modo de fotografar, para

tornar a cena mais real, como se aquilo tudo que se passa na foto fosse rotineiro na

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vida do personagem que é um índio. A impressão que temos é que se trata de uma

imagem que capturou o cotidiano comum de um índio que vive na selva.

c) Material: As penas ajudam a dar uma maior realidade ao cocar, que era

realmente feito pode meio desse tipo de matéria-prima. Os índios também costumam

adornar seus corpos por meio de pinturas. Através dessa espécie de máscara, Ney

incorpora um personagem indígena que reforça o agenciamento que fazia do

movimento de contracultura.

d) Composição: O cocar, como já dito, ajuda a criar a noção de que o sujeito é um

índio. O corpo nu é dúbio. Enquanto para a sociedade moderna e civilizada é um

pecado, é amoral, é erótico, para o índio tudo isso não faz sentido, pois ainda não

sofreu a doutrinação cristã que diz que o corpo deve permanecer vestido, pois é templo

de Deus e, sendo assim, não deve causar desejo nos outros sujeitos. A ausência de

figurino também é uma escolha estética do figurinista. A ausência de roupa revela a

importância que a roupa tem na construção da imagem, e também traz fortes

significados.

e) Gestual: É comum que em propagandas de cunho erótico os modelos olhem

para a câmera. Isso é uma maneira de chamar a atenção do observador, como que o

convidando para um beijo ou para o ato sexual. Entretanto, nessa imagem, embora

Ney esteja nu, seu rosto não encara a câmera, pelo contrário, ele parece não saber

que está sendo filmado. Ele não quer provocar, nem ser sedutor, nem se oferecer

como um objeto sexual. O seu corpo nu e o sexo, aqui, são muito mais afirmações de

liberdade pessoal do que de pecado e lasciva. O corpo e o sexo são vistos como

dádivas da natureza e não como objetos que podem levar à condenação eterna. Assim,

Ney desafia os dogmas cristãos e burgueses com relação à sexualidade e ao corpo.

f) Planos: A câmera que se interpela por trás parece que está o fotografando sem

que ele saiba. Isso torna a cena mais verídica, pois faz parecer que ele não teve tempo

nem desejo de criar uma pose teatral, mas que tudo o que está acontecendo é

corriqueiro, usual e verdadeiro. Ele não posa para a câmera, ele age livremente.

40

6.3 TERCEIRA IMAGEM

Em 1976, algumas fotos fizeram parte da divulgação do novo disco solo de Ney

Matogrosso, intitulado de Bandido. A imagem que será analisada a seguir é uma

dessas fotografias (FIGURA 7).

Figura 7. Foto de divulgação do disco Bandido, 1976.

Fonte: Vaz, 1992, p. 240.

41

Denotação:

a) Forma: Chapéu fedora. Brinco de argola redonda e fina. Colares: um colar

cilíndrico; alguns colares de miçangas; colar com pingente em forma de canino de

animal. Lenço com estampa de flores sobre o conjunto de colares. Pulseiras: pulseira

cilíndrica de largura fina; vária pulseira em forma de argola fina; pulseira de miçangas;

cordão com franjas nas extremidades. Anéis: formato de unha de animal. Espécie de

estola composta por uma série de cordas finas com franjinhas nas extremidades, as

quais são amarradas umas às outras na parte superior que fica sustentada pelo corpo,

de forma que os cordões possam se movimentar conforme o corpo se mexe.

Aparentemente há uma calça a qual possui um cinto muito decorado com formas

redondas sobre a superfície e argolas penduradas.

b) Cor: Tons claros, médios, florais e escuros.

c) Material: Metal; miçangas; osso; unha; tecido floral; corda.

d) Composição: Chapéu em tonalidade escura. Lenço floral cai sobre os colares.

Brinco de metal na orelha. Colares: colar cilíndrico de metal em tonalidade média;

colares de miçangas em tonalidade clara; colar de osso, pois é feito de dente de

animal, em tonalidade clara. Os colares estão sobrepostos uns sobre os outros. Anéis

em tonalidade média e clara, um deles é feito de unha de animal, os outros possuem

uma materialidade que não é possível identificar especificamente. Pulseiras: a pulseira

cilíndrica é feita de metal em tonalidade média; há muitas outras sobrepostas umas

sobre as outras, as quais também são de metal em tonalidade média; a pulseira de

corda possui tonalidade clara e fica pendendo sobre o braço; pulseira de miçangas em

tonalidade média. Flores em tonalidade clara se sobrepõem aos colares e se localizam

no ombro esquerdo. Estola feita de cordas, aparentemente de algodão, em tonalidade

clara. Calça em tonalidade escura, não foi possível saber o material. Cinto de metal em

tonalidade escura.

e) Gestual: Boca semiaberta com um cigarro levemente pendente. Olhar de cima

para baixo, olho semicerrado. Quadril inclinado do lado esquerdo e levantado no lado

direito. Braço esquerdo dobrado sobre a cintura e servindo de apoio ao cotovelo do

outro braço, cuja mão aponta levemente para o ombro esquerdo, com os dedos um

pouco abertos e veia saliente.

42

f) Planos: A câmera é baixa, filmando o sujeito de baixo para cima. O plano é

médio e corta parte da copa do chapéu, mas enquadra o tronco até o centro do quadril.

Atrás de Ney, há uma luz de forma irregular que se lança na parede.

Conotação:

a) Forma: O chapéu constrói uma aparência country, ligada ao mundo dos

toureiros, fazendeiros, ou seja, homens o qual a virilidade é muito aparente. O brinco

dá um ar feminino ao sujeito, pois é comumente usado por mulheres da época. Colares

de miçangas são normalmente feitos à mão, de modo que há uma crítica à sociedade

capitalista que homogeneíza as pessoas através da produção em massa de artefatos

industriais. Colar com forma de dente remete aos colares dos primitivos, dos índios, os

quais acreditavam que utilizar parte dos corpos dos animais que caçavam faria com

que a força do animal fosse transferida para o sujeito que utilizasse o objeto. Desse

modo, percebemos Ney como uma espécie de guerreiro primitivo, um homem ativo,

corajoso, forte. Ao mesmo tempo, usar esse objeto reforça a identidade do Brasil antes

de ser descoberto pelos portugueses e passar por todo seu histórico de exploração.

Parece que Ney está tentando representar um personagem que ainda não passou por

aquele processo civilizatório europeu nem pela cristianização. Sua alma ainda é de

certa forma pura e sem preconceitos. Uma vez que ser civilizado exige a contração dos

sentimentos e impulsos que se sente (ELIAS, 2001). Flores são femininas, delicadas,

frágeis, belas e românticas. Enquanto as miçangas estão mais para o desejo de se

enfeitar, o poder sobre o metal está mais para a necessidade de defesa e de guerra. A

estola parece ter sido feita a mão, por causa do modo como é entrelaçada, assim é

reforçada a crítica ao anseio da sociedade em homogeneizar as pessoas debaixo de

uma única identidade. Calça é masculina e prática. O cinto remete aos cintos usados

por vaqueiros ou fazendeiros.

b) Cor: O uso da fotografia preta e branca pode ter sido usado para tornar tantos

objetos diferentes unidos através da cor. Desse modo, percebemos que todos os

significados ali representados estão interconectados no mesmo sujeito. Percebemos

elementos diferentes como elementos de um conjunto.

c) Material: Metal está relacionado com o poder sobre as armas, como a espada, o

machado, que eram muito difíceis de serem feitos na antiguidade. Ossos e unhas

remetem à cultura dos povos primitivos, principalmente os indígenas, que acreditavam

43

que as relíquias do animal morto poderiam transferir poder para eles. Desse modo, Ney

parece meio homem e meio animal. Sua masculinidade é feroz e penetrante como as

unhas, os dentes de um tigre ou uma espada de ferro. Em contraste com essa noção

de um homem ativo, as flores constroem uma ideia ligada à passividade e feminilidade.

Parece que Ney pode flutuar entre a virilidade e a delicadeza conforme lhe convém,

inclusive se apropriar de ambas simultaneamente. Talvez isso seja um sinal à sua

homossexualidade e aos movimentos homossexuais que aconteciam na época.

d) Composição: É possível perceber que as roupas presentes nessa fotografia

apresentam significados por vezes divergentes, entretanto, em conjunto, cobrem o

mesmo sujeito da foto. O modo como tais peças estão compostas, uma sobre a outras,

todas sobre o sujeito, sinalizam a identidade pós-moderna que é fragmentada,

desconectada, multilinguística e simultânea (CANCLINI, 2010). O vestuário de Ney

Matogrosso vai contra a identidade moderna homogeneizante que coloca sujeitos muito

diferentes sob definições tão amplas como a de nação e etnia. O figurino de Ney

representa uma nova percepção acerca da formação das identidades, agora muito

mais plurais, diversas e multiculturais.

e) Gestual: O olhar é penetrante, fazendo uma referência ao poder de penetração

fálico. Ney se apresenta como um homem ativo, másculo, poderoso. Isso é reforçado

pelas veias salientes, talvez por adrenalina, como os guerreiros, ou por excitação

sexual. Por outro lado, o quadril reclinado e a mão delicada são bastante femininos e

sensuais. A boca semiaberta, por exemplo, é bastante presente em propagandas com

mulheres. Desse modo, Ney possui em si o masculino e o feminino. A repelência

existente entre os dois extremos é quebrada quando ambos aparecem no mesmo

indivíduo. Vê-se aí uma crítica à sociedade machista da época e que via o gênero

como algo definido pelo sexo (MATOS, 2010).

f) Planos: A câmera baixa representa o olhar do sujeito observador que está numa

posição inferior à Ney. Ney, então, aparece como um homem ativo, altivo e imponente.

44

6.4 QUARTA IMAGEM

A quarta foto a ser estudada traz uma variação do figurino usado por Ney

Matogrosso durante as divulgações do disco Bandido. Nessa imagem seu vestuário

está bem próximo daquele representado na capa do LP em questão, porém sem o

colete.

Figura 8. Figurino usado na divulgação do LP Bandido, 1976.

Fonte: Memorial da Fama, 2016.

Denotação:

a) Forma: Chapéu estilo cattleman. Estola em formato de pata de animal, cuja pele

forma longas alças. Colar cilíndrico. Colares de miçangas, um dos quais possui um

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pingente em formato de canino de animal. Vários braceletes em formato cilíndrico de

largura fina. Brinco de argola fina. Calça de cós baixo. Cinto largo com fivela grande.

b) Cor: Tons claros, médios e escuros.

c) Material: Palha. Metal. Material que remete à pele e pelos de animal. Osso.

Jeans. Couro.

d) Composição: Chapéu de palha está localizado sobre a cabeça. Brinco de metal

na orelha direita. Colar cilíndrico de metal. Colares de miçanga com pingente de osso

em tonalidade clara. Estola em material quer remete à pata de animal (parte escura) e

à pele de animal (parte clara). Braceletes de metal colocados em locais diferentes de

ambos os braços, de cima a baixo. Calça jeans em tonalidade média, a qual possui um

cinto de couro escuro com fivela de metal em tonalidade média.

e) Gestual: Quadril esquerdo inclinado para baixo, e direito para cima. Tronco

descolado para a esquerda, criando um movimento sinuoso. Mão direita apoiada sobre

a cintura, com o polegar para frente. Mão esquerda segurando a extremidade da

estola. Olhar direcionado à câmera.

f) Plano: Plano médio. Um pouco de ar nos lados, mas o enquadramento corta

parte do chapéu e vai até abaixo do quadril.

Conotação

a) Forma: Chapéu possui estilo que remete aos chapéus usados pelos cowboys. A

estola parece um corpo de animal, de modo que percebemos que o sujeito que o porta

provavelmente matou esse animal e está usando sua pele como um símbolo de honra

e uma forma de adquirir o poder e força que o animal vivo tinha. Desse modo, Ney,

nessa imagem, seria uma espécie de caçador destemido e forte.

O colar de miçangas remete ao artesanato, de modo que se caracteriza como

uma crítica ao mundo moderno que valoriza os artefatos industriais, vistos como uma

forma de submeter às pessoas a um só estilo de vida, deixando de dar atenção às

necessidades e desejos individuais (CARDOSO, 2008). O pingente em forma de dente

canino comunica uma masculinidade forte, penetrante, ativa, feroz. Essa

masculinidade, entretanto, é contraposta à delicadeza e feminilidade dos brincos e

braceletes, os quais estão comumente associados ao universo feminino, pois as

mulheres, por muito tempo, foram aquelas que se preocupavam em estar na moda e

em decorar-se para ficarem belas e agradáveis aos seus maridos.

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As calças são masculinas. O cinto de fivela grande remete aos cintos usados por

vaqueiros e fazendeiros.

b) Cor: A união das duas cores é uma forma de mostrar que o equilíbrio da alma e

da sociedade é construído através das diferenças, do mesmo modo que o preto e

branco, que são opostos, são percebidos como complementares.

c) Material: Enquanto chapéus mais sofisticados seriam feitos de lã, feltro ou

algodão, o chapéu de palha remetendo ao conceito de respeito.

A pele e os ossos são elementos dos corpos dos animais, de modo que é

reverenciada uma identidade masculina agressiva e viril, ao mesmo tempo em que é

valorizada a caça, que seria um meio de subsistência dos povos primitivos, em

negação à industrialização e aos ideais progressistas da modernidade. Nessa imagem,

parece que o regresso aos costumes antigos que prevaleciam antes do processo

civilizatório é o verdadeiro progresso.

O jeans grosso e resistente se distinguia dos materiais usados nas calças

sociais dos ternos masculinos, sendo um manifesto de rebeldia, jovialidade e

transgressão propagada por filmes como O Selvagem (1953) e Juventude Transviada

(1955).

d) Composição: O conjunto de chapéu, acessórios ornamentais, calça e cinto

compõem um look country que é uma referência ao modo de se vestir dos ciganos

(EMBAIXADA CIGANA, 2016). Os ciganos são uma etnia de origens diversas que são

normalmente caracterizados pelo nomadismo, pelo cooperativismo, pelo misticismo e

pelo estilo de vida rural. Desse modo, ao agenciar os valores ligados aos ciganos, Ney

rejeita a homogeneização das identidades sob variáveis como nação, cidade e etnia; o

materialismo; o cientificismo e a urbanidade. Ao assumir essa identidade, ele

demonstra sua disposição a refutar valores centrais da sociedade brasileira

conservadora de sua época. Além disso, ele não é apenas cigano, é cigano, índio,

caçador, homem, mulher, tudo ao mesmo tempo. Identidades desconectadas, plurais e

multiculturais, mas simultaneamente presentes no mesmo indivíduo.

e) Gestual: Embora possua um olhar penetrante (assim como o falo masculino),

seu corpo faz um movimento sinuoso que remete ao corpo feminino, no qual são

valorizadas as curvas formadas pela cintura e quadril. Por muito tempo, inclusive, as

mulheres usaram espartilhos que deixa a cintura num formato de “S” (BAUDOT, 1999).

Embora Ney não utilize um espartilho, o modo como posa faz por si só esse desenho

47

sensual que contrasta com toda a virilidade apresentada em seu traje e nos pelos da

barriga.

f) Planos: Plano de aparência “neutra” parece que a atenção deve ser dada mais

ao sujeito que ao entorno.

6.5 QUINTA IMAGEM

A quinta fotografia a ser analisada foi publicada em 1978 e fez parte da parte

interior da capa do disco Feitiço (1978).

Figura 9. Encarte da capa do disco feitiço de 1978.

Fonte: Mercado Livre, 2016.

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Denotação:

a) Forma: Pulseira em forma de argola fina

b) Cor: Dourado e reluzente.

c) Mateial: Metal.

d) Composição: Pulseira de metal na cor dourada sobre o antebraço direito.

e) Gestual: Olhos fitam diretamente a câmera. Corpo nu, de roupa há apenas a

pulseira no braço direito. Ele está deitado sobre vários lençóis. Braços elevados para

cima mostrando os pelos das axilas. Mão direita toca a testa levemente com o dorso;

enquanto que a mão esquerda está sobre a cabeça, com o dorso recostado sobre as

flores. Peitoral inclinado para o lado esquerdo, mostrando os pelos, mas as pernas se

direcionam para o lado direito. Perna esquerda cobre o genital.

f) Planos: Câmera totalmente alta mostra o sujeito de cima para baixo. Plano

médio, um pouco de ar em cima, mas em baixo enquadra o corpo até o centro das

coxas. Ele está deitado sobre tule rosa claríssimo, o qual possui aplicação de

pequenas bolinhas brancas, e cetim cor creme. Flores naturais sobre a cabeça. As

flores são cor creme e suas folhas são verdes. As flores estão envolvidas por uma fita

de plástico com textura acetinada na cor branca. Pétalas se sobrepõem às axilas de

Ney Matogrosso.

Conotação:

a) Forma: Item comumente usado por mulheres conota feminilidade.

b) Cor: O dourado remete ao ouro, às joias, normalmente femininas e decorativas.

c) Material: Remete ao ouro e seu caráter decorativo e embelezante

d) Composição: A pulseira é usada da forma convencional, expressando valores

convencionalmente e tradicionalmente femininos.

e) Gestual: Como bem afirma Penn (2002), o significado de uma imagem não surge

apenas do que ela possui, mas também de tudo o que ela deixou de incluir em sua

representação. Desse modo, a roupa, que pode ser vista como uma ação humana

sobre a natureza, ao desaparecer aqui, faz com que desapareça também esse sentido

de artificialidade atribuído ao vestuário. Desse modo, o corpo nu é identificado com

sendo natural (embora se saiba que o corpo também sofre ações da cultura). Ali está o

corpo em seu estado bruto, representando a nudez, natural para os povos indígenas.

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f) . O desejo de se exaltar as características mais particulares do corpo masculino

é explícito ao levantar-se os braços, para que os pelos ficassem à mostra.

A mão sobre a testa representa uma posição de descanso e repouso, parece

que Ney não é nada agressivo, mas totalmente delicado, dócil e passivo. O mesmo

braço que mostra o pelo revela fragilidade.

Sua pose é de uma mulher delicada, ao permanecer deitado, assim como a Bela

Adormecida ou a Branca De Neve, duas princesas que esperam, deitadas (uma em

sua cama em um castelo, e a outra em um caixão de vidro), pelo príncipe que as

resgate e lhes dê o beijo de amor verdadeiro.

Ney tenta mostrar, assim, que o gênero é mais uma construção performática e

cultural do que uma condição fixa dada pela natureza. Ele não só consegue flutuar

entre o masculino e o feminino, como consegue mesclar os dois dentro da mesma

performance.

g) Planos: A câmera totalmente alta coloca Ney numa posição inferior e, por ele

estar deitado, a câmera parece estar no lugar dos olhos de outra pessoa que está

prestes a se deitar com Ney e coabitar com ele. O olhar através da câmera pode ser ou

de um homem, e então Ney estaria representando um homossexual, ou de uma

mulher, de modo que Matogrosso estaria quebrando novamente os estereótipos de

gênero, ao trocar de papéis com a mulher, pois o homem é comumente visto como

ativo e a mulher como passiva.

A construção da feminilidade em torno de Ney acontece também por meio do

cenário, o qual é composto por tecidos leves e há muito tempo usados no vestuário

feminino, principalmente durante a década de 1950, onde os vestidos de Dior

utilizavam bastante tanto o tule quanto o cetim, de modo a evocar uma feminilidade

delicada e romântica como a das bailarinas (BAUDOT, 1999). Os tecidos estão em tons

pastéis, os quais evocam romantismo e uma feminilidade casta e sublime. O branco

traz à tona o sentido de virgindade e pureza. Ney é apresentado como uma virgem

pronta para sua primeira noite de núpcias, o que é reiterado pelo buquê, sempre

presente nos casamentos. As flores parecem fazer parte do corpo de Ney, substituindo

seus cabelos, entretanto não são artificiais. Parece que ele é naturalmente feminino, o

que pode ser visto quase como uma blasfêmia, se pensarmos que os cristãos

consideram que Deus criou o humano macho e fêmea e que isso define seus papeis na

sociedade.

50

7. RESULTADOS

A partir das analises obtidas das fotográficas de Ney, chega-se a uma interpretação

dos significados que foram evocados meio dos seus figurinos e performances na

década de 1970. Além da irreverência e transgressão marcantes muitos significados

outros valores simbólicos foram copiados por outros artistas e pessoas comuns

naqueles anos.

Ele desafiou as identidades homogeneizadoras da sociedade moderna, quando

aparece como um guerreiro imponente e ao mesmo tempo demonstrando fragilidade

sensualidade natural representada pela delicadeza das flores usadas no figurino.

Demonstrava um homem urbano com caráter multicultural, apesar de se vestir como

índio selvagem usando cocar se comunica por meio de gestos e figurinos. A impressão

que temos é que se trata de uma imagem que fez uso do cotidiano comum de um índio

que vive na selva. E através dessa espécie de máscara, Ney incorpora um personagem

indígena que reforça o agenciamento que fazia do movimento de contracultura.

Enquanto para a sociedade moderna e civilizada é um pecado, é amoral, é erótico. A

ausência de roupa revela a importância que a roupa tem na construção da imagem, e

também traz fortes significados. Apesar de parecer que ele não queria provocar, nem

seduzir, nem tão pouco se oferecer como um objeto sexual. O seu corpo nu e o sexo,

para ele parece ser muito mais afirmações de liberdade pessoal do que de pecado. O

corpo e o sexo são vistos como dádivas da natureza e não como objetos que podem

levar à condenação eterna. Assim, Ney desafia os dogmas cristãos e burgueses com

relação à sexualidade e ao corpo. Parece que Ney está tentando representar um

personagem que ainda não passou por aquele processo de civilização. Ele usa da

virilidade e delicadeza conforme lhe convém, talvez como um sinal à sua

homossexualidade e aos movimentos homossexuais que aconteciam na época. Ney se

apresenta como um homem ativo, másculo, poderoso. Mas possui em si o masculino e

feminino sem perder o respeito do público, tem seu próprio estilo disseminando assim

mudanças culturais e sociais na sociedade da época. Nota-se que Ney não é favorável

a homogeneização das identidades sob variáveis como nação, cidade e etnia; o

materialismo; o cientificismo e a urbanidade. Ao assumir essa identidade, ele

demonstra sua disposição a refutar valores centrais da sociedade brasileira

conservadora de sua época.

51

Além disso, ele não é apenas um personagem ele representa muitos: é cigano, índio,

caçador, homem, mulher, tudo ao mesmo tempo. Identidades desconectadas, plurais e

multiculturais, mas simultaneamente presentes no mesmo indivíduo. Desse modo, a

roupa, que pode ser vista como uma ação humana sobre a natureza, ao desaparecer,

faz com que desapareça também o sentido de artificialidade atribuído ao vestuário.

Desse modo, o corpo nu é identificado com sendo natural, é o corpo em seu estado

bruto, representando a nudez, natural.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse trabalho foi analisar e apresentar, os principais significados evocados

pelo o figurino o cantor Ney Matogrosso na década de 1970, através de imagens

paradas, no caso foram escolhidos cinco fotografias de Ney do período em questão,

apesar de estarem em uma quantidade bastante restrita, conseguiram ser de grande

utilidade para o objetivo inicialmente proposto.

Com base nas fotografias analisadas na pesquisa, consideramos dois aspectos

relevantes para a análise. Que são os denotativos e conotativos, apenas se quis

enfatizar diante das analises feitas o quê Ney Matogrosso representou naquela época e

quais os significados encontrados nas analises fotográficas, através de sua

performance, do contexto em que se insere, mas principalmente de seu traje.

O vestuário do cantor evoca diversos significados que ajudam a construir sua persona,

a qual se apresenta em consonância com as mudanças sociais e culturais, que

aconteceram no período dos anos 1970. O figurino cênico que Ney usa na década de

1970 tem um peso simbólico muito forte, foi a forma encontrada por ele para desafiar

as repressões existentes naquele momento histórico, através da linguagem corporal e

do figurino, ele se comunicou indo contra a moral e os costumes. A partir das analises

apresentadas do figurino de Ney Matogrosso chega-se a definição que ele foi um fator

decisivo na construção de sua persona uma vez que ele tem o poder de comunicar, de

evocar mudanças de comportamentos. O ser humano, como qualquer outra espécie se

comunica uns com os outros de alguma forma, seus sentimentos são expostos de

forma a ser compreendido, Ney através do figurino e performances conseguiu

influenciar, e provocar mudanças importantes para a sociedade nos anos de1970 e os

anos que sucederam.

Acredito que conseguimos ter um grande ganho de aprendizagem na área do Design

de Moda, permitiu também um maior aprofundamento nas pesquisas teóricas, o que

acrescentou bastante nos conhecimentos históricos.

Contudo as análises não podem ser apontadas profundamente decisivas, mas pode

ajudar para futuras pesquisas no curso de Design e outros trabalhos acadêmicos.

Desse modo, buscamos contribuir para uma visão do fazer do design que se relacione

com as diversas instituições que contribuem para a construção social e cultural.

53

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