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Regimes de diferenciação, registros de identificação:
identidades, territórios, direitos e exclusão socialVéronique Boyer
(CNRS-UMR 8168/EHESS-CERMA)
O ponto de partida desta discussão sobre os regimes de
diferenciação e os registros de identificação é a reflexão
suscitada pelo título que as organizadoras deram a este
colóquio: “Presos do lado de fora”: periferias, quilombos, favelas e ocupações.
Inicialmente, pode parecer estranho que populações tão
diferentes sejam reunidas sob um único rótulo. Pois se são de
fato consideradas diferentes, à parte das regras que regem
habitualmente a sociedade, é por razões bastante diferentes.
Algumas são isoladas em razão de sua suposta periculosidade
para o resto do corpo social: é o caso das favelas, com o
argumento da predominância do narcotráfico, e das ocupações,
com o argumento do respeito à propriedade privada. Para outras,
ao contrário, o objetivo buscado é o inverso: não se trata de
separar determinados grupos para proteger as populações ao
redor, mas sim de proteger os grupos em questão de agressões
exteriores. Aí a delimitação de fronteiras espaciais visa a dar
segurança a quem está do lado de dentro: é o que acontece com a
demarcação das terras das chamadas minorias, /a? quem se
atribui uma história e uma cultura diferenciadas. A intenção do
Estado é sem dúvida virtuosa, e só se pode concordar em amparar
por lei os mais frágeis. Mas, quando a proteção é concedida
1
dentro dos limites de um território determinado e em nome de
uma diferença intrínseca, essa não pode ser lida e vivenciada
também, de certa forma e em alguns casos, como um
aprisionamento “do lado de fora”?
Essa observação é inspirada pelo argumento de Veena Das e
Deborah Poole (2004:24) quando afirmam que o Estado desenvolve
técnicas de conhecimento e de poder para tornar as populações
situadas nas suas margens legíveis. Pois se a entidade chamada,
outrora e ainda hoje, de “povo” é percebida como festiva,
corajosa, religiosa, ela aparece também muitas vezes, no
discurso do Estado e dos dominantes, como incontrolável,
multiforme, ameaçadora – um sentimento reconstituído no título
Classes laboriosas e classes perigosas dado pelo historiador Louis
Chevalier ([1958]) a seu livro sobre a França do século XIX.
E nessa perspectiva que gostaria de examinar as
orientações políticas atuais onde o Estado adota as categorias
jurídicas e legais baseadas no pressuposto de identidades
obviamente diferenciadas, historicamente e culturamente
fundamentadas. Parece-me, na verdade, que podemos e devemos
/indagar se essas políticas, enunciadas como tentativas de
reverter a desigualdade resultante da história do país, através
da atribuição de diversos direitos especiais, não remetem
também a tentativas renovadas de colocar ordem na desordem do
“povo”. Essa organização das margens passa pela busca de
correspondências entre os agenciamentos territoriais e
populacionais. Por um lado, procura-se homogeneizar, ou afirmar
a homogeneidade de uma população ocupando um dado território.
Por outro lado, busca-se desenhar e confortar limites claros
2
entre os “grupos-territórios” identificados: aqui a terra de
indígenas, aí de quilombolas, lá de povos tradicionais, etc.
Este processo, que pode ser qualificado de territorialização
cultural, para retomar a expressão de Akhil Gupta e James
Ferguson (1997:4), ou ainda de mapeamento cultural, leva à
criação de um mosaico de espaços com qualidades diferentes.
Na primeira parte deste artigo, irei discutir as bases da
construção e aplicação das categorias legais, em particular o
papel atribuído à história e a cultura. Considerando a
inscrição espacial dessas diferenças a partir de exemplos
amazonenses, irei em seguida abordar as tensões surgidas entre
os grupos que assumem identidades distintas, mas ocupam
posições sociais análogas. Terminarei retornando ao denominador
comum entre esses grupos e seus vizinhos sem identidade
jurídica, à saber sua fragilidade social e sua situação de
dependência.
1 – A diferença em busca de igualdade como base da ação do Estado
Com a Constituição de 1988, os direitos fundamentais de
vários grupos minoritários são reconhecidos e/ou reafirmados.
No intuito de concretizar estes direitos e de facilitar a sua
efetivação, o Estado consolida ou cria categorias jurídicas,
tais como os povos indígenas, as comunidades remanescentes de
quilombo e os povos tradicionais, onde se encaixarão grupos
sociais reais. A definição legal destas primeiras categorias
coloca uma ênfase maior sobre dois elementos, isto é, a
história e a cultura. Por um lado, cada uma delas é associada a
3
uma história específica dentro da formação histórica do país: a
história da conquista para os povos indígenas, a história da
escravidão para comunidades remanescentes de quilombo. Mais
difícil a princípio é caracterizar com uma palavra só a
singularidade da história dos povos tradicionais no Brasil
inteiro, mesmo se, para a Amazônia, a consolidação do sistema
socioeconômico do aviamento, que vigora do século XIX até os
anos 1970 (em algumas regiões), parece uma boa proposta. Por
outro lado, afirma-se que os grupos representativos de uma ou
outra categoria têm uma cultura própria que, sem muita
dificuldade, poderia ser distinguida da cultura brasileira no
geral: como prova disto, aponta-se às vezes para o uso de um
idioma outro que o português, outras vezes para uma organização
social (sistema de parentesco, sistema religioso, etc.) ou
práticas econômicas peculiares (agroextrativismo ou
autoconsumo, por exemplo). Nessa esfera da “cultura” encontra-
se também a relação específíca com o território, a natureza e o
meio ambiente que os grupos viriam a desenvolver (através da
“comunhão”, do “respeito”, da “memória”, etc.).
É :necessário notar que os termos história e cultura não
parecem participar da mesma forma da sustentação das
classificações jurídicas. A primeira noção permite situar as
categorias na História nacional, possibilitando traçar seus
contornos administrativos (se tratando da história da
conquista, o objeto da categoria será logicamente os indígenas,
se tratando da história da escravidão, o objeto serão os
quilombolas; e se for considerado plausível a proposta do
aviamento para a última categoria, essa acolherá os povos
4
tradicionais) enquanto a segunda deveria contribuir para lhes
dar um conteúdo a partir de um conjunto de traços obviamente
imprecisos. De fato, excetuando-se a diferença linguística
reservada aos indígenas, os elementos “culturais” indicados
como sinais de diferença são análogos para todas as categorias:
as populações, quer elas sejam indígenas, quilombolas ou
tradicionais, teriam relações mais harmoniosos com seu meio
ambiente que as outras; elas produziriam antes de mais nada
para seu próprio consumo; seu sistema de parentesco ou seu
sentimento religioso contrastaria com as formas “habituais”,
etc. - sem maiores considerações a respeito do que faria A
especificidade de cada categoria1, esta sendo supostamente
previamente estabelecida pelas histórias diferenciadas2.
Portanto, o Estado não apreenderia tão claramente as bases
da diferença entre a “cultura” própria de cada categoria quanto
aquelas referidas à sua “história” e, conseqüentemente, a
referência à cultura revela-se menos eficaz que o recurso à
história para distribuir os grupos concretos entre as
categorias jurídicas. Aliás, a qualificação dessas últimas,
enquanto “étnica” ou “etnoracial”, parece remeter não a uma
cultura que não se deixa definir, mas sim à forma como suas
histórias são caracterizadas (pela conquista, que aniquila, ou
1 Tal incapacidade das categorias administrativas de dotar-se de conteúdoque as distinga de outras não tem nada a ver com a singularidade de umgrupo social que a pesquisa etnográfica pode, ou não, evidenciar.
2 A indefinição em torno da caracterização das culturas não significa, deforma nenhuma, que o princípio de sua diferença não tenha importância. Aocontrário, a inclusão de um grupo social em uma categoria jurídica, eassim a sua associação à uma história específica, dá início a uma sériede expectativas por parte das autoridades sobre o tipo de “cultura” quedeveria apresentar. Mas então, trata-se mais de estereótipos do que dareal organização do grupo ou da maneira que ele se vê a si mesmoi. Verabaixo.
5
pela escravidão, que corrompe): o registro da etnia é
suficiente para manter à distância os povos indígenas, que o
senso comum representa como afastados; ele é intensificado pela
introdução da raça, no caso dos quilombolas e dos negros em
geral, percebidos como mais próximos da fantasmagórica norma
branca. De modo estranho, os povos tradicionais
(geograficamente distante, como os indígenas, mas com múltiplas
raízes, como os quilombolas) se distinguem novamente, já que
não seriam nem exatamente etnia nem precisamente raça.
Como antropólogos, nós estamos numa posição
particularmente privilegiada para compreender as hesitações a
respeito das classificações. Com efeito, sabemos que, muitas
das vezes, esses critérios culturais não são tão evidentes em
sua aplicação, e até nem pertinentes para as realidades com as
quais lidamos, para as situações concretas que observamos.
Estamos/somos? conscientes que grupos incluídos em categorias
legais diferentes podem apresentar um “baixo grau de
distintividade” cultural (João Pacheco de Oliveira, 1999:92) e
nenhum de nós se se admira quando as pessoas se referem
eventualmente a diversas “identidades” em função dos seus
interlocutores e do contexto. Compreendemos enfim que os grupos
se consideram diferentes quando a sociedade lhes nega esse
direito (problema que enfrentam os “índios ressurgidos”), bem
como não nos surpreeende que outros não se vêem como
diferentes, e que eles sejam discriminados assim mesmo (os
“caboclos”, sistematicamente inferiorizados, por exemplo). A
lista certamente poderia se estender, mas o objeto deste artigo
6
não é a teoria antropológica – até porque uma vasta literatura
nacional e internacional já trata deste tema.
Gostaria de retornar aos termos história ou cultura,
mencionados acima, não mais para sublinhar a diferença do papel
desempenhado por cada um na construção das categorizações
institucionais, mas para tentar precisar as maneiras pelas
quais, em conjunto, aqueles se articulam à essas. Parece-me que
podemos distinguir entre duas modalidades onde a relação entre,
de uma parte, o social estudado pela história e pela
antropologia e, de outra parte, as categorias jurídicas e
administrativas se invertem quase que completamente. Essas
modalidades remetem, na verdade, à momentos diferentes do
trabalho do Estado. No primeiro deles, parte-se da posição de
um segmento da população na História e/ou do tipo de cultura
que deveria supostamente apresentar para tentar definir os
contornos de uma categoria legal. É o tempo da consultação e,
entre outros interlocutores, a antropologia foi bastante
solicitada para se chegar a propostas de definições mais
abertas. A ressemantização do quilombo3, partindo da noção
histórica e dilatando-a cada vez mais para abranger um maior
número de populações, me parece um bom exemplo de uma lógica
que abre espaços para a negociação e renegociação de sentidos.
Na base de tal diálogo (por vezes robusto) efetua-se o trabalho
legislativo durante o qual se reflete sobre a maneira adequada
de responder às necessidades dos grupos que serão incluídos
numa categoria. Levando em conta a especificidade que já é
de uma categoria legal e não mais dos grupos concretos, define-
3 Ver, por exemplo, o texto clássico de Afredo Wagner Berno de Almeida(2002).
7
se os direitos aos quais ela dá acesso, e a forma que vão
assumir. Para dar o exemplo da educação, o número de alunos
para abrir uma nova turma escolar é de seis crianças para os
indígenas e de vinte para os quilombolas. Também pode-se
mencionar o regime territorial que vigorará: trata-se, para os
indígenas, de Terras Indígenas com uma concessão de uso
permanente sem propriedade do sub-solo; para os quilombolas, de
uma propriedade plena e coletiva da terra e, para os povos
tradicionais, de Reservas Extractivistas com concessão de uso
de dez anos renovável mediante o respeito do manejo florestal.
No entanto, existe também uma outra modalidade onde o
ponto de partida encontra-se, desta vez, na própria
nomenclatura institucional. Neste caso, e este comentário vai
no sentido do argumento de Talal Asad (2004: 283)4, é do
pertencimento de um grupo a uma categoria juridíca que se deduz
que ele apresentará tais traços culturais e que ele se origina
em tal história. Essa lógica não corresponde mais ao momento da
reflexão e da elaboração de uma tipologia, mas sim ao tempo da
ação do Estado. E é nesta fase que se constrói de modo visível
o mosaico espacial, a territorialização cultural que evoquei na
introdução. A implementação de uma “divisão administrativa do
trabalho” com uma especialização institucional, em função das
categorias legais, reflete esse processo. Assim, os povos
indígenas dependem da Funai, enquanto os dossiês quilombolas
são tratados num departamento reservado pelo Incra, e os povos
tradicionais são geridos pelo ICMBio. Vale notar que, nesse
último caso, a proteção dada pelo Estado é mais ambivalente que
4 ?“But the act of categorizing always involve abstraction from one contextand its application to another context.
8
nos precedentes, pois não têm a segurança total de conservar o
domínio da área onde vivem e trabalham.
O objetivo anunciado é compensar as injustiças que, no
passado, o Estado, seus representantes e aliados cometeram;
permitir que os descendentes daqueles que sofreram e foram
espoliados possam agora viver em paz, do jeito que querem. E de
fato, os grupos sociais que conseguem incluir-se em uma dessas
categorias especiais, e levar até o fim o processo do seu
reconhecimento oficial, beneficiam-se de direitos e programas
governamentais – os quais, me permito repetir, são diferentes
em função da escolha feita.
2 – A inscrição espacial das diferenças: a formação dos “grupos-territórios”
Durante um seminário sobre conflitos socioambientais e
direitos humanos numa cidade da Amazônia, onde estavam
presentes militantes de ONGs, universitários, representantes de
instituições públicas e lideranças, um padre da Comissão
Pastoral da Terra afirmou que 99% dos conflitos são gerados
pelo governo. Citando exemplos clássicos de madeireiras e
sojeiros ocupando a região através de “laranjas”, e de
fazendeiros grilando terras com altas cumplicidades, explicou
que as políticas de colonização tinham por objetivo fornecer
matérias primas e que o governo tinha interesse “no lucro, e
não nas pessoas”. Várias outras pessoas interviram também para
denunciar a venda de terras públicas pelas autoritades do
estado, a falta de vontade de fiscalização por parte dos órgões
responsáveis, bem como a sua extrema lentidão na demarcação das
9
terras. Não é necessário insistir nesse aspecto pois uma ampla
bibliografia trata deste tema5.
O que mais me chamou atenção na fala do padre foi quando,
após ter denunciado o governo, que “nos trata como lixo”, ele
encerrou detalhando este coletivo de “pequenos” padecendo da
ausência de visão politica: “o povo quilombola, o povo
indígena, o povo tradicional”. A enumeração visava sem dúvida
salientar a riqueza e a diversidade da população amazónica, mas
ela estava ao mesmo tempo tornando “invisíveis” no seu discurso
todos aqueles que não se enquadram nas categorias
administrativas. Ela estava além disto postulando uma
convergência tão grande de interesses entre os “povos” citados
que qualquer dissensão entre eles era simplemente inconcebível.
Contudo, um pouco mais cedo, uma líder indígena fez uma
intervenção que, para além dos conflitos com os fazendeiros,
designava claramente – mas sem citar nenhum nome – os
“quilombolas” vizinhos à sua “aldeia” como os adversários:
“Alguns dizem que não somos índios, mas os nossos bisavós
nasceram lá e os quilombolas querem pegar a nossa frente”, i.e.
o seu acesso a várzea. Essa declaração é interessante de
diversos pontos de vista, à começar por jogar luz sobre as
possíveis fricções entre os “pobres” pertencentes à diferentes
categorias jurídicas6.
Ora, pouca atenção foi dada, até agora, às tensões
surgindo eventualmente entre grupos que ocupam posições sociais5 Como exemplo, consultar Cavignac (2006), Ayala & Brustolin (2008) ou
Zigoni (2008).6 ?Outro elemento é a utilização pelo padre do pronome “nós”, que indica
uma identificação pessoal com os “pequenos”, numa variante da “realidadediscursiva da emoção”, perceptível, segundo André Corten (1995:13), nalinguagem da teologia da libertação e no pentecostalismo.
10
análogas, mas que, perante a administração, pretendem assumir
ou assumiram identidades distintas e aparecem, assim,
diferenciados. No entanto, com um pouco de atenção é possível
notar como menções a esse tipo de casos se tornam mais
recorrentes nas listas de discussão sobre o tema das minorias,
e também na literatura especializada7. O assunto em si
constitui portanto um objeto de reflexão antropológica.
Deparei-me com vários conflitos desse tipo, mais ou menos
abertos segundo a situação, no decorrer de uma pesquisa
desenvolvida nos últimos anos na Amazônia, primeiro entre
grupos quilombolas e, mais recentemente, entre grupos
indígenas8. Para ficar mais claro ao leitor, ilustrarei meu
argumento com uma curta descrição de exemplos. Num povoado, a
comunidade se encontrava dividida entre dois campos, um
desejando ardentemente “se tornar” quilombola, e outro lutando
para que “nada mudasse”. Bem distante de lá, em outra vila, a
metade dos habitantes ansiava da mesma forma obter seu
reconhecimento enquanto quilombolas, mas a outra metade
defendia sua integração a uma Reserva Extrativista próxima, o
que implicava fazer valer uma identidade de seringueiros. Numa
outra parte ainda da Amazônia, o problema estava entre duas
comunidades vizinhas, ligadas por inúmeros laços de parentesco,
uma delas querendo “se assumir” indígena após a outra ter
conseguido o seu reconhecimento pela Fundação Palmares como
7 Alguns exemplos podem ser citados: Figueroa (2007), Dos Santos (2006),Da Silva 2008.
8 O fato de algumas demandas de reconhecimento estarem tramitando emdiversos órgões governamentais impõe o sigilo a fim de não arriscarqualquer interferência com o processo. Por razões éticas, não dareiportanto precisão nenhuma sobre o nome dos povoados ou das regiões ondese localizam.
11
quilombola. Poderiamos acrescentar a esta lista o caso de
pessoas ou famílias, moradores de um lugarejo até agora sem
identidade, que, depois de se filiarem à associação quilombola
do povoado vizinho e ficarem “decepcionados”9, queriam juntar-
se ao movimento indígena ou, no Acre, o de seringueiros que se
afirmam doravante indígenas (PANTOJA, 2004).
Alguns antropólogos interpretam o número crescente de
pedidos de reconhecimento junto à FUNAI ou à Fundação Palmares
como a reivindicação de uma identidade já presente como
virtualidade, ou até então escondida por causa da
discriminação. Outros, cientes das críticas ao risco de
essencialização incorrida, sugerem apreender o fenômeno como
uma disputa para tornar incontestável a existência de seres
sociais no palco politíco (ALMEIDA, 2007). Apesar de receber
muito favoravelmente esta última análise, parece-me que ela não
permite responder às duas perguntas sucitadas pelos exemplos
apresentados acima: Como entender que grupos de parentes
morando num mesmo território optem por diferentes “identidades”
legalizadas? E como explicar essas sucessivas identificações à
várias categorias?10
9 Eles recriminavam a associação quilombola por lhes ter deixado de forados “benefícios” obtidos, como as cestas básicas.
10 Responder a estas perguntas requer levar em conta as trajetórias sociaisdos grupos e das pessoas, bem como as suas relações com a sociedade maisampla, sejam elas de patronagem, de cumplicidade politíca, de dependênciaeconomica, etc. Para um exemplo onde o “étnico” é considerado como umarelação social entre outras, ver Boyer (2008). Na medida em que estaabordagem coloca em relação a emergência de grupos sociais determinadosatravés da execução de políticas públicas, ela vai ao encontro detrabalhos sobre as lógicas sociais que engendram outras categorias que asétnicas, como a reflexão desenvolvida por Cynthia Sarti (2011) sobre aconstrução da figura da vítima de violência.
12
Pois, apesar da divergência da segunda proposta com a
primeira, vigora ainda nela de modo implícito o pressuposto de
uma relação fortissíma entre identidade e território. Dito de
outra forma, se a identidade é tão pronta a ressurgir ou a ser
investida, é porque a relação do grupo com o seu território –
e, mais ainda, com seus limites - foi forjada por um passado
histórico e uma cultura singular.
Os conflitos que observei entre grupos que todos,
reconhecem compartilhar uma mesma situação de dominação
sugerem, porém, um outro viés de interpretação. Eles não chamam
exatamente atenção para a afirmação de uma identidade singular
que coincidiria com os limites do espaço geográfico que cada um
deles ocupa. Melhor dizer que chamam atenção – e aí sim com
muita força - sobre a importância dos recursos naturais usados
por essas populações para sua subsistência: árvores frutíferas,
pesca, caça, etc. Trata-se então de mobilizar-se para manter
livre o acesso a essas áreas e/ou conservar o seu controle.
Nessa perpectiva, o problema foge da identidade para se
focalizar sobre as condições de reprodução dos grupos sociais.
Pode-se considerar em seguida que, para alcançar este objetivo,
seja lançado mão de várias estratégias, inclusive mudar de
categoria legal. Por exemplo, os seringueiros cuja coperativa
fracassou “assumirem-se” como indígenas. Ou um povoado,
ameaçado pelo processo de demarcação de vizinhos que se
tornaram quilombolas, resolver seguir uma trilha análoga. Esses
rearranjos, que evocam as “subversões classificatórias”
estudadas anos atrás por José Maurício Arruti (1998) no
13
Nordeste, enunciam-se em termos identitários, mas concernem
primordialmente o domínio de recursos naturais.
Esta atual focalização sobre a identidade (seja ela dita
real ou usurpada, ressurgida ou construída) não deixa de
surpreender, já que propostas análiticas mais flexíveis foram
avançadas há mais de 10 anos atrás. Uma expressão como
“aquilombamento da propriedade dos donos”, que Berno de Almeida
(2002:29) criou para designar a multiplicação de situações de
autoconsumo por parte de famílias de escravos nas fazendas (mas
poderia também se pensar em outras), abriu com efeito pistas
que ficaram inexploradas para questionar o que achamos
evidente: a propriedade privada como modelo dominante e
aspiração da maioria, e as outras formas de relação com o
território como exceção, caracterizando grupos restritos da
população. Ora, sem evidentemente negar que os meios de
sobrevivência dos habitantes de um povoado se situem num
território dado, há de convir que, para eles, a definição dos
limites deste último não passa necessáriamente pela exclusão do
grupo vizinho: um e outro podem compartilhar, por exemplo, o
mesmo espaço de pesca e de coleta. O que os moradores de dois
vilarejos aceitam então como divisas não impede excursões do
outro lado, configurando-se desta forma áreas de uso comum onde
diversas linhas se cruzam. Tal colocacão implica esclarecer
como e em que casos essas linhas se tencionam a ponto de gerar
fortes dissensões, um objetivo que só pode ser alcançado
através do exame minucioso das diferentes definições do
pertencimento e dos sucessivos modelos de organização dos
14
grupos: família, comunidade, associação de moradores,
aldeia/comunidade quilombola.
Em consequência da falta de esforço antropólogico para
pensar essas questões de um modo mais amplo, é agora
literalmente que se deve entender que o território revela a
identidade e que a identidade revela o território. Pois as
populações que se reivindicam de uma categoria legal (a sua
“identidade”) devem indicar aos representantes dos órgões
públicos os limites das suas terras (o seu “território”), o que
vai desvelando, atestando ou construindo a sua “diferença” – ou
melhor dizer “a mobile, often unstable relation of difference”
(Gupta e Ferguson, 1997:13).
Identidade e território devem se sobrepor para se
conformarem à lógica das instituições que conferem a
propriedade ou o usofruto das terras. Pois, para o Estado, o
espaço, quer seu uso seja particular ou coletivo, só é
concebido como fechado e estável11. É nessa condição que ele se
torna “administrável”. O ordenamento dos “grupos-territórios”
se prolonga dentro das categorias legais. Assim, é preciso
declarar-se Cocama para ficar numa TI Cocama, mesmo que você se
considere e fale tikuna12. Constitui-se assim um mosaico de
terras com estatutos distintos, ocupadas por uma população que
o Estado pensa como homogênea por dentro, e diferente dos seus
vizinhos por fora– e a quem ele atribui direitos especiais. É
preciso, portanto, insistir no fato de que não é a declaração11 ? Esta obervação vai no sentido da análise de Arjun Appadurai: os «États
[...] s’efforcent de contenir la diversité ethnique dans des territoiresculturels fixes et fermés [...] Le culturalisme, pour le dire simplement,c’est la politique identitaire élevée au niveau de l’État-nation»(2005:48).
12 ? Philippe Léna (comunicação pessoal).
15
identitária em si que suscita os desentendimentos – as pessoas
pensando que, na verdade, cada um é livre de se definir como
quiser – mas sim as suas implicações13.
3 – As dinâmicas locais de diferenciação perante a ação do Estado
O que, de modo evidente, é comum a todos os integrantes
destas categorias legais é a sua situação de fragilidade
social. Como é claramente também o caso dos seus vizinhos não
labelizados. Aliás, uns e outros têm expectativas analógas em
relação à ação do Estado: o que eles pedem e esperam são
melhorias no atendimento nas áreas da saúde e da educação,
segurança territorial, construção de estradas, auxílio para o
escoamento da produção, formas de exercício do poder, etc.
Todavia, existe uma grande diferença entre eles. Os
primeiros insistem sobre o fato de que, com o reconhecimento do
Estado, eles são “amparados por lei” (qualquer que seja a
efetividade desse amparo). Os segundos, ao contrário, tendo
como único atributo sua condição de “pobres”, ficam soltos,
misturados no “povo”, compartilhado com ele a condição de serem
“esquecidos pelas autoridades”. Dissolvidos na grande massa dos
destituídos, sem poder almejar um tratamento diferenciado e
preferencial, encontram-se sem defesa não apenas face às
ameaças que emanam dos “grandes”, mas também face a outros
“pequenos” que, por? sua parte, já se encaixaram nas categorias
do Estado. Assim, à propósito das fortes tensões entre dois
povoados amazonienses que, após a declaração identitária de um
13 ?Por isto, no caso de tensões entre “pequenos”, é a identidadereivindicada em reação a uma outra que constitui uma boa ilustração das“identidades construidas no conflito” estudadas por Berno de Almeida(2002).
16
deles, reivindicaram um o controle e outro o acesso aos
recursos naturais anterioremente compartilhados, uma advogada
funcionária de uma ONG fornecendo apoio jurídico às comunidades
da região admitiu, à contragosto: “o direito dos quilombolas
[mas poderia ser dos indígenas, permito-me acrescentar] sempre
prevalece sobre o direito do cidadão comum”. Pois, em caso de
contestação, o “cidadão comum” não tem recursos institucionais,
nem agentes de mediação, para ajudá-lo. No caso mencionado, a
advogada não enxergava solução nenhuma,a não ser a adesão
(poderíamos falar de conversão?) de um dos grupos à identidade
legal do outro por razões simplesmente institucionais: esse
último se encontrava com efeito mais avançado no processo de
demarcação de suas terras.
O reconhecimento de direitos relativos à diversidade
cultural permite de fato vislumbrar a garantia da proteção de
populações historicamente marginalizadas em nome de sua
exceção. Todavia, tal avanço político tem um efeito perverso, o
de levar exclusão daqueles que, também marginalizados, não
estão incluídos nas categorias legais, como bem levantou Pedro
Castelo Branco Silveira (2007: 17). Para os grupos sociais,
torna-se portanto imperativo integrar-se a uma delas para gozar
de direitos sociais – especiais na forma, mas no fundo
elementares. É bem provável que sejam os constrangimentos
impostos por essa nova situação - onde a única maneira de
chamar atenção num caso de conflito é conseguir opor um
direito especial a outro - que levam povoados a “se definirem”,
isto é, a se mobilizarem para obter a sua afiliação a uma
categoria jurídica diferente da dos outros “pequenos” a quem se
17
confrontam. Aliás, no exemplo rapidamente exposto acima, a
solução proposta pela advogada, que permitiria eventualmente a
coabitação dos dois vilarejos no seio de um território
quilombola expandido, foi recusada com veemência por aquele que
se considerava prejudicado, e tinha resolvido “assumir-se” como
indígena. O caique da vila não poderia exprimir mais claramente
a posição do conjunto dos moradores: “Ninguém tira o direito de
ser o que eu sou, de dizer o que eu sou. E eu sou índio!”.
Nos casos amâzonicos que estou acompanhando, vale notar
que nem os quilombolas, nem os indígenas tentam desqualificar a
“identidade legal” do outro. Cada um só se esforça em se situar
melhor na genealogia histórica local, os indigenas afirmando
que já estavam lá antes dos negros chegarem; os quilombolas
dizendo que naquela área nunca teve índios. Em outros termos,
trata-se essencialmente de saber quem tem mais “direitos”
frente ao Estado, num jogo complexo entre categorias legais,
grupos locais e indíviduos - um jogo de vai-e-vem no qual cada
um tenta firmar a sua própria posição.
À diferença das instituições, a principal questão das
populações não diz portanto respeito a uma “verdade” intrínseca
e absoluta à revelar ou à “resgatar”, qualquer que seja ela.
Nos pequenos povoados da região, são feitos comentários sobre a
“cor esquisita” e a cultura ainda balbuciante dos outros, mas
sempre com um tom de brincadeira, jamais como uma denúncia.
Aliás, as pessoas admitem, sem parecerem incomodadas ou
ofendidas, que poderiam se ligar a qualquer categoria jurídica,
se tivessem “vontade”14. Não há necessariamente, em sua
14 Isto nem sempre acontece em se tratando dos quilombolas, cujo discurso ébastante mais radical, talvez porque sua mobilização seja mais antiga. A
18
identidade atual, a manifestação de uma escolha existencial,
mas sobretudo a adesão (mais ou menos espontânea) a uma decisão
coletiva, tomada em seguida à encontros com estranhos ao lugar
(freis católicos ou universitários), à aproximações
estratégicas com organizações de militantes e com
circunstâncias imprevistas (acesso aos recursos naturais
cruciais, por exemplo). Frente a dificuldade de combinar esses
múltiplos parâmetros, num jogo que parece as vezes um tanto
aleatório, as pessoas adotaram o local de moradia como critério
de definição da identidade “étnica”, numa possível reformulação
das suas práticas anteriores. Assim, se o povoado dotou-se de
uma associação quilombola, os habitantes se considerarão como
tal; se trata-se de uma associação indígena, eles serão
indígenas15. E se eles mudam de local de residência, em função
de um casamento, por exemplo, eles adererirão à categoria de
seu cônjuge.
Isto não significa que a referência à “cultura” não tem
importância, e para se convencer disso é só observar o trabalho
de "conscientização” operado pelos líderes, apoiados por freis
católicos, e o desempenho admirável dos povoados. Os moradores
de uma aldeia indígena podem construir uma maloca, usar colares
de dentes e sementes, se pintar nas ocasiões importantes, e
tentar organizar oficinas para “aprender a língua”. Os
habitantes de uma comunidade quilombola, por sua vez,
procurarão ter alguém que entende de candomblé, formar uma
turma de capoeira, resgatar lembranças da escravidão. A
pesquisa em curso se propõe a esclarecer essas diferenças. 15 ?Este não é evidentemente o caso dos poucos indivíduos que, por diversas
razões, recusam-se a participar da associação. Nesse caso, eles secolocam à parte da vida comunitária.
19
sinceridade do trabalho sobre si mesmo não é passível de
dúvida, e compartilho por completo a opinião de Mauro Almeida
(2007:14) quand descarta definitivamente a caracterização
destas novas identidades como sendo simplesmente “de balcão” ou
ainda de fachada. Com efeito, se o autor admita que a auto-
consciência vem primeiro de fora, ele frisa também que “para
constituir-se em uma essência autônoma, ocorre uma luta para
suprimir aquela sua existência que se dá através do outro.
[...] Trata-se de um agir, mas de um agir que deve exerce-se
‘contra si tanto como contra o outro’, ao mesmo tempo que é o
fazer de um e um fazer do outro” (ibid.). É de fato
incontestável que, à medida da elaboraração dessas
“identidades” ou dessas “auto-consciências”, as pessoas se
apropriam delas até as investirem plenamente.
No entanto, quando considerarmos o início desse processo,
isto é, o momento em que a representação de si é reconsiderada,
e antes que a nova “identidade” se sedimente, um observação
deve ser colocada: os elementos apontados como representativos
de cada “cultura” adquirem sentido, antes de mais nada,
enquanto prova da legitimidade do pedido para pertencer a uma
categoria legal. Pois, num contexto onde o Estado atrela a
concessão de direitos à qualidades culturais ou étnicas, as
populações não têm escolha, a não ser se adequar com as
categorias da administração, e a maneira pela qual estão sendo
definidas. Portanto, trata-se de uma cultura substancializada
que, como escreve Arjun Appadurai (2005:43), coloca-se do lado
da raça.
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Essencializadas ao serem colocadas em relação com uma
dentro das várias histórias, essas culturas, representadas sob
a forma de grupos-territórios, parecem facilmente apreendíveis,
e portanto mais facilmente administráveis. O credo
multiculturalista da “igualdade na diferença” favorece desta
forma uma gestão diferenciada de uma população diferenciada
pelo próprio Estado. Um breve parêntese: nesta associação de
categorias legais à regimes territorais especifícos, nada é
feito para facilitar a vida dos grupos sociais concretos.
Assim, o direito não prevê possibilidade nenhuma de criar zonas
de uso comum entre terras de estatuto diferente, o que teria
ajudado a resolver o conflito mencionado acima16.
A fragmentação da figura do pobre...
Sem pretender avaliar a ação das instituições, gostaria de
lembrar que a demarcação de terras indígenas ou quilombolas é
extremamente longa e que, com muita frequência, ela só se
realiza sob pressão dos movimentos sociais mobilizados (ONGs,
igreja, partidos, etc.). Tal comentário a respeito da lentidão
das administrações leva à outro, voluntariamente provocativo,
já que trata-se de indagar se, sob aparências mais sedutoras,
não seria possível identificar aqui uma nova variante da lógica
de exceção que, segundo Das e Poole (2004:10), opera nas
margens do Estado.
A implementação das políticas públicas dirigidas às
minorias significa com certeza que alguns grupos conseguem
gozar de direitos garantidos pelaConstituição. Esses podem
16 ? Esta possibilidade constitue, todavia, um tema de reflexão para algunsantropólogos do Ministério Público Federal.
21
ser considerados, num certo sentido, como os “eleitos”, uma
palavra que deve ser entendida literalmente em razão da
dificuldade de alcançar as vantagens associadas ao
reconhecimento oficial. Pois os empecilhos na execução destas
políticas, a complexidade dos procedimentos e, às vezes, a má
vontade das instituições, implica também que outros, ainda se
encontrando na fila de espera, não conseguem escapar do que é a
norma comum do atendimento ao cidadão –i.e, nada ou quase nada
-, norma a qual, evidentemente, estão submetidos igualmente
todos aqueles, bem mais numerosos, que nem mesmo sonharam (até
agora?) em fazer valer uma particularidade.
Forçando apenas o traço, poder-se-ia sugerir que dar a
raros grupos em nome da sua singularidade, e deixar outros
esperando sob o pretexto de reunir as evidências, condena a
grande maioria à permanecer na exclusão. Precisaria então – o
que é bastante difícil, convenho eu – aceitar que essa politica
diferencialista, com suas pretensões de reparação e
redistribuição, foi concebida para ser limitada17. Nós teríamos
aí um bom exemplo da importância, para o Estado-nação moderno,
dos dispositivos classificatórios e disciplinares – sobre os
quais Foucault e Appadurai já chamaram atenção.
Tal fato aponta para a necessidade de investigar mais o
papel do Estado, os interesses, nem sempre isentos de
concorrência, das instituições que o compõe e dos seus
representantes nesses processos, bem como as eventuais
17 ? À respeito das comunidades quilombolas, Jean-François Véran indica quea promulgação do artigo 68 na ocasião do centenário da abolição “apareceucomo uma concessão simbólica obtida pelos movimentos militantes”(1999 :54) e não teria forçosamente uma vocação para ser largamenteaplicada.
22
divergências entre as definições dadas pelo Direito, as
interpretações que são feitas e as ações que elas justificam –
sem nunca abrir mão da obrigação de restituir o ponto de vista
das populações e de analisar as suas estrátegias. Tal abordagem
permitiria também incluir num mesmo objeto de reflexão os
grupos etnicamente labelizados e os grupos marginalizados. No
caso dos “favelados”, o discurso e a prática do Estado não
deixam dúvidas sobre a vontade de cercar o território para
extirpar dele o que é considerado como o mal da sociedade: o
que está sendo procurado é o desaparecimento dos indesejáveis.
Mas, se aceitarmos a proposta acima, será que no fundo o
tratamento reservado aos primeiros não visa a um objetivo
analógo? Em que medida a ventilação dos “pobres” entre várias
categorias legais não remete a um desejo de fazê-los sumir,
através da sua fragmentação e da sua exotização?
Por enquanto, uma coisa parece certa : seja ele
considerado como “fonte do mal” ou seja ele valorizado como
representante de um “bem raro”, o “pobre” é necessariamente
diferente.
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