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Universidade Federal Fluminense - Centro de Estudos Gerais Instituto de História
Programa de Pós-Graduação em História - UFF
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE HISTÓRIA
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
EDILSON NUNES DOS SANTOS JUNIOR
UMA “FLORESTA” DE CONFLITOS, DISPUTAS E
NEGOCIAÇÕES: A CAPITANIA DO PORTO DA CORTE E
PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO E A SOBREPOSIÇÃO DE
JURISDIÇÕES NO PROCESSO DE CENTRALIZAÇÃO
ADMINISTRATIVA DOS PORTOS (1846-1874)
Niterói
Junho de 2020
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE HISTÓRIA
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
EDILSON NUNES DOS SANTOS JUNIOR
UMA “FLORESTA” DE CONFLITOS, DISPUTAS E
NEGOCIAÇÕES: A CAPITANIA DO PORTO DA CORTE E
PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO E A SOBREPOSIÇÃO DE
JURISDIÇÕES NO PROCESSO DE CENTRALIZAÇÃO
ADMINISTRATIVA DOS PORTOS (1846-1874)
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal Fluminense
como requisito parcial para obtenção do
grau de Doutor em História.
Orientação: Profª. Drª. Gladys Sabina Ribeiro
Niterói
Junho de 2020
Ficha catalográfica automática - SDC/BCG
Gerada com informações fornecidas pelo autor
Bibliotecário responsável: Sandra Lopes Coelho - CRB7/3389
S237? Santos Junior, Edilson Nunes dos
Uma "floresta" de conflitos, disputas e negociações: a
Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro e a
sobreposição de jurisdições no processo de centralização
administrativa dos portos (1846-1874) / Edilson Nunes dos
Santos junior ; Gladys Sabina Ribeiro, orientadora. Niterói,
2020.
355 f. : il.
Tese (doutorado)-Universidade Federal Fluminense, Niterói,
2020.
DOI: http://dx.doi.org/10.22409/PPGH.2020.d.07713844759
1. Capitania do Porto da Corte. 2. Sobreposição de
Jurisdição. 3. Centralização Política. 4. Câmara
Municipal. 5. Produção intelectual. I. Sabina Ribeiro,
Gladys, orientadora. II. Universidade Federal Fluminense.
Instituto de História. III. Título.
CDD -
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE HISTÓRIA
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
EDILSON NUNES DOS SANTOS JUNIOR
UMA “FLORESTA” DE CONFLITOS, DISPUTAS E
NEGOCIAÇÕES: A CAPITANIA DO PORTO DA CORTE E
PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO E A SOBREPOSIÇÃO DE
JURISDIÇÕES NO PROCESSO DE CENTRALIZAÇÃO
ADMINISTRATIVA DOS PORTOS (1846-1874)
Aprovada em 18/06/2020
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal Fluminense
como requisito parcial para obtenção do
grau de Doutor em História.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Gladys Sabina Ribeiro ______________________________________
(Orientadora), UFF
Prof. Dr. Álvaro Pereira Nascimento. ____________________________________
(Arguidor), UFRRJ
Prof. Dr. José Miguel Arias Neto ________________________________________
(Arguidor), UEL
Profª. Drª. Karoline Carula _____________________________________________
(Arguidora), UFF
Prof. Dr. Paulo Cruz Terra ___________________________________
(Arguidor), UFF
Prof. Dr. Carlos Gabriel Guimarães (Suplente), UFF ________________________
Prof. Dr. Jonis Freite, (Suplente), UFF ___________________________________
Niterói
Junho de 2020
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiro e sempre à minha mãe. Que na ausência física, se faz presente
em cada dia da minha da vida, em cada escolha feita e em todas as linhas dessa tese.
Ao Glauber, que foi fundamental em todo o processo da pós-graduação, com o
incentivo constante, com as revisões atentas e precisas, com os diálogos intermináveis e
com a paciência que só aqueles que nos amam conseguem ter. Obrigado pela felicidade
de hoje e pelos dias que virão.
À minha irmã, pelo carinho e pelo suporte que ajudou a atravessar o primeiro ano
de doutorado, que não contou com financiamento.
À minha orientadora, Gladys Sabina Ribeiro, pela companhia de orientação dos
últimos seis anos, incentivando constantemente e apontado caminhos, sempre com o rigor
profissional que o nosso ofício exige.
Ao Paulo Cruz Terra, que sempre acreditou em mim e nessa pesquisa; que
incentivou e ajudou sempre que possível.
Aos professores e à professora que aceitaram participar da banca. Ao professor
José Miguel Arias Neto, que desde a qualificação apontou caminhos e fez comentários
muito importantes para o argumento da tese.
Ao professor Álvaro Nascimento, que indicou a documentação da Capitania do
Porto da Corte ainda no mestrado e abriu para mim a possiblidade de pesquisa de uma
parte da vida portuária da cidade até então desconhecida.
À professora Karoline Carula e ao professor Marcelo Magalhães por aceitarem,
também prontamente, participar da banca.
Aos professores Carlos Gabriel e Jonis Freire por se disporem ajudar e comporem
a banca como suplentes.
Aos professores do PPGH da UFF, que acompanharam de perto o desenrolar da
pesquisa, indicando fontes, bibliografia ou apoiando e incentivando a continuidade dos
trabalhos.
Às amigas Silvana Andrade e Fernanda Soares. Desde o mestrado, nós nos
acompanhamos, apoiamos e acolhemos. Suas amizades foram um suporte fundamental
para enfrentar os tormentosos e críticos anos do doutorado.
Ao Jorge Fontes, pela supervisão no doutorado-sanduíche em Lisboa. Sua atenção
e suas indicações de pesquisa foram muito importantes para as análises dessa tese.
Aos colegas do Grupo de Estudos do Trabalho e dos Conflitos Sociais, do Instituto
de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, que me receberam
afetuosamente.
Aos funcionários da Secretaria do PPGH, em especial ao Rafael e à Thaís, pelo
trabalho árduo e constante ao longo dos últimos anos e que me ajudaram nas mais variadas
solicitações. Em nome deles estendo a todos os outros, que são essenciais para a
excelência do programa.
A todos os funcionários da Biblioteca do Gragoatá.
Aos funcionários do Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro e do Arquivo Nacional.
Aos funcionários do Arquivo Histórico da Marinha, em Lisboa, em especial à Dra.
Isabel Beato e ao Tenente Silva, sempre prestativos e diligentes.
À CAPES, por financiar boa parte dessa pesquisa.
O processo de pesquisa e de escrita dessa tese foi – e de maneira geral é –, em
essência, solitário, repleto de dúvidas e inseguranças, além dos obstáculos materiais
enfrentados ao longo do caminho. Ao mesmo tempo, foi repleto de carinho, alegrias,
descobertas, ressignificações e desconstruções, de suporte e de acolhimento de amigos e
familiares que, direta ou indiretamente, me ajudaram a chegar aqui. Por mais que nossos
méritos sejam nossos, frutos desse esforço e determinação, só chegamos onde chegamos
porque contamos com pessoas que seguram em nossas mãos e nos levam adiante. Durante
toda a minha pós-graduação foi assim. Agora, esse processo termina, em um cenário
desalentador, assustador mesmo, e com um futuro incerto. Por isso e por tudo, agradeço
a todos e a todas por hoje e pelo que virá.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo analisar a criação e o funcionamento da Capitania do
Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro entre os anos 1846 e 1874. Para tanto,
investiga como a sobreposição de jurisdições causada pelo seu regulamento provocou
uma concorrência de poderes entre instituições imperiais, provinciais e municipais sobre
os terrenos de marinhas da província e, em especial, da Corte e como esse processo foi
apropriado pelos agentes sociais presentes nas praias. O cotidiano de atribuições da
repartição foi atravessado por uma complexidade de interesses e de influências internas e
externas, locais e centrais; o que permite deslindar o processo de normatização dos portos
em escala nacional e como esse processo foi atravessado de conflitos, disputas e
negociações que influenciaram e foram influenciados pelo projeto conservador de
centralização política e administrativa.
Palavras-chave: Capitania do Porto da Corte; Câmara Municipal; Sobreposição de
Jurisdição; Centralização Política; Terrenos de Marinhas; Recrutamento Forçado.
ABSTRACT
This research aims to analyze the creation and functioning of the Port Captaincy of the
Court and Rio de Janeiro’s Province between 1846 and 1874. Therefore, it investigates
how the overlapping of jurisdictions caused by its regulation generated a rivalry of forces
between imperial, provincial and municipal authorities on “terrenos de marinhas” in the
province and, in particular, the Court and how this process was appropriated by the social
agents present in the harbors. The daily duties of the Navy office were crossed by a
complexity of internal and external interests, local and central influences; what allows to
unravel the standardization process of harbors on a national scale and how this process
was crossed by conflicts, disputes, and negotiations that influenced and were influenced
by the conservative project of political and administrative centralization.
Keywords: Port Captaincy of the Court; City Council; Overlapping of Jurisdictions;
Political Centralization; Terrenos de Marinha; Forced Recruitment.
Lista de imagens
Figura 1: Organograma 1 – Capitanias dos Portos de Portugal – 1839 ........................ 56
Figura 2: Organograma 2 - Estrutura Administrativa da Marinha – 1842-1844 ........... 89
Figura 3: Decretos e data de criação das capitanias dos portos – 1846-1874 ............. 103
Figura 4: Organograma dos empregados da Capitania do Porto da Corte – 1870 ...... 105
Figura 5: Localização dos recrutados na Província do Rio de Janeiro – 1865 e 1866 185
Figura 6: Matrícula de João Martins de Almeida – 1866. ......................................... 203
Figura 7: Matrícula de Polidoro José da Costa – 1866 .............................................. 204
Figura 8: Matrícula de Joaquim Raphael Gomes – 1867 ........................................... 205
Figura 9: Matrícula de Elisário Francisco da Boa-Morte – 1865. .............................. 208
Figura 10: Estações de embarque e desembarque – 1847.......................................... 228
Figura 11: Mapa do local dos ancoradouros das embarcações mercantes (Representação
gráfica). .................................................................................................................... 230
Figura 12: Cais dos Mineiros – 1873. ....................................................................... 251
Figura 13: Mapa da Rua da Saúde – 1862. ............................................................... 267
Lista de gráficos
Gráfico 1: Contagem de Gabinetes Ministeriais por partido – 1848-1869. .................. 82
Gráfico 2: Recrutados na Província do Rio de Janeiro - 1865. .................................. 183
Gráfico 3: Idade dos recrutados - 1865. .................................................................... 186
Gráfico 4: Nacionalidade dos engajados – 1865. ...................................................... 191
Gráfico 5: Libertos enviados pela Capitania do Porto da Bahia – 1868. .................... 194
Lista de quadros
Quadro 1: Capitanias dos Portos de Portugal – 1859. ................................................. 66
Quadro 2: Ministros permanentes em outros cargos políticos – 1845-1870. ............... 85
Quadro 3: Relação dos navios a vapor construídos pelo Arsenal de Marinha – 1840-
1870. ........................................................................................................................... 94
Quadro 4: Receita da pagadoria da Marinha para ser entregue ao Tesouro Nacional -
1859-1860. ................................................................................................................ 135
Quadro 5: Prêmios para os alistados na Armada – 1855. .......................................... 156
Quadro 6: Distribuição do número de praças voluntarias segundo o Decreto nº 3.708, de
29 de setembro de 1866. ............................................................................................ 188
Quadro 7: Recrutados na Província do Rio de Janeiro – 1867. ................................. 190
Lista de abreviaturas
AGCRJ – Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro
AN – Arquivo Nacional
ANP – Arquivo Nacional de Portugal
AM – Arquivo da Marinha do Brasil
AHM – Arquivo Histórico da Marinha de Portugal
BCL – Biblioteca Central Municipal de Lisboa
BN – Biblioteca Nacional
BNP – Biblioteca Nacional de Portugal
CLI – Coleção das Leis do Império
CLR – Coleção de Legislação Régia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 16
CONSTRUINDO A TESE: A SOBREPOSIÇÃO DE JURISDIÇÃO E A
CONCORRÊNCIA DE PODERES ......................................................................... 20
CONSTRUINDO A TESE: COSTURANDO CONVERSAS HISTORIOGRÁFICAS
E DIALOGANDO COM AS CONEXÕES ATLÂNTICAS .................................... 27
PARTE I ORGANIZAÇÃO DA “FLORESTA” ..................................................... 37
1. A CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO: CONCILIAÇÃO,
REGENERAÇÃO E NEGOCIAÇÃO EM BRASIL E PORTUGAL ..................... 38
1.1. ESTADOS NACIONAIS, APARATOS COERCITIVOS E CAPITALISMO:
MOVIMENTOS NACIONAIS E TRANSOCEÂNICOS ........................................ 38
1.2. REGENERAÇÃO, CONSENSO E AS CAPITANIAS DOS PORTOS NO
IMPÉRIO PORTUGUÊS ........................................................................................ 46
1.2.1. Descentralização administrativa e o regulamento da polícia dos portos
de 1839 ............................................................................................................... 51
1.2.2. Centralização, conservadorismo e a Regeneração portuguesa .............. 58
1.2.3. A reforma da autoridade marítima de 1851 e o regulamento de 1859 .. 63
1.3. DISPUTAS, NEGOCIAÇÕES E CENTRALIZAÇÃO NO IMPÉRIO
BRASILEIRO ......................................................................................................... 70
1.3.1. Conservadoramente liberal: Holanda Cavalcanti e a composição
ministerial – 1840-1870 ..................................................................................... 78
1.3.2. Civis na hierarquia militar: tensão e necessidade .................................. 82
1.3.3. O Ministério da Marinha e a expectativa institucional .......................... 87
2. AS CAPITANIAS DOS PORTOS E A REPARTIÇÃO DA CORTE:
NORMATIZAR, FISCALIZAR E SOCORRER .................................................. 100
2.1. O PROCESSO DE NORMATIZAÇÃO: A CRIAÇÃO E A ESTRUTURA
ADMINISTRATIVA DAS CAPITANIAS DOS PORTOS NO IMPÉRIO
BRASILEIRO ....................................................................................................... 101
2.2. DO CENTRO PARA AS BORDAS: O REGULAMENTO DE 1846 ............. 109
2.3. PARA O BEM SER DA MARINHA: AS CAPITANIAS DOS PORTOS NOS
RELATÓRIOS MINISTERIAIS E DOS SEUS CAPITÃES. ................................ 121
2.4. REGULAR A MATÉRIA EM NOME DO COMÉRCIO: O CÓDIGO
COMERCIAL E OS CASOS DE ABALROAMENTO ......................................... 136
PARTE II DONOS DA “FLORESTA” .................................................................. 148
3. “NADA PODEMOS TEMER”: VOLUNTÁRIOS, ENGAJADOS E
RECRUTADOS PELAS CAPITANIAS DOS PORTOS. ..................................... 149
3.1. O DECRETO Nº 1.591: A REORGANIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE
ENGAJAMENTO E DE RECRUTAMENTO E A RELEVÂNCIA DAS
CAPITANIAS DOS PORTOS. ............................................................................. 150
3.1.1. Discutindo o decreto: a iniciativa do recrutamento não convém aos
poderes locais ................................................................................................... 158
3.1.2. Discutindo o decreto: aumentar o engajamento contra o recrutamento
odioso ............................................................................................................... 162
3.2. VOLUNTÁRIOS, ENGAJADOS E RECRUTADOS: CORES,
NATURALIDADES E NACIONALIDADES....................................................... 172
3.2.1. A Questão Christie e a preparação para a Guerra do Paraguai .......... 172
3.2.2. As gentes, as cores e a cidadania segregada .......................................... 181
3.3. MUNDOS DO RECRUTAMENTO: ISENÇÕES, CAPTURAS ILEGAIS E A
CAPITANIA DO PORTO DA CORTE COMO LOCAL DE GARANTIA DE
DIREITOS. ........................................................................................................... 199
4. CAPITANIA DO PORTO DA CORTE E OS PODERES LOCAIS –
PROVÍNCIA, MUNICIPALIDADE E OS CIDADÃOS: DISPUTAS, CONFLITOS
E NEGOCIAÇÕES DENTRO E PELOS TERRENOS DE MARINHAS ............ 217
4.1. DESCENTRALIZANDO E CENTRALIZANDO A LEGISLAÇÃO SOBRE OS
TERRENOS DE MARINHAS .............................................................................. 219
4.2. A CÂMARA ESBULHADA: CONFLITOS, DISPUTAS E NEGOCIAÇÕES
PELAS PRAIAS DA CIDADE ............................................................................. 223
4.3. CATRAIEIROS ESBULHADOS: NEGOCIAÇÕES COTIDIANAS ENTRE AS
LICENÇAS CENTRAIS E LOCAIS ..................................................................... 240
4.4. TERRENOS DE MARINHAS: AUTORIDADES EM NEGOCIAÇÃO,
DISPUTA E ACOMODAÇÃO DENTRO E FORA DA CORTE .......................... 254
4.4.1. Terrenos de marinhas: tensões negociadas fora da Corte .................... 254
4.4.2. Terrenos de marinhas: disputas por espaços e acomodação jurisdicional
dentro da Corte ............................................................................................... 264
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 285
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 289
FONTES ............................................................................................................... 289
Documentação Manuscrita ............................................................................. 289
Documentação Impressa ................................................................................. 290
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 297
Dicionários ....................................................................................................... 297
Obras gerais..................................................................................................... 297
ANEXO 1: QUADRO DE COMPOSIÇÃO DO CORPO DE MARINHEIROS
MILITARES DE PORTUGAL – 1851 ................................................................... 309
ANEXO 2: EMPREGADOS DA CAPITANIA DO PORTO DA CORTE – 1846-
1874 .......................................................................................................................... 311
ANEXO 3: PORCENTAGEM DOS ENGAJADOS – 1867 .................................. 314
ANEXO 4: PESCADORES CHAMADOS PARA O SERVIÇO DA ARMADA –
1866 .......................................................................................................................... 315
ANEXO 5: EMPREGADOS DA SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS
DA MARINHA – 1844 ............................................................................................ 318
ANEXO 6: ORÇAMENTO DA CÂMARA MUNICIPAL DO ANO 1850-1851 .. 320
ANEXO 7: ORÇAMENTO DA CÂMARA MUNICIPAL DO ANO 186-1861 .... 322
ANEXO 8: PLANTA DA PONTE DO TRAPICHE DAMIÃO ............................ 324
ANEXO 9: MINISTROS DA MARINHA – 1840-1870 ......................................... 325
ANEXO 10: DECRETO Nº 447 DE 19 DE MAIO DE 1846 ................................. 332
16
INTRODUÇÃO
Aos 31 dias do mês de janeiro de 1850, na sala das sessões do Conselho de Guerra
do Arsenal de Marinha, reuniram-se, por ordem do Quartel General, o chefe de esquadra
João Taylor e os chefes de divisão Frederico Mariath e João Francisco Regis, para
procederem ao Conselho de Investigação com relação à denúncia de abuso de autoridade
feita por José Luiz de Souza, mestre da barca a vapor Restauração, da Companhia de
Niterói1, contra o Capitão do Porto da Corte e Diretor do Arsenal de Marinha, Antônio
Pedro de Carvalho.2 Souza havia peticionado ao Imperador em 13 de dezembro de 1849,
denunciando que tinha sido preso ilegalmente pelo Capitão do Porto por ter cometido um
crime que não existia no código legal e pedia que fossem tomadas as devidas providências
com relação à injustiça que julgava ter sido exposto.3
A questão teve início seis meses antes, em oito de julho de 1849, por volta de
16h30, quando o chefe da repartição da Marinha se dirigia da Corte para Niterói no escaler
da Capitania do Porto, quando avistou a barca a vapor Restauração vindo de São
Domingos em direção à ponte de atracação da Companhia na Praia Grande, a principal
daquela cidade4 e a mesma a que ele se dirigia. A barca vinha à direita do escaler e,
segundo Pedro de Carvalho, percebendo que ela cruzaria a proa, ou seja, a sua frente,
“fecharia” a sua embarcação e causaria uma colisão. Assim, alertou em voz alta para que
o mestre da barca reduzisse ou parasse, porque não só a sua embarcação era menor,
portanto teria prioridade como, mais importante, “[...] se via içado o pavilhão de um Chefe
de Divisão, e porque finalmente o escaler era mui conhecido, e em que ia o Chefe do
Porto digo o Chefe Capitão do Porto”.5
Souza não diminui e nem parou. Os remadores do escaler conseguiram desviar da
barca, evitando o abalroamento. Diante do “público desrespeito, e até que se pode
1 A grafia dos documentos de época foi atualizada, mantendo-se as pontuações e as letras maiúsculas nas citações diretas. 2 Arquivo Nacional (AN) – Série Marinha (SM), Fundo XM-251. Conselho de Investigação acerca da
queixa dada contra o Chefe de Divisão Antonio Pedro de Carvalho, Capitão do Porto do Rio de Janeiro, p.
28. 3 Ibidem, p. 31-33. 4 A Companhia de Niterói foi a primeira empresa de transporte a vapor a fazer o itinerário entre o Rio de
Janeiro e Niterói, iniciando o serviço em 1835. NORONHA SANTOS, F. A. Meios de transporte no Rio
de Janeiro: história e legislação. VOL. II. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio, 1934, p.
218. 5 AN – SM, XM-251. Idem, p. 34.
17
qualificar de tentativa de morte”6, o capitão do porto mandou prender o mestre da barca
dois dias depois e o enviou ao chefe de polícia da Corte, Antônio Simões da Silva, o
deixando preso no Aljube à disposição para averiguação. Em seguida, encaminhou o caso
ao subdelegado da freguesia de Santa Rita, Manoel da Cunha Barbosa, para que fosse
devidamente processado.7
O mestre da barca, no seu pedido de soltura, e como esperado, não reconheceu
que o seu comportamento fosse criminoso. Para ele, foi o capitão quem forçou a passagem
pela proa da sua barca e, por ele, Souza, não ter parado, qualificou o seu comportamento
como um novo crime que havia criado de vontade própria para aumentar a sua autoridade.
O subdelegado, no mesmo dia, determinou a liberação do réu, acatando os argumentos
dele e, em 26 de julho, apresentou uma justificação ao chefe de polícia que, por usa vez,
havia sido cobrado pelo capitão do porto sobre o resultado do processo contra o mestre
da barca. Nessa justificação, Barbosa defendeu que o que reclamava Pedro de Carvalho
– falta de respeito e o não desvio da embarcação, bem como a tentativa de assassinato
presumida – não estava previsto no Código Criminal, portanto, não deveria estar preso ou
ser processado criminalmente.8
Em sua conclusão, o Conselho de Investigação foi unânime em decidir pela
absolvição do Capitão do Porto. Taylor, Mariath e Regis afirmaram que o procedimento
de mandar prender o mestre da barca foi regular, uma vez que ele deveria ter tentado
evitar cruzar a proa do escaler em curta distância, como ocorreu, oferecendo risco de
perda da embarcação e da vida dos seus tripulantes. E, ainda mais, porque estava diante
de um superior a quem estaria subordinado conforme o regulamento das capitanias dos
portos. O parecer do conselho não aprofundou as explicações, somente enfatizou a
autoridade do capitão do porto sobre o assunto, ainda que o regulamento das capitanias
previsse o encontro de embarcações em sentidos opostos, dentro e fora da barra.9
6 Ibidem, p. 33. 7 Ibidem. 8 Ibidem, p. 36-37. 9 BRASIL. Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846. Manda pôr em execução o Regulamento para as
Capitanias dos Portos, Artigos 94 a 100. Coleção das Leis do Império do Brasil (CLI). Tomo IX, Parte II.
Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1847. (O regulamento das capitanias dos portos será analisado no
segundo capítulo). Contudo, o documento não previa a preferência de passagem entre um barco a remos,
como um escaler, e uma barca a vapor, mais rápida e mais pesada. Assim, e de qualquer forma, prevaleceria
a embarcação que carregava a autoridade sinalizada na vela. Até, pelo menos, meados do século XIX, não
existia uma regulação específica sobre a colisão entre esses tipos de embarcações. As primeiras tomadas de
decisão relacionadas a um controle mais estrito das barcas a vapor na baía do Rio de Janeiro e de Niterói
se deu a partir do acidente de 1844, com a inspeção das barcas e dos pilotos pelo Arsenal de Marinha. A
despeito disso, os abalroamentos entre essas embarcações e com outras a remo e a vela se tornaram mais
18
Como no poema de Drummond10 em epígrafe, o capitão do porto foi uma pedra
no caminho do mestre da barca a vapor. E foi tão significativa que, mesmo seis meses
depois, ainda lhe incomodava a “injustiça” do acontecido, a ponto de peticionar
diretamente ao Imperador para que o chefe da repartição fosse responsabilizado. Na obra
modernista, a pedra interrompe um caminho que outrora era livre, funcionando como um
obstáculo, em leitura literal. Por outro lado, de maneira figurativa, a pedra pertence ao
caminho, fazendo parte dele e marcando a existência daqueles que por ele passam e com
ela se encontram. A pedra (fato) é obstáculo e, ao mesmo tempo, impulso para seguir o
caminho (vida); é ponto de parada e de reflexão; de autoridade e ressignificação;
permanece na memória e é repetido de traz para frente e vice-versa como uma forma de
entendimento e de interiorização.11
O caso relatado acima é simbólico dessa imagem metafórica e múltipla de sentidos
que a pedra representa para a entrada em cena da Capitania do Porto da Corte e Província
do Rio de Janeiro e da sua autoimagem de autoridade portuária da cidade. Literalmente,
o capitão do porto estava no caminho do mestre da barca a vapor Restauração e vice-
versa. Este, poderia ter desviado ou reduzido a velocidade sabendo que encontraria o
escaler da repartição, que provavelmente avistou de longe. No entanto, escolheu seguir,
entendendo a embarcação menor e mais lenta como um obstáculo a ser superado e não
reconhecendo no estandarte da embarcação a autoridade esperada pelo chefe de divisão.
frequentes, forçando uma maior pressão sobre a Capitania do Porto, especialmente na década de 1860, onde
se verificou um crescimento na troca de ofícios com o ministério relacionados a esse assunto. AN, SM.
Fundos XM-211, 239, 240, 362, 428, 1075, 1076, 1077 e 1092. Na Inglaterra, somente com o Ato de
Navegação a Vapor de 1846, é que se verificou uma preocupação em regular, em escala nacional, as
constantes explosões das caldeiras e os abalroamentos entre os navios a vela e a vapor, bem como com a
segurança dos passageiros, incluindo a necessidade da inclusão de botes, ainda que primeiramente se
referissem aos navios de viagem transoceânica e não aos de navegação fluvial. Até então, o controle se
dava em escala local. BAHR, Rudiger. The development of regulations for preventing collisions in inland,
inshore, and open waters of the UK during the first half of the nineteenth century. 1998. 196 f. Tese
(Doutorado) – Universidade de S. Andrews, Escócia, UK, 1998, p. 65-71 e p. 134-137. Disponível em:
https://research-repository.st-andrews.ac.uk/handle/10023/14084. Acessado em: 05 dez. 2019. Sobre os acidentes e mortes com caldeiras a vapor em terra e a ação Estado inglês sobre o assunto, ver: BARTRIP,
Peter W. J. The State and the Steam-Boiler in Nineteenth-Century Britain. International Review of Social
History, vol. 25, nº 1, p. 77-105, abril-1980. Disponível em: https://doi.org/10.1017/S0020859000006222.
Acessado em: 05 dez. 2019. 10 Segundo Antonio Cícero, o poema mais famoso do modernismo brasileiro. CÍCERO, Antonio.
Drummond e a Modernidade. Revista Ipostesi, vol. 7, n. 1, p. 15-29, Juiz de Fora, 2003. Disponível em:
https://periodicos.ufjf.br/index.php/ipotesi/issue/view/830. Acessado em: 04 dez. 2019. 11 RAMOS JR., José de Paula. Amor de Pedra. Revista USP, nº 56, p. 100-105, São Paulo,
dezembro/fevereiro 2002-2003, p. 101-103. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/
view/33811/36549. Acessado em: 04 dez. 2019.
19
O ato falho de Antonio Pedro de Carvalho, por sua vez, indica a percepção do
chefe da Capitania do Porto. Primeiro, se denominou de “Chefe do Porto”. Em seguida,
consertou para “Chefe Capitão do Porto”. Pode ter se enganado, uma vez que escrevia
para o chefe de polícia. Contudo, manter o “erro” indicava que ele, Pedro de Carvalho,
também era chefe, duplamente. Àquela época – e até 1853 – o capitão do porto era o
diretor do Arsenal, instituição essa que era uma das mais importantes da Marinha.12
Assim, além da relevância do cargo de diretor do Arsenal, ocupava a chefia da repartição
que tinha sido criada para fazer a “polícia” do porto da Corte e, portanto, a autoridade
máxima que deveria ser respeitada por pilotos, mestres, capitães e demais personagens
do mundo do trabalho marítimo. Se auto denominar “Chefe do Porto” é simbólico e
sintomático do comportamento e da autoridade que esperava ser respeitada.
Nesse sentido, o caso julgado pelo Conselho de Investigação simboliza três
questões centrais sobre as quais esta tese se debruça e busca deslindar, quais sejam: 1) a
criação e o estabelecimento da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro,
bem como os desdobramentos desse processo na Corte e no resto da província; 2) a
importância da sobreposição de jurisdições para esse processo, que colocou em conflito
municipalidades, autoridades provinciais e ministérios e exigiu negociações constantes;
3) o uso dos requerimentos pelos agentes sociais como estratégias para o exercício de
uma cidadania oitocentista que provocou a concorrência de poderes entre aquelas
instituições e serviram como ferramenta na defesa dos seus interesses.
Dessa forma, esta tese analisa a complexidade de interesses e de influências
internas e externas, locais e centrais que se atravessaram naquele processo, de modo a
compreender o impacto das ações da repartição sobre as relações políticas e sociais do
litoral do Rio de Janeiro e como essas mesmas relações influenciaram a percepção da elite
política e administrativa do Império para a necessidade de reformulação das capitanias
dos portos.
O recorte cronológico se inicia em 1846, a partir da publicação do regulamento
das capitanias dos portos, que estabeleceu as atribuições da repartição e foi usado até a
década de 1880, com poucas alterações. Politicamente, foi um momento de redefinição
da relação do Governo Imperial com as forças locais – municipais e provinciais –, dentro
do processo de consolidação do Império brasileiro. Termina-se, então, em 1874, ano de
12 Ver, especialmente: GREENHALGH, Juvenal. O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na História:
1822-1889. Rio de Janeiro: IBGE, 1965.
20
saída de Antonio Félix Corrêa de Mello do cargo de capitão do porto da Corte, posto que
ocupou por dezessete anos. Além disso, foi o ano em que propostas de reformulação do
Regulamento de 184613 foram analisadas pelo Conselho Naval. Outrossim, a década de
1870 é um marco na historiografia pelas mudanças sociais, políticas e econômicas que
reconfiguraram o Império brasileiro a partir de então.14
CONSTRUINDO A TESE: A SOBREPOSIÇÃO DE JURISDIÇÃO E A
CONCORRÊNCIA DE PODERES
A repartição fazia parte da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha15 mas,
diferentemente de outras repartições militares, como o Arsenal e suas oficinas16 ou como
a própria Armada Imperial17, a Capitania do Porto da Corte era composta tanto por
funcionários militares quanto civis, ao mesmo tempo em que era organizada por políticos
de carreira (mesmo que estes tivessem ou não passagem pela carreira militar); tinha sob
sua responsabilidade o setor civil da navegação da região portuária: o tráfego do porto, o
de cabotagem e o de longo curso. Era também responsável pela segurança e pela polícia
do porto, que consistia, essencialmente, em organizar e normatizar os espaços
compreendidos dentro dos terrenos de marinhas.18 Ao mesmo tempo, era responsável pelo
engajamento e recrutamento de homens para os navios de guerra.
Portanto, uma repartição moldada a partir de diferentes capacidades e interesses,
que lidava com dinâmicas de comportamento distintas e conflitivas que demandavam
13 O Regulamento das Capitanias dos Portos será mencionado sempre dessa forma, com letra maiúscula,
quando usado de maneira a ser distinguido especificamente, assim como as demais instituições, postos
militares os cargos administrativos. 14 Ver, por exemplo: ALONSO, Ângela. Ideias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil Império.
São Paulo: Paz e Terra, 2002. 15 A partir daqui, somente Ministério da Marinha, assim como os outros ministérios. 16 LACERDA, David P. Trabalho, política e solidariedade operária: uma história social do Arsenal de
Marinha do Rio de Janeiro (c. 1860 - c. 1890). 2016. 287 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, Campinas, 2016. 17 ARIAS NETO, José Miguel. Em busca da cidadania: Praças da Armada Nacional (1867-1910). 2001.
386 f. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação do Departamento de História, USP, 2001; JEHA, Silvana Cassab. A galera heterogênea: naturalidade, trajetória e cultura dos recrutas e
marinheiros da Armada Nacional e Imperial do Brasil, c.1822-c.1854. 2011. 242 f. Tese (Doutorado em
História Social da Cultura) – Departamento de História, PUC-RJ, Rio de Janeiro, 2011; NASCIMENTO,
A. P. Do convés ao porto: a experiência dos marinheiros e a revolta de 1910. 2002. Tese (Doutorado em
História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, Campinas, 2002. 18 O termo “terrenos de marinhas” tem variado no tempo (terras de marinha, terreno de marinha, terreno de
marinhas) e de acordo com a obra que os analisa ou mesmo na legislação. Neste trabalho, optou-se pela
forma usada na Portaria nº 348 – Fazenda – em 14 de novembro de 1832, que especificou o que são e quanto
medem esses espaços. BRASIL. CLI, Portaria nº 348 – Fazenda – em 14 de novembro de 1832. Instruções
para reconhecimento, medição e demarcação dos terrenos de marinhas.
21
negociações constantes em diferentes níveis hierárquicos. Tais fatores precisam ser
considerados na investigação da sua atuação de modo a desnaturalizar os discursos
dominantes presentes em análises sobre o amplo arco de atuação da repartição, que ia do
recrutamento de indivíduos, passava pelos terrenos de marinhas e chegava na dinâmica
portuária carioca em si, entre outras atribuições.
Nesse sentido, a sobreposição de jurisdições é central para a análise da Capitania
do Porto da Corte e dos desdobramentos da sua criação e instalação no Rio de Janeiro,
pois ela foi colocada em um cenário altamente concorrido com a função de polícia que já
tinha a Câmara Municipal da Corte e a Chefia de Polícia. O próprio caráter polissêmico
da palavra “polícia” no século XIX indica as possibilidades de interpretações que eram
possíveis de serem feitas pelos agentes centrais e locais. O termo significava tanto a
segurança dos cidadãos relacionado ao controle de mendigos, aqueles e aquelas
considerados vagabundos e criminosos em geral, quanto o governo e a administração do
Estado, a “cultura, polimento, aperfeiçoamento da nação”.19 Assim, policiar uma cidade
significava tanto a policiamento no sentido atual, de segurança e controle, quanto
organizar e fiscalizar o ordenamento do espaço urbano.
Com relação a esse último, o Regulamento das Câmaras de 1828, previsto na
Constituição de 1824, estabelecia a “polícia” das cidades e vilas20, o que deu origem, no
Rio de Janeiro, às posturas municipais de 1830 e, posteriormente, de 1838, entendidas
pela vereança como policiais também no sentido da segurança, no contexto de extinção
da Intendência de Polícia da Corte, naquele mesmo ano. No entanto, o regulamento
retirou da alçada das municipalidades as atribuições judiciais e financeiras, restringindo
a sua atuação ao campo administrativo. Sem embargo de tal restrição, esta função,
juntamente com aquelas “policiais”, responderam por uma autonomia substancial da
Câmara Municipal no governo da cidade.21
19 LACERDA, José Maria D'Almeida e Araujo Correia de. Diccionario da Lingua Portugueza: para uso
dos portuguezes e brazileiros. Lisboa: F. A. da Silva, 1862, p. 215. Ver também: SILVA, Antonio de
Moraes. Diciionario da Lingua Portugueza. Volume II. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813, p. 464; ABREU, Martha Campos. “O Império do Divino”: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro,
1830-1900. 1996. 507 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
UNICAMP, Campinas, 1996, p. 164. 20 BRASIL. CLI, Lei de 1º de Outubro de 1828. Dá nova forma às Câmaras Municipais, marca suas
atribuições, e o processo para a sua eleição, e dos Juízes de Paz. Título III, Posturas Policiais. 21 Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ). Código de Posturas da Ilustríssima Câmara
Municipal do Rio de Janeiro e Editais da mesma Câmara, 1830. TERRA, Paulo Cruz. Câmaras Municipais
no Império: as posturas municipais do Rio de Janeiro sobre o trabalho (1830-1838). In: MAGALHÃES,
Marcelo de Souza; ABREU, Martha Campos; TERRA, Paulo Cruz; (Orgs.). Os poderes municipais e a
cidade: Império e República. Rio de Janeiro: Mauad X, 2019, p. 159-162.
22
Em um período posterior, a revisão do Código Criminal em 1841 deu mais poderes
aos agentes do poder central e trouxe maior especificidade ao termo, ao criar o cargo de
chefe de polícia, que era indicado pelo Imperador entre desembargadores e juízes de
direito, e de delegado e subdelegado, também nomeados após aquelas indicações. O
regulamento aprovado em 1842 era dividido em duas categorias: administrativa, que fazia
a “polícia” das cidades e observava as posturas municipais e outra judiciária, responsável
pela primeira instância em si, funcionando para a manutenção do controle policial
propriamente dito, relacionado a prisão de culpados, mandados de busca e do corpo de
delito. Assim, era mais um elemento de sobreposição de jurisdição com outras
instituições, especialmente com as municipais.22
Este processo foi atravessado de disputas jurisdicionais e conflitos de interesse.
José Reinaldo de Lima Lopes assevera que, pelo menos até a década de 1860, a tendência
foi da convivência entre uma jurisdição administrativa, que lidava com as demandas do
direito público, o poder judiciário em si, de direito privado e a Assembleia Geral, a qual
cabia a interpretação das leis e da sua constitucionalidade.23 Ainda que houvesse o esforço
de afastar o judiciário das questões políticas, o que ocorreu, pelo contrário, foram diversos
conflitos de interesse entre aquele e os outros poderes, principalmente se se incluir os
juízes de primeira instância.24 Conflitos esses que passavam diretamente por uma falta de
definição clara de jurisdição não só das funções judiciárias, mas de diferentes cargos
públicos e instituições políticas que foram sendo criadas e adaptadas ao longo do século
XIX.
Coadunando-se com Lopes, Andrea Slemian defende que a marca principal da
carreira de magistrado era a passagem por diversos cargos na administração pública e na
22 SLEMIAN, Andrea. A administração da justiça nas primeiras décadas do Império do Brasil: instituições,
conflitos de jurisdições e ordem pública (c. 1823-1850). Revista do Instituto Histórico e Geographico
Brazileiro. Rio de Janeiro, vol. 452, 2011. Disponível em: https://ihgb.org.br/publicacoes/revista-
ihgb/item/175-volume-452.html. Acessado em: 04 dez. 2019, p. 247. A autora afirma que a importância da
criação dos cargos subordinados diretamente ao poder central através de indicação foi excluir do processo
a eleição para os postos com junções judiciais, como era o caso dos juízes de paz. 23 LOPES, José Reinaldo de Lima. O Supremo Tribunal de Justiça no apogeu do Império (1840-1871). In: SLEMIAN, Andrea; LOPES, José Reinaldo de Lima e NETO, Paulo Macedo Garcia, PAYAR, André
Javier (coordenadores). O Supremo Tribunal de Justiça (1828-1889). São Paulo: Saraiva, 2010. p. 68. 24 Lopes elenca cinco tipos de relações conflituosas entre os juízes de primeira instância e os outros poderes
da sociedade: 1) o ingresso na política se dava através do cargo de juiz. Ao serem nomeados pelo Imperador
para atuarem nas localidades, imiscuíam-se no sistema de poder local; 2) ausência de incompatibilidades
funcionais, permitindo que os juízes aderissem aos partidos locais; 3) os juízes presidiam as turmas que
decidiam sobre os recurso das qualificações para as eleições; 4) o crescimento econômico verificado a partir
de 1850, que fez crescer a concessão de serviços públicos, aumentando as diferenças entre o judiciário e os
presidentes de província; 5) os conflitos entre os juízes e as autoridades policiais e os promotores de justiça.
Idem. p. 69-72.
23
justiça que, se, por um lado, permitia ao indivíduo a formação de uma experiência, por
outro, o possibilitava aderir às disputas políticas locais, que se estendiam desde as vilas
até às esferas mais altas do governo.25 Dessa maneira, a relação entre as diversas
instituições no Império do Brasil pautou-se pelo que a autora chama de “poderes
concorrenciais”, ao explicar esses conflitos jurisdicionais advindos da implementação de
um novo paradigma na justiça do Império.
Em parte, essa prática seria reinventada pelas novas instituições que no
próprio arranjo constitucional previa certa interferência de alguns
agentes sobre outros. Interferência esta, queremos frisar, que tinha
papel contencioso.26
É perceptível, assim, que o período em tela foi marcado por uma mudança que
ocorreu ao logo do Oitocentos e que entrelaçou comportamentos costumeiros com as
novas práticas políticas e administrativas próprias do liberalismo político que tiveram
impactos diretos sobre a vida dos cidadãos do Império. Martha Abreu afirma que o
período foi atravessado por um projeto político civilizador que buscava enquadrar a
sociedade dentro de um modelo europeu, mas esbarrava em manifestações populares
vistas como incompatíveis com a expectativa da classe dominante.27 Nesse processo, se
verificou, a partir da década de 1830 e, mais especificamente nos anos 1840, com as
reformas do Ato Adicional de 1834 e do Código Criminal, uma “política policial” que era
configurada pelo sentido oitocentista da palavra indicado anteriormente, mas que
funcionava como um elemento ordenador e organizador da classe senhorial, ou seja, um
caráter estrutural daquela sociedade. A reformulação judicial teve impacto direto sobre as
municipalidades e, mais importante, sobre a Câmara Municipal da Corte, havendo “o
necessário entrelaçamento com os outros poderes, inclusive com o governo central, pela
circunstância de a capital imperial ser o Rio de Janeiro”.28
Ao mesmo tempo que os fiscais de freguesia e os guardas municipais
“policiavam” a cidade, os delegados e os subdelegados com os seus guardas faziam o
mesmo, o que não raro provocava conflitos entre esses agentes sobre questões variadas,
como as festas analisadas por Abreu. Logo, na Corte, tinha-se a vereança, que respondia
ao Ministério do Império e as autoridades policiais que estavam subordinadas ao
25 SLEMIAN, Andrea. Op. Cit., p. 240. 26 Ibidem, p. 250-251. 27 ABREU, Martha Campos (1996). Op. Cit., p. 157. 28 Ibidem, p. 164.
24
Ministério da Justiça, o que desde já fazia da “polícia” da cidade uma função complexa e
atravessada de interesses conflitantes.29
Em vista disso, Abreu indicou orginalmente uma “visível e especial
interpenetração de poderes central e municipal, na cidade do Rio de Janeiro”.30 A partir
daí, viu, nessa relação tensa, uma possibilidade de investigação dos conflitos e das
disputas que dali nasciam e das possiblidades para os cidadãos da cidade de reivindicação
de direitos, baseados em estratégias que colocavam em conflito tais instituições ao
recorrerem a cada uma delas em busca de proteção em situações diferentes.31
Na dissertação de mestrado, ao investigar os trabalhadores marítimos e as disputas
das praias como espaços de trabalho, identifiquei as atribuições municipais de polícia em
conflito com as autoridades ministeriais, notadamente a Alfândega, e os juízes de paz.
Até 1845, antes da criação das capitanias dos portos, a regulação das praias era mais
descentralizada, com ênfase na atuação da Câmara Municipal. Para aquele momento,
também verifiquei o uso dessa sobreposição de jurisdições pelos trabalhadores que, ora
recorreram à municipalidade, ora ao juizado leigo para defender o que entendiam como
seus direitos costumeiros.32
No caso dos espaços portuários do Império, Cezar Honorato identificou uma
mudança na relação entre o poder central e o poder local, que quer dizer, em outras
palavras, uma concorrência de poderes na construção de um aparato legal que objetivou
a estatização das faixas litorâneas – os terrenos de marinhas – para a concessão às
atividades privadas. Nesse processo, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro conseguiu
manter relativo controle sobre esses espaços, incluindo a função de aforamento, a despeito
dos diferentes decretos e leis que objetivaram reduzir o poder local, o que ocorreu nas
demais províncias.33
Maria Cecília Velasco e Cruz também percebeu a confluência de diferentes forças
que agiam no porto carioca do século XIX. O funcionamento do porto, para ela, era
viabilizado pela entrosamento entre agentes públicos e privados, notadamente no
29 Ibidem, p. 166-167. 30 Grifo nosso. Ibidem, p. 167. 31 Ibidem, p. 173. 32 SANTOS JUNIOR, E. N. Sobre as águas da Guanabara: transporte e trabalho no Rio de Janeiro do
século XIX (1835-1845). Rio de Janeiro: Prefeitura do Rio/Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro,
2018. Ver o capítulo 3. 33 HONORATO, Cezar. O polvo e o porto: a Cia. Doca de Santos (1888-1914). 2ª ed. Curitiba: Editora
Prismas, 2016, p. 89-120.
25
universo dos trapiches (particulares ou não) que podiam ser alfandegados, ou seja,
receber, fiscalizar e auferir as mercadorias taxadas pelo governo.34 Nesse sentido, para
Cruz, o porto tinha sua própria racionalidade, pois possuía um sistema próprio de
“funções múltiplas e específicas”, com ênfase na relação tensa entre o Estado e os
interesses privados.35
Com relação específica às capitanias dos portos, Luiz Geraldo Silva mostrou como
a criação das repartições foi permeada de dúvidas no Parlamento, prevalecendo a pressão
militar na figura do futuro Visconde de Albuquerque pela aprovação para a criação das
repartições. Silva deu destaque aos mecanismos de recrutamento de indivíduos para a
Armada através da matrícula dos marítimos, com especial atenção aos pescadores.36
Rafael Davis Portela também viu nas repartições um ponto essencial para a aquisição de
homens. Por sua vez, analisou como os pescadores baianos utilizaram a Capitania do
Porto da Bahia da forma que melhor lhes convinha e os limites que impuserem à sua
rotina de trabalho.37
Dessa maneira, tem-se a dimensão da importância da inclusão da Capitania do
Porto da Corte em todo esse processo, como uma nova “polícia” que entrava em cena e
complexificava ainda mais o cenário político, social e econômico carioca, só que agora,
mais especificamente, não só na região portuária da capital do Império, como, também,
no resto da província. No seu regulamento, igualmente, estava disposta a “Polícia do
Portos”, que consistia na “conservação, e bom estado do Porto, pelo que pertence à sua
limpeza, profundidade, e segurança [...]”.38 Ou seja, só neste artigo, o Regulamento de
1846 atravessava a Polícia da Corte, ou seja, o Ministério da Justiça, a Câmara Municipal,
ou seja o Ministério do Império, e a Alfândega, ou seja, o Ministério da Fazenda. Além
disso, como lidava com o setor privado da navegação e do uso do espaço litorâneo,
acrescenta-se nessa conta a multiplicidade de interesses particulares que estavam sob o
seu escopo de ação.
34 CRUZ, M. C. V. O Porto do Rio de Janeiro no Século XIX: uma Realidade de Muitas Faces. Tempo, Niterói, vol. 8, n. 2, 1999, p. 9. 35 CRUZ, M. C. V. O Cais do Porto no crivo da política: a burguesia mercantil e a modernização portuária
no Rio de Janeiro da Primeira República. In: _______; LEAL, M. G. A.; PINHO, J. R. M. (orgs.). Histórias
e espaços portuários: Salvador e outros portos. Salvador: EDUFBA, 2016, p. 328. 36 SILVA, Luiz Geraldo. A faina, a festa e o rito: uma etnografia histórica sobre as gentes do mar (sécs.
XVII ao XIX). Campinas: Papirus, 2001, p. 215. 37 PORTELA, Rafael Davis. Pescadores na Bahia do Século XIX. 2012. Dissertação (Mestrado em História)
- Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, UFBA, 2012, p. 93-97. 38 BRASIL. CLI, Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Artigo 9º. O regulamento das capitanias dos portos
será analisado no segundo capítulo.
26
Sendo assim, todo esse processo não provocou poucas disputas ou conflitos. No
entanto, ele não se restringiu aos embates. Foi necessária, também, uma constante
negociação entre essas distintas forças políticas e sociais que se atravessaram
cotidianamente através da repartição. Ao mesmo tempo que cresceu a intervenção do
poder central no cotidiano político e social das localidades – e isso é perceptível no
aumento de agentes do Governo Imperial que intervinham na rotina citadina, e se esse
movimento recebeu um tratamento refratário pelos interesses locais –, ele também foi
buscado e desejado por ambas as partes. No esforço da centralização, a negociação com
os “poderes paralelos” foi uma pauta constante na agenda política do Império.39
Sobreposição de jurisdição, concorrência ou interpenetração de poderes. Termos
semelhantes que foram identificados por diferentes autores para analisar as ações políticas
e sociais de diferentes agentes ao longo do Oitocentos. E tendo essas questões como
horizonte, a hipótese desta tese se assenta na concorrência de poderes que atravessou
diferentes níveis dentro da própria repartição da Marinha, entre os diferentes escalões
políticos e administrativos do Império em relação com ela – e em especial com a Câmara
Municipal da Corte – e com os interesses particulares presentes nas praias do Rio de
Janeiro e do resto da província, que nelas tinham o seu espaço de trabalho e de negócios.
Esse processo se deu de forma inter-relacionada e interdependente, uma vez que as
influências são verticais e horizontais e se influenciam mutuamente; as tomadas de
decisão e as agências diversas interferem em diferentes atores sociais.
A Capitania do Porto da Corte é o estudo de caso que conduz a investigação e
permite demonstrar a complexidade de influências presentes no litoral da cidade, os
conflitos que surgiram a partir do exercício da nova autoridade portuária e dar novo
significado e dimensão à dinâmica do seu funcionamento e entender a expectativa
frustrada do Governo Imperial com relação ao cumprimento da extensa lista de
atribuições da repartição. A partir dessa hipótese, a linha argumentativa tem como ponto
de partida o papel da repartição como um novo instrumento desestabilizador das
dinâmicas presentes no litoral – incluindo os indivíduos recrutáveis – provocando
conflitos de interesses dentro dos terrenos de marinhas e a consequente agência de
39 Sobre a negociação com as forças provinciais, ver: MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A velha arte de
governar: Um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 2007. Os argumentos da autora nesse sentido serão analisados mais detidamente no
primeiro capítulo.
27
diferentes atores sociais e políticos ligados direta ou indiretamente à repartição através de
estratégias de negociação diversas e distintas.
Destaca-se, também, a relevância da repartição da Marinha para a construção de
uma unidade jurisprudencial, com relação ao funcionamento das regiões portuárias mais
importantes do Império. A análise das fontes indica que o Capitão do Porto da Corte tinha
a primordial função de uniformizar a atuação das demais repartições, a partir da emissão
dos seus pareceres, diante dos questionamentos advindos das outras capitanias que
estavam subordinadas aos presidentes das províncias. Mesmo que houvesse a reclamação
recorrente de incapacidade material para execução de toda a burocracia necessária, os
relatórios, os ofícios, os pareceres, os “mapas”, somados aos anúncios de socorros e aos
registros na Contadoria, demonstram que o funcionamento da Capitania do Porto da Corte
foi ativo e assertivo e atuou em paralelo e transversalmente com outras instituições, como
a Polícia da Corte e a Alfândega.
Esses argumentos ganharam concretude a partir da prospecção das fontes desta
pesquisa, das leituras feitas sobre a nova repartição, o seu regulamento e o que ela
significava para o uso das praias. No Arquivo Nacional, foi compulsado o maior número
de fontes, uma vez que a documentação da Marinha relacionada ao século XIX foi
transferida em quase toda a sua totalidade para o Arquivo. A pesquisa se deteve na Série
Marinha, Série Justiça e Série Saúde e os seus fundos respectivos. No Arquivo Geral da
Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ) foram pesquisados os códices de Embarcações,
Navegação, Cais (diversos), de Embarcações (diversos), Navegação (diversos), Cais
(diversos), Legislativo Municipal, Infração de Posturas (diversos).
CONSTRUINDO A TESE: COSTURANDO CONVERSAS HISTORIOGRÁFICAS E
DIALOGANDO COM AS CONEXÕES ATLÂNTICAS
A fim de dar conta do ineditismo e da complexidade que o tema exige,
empreendeu-se um esforço em costurar uma conversa entre diversos trabalhos e
diferentes aportes teórico-metodológicos. Essa pesquisa, portanto, busca dialogar com
uma série de outras pesquisas que isoladamente analisaram a Marinha, o porto do Rio de
Janeiro, os trabalhadores da cidade e, principalmente, a luta por direitos e a construção de
uma cidadania oitocentista. A análise parte da constatação de que os cidadãos tinham
noção do aparato legal, capacidade de acioná-lo e havia uma significativa circulação de
28
informações40; de que o porto é complexo e atravessado de interesses sociais, culturais e
econômicos41; e de que a luta por direitos entre a classe trabalhadora carioca foi intensa,
entrelaçou uma variedade de cores e origens, ampliou as fronteiras da cidadania no
Oitocentos e está demonstrada na historiografia42.
Uma diferença importante no enfretamento do problema proposto nesta pesquisa
é analisar a criação desse tipo de repartição e as sobreposições de jurisdição decorrentes,
dentro do contexto global do século XIX de consolidação e formação dos Estados
nacionais. A expansão do capitalismo ocorrida nesta época exigiu a conexão dos
mercados nacionais e a ampla circulação de produtos e de trabalhadores entre os Estados
inseridos nesse sistema ou que buscavam se inserir. Para tanto, os Estados em formação
precisaram criar e fortalecer os aparelhos coercitivos, especialmente as Forças Armadas,
centralizar-se política e administrativamente e proteger e garantir as fronteiras nacionais.
Esse esforço mudou as dinâmicas internas. A presença dos agentes do Estado,
agora centralizado e mais invasivo, provocou respostas locais que foram, geralmente,
refratárias aos projetos do poder central, uma vez que tais projetos não são isentos,
carregam em si hierarquias de classe relevantes e desarticulam os padrões de
comportamento costumeiros.
40 Entre muitos outros, ver: FONSECA, S. C. P. B.; LESSA, Mônica Leite (Orgs.). Entre a Monarquia e a
República: imprensa, pensamento político e historiografia (1822-1889). Rio de Janeiro: EdUerj, 2008;
NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das; MOREL, Marco; FERREIRA, Tânia Maria Tavares Bessone da
Cruz (Orgs.). História e Imprensa: Representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A
Faperj, 2006; PEREIRA, Vantuil. “Ao Soberano Congresso”: Petições, Requerimentos, Representações e
Queixas à Câmara dos Deputados e ao Senado – Os direitos do cidadão na formação do Estado Imperial brasileiro (1822-1831)”. 2008. 417 f. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação
em História, UFF, Niterói, 2008; RIBEIRO, Gladys Sabina; MARTINS, Ismênia de Lima; FERREIRA,
Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz (orgs.). O Oitocentos sob novas perspectivas. São Paulo: Alameda,
2014; RIBEIRO, Gladys Sabina; BESSONE, T.; GONÇALVES, Monique; MOMESSO, B. P. (Orgs.).
Imprensa, livros e política nos Oitocentos. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2018; SABA, R. “As Vozes
da Nação”: a atividade peticionária e a política do início do Segundo Reinado”. 2010. 207 f. Dissertação
(Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2010. 41 HONORATO, Cezar. Os afrodescendentes e a comunidade portuária do Rio de Janeiro do final do século
XIX ao início do XX. Revista Crítica Histórica. Maceió, Ano VII, nº 13, junho/2016. Disponível em:
http://bit.ly/2jFCWWP. Acessado em: 25 nov. 2018; ARANTES, E. B. O Porto Negro: trabalho, cultura e
associativismo dos trabalhadores portuários no Rio de Janeiro na virada do XIX para o XX. 2010. 223 f. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História, UFF, Niterói, 2010. Além
dos já citados: HONORATO, 2016; CRUZ, 1999; 2016. 42 Ver, especialmente: POPINIGIS, Fabiane. Proletários de casaca: trabalhadores no comércio (Rio de
Janeiro, 1850-1920). Campinas: Editora da UNICAMP, 2007; RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em
construção: identidade nacional e conflitos antilusitanos no primeiro reinado. Rio de Janeiro: Relume
Dumará: FAPERJ, 2002; SOUZA, Juliana Teixeira. A autoridade municipal na Corte imperial:
enfrentamentos e negociações na regulação do comércio de gêneros (1840-1889). 2007. 235 f. Tese
(Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em História, UNICAMP, Campinas, 2007; TERRA, P. C.
Cidadania e trabalhadores: cocheiros e carroceiros no Rio de Janeiro (1870-1906). Rio de Janeiro: Arquivo
Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2013.
29
Nesse sentido, a metáfora proposta não é gratuita e carrega algo de ousadia. A
imagem de uma floresta de mastros, vergas e velas é recorrente em relatos de viajantes
para descrever portos que continham uma grande quantidade de embarcações com
mastros de madeira43. Dessa forma, faz-se uma referência direta à floreta como espaço de
conflitos e de apropriação e ressignificação do aparato legal analisada por E. P. Thompson
em Senhores e Caçadores. Não é necessário expor aqui a importância de Thompson para
a historiografia brasileira, que vem sendo demonstrada há tempos.44 Mas, sim, frisar a
importância do argumento do autor com relação ao uso do aparato político e das leis
disponíveis não só como instrumento de dominação de classes, mas como estratégia de
reivindicação de direitos costumeiros.
Investigando o conflito florestal na Inglaterra setecentista, Thompson concluiu
que a lei estava na base das relações de produção e que sem ela essas relações seriam
inoperantes e que as leis são endossadas por normas consubstanciadas na prática
comunitária. O autor também afirma que
[...] as regras e categorias jurídicas penetram em todos os níveis da
sociedade, efetuam definições verticais e horizontais dos direitos e
status dos homens e contribuem para a autodefinição ou senso de identidade dos homens: tem sido um meio onde outros conflitos sociais
têm se travado.45
43 Por exemplo: BRIERLY, Oswald Walters, Sir. Oswald Brierly: diários de viagens ao Rio de Janeiro 1842-1867. In: MENEZES, Pedro da Cunha e (Org.). Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2006;
MARTINS, Luciana de Lima. O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico (1800-1850). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2001; RIBEYROLLES, Charles. Brasil pitoresco: história, descrição, viagens,
colonização, instituições. Tradução de Gastão Penalva. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1980. . Disponível em:
https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/6849. Acessado em: 15 nov. 2019. 44 Sobre a importância de Thompson na historiografia, ver: CHALHOUB, S.; SILVA, F.T. Sujeitos no
imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cadernos
AEL, vol. 14, nº 26, 2009, p. 11–50. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ael/
issue/view/153. Acessado em: 06 dez. 2019; CORD, M. M. E. P. Thompson, a historiografia brasileira e a
valorização das experiências dos trabalhadores. Trabalho Necessário, vol. 18, p. 1-22, 2014. Disponível
em: http://www.uff.br/trabalhonecessario/images/TN18_-_artigo_do_dossi_-_Marcelo_ Mac.rtf.pdf Acessado em: 06 dez. 2019; FORTES, Alexandre. “Míriades por toda a eternidade”: A atualidade de E. P.
Thompson. Tempo Social, vol. 18, n. 1, junho-2006, p. 197-215. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702006000100011. Acessado em: 06 dez. 2019; MATTOS, Marcelo
Badaró. E. P. Thompson no Brasil. Outubro, São Paulo, vol. 14, p. 81-110, 2006. Disponível em:
http://outubrorevista.com.br/e-p-thompson-no-brasil/. Acessado em: 06 dez. 2019; MUNHOZ, Sidnei J.
Fragmentos de um possível diálogo com Edward Palmer Thompson e com alguns de seus críticos. Revista
de História Regional, Ponta Grossa, vol. 2, n. 2, p. 153-185, 1997. Disponível em:
https://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/view/2046. Acessado em: 06 dez. 2019. 45 THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p.
358.
30
Nesse sentido, para Thompson, o costume é local e consubstanciado na prática,
funcionando como a interface entre aquela (a prática) e a lei.46 E diante de tentativas de
mudanças arbitrárias, os mais pobres resistem fundamentados na sua prática costumeira.
A cultura conservadora da plebe quase sempre resiste, em nome do costume, às racionalizações e inovações da economia [...]. A inovação
é mais evidente na camada superior da sociedade, mas como ela não é
um processo tecnológico/social neutro e sem normas (“modernização”, “racionalização”), mas sim a inovação do processo capitalista, é quase
sempre experimentada pela plebe como uma exploração, a
expropriação de direitos de uso costumeiros, ou a destruição violenta
de padrões valorizados de trabalho e lazer.47
Em outra obra, Thompson defendeu que o contexto político e a máquina a vapor
influenciaram fortemente a formação de uma consciência de classe do operariado inglês.48
Essas duas influências norteiam as análises empreendidas nesta pesquisa. O avanço
político sobre os espaços de trabalho e de negócios, aliado ao ambiente de transformações
econômicas no qual o processo capitalista realiza as mudanças tecnológicas e diversifica
o uso da mão de obra, permite a percepção pelos cidadãos do aumento da exploração da
sua força de trabalho e da precarização das suas condições de vida, relativizando e
restringido o acesso aos direitos civis e políticos.
Nas palavras do autor, o operário inglês se viu diante de duas formas de relação,
consideradas por ele como intoleráveis: a exploração econômica e a opressão política:
As relações entre patrões e empregados tornaram-se mais duras e menos pessoais; mesmo sendo correto afirmar que a liberdade potencial do
trabalhador tenha aumentado, visto que o empregado nas fazendas ou o
artesão na indústria doméstica estava (nas palavras de Toynbee)
“situado a meio caminho entre a posição do servo e do cidadão”, esta “liberdade” significava que se sentia mais intensamente a falta dela. Em
qualquer situação em que procurasse resistir à exploração, ele se
encontrava frente às forças do patrão ou do Estado, e, comumente,
frente às duas.49
É importante destacar que essas duas formas de relação são mais integradas do
que distintas e se entrelaçam com questões sociais e culturais. Para a proposta de análise
desta tese, através do estudo de caso da Capitania do Porto da Corte, esse processo pode
ser verificado com bastante nitidez. No entanto, a complexidade e a especificidade que o
46 THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Editora
Companhia das Letras, 1998, p. 86. 47 Ibidem, p. 19. 48 THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa: II. A Maldição de Adão. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2001, p. 20-21. 49 Ibidem, p. 22-23.
31
tema demanda exigiu um esforço adicional, trazendo para a análise um diálogo entre a
História Política, a História Social e História Atlântica.
Para explicar esse processo, trabalhamos com autores que teorizaram os Estados
nacionais na contemporaneidade e os processos de expansão do capitalismo e do sistema
de mercados e, resguardando as diferenças nas escalas, que dialogam com Thompson no
que tange aos impactos dessas mudanças em nível Atlântico sobre as respostas dadas pela
população, que sentiu no seu cotidiano os efeitos de tais mudanças, as ressignificaram e
agiram no sentido de resguardar os seus direitos. Para Christopher Alan Bayly50, esse
processo foi global e demonstra como, no longo Oitocentos, a herança das revoluções do
final do século XVIII e a expansão colonial do início do XIX provocaram mudanças na
percepção de direitos civis e sociais, produzindo revoltas em diferentes partes do mundo.
Nesse processo, o Estado-Nação ganhou força na Europa e nas Américas enquanto
possibilidade concreta de contenção de revoltas sociais e de interação dos mercados a
partir de Estados centralizados e industrializados. Bayly coaduna-se com Thompson ao
defender que as revoltas da segunda metade do XIX foram marcadas pela percepção dos
trabalhadores de que a exploração aumentava e que as forças impessoais do mercado
violavam os direitos costumeiros.51
Com relação à contenção dos movimentos sociais – desde revoltas armadas a
manifestações pontuais – as Forças Armadas foram essenciais, contribuindo
fundamentalmente para o processo de centralização dos Estados ao longo XIX. Charles
Tilly52 defende que, no entanto, esse processo não ocorreu sem conflitos, uma vez que as
classes dominantes buscaram na sua população mais pobre os recursos para viabilizarem
o aumento do aparelho coercitivo, fosse através do aumento de impostos, fosse recorrendo
ao recrutamento forçado. Nesse processo, a resistência popular ganhou força e unidade.
Ao mesmo tempo em que o Estado de consolidava, se promovia entre os cidadãos a
consciência do aumento da exploração e da invasão do seu cotidiano. Estes, por sua vez,
a partir dessa percepção, passaram a exigir e a reivindicar direitos que acreditavam serem
legítimos, mas agora em grupo e em escala nacional.53 Dessa forma, e da mesma maneira
que Bayly, Tilly também dialoga com Thompson, mas ambos o fazem em uma outra
50 BAYLY, Christopher Alan. The birth of the modern world, 1780-1914: global connections and
comparisons. Malden, Massachusetts: Blackwell Publishing, 2004. 51 Ibidem, p. 148-151. 52 TILLY, Charles. Coerção, Capital e Estados Europeus (990-1992). Trad. Geraldo Gerson de Souza. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. 53 Ibidem, p. 267.
32
escala, ao demonstrar como o Estado nacional, no seu processo de consolidação, interveio
nas práticas costumeiras da sociedade, gerando uma nova dinâmica de relações sociais e
políticas que, por usa vez, interferiu de maneira significativa no mesmo processo.
Intervenções e novas dinâmicas que tiveram na expansão do capitalismo
oitocentista um lugar de destaque. Ellen Wood argumenta que o processo de
amadurecimento dos Estados nacionais soberanos foi concomitante àquele. Um fator
importante foi a mudança do padrão de propriedade, que deixou de ser político ou social
e passou a ser econômico.54 Karl Polanyi asseverou que a terra, junto com o trabalho e o
capital, foi transformada em mercadorias a fim de expandir o sistema de mercados. Ainda
assim, o autor defende que a explicação econômica não dá conta de entender e analisar a
precarização da vida dos trabalhadores ocorrida no século XIX. Nesse caso, a
desarticulação cultural e social empreendida nesse processo foi determinante.55 Mais uma
vez, o processo de mudança na exploração do trabalho e da posse da terra são investigadas
por uma outra escala, mas que, ainda assim, guarda proximidade com as análises
thompsonianas de intervenções nos direitos costumeiros e da resistência a elas, no
processo de mercantilização da terra que atingiu diretamente o posseiro e na
ressignificação do aparto legal como uma ferramenta de defesa a todo esse movimento.
Portanto, as conexões com Portugal são um ponto importante para o entendimento
dos processos de criação das capitanias dos portos no Brasil. Como aqui, e em outras
nações atlânticas deste lado e do lado de lá, Portugal experimentou um período de relativa
“conciliação” política, causada, resumidamente, pelo esforço de negociação com as
variadas linhas ideológicas e partidárias, tendo à frente um governo conservador,
especialmente a partir da segunda metade do XIX. Período esse que os lusos chamaram
de Regeneração, possibilitando o apaziguamento das revoltas da primeira metade do
século e proporcionando o crescimento econômico e, consequentemente, o aumento da
circulação do porto lisboeta.56 No Brasil, em Portugal ou na Inglaterra, esse movimento
54 WOOD, M. Ellen. The origin of capitalism: a longer view. Londres: Verso, 2002, p. 171. 55 POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Tradução de Fanny Wrabel. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 172-191. Alexandre Fortes defende a existência de uma profunda
similaridade entre este trabalho de Polanyi e o A formação da classe operária inglesa, de Thompson.
Ambos identificam nesses trabalhos, na década de 1830, os marcos iniciais do surgimento da classe
trabalhadora inglesa, a partir das suas lutas contra-hegemônicas e, nelas, “valores e concepções muito mais
universais”. FORTES, Alexandre. Op. Cit., p. 209-212. 56 Entre outros: HESPANHA, António Manuel. O jurista e o legislador na construção da propriedade
burguesa liberal em Portugal. In: REIS, Jaime; MÓNICA, Maria Filomena; SANTOS, Maria de Lourdes
dos (Coord.). O Século XIX em Portugal. Lisboa: Editorial Presença/Gabinete de Investigações Sociais,
1979; MÓNICA, Maria Teresa. Errâncias Miguelistas (1834-43). Lisboa: Edições Cosmos, 1997;
33
exigiu um arcabouço legal que centralizasse o controle sobre os portos e a circulação de
pessoas e de mercadorias.
No caso de Brasil e Portugal, as continuidades foram fluídas e ininterruptas, com
tratados diplomáticos, comércio internacional, estruturas sociais, políticas e
institucionais, ligações dinásticas, de parentesco e de amizade, fatores que a era das
revoluções não rompeu. Nesse sentido, é importante destacar as relações desiguais entre
os dois Estados ou as duas regiões – América do Sul e Europa – nas quais o capital e a
força de trabalho circulam de forma desnivelada. Ainda assim, reconhecer tais ligações
permite pensar a história nacional em um contexto amplo e mostrar como ambas
estabilizaram seus cenários políticos e administrativos e lidaram com as novas demandas
sociais que surgiam naquele momento histórico.57
No caso brasileiro e luso, as capitanias dos portos foram um local específico onde
esse processo pode ser observado e analisado. Dessa forma, defende-se que a criação de
repartições que controlassem, normatizassem e fiscalizassem os portos foram
fundamentais para a circulação de mercadorias nesses países e ocorreram dentro do
mesmo processo, Atlântico, que conectou diferentes regiões e exigiu respostas locais
particulares.
* * *
A metáfora da floresta de madeira sobre o mar será utilizada como linha condutora
entre os capítulos. A região portuária do Rio de Janeiro, incluindo o seu recôncavo, era
um espaço no qual conviviam indivíduos das mais diferentes origens sociais, nacionais e
étnicas. Nas dezenas de navios armados e desarmados da Armada Imperial ficavam
aquartelados centenas de militares e presos condenados; outra centena de embarcações
nacionais e estrangeiras aportavam no litoral da cidade; milhares de trabalhadores
circulavam diariamente por elas, pelos ancoradouros, pelos trapiches e pelos estaleiros.
MEDINA, João. História de Portugal contemporâneo (político e institucional). Lisboa: Universidade
Aberta, 1994; MATOS, Sérgio Campos (Coord.). Crises em Portugal nos séculos XIX e XX. Lisboa: Centro
de História da Universidade de Lisboa, 2002. 57 PAQUETE, Gabriel. Imperial Portugal in the Age of Atlantic Revolutions. New York: Cambridge
University Press, 2013, p. 6-10.
34
No regulamento das capitanias dos portos estava incluído o controle e a
organização das embarcações, bem como da mão de obra ocupada com os ofícios
destinados a elas e de quase tudo que dissesse respeito ao litoral. E, ainda, o recrutamento
dos trabalhadores marítimos. Portanto, na narrativa que conduz os argumentos, a
“floresta” tem uma “organização” e os seus “donos”. Como “floresta”, entende-se a
região portuária como um todo, com embarcações grandes e pequenas, trapiches,
estaleiros, ancoradouros, além do comércio fixo, como tavernas e quiosques e o de rua,
com as quitandeiras, escravizados ao ganho e as prostitutas. Sua “organização”, a própria
capitania com seu regulamento e a elite política que a configurou. Seus “donos”, as forças
sociais e políticas presentes nela e que a ela deram significado histórico.
A tese está dividida de modo a destacar o papel da Capitania do Porto da Corte
como ponto desestabilizador e de interseção entre três forças políticas essenciais: o poder
central, através dos ministérios, o poder institucional local, ou seja, as Câmaras
Municipais e, em especial, a Câmara Municipal da Corte, e os trabalhadores, os recrutados
para a Armada, os comerciantes e os negociantes do litoral da província e da capital do
Império. Dessa forma, é possível mostrar e analisar as forças diversas que se
entrecruzaram a partir da repartição em relação tensa que, ao mesmo tempo que causou
disputas e conflitos, exigiu negociações constantes entre todas as partes envolvidas.
Diante da abrangência do Regulamento de 1846, a Capitania do Porto da Corte foi
inserida em uma grande variedade de assuntos, como a construção e destruição de currais
de peixe, o controle sobre a circulação de madeiras, os socorros navais e os incêndios, a
administração de faróis etc. Devido a essa riqueza de possibilidades, optou-se por analisar
três temas específicos que se destacam na historiografia e os quais representam o objetivo
em si da criação das repartições: o recrutamento de homens para a Armada, os terrenos
de marinhas, e a “polícia” do porto carioca, com ênfase na relação com a Municipalidade.
A partir dessas questões, destaca-se a interlocução entre diferentes jurisdições e as suas
consequentes sobreposições, uma vez que tais temas esbarravam e avançavam sobre
atribuições diversas.
A organização dos capítulos não segue uma linha do tempo crescentemente
cronológica, mas uma separação por temas dentro do recorte temporal proposto, com o
objetivo de evitar um caráter teleológico para o texto. Os fatos relacionados aos temas
sob análise foram concomitantes e se influenciaram. Por exemplo, enquanto o Capitão do
Porto da Corte decidia sobre o recrutamento de carpinteiros e calafates, tinha que
35
providenciar o socorro de uma embarcação ou dar conta de uma contenda no cais
Pharoux, como em 1855. Ou decidir sobre o recrutamento ilegal em Campos e contornar
um imbróglio no cais dos Mineiros, como em 1867. Portanto, elencá-los
cronologicamente reduziria a percepção do caráter simultâneo dessas ações e como elas
exigiram respostas diversas para interesses diferentes, destacando-se a tensão das relações
e mostrando que, mesmo que houvesse conflitos constantes, as negociações eram
essenciais para a rotina de todos.
Sendo assim, a tese está dividida em duas partes, a “Organização da Floresta” e
os “Donos da Floresta”. Cada parte contém dois capítulos. Na primeira parte, demonstra-
se o contexto político e Atlântico em que estava inserida a criação das capitanias dos
portos e que mudanças na legislação interna do Brasil e de Portugal foram necessárias
para a adequação das regiões portuárias às demandas internacionais. Na segunda parte,
como este processo influenciou as relações de poder e de sociabilidade na província do
Rio de Janeiro, com ênfase para a Corte e as suas principais praias.
O primeiro capítulo está dividido em três partes. Na primeira, será apresentado o
contexto político oitocentista no qual predominou a formação e a consolidação do Estado-
Nação, a partir da expansão do liberalismo político e a consolidação do capitalismo no
espaço Atlântico. Nesse processo, cada região construiu as suas respostas às demandas
externas, operando, na maior parte das vezes, dentro do modelo liberal representativo.
Assim, na segunda e na terceira partes verifica-se como esse modelo foi resignificado em
Brasil e em Portugal e como ambos construíram um aparato político e administrativo, a
partir de medidas centralizadoras de governos conservadores, para o controle do seu
litoral, da circulação dele e das suas fronteiras.
O segundo capítulo é dedicado à análise da criação das capitanias dos portos e do
Regulamento de 1846, que deu corpo e significado às repartições. Dividido em quatro
partes, na primeira o corpo administrativo da repartição da Corte é investigado, com
ênfase na relação entre os empregados militares e civis e nas questões que surgiram desse
contato. Na segunda e terceira partes, é analisado o regulamento das capitanias dos portos,
buscando dialogar com o que estava registrado nas suas atribuições e os casos em que
atuou efetivamente, como nos socorros navais e na matrícula de “indivíduos da vida do
mar”. Os relatórios dos capitães dos portos, em comparação com os ministeriais, são
cruzados para verificar como a realidade dos primeiros entrava em conflito com as
expectativas dos segundos.
36
O decreto, que criou novas regras sobre o recrutamento e o engajamento na
Marinha e consolidou as capitanias dos portos nessa função, é analisado no terceiro
capítulo, que também é dividido em três partes. Na primeira, investiga-se os debates no
Senado sobre o decreto, as formas de se fazer a conscrição e quem deveria fazê-la. Na
parte seguinte, analisa-se as informações disponíveis sobre homens recrutados e
engajados durante a guerra do Paraguai e como o trabalho efetuado pelas repartições
contribuiu, desde a Questão Christie, como uma ferramenta importante de fazer o
levantamento da quantidade e do perfil dos indivíduos disponíveis para um eventual
combate. Na última parte, examina-se o papel da Capitania do Porto da Corte como um
lugar de reivindicação das isenções legais prescritas no decreto de 1855 e como as
sobreposições de jurisdição foram enfrentadas nesses casos.
O quarto e último capítulo se debruça sobre os múltiplos interesses que
atravessaram a repartição da Marinha na província do Rio de Janeiro, com especial
atenção à Corte. O capítulo está dividido em três partes que analisam como a relação
conflituosa entre os agentes centrais e locais foram usados por comerciantes, negociantes
e trabalhadores nas suas reivindicações pelos usos das praias. O objetivo é mostrar a
mudança na legislação e investigar como a inserção da Capitania do Porto da Corte no
controle sobre os terrenos de marinhas significou uma mudança significativa na dinâmica
de aforamentos e de ocupação dessas áreas e como ela influenciou e foi influenciada pela
ação daqueles atores sociais.
1. A CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO: CONCILIAÇÃO,
REGENERAÇÃO E NEGOCIAÇÃO EM BRASIL E PORTUGAL
1.1. ESTADOS NACIONAIS, APARATOS COERCITIVOS E CAPITALISMO:
MOVIMENTOS NACIONAIS E TRANSOCEÂNICOS
As raízes dos Estados nacionais constitucionais podem ser encontradas após 1789,
quando as turbulências políticas e sociais ganharam força e as elites políticas, em
diferentes locais, se viram forçadas a reconstituir as bases constitutivas do Estado e
parcialmente atualizá-lo diante das demandas sociais, políticas e econômicas coevas. Não
só na Europa, mas em regiões da África, da Ásia e da América, os grupos dominantes
locais também foram capazes de reorganizar aspectos relacionados às ideias de condutas
sociais e do Estado diante da turbulência europeia ou mesmo diante das constantes
invasões.58
O resultado da expansão da noção de direitos civis e políticos foi a mais
importante vitória do período revolucionário de 1789 a 1850. No entanto, outro
importante beneficiário desse processo foi o Estado nacional que nasceu daí,
consubstanciado em um novo conjunto de instrumentos ideológicos. Junto com as novas
noções de direitos universais, vieram novos padrões de conhecimento, comportamento e
assistência social que tiveram no conceito de Estado nacional centralizado o maior
beneficiário.59 O século XIX foi palco da globalização da demanda por Estados
centralizados e aparelhos coercitivos que garantissem as expectativas de ordem e
civilização das classes dominantes, assim como de nacionalidades mais bem definidas.60
Ao longo do Oitocentos, principalmente a partir de 1848, ocorreram revoltas
sociais, políticas e econômicas em diferentes regiões do globo que geraram respostas
distintas, mas que seguiram na direção do fortalecimento do Estado nacional como forma
de empreender um controle mais estreito do conjunto social e nacional. Na China e na
Índia, com as intervenções inglesas, e no império otomano, com as ações russas, foram
feitos esforços no sentido de se redefinir as estruturas internas de governo, permitindo
que esses novos Estados tivessem um novo aparelho burocrático, novos sistemas fiscais,
58 BAYLY, Christopher Alan. Op. Cit., p. 106. 59 Ibidem, p. 108. 60 Ibidem, p. 114.
39
academias militares e exércitos modernos. Questões de legitimidade do poder interno e
tradicional ganharam importância diante de tamanhas intervenções. Esse processo causou
pelo menos duas importantes revoluções no mundo asiático em meados do XIX: a
Revolução Indiana, de 1857-1859, e a Revolução Taiping, chinesa, em 1851. Três
questões principais unificaram as características dessas revoluções: reação à expansão do
colonialismo ocidental e oriental, introduzindo novas formas de governo, comércio e
atividade econômica; os conflitos morais e religiosos com o choque da imposição de
novas ideologias e religiões, notadamente o cristianismo; o crescimento expressivo da
população e as diferenças econômicas dentro da sociedade.61
Como nas convulsões sociais asiáticas, Bayly identifica os conflitos de 1848-1851
na Europa como movimentos em defesa do acesso à terra, como na Europa central e na
Itália, ou como na Bélgica ou no sul da Alemanha, onde a origem dos protestos pode ser
identificada na perda do controle sobre o mercado de trabalho pelos artesãos familiares e
as suas organizações de ajuda mútua. Tais questões motivaram novas noções morais e
intelectuais que provocaram conflitos e a movimentação social. Coadunando-se com
Edward P. Thompson, Bayly defende que a origem desses movimentos pode ser
considerada como a percepção de que novas formas de trabalho e da sua exploração, bem
como a ação de forças impessoais do mercado, violavam os direitos costumeiros da
população mais pobre. Igualmente se pode identificar um componente religioso nessas
manifestações ocorridas na Europa, como o antissemitismo e as disputas entre católicos
e protestantes ao sul do continente.62
Na América do Norte, a guerra civil americana também pode ser considerada um
evento global que fortaleceu o Estado nacional pela dimensão dos seus desdobramentos
sobre diferentes regiões. Com o fechamento do acesso à produção de algodão americano,
os ingleses, maiores consumidores do produto vindo dos Estados Unidos, recorreram a
outros produtores, como o Egito e a Índia, onde grandes fortunas se formaram a partir de
então. O período de guerra civil também foi o ápice da era vitoriana inglesa, tanto pelo
preço baixo do algodão provocado pela saída dos produtores americanos, como pelas
descobertas de minas de ouro na Austrália e no oeste do Norte da América. Na Rússia,
que inclusive, da mesma forma, dependia da produção de algodão americano, viu-se a
expansão para os terrenos asiáticos, favoráveis à plantação do produto. Portanto, esta
61 Ibidem, p. 148-151. 62 Ibidem, p. 156-158.
40
guerra se insere na mesma tipologia de evento global das outras rebeliões asiáticas e
europeias, pois suas conexões com o comércio, os governos e o liberalismo espalharam
os seus efeitos em escala mundial.63
Nesse sentido, as mudanças nos padrões sociais, econômicos, e políticos advindos
dos grupos dominantes ou impostos por potências colonizadoras foi decisivo na
percepção popular das transformações que vinham ocorrendo. Em diferentes pontos do
planeta, a expansão dos sistemas de trocas de mercadorias, imposta pelo próprio avanço
do capitalismo, engendrou demandas globais que exigiram respostas locais tanto para a
garantia da circulação da produção e dos trabalhadores, quanto para as convulsões sociais
que vinham sendo geradas a partir desses processos.
Esses dois processos - a origem e a expansão do capitalismo e a formação e a
consolidação dos Estados nacionais - foram concomitantes, interdependentes e ganharam
força no século XIX.
De acordo com Ellen Wood, houve uma espécie de divisão do trabalho entre as
forças políticas e econômicas, ou seja, entre o poder político central, que detinha o
monopólio da coerção, e o poder econômico baseado na concentração da propriedade de
terra. Na Inglaterra, esses dois processos foram particulares. Se lá não foi o primeiro lugar
a produzir o Estado territorial soberano, datado historicamente de 1139, com a
constituição do Reino de Portugal, foi o primeiro a experimentar tal processo capitalista.
Segundo Wood, embora o capitalismo não tenha dado origem ao Estado-Nação e vice-
versa, as transformações sociais produzidas por aquele foram as mesmas que
amadureceram os Estados nacionais soberanos. A mudança do padrão de propriedade,
constituída politicamente por uma propriedade capitalista propriamente dita, “foi ao
mesmo tempo, e inseparavelmente, a transformação do Estado”.64
A expansão do capitalismo emergente, que modificou as dinâmicas sociais,
políticas e econômicas por onde se enraizou, produziu diferentes contextos locais,
construindo e determinando distintos processos de mudança. Nesse sentido, é possível
afirmar que o capitalismo não reduziu ou apagou as fronteiras nacionais nesse período
expansivo, mas se fortaleceu ao criar ou reproduzir novos Estados e novas economias
nacionais. Ao fazer isso, multiplicaram-se nas esferas locais os apoios necessários e
63 Ibidem, p. 161-163. 64 WOOD, M. Ellen. Op. Cit., p. 171.
41
demandados pelos “imperativos econômicos dos poderes extraeconômicos de regulação
e coerção, para criar e sustentar as condições de acumulação e manter o sistema de
propriedade capitalista”.65
A principal forma da expansão do capitalismo se deu por meio da utilização e
incremento do sistema de trocas de mercadorias entre os Estado nacionais.66 A esse
processo foram incorporadas medidas extraeconômicas, notadamente políticas que, ao
estabelecer uma economia de mercado, teria sido primordial para a transformação das
práticas econômicas e para a desarticulação social e cultural. O sistema de mercados
inerente ao capitalismo, a despeito da defesa do livre mercado desregulado, necessitava
de medidas protetivas, invariavelmente oriundas de formações nacionais centralizadas e
reconhecidas nos Estados-Nações.67 A intervenção estatal nas relações do capital ou do
mercado, segundo Polanyi, repousou na necessidade da própria economia mercantil de
meios que lhe assegurassem a liberdade das trocas de mercadorias sem regulação e,
portanto, oneração e redução do lucro, e impedissem formas de desestruturação e
enfraquecimento desse processo.
[...] mesmo aqueles que desejam ardentemente libertar o Estado de todos os deveres desnecessários, e cuja a filosofia global exigia a
restrição das atividades do Estado, não tinham outra alternativa senão
confiar a esse mesmo Estado os novos poderes, órgãos e instrumentos
exigidos para o estabelecimento do laissez-faire.68
Assim, aqueles interessados apelarão sempre para a intervenção estatal a fim de
estabelecer um sistema de mercado e, uma vez que isso ocorra, de mantê-lo. Dessa forma,
“o liberal econômico pode, portanto, sem qualquer contradição, pedir que o Estado use a
força da lei; pode até mesmo apelar para as forças violentas da guerra civil a fim de
organizar as precondições de um mercado autorregulável”.69
Entretanto, para Polanyi, a exploração econômica pura não consegue dar conta de
explicar a precarização da vida das pessoas, uma vez que para ele a desarticulação cultural
das formas tradicionais de organização é mais importante em uma análise das mudanças
ocorridas ao longo do XIX. A introdução de um novo elemento, impingido por forças
65 Idem, p. 176-178. 66 Ibidem. 67 Desde 1648, com o estabelecimento da Paz de Westphalia e o reconhecimento da soberania, com controle
interno e independência externa, assim como a relação de igualdade entre as formações territoriais 68 POLANYI, Karl. Op. Cit., p. 172. 69 Ibidem, p. 181.
42
externas ou nacionalmente “superiores” desarticulam as dinâmicas sociais e culturais
locais, engendrando novas demandas e formas de se relacionar com esse novo cenário.
A causa da degradação, não é, portanto, a exploração econômica, como
se presume muitas vezes, mas a desintegração do ambiente cultural da
vítima. O processo econômico pode, naturalmente, fornecer o veículo
da destruição, e quase invariavelmente a inferioridade econômica fará o mais fraco se render, mas a causa imediata da sua ruína não é essa
razão econômica – ela está no ferimento letal infligido às instituições
nas quais a sua existência social está inserida.70
Internamente, no processo de inserção dos Estados nacionais no sistema
interestatal e global de mercados, foi fundamental a centralização política e administrativa
a fim de estabelecer o controle das fronteiras e da circulação nelas, inclusive para a
própria manutenção e expansão do mesmo sistema. Nesse processo, a intervenção nas
dinâmicas sociais locais, sob uma nova lógica, gerou conflitos que influenciaram o
cotidiano da sociedade e, ao mesmo tempo, esse mesmo processo foi influenciado pela
agência de diversas personagens. Esse controle deveria ser realizado em detrimento das
forças locais que costumeiramente realizavam a tarefa de organização e de normalização
dos espaços das cidades. Tal processo interferiu nas relações culturais, sociais e políticas
nas bordas de poder do Estado, provocando conflitos e gerando novas dinâmicas internas
que foram influenciadas por esse movimento, mas que também influenciaram as relações
políticas.
Dessa forma, as tomadas de decisões dos centros de poder não estão livres dos
desdobramentos das suas consequências. Estas, geralmente, ocorrem fora das
expectativas dos grupos dominantes. Uma vez tomadas e indicados os processos, as ações
sociais refratárias às decisões “de cima” espalharam-se incontrolavelmente,
aprofundando-se, mudando e se ressignificando à medida que foram se dando os conflitos
na esfera local por direitos e recursos. Até os anos 1870, o crescimento econômico
desigual e os constantes questionamentos sobre diversas formas de poder foram
ingredientes de diferentes rebeliões em regiões distintas do mundo. Ainda que muitas
instituições políticas tenham mudado ou sido finalizadas, no ocidente, o Estado nacional
emergiu mais forte e pronto para se expandir globalmente.71
O Estado, ganhando força a partir do rápido crescimento econômico, alcançou maior definição e propósito. Bismarck, Cavour e os
reformadores do Japão Meiji sabiam muito mais precisamente para
70 Ibidem, p. 191. 71 BAYLY, Christopher Alan. Op. Cit., p. 168.
43
onde iam e o que tentavam alcançar do que os camponeses rebeldes e
intelectuais e poetas de alguns anos depois. O significado da nação havia se tornado, da mesma forma, mais estreito e menos inclusivo, o
Estado mais intrusivo.72
Uma das consequências dos processos de consolidação dos Estados nacionais foi
a formação de um corpo burocrático grande e forte e de um grande número de advogados
que atuaram no judiciário reformado. Essa classe de profissionais liberais ganhou
importância conforme as demandas por terra e direitos centralizaram-se no Estado. Na
Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, o número de advogados cresceu
consideravelmente e “as batalhas a respeito de questões constitucionais e disputas sociais
e econômicas foram resolvidas tanto por advogados quanto frequentemente por
políticos”.73
No Brasil, a centralização judiciária realizada na década de 1840 foi responsável
pela separação do contencioso da esfera administrativa e local para a magistratura
formada no exterior e pertencente às redes políticas e sociais que garantiam o acesso a
esses lugares. Os casos de demandas sociais e econômicas também aumentaram no
decurso do século XIX, notadamente a partir da segunda metade, quando, juntamente, o
número de bacharéis cresceu e dominou a cena política e social a partir da década de
1870.74
Diante das conturbações sociais e políticas engendradas pelo processo de
formação e consolidação dos estados nacionais no século XIX, surgiu a necessidade entre
as classes dominantes locais de constituir um aparelho coercitivo que desse conta de
conter ou controlar tais movimentos que vinham ocorrendo em maior ou menor escala
em diferentes partes do mundo. A constituição de Forças Armadas fortes e modernas foi
essencial. Constituir aparelhos coercitivos a partir de um poder centralizado foi a
característica principal que possibilitou as mudanças estruturais dos Estados. Esse
processo engendrou uma nova estrutura administrativa, na qual o quadro dos empregados
e o orçamento dos governos cresceram de maneira forte. Foi essencial constituir uma
72 Ibidem, p. 167. Tradução nossa: “[…] the state, gaining strength from rapid from economic growth, has
achieved greater definition and purpose. Bismarck, Cavour and the reformers of Meiji Japan knew much
more precisely where they were going and what they were trying to achieve than the rebel peasants and
intellectuals and poets of a few years later. The meaning of the nation had become, by the same token,
narrower and less inclusive, the state more intrusive.” 73 Tradução nossa. “[...] battles about constitutional matters and social and economic disputes were settled
by lawyers as often as by politicians”. Ibidem, p. 145. 74 LOPES, José Reinaldo de Lima (2010). Op. Cit.
44
hierarquia burocrática que possibilitasse a cooptação de membros da sociedade. Nesse
processo, os governos tiveram acesso aos cidadãos e aos seus recursos
[...] através de tributações da família, conscrição em massa, censos,
sistemas de polícia e muitas outras invasões da vida social em pequena
escala. Mas isso foi feito à custa de uma resistência multiplicada, de
extensa negociação e da criação de direitos e compensações para os cidadãos.75
Dessa forma, tanto a cooperação quanto a posição dessa população também
moldaram a configuração dos Estados. A própria estrutura de classe da população
influenciou de maneira significativa a organização dela, que foi determinante para os
governantes extraírem os recursos para a formação das forças coercitivas em tempos de
preparação de guerra. Segundo Tilly, esse movimento foi essencial para a formação e a
consolidação dos Estados nacionais modernos europeus, no qual foram criadas estruturas
centrais para os Estados.
A organização das principais classes sociais dentro do território de um
estado, e suas relações com o estado, influenciaram consideravelmente
as estratégias que os governantes empregaram para extrair recursos que enfrentaram, as lutas que daí resultaram, os tipos de organização
duradoura que essa extorsão e luta criaram e, portanto, a eficiência na
extração dos recursos.76
No período de 1750 até meados do século XIX, os Estados nacionalizaram e
racionalizaram o uso do aparelho coercitivo criando e fortalecendo as forças militares,
aumentado o recrutamento entre os homens nacionais e estrangeiros. Também agregaram
as Forças Armadas ao aparelho administrativo do governo, encarregando-as em parte ou
totalmente na operação sobre o aparelho fiscal. Posteriormente, esse processo se
especializou, com a Marinha e o Exército separados claramente da atividade fiscal e do
poder de polícia civil, crescendo a divisão do trabalho interna e aumentando-se o controle
sobre os gastos militares pelas instituições representativas.
A guerra ou a preparação para a guerra foi um fator crucial naquele momento. Na
fase da nacionalização – de 1750 a 1850 – os interesses dos poderes locais foram
convertidos em “interesses nacionais”, que se fundamentaram em sintetizar aqueles das
classes dominantes, dando marcha às tentativas de controlar os territórios europeus e,
também, aqueles próximos. Os Estados comerciais e industriais passaram a dominar o
sistema de Estados, dando menos espaços àqueles mais militarizados. A intervenção no
75 TILLY, Charles. Op. Cit., p. 74. 76 Ibidem, p. 77.
45
orçamento da organização militar pelos entes representativos predominou naqueles
Estados, limitando a sua capacidade militar.77
Todo esse processo não foi destituído de conflitos políticos e sociais. Como Bayly,
Polanyi e Thompson, Tilly percebe que do período de 1750 a 1900 houve o crescimento
do aparato coercitivo em prol de um Estado nacional centralizado em uma estrutura
administrativa e burocrática, no qual a demanda por impostos e pelo recrutamento de
homens fez a resistência popular ganhar força e unidade. Aqueles que estavam sujeitos
ao poder de coerção dos agentes do Estado recorreram aos instrumentos que estavam à
sua disposição para reivindicar proteção e direitos, se dirigindo “especialmente às pessoas
ligadas ao estado, ou como funcionários do estado ou como agentes do governo
indireto”.78 A partir da segunda metade do século XIX,
[...] a ação coletiva popular nacionalizou-se e tornou-se mais independente; quando as políticas e exigências dos estados nacionais
passaram a decidir cada vez mais os seus destinos, os trabalhadores, os
camponeses e outros cidadãos comuns se agruparam para fazer reivindicações ao estado - reivindicações de reparação, certamente, mas
também reivindicações de direitos de que nunca haviam desfrutado
antes em escala nacional.79
A comparação dos Estados europeus contemporâneos com os Estados passados,
assim como de outras regiões, pode fazer incorrer na cilada de se cair em uma perspectiva
teleológica de comparar tempos distintos e qualificá-los ou adjetivá-los desconsiderando-
se as relações coevas entre estados, capital e as formas de coerção da maneira como foram
pensados, entendidos, e as consequências dessas escolhas para a sociedade da época.80
Nesse sentido, a formação dos Estados nacionais contemporâneos não foi um
caminho seguido em uníssono por diferentes cidades-estados ou ex-colônias
independentes. O percurso até o Estado centralizado politicamente com as forças
coercitivas aplicadas através das Forças Armadas não foi óbvio nem deliberado, mas
construído ao longo de escolhas, expectativas e interações socais e políticas entre as
diferentes classes formadoras da sociedade.
O Estado Imperial brasileiro nasceu dentro do concerto das nações que já tinham
estabelecido os processos de formação de Estado centralizado e de fronteiras
77 Ibidem, p. 265. 78 Ibidem, p. 266. 79 Ibidem, p. 267. 80 Ibidem, p. 82.
46
consolidadas. Os Estados do norte global criaram uma série de tipologias para a inserção
dos demais no sistema de relações estatais contemporâneo, como a aceitação de acordos
internacionais de paz, a formação de modelos de Forças Armadas, de burocracias e de
aparelhos administrativos, a aceitação da participação em organizações internacionais e a
intervenção delas no caso da necessidade de garantir o pleno funcionamento do sistema
interestatal.
Em todo o mundo, a formação de estado convergiu na construção mais
ou menos deliberada de estados nacionais - não impérios, nem cidades-
estado, nem federações, mas estados nacionais - segundo os modelos
oferecidos, subsidiados e assegurados pelas grandes potências.81
Os Estados nacionais nas regiões não europeias e, especialmente, americanas, não
foram uma cópia simples do modelo europeu aplicado por encomenda em diferentes
espaços políticos. Fosse no século XVII ou no XIX, os sistemas judiciários, fiscais,
administrativos ou militares eram impostos pelas metrópoles no estabelecimento e na
organização das colônias. Nos auxílios com a formação de organizações políticas e
mercado regionais, com indústrias ou com as forças militares, as potências do norte
garantiam que tudo fosse feito dentro do modelo europeu. Quando os países do sul
precisavam especializar o seu corpo burocrático e militar, o faziam basicamente na
Europa.82 Portanto, assim que se consolidou na Europa, o Estado nacional e constitucional
tornou-se um modelo para a formação dos Estados que nasceram e ou se consolidaram
no século XIX. No entanto, a despeito da “receita” hegemônica, cada nação construiu o
seu processo e respondeu às suas demandas internas de acordo com o seu instrumental
disponível; com suas próprias dinâmicas, conjunturas e estruturações.
1.2. REGENERAÇÃO, CONSENSO E AS CAPITANIAS DOS PORTOS NO IMPÉRIO
PORTUGUÊS
As revoluções atlânticas que expandiram o ideal burguês de liberdade e igualdade
não necessariamente foram inequívocas ou horizontais. Como afirmado anteriormente, a
expansão do liberalismo, a consolidação do capitalismo e do Estado-Nação – e todo o
aparato jurídico e legal necessário – geraram assimetrias e hierarquizações. Nesse sentido,
as alterações internas em Portugal provocaram movimentos distintos com características
81 Ibidem, p. 261. 82 Ibidem, p. 262.
47
próprias que denotam as particularidades dos movimentos sociais lusos e os
desdobramentos de tais ações, em um cenário ibérico marcado pelas disputas dinásticas
e políticas e pela intervenção estrangeira.83
Após a “era das revoluções”, o que pode ser percebido é menos uma ruptura dos
modelos antigos, notadamente os modelos organizacionais e de sociabilidade do Antigo
Regime, e mais uma continuidade desejada e buscada de ligações sociais, econômicas,
culturais e institucionais, tanto internamente quanto externamente, ou como na relação
entre Brasil e Portugal.84 Se havia uma aparente expressão de desligamento e
distanciamento, olhando mais de perto, o que se viu foi um esforço imperial para a
acomodação das ex-colônias no sistema interestatal de modo a não dissolver impérios,
mas, sim, de estabilizá-los em um novo modelo organizativo.85
O liberalismo português, no que tange à organização do Estado e à participação
política e civil popular, atravessou algumas fases ao longo do XIX. A revolução do Porto
de 182086 foi o primeiro passo rumo ao distanciamento da tradição dinástica e monárquica
83 A relação entre Portugal e Espanha na década de 1850 foi marcada pelo “paralelismo político” que coadunou o entendimento diplomático e deu suporte às políticas liberais de defesa das suas monarquias
constitucionais e a implementação de medidas econômicas com vistas à melhoria da infraestrutura
produtiva e de circulação. Tal entendimento permitiu que ambas as nações garantissem uma relativa
proteção das intervenções externas da Inglaterra e da França. GONZALO, Ignacio Chato. Portugal e
Espanha em 1856: a díspar evolução política do liberalismo peninsular. Análise Social, vol. XLII, n. 182,
p. 55-75, 2007. Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218648670B8yW
X9vo9Nm38XV3.pdf. Acessado em: 15 jan. 2020. 84 Gladys Sabina Ribeiro demonstrou como a emancipação política brasileira não se restringiu ao ato de
1822 e se constituiu como um longo processo que durou até a abdicação de D. Pedro I em 1831, momento
que considera a ruptura política e econômica definitiva. A autora analisou os cortes raciais e nacionais que
vinham sendo escamoteados pelo discurso de pertencimento à nação portuguesa, assim como as noções de “ser brasileiro” e “ser português” foram construções a partir de conflitos identitários e de negociações
discursivas. RIBEIRO, Gladys Sabina (2002), ver especialmente o capítulo 1. 85 PAQUETE, Gabriel. Imperial Portugal in the Age of Atlantic Revolutions. New York: Cambridge
University Press, 2013, p. 5. 86 A revolução, também conhecida como Vintismo, foi o movimento que iniciou a busca da sociedade
portuguesa pelo rompimento com as práticas e os costumes do Antigo Regime. Com a ausência do rei, com
a importância conquistada pelo Brasil no Império Português e o consequente lugar de subalternidade dos
lusos nele e na relação comercial, com a presença e a ingerência inglesa no território no seu território, mais
o contexto liberalizante espanhol foram influências determinantes no levante político, social e cultural que
tomou conta de Portugal na década de 1820. O evento costurou influências espanholas, notadamente com
a Constituição de Cádiz de 1812 e a sua histórica relação com os desdobramentos das condições internas brasileiras. Em três meses, Porto e Lisboa lideraram a insurreição, impediram o desembarque do oficialato
inglês enviado do Brasil, enquadraram o Exército, convocaram as Cortes e eleições e, em fevereiro de 1821,
pressionaram o rei, D. Joao VI, a jurar a Constituição elaborada e a voltar para Portugal, se tornando o
primeiro monarca constitucional do império luso. No entanto, os desdobramentos posteriores mostraram
que “[...] o esforço dos constituintes era apenas a decisão de uma fração do País disposta a imprimir ao todo
nacional um dinamismo novo que este, internamente rejeitava [...] Daí que, enquanto buscavam instituir
liberdade na metrópole, a fossem cerceando na outra banda do Atlântico: reorganizava-se a administração
das províncias brasileiras, que passariam a depender diretamente de Lisboa e das Cortes [...]”. Os
desdobramentos para o Brasil são conhecidos, com a independência formal de Portugal. Neste, o processo
de transformação da sociedade ganhou ares de estabilidade política e social, efetivamente, em 1851, com a
48
anterior àquele período. A elite política e liberal lusa não concebia o liberalismo – e as
práticas associadas à cidadania oitocentista – como um instrumento de ligação entre
sujeitos de direitos e um poder soberano. Anteriormente o discurso liberal serviu como
outra forma de exclusão social e política ante a heterogeneidade da sociedade.87
No processo de elaboração do novo modelo político foi preciso delimitar quem
eram os cidadãos autorizados e capazes de participar da arena política, ou seja, quem
poderia votar ou ser votado para a Assembleia Geral. Assim, os primeiros a serem
excluídos do processo foram os religiosos, os mendigos e os criados; seguidos, em 1822,
pelos analfabetos, que compunham a maioria dos homens adultos. A restrição era
justificada com o discurso que preconizava a educação formal como a única maneira de
inculcar “um sentimento de preocupação com o bem comum”.88
Defendia-se, então, que um cidadão precisava de independência para que pudesse
se dedicar à ociosidade necessária à ilustração. Para isso, deveria ser independente
financeiramente, sem servir a nenhum patrão ou senhor. Assim, era preciso que o
indivíduo tivesse as condições materiais para tanto. Logo, em 1826, a restrição
educacional foi substituída pela censitária, reconhecendo no critério da renda a prova para
o alcance do estatuto de cidadão. Contudo, não era qualquer valor que habilitava o
exercício dos direitos políticos. Em 1852, os funcionários do Estado que não eram
vitalícios também foram excluídos. Os seus vencimentos não garantiriam a
“independência” necessária. Assim, o rendimento deveria ser originado de propriedade
individual. Nesse mesmo ano, os libertos também foram impedidos de participar das
eleições, votando ou sendo votados.89
Os critérios relativos à idade, ao sexo, ao rendimento e à educação, que
desqualificavam a maioria da população de votar e ser eleita, não
derivavam de um qualquer receio oligárquico das “massas”, mas da impossibilidade de justificar a participação dos “não-livres” na
comunidade política. A intervenção política da plebe era deplorada na
medida em que podia ser entendida como um princípio de corrupção do “Estado livre”: através da plebe, reintroduzir-se-ia no sistema político
Regeneração. SERRÃO, Joel. Dicionário de História de Portugal. Vol. VI. Porto: Livraria Figueirinhas,
1971, p. 322-325. 87 RAMOS, Rui. Para uma história política da cidadania. Análise Social, vol. XXXIX, n. 172, p. 547-569,
2004, p. 548. Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218707183C2vWV0xp9Xc
99GX1.pdf. Acessado em: 15 jan. 2020. 88 Ibidem, p. 550. 89 Ibidem, p. 551.
49
a vontade dos poderosos, de quem dependiam os pobres, os ignorantes,
os criados e os trabalhadores por conta de outrem.90
De acordo com Rui Ramos, o liberalismo luso manteve a estrutura política
estratificada na qual a sociedade era separada entre quem acessava os privilégios de classe
e quem estava excluído deles. A cidadania oitocentista portuguesa dividia-se entre duas
categorias: os cidadãos ativos, aqueles que possuíam as características necessárias para
exercer os direitos civis e políticos; e os cidadãos passivos, todos aqueles que eram
excluídos do primeiro e “dependiam” de algum tipo de tutela, fosse patronal ou estatal.91
Para que tal organização tomasse corpo, Ramos afirma que a dinastia monárquica e o
corpo eclesiástico foram integrados ao modelo liberal de monarquia constitucional
através da aceitação de tal modelo por parte da família real portuguesa, e pelo acordo com
o Vaticano que normalizou as relações entre as instituições leigas e clericais92.
O liberalismo ibérico foi marcado pela contradição entre os esforços de elites liberais ou radicais para introduzir sistemas “avançados” na
ausência de uma base social, cultural e econômica adequada e, por
conseguinte, pela necessidade de o estado liberal enfrentar desafios e
atingir objetivos para além da sua capacidade institucional e
infraestrutural.93
Se o modelo de cidadania idealizado pelos liberais lusos buscava a exclusão e a
hierarquização dos cidadãos, ainda assim, as mudanças empreendidas desde 1820, e
aprofundadas a partir de 1834, proporcionaram o alargamento da participação da
população mais pobre e marginalizada no processo de mudança. Segundo Maria Teresa
90 Ibidem, p. 552 91 Ibidem, p. 555-556. O conceito de cidadania ativa e passiva é retirado de Brian Turner que a separou em
três tipos: a revolucionária francesa e norte-americana, conquistadas de baixo para cima e a inglesa, de cima
para baixo, que respeitava as instituições representativas e institucionais. TERRA, P. C. Op. Cit., p. 20-21. 92 O anticlericalismo dos liberais não significava ausência de religiosidade e sabia-se, entre a classe
dominante da nova elite política, da necessidade de pacificação das relações com o Vaticano. Nesse sentido,
a situação exigiu um longo período de negociações – 1832 a 1841 – no qual a resolução da questão
eclesiástica foi essencial para a consolidação do governo de D. Maria II e do projeto liberal luso, bem como
para a estabilidade das monarquias constitucionais não só ibéricas, mas de boa parte da Europa ocidental,
que se envolveram no esforço de conciliação com a ação dos embaixadores franceses e ingleses em Roma.
Ocorreu que o apoio do papa ao golpe miguelista colocou o Vaticano em oposição a D. Pedro I e as forças
liberais, que dispensaram todos os bispos nomeados no governo de D. Miguel, impediram as ordens religiosas masculinas e secularizaram os bens do clero regular. As muitas dioceses abandonas pelos
apoiadores da causa miguelista foram ocupadas por nomeações diretas de D. Pedro I. No acordo final, em
1841, o governo português aceitou a exigência papal de retorno dos religiosos exilados e o Vaticano acatou
a continuidade dos párocos nomeados por D. Pedro I. A partir de então, Roma reconheceu a rainha
portuguesa e as relações se restabeleceram. NETO, Vitor. A emergência do Estado liberal e as contradições
político-eclesiásticas (1832-1848). Revista de História das Ideias. vol. VIII, p. 281-299, 1988. Disponível
em: https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6455.pdf. Acessado em: 15 jan. 2020. 93 BRANCO, Rui. A vida política. In: PINTO, António Costa; MONTEIRO, Nuno Gonçalo (Dir.) História
Contemporânea de Portugal. Volume 2: A construção nacional, 1834-1890. Madrid: Fundación Mapfre;
Lisboa: Editora Objectiva, 2013, p. 32.
50
Mónica, depois da guerra civil, e até 1849, pelo menos, Portugal foi varrido por revoltas
e governos autoritários que buscavam estabilizar politicamente a sociedade, ainda que
com logros malsucedidos. As mudanças institucionais e as restrições políticas
direcionadas à maioria da população, associadas às duras políticas econômicas do pós-
guerra civil, contribuíram para um período de instabilidade social na primeira metade do
século XIX. Nas décadas de 1830 e 1840, os poucos políticos e algumas guerrilhas
populares ainda marcavam forte presença na resistência ao processo liberal recolocado
em marcha pelos vencedores de 1834.94
As convulsões sociais e políticas, os motins, assuadas, sedições,
rebeliões, revoltas ou revoluções que atravessaram Portugal entre 1826 e 1851, eram atribuídas a interesses, caprichos, ambições mal contidas
e mesmo à maldade humana. Os “cabeças” ou “caudilhos” destes
movimentos de protesto eram considerados os responsáveis pelos desacatos, e apelidados de criminosos políticos. As crises ministeriais
eram contínuas, a rainha vivia em constante período e agitação não
abdicando, no entanto, de ser interventora, pouco arbitral ou neutral.95
Não à toa, o discurso liberal das elites dominantes vinha recheado de exclusões e
restrições à participação popular no processo de remodelação da nação portuguesa e de
consolidação da monarquia constitucional. Tal esforço gerou um grave endividamento do
Estado português no mercado externo e das elites econômicas, junto com a pauperização
da população no pós-1834. Mónica destaca como principais causas para as instabilidades
que marcaram a história de Portugal na primeira metade do XIX, a importância do
empobrecimento dos portugueses com a guerra por um lado, inviabilizando qualquer
política regular e estreita de cobrança de impostos e os próprios gastos com a guerra civil.
Até o Ato Adicional de 1852, que revisou a Carta Constitucional de 182696, a
arbitrariedade monárquica na regulação da rotatividade partidária fortalecia a oposição e
comprometia ainda mais a legitimidade dos governos escolhidos.97 Questões como essas
94 MÓNICA, Maria Teresa. Errâncias Miguelistas (1834-43). Lisboa: Edições Cosmos, 1997, p. 38. 95 Ibidem, p. 39. 96 Que vigorou, com algumas alterações e intervalos, até o final do regime monárquico, em 1910. LEAL,
Manuel M. Cardoso. Liberalismo e democracia no Portugal oitocentista, em perspectiva comparada (1832-
1895). Revista de História das Ideias, vol. 37, p. 239-259, 2019., p. 240. Disponível em: https://impactum-journals.uc.pt/rhi/article/view/6512/5227. Acessado em: 16 jan. 2020. De acordo com Paquete, a Carta
Constitucional portuguesa de 1826, escrita por D. Pedro I, era inspirada diretamente na Constituição
brasileira de 1824 promulgada por ele e que, por sua vez, tinha inspiração na espanhola de 1812, a
Constituição de Cádiz. Ambas, portuguesas e brasileiras, representaram o fortalecimento do Poder
Executivo na figura do Poder Moderador e a exclusão de instituições representativas que pudessem dar
autonomia ao Poder Legislativo. Uma forma que os grupos dominantes liberais coevos encontraram de
assimilar e adaptar os novos códigos ideológicos em expansão. PAQUETE, Gabriel. Op. Cit., p. 165. 97 BRANCO, Rui. Op. Cit., p. 35. O Ato Adicional de 1852 foi um marco nas relações partidárias para a
Regeneração, pois as modificações do processo eleitoral com a eleição direta e o fortalecimento do
Parlamento em decisões relacionadas à cobrança de impostos e de acordos internacionais, bem como o fim
51
geraram, com o tempo, uma demanda pela pacificação com o objetivo de retorno a um
ordenamento legal e fiscal, mas que nas décadas de 30 e 40 pareciam ainda muito
distantes.98
O período de 1836 a 1842 foi marcado pela revolução setembrista de 183699 e o
seus desdobramentos, quando foram tomadas diversas medidas que buscaram a
descentralização política e administrativa. Nesse período, foi estabelecido o sufrágio
universal – ainda que fortemente censitário –, eliminou-se o poder moderador, mas foi
criada uma segunda Câmara de senadores e os poderes da rainha foram expandidos.100
Maria de Fátima Bonifácio defende que tais mudanças não significaram uma ameaça
direta à monarquia constitucional, uma vez que se mantiveram os poderes de veto da
monarca, o poder de convocar, adiar e prorrogar as cortes e de dissolver a Câmara dos
Deputados quando considerasse necessário. Mas indicam o movimento centrífugo
daquele período.101
1.2.1. Descentralização administrativa e o regulamento da polícia dos portos de 1839
Até o fim do governo miguelista, o território português era dividido em Província,
Comarca e Concelho (município), conforme o Código Administrativo de 1832. Neste,
foram criadas 11 províncias, cada qual administrada por um prefeito, divididas em 44
comarcas, administradas por um subprefeito, com um total de 828 concelhos, sob
responsabilidade de um provedor. Todos os cargos eram de nomeação régia. Os órgãos
colegiados eram a Junta Geral de Província, a Junta de Comarca e a Câmara Municipal,
da pena de morte para os crimes políticos, foram construídas “[...] por consenso, não por processo violento,
o que lhe assegurou maior durabilidade; durante duas décadas, a questão constitucional deixou de ser campo
de batalha. não por processo violento, o que lhe assegurou maior durabilidade; durante duas décadas, a
questão constitucional deixou de ser campo de batalha”. LEAL, Manuel M. Cardoso. Op. Cit., p. 244. 98 Ibidem. 99 O Setembrismo foi um movimento liderado por liberais moderados e radicais com o objetivo de substituir
a Carta Constitucional promulgada em 1826, considerada moderada, pela Constituição de 1822, vista como
mais radical e menos monárquica. O movimento caminhou para o lado moderado, que resultou na Constituição de 1838. Essa ala moderada constituiu-se no Partido da Ordem, que no ordenamento político
luso, era de centro-esquerda e identificava-se com as pautas descentralizantes ligadas a esse espectro.
Segundo Fátima Sá e Melo Ferreira, o termo “ordem” estava ligado à oposição ao radicalismo da esquerda
liberal e ao significado de moderação e cooperação que o grupo reunido tomou para si. MELO FERREIRA,
Fátima Sá. O Conceito de Ordem em Portugal (séculos XVIII e XIX). Tempo, Niterói, vol. 17, n. 31, p. 21-
34, 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tem/v17n31/02.pdf. Acessado em: 16 jan. 2020. 100 BRANCO, Rui. Op. Cit., p. 37. 101 BONIFÁCIO, Maria de Fátima. O Setembrismo Corrigido e Actualizado. Penélope: revista de história
e ciências sociais, Lisboa, n. 9-10, p. 209-221, 1993, p. 212-213. Disponível em:
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2687192. Acessado em: 16 jan. 2020.
52
respectivamente. As eleições eram indiretas, com eleitores indicados e votantes
habilitados nas freguesias. Os eleitos indicavam aqueles que comporiam as Juntas da
Comarca e a Geral da Província. Em 1834 as comarcas foram extintas e as freguesias
acrescentadas e reorganizadas.102
Essa organização contrastava diretamente com a dinâmica organizativa e
administrativa de Antigo Regime, que tinha nas administrações locais um importante
lugar de exercício de poder e de governabilidade do poder central. As Comarcas e os
Concelhos eram as unidades básicas da administração régia. Na primeira, os seus
funcionários estavam encarregados do controle e da aplicação da justiça. Nos segundos,
o governo era exercido pela Câmara Municipal, com vereadores eleitos diretamente,
ainda que com restrições censitárias. No caso de Lisboa, o governo estava a cargo do
Senado da Câmara e os vereadores eram indicados pelo(a) monarca. De maneira geral, a
vereança atuava autonomamente através da elaboração e da fiscalização das posturas
municipais.103
Os órgãos camarários dispunham, pois, de ampla autonomia na gestão
dos negócios concelhios, uma vez que as suas deliberações podiam
abranger qualquer aspeto da vida local e, desde que respeitassem as formalidades prescritas na lei, não podiam ser revogadas por ninguém,
incluindo os corregedores.104
Portanto, as reformas, que tinham como objetivo fortalecer o absolutismo
miguelista que, para tanto, buscavam transferir a administração e o controle sobre o
cotidiano da população para a esfera do poder central, também receberam uma resistência
tenaz dos poderes locais em Portugal. Antonio Pedro Manique assevera que duas
correntes atinentes à administração pública polarizaram os liberais lusos: uma inspirada
no modelo centralizador francês, com circunscrições administrativas subordinadas a
agentes do poder central; e outra, que defendia o modelo descentralizado, mais ligado à
tradição municipalista portuguesa.105
102 GOMES, Eduardo Miguel Macedo. A Administração Local na Monarquia Constitucional. O Papel da
Freguesia e do Pároco (1834-1910). 2012. 186 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências
Socais, Universidade do Minho. Braga, 2012, p. 28. 103 MANIQUE, António Pedro. Poder municipal ou poder administrativo? Um conflito entre a Câmara
Municipal de Lisboa e o Governo (1834-1835). Cadernos do Arquivo Municipal, Lisboa, 2ªsérie, n. 2, p.
243-269, dez. 2014, p. 246. Disponível em http://www.scielo.mec.pt/pdf/cam/vser2n2/vser2n2a12.pdf.
Acessado em 16 jan. 2020. 104 Ibidem. 105 Ibidem, p. 247.
53
A influência francesa centralizadora ganhou traços de realidade com a reforma de
1832. O poder encerrado nas atribuições dos prefeitos, “delegado da autoridade do Rei”,
representavam a materialização do modelo francês ao entregar a ele a administração das
mais variadas estâncias da vida cotidiana da sociedade.106 A reorganização alterou
substancialmente a rotina e a dinâmica de funcionamento político das comunidades
regionais e mexeu com interesses ligados diretamente com a administração local.
Em Lisboa, diante da extensão do seu território e da sua importância de capital do
Império, a reorganização administrativa a dividiu em seis bairros equiparados aos
Concelhos (também chamados de distritos), cada um com um provedor indicado pelo
Reino. Os provedores tinham funções executivas, como cobrança de impostos, vigilância
da polícia da cidade ou o alistamento para a guarda nacional; podia agir com
independência sobre as deliberações da Câmara Municipal, o que influenciou diretamente
para o posicionamento da vereança lisboeta contra as reformas de 1832.107
Logo que a regência de D. Pedro assumiu em 1834 e as eleições desse ano foram
confirmadas, a Municipalidade da capital empreendeu uma sistemática oposição ao
Código Administrativo de 1832, já no ambiente de radicalismo liberal verificado com o
Setembrismo. Ao longo desse ano, a Câmara Municipal de Lisboa rejeitou reiteradamente
a autoridade administrativa do prefeito e fez diversas proclamações exigindo a reforma
da atual legislação que “usurpava” os poderes municipais. Tais reivindicações alcançaram
a Câmara dos Deputados com a abertura da legislatura daquele ano e pautaram a agenda
de outros municípios também insatisfeitos.108
Os debates provocados pelos diversos protestos enviados duraram de agosto de
1834 e abril de 1835, quando alterações às reformas do governo anterior começaram a ser
executadas.109 Nesse ano, a Carta de Lei de 1835 empreendeu reformas em vários níveis
da administração régia, como o início do processo de venda dos bens nacionais110 e,
106 Ibidem, p. 248. 107 Ibidem, p. 249. 108 Ibidem, p. 253-260. 109 “A representação da vereação lisboeta de 23 de agosto de 1834, ao ser lida logo no início dos trabalhos
da Câmara dos Deputados, assumiu a liderança do movimento contestatário do sistema administrativo, não
só porque divulgava um vasto conflito até então desconhecido, mas também porque a sua publicação no
jornal oficial encorajou muitos outros municípios a reclamarem sobre o mesmo assunto, sendo frequentes
as referências ao seu conteúdo. A atitude da Câmara da capital contribuiu para a formação de uma opinião
pública hostil à legislação de 1832 e às novas autoridades administrativas [...]”. Ibidem, p. 262-264. 110 Entre os anos 1833 e 1835, o governo português procedeu à uma serie de incorporações que atingiram
os bens da Igreja, da família real e da Coroa. No que tange às incorporações de terra, Luís Espinha da
Silveira afirma que representaram duas questões importantes: uma, propunha terminar com a propriedade
característica de Antigo Regime, transferindo a propriedade para aqueles que tivessem em posse legitima,
54
principalmente, a reforma que fortaleceu o poder municipal com a devolução das funções
administrativas, retiradas em 1832. A partir de então, houve uma nova divisão do país em
Distritos Administrativos, nos quais os Governadores Gerais eram de indicação régia. Os
Distritos foram subdivididos em Concelhos e Freguesias. As Comarcas foram extintas.
As Câmaras Municipais retomaram as suas atribuições administrativas e os vereadores
voltaram a ser eleitos por eleição direta.111
A partir de 1842, houve uma virada conservadora, que tinha como discurso de
oposição a limitação das contestações locais e as políticas centrais descentralizantes que
vinham minando o exercício do poder central. O governo de Antonio Bernardo da Costa
Cabral112 seguia uma linha autoritária e centralizadora e tinha inspiração nas novas
formulações ideológicas e políticas que vinham sendo formuladas na França e na
Espanha. A restauração da Carta Constitucional de 1826 e o duro regime colocado em
marcha tinha tudo de liberal, mas em nada se conectava com qualquer discurso de
conciliação defendido pelos seus opositores.113
O Código Administrativo de 1842, promulgado no governo de Costa Cabral, foi
considerado profundamente centralizador. Novamente, ocorreu uma (re)divisão do país
em Distritos e Concelhos e as Freguesias foram extintas. Os poderes do Governador Civil,
nomeado pelo rei, foram expandidos, “podendo fiscalizar toda a administração do distrito
com o cultivo da terra, e pagando os forais determinados; outra, abriu uma frente de disputas e conflitos
entre o Estado e os interesses atingidos, especialmente a Igreja, que só resolverá a relação com o Estado
português em 1841. O autor defende que, com relação às ordens religiosas e régias e os seus bens, a despeito
das razoes apresentadas de falta de condições materiais e financeiras para a continuação delas, o fator
decisivo para a incorporação era o entendimento da incompatibilidade delas com o projeto liberal em curso, associado à disposição do Estado para a venda dos bens incorporados com o objetivo de resolver o constante
déficit financeiro da economia lusa. SILVEIRA, Luís Espinha da. Venda dos bens nacionais (1834-43):
uma primeira abordagem. Análise Social, vol. XVI, n. 61-62, p. 87-110, 1980-l.°-2.°. Disponível em:
https://www.jstor.org/stable/41010211. Acessado em: 18 jan. 2020. 111 GOMES, Eduardo Miguel Macedo. Op. Cit., p. 29-30. Em 1836, foi promulgado o novo Código
Administrativo, considerado excessivamente descentralizador pela oposição moderada. Ibidem, p. 32. 112 Primeiro Conde de Tomar, foi Par do Reino (equivalente a senador no Brasil), Conselheiro de Estado,
Ministro Plenipotenciário e de Estado da Justiça e do Reino por duas vezes, e formado em Direito pela
Universidade de Coimbra. SILVA, Innocencio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez.
Volume VIII. Lisboa: Imprensa Nacional, 1868, p. 103. Costa Cabral teve formação fortemente liberal,
exilou-se durante o governo de D. Miguel, retornando após a guerra civil de restauração. Foi deputado pelos Açores na década de 1830 e em 1836, aderiu ao movimento setembrista, que congregava liberais radicais e
moderados. Na segunda metade dessa década, migrou para as fileiras do liberalismo conservador. Em 1842,
liderou o movimento político conservador que restaurou a Carta Constitucional de 1826, assumiu o cargo
de Ministro do Reino, dando origem ao período cabralista, de caráter centralizador e autoritário. Em 1846,
com as revoltas de Maria da Fonte e Patuleia em 1847, ausentou-se do país, retornando em 1849, quando
assumiu o Conselho de Estado e, em 1851, foi deposto com o golpe saldanhista. SERRÃO, Joel. Dicionário
de História de Portugal. Vol. I. Porto: Livraria Figueirinhas, 1971, p. 414-415. 113 SARDICA, José Miguel. A política e os partidos ter 1851 e 1861. Análise Social, Lisboa, n. 141, vol.
XXXII, p. 279-333, 1997 (3º), p. 283. Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/
1221841071B6tBX9hq5Jn11LV2.pdf. Acessado em: 20 jan. 2020.
55
e inspeccionar a execução de todas as leis e regulamentos da administração”. Devia,
também, indicar quantos procuradores comporiam a Junta Geral do Distrito, que eram
eleitos juntos com os vereadores. As eleições continuaram diretas, mas as restrições
censitárias endureceram. O novo código foi fruto de um processo que vinha se
desdobrando desde a legislatura de 1840, que obstinava reverter a onda descentralizadora
colocada em marcha pelo movimento setembrista no período de 1835-1839.114
Foi nesse ambiente de ambiguidade discursiva que o Regulamento das Polícias
dos Portos de Portugal nasceu em 1839115. O cenário político moderado e liberal, de
políticas descentralizantes vinha sendo alterado, favorecendo, assim, o Governo Imperial
em promulgar medidas que aumentavam o controle sobre a circulação de pessoas e de
produtos a partir de uma autoridade central, inclusive restringindo a ação das
Municipalidades nas “[...] atribuições das Autoridades marítimas em tudo que tocar a
Polícia dos Portos, mas antes lhes prestem todos os auxílios que elas carecerem, para o
bom desempenho das atribuições do seu cargo”.116 Esse regulamento foi a primeira lei
nacional que organizou os portos lusos a partir do grupo de regras, tendo como autoridade
máxima um agente do poder central, deu poderes efetivos à figura do Capitão do Porto,
que aparecia em portarias e decretos anteriores117, e estabeleceu uma dinâmica de
funcionamento geral.
O decreto tinha 131 artigos e era subdividido em três capítulos, “Dos Capitães dos
Portos”; “Dos Pilotos”; “Dos Navios ou Mestres Deles”. Determinava-se, então, que o
cargo seria ocupado por oficiais da Armada, subordinados ao Major General ou ao
Comandante Geral da divisão que pertencesse.118 Nos portos que tivessem Intendentes de
Marinha, estes seriam capitães. No mesmo ato, a costa portuguesa foi dividida em três
114 GOMES, Eduardo Miguel Macedo. Op. Cit., p. 34-35. 115 PORTUGAL. Coleção de Legislação Régia (CLR). Decreto de 30 de agosto de 1839. Regulamento para
a polícia dos portos. Disponível em: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/20/17/p503. Acessado em: 12
jan. 2020. 116 PORTUGAL. CLR. Decreto de 28 de abril de 1840. Disponível em:
http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/20/17/p503. Acessado em: 12 jan. 2020. 117 Segundo Jorge Silva Paulo a primeira menção da legislação ao cargo de capitão do porto consta da
portaria de 25 de janeiro de 1819 recomendava a visita do capitão do porto às embarcações de pesca em
Lisboa. Destaca, no entanto, que “não foi possível apurar se a figura foi usada no seu futuro sentido, se foi
por analogia, ou se foi só em sentido honorifico, pois não possível encontrar o documento de nomeação”.
PAULO, Jorge Silva. Contributos para a história institucional da Autoridade Marítima. Revista Eletrónica
de Direito, n. 3, p. 1-64, outubro, 2016, p. 11-15. Disponível em: https://cije.up.pt//client/files/
0000000001/5656.pdf . Acessado em: 26 jan. 2020. 118 PORTUGAL. CLR. Decreto de 30 de agosto de 1839. Capítulo I, art. 1º e 16º, respectivamente.
56
Divisões, a do Norte, comandada pelo Intendente da Marinha do Porto, a do Centro, pelo
Inspetor do Arsenal e a do Sul, um Oficial superior mandado para Faro.119
Figura 1: Organograma 1 – Capitanias dos Portos de Portugal – 1839120
Fonte: Elaboração própria. Coleção de Legislação Régia.
Assim que assumisse, o Capitão do Porto deveria fazer o reconhecimento do
litoral, tomando conhecimento da sua extensão, profundidade, condições dos canais e dos
ancoradouros, dos melhores lugares para o despejo dos lastros etc.121 Inclusive,
determinar o horário do início e do fim do tráfico do porto, em combinação com o Diretor
da Alfândega122. As suas atribuições específicas eram compostas por 68 artigos que iam
desde a observação das marés altas e baixas até a limpeza dos cais, passando pela vigia
dos faróis ou pela sinalização que deveria ser feita entre os navios fundeados e a terra.
Estava autorizado, no entanto, a nomear um Ajudante para lhe auxiliar na execução do
regulamento. Além da fiscalidade, também previa o trabalho conjunto com outras
repartições do Governo Imperial, como a Junta da Saúde, observando os navios para a
quarentena, e com o Encarregado da Polícia, verificando os passaportes e encaminhando
aqueles em situação ilegal.
O Capitão do Porto deveria visitar todos os navios nacionais ou estrangeiros que
entrassem no porto, tomar as informações que achasse importantes e fazer, todos os
meses, um relatório com a demonstração de todas as embarcações entradas e saídas,
informando o nome do navio, do mestre ou capitão, a tonelagem, a carga, o número da
tripulação e de passageiros, quando o caso. Ademais, deveria fazer a matrícula das
119 Ibidem, Capítulo I, Artigos 63 a 65. 120 Ibidem, Artigos 67 e 68. Nos Domínios Ultramarinos as Capitanias dos Portos são, Terceira: São Miguel,
Fayal, Madeira, Cabo Verde, São Thomé e Príncipe, Angola, Benguela, Moçambique, Goa e Damão. 121 Ibidem, Capítulo I, Artigo 3º. 122 Ibidem, Capítulo I, Artigo 45.
57
embarcações em livros específicos, além daqueles que estavam destinados para a entrada
delas e outro para a saída.123
No que tange à organização e à fiscalização dos ancoradouros, a autoridade
marítima deveria observar estritamente as condições das escadas, cuidando para que as
embarcações miúdas não ficassem amarradas o tempo além do que necessário para o
embarque e o desembarque de passageiros e de cargas. Além disso, deveria organizar o
entorno dos cais para a chegada de carros, carroças ou bestas. Outrossim, estava a seu
cargo definir quais os pontos do litoral estavam aptos e seguros para o estabelecimento
de ancoradouros, onde as embarcações poderiam ser amarradas, fiscalizando
regularmente tais amarrações e multando os refratários. Inclusive, nos dias de
intempéries, deveria interromper a circulação e emitir ordens específicas para os
eventuais socorros navais.124
Nenhuma embarcação poderia mudar de ancoradouro sem a autorização do
Capitão do Porto e sem a respectiva licença, emitida pela repartição. Como deveriam
acudir em qualquer caso de socorro naval, como incêndios ou abalroamentos125, era
importante que se soubesse onde cada tipo de embarcação deveria estar para que se
solicitasse os préstimos necessários. Em caso de recusa ou ausência, deveria ser emitida
a multa pertinente.
Como polícia do porto, a autoridade marítima deveria observar atentamente os
casos que infringiam não somente ao regulamento, mas a qualquer infração que
desrespeitasse o ordenamento legal, principalmente àquelas relacionadas às questões de
trabalho e à circulação de pessoas. Em caso de roubo ou qualquer desordem dentro dos
navios, o Capitão do Porto deveria averiguar, relatar e repassar as informações por escrito
à autoridade competente. Se nas suas visitas às embarcações julgasse alguém suspeito,
ainda que tivesse passaporte legal, poderia desembarcá-lo e encaminhar ao Encarregado
da Polícia, restando a esta autoridade a decisão final para a autorização da viagem.126
O controle sobre os marinheiros da Armada também era um dever e uma
preocupação específica do regulamento. Quando da saída de qualquer navio de longo
curso ou de cabotagem, o Capitão do Porto deveria fazer a visita e conferir os despachos
123 Ibidem, Capítulo I, Artigos 25, 26, 27, 33. 124 Ibidem, Capítulo I, Artigos 39 a 42. 125 Ibidem, Capítulo III, Artigo 15. 126 Ibidem, Capítulo I, Artigos 34 e 44.
58
pertinentes, conferindo se a tripulação era a mesma, se a carga havia sido liberada pela
Alfândega, se os passageiros estavam em dia com os seus passaportes, quando fosse o
caso.127 Nessa visita, deveria ser feita uma averiguação minuciosa para verificar a
presença de qualquer marinheiro português sem autorização. Em caso de os encontrar,
deveriam ser entregues primeiro ao Encarregado da Polícia para, em seguida, serem
encaminhados ao Arsenal de Marinha para, então, serem embarcados nos navios da
Armada.128 O regulamento não trazia nenhuma função de recrutamento, que só foi
reformulado em 1851.
O primeiro regulamento da polícia dos portos luso era extenso e elencava uma
série deveres, responsabilidades e regras que tinham como agente normalizador uma
autoridade do poder central. Sua promulgação ocorreu em um período de mudanças no
cenário político, no qual as forças setembristas, que tinham promulgado uma nova
Constituição, reformado o Código Administrativo e tomado medidas descentralizantes,
já demonstravam um enfraquecimento frente aos movimentos da ala conservadora do
liberalismo luso.
Nesse sentido, o regulamento pode ser classificado com um dos primeiros
movimentos do projeto conservador de retomada de medidas centralizadoras com o
objetivo de fortalecer o poder central e alterar a governabilidade. A Constituição de 1826
só foi restaurada em 1842, junto com a promulgação do novo Código Administrativo
quando Costa Cabral assumiu o poder. Além disso, o decreto se juntou a um conjunto de
medidas implementadas no governo cabralista com o objetivo de melhorar a arrecadação
através de um controle mais estrito do Estado sobre a circulação de bens e de
trabalhadores.
1.2.2. Centralização, conservadorismo e a Regeneração portuguesa
A revisão empreendida em 1851, ainda que em um momento de inflexão política,
econômica e administrativa do processo histórico português, insere-se em um projeto
conservador de longo prazo que teve início no final dos anos 1830 e avançou pela segunda
metade do século XIX. É importante destacar, no entanto, que os últimos anos do governo
127 Ibidem, Capítulo III, Artigo 15. 128 Ibidem, Capítulo III, Artigo 13.
59
cabralista foram de fortes agitações políticas e sociais. Uma das revoltas populares mais
intensas, a Maria da Fonte129, deixou clara tanto a continuidade do movimento miguelista
entre a população mais pobre e setores da igreja e da aristocracia rural, quanto a
insatisfação geral e, especialmente, de um grupo de políticos radicais de esquerda com os
rumos conservadores, autoritários e centralizadores seguidos por aquele governo.
A revolta, além de se direcionar contra o arrocho fiscal sobre a população, com
vistas a reduzir o endividamento do Estado, era diretamente contrária à marginalização e
ao enfraquecimento das municipalidades na cobrança dos impostos, em benefício dos
dispositivos direcionados ao Ministério da Fazenda. Rui Branco afirma que, nesse
momento, a tensão entre as forças locais e centrais emergiu de maneira significativa,
refletindo a oposição entre o campo e a cidade explicitada nos participantes da revolta.130
No mesmo sentido, Maria Manuela de Bastos Tavares Ribeiro defende que esse período,
de 1842 a 1851, foi de intensos conflitos sociais e políticos e de incertezas com relação
ao próprio sistema monárquico constitucional. A restauração da Constituição portuguesa
de 1826 a 1842 foi o ponto central do projeto cabralista de refrear as reformas
descentralizantes do governo anterior.131
A ascensão de um governo conservador teve repercussão também em Espanha,
que vinha em um processo de centralização política com vistas ao fortalecimento da
monarquia constitucional. Os dois países viviam momentos políticos semelhantes, com a
revisão da constituição espanhola e a restauração da portuguesa, ambas com o fim de
reduzir os radicalismos liberais que enfraqueciam o monarquismo e ampliavam a
participação cidadã.132
Dessa forma, em oposição ao projeto do Governo Imperial, construiu-se um grupo
oposicionista que reuniu os liberais exaltados – “progressistas” que defendiam reformas
129 Chamada também de Revolução do Minho, a Maria da Fonte foi uma revolta de mulheres contra as leis
de saúde, como a proibição de sepultamento das igrejas, e contra a reforma do sistema tributário que
aumentou e recrudesceu o controle sobre a cobrança de impostos. Além disso, direcionava suas críticas ao
governo de Costa Cabral, considerado ditatorial e excessivamente centralizador. O movimento foi instrumentalizado pelos miguelistas como ferramenta de reivindicação pelo retorno do exilado D. Miguel
e do absolutismo em Portugal. SILVA, Armando B. Malheiro da; ARAÚJO, Alberto Filipe. Miguelismo e
Maria da Fonte – Notas para uma leitura Mitanalítica. ANAIS DO CONGRESSO MARIA DA FONTE -
150 ANOS: 1846-1996, 1996, Póvoa do Lanhoso. Póvoa de Lanhoso: Câmara Municipal, 1996. Disponível
em: https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/52263. Acessado em: 20 jan. 2020. 130 BRANCO, Rui. Op. Cit., p. 39-40. 131 RIBEIRO, Maria Manuela de Bastos Tavares. Crise revolucionária e ordem pública (1846-1851).
Revista de História, Porto, n. 8, p. 301-312, Porto, 1988, p. 301. Disponível em:
https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6456.pdf. Acessado em: 16/01/2020. 132 Ibidem, p. 303.
60
políticas e econômicas e dos sistemas eleitoral e de ensino – e os legitimistas, que
defendiam um governo absolutista, a partir do retorno de D. Miguel, exilado na França
desde o fim da guerra civil. Portanto, houve uma
[...] coalisão de forças de direita e de esquerda que se propunha mudar as instituições (para uns), ou mudar a dinastia, (para outros) [...] uma
coligação de facções antagónicas (liberais e absolutistas) que se entende
num plano conjuntural. Não há uma unidade (tão-só de acção) mas
confluíam para um objetivo comum – a aliança antigovernamental.133
A movimentação da oposição em Portugal fez crescer, na Espanha, o medo da
ameaça ao status quo monarquista. Manter o trono de D. Maria II significava consolidar
as instituições em vigor, evitando que o discurso liberal-republicano e federalista se
expandisse para o território espanhol. Dessa forma, a busca por uma aliança ibérica
atendia aos interesses das monarquias constitucionais portuguesas e espanholas, que
assim manteriam suas dinastias e suas instituições, ao mesmo tempo em que se
fortaleciam em oposição às nações hegemônicas europeias como França e Inglaterra. Para
tanto, internamente, os governos conservadores foram mantidos e fortalecidos, as revoltas
populares e de oposição política foram duramente restringidas e combatidas através do
recrudescimento das forças policiais e militares. Mesmo evitando o intervencionismo
inglês, o apoio externo foi significativo na contenção das revoltas.134
A partir de 1848, novas tentativas insurrecionais tomaram corpo no território luso
sob inspiração da revolução republicana francesa e dos movimentos nacionalistas. O
ambiente político português, conservador e centralizador; o social, com as restrições
censitárias de participação cidadã; somados ao ambiente econômico de austeridade fiscal
foram terreno fértil para a oposição “progressista”.135 A consolidação do projeto
conservador dependia do incremento do controle social e político que já vinha sendo
colocado em prática desde as revoltas de 1846-1847. Ao final deste ano e início de 1849,
as autoridades locais foram auxiliadas pelo reforço do contingente militar, com a criação
de pequenos grupos de soldados itinerantes. A circulação de nacionais e estrangeiros
(principalmente espanhóis e franceses) foi reforçada e as regiões marítimas receberam
especial atenção.136
133 Ibidem, p. 303-304. 134 Ibidem, p. 304-306. 135 RIBEIRO, Maria Manuela de Bastos Tavares. Op. Cit., p. 306. 136 Ibidem, p. 307-308.
61
O período que vai de 1834 até o pronunciamento militar de 1851 que inaugurou a
Regeneração137 é definido por José Miguel Sardica como um momento de diferenças
essenciais com relação a um impossível consenso constitucional que separava em grupos
irreconciliáveis os defensores da Carta Constitucional promulgada em 1826, defendida
pelos políticos alinhados à direta, e a Constituição de 1822, com aqueles à esquerda. Ao
longo desses anos, a oposição de um lado ou de outro buscou a ação por vias indiretas,
ou seja, por fora dos preceitos legais defendidos por um ou outro grupo. Nesse sentido,
as forças em jogo no campo político – e em constante oposição – fizeram da alternativa
liberal um padrão organizativo hegemônico, mas não consensual.138
A sociedade portuguesa chegou a 1851 profundamente desgastada social e
politicamente após vinte anos de distúrbios. Ribeiro explica que cidadãos e políticos
buscavam uma forma de conciliação entre o Governo Imperial e as diversas forças de
oposição que, por sua vez, instrumentalizavam os movimentos populares
insurrecionais.139 Após tantas revoltas e revoluções, mudanças constitucionais, a reforma
da autoridade marítima e das formas de recrutamento ganham mais inteligibilidade. Com
as duras disputas políticas e institucionais e o endividamento do Estado, urgiu a
necessidade de se exercer um maior controle sobre a circulação de pessoas, a fim de
prevenir novas revoltas populares – garantindo o aumento das forças de mar e terra. Por
outro lado, e ao mesmo tempo, trabalhadores e trabalhadoras foram incentivados a
circular pelo território luso.
A reforma estava inserida no modelo econômico que teve continuidade com a
Regeneração, que consistiu em aumentar a infraestrutura portuguesa com o objetivo de
melhorar a circulação de mercadorias e de capital através de financiamento externo.
Assim, acreditava-se que, com a construção de ferrovias e a reformulação dos portos, a
integração nacional impulsionaria o crescimento econômico. A política dos
137 A palavra tem significado histórico no decurso do império português. Estava associada tanto ao
Decandentismo, filosofia surgida em meados do século XVI com o começo da desarticulação dos domínios
lusos no oriente e com a celebração do passado e a esperança de um futuro glorioso. Na virada para o século XIX, as luzes liberais ressignificaram o seu sentido e ligaram-no fortemente ao movimento vintista de
renovação e “regeneração” da sociedade portuguesa frente à possibilidade de destruição das instituições de
Antigo Regime. Ao longo do XIX português e do processo de consolidação do seu liberalismo, a ideia de
“regeneração” teve dois momentos marcantes: a revolução de 1820 e o golpe militar de 1851, nomeado
literalmente de Regeneração. Idem. Dicionário de História de Portugal. vol. V. Porto: Livraria
Figueirinhas, 1971, p. 251. 138 SARDICA, José Miguel. Op. Cit., A política e os partidos ter 1851 e 1861. Análise Social, Lisboa, n.
141, vol. XXXII, p. 279-333, 1997 (3º), p. 279-281. Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/
documentos/1221841071B6tBX9hq5Jn11LV2.pdf. Acessado em: 20 jan. 2020. 139 RIBEIRO, Maria Manuela de Bastos Tavares. Op. Cit., p. 311.
62
“melhoramentos materiais” já vinha sendo desenhada desde o governo de Costa Cabral e
ganhou impulso e horizontalização a partir da reconfiguração política e administrativa
posto em prática pelo Duque (futuro Conde) de Saldanha.140
Nesse sentido, como define Sardica, “o triunfo da Regeneração sobre o cabralismo
foi a versão portuguesa do triunfo da era do capital sobre a era das revoluções [...]”.141 O
modelo político e econômico inaugurado pretendia inserir Portugal no circuito
internacional e interestatal de circulação de bens e de capital e, para tanto, uma série de
novas medidas centralizadoras foram necessárias em prol desse objetivo. Como afirmado
anteriormente, dentro desse processo Atlântico de expansão do liberalismo e
consolidação do capitalismo, cada região desenvolveu suas próprias dinâmicas como
respostas a essas questões externas. Dentro das fronteiras lusas, “o centro triunfou sobre
os extremos, inaugurando um modelo orientado por uma pressão centrista ou centrípeta
do campo político – tudo resumível numa ideia-lema: a Regeneração sob o signo do
consenso”.142
A direção ao centro era um propósito interno e externo. Primeiro, significava a
busca obstinada pelo fim do radicalismo de direita ou de esquerda. Tinha-se como meta
a “moderação’, a “união”, a “fusão”, a “amalgamação”, palavras-chave no meio
intelectual e popular daquele momento histórico.143 A retórica dominante determinava
que as práticas políticas do enfrentamento direto com o adversário fossem substituídas
por uma forma contemporizadora e consensual que buscasse a cooptação e a neutralização
dele.144 Segundo, a Regeneração portuguesa se alinhava a um contexto europeu de
140 PEDREIRA, Jorge M. O processo econômico. In: PINTO, António Costa; MONTEIRO, Nuno Gonçalo
(Dir.). História Contemporânea de Portugal: 1808-2010. Volume 2, A construção nacional (1834-1890).
Lisboa: Ed. Objectiva; Madrid: Fundación Mapfre, 2013, p. 121. João Carlos Gregório Domingos Vicente
Francisco de Saldanha Oliveira e Daun era neto do Marques de Pombal, foi 1º Duque, 1º Marquês e 1º
Conde de Saldanha, Mordomo-mór, Par do Reino, Conselheiro de Estado, Ministro de Estado, Marechal
do Exército, Ministro Plenipotenciário etc. SILVA, Innocencio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez. Volume III. Lisboa: Imprensa Nacional, 1868, p. 342. Saldanha pertencia à classe tradicional e
dirigente de Portugal. Militar de carreira, participou de todas as guerras, revoluções e revoltas do XIX luso-
brasileiro. SERRÃO, Joel. Op. Cit., Dicionário de História de Portugal. Vol. VI. Porto: Livraria
Figueirinhas, 1971, p. 424-425. 141 SARDICA, José Miguel. A política dos partidos entre 1851-1861. Análise Social, Lisboa, n. 141, vol.
XXXII, p. 279-333, 1997 (2º), p. 285. Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/
1221841071B6tBX9hq5Jn11LV2.pdf. Acessado em: 20 jan. 2020. 142 Ibidem. 143 Ibidem, p. 286-287. 144 Ibidem, p. 289.
63
relativa tranquilidade política e social, com a Inglaterra vitoriana, os governos liberais em
Espanha e Itália e a segunda República francesa, pós-1848.145
No entanto, Sardica alerta que, ao contrário do que a historiografia portuguesa
clássica afirma sobre o período, sobre um consenso político, pacífico e uniforme até 1890,
houve rápidos períodos concernentes aos partidos portugueses dentro desse longo
período146. Nesse sentido, o processo foi atravessado de complexidade e de uma constante
negociação entre o Governo Imperial português, os poderes locais e os seus representantes
nas aglomerações partidárias. Nos primeiros dez anos do período da Regeneração, a
rotatividade bipartidária alentada para todo o período foi mais um mito do que uma
realidade. Um movimento mais claro nessa direção só pode ser observado nos anos 1870
e 1880. Assim, a ampliação desse processo de rotativismo partidário com fins de
apaziguar as contendas políticas para todo o período da Regeneração é verificado em uma
historiografia portuguesa que não identificou as nuances e diferenças entre os partidos
políticos nos primeiros anos e sua relação com o Governo Imperial, bem como das suas
propostas governativas, que geraram muitas disputas internas e externas.147
1.2.3. A reforma da autoridade marítima de 1851 e o regulamento de 1859
Nesse ambiente de intensas e profundas mudanças políticas e administrativas, as
regiões portuárias lusas e a Armada portuguesa foram objeto de intervenção logo nos
primeiros meses do governo de Saldanha. Em outubro de 1851, foram promulgados três
decretos que reformaram o corpo administrativo e militar da Marinha portuguesa,
extinguiram o Batalhão Naval e reformaram a autoridade marítima, com uma nova
divisão dos distritos marítimos, determinando a matrícula dos marítimos, entre outras
questões relacionadas ao aumento do contingente da Marinha. Nesse sentido, o próprio
Duque de Saldanha, Ministro do Reino, justificava em relatório anexo aos decretos a
necessidade de tais medidas.
145 Ibidem, p. 290. 146 A renovação parlamentar e ministerial experimentada nos decênios 1850 e 1860 foi de cerca de 60%,
representando uma mudança de objetivos, programas e identidades que se ligavam ao novo projeto nacional
idealizado e colocado em funcionamento. Ibidem, p. 291. 147 SARDICA, José Miguel. Os partidos políticos no Portugal oitocentista (discursos historiográficos e
opiniões contemporâneas). Análise Social, Lisboa, n. 142, vol. XXXII, p. 557-601, 1997 (3º), p. 560-562.
Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1221841749J5fQJ6qo5Ov81JL8.pdf. Acessado
em: 20 jan. 2020.
64
Com relação à extinção do Batalhão Naval, Saldanha defendia que as praças desse
contingente não tinham a formação necessária para o serviço embarcado, como acontecia
naquele momento. Como eram treinados para o exercício de artilharia, seus serviços eram
mais adequados às forças de terra. Afirmava, também, que era preciso separar as praças
do Exército dos marinheiros da Armada, que serviam conjuntamente nos navios e que
vinha causando situações inconvenientes, uma vez que os primeiros tinham seus
pagamentos em dia, ao contrário dos segundos. Defendia, inclusive, que as mudanças
acarretariam uma economia considerável, cortando cargos e reduzindo vencimentos.148
Nesse sentido, foram promulgados três decretos entre agosto e outubro de 1851.
O primeiro e mais extenso, criava o Corpo de Marinheiros Militares, que incluía “Oficiais
de manobra, os marinheiros, artistas e operários” que pertencessem aos navios da
Armada. Era composta por um Estado-Maior, um Estado-Menor, vinte e duas
Companhias de Embarque e uma Companhia de Depósito, conforme a composição
discriminada no Anexo 1.149 A marinhagem deveria ser adquirida através do voluntariado,
do recrutamento e da readmissão, que seriam encaminhados à Companhia de Depósito,
onde receberiam o aprendizado pertinente, como o treinamento com artilharia, manejo
das embarcações e exercícios de abordagem.150 A instrução formal – ler, escrever e fazer
conta – ficava a cargo do Capelão, dirigida aos marinheiros e grumetes, “mas
especialmente aos Pagens”.151
O segundo decreto extinguiu o Batalhão Naval.152 O decreto tinha apenas 3
artigos. No seguinte, os Oficiais Superiores, Sargento Ajudante, Sargento Quartel-Mestre,
e os Oficiais inferiores, Cabos, Anspeçadas e Soldados pertencentes ao corpo foram
transferidos para o Exército.153 O Capelão e os Oficiais de Saúde, os Corneteiros e os
músicos, foram transferidos para o Corpo de Marinheiros Militares.154 Assim, feitas tais
mudanças, era preciso reorganizar, também, a autoridade marítima e atribuir-lhe poderes
de recrutamento, que no regulamento de 1839 não constava nenhuma indicação.
148 PORTUGAL. CLR, Decreto de 22 de outubro de 1851, p. 378-379. 149 Ibidem, Artigos 1º e 3º. 150 Ibidem, Artigo 15º. 151 Ibidem, Artigo 16. Os pajens eram escolhidos entre os voluntários de 12 a 15 anos e dava-se preferência
aos filhos dos oficiais marinheiros. Artigo 8º. 152 PORTUGAL. CLI, Decreto de 27 de outubro de 1851. 153 Ibidem. Decreto de 22 de outubro de 1851, Artigos 1º, 2º, 3º e 5º. 154 Ibidem, Artigos 4º e 6º.
65
O decreto de 04 de novembro de 1851 tinha como objetivo, segundo o Ministro
da Marinha e do Ultramar, empreender o recrutamento dos trabalhadores marítimos
através da matrícula deles, frente ao reduzido número da composição da Armada, uma
vez que ela vinha sendo formada, nos últimos anos, “com as fezes da sociedade”. Era
preciso, com urgência, aumentar a aquisição de homens e melhorar a sua formação, pelo
que os outros decretos já funcionavam nessa direção.155
No entanto, o regulamento que determinou a divisão dos Departamentos e dos
Distritos, quem ocuparia os cargos de chefia neles, bem como especificou a forma como
a matrícula e o recrutamento seriam feitos só foi promulgada em 1859. Portanto, o decreto
e o regulamento serão apresentados juntos, pois fazem parte de um mesmo projeto de
reforma da Marinha portuguesa e das formas de composição dela. De acordo com o
relatório ministerial anexo ao regulamento, desde o decreto de 1851, questões
relacionadas às dúvidas com relação ao tempo de serviço dos militares recrutados, a
participação de repartições administrativas alheias ao processo e o recurso de indivíduos
contra o recrutamento fizeram com que a elaboração do regulamento levasse o tempo que
levou, oito anos! Mesmo com a pressa do então ministro. Como no Brasil, como
discutiremos no capítulo 3, o discurso de melhoramento dos quadros da marinhagem tinha
força e espaço entre os comandantes da Marinha e no Parlamento. O perfil do militar
subalterno foi um problema crônico aqui e lá, que encontrou solução na educação formal
deles e nas diferentes formas de recrutamento.
No que tange a esse assunto, o decreto determinava que o litoral do reino fosse
dividido em Departamentos do Norte, do Centro, do Sul e dos Açores (não mais em
Divisões), que estariam a cargo dos Intendentes de Marinha. Cada Departamento era, por
sua vez, dividido em Distritos, sob responsabilidade do Capitão do Porto. Foi criada,
então, a figura do Delegado de Marinha, que deveria existir em diferentes pontos de cada
Distrito português, subordinado diretamente àquele. Seriam escolhidos entre os oficiais
subalternos, entre os mestres da Armada que não estivessem aptos para o serviço no mar
(Quadro I).156
A chefia do Departamento do Norte seria exercida pelo Intendente da Marinha do
Porto, do Centro, pelo de Lisboa, do Sul, pelo de Faro e dos Açores pelo do arquipélago.
Os chefes dos Distritos e Delegações seriam os Intendentes ou os Capitães dos Portos. Os
155 Ibidem, p. 388. 156 Ibidem. Decreto de 04 de novembro de 1851, Artigos 1º e 2º; Regulamento de 1859, artigo 1º.
66
delegados deveriam enviar semestralmente a lista com os matriculados apurados no
período para os chefes dos Distritos, que reuniria todas as demais informações e remeteria
para o Chefe de Departamento que, por sua vez, encaminharia ao Chefe do Estado Maior
da Marinha.157
Quadro 1: Capitanias dos Portos de Portugal – 1859.
Departamento Distritos Concelhos Delegações
Norte
Caminha
Caminha, Villa Nova da
Cerveira, Valença e
Monção
Espozende, distrito
administrativo de Braga
Vianna Vianna e Ponte de Lima -
Porto
Porto, Villa do Conde,
Villa Nova de Gaya e
Amarante.
Peso da Régua, distrito
administrativo Vila Real
Aveiro
Aveiro, Feira, Ovar,
Angeja, Ílhavo, Vagos,
Mira e Vouga
-
Figueira Figueira e Lavos -
Centro
Alcobaça Alcobaça e Obidos -
Lisboa
Lisboa, Lourinhã, Sobral, Peniche, Ericeira, Cintra,
Cascaes, Oeiras, Belém,
Olivais, Vila Franca, Azambuja,
Alcochete, Aldeia Galega,
Barreiro, Seixal e Almada.
Seixal, Aldeia Galega,
Santarém e Vila Franca
Setúbal Setúbal, Cezimbra, Alcácer do Sal, São Thiago
de Cacem e Sines.
Alcácer do Sal e São
Thiago de Cacem
Ilhas da Madeira
e Porto Santo
ilhas da Madeira e Porto
Santo -
Sul
Lagos Lagos e Silves -
Vila Nova de
Portimão
Vila Nova de Portimão e
Albufeira -
Faro Faro e Olhão Odemira
Tavira Tavira -
Vila Real de
Santo Antonio
Vila Real de Santo
Antonio e Alcoutim -
157 Ibidem, Capítulo II, Artigos 15 ao 20.
67
Açores
Terceira Ilhas Terceira, Graciosa e
São Jorge
Vila da Praia, Ilhas de São
Jorge e Graciosa
São Miguel Ilhas de São Miguel e de
Santa Maria
Vila Franca do Campo,
Vila da Ribeira Grande e
Ilha de Santa Maria
Fayal Ilhas do Fayal, Pico, Flores
e Corvo
Ilhas do Pico, das Flores e
do Corvo
Fonte: Coleção de Legislação Régia. Regulamento de 1859, artigo 3º ao 14º.
De acordo com o decreto de 1851, ficavam obrigados à matrícula nas Capitanias
dos Portos todos os marinheiros dos navios de guerra e mercantes; todos aqueles que se
empregavam nas embarcações de cabotagem, de pesca em alto mar, costeira ou nos
“portos do mar”.158 Os matriculados recebiam um documento com as informações
referentes à sua matrícula, podendo exercer livremente a sua profissão, sem que saísse do
seu distrito. Nesse caso, a repartição da sua jurisdição deveria autorizar por escrito para
que fosse comunicada aquela de destino. E essa movimentação só poderia ocorrer fora
dos períodos de recrutamento. Caso contrário, estavam sujeitos à prisão por cindo dias.159
Os matriculados poderiam renunciar à matrícula, desde que o fizessem para a
profissão de marítimo ou pescador. Assim, passariam a estar aptos para o serviço no
Exército, do qual estavam isentos. O procedimento, no entanto, só teria lugar em tempos
de paz. Se fosse período de guerra, a solicitação teria que ser feita um ano antes da data
pedida. Também não era admitida a matrícula das embarcações sem a apresentação da
cópia da matrícula da tripulação na Capitania do Porto.160
Com relação ao recrutamento, só poderia ser acionado pelo Ministro da Marinha,
que deveria determinar no ato o número de homens de cada Distrito com base nas listas
enviadas pelos Departamentos. Para o ano de 1860-1861, o número de homens
necessários para o sorteio foi de 720 marítimos, o que equivaleria a 5% do levantamento
efetuado pelos Departamentos, resultando no levantamento de 14.400 indivíduos. O
sorteio deveria ser dividido entre 101 marinheiros e 619 grumetes, distribuídos da
seguinte maneira: Departamento do Norte, 20 marinheiros e 196 grumetes; Departamento
158 Ibidem. Decreto de 22 de outubro de 1851, Artigo 3º. De acordo o regulamento de 1859, Artigos 24 a
26, as informações que deveriam ser registradas eram o nome, naturalidade, filiação, estado civil, idade,
ocupação, Concelho e Freguesia a que pertenciam. As listas com os nomes eram afixadas na porta das
igrejas para fazer a convocação a retirada dos documentos com a matrícula respectiva. 159 Ibidem, Artigos 4º ao 8º e 21. 160 Ibidem, Artigos 9º ao 11º.
68
do Centro, 58 marinheiros e 214 grumetes; Departamento do Sul, 17 e 151; Departamento
dos Açores, 6 e 58.161
As formas de aquisição continuavam sendo o recrutamento, o voluntariado e a
readmissão. Estavam isentos da matrícula e do recrutamento:
Os menores de quatorze anos, e os maiores de quarenta;
Os patrões ou arrais de barcos de pesca; Os casados, os viúvos com filho ou filhos menores;
Os filhos de viúva ou de viúvo, cuja subsistência esteja a seu cargo;
Os irmãos que sustentarem irmãos menores; Os que tiverem servido o tempo legal, por si ou por substituto que
tenham dado;
Os inabilitados física ou moralmente.162
O recrutamento deveria ser realizado através do sorteio.163 Logo que o Ministro
determinasse a quantidade de homens a serem convocados, os Chefes de Departamento
deveriam reparti-la proporcionalmente entre os Concelhos. Os capitães dos portos ou os
delegados deveriam afixar editais na porta das igrejas convocando a presença de todos os
matriculados ou seus representantes com antecedência mínima de 15 dias. O sorteio era
dividido em duas categorias: Marinheiros e Moços ou Grumetes, sendo lançados em duas
urnas respectivas o número de matriculados apurados constantes das listas divulgadas. Os
números deveriam ser retirados por esses indivíduos e chamados pelo encarregado do
sorteio, que faria constar o registro do nome sorteado.164
Ao fim do sorteio, com a quantidade preenchida, deveria ser divulgada uma lista,
pelos administradores dos Concelhos, com todos os matriculados sorteados e que não
tenham apresentado reclamações ou que as tenham pendentes de resolução165. No casos
de alegações de isenção por doenças, o recruta deveria ser incluído no contingente,
mandado para a capital para assentarem praça no corpo de marinheiros para, só então,
serem examinados no hospital da Marinha para, caso seja verificada a impossibilidade do
serviço, receberem baixa.166 O prazo máximo para a apresentação era de cinco dias a
161 BASTO, José Maria da Silva (Coord.). Repertório das ordens da Armada, desde 22 de agosto de 1832 até 5 de maio de 1866. Parte I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1866. Ordem da Armada nº 35, de 31 de
dezembro de 1860, p. 426. 162 PORTUGAL. CLR, Artigo 12. 163 Ibidem, Artigo 16. 164 Ibidem. Decreto de 04 de novembro de 1851, Artigos 33 a 38. 165 As reclamações só poderiam ser feitas por escrito, assinadas e com os documentos comprobatórios.
Além disso, o requerimento era único para todos que se sentissem prejudicados. Ibidem, Artigo 51, §3º.
Aquelas relacionadas ao sorteio, só se referiam às isenções previstas no regulamento. Artigo 51, §2. 166 BASTO, José Maria da Silva (Coord.). Op. Cit. Ordem da Armada nº 36, de 16 de janeiro de 1861, p.
426. Esse caso se aplicava somente às reivindicações de isenção. De qualquer forma, os recrutados eram
69
contar da divulgação dos nomes. Depois disso, aqueles que não se apresentassem eram
considerados desertores. No caso de haver voluntários apresentados, o número de
sorteados era reduzido na proporção daqueles que se apresentaram voluntariamente.167
Diante do exposto, é verificável que tanto em 1851 quanto em 1859 manteve-se o
padrão de centralização da administração portuária verificada aproximadamente vinte
anos antes, com o regulamento de 1839. O controle dos portos ganhou um perfil ainda
mais centralizado, com os chefes de Departamentos, Distritos e Concelhos sob a
jurisdição do Ministério da Marinha. Assim, consolidou-se, no período entre o decreto e
o regulamento das autoridades marítimas a intervenção do poder central no cotidiano dos
trabalhadores nos mais variados pontos do espaço marítimo luso.
Esse intervalo entre os dois documentos indica a dificuldade da governabilidade
nos primeiros anos do governo saldanhista. Como o próprio Ministro da Marinha
reclamou no seu relatório em 1859, a negociação entre os interesses populares,
insatisfeitos com os rumos do projeto em curso, os setores administrativos do próprio
Estado, possivelmente com forte participação dos interesses locais, e a oposição
parlamentar, exigiram um esforço de “conciliação” ou “amalgamação” que não foi
pequeno.
O golpe saldanhista não significou uma adesão ideológica e partidária automática
em torno do projeto regenerador. Ainda que houvesse um desejo de consenso, a
pacificação política foi atravessada de instabilidade governativa e de negociações
constantes. Importa destacar que o período em que se debruça esta tese foi de movimento
para o centro em Portugal nos níveis retóricos, políticos e administrativos. Ainda que as
diferenças partidárias e ideológicas marcantes e muitas vezes conflitivas, a orientação
geral ficou em torno do projeto de “melhoramentos materiais” e de uma relativa
pacificação política e social em prol da “[...] reconciliação de toda a família liberal
portuguesa num único bloco centrista apartidário”.168
Nesse sentido, é possível afirmar que, como no Brasil, a construção de um
consenso político para o “apaziguamento” entre os partidos na busca pela governabilidade
passou, necessariamente, pela negociação entre diferentes atores políticos, em um cenário
examinados nos distritos antes de serem enviados para Lisboa. Ibidem, Ordem da Armada nº 45, de 15 de
junho de 1861, p. 427. 167 PORTUGAL. CLR, artigos 42 a 50. 168 SARDICA, José Miguel (1997b). Op. Cit., p. 579.
70
de relações tensas e muitas vezes conflitivas, que opôs forças centrais e locais e colocou
entraves no projeto dominante. Portanto, há uma herança compartilhada na segunda
metade que não se desvinculou diretamente de ambos os processos históricos e manteve,
de certa maneira, as duas nações atadas, fosse comercialmente ou culturalmente, através
das características gerais dos processos postos em curso na segunda metade do XIX.
1.3. DISPUTAS, NEGOCIAÇÕES E CENTRALIZAÇÃO NO IMPÉRIO BRASILEIRO
No caso brasileiro, o processo iniciado com a virada conservadora de 1837 seguiu
caminhos semelhantes de centralização política, administrativa e judiciária. A partir desse
período, as Forças Armadas ganharam destaque nos discursos parlamentares e nas
medidas do Governo Imperial no sentido de aumentar o contingente do Exército e da
Marinha, adquirindo novos navios para a Armada e melhorando a formação dos homens
recrutados, criando escolas de oficiais e companhias de aprendizes.
Nesse processo, fez-se necessária a formação de um corpo burocrático que
possibilitasse manter sob o olhar do poder Imperial o conjunto da sociedade. Foram, para
isso, fundamentais as elaborações de mapas, plantas, cartas topográficas e hidrográficas,
“permitindo a delimitação do território, das circunscrições administrativas, judiciárias e
eclesiásticas [...]”.169 Entre os anos 1840 e 1860, executaram-se reformas em diferentes
Secretarias de Negócios, além de terem sido criadas novas repartições e com novas
atribuições que também mudaram diversos aspectos das antigas, fazendo crescer
significativamente o aparato burocrático. Essas medidas, em conjunto, contribuíram
primordialmente para o fortalecimento do projeto político que proporcionou uma relativa
estabilização do Governo Imperial a partir dos anos 1850 e para a consolidação do próprio
Estado nacional brasileiro.
Foram tomadas medidas centralizadoras em diferentes níveis da administração
imperial e os agentes do poder central passaram a estar presentes em diversos momentos
do cotidiano citadino e rural, alcançando desde os portos até a administração dos
aldeamentos indígenas170. Em que medida essa presença foi bem-sucedida dentro do
169 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004, p. 223. 170 Em 1845, foi promulgada aquela que é considerada a única lei indigenista do Império, que criou
aldeamentos nas províncias com diretores gerais indicados pelo Imperador. SAMPAIO, Patrícia Melo.
Política indigenista no Brasil Imperial. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial.
Volume I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 176.
71
projeto de consolidação do Estado imperial, é uma questão que vem sendo investigada
profundamente. Aqui, é dada atenção aos trabalhos que relativizaram esse processo,
mostrando o quanto ele foi atravessado de incertezas e negociações, com a ação de
indivíduos em suas zonas de interesse.
As pesquisas que se debruçam sobre os limites do processo de centralização
política e administrativa no Império brasileiro enfatizam a ação das elites e as suas
relações de conflito, disputas e conciliações em prol dos seus projetos nacionais em
confluência com os interesses econômicos. Tal perspectiva se distancia da agência
popular ou dos funcionários do Império que lidaram diariamente com a aplicação e o
controle da normatização oriunda do andar de cima. É importante dar destaque e trazer
para o centro da investigação desse processo as resistências, disputas, conflitos e
negociações ocorridas próximas ou distantes do centro político e provocadas pelas ações
individuais e coletivas dos cidadãos como um elemento considerável na dimensão do
projeto conservador. Principalmente, aquelas próximas dos interesses locais – municipais
– atravessados pelas demandas cotidianas de comerciantes, fazendeiros e trabalhadores.
A ação desses indivíduos provocou a movimentação de autoridades municipais,
provinciais e imperiais no sentido de definir limites aos poderes regionais, direcionando
a solução das demandas para a esfera central. Aquelas personagens foram partícipes do
amplo processo de centralização política e administrativa e ajudaram a embaralhar as
relações entre poderes centrais e locais.
Um dos principais autores que propôs uma direção conservadora e centrípeta,
Ilmar H. Mattos171 defende que os políticos conservadores entendiam que uma ordem
social não se dava por geração espontânea, mas dependia de uma “ação política
coordenada”, que exigia o estabelecimento de uma ampla rede regulatória, através da
formação de um extenso aparato administrativo, sob o controle direto de um comando
único. Para tanto, era necessária a formação de um corpo burocrático que possibilitasse
manter sob o olhar do poder imperial o conjunto dessa sociedade. Isso implicava, como
assevera Mattos, “exercer uma visibilidade organizada, e essa organização de um olhar
dominante e vigilante pressupunha a centralização”.172
Os sempre vigilantes olhos do Imperador eram a condição para o triunfo
da Ordem, possibilitando a difusão da Civilização; o triunfo da Civilização era a condição para a difusão dos valores de uma Ordem.
171 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. Cit. 172 Idem, p. 214.
72
Sob o olhar dominante e vigilante do Poder, o Progresso era a
Conservação.173
A chave explicativa de Mattos se assenta em alargar o conceito de empregado
público e de não restringir essas personagens ao estrito conceito de dominação ou
coerção, mas indicar uma direção, na qual “um conjunto dos agentes administrativos deve
ser entendido como um conjunto de dirigentes, em que pesem as diferenças internas e o
grau relativo de homogeneização”.174
O estudo das elites ou dos grupos hegemônicos, conforme alerta José Murilo de
Carvalho, não permite explicar por si só a complexidade dos fenômenos no processo de
construção dos Estados nacionais sem se considerar os diversos aspectos políticos que
agem com e pela fração de elite que se pretende investigar. Ademais, os grupos
dominantes “atuam dentro de limitações mais ou menos rígidas, oriundas de fatores de
natureza vária, entre os quais estão sem dúvida em primeiro lugar os de natureza
econômica”.175 Para Carvalho, a manutenção da unidade territorial, como a própria
construção do Estado imperial brasileiro, se deu pelo tipo de elite política à época da
independência, que fora formada na ilustração lusa.
Essa elite se caracterizava sobretudo pela homogeneidade ideológica e de treinamento. Havia sem dúvida certa homogeneidade social no
sentido de que parte substancial da elite era recrutada entre os setores
sociais dominantes. [...] A homogeneidade ideológica e de treinamento
é que iria reduzir os conflitos intraelite e fornecer a concepção e capacidade de implementar determinado modelo de dominação
política.176
O debate sobre a formação dos estados nacionais, a construção do Estado imperial
no Brasil ou mesmo das frações de classe que teriam sido hegemônicas nesse processo é
extenso e profícuo. Autores como Tâmis Parron e Miriam Dolhnikoff problematizaram
as hipóteses de Ilmar Mattos e José Murilo de Carvalho. Parron defende que a hegemonia
173 Idem, p. 216. 174 Ibidem. Por ampliar o conceito de classe dominante e o seu papel na construção do Estado imperial
brasileiro, Piñeiro e Saraiva afirmam que o ineditismo da obra de Mattos residiu exatamente em incluir no
processo de disseminação e consolidação da política conservadora de centralização outras categorias que, até aquele momento, a historiografia negava acesso. Ao contrário de outros pesquisadores – notadamente
dos anos 1960 e 70 – Ilmar Mattos analisou o processo relacionando os aspectos econômicos então
dominantes às questões eminentemente políticas. PIÑEIRO, Théo L. e SARAIVA, Luiz Fernando.
"Compreender o Império: Usos de Gramsci no Brasil do século XIX". In: XXVI SIMPÓSIO NACIONAL
DE HISTÓRIA DA ANPUH, São Paulo, 2011. Universidade de São Paulo. Disponível em:
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300864031_ARQUIVO_CompreenderoImperio_2[1]
.pdf. Acessado em: 20 jan. 2020, p. 4-5. 175 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de Sombras: a
política imperial. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 20. 176 Ibidem. p. 21.
73
de classe não se deu dicotomicamente por uma liderança conservadora contra uma liberal,
mas que a hegemonia Saquarema se concretizou na implementação das “pautas centrais
do grupo” – e que estavam presentes em entre os ditos conservadores e os ditos liberais,
quais sejam, a reforma do judiciário e a defesa da reabertura do tráfico.177 Dolhnikoff
afirma que a centralização política e administrativa se deu essencialmente no judiciário.
Entre 1837 e 1850 os conservadores centralizaram o aparato judiciário
para permitir ao governo central um controle efetivo sobre ele, mas esse
era o limite da centralização. O sentido da revisão conservadora estava em garantir a eficácia da divisão de competências e impedir que os
governos provinciais seguissem invadindo as esferas de atuação do
governo central, como vinham fazendo desde a promulgação do Ato
Adicional.178
O argumento de Mattos é uma referência sobre a forma e o conteúdo que teria
assumido o processo de centralização que se verificou no Segundo Reinado e tem pautado
as análises em diferentes pesquisas sobre os agentes da consolidação do Império
brasileiro, os seus desdobramentos e consequências econômicas e políticas.179 Uma
crítica recorrente e consistente com relação ao argumento de Mattos reside no caráter
binário e teleológico da proposição, opondo dicotomicamente conservadores e liberais,
em uma relação na qual os primeiros dominaram os segundos e orientaram e dirigiram o
resto da sociedade. Da mesma forma que associa diretamente o movimento conservador
regencial, o Regresso180, à Conciliação do período 1848-1856, sem considerar o Poder
177 PARRON, Tamis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. 2009. 288 f. Dissertação
(Mestrado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História, USP, São Paulo, 2009, p. 141. 178 DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005,
p. 150. 179 Por exemplo: GOYENA SOARES, Rodrigo. Expectativa & Frustração: História dos veteranos da
Guerra do Paraguai. 2017. 236 f. Tese (Doutorado em História) – Centro de Ciências Humanas e Sociais,
UNIRIO, Rio de Janeiro, 2017; NASCIMENTO, Carla Silva do. O barão de Cotegipe e a crise do Império.
2012. 130 f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Ciências Humanas e Sociais, UNIRIO, Rio
de Janeiro, 2012; OLIVEIRA, Leonardo Vieira de. Da ‘planta exótica’ ao excepcionalismo brasileiro: a
missão Carneiro Leão ao Prata e a identidade internacional saquarema (1851-1852). 2018. 224 f.
Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História, UFF. Niterói, 2018;
PINTO, Clarice de Paula Ferreira. “O Imperador reina, governa e administra”: o Visconde do Uruguai e
a construção do Estado Imperial (1836-1843). 2014. 177 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa
de Pós-graduação em História, UFF. Niterói, 2014; SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial: a formação da
identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado. Topbooks: Rio de Janeiro, 1996; SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo. Vassouras, século XIX: senhores e escravos no Coração do Império. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008; SARAIVA, Luiz Fernando. O Império das Minas Gerais: Café e Poder na
Zona da Mata mineira, 1853 – 1893. 2008. 350 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-
graduação em História, UFF, Niterói, 2008. 180 De acordo com Luaia Rodrigues, a interpretação de Mattos pode ser agrupada a uma linha historiográfica
que aborda o Regresso “como momento primordial para a vitória do projeto conservador na cena política.
Nelas, o Regresso é passo fundamental para a constituição do Estado brasileiro a partir dos ideais de ordem
e de centralização política”. Nessa mesma linha incluem-se os trabalhos de Raimundo Faoro, Nelson
Werneck Sodré, José Murilo de Carvalho, Jeffrey Nedell. (p. 104). Uma segunda linha de explicação
defende que “este movimento partidário foi sim um momento de centralização política, mas uma
74
Moderador ou o Conselho de Estado e as escolhas e as renúncias próprias da ideia de
processo.181
Isto posto, argumenta-se nesta tese que a perspectiva da negociação é fundamental
em uma linha de análise que valorize as ações diversas que se colidem e se amalgamam
e mostram como o projeto de centralização foi matizado pelos diferentes interesses e
forças que o atravessaram. Os próprios Conselho de Estado ou o Gabinete da Conciliação,
instrumentos de consolidação desse projeto, foram permeados de disputas e debates sobre
diferentes possibilidades e formas de consolidação do Estado. A linha tênue que separava
liberais e conservadores baseada na origem oligárquica, na formação educacional e na
defesa da propriedade escrava182 é um exemplo da complexidade que o assunto demanda.
Jeffrey Needell afirma que o núcleo partidário que deu origem ao Partido Conservador
nasceu da dissidência dos liberais moderados – que se chamavam de “oposição liberal”,
dos exaltados, ou “caramurus”183, que estavam ligados à ala mais radical. Esse grupo de
liberais moderados dominava a administração da Regência nos primeiros anos, quando
da ruptura com os aliados radicais.184
Concordando com Needell, Bruno Estafanes defende que é preciso, no entanto,
desvincular o sucesso dos regressistas com o gabinete conciliador de 1848-1856. Os
desentendimentos entre líderes saquaremas como Justiniano José da Rocha e Honório
centralização restrita a alguns pontos e que não alteraram de forma significativa as reformas liberais na
década de 1830”. Nessa linha estaria Miriam Dohnikoff. (p. 108). Uma terceira linha, mais recente, “[...] é
composta por pesquisas que discutem o Regresso a partir de sua importância para a legitimação e para a
consolidação de uma política escravista na segunda metade do século XIX”, na qual a dissertação de Tamis
Parron é o principal exemplo. (p. 110). RODRIGUES, Luaia da Silva. O Justo Meio: a política regressista de Bernardo Pereira de Vasconcelos (1835-1839). 2016. 158 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Programa de Pós-graduação em História, UFF. Niterói, 2016. Ver páginas 95-111. 181 BARBOSA, Silvana Mota. A sphinge monárquica: o poder moderador e a política imperial. 2001. 414
f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, Campinas, 2001.
ESTEFANES, Bruno Fabris. Conciliar o Império: Honório Hermeto Carneiro Leão, os partidos e a política
de Conciliação no Brasil monárquico (1842-1856). 2010. 211 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP. São Paulo, 2010; FERRAZ, Paula Ribeiro. O
Gabinete da Conciliação: atores, ideias e discursos (1848-1857). 2013. 159 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFJF. Juiz de Fora, 2013; MARTINS, Maria
Fernanda Vieira. (2007). Op. Cit. NEEDELL, Jeffrey. Formação dos partidos políticos no Brasil da
Regência à Conciliação. Almanack Braziliense. São Paulo, n°10, p. 5-22, nov. 2009. Disponível em: http://www.almanack.usp.br/almanack/ PDFS/10/almanack.pdf. Acessado em: 09 dez. 2019. 182 Dos diversos trabalhos que se ocuparam dessa investigação destacam-se: CARVALHO, José Murilo de.
A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de Sombras: a política imperial. 6ª Ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2011; MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. Cit.; NEEDELL, Jeffrey. Op. Cit.;
SALLES, Ricardo. (1996). Op. Cit.; SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo. Vassouras, século XIX:
senhores e escravos no Coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 183 “Designação dos partidários da restauração de D. Pedro I, depois da abdicação de 1831, sua origem
deriva do nome do jornal O Caramuru, fundado em 1832 no Rio de Janeiro, porta-voz dessa corrente
política [...]”. VAINFAS, Ronaldo (Org.). Op. Cit., p. 118. 184 NEEDELL, Jeffrey. Op. Cit., p. 8.
75
Hermeto Carneiro Leão foi um exemplo das disputas e dos conflitos que negam uma
homogeneidade e constância em uma “direção saquarema”.185 As controvérsias entre
Rocha e Carneiro Leão, bem como a proximidade entre os panfletos de Rocha e Torres
Homem186, de acordo com Estefanes, mostram que
[...] o exercício de estabelecer esse diálogo possível é válido na medida
em que, a despeito da relevância dada aos dois panfletos por muitos estudos que procuraram ressaltar a importância da conciliação no
processo de consolidação do Império do Brasil, por vezes não se
considera devidamente que ambos apontam menos para qualquer resultado consumado do que para as incertezas derivadas do embate
político.187
A “vitória” conservadora a partir do gabinete conciliador foi uma construção de
um processo historiográfico que tomou documentos como aqueles como relatos
“verdadeiros” dos acontecimentos. Paula Ribeiro Ferraz identifica duas tendências gerais
de interpretação sobre o tema. Uma que seguiu os caminhos trilhados pelos textos de J. J.
da Rocha, junto com a obra de Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império, marcando a
época como um momento de paz e tranquilidade, esvaziando as vozes destoantes dos
“perdedores”. Uma outra, que tem como referência as obras de Ilmar Mattos e de José
Murilo de Carvalho, que identifica a Conciliação como a “[...] estratégia política de
determinado grupo para manter-se no poder”, sendo o gabinete o único responsável pela
consolidação do projeto de Estado Imperial centralizado.188
Identificando a Revolução Praieira como um ponto decisivo na percepção da
necessidade de implementação de reformas, Ferraz defende que o período de Conciliação
foi menos o movimento de um grupo restrito de políticos ou a maturidade da elite política
em si e mais a soma de fatores políticos e sociais que reduziram a participação dos liberais
e marcou a nova ascensão dos conservadores, possibilitando as ações que direcionaram
para o poder central a tomada de decisão em setores fundamentais como o judiciário.189
Um movimento que se desdobrou sobre tantos outros, como o controle sobre as regiões
portuárias brasileiras, por exemplo.
185 ESTEFANES, Bruno Fabris. Op. Cit., p. 12. 186 Ação; Reação; Transação. Duas palavras acerca da atualidade política do Brasil, de 1855, de
Justiniano José da Rocha e O Libelo do Povo, de 1849, Francisco de Sales Torres Homem escrevera, sob o
pseudônimo de Timandro. Idem, p. 161. 187 Idem, p. 163. 188 FERRAZ, Paula Ribeiro. Op. Cit., p. 23. 189 Ibidem, p. 24.
76
Essa negociação constate foi fundamental para o enfrentamento das resistências
ao projeto “vencedor”. Negociação esta que perpassou diferentes níveis da sociedade
imperial e colocou sérios entraves ao projeto centralizador e o Conselho de Estado foi um
bom exemplo disso. Um instrumento por definição auxiliador em assuntos
administrativos da Coroa190, foi fundamental na função de adequar o sistema político às
necessidades da monarquia constitucional brasileira e construir a sua própria estrutura
política e administrativa, principalmente por intermediar e negociar as relações da Coroa
com diversas autoridades ou interesses regionais, facilitando o exercício do poder central,
ao mesmo tempo que emprestava legitimidade e representatividade ao mesmo poder.191
A construção de uma autoridade central passou, necessariamente, pelas consultas
do Conselho que, por sua vez, enfrentou as diferentes estratégias das autoridades
provinciais no sentido de burlar a forte centralização empreendida, principalmente, entre
os 1840 a 1860. Era preciso controlar, como define Martins, os poderes “paralelos”
exercidos por instâncias diversas sem, no entanto, constranger as hierarquias
estabelecidas. A construção de uma estrutura administrativa com “sede” no centro
esbarrou naqueles poderes que passavam pelas assembleias provinciais, lócus de
representatividade dos interesses regionais. O poder legislativo concedido às províncias
pelo Ato Adicional de 1834, em muitas vezes, colocou em lados opostos os poderes
centrais e locais.192
Ainda que o presidente de província representasse os interesses do poder central
no sentido de controlar e colocar entraves ao movimento da Assembleia Provincial193, é
patente que a ação desta impôs sérias barreiras ao avanço do processo centralizador no
modelo projetado pelo governo imperial. Medidas como a lei de interpretação do Ato
Adicional de 1840 ou reforma do Código Criminal de 1841 foram responsáveis pela
tensão latente entre o governo central e os poderes locais, que aumentaram ao longo dos
anos 1860.
Essa situação impunha ao governo um enorme esforço de negociação,
cujo sucesso parecia cada vez mais incerto, uma vez que crescia a
intolerância com as ações centralizadoras do Estado, que começavam a
190 MARTINS, Maria Fernanda Vieira. Op. Cit., p. 255. 191 Ibidem, p. 256. 192 Ibidem, p. 332-333. 193 Os presidentes de província eram indicados pelo Ministro da Justiça. “[...] o presidente assumia um papel
fundamental. Ele seria o principal intermediário e um fundamental agente de negociação, por proporcionar
um privilegiado fluxo de informação entre a Corte e as províncias e reproduzir os elos entre as elites e
autoridades locais e o governo central”. Idem, p. 338.
77
interferir diretamente na política provincial e local, engessando o seu
desenvolvimento.194
A negociação foi palavra de ordem no processo de centralização política e
administrativa que possibilitou a consolidação do Império brasileiro. Nesse sentido,
movimentos de aproximação e conciliação entre diversos projetos políticos de
administração do Estado foram decisivos no estabelecimento do modelo “vencedor”.
Modelo este que, se não foi uma certeza entre as elites políticas, muito menos o foi para
os indivíduos presentes nos pontos afastados do debate intelectual e político. É de se
imaginar que a representatividade do poder central fosse relativa nos pontos mais
distantes. Como afirma Martins, os poderes locais “[...] também se beneficiavam da
existência de uma autoridade central efetiva e legalmente constituída. [...] tal processo
foi, geralmente, por ambos buscado e desejado [...]”.195 Se ao mesmo tempo que os
agentes do poder central representavam a intervenção nas dinâmicas de poder político e
econômico, também representavam a institucionalização de uma “ordem” e de uma
“civilização” idealizadas. No entanto, esse movimento não foi óbvio e foi necessário uma
constante tentativa de conciliação entre esferas de poder e de interesses diversos.
É importante que se dê atenção ao caráter de imprevisibilidade do tempo coevo.
O projeto conservador de centralização, como a Conciliação, deve ser pensado a partir
das diferentes percepções das personagens em ação, com os seus conflitos, disputas
ideológicas e projetos políticos.196 O envolvimento com esse projeto e com as reformas
foi relativo entre liberais e conservadores, variando de bancada ou de província. Holanda
Cavalcanti é um bom exemplo disso. Ainda que os discursos fossem panfletários e
fizessem alusão às decisões pautadas em termos partidários, os vínculos identitários
marcados por ligações de parentesco ou de negócios em níveis regionais foram, muitas
vezes, tão importantes quanto, moldando a própria formação da identidade política em
nível central.197
Portanto, se na “grande” política o movimento centralizador não foi unânime, mas
recheado de fissuras e dissidências que não provocaram poucos conflitos e disputas, nas
bordas do Império, onde os interesses locais diferiam-se, muitas vezes, dos objetivos do
poder central, a ação dos seus agentes enfrentou resistências e disputas que dificultaram
194 Ibidem, p. 337. 195 Ibidem, p. 332. 196 ESTEFANES, Bruno Fabris. Op. Cit., p. 164-165. 197 FERRAZ, Paula Ribeiro. Op. Cit., p. 140-141.
78
o exercício de uma autoridade central com o objetivo de normatizar as atividades a partir
do cumprimento de um regulamento único e central. Por sua vez, tiveram na lógica da
negociação ou da conciliação variadas possibilidades de sucesso.
1.3.1. Conservadoramente liberal: Holanda Cavalcanti e a composição ministerial –
1840-1870
As mudanças ocorridas no ano de 1845 foram significativas para o reordenamento
estrutural da Marinha e foram colocadas em marcha pelo futuro Visconde de
Albuquerque. A sua origem e o seu alinhamento político, marcadamente liberal, não o
impediram de participar de gabinetes conservadores e determinar alterações e a criação
de repartições que estavam alinhadas de maneira direta com aquele projeto. Foi na sua
administração que as capitanias dos portos foram criadas e o seu regulamento foi
elaborado e defendido diretamente por ele. Esse regulamento perdurou durante todo o
período sob análise sem alterações substanciais, sendo acrescidas algumas atribuições por
decreto e outras sendo transferidas, como será analisado no próximo capítulo.
Antonio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque ocupou
Ministério da Marinha por três vezes, em 1840, 1844 e 1846. No início da década 1830,
havia ocupado o Ministério da Fazenda em 1830 e 1831 e foi interino em 1832 e
novamente em 1862198. Tinha origem em uma das famílias mais tradicionais de
Pernambuco. Assentou praça no Exército aos dez anos de idade, servindo em
Moçambique e Macau, chegando a tenente-coronel, e foi para a reserva em 1832.
Participou ativamente na defesa de D. Pedro I em Pernambuco, durante a Confederação
do Equador. Foi eleito deputado por esta província por diversas vezes, chegando a senador
em 1838. Disputou as eleições de 1835 e 1837 para regente, perdendo as duas.199
A família Cavalcanti tinha o domínio da cena política pernambucana e estendia
seu poder até a Corte com as sucessivas ocupações de cargos ministeriais, senatorias e
deputações por membros pertencentes à sua rede de parentesco e de sociabilidade. A
ligação direta dos Cavalcanti com o Governo Imperial remonta ao processo de
emancipação política que teve em Pernambuco um lugar privilegiado nos movimentos de
198 BLAKE, Augusto Victorino A. Sacramento. Diccionario Bibliográfico Brazileiro. Volume I. Rio de
Janeiro: Typographia Nacional, 1883, p. 172-173. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/
id/221681. Acessado em: 05 fev. 2020. 199 VAINFAS, Ronaldo (Org.). Op. Cit., p. 51.
79
resistência ao desligamento com a matriz lusa, bem como de revoltas populares ligadas
às disputas entre a elite regional. À época da Independência, urgia definir qual sistema
em discussão atenderia às demandas das elites locais.
Dentre as opções possíveis, a independência com Pedro no trono era a mais segura para manter o status quo ante. As demais alternativas
liberais, república, reino unido ou monarquia federativa poderiam
restringir o espaço político dessas famílias, ampliar o dos adversários,
ou os dois.200
De acordo com Marcus Carvalho, a atuação no Parlamento dos irmãos Cavalcanti
- Luís Francisco de Paula Holanda Cavalcanti (futuro Marques de Suassuna) e Antonio
Francisco – foi marcada pela autonomia em relação ao Poder Morador, defendendo tanto
as demandas locais, quanto os projetos de interesse da Câmara e do Senado. Com um
irmão ocupando a presidência e a vice-presidência da província sucessivamente e
Holanda Cavalcanti e o irmão no Parlamento e nos ministérios, a família circulou pelos
partidos liberais e conservadores com desenvoltura e, assim, “[...] Como Holanda, filiar-
se-ia ao partido liberal, e Francisco – e depois o mais novo Pedro – ao conservador,
qualquer que fosse o ministério, eles estavam no poder”.201 Dessa forma, influíam
decididamente na “[...] designação do presidente de Pernambuco e demais cargos
provinciais e na distribuição de favores às elites políticas”.202
Ao longo da Regência e, principalmente, a partir da eleição de Diogo Antonio
Feijó em 1835, os moderados aglutinaram-se, “[...] ligados por um misto de reação
ideológica, nomeações do governo, representação parlamentar e oligarquias regionais”203,
para organizar projetos legislativos e eleições partidárias em oposição ao regente e ao Ato
Adicional de 1834, que criou as Assembleias Provinciais. A peça aglutinadora
fundamental entre os moderados fluminenses e as oligarquias nordestinas, essenciais no
projeto de oposição, foi o medo de mudança radical associada à Feijó e aos reformistas
que defendiam as reformas políticas descentralizadoras.204 Nesse sentido, os deputados
liberais moderados fundadores do novo Partido da Ordem permaneceram nas suas
200 CARVALHO, Marcus J. M. de. Cavalcantis e cavalgados: a formação das alianças políticas em
Pernambuco, 1817-1824. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 18, n. 36, p. 331-366, 1998.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S010201881998000200014. Acessado em: 09 dez. 2019. p. 6. 201 Ibidem. 202 CARVALHO, Marcus J. M. de. Movimentos Sociais: Pernambuco (1831-1848). In: GRINBERG, K.;
SALLES, R. (Orgs.). O Brasil Imperial. Volume II. 3ª ed. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2014, p.
163. 203 CARVALHO, Marcus J. M. de. (1998), p. 9. 204 Ibidem, p. 10.
80
ideologias políticas originais, defendendo o equilíbrio de poder e o governo
representativo de gabinete.
Embora esses homens fossem estigmatizados de regressistas por seus
antigos aliados, a contradição é menor do que parece. Eles
permaneceram firmes defensores do governo parlamentar,
representativo e constitucional, como sempre o haviam sido. Simplesmente passaram a se preocupar com a segurança do Estado e da
sociedade que dominavam ao lado das oligarquias que representavam.
Voltaram-se, assim, para a monarquia e para o Estado mais centralizado
e autoritário que ela significava.205
No que tange à figura de Holanda Cavalcanti, o futuro Visconde de Albuquerque
foi do grupo de “oposição liberal” até 1831, quando parecia ter em suas preocupações a
vinculação dos moderados à sua oposição mais liberal em Pernambuco e com um possível
excesso de mudanças reformistas na Constituição. Na oposição até 1837, se preocupava
com o projeto de Estado forte e centralizado dos regressistas, diretamente contrário aos
seus interesses na província.
Surge, então, a curiosa situação de um patriarca proprietário de terras,
que se colocava desesperadamente contra os exaltados em Pernambuco,
mas se aliava a reformistas e exaltados no Rio, com o objetivo de fazer
uma oposição efetiva ao novo partido majoritário.206
Marcus Carvalho defende que nas duas eleições perdidas para regente – 1835 e
1837 –, em ambas Holanda Cavalcanti estava diretamente ligado ao grupo vencedor. Em
1835, a candidatura junto com Araújo Lima e Costa Carvalho fora menos a cooptação
pelas forças políticas fluminenses em ascendência e mais parte de uma estratégia para
205 NEEDELL, Jeffrey. Op. Cit. p. 11. Nos comentários que faz ao texto de Jeffrey Needell, Ricardo Salles
assevera que falta ao texto do brasilianista uma ligação mais estreita com a interpretação de Ilmar Mattos,
afirmando que “[...] O diálogo não acontece talvez porque Needell, do meu ponto de vista, tende a colar
demasiadamente os líderes políticos e o que ele define como oligarquias regionais, que parecem ser a
expressão direta dos grandes proprietários e potentados, quando não os próprios”. Continua defendendo
que havia sim colagens de interesses pessoais e familiares com agentes políticos, mas não foi uma regra
como mostra a trajetória de vida de figuras como Bernardo Pereira de Vasconcellos e o Barão do Rio
Branco, que figuravam em posições intermediárias. “Uma coisa, no entanto, unificava a todos, além dos
vínculos de interesses corporativos de classe ou de afinidade, sobrepujando suas eventuais disputas
pessoais: comungavam o éthos e o habitus senhorial-imperial. Em seus casos específicos, eram, acima de
tudo, estadistas do Império”. SALLES, Ricardo. Notas de um debate. Comentários sobre o texto de Jeffrey Needell Formação dos partidos políticos no Brasil da Regência à Conciliação, 1831-1857. Almanack
Braziliense. São Paulo, n° 10, p. 48-53, nov. 2009. Disponível em: http://www.almanack.usp.br/almanack/
PDFS/10/almanack.pdf. Acessado em: 03 nov. 2018. 206 Na sequência, o autor defende que é na análise das contradições pessoais e partidárias que a composição
da oposição faz sentido: “Embora se opusessem uns aos outros na política ou em princípios, passados ou
presentes, seus líderes tinham que se aliar se quisessem ter alguma esperança de romper ou desafiar a nova
maioria. [...] O apelo por reforma democrática, claramente o bastião da ideologia liberal, faria sentido para
os grupos urbanos intermediários de que Teófilo Otoni era representante. O apelo por um governo
descentralizado e mais local, outro bastião da ideologia liberal, também fazia sentido para Otoni – e faria
sentido para os líderes provinciais como Albuquerque.” NEEDELL, Jeffrey. Op. Cit., p. 14-15.
81
combater o adversário em comum, o Regente Feijó. No pleito seguinte, 1837, com a
eleição de Araújo Lima à Regência Una, foi marcada a ascensão ao poder do grupo
regressista. Ainda assim, isso não afastou ou colocou em campos opostos o novo regente
e o líder do clã Cavalcanti, pois em Pernambuco “[...] Araújo Lima e Holanda faziam
parte da mesma oligarquia, mesmo que seus interesses e vaidades eventualmente se
chocassem”.207
Para José Murilo de Carvalho, a despeito da revolta dos liberais em 1842 devido
à interpretação do Ato Adicional de 1834 e a reforma do Código de Processo Criminal,
“ao voltarem ao poder em 1844, mantiveram oposição puramente retórica a elas, pois
tinham percebido sua utilidade para o exercício do poder. Em quatro anos de poder em
nada alteraram o esquema do regresso”. A volta ao poder dos liberais também teria
sinalizado às oligarquias a capacidade – ou a necessidade – da monarquia de ser um
árbitro entre as divergências dos grupos políticos dominantes, evitando o monopólio do
poder nas mãos de grupos específicos.208
Com efeito, não surpreende que a presença de Holanda Cavalcanti no Ministério
da Marinha, ou mesmo os gabinetes liberais dos primeiros anos da década de 1840, não
tenha sido um fator impeditivo para a tomada de decisões relacionadas às reformas que
centralizavam o controle e a administração naval. O reordenamento da Marinha e o
fortalecimento da força compunham um elemento fundamental no controle da ordem
social e na defesa do território brasileiro, principalmente no que tange à coerção ao
trabalho e ao respeito à disciplina hierárquica de poder representada pelo recrutamento
forçado de centenas de milhares de jovens pobres.
Como pode ser observado no Anexo 9, no período de 1840 a 1870, 38 ministros
passaram pela pasta. Deles, para apenas dois não foram encontradas informações sobre
filiações partidárias, restando 36. Destes, 18 liberais e 18 conservadores. A presença de
liberais ocupando a pasta da Marinha foi exatamente a metade do número de
conservadores, ainda que, no período, os gabinetes ministeriais tenham sido
majoritariamente de perfil conservador. Isso significa dizer que, assim como Holanda
Cavalcanti deu início a uma série de reformas na estrutura administrativa da Marinha,
seus colegas de partido não impuseram obstáculos para as outras mudanças que ocorreram
207 CARVALHO, Marcus J. M. de. (2014) Op. Cit., p. 160. 208 CARVALHO, José Murilo de (2011). Op. Cit., p. 255-256.
82
nas décadas de 1850 e 1860 e que representaram uma restruturação da força dentro da
lógica conservadora de centralização.
Outra observação importante está relacionada à ocupação dos ministérios durante
as reformas mais importantes que foram implementadas no período. As mudanças na
Contadoria e na Intendência de Marinha; a transferência da matrícula das embarcações
mercantes nacionais e estrangeiras para Tribunal do Comércio; o recrutamento de
indivíduos para Armada Imperial pelas Capitanias dos Postos; a restruturação
administrativa de 1869. Todas essas mudanças tiveram efeitos marcantes na estrutura de
funcionamento administrativo da Marinha e na composição da Armada, atingindo
diretamente o funcionamento da Capitania do Porto da Corte.
1.3.2. Civis na hierarquia militar: tensão e necessidade
Ainda que a presença dos liberais no ministério tenha sido numericamente
equiparada com a dos conservadores, o projeto centralizador se dava além da esfera da
instituição e seguia a majoritária presença dos conservadores nos gabinetes que foram
montados até 1870, pelo menos. Conforme pode ser observado no Gráfico 1, quando
ocupavam a pasta, mantinham ou davam continuidade às reformas defendidas pelos
conservadores, que dominaram os gabinetes ministeriais do período 1848-1869, quando
as mudanças referidas acima ocorreram com força.
Gráfico 1: Contagem de Gabinetes Ministeriais por partido – 1848-1869.
Fonte: Elaboração própria. MORAES, A. J. de Mello. História do Brasil-Reino e Brasil-
Império. Tomo I. Typ. de Pinheiro & C.: Rio de Janeiro, 1871; FERRAZ, Eduardo Sérgio.
O Império revisitado. Instabilidade Ministerial, Câmara dos Deputados e Poder
Moderador (1840-1889). 2012. 355 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação
em Ciência Política, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.
0 2 4 6 8 10
Conservador
Liberal
Liga Progressista
Conservador Liberal Liga Progressista
Total 8 1 6
83
Se tomarmos em consideração que a Liga Progressista foi, de certa maneira, uma
continuidade da Conciliação empreendida pelos conservadores na formação dos
gabinetes ministeriais209, é ainda mais compreensível que as medidas que tinham como
objetivo reformar a Marinha, dando-lhe mais recursos para a expansão das suas operações
e da sua estrutura burocrática não tenham sofrido oposição significativa dos liberais que
passaram pela pasta.
Esse perfil mais conservador e centralizado determinou as expectativas com
relação às capitanias dos portos, sobre a execução do arrolamento dos trabalhadores
marítimos, sobre a polícia do porto e sobre, nas décadas de 1850 e 1860, o engajamento
e o recrutamento para a Armada. Nas repartições da Marinha encarregadas do controle
marítimo civil e, principalmente, na Capitania do Porto da Corte, o controle do porto do
Rio de Janeiro e a normatização dos portos do Império tiveram o comando centralizado
dentro da lógica política predominante à época. Esse esforço exigiu o aumento do quadro
de empregados e os civis encarregados dos trabalhos tiveram um papel fundamental,
contribuindo para a complexidade de interesses atravessados na repartição.
Nesse sentido, a ocupação dos cargos de Secretário e Ministro dos Negócios da
Marinha por civis e militares também é um fator importante para o entendimento e para
a análise das mudanças estruturais ocorridas na Marinha, bem como no funcionamento
da Capitania do Porto da Corte. Dos dados levantados, conforme o Anexo 9, 66% dos
ministros foram exclusivamente civis e 34% foram militares, sendo a maioria deles com
carreira política, ocupando outros cargos de ministros, senatoria e presidência de
província. Na repartição, a maioria dos empregados eram civis e assim se manteve durante
todo o período analisado. A mudança dessa situação foi defendida constantemente
(conforme analisado no próximo capítulo), menos por qualquer atrito ligado ao caráter
civil ou militar daqueles que exerciam as funções mais importantes da Capitania, porém,
mais pela percepção de que marinheiros no exercício das funções administrativas seriam
mais adequados à hierarquia da instituição.
209 “O Partido Progressista surgiu da Liga Progressista, em torno dele 1864, sendo ambos produtos do
movimento de Conciliação iniciado em 1853 pelos conservadores. Compunha-se de conservadores
dissidentes e liberais históricos. O Partido dissolveu-se em 1868”. CARVALHO, José Murilo de (2011).
Op. Cit. p. 205. Conforme, também: MARTINS, Maria Fernanda Vieira. Op. Cit. p. 215. Para uma análise
da construção historiográfica sobre a Liga, ver: SANTOS, Eduardo José Neves. As múltiplas faces da
polêmica liberal: o embate entre Zacarias de Góes, conservadores e progressistas na questão da navegação
comercial no Império (1857-1866). 2019. 249 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas, UNICAMP. Campinas, 2019, p. 28-40.
84
Gráfico 2: Ocupação do Ministério por civis e militares
Fonte: Anexo 9 – Ministros da Marinha – 1840-1870.
Dos ministros com carreira estritamente militar, em que não foi encontrada
nenhuma informação sobre ocupação de cargos políticos, consta apenas Jacintho Roque
de Sena Pereira, que ocupou a pasta de 16/04/1839 a 23/05/1840, foi diretor da Academia
de Marinha e do Quartel General. Outros dois que ocuparam apenas o Ministério da
Marinha e da Guerra foram Salvador José Maciel, que ficou de 24/01/1843 a 02/02/1843
e João Paulo dos Santos Barreto, de 20/03/1847 a 29/04/1847. Importante destacar que
ambos ocuparam a pasta interinamente. Se for levada em consideração a atuação em
cargos políticos em outras pastas, presidências de províncias, senatorias e deputações,
92% dos ministros tinham uma carreira política consolidada, com suas redes de
sociabilidade definidas e ligações ideológicas bem marcadas.
Nos períodos em que as mudanças na estrutura administrativa da Marinha foram
mais relevantes, a pasta foi ocupada por políticos com longa e consolidada carreira
política. No período de 1845 a 1870, dos 20 ministros permanentes, 16 foram presidentes
de alguma província, 19 deles foram senadores e outros 9 foram Conselheiros de Estado,
algum deles ocupando a presidência do Conselho, como os Visconde do Rio Branco e de
Ouro Preto, por exemplo.
0
5
10
15
20
25
30
Civil Militar
85
Quadro 2: Ministros permanentes em outros cargos políticos – 1845-1870.
Ministros Presidência
de Província
Deputação Senatoria Conselho
de Estado
Antonio Francisco de Paula e
Holanda Cavalcanti de Albuquerque
X X X X
Cândido Batista de Oliveira - X X X
Joaquim Antão Fernandes Leão X X X -
Manuel Vieira Tosta X X X X
Zacarias Góis e Vasconcelos X X X -
Pedro de Alcântara Bellegarde - - - X
José Maria da Silva Paranhos - X X X
João Maurício Wanderley X X X X
José Antônio Saraiva X X X X
Antônio Paulino Limpo de Abreu X X X X
Francisco Xavier Paes Barreto X X X -
Joaquim José Ignacio X X X -
José Bonifácio de Andrada e Silva - X X -
Joaquim Raymundo de Lamare X X X -
João Pedro Dias Vieira X X X -
Francisco Carlos de Araújo Brusque X X X -
Francisco Xavier Pinto Lima X X X -
Francisco de Paula da Silveira Lobo X X X -
Afonso Celso de Assis Figueiredo X X X X
Luiz Antonio Pereira Franco X X X -
Fonte: Anexo 9 – Ministros da Marinha – 1840-1870.
A presença de civis e militares no ministério da Marinha, menos do que uma
questão conflituosa, guardou semelhanças diretas com o processo de restruturação do
Exército no século XIX. Desde a ocupação do maior cargo da Secretaria até a composição
de algumas repartições, como a Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro,
a relação entre civis e militares foi, nesse momento, também marcada por tensões
cotidianas, que geraram alguns conflitos, pelo menos dentro da repartição do Rio de
Janeiro, mesmo que aparentemente sem aprofundamentos relevantes. A presença do
elemento civil na figura de secretário da Capitania e de importância significativa para o
86
funcionamento da repartição foi uma questão destacada pelo Capitão do Porto. No
entanto, essa relação tensa em alguns momentos não foi um obstáculo para a rotina de
trabalho, mas é ilustrativa da complexidade de relações sociais presentes no cotidiano do
porto. Como no Exército, que teve ocupantes militares que se dedicaram às mudanças
estruturais do Ministério da Guerra nos primeiros gabinetes conservadores, no caso da
Marinha, esse empreendimento foi tocado por políticos civis de longa carreira política,
como pode ser observado no Quadro II.
O perfil do Exército, portanto, não era propriamente militar, o que fazia da participação do alto-oficialato nas disputas políticas um elemento
não só bastante comum como útil e necessário à manutenção da
estrutura monárquica. À medida que a distribuição das patentes de oficial-general constituía uma prerrogativa real, os altos postos do
Exército transformavam-se, claramente, em cargos de confiança,
estreitando os vínculos entre os generais que os ocupavam e o
imperador.210
Dessa forma, para Adriana Barreto de Souza, a ascensão ao generalato não era
condicionada por uma carreira militar estrita, mas residia na maior proximidade e
fidelidade ao monarca. Um oficial do Exército não era um empregado dedicado aos
serviços militares de guerra; era mais um aristocrata. Sua ascensão dependia da sua rede
de sociabilidade política. Para oficiais superiores, a promoção era sancionada pelos
presidentes de província. Para oficiais-generais, dependia do próprio monarca.211 Assim,
o ethos militar estava intrinsicamente ligado à lógica aristocrática de relação com o poder
central. Ao fim e ao cabo, o perfil do ministro dependia menos da sua vida dentro da força
e mais da sua ascensão política e da sua rede de sociabilidade.
O projeto posto em marcha no final dos anos 1830, articulou e fez circular “[...]
um novo regime discursivo, cujo funcionamento implanta uma estratégia de mudança
sociopolítica balizada na recuperação e reestruturação das forças de linha.”212 Nesse
sentido, o Exército funcionou tanto como um instrumento de organização do mundo
social, frente às revoltas regenciais, quanto uma estrutura hierarquizada que reproduzia
os valores da sociedade de privilégios e demarcações sociais necessários à
homogeneização da elite.213
210 SOUZA, Adriana Barreto. O Exército na consolidação do Império: um estudo histórico sobre a política
militar conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999, p. 55. 211 Ibidem, p. 54. 212 Ibidem, p. 26. 213 Ibidem, p. 38.
87
A centralização ou a integração dos proprietários de terra requeria um
acúmulo de poder que, a um só tempo, tecia uma ampla rede de monopólios e forjava uma elite política. O dispositivo era simples:
detendo o controle das forças militares e ampliando suas bases
financeiras, um pequeno grupo supera seus rivais e organiza um sistema
de subordinações em que se destaca a figura do monarca.214
Portanto, é possível afirmar que a ocupação dos cargos ministeriais por políticos
de carreira – civis ou militares – na Marinha no século XIX estava relacionada à dinâmica
coeva de relacionamentos sociais e políticos ligados às hierarquias de uma sociedade
escravista e fortemente hierarquizada. Ao mesmo tempo, teve como objetivo mais direto
implementar as medidas necessárias para a reformulação da estrutura administrativa, bem
como manter os vínculos de subordinação e fidelidade ao monarca.
O esforço em manter as mais distantes partes do Império brasileiro sob os
desígnios da “ordem” e da “civilização” exigiu mudanças estruturais, convergências de
interesses políticos e reconfigurações legais. O Estado Imperial precisava consolidar-se,
principalmente, diante das revoltas sequenciais do período regencial. A percepção da
necessidade de um aparelho coercitivo encontrou nas Forças Armadas a solução
necessária para as preocupações e os medos das classes dominantes brasileiras.
A Marinha e o Exército cresceram, os seus aparatos burocráticos foram
reestruturados, fazendo incrementar a demanda por mais indivíduos que compusessem
tanto as repartições quanto os contingentes das forças militares. Nesse sentido, o emprego
de civis entre o rol de empregados militares foi constante e funcionou de maneira
relativamente bem-sucedida. Na Marinha, a relação entre civis e militares foi ainda mais
presente. Começando pela ocupação dos ministérios até o interior da Capitania do Porto
da Corte, foi necessário lançar mão de uma variedade de empregados externos à
hierarquia e à disciplina militares que iam desde homens brancos e livres a escravizados
e escravizadas nas mais diferentes repartições e oficinas.
1.3.3. O Ministério da Marinha e a expectativa institucional
A origem da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha data da chegada da
família real e com ela a criação das instituições necessárias para o estabelecimento do
Governo Imperial português a partir da América. Em 1808 foram criadas três secretarias,
214 Ibidem, p. 33.
88
“[...] uma trataria dos negócios interiores e do Reino, outra dos negócios estrangeiros e
da guerra, e uma terceira seria responsável pelos negócios da marinha e domínios
ultramarinos”.215 Ao longo dos anos seguintes, o Ministério da Marinha sofreu algumas
mudanças importantes. A primeira delas, em 1834, normalizou o funcionamento das
Intendências e dos Arsenais216 imperiais. De acordo com Almeida,
Os regulamentos de 1808, complementados com o de 1834,
organizariam a forma de funcionamento da administração material e
financeira da Marinha durante todo o primeiro reinado e período das regências, e só seriam reformados nos anos de 1840, quando haverá
uma tentativa de centralização fiscal [...].217
A reformulação da estrutura administrativa estava em pauta nos círculos políticos
centrais e a Marinha foi um lugar determinante para a remodelação do Estado. No período
entre 1840 e 1870, a instituição cresceu substancialmente e passou a ser constituída por
dezenas de novas repartições que foram sendo criadas conforme novas demandas foram
surgindo, como a inserção do Império no concerto das nações e no contexto internacional
de trocas de mercadorias, além das disputas políticas no Prata, que ganhou uma realidade
bélica ao final de 1864.
O decreto nº 114 de 4 de janeiro de 1842 foi a primeira reforma da Secretaria da
Marinha que buscou dar maior controle sobre às repartições e a reorganizar a estrutura
dessa força militar. Nesse decreto, o quadro de empregados foi redefinido e a Secretaria
foi dividia em três seções: Seção da Corte, das Províncias e de Contabilidade.218 De
acordo com Caminha,
215 ALMEIDA, Felipe Pessanha de. A Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra (1821-1889). Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2013. Disponível em: http://www.arquivonacional.gov.br/images/virtuemart/
product/A-secretaria-de-Estado-dos-Neg%C3%B3cios-da-Marinha-com-ficha-final.pdf. Acessado em: 29
out. 2018, p. 7. 216 O Arsenal de Marinha da Corte foi estabelecido pelo alvará de 13/05/1808, ficando sob a direção do
Intendente da Marinha. Em agosto e setembro do mesmo ano, o cargo de Inspetor do Arsenal passou a ser
ocupado pelo ajudante direto do Intendente, o Vice-Intendente. A Intendência foi reorganizada, sendo
criadas a Contadoria (responsável pela escrituração dos gastos), a Pagadoria (que efetiva os pagamentos
determinados) e o Almoxarifado (funcionava como a guarda do material naval). “Assim, pois, o Intendente
da Marinha desempenhava as funções de um diretor de finanças; e o Inspetor do arsenal, cumulativamente ao cargo de Vice-Intendente da Marinha, as funções de um diretor de serviços, dentre os quais serviços
citaremos: combate a incêndios nas dependências navais e na cidade do Rio de Janeiro, administração dos
navios desarmados (que serviam de depósito, presídio etc.), operação dos navios de transporte, execução
de obras de melhoramento do porto, balizamento, carta marítima, compensação de agulhas, e mais:
matrícula das embarcações mercantes, policiamento do porto, praticagem das barras e socorro marítimo”.
CAMINHA, Herick Marques. História Naval Brasileira. Terceiro Volume, Tomo I. Rio de Janeiro:
Secretaria de Documentação da Marinha (SDGM), 2002, p. 11. 217 ALMEIDA, Felipe Pessanha de. Op. Cit., p. 10. 218 BRASIL. CLI, Decreto nº 114 de 4 de janeiro de 1842. Reformando a Secretaria d'Estado dos Negócios
da Marinha, em virtude do Artigo trinta e nove da Lei nº 243 de 30 de novembro do ano passado.
89
[...] as duas primeiras encarregadas dos expedientes relacionados,
respectivamente, com as repartições navais sediadas no Rio de Janeiro e com os presidentes de província, e a terceira, com as atribuições de
examinar ‘moral e arithimeticamente’ (sic) as contas das repartições
navais, ‘formar’ (organizar) o orçamento da Marinha, e registrar todas
as ordens ministeriais sobre os assuntos fazendários.219
Figura 2: Organograma 2 – Estrutura Administrativa da Marinha – 1842-1844
Fonte: Elaboração própria. CAMINHA, Herick Marques. História Naval Brasileira. Terceiro Volume,
Tomo I. Rio de Janeiro: Secretaria de Documentação da Marinha (SDGM), 2002; ALMEIDA, Felipe
Pessanha de. A Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra (1821-1889). Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2013. Disponível em: http://www.arquivonacional.gov.br/images/virtuemart/product/A-
secretaria-de-Estado-dos-Neg%C3%B3cios-da-Marinha-com-ficha-final.pdf. Acessado em: 29 out. 2018.
Esse foi um primeiro esforço no sentido de reorganizar o comando e o controle
sobre as diversas repartições. No entanto, aparentemente, essas mudanças não foram
suficientes e houve um esforço ainda maior para que a estrutura administrativa da
Marinha. Os ministérios de Joaquim José Rodrigues Torres (1840 e 1843-1844) são
considerados os grandes responsáveis por iniciar as mudanças marcantes que ocorreram
nos anos 1840 na Marinha.220 José Miguel Arias Neto, que analisou os relatórios de
219 CAMINHA, Herick Marques. Op. Cit., p. 16. 220 ALMEIDA, Felipe Pessanha de. Op. Cit., p. 15-16; ARIAS NETO, José Miguel (2001). Op. Cit., p. 43;
DONIN, Luana Amorim. Academia de Marinha: Normatização da formação militar naval no período de
construção do Estado Imperial Brasileiro (1837-1858). 2014. 183 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Programa de Pós-Graduação em História, UFF. Niterói, 2014, p. 77-80.
90
Rodrigues Torres em suas passagens pelo Ministério, constata que, desde os primeiros
momentos, havia a percepção de que era necessário
[...] nacionalizar e profissionalizar a força, o que dependeria para sua
realização, de uma unidade de visão e uma continuidade de ação. A
primeira dependeria de um consenso quanto ao papel da Marinha no
conjunto do Estado, ou seja, da definição de uma estratégia político-
militar que orientaria a ação do governo.221
Nos anos regenciais, marcados por revoltas em boa parte do território nacional, o
processo de militarização permitia não só manter sob controle os indivíduos identificados
como ameaçadores à ordem social, como também retirava do mercado de trabalho a
concorrência do Estado, uma vez que foi uma preocupação constante manter os prêmios
por engajamento e os pagamentos dos marinheiros abaixo dos jornais praticados na
marinha mercante. Esse processo só se concretizou no Segundo Reinado, com as
inovações tecnológicas ocorridas, quando novos ofícios, como os foguistas dos navios a
vapor, foram incorporados à força naval e devidamente militarizados. Esse movimento
de disciplinarização e recrutamento foi parte condicionante dos interesses econômicos da
sociedade e estavam diretamente ligados às mudanças estruturais que ocorriam no
Ministério.222
O decreto de nº 351 de 20 de abril de 1844 mandava reformar a Secretaria de
Estados de Negócios da Marinha mais uma vez em dois anos. Os primeiros três artigos
definiam o quadro de empregados da instituição, composta por “[...] um Oficial Maior,
seis Oficiais e quatro Amanuenses, e terá para seu expediente uma Cartorário e um
Ajudante, um Porteiro e Um Ajudante, um Contínuo e quatro Correios”.223 O decreto é
rico em detalhes sobre como deveria ser a rotina de trabalho da Secretaria, bem como as
atribuições de cada empregado, dando ênfase à figura do Oficial Maior, ao mesmo tempo
que centralizava no cargo do Ministro as decisões finais sobre os diversos assuntos do
trabalho cotidiano da Marinha.224
Importa destacar desse decreto é a centralidade da figura do Oficial-Maior para a
rotina de trabalho do Ministério. O artigo 11, dedicado ao cargo, tem 10 parágrafos que
221 ARIAS NETO, José Miguel (2001). Op. Cit., p. 44. 222 Idem, p. 48. 223 BRASIL. CLI, Decreto de nº 351 de 20 de abril de 1844. Manda pôr em execução o Plano para a reforma
da Secretaria d'Estado dos Negócios da Marinha. 224 Caminha afirma que a ocupação dos postos de Ministros por políticos de carreira e a concentração de
trabalho relacionado ao cotidiano direto da Secretaria com os militares foi uma questão hierárquica teria
sido resolvida em 1873, com a mudança de título do cargo para Ajudante General da Armada. CAMINHA,
Herick Marques. Op. Cit., p. 14.
91
elencam uma série de atividades essenciais para o funcionamento da instituição naval e,
portanto, para o próprio exercício da função de ministro que, por sua vez, pautava a suas
decisões pelos documentos encaminhados pelo seu encarregado direto. As demandas dos
marinheiros e os seus familiares; os pedidos de pensão e de comutação de pena; os
relatórios das diversas repartições, tudo passava antes pelo Oficial-Maior, que elaborava
um extrato do assunto para a deliberação ministerial. O parágrafo 5º era taxativo:
Exigir, em nome do Ministro, de todas as Autoridades do Arsenais de
Marinha, e Intendências, quer dar Corte, quer das Províncias,
informações sobre objetos relativos ao expediente da Secretaria, para que anexando a tais informações os esclarecimentos, que dependam da
mesma Secretaria, e as reflexões que julgar conveniente, subam os
negócios assim instruídos à presença do Ministro, para poder à vista de
tudo dar a sua decisão com perfeito conhecimento de causa.225
No restante do decreto, ficava assentado como deveria ser a rotina de
funcionamento da Secretaria, como horários, vestimentas, e a disciplina e o controle sobre
os empregados, além da tabela de emolumentos. É preciso reiterar o esforço de
centralização das decisões finais na figura do Ministro da Marinha, que ficou mais
evidente com a ocupação do cargo por Holanda Cavalcanti, que colocou a frente muitas
das orientações feitas por Rodrigues Torres nos anos anteriores.
No relatório enviado de 1844 apresentado na 1ª Sessão da 6ª legislatura, Holanda
Cavalcanti demonstrava preocupação com o estado de alguns portos, como o de
Pernambuco e do Rio Grande do Sul, e afirmou que a criação da capitanias “[...] não
deverá produzir menores vantagens, nem inferiores resultados para o bem ser da Marinha
[...]” – por isso também pediu a autorização do uso de 100 contos de réis para o
estabelecimento delas – e argumentou que era a oportunidade de aproveitamento de
pessoal capacitado da própria Armada nos serviços da repartição.226
A expectativa não era pequena. As capitanias deveriam ser criadas para fazer o
melhoramento dos portos, a sua polícia e organizar a circulação de mercadorias,
passageiros e trabalhadores pelos portos do Império. Nada se cria com o objetivo do
fracasso. É uma afirmação óbvia, mas importante registrá-la. Ao se planejar e investir na
criação de uma repartição com tais objetivos, este movimento não vinha deslocado da
225 BRASIL. CLI, Decreto de nº 351 de 20 de abril de 1844, artigo 11, §5º. 226 BRASIL. Relatório do ano de 1844 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 6ª
Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1845, p. 18-20. Os relatórios ministeriais estão
disponíveis no Center of Research Libraries, no endereço eletrônico http://ddsnext.crl.edu/titles/142#?
c=4&m=0&s=0&cv=0&r=0&xywh=-437%2C-176%2C4985%2C3516.
92
percepção de necessidade premente em efetuar um controle mais direto sobre os portos e
os seus trabalhadores e da forma como fazê-lo de maneira bem-sucedida.
O diagnóstico do ministro naquele relatório era de que as Inspeções dos Arsenais
já não davam conta das atribuições de polícia dos portos do Império. Segundo ele, essa
atividade vinha sendo negligenciada pela própria estrutura dos Arsenais, carentes de
pessoal habilitado para as funções. Nesse sentido, era imprescindível que o aporte fosse
feito para a execução do novo regulamento, para que o melhoramento dos portos fosse
conservado, mas também o controle sobre “[...] os cortes de madeiras, faróis e
estabelecimentos fabris nos portos; enfim auxiliar a fiscalização do ramo mais importante
das rendas nacionais, isto é, dos direitos da importação e exportação”.227 Percebia-se,
desde o primeiro momento, a importância de redefinir as funções de algumas repartições,
tentar dar mais eficiência à organização dos portos e, principalmente, o trabalho conjunto
com a Alfândega no que concerne aos impostos devidos pela circulação de mercadorias.
Outro ponto importante destacado nesse relatório foi o papel das presidências de
província na estrutura administrativa da Marinha, uma vez que elas mantinham contato
constante e direto com as divisões e os navios que ficavam ancorados nos seus portos e,
dessa forma, havia a “[...] recíproca correspondência entre a Secretaria de Estado e os
Estabelecimentos de Marinha, colocados nas Províncias”.228 Como se verá no próximo
capítulo, com exceção do Capitão do Porto da Corte e província do Rio de Janeiro – que
era indicado pelo Ministro –, os capitães das outras províncias eram indicados pelos
respectivos presidentes que, por sua vez, eram indicados pelo Imperador. Portanto, essas
repartições exerciam o controle sobre os seus portos por meio de uma autoridade que lhes
davam prerrogativas de ação investidas diretamente pelo poder central. Na Corte ou no
resto do Império, suas ações tinham, portanto, o respaldo do Governo Imperial.
Ainda com relação à importância do regulamento que vinha sendo elaborado pela
comissão estabelecida para esse fim, o Ministro utilizou em sua argumentação referência
ao acidente com a barca a vapor Especuladora229, da Companhia Brasileira de Paquetes a
227 Ibidem, p. 6. 228 Ibidem, p. 8. 229 Na edição do Jornal do Commercio dos dias 26, 27 e 28 de maio de 1844, foi noticiada a explosão da
caldeira da barca a vapor Especuladora: “Tinham dado cinco horas; o mestre havia gritado larga! – as pás
das rodas tinham apenas tocado a água, quando se ouviu horrível sibilo precursor de várias detonações que
se seguiram com a mesma rapidez com que o relâmpago precede o trovão. Arrebentara a caldeira! A
princípio nada se viu: um denso vapor envolvia a barca donde partiram horríveis gemidos, espantosas
lamentações. Dissipado o fumo, terrível espetáculo se descortinou. O convés estava arrombado, e no centro
do porão, cheio de água fervente da caldeira, boiavam corpos humanos, mulheres, crianças, moços, velhos,
93
Vapor, como mais um fator a ser considerado para ampliar o policiamento dos portos.
Mesmo tendo estabelecido uma comissão para o exame do estado daquelas barcas, era
preciso que esse trabalho estivesse esclarecido e determinado no regulamento, pois “[...]
O serviço das Barcas de Vapor, é hoje, por todo o Império, uma necessidade, intimamente
relacionada com a segurança e prosperidade do Brasil, que sem dúvida vos há de merecer,
Senhores, especial atenção”.230 Ao fazer a ligação entre o controle das barcas a vapor e a
“segurança e prosperidade do Brasil”, Holanda Cavalcanti buscava destacar a importância
do novo regulamento e das repartições que exerceriam essas novas atribuições, sendo elas
instrumentos fundamentais na averiguação das condições dos navios e das embarcações,
a vapor ou a vela, ou seja, garantiriam a boa circulação da exportação e da importação de
mercadorias.
A partir de 28 de maio daquele ano, ficou determinado que o Inspetor do Arsenal
da Marinha da Corte inspecionasse mensalmente as barcas a vapor da companhia que
fazia o trajeto entre a Corte e a cidade de Niterói. No mês seguinte, estendeu-se essa
determinação à todas as barcas a vapor, tanto de empresas quanto de particulares. Ainda
em junho, a comissão encarregada de fazer tais exames ficava obrigada a oficiar ao
Inspetor do Arsenal qualquer embarcação que não estivesse em condições de navegação
para que não a fizesse navegar até que fosse autorizada pela dita comissão. As barcas da
navegação costeira seriam examinadas antes da saída do porto.231 Era preciso tirar mais
essa responsabilidade do Inspetor do Arsenal, que tinha a seu cargo a função de organizar
e gerenciar as oficinas da repartição.
brancos, negros, todos de mistura”. O jornal contava, naquela edição, 52 mortos, com a expectativa de
aumento devido àqueles que ainda estavam em risco de vida e pelos corpos que viessem a surgir nos dias
seguintes. Na edição de 29 de maio, o jornal publicou dois pareceres, um do engenheiro da companhia,
Roberto Grundy, que atribuía o acidente à imperícia do maquinista e isentava a empresa de culpa, pois a
barca possuiria as válvulas de segurança que garantiriam o bom funcionamento de todo o equipamento. E
outro do engenheiro civil, Prates, que atribuía a causa do acidente a dois fatores: inabilidade do maquinista
e a falta de policiamento. Com relação à esta, Prates afirmava que as caldeiras das barcas a vapor não
costumavam ser examinadas antes de serem colocadas em funcionamento e por isso indicava que fosse
formada uma comissão para que nenhuma caldeira fosse colocada em embarcação ou em fábrica sem que
fosse testada antes a sua capacidade de suportar a fricções com que deve trabalhar e “[...] a mesma comissão não deixará entrar em navegação um barco de vapor sem o ter minuciosamente examinado [...] Enfim, deve
a comissão fazer passar por um rigoroso exame prático aos maquinistas, tanto dos barcos a vapor, como os
das máquinas estabelecidas em terra”. Jornal do Commercio (26, 27 e 28 de maio de 1844, edição 140) e
(29 de maio, edição 141). Disponíveis em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_03/6353 e
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_03/6355, respectivamente. Acessado em: 08 nov. 2018. 230 BRASIL. Relatório do ano de 1844 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 6ª
Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1845, p. 16. 231 Ibidem. A comissão era composta pelo ajudante do Inspetor do Arsenal, pelo 2º Construtor, pelo mestre
dos calafates e pelo mestre dos engenheiros maquinistas. No mesmo mês organizou-se uma comissão para
a elaboração de um compêndio do curso prático de Engenheiros maquinistas de barcas a vapor, p. 32.
94
Nos anos seguintes, o Arsenal de Marinha da Corte se constituiu em um
importante espaço de construção de navios a vapor para a Armada Imperial e de
manutenção de navios e embarcações particulares nacionais e estrangeiras. E, enquanto
espaços de trabalho, os arsenais, de uma maneira geral, foram ganhando significado como
um lugar de aprimoramento dos trabalhadores da repartição para a montagem de oficinas
mecânicas especializadas em trabalhar com metais frente à defesa constante dos ministros
pela adoção à propulsão a vapor nos navios de guerra imperiais.232
Quadro 3: Relação dos navios a vapor construídos pelo Arsenal de Marinha –
1840-1870.
Nome Tipo Tecnologia Casco Tonelagem Lançamento
ao mar
Thetis Barca Vapor Madeira 241 1843
Carioca Rebocador Vapor Madeira - -
Taquary Aviso Vapor-rodas Madeira 140 1865
Tamandaré Encouraçado Vapor-hélice Madeira-ferro 734 -
Barroso Encouraçado Vapor-hélice Madeira-ferro - 1865
Rio de
Janeiro
Encouraçado Vapor-hélice Madeira-ferro 1866
Vital de
Oliveira
Corveta Vapor Madeira 1.424 1867
Forte de
Coimbra
Bombardeira Vapor Madeira 338 1866
Pedro
Affonso
Bombardeira Vapor-hélice
Madeira 338 1866
Pará Monitor Vapor Madeira-ferro 348 1867
Rio Grande Monitor Vapor Madeira-ferro 349 1867
Alagoas Monitor Vapor Madeira-ferro 350 1867
Piauhy Monitor Vapor Madeira-ferro 351 1867
Santa
Cathatina
Monitor Vapor Madeira-ferro 352 1868
Ceará Monitor Vapor Madeira-ferro 353 1868
Lamego Rebocador Vapor Madeira 162 1869
Fonte: LACERDA, David. P. Op. Cit., p. 42-43.
232 LACERDA, David. P. Op. Cit., p. 40.
95
No ano seguinte, o ministro defendeu que o Governo Imperial deveria aumentar a
sua frota de navios movidos a vapor, ou construindo nos estaleiros imperiais ou os
adquirindo em outros países. A percepção era de que se fazia necessário adequar-se ao
que já vinha ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos, onde a frota naval vinha se
modificando fortemente e a máquina a vapor ocupava cada vez mais espaço e importância
nas estratégias de defesa dos países do Norte.233 A velocidade e a força da máquina a
vapor aplicada nos navios foi considerado um dos fatores decisivos na melhoria dos
serviços da Capitania do Porto da Corte pelos diferentes capitães da repartição. Ter um
barco a vapor seria a forma ideal de agilizar o trabalho de socorro naval e o arrolamento
dos trabalhadores marítimos do interior. Isso foi repetido várias vezes e repercutido pelos
ministros.
Uma maior eficiência na administração e a separação das demandas judiciais
estavam na pauta da elite política imperial – e Holanda Cavalcanti deixou isso claro. No
relatório enviado à 2ª Sessão da mesma legislatura de 1844, também idealizou um
Conselho Naval para a Marinha que reunisse os oficiais generais do Conselho Supremo
Militar e de Justiça, auxiliados por um ou dois magistrados, de modo a dar mais celeridade
ao atendimento das necessidades da administração naval. Essa proposta foi enviada antes
mesmo da criação efetiva das Capitanias dos Portos e da Contadoria Geral. Nesse
Conselho, o magistrado serviria como o agente da Coroa, representando-a nas atribuições
pertinentes.234 O Ministro sugeria que houvesse um conselho para
[...] superintender as diversas Estações da Repartição da Marinha auxiliando a marcha da Administração; habilitando esta com as
informações e consultas apropriadas, sobre todos os trabalhos passados
e presentes, e que sirvam para remover inconvenientes para o futuro, e
melhorar a prática [...].235
Herick Marques Caminha, em História Naval Brasileira, afirma que a primeira
proposta concreta de criação de um Conselho Naval ocorreu somente em 1853, pela
iniciativa do então Secretário e Ministro Zacarias de Góes e Vasconcellos. O órgão só
viria a ser aprovado em 1856.236 Ao mesmo tempo, Caminha registra que desde 1833,
com o relatório de Rodrigues Torres, passando por Pio dos Santos em 1837, e novamente
233 BRASIL. Relatório do ano de 1845 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão 6ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1846, p. 9. 234 BRASIL. Relatório do ano de 1844 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 6ª
Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1845, p. 4-5. 235 Ibidem. 236 BRASIL. CLI, Lei nº 874 de 23 de agosto de 1856. Cria na Capital do Império um Conselho Naval.
96
por Rodrigues Torres em 1838, houve a solicitação para a criação de um conselho para a
Marinha. Manoel Vieira Tosta também indicou a mesma necessidade no seu relatório de
1848. 237
É importante registrar que a proposta de Vasconcellos não previa a composição
dos membros do Conselho ou aprofundava as responsabilidades do novo órgão, ao
contrário do que defendia Holanda Cavalcanti. Na Lei nº 874, promulgada em 1856, o
primeiro artigo referente aos objetos dos pareceres do Conselho é a legislação e a
administração da Marinha238, como indicava o ministro pernambucano. Durante a década
de 1840, os debates sobre a reorganização da justiça e das atribuições de diferentes
instituições estavam na agenda política com muito mais força do que na legislatura de
Vasconcellos e as propostas e as reformulações do futuro Visconde de Albuquerque
convergem firmemente nessa direção.
Nos relatórios de 1844, Holanda Cavalcanti fez uma minuciosa descrição e análise
das condições de funcionamento e de atuação da Secretaria de Negócios ao seu cargo,
mantendo um esquema explicativo inaugurado por Rodrigues Torres, segundo o qual a
administração dos ministérios deveria ser descrita com riqueza de detalhes para que não
houvesse dúvidas sobre o bom andamento dos trabalhos nas determinadas Secretarias.239
Anexou, juntamente ao seu relatório, aqueles elaborados pelos chefes de divisão do
Quartel-general da Marinha, da Intendência, da Academia e da Inspeção do Arsenal. O
relatório do Oficial Maior da Secretaria, Manoel Carneiro de Campos é o mais extenso e
mais detalhado deles. Como observado no Quadro I, uma das atribuições do oficial era
participar ao Ministro circunstanciadamente as atividades dos Arsenais e Intendência da
Corte e das Províncias, que enviavam tudo por relatório, para que a par de tudo o Ministro
pudesse elaborar suas considerações.
No anexo nº 9 do extenso relatório do Oficial Maior, sobre a correspondência com
os Arsenais de Marinha das províncias, ordenou-se “mui positivamente” aos presidentes
das províncias marítimas que observassem estritamente as concessões dos terrenos a beira
mar que vinham causando danos aos portos do Império e prejudicando a Marinha de
237 CAMINHA, Herick Marques. Op. Cit., p. 22-24. 238 Devia, também, dar parecer sobre a fixação das forças navais, as promoções e as reformas, o
engajamento e o recrutamento, o “estabelecimento, organização, e administração dos Arsenais, Faróis,
Capitanias dos portos e quaisquer outras estações da Repartição de Marinha” etc. BRASIL. CLI, Lei nº 874
de 23 de agosto de 1856, artigo 4º. 239 ARIAS NETO, José Miguel. Op. Cit., p. 69-93.
97
Guerra e mercante. No aviso, recomendava-se que os encarregados pela vigilância dos
portos estivessem atentos às Instruções do Tesouro Público de 1832 e 1842, que
distinguiam quais eram os terrenos de marinhas que podiam ser aforados e solicitava aos
inspetores dos respectivos arsenais que realizassem uma detalhada declaração da parte ou
das partes desses terrenos que fossem necessários para o serviço da Marinha para ser
enviada ao Tesouro Público. Determinava, também, que
[...] empregassem a precisa vigilância, para que no caso de haver
deliberações ou concessões das Câmaras Municipais, cuja execução
possa causar danos aos portos, obstem a isso, e deem logo parte, para
providenciar-se convenientemente.240
O Inspetor do Arsenal de Marinha da Corte, Antonio Pedro de Carvalho, por sua
vez, deixou registrado no seu relatório, também anexado, que o seu quadro de empregados
era insuficiente para a fiscalização das obras do mar e em diferentes pontos do porto que
estava a seu cargo. Esperava que, com a execução da polícia naval isso pudesse mudar,
principalmente com o aumento do número de indivíduos a cargo desse serviço.
Questões como essas dos terrenos de marinhas, das barcas a vapor, de obras no
porto, faróis e de barcas de socorro foram revistas e contempladas no Regulamento das
Capitanias dos Portos. Assim, o relatório foi montado para embasar o argumento de que
havia atribuições que não estavam sendo observadas atentamente, justificando a criação
de uma repartição que ficasse responsável por tais questões essenciais para a segurança
das fronteiras marítimas do Império. Estava claro para as autoridades políticas que o
cotidiano dos portos necessitava de um comando mais próximo e “eficiente” por parte do
Governo Imperial. Uma pauta importante no discurso conservador de centralização foi
exatamente a falta de controle e a desordem provocada pela descentralização empreendida
nos anos anteriores.
Portanto, a criação de uma repartição que concentrasse tais atribuições e tivesse
autoridade para examinar as barcas a vapor ou para obstar a ação das municipalidades,
sobretudo em ações que eram entendidas como prejudiciais à normalização dos portos e
ao seu funcionamento, mostrou-se essencial para tais objetivos. As capitanias dos portos
nasciam, assim, sob esse signo, de levar às bordas do Império um controle mais efetivo e
eficiente das regiões portuárias com a autoridade suficiente para fazer executar as ordens
240 A questão dos terrenos de marinhas será analisada no terceiro capítulo. BRASIL. Relatório do ano de
1844 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 6ª Legislatura. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1845, p. 60.
98
centrais, alterando o modus operandi diário tanto dos trabalhadores quanto dos
negociantes, e ao mesmo tempo, inversamente contrário ao seu objetivo normalizador,
acrescentava uma nova camada de potencialidade de conflito.
***
No Brasil e em Portugal, as capitanias dos portos foram frutos de contextos
políticos ambíguos atravessados de disputas discursivas em torno de projetos acerca das
monarquias constitucionais. Fortalecê-las política, social e culturalmente requereu atingir
interesses costumeiramente enraizados nos poderes locais, ao mesmo tempo que
aumentou o controle sobre a circulação na costa através dos agentes do poder central.
Em Portugal, em um processo semelhante, o projeto liberal conservador
conseguiu, a partir de 1851, construir um consenso relativo em torno da necessidade da
pacificação política com o objetivo de possibilitar a governabilidade em prol dos
“melhoramentos materiais”. As revoltas populares foram controladas, as “parcialidades”
políticas inseridas no arranjo conciliador e a administração imperial reorganizada,
exercendo um maior controle sobre as forças locais.
A consolidação da monarquia constitucional portuguesa levou boa parte do
Oitocentos para se concretizar efetivamente. As convulsões sociais e políticas que
marcaram a sociedade lusa desde a revolução liberal do Porto de 1820 até o golpe militar
de 1851 construíram um ambiente no qual discursos conservadores e centralizadores
conseguiram justificar políticas de austeridade econômica, restrições censitárias à
participação da sociedade nos processos eleitorais, aumento do controle do Estado, bem
como do seu aparato administrativo e militar.
No Brasil, a partir da década de 1840, ocorreram importantes mudanças na
estrutura administrativa da Marinha Imperial e da própria Secretaria de Estado. Tais
transformações foram implementadas a partir do projeto político conservador que
defendia um Estado monárquico centralizado que resguardasse os interesses das elites
políticas e econômicas e favorecesse e garantisse a circulação de mercadorias e a
arrecadação de rendas para o Império.
99
Para esses propósitos, as Forças Armadas foram um fator decisivo para impor as
“ordens” planejadas e defendidas pelas maiorias políticas que impunham seus projetos.
Tanto o Exército quanto a Marinha cresceram significativamente no período que foi de
1850 a 1870 e foram ao mesmo tempo profundamente modificados para atender às
demandas políticas, econômicas e sociais que vinham se transformando tanto pelas
inovações tecnológicas que avançavam a passos ligeiros e pelo mercado mundial de
trocas de mercadorias, quanto pelas ações dos agentes sociais que reivindicavam tais
demandas ou delas dependiam. Também corroborou as medidas que viabilizaram o
crescimento e a atualização normativa diante da intensificação das tensões políticas. No
Brasil, com os vizinhos platinos e o próprio conflito armado com o Paraguai, que tomou
lugar entre 1865 e 1870. Em Portugal, com a instabilidade interna e externa com os
vizinhos europeus.
No caso da Marinha Imperial brasileira, as mudanças pelas quais passou atingiam
um setor fundamental para a defesa do território e para o setor econômico do Império,
qual seja, a navegação mercante de longo curso, de cabotagem e fluvial. A criação das
capitanias dos portos significou, primeiramente, o controle direto do poder central sobre
as regiões portuárias do Império, permitindo a normalização em escala nacional. Do Pará
à Santa Catarina, os portos passaram a contar com uma repartição que tinha ligação direta
com o Imperador e que fora especificamente criada para cuidar do litoral e de tudo que
lhe dizia respeito, como será analisado a seguir.
100
2. AS CAPITANIAS DOS PORTOS E A REPARTIÇÃO DA CORTE:
NORMATIZAR, FISCALIZAR E SOCORRER
A natureza formou magnífico o porto do Rio
de Janeiro; a mão da destruição, porém empenha-se em riscá-lo do mapa da terra.
Cumpre opor uma invencível barreira a esta
destruição, a despeito mesmo de tantas forças
que convergem para a efetuar.241
Neste capítulo, será apresentada a composição administrativa das Capitanias dos
Portos brasileira a partir da análise do Regulamento de 1846 que determinou as regras de
funcionamento delas e dos portos do Império durante o período analisado. É importante
verificar como a criação das repartições foi justificada nos relatórios ministeriais. Assim,
estes serão analisados junto com os relatórios do capitão do Porto da Corte, com o
objetivo de identificar as diferenças e as semelhanças nos argumentos apresentados por
ambos e, dessa forma, demonstrar como os relatórios apresentados nas aberturas
legislativas mostram apenas uma fração do trabalho empreendido pela Capitania do Porto
da Corte.
Os pareceres do Conselho Naval, do Conselho de Estado, bem como do Capitão
do Porto da Corte sobre diferentes consultas enviadas pelos ministérios, pelos presidentes
de província e pelos demais capitães dos portos serão analisados de modo a demonstrar
como a Capitania do Porto da Corte teve um papel importante no processo de
normatização dos portos imperiais e como esse papel ilustra a sua figura de autoridade
tanto frente às demais repartições portuárias, quanto diante dos agentes políticos e sociais
da cidade do Rio de Janeiro. Da mesma maneira, como o jogo de expectativa e realidade
pautou as falas daquelas personagens.
241 AN – SM, XM-238. Relatório da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, 14 de março
de 1851.
101
2.1. O PROCESSO DE NORMATIZAÇÃO: A CRIAÇÃO E A ESTRUTURA
ADMINISTRATIVA DAS CAPITANIAS DOS PORTOS NO IMPÉRIO BRASILEIRO
Desde 1829, estava a cargo dos juízes de paz apresentar uma lista das embarcações
e dos proprietários delas, informando se as ditas eram particulares ou se faziam o serviço
de frete pelas águas da baía do Rio de Janeiro. Além disso, o Arsenal da Corte ficaria
encarregado de, com o bilhete emitido pelo juiz de paz, cadastrar os arrais e numerar as
embarcações, com letras grandes, constando o nome do distrito a que pertencia, o número
e se era de serviço de frete ou particular.242
A partir de 1834, com o regulamento dos arsenais de Marinha, o inspetor do
Arsenal estava encarregado da polícia do porto naquelas províncias marítimas que
contassem com essa repartição. A ele cabia, especificamente, inspecionar e dirigir os
consertos e construções dos navios da Armada; a inspeção dos faróis; a nomeação de
secretários, ajudantes, construtores, mestres e os seus substitutos; a assistência às
embarcações de guerra que se achassem em perigo; impedir que o lastro das embarcações
fundeadas nos portos fosse lançado no lugar do ancoradouro, determinando um lugar
apropriado para isso.243
Como demonstrado no capítulo anterior, um dos objetivos principais dos políticos
conservadores no processo de centralização foi reduzir a abrangência de capacidades e
influência dos poderes locais, como as Câmaras Municipais e, principalmente, os juízes
de paz. Estes tinham a seu cargo uma diversidade de atribuições e domínios que
atravessavam diferentes níveis do cotidiano das cidades.244 A criação das capitanias dos
portos está inserida no processo de transferência de controle exclusivo para o poder
central da navegação pelas águas do Império, fosse do tráfego interno dos rios e baías,
fosse da cabotagem ou do longo curso.
A partir de 1845, os portos passaram a ter uma repartição que nascia com a função
específica de fazer a “polícia naval” ou a “polícia dos portos”, e foram investidas dessa
242 SANTOS JUNIOR, E. N. Sobre as águas da Guanabara: transporte e trabalho no Rio de Janeiro do
século XIX (1835-1845). Rio de Janeiro: Prefeitura do Rio/Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro,
2018, p. 125. 243 BRASIL. CLI, Decreto de 13 de janeiro de 1834. Dá Regulamento para os Arsenais da Marinha do
Império, artigos 31-36. 244 SANTOS JUNIOR, E. N. Direitos e cidadania no Rio de Janeiro: poder e disputas por espaços de
trabalho na praia da Saúde em 1841. Revista Mundos do Trabalho, vol. 9, n. 18, p. 63-79, julho-dezembro
de 2017, p. 74-78. Disponível em: https://doi.org/10.5007/1984-9222.2017v9n18p63. Acessado em: 26
nov. 2018.
102
autoridade, institucionalmente. Ainda assim, havia outras autoridades do Governo
Imperial, como a própria Polícia da Corte, no caso do Rio de Janeiro, que também era
reconhecida com a função de policiar, pois faziam a chamada Visita do Porto, que
consistia na verificação dos passaportes de nacionais e estrangeiros que vinham tanto das
províncias brasileiras, como do exterior. No caso da Corte, a Câmara Municipal foi a
principal força institucional que empreendeu um embate direto com a repartição recém-
criada. Principalmente porque também considerava ter nas suas atribuições a função de
polícia nas praias da cidade.
Em 14 de agosto daquele ano foram criadas as Capitanias dos Portos, através do
Decreto n° 358245. Nesse momento, foi autorizado o estabelecimento de uma repartição
da capitania do porto em cada província marítima246 do Império. Contudo, a execução
definitiva das ordens gerais emanadas do decreto só foram objeto de regulamento com a
publicação do Decreto nº 447 em 19 de maio de 1846247 (Anexo 10). Por este ato,
finalmente, foram estabelecidas repartições na Bahia, no Pará, em Pernambuco, no Rio
de Janeiro, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
Ao longo do período em tela, outras capitanias foram surgindo, conforme ganhava
força no meio político imperial a necessidade de expansão do número dessas repartições.
A despeito das repetidas reclamações quanto ao funcionamento das que já haviam sido
criadas e das dúvidas relacionadas ao real objetivo delas, Alagoas, Espírito Santo,
Manaus, Mato Grosso, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, São Paulo (Santos) e Sergipe
receberam capitanias em seus portos, os fluviais inclusive, como no caso de Mato Grosso,
conforme a Figura 3. Como será analisado no capítulo seguinte, as possibilidades de
criação de um contingente de reserva para a Marinha através das matrículas dos
indivíduos da vida do mar e o exercício efetivo de polícia dos portos era uma necessidade
bastante clara entre os ministros nos primeiros anos de funcionamento dessas repartições.
As capitanias dos portos eram mais um instrumento para realização dessa tarefa, mesmo
que a expectativa de estruturação não tenha sido alcançada nesse período.
O Regulamento de 1846 estabeleceu uma série de atribuições e deveres que
normalizavam as regiões portuárias das províncias marítimas, a circulação de
245 BRASIL. CLI, Decreto nº 358 de 14 de agosto de 1845. Autoriza o governo a estabelecer Capitanias de
Portos nas Províncias marítimas do império. 246 Aquelas que contavam com portos e recebiam embarcações de cabotagem e transoceânicas. 247 BRASIL. CLI, Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846. Manda pôr em execução o Regulamento para as
Capitanias dos Portos.
103
embarcações e a ocupação do litoral da Corte, principal o porto do Império. Para o
serviço, foi estipulado que a secretaria seria comandada pelo Capitão do Porto, que nas
províncias do Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro (chamado Porto da Corte), esse posto
seria ocupado pelo Chefe do Arsenal da Marinha; na Bahia, pelo o Intendente da Marinha
– que já tinha a função de Inspetor; e nas do Rio Grande do Sul e Santa Catharina, por
um Chefe da Armada. O posto foi ocupado dessa forma até 1851 nas três primeiras
repartições.
Figura 3: Decretos e data de criação das capitanias dos portos - 1846-1874
Fonte: Elaboração própria. BRASIL. Coleção das Leis do Império, Tomo X, Parte II, 1847; Tomo XI,
Parte II, 1848; Tomo VI, Parte I, 1855; Tomo XIX, Parte II, 1856; Tomo XX, Parte II, 1857; Tomo XXIV,
Parte II, 1861; Tomo XXVII, Parte II, 1874.
104
Com relação à ocupação dos cargos de Capitães dos Portos, é importante destacar
a diferença entre o Porto da Corte e das demais províncias. No Rio de Janeiro, as
indicações vinham diretamente do Ministério da Marinha, e obedecia à hierarquia militar,
tendo sido indicados os oficiais superiores – Capitães de Mar e Guerra. Nos demais
portos, os cargos eram preenchidos por nomeações feitas pelos presidentes de província,
que eram políticos indicados pelo Imperador. Portanto, como em Portugal, mantinha-se
uma linha de administração dos portos que se originava no monarca e terminava no
Capitão do Porto.
Durante os primeiros 11 anos, a repartição da Corte teve cinco capitães diferentes,
sendo o primeiro Antonio Pedro de Carvalho, que atuou por quatro anos (1846-1850),
Joaquim José Ignacio, futuro Visconde de Inhaúma (1851), Pedro Ferreira d’Oliveira
(1852), Joaquim Marques Lisboa, futuro Marquês de Tamandaré (1853-1856), Guilherme
Parker (1856). A partir de 1857, o cargo de chefe da repartição foi ocupado por Antonio
Felix Corrêa de Mello, que havia sido ajudante do capitão do porto por sete anos, entre
1847 e 1854, e acabou ficando outros dezessete à frente da Capitania do Porto da Corte
(1857-1874), conforme Anexo 2.
No Rio de Janeiro, a capitania iniciou os trabalhos com, além do capitão, um
ajudante e um secretário, militares, como previsto no artigo 5º248. A partir de 1849, foi
criado o cargo de encarregado de diligências, ocupado por um civil, que, a partir de 1851,
passou a contar com dois funcionários. O secretário, neste ano, passou a ser José
Rodrigues Prego, civil, que ficou no cargo até 1880, sendo o mais longevo funcionário
da repartição. Uma das especificidades da organização e do funcionamento da Capitania
do Porto da Corte era a relação cotidiana entre militares e civis não só no ambiente de
trabalho, mas com relação à sua atribuição em si de polícia do porto. A investigação das
diversas repartições da Marinha ajuda a esclarecer essa relação que, nesse momento, foi
essencial para a expansão da estrutura administrativa diante da escassez de pessoal
constantemente reclamada.
A presença de civis em cargos subalternos atravessava a estrutura organizativa da
instituição, chegando nos cargos mais baixos da hierarquia militar. Em um momento
específico de crescimento e de demanda constante por trabalhadores, a presença de
empregados contratados e de escravizados alugados ou da Nação – esses de ambos os
248 BRASIL. CLI, Decreto nº 447, de 19 de maio de 1846. Op. Cit.
105
sexos249 –, foi constante até a década de 1870. No caso da repartição da Corte, esse quadro
se manteve até o momento que esta pesquisa se encerra. Conforme o organograma abaixo,
o Secretário tinha sob suas ordens três empregados importantes para a rotina de trabalho.
O cargo de Escrevente foi criado somente em 1863. O de Encarregado das Diligências
em 1849, com apenas um e em 1851 passaram a ser dois. Alguns anos mais tarde, foi
criado o posto de Servente, que cuidava da limpeza e da portaria da repartição. Esses três
ou quatro empregados eram diretamente pagos pelo secretário e a ele estavam
inteiramente subordinados. Sob as ordens do Capitão do Porto estavam os outros
empregados que tinham postos de comando nos departamentos que ocupavam e eram
todos militares.
Figura 4: Organograma dos empregados da Capitania do Porto da Corte - 1870
Fonte: Elaboração própria. LAEMMERT, Eduardo; LAEMMERT, Henrique. Almanak Administrativo
Mercantil e Industrial da Corte e da Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Em casa dos Editores
proprietários E. e H. Laemmert, 1844-1874; BRASIL. Arquivo Nacional. Série Marinha: Fundo XM-238,
XM-928; XM-693; XM-206; XM-1072; XM-1074; XM-1092; XM-1097; BRASIL. Ministério da Marinha.
Relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1845-
1875.
249 Na documentação do Arsenal e da Capitania da Corte há a referência constante sobre a necessidade de
retirar as mulheres escravizadas das oficinas da Marinha. Em meados da década de 1850, entre os ofícios
dos chefes das repartições há um esforço mais assertivo no sentido de transferi-las para outros lugares a
serviço da nação.
106
De acordo com o regulamento, o Ajudante deveria ser um empregado do Arsenal.
Caso a província não contasse com uma repartição desse tipo, o cargo seria exercido por
um funcionário da justiça para realizar as diligências dos portos. Os vencimentos eram de
640 réis por dia de trabalho e acrescidos dos emolumentos que percebessem nas suas
diligências. Para o Secretário, também foi estipulado que os emolumentos devidos nas
suas atividades deveriam fazer parte dos seus rendimentos. Este deveria cuidar da rotina
de trabalho da capitania, ficando a seu cargo
[...] lavrar todos os termos, e registrá-los; bem como a correspondência oficial e ordens que se expedirem; fazer a matrícula das tripulações das
embarcações nacionais de coberta, e dos indivíduos empregados na vida
do mar, registrando-as separadamente em livros próprios; organizar no fim de cada ano civil mapas de todos os Navios entrados e saídos, com
declaração das tripulações, tonelagens, portos de onde saídos e para
onde destinados; e igualmente mapas de todos os indivíduos
empregados na vida do mar, segundo o ramo a que cada um
pertencer.250
Muito semelhante à estrutura de divisão de tarefas doo Ministério da Marinha,
cuja burocracia estava subordinada ao Oficial Maior, na Capitania, essa personagem era
o Secretário. Nessa figura se concentravam a organização, o controle operacional e a
responsabilidade das informações sobre a navegação no Império. Todas as informações
sobre a circulação de embarcações e navios no porto da Corte, assim como as que eram
enviadas pelos presidentes de província eram organizadas pelo Secretário, que elaborava
os mapas, ou seja, os quadros informativos, de acordo com os modelos vigentes. Tanto
era centralizado o controle, que os próprios emolumentos oriundos da matrícula das
embarcações eram utilizados para contratar auxiliares para o serviço da repartição.
Portanto, um dos pontos mais importantes e mais criticados nos anos seguintes –
a matrícula dos trabalhadores – estava a cargo, pelo menos no Rio de Janeiro – de um
funcionário civil, que não estava sujeito, a princípio, à disciplina e hierarquia militares.
Não há nenhuma insinuação de que o serviço era questionado pelo estatuto civil do
empregado. Não foi encontrado nenhum documento que sugerisse isso. Nem que a
situação seria diferente se fosse somente ocupada por militares. No entanto, no dia a dia
da repartição, foram identificadas tensões relacionadas aos vencimentos e à subordinação
dos funcionários. Uma questão importante que deve ser ressaltada, no entanto, é o fato de
José Rodrigues Prego ter ocupado o cargo por mais de 40 anos e de não ter existido, nesse
250 BRASIL. CLI, Artigo 8º. Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846. Op. Cit.
107
período, nenhum movimento de mudança dessa configuração no quadro de empregados
por parte dos ministros, do Conselho Naval ou dos próprios capitães dos portos.
A questão salarial, por outro lado, foi um ponto sensível entre o Capitão do Porto
e o Secretário, e que atingia diretamente a hierarquia interna. Por estar incumbido das
matrículas, o empregado estava com o controle dos emolumentos que recebia como
complemento ao seu ordenado. Dessa forma, recebeu algumas vezes um salário maior
que o do Capitão, o que lhe permitia contratar, às suas expensas, um substituto e
empregados de diligências para lhe auxiliar no trabalho da capitania. No relatório de 1851,
Joaquim José Ignacio, então Capitão do Porto da Corte, mostrava-se incomodado com a
diferença dos ordenados:
Não sendo a Repartição criada para o usufruto de uma só pessoa,
anômalo é que o Chefe, que tudo manda fazer, nenhum emolumento
por isso tenha, enquanto que o seu subordinado, sem responsabilidade, percebe um rendimento, que reputou em três contos de réis anuais, além
do ordenado, vencimento quase oito vezes maior do que o do seu Chefe
[...].251
O presidente da Província da Bahia fez uma consulta ao Ministro, ainda em
outubro de 1846, sobre a contratação de mais um secretário e os meios de realizar o
pagamento dele. O Capitão do Porto da Bahia reclamava ao presidente de estar à frente
da Intendência, do Arsenal e da Capitania do Porto e que os serviços realizados pelo então
Secretário, que o auxiliava nesses trabalhos, não conseguia atender às demandas recém-
criadas pelo Regulamento daquele ano. O capitão do porto da Corte e Inspetor do Arsenal,
Antonio Pedro de Carvalho, que fora provocado pelo ministro da Marinha a opinar,
afirmava que não haveria problema na contratação, desde que o pagamento saísse dos
emolumentos recolhidos pelo secretário, que seriam até maiores do que o estabelecido na
tabela de emolumentos dos Arsenais de 1834, quando ela foi modificada. No Rio de
Janeiro, afirmava ele, a prática se dava da mesma forma.252 Em nota anexada ao ofício, o
Ministro mandou cumprir o que defendia o chefe da repartição da Corte.
Em 1853, o Capitão do Porto Joaquim Marques Lisboa deixava registrada sua
contrariedade com o fato de possuir quatro funcionários civis que estavam sujeitos às
ordens do Secretário, que lhes contratara e pagava os vencimentos através dos
emolumentos. Lisboa afirmava que não tinha autoridade sobre tais empregados e que isso
251 AN – SM, XM-238. Relatório da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, 1851. 252 AN – SM, XM-238. Ofício nº 6, 20 de outubro de 1846.
108
perturbava a rotina de trabalho da repartição. Ao mesmo tempo em que a contratação dos
empregados ajudava no dia a dia dos serviços a serem executados, a qualidade do trabalho
não estava sob controle do chefe da Capitania, mas sim do Secretário. Portanto, fazia-se
necessário determinar uma gratificação para eles paga pelo Estado e inseri-los na
hierarquia de comando da Marinha. Isso também faria com que eles saíssem da influência
direta do Secretário, que poderia admiti-los ou demiti-los conforme sua vontade e os
colocariam subordinados à repartição, ainda que o Secretário mantivesse a administração
geral.253
Dois anos mais tarde, em 1855, foi a vez do substituto do secretário da Capitania
do Porto da Corte, Arsenio José Ferreira, pedir diretamente à S. M. I. que lhe concedesse
um pagamento pelos serviços que vinha prestando na repartição desde que havia sido
nomeado por aviso ministerial – como fez questão de salientar – para o cargo em 1848.
Acontecia que, desde então, seus pagamentos eram efetuados pelo Secretário com os
emolumentos que recebia. Portanto, a despeito do cargo, era como se nada recebesse do
Governo Imperial pelo trabalho de substituto. Exatamente por isso, argumentava que,
quando ocorria o momento de exercer efetivamente o lugar de secretário, não tinha
incluído no seu ordenado os valores correntes, que eram entregues na totalidade ao seu
chefe direto. Dessa forma, se assustava com a possibilidade de ser dispensado pelo
Secretário sem poder receber nenhum direito do governo pelo tempo de trabalho.254
O Capitão, Joaquim José Ignacio, foi de opinião que o substituto tinha direito a
receber, ao menos, uma gratificação oficial pelo trabalho que exercia. Afirmava que o
Secretário contratou um empregado diante da grande quantidade de serviços que tinha e
que este cumpria com todos os afazeres de maneira competente e reconhecida por ele e
pelos antecessores. Mas, mais importante, o Capitão destacava que, mesmo os
emolumentos recebidos pelo secretário sendo mais do que suficiente para o pagamento
do substituto, este não poderia ser deixado “[...] a mercê de um particular, que pode querer
expeli-lo da Repartição (ao que por certo me oporia eu se no meu tempo tal acontecesse)
não lhe valendo de nada essa posição oficial, que lhe não dá com que remir suas
necessidades e de sua família”.255
253 Ibidem. Relatório da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, 5 de abril de 1853. 254 Ibidem. Petição de Arsenio José Ferreira, 8 de março de 1855. 255 Ibidem. Ofício nº 30, 17 de março de 1846. Em nota anexada, o pedido do substituto foi indeferido para
não aumentar o déficit do orçamento da Marinha.
109
Era esse grupo de empregados que tinha o trabalho de colocar em prática uma
centena de atribuições e regras para a normalização dos portos do Império. Eram eles que
lidavam com os variados interesses que atravessavam o regulamento. Variação que tinha
lugar dentro da própria repartição, com militares e civis e suas origens diversas e com
diferentes concepções de disciplina, que foram colocados juntos e obrigados a lidarem
com as contingências diárias da rotina. A hierarquia era garantida menos pela autoridade
do chefe da repartição e mais pela cultura de subordinação e paternalismo presentes
naquela sociedade escravista.
2.2. DO CENTRO PARA AS BORDAS: O REGULAMENTO DE 1846
Para o tamanho da responsabilidade que tinha em sua pasta, a quantidade de
empregados da repartição das capitanias parecia, realmente, ser insuficiente. Ainda assim,
a missão principal parece ter sido cumprida, se não dentro das expectativas, pelo menos
como marco regulatório pa’ra os agentes sociais presentes nos portos. O Regulamento de
1846 foi estipulado para exercer o maior controle possível sobre o litoral e sobre todos os
que nele atuavam. Por isso foi elaborado de forma extensa e rico em detalhes, que não
passaram despercebidos por diversas personagens em momentos diferentes. O documento
também representou o primeiro esforço de elaborar uma jurisdição nacional para
normatizar os portos do Império.
Ele era dividido em sete títulos que tratavam sobre a polícia dos portos e a sua
conservação; as entradas e as saídas dos navios, os lastros deles; os ancoradouros; a
inspeção dos faróis; a matrícula das tripulações e das embarcações; o arrolamento das
embarcações nacionais e o controle da navegação interna. Tinha 127 artigos que davam
à repartição e, consequentemente, à figura do Capitão do Porto Corte especialmente, a
autoridade para controlar e normatizar o principal porto do Império.
O Título II, “Da Polícia dos Portos, sua conservação e melhoramento”, era o que
determinava as mais importantes atribuições do Capitão do Porto. Nele estabelecia-se a
função essencial do cargo, que era cuidar constantemente da “[...] conservação e bom
estado do Porto, pelo que pertence à sua limpeza, profundidade e segurança; e promoverá
o melhoramento dele por todos os meios ao seu alcance”. O Capitão do Porto surgia como
a autoridade que passaria a cuidar de tudo que concernia ao bom funcionamento do seu
110
porto, concatenado com os outros capitães dos portos do Império e aplicaria, para tanto,
todos os meios necessários para isso.
No entanto, os artigos 10, 11, 12, 13 e 14 deste Título concentram os pontos que
se tornaram determinantes no conflito entre os interesses do poder central e os do poder
local no Rio de Janeiro. Neles estavam estabelecidas as normas para o uso do litoral e
para a boa conservação deles, como a designação dos ancoradouros, a construção e a
amarração de embarcações, o depósito de madeiras e de entulhos, os aterros e as obras
diversas. Em todas elas, estava prevista que a Câmara Municipal fosse ouvida, mesmo
que estivesse sendo investida ao Capitão do Porto a autoridade para exercer as atribuições.
Nesses artigos residia uma questão fundamental e conflituosa e que dizia respeito
à responsabilidade da Câmara Municipal da Corte, qual seja, o controle sobre o uso dos
espaços públicos do litoral, os chamados terrenos de marinhas.
Art. 10. O Capitão do Porto, ouvida a respectiva Câmara Municipal, e
com aprovação do Ministro da Marinha, designará, e marcará nas praias e terrenos de marinha, reservados para logradouros públicos, uma
porção suficiente para estaleiros e outros usos do expediente do Porto.
Art. 11. Ninguém poderá dentro do litoral do Porto, ou seja na parte
reservada para logradouro público, ou seja na parte que qualquer tenha aforado, construir embarcação de coberta, ou fazer cavas para as
fabricar encalhadas, sem que, depois da licença da respectiva Câmara
Municipal, obtenha a do Capitão do Porto, o qual a não dará sem ter
examinado se poderá, ou não resultar daí algum dano ao Porto. 256
Mesmo prevendo a consulta à instituição camarária e a necessidade da licença
municipal, a Capitania do Porto da Corte foi, a partir de então, a repartição que tinha a
função final de normatizar e fiscalizar o acesso e o uso das praias e terrenos no Rio de
Janeiro, tarefa que antes estavam sob responsabilidade da Municipalidade. Essa
autoridade foi reiterada posteriormente por avisos e circulares publicados que tinham
como objetivo obstar a ação dos vereadores sobre os terrenos de marinhas.
Como em outras partes do Regulamento, o trabalho em conjunto com outras
instâncias de poder era mais uma característica do exercício da função do que um
“defeito” de formulação do instrumento legal. Mesmo que estivesse prevista a interação
com a vereança, era o Capitão do Porto que deveria dar a última palavra nos assuntos
correlatos a esses artigos. No artigo 14, o Regulamento determinava que:
256 BRASIL. CLI, Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Art. 6º, Título I. Op. Cit.
111
Art. 14. Ninguém poderá depositar madeiras nas praias, nem conservar
nelas, ou nos cais por mais de 5 dias, ancoras, peças d'artilharia, amarras, ou outros quaisquer objetos que embaracem o trânsito e
servidão pública, ainda que tenha licença da Câmara Municipal. E
quando para o depósito e demora de tais objetos der licença o Capitão do Porto sem prejuízo da sobredita servidão, só se poderá fazer do
batente do preamar das águas vivas para cima. Os contraventores, além
da multa a que forem sujeitos pelas Posturas da respectiva Câmara
Municipal, serão obrigados a fazer escavar qualquer área, que se
acumule em detrimento do Porto.257
O direito de aforar os terrenos de marinhas na cidade do Rio de Janeiro foi o ponto
de conflito entre a Capitania do Porto da Corte e a Câmara Municipal. Esse conflito
influenciou e foi influenciado pela ação de trabalhadores, comerciantes e negociantes das
praias da cidade que tinham nessas repartições os instrumentos de luta por espaços de
trabalho e esse processo simbiótico será analisado oportunamente. Estas questões, como,
também, a relação com a Municipalidade, serão objeto de análise do capítulo 4. Cabe
registrar agora que Antonio Pedro de Carvalho, chefe do Arsenal e Capitão do Porto
deixou registrado, mais de uma vez, nos primeiros anos de funcionamento da repartição,
que incluir a participação da Municipalidade em questões de aforamento não seria a
melhor maneira de reiterar o controle sobre os terrenos de marinhas, que já vinha sendo
realizado por decisões anteriores. Sistematicamente, nos relatórios dos capitães dos portos
e dos ministros, a pressão do poder local sobre esse assunto foi recorrente e exigiu
esforços contínuos para tentar excluir a vereança carioca, que resistiu ao longo do período
analisado.
A entrada e a saída dos navios mercantes também estavam a cargo do Capitão do
Porto e, também, previa o encontro com outras repartições. Após as inspeções da Saúde,
sob responsabilidade do Ministério do Império, e da Alfândega, do Ministério da
Fazenda, o capitão ou mestre da embarcação ou do navio que desse entrada no porto
ficava obrigado a ir à nova repartição onde deveria ser feito o registro do nome do capitão,
mestre ou dono das embarcações, verificando “[...] o número das pessoas da tripulação,
tonelagem, e porto a que se destina; devendo depois entregar-lhe um documento, que ele
apresentará no Registro do Porto”. Além disso, na saída, deveria receber o mesmo
documento com a lista dos passageiros conferidos pelo Registro do Porto, que estava sob
257 BRASIL. CLI, Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Art. 14, Título I. Op. Cit.
112
as ordens do Ministério da Justiça e era feito pela Visita do Porto, subordinada à Polícia
da Corte. Não havendo o cumprimento, previa-se a aplicação de multa. 258
Como é visível, o trabalho das capitanias dos portos deveria ser realizado em
conjunto com outras repartições do Governo Imperial que tinham suas próprias funções
no controle e na organização do litoral. A repartição entrava no cenário marítimo civil
como a figura que deveria contribuir de maneira mais objetiva nesse setor, concentrando
as atividades que estavam antes espalhadas entre as autoridades locais, interagindo com
as outras que eram da esfera central e efetuando uma intervenção mais direta no litoral
sob a autoridade de um Regulamento que elencava direitos e deveres sob a lógica da
centralização administrativa.
Nesse sentido, o Regulamento de 1846 previa que o Capitão do Porto “[...]
coadjuvará o que pelas Repartições da Saúde e da Alfândega estiver determinado a
respeito [...]” e, quando assim não achasse conveniente, deveria propor ao Governo
Imperial o que entendesse como melhor para o bom funcionamento do porto. Também
deveria determinar, conforme o uso e a conveniência, novos ancoradouros de quarentena,
de franquia, carga e descarga, respeitando os direitos sujeitos à Alfândega.259 Como
veremos adiante, por exemplo, o Capitão do Porto da Corte, Antonio Pedro de Carvalho
realizou uma mudança importante no ano de 1847, para a execução de melhorias no fluxo
do porto. Cabe o registro da redistribuição de autoridade e a necessidade do profundo
conhecimento da dinâmica portuária, que era atribuído ao chefe da repartição da Marinha.
De acordo com o seu conhecimento sobre o funcionamento do porto e do seu
discernimento do que seria apropriado ou não, estando tudo sob sua responsabilidade,
cabia a ele sugerir ou decidir em diferentes casos, como por exemplo nos de abalroamento
e ou de coerção ao trabalho das tripulações. No que tange aos ancoradouros dos navios,
o Regulamento da Alfândega de 1836 já previa, no caso da região portuária do Rio de
Janeiro, tais ancoradouros.
No porto do Rio de Janeiro os ancoradouros de quarentena, e franquia
serão entre o Villegaignon e a Boa Viagem, e entre a ponta do Trem e
Cruatá, aquele de meia baía para Leste, e este de meia baía para Oeste; o de descarga será entre a Ilha das Enxadas e a das Cobras, e o de carga
desde o Trapiche do Sal até a Saúde; todos em conveniente distância de
terra para ficar livre ao longo, e próximo da costa, o ancoradouro dos
258 BRASIL. CLI, Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Art. 19, Capítulo II, Título II. Op. Cit. 259 Ibidem, Capítulo II, Artigo 19. Op. Cit.
113
barcos de cabotagem ou em fabrico, e o trânsito comum, o melhor se
possam fiscalizar os mesmos ancoradouros.260
Ainda assim, Carvalho enviou suas propostas ao Governo Imperial, auxiliado pelo
chefe da Alfândega, e publicou editais redefinido as praias que receberiam embarcações
para fabricação e manutenção e aquelas que eram de atracação de embarcações miúdas
para passageiros e mercadorias diversas. O trabalho era em conjunto e com o objetivo
final de resguardar as rendas do Estado, que tinham na Alfândega o mais importante
centro de arrecadação do orçamento do Império.
Os ancoradouros foram contemplados com uma parte extensa do Regulamento e
tinham regras muito específicas que deveriam ser seguidas pelos capitães dos portos e
seus empregados, principalmente aqueles encarregados das diligências. Uma vez
estabelecidos os lugares dos ancoradouros dos navios de longo curso e de cabotagem
nacionais e estrangeiros, bem como dos de guerra, as regras sobre ancoragem, posição
das velas e mastros dependendo do local de ancoradouro, ou do tipo de amarração a ser
feita, foram ordenamentos que deveriam ser realizados da mesma maneira em todos os
portos. O artigo 26 era rico em detalhes sobre a circulação entre os ancoradouros de carga
e descarga e o de franquia, especificando a posição das vergas e das velas dos navios.
Art. 26 - Todo o Navio mercante nacional ou estrangeiro, que estiver
nos ancoradouros de carga ou descarga, deverá ter os paus de bujarrona e giba dentro; e nos Portos em que pela sua pequena capacidade estiver
por isso amarrado a quatro cabos, terá além disso a retranca dentro, e
as vergas desamantilhadas; e só em véspera de saída para o ancoradouro de franquia, a fim de envergar pano, poderá amantilhar
vergas e deitar fora os paus, menos o da giba, que só o porá no
ancoradouro de franquia. O contraventor será multado em quatro mil
réis por cada vez, e perderá o direito à indenização no caso de lhe serem
partidos por abalroamento.261
O artigo encadeia uma série de termos técnicos relacionados às palamentas dos
navios e é um exemplo do detalhamento que deveria alcançar a regularização do
funcionamento dos portos. Em outras palavras, os navios, quando estivessem nos
ancoradouros de carga ou de descarga, deveriam ter as velas de proa e de popa abaixadas.
Quando da passagem desses ancoradouros para o de franquia, as vergas poderiam ser
endireitadas, bem como os paus necessários, menos a primeira vela, que só seria levantada
260 BRASIL. CLI, Decreto A de 22 de junho de 1836. Mandando Observar nas Alfândegas do Império o
Regulamento anexo, Capítulo VII, Artigo 122, §1° ao §4º. 261 Grifo nosso. BRASIL. CLI, Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Capítulo III, Artigo 26, Título II.
Op. Cit.
114
quando chegasse naquele ancoradouro. Assim, mesmo a boa distância, era possível
identificar em qual parte da região portuária o navio deveria estar. O Regulamento foi
elaborado para equalizar as regras portuárias ao máximo de detalhes possível e em nível
nacional e é importante repetir que as capitanias dos portos eram as autoridades
encarregadas de observar os contraventores e tornar todo esse conjunto de regras uma
realidade aplicável nas bordas do Império, através da mesma forma e do mesmo conteúdo.
Nesse mesmo capítulo, ficava registrado que somente os escaleres da Alfândega,
da Capitania do Porto e do Registro poderiam trafegar nos ancoradouros após o tiro de
recolher.262 A partir do anoitecer, não era permitida a circulação de marinheiros nacionais
e estrangeiros em terra. Isso servia para as embarcações particulares e a frete. O trabalho
de ronda pelo litoral deveria estar restrito somente às repartições do Governo Imperial.
No caso do Porto da Corte, deve-se acrescentar entre elas a Inspeção da Saúde, a cargo
do Ministério do Império, que executava os seus serviços durante o dia. Mais uma vez, o
Regulamento exprimia a ambiguidade de indicar o trabalho que deveria ser executado por
entidades diferentes e, simultaneamente, a sobreposição de jurisdições entre elas.
Ao mesmo tempo em que estava prevista a interação entre as repartições
ministeriais presentes no litoral, estabelecia também que os particulares deveriam
contribuir para a segurança do porto. No caso dos socorros de incêndio e de perigo naval,
era preciso que todos, sem exceção, estivessem alertas. Em uma “floresta” de velas e de
vergas, o risco de incêndio era constante.
Art. 45 - Toda a vez que se incendiar qualquer embarcação de guerra, ou mercante, as que estiverem próximas da incendiada tratarão logo de
se afastar dela; e as que estiverem em posição favorável, deixando a
bordo a gente necessária para guarda e segurança das mesmas, prestarão
logo todo o auxílio, que lhes for possível. Os Capitães ou Mestres, apenas observarem o sinal de incêndio, ou ouvirem no mar, estando em
terra, recolher-se-ão imediatamente a seus bordos, onde permanecerão
até reconhecer-se ter cessado o incêndio.263
O Capitão do Porto, junto com os seus empregados, deveria afastar a embarcação
incendiada para um local que não prejudicasse os navios ao redor e, no caso de não
conseguir, afundá-la. Ao mesmo tempo, os práticos e os capatazes do porto deveriam
estar presentes com suas embarcações prontas, caso contrário havia previsão de multa e
prisão, além de convocar os indivíduos que julgassem necessários para o trabalho de
262 Ibidem, Capítulo II, Artigo 37. Op. Cit. 263 Ibidem, Capítulo V, Artigo 45.
115
auxílio aos incêndios. O Regulamento previa que o pagamento aos voluntários deveria
ser feito pelo dono do navio incendiado, “[...] assim como os alugueis de ancoras,
ancorotes, e viradores, que se lhe prestarem”.264 No caso daqueles voluntários ou
convocados pelos capatazes, o pagamento seria efetuado pela Capitania do Porto, no valor
da diária de um servente.265 Em diferentes ofícios, o Capitão do Porto relatou os
procedimentos nos casos de incêndios em terra, sempre indicando a convocação de
pessoal para coadjuvar nos socorros.266
Em incêndios no mar, os socorros eram empreendidos com o aparto disponível da
Marinha, auxiliado pelas embarcações e navios mercantes disponíveis para convocação
do socorro. Em 14 de outubro de 1859, a escuna dinamarquesa Thomas Lourence, que
tinha entrado havia três dias no porto com carregamento de carvão, e estava ancorada no
trapiche de Moss, na Praça da Harmonia, quando foi alardeado que havia fogo no
carregamento. A operação para retirada do navio necessitou do esforço em várias frentes.
O Capitão do Porto, Antonio Felix Corrêa de Mello, relatou que, além do aparato de
socorro da repartição – os escaleres das diligências; a barca de socorro; o escaler do
patrão-mor e os capatazes do porto –, foi necessária a ajuda do inspetor do Arsenal, do
comandante do transporte Tapajós, com o piloto e várias praças, além dos escaleres dos
navios desarmados, da corveta D. Isabel e do vapor Viamão, ambos pertencentes à
Armada. A escuna incendiada foi levada para o Saco do Alferes, uma região do porto
menos movimentada e, portanto, sem risco de comprometer outros navios. Às 6h30, o
Capitão do Porto tinha saído em diligência. Às 10h30 o fogo já havia sido controlado, a
escuna levada para um local afastado e, assim, a segurança do porto e dos demais navios
estava garantida.267
Em 1869, a galera inglesa Leon Creopo, vinda de Cardiff, também apresentou
fogo no carregamento de carvão. De acordo com Corrêa de Mello, um entendimento com
o cônsul inglês dispensou a necessidade de socorro da repartição, pois a embarcação
contava com bombas d’água e com as guarnições dos navios de guerra ingleses fundeados
no porto e, portanto, estava preparada para acudir ao princípio de incêndio. No entanto,
no dia seguinte, o capitão foi informado pelo próprio cônsul que era preciso transferir a
galera para um ponto seguro, no que foi indicado o Largo da Chichorra, onde se
264 Ibidem, Capítulo V, Artigo 49. 265 Ibidem, Título IV, Capítulo IV, Artigo 81. 266 AN – SM, XM-238, 239, 240, 243. 267 AN – SM, XM-239. Ofício 138 de 14 de outubro de 1859.
116
encontrava afundada a fragata Príncipe Imperial. Para lá foi enviado o ajudante interino
da repartição, José Severo Moreira Rios.268
Por volta das 16h, Rios seguiu para o local no escaler do Arsenal de Marinha,
armado com uma bomba d’água, a lancha do socorro naval, com o mestre dela e mais
doze praças. Com o acréscimo das bombas inglesas, chegaram, em seguida, mais duas
bombas do corpo de bombeiros trazidas pelo diretor geral do corpo na lancha particular
de Antonio de Miranda Evora que, segundo relato do ajudante, não eram mais necessárias.
Às 20h30 o incêndio havia sido debelado.269
Mesmo que não houvesse um aparato estrutural de porte que permitisse à
Capitania, sozinha, empreender os esforços de solução dos socorros de incêndio ou de
perigo naval, isso era menos um problema e mais uma característica. Ao Capitão supunha-
se a capacidade de arregimentar os trabalhos conjuntos que deveriam ser levados adiante
para que a segurança do porto fosse garantida. Seja, como nos exemplos, a partir de
agentes públicos, ou mesmo com o apoio de particulares ou de outras repartições de
socorro como o corpo de bombeiros.
Contar com indivíduos para tais questões foi um dos pontos mais importantes do
Regulamento de 1846, que dizia respeito à matrícula dos indivíduos da vida do mar. A
Marinha, como Força Militar, a cada dia era mais demandada no litoral do Império e
contou com as Capitanias dos Portos como mais um instrumento para a formação de
reserva de contingente. O capítulo I e II do Título V são pequenos, mas diretos nos seus
objetivos de conseguir fazer o registro de todos os trabalhadores marítimos presentes nos
portos assim como os que por ele circulavam. O artigo 64 determinava:
Os indivíduos nacionais empregados na vida do mar, tanto no tráfico do
Porto, e pequenos rios, como na navegação dos grandes rios e lagoas,
na pequena e grande cabotagem, nas viagens de longo curso, e na pesca, serão matriculados na Capitania do Porto, e na forma deste
Regulamento.270
Como será analisado no tópico seguinte com os relatórios ministeriais, a formação
de um contingente de reserva para a Armada foi um dos pontos mais destacados por
alguns ministros como sendo a grande promessa da repartição. Ao se efetuar o
levantamento dos homens que tinham experiência na vida do mar, esperava-se possibilitar
268 AN – SM, XM-240. Ofício 95 de 26 de outubro de 1869. 269 Ibidem. Ofício sem número de 26 de outubro de 1869, enviado pelo Ajudante do Capitão do Porto. 270 BRASIL. CLI, Decreto n° 447 de 19 de maio de 1846, Título V, Capítulo II, Artigo 64. Op. Cit.
117
à Marinha a composição de seu quadro de marinheiros com indivíduos experientes e que,
principalmente, estivessem habituados com a dureza do trabalho marítimo. Essa era a
expetativa. A realidade foi bem diferente, conforme será analisado no próximo capítulo.
Logo nos primeiros anos, o cúter271 Guarany foi enviado para Angra dos Reis pelo
então Capitão do Porto e Chefe do Arsenal, Antonio Pedro de Carvalho, em 28 de agosto
de 1849, a fim de iniciar o arrolamento tanto dos trabalhadores marítimos quanto das
embarcações em circulação ao sul da província do Rio de Janeiro. Nas instruções
encaminhadas ao capitão da embarcação e encarregado do serviço, Antonio Affonso
Lima, Carvalho determinava que se procedesse ao levantamento das embarcações do
tráfego dos portos e rio navegáveis, dos seus trabalhadores e proprietários, além dos
pescadores e dos seus barcos.272
O capitão do cúter deveria, além disso, marcar as estações do tráfego do porto do
sul e do oeste da província e os distritos dos pescadores, associando no arrolamento o
local específico das estações aos trabalhadores e às suas embarcações. Também deveria
definir os ancoradouros do sul até a barra da Corte, fazendo os exames relacionados ao
bom funcionamento da navegação da região e, principalmente, a fiscalização das rendas
públicas, exercendo a autoridade necessária que lhe era investida naquele momento pelo
Capitão do Porto.273
Outro ponto das instruções determinadas pelo Capitão do Porto da Corte foi a
avaliação de cooperação com relação à segurança da região de Angra, caso solicitada
pelas autoridades locais.
7º. Se as autoridades locais da cidade de Angra dos Reis lhe
requisitarem auxílio de praça de sua guarnição, a isso se prestará havendo-se no emprego da força com toda a prudência e discernimento
que convém desenvolver em casos tais.274
No tocante a esse ponto, no seu primeiro relatório semanal, como havia sido
determinado nas instruções, o primeiro-tenente Lima afirmava que, assim que chegou ao
porto da cidade, em 31 de agosto, o delegado havia solicitado que se mantivesse ancorado
lá até, pelo menos, o dia oito de setembro, pois “[...] o sossego público estava ameaçado”.
271 Navio popular no século XVIII, muito usado para patrulha e para transmissão de ordens. Tinha o casco
largo e profundo, com verga longa e vela redonda. LANDSTRÖM, Björn. O Navio: um estudo da história
do navio desde a primitiva jangada ao submarino nuclear. Lisboa: Publicações Europa-América, 1961, p.
174-175. 272 AN – SM, XM-238. Ofício 81 de 14 de 2 de agosto de 1859 e instruções em anexo. 273 Ibidem. 274 Ibidem.
118
Ainda que tentasse iniciar o arrolamento que deveria fazer, nesta semana não conseguiu
pois, novamente, no dia seguinte, o delegado da cidade solicitou que as praças da
comissão fossem enviadas em uma diligência. Ainda que Capitão do cúter não tenha
esclarecido que tipo de diligência foi efetuada, deixou registrado que, naquela semana,
não conseguiu iniciar o serviço a que estava encarregado.275
Alguns anos mais tarde, no relatório de 1853, Joaquim Marques Lisboa afirmava
que essa tarefa não chegou a ser concluída, exatamente pela constante requisição do cúter
e de suas praças em diferentes pontos do litoral daquela região, pelas autoridades locais.
Acrescentava que era urgente o envio de outro navio da Armada, de preferência um vapor,
para a segurança daquela área e para o auxílio daquele levantamento não completado
pelas seguidas interrupções das comissões enviadas posteriormente.276
Com relação à matrícula dos indivíduos da vida do mar, o capítulo salientava o
termo “todos”, que indicava que não só os pescadores, remadores e barqueiros deveriam
ser matriculados junto às Capitanias dos Portos. De acordo com o artigo 65 do
Regulamento de 1846, “Da mesma forma se matricularão os Calafates e Carpinteiros de
embarcações, compreendidos no número, que para cada Porto designar o Capitão”277. O
artigo era simples e direto. Como aqueles estabelecidos do artigo 64, também estes
deveriam estar sujeitos ao cadastramento empreendido pela repartição. Ainda assim, esse
também não foi um esforço que sofreu pouca resistência. A própria definição de
“indivíduos da vida do mar” foi contestada.
No mês de dezembro de 1854, Lisboa, Capitão do Porto da Corte, se manifestava
sobre duas representações sobre esse assunto. A primeira foi dos proprietários e diretores
dos estaleiros de construção naval da Corte e a segunda do presidente da província de
Santa Catarina. Em ambas, os responsáveis contestavam a sua decisão de fazer valer o
Regulamento de 1846 e determinar por edital a matrícula dos calafates e dos carpinteiros,
bem como as vistorias previstas no artigo 69 que, em caso de não serem realizadas, previa
a prisão e o pagamento de multa pelos refratários. Argumentavam que estes trabalhadores
não se encaixavam na definição de “indivíduos da vida do mar”278.
275 Ibidem. Não foram encontrados outros relatórios do primeiro-tenente Lima. 276 Ibidem. Relatório da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 1853. 277 BRASIL. Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Título IV, Capítulo II, Artigo 65. Op. Cit. 278 AN – SM, XM-238. Ofício nº 21, de 22 de dezembro de 1854 e Ofício nº 36, governo da Província de
Santa Catarina, de 11 de outubro de 1854.
119
Em resposta ao presidente de Santa Catarina, Lisboa defendeu que os calafates e
os carpinteiros não podiam ser excluídos de tal classificação, “[...] visto que, embora
exerçam a sua profissão grande parte do tempo em terra, também o exercem embarcados
como tais, quer nos navios de guerra, quer nos mercantes”. Acrescentava, além disso, que
se a expressão “indivíduos da vida do mar” fosse interpretada literalmente, também
estariam isentos os pescadores, que mesmo sendo obrigados a se matricularem, só
serviriam à Marinha de Guerra no caso previsto no artigo 68, a convocação em
circunstâncias em que nela for necessário o recrutamento. Em nota marginal ao ofício do
Capitão do Porto, o Oficial Maior do Quartel General defendia que a expressão sob
questionamento servia para incluir todas as classes de ofícios que contribuíam para a
“indústria marítima”, como pescadores, marinheiros, remadores, barqueiros e, também,
calafates e carpinteiros. Assim, conformava-se com o parecer o Capitão do Porto da Corte
e mandava aos presidentes das outras províncias para ciência.279
No seu ofício em resposta à representação dos proprietários e diretores dos
estaleiros de construção naval da Corte, Lisboa utilizou de um texto mais explicativo e
fez questão de esclarecer a sua decisão em realizar, mais assertivamente, o que
determinava o Regulamento de 1846. Tanto pelo fato dos suplicantes terem enviado as
suas queixas diretamente ao Imperador, quanto por compreender que fora, em grande
parte, um movimento de resposta ao seu edital e circular que publicara em novembro, no
qual o capitão ordenou que fosse apresentada a lotação dos trabalhadores necessários aos
estaleiros e que, a partir de então, não fossem admitidos calafates ou carpinteiros que não
estivessem devidamente matriculados na repartição.280
Primeiramente, esclarecia que apenas seguia o que estava disposto no
Regulamento, que a matrícula desses trabalhadores e a determinação do número deles por
estaleiros era o entendimento que vinha sendo seguido pelos seus antecessores, pelos
presidentes de província e estava prescrito no aviso de 11 de dezembro de 1846 que “[...]
deu providências para esta medida fosse levada a efeito com a coadjuvação das
autoridades policiais”.281
O edital previa ainda que os próprios donos e diretores dos estaleiros enviassem
as propostas com o número necessário de trabalhadores para os seus estabelecimentos,
279 Ibidem. Ofício nº 10, de 02 de dezembro de 1854. 280 Ibidem. Ofício nº 21, de 22 de dezembro de 1854. 281 Ibidem.
120
dentro do prazo de 15 dias. Todavia, Lisboa afirmava que se fosse o caso de aumentar o
número deles, isso seria autorizado. Segundo ele, dos 11 signatários da representação,
seis apresentaram a proposta. Cinco proprietários de estaleiros não assinaram e, também,
não as enviaram, o que indicaria uma falta de consenso entre os suplicantes.
Nesse ofício, o Capitão lançou mão de um argumento mais direto: se os
carpinteiros e os calafates dos estaleiros não fazem parte da “profissão da vida do mar”,
os pescadores dos rios, os catraieiros, os barqueiros dos botes de quitanda que têm suas
roças no litoral tampouco o seriam e, portanto, também não deveriam ser matriculados,
pois seus domicílios são em terra, como dos estaleiros. Como estes, aqueles tinham todo
o exercício da sua profissão sobre o mar, na fabricação e manutenção de navios e
embarcações diversas. Por fim, Joaquim Marques Lisboa fez a defesa do exercício e da
responsabilidade que pesava sobre o seu cargo.
Se, pois, o Regulamento citado constitui o Capitão do Porto como a
autoridade que exerce inspeção sobre a gente e estabelecimentos do mar; se é ele quem marca o número de calafates e carpinteiros
necessários aos fabricos, para eles concede licença e ordena as vistorias;
se estes operários devem ser matriculados; se, mesmo a vista de disposições legislativas não revogadas, antes ainda admitidas em
Nações cultas, não pode trabalhar fora do Arsenal sem licença ou
bilhete, esta qualidade de operários; claro está que obrei em regra e não arbítrio, erro, capricho ou particularidade, fazendo publicar e
sustentando as medidas contra as quais se representa.282
No ano seguinte, através do Decreto nº 1.582, de 2 de abril de 1855, foi
determinado que todos os calafates e carpinteiros que efetivamente exercessem a
profissão fossem matriculados nas capitanias dos portos. O decreto tinha três parágrafos
e, conforme o entendimento do Capitão do Porto da Corte, determinava que os
trabalhadores dessa categoria estavam igualados aos outros sujeitos à matrícula, como
estipulado no Regulamento de 1846. Os donos dos estaleiros não poderiam, como
defendido por Lisboa, empregar nenhum trabalhador que não tivesse licença da Capitania
do Porto. Com esse decreto, o artigo 65 foi substituído.283
O Regulamento de 1846 já deixava claro em suas disposições a autoridade do
Capitão do Porto para exercer o que fosse preciso para o bom funcionamento dos portos
do Império. No entanto, a percepção da autoridade pelos outros agentes presentes nos
282 Ibidem. 283 BRASIL. CLI, Decreto nº 1.582 de 2 de abril de 1855. Manda que sejam matriculados nas Capitanias
dos Portos todos os Calafates e Carpinteiros de embarcações, que efetivamente exercerem essas profissões.
121
portos não se deu de maneira automática e consensual. Ela foi sendo construída ao longo
do período analisado a partir da relação com trabalhadores, negociantes, comerciantes,
presidentes de província, vereanças etc. A figura do Capitão do Porto representava a
intervenção específica e direta do Governo Imperial no setor de navegação. No caso da
Corte, específica, pois congregava em si a responsabilidade de manter seguro, limpo e em
pleno funcionamento o ponto central de circulação de mercadorias e de arrecadação das
rendas. Direta, pois estava subordinado ao Ministro da Marinha e sob suas ordens agia e
a ele respondia, concentrando na sua repartição as informações das outras capitanias.
2.3. PARA O BEM SER DA MARINHA: AS CAPITANIAS DOS PORTOS NOS
RELATÓRIOS MINISTERIAIS E DOS SEUS CAPITÃES.
Em 1845, Holanda Cavalcanti registrou a decisão governamental de criar as
capitanias argumentando, exatamente, a necessidade de se evitarem conflitos
jurisdicionais na administração das regiões portuárias do Império.
A necessidade de fundar e estabelecer as Capitanias dos Portos foi
reconhecida pela lei de 14 de agosto de 1845, que autorizou o Governo
a organizá-las nas Províncias marítimas do Império. O Governo se empenha em bem corresponder a confiança do Corpo Legislativo; eu,
as Sessões de Fazenda e de Marinha e Guerra do Conselho d’Estado,
conseguiu já a prontificação de um trabalho, no qual se fixou com clareza os deveres, e funções das Capitanias; se estabelece regras para
o bom desempenho dos mesmos, prevenindo cautelosamente conflitos,
ou encontros de atribuições com Autoridades Judiciárias ou Administrativas, e determinando a forma do processo, e os casos em
que deve ser restaurado pelas mesmas capitanias.284
No ano seguinte, 1846, o Ministro anunciou a promulgação do Regulamento das
Capitanias e demonstrou confiança em seu relatório, ao afirmar que a execução do
conjunto de normas para os portos já vinha produzindo efeitos positivos para a polícia
dos portos e para a Marinha Imperial. Destacou, no entanto, duas questões que já se
mostravam problemáticas e que se arrastariam por todo o período em tela: a matrícula dos
trabalhadores da navegação interna e os conflitos com as autoridades locais.
Quanto à primeira questão, Holanda Cavalcanti afirmou que a matrícula no Pará
era um bom exemplo da necessidade de criação de delegacias para o controle dos pontos
284 BRASIL. Relatório do ano de 1845 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão 6ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1846, p. 3-4.
122
mais distantes das capitais onde existiam repartições. Devido à longa extensão da
navegação na região, muitas embarcações não se dirigiam à capital e assim não era
possível realizar a matrícula de todas elas. Afirmou, também, que havia uma diferença
grande entre o número de barcos e o número de tripulações, mas que isso ocorreria menos
pelas matrículas em si. A desproporção era “[...] em parte, proveniente de se empregarem
neste serviço grande número de mulheres, que inútil seria alistar”.285 No caso do Rio de
Janeiro, já se apontava também a necessidade de uma delegacia em Campos.
O Ministro fez questão de enfatizar a necessidade de melhoria das matrículas, pois
este serviço tinha capacidade de enriquecer o alistamento de indivíduos para a Armada
Imperial e, dessa forma, faria com que o recrutamento forçado estivesse com seus dias
contados – principalmente pela sua característica violenta de arregimentar os recrutas.286
A exclusão dos estrangeiros que trabalhavam no setor de navegação para o recrutamento
era um ponto decisivo para aumentar a qualidade e a quantidade do contingente da
Armada, e um dos meios para isso era a aprovação da proposta que ele apresentava
naquela sessão.287 Quanto aos arrolamentos que as capitanias estavam obrigadas a fazer
dos trabalhadores marítimos, afirmava que
Se esse arrolamento não compreender todos os indivíduos livres, que acham empregos nas Embarcações Nacionais, não poderá por
insignificante, prestar utilidade; e menos ainda, se, sem embargo dele,
continuarem a ser respeitados os pretendidos direitos dos Estrangeiros,
que com total prejuízo dos naturais intentam explorar e desfrutar o
País.288
Com relação aos conflitos de autoridade, o Ministro defendia que eram “tropeços”
que com o tempo viriam a ser solucionados e removidos. Alguns artigos do regulamento
vinham sendo mal interpretados e levantavam dúvidas sobre sua execução, devida a
própria novidade que a repartição representava no setor de navegação do Império. Como
ele próprio diferenciava, “tais embaraços, contudo, mais se tem feito sentir nas Províncias
285 O trabalho na navegação é considerado um serviço marcadamente masculino. Essa é a única referência
ao emprego de mão de obra feminina que foi encontrada ao longo da pesquisa. BRASIL. Relatório do ano de 1846 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 4ª sessão 6ª legislatura. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1847, p. 7. 286 Ibidem, p. 8. 287 No primeiro artigo da proposta, determinava-se que “Os indivíduos empregados no alto-mar, costas e
rios, em embarcações nacionais, serão reputados brasileiros para o serviço da marinha de guerra e
mercante”. No artigo 8º, “O serviço da Armada Imperial será feito pelo corpo de imperais marinheiros, e,
sendo necessário, por destacamentos, tirados por escala, das classes alistadas nas capitanias dos portos,
conforme o disposto no art. 2º do Decreto de 14 de agosto de 1845, cessando, nos lugares em que houverem
capitanias dos portos, o recrutamento forçado para a Armada.” Ibidem, p. 59-60. 288 Ibidem, p. 22.
123
do que na Corte, em que a ação do Governo é mais pronta, para tomar conhecimento dos
fatos, explicar e remover as dúvidas que por ventura se suscitam”.289
A primeira análise mais detida dos anos iniciais das capitanias dos portos ficou a
cargo de Manuel Vieira Tosta (Marquês de Muritiba), Ministro da Marinha, em 1848290.
Em seu relatório enviado à primeira sessão da oitava legislatura da Assembleia Geral
Legislativa, afirmava que os desafios a serem enfrentados não eram poucos e a repartição
lutava contra “[...] preconceitos e, contra interesses, que lhe vão empecendo a marcha
ainda tão mal segura”291. Para ele, o método de matrícula das tripulações das embarcações
do tráfego interno e mercante e dos navios de cabotagem e de longo curso era deficitário
e deixou claras as disputas que já se colocavam entre a repartição da Marinha e as
instituições camarárias da Corte e das províncias.
Os imensos trabalhos, que pesam sobre o Inspetor do Arsenal de Marinha da Corte, não permitem que ele exerça simultaneamente o
cargo de Capitão do Porto, que por si só pode de sobejo ocupar a
atenção e o tempo de qualquer bom empregado. Da acumulação atual resulta que apenas se conhece a existência da polícia do Porto do Rio
de Janeiro. A separação deste cargo do Inspetor produzirá algum
aumento de despesa, o que de nenhum modo deve impedir a adoção da
medida, que terei de apresentar-vos. Resta observar que a ingerência, que as Câmaras Municipais têm na polícia das praias, embaraça até
certo ponto a execução de alguns artigos do Regulamento em vigor.292
Tosta se referia, nesse caso, à situação vivida no Rio de Janeiro, como deixa claro.
Logo nos primeiros anos de atuação no porto da Corte, ficou evidente que os poderes
locais não abririam mão da sua influência sobre o cotidiano da cidade e não aceitariam a
interferência do Governo Imperial nas suas redes de poder e de sociabilidade construídas
e mantidas historicamente.
289 Ibidem. 290 No ano anterior, o Ministro Manoel Felizardo de Sousa Mello apenas registou o funcionamento das
repartições e a importância do levantamento dos trabalhadores marítimos: “As Capitanias dos Portos, tanto
da Corte, como das Províncias do Rio Grande do Sul, Santa Catharina, Bahia, Pernambuco, Maranhão, e Pará, acham-se montadas regularmente, e continuam a patentear os benefícios, que uma tal instituição se
esperava a bem da polícia dos portos, e da Marinha Nacional. Para que o arrolamento da navegação interior
se possa fazer completo, tem o Governo anuído a algumas reclamações tios diversos Capitães dos Portos,
nomeando Oficiais que sirvo como seus delegados nos pontos mais distantes das Capitães, a fim de se
incumbirem desses e outros trabalhos próprios das Capitanias.” BRASIL. Relatório do ano de 1847
apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 7ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1848, p. 9-10. 291 BRASIL. Relatório do ano de 1848 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 4ª sessão da 8ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1849, p. 17. 292 Ibidem, p. 18.
124
Em seu relatório de 1850, o mesmo Ministro defendeu, novamente, a importância
das capitanias para criar um contingente de reserva para a Armada Imperial. Os
alistamentos serviriam para formar rapidamente contingentes em caso de guerra para a
defesa da costa do Império.293 De acordo com o Ministro, as capitanias “[...] não servem
mais do que para a polícia dos portos [...]”294. A função de recrutamento para a Armada
não estava especificada no Regulamento até 1855. As matrículas dos indivíduos da vida
do mar e dos pescadores passava, antes, pelo policiamento dos portos. No entanto, pelo
menos para Tosta, a necessidade de aumentar o contingente de marinheiros recrutados
era um dos grandes resultados que se poderia obter das capitanias dos portos.
Ainda no mesmo relatório, Tosta voltou a destacar a necessidade de separar os
cargos de Inspetor do Arsenal e de Capitão do Porto, que ainda não havia sido feito pelas
restrições orçamentárias do Ministério. Chamou a atenção, novamente, para o conflito de
jurisdições entre as capitanias e as diversas autoridades que cruzavam suas atribuições
com as delas.
Faz-se por isso necessário definir as raias de competência de cada uma,
para se não darem conflitos desagradáveis, que põe em dúvida os
direitos dos particulares. Assim é que muitas vezes aquilo, que foi negado pela Capitania do Porto, concede-o a Câmara Municipal, e vice-
versa.295
Os primeiros cinco anos de atuação do Capitão do Porto da Corte foi de
enfretamento político intenso com a Municipalidade no que concerne ao aforamento dos
terrenos de marinhas. A construção de pontes de atracação, os depósitos de madeiras e
embarcações nas praias, a limpezas delas e o despejo de lixo em áreas de atracação
ocorriam dentro dos limites dos aforamentos, que por sua vez eram uma importante fonte
de renda da Câmara Municipal da Corte. Controlar os aforamentos significava também
decidir quem tinha poder sobre o controle das praias da cidade, dos seus trabalhadores e
dos negócios que se realizavam a partir delas.
Nesse sentido, Joaquim José Ignacio, o primeiro Capitão do Porto da Corte, no
relatório de 1851, afirmava que o uso dos terrenos de marinhas por particulares era uma
293 Destaca-se de sua biografia que Tosta fora presidente de quatro províncias marítimas, Sergipe,
Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina e viria a ser Ministro da Guerra nos anos finais da Guerra
do Paraguai. SISSON, S. A. Galeria dos Brasileiros Ilustres. Volume II. Brasília: Senado Federal, 1999.
Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/1027. Acessado em: 03 nov. 2018, p. 243-248. 294 BRASIL. Relatório do ano de 1850 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 8ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1851, p. 19. 295 Ibidem.
125
importante questão a ser observada. No que constava à sua função, vinha buscando
estabelecer um padrão nas construções e concedendo cada vez menos licenças para as
obras nas praias. Para as que vinham sendo emitidas, realizava os devidos exames ou
mandava realizar pelo seu ajudante, reduzindo os aterramentos que pululavam pelo litoral
da cidade. Ignacio afirmava que exercia a sua função, inclusive, desagradando a Câmara,
desde os primeiros anos.
[...] não tenho receado em incorrer no desagrado de alguns potentados,
e talvez mesmo no da Ilma. Câmara Municipal, forçando aqueles no
cumprimento de seus deveres e não me curvando às invasões de autoridade, que esta parece querer exercer sobre as minhas
atribuições.296
Mesmo dividindo o exercício de Capitão do Porto com o do Chefe do Arsenal,
Ignacio fazia questão de deixar claro que exercia as funções que a ele eram determinadas
pelo Regulamento. Conforme dispunha o parágrafo segundo do primeiro artigo do decreto
que autorizou a criação das Capitanias dos Portos, o cargo de Capitão do Porto da Corte
deveria ser exercido pelo chefe do Arsenal de Marinha nas províncias que contassem com
um. Entretanto, a despeito do Marquês de Muritiba detectar e propor a separação dos
cargos em 1849, isso só ocorreu três anos depois da primeira indicação, através do
Decreto n° 800, de 30 de junho de 1851, registrado em seu relatório daquele ano.297
Em outra parte do relatório, ao se reportar ao Regulamento de 1846 e às suas
propostas de revisão, o Capitão do Porto voltou a destacar a necessidade de se estabelecer
mais claramente a divisão de atribuições com a Câmara Municipal, além de solicitar mais
empregados para repartição. Entretanto, tão importante quanto apontar os pontos
deficientes da Capitania, foi o fato de realizar todo o apanhado dos pontos que vinham
sendo executados regularmente. Ao fazer comentários sobre todos os títulos e capítulos
do Regulamento, Ignacio declarava que o arrolamento das embarcações nacionais e
estrangeiras, do tráfego do porto e das suas tripulações e dos pescadores estavam em
“regular andamento”. Mesmo reclamando da falta de empregados suficientes e até do
ordenado do seu secretário, deixava registrado que o trabalho de levantamento das
embarcações e dos trabalhadores seguia como o estipulado. No entanto, nem no relatório
296 AN – SM, XM-238. Relatório da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, 14 de março
de 1851. 297 BRASIL. Relatório do ano de 1851 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 4ª sessão da 8ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1852, p. 15.
126
ministerial desse ano (1851), nem nos seguintes, a apuração do trabalho realizado pela
repartição foi repercutida nas Assembleias.
Em 1853, em seu primeiro ano à frente da repartição, Joaquim Marques Lisboa,
futuro Marques de Tamandaré, deu continuidade às reclamações e às propostas de
reorganização da estrutura administrativa da Capitania do Porto da Corte, já,
relembrando, com a realidade do Código Comercial em execução. O Capitão solicitava
mais ajudantes, mais embarcações, atribuições mais específicas diante de tantas funções
e tantos imbróglios que precisavam da sua solução. Por fim, afirmava que “impossível é,
portanto, a este oficial, por mais ativo que possa ser, satisfazer a todas as necessidades e
emergências, próprias do serviço que lhe está afeto, por não possuir o privilégio da
ubiquidade”.298
No entanto, como o seu antecessor, também registrou o trabalho que vinha
executando. No que tange aos terrenos de marinhas e às obras executadas nas praias,
declarava que tomava o cuidado de somente conceder licenças aos proprietários cujo
terrenos já se encontravam alinhados com outros, procurando limitar os espaços e a
distâncias dos aterramentos e das pontes mar adentro, de modo a não prejudicar o trânsito
de embarcações pelos ancoradouros das praias e desconfigurar o alinhamento já
existente.299
O socorro naval foi um ponto fundamental do cotidiano da Capitania do Porto da
Corte e Joaquim Marques Lisboa foi o primeiro a lançar a ideia de que a aquisição de
uma barca a vapor seria fundamental para as atividades de ajuda às embarcações em
perigo dentro e fora da barra. Ao sugerir a ideia, Lisboa ilustrou a rotina das embarcações
disponíveis para o serviço. Naquele ano havia duas, uma escuna, chamada Victória, que
ficava ancorada entre as fortalezas de Villegaignon e Santa Cruz. Esta escuna tinha uma
lancha, mas não era usada pois era considerada pesada, lenta e não tinha guarnição. A
outra ficava próximo à Fortaleza da Lage, era um escaler com dezesseis remadores, “[...]
demorando-se por aquelas paragens enquanto na barra há navios a entrar e a sair. Não se
restringem os socorros deste escaler somente aos navios em perigo dentro da barra; muitas
vezes os sai a ministrar fora dela [...]”.300
298 AN – SM, Fundo XM-238. Relatório da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, 5
de abril de 1853. 299 Ibidem. 300 Ibidem.
127
A barca a vapor, como afirmado anteriormente, estava na pauta dos interesses da
política Imperial para a readequação dos navios da Marinha e permeava o imaginário do
oficialato. Essa ideia foi repercutida por José Maria da Silva Paranhos, então Ministro da
Marinha, no seu relatório apresentado à segunda sessão da nona legislatura da Assembleia
Geral Legislativa em 1853. A partir desse ano, em todos os relatórios dos capitães do
porto da Corte e nos ministeriais, a aquisição da barca a vapor foi anunciada como a
solução, não somente para realizar os socorros navais, que eram realizados assim mesmo
por meio do aluguel de rebocadores disponíveis no porto, mas como um objeto adequado
à atualização à noção de tempo que mudava radicalmente com a nova tecnologia.
Em seu relatório, Paranhos repercutiu todas as queixas de Lisboa, a questão
salarial do secretário, que, como vimos, vinha sendo reclamada há mais tempo, o número
dos empregados da repartição e o número das embarcações disponíveis para o socorro
naval, além da arregimentação das tripulações necessárias.
As capitanias dos primeiros portos do Império devem possuir, além das
embarcações miúdas, pelo menos um Vapor, para poderem visitar com frequência os distritos marítimos de sua jurisdição; e, além de um
Vapor, máquinas especiais para os socorros navais, cujo serviço, tão útil
à Marinha de Guerra e à mercante nacional e estrangeira, não deve ser
de todo abandonado à indústria particular.301
Importante observar que ao contrário do que afirma o Capitão do Porto da Corte,
o Ministro registra em seu relatório que as sobreposições de jurisdição entre as Câmaras
Municipais e as Capitanias dos Portos são um problema que precisa de solução a fim de
evitar os conflitos que vinham acontecendo, mas que na Corte haveria entendimentos
entre as duas instituições. No relatório de Lisboa, como nos seguintes, o embate com a
Municipalidade foi uma queixa constante.
No ano seguinte, 1854, Paranhos retomou os mesmos argumentos em um texto
mais longo e complexo. Questionou a capacidade do Capitão do Porto da Corte de
conseguir policiar toda a extensão marítima da província, de Campos a Paraty. Da mesma
forma, inseriu um comparativo mostrando que as outras províncias também tinham
extensos litorais e apenas poucos empregados para fazerem os serviços determinados,
apesar disso, ressaltou que a “qualidade” desses mesmos empregados precisava ser
melhorada. Voltava a levantar suspeitas sobre a relação do secretário com os seus
301 BRASIL. Relatório do ano de 1853 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 2ª sessão 9ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1854, p. 24.
128
subordinados, reafirmando que eles estavam à mercê das vontades daquele, pois não eram
funcionários do Estado Imperial, mas particulares. Também retomou a argumentação da
falta da barca a vapor para os socorros navais e demais serviços da repartição. Em tudo
reproduziu as queixas feitas por Lisboa em seu relatório de 1853.302
Em 1857, já sobre a chefia do Capitão Antonio Felix Corrêa de Mello, a aquisição
de uma barca a vapor para os socorros navais voltou à pauta do relatório, com o mesmo
argumento, aumentar a agilidade no serviço. Ainda assim, deixou registrado, ao mesmo
tempo, que o serviço estava sendo realizado a contento pela barca ancorada no mesmo
lugar. Ele elencou os casos que teriam sido necessários o socorro naval. Foram sete navios
socorridos - dois portugueses, um sardo, e quatro nacionais - que receberam o auxílio do
rebocador a vapor Protetor, requisitado por ele para os socorros. A despesa do vapor foi
quitada pelos consignatários dos navios. Em um outro, foi realizado o socorro com a barca
da repartição, com as lanchas do Arsenal e os escaleres da corveta Dois de Julho.303
Corrêa de Mello, no seu relatório de 1862, fez uma extensa análise das
necessidades da repartição, como do trabalho que executava na rotina do porto. Na
primeira parte do relatório, como em outros, ele iniciou fazendo as críticas de sempre
relacionadas à quantidade e à qualidade dos empregados, principalmente das guarnições
da barca de socorro naval. Além de ser trocada por uma a vapor, era necessário que as
guarnições da barca fossem melhoradas com marinheiros oriundos da companhia de
aprendizes.304
No que tange ao arrolamento dos trabalhadores marítimos, Corrêa de Mello
defendia que era necessário refinar a matrícula deles para que o Império e a Armada
pudessem ter uma relação mais acurada do potencial de recrutamento em caso de
conflagração de guerra. Com relação às tabelas que enviou anexas ao seu relatório para o
Ministro, dizia que os números “careciam de fé” porque muitos trabalhadores poderiam
já não exercer o ofício ou apareciam na relação de outras capitanias dos portos com nomes
diferentes, seja porque faltava trabalhadores que efetivamente eram da vida do mar e que
não se apresentavam à repartição, seja porque entre o arrolamento apresentado nos mapas
não havia a discriminação de nacionais e estrangeiros e, tão importante quanto, “[...]
302 BRASIL. Relatório do ano de 1854 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1855, p. 19-22. 303 AN – SM, XM-239: Relatório da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, 5 de abril
de 1857. 304 Ibidem. Relatório da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, 5 de abril de 1862.
129
porque indivíduos há matriculados como pescadores, quando ou exercem essa profissão
acidentalmente, ou mesmo são a ela absolutamente estranhos”.305 Uma das prerrogativas
da matrícula, que a tornava tão atraente a ponto de colocar o Capitão desconfiado dos
números coletados, era a isenção ao recrutamento na Guarda Nacional. Portanto, estar
matriculado na repartição era uma forma de fugir do serviço forçado na Guarda.
Logo em seguida, o Capitão do Porto da Corte apresentou os mapas e o que cada
um trazia de informação. A relação dos navios que entraram e saíram do porto do Rio de
Janeiro em 1862; das embarcações de longo curso, cabotagem e do tráfico interno do
porto, da pescaria e dos trabalhadores marítimos que nelas atuavam; dos navios a vela e
a remo pertencentes à Corte e à província; das embarcações de alto bordo inscritas; dos
inscritos na Capitania do Porto da Corte, incluindo embarcações do tráfego do porto,
desde 1852 até aquele ano; das soldadas dos navios e das embarcações miúdas. Enfim,
apresentou o levantamento que tinha obrigação de fazer pelo Regulamento de 1846.
Ainda que sempre reiterando que o trabalho pudesse não estar bom e poderia não atender
às expectativas, havia um resultado efetivo e concreto de mapeamento da circulação de
embarcações e de trabalhadores pelo porto da Corte. Ainda que a reivindicação por mais
empregados fosse constante e, ao que parece, muito justa diante do volume do serviço a
ser feito, o trabalho não deixava de ser realizado.
No que concerne ao socorro naval, estava à disposição da repartição o vapor Chuy,
que fazia os socorros fora da barra da baía, em alto mar, e entre as fortalezas da Lage e
Villegaignon, além da barca Guapiassu, para os socorros dentro da baía. Mais uma vez
Corrêa de Mello reclamava da qualidade da marinhagem disponível para a barca de
socorro. Para ele, os vencimentos eram muito inferiores ao praticado na marinha
mercante, o que desestimulava a presença de “verdadeiros” marinheiros acostumados ao
trabalho pesado da vida no mar.306
Com relação à Câmara Municipal, não poupou críticas aos conflitos criados por
ela através da atuação dos seus agentes no litoral da cidade.
Desde muito tempo medidas haviam sido tomadas pelo governo com o
fim de limitar o arbítrio, com que a Ilma. Câmara, apesar do aviso do
Ministério do Império de 24 de agosto de 1850 e Provisão do Tesouro
Nacional de 3 de fevereiro de 1852, concedia licenças para depósito de madeiras nas praias, e expedia-as para construção de terrenos artificiais;
no entanto o estado dessas mesmas praias e cais, completamente
305 Ibidem. 306 Ibidem.
130
atravancados, demonstram e evidenciam o contrário da recomendação
escrita.307
Ainda que o Capitão do Porto buscasse sistematicamente empreender uma nova
política de controle sobre as praias e os cais, a Câmara Municipal, ao contrário do que
Paranhos afirmava 1853, utilizou-se dos seus recursos legais e da sua rede política e de
sociabilidade para garantir as relações de poder que mantinha historicamente na cidade e,
especificamente, no acesso e na organização do litoral da cidade do Rio de Janeiro.
Naquele ano, em 1862, Joaquim Raimundo de Lamare, então Ministro da Marinha
(que viria a ser Capitão do Porto da Corte em 1875), retomou as queixas que pautaram as
reivindicações de revisão do Regulamento do 1846. No seu relatório, Lamare reproduziu
três das muitas sugestões e críticas que Corrêa de Mello havia feito. Os conflitos de
jurisdição com as outras instituições encarregadas da polícia dos portos, inclusive as
Municipalidades, a necessidade de melhorar a marinhagem das guarnições dos navios da
Armada e o recrutamento ilegal de trabalhadores marítimos efetuado pelos recrutadores
da Guarda Nacional.
Em tão vasta esfera de ação, frequentes hão de ser, como já têm sido,
os conflitos com outras repartições, se não for bem discriminada a
mútua competência das capitanias em certas questões com as
municipalidades, as alfândegas, as mesas de rendas e as juntas de qualificação da guarda nacional.
A ação das capitanias exercita-se no litoral e nos rios navegáveis até
onde chega a influência das marés: conseguintemente aí deve parar a
polícia municipal.308
Mais uma vez, os relatos dos trabalhos executados pelos capitães dos portos
estavam fora do relatório ministerial. O ponto central do documento era a necessidade de
reformulação do regulamento das capitanias dos portos e a reconfiguração da estrutura
administrativa. Os conflitos jurisdicionais eram reiterados, a qualidade das guarnições das
embarcações a serviço delas era questionada e o serviço, de maneira geral, era mostrado
de maneira a enfatizar as mudanças que eram sugeridas há vários anos.
No relatório ministerial de 1866, Affonso Celso de Assis Figueiredo, Ministro da
Marinha, reproduziu as mesmas queixas que seus antecessores vinham fazendo quanto à
organização das Capitanias do Portos, a sua estrutura administrativa, suas embarcações
de socorro naval e qualidade das guarnições delas. Uma vez mais, deixava registrado os
307 Ibidem. 308 BRASIL. Relatório do ano de 1862 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 11ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1863, p. 24-25.
131
conflitos de jurisdição com as Câmaras Municipais, além da Alfândega e os Tribunais de
Comércio. Diante de tantos desafios a serem enfrentados, não havia outra possibilidade
além da revisão do Regulamento de 1846, bem como da reconfiguração das repartições.309
No ano seguinte, em curta exposição sobre as repartições, Assis Figueiredo fez um
reconhecimento peculiar. Distinto entre os relatórios ministeriais anteriores, afirmava
que, mesmo diante dos problemas que vinham sendo relatados, “[...] estas repartições
prestam bons serviços, já na aquisição de marinhagem, já na conservação dos nossos
principais portos, já no socorro naval, e o pouco que temos de censo marítimo a ela
devemos”.310
O Capitão do Porto da Corte, Antonio Felix Corrêa de Mello, no seu relatório de
1870, fez mais uma vez um apelo pela reforma do Regulamento de 1846 pela
reconfiguração administrativa da repartição e pelo fim dos conflitos jurisdicionais. Cabe
dar a palavra ao chefe da repartição, pois seu texto vem carregado de dramaticidade com
relação aos desafios que enfrentava após tantos anos à frente do serviço.
É justo e necessário, pois, que se lhe infiltre uma nova vida, ou que se
acabe com essa, tão inglória, que mal vai arrastando, e não a isenta dos
amargos reproches dos que a acusam de inação, querendo que se mova quem está manietado e quase inválido.
Eu peço e espero que a Capitania do Porto será habilitada com os
recursos precisos a promover hoje importantes serviços que lhe estão
confiados, efetuando-se a sua reforma, e revendo-se o seu regulamento; porque alimenta-me a fé mais robusta na sabedoria e justiça do Governo
Imperial.311
Em outra passagem, Corrêa de Mello voltava a insistir na necessidade de uma
barca a vapor para agilizar o trabalho da repartição, tanto para a matrícula dos
trabalhadores marítimos do interior da província quanto para os socorros da baía do Rio
de Janeiro. A despeito das palavras carregadas de tons trágicos, nas páginas seguintes o
capitão registrou, por exemplo, os esforços empreendidos nos socorros navais daquele
ano. Selecionou dois casos que mais claramente revelavam o seu papel como autoridade
do setor marítimo do Porto da Corte e de coordenador das polícias do porto, opinando,
contudo, que teriam sido os mais expressivos, tanto por necessitarem da coadjuvação de
outros agentes, quanto por demonstrarem sua capacidade de ação conciliatória na solução
309 BRASIL. Relatório do ano de 1866 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 13ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867, p. 30-31. 310 BRASIL. Relatório do ano de 1867 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 2ª sessão da 13ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1868, p. 25-26. 311 AN – SM, XM-240: Relatório da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, 21 de
janeiro de 1870.
132
dos casos de abalroamento, evitando que as partes recorressem ao Tribunal do Comércio,
na administração dos faróis de Cabo Frio e da Ilha Rasa, nos socorros, na organização do
porto de São João da Barra, nos engajamentos, nos recrutamentos e nas multas
arrecadadas.312
Corrêa de Mello citou, portanto, o socorro de um encouraçado peruano que
encalhou em Itaipu, para onde ele enviou o Ajudante da repartição, Camillo Lelis e Silva,
para coordenar o resgate e o reboque. Este, seguiu em um rebocador fretado pelo cônsul,
indo junto um transporte também daquela nação e outros reboques da região que
conseguiram desencalhar o encouraçado. O segundo caso foi, alguns dias depois, de uma
galera inglesa que encalhou nas pedras da Fortaleza de Villegaignon, tendo sido
desencalhada pelo vapor Vencedor, sob o comando doo Capitão do Porto e com a
participação do ajudante.313
Como demonstrado, pelo menos desde 1853, o Capitão Joaquim Marques Lisboa,
inseriu em seu relatório e foi repetido pelos capitães seguintes e corroborado igualmente
pelos ministros, a necessidade da aquisição da barca a vapor para os socorros navais.
Contudo, de 1859 a 1866, a Capitania do Porto da Corte contou com três vapores
diferentes nos serviços destinados a socorrer os navios em perigo nas águas da baía do
Rio de Janeiro, dentro e fora dela. O primeiro deles foi o vapor Jaguarão, que serviu de
1859 a 1861314. O segundo foi o Chuy, de 1861 a 1865315 e por último foi o Thetis, que
em 1866 foi entregue à Inspeção do Arsenal de Marinha da Corte para ser desativado.316
Junto com os casos de incêndio no mar, os socorros navais são ilustrativos da ação
direta do Capitão do Porto da Corte na coordenação e na fiscalização da região portuária
carioca. Em janeiro de 1859, a barca hamburguesa Kingman também ficou encalhada nas
pedras da Fortaleza de Villegaignon. Às oito horas da manhã foi sinalizado o estado de
perigo por aquela fortaleza, se dirigindo para lá o Capitão do Porto, com seu ajudante,
312 Ibidem. 313 Ibidem. 314 AN – SM, Fundo XM-1092: Ofício nº 92 do Capitão do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro,
Antonio Felix Corrêa de Mello, de 29 de agosto de 1866. 315 Aviso de 23 de novembro de 1861. “À inspeção do arsenal de marinha da corte mandando entregar o
vapor Chuy à capitania do porto, para ser empregado no serviço em que se acha o vapor Jaguarão, que vai
ter outro destino”. No mesmo expediente, determinou-se à Capitania do Porto da Corte entregasse o vapor
Jaguarão fosse à Inspeção do Arsenal para que ser armado em guerra. Jornal do Commercio, de 05 de
dezembro de 1861. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/2994. Acessado em: 25
nov. 2018. 316 AN – SM, XM-1092: Ofício nº 92 do Capitão do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, Antonio
Felix Corrêa de Mello, de 29 de agosto de 1866.
133
utilizando-se dos escaleres da repartição, com a barca de socorro e os escaleres do patrão-
mor. Lá chegando, havia também os escaleres do Corpo de Imperiais Marinheiros. De
acordo com o relato de Corrêa de Mello, devido à grande corrente marítima daquele dia,
e não tendo conseguido, por causa disso, desencalhar a barca com as embarcações que
havia levado, mandou fretar um vapor, o Incansável, para rebocar o navio até o
ancoradouro da franquia, o que ocorreu por volta das dez horas daquela manhã.317
Já em 1864, Corrêa de Mello coordenou outro socorro, fora da barra da baía, do
brigue de guerra Fidelidade. Por volta das nove horas da noite, segundo o Capitão, as
fortalezas do porto fizeram sinal de navio em perigo, no que procedeu ao fretamento do
reboque Protetor (uma vez que o vapor Chuy havia saído da baía para rebocar dois navios
de guerra nacionais para fora da barra), seguindo nele às dez horas da noite junto com o
ajudante da repartição. Ao passar na Fortaleza de Santa Cruz, foi informado que o sinal
de perigo provinha das proximidades da Ilha Rasa, encontrando lá um brigue de guerra
nacional, que vinha de Pernambuco e que começara a “fazer água”318. O navio foi
rebocado para o ancoradouro dos navios de guerra nacionais e lá foi fundeado por volta
das duas da manhã.319
Em 1866, novamente o vapor Incansável foi solicitado para um socorro fora da
barra. Ao saber da notícia de um brigue nacional em perigo ao sul de Copacabana, Corrêa
de Mello enviou o ajudante da Capitania para o serviço. No entanto, nem sempre o socorro
era efetivado pela Capitania. Não pela ausência de um barco a vapor da repartição ou pela
falta de uma marinhagem qualificada. Simplesmente, se um rebocador ou um navio a
vapor estivesse mais próximo, executava o socorro prontamente a fim de evitar maiores
danos na embarcação em perigo. Neste caso, o reboque a vapor Mont Serrart já estava
fora da barra e trazia o brigue S. Manuel, que havia sido levado pela correnteza na
madrugada daquele dia.320 Ainda que o Regulamento de 1846, a bem dizer, tenha posto
no papel medidas necessárias em momentos como esse, era certo que quando se tratava
de casos de perigo declarado, não se poderia esperar a verificação de competências
317 AN – SM, XM-239: Ofício nº 3 do Capitão do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, Antonio
Felix Corrêa de Mello, de 10 de janeiro de 1859. 318 Expressão popular utilizada na descrição do acontecimento que indica a entrada de água na embarcação,
que no limite poderia levá-la a pique. 319 AN – SM, XM-1258: Ofício nº 59 do Capitão do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, Antonio
Felix Corrêa de Mello, de 6 de julho de 1864. 320 AN – SM, XM-1077: Ofício nº 12 do Capitão do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, Antonio
Felix Corrêa de Mello, de 1º de fevereiro de 1866.
134
extraordinárias para sua execução, o que apenas demonstrou o sentido da prática cotidiana
da atuação conjunta dos homens da vida do mar.
Os casos de socorros navais foram muitos. Em todos os ofícios que foram
enviados ao Ministro da Marinha relatando os acontecimentos, os Capitães do Porto da
Corte relataram o mesmo procedimento. Se o socorro era efetuado dentro da baía, a barca
de socorro naval, junto com os escaleres da repartição, efetuava o serviço. Quando o
socorro era fora da barra, era fretado um rebocador ou um barco a vapor nos períodos em
que não houvesse um específico a serviço da repartição. Todos os procedimentos partiam
da sua decisão de fretar ou não um rebocador, de requisitar o auxílio de embarcações da
Marinha, de convocar o pessoal necessário nos casos de colisão nos ancoradouros. Cabia
ao Capitão do Porto coordenar os trabalhos de salvamento, fosse no mar, fosse em terra.
Em outros relatos, a barca de socorro naval estava sempre presente, bem como a
convocação constante de rebocadores e de navios mercantes nacionais ou estrangeiros
que possibilitassem a coadjuvação para o enfrentamento dos incêndios; além disso, o
fretamento de barcas a vapor era recorrente e defendido em determinados relatórios.
Destaca-se que, na execução da segurança e do bom funcionamento portuário, a
arrecadação com as atividades dos socorros navais – o serviço devia ser pago pelo
socorrido – eram muito importantes, assim como por meio da aplicação das multas
impostas pelas contravenções ao Regulamento de 1846. De acordo com a escrituração da
receita e da despesa da Marinha enviada ao Tesouro Nacional, o serviço de socorro
também era uma forma de arrecadar rendas à Marinha. Um exemplo foi o ano contábil de
1859-1860, quando os valores chegaram a 1:245$295 réis. Nesse ano a arrecadação das
multas também havia crescido em trezentos mil réis segundo o Capitão do Porto, já que
o livro de escrituração de multas não foi encontrado, mas ele deixa registrado em seu
relatório que o total das multas impostas pelas contravenções ao Regulamento de 1846
no mesmo período foram de 2:190$000 réis.321
321 AN – SM, XM-239: Relatório do Capitão do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro, Antonio
Felix Corrêa de Mello, 31 de março de 1860.
135
Quadro 4: Receita da pagadoria da Marinha para ser entregue ao Tesouro
Nacional - 1859-1860.
Ano Mês Dia Descrição Valor
1859 Setembro 16 Recebido do secretário da Capitania do Porto da Corte
proveniente do aluguel de embarcações e demais
aparelhos da repartição empregados no socorro naval
do brigue sardo Fluminense.
32$00
1859 Outubro 7 Recebido do secretário da Capitania do Porto da Corte proveniente do aluguel de embarcações e demais
aparelhos da repartição empregados no socorro naval
ao navio que serve de depósito de gelo.
95$100
1860 Fevereiro 17 Recebido do secretário da Capitania do Porto da Corte
proveniente da porcentagem do custo dos reparos da avaria causada pelo vapor Maravilha a barca n° 32 do
Arsenal de Marinha.
16$791
1860 Junho 15 Recebido do secretário da Capitania do Porto da Corte
proveniente do socorro prestado pelo vapor Jaguarão a
barca inglesa Globe.
1:000$000
1860 Julho 25 Recebido do secretário da Capitania do Porto da Corte
proveniente de um escaler do Arsenal guarnecido que
se emprego em socorrer a falua Despique.
22$000
1860 Julho 25 Recebido do secretário da Capitania do Porto da Corte proveniente dos 20% de que trata o Aviso de 26 de
outubro de 1858, sobre o custo da madeira despendida
pela oficina de Construção Naval em reparar a avaria causada ao transporte Jaguaribe pelo brigue nacional
Maria Luiza.
30$000
1860 Julho 25 Recebido do secretário da Capitania do Porto da Corte
proveniente do socorro naval prestado a barca nacional
Carolina.
25$500
1860 Julho 25 Recebido do secretário da Capitania do Porto da Corte
proveniente dos 20% de que trata o Aviso de 26 de
outubro de 1858, sobre o custo do reparo da avaria
causada a corveta Dois de Julho pelo brigue nacional
atrevido.
23$904
Total de serviços 1859-1860 1:245$295
Fonte: AN. Série Marinha: Fundo IM-1400.
No entanto, na leitura dos relatórios ministeriais, o trabalho cotidiano da
repartição não era repercutido, mesmo diante do potencial de geração de rendas para o
Estado. Na comparação dos relatórios dos capitães do Porto da Corte com os dos
ministros, as queixas são as mesmas e os pedidos de reforma do Regulamento são feitos
da mesma maneira. Havia assuntos considerados mais ou menos importantes para serem
136
registrados nos relatórios ministeriais e as queixas dos capitães foram repercutidas
repetidamente, sendo que poucos ministros fizeram uma consideração positiva do
trabalho efetuado pela repartição.
O relatório ministerial ilustrava, portanto, somente uma parte do trabalho
empreendido pelas capitanias dos portos, especialmente a da Corte. Os problemas
apontados pelos capitães eram reais e necessitavam de uma solução, contudo, ao longo
do período em tela, o Regulamento de 1846 não teve nenhuma transformação
significativa. Ou seja, apesar das inúmeras constatações, não houve um movimento
concreto em modificar as capacidades materiais e de pessoal da repartição. As alterações
no exercício do controle dos portos foram efetuadas a partir de outras instituições que
tinham naquele espaço também a sua polícia ou interesses comerciais, como a Alfândega,
a Polícia da Corte e o Tribunal do Comércio. Portanto, dar relevo às queixas e aos
problemas apontados era uma forma de deixar clara a necessidade de reforma da
Regulamento e da estrutura administrativa das repartições.
2.4. REGULAR A MATÉRIA EM NOME DO COMÉRCIO: O CÓDIGO COMERCIAL
E OS CASOS DE ABALROAMENTO
A partir de 1850, tanto o Código Comercial322, quanto o Civil, marcavam a arena
de disputas jurídicas entre magistrados e negociantes.323 Nos anos sob recorte, a
codificação do cotidiano e a necessidade de ordenar e normatizar as diferentes camadas
políticas e econômicas da sociedade oitocentista produziu uma disputa de poderes que
percorreu diferentes níveis da burocracia estatal e permeou as relações entre as
instituições e os cidadãos do Império.
O capítulo III, Título IV, do Regulamento de 1846, determinava que as
embarcações nacionais estavam sujeitas à matrícula na Capitania do Porto. Essa função
era realizada pelo Arsenal de Marinha até aquele momento. O artigo 70 determinava que
Todas as embarcações nacionais construídas no Império, ou mandadas
construir fora, ou compradas ao estrangeiro, serão numeradas e
arqueadas. Em cada Capitania se fará delas um arrolamento, lançando-se em livro próprio o nome do dono, o da embarcação, suas dimensões
de boca, pontal, quilha limpa, sua mastreação, comprimento de roda à
322 BRASIL. CLI, Lei nº 556 de 25 de junho de 1850. Código Comercial do Império do Brasil. 323 NEVES, Edson Alvisi. O Tribunal do Comércio. Magistrados e negociantes na Corte do Império do
Brasil. Rio de Janeiro: Jurídica do Rio de Janeiro/ FAPERJ, 2008, p. 242.
137
roda, lugar onde construída, em que ano, e finalmente o nome do Mestre
que a construiu, sendo ela nacional. Prevalecerá a arqueação feita pelas
Repartições Fiscais, e por elas se fará a averbação.324
No caso de haver negociação de compra e venda de embarcações, o registro
deveria passar pela repartição e os títulos resultantes dos processos deveriam ser
entregues para o arquivamento e a devida marcação no assentamento do barco. Caso a
embarcação comprada ou vendida fosse de outra província, esta deveria ser comunicada
da transação para os fins de registro. Todo esse processo deveria ser mapeado e enviado
para a Corte para que fosse encaminhado à Secretaria de Estados dos Negócios da
Marinha para a elaboração dos relatórios anuais.325
Os danos causados por abalroamento entre as embarcações, por chuvas ou por
outras situações semelhantes deveriam ser solucionados pelo Capitão do Porto, conforme
previsto no Título VII, Da forma do processo:
Art. 116. Quando por qualquer maneira chegar a notícia do Capitão do
Porto alguma contravenção da polícia dele, fará escrever pelo
Secretário um termo bem especificado do fato, e suas circunstâncias; e
mandando chamar perante si o contraventor, a parte queixosa, se a houver, e as testemunhas, se forem precisas, decidirá breve, e
sumariamente, condenando ou absolvendo o acusado.
Art. 117. Se o acusado não comparecer, desobedecendo a notificação, apareça ou não a parte queixosa, se a houver, procederá o Capitão do
Porto à revelia; e somente por impedimento, ou outro motivo atendível
e justificado, poderá deferir o seguimento e ultimação do processo para
o dia seguinte.326
Até o valor de cem mil réis, as decisões do Capitão do Porto da Corte eram
definitivas, irrevogáveis e exequíveis.327 Acima desse valor, o recurso teria que seguir a
um conselho formado por ele, por um Auditor da Marinha e do Oficial Comandante mais
graduado entre os navios ancorados, no caso de demandas na cidade do Rio de Janeiro.
Para os casos em outras partes da província, o auditor da Marinha deveria ser substituído
por um juiz de direito.328
Com o Código Comercial, Lei nº 556 de 25 de junho de 1850, essas atribuições
foram transferidas para o Tribunal do Comércio. Conforme disposto no artigo 460,
Toda embarcação brasileira destinada à navegação do alto mar, com
exceção somente das que se empregarem exclusivamente nas pescarias
324 BRASIL. CLI, Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Artigo 70, Capítulo III, Título IV. 325 Ibidem. Artigos 71 e 72. 326 Ibidem. Título VII, Artigos 116 e 117. 327 Ibidem. Título VII, Artigo 121. 328 BRASIL. Decreto nº 358 de 14 de agosto de 1845, Artigo 4º. Op. Cit.
138
das costas, deve ser registrada no Tribunal do Comércio do domicílio
do seu proprietário ostensivo ou armador (artigo nº 484), e sem constar
do registro não será admitida a despacho.329
O registro deveria informar o local de construção, o nome do construtor e as
madeiras que foram usadas. Além disso, as suas dimensões, se tinha cobertura ou não, o
nome e o domicílio dos donos da embarcação e seu nome. No caso de embarcação
construída no exterior, além dessas informações, era necessário “[...] declarar-se no
registro a nação a que pertencia, o nome que tinha e o que tomou, e o título por que passou
a ser de propriedade brasileira [...]”.330
Com relação aos capitães ou mestres das embarcações, que no Código Comercial
eram tratados como sinônimos, deveria ser cidadão brasileiro e domiciliado no Império.
Eles eram considerados os comandantes da embarcação e sob seu controle e
responsabilidade estava toda a tripulação, podendo impor a disciplina exigida, determinar
castigos e promover a prisão em caso de crimes cometidos a bordo do navio. Não
obstante, estavam terminantemente proibidos de recrutar trabalhadores de outras
embarcações, estando sujeito ao pagamento de multas.331
A parte do Código Comercial dedicada ao comércio marítimo é extensa e rica em
detalhes. São treze títulos e 339 artigos. Ainda que não caiba nesta pesquisa o
aprofundamento e análise de todo esse aparato legal, que reconfigurou as relações no
comércio marítimo do Império, destaca-se que algumas questões colidiram com o
Regulamento de 1846. De todos esses artigos, os que estipulavam os danos causados por
abalroamento foram os que mais exigiram o esclarecimento das devidas jurisdições a fim
de resolver questionamentos sobre qual das instituições teria a responsabilidade pelos
processos advindos dessas causas.
Ministro da Marinha em 1854, José Maria da Silva Paranhos (futuro Visconde do
Rio Branco) foi contundente em seu relatório daquele ano sobre as necessidades de
mudança do Regulamento, como também da estrutura administrativa das Capitanias dos
Portos. Apontando a falta de funcionários, de embarcações e a sobreposição de jurisdição
com a Câmara Municipal, Paranhos incluiu no rol de problemas o Código Comercial
aprovado em 1850, acrescentou mais um poder no concorrido setor de navegação.
329 BRASIL. Lei nº 556 de 25 de junho de 1850, Artigo 460. Op. Cit. 330 Ibidem. Artigo 462. 331 Ibidem. Artigos 496, 497, 498 e 500.
139
O Código Comercial trata no seu título 11º dos danos causados por
abalroação, e dispõe que todos os casos desta natureza serão decididos na menor dilação possível, por peritos que julgarão qual dos Navios foi
o causador dos danos, conformando-se com as disposições do
Regulamento do Porto e os usos e práticas do lugar. Daqui pode nascer a dúvida se a jurisdição dada às Capitanias nos casos de abalroação
dentro dos portos passou ou não para o Juízo Comercial.332
Essa questão da decisão sobre os processos de abalroamento chegou ao Conselho
de Estado em 1857, enviado com um parecer da Seção de Justiça do Conselho que versava
sobre a competência do Capitão do Porto em julgar os casos de abalroamento, como
previsto por Paranhos. O caso foi enviado pelo Imperador para consulta à Seção pelas
dúvidas do presidente da Província do Pará, a respeito do seu procedimento por conta do
abalroamento provocado pelo iate americano Harriet Neal, em 7 de outubro de 1854, que
causou o naufrágio da escuna brasileira Menalípede. Como mandava o Regulamento de
1846, o Capitão do Porto do Pará procedeu ao exame das embarcações, o que foi
contestado pelo advogado do abalroador, alegando que o chefe da repartição da Marinha
não tinha mais a competência para realizar tais procedimentos após a promulgação do
Código Comercial, conforme o que disposto especificamente no artigo 750.333
Todos os casos de abalroação serão decididos, na menor dilação possível, por peritos, que julgarão qual dos navios foi o causador do
dano, conformando-se com as disposições do regulamento do porto, e
os usos e prática do lugar. No caso dos árbitros declararem que não podem julgar com segurança qual navio foi culpado, sofrerá cada um o
dano que tiver recebido.334
O presidente da província do Pará, Sebastião do Rego Barros, afirmava que, após
tomar ciência do protesto realizado pelo advogado em questão, declarou a Capitania e o
seu Capitão competentes para seguir com o processo adiante, pois entendia que o artigo
750 não tirou a jurisdição das Capitanias dos Portos estabelecida no seu Regulamento,
que até então constituía a legislação específica para esses casos. Para o presidente, o artigo
do Código Comercial, antes de derrogar os artigos pertinentes do Regulamento de 1846,
“[...] era senão a consagração do mesmo que está estabelecido naquele Regulamento”.335
Requerendo o capitão do iate abalroador o passe de saída do porto, fora autorizado
pelo presidente, mediante o depósito de caução que, segundo ele, o Código Comercial,
332 BRASIL. Relatório do ano de 1855 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão 9ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856, p. 22. 333 BRASIL. Atas do Conselho de Estado. Terceiro Conselho de Estado, 1850-1857. Brasília: Senado
Federal, p. 260. 334 BRASIL. Lei nº 556 de 25 de junho de 1850, Artigo 750. Op. Cit. 335 Ibidem. p. 261.
140
no seu artigo 749336, não o eximia, mas também não impedia a saída da embarcação
abalroadora e seria uma forma de fazer o dono dela responsabilizar-se pelo dano causado
até que se chegasse a uma solução ao impasse. Ainda mais, porque na carga da escuna
abalroada havia uma parte pertencente ao Governo Imperial. No entanto, o dono da
escuna contestou o valor da caução paga, alegando não ser ela o suficiente e que não havia
sido consultado sobre isso.337
O presidente da província deixou este questionamento para o juízo comercial, pois
defendia que não cabia a ele, em cargo administrativo, entrar nessa discussão. O
Conselheiro Procurador da Coroa foi consultado sobre o assunto, sendo de parecer que o
Governo Imperial ainda não se manifestasse, deixando-o correr pelo Poder Judicial. O
Presidente do Tribunal do Comércio da Corte também foi procurado para dar seu parecer.
Indo ao encontro da decisão do presidente da província do Pará, José Inácio Vaz Vieira
concordou que os artigos 749, 750, 751 e 752 do Código Comercial corroboravam a
autoridade do Capitão do Porto em decidir os prejuízos e os danos causados pelo
abalroamento de navios dentro do porto. Para as colisões em alto mar, para Vieira, aí sim
deveria ser acionado o juízo comercial.338
O parecer da Seção de Justiça foi de que não havia distinção entre danos causados
em alto mar e dentro do porto e que a competência dos capitães dos portos sobre esses
casos havia cessado com os artigos do Código Comercial.
[...] estabelecendo a competência do Juízo Comercial por meio de peritos para conhecer de todos os casos de abalroação, fez cessar a
competência dos Capitães dos Portos, que fica assim limitada as
Infrações da polícia do porto, quando no abalroar tenham existido, e isto só para a imposição da multa, que estiver determinada para a
infração cometida; mas o abalroar em si, e as indenizações, que dele
possam provir deixaram de pertencer à Capitania do Porto, e passaram à exclusiva competência do Juízo Comercial por meio de peritos
escolhidos [...].339
O parecer elencava ainda os artigos do Regulamento de 1846 pertinentes aos casos
de abalroamento, do processo, das multas e da autoridade do Capitão do Porto em decidir
336 “Art. 749 Sendo um navio abalroado por outro, o dano inteiro causado ao navio abalroado e à sua carga
será pago por aquele que tiver causado a abalroação, se esta tiver acontecido por falta de observância do
regulamento do porto, imperícia, ou negligência do capitão ou da tripulação; fazendo-se a estimação por
árbitros”. Ibidem. Art. 749. 337 BRASIL. Atas do Conselho de Estado. Terceiro Conselho de Estado, 1850-1857. Brasília: Senado
Federal, p. 261. 338 Ibidem. 339 Ibidem, p. 262.
141
sumariamente sobre esses casos até o valor de cem mil réis. Adiante, demonstrava como
a transcrição dos artigos atinentes do Código Comercial cessava a competência atribuída
ao Capitão do Porto, concluindo que este deveria apenas “[...] limitar-se a verificar, se
houve infração da polícia do porto para o efeito único de aplicar a penalidade
correspondente à infração cometida”.340
Posto em votação, o parecer foi aprovado por 10 votos dos 11 conselheiros
presentes na sessão (três deles faziam parte da Seção de Justiça). O Conselheiro Alvim
(Miguel de Sousa Melo Alvim) votou a favor, mas registrando que a prática vinha sendo
deixar a competência com o Capitão do Porto, por julgar mais vantajoso para o comércio.
O único voto contrário foi de Holanda Cavalcanti, Visconde de Albuquerque. Ele
destacou que não parecia haver de fato um problema já que em seis anos corridos desde
a promulgação do Código Comercial essa era a primeira vez que se levantava a questão
de um conflito de autoridade sobre o tema da decisão sobre os danos e prejuízos causados
em casos de abalroamento. Concordando com o presidente do Tribunal do Comércio da
Corte, o Visconde defendia que a intervenção do governo poderia criar mais conflitos se
desfizesse a distinção proposta pelo presidente do Tribunal.
A utilidade da disposição cometida à Capitania dos Portos nos abalroamentos dentro do porto, não só se manifesta pela aquiescência
das partes interessadas por espaço de seis anos, como é também
manifestamente confessada pelo próprio Conselheiro Presidente do
Tribunal do Comércio, quando entende que a distinção por ele proposta
regularia esta matéria em vantagem do comércio.341
Não surpreende ser o Visconde de Albuquerque o porta-voz da defesa da
autoridade do Capitão do Porto no assunto em questão na sessão do Conselho de Estado.
Ministro da Marinha quando da elaboração e defesa do Regulamento de 1846 nas seções
de Marinha, o Visconde defendia o seu projeto de regulação dos portos e da dinâmica de
funcionamento que vinha ocorrendo até então. Ao destacar que não havia sido registrada
nenhuma reclamação, dá destaque ao papel de conciliador do Capitão do Porto nos
assuntos sobre abalroamento.
Nos relatórios do Capitão do Porto da Corte compulsados nesta pesquisa no
período de 1851 a 1870, ao relatar os processos de abalroamento e as avarias diversas em
embarcações e navios, todos insistiam em destacar que pouquíssimos casos superaram o
340 Ibidem. 341 Ibidem, p. 263.
142
valor de cem mil réis estipulados pelo Regulamento e que todos foram resolvidos através
da conciliação entre as partes, não sendo necessário o recurso ao juízo comercial. Em
1870, o então Capitão Antonio Felix Corrêa de Mello afirmava que continuava a resolver
os casos de abalroamento através da conciliação. Naquele ano, somente um caso teria
sido enviado ao Tribunal do Comércio, a colisão entre a barca a vapor Quarta, da
Companhia Ferry e a falua de José da Costa Barreiros, sendo que em seu relato, ainda não
havia tido notícia de solução do caso no Tribunal.342
Em outra passagem do mesmo documento, Corrêa de Mello relatou outra colisão
que, igualmente por meio da conciliação entre as partes, não chegou a ser levada ao
Tribunal. A barca a vapor da Companhia de Navegação a Vapor Fluminense, vindo em
alta velocidade e não a reduzindo ao chegar, colidiu na ponte flutuante do ponto de
atracação, causando ferimentos graves nos passageiros. De acordo com a apuração do
Capitão do Porto, parecia haver uma competição entre esta companhia e a Ferry, que
realizava as mesmas viagens ente a Corte e Niterói. Imbuído das suas atribuições que
considerava ainda vigente, iniciou o processo para averiguação do fato.343
Para a solução do ocorrido e visando não se repetir tais ocorrências, o Capitão do
Porto, junto com o chefe de Polícia da Corte, reuniu-se com os gerentes das companhias,
Thomas Rainey (Ferry) e Carlos Fleiuss (Fluminense). No acordo celebrado na reunião,
decidiu-se que as barcas a vapor da companhia de Fleiuss saíssem três minutos depois
das de Rainey, dando tempo de realizar o movimento de rotação das barcas e de não haver
disputa na chegada ao ponto de atracação seguinte. Dessa forma, Corrêa de Mello
defendia que a conciliação realizada por ele nos casos de sinistros na Corte era uma forma
de dinamizar o comércio, evitando-se, assim “[...] a demora de longos processos, que hoje
correm pelo Tribunal do Comércio, segundo o Decreto n° 2.030, de 18 de novembro de
1857”.344
Esse decreto foi resultado da sessão do Conselho de Estado analisada. É
importante frisar que o questionamento não se originou em dúvidas levantadas pelo
Capitão do Porto do Pará ou pelo presidente da província, mas pelo advogado da parte
abalroadora, interessada em desviar ou atrasar a solução da demanda. O decreto decidiu
342 AN – SM, XM-2410: Relatório anual do Capitão do Porto da Corte, 5 de janeiro de 1870. 343 Ibidem. 344 Ibidem.
143
sobre a competência do Capitão do Porto para julgar os casos de danos e prejuízos e tinha
um parágrafo único:
O juiz comercial é o competente para julgar os prejuízos e danos causados
por abalroação, tanto no alto mar (art. 750 do Código Comercial) como
nos portos do Império e as indenizações correspondentes, devendo as
capitanias dos portos limitar-se a verificar se houve infração da polícia
do porto, para efeito único de aplicar a penalidade que por ela couber.345
No caso do Rio de Janeiro, ainda que houvesse medidas legais que, teoricamente,
reduzissem o espaço de autoridade da Capitania do Porto, a prática se mostrou bastante
diferente. Mesmo após a resolução final do Conselho de Estado e da publicação desse
decreto, o Capitão do Porto da Corte continuou atuando como uma figura de autoridade
nos casos de colisão e na solução dos danos causados e dos prejuízos a serem indenizados
por meio da conciliação empreendida por ele, realizando o trabalho de conjugar, a partir
do seu comando e das suas decisões, outros agentes do poder central e do setor econômico
do porto do Rio de Janeiro.
Ao coadunar-se com o presidente do Tribunal do Comércio da Corte, o Visconde
de Albuquerque defendia a força do costume no processo de decisão sobre as questões
portuárias, revelando um comportamento que se estendeu até o final do período em tela.
O trabalho em conjunto com outras repartições era uma realidade e uma característica
própria da dinâmica portuária no Oitocentos que, ao mesmo tempo, provocava a
concorrência de poderes. Portanto, segundo essa lógica, ao reduzir o poder de decisão
final sobre os casos de danos e prejuízos nas colisões de embarcações a somente uma
instituição, surgiria, aí sim, o conflito que, segundo eles, só afetaria negativamente as
vantagens do comércio.
Contudo, o Conselho de Estado, ao decidir quase unanimemente pela autoridade
única do juízo comercial nesses casos, demonstrou a continuidade da lógica do processo
de centralização, incluindo a judiciária, iniciada nos anos 1840, como analisado
anteriormente. As demandas que encerrassem algum tipo de contencioso deveriam ser
decididas na esfera judicial, pelos magistrados, e não mais por autoridades locais, como
os juízes de paz, ou por instituições ou repartições com funções administrativas, como os
345 BRASIL. CLI, Decreto nº 2.030, de 18 de novembro de 1857. Declara que o juízo comercial é o único
competente para o julgamento dos prejuízos e danos causados por abalroação dentro dos portos do império
e no alto mar.
144
presidentes de província, que, inclusive, se declarou sem jurisdição para decidir sobre o
questionamento da caução que ele havia estabelecido.
* * *
Em abril de 1874, o Conselho Naval emitiu um parecer provocado por uma
consulta do Governo Imperial a respeito de uma proposta do Capitão do Porto da Corte,
Antonio Felix Corrêa de Mello, em um dos seus últimos atos a frente da repartição, para
uma polícia “ativa e eficaz”. Por sua vez, ele havia sido provocado pelas reclamações do
Chefe de Polícia após um assalto ao Trapiche da Saúde, na Freguesia de Santa Rita. O
parecer teve como relator o Deputado e Membro Efetivo Paisano João Capistrano
Bandeira de Mello, em um conselho que era formado por três militares e dois civis.
Resumidamente, o chefe de divisão da repartição da Marinha pedia aumento dos jornais
dos remadores dos escaleres da repartição, mais dois ajudantes, dois guardas da Guarda
Nacional ou fuzileiros navais e, ainda, uma lancha a vapor para que assim pudesse
corresponder, apropriadamente, a polícia do porto que se desejava.346
O parecer emitido pelos membros do Conselho discorria didaticamente sobre a
dinâmica do policiamento da região portuária do Rio de Janeiro. Após remeterem-se à
uma série de documentos já analisados por eles em outras oportunidades, defenderam que
a polícia do porto era dividida em quatro esferas: a polícia naval, a polícia fiscal, a polícia
civil e a polícia sanitária. A primeira tinha por finalidade “cuidar da constante
conservação e bom estado do porto pelo que pertence a sua limpeza, profundidade e
segurança”; à Capitania do Porto da Corte, sob a responsabilidade do Ministério da
Marinha; a polícia fiscal havia de “evitar os contrabandos no mar e nas praias do litoral”,
ou seja, fazer o controle alfandegário, quesito do Ministério da Fazenda; à polícia “civil”
cabia “manter a segurança individual e de propriedade, premindo os crimes e prendendo
os criminosos [...] se estende a todos os lugares, compreendidos nos limites do município
neutro ou da corte; terras, mares, rios, lagoas, praias” a cargo da Polícia da Corte, sob os
auspícios do Ministério da Justiça; e a polícia sanitária devia cuidar da “salubridade dos
346 AN – SM, XM-243: Parecer do Conselho Naval a respeito das medidas que julga eficaz para manter
uma polícia ativa e eficaz nos ancoradouros da baía do Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1874.
145
portos, evitar a propagação de moléstias contagiosas e outras. Essa corre a cargo do
Ministério do Império”.347
No parecer, os conselheiros defenderam que a proposta do Capitão do Porto não
era suficiente para a as atividades que ele propunha e nem atenderiam às críticas do chefe
de polícia, que atacava a repartição da Marinha pelos crimes cometidos nas praias da
cidade. No entendimento dos conselheiros, o policiamento do porto deveria ser um
trabalho conjunto entre os quatro ministérios e as suas repartições presentes no porto da
cidade, principalmente diante da magnitude e da importância do porto para o Governo
Imperial. A dinâmica do porto era vista como uma responsabilidade de esferas políticas
e administrativas do governo central que se complementariam e trabalhariam
conjuntamente, “ainda que à testa desta polícia fique o Capitão do Porto, como autoridade
marítima, e mais entendida em aproveitar no mar os meios de tornar a polícia do porto
ativa e eficaz em todos os quatro ramos”.348
Havia, claramente uma expectativa com relação às capitanias dos portos que não
vinha sendo atendida, mesmo que elas exercessem suas atribuições dentro dos limites que
lhe eram impostos. E não eram atendidas não só pelas condições materiais, mas tanto ou
mais pela percepção de que a função de polícia deveria ser executada por diferentes
agentes do poder central. Entre eles, se não havia limites claros demarcados para a
atuação, havia, ao menos, um entendimento tácito de que certas providências não
deveriam ser iniciadas. E, nesse sentido, se não fossem tomadas, podiam parecer
negligência. Se as fossem, podiam ferir sensibilidades. Portanto, a interposição de deveres
causava ruídos, mas servia tanto para mostrar serviço, exercendo atribuições que
teoricamente não seriam suas, quanto para justificar a inoperância em determinados
casos, alegando a falta de jurisprudência sobre o assunto.
O que o Conselho Naval validou foi o caráter de autoridade do Capitão do Porto
sobre a organização e a dinâmica de funcionamento da região portuária do Rio de Janeiro.
É importante destacar que a Municipalidade não foi incluída nos poderes de polícia,
assunto para o último capítulo. Por enquanto, o que foi mostrado até aqui, era que ao
Capitão do Porto da Corte a quem os proprietários de embarcações deveriam recorrer em
casos de perigo ou de desentendimento com a tripulação. Repousava na figura dele o
347 Ibidem. 348 Grifo nosso. Ibidem.
146
comando dos trabalhos que articulava o contingente da Marinha e os setores privados
presentes no porto.
Assim sendo, o volume de responsabilidades a serem exercida na região portuária
mais importante do Império e da América do Sul exigiu um esforço “hercúleo” das
repartições do Governo Imperial para tentar impor e manter a “ordem” e a “civilização”
nos portos, principalmente no Rio de Janeiro349. Entretanto, desde os primeiros anos da
implementação da Capitania do Porto da Corte, as críticas e os obstáculos foram
constantes, pois diziam respeito, também, a uma retórica que visava, pelo lado do chefe
da repartição, destacar as dificuldades para valorizar o trabalho realizado. Da parte dos
ministros, os filtros que eram realizados desde a elaboração do relatório do Capitão do
Porto, que passava pelo Oficial do Quartel General antes, até o relatório final do
Ministério, terminavam por excluir questões importantes do cotidiano da repartição,
fazendo com que os documentos centrassem as atenções nas disputas políticas com as
municipalidades e na necessidade de mudanças estruturais.
Dessa forma, aquelas disputas, que diziam respeito essencialmente às jurisdições
de polícia e de aforamento, faziam parte da lógica de funcionamento do próprio porto,
que encerrava em si diferentes autoridades, locais e centrais, militares e civis. O
Regulamento previa o trabalho de coadjuvação das Capitanias com as outras autoridades
do Governo Imperial presentes no litoral. O que não eximia os conflitos entre elas. Assim,
a sobreposição de jurisdições não era gratuita, ela ampliava o raio de ação dos agentes do
poder central. E mesmo que houvesse tensões entre eles em determinados momentos, não
comprometeu o sentido centralizador do projeto conservador. Ao contrário, o consolidou.
Nesse sentido, os obstáculos foram criados pelos poderes locais – municipais e
provinciais –, ciosos das suas relações políticas e sociais historicamente estabelecidas,
objeto dos próximos capítulos.
Portanto, o Regulamento de 1846 foi questionado várias vezes, alterado em alguns
poucos pontos e acrescido de mais atribuições e mais autoridades que, ainda assim, não
o desfiguraram ou mudaram o caráter de autoridade de facto das Capitanias dos Portos
349 Sobre o mito da hidra e dos trabalhos de Hércules como metáforas dos desafios para a imposição de uma
ordem e do controle no mundo do trabalho, ver: LINEBAUGH, Peter; REDIKER, Marcus. A hidra de
muitas cabeças: marinheiros, escravos, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário. Trad. Berilo
Vargas. São Paulo: Cia. das Letras, 2008; GOMES, Flavio dos Santos. A Hidra e os Pântanos: quilombolas
e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX). 1997. 773 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, UNICAMP. Campinas, 1997.
147
sobre a polícia naval e tudo que a encerrava. Pelo contrário, no que tange ao controle
sobre os indivíduos com potencial para fazer parte da Armada, como em 1855, elas
ganharam atribuições específicas sobre o recrutamento e o engajamento de homens para
a Marinha, o que ganhou nova dimensão com o conflito bélico com o Paraguai.
149
3. “NADA PODEMOS TEMER”: VOLUNTÁRIOS, ENGAJADOS E
RECRUTADOS PELAS CAPITANIAS DOS PORTOS.
Presumo que as levas para o exército, qualquer que seja a nação de que se trate, classificam-se
por três maneiras: pode-se haver indivíduos para
o exército por conscrição, por contrato e arbitrariamente, ou, como alguém já definiu, por
meio de caçada. Firmemos bem nossas ideias; eu
só conheço estas três formas de recrutar, isto é,
arbítrio, conscrição e contrato.350
Os debates no Parlamento sobre as formas de preencher o corpo militar do Império
se deram em torno dessas três possibilidades elencadas na epígrafe deste capítulo pelo
futuro Visconde de Albuquerque: o alistamento voluntário, o engajamento (através de
contratos por tempos determinados) e o recrutamento351. Não só no Exército, mas também
na Marinha, adquirir pessoal preparado – ou ao menos o que se esperava que fosse uma
pré-habilitação – foi uma questão polêmica e que despertou muitos atritos e negociações
entre esferas de poder diversas.
As capitanias dos portos foram mais um importante componente nesse processo.
A sua criação gerou a expectativa da formação de um cadastro de reserva para a Armada
Imperial a partir da matrícula dos trabalhadores marítimos; essa percepção foi uma
constante no imaginário e nos discursos políticos e institucionais relacionados às funções
essenciais dessas repartições. No entanto, esse método não foi consenso entre os
parlamentares e o uso de métodos coercitivos, como o recrutamento, foi sempre colocado
como o principal instrumento de aquisição de indivíduos, ainda que fortemente criticado
pelo seu caráter violento. A distância entre o que se desejava e o que era possível realizar
concretamente ficou exposto nos relatórios ministeriais e dos capitães dos portos, bem
como nos debates no Parlamento.
Com a crescente tensão política na Região do Prata, junto à uma necessidade
crônica de formar corpos militares e à restrição do acesso ao dispositivo do recrutamento
350 BRASIL. Anais do Senado do Império do Brasil. Fala do senador Antonio Francisco de Paula e Holanda
Cavalcanti de Albuquerque, sessão de 1º de julho de 1854. Senado Federal: Brasília, 1978, p. 10. 351 Conforme Hendrick Kraay, no Oitocentos, recrutamento significava o mesmo que recrutamento forçado.
A partir daqui o termo será usado com esse significado. KRAAY, Hendrik (1999). Repensando o
recrutamento militar no Brasil Imperial. Revista Diálogos, n. 3, vol.3, 1999. Disponível em:
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/37540. Acessado em: 20 out. 2019.
150
pelos poderes locais, houve a necessidade de estabelecer claramente, no caso da Marinha,
suas efetivas competências. As definições passavam por esclarecer a quem consistia o ato
da conscrição – arbitrária ou voluntária – de indivíduos, quais seriam as formas de fazê-
lo e, também, como dotar as repartições militares de instrumentos legais que
possibilitassem a intensificação dos recrutamentos sobre os “indivíduos da vida do mar”
e, ao mesmo tempo, o incentivo ao engajamento voluntário.
A partir de 1855, as capitanias dos portos, junto com os presidentes de província
e os comandantes das Estações Navais, passaram a fazer o recrutamento e o engajamento
de forma sistemática. A Capitania do Porto da Corte ficou responsável pelo controle,
organização das informações e o encaminhamento dos recrutados e dos engajados na
província e, também, daqueles enviados pelas demais. Junto com o Quartel General da
Marinha, foram administrados os “livres” e os libertos para serem enviados para os navios
da Armada. Na década de 1860, com a Questão Christie e, principalmente, a partir de
1865 com a Guerra do Paraguai e o seu prolongamento muito além das expectativas, as
capitanias dos portos tiveram um importante papel no envio de homens para a frente de
batalha platina.
3.1. O DECRETO Nº 1.591: A REORGANIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE
ENGAJAMENTO E DE RECRUTAMENTO E A RELEVÂNCIA DAS CAPITANIAS
DOS PORTOS.
Coligidas por José Maria da Silva Paranhos, Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios da Marinha, as instruções do Decreto nº 1.591, assinado pelo imperador em 14
de abril de 1855, tinham como intuito consolidar regras para o recrutamento e o
engajamento de homens para a força naval do Império. Determinava que dali por diante
três instituições receberiam as ordens centralizadas na Secretaria de Estado dos Negócios
da Marinha e controlariam e organizariam a tarefa do alistamento de voluntários: os
Presidentes das Províncias (por meio das capitanias locais), a Capitania do Porto da Corte
e Província do Rio de Janeiro e os Comandantes das Estações Navais.352 O recrutamento
era um encargo das capitanias dos portos,
Art. 6º. [...] nos portos e mais lugares onde estas Estações puderem
eficazmente desempenhar a dita comissão, e por intermédio das
352 BRASIL. CLI, Decreto n° 1.591 de 14 de abril de 1855. Manda observar as Instruções por que deve ser
feito o alistamento de voluntários e de recrutas para o serviço da Armada., Artigo 2º.
151
Autoridades e Agentes que o Governo no Município da Corte e os
Presidentes nas Províncias designarem em todos os outros lugares.353
A regra então vigente, advinda do Regulamento de 1846, não deixava clara a ação
do recrutamento, pois não possuía um artigo dedicado à ação específica de engajar
homens para a Marinha de Guerra. A única referência à conscrição constava do artigo 68,
que determinava simplesmente que
Todos os indivíduos empregados na vida do mar serão isentos da
Guarda Nacional, e dos mais ônus civis. Serão, porém, sujeitos ao
serviço naval da Marinha de guerra, todas as vezes que for necessário,
e segundo suas circunstâncias.354
Ao mesmo tempo em que o artigo foi construído de forma simples e direta, ele
dispunha sobre duas questões importantes. Uma, era a isenção ao serviço na Guarda
Nacional. Esse ponto, que foi reiterado pelo decreto de 1855, foi uma importante
ferramenta para aqueles isentos ou que queriam se isentar da participação ao longo dos
recrutamentos para a guerra do Paraguai. A outra, diz respeito à matrícula em si na
repartição. Se por um lado isentava da atuação na Guarda, ainda mantinha o matriculado
sob o peso da possibilidade do recrutamento, mesmo que as isenções previstas
garantissem uma margem de segurança a um significativo número de trabalhadores
marítimos.
De qualquer forma, o regulamento de 1855 determina que estavam sujeitos à
conscrição pelas capitanias dos portos os cidadãos brasileiros de 18 a 35 anos e aqueles
matriculados nas repartições. Ainda dentro dessa generalidade havia estratificação; os
capitães dos portos deveriam dar preferência no recrutamento àqueles homens que
estivessem incursos em alguma falta contra o regulamento das capitanias.
Durante os períodos mais intensos de recrutamento, os matriculados na Capitania
da Porto da Corte buscaram nela tanto a isenção do serviço na Guarda Nacional, que dos
portos do Norte ao Sul da província fez seguidos recrutamentos entre pescadores,
carpinteiros, calafates e marinheiros, como do recrutamento para a Armada, que foi
recrudescido a partir de 1866. A repartição, ainda que com a função de ser o agente
recrutador do Governo Imperial, também foi o lugar onde aqueles que deveriam ou não
queriam servir buscavam eximir-se da luta.
353 Ibidem. Artigo 6º. 354 BRASIL. CLI, Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Artigo 68.
152
A Capitania do Porto da Corte passou a gerenciar, junto com o Quartel-General,
tanto as informações quanto os próprios indivíduos que eram enviados ao Rio de Janeiro
pelos presidentes de província. Estes, por sua vez, recebiam os engajados e os recrutados
recolhidos pelos capitães dos portos. A repartição da Corte realizava, em seguida, uma
segmentação, os homens eram enviados, a partir da idade, da compleição física ou da
razão da captura, para a companhia de aprendizes marinheiros ou para a Fortaleza de
Villegaignon ou para aos navios de guerra surtos no porto da cidade.
Art. 33. Todos os indivíduos alistados no Município da Corte e Província do Rio de Janeiro serão remetidos à Capitania respectiva, a
qual os remeterá logo, se forem voluntários que queiram servir como
avulsos, para bordo do Navio que servir de Depósito da Marinhagem, à disposição do Comandante da Estação Naval, e se forem recrutas ou
voluntários pertencentes aos Corpos de Marinha, para a Fortaleza de
Villegaignon, à disposição do Comandante Geral do Corpo de Imperiais
Marinheiros. Art. 34. Nas outras Províncias proceder-se-á semelhantemente, sendo
todos os voluntários e recrutas remetidos às Capitanias respectivas,
onde as houver, depositados a bordo de um Navio de Guerra, ou Quartel da Marinha, e na falta deste, nos lugares que forem designados pelos
Presidentes, para daí seguirem na primeira ocasião oportuna para a
Corte, onde serão entregues na Fortaleza de Villegaignon ao
Comandante Geral do Corpo de Imperiais Marinheiros.355
A cada final de semana, deveria ser enviado ao Ministro um relatório com a
relação de “[...] todos os voluntários e recrutas que na dita semana houver remetido ao
Comandante Geral do Corpo de Imperiais Marinheiros, e ao Comandante da Estação
Naval”. Estes, por sua vez, deveriam também relatar sobre todos os indivíduos recebidos.
Além disso, os recrutadores que apresentaram os recrutados e os engajados deveriam
fazê-lo com a apresentação de uma listagem. Nelas, deveria conter o nome, a idade, a
naturalidade, o lugar da residência, o estado de saúde e a profissão de cada um deles.356
As despesas com o recrutamento tiveram um orçamento separado das despesas
ordinárias das capitanias. Na Bahia, na Corte, no Maranhão, em Pernambuco e no Pará o
Governo Imperial devia fornecer mensalmente a quantia necessária com as despesas de
alistamento e recrutamento357. As quantias destinadas à Corte seriam estabelecidas pelo
355 BRASIL. Decreto n° 1.591 de 14 de abril de 1855, Artigos 33 e 34. Op. Cit. 356 Ibidem. Artigos 35 e 39. 357 Ibidem. Artigo 7º. Cada um dos Oficiais que pelos Capitães dos Portos forem incumbidos do alistamento
de voluntários perceberá por este serviço especial uma gratificação, na razão de dois mil réis por cada praça
idônea que contratar. Os mesmos Oficiais terão a seu cargo o serviço do recrutamento que se fizer pelas
Capitanias, e por isso perceberão uma gratificação abonada como a primeira, e que não excederá de cinco
mil réis por cada recruta que efetivamente alistarem.
153
Ministério da Marinha. Para as demais e as Estações Navais, essas quantias seriam
determinadas pelos presidentes das províncias a partir dos créditos que lhes eram
destinados.358
A partir do novo decreto de 1855, os cidadãos brasileiros que se encaixavam nas
exigências do Regulamento de 1846, no seu Capítulo II, Título IV, foram expostos ao
serviço na Armada de maneira mais objetiva. Em 1866, isso ganhou força com as novas
vantagens para o alistamento e o engajamento na Marinha publicadas naquele ano, que
serão tratadas adiante. No caso do Exército, com a criação dos Voluntários da Pátria359,
em 1865 e os estímulos pecuniários em 1867360. Ainda assim, o serviço militar deixava
assustada e refratária a maior parte da população, para quem ser matriculado nas
capitanias dos portos, a partir de 1866, passou a ser um risco iminente de envio para os
navios de guerra.
Nesse sentido, a matrícula ganhou novos significados. Se se determinava os
agentes recrutadores e os sujeitos a serem recrutados no decreto, as isenções também
foram redesenhadas. Para os homens envolvidos com o trabalho marítimo, embarcado ou
na pesca, a matrícula se apresentava como uma faca de dois gumes, que simultaneamente
protegia do recrutamento para o Exército, através da isenção para a Guarda Nacional361,
e mantinha a exposição à possibilidade da guerra através da convocação para a Armada.
Se a profissão não isentava a todos do serviço na Marinha, apresentava uma possibilidade
real e tangível de fugir da guerra e garantir a dispensa do Exército. Como será analisado
358 Ibidem. Artigos 46 e 47. 359 BRASIL. CLI, Decreto nº 3.371 de 7 de janeiro de 1865. Cria Corpos de para o serviço de guerra em
circunstâncias extraordinárias com a denominação de – Voluntários da Pátria – estabelece as condições e
fixa as vantagens que lhes ficam competindo. “Art. 2º. Os voluntários, que não forem Guardas Nacionais,
terão, além do soldo que percebem os voluntários do Exército, mãos 3000 réis diários e a gratificação de
300$000 quando derem baixa, e um prazo de terras de 22.500 braças quadradas nas colônias militares ou
agrícolas.”
“Art. 3º. Os Guardas Nacionais, praças de pret, que se apresentarem, serão alistados na primeira Linha com
as mesmas vantagens do art. 2º, passando nos postos, que tiverem nos corpos da mesma Guarda, a que
pertencerem.” 360 BRASIL. CLI, Decreto nº 3.972 de 2 de outubro de 1867. Concede aos voluntários e aos Guardas
Nacionais designados para o serviço da guerra a gratificação de trezentos mil réis, sem prejuízo das vantagens garantidas pelo Brasil. 361 Nos relatórios da década de 1860 e em diversos ofícios enviados à Secretaria de Estado da Marinha
nesse período, o capitão do porto da Corte relatava a constante presença de indivíduos que não eram da
vida do mar entre os matriculados na repartição, ou que ainda constavam como tal, mesmo não atuando no
serviço marítimo ou na pescaria e, portanto, não poderiam mais estar no rol dos alistados como
trabalhadores marítimos, e por isso sujeitos ao recrutamento. Diante dessas questões, dentre os muitos
pedidos do chefe da repartição, havia a insistência em criar outras delegacias no interior da baía e do litoral
sul do Rio de Janeiro para melhorar a vigilância e o recrutamento. Era preciso atualizar a lista dos
matriculados para incluir os novos trabalhadores marítimos e excluir aqueles que se mantinham nela por
conveniência.
154
adiante, a repartição funcionou, para aqueles inscritos no rol das isenções, a possibilidade
de garantir o direito de não servir no conflito platino através dos dispositivos
institucionais e legais e fora dos arranjos políticos locais.
Dentre os isentos desse procedimento, o artigo 27 especificava os calafates e
carpinteiros, além dos patrões e arrais de embarcações de venda de mantimentos ou pesca:
1º Os casados ou viúvos com filhas ou filhos menores;
2º Os filhos de viúva ou viúvo, cuja subsistência esteja a seu cargo;
3º Os irmãos que sustentarem irmãos menores;
4º Os menores de 18 anos que estiverem efetivamente empregados
como praticantes em navios mercantes Nacionais;
5º Os Calafates e Carpinteiros;
6º Os patrões ou Arraes efetivos de barcos Nacionais que se
empregarem em conduzir mantimentos ou na pesca.362
É possível compreender, assim, a busca pela matrícula nas capitanias, primeiro
com objetivo de se tornarem isentos do serviço na Guarda Nacional, instituição que fez
seguidos recrutamentos entre os pescadores e os marinheiros nos portos de Norte a Sul
da província. Além disso, sobretudo durante os períodos mais intensos de recrutamento,
para se verem livres do recrutamento para a Armada. Ou seja, a repartição cumpriu uma
função paradoxal; mantinha sua função como o agente recrutador oficial do Governo
Imperial nos mares, e, ao mesmo tempo, também foi o lugar procurado por aqueles que
buscavam se eximir da luta, ainda que, por lei, devessem participar do conflito.
É possível compreender o decreto pelo prisma da tentativa de melhorar as
condições de engajamento de voluntários, determinando as classes e tipologia dos futuros
admitidos. Os homens deveriam ser fortes, sadios e acostumados à vida do mar, na
maioria dos casos, e podiam se engajar em seis classes. Na primeira, serviriam como
Grumetes. Na segunda, podiam ser contratados por um a três anos. Na terceira, pelo prazo
de seis a oito anos, dispensando-se aí a experiência da vida marítima. Na quarta classe,
poderiam se alistar no Corpo de Imperiais Marinheiros os cidadãos brasileiros de 18 a 35
anos, “ou até 40, sendo homens do mar; fortes, sãos, e capazes de todo o serviço”. Na
quinta, aqueles entre 18 e 45 anos para o Batalhão Naval, abrindo-se a possibilidade de
contratação de estrangeiros com a devida autorização do Governo Imperial, todos com as
362 BRASIL. Decreto n° 1.591 de 14 de abril de 1855, Artigo 27. Op. Cit. O Aviso de 16 de outubro de
1860 reiterou que os calafates e os carpinteiros estavam isentos do recrutamento forçado, mas sujeitos ao
serviço como artífices na Marinha de Guerra.
155
mesmas qualificações da quarta classe. Finalmente, na sexta classe, poderiam ser
alistados como Aprendizes Marinheiros os cidadãos brasileiros de 10 a 17 anos “de
constituição robusta e apropriada à vida do mar. Poder-se-á também admitir menores de
10 anos, que tenham suficiente desenvolvimento físico para os exercícios do
aprendizado”.363
Ficou estipulado, também, os prêmios que seriam pagos aos voluntários alistados
a partir daquela data. Aqueles da primeira classe, ou seja, os alistados para o serviço da
marinhagem, receberiam somente o soldo de 20$000 réis, que havia sido aumentado
através do decreto nº 1.466 de 25 de outubro de 1854364. As outras classes receberiam,
além dos soldos marcados, os seguintes prêmios constantes da tabela abaixo.
363 BRASIL. CLI, Decreto n° 1.591 de 14 de abril de 1855, Artigo 13. 364 BRASIL. CLI, Decreto n° 1.466 de 23 de outubro de 1854. Aumenta os soldos da Marinhagem, e dá
outras providências relativas a essas praças da Armada.
156
Quadro 5: Prêmios para os alistados na Armada – 1855.
2ª Classe
Valores Tempo de
contrato
Forma de pagamento
Grumete 10, 22 ou
30$000 réis
Um, dois ou
três anos
Um ano: integralmente quando
assentassem praça; nos demais,
em três prestações, sendo a
primeira no ato do
assentamento, a segunda na
metade do contrato e a última
ao final.
Marinheiros 20, 45 ou
70$000
Um, dois ou
três anos365
3ª Classe
Grumete 10, 22 ou
30$000 réis,
mais 7$500
Um, dois ou
três anos
Um terço quando assentassem
praça; um terço ao fim do
primeiro ano e o restante ao
final do prazo de alistamento.
Marinheiros 20, 45 ou
70$000 réis,
mais 17$500366
Um, dois ou
três anos
4ª Classe
Grumete 70$000
- Um terço quando assentassem
praça; um terço ao fim do
primeiro ano e o restante ao
final do prazo de alistamento. Marinheiros 100$000 -
5ª Classe
Batalhão Naval
(menos de 40
anos)
150$000 - Um terço quando assentassem
praça; um terço ao fim do
primeiro ano e o restante ao
final do prazo de alistamento.
Batalhão Naval
(maiores de 40
anos)
100$000 -
5ª Classe
Aprendizes
marinheiros
100$000367 - Integralmente, no ato da integra
dos menores.
Fonte: Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo XVIII, Parte II, 1855.368
365 “Além do prêmio receberão mais os referidos voluntários, se diretamente se apresentarem, a gratificação
de quatro mil réis, sendo Estrangeiros, e a de cinco mil réis, sendo Nacionais. Ibidem, artigo 15. 366 “Excetuam-se os que não forem homens do mar, e tiverem mais de 40 anos de idade, os quais poderão
alistar-se com as condições dos da 3ª Classe, mas sem aumento de prêmio. Ibidem, artigo 16. 367 “O prêmio dos voluntários menores, destinados para as Companhias de Aprendizes Marinheiros, será
de cem mil réis, e se abonará aos pais, tutores ou quem suas vezes fizer”. Ibidem, Artigo 19. 368 BRASIL. Decreto n° 1.591 de 14 de abril de 1855, Artigos 15 a 21. Op. Cit.
157
O Decreto nº 1.591 acabou por consolidar dois pontos que haviam sido frutos de
intensos debates no Senado no ano anterior. Um deles foi a própria remuneração dos
prêmios, que se relaciona aos valores contidos na tabela acima, e o outro foi o processo
decisório. O Decreto nº 1.466, mencionado anteriormente, havia aumentado os soldos e
o de 1855, alterou os prêmios e as gratificações por engajamento. Ambos foram debatidos
nas sessões do Senado dedicados ao estabelecimento das receitas e despesas da Marinha
para o ano financeiro do período de 1855-1856, no qual previa os aumentos mencionados.
O segundo ponto estava relacionado ao Artigo 2º do decreto de 1855, que estabelecia que
“as ordens mandando proceder à leva de gente para o serviço da Armada serão expedidas
pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha [...]”. O Senado debateu e rejeitou o
projeto, conforme será apresentado a seguir, que dava às assembleias provinciais a
iniciativa do processo de recrutamento para as forças policiais locais, ao contrário do que
estipulava a Constituição.
Ao reiterar os agentes do poder central como instrumentos de conscrição
arbitrária, o decreto retirou dos poderes locais, definitivamente, a possibilidade de
reivindicar o direito de recrutar homens para as suas forças sob qualquer argumento. Os
debates demonstram a importância de não permitir às províncias as condições para a
formação de “exércitos” subjugados aos interesses locais, muitas vezes contrários àqueles
do Governo Imperial. Salienta-se que, ainda que o projeto debatido se relacionasse à força
policial, ou seja, forças de terra, era preciso circunscrever ao máximo o raio de ação das
assembleias provinciais e não abrir precedentes que permitissem uma nova tentativa no
mesmo sentido.
Por sua vez, ao estipular novos valores para prêmios e gratificações de
engajamento, tentavam estimular o voluntariado em detrimento do recrutamento, que era
duramente criticado pelos parlamentares, apesar de ter sido prática comum. Ao mesmo
tempo, os senadores expunham suas opiniões com relação ao processo de formação da
força naval, demonstrando que a opção pelo arbítrio no alistamento não era consensual e
foi recheado de disputas e negociações.
Com relação ao projeto das assembleias provinciais, o caso é ilustrativo da força
que representava ter o controle sobre o recrutamento de homens para a formação de
contingentes para as forças locais e centrais.
158
3.1.1. Discutindo o decreto: a iniciativa do recrutamento não convém aos poderes
locais
Os senadores apreciaram o projeto da comissão encarregada de analisar a consulta
do presidente da Província do Rio Grande do Sul, em junho de 1854, sobre a reiterada
tentativa da Assembleia Provincial de iniciar o processo de recrutamento para as forças
policiais da região. Segundo o então presidente, João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu,
os deputados provinciais, ao fixarem a força policial para o ano 1852-1853, também
estabeleceram que, se o número de indivíduos engajados não chegasse ao número
desejado, seria providenciado o recrutamento de indivíduos até que as forças policiais
estivessem completas, promulgando, para tanto, o Decreto nº 263 de 30 de novembro de
1853. Cansanção de Sinimbú o rejeitou sob o argumento de que a Constituição reservava
à Câmara dos Deputados Gerais tomar a inciativa do recrutamento e que o Ato Adicional
de 1834 determinava que competia ao presidente da província dispor de tais forças,
cabendo à Assembleia somente fixá-las e não determinar a forma como elas seriam
compostas.369
A Assembleia Legislativa Provincial não se deu por vencida e insistiu em
determinar o recrutamento para a força policial riograndense através do um novo decreto
de nº 281. Desta vez, Cansanção de Sinimbu enviou ao Senado para que fosse debatido
pelos senadores a pertinência do seu veto. A comissão provincial encarregada de analisar
o decreto havia emitido parecer favorável, formalizando um projeto que estendia às
demais províncias o poder de iniciar o processo de recrutamento para as forças locais.
Os debates se estenderam por duas sessões e tiveram como foco das
argumentações a centralidade do direito de legislar sobre o tema e sobre iniciar o processo
de recrutamento de homens para diferentes forças militares ou civis; a formação de um
contingente subordinado ao poder local; as sobreposições de jurisdição que acarretariam
conflitos diversos, caso se aceitasse a iniciativa do recrutamento pelas assembleias
provinciais.
Os argumentos a favor do projeto defendiam que, se o Ato Adicional de 1834, que
estabeleceu as assembleias provinciais, autorizava fixar as forças policiais,
369 BRASIL. Relatório do Presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul apresentado na
Abertura da Assembleia Legislativa Provincial em 6 de outubro de 1853. Porto Alegre: Typographia. do
Mercantil, 1853, p. 15.
159
implicitamente atribuía o direito de preenchê-las na forma das leis vigentes, como definia
o decreto. Alguns dos senadores que se manifestaram a favor desse argumento foram
Pedro Rodrigues Fernandes Chaves, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, Francisco Gê
Acaiaba de Montezuma (futuro Visconde de Jequitinhonha) e Paulino José Soares de
Sousa (futuro Visconde de Uruguai). Este assegurava que àquelas instâncias somente
seria dada a autorização para mandar fazer; quem seria efetivamente o responsável pelo
procedimento era o presidente da província, “um delegado do governo imperial”370.
Os defensores afirmavam que a Constituição atribuiu à Assembleia Geral, ou seja,
à Câmara dos Deputados, fixar o contingente das Forças Armadas e fazer o recrutamento.
Portanto, se o Ato Adicional atribuía o procedimento de fixar as forças policiais nas
províncias às suas assembleias, mesmo que não constasse explicitamente, estava implícito
que se autorizava, como no caso da Assembleia Geral, estipular as forças policiais locais
e a fazer o recrutamento necessário. Para Fernando Chaves, o recrutamento era essencial,
porque o engajamento nunca seria suficiente, pois
[...] ninguém se sujeita voluntariamente à chibata em um país como o
Brasil, onde os meios de subsistência são tão fáceis; não se pode
imaginar que um indivíduo se desprenda dos cômodos da vida civil para se entregar voluntariamente às fadigas da vida de soldado. O indivíduo
que se engaja tem diante de si a perspectiva de ser obrigado a servir
certo número de anos ou de engajar-se; sujeita-se ao engajamento
porque se o não fizer será recrutado. Pode dizer-se que isto seja ato espontâneo e livre da parte do engajado? A consequência é que o
engajamento vem a ser um meio de recrutamento, mais suave sim,
debaixo de feições mais doces, mas não deixa de ser recrutamento.371
O senador tentava igualar o engajamento com o recrutamento de forma a justificar
que, ao se autorizar fazer o primeiro, se autorizava fazer o segundo. Contra este
argumento de Fernando Chaves, o senador D. Manuel de Assis Mascarenhas, contrário
ao projeto, destacou que o engajamento nada tinha de equivalente ao recrutamento; que
aquele se dava em bases contratuais presumindo a igualdade de condições entre os
indivíduos, sempre de maneira espontânea. Já no recrutamento, a sujeição do recrutado
se dava pela disciplina militar, à qual era forçado. Nesse sentido, defendeu que as
assembleias provinciais podiam contratar, mas não podiam coagir, “porque esse direito
tremendo deu-o a Constituição do Estado exclusivamente ao poder legislativo geral com
370 BRASIL. Anais do Senado do Império do Brasil. Sessão de 1º de junho de 1854. Senado Federal:
Brasília, 1978, p. 13. 371 Ibidem, p. 6.
160
iniciativa na Câmara dos Deputados [...]”372. Segundo o senador Antônio Luís Dantas de
Barros Leite, também contrário ao projeto,
O recrutamento é uma calamidade que só pode ser justificada pelas
necessidades do Estado, e quem julga dessas necessidades é a
assembléia geral, que tem nisto uma atribuição muito importante com
que contrabalança a do poder executivo de declarar a guerra; não pode,
portanto, ser dada às assembleias provinciais.373
Se os defensores do projeto provincial afirmavam que estava implícita a
autorização às respectivas assembleias, os contrários insistiam que nenhum artigo da
Constituição autorizava tal procedimento, muito menos o Ato Adicional. Além de D.
Manoel e Dantas, o senador Pedro de Araújo Lima, Visconde de Olinda e futuro Marques,
asseverou que havia tempo que procedimentos semelhantes vinham ocorrendo, mesmo
com os pareceres contrários do Conselho de Estado. O Visconde defendeu que, mesmo
que as assembleias provinciais viessem legislando fora da sua alçada e que houvesse a
hipótese de a Constituição também as autorizar a iniciar o recrutamento, nos artigos do
Ato Adicional que marcavam as atribuições exclusivas delas, não constavam o direito de
legislar sobre o recrutamento. E como não podiam legislar sobre aquilo não lhe
competiam, logo não poderiam propor o decreto que promulgaram.374
Interessa compreender que o projeto trazia sérias questões de sobreposições de
jurisdição entre o Legislativo geral e o provincial, como alertava o senador Joaquim José
Rodrigues Torres (futuro Visconde de Itaboraí). Afirmava que a aplicação da lei do
recrutamento para preencher corpos policiais das províncias significava ampliar o sentido
da mesma lei além dos seus propósitos, que era marcar um certo número de indivíduos
sujeitos ao serviço militar, o que não seria uma atribuição das assembleias provinciais.375
Os senadores contrários insistiam em reiterar que havia uma diferença clara entre
a competência de fixar a força, ou seja, indicar o número de indivíduos necessários e a de
legislar sobre o recrutamento, ou seja, determinar como esses indivíduos seriam
adquiridos. Se as disposições sobre a fixação de forças eram idênticas na Constituição e
no Ato Adicional, ao atribuir à Câmara dos Deputados e às Assembleias Provinciais essa
372 Ibidem, p. 17. 373 Ibidem, p. 8. 374 Ibidem, p. 14. 375 Ibidem, p. 9.
161
ação, com relação ao recrutamento, a Constituição era clara ao caráter exclusivo da
primeira, como voltou a defender Rodrigues Torres.376
Manoel Vieira Tosta (futuro Marquês de Muritiba) e José Antônio Pimenta Bueno
(futuro Marquês de São Vicente) reiteraram que o Ato Adicional não revogou nenhum
artigo da Constituição, muito menos os relacionados à iniciativa do recrutamento.
Portanto, definitivamente, não caberia às assembleias provinciais tal iniciativa. Além do
mais, para Tosta, essas assembleias eram o local dos interesses particulares; das
desavenças locais, em detrimento do interesse do Estado Imperial.377
Para Pimenta Bueno, de acordo com o direito constitucional, a interpretação da lei
não podia ser feita a partir de inferências. A investidura de poderes devia ser delegada de
maneira expressa e positiva, o que não ocorreu com a iniciativa do recrutamento com
relação às províncias, que não deveriam tê-lo expandido aos seus interesses.
O poder de recrutar inclui em si o poder de suspender o habeas corpus,
uma das garantias constitucionais de um país; é sujeitar um cidadão à prisão sem processo, é forçá-lo a uma contribuição maior do que os
impostos, é pedir-lhe seu sangue, sua vida. Pergunto, não é um poder
soberano? É. Convém que seja dado aos poderes locais? Certamente
que não.378
Cabe, ainda, salientar que o ato de autorizar às assembleias provinciais a ação do
recrutamento para forças policiais, além de tirar da Câmara dos Deputados, ou seja, do
Estado Imperial, a primazia dessa atribuição, significaria, também, reduzir de alguma
forma as possibilidades de recrutamento de indivíduos para as Forças Armadas em épocas
de paz. Se fosse dada tal prerrogativa às províncias, representaria a descentralização do
processo de recrutamento, e consequente fortalecimento dos interesses locais, seguindo
um caminho contrário ao movimento político do período de centralização política.
Caso o projeto fosse aceito, seria permitido às províncias a formação de
“exércitos” locais, que eventualmente potencializaria os conflitos contra o Governo
Imperial, fortalecendo-as e as suas redes de sociabilidade paternalistas, gerando ou
aumentando a instabilidade política. É importante destacar que fazia menos de dez anos
da Praieira, a última revolta liberal, uma das mais importantes do segundo reinado e que
376 Ibidem, p. 12. 377 Ibidem. Sessão em 2 de junho de 1854, p. 25. 378 Ibidem, p. 30.
162
marcou significativamente o imaginário político e institucional do Império.379 Além do
caráter institucional, os indivíduos recrutados pelas províncias não quereriam o serviço
nas Forças Armadas, uma vez que, além muito duro, era realizado distante da sua
localidade.
Tanto é assim que a análise do Decreto nº 1.591 mostra que havia sido
determinado especificamente que os presidentes de província, os capitães dos portos e os
comandantes das estações navais estavam encarregados dos engajamentos e dos
recrutamentos, enquanto agentes diretos do poder central. Parece ter sido necessário, após
a discussão do projeto da comissão provincial, que José Maria da Silva Paranhos
estipulasse claramente a quem deveria a conscrição militar, fosse das forças de terra ou
de mar, reiterando claramente a exclusão dos poderes locais.
3.1.2. Discutindo o decreto: aumentar o engajamento contra o recrutamento odioso
No debate apresentado, que determinaria a forma definitiva pela qual a força naval
seria completada, também existiam questões pecuniárias como o projeto de aumento dos
prêmios. O mesmo Decreto 1.591 estipulou o tempo de serviço380 e o aumento dos
soldos381, regulamentando e ampliando as determinações dos Decretos n. 1.465 e 1.466 –
tudo previsto na proposta de fixação da força naval para o ano financeiro 1855-1856
apresentada ao Parlamento.
As principais críticas dos senadores à proposta recaíam sobre o aumento das
despesas do erário público e a sua eficácia em potencializar os engajamentos voluntários.
Questionavam, ainda, a possível substituição ou redução do recrutamento, visto que a
proposta ministerial também aumentava o tempo de serviço dos Imperais Marinheiros de
16 para 20 anos, com a modificação do soldo a ser recebido na reforma, que passava a ser
integral382.
379 Entre outros, ver: CARVALHO, Marcus J. M.; CÂMARA, B. A. D. A Insurreição Praieira. Almanack
Braziliense, v. 8, p. 05-38, 2008. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/alb/article/view/11691.
Acessado em: 14 dez. 2019. 380 BRASIL. CLI, Decreto n° 1.465 de 25 de outubro de 1854. Manda observar várias disposições relativas
ao Corpo de Imperiais Marinheiros. 381 Ibidem. Decreto n° 1.466 de 25 de outubro de 1854. 382 BRASIL. Decreto n° 1.465 de 25 de outubro de 1854. Artigo 1º. Op. Cit.
163
O senador Tosta, como exemplo, foi um dos contrários às modificações propostas.
Contestou tudo, da diferença do aumento dos prêmios e dos soldos, ao aumento do tempo
de serviço e a mudança do valor na reforma. De acordo com o senador, não havia um
valor fixo de prêmios por engajamento, mas esses valores eram arbitrados de acordo com
o momento e a vontade do ministro. Sendo assim, seria temerário fixar tanto o tempo
mínimo do contrato em um ano, como ficou estipulado no decreto, como a fixação do
valor dos prêmios, pois acreditava que não se sabia se essas medidas seriam úteis para o
aumento da marinhagem. Ao mesmo tempo, se se achassem que seria possível a elevação
do número dos engajados, defendia que fosse dada aos recrutados a mesma elevação, a
fim de desestimular as deserções.383
No tocante ao aumento do tempo de serviço, Tosta voltou a enfatizar a situação
desses militares, os recrutados, que nas suas contas, passariam a ganhar menos por mais
tempo de serviço. Ao fim de 12 anos, pela regra então vigente, um Imperial Marinheiro
chegaria ao final do seu tempo de serviço com um soldo de 22 mil réis. Pela proposta do
ministro da Marinha para a mudança, em 12 anos, o imperial marinheiro alcançaria o
soldo de 16 mil, com a obrigação de ainda continuar servindo até completar os 20 anos
previstos. Para Tosta, a proposta só serviria par aumentar as deserções, “[...] que é tão
bem-sucedida no nosso país”.384
O senador Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (futuro Visconde de
Jequitinhonha) também questionou o aumento das despesas com o engajamento como
solução para aumentar o número de praças da Armada Imperial. De acordo Montezuma,
e se referindo ao relatório do Ministro da Marinha, outros fatores influíam na redução da
entrada de novos recrutas, como o aumento do número das embarcações a vapor na
navegação de cabotagem, que precisava de uma tripulação menor. Esse fato reduziria a
formação de marítimos e assim dificultaria a aquisição de homens acostumados com a
vida do mar. Outro fator elencado pelo senador foram as epidemias de cólera e de febre
amarela que vinham assolando o Império durante aquela década e contribuíram também
para a redução da quantidade de recrutas disponíveis. Para Montezuma, a que se juntaram
outros senadores, caso o projeto do ministro fosse bem-sucedido, a população marítima,
383 BRASIL. Anais do Senado do Império do Brasil. Sessão em 14 de junho de 1854. Senado Federal:
Brasília, 1978, p. 246-247. 384 Ibidem, p. 249.
164
que não crescia ou mesmo diminuía em muitas províncias, se reduziria drasticamente,
prejudicando a marinha mercante.385
Em reposta aos senadores, o Ministro da Marinha, José Maria da Silva Paranhos,
defendeu o aumento do tempo de serviço alegando que o regulamento até então vigente
dos Imperais Marinheiros estabelecia o tempo de serviço de 16 anos e não 12, como havia
afirmado o senador (este tempo referia-se ao Batalhão Naval). Ao final daquele tempo,
um imperial marinheiro podia ser reformado com a metade do soldo e com uma
gratificação equivalente a um terço desse soldo. Na sua proposta, argumentou que, ao
mesmo tempo em que se aumentava em quatro anos o tempo de serviço, o marinheiro ao
final passava a receber o soldo no valor integral e a gratificação era elevada para o
equivalente à metade do soldo, o que na sua opinião seria suficiente para não estimular a
deserção e, ao mesmo tempo, encorajaria o cumprimento do tempo de serviço. Nota-se
que, em sua defesa, o ministro compara a situação brasileira com o engajamento e o
recrutamento na Inglaterra, explicando que lá os prazos longos somados ao aumento das
vantagens para o tempo de serviço respectivo mostraram-se mais convenientes para os
cofres públicos, como também para a formação do contingente naval.386
Com relação às críticas de Tosta e de Montezuma referentes à diferença dos
benefícios dado aos engajados voluntariamente e aos recrutados, Paranhos afirmou que o
objetivo era exatamente incitar o voluntariado em detrimento do recrutamento. Por isso,
era imprescindível que houvesse para o voluntário mais vantagens do que para o
recrutado.387 Também argumentou que a proposta de aumento dos prêmios por
engajamento teria efeito sobre os voluntários e, entre eles, principalmente, os
estrangeiros, de modo a não interferir no mercado de trabalho marítimo nacional.388
385 Idem. Sessão em 16 de junho de 1854, p. 281-286. 386 Idem. Sessão em 14 de junho de 1854, p. 262-263. Um exemplo dos desdobramentos dessa proposta de
aumento do tempo de serviço para 20 anos está na análise feita por Arias Neto do requerimento que 268
praças do corpo de Imperiais Marinheiros enviaram ao Imperador e ao Legislativo pedindo a revogação
parcial do que veio a ser o Decreto nº 1.465 de 25 de outubro de 1854. O pedido foi acatado parcialmente
pelo Conselho Naval e indeferido integralmente pela Seção de Guerra e Marinha do Conselho de Estado, que justificou a sua decisão usando os mesmos argumentos do ministro em 1854 de que o aumento do
tempo de serviço era acompanhado do aumento de vantagens. Reavaliando os dados, o autor desmonta os
argumentos da Seção, mostrando como o decreto não aumentou os engajamentos e pode ter sido a razão do
aumento de deserções a partir daquele ano. “Pode-se verificar, portanto, que no momento em que o Estado
procurava coibir o tráfico negreiro e ao mesmo tempo as tensões no Prata haviam se tornado bastante
graves, ou seja, em um momento de grande instabilidade nas relações externas do Império, não apenas o
recrutamento, como também o reapresamento, ou em outras palavras, a caça aos desertores haviam sido
bastante amplificados.” ARIAS NETO, José Miguel (2001). Op. Cit., p. 97-103. 387 Ibidem. Sessão em 16 de junho de 1854, p. 264. 388 Ibidem, p. 290.
165
O senador D. Manoel foi a favor do aumento dos prêmios como forma de
incentivar o engajamento de voluntários.
Oxalá que nós, despendendo algumas centenas de contos de réis,
pudéssemos completar a nossa armada somente com voluntários; oxalá
que nós pudéssemos prescindir do meio do recrutamento forçado, que
é sem dúvida nenhuma uma medida odiosa, a qual se tem tornado ainda mais odiosa pela terrível prática que dela se tem feito em todas as
províncias do império.389
Contudo, o senador foi contrário ao aumento do tempo de serviço. Defendeu que
tal medida, ao invés de favorecer o engajamento, afugentaria ainda mais os voluntários
para a Armada. Nesse sentido, mencionou a “inscrição marítima” (a matrícula dos
trabalhadores marítimos, notadamente aqueles envolvidos com a marinha mercante)
realizada na França e em alguns outros países como uma solução possível contra o
recrutamento, por isso defendia que os indivíduos deveriam ser recrutados nas províncias
marítimas e os soldados do Exército, nas demais.390
Estava claro que o estudo para a implantação de mudanças no meio marítimo se
baseou nas práticas internacionais, sobretudo dos Estados Unidos e dos países europeus.
Demonstrando as diferenças de aplicabilidade da legislação, Paranhos afirmou que a
“inscrição marítima” não era uma solução óbvia ou razoavelmente aplicável, como no
caso dos Estados Unidos, no qual havia o entendimento de que tal procedimento pudesse
causar prejuízos à marinha mercante. Ou na Inglaterra, onde havia críticos à matrícula
dos trabalhadores marítimos. Na Holanda, afirmou que havia um grande contingente de
população marítima, mas não tinha matrícula. Na Dinamarca, haveria a “inscrição
marítima”, mas o serviço era pelo curto prazo de dois anos, o que não causaria embaraços
à navegação comercial.
Caso a “inscrição marítima” fosse uma solução definitiva para o Brasil, Paranhos
lembrou da existência das capitanias dos portos e o arrolamento dos trabalhadores
marítimos do Império que vinha sendo feito e, portanto, já se vislumbrava a inciativa do
tipo de procedimento sugerido pelo senador. No entanto, para aprofundá-lo, era
necessária a iniciativa do Legislativo, quando este reconhecesse a oportunidade e a
conveniência. Com relação ao tempo de serviço, defendeu que só se dava com relação
aos recrutados e para os aprendizes de marinheiros que fossem incorporados aos corpos
389 Ibidem, p. 299. 390 Ibidem, p. 308-312.
166
militares, não sofrendo com isso os voluntários, que continuariam servindo no tempo já
estipulado em lei.391 Para D. Manoel, em sua tréplica, as capitanias dos portos eram uma
oportunidade de aplicar no Império brasileiro o modelo de “inscrição marítima” efetuado
pela França.392
O recrutamento, portanto, já era duramente criticado e a sua aplicação era
constantemente recheada de dúvidas e incertezas. A própria matrícula nas repartições da
Marinha não era um consenso como uma ferramenta de aquisição de homens para a
Armada Imperial393. Preencher os seus quadros não era simples ou óbvio, mas um
processo intercalado por disputas e negociações entre políticos; entre agentes do poder
central e do poder local; entre a população e essas personagens. O próprio Ministro da
Marinha mostrava-se reticente às possibilidades de eficácia das medidas sugeridas.
Enfim, senhores, pode ser que a medida não seja a mais conveniente. Eu também não tenho tal confiança nela que a dê como a melhor que se
possa conceber. Nestas matérias não podemos seguir senão como as
nações mais antigas, por ensaios, por tentativas, até chegarmos ao termo
cuja eficácia seja demonstrada pela experiência.394
Crítico à proposta, o senador Antônio Pedro da Costa Ferreira (futuro Barão de
Pindaré), por exemplo, questionava o que ele considerava uma proteção à província de
Minas Gerais e a falta de recrutamento por lá por não ser uma província marítima. Ele era
senador pela província do Maranhão e argumentava que muitas províncias marítimas
tinham seus recrutados “caçados” longe do mar, como era o caso do Rio de Janeiro, como
será visto mais a frente, na qual muitos dos recrutados na província vinham de cidades e
vilas do interior, com nenhum contato com a experiência marítima. Sugeriu, então, uma
partilha de regiões sujeitas ao recrutamento, uma vez que considerava este indispensável.
Uma parte viria daquelas que tinham região portuária efetiva e uma parte seria dividida
igualmente entre as províncias do Império. Costa Ferreira buscava reduzir a desigualdade
no fornecimento de recrutas entre as províncias, dado que ele verificava nos mapas dos
relatórios ministeriais nos quais Minas contribuía com um mínimo de indivíduos.395
391 Ibidem, p. 313-314. 392 Ibidem, p. 317. 393 Luiz Geraldo Silva afirma que o alistamento por meio das listagens das capitanias dos portos não era
um consenso dentro da oficialidade naval e continuava sendo uma questão entre as autoridades políticas,
como 1857, quando o Ministro da Marinha, José Antonio Saraiva defendeu o recrutamento em detrimento
da inscrição marítima. SILVA, Luiz Geraldo. A faina, a festa e o rito: uma etnografia histórica sobre as
gentes do mar (sécs. XVII ao XIX). Campinas: Papirus, 2001, p. 217. 394 Ibidem, p. 315. 395 Ibidem. Fala do senador Antônio Pedro da Costa Ferreira. Sessão em 17 de junho de 1854. Senado
Federal: Brasília, 1978, p. 326.
167
O senador também não concordava com o aumento das despesas com os prêmios
e as gratificações para o engajamento de voluntários. Para ele, os problemas com o
recrutamento não eram somente relacionados à captura em si. Costa Ferreira mencionou,
por exemplo, o transporte até a capital – um problema direcionado aos recrutados do
Norte, pois as diferenças climáticas, especialmente em determinadas épocas do ano,
podiam ser chocantes.
Em terra, até que cheguem à beira-mar, são amarrados e maltratados. Mesmo
à vista dos deputados, a bordo dos vapores, são tratados mil vezes pior do que
os negros que vêm da costa da África, porque vem no convés, expostos às intempéries, à chuva, ao sol e às ondas do mar; recebem péssima alimentação;
e como vem mal vestidos, quando passam para o sul do Cabo de S. Roque e
começa um novo clima, a que a gente do Norte não está acostumada, não
podem deixar de amaldiçoar o governo. Assim, como poderemos ter marinheiros? Acaso V. Exa. concebe, Sr. ministro, que homens assim tratados
quererão servir, mesmo quando se lhes pague bem?
Já para o senador Montezuma, os incentivos pecuniários também não eram
suficientes. A distância entre os valores pagos na Marinha de Guerra e na Marinha
Mercante ainda era grande, com desvantagem para o Estado. O ministro Paranhos
afirmava ser exatamente essa uma das razões principais do aumento dos soldos e dos
prêmios por engajamento; estimular a entrada e a permanência dos marujos.396 Na sua
réplica, Montezuma discorreu sobre a efetividade do aumento dos prêmios para os
engajados. Para o senador, os valores não eram suficientes para promover os interesses
de brasileiros e de estrangeiros para o serviço na Marinha de Guerra. Para ele, como há
muito tempo vinha-se tomando medidas nesse sentido, com nenhum indício de aumento
das conscrições, percebia-se que o problema a ser enfrentado era mais profundo e
guardava raízes na própria estrutura daquela sociedade.
Permita o nobre ministro, e mesmo o senado, que eu diga que o Brasil não
ama a liberdade porque seja uma deusa graciosa, formosa, benéfica, generosa.
Não, assim a amam os homens que não têm dentro do seu país a escravidão. Os brasileiros amam a liberdade porque têm horror à escravidão com quem
vivem, e de quem eles mesmos são os primeiros instrumentos de despotismo.
Já vê, pois V. Exa. que tudo aquilo que se assemelhar com o serviço do escravo
há de produzir indisposição no coração do cidadão brasileiro, não pode trazer
essa simpatia que favorece o engajamento.397
A verificação dos debates no legislativo é clara em transparecer que a maioria dos
parlamentares acreditavam que o recrutamento não vinha dando conta de preencher os
396 Idem. Sessão em 19 de junho de 1854, p. 374. 397 Idem. Sessão em 16 de junho de 1854, p. 365.
168
quadros da Armada, apesar do seu emprego generalizado. Ao mesmo tempo, afirmavam
que o incentivo proposto na reforma para o engajamento voluntário não era suficiente.
Ou seja, muitos problemas e poucas soluções. A aquisição de indivíduos para a Armada
foi uma atividade crítica e sem solução durante todo o longo Oitocentos. Como afirmou
o senador, o problema era bem mais profundo. O que pesava para a ausência e para a fuga
de indivíduos era a situação de extrema vulnerabilidade daquele trabalho, em condições
desfavoráveis, adversas mesmo, com confinamento constante, baixa remuneração e,
especialmente, a associação direta com a escravidão. Segundo Montezuma, “[...] presos
ali, eles se considerarão escravos, e não há dinheiro que seja suficiente para que o
brasileiro se equipare em serviço à condição de escravo”.398
Uma das constatações desta tese é que a violência do recrutamento e as condições
extremamente precárias do serviço militar se abateram sobre uma parte específica da
população, aquela mais pobre, de cor de pele escura, que não tinha como comprar um
substituto e que estava fora das redes de sociabilidade política locais, que ora conseguia
a isenção do serviço, ora ajudava-o, aprisionando desafetos e enviando-os para as
autoridades responsáveis.
O senador Holanda Cavalcanti, debatendo a fixação das forças de terra para o
mesmo período, afirmava sobre o recrutamento:
Como se faz o recrutamento? É cometido às autoridades desde as mais
pequenas até as mais elevadas. As autoridades pequenas não têm as
habilitações, o caráter dos homens que têm de ajuizar do direito dos indivíduos. Entretanto o ato do recrutamento é mais violento do que
uma prisão arbitrária, porque o recrutamento traz não só a prisão
imediata, mas uma renúncia dos foros do cidadão, a abnegação de todas
as comodidades, e uma votação exclusiva ao serviço do seu país. Esses homens têm dificuldade na discriminação dos recrutados; mas além da
dificuldade também têm suas paixões, suas desafeições, soltam aqueles
que se prestam, por exemplo, às eleições; e violentam, oprimem, afligem aqueles que não se acham no mesmo caso, aqueles que não se
prestam às suas vontades ou contra quem têm antipatia por qualquer
motivo.399
Cabe analisar que a chamada “inscrição marítima”, ou seja, a matrícula dos
trabalhadores marítimos pelo Estado, seria uma forma de superar a intervenção dos
poderes locais no recrutamento. Contudo, não houve consenso nem com relação a isso.
Durante os debates no Senado, ao menos nas sessões dedicadas à fixação das forças navais
398 Ibidem, p. 366. 399 Idem. Sessão em 21 de junho de 1854, p. 420.
169
naquele período, somente o senador D. Manoel mencionou as capitanias dos portos como
um agente recrutador viável. As dúvidas se debruçavam mais sobre os tipos de indivíduos
recrutados, em que regiões deveriam ser “caçados”, como melhorar a composição do
contingente naval, uma vez que o recrutamento era aplicado sobre as camadas mais
pobres da população, sem a instrução desejável ou algum “ofício mecânico” ligado à vida
no mar.
Os questionamentos vieram tanto da parte de senadores conservadores quanto dos
liberais, o que demonstra a necessidade de uma constante negociação do governo com as
forças legislativas, que, ao mesmo tempo, nem sempre eram de oposição. O tema do
recrutamento se mostrou delicado também por mexer com os interesses locais
representados na casa. No caso em tela, o recrutamento forçado como instrumento à
composição dos quadros de praças para a Armada surge como uma necessidade
questionável, uma realidade não óbvia, pelo menos no plano do discurso. Ainda que
fizesse parte da prática recorrente e constante ao longo do XIX, a sua aplicação, os agentes
e os meios ainda estavam em processo de formação e, quando reunidos para
regulamentação, não foram objeto de consenso, tendo recebido críticas e apoios tanto do
lado governista, quanto da oposição.
A associação do trabalho com a escravidão na Armada não era gratuita e no
entendimento do Governo Imperial era preciso qualificar a marujada do Império e as
formas de composição das praças da Marinha. Não por acaso, esse assunto esteve em
pauta naqueles anos quando foram criadas as primeiras companhias de aprendizes
marinheiros fora da Corte, as do Pará e da Bahia.400 Foi um momento de discussão sobre
o preenchimento dos quadros das forças navais e das formas mais apropriadas. Era quase
unânime que o recrutamento forçado não era a melhor opção. Ao mesmo tempo, a
matrícula dos trabalhadores marítimos tinha os seus adversários, tornando as capitanias
dos portos um elemento entre outros possíveis. Naquele momento, as companhias de
aprendizes marinheiros eram mais um elemento que possibilitava a formação do
marinheiro de maneira mais bem preparada.
O discurso da falta de mão de obra qualificada para a Marinha atravessou os
diferentes níveis da instituição militar, não só aqui, como também em Portugal,
400 BRASIL. CLI, Decreto nº 1.517 de 4 de janeiro de 1855. Cria uma Companhia de Aprendizes
Marinheiros na Província do Pará, e manda observar o Regulamento respectivo; decreto nº 1.543 de 27 de
Janeiro de 1855. Cria uma Companhia de Aprendizes Marinheiros na Província da Bahia.
170
constituindo a pauta das propostas para a melhoria da força naval, passando por diferentes
níveis da administração, chegando aos relatórios do capitão do porto da Corte, como foi
analisado nos capítulos anteriores. No momento em que o contexto político Imperial
voltava os seus esforços para a consolidação, esse processo gerou no comando das Forças
Armadas a necessidade de “melhorarem” o quadro dos empregados, quantitativamente e
qualitativamente, para que o aparelho coercitivo do Estado conseguisse corresponder às
expectativas com relação ao controle da sociedade e das fronteiras marítimas do Império.
Era preciso aumentar o número de indivíduos tanto da Marinha quanto do Exército, e isso
foi realizado através de diferentes maneiras e atores.
As forças policiais e a Marinha foram instrumentos essenciais do governo para o
controle dos mais pobres, pretos e pardos em sua maioria, incluídos no âmbito das
“classes perigosas”401, inserindo-os na rígida disciplina militar. Dessa forma, “[...] para
as autoridades públicas, mormente as policiais, a Marinha representava um espaço de
reclusão e correção para todos aqueles subentendidos como criminosos ou suspeitos de
tornarem-se criminosos, pelo tênue limite entre pobreza e ociosidade.” 402
Completar o quadro de marinheiros da Armada foi, portanto, um problema crônico
ao longo do século. O recrutamento foi uma constante tanto entre os navios mercantes
fundeados no porto do Rio de Janeiro como em terra, e contava com o apoio assertivo da
Polícia da Corte e, principalmente, da Província, que buscou indivíduos em todo o
território. Adiciona-se a isso a criação das companhias de aprendizes marinheiros que
tinham como objetivo “completar as lacunas deixadas pelo recrutamento forçado e pelo
engajamento voluntário, somando o contingente mínimo necessário ao funcionamento
dos vasos de guerra e quartéis da Marinha”.403
A primeira Companhia de Aprendizes Marinheiros do Brasil Imperial, criada em
1840, foi, até 1855, a única instituição a proporcionar instrução e educação aos
401 Conforme definição em CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 402 NASCIMENTO, A. P. Marinheiros em revolta: recrutamento e disciplina na Marinha de Guerra (1880-1910). 1997. 125 f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP.
Campinas, 1997, p. 47. Ver também, entre outros: NASCIMENTO, A. P. Do convés ao porto: a experiência
dos marinheiros e a revolta de 1910. 2002. 260 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, UNICAMP, Campinas, 2002; NASCIMENTO, A. P. “Ordem e Liberdade”: proposta
da marujada cidadã. In: CARVALHO, José Murilo de (Org.). Nação e cidadania no Império: novos
horizontes. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2007; NASCIMENTO, A. P. Trabalhadores negros e o
“paradigma da ausência”: contribuições à História Social do Trabalho. Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
vol. 29, nº 59, p. 607-626, setembro-dezembro-2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2178-
14942016000300003. Acessado em: 27 out. 2018. 403 Idem (1997). p. 49-51.
171
marinheiros recrutados e voluntários, servindo de modelo para as futuras instalações
sequencialmente criadas.404 Junto aos debates parlamentares sobre aumento dos soldos,
prêmios e gratificações, que ascenderam as discussões sobre o recrutamento e a
viabilidade do engajamento voluntário; junto com a rejeição de possibilitar as províncias
de iniciarem a conscrição arbitrária e, mais, junto da matrícula dos trabalhadores
marítimos, essas companhias foram importantes ferramentas no processo de tentativa de
aumentar os quadros da Marinha e de formar marinheiros mais qualificados.
As ideias positivistas de ordem e progresso, o uso da razão e da ciência que
vinham ganhando espaço no começo do século XIX, já permeavam o imaginário dos
políticos imperiais. A criação da Companhia de Aprendizes resultou como um indicativo
das contradições e das incertezas em relação ao processo de recrutamento e de
composição das praças da Armada Imperial e mostrou um relativo protagonismo de
oficiais e ministros militares da Marinha na elaboração de uma conduta institucionalizada,
possibilitando a criação de uma instituição que pudesse fornecer instrução e educação
básica aos jovens ingressos na Marinha.405
Gerar mão de obra militar e ainda ter um contingente disponível para o serviço de
polícia dos portos fez parte, também, da ligação entre a Marinha e os setores econômicos
da sociedade ligados ao setor de navegação na cidade e no de cabotagem. O indivíduo
disciplinarizado sob a lógica do trabalho embarcado e acostumado ao pagamento de
soldos baixos regulava para baixo os custos na Marinha mercante406. Tal ligação provocou
a modificação estrutural e técnica da instituição, formando uma estreita conexão desse
processo com o entendimento de direitos entre os marinheiros da Armada, forjando assim
a noção de uma cidadania que também foi uma realidade em outras repartições da
instituição. O aumento da intervenção das forças navais no cotidiano da sociedade
demandou, ademais, o crescimento da estrutura das oficinas da Marinha, fazendo dela um
importante espaço de trabalho “[...] vazado por ideologias, experiências e agentes sociais
localizados em posições assimétricas no plano das relações de poder”407.
404 DIAS, Jorge Antonio. O processo de criação e consolidação da primeira Companhia de Aprendizes
Marinheiros do Brasil Imperial (1840). 2017. 363 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-
Graduação em História, Política e Bens Culturais, FGV. Rio de Janeiro, 2017, p. 14. 405 Ibidem, p. 20. 406 ARIAS NETO, José Miguel (2001). Op. Cit., p. 48. 407 LACERDA, David P. Op. Cit., p. 24.
172
É preciso, então, analisar quem eram os indivíduos que foram recrutados pela
Capitania do Porto da Corte, onde viviam, quem agiu em seu nome e quais foram as suas
ações no controle e na organização das informações pertinentes ao envio dos recrutas para
o Rio de Janeiro. Agora que os discursos oficiais foram “ouvidos”, é preciso se debruçar
sobre a historiografia para analisar as informações organizadas pela documentação da
Capitania do Porto da Corte referente ao engajamento de estrangeiros e o recrutamento
de brasileiros na província do Rio de Janeiro nos 1865-1867.
O recrutamento foi criticado, posto em dúvida, incentivado e relativizado pelos
senadores. Se ele não foi uma certeza no plano do discurso parlamentar, no cotidiano dos
jovens e dos adultos brancos, pardos e pretos foi uma realidade concreta, constante,
violenta e assustadora.
3.2. VOLUNTÁRIOS, ENGAJADOS E RECRUTADOS: CORES, NATURALIDADES
E NACIONALIDADES
3.2.1. A Questão Christie e a preparação para a Guerra do Paraguai
O alistamento marítimo, a polícia dos portos e
rios, a inspeção profissional sobre o transporte
de objetos concernentes ao transporte marítimo
do País são certamente funções muito importantes e valiosas, que se não podem
desligar dessa Repartição, e que desde sua
existência tem usufruído a sua benéfica
influência.408
Nos primeiros dias de janeiro de 1863, o Ministério da Marinha enviou para todas
as capitanias dos portos, em avisos reservados, ordens para procederem ao alistamento da
gente do mar matriculada nas repartições e quaisquer outros indivíduos que pudessem ser
treinados e estarem a postos em caso de algum ataque por parte da Inglaterra. De acordo
com o presidente da província da Paraíba, as ordens deveriam ser cumpridas com
descrição e deveriam cuidar para que “[...] não haja o menor aparato, ou ostentação, como
acaba V. Exa. de ordenar-me, devendo aquela autoridade esforçar-se de maneira a que
esse ato se mostre espontâneo da população como deve sê-lo”.409
408 AN – SM, XM-1075. Relatório da Capitania do Porto e Província da Bahia de 1863. 409 AN – SM, XM-1074. Ofício reservado do presidente da província da Paraíba.
173
A Capitania do Porto da Paraíba enviou mais três ofícios para a presidência a
respeito do alistamento voluntário e das condições da fortaleza do Cabedelo, que afirmava
estar em estado impraticável para a defesa da nação em caso de ataque externo. Com
relação aos matriculados, Caetano Alves de Souza Filgueiras, capitão daquele porto,
afirmava que, ao final do mês de fevereiro, já contava com 300 alistados e estimava em
600 o número total dos indivíduos disponíveis naquela província, confiando que “[...]
todos os alistados se prestem com firmeza aos seus deveres, pois prontamente se
ofereceram em defesa da Nação.”410 Em 10 de abril, afirmava ter conseguido 500
alistados e que a maioria vinha fazendo rondas noturnas nos pontos mais vulneráveis a
desembarques hostis.411
Foram apurados o envio de ofícios reservados entre janeiro e abril de 1863 sobre
o alistamento voluntário – e discreto – dos matriculados nas capitanias dos portos de
Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Pará, Santa Catarina e São Paulo, províncias que
enviaram informações. A repartição alagoana enviou uma lista com 102 nomes de homens
alistados com a ajuda do subdelegado da província. A Capitania do Porto do Ceará enviou
uma com 129 matriculados. A do Espírito Santo não enviou uma listagem, nem um
número de alistados, mas avisou que estava providenciando as ordens ministeriais, apesar
da falta de condições materiais e humanas daquela província. Santa Catarina e São Paulo
também não informaram um número de alistados. A primeira afirmava que os
matriculados não demonstraram interesse no alistamento e que, mesmo que houvesse, não
havia condições de treinamento da pouca gente do mar daquela região. A repartição
paulista apresentou um plano de construção de uma instalação para o treinamento dos
eventuais alistados que aparecessem. O presidente da província do Pará avisou que havia
recebido a visita de 300 operários do Arsenal de Marinha e demais “gente do mar”
matriculados na capitania do porto.412
A província da Bahia foi a que informou ter alistado o maior número de
matriculados, 1.952 indivíduos e disso dava notícia o Ministro do Império, Marques de
Olinda, para o da Marinha em 24 de abril de 1863.413 Logo nos primeiros dias do mês de
fevereiro, o Capitão do Porto, Augusto Venceslau da Silva, afirmava já ter alistado 372
410 Ibidem. Ofícios reservados nos 1, 2 e 3 do capitão do porto da Paraíba. 411 Ibidem. 412 Ibidem. Diversos ofícios reservados dos capitães dos portos e presidentes de província de Alagoas,
Bahia, Ceará, Espírito Santo, Pará, Santa Catarina e São Paulo. 413 Ibidem. Aviso do Ministério dos Negócios do Império de 24 de abril de 1863.
174
matriculados na repartição baiana. Desde o dia quatro, ele afirmava que “todos se alistam,
todos estão à disposição do Governo Imperial como devem fazer os súditos brasileiros
em tal emergência [...]” e que o ministro podia contar com toda a população marítima da
capital e de toda a costa da província. Silva, como seus colegas, não deixou de registrar
sua apreensão com relação ao estado do armamento disponível e da artilharia, que se
encontrava toda desmontada, mas reafirmava que, uma vez feitas as melhorias “[...] nos
portos e costas, creio que nada podemos temer das marinhas poderosas”.414
O chefe da Capitania do Porto da Bahia, bem como os seus outros colegas, chamou
atenção para o “frenesi entusiástico” que havia tomado conta dos marinheiros, barqueiros
e pescadores da cidade. Entre os dias primeiro de fevereiro e primeiro de março, a
capitania recebeu nove declarações de alistamentos por escrito dos capatazes de diversas
estações, como da Primeira Escada das Amarras, dos cais de São João, do Comércio e da
Gamboa; dos alunos da pilotagem; dos mestres operários carpinteiros e calafates dos
diversos estaleiros, todas “por si e por seus matriculados”415. Todos fazendo declarações
de amor à pátria e de defesa da nação, como dos capazes da estação do Comércio, que
“desde já nos consideramos à disposição do Governo Imperial, e assim sempre nos
acharão, quando como agora, estiver empenhado na tarefa gloriosa de sustentar os brios
nacionais”. Ou do capataz da Gamboa, que não temia a força naval inglesa e conclamava
para que “[...] venham esses gelados do Norte ofender a nossa dignidade que nós os
faremos derreter com a chama ardente do nosso patriotismo aquecido ao sol do Brasil”.416
O ano começou agitado e colocou de prontidão todas as províncias marítimas do
Império. Esse pode ser considerado o primeiro esforço de levantamento dos trabalhadores
marítimos realizado coletivamente pelas capitanias dos portos e não foi sem razão. A
chamada Questão Christie foi o rompimento das relações diplomáticas do Brasil com a
Inglaterra. O diplomata plenipotenciário inglês William Dougal Christie ordenou o
apresamento de doze navios brasileiros no porto da Corte após o naufrágio de uma
embarcação inglesa na costa do Rio Grande do Sul, a morte de alguns tripulantes e da
denúncia de saque da sua carga em 1861 e a prisão de oficiais ingleses no Rio de Janeiro
em maio de 1862. Christie agia em represália ao que considerava a negligência e a falta
414 Ibidem. Ofício reservado da Capitania do Porto da Província da Bahia de 9 de fevereiro de 1863. 415 Ibidem. O mestre carpinteiro do segundo estaleiro declarou que “não só no que fica expresso neste papel,
como com qualquer quantia relativa às minhas posses, obrigando também os serviços de dez escravos
carpinteiros que possuo”. 416 Ibidem.
175
de respeito das autoridades brasileiras face às ofensas sofridas. Diante dos impasses e das
posições irredutíveis de ambas as partes, o Imperador D. Pedro II rompeu as relações
diplomáticas com o país, retomando somente com a guerra do Paraguai.417
Não é objetivo deste capítulo enveredar sobre este assunto, que merece o
aprofundamento necessário dos seus desdobramentos sobre a população do Império e as
conexões com o voluntarismo para a guerra do Paraguai. A agressão política inglesa não
foi pequena, teve efeitos simbólicos significativos sobre a sociedade brasileira e os
movimentos “reservados” das autoridades ministeriais foram no sentido de preparar o
Império para um eventual conflito armado, que naquele momento, parecia iminente. As
demonstrações de amor à pátria, de pertencimento à Nação (com a letra maiúscula que a
importância da palavra pedia à época), de defesa com doação de “sangue”, dinheiro e
escravizados foram muitas e os diversos ofícios dos capitães dos portos deixam claro o
entusiasmo popular diante da possibilidade de contribuir na luta contra o inimigo
estrangeiro. Esse entusiasmo não arrefeceu com o começo da guerra contra o Paraguai,
dois anos depois. Pelo contrário, a documentação indica que já com a Questão Christie
havia o estímulo à participação popular.
As medidas de levantamento desses indivíduos entusiasmados e disponíveis para
batalha e das condições do seu treinamento devem ter sido tomadas também pelo
Ministério da Guerra, encarregado das forças de terra. No caso da Marinha, as capitanias
dos portos possibilitaram o alistamento voluntário de cerca de 3.200 homens do Pará à
Santa Catarina e a apuração das condições estruturais das suas fortalezas, dos armamentos
disponíveis e das possibilidades de treinamento dos eventuais alistados. Às vésperas da
417 SINÉSIO, Daniel Jacuá. A questão Christie e a atuação do secretário João Batista Calógeras (1862-
1865). 2013. 147 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFF.
Niterói, 2013, p. 16. Alain Youssef defende que o imbróglio diplomático de 1863 foi complexo,
configurando-se como o ponto máximo de um longo processo conflituoso alimentado entre as duas nações
devido às questões relacionadas à abolição do tráfico negreiro no Atlântico Sul, ao contexto da Guerra Civil
estadunidense e à posição inglesa contra o comércio de escravizados realizado pelos Confederados e,
principalmente, à ação assertiva de Christie em pressionar o Império brasileiro sobre a questão da libertação dos africanos livres que tinham mais de 14 anos de serviço, conforme estipulado pelo decreto de 28 de
dezembro de 1853. Todo esse processo – especialmente com a Questão Christie – teria culminado no
decreto nº 3.310 de 24 de setembro de 1864, que concedeu a liberdade efetiva a todos os africanos “livres”
do Império. YOUSSEF, Alain El. Questão Christie em perspectiva global: pressão britânica, Guerra Civil
norte--americana e o início da crise da escravidão brasileira (1860-1864). Revista de História, nº 177, p. 1-
26, 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2018.140977. Acessado em: 23
out. 2019. Para uma versão clássica da historiografia, ver: GRAHAM, Richard. Os fundamentos da ruptura
de relações diplomáticas entre o Brasil e a Grã-Bretanha em 1863: "A questão Christie". Revista de
História, vol. 24, nº 49, p. 117-138, 1962. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-
9141.rh.1962.121593. Acessado em: 23 out. 2019.
176
futura guerra do Paraguai, o Império já possuía condições de elaborar um plano de guerra
com números razoavelmente confiáveis.
Em 1863, o Império já contava com 15 capitanias dos portos espelhadas pelo
litoral e interior do território. Portanto, as fronteiras marítimas e a sua população já eram
razoavelmente conhecidas. Há sete anos, as repartições já vinham realizando o
engajamento voluntário e o recrutamento de homens para a Armada. Entre a expedição
das ordens em 22 de janeiro e o último ofício cotejado, em 10 de abril, passaram-se exatos
78 dias (em março o capitão do porto da Corte já havia enviado seis mapas com
informações), ou seja, em pouco mais de dois meses era possível ter conhecimento
palpável das possibilidades de aquisição de “gente do mar”. Na hipótese de beligerância,
elas foram acionadas para enviarem para a repartição do Rio de Janeiro as informações
solicitadas, como previa o decreto de 1855. Era na Capitania do Porto da Corte que os
dados deveriam ser cotejados e repassados ao ministro.418
Na oportunidade concreta de conflito armado, quando a guerra do Paraguai
começou, havia àquele momento uma dinâmica de funcionamento entre as capitanias dos
portos espalhadas pelo território nacional e a Capitania do Porto da Corte que, além de
vir normatizando as regiões portuárias, fortalecia os laços com o poder central ao se
configurar, para os trabalhadores marítimos, com um lugar de conexão direta com o
Imperador. Ao mesmo tempo em que possibilitava prover o Ministério da Marinha com
informações variadas sobre eles, sobre as embarcações disponíveis para serem armadas,
bem como dos agentes possíveis de efetuar a conscrição arbitrária ou voluntária.
No primeiro ano de conflito no Prata, o entusiasmo tomou conta da população,
que já havia sido provocado por conta das disputas com a Inglaterra. Os ânimos já
estavam exaltados e a disposição entre a população era bastante grande. As notícias das
agressões perpetradas pelo governo paraguaio, no final de 1864, circularam rapidamente
pelo Império.419 Reforçava-se no espaço público, a partir dos discursos institucionais e
das publicações na imprensa, a oposição entre o Império brasileiro constitucional,
“desenvolvido” e “civilizado” contra o que seria o regime ditatorial e centralizado na
418 Em 30 de março de 1863, Corrêa de Mello se justificava da eventual demora da remessa dos mapas
pedidos devido à lentidão com que as demais províncias enviavam os seus relatórios. AN – SM, XM-1074.
Ofício nº 26 Capitania do Porto da Corte. 419 Após a intervenção brasileira no Uruguai, contra os interesses paraguaios, este governo aprisionou um
navio mercante brasileiro e invadiu a cidade de Coimbra, atual Mato Grosso do Sul, sendo tomada a maior
parte do oeste mato-grossense. IZECKSOHN, Vitor. A Guerra do Paraguai. In: GRINBERG, K.; SALLES,
R. O Brasil Imperial, volume II: 1831-1870. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 395.
177
figura de Solano Lopez, que deveria ser regenerado pela ação do Governo Imperial.420
Rapidamente, “sociedades patrióticas foram espontaneamente estabelecidas, em todas as
províncias, com coletas de donativos e organização de grupos de voluntários”421. Nos
primeiros seis meses de 1865, o Exército recebeu um afluxo de voluntários grande, não
só pelos incentivos como a criação dos Voluntários da Pátria, mas também como
resultado do clima de patriotismo generalizado e da expectativa de que a guerra não seria
longa e seria decidia rapidamente em poucas batalhas.422
Por meio da imprensa, a guerra tornou-se uma realidade concreta até nas
províncias mais distantes de modo a justificar a intervenção no país vizinho e angariar o
apoio da população, mesmo aquelas que, teoricamente, estariam longe de consequências
imediatas. A Questão Christie já havia causado impacto sobre a população e uma ação
armada contra um inimigo externo poderia favorecer o fortalecimento do Estado Imperial.
Os jornais foram inundados de propagandas, discursos e debates a fim de angariar o apoio
público em relação ao conflito em si e ao voluntariado para as Forças Armadas.423
O espaço público de divulgação proporcionado pelos jornais potencializou o
debate sobre patriotismo e de pertencimento à uma nação brasileira. No caso do Piauí,
por exemplo, a divulgação de conclamações populares e discursos particulares de pessoas
reconhecidas social e politicamente fomentava e fortalecia a ideia do voluntário como
agente de uma irmandade que tinha como base a rede de sociabilidade em que estava
inscrito424. Isso fazia com que cada vez mais se reiterasse na sociedade o envolvimento
420 O conflito foi muito além das agressões paraguaias. Representava a expansão das fronteiras nacionais;
a defesa dos interesses agropecuários argentinos e brasileiros; assegurar uma posição hegemônica no
continente sul-americano; garantir a livre navegação e o livre acesso ao Mato Grosso. SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do Exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990,
p. 47; SOUSA, Jorge Prata de. Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de
Janeiro: Mauad: ADESA, 1996, p. 23. 421 IZECKSOHN, Vitor (2014). Op. Cit., p. 396-397. 422 Ibidem, p. 399. 423 ARAÚJO, Johny Santana de. Bravos do Piauí! Orgulhai-vos. Sois dos mais bravos batalhões do
Império: a propaganda nos jornais piauienses e a mobilização para a guerra do Paraguai (1865-1866). 2009.
301 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História, UFF. Niterói, 2009, p. 86-
87. 424 Ibidem, p. 90. “Nelson Werneck Sodré afirma, porém, que a Guerra do Paraguai não teve boa imprensa
no País, ou seja, que de um modo geral, os jornais não foram favoráveis ao conflito e não forneceram apoio
aos gabinetes que dirigiram os negócios da guerra. No entanto, é preciso lembrar que havia uma intensa
rede de influência política dos jornais, se não na condução direta do conflito, mas na tomada de posição e
apoio a causa da guerra, pois uma parte significativa dos periódicos eram fiéis representantes dos partidos
políticos que se alternaram no poder entre 1865 e 1871, portanto eram dignos representantes dos seus
interesses.”. Ibidem, p. 94.
178
com a causa da guerra e mantinha constante no ideário popular a necessidade de contribuir
de alguma maneira para o conflito.
No Ceará não foi diferente. As declarações populares e os discursos inflamados
publicados nos jornais tinham como objetivo injetar na população a iniciativa do
voluntariado, feito que funcionou bastante ao longo do primeiro ano de batalha. Logo nos
primeiros meses, houve oferecimentos pecuniários de profissionais liberais e públicos;
mulheres se ofereciam para a confecção de fardas; figuras públicas de prestígio ofereciam
filhos, sobrinhos e netos como soldados. Esse cenário favorável foi realidade pelo menos
nos primeiros seis meses. De acordo com Fabio Morais425, no segundo semestre,
começou-se a perceber o arrefecimento da mobilização espontânea para as forças de terra
verificada no começo da batalha. Johny Araújo afirma que no Piauí também se observou
os primeiros sintomas de desinteresse no serviço militar do Exército verificado pelo
aumento das deserções a partir de setembro de 1865.426 De maneira geral, os
voluntariados para as forças de terra e de mar reduziram significativamente a partir de
1866.427
Os incentivos para os voluntários não foram dados somente para as força de terra.
A Marinha também promoveu o aumento dos prêmios com vistas a aumentar o
engajamento e o voluntariado. Em 30 de maio de 1865, a 1ª Sessão do Ministério da
Marinha enviou uma circular para as capitanias dos portos determinando que os prêmios
fossem pagos da seguinte maneira:
1º. Aos marinheiros que se contratarem por um ano, cem mil réis e os que o fizerem por dois, duzentos mil réis; aos grumetes, no primeiro
caso, trinta mil réis, e no segundo, sessenta mil réis.
2º. Aos indivíduos que se apresentarem voluntariamente, além do
prêmio que lhes competir, o prometido aos engajadores, entregue na ocasião.
Os prêmios serão pagos aos contratados pelo maior prazo, metade na
ocasião do assentamento de praça e metade no fim do primeiro ano e, os outros, entregar-se-á a importância total ao alistarem-se.
Os engajadores terão de gratificação vinte mil réis por cada marinheiro
e dez mil réis por cada grumete, recebendo tais quantias quando se
425 MORAIS, Fábio André da Silva. “Às armas cearenses, é justa a guerra”: Nação, honra, pátria e
mobilização para a guerra contra o Paraguai na Província do Ceará (1865-1870). 2007. 205 f. Dissertação
(Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História, UFC. Fortaleza, 2007, p. 28-31. 426 ARAÚJO, Johny Santana de. Op. Cit., p. 95. 427 Ver, por exemplo, GOYENA SOARES, Rodrigo. Op. Cit., p. 51.
179
verificar que os indivíduos apresentados estão livres e
desembaraçados.428
O Capitão do Porto da Corte fez anúncios em outubro publicizando a circular429,
mas o diretor do alistamento de praças para a Armada, o então membro do Conselho de
Guerra, Joaquim José Ignacio, fez 30 anúncios no período de um mês, sendo dois
diferentes por edição. Em um, reproduzia a Circular do Ministério, com as novas
vantagens prometidas pelo governo. No outro, Ignacio informava o horário de
atendimento da Diretoria para os voluntários, as eventuais vantagens adicionais, por quem
e como os pagamentos seriam feitos.
Os alistados gozarão das vantagens que oferecem o regulamento de 14
de abril de 1855 e ordens subsequentes; serão prontamente pagos pela capitania do porto das respectivas gratificações e receberão a sua escusa
ao terminar o tempo de contrato.
Pela mesma forma e condições admite-se, por engajamento,
marinhagem estrangeira. Está o anunciante autorizado para remunerar competentemente os
agentes que se prestarem a promover tanto o alistamento quanto o
engajamento. Os voluntários que se alistarem por si próprios, ou sem dependência de
agentes, tem direito a uma gratificação especial, e a muitas outras
vantagens de que não gozam os recrutados, os quais servem por muito
mais tempo.430
Desde 1864, os prêmios podiam ser aumentados em até 100% pelos capitães dos
portos, dependendo da situação e de acordo com conveniência.431 Isso não pareceu ter
ocorrido com frequência, a julgar pela opinião do diretor da 1ª Sessão, que ainda não
havia percebido diferença nos engajamentos desde então, e pelas sugestões enviadas, em
22 de maio, por Corrêa de Mello, Capitão do Porto da Corte, a pedido verbal do Ministro
da Marinha sobre as medidas para melhorar o engajamento de voluntários. O capitão do
porto indicou valores bem abaixo dos que ficaram estipulados na Circular. Para os
marinheiros, indicou a quantia de 60$000 por um ano de contrato e de 120$000 por dois.
428 AN – SM, XM-239. Aviso de 30 de maio de 1865 do Ministério da Marinha para o capitão do porto da
Corte. 429 Jornal do Commercio, 25 de outubro de 1865. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/ 364568_05/9291. Acessado em: 30 out. 2019. Em 9 de agosto, o secretário da Capitania do Porto da Corte,
José Rodrigues Prego, mandou imprimir 500 cópias do modelo de registro dos engajados e 250 cópias da
Circular de 30 de maio. AN, SM. Fundos XM-239. 430 Correio Mercantil, e Instructivo, Político, Universal, edições de 29 e 31 de julho de 1865, 2, 3, 5, 9, 12,
13, 14, 19, 21, 25, 27 a 30 de agosto. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/217280/25075.
Acessado em: 30 out. 2019. Os anúncios também foram reproduzidos no Jornal do Commercio, nas edições
de 27 e 29 de julho; 3, 5, 13 e 20 de agosto. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/
364568_05/8928. Acessado em: 30 out. 2019. 431 AN – SM, XM-239. Parecer do diretor da 1ª Sessão da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha,
Constantino do Amaral Tavares.
180
Os grumetes receberiam 20$000 por um ano e o dobro por dois. Os estrangeiros
receberiam a metade desses valores. Para os engajadores, indicou a metade do valor
estabelecido na ordem ministerial.432
Com relação ao engajamento de estrangeiros, se essa ocorrência foi um problema
no Exército433, foi prontamente usada na Marinha nos anos da guerra. No segundo
semestre de 1867, o número de engajados superou, em muito, o de recrutados, como será
analisado logo a seguir. Nesse sentido, o voluntariado era estimulado de maneira
assertiva, dando-se “uma gratificação especial” para aqueles que se apresentassem por
conta própria, como foi estipulado reservadamente em 1863. É presumível que parecia à
percepção das autoridades navais que a entrada de voluntários serviria de estímulo para
novos alistados, reduzindo tanto os engajamentos, que eram mais onerosos, como o
recrutamento, que tinha uma imagem muito negativa e não era estimulado oficialmente.
A Capitania do Porto da Corte procedia constantemente ao pagamento dos
prêmios pelos engajamentos. No dia 19 de julho de 1865, Corrêa de Mello solicitou ao
Ministério da Marinha que fosse aumentado o valor disponibilizado ao ajudante da
repartição que então era de 400$000 réis mensais. Argumentou que com o aumento do
valor pago aos engajados, a quantia disponibilizada não era insuficiente e pedia que fosse
aumentado para quatro contos de réis, no que foi autorizado em nota marginal ao ofício.
Segundo o capitão do porto, somente do dia 1º àquela data, já haviam sido pagas com os
engajamentos de 21 praças a quantia de 1:560$000.434 Em 6 de junho, já havia sido pedido
o abono de cinco contos de réis para o ajudante, que deveria durar até o fim do ano.435
Diante disso, desde 1855, e mais intensamente em meados da década de 1860, o
cenário para o recrutamento de indivíduos para a Armada estava pronto. Ao longo desse
período, por meio dos debates senatorias e do clima na sociedade, é visível perceber como
servir à Armada era um trabalho que não era exposto a todos os homens do Brasil
imperial. As condições de extrema violência, baixos salários e restrição da liberdade de
circulação eram elementos que deveriam incidir sobre determinado grupo social e é sobre
ele que a análise segue adiante.
432 Ibidem. Ofício nº 45 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 22 de maio de
1865. 433 De acordo com Jorge Prata de Sousa, a convocação de estrangeiros como substitutos de Guardas
Nacionais era vedada, sendo aceitos somente à margem da lei. SOUSA, Jorge Prata de. Op. Cit., p. 65. 434 AN – SM, XM-239. Ofício nº 72 de 19 de julho de 1865. 435 Ibidem. Ofício nº 72 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 6 de junho de
1865.
181
3.2.2. As gentes, as cores e a cidadania segregada
Para a província do Rio de Janeiro, foi possível fazer o levantamento de números
de engajados e de recrutados para o segundo semestre (julho a novembro) de 1865,
dezembro de 1866 e da segunda metade 1867 (maio a novembro). Se os dados coletados
a partir das informações elaboradas pela Capitania do Porto da Corte não permitem uma
análise serial do trabalho dos recrutadores na província, contudo, permite a comparação
dos períodos entre o primeiro ano da guerra, de maior simpatia com o conflito e grande
afluxo de indivíduos e o terceiro ano, quando já se mostravam as insatisfações sociais e
políticas com a demora do desfecho do conflito no Prata e de baixa da aquisição de
pessoal, ao mesmo tempo que aumentaram as ordens para reforçar o recrutamento.
Ademais, é importante visualizar as cores e as origens daqueles homens que aparecem
somente em números nos relatórios ministeriais. O objetivo desta parte é, portanto,
verificar os números, para, na sequência, realizar um diálogo com a historiografia que já
problematizou a abordagem da atuação de escravos e ditos livres, negros e brancos, no
longo Oitocentos, trazendo-a para construir um quadro mais amplo e complexo do mundo
do recrutamento.
Como já afirmado, o Regulamento de 1846 atribuía às capitanias dos portos uma
série de muitas atribuições que, se por um lado foram reduzidas em determinados
aspectos, por outro acrescentou-se novas e importantes competências. Com relação à
Capitania do Porto da Corte, além de todas as funções de “polícia” do porto, a partir de
1855 adicionou-se mais uma camada de responsabilidade ao determiná-la como a
autoridade encarregada do manejo e da distribuição das informações e dos indivíduos
enviados das demais repartições. Junto com o Quartel General, informações relacionadas
às inspeções de saúde de ditos livres e libertos, deserções, isenções legais, pedidos de
resgate de escravizados e de familiares e demais assuntos ligados à conscrição voluntária
e arbitrária, tiveram na repartição da Corte um ponto de convergência e de administração.
Conforme estipulado no decreto de 1855, os recrutadores e as autoridades que
recebiam os indivíduos deveriam realizar relatórios semanais, informando o nome, a
idade, a naturalidade, o lugar da residência, o estado de saúde e a profissão de cada um
deles. Os mapas elaborados pela Capitania do Porto da Corte foram mensais e, referente
aos recrutados, informavam o nome, a idade, a cor da pele e dos olhos, o tipo de cabelo,
se tinha barba, o estado civil, quem recrutou e para onde foi enviado. Com relação aos
182
engajados, constava a classe em que foi assentado, a naturalidade, a idade e para onde foi
enviado. Em alguns mapas constam o tempo do contrato de engajamento.
Em 1865, entre os meses de junho a novembro, foram recrutados 589 homens,
entre brancos, pardos e pretos e 275 engajados de diferentes nações. Em dezembro de
1866, foram 56 recrutados e 13 engajados. Nos meses de maio a novembro de 1867, foram
recrutados 238 e engajados 286. Segundo o relatório ministerial de 1866, entre janeiro de
1866 e março 1867, o número de recrutados alcançou um total de 714 e de voluntários,
195.436 Esses números globais já indicam uma tendência geral de redução dos recrutados
e de aumento dos engajados.
Com relação à cor de pele dos recrutados, a maioria foi “parda” em todos os mapas
cotejados. Em 1865, conforme o gráfico a seguir, tem-se um total de 226 pardos (39%),
contra 123 pretos (21%), 125 brancos (25%), 19 índios (3%) e 76 não identificados (13%).
Em dezembro de 1866, o número de pardos e de pretos foi igual, perfazendo 34 (30%);
oito brancos, nove índios e cinco não identificados. Em 1867, mesmo com a forte redução
da quantidade de recrutados, as percentagens se mantiveram próximas, com um sensível
aumento da distância entre os “homens de cor”, que foram 41% de “pardos” e 33% de
“pretos”, 3% de “caboclo”, 1% de “índio” e “fula”, contra 20% de “brancos” e 2% de não
identificados.437
O maior número de homens de cor de pele preta e parda converge para as
pesquisas que já indicaram que a Marinha de Guerra no Império era majoritariamente
composta por indivíduos “de cor”. Silvana Jeha, após analisar os livros de socorros de
três navios entre 1833 e 1854, chegou ao percentual de 84% entre pardos e outros
mestiços, caboclos e pretos.438 Álvaro Nascimento, olhando a composição da Décima
Terceira Companhia no início do século XX, dos 52 matriculados com a cor de pele
identificada, “[...] 40,38% eram pardos, 28,85% pretos, 25% brancos, 3,85% caboclos e
1,92% mulatos”.439
436 AN – SM, XM-239; XM-1094; XM-1097. 437 AN – SM, XM-239. 438 JEHA, Silvana Cassab. Op. Cit., p. 151-152. 439 NASCIMENTO, A. P (2002). Op. Cit., p. 61. “[...] como o problema da falta de voluntários era crônico,
durante quase todo o século XIX, o recrutamento forçado de homens pobres e negros era o que realmente
abastecia de marinheiros os navios e os quarteis da Armada”. NASCIMENTO, A. P (1997). Op. Cit., p. 47.
183
Gráfico 2: Recrutados na Província do Rio de Janeiro - 1865.
Fonte: Elaboração própria. AN – SM, XM-239.
A maioria, 73%, foram recrutados pela Polícia da Província, sendo apenas 17%
capturados pelos encarregados do recrutamento da repartição e 3% pela Polícia da Corte.
Em dezembro de 1866, as percentagens se mantiveram proporcionais. O maior número
de recrutados pela Polícia da Província é explicável ao se verificar a naturalidade dos
indivíduos levados até à Corte. No conjunto desses primeiros dados analisados – segundo
semestre de 1865 e dezembro de 1866 – praticamente todos foram capturados fora da
capital (somente dois indivíduos foram identificados como naturais da Corte). Os mapas
desse período são mais específicos quanto ao local de captura, informando a cidade ou a
província de origem. Os de 1867 informam, na maioria dos meses cotejados, somente a
província. Do conjunto de fontes analisado, foi possível identificar com razoável grau de
certeza 287 cidades e vilas dos 643 recrutados em 1865 e 1866. Elas foram separadas
entre “com praia”, aquelas que tinham acesso ao mar ou algum contato com a baía de
Guanabara através de algum porto do interior, e as “sem praia”, que eram do interior da
província sem nenhum contato com experiências marítimas ou portuárias.
Excetuando aqueles homens identificados genericamente como sendo do Rio de
Janeiro (77) e de outras províncias (Minas, Pernambuco, Sergipe etc.) ou nacionalidades
15
30
38 39
18
5
1 2
4
9
3
01 1
29
19
14
12
18
36
56
60
42
14
6
12
22
46
28
9
J U N H O J U L H O A G O S T O S E T E M B R O O U T U B R O N O V E M B R O
Branco Índio Não identificado Pardo Preto
184
(“Africanos”440, Benguela, Congo), 61% dos recrutados vieram de regiões “com praia” e
39% de localidades “sem praia”. Que a maioria tenha vindo de cidades como Cabo Frio,
Saquarema, Barra de São João, Vila de São Pedro da Aldeia, ou Araruama não
surpreende, uma vez que a Capitania do Porto da Corte mantinha uma delegacia muito
ativa naquela região, assim como o eram os recrutadores da Guarda Nacional, como será
analisado mais adiante.
É digno de destaque o grande número de indivíduos recrutados para a Armada
que, presumivelmente, pela sua localização, não tinham contato com um porto, com a
atividade da pesca ou com o manejo de uma embarcação, mesmo de pequeno porte. E,
ainda que viessem de cidades com portos importantes no contexto do recôncavo, como
Porto das Caixas e Estrela, a experiência no manejo de pequenas embarcações ou de pesca
fluvial não significava uma fácil adaptação à vida militar na Marinha (a Figura 5, na
próxima página, dá uma dimensão dos pontos provinciais de onde esses homens foram
levados).
Como afirmou o senador Antônio Pedro da Costa Ferreira, em 1854, muitos
recrutados para a Marinha de Guerra eram capturados em localidades afastadas das
regiões portuárias, ainda que fossem naturais das províncias marítimas. Além de um
potencial fator de deserção, devido à falta de adaptação ao serviço embarcado, a
apreensão de indivíduos com nenhuma experiência com a vida do mar atingia diretamente
um ponto caro às autoridades políticas e militares que dizia respeito à “qualidade” dos
homens recrutados e à disponibilidade de mão de obra na lavoura. Contudo, se dez anos
antes, compor os quadros da Armada era difícil e requereria fazer vistas grossas para
alguns critérios considerados essenciais, naquele momento, era inviável renunciar aos
indivíduos recrutáveis.
Se, com relação às localidades, os critérios foram sendo relaxados, no que
concerne às idades e ao estado civil, as informações indicam que o recrutamento foi
pontual e evitou a prisão de homens que pudessem recorrer, a princípio, às isenções legais
previstas no ordenamento naval. As idades foram divididas de acordo com as classes
definidas no Decreto nº 1.591, de 1855. Os jovens de 7-17 anos seriam enviados para as
440 Devido às reconstruções e ressignificações de identidades empreendidas pela população africana na
cidade ao longo do Oitocentos, o termo africano será usado entre aspas, conforme: SOARES, C. E. L. et
al.. No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
2005, p. 24. Ver, também: MAMIGONIAN, Beatriz. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
185
companhias de aprendizes marinheiros; os homens de 18 a 45 anos poderiam ser alocados
no Corpo de Imperiais Marinheiros ou no Batalhão Naval. Estes dois grupos estavam
prontos – se aprovados nas inspeções de saúde – para serem enviados para os navios de
guerra e foram a maioria dos recrutados (Gráfico 3).
Figura 5: Localização dos recrutados na Província do Rio de Janeiro – 1865 e 1866
Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional441
441 G.W. AND C.B. COLTON & CO. Nova carta chorographica da provincia do Rio de Janeiro... Nova
Iorque, 1866. Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervodigital/divcartografia/cart537126/
cart537126.jpg. Acesso em: 24 out. 2019.
186
Gráfico 3: Idade dos recrutados - 1865.
Fonte: Elaboração própria. AN – SM, XM-239.
Os homens eram jovens e solteiros, que corresponderam à 98% dos recrutados que
tiveram o seu estado civil identificado. Os casados e os viúvos, após as apreensões,
pediam a dispensa, pois estavam sujeitos às isenções. Ainda assim, alguns foram
capturados, como João Basílio do Nascimento, de 46 anos, pardo de cabelos crespos e
barba cerrada recrutado pelo agente da Capitania do Porto da Corte, ou ainda como
Joaquim Prudêncio dos Santos, 45 anos, branco de cabelos pretos e barba cerrada, preso
pela Polícia da Província e, também, Luciano do Nascimento Azevedo, de 36 anos, preto
de cabelo carapinha e barba cerrada, ou ainda Francisco Antonio Rosa, de 28 anos, pardo
de cabelo crespo e barba cerrada, presos pelo agente provincial. Provavelmente, esses
indivíduos pediram sua dispensa por serem casados, o que ocorreu com certa frequência,
como será analisado no próximo ponto.
As isenções foram recorrentemente usadas para garantir a liberdade daqueles que
conseguiam acessar a Capitania do Porto da Corte ou o Quartel General, se
fundamentando no aparto legal que lhes garantia a dispensa do serviço. O preenchimento
dos mapas de 1867 foram mais detalhados nesse sentido, informando o destino que
tiveram e se foram postos em liberdade por apresentar isenção ou um substituto ou por
ser declarado incapaz. O número de recrutados no segundo semestre desse ano foi menos
da metade do mesmo período do primeiro ano da guerra. Como afirmado, desde 1866, já
se sentia uma redução significativa tanto dos indivíduos disponíveis para o serviço, uma
vez que os primeiros meses foram de grande afluxo de voluntários e de recrutados.
106
375
45
5
59
0
50
100
150
200
250
300
350
400
7-17 anos 18-40 anos 41-50 anos 50-60 anos Não Identificado
187
Explicado, também, pelo aumento de intensidade nas resistências ao recrutamento,
sobretudo com a demora de finalização da guerra e com o aumento da violência nas
“caçadas” por homens.
Os três últimos meses analisados (setembro, outubro e novembro de 1867) têm
informações mais completas sobre o destino que tiveram os recrutados e em todos é
possível perceber que uma boa quantidade de indivíduos foi dispensada do serviço. O
número de recrutados, que não foi tão expressivo quanto o de 1865, se reduz mais ainda
ao serem excluídos aqueles que foram liberados. Dos 238 recrutados, a maioria consta
como “encaminhado para a fortaleza de Villegaignon” (55%), sem informação extra, e
21% constam como “posto em liberdade” unicamente ou por “julgado incapaz do
serviço”. Excetuando três desertores do Exército e os 50 que foram postos em liberdade,
o número líquido de recrutados no período (maio a novembro de 1867) foi de 188442.
Os esforços para o recrutamento continuaram intensos, mas os dados mostram que
a quantidade de indivíduos disponíveis se reduziu, não só pelo arrefecimento do
entusiasmo com relação ao combate, o que também gerava o estímulo às frequentes fugas,
como também pela própria indisponibilidade de homens “fortes, sãos, e acostumados à
vida do mar”. O que sugere que o recrutamento deve ter passado a ser bem mais forçado.
Nesse sentido, todas as armas precisavam ser usadas e, em setembro de 1866,
finalmente o Regulamento de 1846 foi acionado. O então Ministro da Marinha Afonso
Celso de Assis Figueiredo (futuro Visconde de Ouro Preto), com a rubrica do Imperador,
baixou o Decreto nº 3.708, de 29 de setembro de 1866, no qual mandava convocar “1.600
dos indivíduos empregados na vida do mar, e matriculados nas Capitanias dos Portos, em
virtude do art. 64443, do Regulamento e Decreto nº 447 de 19 de Maio de 1846”444.
Cada província teria uma cota de indivíduos a serem enviados proporcionalmente
à sua respectiva população marítima de acordo com o que determinou o Ministro da
Marinha, conforme o quadro abaixo.
442 AN – SM, XM-1097. 443 “Os indivíduos nacionais empregados na vida do mar, tanto no tráfico do Porto, e pequenos rios, como
na navegação dos grandes rios e lagoas, na pequena e grande cabotagem, nas viagens de longo curso, e na
pesca, serão matriculados na Capitania do Porto, e na forma deste Regulamento”. BRASIL. CLI, Decreto
nº 447 de 19 de maio de 1846, Artigo 64. Op. Cit. 444 BRASIL. CLI, Decreto nº 3.708, de 29 de setembro de 1866. Chama ao serviço da Marinha de guerra
1.600 indivíduos empregados na vida do mar, e matriculados nas Capitanias dos Portos, em virtude do
Artigo 64 do Regulamento e Decreto nº 447 de 19 de Maio de 1846.
188
Quadro 6: Distribuição do número de praças voluntarias segundo o Decreto nº
3.708, de 29 de setembro de 1866.
Amazonas 100
Pará 100
Maranhão 80
Piauí 60
Ceará 90
Rio Grande do Norte 50
Paraíba 60
Pernambuco 150
Alagoas 80
Sergipe 80
Bahia 150
Espírito Santo 60
Município Neutro 350
Rio de Janeiro -
São Paulo 70
Paraná 60
Santa Catharina 60
Rio Grande do Sul 100
Total 1.600
Fonte: Coleção das Leis do Império do Brasil.445
O decreto estipulava dois grupos de homens a serem mandados para a Corte, os
voluntários e os designados. Estes seriam indicados pelas repartições, excluindo aqueles
inscritos nas isenções de 1822 e de 1855, “quando o permitirem as circunstâncias446.
Àqueles que se apresentassem por vontade própria ou pela capitania do porto receberiam
uma gratificação de 200$000, sendo a primeira parcela no ato de assentamento de praça
e a segunda ao fim do prazo de serviço, que ficava estipulado em dois anos ou menos, se
a guerra terminasse antes. Quando obtivessem a baixa, ficavam isentos do serviço no
Exército e na Guarda Nacional.447
Era cada dia mais difícil encontrar homens dispostos a servir – ou capturar aqueles
que estivessem em condições para tanto – mesmo com todos os prêmios oferecidos. O
445 Ibidem. 446 Ibidem. Artigos 1º e 2º. 447 Ibidem. Artigos 3º, 4º e 5º.
189
chamamento determinava uma “espontânea pressão”, dado que o caráter arbitrário foi
mais claro dessa vez. De acordo com o artigo 7º,
Os designados pelas Capitanias dos Portos que não se apresentarem
dentro do prazo fixado, serão a isso constrangidos pela força, e
obrigados a servir pelo tempo, e sob as condições estabelecidas para as
praças recrutadas.448
Ou seja, uma vez convocado pela repartição, não havia muito espaço para
manobra a não ser reivindicar as isenções determinadas na legislação ou fugir. Cumprindo
o decreto, o Capitão do Porto da Corte, em 06 de julho de 1867, enviou não só a lista com
os pescadores que ele havia designado para o serviço no período de 29 de setembro de
1866 até aquela data, mas, também, um levantamento dos recrutados recebidos nesse
período. Dos pescadores chamados, em um total de 45, não conta informação se entraram
ou não em serviço para 18 deles e todos os outros 27 foram dispensados por apresentarem
isenção legal, ou seja, pelo menos 60% dos pescadores convocados não sentaram praça
pelas mais variadas opções de isenções legais disponíveis (Anexo 4). De qualquer forma,
45 homens em pouco mais de um ano é um número irrelevante, levando em consideração
o tamanho do porto carioca.
Com relação à lista dos recrutados, não consta as informações detalhadas nos
mapas. O capitão do porto Corrêa de Mello informou apenas em que repartição foram
recebidos (todos naquela), a data e para onde foram enviados. No total, foram 249 recrutas
e, desses, assentaram praça 239 (com exceção de um falecido, os outros dez que ganharam
a liberdade). Considerando que nessa lista estavam incluídos os indivíduos registrados no
mapa de dezembro de 1866, somando com os 188 recrutados dos mapas que efetivamente
assentaram praça de maio a novembro de 1867, tem-se, portanto, 426 recrutas em serviço
como praças da Armada Imperial. Desse modo, em pouco mais de um ano (14 meses), a
Marinha conseguiu recrutar menos do que total do segundo semestre de 1865.
As cores, as idades e o estado civil dos recrutados da lista de Corrêa de Mello não
foram informados. Nos mapas do segundo semestre de 1867, a presença majoritária de
“pardos” e “pretos” se manteve, conforme Quadro 7. Se em 1865, eles perfaziam 60% do
contingente recrutado, em 1867 esse percentual subiu para 74% de “homens de cor”
(pardos, pretos, fula e caboclos) capturados. O número de brancos se manteve
448 Ibidem.
190
praticamente estável, perfazendo 20% do total nesse recorte, contra 25% no período
anterior.
Quadro 7: Recrutados na Província do Rio de Janeiro – 1867.
Cor de Pele Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Total
Branco 9 - 3 4 7 10 14 47
Caboclo - - - - 1 0 5 6
Fula - - - - 1 1 0 2
Índio 3 - - - - - - 3
Não
identificado 2 - - - - 3 - 5
Pardo 11 3 8 7 9 31 28 97
Preto 10 4 6 3 7 18 30 78
Total 35 7 17 14 25 63 77 238
Fonte: Elaboração própria. AN – SM, XM-1096 e 1097.
A respeito dos engajados, o viés foi de aumento na aquisição de estrangeiros e de
brasileiros sob contrato, possivelmente, pelos novos incentivos do decreto de 1866. Na
segunda metade do ano anterior, foram alistados 260 indivíduos, sendo 60 brasileiros
(23%) e 200 estrangeiros (77%) de diversas nacionalidades. Destes, 21% eram
estadunidenses, 14% portugueses, 13 % “africanos”, 6% ingleses e 5% gregos. O restante
era de nacionalidades diversas, conforme o Gráfico 4. Entre os brasileiros, havia desde
homens oriundos de cidades como Cantagalo, Niterói, Macaé, Mangaratiba, Pilar etc. e
de outras províncias, como Maranhão, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo
e Sergipe e demais. Entre os “africanos”, havia Angola, Cabinda, Congo, Quilimane,
Benguela, Moçambique, Cabo Verde, Luanda, perfazendo 35 indivíduos engajados (dois
foram identificados somente como “africanos”)449. Com exceção dos Moçambiques
Gustavo (25 anos), Athanasio (30 anos) e Romulo (33 anos), entregues pela Polícia da
Província, todos os outros se engajaram voluntariamente.
449 Os africanos do Rio de Janeiro foram trazidos, em sua maioria, das regiões centro-ocidental e oriental
do continente africano. Ao contrário da Bahia, oriundos da Costa ocidental, em sua maioria. KARASCH,
Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). Tradução de Pedro Maria Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000; REIS, J. A greve negra de 1857 na Bahia. Revista USP, vol. 18, p. 6-29, 1993.
Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i18p6-29. Acessado em: 27 out. 2019;
SLENES, Robert Wayne Andrew. Malungu, Ngoma Vem!: África coberta e descoberta no Brasil. Revista
USP, São Paulo, vol. 12, p. 48-67, 1992. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-
9036.v0i12p48-67. Acessado em: 27 out. 2019.
191
Em 1867, o quadro mudou. Só aparecem nos mapas 3 “africanos”, sendo um
identificado dessa maneira e dois caboverdianos. Se no segundo semestre de 1865, os
brasileiros e os estadunidenses compuseram o maior número dos engajados, nesse período
eles ficaram em terceiro (9,3%) e quarto lugares (8,6%), respectivamente, atrás de
ingleses (33,9%) e de prussianos (11,7%), conforme Anexo 3. Do total de 257 indivíduos,
90,7% foram estrangeiros contratados para o serviço na Armada. Um aumento de 19,68%,
destacando que o número de recrutados entre os dois períodos teve uma redução de
praticamente 60%. Ou seja, de uma maneira geral, o número de brasileiros que foram
enviados para os navios em batalha se reduziu significativamente, fosse pelas fugas e
resistências ao recrutamento, fosse pelas vias voluntárias450.
Gráfico 4: Nacionalidade dos engajados – 1865.
Fonte: Elaboração própria. AN – SM, XM-1096 e 1097. Os “africanos” são
identificados como Angola, Cabinda, Congo, Quilimane, Benguela, Moçambique,
Cabo Verde, Luanda.451
450 IZECKSOHN, Vitor (2015). O Recrutamento de Libertos para a Guerra do Paraguai. considerações
recentes sobre um tema complexo. Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil, vol. 11, nº 21,
p. 96-110, 2015. Disponível em: http://www.revistanavigator.com.br/navig21/dossie/N21_dossie7.pdf.
Acessado em: 28 out. 2019, p. 99; KRAAY, Hendrik (1998). Escravidão, cidadania e serviço militar na
mobilização para a Guerra do Paraguai. Estudos Afro-Asiáticos, nº 33, p. 119-151, Setembro de 1998.
Disponível em: https://ucalgary.academia.edu/HendrikKraay. Acessado em: 28 out. 2019, p. 124; SALLES,
Ricardo (1990). Op. Cit., p. 53; SOUSA, Jorge Prata de. Op. Cit., p. 41. 451 Ver nota
0 10 20 30 40 50 60 70
Brasil
Estados Unidos
Portugal
Africanos
Inglaterra
Grécia
Prússia
Alemanha
França
Hamburgo
Holanda
Bélgica
Espanha
Manila
Áustria
Dinamarca
Itália
Noruega
Córsega
Malta
Suíça
Não identificado
192
Nos mapas dos engajados de 1865, havia o item “Quem recrutou”, que podia ser
o encarregado do recrutamento da Capitania do Porto da Corte, a Polícia da Corte ou da
Província ou um particular. Aqueles que se apresentaram voluntariamente aparecem
registrados como “O próprio”. Nesse período, “africanos”, brasileiros e portugueses
foram os que mais se apresentaram pessoalmente junto à repartição (53,7%). O restante
foi apresentado por particulares, nacionais e estrangeiros, ou pelos recrutadores. Nos
mapas de 1867, não houve registro da forma como os indivíduos foram engajados.
Mantendo o objetivo de dar visibilidade aos números cotejados e analisar o papel
da Capitania do Porto da Corte nesse processo, a análise com relação aos “africanos”
engajados voluntariamente não será aprofundada. No entanto, algumas reflexões são
importantes neste momento. Primeiro, as gratificações oferecidas eram inferiores aos dos
Voluntários da Pátria que, inclusive, previam a concessão de um terreno em colônias
militares ou agrícolas para aqueles que retornassem. Nesse sentido, o estabelecimento de
um contrato de um ano ou dois em um serviço de guerra não devia seduzir muito,
sobretudo os brasileiros, mais conhecedores das condições e do tratamento dispensado às
praças de baixa patente. Aos estrangeiros não “africanos”, que contavam com a vigilância
dos seus cônsules, acredita-se que o tratamento dispensado devia ser um pouco menos
ultrajante e o cumprimento do contrato mais bem observado, o que ajuda a explicar o
maior número de engajamentos com o caminhar da guerra. Aos “africanos”, as
possibilidades pecuniárias e de condição civil possibilitariam uma outra forma de
inserção social e política que a condição de “africano” dito livre não alcançaria. De todo
modo, os brasileiros estavam há mais tempo insatisfeitos com a demora do fim da guerra
e com o aumento do recrutamento forçado, o que pode ter aberto mais espaço para esses
e aqueles indivíduos.
A historiografia sobre o recrutamento – mais detalhadamente no Exército – já
demonstrou esse processo com grande amplitude, notadamente em relação à presença dos
“dito livres” e de libertos nos contingentes enviados para a guerra. Nos quadros das Forças
Armadas, se reproduziram as contradições sociais e políticas daquela sociedade, alterando
a dinâmica das relações escravistas no Império e jogando luz sobre a situação dos mais
pobres, incluindo brancos, pretos, pardos e indígenas452. Um sistema tal que
interseccionou o Estado imperial, os proprietários de terras e de escravizados e a
452 SALLES, Ricardo (1990). Op. Cit., p. 54-60; SOUSA, Jorge Prata de. Op. Cit., p. 47-49; IZECKSOHN,
Vitor (2015). Op. Cit., p. 98.
193
população dita livre e no qual cada uma das personagens teria conseguido benefícios
relativos.453
A participação da população pobre e dita livre foi fundamental para a própria
“desmoralização” das instituições imperiais (a escravidão e a profunda desigualdade
social e política), posto que foram reunidos com diferentes homens de origens sociais,
étnicas e nacionais completamente distintas nos campos de batalha em prol dos
“interesses nacionais”. Processo diametralmente oposto àquela sociedade profundamente
hierarquizada e excludente que se sustentava nestes alicerces.454 Com as vantagens
oferecidas para os Voluntários da Pátria em diferentes momentos da guerra, “[...] nosso
Exército em formação rendia-se a arraia miúda, pode-se mesmo afirmar que nenhuma
outra instituição representou tão nitidamente a gente simples do povo brasileiro, e, por
isso mesmo, potencialmente antagônica ao Império escravista”455.
A presença dos escravizados que foram libertados para o serviço militar também
é uma questão que preocupou a historiografia que se debruçou sobre os recrutados para a
guerra do Paraguai. Para Jorge Prata de Sousa, as leis do voluntariado, os procedimentos
de entrega de substitutos, ou mesmo as fugas para as Forças Armadas possibilitou ao
escravizado a utilização das leis a seu favor. Para Sousa, “ter direito a soldo permanente,
comida, vestimenta e, ainda mais, o respeito que a farda impunha, certamente
representava um oásis que povoava o sonho de muitos cativos”456. De acordo com
Ricardo Salles, ainda que tenha sido um projeto hegemônico do Estado e das classes
dominantes, a participação dos libertos garantiu à população escravizada, de uma maneira
geral, um lugar de relativo reconhecimento e de interlocução com aquelas personagens
hegemônicas. Dessa maneira, a alforria funcionava duplamente, encobrindo o fato da
participação de escravizados nas Forças Armadas e incorporando e atendendo os
453 KRAAY, Hendrik (1999). Repensando o recrutamento militar no Brasil Império. Diálogos, vol. 3, n. 3,
p. 113-151, 1999. Disponível em: https://doi.org/10.4025/dialogos.v3i1.37540. Acessado em: 28 out.
2019. Baseando-se no conceito de clientelismo de Richard Graham, Kraay afirma que “uma densa rede de
ligações entre patronos e clientes nos três grupos guiou e constrangeu um sistema de recrutamento
“legítimo” em tempo de paz, o que suscitou pouco mais do que oposição retórica, senão, claro, dos poucos
infelizes alistados nas Forças Armadas”, p. 115. Assim, o autor desconsidera as resistências e as
negociações dos recrutados junto às instituições governamentais, utilizando-se do aparato legal e do espaço
público construído no liberalismo oitocentista e, portanto, fora das redes clientelistas ou paternalistas. 454 SALLES, Ricardo (1990). Op. Cit., p. 81. 455 SOUSA, Jorge Prata de. Op. Cit., p. 58-59. 456 Ibidem, p. 72.
194
interesses imediatos de parte considerável desses mesmos escravizados, concedendo a
liberdade457.
Um exemplo da presença dos libertos na Marinha e das possibilidades de reflexão
que se juntam aos outros dados apresentados consta do Gráfico 5, com a cor dos
escravizados libertados e enviados pela Capitania do Porto da Bahia em 1868458. As
províncias do Norte foram as que mais enviaram recrutados para os navios da Armada,
com destaque para a Bahia459. Essas informações, associadas às dos mapas de 1865, 1866
e 1867 para o Rio de Janeiro, proporcionam um quadro dos homens recrutados para a
Marinha durante a guerra do Paraguai; uma grande quantidade de homens pretos e pardos,
alguns vindos diretamente da experiência da escravidão, outros já distanciados dela há
algumas gerações. A maioria sentou praça junto com estrangeiros “africanos”, asiáticos,
europeus e estadunidenses.
Gráfico 5: Libertos enviados pela Capitania do Porto da Bahia – 1868.
Fonte: Elaboração própria. AN – SM, XM-1109
As classificações para as “pessoas de cor” eram múltiplas; polissêmicas460. O
maior número de “pardos” contra “brancos” e “pretos” recrutados no Rio de Janeiro, se
457 SALLES, Ricardo (1990). Op. Cit., p. 74-75. 458 Essas informações também compõem parte da análise feita por Hendrick Kraay no artigo “Escravidão, cidadania e serviço militar na mobilização para a Guerra do Paraguai”. Nele, o autor inclui esses libertos
na conta que faz daqueles que foram mandados para a guerra, sem fazer uma distinção das destinações. Das
228 cartas de manumissão, 29 concediam a liberdade com a condição do serviço na Armada ou no Exército.
Como foram todos encaminhados pela Capitania do Porto da Bahia para o Quartel General da Marinha, é
quase certo que esses libertos (não necessariamente todos, porque ainda passariam pela inspeção de saúde,
ainda que estivessem todos dentro das idades para o serviço, ou seja, tinham menos de 45 anos), serviram
nos navios de guerra da Armada. KRAAY, Hendrik (1998). Op. Cit., ver tabela 2, p. 130. 459 Ibidem, p. 123. 460 LIMA, Ivana Stolze. Cores, marcas e falas: sentidos da mestiçagem no Império do Brasil. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 18.
112
53
22 2315
2 10
20
40
60
80
100
120
Crioulo Cabra Pardo Preto Mulato Cafuz Não informado
195
junta a uma significativa presença de libertos461 de matizes amplas, fazendo das Forças
Armadas e, especificamente, da Marinha, um lugar de múltiplos significados e de
possibilidades diversas para um grupo exposto à precarização social mais cruel e à
vulnerabilidade do recrutamento sem o recurso às redes de sociabilidade que alguns
privilegiados podiam acessar.
A construção de “cores” para os cidadãos brasileiros foi um processo que foi além
dos atributos físicos e se ligava aos sentidos políticos que carregavam termos como
“pardo”, “pardo livre”, “crioulo”, “de cor”462. Ao investigar as classificações raciais na
Roda dos Expostos da Santa Casa da Misericórdia, Jocélio Teles dos Santos demonstrou
como a designação de “parda” ou “branca” variou de uma criança para outra durante a
sua chegada e a posterior confrontação três anos após o seu registro. Algumas eram
“rebaixadas”, indo de “parda” para “cabra” e outras eram “promovidas” e seu registro era
alterado de “parda” para “branca”. Para Santos, a designação de “pardo” era um lugar de
“negociação racial”, que alimentou uma secular multipolaridade racial; um mosaico de
cores no qual facilmente transitava-se de uma para outra a depender de fatores como
roupas e acessórios, local político e social e o olhar de quem fazia o registro, mas,
sobretudo, tratava-se de leituras feitas a partir da lente social.463
Na primeira metade do século XIX, Santos identificou nos registros da Santa Casa
de Misericórdia 30 tipos de classificações de cor de pele diferentes.464 A despeito disso,
tais classificações não se ligavam a descrições físicas. Mesmo que as houvesse, elas não
eram mais importantes do que a posição social e política que a cor de pele indicava. Pelo
menos até as últimas décadas do século XIX, cor de pele não estava associada a
informações biológicas que se ligassem a conceitos de raça, que foram construídos no
final desse século e no início do XX.465 A cor tinha um caráter social e político, ligado à
uma herança de Antigo Regime associada à pureza de sangue que via na “mestiçagem”
algo depreciativo e impeditivo de ascensão social de uma pessoa. As diferenças sociais e
políticas foram naturalizadas menos pelas características físicas e mais na ascendência
461 Jorge Prata de Sousa fez o levantamento de 2.903 libertos para o serviço militar na guerra registrados
nos cartórios cariocas no período de 1865 a 1869. SOUSA, Jorge Prata de. Op. Cit., p. 95. 462 Ibidem, p. 20; TELES, Jocélio dos Santos. De pardos disfarçados a brancos pouco claros: classificações
raciais no Brasil dos séculos XVIII-XIX. Afro-Ásia, nº 32, p. 115-137, 2005. Disponível em:
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77003204. Acessado em: 28 out. 2019, p. 119. 463 Ibidem, 128. 464 Ibidem, p. 129. 465 Ibidem, p. 134; REIS, Adriana Dantas. Pardos na Bahia: cor e mobilidade social, 1760-1830.
Perspectivas – Portuguese Journal of Political Science and International Relations, nº 10, p. 45-61, junho
2013. Disponível em: https://www.perspectivasjournal.com/article/view/442. Acessado em: 28 out. 2019.
196
ligada ao estatuto da pureza de sangue, que garantia os privilégios de acesso aos direitos
políticos e civis466.
Desde o fim do período colonial, o termo “pardo” ganhou um significado
ampliado, principalmente no sentido de distanciamento dos termos “mulato” e “mestiço”,
que eram associados mais diretamente a um caráter depreciativo da mistura e a presumida
impureza de sangue. Se na colônia, ser “pardo” era estar ligado à herança indígena467, ao
longo do Oitocentos, consolidou-se a expressão “pardo livre” para dar conta de uma
população não necessariamente de ascendência nativa, não branca e relativamente
distante da experiência da escravidão, “[...] condição linguística necessária para expressar
a nova realidade, sem que recaísse sobre ela o estigma da escravidão, mas também sem
que se perdesse a memória dela e das restrições civis que implicava”468.
A figura da pessoa “parda” na sociedade oitocentista foi permeada de significados
e precarizações em diversos níveis. A proximidade da experiência da escravidão naquela
sociedade fazia do homem e da mulher “pardos” figuras híbridas social e politicamente.
Ter esse “tom” de cor de pele não eximia das inibições ao direito de ir e vir aplicadas
àqueles de pele preta e nem sancionava a liberdade delegada aos de pele branca. Se, como
nas palavras de André Rebouças, “todo homem pardo ou preto pode ser general”, isso
não se aplicava literalmente às Forças Armadas. Ainda que cumprisse as condições legais
de cidadã, uma pessoa “parda” enfrentava uma série de impedimentos sociais e culturais
que lhe reservava um lugar específico associado diretamente à escravidão.469 Para que
fosse enxergada como uma figura digna de acessar os privilégios da cidadania, era preciso
466 MATTOS, H. (2009). Racialização e cidadania no Império do Brasil. In: CARVALHO, J. M.; NEVES,
L. M. B. P. (Orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2009, p. 355. 467 Em algumas regiões, principalmente no centro-oeste na segunda metade do XIX, muitos indígenas foram
classificados nos censos regionais como “pardos” dentro das disputas pelas terras dos assentamentos, tendo
como base a legislação indigenista do Segundo Reinado que concedia terras aos povos identificados como
“índios”, em um processo deliberado de apagamento dessas identidades. “A identificação índio naquele
documento parece-nos não dizer respeito à cor da pele ou à origem diretamente, mas sim ao ser indígena,
um outro que ao contrário do preto ou do pardo tinha direitos advindos de um processo histórico específico. Era ele o nativo, o primeiro ocupador, aquele que foi expulso das terras e eliminado, mas também que no
complexo processo da colonização também teve alguns direitos reconhecidos. No contexto que analisamos
aqui, índio teria sido utilizado para expressar uma condição, assim como livre e escravo”. TEIXEIRA, L.
“Integrados à massa da população”: “índios” e a categoria “pardo” nas contagens populacionais do Império.
In: VI ENCONTRO ESCRAVIDÃO E LIBERDADE NO BRASIL MERIDIONAL, 2013, Florianópolis.
Anais..., 2013. Disponível em: http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/Textos.6/luana
teixeira.pdf. Acessado em: 28 out. 2019. 468 Ibidem, p. 357. 469 GRINBERG, Keila. O fiador dos brasileiros: cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio
Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 77-83.
197
percorrer o caminho árduo e cheio de obstáculos da hierarquia social através da ilustração
e da construção de redes sociais e políticas.470
[...] a expressão “pardo livre” sinalizará para a ascendência escrava
africana, assim como a designação “cristão novo” antes sinalizara para
a ascendência judaica. Era, assim, condição de diferenciação em relação
à população escrava e liberta, e também de discriminação em relação à
população branca; era a própria expressão da mancha de sangue”471.
Que a classe exposta ao recrutamento foi a mais pobre, isso a historiografia já
mostrou bastante bem. Os mapas da Capitania do Porto da Corte convergem nessa
direção, mostrando as cores dessa classe e como os pretos e os pardos foram
majoritariamente perseguidos, presos e embarcados para a guerra. A cor de pele dos mais
pobres é um assunto difícil de lidar quando se trata de investigar a população dita livre e
liberta472. Na segunda metade do século XIX, houve o silenciamento sobre a cor de pele
das mulheres e dos homens, somente sendo mencionada com o objetivo negativo de
associação à condição escravizada473.
“[...] a cor inexistente, antes de significar apenas branqueamento, era
um signo de cidadania na sociedade imperial, para qual apenas a liberdade era precondição [...]. O sumiço da cor referencia-se, antes, a
uma crescente absorção de negros e mestiços no mundo dos livres, que
não é mais monopólio dos brancos, mesmo que o qualificativo “negro” continue sinônimo de escravo, e também a uma desconstrução social do
ideal de liberdade herdado do perídio colonial, ou seja, a desconstrução
social de uma noção de liberdade construída com base na cor branca,
associada à potência da propriedade.474
Ser “pardo” no Império foi praticamente uma condição civil que ora permitia
acionar os direitos políticos e civis previstos em lei, ora expunha à precariedade estrutural
reservada às negras e aos negros, que tinham uma presumida ligação com o cativeiro475.
Portanto, os dados reunidos pela Capitania do Porto da Corte que resistiram ao tempo
jogam uma nova luz sobre as relações sociais e políticas daquele momento e possibilitam
análises diversas que permitem investigar, por exemplo, as regiões da província em que
foram capturados mais homens pretos ou pardos; a média da idade entre eles. Indo mais
470 Ibidem, p. 85. 471 MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p.18. 472 MATTOS, H. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista (Brasil, século
XIX). 3ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2013, p. 105. 473 Ibidem, p. 106. 474 Ibidem, p. 107. 475 CHALHOUB, Sidney. Precariedade estrutural: o problema da liberdade no Brasil escravista (século
XIX). História Social. São Paulo: UNICAMP, vol. 19, p. 33-62, 2010. Disponível em:
https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/315. Acessado em: 28 out. 2019.
198
fundo, a busca nominal por aqueles que efetivamente serviram após as inspeções de
saúde, compondo em definitivo o contingente naval durante e depois da guerra. Ainda
que que muitos “pardos” buscassem se aproximar socialmente da população branca,
culturalmente e politicamente, sua proximidade ainda estava profundamente conectada à
população negra, principalmente no conjunto dos grupos empobrecidos, expondo-os mais
diretamente ao recrutamento.
As informações reunidas pelas capitanias dos portos trazem consigo, também,
apontamentos em direções importantes para a formação social e política daqueles
indivíduos; para a construção de uma cidadania oitocentista; para o fortalecimento de uma
identidade nacional e dita livre; para o aprofundamento da cultura marítima na cidade e
na Marinha. Homens pretos e pardos foram caçados seguidamente para completar as
guarnições dos navios de guerra. As vantagens oferecidas para o voluntariado não
seduziram uma classe de pessoas que sabia muito bem as condições de tratamento que
lhes reservava o serviço militar, no qual as contradições, hierarquias e diferenciações da
sociedade eram reproduzidas de maneira violenta para a disciplinarização das praças.
De qualquer forma, aqueles homens foram reunidos em espaços confinados, por
tempo longuíssimo, dividindo experiências de vida extremamente distintas. Há uma
historiografia consolidada que demonstra a importância dos navios como um protótipo de
fábrica, no qual um grande número de indivíduos trabalhava, sob comando, hierarquia e
disciplina escrava, operando equipamento mecânico em troca de dinheiro, desde pelo
menos o século XVII476. Uma convivência que forjava uma identidade comunitária
consolidada numa cultura marítima que, por sua vez, era consubstanciada na luta diária
contra as arbitrariedades dos oficiais e com a natureza, exigindo trabalho conjunto e
coordenado. Assim, “a vida muitas vezes dependia do trabalho, da habilidade e do espírito
comunitário da tripulação com um todo”477.
Assim sendo, o recrutamento na Marinha se apossou de uma população
majoritariamente parda e preta. As informações aqui analisadas se juntam a uma
historiografia sobre o recrutamento que indicou a exposição dos mais pobres à “caçada
476 LINEBAUGH, Peter; REDIKER, Marcus. Op. Cit., p. 162. “Navios, conveses e portos constituíram
espaços improvisados de comunicações, gestação de culturas étnicas, criação de linguagem e percepções
políticas originais. Locais para o surgimento de personagens e ideias transatlânticas”. SOARES, C. E. L.;
GOMES, F. S.; FARIAS, J. B. Cidades negras: africanos, crioulos e espaços urbanos no Brasil escravista
do século XIX. São Paulo: Alameda, 2006, p. 47. 477 RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de
Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Companhias das Letras, 2005, p. 194-195.
199
humana”. No entanto, ao visualizar as cores desses homens, fica mais fácil entrever as
múltiplas – e infinitas – possibilidades de interação entre brancos, caboclos, cabras,
pardos, pretos, nacionais e estrangeiros, que foram reunidos com brancos e negros
estrangeiros com experiências culturais, políticas e sociais extremamente diversas. Essa
reunião não se deu somente nos navios, mas já na fortaleza de Villegaignon para as
inspeções de saúde e a posterior redistribuição. Este cenário, associado à uma cultura
popular razoavelmente horizontalizada de conhecimento, acesso, uso e ressignificação do
aparato legal alimentou a cidadania oitocentista do Império.
Depois de analisar os perfis dos homens recrutados, a legislação que estava por
detrás das determinações das formas de recrutamento e incentivo na Marinha, os
indivíduos recrutáveis e aqueles que estavam isentos, é fundamental verificar como a
Capitania do Porto da Corte representou um local de acesso para a reivindicação das
isenções legais que impediam determinados homens de serem enviados para o serviço
militar, ou seja, como ela manteve sua característica paradoxal de ser o lócus que ao
mesmo tempo arregimentava e isentava do serviço.
3.3. MUNDOS DO RECRUTAMENTO: ISENÇÕES, CAPTURAS ILEGAIS E A
CAPITANIA DO PORTO DA CORTE COMO LOCAL DE GARANTIA DE
DIREITOS.
No dia 15 de fevereiro de 1860, o Jornal do Commercio noticiava, na seção
Gazetilha, uma perseguição a um recrutado feita por três fuzileiros navais na Ladeira de
João Homem, na freguesia de Santa Rita, ocorrida no dia 12 daquele mês. Segundo o
periódico, o homem atravessou três casas e foi seguido pelos tais fuzileiros, que invadiram
as residências atrás do fugitivo. O homem tentou fugir o máximo que pôde, “[...] voando
sempre, introduz-se em outra casa, e ei-lo a galope pela escada, pela cozinha, pela varanda
e pelas alcovas, e os fuzileiros atrás deles...”.478 O jornal lamentou os “incômodos”
provocados, o recrutamento forçado do homem e o comportamento dos fuzileiros, que
invadiram as casas.
Buscando esclarecer a publicação do jornal e defender os fuzileiros, o Capitão do
Porto da Corte, Corrêa de Mello, relatou ao ministro que o homem em questão não era
478 Jornal do Commercio, 15 de janeiro de 1860. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/
36456805/59. Acessado em: 31 out. 2019.
200
um recruta, mas um desertor da canhoneira Belmonte. Ele teria sido perseguido por um
Imperial Marinheiro da mesma canhoneira e atravessaram as casas correndo, começando
pela de n° 23, passando pela de nº 25 e terminando na de nº 27, onde, do lado de fora, foi
preso por um fuzileiro naval. O capitão fez questão de deixar registrado que as praças não
invadiram casa alguma.479
O recrutamento era forçado, violento e discriminatório. Ainda que capturado,
restava a esperança da fuga, que se configurava como a última chance de escapatória,
após esgotadas as opções paternalistas e legais. Era importante tentar buscar os lugares
mais distantes da Corte na esperança de estar fora do alcance dos recrutadores. No
entanto, os tentáculos do poder central eram variados e longos, chegando a regiões
relativamente desconectadas da realidade marítima. A Polícia da Província do Rio de
Janeiro teve um papel essencial nesse processo, como ficou evidente nas fontes analisadas
anteriormente. Exemplos dessa busca por liberdade distante do serviço naval ficam
expostos nos casos de Joaquim Gomes de Oliveira, desertor do brigue escuna Fidelidade,
que foi capturado em Jacutinga (hoje, parte da região de Nova Iguaçu), por um guarda da
Polícia da Província, enviado para o Arsenal de Marinha (a Capitania do Porto da Corte
estava fechada no horário que foi enviado) e encaminhado para a fortaleza de
Villegaignon para a inspeção de saúde.480 Ou como nos casos dos desertores do Batalhão
Naval Marcolino Ângelo Bolívia, capturado em Magé e de Antonio Pereira, em São
Gonçalo, ambos remetidos pelo chefe de polícia da província.481 E, ainda, como no casos
dos menores desertores da Companhia de Aprendizes Marinheiros Antonio da Silva
Pereira, José Luiz Frazão, Francisco Antonio Manoel da Costa, Antonio José Guedes de
Andrade, Antonio das Chagas e João Maria Wandenkolk apreendidos em Maricá e Luiz
da França Pereira, Antonio Joaquim do Nascimento, Manoel José Monteiro, Joaquim
Brito de Feitosa, presos em Saquarema, todos apreendidos pela Polícia da Província e
enviados para a Capitania do Porto da Corte para serem encaminhados aos quarteis
respectivos.482
479 AN – SM, XM-239. Ofício nº 11 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 16 de
janeiro de 1860. 480 AN – SM, Fundo IIIM-751. Ofício nº 1 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de
3 de janeiro de 1860. 481 Ibidem. Ofício nº 1 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 12 de fevereiro de
1864. 482 Ibidem. Ofícios 2 e 4 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 15 e 31 de janeiro
de 1868, respectivamente.
201
Muitos outros indivíduos fugiram do recrutamento ou desertaram dos navios de
guerra, dos quarteis ou até no momento da inspeção de saúde483. Qualquer chance de
escapar era válida. A fuga foi sempre uma opção viável; a última chance de não ser
enviado para a guerra e aquela de que dependiam aqueles que possuíam unicamente a
ação pessoal ou coletiva, sem o condicionamento à ação de outras personagens, fossem
os “padrinhos” políticos, fossem pelas vias legais. Estas opções não estavam ao alcance
de todos. Era preciso conhecer e estar próximo de pessoas que impedissem a prisão no
ato do recrutamento. Uma vez preso e enviado para a Capitania do Porto da Corte e de lá
encaminhado para a fortaleza de Villegaignon, era necessário ter algum letramento para
solicitar de próprio punho a sua liberdade ou um mínimo de entendimento dos seus
direitos (e dinheiro) para requisitar a um advogado ou procurador que formulasse um
requerimento solicitando a sua liberdade. Nestes casos, as possibilidades eram mais
variadas e iluminam tanto as formas de relacionamento daqueles homens com o
recrutamento quanto reforça o papel da repartição da Corte como reguladora dos
engajados e dos recrutados e, simultaneamente, como um lugar em que aqueles homens,
resignificando a sua função coercitiva, reivindicaram os seus direitos.484
Como tem sido afirmado até aqui, as isenções foram muito usadas para garantir
que filhos, maridos, irmãos ou o próprio recrutado em seu nome, não fossem enviados
para o conflito no Prata. Duas disposições legais eram acionadas nos requerimentos, o
Decreto nº 1.591 de 1855 e, em casos específicos, a Decisão do Ministério da Guerra nº
67 ou, como era acionada, as Instruções de 1822, que marcavam o modo pelo qual deveria
ser feito o recrutamento das forças de terra. Estas instruções isentavam “os marinheiros,
grumetes, e moços, que se acharem embarcados, ou matriculados; os arrais efetivos de
barcos de conduzir mantimentos, ou outros gêneros”485. O Regulamento de 1846 reservou
os matriculados nas capitanias dos portos para o serviço na Marinha de Guerra e o Decreto
de 1855 regularizou as classes de destino dos voluntários e dos recrutados, bem como
aqueles que estariam isentos dentro do rol dos passíveis de servir, mas garantindo as
483 Antonio José da Silva foi remetido para a Capitania do Porto da Corte pela Polícia da Corte e, após ser
enviado para a fortaleza de Villegaignon, fugiu na hora da visita da Inspeção da Saúde, sendo perseguido e
capturado pela tropa de um dos encarregados pelo recrutamento. Ibidem. Ofício nº 9 da Capitania do Porto
da Corte e Província do Rio de Janeiro de 27 de junho de 1868. 484 Na Bahia, a matrícula na Capitania do Porto foi desejada e buscada por aqueles que fugiam do
recrutamento no Exército ou na Guarda Nacional. Rafael Davis Portela indica que desde os primeiros meses
de funcionamento da repartição, os marítimos baianos acorreram à matrícula para se isentarem do serviço
nas forças de terra. PORTELA, Rafael Davis. Op. Cit., p. 46-51. 485 BRASIL. CLI, Decisão nº 67 de 10 de julho de 1822. Marca o modo porque se deve fazer o
Recrutamento.
202
exceções previstas em 1822. As principais isenções em 1855 eram ser arrimo de família,
podendo ser casado, viúvo ou filho solteiro, principalmente menor de idade (18 anos) e
ser carpinteiro ou calafate.
João Martins de Almeida preenchia quase todos os requisitos para ser isento do
serviço, tanto na Armada quanto na Guarda Nacional, para a qual foi recrutado
ilegalmente em 16 de novembro de 1866. Em 21 de novembro, seu pai, Joaquim Martins
de Almeida peticionou ao capitão do porto pedindo que seu único filho, menor,
carpinteiro de machado do Arsenal de Marinha e matriculado na Capitania do Porto da
Corte (Figura 6) fosse dispensado do serviço na Guarda. Para tanto, juntou um laudo
médico que atestava os seus “graves e incuráveis” problemas de saúde decorrentes do
abuso do álcool e a certidão do Inspetor de Quarteirão da freguesia de Santa Rita que
declarava que ambos eram brasileiros e vivam na Ilha das Cobras e que Joaquim dependia
da companhia do filho.486 O capitão do porto, Corrêa de Mello, no dia seguinte (22), foi
de parecer que o requerimento de Joaquim deveria ser deferido, pois João preenchia as
isenções necessárias, mas, de qualquer forma, deixava a decisão final para a sabedoria do
Ministro.487
486 AN – SM, XM-1092. Requerimento de Joaquim Martins de Almeida de 21 de novembro de 1866. 487 Ibidem. Ofício nº 147 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 22 de novembro
de 1868.
203
Figura 6: Matrícula de João Martins de Almeida – 1866.
Fonte: AN – SM, XM-1092.
Outro carpinteiro que pedia a dispensa do serviço, agora do Exército, foi Polidoro
José da Costa, de 27 anos. Segundo Corrêa de Mello, Costa era matriculado na repartição,
conforme a figura 7, e trabalhador prestativo como carpinteiro de 3ª classe de construção
naval e a sua captura havia sido feita arbitrariamente, pois os recrutadores do Exército
ignoraram os documentos que o recrutado carregava consigo, a matrícula na Capitania do
204
Porto da Corte, o que deveria impedir a sua prisão. Pedia, também, que fosse
providenciada a sua liberação.488
Figura 7: Matrícula de Polidoro José da Costa – 1866
Fonte: AN – SM, XM-1092.
Outro exemplo de matriculado na repartição que pediu dispensa foi o caso
Joaquim Raphael Gomes, pescador em Cabo Frio. Em 5 de junho de 1867, Gomes
requereu ao Governo para não ser enviado para a guerra no Paraguai, como havia sido
designado indevidamente. O recrutado tinha 47 anos, era casado e pai de cinco crianças
menores e juntou não só a matrícula de pescador na repartição (Figura 8), como o pedido
de dispensa do serviço na Guarda Nacional feito ao seu Conselho de Qualificação da
cidade de Cabo Frio em 17 dezembro de 1866, do qual foi dispensado do serviço pelas
mesmas razões que pedia para não ser mandado para a guerra. Corrêa de Mello deu seu
488 Ibidem. Ofício nº 101 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 22 de novembro
de 1868.
205
parecer em nota marginal no requerimento de Gomes, afirmando que o suplicante, pelos
seus 47 anos, já estava dispensado de “todo e qualquer serviço” e, acrescentando o arrimo
de cinco filhos menores, não havia por que não ser deferido o que era pedido.489
Os três casos apresentados foram escolhidos por serem simbólicos do extenso
corpo documental de requerimentos cotejados sobre a captura de desertores, o
recrutamento de indivíduos expostos à “caçada humana”, de ofícios de autoridades
municipais, provinciais e imperiais prendendo, enviando ou recebendo homens das suas
localidades para serem encaminhados à Capitania do Porto da Corte. Por esta repartição
circulou diversos indivíduos que a ela recorreram para se resguardarem da guerra.
Figura 8: Matrícula de Joaquim Raphael Gomes – 1867
Fonte: AN – SM, XM-1095.
489 Ibidem. Requerimento de Joaquim Raphael Gomes de 5 de junho de 1867 e mais documentos anexos.
206
João de Almeida, Polidoro da Costa e Joaquim Gomes representam um diminuto
microcosmo dos mundos do recrutamento na província do Rio de Janeiro apresentado na
parte anterior deste capítulo. Há um “pardo”, um “preto” e um “branco”, sendo dois deles
jovens em idade de serviço militar; os três com presumível força física aparente, própria
do exercício dos seus ofícios (dois carpinteiros e um pescador). Os dois primeiros eram
homens que não podiam circular pela cidade despreocupadamente. “Pardos” e “pretos”
viviam sob o signo da suspeição escravista. A qualquer momento poderiam ser
confundidos com escravizados. Mesmo que Almeida fosse um pardo de pele clara, sua
liberdade de ir e vir não era uma garantia, ainda mais em tempos de intensificação do
recrutamento. Costa era preto, cabelo carapinha, olhos pretos e pouca barba. Ele estava
duplamente sob suspeição. Se não fosse preso por suspeita de ser escravizado, poderia ser
preso pelos recrutadores, como o foi. Nem os documentos que portava impediram a sua
prisão.
Gomes, teoricamente, deveria estar mais seguro diante da conscrição arbitrária, se
não pela sua cor de pele branca, pela sua idade e atividade laboral. Estar nas colônias
pesqueiras de Cabo Frio deveria lhe dar certa segurança, mas em 1867, com a redução
constante de voluntários e as ordens seguidas de envio de voluntários e recrutas, ser um
homem com aparência física própria para o serviço militar não deixava seguro nenhum
indivíduo que não pudesse acessar, imediatamente, sua rede de sociabilidade paternalista,
se a tivesse. O pescador recorreu ao Imperador em 05 de junho, o parecer de Corrêa de
Mello foi dado no dia 12 e o ofício da 3ª Seção do Ministério da Justiça saiu em 17 de
junho e mandado oficiar ao capitão do porto no dia 24. Devem ter sido 20 dias de angústia
e ansiedade para Gomes, enquanto não obteve a decisão definitiva da sua dispensa. Não
foi possível identificar se ele chegou a ser enviado para a Corte. Se não foi, provavelmente
deve ter sido mantido aquartelado em Cabo Frio durante esse tempo. Sua liberação, a de
Almeida, a de Costa e de muitos outros não passou pelas relações paternalistas locais,
mas pelas institucionais. Mesmo recorrendo ao discurso de submissão, os instrumentos
utilizados eram próprios do liberalismo político oitocentista.
O caso de Gomes se insere num imbróglio entre a delegacia da Capitania do Porto
da Corte em São João da Barra, o delegado de polícia da cidade e o Alferes da Guarda
Nacional que empreenderam, em 1865 e 1866, seguidos recrutamentos de trabalhadores
marítimos matriculados na repartição da Marinha.
207
Que, por sua vez, se junta ao caso do calafate Elisiario Francisco da Boa-Morte,
branco, 23 anos, empregado nos estaleiros de São João da Barra (Figura 9), que foi
mandado para a Corte junto com outros recrutados pelo 2º substituto do delegado de
polícia da cidade. Lembremos, de novo, que a Polícia da Província foi a que mais enviou
recrutas para a repartição na Corte, mas muitas das suas ações passaram por cima das
atribuições da delegacia marítima. Como o delegado da Capitania do Porto da Corte na
região era bastante ativo, as informações sobre os recrutamentos por ali são mais
completas e mostram como a conscrição fora dos centros urbanos foi agressiva e
funcionou a partir da sobreposição de jurisdições entre diferentes instituições imperiais,
exigindo uma constante negociação entre as forças envolvidas.
Boa-Morte foi enviado para a Corte em 11 de setembro após ser preso pelo
delegado de polícia como recrutado para a guerra. Antes disso, no dia 02, já tinha feito
um requerimento ao chefe de polícia da província solicitando a sua liberdade, provando
que era calafate nos estaleiros de São João da Barra (juntando atestado de boa conduta
emitido por um mestre carpinteiro da cidade) e que era arrimo da sua prima-irmã, órfã e
solteira, com quem vivia. Inclusive, já estava alistado para ser mandado para o Arsenal
de Marinha para lá exercer o seu ofício.490 Toda a documentação foi enviada para o
Capitão do Porto da Corte que também solicitou a sua liberdade, ainda que o mantivesse
preso na fortaleza de Villegaignon até que a sua situação e a dos outros recrutas enviados
fosse resolvida.491
490 AN – SM, XM-1077. Requerimento de Elisiario Francisco da Boa-Morte em 02 de setembro de 1865 e
mais papéis anexos. 491 Ibidem. Ofício nº 97 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 11 de setembro de
1865.
209
O início do imbróglio começou com a prisão do calafate e dos outros recrutados
após duas resoluções da Secretaria de Polícia da Província do Rio de Janeiro. Em 29 de
julho de 1865, foi enviada uma circular ao delegado de polícia de São João da Barra
determinando que fosse efetuado um recrutamento em “grande escala” nas delegacias e
subdelegacias da província492. Em 06 de setembro foi publicado no jornal local, O
Popular, a circular nº 1.459 mandando executar o Regulamento de 1846 nas cláusulas
pertinentes à matrícula dos trabalhadores marítimos e em especial ao que se referia ao
artigo 68. Determinava que o delegado vigiasse, principalmente, a apresentação das
matrículas pertinentes. Os infratores do regulamento deveriam ser enviados para o chefe
de polícia da província para serem encaminhados ao Capitão da Corte493. Ou seja, o
delegado de polícia deveria fazer o trabalho do delegado da capitania do porto.
O delegado da repartição da Marinha na cidade, Cypriano Basílio Gonçalves,
enviou, nesse período, dois ofícios ao seu chefe na Corte denunciando o comportamento
que considerava abusivo e autoritário do suplente de delegado de polícia que,
arbitrariamente, vinha prendendo os trabalhadores marítimos como recrutas,
desconsiderando as matrículas apresentadas e a própria autoridade de Gonçalves, que se
mostrava surpreso com a falta de respeito e a audácia do delegado da cidade que praticava
as suas ações
[...] em virtude das ordens que diz ele ter do Ilmo. Sr. Dr. Chefe de
Polícia da Província para recrutar no mar, invadindo dest’arte as minhas
atribuições, não querendo respeitar as matrículas passadas pelas Capitanias dos Portos, declarando não ter elas validade, e mesmo por
não lhe merecer confiança alguma e saber como elas são passadas, o
que não deixa de ser mais que ousadia da parte desse Delegado [...].
Ainda há dias, em uma canoa, com força armada, saiu desta cidade com intuito de abordar em horas noturnas os navios que se acham no
ancoradouro, como fui informado pelo Agente da Companhia União
Campista e Fidelista, que nessa ocasião pedia-me providências para evitar qualquer violência que tivesse de praticar essa autoridade, pois
que lhe constava que essa força dirigia-se para o trapiche dessa
Companhia, a fim de assaltar as barcas que ali se achavam com carregamento da praça para o vapor Ceres, e prender a tripulação delas.
[...] Não é só no mar o procedimento ilegal desse Delegado: também o
tem feito nos estaleiros, querendo recrutar os calafates e carpinteiros
que se acham matriculados e que trabalham efetivamente nesses
estabelecimentos.494
492 Ibidem. Circular nº 1.240 da Secretaria de Polícia do Rio de Janeiro de 29 de julho de 1865. 493 Ibidem. Circular nº 1.459 da Secretaria de Polícia do Rio de Janeiro de 06 de setembro de 1865. 494 Ibidem. Ofício nº 45 do Delegado da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro em São
João da Barra de 04 de setembro de 1865
210
O delegado da capitania do porto acusava o 2º substituto do delegado de polícia,
Luiz Gomes Moreira e Souza de estar ligado a relações corruptas na cidade e que não era
um homem confiável. Os desentendimentos entre as duas autoridades se arrastaram até o
fim do ano. Souza insistia em cumprir as determinações feitas pela presidência da
província, alegando que só vinha recrutando homens entre as tripulações das embarcações
da navegação fluvial. No seu entendimento, eles não eram “indivíduos da vida do mar”.495
Mesmo após o Aviso do Ministro da Justiça afirmando que os trabalhadores marítimos
não estavam sujeitos ao recrutamento do delegado496.
O capitão do porto da Corte encaminhou todas as reclamações do seu delegado ao
Ministro da Marinha, sempre destacando os problemas advindos das sobreposições de
jurisdição provadas pela ação do substituto do delegado de polícia497. Mas não só em São
João da Barra estava havendo o recrutamento ilegal. Corrêa de Mello oficiou ao Ministro
em 25 de novembro daquele ano dando parte da reclamação de “vários moradores no
distrito de Cabo Frio, empregados na pescaria, tanto de barra fora como de barra dentro”
que vinham sendo recrutados indiscriminadamente tanto para o Exército quanto para a
Guarda Nacional, levando alguns deles se esconderem fora a cidade. Pedia solução
urgente, uma vez que estavam todos isentos daqueles recrutamentos pelas disposições
legais de 1822 e 1855, pelo Regulamento de 1846 e pelo decreto de 1850 que deu novo
regulamento aos Corpos dos Guardas Nacionais.498
O Ministro da Justiça se manifestou em todos os casos, mais de uma vez. Sobre o
recrutamento em São João da Barra, além de afirmar que os marítimos não estavam
sujeitos à coerção do delegado de polícia, reafirmou as ordens ao presidente da província
que providenciasse a interrupção de qualquer ação
[...] para fazer cessar as queixas do Delegado da Capitania do Porto em
São João da Barra, contra o procedimento do Delegado de Polícia do
mesmo termo, não só em relação ao recrutamento de indivíduos
matriculados na Capitania, como em pretender invadir as atribuições
desta [...].499
495 Ibidem. Ofício do 2º Substituto do Delegado de Polícia do termo de São João da Barra de 17 de novembro
de 1865. 496 Ibidem. Aviso do 3ª Seção do Ministério dos Negócios da Justiça em 28 de setembro de 1865 497 Ibidem. Ofícios nº 92, 97, 116 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 26 de
agosto, 11 de setembro e 07 de outubro de 1865, respectivamente. 498 AN – SM, XM-1077. Ofício nº 142 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 25
de novembro de 1865. 499 Ibidem. Aviso do Ministério dos Negócios da Justiça de 26 de outubro de 1865.
211
Em dezembro, determinou àquela autoridade provincial que mandasse observar
estritamente as isenções elencadas pelo capitão do porto e não procedesse ao
recrutamento para àquela força.500 E, finalmente, em janeiro de 1867, determinou que
findasse as desavenças entre as duas repartições, mandando providenciar que a dita
presidência “[...] providencie de modo que no serviço de recrutamento os respectivos
agentes evitem com todo o cuidado quaisquer excesso, de que possam originar-se
conflitos de jurisdição”.501
Naquele momento, o recrutamento foi um instrumento poderoso de demonstração
de força perante os poderes centrais502. O envio de recrutas possibilitava fortalecer o
status de determinadas autoridades e reiterar a competência de outras. Assim, os conflitos
de jurisdições atravessaram os imbróglios apresentados. A começar pelo recrutamento da
Guarda Nacional, do qual o caso de Joaquim Raphael Gomes é ilustrativo. Gonçalves, o
delegado de São João da Barra, comunicou ao capitão do porto que a Guarda Nacional
estava realizando o recrutamento dos “indivíduos da vida do mar” matriculados na
repartição e daqueles que já estavam embarcados para seguir viagem com tripulação dos
navios mercantes. Afirmava Gonçalves que o Alferes da Guarda Nacional na cidade,
responsável pelas ações, havia apresentado dois ofícios, um do Barão de Itabapoana,
comandante superior da Guarda Nacional em Campos e em São João da Barra503 e do
Presidente da Província do Rio de Janeiro ordenando que os trabalhadores marítimos,
incluindo os carpinteiros e os calafates, deveriam ser recrutados para a Guarda para serem
designados para o Exército.504
O delegado protestava assertivamente contra o que considerava mais uma invasão
e desrespeito às suas atribuições ao desconsiderarem o seu trabalho, o Regulamento de
500 Ibidem. Aviso do Ministério dos negócios da Justiça de 16 de dezembro de 1865. 501 Ibidem. Aviso do Ministério dos negócios da Justiça de 22 de janeiro de 1866. 502 Rodrigo Goyena Soares afirma que nesse período houve uma forte politização do recrutamento para o
Exército a partir das disputas políticas em torno do gabinete progressista de Zacarias de Goés e
Vasconcellos. “Assegurar a manutenção de números altos no recrutamento era, em outros termos, garantir
a continuidade do gabinete. É nesse sentido que guardas nacionais ou delegados de polícia vinculados a províncias com presidência liberal adotaram medidas de recrutamento forçado, atingindo brasileiros e
estrangeiros”. Soares defende que, de qualquer forma, o aumento do recrutamento dependeu das orientações
políticas dos poderes locais, contrários ou a favor do alistamento forçado. GOYENA SOARES, Rodrigo.
Op. Cit., p. 66-68. 503 LAEMMERT, Eduardo; LAEMMERT, Henrique. Almanak Administrativo Mercantil e Industrial da
Corte e da Província do Rio de Janeiro. (Almanak Laemmert). Rio de Janeiro: Em casa dos Editores
proprietários E. e H. Laemmert, 1867, Guarda Nacional da Província do Rio de Janeiro, p. 25. Disponível
em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/26676. Acessado em: 31 out. 2019. 504 AN – SM, XM-1094. Ofício nº 144 do Delegado da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de
Janeiro em São João da Barra de 07 de novembro de 1866.
212
1846 e as matrículas da repartição. A legislação não permitia, como o Barão desejava505,
haver duas designações para o mesmo indivíduo – para a Marinha, como matriculado nas
capitanias dos portos e para o Exército, como guarda nacional506. Dois dias depois, Corrêa
de Mello oficiou o Ministério da Marinha pedindo que providências fossem tomadas
novamente no sentido de resguardar a jurisdição da repartição, a sua autoridade e o
cumprimento do ordenamento legal que reservava àqueles homens a isenção do serviço
na Guarda Nacional.507
E, uma vez mais, o Ministro da Justiça se comprometia em determinar ao
Presidente da Província do Rio de Janeiro que terminasse com os recrutamentos, agora
para a Guarda Nacional.508 Não ficou claro se o Ministro realmente determinou as ordens
expedidas pelo barão e pelo presidente da província. O que é certo é que as tentativas de
recrutamento do maior número de indivíduos, independente das suas isenções, foi uma
prática cotidiana e costumeira que, quando chegava às autoridades ministeriais, fazia-se
necessário defender o cumprimento do ordenamento legal. A julgar pela expressiva
quantidade de recrutados pela Polícia da Província, os recrutamentos indiscriminados
continuaram ocorrendo a despeito das disputas entre as repartições. Dessa forma, parece
que, caso não houvesse protesto dos recrutados, a captura deles era garantida pelos
diversos delegados, subdelegados, guardas e capatazes (além dos particulares)
empenhados em contribuir patrioticamente contra a ofensa dos paraguaios.
Essa “contribuição patriótica” tinha um preço, pecuniário e simbólico. Apresentar
um indivíduo recrutado podia render até 25$000509. Como, para receber o valor, era
necessário que o recruta assentasse praça510, quanto mais homens enviados, maior seriam
505 “[...] que os indivíduos alistados ou matriculados nessa Delegacia da Capitania do Porto do Rio de
Janeiro, bem como calafates e carpinteiros empregados na repartição da Marinha sejam chamados a serviço
da Guarda Nacional”. Ibidem. Portaria do Sr. Barão de Itabapoana de 11 de outubro de 1866. 506 Ibidem. 507 Ibidem. Ofício nº 140 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 09 de novembro
de 1866. 508 Ibidem. Ofício da 3ª Seção do Ministério dos Negócios da Justiça de 16 de janeiro de 1867. 509 Em 26 de setembro de 1865, o capitão do porto da Corte comunicou ao Ministério da Marinha que estava
aumentando a gratificação paga aos recrutadores para 20$000, pois eles estavam reclamando que o valor de 10$000 até então pagos não cobria os gastos e o trabalho despendido. Em nota marginal ao ofício, foi
autorizado a quantia de 25$000 “visto à urgência das circunstâncias”. É importante destacar o momento
propício de solicitação do aumento, quando as conscrições ainda não apresentavam um viés de baixa. AN
– SM, XM-239. Ofício nº 109 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 26 de
setembro de 1865. 510 Caso fossem julgados incapazes do serviço, os recrutados eram devolvidos à repartição ou ao agente
recrutador, com as despesas pagas pelo Tesouro Nacional. Em junho de 1867, o encarregado desse serviço
da Capitania do Porto da Corte, o capitão de fragata José Manoel Picanço da Costa, tinha a receber cerca
de nove contos de reis referentes a gastos com as passagens e escoltas de recrutados devolvidos para o chefe
de polícia de Niterói e com prêmios de engajamentos e de recrutamentos. AN – SM, XM-1095. Ofício nº
213
as chances de elevar a quantia recebida da Capitania do Porto da Corte511. Simbólico,
porque o recrutamento também era uma demonstração de poder local. O delegado da
Marinha tinha que, constantemente, reafirmar a sua posição de autoridade marítima
naquela região. Isso ficará ainda mais claro com as questões relacionadas à delimitação
dos terrenos de marinhas, analisadas no próximo capítulo. Nos casos em tela, estava em
jogo a sua autoridade frente aos trabalhadores marítimos que recorriam a ele para que o
Regulamento de 1846 fosse respeitado, não permitindo que fossem recrutados pelo
delegado de polícia. Este, por sua vez, era o suplente do cargo de delegado. A constante
indicação do cargo do subdelegado na correspondência de delegado da Capitania revela
as hierarquias próprias daquela sociedade. Mostrar serviço era essencial para demostrar
ser prestativo recrutando o maior número de homens possível em um momento em que
era cobrado por uma autoridade institucional, o presidente da província e por uma
autoridade política de nível local e central, o Barão de Itabapoana.
O suplente do delegado de polícia não demonstrou desconhecer o Regulamento
de 1846, muito pelo contrário. Deu-lhe a sua própria interpretação; aquela que lhe
convinha. Afirmar que as tripulações das embarcações fluviais não eram “indivíduos da
vida do mar” era se apegar a um preciosismo que lhe permitia assediar aqueles homens
para atender aos seus interesses, estratégia que já havia sido usada por outros em outro
espaço e tempo, conforme demonstrado no segundo capítulo. Conseguiria mais homens
para enviar como recrutados para a Corte, cumprindo as suas metas e justificaria exercer
uma autoridade sobre uma classe de trabalhadores que não estavam sob sua jurisdição.
Ao mesmo tempo, menosprezar o serviço efetuado pela repartição da Marinha era uma
forma de valorizar as suas ações perante os seus superiores. De toda forma, o seu exercício
de poder expandia-se e assim mostrava que, inclusive, era capaz de ocupar o cargo
definitivamente, em caso de vacância permanente.
Portanto, os conflitos de jurisdições foram atravessados de diferentes formas de
ação nos mundos do recrutamento no Rio de Janeiro; provocados pela ação de indivíduos
diversos, presentes em lugares distintos. É quase óbvio afirmar que sem a provocação dos
trabalhadores marítimos, essas disputas seriam bem menos evidentes. Mas certas
80 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 10 de junho de 1867 e mais documentos
anexos. 511 Em diferentes momentos, entre 1865 e 1867, o capitão do porto solicitou ao Ministério da Marinha o
aumento do valor mensal reservado à repartição para os prêmios pagos pelos engajamentos e pelos
recrutamentos. Os valores solicitados variavam em torno de quatro a seis contos de réis para despesas com
esses pagamentos. AN, SM. Fundos XM-239; 240; 1077; 1092; 1094 a 1097.
214
obviedades precisam ser registradas. O aparelho coercitivo do Estado imperial foi pródigo
de uma produção legislativa que buscou capturar o maior número de homens possível, ao
mesmo tempo que garantiu que muitos deles não deveriam ser caçados. Nesse processo
de “caçada humana”, muitas “presas” se utilizaram das armas dos seus “caçadores” para
garantir a escapatória do “cativeiro” militar.
* * *
As capitanias dos portos foram mencionadas nos estudos sobre o recrutamento e
o engajamento de homens para a Armada de maneira tangencial e genérica. O próprio
processo de conscrição para a Marinha durante a Guerra do Paraguai tem poucas
pesquisas dedicadas de maneira específica. Como agentes do poder central nas regiões
portuárias do Império, essas repartições foram responsáveis pelo levantamento e pela
“caçada” de homens para as forças navais, pelo controle e organização do recrutamento
por outros agentes públicos e privados e, no caso da Capitania do Porto da Corte, pela
organização das informações, recebimento e encaminhamento do pessoal enviado de todo
o Império junto com o Quartel General, além de ter as mesmas funções de captura e
organização, junto com a Polícia da Corte e da Província e dos seus recrutadores.
Nesse processo, o decreto de 1855 representou um momento paradigmático para
essas repartições, pois especificou e delimitou as suas funções relacionadas ao
engajamento e ao recrutamento. Os debates no Senado sobre a viabilidade das medidas a
serem promulgadas mostrou como o recrutamento, apesar de ser considerado por todos
os senadores que se manifestaram a pior forma de preencher os quadros das praças
militares, foi uma ferramenta essencial, no Brasil, no processo de construção dos
contingentes navais. Havia outras formas de aquisição de pessoal, como o senador
destacou. Em Portugal, o sorteio visava equalizar a conscrição. Assim, a adoção das
propostas ministeriais, bem como as formas de aquisição de homens para os navios de
guerra foi um processo atravessado de dúvidas, disputas e negociações. No entanto,
diferentemente da sociedade lusa, o recrutamento funcionava, também, como forma de
controle sobre a população direta ou indiretamente associada à escravidão. Portanto,
ainda que houvesse dúvidas com relação a ele, havia, outrossim, um consenso quanto à
sua utilidade para aquele fim.
215
Três questões nortearam as análises desse capítulo: 1) compreender que havia, no
discurso, expectativa e “propaganda”, em um ambiente no qual tudo funcionava. Ao
mesmo tempo em que o recrutamento era considerado odioso, a lei era mandada ser
cumprida. Na prática, as conscrições arbitrárias continuaram a pleno vapor, provocando
as disputas e os conflitos de jurisdições entre as instituições e as negociações necessárias
entre elas e a população envolvida; 2) situar a arbitrariedade a partir dos homens expostos
à “caçada humana”, que foram aqueles que tinham a cor de pele vista como
potencialmente perigosa ou própria para o serviço ou, ainda, “mais fácil” de ser capturada;
3) revelar os requerimentos que combateram as imposições oficiais, que eram enviados
para a repartição ou diretamente para o Imperador, indo “por fora” das relações
clientelistas. Muitos homens não estavam inscritos nas redes de sociabilidade que
possibilitavam escapar do recrutamento, indo buscar nos agentes políticos e
administrativos os seus direitos, usando o discurso paternalista sob nova roupagem, a do
liberalismo político oitocentista.
Discursos, homens e requerimentos foram analisados tendo como base a
importância do papel das capitanias dos portos – especificamente a Capitania do Porto da
Corte – possibilitando a complexificação da investigação que se debruça sobre essas
personagens e a ampliação das ações populares a partir do uso e da ressignificação do
aparato legal, bem como da relação dos cidadãos com as redes de sociabilidade política
ou das relações clientelistas, que sem dúvida foram uma dinâmica forte e presente.
Requerimentos, petições, súplicas. No século XIX, esses termos se entrecruzaram,
significando, invariavelmente, a mesma coisa, a busca pelo que se entendia como
direitos.512 Ainda que reunissem assinaturas e testemunhos de negociantes e comerciantes
locais ou mestres artistas dos seus ofícios a respeito das suas boas condutas, os
requerentes das isenções acionaram o Estado, representado pela Capitania do Porto da
Corte, para reivindicar a liberação do indivíduo recrutado forçadamente. As relações de
sociabilidade política locais não eram, necessariamente, suficientes para impedir a prisão
de alguém que representasse um recruta em potencial. Se fosse homem, jovem, com
compleição física forte e, principalmente, de pele escura, o recrutamento era um risco
iminente e constante.
512 JEHA, Silvana Cassab. Op. Cit., p. 175.
216
Os requerimentos foram instrumentos essenciais no processo de construção de
uma cidadania oitocentista513. Após a promulgação da Constituição de 1824, a população
do Império utilizou em larga escala o Artigo 179, que garantia a inviolabilidade dos
direitos civis e políticos como a liberdade de imprensa e religiosa, o direito à propriedade
e ao livre exercício do trabalho e autorizava os cidadãos à peticionarem “[...] ao Poder
Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expor qualquer
infracção da Constituição, requerendo perante a competente Autoridade a efetiva
responsabilidade dos infratores”.514
Na Marinha, esse instrumento representou a oportunidade de tentar melhorar as
condições do serviço militar, escapar dele, evitar o seu prolongamento ou “salvarem” a si
e os seus da precariedade da vida servindo na Armada. O uso desse tipo de instrumento
indica que havia, entre as praças, o conhecimento dos seus direitos previsto no código
legal militar, agregando complexidade à percepção de cidadania no Oitocentos.515
513 Ver, principalmente, PEREIRA, Vantuil. “Ao Soberano Congresso”: Petições, Requerimentos,
Representações e Queixas à Câmara dos Deputados e ao Senado – Os direitos do cidadão na formação do
Estado Imperial brasileiro (1822-1831). 2008. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-
Graduação em História, UFF, Niterói, 2008; SABA, R. As Vozes da Nação: a atividade peticionária e a
política do início do Segundo Reinado. 2010. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2010. 514 BRASIL. CLI, Constituição de 1824, Artigo 179, § IV, V, XXII e XXX. 515 ARIAS NETO, José Miguel. Op. Cit., p. 95.
217
4. CAPITANIA DO PORTO DA CORTE E OS PODERES LOCAIS –
PROVÍNCIA, MUNICIPALIDADE E OS CIDADÃOS: DISPUTAS, CONFLITOS
E NEGOCIAÇÕES DENTRO E PELOS TERRENOS DE MARINHAS
A Capitania do Porto da Corte foi atravessada de interesses diversos. A amplitude
do Regulamento de 1846 alimentava as múltiplas influências sobre o seu cotidiano que,
simultaneamente, ampliava o seu raio de ação. Enquanto controlava a chegada dos
engajados e dos recrutados de diferentes lugares, organizava as informações e procedia à
sua cota de recrutamento. Recebia as dúvidas e os questionamentos das outras províncias
e deliberava sobre assuntos variados. Por outro lado, a repartição cuidava, também, dos
terrenos de marinhas da Corte e do resto da província, bem como regulava o uso e a
ocupação das praias da cidade ao mesmo tempo em que lidava com os interesses locais
sobre os quais deveria exercer autoridade. Ainda que reclamasse da falta de pessoal e de
material para proceder a um trabalho que considerava adequado, o Capitão do Porto
conseguia manejar uma boa quantidade de casos que lhe chegaram. Alguns deles serão
analisados a seguir.
Milhares de pessoas passaram pela repartição e os recrutados foram um exemplo
de como ela poderia ser usada para assegurar direitos, como as isenções ao próprio ato de
recrutamento. Além daquelas personagens, também passaram pela Capitania do Porto
pessoas para reivindicar, negociar e assegurar direitos entendidos como costumeiros
ligados ao uso das praias, pelo menos, aqueles que tinham acesso aos instrumentos legais
necessários.
Este capítulo irá analisar as diversas ações políticas e sociais que atravessaram a
Capitania do Porto da Corte e foram atravessadas por ela dentro e fora da Corte. Inserida
em um meio que já era historicamente disputado516 – os terrenos de marinhas – a
Capitania do Porto veio agregar mais uma camada de controle político, agora a partir do
centro do poder. Sua criação foi estratégica não só do ponto de vista fiscal, no que tange
ao arrecadamento das rendas do Império, mas também nos campos político e social, ao
ser ambiente do esforço de normatização do espaço portuário e das suas dinâmicas de
516 Desde, pelo menos, o início do século XVIII, os espaços à beira-mar na cidade do Rio de Janeiro eram
objeto de disputa entre o Senado da Câmara e a administração régia, que concedia aforamentos de terrenos
considerados pertencentes às sesmarias doadas pelo rei. LIMA, Pedro Moreira da Costa. Coleção de leis,
provisões, decisões, circulares, portarias, ordens, ofícios e avisos sobre terrenos de marinhas. Rio de
Janeiro: Typographia Nacional, 1865, p. 5-7. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/
id/227388. Acessado em: 23 nov. 2019.
218
funcionamento. Esse processo gerou embates entre o Governo Imperial e as forças locais,
tanto com as provinciais quanto com as municipais, bem como com os comerciantes e
trabalhadores das regiões portuárias. Foram crescentes as disputas pelas praias e os seus
ancoradouros, sobretudo porque a expansão da circulação de mercadorias se dava,
naquele período, pelo mar e pelos rios. Esses canais eram primordiais, dessa forma, para
o escoamento da produção agrícola, para exportação/importação de diversas mercadorias
e para o transporte de passageiros e seus espaços configuraram-se como um local de
exercício de poder sobre os agentes sociais e políticos neles presentes.
No que tange à tentativa de estabelecer o controle sobre tais terrenos a partir do
poder central, o esforço foi hercúleo, mas, apesar de ter ocorrido disputas diversas ao
longo do período analisado, foi relativamente bem-sucedido. Em alguns casos, contudo,
a Capitania do Porto e as municipalidades trabalharam juntas contra outros interesses,
notadamente quando a autoridade e o exercício de poder e de controle das duas
instituições estavam em jogo, com interesses que se entrecruzavam tanto quanto colidiam,
tornando as negociações fundamentais para o sucesso do empreendimento. Ora vista
como um empecilho, ora vista como um instrumento aliado, a repartição lidou com
diferentes forças no seu cotidiano, ou seja, na normalização das praias da Corte e da
província.
Na primeira parte deste capítulo apresenta-se a legislação pertinente e as fases que
o processo de construção dessa jurisdição atravessou até 1868, quando os papéis das duas
instituições em tela foram definidos claramente. Em seguida, a análise se concentrará nas
disputas e nos conflitos entre a Capitania do Porto da Corte e a Câmara Municipal nos
primeiros 10 anos de funcionamento da primeira, que configuraram uma forte marca nos
relatórios ministeriais como o grande empecilho para a atuação plena da repartição no
que cabia à polícia do porto. A entrada em cena da repartição da Marinha representou
para a vereança carioca uma ameaça às suas atribuições de polícia em uma região vital
para a existência da cidade, tanto política e socialmente, como economicamente.
Continuando nesse contexto, empreende-se a análise das demandas por parte dos
cidadãos presentes e interessados no uso das praias e dos seus ancoradouros. Aquela
diferença no entendimento entre as duas instituições foi usada pelos atores sociais do
litoral da cidade para reivindicar o seu próprio entendimento sobre o uso das praias,
ressignificando os dispositivos legais do poder central e local.
219
Nesse sentido, o termo “esbulhar”, usado algumas vezes pela vereança e pelo
Capitão do Porto em relação aos direitos dos barqueiros, é ilustrativo do sentimento de
privação de algo por meio de fraude ou de violência, sem direito ou autoridade
legítimos517. Ou seja, da percepção de uma forma não legítima de exercício de autoridade,
de ambas as partes. Assim, a discordância a respeito da maneira como as praias deviam
ser usadas e disponibilizadas para a população provocou embates duros entre as duas
instituições e muitas reivindicações por partes dos catraieiros da cidade.
Será analisado, por fim, o esforço de controle sobre os terrenos de marinhas fora
e dentro do Município Neutro. Em Campos e São João da Barra, duas importantes cidades
da província do Rio de Janeiro, a delegacia da capitania naquela região era ativa e foi
possível entender a dinâmica de apropriação do solo do litoral pelas forças locais a partir
da ação da repartição no seu exercício de autoridade. Na Corte, especialmente na década
de 1860, a relação entre a repartição da Marinha, a Municipalidade e os cidadãos e cidadãs
interessados nas praias ganhou uma dinâmica menos conflitiva da que verificada na
década anterior.
4.1. DESCENTRALIZANDO E CENTRALIZANDO A LEGISLAÇÃO SOBRE OS
TERRENOS DE MARINHAS
Os terrenos de marinhas não são temas que têm merecido atenção de grande
número de historiadores. A tese de Cezar Honorato518 ainda é o trabalho mais relevante
sobre o assunto ao analisar a legislação e destacar os conflitos entre o Governo Imperial
e as Câmaras Municipais, historicizando o aparato jurídico e demonstrando o processo de
construção legal da apropriação dos terrenos comuns como propriedade do Estado para a
concessão à iniciativa privada519. No Direito, essa questão é mais debatida.520 Nesse
sentido, foi o livro Terras de Marinha521, de Rosita de Souza Santos (uma obra da área do
Direito), que contribuiu de forma ampla para o trabalho de Honorato, tendo a autora, ao
remontar ao século XVI, investigado as raízes da legislação portuguesa sobre o assunto.
517 SILVA, Antonio de Moraes. Diciionario da Lingua Portugueza. Volume II. Lisboa: Typographia
Lacerdina, 1813, p. 732. 518 HONORATO, Cezar. (2016) Op. Cit. 519 Ibidem, p. 89-100. 520 Por exemplo, ver: PASSOS, Tatiana. Terras de Marinha. Leme: Mundo Jurídico, 2013; PINHEIRO,
Rodrigo Passos. Terreno de Marinha: Teoria e prática. São Paulo: Scortecci Editora, 2012. 521 SANTOS, Rosita de Sousa. Terras de Marinha. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1985.
220
Ao longo dos anos de 1830, uma série de leis, portarias e circulares por parte
Ministério da Fazenda estabeleceu tanto a delimitação do que eram os terrenos de
marinhas, como ampliou seu conceito, que “passou a ser toda e qualquer parcela do litoral,
desde que requerido pelo interessado e definido o imposto a ser recolhido pelo Tesouro
Nacional”.522 Honorato destaca que a construção jurídica era oriunda da Fazenda,
“responsável pelo controle dos bens do Império e pela cobrança dos tributos fiscais”523,
embora, quando criada a Capitania dos Portos, ela tivesse recebido também parte dessas
atribuições de administração e controle da ocupação dos terrenos de marinhas e sua
regulamentação.
Entre as décadas de 1830 e 1860, em termos de legislação, é possível separar três
períodos que se ligam aos contextos políticos do Império. No primeiro, entre 1831 e 1837,
período de orientação mais liberal e de forte descentralização política e administrativa, os
terrenos de marinhas para logradouros públicos, e os seus respectivos aforamentos, foram
entregues às câmaras municipais, quando reivindicados, através da Lei de 15 de
novembro de 1831, referente ao orçamento imperial para o ano financeiro de 1832-
1833524. No ano seguinte, o Ministério da Fazenda, através da resolução nº 348, de 14 de
novembro de 1832, estabeleceu que os terrenos de marinhas mediriam “15 braças
craveiras para a parte da terra” (que são as mesmas medidas até hoje!)525, que sua inspeção
seria realizada pelo inspetor de obras públicas, acompanhado de engenheiro526 e que
haveria medição em terrenos públicos e particulares527. Nas outras cidades e vilas do
litoral do Império, as medições ficavam a critério das câmaras municipais respectivas,
sem a necessidade da presença do empregado do ministério.528
Em 1834, a renda advinda dos foros das marinhas e os seus aforamentos foi
transferida para a Câmara Municipal da Corte, além dos impostos que eram arrecadados
522 Ibidem, p. 96. 523 Ibidem, p. 97. 524 BRASIL. CLI, Lei de 15 de Novembro de 1831. Orça a receita e fixa a despesa para o ano financeiro de 1832-1833. Título IV, Capítulo Único, Artigo 14. 525 “Art. 4º. Hão de considerar-se terrenos de marinhas todos os que, banhados pelas águas do mar, ou dos
rios navegáveis, vão até a distância de 15 braças craveiras para parte da terra, contadas estas desde os pontos
a que chega o preamar médio”. BRASIL. CLI, Portaria nº 348 – Fazenda – em 14 de novembro de 1832.
Instruções para reconhecimento, medição e demarcação dos terrenos de marinhas. Segundo Rosita de Souza
Santos, essa medida equivale a 33 metros. 526 Ibidem, p. 342, Artigos 1º e 3º. 527 Aqueles reservados para logradouros públicos, designados pelas câmaras municipais e os concedidos a
particulares, por posse e os devolutos. Ibidem, Artigo 1º, parágrafos 1º, 2º e 3º. 528 Ibidem, p. 344, Artigo 15.
221
pela Secretaria de Polícia529. Portanto, desde então, as rendas provenientes dos
aforamentos dos terrenos pertenciam, na Corte, à Municipalidade, incluindo aí o controle
sobre esses espaços. No ano seguinte, a Regência concedia à Municipalidade “os terrenos
de marinhas que ela tem reclamado” para o estabelecimento de mercados, praças e
logradouros públicos, conforme a lei de 1831.530
Após estabelecer, em 1835, quem tinha a preferência na concessão dos terrenos
(trapiches e armazéns que precisassem de embarque e desembarque livre e para aqueles
que tivessem a posse e que presumissem que pertencesse às suas fazendas, chácaras ou
sítios)531, a legislação sobre os terrenos de marinhas manteve esse ordenamento até 1850.
O segundo período, dessa forma, pode ser identificado entre 1850 e 1868. Os
aforamentos foram retirados da alçada das municipalidades; no esforço da centralização,
especificou-se quais os terrenos disponíveis às câmaras municipais para aforamento, ou
seja, somente aqueles que serviriam como logradouros públicos, como, inclusive, já
previa a lei. A questão naquele momento foi que entravam em cena as capitanias dos
portos para a observação estrita dessa resolução.
Aforar os terrenos significava determinar quem ocuparia o litoral das cidades,
aonde e de que maneira. Assim, as vereanças assumiam, costumeiramente e de maneira
indiscriminada, as rendas por aforamentos que não lhe cabiam e administravam o uso das
praias da maneira que lhes aprouvessem. Nesse momento, como defende Honorato, houve
uma “redefinição das relações entre o Governo Central e o Poder Local”532. A
Municipalidade carioca foi assertiva, para dizer o mínimo, contra essas medidas e se
colocou em confronto direto com a Capitania do Porto da Corte.533
529 BRASIL. CLI, Lei nº 38 de 03 de outubro de 1834. Orça a receita e fixa a despesa para o ano financeiro
de 1835-1836. Artigo 37, §1º e 2º. 530 BRASIL. CLI, Decreto nº 5 de 16 de junho de 1835. Concede a Câmara Municipal da cidade do Rio de
Janeiro, para o estabelecimento de mercados, praças, e logradouros públicos, os terrenos de marinha que
ela tem reclamado; e autoriza a mesma Câmara para mandar demarcar no mangue da Cidade Nova o local
para um canal, e as ruas que forem precisas, podendo aforar o restante do terreno para edificações. 531 BRASIL. CLI, Circular nº 219 de 20 de agosto de 1835. Circular sobre a maneira de estabelecer o foro
dos terrenos de marinhas, e a preferência que reclamam nos aforamentos os confinantes e fronteiros dos mesmos terrenos. 532 HONORATO, Cezar (2016). Op. Cit., p. 98-99. 533 As disputas pelos terrenos de marinhas entre a Câmara do Rio de Janeiro e os agentes do poder central
era antiga e remontava à colônia. Maria Fernanda Bicalho afirma que o controle da cidade e dos seus
habitantes passava pelo controle do espaço urbano, configurado, entre outros fatores, na jurisdição sobre
diferentes aspectos da vida política e econômica. Somando a isso, a interferência dos particulares. Tais
disputas, “[...] baseadas na defesa da jurisdição que os diferentes agentes do processo de colonização
possuíam, ou pretendiam possuir, sobre a regulamentação dos impostos e das taxas, da venda de
mercadorias, e, mais especificamente, da propriedade de certos espaços físicos da cidade, vinham
aprofundar os inúmeros outros conflitos de jurisdição que marcaram intensamente a política metropolitana
222
A legislação só foi objeto de mudança em 1868, em um terceiro período, no qual
as funções da Capitania do Porto da Corte e da Câmara Municipal carioca foram definidas
claramente, com cada uma exercendo um papel específico nos processos de aforamentos
da capital.534 Além de reunir e reiterar as disposições anteriores, esclareceu os terrenos
aumentados artificialmente (uma questão cara à vereança do Rio de Janeiro) e determinou
que os requerimentos da região da Corte deveriam ser encaminhados ao Ministério da
Fazenda, e, nas demais províncias, aos seus respectivos presidentes, por intermédio das
câmaras municipais.535 Ainda que previsse a participação das Municipalidades, elas
tinham caráter meramente burocrático, encaminhando os pedidos para o poder central. A
diferença da Câmara Municipal da Corte é que o valor desses impostos ficava no
Município Neutro.536
Os pedidos de aforamento dos terrenos de marinhas deveriam ser sempre
solicitados ao Ministério da Fazenda e o decreto de 1868 só reiterou essa definição. A
Câmara Municipal manteve o direito dos aforamentos e a emissão dos títulos, desde que
submetidos à autorização do Ministério.537 A Capitania do Porto da Corte informava
sobre os impactos dos pedidos, sobre os possíveis prejuízos à navegação local e se havia
algum litígio entre os vizinhos no judiciário, os aterros e benfeitorias realizados, tudo a
partir do parecer do engenheiro das obras hidráulicas do Arsenal de Marinha. A vereança,
em sessão, enviava o processo para o Inspetor de Marinhas da Municipalidade, que
informava sobre o alinhamento do litoral determinado e se a área era um espaço público.
Após os exames feitos pelas repartições da Marinha e pelos agentes municipais, os
documentos eram remetidos de volta para a Fazenda e, todos dando pareceres positivos,
autorizava-se à Câmara Municipal a emissão das cartas de aforamento.
Dos processos que constam das fontes compulsadas nos fundos da Capitania do
Porto da Corte, depreendem-se dois tipos de solicitações que eram enviadas para a
repartição: a) as legalizações dos terrenos de marinhas expandidos por aterro em direção
ao mar, a maioria acusados de terem sido realizados de maneira indevida; b) a autorização
e o cotidiano nem sempre pacífico da sociedade colonial.” BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o
império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 203 534 BRASIL. CLI, Decreto nº 4.103 de 22 de Fevereiro de 1868. Regula a concessão dos terrenos de
marinhas, dos reservados nas margens dos rios e dos acrescidos natural ou artificialmente. 535 Ibidem, artigos 1º, §5º e 2º, p. 93. 536 Segundo Honorato, em 1887, através do Decreto nº 3.348 de 20 de outubro, as rendas oriundas dos
terrenos de marinhas naturais foram estendidas a todas as câmaras municipais e, na Corte, os artificiais
foram incluídos nos seus direitos. HONORATO, Cezar (2016). Op. Cit., p. 99-100. 537 BRASIL. CLI, Decreto nº 4.103 de 22 de Fevereiro de 1868, Artigos 10, § 1º e 2º.
223
para expandi-los, fazendo-se aterros e construindo-se pontes para a atracação de
embarcações miúdas. Em quase sua totalidade, esses terrenos constituem-se de prédios
comerciais ou trapiches para o embarque e desembarque de mercadorias, de uso particular
ou alfandegado e, alguns deles, servindo para o público em geral.
A maioria dos pareceres cotejados que analisaram os aterros e a construção de
pontes de atracação na cidade do Rio de Janeiro receberam pareceres favoráveis da
Capitania do Porto da Corte e do engenheiro da repartição de Obras Hidráulicas do
Arsenal de Marinha, sempre com a condição de que essas obras respeitassem estritamente
as designações do engenheiro militar. Cabia a eles atestarem se as obras a serem
realizadas afetariam negativamente ou não a circulação de embarcações, o alinhamento
do litoral e a profundidade dos ancoradouros.
4.2. A CÂMARA ESBULHADA: CONFLITOS, DISPUTAS E NEGOCIAÇÕES
PELAS PRAIAS DA CIDADE
Duas leis regulavam as municipalidades no Império: o Regulamento das Câmaras,
de 1828, que definiu as atribuições das Câmaras Municipais e o seu raio de ação e o Ato
Adicional de 1834, que separou a cidade do Rio de Janeiro do resto da província, criando
o Município Neutro. Como já afirmado anteriormente, a construção desse aparato legal
se deu em um momento específico do predomínio do discurso liberal que preconizava a
descentralização política e administrativa, o que favoreceu uma série de medidas que
fortaleceram os poderes locais.538
Logo, a incorporação da polícia do litoral na sua jurisdição, bem como a
apropriação das rendas oriundas dos aforamentos, foi uma realidade concreta e lucrativa
para a Municipalidade carioca ao longo do período. Controlar esses espaços através da
emissão de licenças e de multas por infrações diversas fez parte do ethos municipal que
incorporava em si uma rede política e social que se viu diretamente prejudicada e/ou
afrontada com a chegada da Capitania do Porto da Corte que, por sua vez, deveria
sobrepor em autoridade as diferentes forças locais e empreender a normatização da região
portuária a partir das diretrizes centrais.
538 Sobre o assunto, ver, principalmente: FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil Imperial,
1808-1871: control social y estabilidad política en el nuevo Estado. México: Fondo de Culture Económica,
1986.
224
E fazer esse controle das praias passava por dominar a narrativa de quem deteria
a jurisdição dos terrenos de marinhas. Portanto, ambas instituições, a partir dos seus
regulamentos, que se sobrepunham, buscaram impor as suas “inteligências” sobre o
assunto. Uma pelo costume, outra pela lei e pela hierarquia. A partir desses embates, a
legislação atinente aos aforamentos dos terrenos de marinhas e à responsabilidade sobre
a emissão de licenças para os seus usos passou por momentos diferentes no Rio de Janeiro
no período em tela. Junto com o movimento de centralizar o controle sobre tais terrenos
resguardando às repartições imperiais a concessão dos aforamentos, ao mesmo tempo, foi
necessário adaptar o aparato legal para o caso específico da municipalidade do Rio de
Janeiro, que não abriu mão dos seus direitos estipulados nas instruções da década de 1830
e foi assertiva contra a intervenção do Governo Imperial na sua dinâmica de poder político
sobre o ordenamento da cidade.
As rendas advindas dos aforamentos de logradouros públicos, na Corte,
compunham uma importante parte da arrecadação municipal. Com as concessões da
década de 1830, essa parte do orçamento era significativa em uma instituição que
recorrentemente reclamava da falta de fundos. Conforme pode ser observado no Anexo
6, no orçamento da Câmara Municipal previsto para o exercício 1850-1851, os artigos
relacionados aos terrenos de marinhas somavam 8:400$000 reis, em um total de 29 artigos
com informação de previsão de receitas de 218:626$000539. Os terrenos de marinhas só
perdiam para os impostos de aguardente, bebidas espirituosas, para o rendimento da praça
do Mercado, para as multas por infração de posturas, para os laudêmios dos terrenos da
Câmara e para os emolumentos de alvarás, termos e registros. Ou seja, compunham um
conjunto de valores que estavam ligados diretamente ao cotidiano administrativo da
cidade e às atividades econômicas mais rendosas.
Para o ano de 1860, o orçamento de receita prevista para a Câmara da Corte era
três vezes maior, orçado em 666:414$2000540, conforme Anexo 7. O imposto sobre
veículos ganhou destaque, frente à expansão desse meio de transporte na cidade541,
configurando-se como a maior arrecadação. Os valores relacionados aos principais
impostos continuavam liderando o orçamento municipal. Proporcionalmente, os
539 Almanak Laemmert, 1851, p. 212. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/4201.
Acessado em: 18 nov. 2019. 540 Almanak Laemmert, 1860, p. 247. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/16292.
Acessado em: 18 nov. 2019. 541 TERRA, P. C. Op. Cit., p. 54-75.
225
rendimentos atinentes aos terrenos de marinhas se mantiveram entre aqueles que mais
proporcionavam receita à Municipalidade.
Os aforamentos eram uma questão importantíssima para a dinâmica da cidade. E
as praias só eram ocupadas por aqueles que poderiam arcar com os custos de estar nesses
espaços, que não eram poucos e nem baratos. Era preciso medir, pagar licenças e cumprir
as determinações das obras. Portanto, tê-los sob o seu controle – espaços e os seus
usuários – era primordial para quem quisesse demonstrar autoridade naquele lugar. Diante
desse horizonte, a inclusão das Municipalidades no Regulamento de 1846 teve peso
distinto para ambas instituições.
Ao se debruçar sobre ao projeto de regulamento recém aprovado pelo Conselho
de Estado para ser enviado ao Parlamento, o futuro Capitão do Porto Antônio Pedro de
Carvalho foi taxativo sobre os artigos nos quais, na sua opinião, concediam às Câmaras
Municipais o direito de aforamento sobre os terrenos de marinhas naturais ou artificiais,
em contrariedade ao que já estaria pacificado em diferentes decretos, portarias, avisos e
normas tanto do Ministério da Fazenda, quanto da Marinha, que, segundo ele, sempre
cuidou das marinhas brasileiras. O chefe do Arsenal alertava para essa questão em janeiro
de 1846, antes da publicação do Regulamento, em maio. De acordo com Pedro de
Carvalho, a redação estaria exatamente igual ao seu projeto apresentado à comissão
dedicada à sua elaboração. Entretanto, o Conselho de Estado teria acrescentado “tenha
obtido licença da Câmara Municipal” para o caso da concessão de atracadouros e depósito
de materiais nas praias. Para ele, isso era o suficiente para dar às municipalidades direitos
que há muito tempo não seriam seus e em contrariedade às determinações de 1831, 1832
e 1835 e que ele mantinha sua
[...] oposição com a dar à respectiva Câmara Municipal as
licenças para se fazerem aterros no litoral ou terrenos artificiais,
por pertencerem elas ao Ministério da Marinha e ao da Fazenda,
na Corte, ou aos Presidentes das Províncias: esse acrescentamento pois para dar à Câmara Municipal na Corte
aquilo que Assembleia Geral lhe não deu, quando lhe concedeu
somente o rendimento dos foros dos terrenos de marinhas dentro do município; e das províncias importará isso a acumulação da
lei de 15 de novembro de 1831, que incumbiu ao Ministério da
Fazenda de tomar a seu cargo o aforamento dos terrenos de
marinhas [...].542
542 AN – SM, XM-693: Ofício da Inspeção do Arsenal da Corte de 13 de janeiro de 1846.
226
A participação das Câmaras Municipais na função de coadjuvante da organização
portuária foi mantida no regulamento e esse ponto foi atacado em outras oportunidades
por outros capitães do porto. As disputas com as Municipalidades em outras províncias
foram um ponto de convergência nas reclamações dos seus relatórios. Pedro de Carvalho,
inclusive, fundou o seu argumento citando o decreto de 13 de julho de 1820, que colocou
sob jurisdição da Marinha a concessão de porções de terras nos portos do reino. Esse era
o entendimento que vigia naquela instituição. Junto com as disposições da década de
1830, decidir sobre os terrenos de marinhas e os usos deles deveria ser uma atribuição
exclusivamente do Governo Imperial.
A revisão feita por Pedro de Carvalho indica dois pontos importantes no
entendimento do poder central que pautaram as disputas com a Municipalidade: 1) a
responsabilidade da repartição recém-criada e do seu chefe em executar o plano de
estabelecer o controle sobre o litoral a partir do centro; 2) excluir as Câmaras Municipais
da jurisdição sobre as praias, colocando-a em lugar de subalternidade nesse assunto.
Mesmo que os artigos 10, 11, 12 e 13 previssem a licença da Câmara Municipal para a
construção de ancoradouros e depósito de materiais ou construção de embarcações, só se
poderia colocar essas ações a frente com a aprovação do Capitão do Porto.
Uma vez investido na autoridade e disposto a cumprir a sua função, Antonio Pedro
de Carvalho iniciou os trabalhos para o funcionamento da repartição. A primeira medida
encontrada foi a publicação, em agosto, do horário de funcionamento, que era de 9h às
14h e, em caso de urgência, a matrícula das tripulações das embarcações mercantes
poderia ser feita até às 17h.543 Em setembro, fez publicar aos capitães de navios mercantes
nacionais e estrangeiros que eles deveriam, a partir de então, informar a relação do lastro,
a sua quantidade e qualidade e que o desembarque só seria realizado com a licença da
repartição; se fossem nacionais, que as mesmas informações deveriam ser dadas a respeito
das madeiras de construção trazidas; que as matrículas de capitães ou mestres e de pilotos
ou maquinistas de barcas a vapor só seriam realizadas para os cidadãos comprovadamente
brasileiros e que todos passariam por um exame na repartição.544
543 Diário do Rio de Janeiro, 06 de agosto de 1846. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/094170
_01/30124. Acessado em: 19 nov. 2019. 544 Jornal do Commercio, 15 de setembro de 1846. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/094170
_01/30124. Acessado em: 19 nov. 2019.
227
No mês seguinte, determinou que a Secretaria de Polícia não emitisse passaportes
para indivíduos que não apresentassem os devidos desembaraços da repartição.545 Em
novembro, anunciava em edital que no ano seguinte haveria a obrigatoriedade da
matrícula e das licenças cabíveis.
Faço saber que do 1º de janeiro de 1847 em diante, nenhuma das
embarcações das designadas no artigo 76 do regulamento da capitania do porto de 19 de maio do corrente ano, poderá empregar-se no tráfico
do porto, rio navegáveis etc., sem que tenha primeiro requerido antes
uma licença por escrito, dada pela mesma capitania do porto, a qual será contada do 1º de janeiro até o dia 31 de dezembro de cada ano. E que
ninguém se possa chamar à ignorância, mandei lavrar o presente edital,
que será inserido nos periódicos desta corte, e afixado nos lugares
públicos.546
A fim de organizar a matrícula das embarcações e a emissão das licenças, Pedro
de Carvalho organizou a região portuária do Rio de Janeiro em estações e as entregou aos
capatazes. Assim, ficava menos difícil o controle dos ancoradouros da cidade, informando
nas licenças a qual estação pertencia cada embarcação de frete ou particular. No primeiro
semestre desse ano, o capitão do porto definiu tais estações, mas também os pontos de
atracação e de ancoragem das embarcações de cabotagem e de longo curso na baía do Rio
de Janeiro. Com relação à reorganização dos cais da cidade, como estava previsto no
artigo 73547, foi publicado um edital em 18 de janeiro de 1847, dividindo as praias da
seguinte maneira: 1ª estação – Saco do Alferes; 2ª estação – cais da Imperatriz; 3ª estação
– Prainha; 4ª estação – Praia dos Mineiros; 5ª estação – Praia do Peixe; 6ª estação – cais
Pharoux; 7ª estação – Praia de D. Manoel; 8ª estação – cais da Ilha das Cobras do lado do
Boqueirão.548
545 Idem, 09 de outubro de 1846. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/30339.
Acessado em: 19 nov. 2019. 546 Idem, 25 de novembro de 1846. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/30500.
Acessado em: 19 nov. 2019. 547 “Pela Capitania do Porto serão designados os lugares, onde devam estacionar as embarcações do tráfico
do Porto, e rios navegáveis: todas serão numeradas e marcadas com uma letra do Alfabeto no costado, e
nas velas (as que as tiverem) para designar a respectiva Estação”. BRASIL. CLI, Decreto nº 447 de 19 de
maio de 1846, Artigo 73. Op. Cit. 548 Diário do Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1847. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/
094170_01/30666. Acessado em: 29 set. 2018. Em 1852, o capitão do porto, Pedro Ferreira de Oliveira,
mandou declarar que, a partir de 11 de agosto daquele ano, as embarcações que não ostentassem nas suas
velas o número e a letra da estação respectiva seriam apreendidas e multadas. Jornal do Commercio, 31 de
julho de 1852. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_04/4058. Acessado em: 26 nov.
2019.
228
Figura 10: Estações de embarque e desembarque – 1847.
Fonte: BN, Hemeroteca Digital.549
Tendo organizado as estações, o Capitão do Porto procurou dar melhores
condições de circulação às embarcações e evitar os sinistros que recorrentemente
ocorriam, publicando outro edital, em maio do mesmo ano, determinando que as
embarcações a vela e as barcas a vapor não poderiam sair em velocidade alta de qualquer
praia ou cais ou quando passassem pelo Boqueirão (a área entre o Arsenal de Marinha e
a Ilha das Cobras). As primeiras, só poderiam largar com uma vela e as segundas com o
motor a meia força, tanto de dia quanto à noite, sendo que as barcas a vapor deveriam
trazer no mastro de proa uma lanterna e alguém da tripulação.550
Foi determinado, também, que os navios mercantes ou de longo curso não
poderiam seguir para ancoradouros de fabrico, ou seja, os dos estaleiros de construção
naval, ou de carga e descarga sem autorização da Alfândega, a não ser que tivessem
bilhete de passagem emitido pela própria; que os navios em construção não poderiam
atrapalhar a circulação dos escalares da Capitania do Porto e da Alfândega quando das
suas diligências, assim como os navios mercantes não poderiam ficar atracados se não
fossem os de serviço das duas repartições. Pedro de Carvalho afirmava que os
549 GUIA e Plano da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: publicado por A. M. Mc Kinney, Roberto
Leeder (surdos-mudos), 1858. Disponível em: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/
cart309960/cart309960.jpg. Acessado em: 14 nov. 2019. 550 AN – SM, XM-238. Ofício nº 19 e anexo da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro
de 31 de maio de 1847
229
entendimentos com a Alfândega já vinham desde o ano anterior e que era preciso
organizar a região portuária para pôr fim ao arbítrio dos capitães de navios mercantes,
pois recentemente havia entrado na barra um navio americano, com bandeira brasileira –
com os documentos do brigue brasileiro Sociedade Feliz apresado na costa da África – e
que fundeou no ancoradouro dos navios em construção como se fosse um de cabotagem,
só porque vinha de Cabo Frio.551
Nesse mesmo edital, também ficou determinado o ancoradouro dos navios sem
destino e aqueles em construção para melhor organização das praias. Dessa forma, ficava
assim organizado:
Que nenhum navio mercante nacional ou estrangeiro poderá seguir para
ancoradouro de fabrico sem que se me requeira licença, declarando-se
nela defronte de que estaleiro mercante convém fazer-se o fabrico, e incluindo ser o requerimento com o bilhete da alfândega ou consulado,
de estar o respectivo navio desembaraçado. [...] Terceiro. Que o navio
nacional ou estrangeiro que estiver fabricando em frente de estaleiro mercante, não poderá estar atracado à terra, de tal forma que não possa
livremente entre ela e ele andar de dia e de noite os escalares de ronda da
Capitania do Porto, e da Alfândega. Quarto. Que os navios que estiverem sem destino, ocuparão o ancoradouro que vai dar ponta de Oeste da
enseada da Gamboa até o do Saco do Alferes [...].552
Esse edital era fruto de uma comissão formada pelo chefe da Alfândega e o
Capitão do Porto que visou reorganizar os pontos de ancoradouro dos navios de longo
curso e de cabotagem na baía do Rio de Janeiro. Na proposta elaborada, Pedro de
Carvalho traçou as linhas que determinavam as áreas para os fundeadouros dos navios
em quarentena, franquia, carga, descarga, lastro, em construção e de desmanche,
recortando o espaço da baía que formava um quadrilátero entre a Ilha de Villegaignon até
a de Boa Viagem, chegando à Ilha das Enxadas (Figura 11). Na comparação com o
Regulamento da Alfândega de 1836553, as instruções do chefe da repartição da Marinha
são mais detalhadas, buscando traçar linhas paralelas e perpendiculares que
estabelecessem limites claros aos espaços reservados a cada tipo de navio ou embarcação
e a que tipo de fundeadouro se destinava, bem como estabelecer mais especificamente a
necessidade de liberação da Alfândega e do controle da Capitania do Porto.554
551 Ibidem. 552 Ibidem. 553 Nas revisões realizadas em 1860 e 1876 não há menção à modificação dos pontos de ancoradouro e de
atracação. Ver os decretos nº 2.647, de 19 de setembro de 1860 e n° 6.272, de 02 de agosto de 1876. 554 AN – SM, XM 238.
230
Figura 11: Mapa do local dos ancoradouros das embarcações mercantes
(Representação gráfica).
Fonte: ImagináRio555 *navios de longo curso com direitos à Alfândega; **navios de longo curso e
cabotagem; *** navios de cabotagem; ****navios a vapor.556
O edital era longo e versava sobre outras questões relacionadas às localizações
das ancoragens. Nesse sentido, ficavam estabelecidas claramente as contravenções que
deveriam ser impostas pela repartição da Marinha que, em outubro desse ano, fez questão
de fazer público557 os capitães dos 17 navios (somente um brasileiro) multados pelas
555 ImagináRio – atlas digital. Disponível em: https://imaginerio.org/?utm_medium=website&utm_
source=archdaily.com.br#pr. Acessado em: 14 nov. 2019. 556 AN – SM, XM 238. 557 Diário do Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1847. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/
094170_01/31573. Acessado em: 19 nov. 2019.
231
infrações dos artigos 26558, 28559, e 34560. Ainda no sentido de reorganizar o litoral e
mapear as praias, os proprietários e os aforadores de terrenos de marinhas na cidade foram
convocados em chamada publicada em novembro para que a repartição pudesse elaborar
[...] um planta geral das baías do porto desta Corte e a parte do litoral correspondente, desde a ponta da arsenal de guerra até a do Caju, para
em maior escala se traçar a parte em frente aos terrenos de marinhas
ocupado por cada particular, ou mesmo esse litoral transformado em terreno artificial formado do preamar médio para o mar e cuja inspeção
pertence à capitania do porto, bem como qualquer praia ainda devoluta
ou reservada para os uso da marinha de guerra [...].561
Essas medidas e propostas mostram como, nos primeiros anos em que se dedicou
à Capitania do Porto da Corte, Antonio Pedro de Carvalho fez um esforço deliberado de
colocar em execução o Regulamento de 1846, fazendo valer a autoridade da instituição
sobre a região portuária e ratificando – de forma jurídica e de maneira extensiva a ampliar
esse conhecimento pelos usuários locais – a repartição como a responsável pelos
ancoradouros da cidade, pela circulação dos navios e embarcações, pelos terrenos de
marinhas, entre outras atribuições estabelecidas ao seu cargo. A publicidade dada às
medidas foi fundamental para tornar pública a presença de uma nova autoridade em setor
essencial da vida da cidade. Ao fazê-lo desde esses primeiros anos e nos anos seguintes,
a repartição foi inserida em um sistema de forças locais que tinham nessas faixas de terra
interesses e redes de sociabilidade há muito tempo constituídas.
Portanto, o avanço assertivo sobre o litoral praticado pelo Governo Imperial
provocou o embate direto com a Câmara Municipal, que era a responsável pelos
aforamentos dessas faixas de terras e pelo consequente recolhimento dos impostos
devidos, além da fiscalização das praias em paralelo e entrelaçado com a Polícia da Corte.
Fazer valer a autoridade da repartição da Marinha, significava submeter os agentes da
558 “Todo o navio mercante nacional ou estrangeiro, que estiver nos ancoradouros de carga ou descarga,
deverá ter os paus de bujarrona e giba dentro; e nos portos em que pela sua pequena capacidade estiver por
isso amarrado a quatro cabos, terá além disso a retranca dentro e as vergas desamantilhadas; e só em véspera
de saída para o ancoradouro de franquia, a fim de envergar pano, poderá amantilhar vergas e deitar fora os
paus, menos o da giba, que só o porá no ancoradouro de franquia. O contraventor será multado em quatro mil réis por cada vez, e perderá o direito à indemnização no caso de lhe serem partidos por abalroamento.”
BRASIL. Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Artigo 24. Op. Cit. 559 “Todo o navio nacional ou estrangeiro será obrigado a ter boias nas ancoras das suas amarrações; não
podendo amarrar espias a estas boias. O contraventor será obrigado a reparação do dano, havendo-o, ou
além disso, multado em seis mil réis.” Ibidem, Artigo 28. 560 “Nenhum navio mercante poderá ter amarradas suas embarcações miúdas, senão aos portalós nos
ancoradouros de carga e descarga: no de franquia lhe será permitido ter a lancha pela popa. O contraventor
será multado em quatro mil réis”. Ibidem, Artigo 34. 561 Jornal do Commercio, 29/11/1849. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/34125.
Acesso em: 23 set. 2018.
232
municipalidade que controlavam as praias, representados pelos fiscais de freguesias e os
seus guardas, que também tinham suas redes e as suas próprias relações de poder sobre
os atores sociais que utilizavam o litoral como espaços de trabalho e/ou de negócios.
Nesse sentido, os condicionamentos econômicos ganham menos destaque, ainda que
subjacentes às correlações de força. Importa destacar que controlar o acesso às praias
mais importantes do Império significava demonstrar poder político e social sobre
trabalhadores, comerciantes e negociantes.
A importância era clara e o esforço não foi pequeno de direcionar a influência
sobre os terrenos de marinhas à Capitania do Porto da Corte. O Ministério do Império
enviou uma mensagem à Câmara Municipal, em 22 de outubro de 1847 pedindo
explicações a respeito de uma representação do Capitão do Porto sobre a apreensão feita
pelo fiscal da freguesia da Candelária das canoas de Manuel Ramos Brasil, Francisco
Antônio da Gama e Agostinho Antônio de Oliveira, que tinham licença da repartição para
encalhar e limpar as embarcações na Praia dos Mineiros.562
No seu parecer de 4 de novembro, o fiscal da freguesia, Bernardino José da Silva,
defendia-se afirmando que apenas cumpria com os seus deveres estabelecidos nas
posturas municipais. Como vinha fazendo desde sempre, apreendeu as canoas que, até
onde ele conseguiu averiguar, não tinham donos e seguiu o que determinava o Sessão
Segunda, Título II, §4º, no qual é vedado o depósito em áreas públicas, com previsão de
multa.563 Assim, vinha exercendo a sua função sem nenhuma reclamação até então. No
seu manifesto de defesa, o fiscal deixou registrado que, conforme estava previsto no artigo
10º do Regulamento das Capitanias dos Portos, antes de determinar o uso das praias, os
ancoradouros ou qualquer outra coisa do “expediente do Porto”, haveria de ser, antes,
“ouvida a respectiva Câmara Municipal”.564
De acordo com o funcionário da Municipalidade, o Capitão do Porto estava
interpretando incorretamente o Regulamento, pois se o artigo 14 permitia o depósito de
madeiras ou outros objetos por até cinco dias (ao contrário das posturas, que o impedia
562 AGCRJ – Série Embarcações (SE). Códice 57.3, p. 121. 563 “É absolutamente proibido depositar nas ruas da cidade, suas praças, cais, e outros lugares públicos de
seu termo, qualquer objeto, ainda mesmo que este depósito seja momentâneo. O infrator incorrerá na multa
de 10$000 réis pela primeira vez; e, nas reincidências, em 30$000 réis e 8 dias de cadeia. [...]” . RIO DE
JANEIRO. Código de Posturas da Ilustríssima Câmara Municipal do Rio de Janeiro e Editais da mesma
Câmara, 1838. Sessão Segunda, Título II, §4º. 564 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11 (1813-1903), p. 122.
233
até momentaneamente)565, esses deveriam ser exclusivos do expediente do porto e
“ninguém dirá que encalhar, e limpar pertence a outros lugares”. Ora, esses lugares
deveriam ser estipulados pelo artigo 10º, que por sua vez, só seriam designados com a
aprovação da Câmara Municipal. De acordo com Silva, a licença do Capitão do Porto
deveria “ser dada por escrito, para me ser apresentada, porque a meu cargo está também
a execução de uma lei que me obriga a manter a limpeza, e desempachamento das praias,
e terrenos de marinhas”.566 Portanto, o exercício das atribuições da repartição dependeria
da autorização do poder local, que nas praias, estava representado pelos fiscais das
freguesias.
Silva demonstrou conhecimento do regulamento e, especialmente, do artigo que
mandava que a instituição camarária fosse consultada antes das licenças para o uso das
praias e estabelecimento dos ancoradouros. Essa foi a deixa que a Municipalidade não
deixou escapar para reivindicar o seu direito à polícia das praias. No que concerne ao
entendimento entre os vereadores, somente a eles cabia e deveria continuar cabendo a
decisão sobre como esses espaços deveriam ser ocupados.
Tanto assim, que em sessão de 18 de abril de 1850, o vereador Thomaz José Pinto
de Cerqueira apresentou seu parecer a respeito da autuação executada pelo fiscal da
freguesia de São José contra Antônio José de Brito & Companhia que havia deixado nove
vigas de madeira depositadas entre o Cais Pharoux e a ponte das barcas a vapor. Após a
autuação, os acusados defenderam-se apresentando uma licença da Capitania do Porto da
Corte, que, por sua vez, foi confirmada pelo Juiz Municipal da 3ª Vara, que absolveu os
autuados, e pelo Juiz de Direito da 1ª Vara Crime. Segundo Pinto de Cerqueira, as
posturas eram bastante claras em vedar terminantemente o depósito de qualquer material
em ruas ou cais da cidade, sob pena de multa e prisão. Portanto, era imprescindível que a
Câmara Municipal se manifestasse ao Imperador para que cessassem o que consideravam
abusos cometidos pelo Capitão do Porto sobre os direitos da dita Câmara.
565 “Ninguém poderá depositar madeiras nas praias, nem conservar nelas, ou nos cais por mais de 5 dias,
ancoras, peças d'artilharia, amarras, ou outros quaisquer objetos que embaracem o trânsito e servidão
publica, ainda que tenha licença da Câmara Municipal. E quando para o depósito e demora de tais objetos
der licença o Capitão do Porto sem prejuízo da sobredita servidão, só se poderá fazer do batente do preamar
das águas vivas para cima. Os contraventores, além da multa a que forem sujeitos pelas Posturas da
respectiva Câmara Municipal, serão obrigados a fazer escavar qualquer área, que se acumule em detrimento
do Porto”. BRASIL. Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Artigo 14. 566 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11 (1813-1903), p. 122.
234
Na mesma sessão, foi aprovada e assinada a representação elaborada por Pinto de
Cerqueira que reclamava diretamente ao Imperador a necessidade da sua intervenção
sobre a atuação da repartição da Marinha. Evocando a Lei de 1º de outubro de 1828, no
seu artigo 6º, §1º,567 o vereador destacou que a fiscalização das praias era atribuição da
Municipalidade e que aquela vinha sendo desrespeitada em diversas situações com
relação ao uso do litoral da cidade. E deste modo,
[...] existe verdadeira colisão entre as atribuições desta Câmara e
aquelas, que se acha exercendo a Capitania do Porto. Julga esta Câmara
que sendo-lhe confiada a polícia das praias, sendo quem vela em tudo que lhes diz respeito, consequência necessária ser ela só quem pode
conhecer em que circunstâncias pode ser admissível qualquer depósito
nelas, e facultar licença para isso no caso que por duas leis o possa
conceder. Esta Câmara Senhor, não deseja exercer jurisdição que lhe não pertença, mas também não pode consentir em ser esbulhada daquela
que justamente lhe competir.568
O vereador terminou a representação pedindo que a Capitania do Porto da Corte
fosse impedida de interferir na fiscalização das praias e ancoradouros, concedendo
licenças que não estivessem de acordo com o que definia o Código de Posturas e assim
não prejudicando os direitos da Câmara Municipal.569
A representação dos vereadores teve efeito, mas não como desejavam. O
Ministério do Império, diante desses impasses constantes entre a repartição da Marinha e
a Municipalidade e provocada pela representação da vereança da Corte, determinou, pelo
Aviso de 23 de agosto de 1850 que,
[...] à Ilma. Câmara Municipal da Corte, ordenando-se que em nenhum caso dê licença para se depositarem e conservarem nas praias e cais,
madeiras e outros objetos, sem aquiescência da capitania do porto, a
quem para esse fim sempre deverá previamente ouvir. Comunicou-se ao Sr. ministro da marinha, rogando-se lhe haja também de ordenar à
referida capitania, que assim seja por ela entendida a disposição do
artigo 14 do regulamento n. 447 de 19 de maio de 1846.570
567 “Terão a seu cargo tudo quanto diz respeito à polícia, e economia das povoações, e seus termos, pelo
que tomarão deliberações, e proverão por suas posturas sobre os objetos seguintes: §1º Alinhamento, limpeza, iluminação, e desempachamento das ruas, cais e praças, conservação e reparos de muralhas feitas
para segurança dos edifícios, e prisões públicas, calçadas, pontes, fontes, aquedutos, chafarizes, poços,
tanques, e quaisquer outras construções em beneficio comum dos habitantes, ou para decoro e ornamento
das povoações”. BRASIL. CLI, Lei de 1º de Outubro de 1828. Op. Cit. 568 AGCRJ – LM, Códice 17.1.3. 11ª Sessão de 18 de abril de 1850. 569 Em expediente de 21 de maio, foi encaminhado ao Ministro da Marinha para esclarecimentos. Jornal do
Commercio, 1º/07/1850. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/34821. Acesso em:
23 set. 2018. 570 Diário do Rio de Janeiro, 29/08/1850. Parte Oficial. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/
094170_01/35021. Acessado em: 23 set. 2018.
235
Portanto, o entendimento do Governo Imperial determinava que a Municipalidade
deveria estar subordinada à autoridade da Capitania, a quem sempre consultaria antes de
emitir licenças que se relacionassem ao expediente do porto. Como alertou o diretor do
Arsenal de Marinha em 1846, incluir as Municipalidades no rol de atribuições sobre a
organização e a normatização das regiões portuárias seguia o caminho inverso do esforço
político que vinha sendo praticado. Contudo, desde 1828, com o Regulamento das
Câmaras e com as instruções e leis de 1831 e 1832, a Câmara Municipal da Corte tinha
pleno domínio das praias e nela exercia uma boa dose do seu poder político. Portanto, a
tarefa de excluir a vereança, como veremos, não seria fácil.
No dia seguinte, foi publicada a Portaria de nº 103, por aquele Ministério, que
determinava que a Câmara Municipal da Corte estava proibida de emitir licenças sem a
concordância da Capitania do Porto. O texto buscava resolver as disputas entre as duas
instituições, mas dúbio, trazia um detalhe que não constava no Aviso e abria margem para
interpretações.
Há o Mesmo Augusto Senhor por bem que a dita Câmara em nenhum
caso dê licença, quando lhe for requerida, para tais depósitos sem
aquiescência da Capitania do Porto a quem para esse fim sempre deverá previamente ouvir. O que Manda comunicar à mesma Câmara para seu
conhecimento e execução; prevenindo-a de que nesta data se roga ao
Ministério da Marinha haja também de expedir as precisas ordens à
Capitania do Porto para que assim seja por ela entendida a disposição do Artigo 14 do Regulamento nº 447 de 19 de Maio de 1846, ficando
na inteligência de que só deste modo, e pela referida Câmara serão d’ora
em diante concedidas as mencionadas licenças.571
A portaria invertia a ordem de decisão prevista no Regulamento de 1846. Se neste,
a repartição tinha que ouvir a Municipalidade antes de emitir licenças, agora era ela que
tinha o dever da consulta, assim reiterando a autoridade daquela. Por outro lado, retirava
da Capitania do Porto da Corte a atribuição de expedir tais ordens, ao dar exclusividade
à Câmara Municipal na expedição daquelas licenças. Tirava de um lado e dava do outro.
Para ambas. Se a ideia era definir os limites da atribuição de cada uma, a portaria não
ajudou muito, pois as mantinham ligadas no controle das praias, ainda que o sentido da
ordem fosse reiterar a hierarquia institucional na qual a capitania deveria decidir, ao final,
quais pontos poderiam ser usados, de que maneira e por quem.
571 BRASIL. CLI, Portaria nº 103 – Império – 24 de Agosto de 1850. Declara que a Ilustríssima Câmara
Municipal desta cidade não deve conceder licença para se depositarem ou conservarem madeiras e outros
objetos nas praias e cais, sem aquiescência da Capitania do Porto.
236
De qualquer forma, ambas continuaram emitindo licenças para o depósito de
materiais nas praias. Com relação a essa portaria, a vereança não admitiria ter suas
atribuições reduzidas também nessa esfera. Na sessão de 29 de agosto, os vereadores
aprovaram e assinaram uma resposta elaborada pelo vereador Pinto de Cerqueira
reiterando que, ao atender à portaria emitida pela Secretaria de Negócios do Império e
assim ficar na dependência das ordens do Capitão do Porto, a Câmara se subordinaria à
autoridade dele, o que era inadmissível. O vereador insistia que os artigos 10 e 14 do
Regulamento garantiam à Municipalidade as suas atribuições sobre as praias. Novamente,
pediam que “ao Capitão do Porto não possam ser solicitadas licenças para os fins
mencionados na Portaria, e que só a ela (Câmara Municipal) possam requerer os
pretendentes”. Defendia, por fim, que somente dessa forma os conflitos de jurisdição
poderiam ser solucionados.572
Na sessão seguinte, em 05/09/1850, foi lida a portaria e dava-se por satisfeita a
reivindicação da vereança de que somente a Câmara Municipal poderia emitir licenças
para depósitos nas praias, omitindo a parte em que ela só poderia fazê-lo com a anuência
da Capitania do Porto da Corte.573 A lógica era a mesma que fazia a repartição da Marinha
ignorar a necessidade de consultar a Municipalidade no mesmo assunto, como o seu
regulamento previa, ou seja, a importância do topo da hierarquia, que era uma realidade
estrutural daquela sociedade. Se a Capitania do Porto da Corte era a repartição
responsável pela polícia naval e para isso foi criada e submetida diretamente ao Ministério
da Marinha, a Ilustríssima Câmara Municipal do Rio de Janeiro era historicamente uma
instituição política que recebia a “nobreza da terra”, dando forma e poder à oligarquia
local, onde exerciam, a partir dessa instituição, o poder sobre o cotidiano da cidade.574
Ambas, reivindicavam para si a primazia da “polícia” a partir dos seus regulamentos e do
seu longo histórico no controle das praias, que remontava à colônia.
As disputas continuaram e, em fevereiro de 1851, os vereadores se manifestaram
novamente, agora em relação aos terrenos de marinhas artificiais e insistiam, em ofício
enviado à Capitania do Porto da Corte, na sua responsabilidade e nos seus direitos sobre
a fiscalização do litoral, que incluiria a determinação de quais praias pudessem ser
572 AGCRJ – LM, Códice 17.1.3. 28ª Sessão de 29 de agosto de 1850. 573 Ibidem. 29ª Sessão de 5 de setembro de 1850. 574 BICALHO, Maria Fernanda. Op. Cit., p. 370-371. ABREU, Martha Campos. Op. Cit., p. 166. SANTOS,
Murilo Eugenio Bonze. Dinâmica política no Rio de Janeiro: a Câmara Municipal na corte imperial (1861-
1872). 2008. 120 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Formação de Professores, UERJ.
Rio de Janeiro, 2008, p. 19.
237
utilizadas como ancoradouros ou depósito de materiais. Sob novo tópico, retomavam o
mesmo assunto. Nesse caso, não mencionaram a portaria do Ministério do Império do ano
anterior, mas o detalhe destacado por Antonio Pedro de Carvalho ao revisar o
regulamento, o artigo 10º, que previa que “[...] O Capitão do Porto, ouvida a respectiva
Câmara Municipal, e com aprovação do Ministro da Marinha, designará, e marcará nas
praias e terrenos de marinha, reservados para logradouros públicos, uma porção suficiente
para estaleiros e outros usos do expediente do Porto”.575 Aqui, não se tratava dos
depósitos de madeiras, mas da expansão dos terrenos. Aterrar para a construção de cais
de pedras ou de pontes flutuantes de madeira, significava expandir para o mar a parte
seca, redefinindo os 33 metros legais os quais ditos terrenos eram medidos. Para os
vereadores, mesmo que a repartição pudesse emitir licenças para depósitos de materiais,
deveria também continuar decidindo sobre os ancoradouros, e sempre combinando antes
com a Municipalidade.
No que tange aos terrenos artificiais, eles questionavam o capitão sobre a sua
definição – ou seja, a definição do Governo Imperial e da legislação vigente – sobre
terrenos de marinhas. A capitania havia avisado que os terrenos artificiais eram aqueles
em que se faziam aterros e se construíam pontes avançando sobre o mar e que estava sob
sua jurisdição autorizar ou não licenças para o uso e obras nesses espaços. Para a
vereança, não havia distinção entre terrenos de marinhas e terrenos artificiais, pois para
ela a cidade inteira estava sobre um terreno artificial, diante de todos os aterros que se
fizeram ao longo dos anos. Se houvesse terrenos artificiais, esses estariam dentro dos
terrenos de marinhas, nos quais a Câmara continuava tendo os seus direitos de
aforamentos.576
A vereança tinha a seu favor não só o Regulamento de 1846, mas as Leis
Orçamentárias de 1831 e 1834 e as Instruções de 1832, bem como o Regulamento das
Câmaras, de 1828 e a Portaria de 1850. No entanto, constantemente, os vereadores usaram
o somente o Regulamento das Câmaras para embasar os seus argumentos. Nada impedia
que ela continuasse a emitir as licenças e fizesse valer a observação estrita das posturas
no que se relacionasse aos depósitos de materiais nas praias. No entanto, os vereadores
insistiam em manter o litoral da cidade sob seu domínio, consubstanciando os seus
argumentos em pontos que carregavam em si características de Antigo Regime quando
575 BRASIL. CLI, Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Art. 10º. Op. Cit. 576 Ibidem.
238
enfatizam a impossibilidade de submeter a sua vontade à autoridade do agente do poder
central pela antiguidade da prática ou pela importância atribuída à instituição.
Por seu turno, o Governo Imperial usou o aparato legal para tentar retirar essas
atribuições da Câmara Municipal e fortalecer a sua presença nessas questões. A dúvida
sobre os espaços formados artificialmente ou naturalmente “antes” ou “depois” do
preamar médio, ou seja, no sentido de ou sob a água, foi levada ao Imperador, que pelo
Ministério da Fazenda, fez publicar a Portaria nº 42, que esclareceu à vereança carioca a
diferença entre terrenos artificiais e naturais e que qualquer um dos dois, se escapasse das
15 braças estipuladas na lei, não estava sob sua responsabilidade, configurando-se
domínio nacional.577 Ora, se se seguisse o entendimento deles, todo e qualquer terreno de
marinhas na cidade estaria sob o foro da Municipalidade e não da Fazenda e este deixava
claro que o entendimento dos vereadores esbarrava nos direitos do Tesouro Nacional.
Essa observação foi cobrada do Capitão do Porto em 1862 pelo Ministério da
Fazenda, mesmo que tenha demorado cinco anos desde a consulta que ele havia feito em
1857, por causa de uma representação de moradores da rua da Saúde. Em 15 de abril, 58
moradores reclamaram à Capitania do Porto da Corte que a Câmara Municipal estava
começando a remover a ponte de despejos de lixo que havia no cais da Prainha.578 Dois
dias antes, Corrêa de Mello havia feito a mesma denúncia, questionando o Ministro sobre
as reiteradas manobras da Câmara Municipal que insistia, como nesse caso, em “construir,
desmanchar e remover pontes” sem a sua anuência, como deveria fazer. Ele não duvidava
que a ponte merecia ser transferida para um ponto menos concorrido, assim como a que
existia na praia de D. Manoel, mas que tudo fosse feito com a sua expressa autorização.
577 BRASIL. CLI, Portaria nº 42 – Fazenda – 03 de Fevereiro de 1852. Não são considerados marinhas os
terrenos que, casual ou artificialmente, acresceram as quinze braças contadas do lugar onde chegam as
marés médias. 578 AN – SM, XM-1074. Ofício nº 36 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 15
de abril de 1857. Em agosto de 1846, a Câmara Municipal proibia o “despejo de materiais fecais e outras
com podridão” em todas as praias da cidade, desde a Glória até a Saúde. No entanto, até a companhia que
se organizava não estabelecesse pontos específicos, ficavam tolerados os despejos na praia de “[...] Santa
Luzia, em frente ao beco ao lado do matadouro. Na praia de D. Manoel, lugar da ponte velha. Na rua de
São Francisco da Prainha, no beco do Trapiche da Ordem. Na praia da Glória, no lugar que foi para isso
destinado. No Flamengo e em Botafogo”. Os cais no Largo do Paço, da Imperatriz, da Prainha, de D.
Manoel e dos Mineiros eram considerados de embarque e estavam terminantemente proibidos de receberem
despejos de lixos. Diário do Rio de Janeiro, 06 de agosto de 1846. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/30124. Acessado em: 19 nov. 2019.
239
Expunha, na oportunidade, as continuadas ações da Municipalidade e dos seus agentes
em interferir na fiscalização e na organização das pontes da cidade.579
Era o primeiro ano de Antonio Felix Corrêa de Mello a frente da repartição e ele
tentava evitar os conflitos com a instituição camarária, registrados em seu ofício naquele
ano, mas que também tinham ocorrido em anos anteriores, “[...] que tiveram lugar em
1847, e ainda depois em consequência das disposições do art. 14 do mesmo Regulamento,
conflitos que originaram o Aviso que, com data de 24 de agosto de 1850, baixou do
Ministério do Império”.580 Ainda assim, como discordava da mudança da ponte, pois
afirmava que a nova posição era muito próxima da atual e em nada melhoraria as
condições de insalubridade da região e dos despejos que favoreciam o assoreamento
daquele ponto, questionava se a Câmara Municipal estava autorizada a continuar a fazer
obras no litoral sem a aquiescência da repartição da Marinha como vinha fazendo sem
interrupção.
E cinco anos depois, finalmente, o ministro da Fazenda respondeu, diante de nova
provocação581, elencando todas as leis, instruções, avisos e circulares que até aquele dia
impedia a Câmara Municipal de autorizar terceiros, através de licenças, a fazer qualquer
tipo de obra sobre os chamados terrenos artificiais, aqueles formados por aterros ou como
as pontes de atracação ou de despejo de lixo. O ministro em questão, José Maria da Silva
Paranhos, pedia ao Ministro da Marinha que determinasse ao Capitão do Porto que
observasse estritamente a legislação em vigor, não permitindo à Municipalidade que
exercesse funções que o próprio Regulamento de 1846 interditava e que incorriam em
questões caras às rendas nacionais.582
No entanto, emitir licenças e manter o controle sobre as praias fazia parte das
funções básicas da Câmara Municipal. Mesmo depois da reforma do Código Criminal de
1841, a Câmara Municipal manteve um importante papel de polícia da cidade,
resguardando para si pontos fundamentais da vida cotidiana, como as questões de ordem
579 Ibidem. Ofício nº 35 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 13 de abril de
1857. 580 Ibidem. 581 A companhia de navegação a vapor União Niteroiense pedia aquela ponte, que seria removida
novamente e Corrêa de Mello reiterava o parecer dado em 1857 sobre a dita remoção e a portaria da Fazenda
do ano anterior. Ibidem. Ofício nº 1 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 3 de
janeiro de 1863. 582 AN – SM, XM-1074. Portaria do Ministério dos Negócios da Fazenda de 27 de janeiro de 1862. O
documento foi lido na sessão de 4 de fevereiro da Câmara Municipal e encaminhado ao inspetor das
marinhas.
240
pública ligadas às brigas nas ruas, aos jogos, aos mercados, aos transportes terrestres e à
prostituição. No entanto, o entrelaçamento com os poderes centrais foi uma característica
própria da Municipalidade carioca. Ou seja, a vereança manteve para si uma “política de
licenciar” as mais variadas questões ligadas ao ordenamento urbano (limpeza, ocupação
dos espaços públicos, saúde etc.) e à vida cotidiana dos cidadãos (festas, enterros etc.).583
Era através das licenças que se controlava quem tinha acesso aos espaços públicos
da cidade para as atividades econômicas ou culturais. No caso do litoral, manter o controle
sobre as praias significava estar presente em um ponto fulcral da vida política, social e
econômica da capital do Império, fazendo com que o rigor sobre a observação das
posturas representasse uma demonstração de poder e hierarquização ao empreender a
organização e a normalização do espaço público através das suas posturas e dos seus
agentes.584
4.3. CATRAIEIROS ESBULHADOS: NEGOCIAÇÕES COTIDIANAS ENTRE AS
LICENÇAS CENTRAIS E LOCAIS
Como todas as atividades da cidade, para andar com embarcações particulares ou
a frete pela baía da cidade, era preciso tê-las numeradas e era imprescindível portar a
licença da Câmara, que deveria ser solicitada até o fim de fevereiro, e pagar os impostos
devidos.585 Por sua vez, o regulamento da Capitania do Porto da Corte determinava a
mesma obrigação, que realizava a matrícula, numeração e emissão das licenças no mesmo
período, podendo chegar até a agosto.586 O mesmo sendo necessário para os depósitos de
materiais, como já foi apresentado. Para os cidadãos cariocas, pedir licenças era comum,
fazia parte da dinâmica de funcionamento do ordenamento da cidade e garantia o acesso
aos espaços de trabalho e/ou de negócios. A diferença ocorreu sobre a quem pedir e em
que momento era mais propício solicitar a atenção de uma ou de outra instituição.
583 ABREU, Martha Campos. Op. Cit., p. 164-165. 584 Luciano Rocha Pinto defende que o Regulamento das Câmaras de 1828 deu às municipalidades
ferramentas para assumirem o protagonismo do governo do seu cotidiano e para serem fundamentais nas
novas diretrizes de ordem e segurança que se abriram com as reformas liberais. PINTO, Luciano Rocha.
Câmara municipal: uma sociedade de discurso na cidade-corte do império do Brasil (1828-1834). 2014.
192 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UERJ. Rio de Janeiro,
2014, p. 14-18. 585 AGCRJ. Código de Posturas da Ilustríssima Câmara Municipal do Rio de Janeiro e Editais da mesma
Câmara, 1838, Seção 1°, Título 6º, parágrafo 31 e 10º, parágrafo 1º. 586 Diário do Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1847. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/094170_
01/31339. Acessado em: 20 nov. 2019.
241
Proteger os seus instrumentos de trabalho e de negócios – embarcações e
palamentas – era uma questão que sujeitava os cidadãos à interpretação estrita das
posturas pelos fiscais e, com a capitania, essa situação ganhou uma nova camada de
possibilidades. Os proprietários de botes do cais Pharoux estavam preocupados, em 11 de
abril de 1855, com a guarda das suas embarcações à noite e nos dias de ressaca, que
causavam muitos prejuízos a eles. Especialmente, no dia 09, uma forte ressaca havia se
abatido sobre a cidade e eles, sem querer expor seus bens – embarcações e escravizados
– à intempérie, usaram uma parte da praia que “em nada então absolutamente prejudicaria
a pública servidão”.587
Em requerimento, José Joaquim Boaventura, João Francisco, Francisco Netto da
Silva, João Saborde e José Antonio da Silva pediam a intervenção do Capitão do Porto
contra a multa que o fiscal da freguesia de São José lhes aplicou. Com base no
Regulamento de 1846, defendiam que podiam ocupar partes da praia por não mais do que
cinco dias e que, portanto, o fiscal não podia tê-los multado como o fez e ao escaler do
consulado britânico, que procedeu da mesma forma e ainda teve os seus remos enviados
para o depósito municipal. Este, inclusive, tinha a licença da Capitania do Porto da Corte
para atracar, limpar e pintar sem prazo de validade, que eles juntaram cópia ao seu
requerimento. Os requerentes entendiam que a ação do fiscal era um arbítrio, pois “[...]
as marinhas são da atribuição da Capitania do Porto, cuja lei é ulterior às Posturas da
Ilma. Câmara Municipal”.588
Boaventura e os seus colegas sabiam muito bem que as posturas municipais
impediam qualquer depósito nas praias, mesmo que momentâneo, e que os fiscais podiam
ser criteriosos na observação das infrações. Tanto que, no requerimento, denunciavam
que havia carroças e madeiras no mesmo lugar e que ele não multou os responsáveis. Mas
usaram o Regulamento de 1846 para se justificarem, além de se defenderem com a licença
da repartição. De acordo com a versão dos requerentes, o assunto foi discutido entre o
fiscal e os proprietários e, provavelmente, eles apresentaram o regulamento da capitania
como justificativa, o que não deve ter ajudado muito na solução do imbróglio. Por sua
vez, o fiscal, Antonio Joaquim Xavier de Mello, como todos os fiscais antes e depois dele,
587 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11, p. 203. 588 Ibidem.
242
afirmou que só cumpria o que mandavam as posturas municipais, pois havia encontrado
as embarcações amarradas em frente ao Hotel Pharoux.589
O caso não teve solução a curto prazo, pois os requerentes reiteraram o pedido de
intervenção do Capitão do Porto em julho, dado que a Câmara Municipal não havia se
manifestado, após o envio do pedido aos vereadores. Insistiam que o fiscal estava
irredutível em não revogar as multas, mas que não se furtavam a pagá-las, desde que
fossem emitidas pela repartição, a quem estava incumbida a jurisdição das praias. Eles já
tinham recebido uma notificação de um oficial de justiça e preocupavam-se com a demora
e as consequências de não liquidarem o assunto apropriadamente.590
A essa altura, meados da década de 1850, o Regulamento de 1846 já era dominado
não só entre a vereança, mas entre aqueles que circulavam pelas praias e nelas tinham os
seus interesses, redes políticas, de sociabilidade e de negócios. Os fiscais usavam-no para
reiterar a observação estrita das posturas municipais; os vereadores para reiterarem a sua
jurisdição sobre os terrenos de marinhas e sobre a polícia das praias e, ao mesmo tempo,
os cidadãos usavam-no, ao contrário, “contra” a rigidez na fiscalização das posturas para
reivindicarem o seu direito, ou pelo menos, o que presumiam como seus direitos de
utilizarem esses espaços para guardarem suas palamentas, salvarem as embarcações em
dias de temporal ou para limpar os botes e canoas do seus serviços. Principalmente, limpar
as embarcações. De acordo com mais de um Capitão do Porto, as águas da baía
favoreciam a formação de limo nos cascos, reduzindo a velocidade delas, o que
comprometia o bom funcionamento da região portuária e, assim, contrário à servidão
pública.
Foi esse argumento que Guilherme Parker usou para conceder licenças aos
barqueiros da 5ª estação (praia do Peixe) em 1855. O então Capitão do Porto havia
permitido que uma vez por semana, sem ultrapassar 48 horas, fosse permitida a limpeza
dos cascos e que, se fosse cobrada pelos guardas municipais, as licenças fossem
apresentadas. Em 27 dezembro de 1855, Parker oficiou à Câmara Municipal que os fiscais
e os guardas municipais insistiam na recusa a reconhecer a autoridade da repartição em
conceder licenças para aquele fim, qual seja, das embarcações serem limpas nas estações
designadas.591
589 Ibidem, p. 205. 590 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11, p. 207. 591 Ibidem, p. 210.
243
Em duas notas marginais ao ofício, dois empregados da Câmara (provavelmente,
vereadores; não foi possível identificá-los), expunham, em uma, a necessidade de chamar
o chefe da repartição da Marinha para, com a anuência da Câmara, determinar os pontos
no litoral que poderiam ser usados para a limpeza das embarcações. Em outra, a
concordância com o que justificava o fiscal da freguesia da Candelária e da Praça do
Mercado, Pedro Luiz da Cunha, que fez uma longa justificação da diligência que os seus
guardas efetuaram naquela praia.
Luiz da Cunha, como seu colega Xavier de Mello e outros antes, reafirmou que
“apenas cumpria com as posturas municipais”, mas ofereceu mais detalhes da relação
tensa entre guardas municipais e capatazes da Capitania do Porto. Informou que o guarda
havia gastado toda a tarde do dia 24 de dezembro procurando os donos das canoas e, que
não os encontrando, empreendeu à apreensão delas. Que no dia seguinte, o capataz da
estação solicitou que a multa fosse cancelada, pois as amarras tinham se soltado por um
“perdoável descuido”. Então, como não recuou da sua decisão, o capataz ameaçou multar
também embarcações que consideraria refratárias às posturas municipais (mesmo sem
poder) e, na opinião de Luiz da Cunha, teria feito a denúncia ao Capitão do Porto de uma
coisa que não havia ocorrido. Ou seja, a apreensão de canoas depositadas para lavagem,
quando na verdade, estariam encalhadas sem licença.592
O fiscal asseverava que o assunto era pessoal; o capataz estaria deliberadamente
tentando prejudicá-lo junto à Câmara Municipal e ao Capitão do Porto e que agia como
procurador dos donos das canoas e não como um funcionário da repartição, uma vez que
ele vivia do Mercado, “na banca de peixe, onde em magas de camisa continuadamente
exerce as funções de pombeiro com menoscabo do que determina o Decreto de 19 de
Maio de 1846, art. 84”.593 Afirmava, também, que nunca havia proibido a lavagem das
embarcações e que, inclusive, havia determinado que fosse feita aos domingos, ainda que
592 Ibidem, p. 212-213. 593 Ibidem. Os pombeiros eram atravessadores e mercadores avulsos de peixes, que os vendiam pelas ruas e em frente à Praça do Mercado ou na doca. Somente os donos ou os arrendatários das bancas do mercado
podiam vendê-los, sendo proibido qualquer tipo de vendedor avulso ou atravessador. De acordo com Juliana
Barreto Farias, uma das estratégias dos pombeiros para burlar a fiscalização dos fiscais era “[...] em
associação com os pescadores, tirar licenças para pesca na Capitania do Porto, mesmo sem estarem
efetivamente habilitados para o ofício”. FARIAS, Juliana Barreto. Mercados minas: Africanos ocidentais
na Praça do Mercado do Rio de Janeiro,1830-1890. 2012. 294 f. Tese (Doutorado em História) – Programa
de Pós-Graduação em História, USP, São Paulo, 2012, p. 66. O artigo 84 do Regulamento de 1846 versava
sobre a vestimenta do capataz da estação, que deveria usar “[...] uma jaqueta azul, tendo na gola, ao alto de
cada lado, um emblema de metal da configuração de dois remos cruzados com uma ancora”. BRASIL. CLI,
Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846, Artigo 84. Op. Cit.
244
não concordasse com o uso daquela praia, que sempre estava cheia de canoas e botes para
tal serviço e que o regulamento do mercado autorizava aplicar as multas, em consonância
com as posturas.
O nome do capataz não foi citado, não sendo possível rastreá-lo nos jornais ou
entre as licenças para o mercado594. Como o Regulamento de 1846 determinava que os
capatazes fossem escolhidos entre “os indivíduos mais capazes da mesma estação”, algo
surpreendente que tenha sido um pombeiro da Praça do Mercado, pois eram figuras
estigmatizadas naquele espaço concorrido.595 Provavelmente, o pombeiro era
suficientemente bem relacionado para conseguir a indicação ao cargo de capataz e isso
talvez atenuasse o seu ofício, que o colocava em situação duplamente tensa diante do
fiscal. Uma, por ser pombeiro, uma atividade ilegal. Outra, por ser capataz da estação e
exercer uma autoridade muito próxima daquela exercida pelos guardas municipais. Ser
capataz lhe possibilitava aumentar a sua rede de contatos no mercado ao lhe autorizar,
por exemplo, tentar interceder a favor de donos de embarcações junto à autoridade
municipal, como o fiscal o acusava de fazer.
Não é possível determinar se os donos dos botes tinham as licenças por escrito
para ocupar parte da praia. O fiscal informou todas as numerações delas – Boaventura,
botes nos 32 e 237; João Francisco, o de nº 357, João Saborde, nº 26, Netto da Silva, nº
345 e José Antonio da Silva, nº 342. Pode ser que a permissão tenha sido dada
verbalmente pelo capataz ou pelo Capitão do Porto. Nesse caso, Parker fez questão de
resguardar a jurisdição da capitania sobre o assunto, não hesitando em oficiar a
Municipalidade. Escrita ou não, a repartição havia autorizado o uso da praia, pelo menos
de acordo com a versão do capataz. Por outro lado, o fiscal pode estar correto em todo o
seu relato e a disputa se resumir ao conflito pessoal entre os dois empregados, o que não
espantaria diante da proximidade das atividades num cenário onde os espaços de trabalho
dentro e fora do mercado eram muito concorridos. De qualquer forma, a tensão entre os
agentes das duas instituições é visível na troca de acusações, o que provocou embates
constantes.
É muito provável que a licença tenha sido concedida por meio escrito. No
entendimento do Capitão do Porto, era necessário que as embarcações que faziam o
594 Com exceção dos capatazes do ano de 1870, não foram encontradas informações sobre esses empregados
da repartição na documentação da Marinha. Eles não eram informados no Almanaque Laemmert e não
tinham um contrato com a capitania, pois não eram remunerados. 595 FARIAS, Juliana Barreto. Op. Cit., p. 68.
245
tráfego de passageiros e de mercadorias tivessem um local para a limpeza e para a guarda
das palamentas sobressalentes nas praias das estações. Alguns anos antes, em ofício de
18 de fevereiro de 1851, Joaquim José Ignácio, Capitão do Porto naquele momento,
propunha à Câmara Municipal que os barqueiros das praias
[...] possam, todas as semanas, limpar as embarcações das mesmas os
seus fundos, não se demorando nesta operação mais de 48 horas, e tirando para isso desta repartição licença, que deverá ser apresentada
aos guardas, ou fiscais da Ilustríssima Câmara, se eles reclamarem tal
apresentação.596
Observe-se que a autorização dada aos barqueiros da 5ª estação estava dentro do
entendimento da Capitania do Porto. O capitão não negava a necessidade de apresentação
das suas licenças aos agentes municipais. Contudo, de acordo com a lógica do poder
central, essas eram suficientes para fazer valer a autoridade da Capitania, o que era
insistentemente rechaçado pelos fiscais e pela vereança. Ao mesmo tempo, demonstra
como a repartição também continuou emitindo licenças, ainda que disso tenha sido
interditada pela portaria de 1850. No jogo de forças entre a repartição da Marinha e a
Câmara, os cidadãos da cidade entenderam a importância da nova autoridade para o uso
das praias e recorreram à Capitania do Porto para que os seus interesses fossem
resguardados. Diante do entendimento rigoroso do uso dos logradouros públicos seguido
pela vereança e pelos fiscais, a posição mais flexível ao tráfego do porto colocado em
prática pela nova repartição significou uma nova possibilidade para que as embarcações
e as palamentas pudessem ser acomodadas nas praias.
Em todo caso, o cotidiano da Capitania do Porto da Corte estava atravessado de
interesses; forças políticas que iam desde as ministeriais às disputas locais nas estações
da região portuária, uso da praia para limpeza e guarda das embarcações se arrastou ao
longo das décadas 1850 e 1860, sempre exigindo negociações constantes na tensa relação
entre a vereança e repartição da Marinha.
No cais da Imperatriz, em 1859, a reclamação não foi diferente. Os proprietários
de botes e escravos (como se denominavam) daquele ancoradouro pediram à instituição
camarária que lhes cedesse espaço na praia do cais para a guarda de palamentas e
embarcações. Pediam que lhes fosse concedido na mesma forma que já havia sido feito
para os proprietários de botes do Cais Pharoux. Em 07 de maio, Placido Gomes da Silva,
596 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11, p. 172.
246
Antonio Caminha, Domingos Gonçalves e mais doze signatários usaram os mesmos
argumentos que os barqueiros da 5ª estação quatro anos antes. Atentavam para os
[...] imensos prejuízos que sofrem, igualmente suas propriedades, quando
há Ressacas, bem como a que houve em 13 do mês findo, e em outras
ocasiões semelhantes, porque achando-se tomado todo o Litoral com
Armazéns Alfandegados e outros, não tem os Suplicantes onde possam abrigar-se das intempéries do tempo; bem como não tenham lugar para
encalhar, examinar, e dar-lhes o necessário tratamento para conservação
das mesmas.597
Em nota marginal, o vereador Jeronymo José de Mesquita, encarregado das
freguesias de Santa Rita, Paquetá e Ilha do Governador, foi de parecer que a pretensão
dos requerentes fosse atendida e que fosse marcado o lugar pelo fiscal. Na década de
1860, a extensão do litoral entre o Arsenal de Marinha e a ponta da Saúde crescia
exponencialmente, sendo ocupada cada vez mais por trapiches e estaleiros, que
demandavam, por exemplo, depósitos de madeiras e fábricas de máquinas a vapor.
Obedecendo a mesma lógica, a área que ia daquele Arsenal ao outro extremo, no Arsenal
de Guerra, tornava-se extremamente concorrido pela presença do cais da Alfândega, que
em si já demandava cada dia mais espaço, e como área de embarque e desembarque de
passageiros e tripulações dos navios de guerra surtos na baía. Os pedidos para o uso das
praias foram mais recorrentes, e exigiu das duas instituições um trabalho menos
conflituoso e mais negociador para a organização das praias do Rio de Janeiro.
Naquela década, as definições sobre os terrenos de marinhas estavam mais claras,
inclusive com a cobrança de uma ação mais assertiva do Capitão do Porto com relação ao
cumprimento de todos os dispositivos legais e do próprio regulamento da repartição.
Dessa maneira, houve uma certa acomodação das forças – reduzindo os conflitos diretos,
mas mantendo-se uma tensão constante – entre os representantes das duas instituições ao
delimitar o entendimento desses espaços, assim, exigindo as negociações necessárias para
lidar com os questionamentos demandados pelos usuários das praias e as suas estratégias
recorrentes de se resguardarem usando os instrumentos disponibilizados tanto pela
Câmara Municipal quanto pela Capitania do Porto da Corte.
Um melhor entrosamento entre as duas instituições não significava,
necessariamente, uma facilidade para os barqueiros que vivam à margem do Código de
Posturas ou do Regulamento 1846. Na verdade, quanto mais conflito entre elas, maiores
597 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11, p. 233.
247
eram as possibilidades de conseguir fazer valer os seus interesses em contraposição aos
dispositivos legais. Nesse sentido, a proposta feita pelo fiscal da freguesia de Santa Rita
talvez tenha colocado uma camada a mais de obstáculo para aqueles que fossem
refratários. José Francisco de Paula e Silva, em 19 de novembro de 1860, após a sua ronda
anual para investigar se as embarcações que precisam da licença da Câmara Municipal as
tinham e se estavam devidamente numeradas, reclamava da dificuldade de empreender
tal diligência pelas fugas que os não licenciados realizavam, quando “avistando os agentes
da Municipalidade, aproam para longe ou envolvem-se entre os Navios surtos no
ancoradouro e assim escapam à Fiscalização Municipal e a necessária apreensão”.598
Como solução, Paula e Silva pedia que a vereança solicitasse ao Governo Imperial
que determinasse ao Capitão do Porto para que não permitisse a matrícula sem a
apresentação da licença da Municipalidade.
Com esta providência as rendas provenientes do imposto das
embarcações não serão defraudadas e a polícia respectiva se tornará mais pronta e segura, porque a Capitania, estando dividida em Estações
e tendo cada uma o Capataz que vigia as ditas embarcações, além das
rondas frequentes pelo mar, não podem seus possuidores subtraírem-se
facilmente ao cumprimento dos seus deveres.599
A proposta do fiscal foi acatada integralmente pelos vereadores, que em 04 de
dezembro peticionaram ao Ministério do Império que tomasse as providências conforme
a indicação de Paula e Silva. Para a vereança, a iniciativa era simples, bastava que a partir
de janeiro do ano seguinte a medida fosse implementada e isso traria “nenhum embaraço”
à Capitania do Porto da Corte.600 Em 15 dezembro, somente 11 dias depois, o Ministério
da Marinha publicou um Aviso à repartição determinando exatamente o que havia pedido
o fiscal da freguesia de Santa Rita.601 Consequentemente, em janeiro de 1861, quando foi
publicado a convocação para a matrícula e renovação das licenças da repartição, ficava
estabelecido que, daquele ano em diante, sem o recibo da Câmara Municipal de quitação
do imposto devido a ela, não seriam aceitas matrículas de nenhuma embarcação.602
598 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11, p. 235. 599 Ibidem. 600 Archivo Municipal, 21 de fevereiro de 1861. Ata da Ilustríssima Câmara, 24ª Sessão em 04 de dezembro
de 1860. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/343358/385. Acessado em 21 nov. 2019. 601 Jornal do Commercio, 18 de dezembro de 1860. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/
364568_05/1450. Acessado em 21 nov. 2019. 602 Idem, 07 de janeiro de 1861. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/1530.
Acessado em 21 nov. 2019.
248
A cada dia ficava mais difícil escapar do aumento do controle das “polícias” e,
fosse para exercer as atividades nas praias da cidade ou para circular pela baía do Rio de
Janeiro, tudo passava necessária e paulatinamente pela crescente regulação das
instituições centrais e locais encarregadas do ordenamento do litoral. Ou seja, a presença
institucional na região portuária carioca era cada dia menos conflitiva, ainda que o fosse
no código legal e atravessada de tensões.
Um outro exemplo dessa mudança de panorama residiu na reivindicação que os
catraieiros, comerciantes e negociantes do cais Pharoux fizeram em 1861 por conta da
obra da Companhia Ferry. Esse caso será analisado mais à frente. Importa registrar agora
que eles também reclamaram à Câmara Municipal de que a sua ponte estava sendo
obstruída e pediram, também, que lhes fosse marcado um lugar ali em que pudessem
guardar as suas palamentas e embarcações. O vereador dr. Costa Velho concedeu, com
base nas indicações da Capitania do Porto da Corte um espaço ao lado da ponte da
Companhia Niterói-Inhomirim, que ficava no Largo do Paço. O capataz da repartição
ficava encarregado de vigiar o serviço e era mandado notificar ao fiscal do que havia sido
decidido.603
Em 08 de maio de 1865, Lidon Dias Guimarães e Antonio Rodrigues Chaves
afirmavam que tinham licença da Câmara Municipal para encalharem e limparem os
cascos das suas catraias a cada 15 dias na praia de São Cristóvão e do Caju e da Capitania
do Porto da Corte para executar o serviço em qualquer praia que fosse desabitada.
Contudo, foram surpreendidos pelo fiscal daquela freguesia com um edital promulgado
no mês anterior que proibia o uso daquelas praias e determinava que o serviço fosse
executado na Ilha do Governador e na Ilha de Paquetá.604
Dois dias depois, Manoel Faria das Neves e Antonio José de Araújo reclamaram
a mesma coisa. Que tinham licença de ambas instituições para usar a praia e que foram
duramente repreendidos pelo fiscal para que não encalhassem suas embarcações na praia.
Os quatro requerentes afirmavam que não fazia sentido ir até às ilhas indicadas limpar os
cascos das catraias, pois até retornarem estariam com eles cheios de limo novamente.605
O vereador dr. Adolpho Bezerra de Menezes ficou encarregado de dar o parecer e
determinou, após entendimento com o Capitão do Porto, que ficava autorizado o uso da
603 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11, p. 243. 604 Ibidem, p. 245. 605 Ibidem, p. 246.
249
praia de São Cristóvão nos lugares já marcados, a praia dos Lázaros em frente à rua de
mesmo nome e a praia a oeste da Imperial Quinta do Caju por serem desabitadas e
reunirem as condições pedidas.606 Entretanto, os requerentes não ficaram satisfeitos com
o parecer do vereador. Em 22 de junho, dois dias depois da publicação do edital
municipal, peticionaram novamente, asseverando que o espaço reservado era pequeno
demais e das 36 catraias que seriam levadas até aquelas praias, só seria possível limpar
nove por dia, o que atrapalharia não só os seus negócios, como a própria praça do
comércio da cidade, pois faziam os traslado de cargas para os navios mercantes e de
guerra. E voltaram a afirmar que tinham licença da Capitania do Porto para encalharem
as embarcações em qualquer praia que fosse desabitada. Em nota marginal ao
requerimento, o dr. Bezerra indeferiu a solicitação.607
Se as licenças serviam de instrumento de controle institucional, nas mãos dos
cidadãos eram ferramentas que garantiam os direitos aos seus espaços de trabalho. Os
catraieiros dos cais dos Mineiros tinham duas autorizações para o mesmo serviço e na
hora de reivindicar pelo que haviam depositado nos cofres públicos – atracar nas praias
de São Cristóvão – usaram ambas. Dessa maneira, é compreensível que com o passar do
tempo, matricular as embarcações na repartição da Marinha, solicitar licenças para o uso
das praias nela e na Municipalidade, e fazer a numeração nesta, não era mais uma questão
para uma parte dos donos de embarcações. Pelo contrário, esses procedimentos legais
garantiam a continuidade das suas atividades e o direito à reivindicação quando achassem
necessário, porque os inseriam nas práticas institucionais que regulavam e organizavam
o funcionamento portuário e, ao mesmo tempo, propiciava a apropriação dessas práticas
sob significados próprios.
É dessa maneira que a continuada ação dos catraieiros precisa ser analisada, pois
os distúrbios não pararam ali. Em 1867, o novo fiscal da freguesia de Santa Rita realizou
a apreensão e o envio para o depósito geral das palamentas deles por estarem depositadas
na praia do cais dos Mineiros junto ao muro do Arsenal de Marinha. Mesmo depois das
conquistas isoladas nos cais Pharoux, Peixe e Imperatriz, dos questionamentos sobre as
praias em São Cristóvão e agora no próprio cais dos Mineiros, todas elas demostram que
as licenças, tanto da Câmara Municipal quanto da Capitania do Porto da Corte podiam
606 Boletim da Ilustríssima Câmara Municipal da Corte contendo todos os seus trabalhos. Rio de Janeiro:
Typographia do Correio Mercantil, 1865, p. 17. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/403350
/294. Acessado em: 21 nov. 2019. 607 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11, p. 247.
250
também não significar imunidade total contra as ações dos fiscais e guardas municipais.
Mas o momento era outro e o entendimento com relação ao uso das praias já havia
mudado.
No dia 07 de maio de 1867, o Capitão do Porto oficiou a vereança sobre a
reclamação do capataz da 4ª estação (cais dos Mineiros) de que “em menoscabo da licença
que esta repartição de acordo com Ilma. Câmara Municipal dera aos Catraieiros, e da qual
estavam em pacífico e legítimo uso [...]” recolheu o material dos peticionários. Corrêa de
Mello trazia à lembrança que nas outras estações já era praticado o uso de uma parte da
praia com licença da repartição e que não era e nem poderia ser diferente nesse cais, um
dos mais concorridos da cidade. Por fim, determinava que “[...] tem eles para isso, como
fica dito, uma licença que até hoje não fora revogada, e que por essa razão, restituindo
aos mesmos as velas e os remos de que o privaram, entre de novo no gozo do direito que
lhes foram esbulhados”.608
Mais uma vez, o fiscal fez menção ao que as posturas determinavam sobre o
depósito de materiais em ruas, praças e cais. Pelo relato de justificação do fiscal, João de
Deus Carvalho, parecia mesmo que era recente no posto, como afirmava. Ele fazia
questão de mostrar-se ativo e eficiente no cargo que ocupava. Afirmou que vinha
providenciando que as ruas estivessem livres de madeira e outros objetos, bem como não
estava permitindo que as embarcações fossem limpas fora do local indicado no edital de
1865, que apontava as praias específicas do Caju e de São Cristóvão. As mesmas que os
catraieiros recusaram, mas que foram indeferidos. Carvalho afirmava que pediu a licença
da repartição ao capataz, mas que ela não lhe foi entregue, quando decidiu finalmente
fazer o recolhimento das palamentas.609
O assunto rendeu e a resistência dos catraieiros à diligência provocou a
intervenção da força policial convocada pelo fiscal e, em decorrência, um indivíduo foi
preso e enviado ao subdelegado da freguesia. Assim, as palamentas foram apreendidas,
enviadas para o depósito e Carvalho fez valer a autoridade do “elemento Municipal”, um
dos “elementos sagrados em que todos os tempos foi respeitado”.610 Por algum motivo, o
fiscal acreditava que a Municipalidade não vinha sendo respeitada. Provavelmente,
porque a liberação do uso das praias ia diretamente contra o Código de Posturas da
608 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11, p. 263. 609 Ibidem, p. 260. 610 Ibidem.
251
Ilustríssima Câmara Municipal. Também, porque os catraieiros não eram famosos pelo
bom comportamento e “civilidade” no uso dos ancoradouros da cidade e as reclamações
contra eles eram constantes.
Nos seus ofícios, Corrêa de Mello, Carvalho e o capataz da estação, José Luiz da
Silva, chamaram a atenção para a importância daquele ponto de embarque e desembarque.
O cais dos Mineiros era um dos mais concorridos da cidade, pois ficava entre o cais da
Alfândega e o Arsenal de Marinha, era o cais principal que dava acesso direto à Ilha das
Cobras e, junto com os cais do Largo do Paço e do cais Pharoux, concentrava a circulação
de passageiros que vinham ao centro da cidade. Era, também, ponto de passagem daqueles
que vinham de São Cristóvão e iam para Glória, Flamengo e Botafogo e vice-versa. Além
de ficar mais próximo das áreas de carga e descarga de mercadorias. As Figuras 11 e 12
dão uma dimensão da centralidade da sua posição.
Figura 12: Cais dos Mineiros – 1873.
Fonte: BN, Hemeroteca Digital611
Cada qual reportou a importância para os seus interesses, reivindicando a primazia
da autoridade sobre aquele espaço. Corrêa de Mello mencionou a licença que a repartição
já havia concedido aos catraieiros sem prazo de validade desde pelo menos 1852, na
611 VOGLER, J. Panorama da cidade do Rio de Janeiro. Viena, Aústria: Instituto Artístico de Leopold
Sommer & Cia, 1873. Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/
icon255675/icon255675.jpg. Acessado em: 22 nov. 2019.
252
chefia de Pedro Ferreira de Oliveira que, junto com os dois vereadores, havia marcado os
lugares a serem ocupados. Silva, o capataz, defendeu que, além da licença, tinham o
costume antigo de guardar os remos e as velas sobressalentes no paredão junto ao Arsenal.
Um costume que não era exclusivo daquele cais e que já era autorizado em todos os
outros, como repercutiu o capitão. Carvalho defendia a Municipalidade e o rigor do
cumprimento das posturas como a única forma de “civilizar” aquele espaço, local que
servia de “amparo a tudo quanto queiram lançar, exalando pestifera fedentina porque com
semelhantes embaraços não se procedia limpeza [...].”612
Um mês depois de ser oficiada pelo Capitão do Porto, a Câmara Municipal
manifestou-se em 06 de junho de 1867, através do parecer do vereador João Antonio Leite
Junior. Segundo ele, o acordo entre a Municipalidade e o então Capitão do Porto, Pedro
Ferreira de Oliveira, foi verbal, sem nenhuma deliberação por escrito. Portanto, defendia
que a diligência do fiscal de Santa Rita estava dentro das suas atribuições, pois as posturas
excetuavam nenhum tipo de objeto para ser depositado nas ruas e praias da cidade.
Contudo, reconhecia a necessidade daqueles indivíduos de guardarem, durante o dia, as
palamentas sobressalentes das suas embarcações como já era rotina nas outras estações.
Dessa forma, foi de parecer que
[...] a Câmara conceda aos Catraeiros que estacionarem no Cais
Pharroux, Praia de D. Manoel, Cais dos Mineiros, da Prainha, da Imperatriz, Saco do Alferes, Igrejinha em São Cristóvão, licença para
depositar, em lugares que não embaracem o trânsito público, durante o
dia os sobressalentes das palamentas do serviço diário de seus botes,
recomendando-se aos Fiscais respectivos que façam conservar no devido asseio os lugares que para tal fim forem marcados pelos mesmos
Fiscais, fazendo porém remover tais objetos ao pôr do sol; e que sejam
restituídos a seus donos as palamentas que foram recolhidas ao
Depósito, se ainda lá se acharem.613
A vereança reconheceu finalmente, agora por escrito, a prática que vinha sendo
defendida pela Capitania do Porto da Corte desde o início dos seus trabalhos, que era
conceder autorização para o uso de parte das praias pelos barqueiros das estações de
embarque e desembarque da cidade. Desde Antonio Pedro de Carvalho, que alertou para
a presença “perigosa” das Câmaras Municipais no Regulamento de 1846, passando por
Pedro Ferreira de Oliveira e Guilherme Parker, que concederam licenças para o uso das
praias em momentos distintos, chegando a Antonio Felix Corrêa de Mello, o
612 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11, p. 260. 613 Ibidem, p. 262.
253
entendimento da Marinha, através da sua repartição e dos seus chefes, foi de que era
preciso conceder um lugar nas praias para que remadores e barqueiros pudessem encalhar,
pintar, limpar e guardar as suas embarcações, desde que não atrapalhassem a “servidão
pública”.
Por seu turno, a Municipalidade carioca foi obstinada na disposição de manter o
controle sobre esses espaços. Se a jurisdição sobre o aforamento dos terrenos de marinhas
se resolveu ao longo da década de 1850, apaziguando-se as disputas em torno desse
tópico, o exercício de poder através da emissão de licenças e da fiscalização estrita do
Código de Posturas ainda era atravessado de interesses localizados e exigiu outras formas
de relacionamento entre essas duas forças políticas. A obstinação na busca por infrações
não se restringiu à vereança, chegando aos seus agentes diretos nas ruas, os fiscais. Ora
por desavenças pessoais, ora pelas variadas demonstrações de eficiência ou interpretações
estritas do código municipal, os fiscais também exerceram o seu poder sobre a sua rede
direta de influência, as vezes independente do entendimento da Câmara Municipal.
A cada pedido feito à Câmara Municipal para o uso das praias o entendimento da
Capitania do Porto da Corte sobre o uso dos espaços foi, paulatinamente, sendo construído
como uma “jurisprudência” com relação ao assunto. Os barqueiros do Pharoux
solicitaram e conseguiram, mais de uma vez em tempos diferentes, bem como os do cais
da Imperatriz. Os da Praia do Peixe conseguiram fazer suas reivindicações chegarem à
vereança através do Capitão do Porto. Os catraieiros do cais dos Mineiros também foram
atrás do uso das praias como entendiam e necessitavam e, para tanto e em momentos
diferentes, usaram das licenças para fazer valer os seus argumentos.
Três forças divergentes atravessavam-se a partir da disputa em torno das licenças
concedidas e os catraieiros do cais dos Mineiros forneceram um exemplo claro disso. O
poder central, o local e os particulares imiscuíram-se em disputas que exigiram uma
atualização constante dessa relação tensa e muitas vezes conflituosa, o que foi
fundamental para o exercício da autoridade do capitão do Porto no litoral da cidade. Se
por um lado ela era reconhecida e reivindicada pelos particulares, era disputada e
questionada pelos poderes municipais que não aceitaram de bom grado essa pedra no
caminho das suas atividades cotidianas que tradicionalmente exerciam e que a definiam.
Entender a “política de licenças” é fundamental para dimensionar o impacto da
presença da Capitania do Porto da Corte reorganizando o litoral e exercendo autoridade
sobre um ponto crucial para o ethos da Câmara Municipal. Os entraves colocados por esta
254
e a percepção de entrave por aquela foi responsável pela marca histórica de
“incompetência” sobre a “polícia naval” atribuída à Capitania. Sem ter como perspectiva
a dinâmica de funcionamento dos portos no Oitocentos, não é possível compreender as
interconexões e as interseções entre diferentes agentes políticos encarregados das
“polícias”. Sem tal perspectiva, a análise das forças políticas e sociais da região portuária
perde em complexidade, ao não incluir a variedade de personagens presentes no litoral da
cidade.
4.4. TERRENOS DE MARINHAS: AUTORIDADES EM NEGOCIAÇÃO, DISPUTA
E ACOMODAÇÃO DENTRO E FORA DA CORTE
Fora da Corte, longe dos diferentes agentes imperiais, o exercício da autoridade
também enfrentou barreiras decididas, como demonstrado no capítulo anterior. Aliás, as
forças sociais distantes dos centros urbanos agiam com muito mais desenvoltura contra a
lei do que na proximidade do poder imperial. E nesse sentido, pretende-se mostrar como
a ação da Capitania do Porto da Corte necessitou de esforços redobrados para fazer valer
o seu regulamento e a legislação pertinente aos terrenos de marinhas.
Os dois casos analisados a seguir são emblemáticos da relação do poder central
com as forças locais longe da capital. Ora conflituosa, ora em parceria, as tensões
provocadas pela reiteração da regulação dos terrenos de marinhas foram entrelaçadas de
personagens que entendiam os seus direitos como certos e garantidos pelo costume.
Tentativas de mudanças que pretendiam enfraquecer os poderes locais foram
relativamente bem-sucedidas, com a Capitania do Porto da Corte se esforçando em
colocar em prática a sua autoridade nos extremos da província e os agentes sociais desses
pontos mais distantes dando seus próprios significados à essa autoridade, que tanto era
validada quanto contestada, dependendo dos interesses em jogo.
4.4.1. Terrenos de marinhas: tensões negociadas fora da Corte
Em 09 de novembro de 1860, o Conselho Naval foi provocado pelo Ministério da
Marinha para dar o seu parecer sobre os terrenos de marinhas na Ilha do Farol de Cabo
Frio. Desde 1848, essa área era colocada em hasta pública pela Câmara Municipal de
255
Cabo Frio para particulares do negócio da pesca. Esse procedimento vinha sendo
sistematicamente contestado pelo diretor do farol junto ao capitão do Porto no Rio de
Janeiro. Eles (capitão do porto e diretor do farol) viam prejuízos ao funcionamento do
farol, com relação à sua polícia e ao serviço dos seus funcionários, e ao Governo Imperial,
pois os terrenos eram de responsabilidade do Ministério da Fazenda. A consulta teve
como origem o ofício do Capitão do Porto, Corrêa de Mello, provocado pelo relato do
diretor do farol, Jacintho Alves Branco Muniz Barreto. Tudo foi encaminhado para o
Diretor da 2ª Seção do Ministério da Marinha e de lá para o Conselho Naval.
Muniz Barreto enviou o seu relato em 05 de outubro de 1860, antecipando-se ao
período de posse dos novos vereadores e à provável continuação, em janeiro do ano
seguinte, da concessão dos terrenos pelo prazo de três anos como era o costume da
Câmara Municipal da cidade de Cabo Frio fazê-lo. Ele alertava que terminaria naquele
mês a última arrematação feita pela vereança, a despeito “das inumeráveis representações
por mim feitas, e ordens em contrário, acompanhadas de Pareceres da Auditoria da
Marinha”. O diretor do farol confiava que os novos vereadores terminariam as
concessões, mas era preciso antecipar-se para as providências necessárias que deveriam
ser tomadas.614
Em sua opinião, o Diretor da 2ª Seção do Ministério da Marinha, Aureliano
Candido Tavares Bastos, afirmava que não estava comprovada a necessidade premente
dos terrenos para o uso do farol. Contudo, destacou que, desde 1849, a área em torno
vinha sendo pleiteada como necessária para a construção de um farol novo e ao serviço
do atual. Para Tavares Bastos, o assunto já se alongava por tempo demais (mais de dez
anos!) e uma pergunta precisava ser respondida para os interesses da Marinha: “É
necessário o uso exclusivo da praia aos agentes do Ministério da Marinha incumbidos da
construção e serviço do farol projetado no ‘Focinho do Cabo’?”. Se assim o fosse, era
preciso solicitar a reserva dos terrenos de marinhas ao Ministério da Fazenda, a quem
pertencia os terrenos fora da Corte, proibindo a Câmara de Cabo Frio de continuar
fazendo o aforamento daquela área. Em nota marginal, o Diretor Geral do Ministério da
Marinha, o conselheiro Francisco Xavier Bomtempo, foi de acordo e solicitou os
comentários do Capitão do Porto.615
614 AN – SM, XM-1074. Ofício nº 243 do Diretor do Farol de Cabo Frio de 05 de outubro de 1860. 615 Ibidem. Parecer do Diretor da 2ª Seção do Ministério da Marinha de 30 de outubro de 1860.
256
Em resposta, Corrêa de Mello voltou a reiterar a jurisdição do Ministério da
Fazenda sobre os terrenos de marinhas, o que desde logo colocava a ação da vereança
cabo-friense contrária ao ordenamento legal. Dessa forma, afirmava que
A disciplina, e como disse acima, a polícia, podem sofrer do contato imediato de homens estranhos, sendo de mais distraídos, em prejuízo
do serviço, os empregados do farol pela proximidade das relações, sem
falar nas dificuldades que para o futuro podem resultar de semelhante abuso, não me sendo dado determinar a natureza e o alcance das
consequências que possam provir de tal vizinhança, a qual em todo o
caso é sempre nociva a uma Estação daquela ordem.616
O capitão não explicou exatamente porque seria prejudicial a ocupação dos
terrenos por particulares e pessoas estranhas ao serviço militar, mas coadunava-se com a
opinião do outro capitão do porto em 1849, Antonio Pedro de Carvalho, que também já
era contrário ao aforamento daqueles terrenos, por entender que havia um
estabelecimento nacional que deveria estar “inteiramente isolado”, como o farol da Ilha
Rasa, na entrada da baía do Rio de Janeiro. Dessa forma, não convinha autorizar-se um
estabelecimento particular compartilhando os mesmos terrenos.617
Em sessão de 15 de janeiro de 1861, os conselheiros Joaquim Manoel de Oliveira
Figueiredo, Manoel Vieira Tosta (relator), Zacharias de Góes e Vasconcellos, João
Capistrano Bandeira de Mello, Rafael Mendes de Moraes e Valle e Ricardo José Gomes
Jardim demonstraram, em longo parecer, que o assunto vinha se arrastando há mais de
dez anos, com a Câmara Municipal de Cabo Frio insistentemente procedendo ao
aforamento dos terrenos de marinhas e sendo contestada pelo diretor do farol e pela
Capitania do Porto da Corte. Conforme o relato do parecer, ainda em 1848, o Auditor da
Marinha já havia deliberado sobre o assunto, confirmando que à vereança cabo-friense
não assistia o direito aos aforamentos, tendo em vista o artigo 51, §14 de Lei de 15 de
novembro de 1831 e das instruções de novembro de 1832, assim como do Regulamento
de 1846.
Contudo, no entendimento dos vereadores àquela época, em representação ao
Presidente de Província, a municipalidade tinha a posse de tais terrenos há mais de cem
anos como comprovavam os Livros de Correição da instituição, que registravam diversos
arrendamentos das praias, com o recebimento das receitas apropriadas de tais direitos,
616 Ibidem. Ofício nº 173 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 07 de novembro
de 1860. 617 AN – SM, XM-238. Ofício nº 92 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 20 de
setembro de 1849.
257
continuando o procedimento após a criação das Assembleias Provinciais, em 1834. Ainda
mais que, em 1839, seguindo o exemplo da Câmara Municipal da Corte, pediu os terrenos
de marinhas para logradouros públicos, como determinava a Lei de 1831, sendo-lhe
reservados os ditos terrenos. Tais alegações foram indeferidas pelo Ministério da
Fazenda.618
De acordo com o ofício de 1849 do Presidente de Província do Rio de Janeiro, a
vereança recorreu contra os Avisos da Fazenda que interditavam os aforamentos e obteve
uma reposta positiva da autoridade provincial.
Há por bem que seja suspensa a execução daqueles Avisos, e que a
mencionada Câmara, enquanto o Governo não decidir definitivamente este negócio, à vista do resultado das averiguações, a que vai mandar
proceder, continue na prática que anteriormente estava [...].619
De acordo com os documentos apensos ao parecer do Conselho Naval, a questão
permaneceu no mesmo estado de coisas até janeiro de 1855. O presidente da província
mandou sustar a execução das ordens ministeriais e a Municipalidade continuou com o
aforamento das praias. Nesse ano, o diretor do farol voltou a levantar a questão junto ao
Capitania do Porto da Corte. Muniz Barreto contestou judicialmente a Câmara Municipal
de Cabo Frio contra os aforamentos que considerava ilegais e prejudiciais ao farol e ao
erário público. No ofício que encaminhou à capitania em 13 de março de 1855, o diretor
destacou a justificativa dada pela Municipalidade, de ter a previsão orçamentária para os
aforamentos em lei estabelecida pela Assembleia Provincial.620
No tocante a esse assunto, o Ministério da Marinha enviou um aviso em 07 de
junho de 1855 para a Fazenda relatando o processo que vinha se arrastando até então e a
continuidade da vereança em aforar os terrenos que não lhe pertenciam e prejudicavam
os serviços do farol. No aviso, o Ministro João Mauricio Wanderley (Barão de Cotegipe)
relatou que o seu antecessor havia solicitado ao Presidente da Província,
confidencialmente, que a justificativa dos vereadores era a previsão orçamentária e que,
para cessar definitivamente o imbróglio, indicou que se retirasse aquela verba do
orçamento municipal através da Assembleia Legislativa Provincial.621 Parece ter havido
nenhum movimento em tal sentido por parte do presidente de província, pois a Câmara
618 AN – SM, XM-1074. Parecer do Conselho Naval de 15 de janeiro de 1861. 619 Ibidem. Ofício do Presidente da Província do Rio de Janeiro de 28 de abril de 1849. 620 Ibidem. Ofício nº 185 do Diretor do Farol de Cabo Frio de 13 de março de 1855. 621 Ibidem. Aviso de 07 de junho de 1855 da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha.
258
Municipal de Cabo Frio continuou a aforar os terrenos. Houve uma nova tentativa de
obstar a vereança cabo-friense em 1858.622
Por fim e diante da abundante documentação, os conselheiros navais deliberaram
finalmente que não assistia o direito aos aforamentos àquela Municipalidade, uma vez
que não havia dúvidas sobre o domínio do Governo Imperial sobre eles e a inexistência
de provas que aqueles terrenos haviam sido concedidos para logradouros públicos, como
determinava a lei. Ainda que disso houvesse prova, não caberia à vereança disponibilizá-
los para particulares e nem se recursar a concedê-los à Capitania do Porto da Corte para
o uso que lhe fosse útil.623
Com relação ao orçamento previsto em Lei provincial, “embora a Câmara tenha
contemplado em sua receita o produto do arrendamento da praia, e seja isto sancionado
por Lei Provincial, não pode tal lei derrogar os preceitos das leis gerais”.624 E no que
concerne a necessidade do uso exclusivo dos terrenos pelo farol de Cabo Frio, para os
conselheiros não ficou provado nos documentos, o que retirava o Ministério da Marinha
de intervenção no processo, deixando a resolução do caso à parte legalmente interessada,
qual seja, o Ministério da Fazenda.625 Diante disso, o parecer do Conselho foi de:
1º Que a praia da ilha do farol não é patrimônio da Câmara Municipal de Cabo Frio, nem mesmo logradouro público daquele Município, nos
termos da legislação em vigor; mas sim de uso comum como as outras
praias do Império, enquanto não são aforadas pelo Ministério da
Fazenda, à cuja administração pertencem. 2º Que a referida praia não é necessária para o uso exclusivo do farol
de Cabo Frio, podendo prestar-se ao serviço do mesmo farol sem
inibição de ser frequentada pelos pescadores que ali costumam reunir-se; e pois, falta motivo suficiente para reservá-la especialmente ao
serviço da Marinha, em virtude do Artigo 10 do Regulamento de 18 de
Maio de 1846.
Até a sessão do Conselho Naval de 1861, o assunto permaneceu pendente e a
Municipalidade continuou agindo sobre os terrenos de marinhas. O diretor do farol, o
capitão do porto e o Ministro da Marinha não mediram esforços para coibir a ação da
vereança cabo-friense e reservar o espaço próximo ao farol para o uso exclusivo das
622 Ibidem. Ofício nº 109 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 12 de dezembro
de 1857 e Parecer do Auditor da Marinha de 12 de janeiro de 1858. 623 Ibidem. Parecer do Conselho Naval de 15 de janeiro de 1861. 624 Ibidem. 625 Ibidem.
259
repartições navais. Contudo, a ação dos poderes locais foi assertivo e contou com o apoio
do poder provincial para resguardar os seus interesses.
Nesse caso específico, vemos a ação conflituosa das três esferas de poder do
Império agindo dentro e em função dos terrenos de marinhas. Ao mesmo tempo, a
tentativa de uma saída “amigável” através de negociação “por fora” dos canais
institucionais. A Câmara Municipal de Cabo Frio entendia estar de posse de terrenos que
usava de maneira costumeira há mais de um século, como se defenderam junto à
Presidência da Província que, por sua vez, não hesitou em resguardar os interesses da sua
área de influência. Como na Corte, é bastante provável que as rendas advindas da
arrecadação pelos aforamentos fosse uma parte significativa do orçamento municipal que,
inclusive, contava em Lei provincial ratificada pela assembleia.
No entanto, a questão econômica não é mais importante do que as relações
políticas subjacentes ao imbróglio em torno da praia do farol. Dois grupos de interesses
locais disputavam aquele espaço: os pescadores e os arrendatários dos terrenos de
marinhas. Conforme os protestos de defesa da Municipalidade, as praias eram arrendadas
para a pescaria, outro importante negócio para a cidade. Se manteve o padrão de
aforamentos da cidade do Rio de Janeiro, indivíduos figurantes como arrendatários
exploravam o espaço, cobrando algum valor dos outros pescadores ou ocupando as praias
com algum tipo de edificação provisória para armazenamento de mercadorias.
O importante deste caso reside nas diferentes personagens sociais e políticas que
estavam em disputa nos e pelos terrenos e que colocaram empecilhos significativos ao
exercício de autoridade da repartição. Os espaços das praias eram concorridos e valiosos
para todos e a legislação aplicada assertivamente pelos agentes do poder central, mas foi
dificultada em grande medida pela ação das forças presentes naqueles lugares distantes
do lugar privilegiado da Corte. Se nesta, o controle do litoral não foi uma tarefa fácil, no
interior da província isso se tornou ainda mais complicado.
Da mesma forma que a Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro
esteve em lado oposto aos poderes políticos locais fora da área de influência da Corte, em
outros momentos ambos agiram em conjunto para obstar interesses sociais e econômicos
refratários às suas ações sobre os terrenos de marinhas.
Em setembro de 1863, na cidade de São João da Barra, a Câmara Municipal havia
acionado o então delegado da capitania, Antonio Lopes Mesquita, para a demarcação de
260
um posto de embarque e desembarque em terrenos de marinhas às margens do rio
Itabapoana, para comerciantes de madeiras e passageiros que tinham como destino a
província do Espírito Santo. Os tais terrenos ficavam dentro da fazenda Cutinguta, de
propriedade de Francisco José de Sá Marques Guimarães626, que se opôs violentamente à
diligência empreendida por Mesquita.
Segundo o relato do delegado, a demarcação do posto nos terrenos de marinhas já
havia sido aprovada pelo Ministério da Fazenda, após a requisição da Câmara Municipal
de São João da Barra. Em conjunto com a comissão criada pela Municipalidade, o
delegado encaminhou-se à fazenda acompanhado do empregado da delegacia, Manuel da
Cunha Barbosa, de um proprietário local, Antonio Caetano Moreira, convidado para
ajudar no procedimento e do lavrador Francisco dos Santos Barreto. No meio do caminho,
pernoitaram na fazenda Floresta, de Candido Barreto de Souza Faria627, a quem já havia
encomendado o material e o pessoal necessário para a demarcação, tudo às expensas da
Câmara Municipal.628
Ao chegarem à fazenda Cutinguta, o empregado da delegacia e o feitor da fazenda
Floresta enviados por Mesquita dirigiram-se ao proprietário, Sá Marques, que começou
uma série de ataques verbais não só ao empregado, mas a todos que estavam se dirigindo
ao ponto de demarcação, “[...] e chamando pelos seus fâmulos, e alguns escravos, os
mandou armar com paus, dirigir-se com eles para os carros ameaçando o empregado e o
feitor, a ponto de ousar com a força querer opor-se a que os carros continuassem o seu
destino [...]”. Segundo o delegado da capitania, determinados a cumprir a diligência, os
enviados afirmaram que só não a efetivariam se fossem mortos, o que afirmaram ter
surtido efeito, pois os marcos foram depositados nos locais indicados para a
demarcação.629
626 Fazendeiro de açúcar e aguardente com serraria a vapor e madeireiro da freguesia de São Sebastião de
Itabapoana. Almanak Laemmert, 1863, p. 179-180. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/
313394x/20608. Acessado em: 06 nov. 2019. Tinha endereço na rua da Prainha nº 10. Jornal do Commercio, 22 de setembro de 1860. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/1103. Acessado em:
06 nov. 2019. 627 Juiz de Paz; fazendeiro de café e lavrador. Almanak Laemmert, 1863, p. 179-180. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/20608. Acessado em: 06 nov. 2019. Também era madeireiro e
alferes da Guarda Nacional. Correio Mercantil, e Ilustrativo, Político, Universal, 12 de março de 1862 e 19
de setembro de 1863. Disponíveis em: http://memoria.bn.br/DocReader/217280/20198 e em
http://memoria.bn.br/DocReader/217280/22387. Acessados em: 07 nov. 2019. 628 AN – SM, XM-1074. Ofício nº 154 do Delegado da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de
Janeiro em São João da Barra de 09 de novembro de 1863. 629 Ibidem.
261
No dia seguinte, Mesquita encaminhou-se à fazenda para a realização da
demarcação, acompanhado de “pretos de enxada”, do feitor e do carpinteiro Manoel
Francisco de Rezende, e mais todos os acessórios necessários adquiridos pela
Municipalidade. Chegando próximo ao porto a ser demarcado, encontrou Sá Marques
[...] rodeado de uma porção de indivíduos de classe baixa armados com
cacetes e facas; cujos indivíduos segundo depois me informaram são desertores e criminosos com quem Sá Marques convive para desfrutar
seus serviços mediante pagas em aguardente e outras ninharias.630
Ao avisar ao proprietário de que começaria a demarcação, este afirmou que não
reconhecia a autoridade do delegado e nenhuma outra para agir dentro da sua propriedade
sem o seu consentimento e ameaçou opor-se violentamente, acionando os seus asseclas.
Decidido, Mesquita afirmou que realizaria a demarcação independente da oposição de Sá
Marques. De acordo com o relato do delegado, este teria recuado diante da sua posição
assertiva e autoritária.631
O porto foi demarcado e, no dia seguinte, tendo que embarcar madeiras com
destino ao Espírito Santo, Candido Barreto de Souza Faria, proprietário da fazenda
Floresta, solicitou que o empregado da delegacia acompanhasse o carro com a
mercadoria, pois estava apreensivo com o comportamento que poderia ter Sá Marques
com a sua encomenda. O carregamento foi impedido de passar pela estrada pública que
cortava a fazenda Cutinguta por cerca de “trinta indivíduos capangas armados com paus”.
Foram obrigados a passar por uma estrada de lamaçal para alcançar o porto demarcado.632
O comportamento agressivo e fora da lei demonstrado por Francisco José de Sá
Marques Guimarães não era novidade na região. Há mais tempo, vinha tomando para si
os terrenos de marinhas da sua fazenda, obstruindo o uso do ponto de atracação. De
acordo com os documentos enviados pelo delegado da capitania à Corte, constava a
certidão do processo no qual a Câmara Municipal de São João da Barra o processou,
diante do descumprimento das posturas relacionadas ao trecho de estrada que levava ao
porto do rio Itabapoana, obstruído por Sá Marques. A Municipalidade requeria que o
ramal navegável fosse desobstruído e recomposto e o acusado punido dentro do que
estipulava as posturas são-joanenses. De acordo com a sentença de 24 de julho de 1862,
ficou reiterada a proibição da obstrução ou da mudança de qualquer estrada ou ramal
630 Ibidem. 631 Ibidem. 632 Ibidem.
262
público sem o conhecimento e anuência da Câmara Municipal, sob pena de pagamento
de multa e prisão, restituindo o antigo estado da estrada ou ramal.633
O juiz da comarca, Manoel Felippe Monteiro, demonstrou que, além da
contravenção empreendida por Sá Marques obstruindo o ramal e impedindo o acesso a
um porto público, como demonstravam os testemunhos,
[...] sendo esse rio navegável, esse ramal também, como se vê dos
depoimentos das testemunhas, é por isso considerado terrenos de
marinhas até a distância de quinze braças craveiras para a parte da terra, e como tal pertencente à Nação e por parte da fazenda nacional deveria
ser demarcado, demarcação que deveria assistir o procurador da
Câmara Municipal para ver se devia ser reservado para logradouro
público [...].634
Acontece que, dois meses depois da demarcação, os lavradores vizinhos à fazenda
Cutinguta representaram à Capitania afirmando que a área demarcada não correspondia
ao lugar indicado pela Municipalidade. De acordo com os suplicantes, o terreno era
alagadiço e não comportava o volume de embarques e desembarques de mercadorias que
afluíam constantemente àquele porto. Além disso, a estrada que também dava acesso
àquele lugar foi deliberadamente marcada errada pelo Fiscal municipal, preservando
outra, principal, que cortava a fazenda de Sá Marques.635
O delegado da capitania deu plena razão aos lavradores. Em ofício de 9 de
dezembro daquele ano, afirmou que
[...] a pretensão dos suplicantes era justíssima, porque na ocasião em
que demarquei o porto referido, fui iludido em um ramal da estrada em
lugar pantanoso, que me serviu de base para a demarcação, o qual ilicitamente estava demarcado pelo Fiscal de Itabapoana sem
consentimento da Câmara Municipal e, de combinação com o
proprietário da fazenda para que o povo não se servindo por ele se desgostasse, e não frequentasse o dito porto; tendo desta maneira
fraudado o direito do público já por lei adquirido no trânsito da antiga
estrada, que vai ao porto em questão.636
Contudo, Sá Marques não se deu por vencido. Dois anos depois, representou à
Presidência da Província do Rio de Janeiro para que fosse desfeita a demarcação do porto
nas suas terras. O apelante alegava que a diligência empreendida pelo agora ex-delegado
633 AN – SM, XM-1077. Cópia da sentença proferida pelo Doutor Juiz de Direito da Comarca de São João
da Barra em 24 de julho de 1862. 634 Ibidem. 635 AN – SM, XM-1077: Requerimento dos lavradores limítrofes à fazenda Cutinguta de 30 de novembro
de 1863. 636 Idem. Ofício nº 103 do Delegado da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro em São
João da Barra de 09 de dezembro de 1863.
263
Mesquita havia sido feita a força, de forma ilegal e causando-lhe muitos prejuízos. No
entanto, segundo o presidente, não apresentava provas da ilegalidade da ação, mas, ainda
assim, pedia esclarecimentos ao Ministério da Marinha.637
Em resposta, o capitão do Porto da Corte limitou-se a encaminhar a cópia dos
documentos, inclusive, e principalmente, o extrato elaborado pela 2º Seção da Marinha,
que, na sua opinião, eram suficientes para demonstrar a ação legal do ex-delegado em
demarcar terrenos de marinhas nas margens do rio Itabapoana. Como afirmou Corrêa de
Mello, “[...] nenhum documento vejo, cuja validade a conteste (a demarcação), bem que
a chicana lhe possa descobrir brecha para dilatar uma matéria já julgada”.638
Diferente do caso cabo-friense, a Municipalidade são-joanense recorreu à
repartição da Marinha para resguardar a sua própria autoridade em conflito direto e
violento com os interesses particulares locais, ao invés de recorrer ao poder provincial, a
quem estava diretamente subordinada. Como visto no caso dos recrutamentos no interior
da província, uma explicação possível está relacionada com a presença da delegacia
naquela cidade, que mantinha uma relação bastante próxima com os poderes locais,
políticos e particulares, que oscilou entre conflituosa639 ou harmoniosa640. Nesse sentido,
a autoridade da capitania do porto também servia para reiterar o poder da Municipalidade,
em um jogo de forças em que interesses fora da esfera central ou local podiam
comprometer a dinâmica de mando político.
Dessa forma, centralizar o controle e o acesso aos terrenos de marinhas nas
repartições ministeriais contou com uma constante tensão entre os diferentes níveis de
637 Idem. Ofício do Palácio do Governo da Província do Rio de Janeiro de 26 de junho de 1865. 638 AN – SM, XM-1077. Ofício nº 120 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 13
de outubro de 1865. 639 Em agosto de 1855, 83 comerciantes e negociantes de Campos e São João da Barra peticionaram ao
Imperador contra o então delegado da capitania do porto, o capitão-tenente Ernesto Alves Branco Muniz
Barreto, acusando-o de fazer “exigências ilegais e despóticas; procedendo a prisões injustas e
escandalosas”, entre outras acusações, prejudicando o comércio e os negócios locais. Pediam, assim, que
fosse retirado da delegacia. O capitão do porto concordava que essa não era a primeira vez que reclamava
e que o delegado vinha se excedendo no exercício do cargo, mas que entregava à decisão final ao ministro.
AN – SM, XM-238. Ofício nº 134 e anexos da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 20 de agosto de 1855. 640 Em maio de 1864, o delegado da repartição, Antonio Lopes de Mesquita, foi exonerado após se
desentender com o administrador da Mesa de Rendas, responsável pelo pagamento dos vencimentos dos
empregados da repartição da delegacia, e com o capitão do porto. Em sua defesa, peticionaram à sede da
capitania 45 indivíduos – o prático-mor, a tripulação da praticagem da barra, o comandante, mestre e
contramestre do rebocador a vapor, marujos das embarcações de cabotagem, pescadores, carpinteiros e
calafates, todos “profundamente sentidos” com a notícia da exoneração, defendendo a “exemplar perícia”
e “dignidade própria” com que o delegado exercia o cargo e pedindo que ele fosse reintegrado ao cargo.
AN, SM. Fundo XM-238. Ofício nº 48 e demais anexos da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio
de Janeiro de 31 de maio de 1864.
264
poder – central, local e particulares –, onde complementariedade e repulsão pautaram o
cotidiano da repartição da Marinha, em conjunto com as práticas costumeiras regionais.
Ainda que houvesse a disposição do poder central em fazer valer o seu projeto, era preciso
combinar com o resto dos poderes políticos e sociais imersos em seus interesses. No caso
da Câmara Municipal de Cabo Frio, ainda que houvesse a disposição em disponibilizar
da sua maneira o acesso aos terrenos, a ocupação contínua e frequente dos pescadores
contribuiu ainda mais para o longo processo de normatização daquele espaço dentro da
legislação do Governo Imperial.
Com relação à ação dos interesses da população local, o caso de São João da Barra
é ainda mais ilustrativo. O poder privado sobre os espaços públicos, principalmente no
interior, era (e ainda hoje é) exercido de maneira violenta e desmedida641. Sá Marques
tinha certeza de que aqueles terrenos pertenciam só a ele e estava decidido a impedir a
qualquer custo que nenhuma outra autoridade agisse dentro da sua propriedade. E nesse
caso vemos a Câmara Municipal são-joanense usando o Regulamento de 1846 para
garantir a sua própria autoridade naqueles terrenos, diante do comportamento
violentamente refratário do proprietário.
4.4.2. Terrenos de marinhas: disputas por espaços e acomodação jurisdicional
dentro da Corte
Validar ou não a autoridade da Capitania do Porto da Corte sobre os terrenos de
marinhas dependeu, em boa medida, dos interesses em jogo no interior da província. Na
Corte, o assunto foi mais complexo, pois embaralhava ministérios, a repartição e a
Municipalidade. Além disso, o espaço sob controle era muito menor, o que potencializava
os atritos. Se por um lado, a questão os colocou em oposição direta em um primeiro
momento, por outro houve uma certa acomodação quanto ao lugar e a função de cada um,
ainda que houvesse uma tensão constante entre os agentes centrais e locais. A variação se
deu onde o exercício de autoridade era mais observável ou de qual interesse tinha mais
força para acessar determinadas redes.
641 Sobre relações de dependência pessoal, apropriação territorial e conflito agrário, ver: MOTTA, Márcia
Maria Menendes. Nas fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. Niterói:
EdUFF, 2008.
265
Um fator de conflito importante foram os interesses de grandes empresas com
negócios nas praias da cidade. Em 1855, o então Capitão do Porto, Joaquim José Ignacio,
recebeu ordens do Ministério do Império, através do Ministro da Marinha, para não
colocar embaraços, antes mesmo, facilitasse até onde fosse possível o pedido do
engenheiro responsável pela construção da Estrada de Ferro D. Pedro II, C. E. Austin642.
O requerimento pedia licença para a construção de uma ponte provisória de madeira na
Praça Municipal, no cais da Imperatriz, de modo a desembarcar os materiais necessários
para as obras da ferrovia.643
Ignacio foi contundente em seu parecer ao afirmar que a concessão implicaria em
prejuízo para o porto e para a navegação.
“[...] Corre-me o dever de representar a V. Exa., que tal concessão vai
importar a perda de um dos mais concorridos pontos de embarque e
desembarque, que tem o porto, ponto que vantajosamente serve ao ancoradouro da carga e inavegáveis, e aos subúrbios e parte da Ilha do
Governador para todo o litoral Oeste, além de concorrer para a
deterioração desta parte do ancoradouro, aonde fabricam as
embarcações mercantes, e estão diversos trapiches armazenados.644
O capitão compreendia a importância da obra e, mais ainda, das ordens enviadas.
No entanto, condicionou a liberação da licença, que ao que tudo indica, vinha sendo
obstruída por ele. No entendimento do capitão do porto era importante continuar
garantindo o acesso àquele ponto de embarque e desembarque. Para tanto, determinou
que, ao invés de uma ponte de madeira provisória, fosse construída uma ponte no
alinhamento do litoral que fosse determinado pelos engenheiros da Marinha, de material
que suportasse o intenso trânsito de pessoas e de mercadorias que costumavam frequentar
aquele ancoradouro. Alegou, para justificar a sua decisão, os poucos espaços disponíveis
na região portuária para a transferência do ancoradouro e a economia que representaria
ao impedir o Governo de adquirir um novo terreno para tal transferência, com propunha
o ministro.645
642 Sobre a construção da estrada de ferro, ver: CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; EL-KAREH, Almir Chaiban. Filha branca de mãe preta: a Companhia
da Estrada de Ferro D. Pedro II, (1855-1865). Petrópolis, RJ: Vozes, 1982; MOMESSO, Beatriz Piva.
Indústria e trabalho no século XIX: o estabelecimento de Fundição e Máquinas de Ponta d'Areia. 2007.
Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História, UFF. Niterói, 2007;
CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira e orçamentária do Império do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1980. 643 AN – SM, XM-238. Ofício da Ministério dos Negócios do Império de 05 de junho de 1855. 644 AN – SM, XM-240. Ofício nº 83 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 11 de
junho de 1870. 645 Ibidem.
266
Infelizmente, não há referência à continuidade do processo. Não sabemos se
houve outras discussões sobre as propostas de mudança do ancoradouro. As pressões
exercidas pelo engenheiro da companhia estão subsumidas no pedido do Governo
Imperial para a liberação da obra, que encerrava em si um conjunto de grandes interesses
econômicos, que a consideravam essencial para a melhoria do escoamento dos produtos
que vinham do recôncavo, especialmente o café. É provável, também, que tenha ocorrido
a pressão dos comerciantes e trapicheiros que já ocupavam aquela região, que estava em
processo de adensamento populacional e comercial. A menção, pelo capitão do porto, aos
prejuízos ao comércio efetuado através do cais é um indicativo disso. Como pode ser visto
na Figura 13, três conhecidos trapiches estavam próximos e, mesmo que tivessem as suas
pontes particulares, provavelmente também usavam aquele ancoradouro, um dos mais
importantes da região portuária do Rio de Janeiro.
Assim, é possível inferir a dimensão do posicionamento do chefe da repartição da
Marinha diante dessas possíveis pressões. O futuro Visconde de Inhaúma cedeu diante do
ministro, mas sugeriu a liberação da licença condicionalmente, em um exercício de
autoridade portuária. Ao descrever o ancoradouro do cais da Imperatriz, mostrou ser
conhecedor do litoral e do fluxo de circulação dos ancoradouros da cidade, não se
omitindo em defender um ponto essencial para o comércio e para a população, e uma das
diretrizes fulcrais do seu regulamento.
267
Figura 13: Mapa da Rua da Saúde – 1862.
Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. 646
646 NOVA planta da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Laemmert, 1864. Disponível em:
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart309989/cart309989.jpg. Acesso em:
21 jul. 2019.
268
O momento foi favorável à Ignacio e ele soube usá-lo. Aquela região era
movimentada e importante e a obra tão ou mais relevante. Ao segurar a liberação da
licença, esticou ao máximo possível o poder que tinha sobre a situação, ao ponto da
intervenção do Ministério do Império. Assim, mostrou quem mandava – ou deveria
mandar sobre o assunto –, tanto para os usuários do ancoradouro local, como para os
comerciantes e negociantes daquela região que, provavelmente, vinham exercendo as
suas pressões.
Ora, afinal, sua função era essa, zelar pela polícia do porto, ainda que as suas
funções atravessassem interesses refratários às suas ações. Questões semelhantes
ocorreram em outros momentos envolvendo os ancoradouros da cidade dentro das
discussões específicas sobre a posse dos terrenos de marinhas envolvendo empresas
privadas. Um exemplo claro disso, foi a disputa pelo terreno em frente ao Hotel Pharoux,
com cais de mesmo nome, o qual foi concedido para a construção da nova ponte de
atracação da então recentemente criada Companhia de Navegação a Vapor na Baía do
Rio de Janeiro e Niterói, a Companhia Ferry.
Entre 1861 e, pelo menos, até 1864, a posse do local foi disputada pelos herdeiros
do proprietário da casa de sobrado nº 3, vizinha ao hotel, situada na rua Fresca, contra o
gerente da Companhia, Thomaz Rainey. Os primeiros embargaram a obra que começou
a ser feita para a construção de uma ponte para as barcas a vapor, no local onde os
herdeiros consideravam seus terrenos de marinhas adquiridos pelo longo tempo de
presença e de benfeitorias realizadas na construção e no “aformoseamento” do local.
D. Jacintha Maria Fatella do Rego, tutora dos seus dois filhos menores, Bento e
Thomé, e José Maria da Silva Lemos, marido de D. Feliciana Bento do Rego (filha de
Jacintha) alegavam ser os senhores e possuidores dos terrenos de marinhas localizados
atrás do hotel, com 60 palmos de frente e 92 de fundos pelo mar adentro (ou seja, cerca
de 13 metros em direção à rua e 20 metros no sentido do preamar), com cais aterrado e
grades de ferro e com assentos fronteiros ao hotel, recebidos do inventário do marido de
D. Jacintha, Bento José do Rego. Alegaram, na petição de Nunciação ou Embargo de
Obra Nova que, desde setembro de 1860, o gerente da companhia, Thomaz Rainey,
[..] mandou fazer um paredão ou muralha do lado do mar, juntamente
nos fundos do terreno de marinhas dos Nuciantes, e tem estado a aterrar o espaço que fica entre a muralha de cais antigo e a nova que está
mandando fazer, espaço esse que ficou em seco pela retirada de mar e
269
da areia que para ali atirou, querendo assim apossar-se despoticamente
de terrenos alheios.647
Os embargantes mandaram realizar uma vistoria em maio de 1861 e juntaram
testemunhas para provar o longo período da ocupação do terreno e as benfeitorias
executadas, bem como as obras que a companhia vinha realizando. Os peritos constataram
que havia um terreno cercado de grades de ferro, assentado sobre baldrames (base de
parede ou muralha) de pedra e cantaria e com assentos de frente para o Hotel Pharoux;
que havia indícios de que o terreno já fora banhado pelo mar, mas que estava repleto de
madeiras, impedindo o seu uso. E mais, que havia um outro terreno, em diagonal à esse,
“moderadamente formado sobre a praia”, com uma muralha no mar, com aterros e que
avançava até a parte do terreno gradeado dos embargantes e até o cais Pharoux.648 Para a
construção dos cais fixos, em alvenaria649 ou cantaria650, eram levantadas muralhas de
pedra que eram preenchidas com aterros até à terra para a formação de ancoradouros
prolongados e mais seguros, tanto para evitar o assoreamento da praia, como para facilitar
a atracação de embarcações maiores, principalmente os vapores.651
As três testemunhas apresentadas pelos embargantes reiteraram os seus
argumentos de que Bento José do Rego, em meados da década de 1830, construiu uma
casa no cais Pharoux e cercou o terreno com gradil de ferro e fez um “terraço” em frente
à casa que se estendia até o mar. Após a sua morte, o terreno foi partilhado com os
herdeiros e eles vinham pagando os foros pertinentes; que no último ano construiu-se um
cais de pedra e que madeiras vinham sendo depositadas a mando de Thomas Rainey. Os
três eram portugueses, negociantes e moravam nas redondezas (rua do Cotovelo, da Ajuda
e travessa do Paço).652
Os embargantes tentavam provar através das vistorias e dos testemunhos que
ocupavam aquele terreno há muito tempo, realizavam obras de melhoramentos e que
647 AN – Relação do Rio de Janeiro. Número 127, caixa 515, p. 14. 648 Ibidem, p. 51-52. 649 “[...] pedra quebrada, e não cortada, nem lavrada, que serve para fazer paredes”. LACERDA, José Maria
D'Almeida e Araujo Correia de. Diccionario da lingua portugueza: para uso dos portuguezes e brazileiros. Volume I. Lisboa: F. A. da Silva, 1862, p.67. 650 “Pedra lavada regularmente para edifícios nobres; arte de lavrar [...]”. Ibidem, p. 87. 651 De modo geral, a obra deveria ser feita de maneira que ao levantarem-se paredes para que os aterros
necessários para a construção ou prolongamento do cais sobre o mar não prejudicasse os terrenos vizinhos,
prevendo cuidados com possíveis danos e litígios com o entorno, mas também prevendo uma futura
expansão, com o planejamento da possibilidade de aumento do cumprimento das pontes. Assim, restringia-
se os aterros a espaços delimitados, impedindo que os detritos se espalhassem para outras partes do mesmo
litoral. A planta da nova ponte do Trapiche Damião (Anexo 8) exemplifica os detalhes da construção das
pontes. 652 AN – Relação do Rio de Janeiro, p. 48-50.
270
pagavam os impostos devidos, portanto eram posseiros dos terrenos de marinhas do cais.
Apoiavam-se nas instruções e circulares de 1831 e 1832 que regulavam esses espaços e,
especialmente a circular de 1835, que estabelecia a preferência na concessão de
aforamentos aos trapicheiros e aos posseiros que “[...] se acharem de posse pacífica na
sobredita suposição de lhes pertencerem e fazerem parte de suas fazendas, chácaras,
sítios, ou quaisquer outras propriedades”653.
Para o réu, essa demonstração não era suficiente. Primeiro, os embargantes não
apresentavam o título que comprovava que a posse era legal (eles apresentaram o formal
de partilha em que constava a divisão do terreno em frente à casa). Segundo, que a obra
que vinha sendo feita pela companhia tinha aprovação do Governo Imperial, após análise
da planta apresentada. Para embasar os seus argumentos, juntou ao processo os pareceres
do Conselheiro Procurador da Coroa e do Conselheiro Consultor do Ministério do
Império, além da cópia do Aviso do Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas,
Joaquim José Ignacio (ex-capitão do porto), de março de 1861, que mandava o juiz da
vara municipal que “desembargasse” a obra e que permitisse que a companhia
continuasse executando o serviço, pois não se trataria de terrenos de marinhas
pertencentes a qualquer pessoa.654
O gerente não recorreu somente a esse ministério. Em 9 de janeiro, o Ministério
do Império enviava ao da Marinha um aviso solicitando providências para que fosse
levantado o embargo da obra, conforme requerimento de Thomas Rainey.655 Francisco
Xavier de Paes Barreto, então ministro da Marinha, respondeu no mesmo dia, declarando
que não cabia àquele ministério decidir sobre a concessão dos terrenos. Que a ele caberia,
através da Capitania do Porto da Corte, declarar se o lugar interfere no funcionamento do
porto, na circulação das embarcações e no estado dos logradouros públicos do litoral.
Lembremos, de novo, que os assuntos pertinentes a esse tipo de espaço eram tratados e
resolvidos exclusivamente pelo Ministério da Fazenda.656
A defesa de Rainey se baseava no decreto do Governo Imperial de 1858657, quando
foi aprovado o estatuto da companhia e autorizado o início do serviço de transporte pela
653 BRASIL. CLI, Circular nº 219 de 20 de agosto de 1835. Op. Cit. 654 AN – Relação do Rio de Janeiro. Número 127, caixa 515, p. 60-65. 655 AN – SM, XM-1074. Aviso da 2ª Sessão do Ministério dos negócios do Império de 9 de janeiro de 1861. 656 Ibidem. Aviso da 2ª Sessão do Ministério dos Negócios da Marinha de 9 de janeiro de 1861. 657 BRASIL. CLI, Decreto nº 2.181 de 5 de junho de 1858. Aprova os Estatutos da Companhia de navegação
a vapor na baía do Rio de Janeiro e Niterói. O decreto determinava outras muitas coisas, como o preço das
271
empresa entre a Corte e a cidade Niterói658, de onde já constava a indicação de um futuro
local com largura de 21 braças (cerca de 38 metros) e a previsão de construção das pontes
e do barracão que serviria de proteção para os passageiros e para as cargas, tudo às
expensas da companhia.
Ao mesmo tempo, está claro que tanto a ação concreta de execução das obras,
quanto o embate travado com a família vizinha se firmavam nas suas relações bem
próximas com o poder central. Com a utilização de citações de autoridade, como do
procurador e do consultor do Império, demostram a proximidade e o resguardo que teve
a companhia para agir, assim como a possibilidade de recorrer a dois ministérios que
sabidamente nada tinham a ver com a resolução do litígio, e uso do aviso de um deles ao
processo, como um adensamento de justificativa.
Os embargantes, por seu turno, fizeram questão de lembrar que o assunto deveria
ser resolvido pelo Ministério da Fazenda e não pelo da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas. E destacaram, também, que no aviso desse ministério determinava a
continuação da obra no Largo do Paço e não no cais Pharoux, como Rainey vinha
realizando. Até julho de 1861, ambos, embargantes e réu, não haviam apresentado as
provas materiais que mostravam cabalmente o direito de exercer domínio sobre os
terrenos. Nem os primeiros haviam juntado a carta de aforamento nem o segundo a carta
de concessão. D. Jacintha e a filha foram as primeiras a pedir a juntada (em 48h) desses
documentos pela companhia, que anexou uma portaria datada de 10 de fevereiro de 1860
autorizando a construção da ponte que devia receber as barcas em frente aos cais Pharoux,
no comprimento de 198 pés ingleses, ao invés das 21 braças previstas no decreto (ou seja,
aumentava-se de cerca de 38 metros de largura para 59 metros), além da construção de
barracão para receber os passageiros.659
Os embargantes foram citados para fazer o mesmo, no mesmo prazo. Mas só
fizeram a juntada da carta de aforamento em 16 de novembro. No documento, emitido
em 21 de maio de 1834, constava a concessão de um terreno de marinhas de 42 palmos
passagens, o tipo e a origem das barcas, a responsabilidade do diretor e do gerente, os direitos dos acionistas
e muito mais. 658 Já operava nesse trajeto, desde 1835, a Companhia de Niterói, que foi fundida, em 1852, com a
Companhia de Inhomirim, que fazia a navegação a vapor para os portos e Estrela e Caixas, surgindo a
Companhia de Navegação de Niterói-Inhomirim, funcionando até 1866. NORONHA SANTOS, F. A.
Meios de transporte no Rio de Janeiro: história e legislação. VOL. II. Rio de Janeiro: Typographia do
Jornal do Commercio, 1934, p. 220-225. Sobre a introdução da tecnologia a vapor na navegação e os seus
desafios, ver: SANTOS JUNIOR, E (2018). p. 69-81. 659 AN – Relação do Rio de Janeiro. Número 127, caixa 515, p. 75-76.
272
(cerca de nove metros) de largura pela frente e pelos fundos, entre a praia de D. Manoel
e a rua da Praia. Para o réu, o documento não comprovava a posse das marinhas
correspondentes ao cais Pharoux e, muito menos, sobre os terrenos artificiais em que a
companhia estava efetuando as obras, distante em alguns metros do cais e da área
gradeada dos embargantes. Rainey também juntou a licença da Câmara Municipal que
autorizara o uso do cais para depósito de madeiras e que aprovou a construção de pontes
flutuantes em frete ao hotel e, também, na praia da Glória, próximo à praça do mercado
no Flamengo, na proximidade da rua do Infante e em Botafogo ao lado da ponte da
Companhia Niterói-Inhomirim, com termo de compromisso assinado da Capitania do
Porto da Corte de 7 de março de 1861.660
Contudo, a localização da nova ponte não era para ter sido exatamente em frente
ao Hotel Pharoux, nas proximidades do terreno dos embargantes. Dois anos antes, na
sessão de 15 de novembro de 1859, o vereador Dr. José Marianno da Costa Velho,
encarregado da freguesia de São José, dava seu parecer a respeito da consulta de Thomaz
Rainey ao Ministério do Império sobre a localização das pontes, na conformidade do
decreto de 1858. O vereador afirmava que aquela localização não era a mais indicada,
pois não oferecia o espaço necessário para o grande afluxo de pessoas e mercadorias que
convergiriam para o cais. Se as obras fossem realizadas ali, ele acreditava que haveria a
necessidade de fazer desapropriações que, por sua vez, resultariam em indenizações e,
assim, mais despesas para o erário público. Dr. Costa Velho indicava a praia de D.
Manoel, entre a rua do Cotovelo e o Teatro de São Januário.661
Em 15 de setembro de 1860, o Capitão do Porto deu o seu parecer sobre essas
pontes, após a tramitação do pedido entre o Ministério da Marinha e do Império, que
havia determinado em 16 de maio de 1860, a construção em frente ao hotel662. Corrêa de
Mello afirmou que, após examinar a planta da área compreendida entre o Arsenal de
Guerra e o de Marinha (ou seja, a extensão do litoral compreendida entre os cais dos
Mineiros, da Alfândega, do Peixe, do Paço, do Pharoux e da praia de D. Manoel) e os
desenhos que mostravam as barcas a serem construídas sob cinco perspectivas diferentes,
concordava com o parecer da Câmara Municipal de que o local em frente à praia de D.
660 Ibidem, p. 89-91. 661 Archivo Municipal, 26 de janeiro de 1859. Ata da Ilustríssima Câmara, 23ª Sessão em 25 de novembro
de 1859. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/343358/159. Acessado em 17 nov. 2019. 662 AN – SM, XM-1074. 7ª Sessão da Secretaria de Estado dos Negócios do Império, portaria de 16 de maio
de 1860.
273
Manoel era o mais apropriado, que proporcionava um embarque e desembarque mais
acessível, não oferecia prejuízos ao alinhamento do litoral e não ficava muito próximo do
Arsenal de Guerra, como seria o caso do Largo do Moura, indicado pelo diretor das obras
civis e militares. Para o Capitão do Porto, a localização em frente ao Hotel Pharoux não
era o local mais apropriado, pois considerava o espaço muito estreito entre a terra o mar,
“[...] não se presta aos fins da Companhia e causa sensíveis estorvos, além de outros
inconvenientes [...]”.663
No ano seguinte, as obras já tinham se iniciado em frente ao cais, a despeito dos
pareceres emitidos pelas duas instituições. Em abril de 1861, o vereador Dr. João de
Oliveira Fausto dava autorização para construir as pontes em frente ao hotel, em
consonância com a Capitania do Porto da Corte que já havia autorizado. Concedeu,
também, que a terra oriunda de desmoronamentos fosse depositada no local de construção
do cais e que pudessem ser usada as pedras que estavam em frente ao Hotel Waltz, desde
que se identificasse a quem pertenceria. O Dr. Oliveira Fausto autorizou, outrossim, a
construção de um cercado provisório para impedir a entrada de estranhos na obra.664
Ou seja, em pouco mais de seis meses, o entendimento das duas instituições
mudou. Não foi encontrado registro do motivo de tal mudança, mas o Ministério do
Império indicava o cais Pharoux, mesmo com os pareceres contrários. Rainey, no seu
primeiro requerimento de 1859, pedia que fosse concedida ali a construção das suas
pontes. Portanto, os interesses da companhia junto com a decisão ministerial indicavam
aquela localização. Assim, não devem ter ocorrido poucas pressões nesse sentido,
prevalecendo os interesses da companhia e suas relações políticas com o alto escalão do
Império.
Nesse meio tempo, a sentença dos embargos saiu, finalmente, em 15 de fevereiro
de 1862. E foram negados, como o encaminhamento da questão indicava. Para o juiz
municipal da 3ª Vara, o local onde a companhia estava fazendo as obras não era o terreno
aforado por Bento José do Rego em 1834 e que era contestado pelos seus herdeiros.
Depois de analisar as distâncias medidas nas vistorias e as constantes da carta de
aforamento apresentada, o juiz entendeu que o espaço entre a muralha que vinha sendo
construída pelo réu e o terreno gradeado dos embargantes era maior do que as 15 braças
663 Ibidem. Ofício nº 154 da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro de 15 de setembro
de 1865. 664 Archivo Municipal, 04 de abril de 1861. Ata da Ilustríssima Câmara, 6ª Sessão em 27 de fevereiro de
1861. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/343358/411. Acessado em 17 nov. 2019.
274
(33 metros) estipulados pelas instruções de 1831 e 1832, portanto fora da possibilidade
de reivindicação de marinhas pelos autores e, assim, de domínio público passível de
concessão pelo governo à Companhia Ferry.665
Após a sentença, as obras continuaram avançando e a companhia inaugurou
rapidamente o seu serviço em 29 de junho de 1862666. Os embargantes recorreram mais
duas vezes. Uma em 1863, em que perderam mais uma vez e outra em maio do ano
seguinte, sem informação de resposta (o maço do processo encerra-se sem uma sentença
final). Em todos os recursos, reiteraram a antiguidade da ocupação do lugar, todas as
obras de melhorias feitas (inclusive, com juntada de recibos pagos) e, principalmente,
questionaram seguidamente o entendimento das medições que foi base para a decisão da
primeira sentença.
Ambos, réu e autores, fundavam as suas defesas na fluidez dos limites dos terrenos
e na falta de definição clara das medidas que apresentavam, que possibilitava a expansão
do mesmo terreno e a apropriação ampliada do espaço público para os seus interesses.
Em todas as petições, repetiam que as medições da vistoria realizada em 1861 mostravam
que, ou os terrenos eram marinhas dos embargantes, ou eram marinhas do Estado. Os
primeiros diziam que o Governo Imperial não podia ter cedido o espaço sem indenização
dos posseiros dos terrenos de marinhas. O réu, que a praia onde faziam era de domínio
público.
D. Jacintha e D. Feliciana pautaram a sua defesa no costume da ocupação daquele
espaço, inclusive como prescrevia as instruções e circulares que regulavam os terrenos de
marinhas, alegando a continuidade dos terrenos até a linha d’água como suficiente para
comprovar o direito à posse. E se apoiaram na sua rede sociabilidades – os negociantes
portugueses – da qual faziam parte. Mas na Corte, junto à proximidade do poder central
e dos interesses econômicos que mercantilizavam cada pedaço de praia disponível,
manter um espaço grande, sem fronteiras definidas, em um ponto privilegiado, ficava
cada dia mais insustentável sem passar pelas garantias legais. Ainda que ambos tenham
buscado, de alguma maneira, enriquecer os seus argumentos com o apoio das relações em
665 AN – Relação do Rio de Janeiro. Número 127, caixa 515, p. 92. 666 NORONHA SANTOS, F. A. Op. Cit., p. 226. Em 04 de fevereiro de 1862, foi publicado no Jornal do
Commercio uma reclamação, na seção “A Pedidos”, de que quando as barcas da Companhia Ferry, que
começariam a funcionar naquele ano, iria inviabilizar o serviço de botes da estação, pois o espaço tomado
pelas barcas na hora de manobrar a entra e a saída ocuparia o pequeno espaço já disponível. Jornal do
Commercio, 04 de fevereiro de 1862, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_
05/3263. Acessado em: 13 nov. 2019.
275
que estavam inseridos, a disputa ocorreu a partir da interpretação do aparato legal próprio
do liberalismo oitocentista.
Ao que tudo indica, Thomaz Rainey era um empresário bem relacionado, a ponto
de juntar pareceres de jurisconsultos importantes e avisos ministeriais, mas isso não o
dispensou de que, em todas as réplicas de sua defesa, fosse necessário juntar provas e
argumentos que mantivessem a legalidade e a legitimidade dos tribunais constituídos.
Mesmo com o avanço das obras e com o início do serviço, havia o risco real de ter que
indenizar os autores pelas benfeitorias por eles realizadas em caso de deferimento dos
embargos. Dessarte, as incertezas do momento faziam com que a disputa precisasse ser
conquistada sem a possibilidade de dispêndio de novos recursos, mas por meio de aparato
legal e de forma jurídica definitiva.
Se chocavam, nesse momento, diversas forças redefinidoras das estruturas de
poder portuária. Se a nova Cia. Ferry surgia nesse contexto liberalizante com influência
desde cima, a família Rego também tinha com ela, ou pelo menos reivindicava como
tendo, a tradição e a antiguidade e não estava sozinha nessa batalha.
Bento José do Rego era um português negociante de madeiras, deixou um sobrado
de dois andares, com sete quartos no primeiro, seis no segundo e mais quatro no sótão,
avaliado em cinquenta e seis contos de réis, ao lado do hotel mais famoso da cidade e
com um dos pontos de atracação mais antigos e movimentados. Seus herdeiros bancaram
os recursos até onde foi possível rastrear, o que não é pouco, com o pagamento de
advogado, peritos e emissão de certidões. E trouxeram como testemunhas outros
negociantes portugueses.
Junto com os Rego, o cais era usado por outros comerciantes, negociantes e
catraieiros que também viam nas obras da companhia um prejuízo aos seus negócios. Em
janeiro de 1861, em meio ao processo que corria entre herdeiros e a cia. de navegação,
surgiu uma petição de 45 deles à Câmara Municipal alertando que a ponte em que suas
embarcações (botes, catraias e faluas) faziam o serviço de embarque, desembarque e
guardavam suas embarcações estava sendo ameaçada pelos aterros que começavam a ser
feitos para a construção do cais e da nova ponte para as barcas a vapor da Companhia
Ferry. Os peticionários defendiam que o cais era o maior daquela área e atendia não só ao
comércio, mas aos navios de guerra que atracavam os seus escaleres ali, bem como aos
viajantes que saiam dali para os navios em partida. Pediam, no entanto, não que a obra
276
fosse paralisada, mas que fosse estendida para o lado do Largo do Paço, assim
resguardando a ponte que era usada por eles.667
Não por acaso, também, em 10 de abril de 1861, “Um interessado” assinou assim
uma publicação no Jornal do Commercio criticando a obra da companhia em frente ao
hotel, afirmando que o gerente da companhia estava descumprindo o termo de
compromisso que tinha assinado na Câmara Municipal para a emissão da licença, em que
se comprometia a “[...] construir uma parede de pedra com a solidez precisa para que o
aterro que deve ser lançado não venha a prejudicar o porto”. De acordo com o
“interessado”, a parede não estava na direção do hotel e nem tinha a solidez necessária,
apresentando buracos; que o cercado que construiu para a guarda das madeiras estava
obstruindo a ponte de madeira do local e que havia depositado uma quantidade tão grande
de materiais que inutilizaria definitivamente a dita ponte.668
O assinante da publicação mostrava-se conhecedor de detalhes do que vinha
ocorrendo na praia e profundamente insatisfeito com os caminhos que a obra seguia e do
futuro do serviço que a companhia iria disponibilizar. Mas não só ele. Pelos jornais, foi
possível verificar que a outra companhia que fazia o mesmo serviço que viria a iniciar no
ano seguinte, a Companhia de Navegação Niteroi-Inhomirim oficiou tanto ao Ministério
da Agricultura, Comércio e Obras Públicas quanto ao Capitão do Porto sobre a construção
da nova ponte.669 Cinco dias depois, a Câmara Municipal comunicou ao mesmo
Ministério sobre a nova posição da ponte da Companhia Ferry para não atrapalhar a
atracação da companhia vizinha, com o envio da cópia da portaria ao Capitão do Porto e
a Thomaz Rainey.670 A outra companhia já operava sozinha desde o começo da navegação
a vapor e, em 1861, venceu o seu privilégio de fazer esse serviço sem concorrência.671
667 AGCRJ – SE, Códice 57.3.11 (1813-1903), p. 237-238. 668 Jornal do Commercio, 10 de abril de 1861, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568
_05/1897. Acessado em: 13 nov. 2019. Ofício foi assinado e enviado ao Ministério do Império em 17 de
dezembro. 669 Ibidem, 12 de junho de 1861, p. 1. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/364568_05/2194.
Acessado em: 13 nov. 2019. 670 Ibidem, 17 de junho de 1861, p. 1. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/364568_05/2218.
Acessado em: 13 nov. 2019. 671 O estabelecimento da Companhia Ferry foi problemático até dentro da administração da empresa, com
rivalidades entre o diretor, Clinton Van Tuyl e o gerente, Thomaz Rainey. Em 20 de junho, Van Tuyl
publicou no Jornal do Commercio uma declaração contestando o gerente (que havia feito uma publicação
em 09 de junho. Infelizmente muito pouco legível, mas que consta acusações profissionais e pessoais
direcionadas ao diretor. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/3803), que vinha se
arvorando como o organizador e dono da empresa, quando seria ele, o diretor, que havia planejado,
elaborado o estatuto e buscado a concessão. Que o gerente era um funcionário que, por não ter capital para
ser um acionista ou adquirir a empresa, assumiu o trabalho de estabelecimento da companhia, com a
277
Portanto, o início do serviço da nova empresa vinha acompanhado de uma série
de novos interesses que colidiam frontalmente com outros que estavam consolidados
naqueles espaços e interseccionaram poderes centrais e locais, ora negociando as ações a
serem colocas em prática, ora conflitando-se aos interesses em disputa. Desde a escolha
dos locais a serem instaladas as pontes, passando pela emissão das licenças, até a
fiscalização da obra, os terrenos de marinhas daquela região e o uso que seria feito deles
foram disputados na esfera pública e política.
Diante do exposto, ainda que houvesse parecer contrário às obras naquele local,
fosse do poder central, fosse da Municipalidade, prevaleceram os interesses da companhia
sobre um processo de embargo, de reclamação dos comerciantes, negociantes e
catraieiros locais e da própria fiscalização da Câmara Municipal. Ainda que o local não
fosse o tecnicamente mais apropriado, coube considerar que tampouco os embargantes
tinham a posse efetiva dos terrenos. A proximidade com a Largo do Paço e da ponte da
outra companhia, adicionado a todas as características apontadas pelos peticionários de
que o local era concorrido, fazia do local mais do que propício para os interesses de
Thomaz Rainey e dos seus acionistas, fomentando a atratividade de passageiros e
alavancando a lucratividade da empresa. Dessa forma, a posse dos terrenos de marinhas
e a ação da Capitania do Porto da Corte sobre eles, dependeu de quais interesses estavam
sendo tratados, para quem eram direcionados e em que ponto estavam do território da
província.
Da mesma forma, outros cidadãos presentes nas praias e delas dependentes
souberam usar bastante bem as disputas de poder e os conflitos de jurisdição entre as duas
instituições. Comerciantes, negociantes e trabalhadores se apropriaram da nova repartição
e do seu regulamento para reivindicarem o uso das praias da maneira que lhes fosse útil
e sempre que se viram em desvantagem em relação às diligências dos fiscais e ao
cumprimento das posturas, o que não provocou poucos atritos entre esses agentes e
aquelas personagens.
construção dos ancoradouros, aquisição das embarcações e tudo o mais. “Declaro sem receio do seu
desmentido que até hoje não tenho recebido dele coisa alguma, pelo contrário, adiantei todo o dinheiro
necessário para as suas despesas, até para pagar os Srs. Maxwell Wright & C., desta praça, que tinham
obsequiado ao Sr. Rainey com dinheiro que lhe emprestou na sua primeira visita em 1855, empréstimo que
ainda não tinha sido satisfeito, por declarar o Sr. Rainey que não tinha quantia nenhuma, nem mesmo para
as suas despesas ordinárias”. Van Tuyl acusava o gerente de procedimentos desleais no estabelecimento da
companhia e de ter sido enganado nos contratos para as obras, que renderam uma grande quantia. Ibidem,
20 de junho de 1862, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/3856. Acessado
em: 13 nov. 2019.
278
Uma variada quantidade de cidadãos tinha presença constante nas praias, fosse
circulando pelos bairros da cidade, fosse por causa dos seus negócios. Desde padeiros,
passando por livreiros, chegando a negociantes do setor de navegação em si. Ser
proprietário de embarcações não significava necessariamente ser uma pessoa ligada
diretamente ao setor de navegação; às vezes era apenas uma parte dos seus investimentos.
Portanto, os próprios interesses entre os cidadãos diferiam, fazendo com que as relações
com a Capitania do Porto da Corte e os agentes da Municipalidade se revestissem de mais
algumas camadas de complexidade.
Por exemplo, os capatazes, que eram escolhidos entre “os indivíduos mais
capazes” de cada estação. O da praia do Peixe, definido pelo fiscal como pombeiro, com
pouca sombra de dúvida, deveria ser uma pessoa bem relacionada no mercado e na praia
para ser escolhido como capataz. Essas boas relações pautaram a escolha do capataz da
3ª estação, cais da Prainha. Augusto Maria Coral era um negociante português,
empresário com negócio de barcas a vapor que promovia viagens em dias de ocasiões
especiais, como o dia de finados672, ou de festas, como na da Igreja da Penha673 e de São
Roque em Paquetá674 ou de N. Sra. de Copacabana675. Na década de 1870, Coral, com o
patrício Antonio José de Abreu Guimarães, formou a Guimarães & Coral com sede no
cais da Prainha para transporte de mercadorias e bagagens em botes, lanchas e catraias,
com capital inicial de vinte e oito contos de réis.676 Também faziam o transporte
passageiros e o aluguel de embarcações miúdas.677
Outro capataz foi o brasileiro Manoel Netto da Silva, da 6ª estação (praia de D.
Manoel), morador da rua da Misericórdia nº 76. Silva era proprietário de cinco botes
672 Diário do Rio de Janeiro, 09 de agosto de 1862. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/094170
_02/16060. Acessado em: 25 nov. 2019. 673 Jornal do Commercio, 30 de novembro de 1862. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/
364568_05/4591. Acessado em: 25 nov. 2019. 674 Ibidem, 11 de dezembro de 1861. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/364568_05/3021.
Acessado em: 25 nov. 2019. 675 “As barcas largarão da cidade em direção da fortaleza do registro para tomar a senha, seguindo à fala na
fortaleza de Santa Cruz, atravessando a barra em direção ao morro do Pão de Açúcar, costeando as ilhas dos Toucinhos, Cagarras etc., até chegar à Copacabana; e na enseada do morro onde se acha a capela, onde
terá lugar as festas, haverá embarcações próprias, para dar o desembarque aos passageiros, contratadas pelo
empresário para esse fim”. Ibidem, 21 de agosto de 1862. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/
364568_05/4169. Acessado em: 25 nov. 2019. Algumas festas religiosas contavam com grande afluência
de público, como a da Penha, que possibilitava o acesso pela baía. Nessas, outras empresas de navegação a
vapor como a Niterói-Inhomirim e a União Niteroiense também ofertavam barcas em dias e horários
especiais, com atrações artísticas. 676 AN – Juízo Especial do Comércio da 2ª Vara. Número 2.731, maço 1.538, p. 3. 677 Almanak Laemmert, 1880, p. 902. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/313394x/48462.
Acessado em: 25 nov. 2019.
279
grandes avaliados em 900$000 e quatro escravizados remadores (João, Angola, 48 anos;
João, Angola, 41 anos; Vicente, crioulo, 33 anos e Joaquim, crioulo, 34 anos) avaliados
em um total de 4:050$000.678 Ou os portugueses Pedro Alexandrino Vieira, capataz da
mesma estação em 1855679, que era proprietário de falua e escravizados680 e Antonio Luiz
Ferreira da Cruz, capataz da 1ª estação a partir daquele ano681, que era negociante do ramo
de armarinhos682, hotel e restaurante, ambos no mesmo endereço, na praia do Saco do
Alferes nº 10683.
Junto de figuras como essas, havia desde os negociantes e comerciantes que,
algum deles, nem viviam do negócio da navegação diretamente, como Apolinário
Marques de Lima, português, que tinha uma padaria na rua do Cotovelo nº 2.684 Ou André
Caetano de Araújo, negociante de armazém de secos e molhados e loja de fazendas e
roupas feitas, na praia do Saco do Alferes, matriculado no Tribunal do Comércio 685, mas
que mantinha botes a frete pela baía686. Até negociantes como Francisco Firmino de
Castro Lima, português, “negociante estabelecido nas imediações do cais Pharoux” em
1861 que, quando da abertura do seu inventário em 1882, tinha um monte de bens
avaliado em 332:298$200, entre prédios na rua do Cotovelo, ações de companhias de
transporte terrestre e de banco diversos.687 E, ainda, Antonio Caminha, também
português, seu colega da 2ª estação (cais da Imperatriz), que tinha três casas (uma delas
de três andares) e dois terrenos na rua da Saúde, além de mais duas casas, uma chácara e
um terreno. E, ainda, 32 escravizados, 12 botes e uma lancha. Além deles, todas as outras
companhias que subscreveram em requerimentos à Capitania do Porto da Corte naqueles
casos analisados a pouco.
678 AN. Juízo de Órfãos e Ausentes da 2ª Vara, número 1.853, caixa 4.212, p. 5-7. 679 Jornal do Commercio, 06 de fevereiro de 1855. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/
094170_01/40934. Acessado em: 26 nov. 2019. 680 Ibidem, 23 de agosto de 1855. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_04/8971.
Acessado em: 26 nov. 2019. 681 Ibidem, 31 de março de 1855. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_04/8113. Acessado em: 26 nov. 2019. 682 Almanak Laemmert, 1855. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/8472. Acessado
em: 26 nov. 2019. 683 Ibidem. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/8532. Acessado em: 26 nov. 2019. 684 AN – Juízo Municipal da 1ª Vara do Rio de Janeiro, número 1.082, maço 126, p. 2-7. 685 Almanak Laemmert, 1855. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/8472. Acessado
em: 26 nov. 2019. 686 Correio Mercantil, 30 de março de 1849. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/217280/1809.
Acessado em: 26 nov. 2019. 687 AN - Pretoria do Rio de Janeiro, 8 (Freguesia de Santana), número 4.594, maço 1.344, p. 14-24.
280
Não causa surpresa, portanto, que houvesse conflitos entre essas personagens e os
fiscais das freguesias, que eram escolhidos pelos vereadores dentro da sua de rede
sociabilidade e influência.688 O caso de João de Deus Carvalho, fiscal da freguesia de
Santa Rita em 1867, é um bom exemplo das possibilidades de choque entre a “autoridade”
dos cidadãos e os agentes das instituições. Carvalho era eleitor na freguesia de Santa
Rita689, onde foi inspetor de quarteirão desde, pelo menos, 1849690, escrivão do matadouro
de São Cristóvão691, candidato a juiz de paz692; foi fiscal da recém-criada freguesia do
Divino Espírito Santo693 (compreendia aos atuais bairros do Catumbi, Estácio, Rio
Comprido e parte de Santa Teresa)694 e, finalmente, de Santa Rita. O fiscal fez carreira
dentro da Municipalidade (nas listas de eleitores, era definido como empregado público),
devia ser razoavelmente conhecido dos vereadores, construiu as suas próprias redes no
matadouro como escrivão, o que lhe permitiu contato com comerciantes e negociantes do
ramo, e deveria ser familiarizado com boa parte daqueles de quem recolheu as palamentas
no cais dos Mineiros. Novamente, em uma sociedade tão hierarquizada e segregadora,
um empregado público como Carvalho possivelmente tinha problemas com figuras como
as dos capatazes, apresentadas acima, alimentando constantemente uma tensão e um
choque quase inevitável, como ocorreu.
Esses são exemplos da pluralidade de interesses particulares que circulavam pelo
litoral e que estavam contidos na rotina da repartição. Cabe-nos analisar qualitativamente
que tipo de cidadão compunha o grupo de indivíduos que tinha condições de acessar a
Capitania do Porto para reivindicar as suas demandas, como fizeram esses e outros
senhores.
De uma maneira geral, como as personagens apresentadas indicam, os donos de
embarcações, em sua maioria, vivam de algum tipo de atividade ligada ao comércio.
688 Rafael Davis Portela mostrou que os capatazes da repartição baiana precisavam de uma boa dose de
diplomacia para conciliar os interesses locais com o exercício do cargo. Ao mesmo tempo, “[...] Aos olhos
das autoridades essa era uma postura fugidia e tida como pouco compromissada com as regras da capitania
– daí as constantes queixas contra capatazes”. PORTELA, Rafael Davis. Op. Cit., p. 32. 689 Almanak Laemmert, 1862. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/18964. Acessado
em: 26 nov. 2019. 690 Ver Almanak Laemmert nos anos 1849 a 1853. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/
313394x/6155. Acessado em: 26 nov. 2019. 691 Ibidem. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/7142. Acessado em: 26 nov. 2019. 692 Correio Mercantil, 15 de março de 1860. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/217280/
17360. Acessado em: 26 nov. 2019. 693 Ibidem, 07 de março de 1866. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/217280/25933.
Acessado em: 26 nov. 2019. 694 ABREU, Maurício de Almeida. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2008, p. 41.
281
Logo, coaduna-se com as pesquisas que indicam a presença massiva de portugueses nesse
setor. Por exemplo, entre as 101 licenças analisadas entre os anos 1847 e 1863695, os
portugueses são os que mais aparecem quando há informação da nacionalidade, em um
universo de licenças em que a grande maioria do conjunto levantado (205 licenças até
1870) não consta informação sobre nacionalidade ou naturalidade alguma (não havia a
obrigação desse tipo de informação). Pesquisas consolidadas já demonstraram como a
comunidade lusa formou uma rede de autoproteção que possibilitou a ascensão social,
política e econômica daqueles que tinham a mesma origem e compartilhavam as mesmas
experiências de vida, o que marcou as disputas pelo mercado de trabalho entre
portugueses e brasileiros brancos pobres e negros e pardos dito livres, libertos e
escravizados696
No litoral da cidade não foi diferente. De todos os donos de embarcações que foi
possível encontrar informações sobre a origem nacional ou étnica, a quase totalidade foi
de lusos.697 Homens como: João dos Santos, morador Praia Formosa, nº 99, e dono de
seis botes; Bento Fernandes, que vivia na Rua de São Francisco da Prainha, nº 25 e era
dono do bote nº 339; Manoel Pires, que tinha um bote de quitanda nº 386 e morava na
Ilha das Cobras, sem número; ou Laurentino José, morador da praça da Harmonia, nº 54,
dono de um bote novo, não têm registros que possibilitam identificar a sua cor de pele ou
como conduziam as suas embarcações. É possível inferir que João dos Santos tivesse ao
menos alguns escravizados a seu serviço pela quantidade de botes que possuía ao mesmo
tempo em que Manoel Pires, identificado como português, possivelmente conduzia o seu
bote de quitanda com mais uma pessoa, fosse um escravizado ou um patrício seu.
Dessa maneira, estamos lidando com homens que, de alguma forma, por contato
com a repartição ou notícia de jornal, suas origens ficaram registradas. É viável, assim,
concordar que os portugueses eram proprietários de uma significativa parte das
695 19 licenças para 1847; 2 para 1848; 1 para 1849; 3 para 1851; 16 para 1855; 8 para 1856; 3 para 1857;
1 para 1859 e 1860; 36 para 1861; 3 para 1862 e 8 para 1863. 696 Ver, essencialmente: RIBEIRO, Gladys Sabina (2002). Op. Cit. Para uma síntese dos impactos da
imigração lusa no Rio de Janeiro, ver: RIBEIRO, Gladys Sabina; TERRA, Paulo Cruz; POPINIGIS,
Fabiane. Portugueses e cidadãos: experiências e identidades nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro:
MauadX: FAPERJ, 2018. 697 Através da busca nominal, foi possível fazer o levantamento de inventários, processos cíveis nas varas
municipais e informações nos jornais que indicaram as origens e as atividades comerciais e laborais, o que
os indivíduos acima apresentados mostram pontualmente. Esse tipo de busca impõe alguns limites, uma
vez que alguns nomes são quase impossíveis de serem rastreados.
282
embarcações em circulação pela cidade.698 Não por um processo natural de ocupação de
espaços, mas pela construção e formação de redes de sociabilidade que tinham como
objetivo manter a hierarquização e a segregação, na qual aqueles com cor de pele branca
e com algum verniz de ilustração ocupavam os melhores postos de trabalho, reservando
àqueles homens ligados direta ou indiretamente à experiência da escravidão os espaços
menos qualificados, como originalmente demonstrou Gladys Sabina Ribeiro.699
Portanto, estamos falando de cidadãos oitocentista, o que significa dizer que eram
indivíduos que carregavam um conjunto de características que os habilitavam a exercer
plenamente os direitos políticos e civis previstos na Constituição, como ser proprietário
e ter uma renda mínima, podendo efetivamente votar e ser votado no processo eleitoral,
por exemplo. Processo esse que excluía escravizados e mulheres e limitava a inserção dos
libertos.700 E que não diferiu de outros espaços Atlânticos. Assim, temos indivíduos
acostumados com uma inserção no universo representativo e com os meandros do seu
comportamento político, vivenciados no acesso às instituições.
Diante disso, equalizar tais conflitos, frutos de disputas acirradas pela
“autoridade” nos ancoradouros fez da Capitania do Porto da Corte um lugar em que as
negociações com a Municipalidade e com os seus próprios agentes fosse constante, de
modo a possibilitar o andamento das questões cotidianas e dissolver as tensões diárias. O
Capitão do Porto tinha que lidar com os seus capatazes, a relação deles com outros
comerciantes e negociantes, a desse grupo com os remadores (os seus e os que exerciam
o ofício nas suas próprias embarcações), de todos eles com os fiscais e guardas municipais
e com a vereança, que resguardava a sua zona de poder e dos seus agentes. Uma dinâmica
de forças múltiplas e interconectadas que marcou historicamente a imagem da Capitania
do Porto da Corte.
698 Luiz Carlos Soares e Mary Karasch afirmam que os remadores eram negros escravizados dos donos das
embarcações, em sua maioria portugueses, ou alugados ao ganho para o serviço. Ver: KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). Tradução de Pedro Maria Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000 e SOARES, Luiz Carlos Soares. O “Povo da Cam” na Capital do Brasil: a
escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: Faperj/7Letras, 2007. Por sua vez, os
autores dão pouca ou nenhuma importância para os trabalhadores ditos livres, brancos ou “de cor” e as
hierarquizações e suas consequências oriundas desse quadro, pelo próprio recorte das suas pesquisas.
Aquela afirmação foi relativizada na dissertação. SANTOS JUNIOR, E. N. Op. Cit. 699 RIBEIRO, Gladys Sabina (2002). Op. Cit., p. 207. 700 DOLHNIKOFF, Miriam. Império e governo representativo: uma releitura. Cad. CRH, Salvador, vol. 21,
n. 52, p. 13-23, Abril-2008. Disponível em: http://dx.doi.org/ 10.1590/S0103-49792008000100002.
Acessado em: 26 nov. 2019, p. 15-16.
283
Diferente de outros estudos sobre o uso da Municipalidade na reivindicação de
direitos costumeiros, aqui observamos a Câmara Municipal em um outro lugar,
constrangida nas suas ações costumeiras por cidadãos que buscaram na novidade do
Regulamento de 1846; nas possibilidades que ele trazia de uso do espaço litorâneo e,
assim, fomentando a “interposição de poderes” que lhes favorecia ao acionar a instituição
que melhor atendia aos seus interesses, a Capitania do Porto da Corte.
Em outros momentos, ao longo da década de 1860 e 1870, tanto os cidadãos que
tinham interesses nas praias, como os vereadores retomaram os mesmos argumentos. Os
primeiros usando as licenças emitidas pela Capitania para garantirem o uso das praias. Os
segundos defendendo os seus direitos sobre a emissão delas e o controle dos ancoradouros
da cidade, exigindo que o capitão do Porto consultasse antes a Municipalidade. No que
tange à centralização do controle do litoral da Corte, a Câmara Municipal, representada
pelo seu corpo legislativo, e os cidadãos presentes nas praias da cidade foram fatores
decisivos tanto na percepção da necessidade de se aumentar o controle da região
portuária, quanto no insucesso de se fazer tal controle excluindo o poder local.
Ao mesmo tempo em que marcou a presença do Governo Imperial, efetivando o
controle sobre o litoral da Corte e a tentativa de redução do poder da Municipalidade, a
repartição da Marinha também representou outra possibilidade aos cidadãos do Rio de
Janeiro, a de reivindicar o uso sobre as praias de uma maneira mais flexível.
* * *
A entrada em cena da Capitania do Porto da Corte representou para os
trabalhadores, comerciantes e negociantes a oportunidade de se escapar da observação
estrita das posturas municipais empreendida pelos fiscais e guardas da Municipalidade,
ao mesmo tempo em que contribuiu para o rearranjo das relações de poder entre essas
personagens, ao potencializar as disputas entre elas.
A repartição e a sua delegacia precisavam constantemente exercer as prerrogativas
emanadas do Regulamento de 1846, estabelecendo limites à ocupação das praias e ao uso
indevido dos terrenos sob domínio do Estado, ao mesmo tempo em que reiterava a sua
autoridade sobre o assunto. As câmaras municipais da província, ciosas dos seus direitos
costumeiros de aforamento, foram assertivas na defesa do seu próprio entendimento em
284
confronto ou em parceria com o poder central. No caso da Corte, principalmente nos
primeiros anos em que essa questão se colocou mais nitidamente, a vereança não abriu
mão de confrontar a repartição da Marinha e o Ministério do Império para garantir o seu
exercício de poder. Em outra ponta, pequenos comerciantes, negociantes e companhias
de navegação recorriam a uma ou a outra para garantir os seus negócios e as suas margens
de lucratividade melhorando o acesso aos seus armazéns.
Mas nem tudo era disputa e conflito. Ao longo do período analisado, as duas
instituições também exerceram as suas atribuições de maneira conjunta e negociaram
entre si, com os ministérios e com os particulares o ordenamento do litoral carioca. Isso
ficou mais claro na década de 1860, com as disposições sobre os aforamentos dos terrenos
de marinhas que trouxeram um entendimento mais específico sobre o lugar de cada
instituição nesse processo. No que tange à ocupação das praias, fosse com tendas ou
barracas, pontes de atracação e os depósitos de materiais, a questão foi mais complexa e
exigiu uma boa dose de conciliação para dar conta das constantes reivindicações desses
espaços.
Importa, contudo, destacar que o Rio de Janeiro foi um caso especial. A
multiplicidade de interesses que a repartição teve que lidar na cidade eram próprios do
caráter de capital do Império brasileiro. Os ministérios estavam lá; era para lá que a
produção do recôncavo e das demais províncias era escoada; pela sua região portuária
passou a maior parte da renda nacional e um sem número de pessoas das mais variadas
origens; a cidade fazia parte das conexões com o Sul global Atlântico, Pacífico e Índico,
junto com a costa africana. Portanto, não é de admirar que os ancoradouros da cidade
fossem profundamente concorridos e neles as sobreposições de jurisdição ganhassem
novos significados e chegassem a níveis críticos de tensão.
285
CONCLUSÃO
Para algumas personagens coevas, a Capitania do Porto da Corte e Província do
Rio de Janeiro foi uma pedra colocada no meio de um caminho desenhado em linhas
costumeiras e, diante dela, ofereceram resistência tenaz. Para outras, essa mesma pedra
representou um desvio desse caminho, possibilitando a ressignificação das dinâmicas
sociais e políticas dos portos da província e, em especial, o da Corte. Desde a oposição
direta, passando pela relutância negociada até à intervenção desejada, ela teve papéis
diferentes de acordo com o tipo de interesse em jogo.
A repartição foi fruto do processo de consolidação do Império brasileiro através
de um movimento centrípeto político e administrativo que atravessou a sociedade ao
longo da segunda metade do Oitocentos. Tal movimento de centralização não foi uma
especificidade brasileira e estava subsumido no contexto de formação e consolidação dos
Estados-Nações. A inserção do Brasil no sistema de relações entre nações e do mercado
global, inerentes e necessários à própria expansão do capitalismo, demandou movimentos
políticos internos no sentido de criar as condições de controle sobre a circulação de
mercadorias. O movimento em direção ao poder central, com a reformulação do
arcabouço jurídico e das estruturas administrativas, bem como a tentativa deliberada de
redução das forças locais, não estavam somente ligados às questões políticas internas,
mas também a um contexto amplo, Atlântico, de transformações políticas, sociais,
culturais e econômicas, que exigiram das forças internas uma nova dinâmica social e a
ressignificação dos novos aparatos coercitivos.
Para tanto, a adaptação do discurso liberal foi fundamental para atender às
demandas externas e internas que surgiram a partir daí. Ao mesmo tempo em que se
defendia a liberdade do comércio, de livre pensamento e manifestação, de participação
popular através dos instrumentos representativos, aumentava-se a presença e a força do
Estado e do controle sobre a circulação de determinadas pessoas, de mercadorias, sobre
os trabalhadores mais diretamente e, de maneira específica, com relação aos portos,
daqueles que tinham algum ofício ligado ao setor naval. Tanto no Brasil, como em
Portugal, respeitando suas características internas e os seus processos políticos e sociais,
um movimento em direção ao centro foi colocado em marcha para o controle da
população mais pobre e a reafirmação de privilégios de classe. Se no Brasil, a escravidão
estruturava tais condições, em Portugal foram necessários outros argumentos para
286
justificar o controle e a exclusão das pessoas consideradas inaptas ao exercício dos
direitos civis e políticos.
Diante disso, foi possível demonstrar que, em ambos os países, a criação das
capitanias dos portos surgiu fruto de e em resposta a dois movimentos de inflexão política
e institucional relacionados à polícia das fronteiras marítimas. Um, na primeira metade
do século XIX, em consequência dos movimentos liberais e constitucionais da década de
1820, que redefiniram a relação do Estado brasileiro e português com a população e das
suas instituições e da maneira como a administração imperial seria feita. Essencialmente,
de maneira descentralizada, com a delegação de funções administrativas e judiciais aos
poderes locais com alguma função de polícia, em paralelo com os agentes do poder
central. Na segunda metade do século, assistiu-se à reforma de tais medidas, restringindo
a participação de comarcas, concelhos, províncias e municipalidades no que tange a tudo
que dizia respeito à polícia dos portos, especialmente os terrenos de marinhas aqui e o
recrutamento lá.
Entre esses dois grandes períodos, Brasil e Portugal foram sacudidos por revoltas
de contestação que mostraram para as suas elites políticas a necessidade de aumentar o
aparato coercitivo do Estado, de modo a garantir a continuidade dos projetos
conservadores em pauta. Os lusos reformaram a sua autoridade marítima, reiterando os
agentes do poder central sobre o controle dos portos, assim como redefiniram o
recrutamento de homens para a Armada portuguesa, os seus soldos e a sua hierarquia nos
primeiros meses de governo regenerador, de modo a garantir o aumento do contingente.
Os brasileiros reformaram o Código Criminal, o Ato Adicional de 1834 e a Lei de Terras;
organizaram um Código Comercial; extinguiram definitivamente o tráfico de
escravizados; criaram as capitanias dos portos e, também, reformaram o Ministério da
Marinha hierárquica e administrativamente, fortalecendo as decisões finais na figura do
ministro e, como do outro lado, buscou aumentar o efetivo naval.
Portanto, naquele momento de profundas mudanças, a criação das capitanias dos
portos surgiu, de ambos os lados do Atlântico, com uma grande expectativa relacionada
à organização e à normatização dos portos, junto com a possibilidade de formar um
contingente de reserva para a Marinha de guerra. No caso brasileiro, a análise dos
relatórios ministeriais juntamente com os do Capitão do Porto da Corte e os ofícios
relacionados ao cotidiano da administração, associados à documentação da
Municipalidade, demonstraram a distância entre aquela expectativa e a realidade de
287
atividades em que a repartição estava envolvida. A retórica ministerial de ineficiência e a
de constante desafios do capitão originavam-se de um sucessivo enfrentamento e
negociação deste frente à variedade de interesses que acionavam a Capitania.
A abrangência do Regulamento de 1846 foi uma das razões de tal multiplicidade
de personagens que se atravessaram na Capitania do Porto da Corte. Desde a matrícula
de marítimos, pescadores, carpinteiros e calafates, passando pelos faróis, currais de
peixes, cortes de madeira, resolução de conflitos entre mestres e capitães e suas
tripulações, chegando ao controle dos terrenos de marinhas e suas questões particulares,
os assuntos que tinha sob sua responsabilidade demandaram tempo, pessoal e esforço
“hercúleo” para colocar a frente tanto a repartição como todas as tarefas que lhe eram
afetas.
Contudo, a quantidade de atribuições não foi gratuita, pois o Regulamento de 1846
foi medida de normatização em nível nacional do funcionamento dos portos. Fazia-se
necessário, naquele momento, equalizar várias atribuições e dinâmicas de funcionamento
espalhados pela administração da Marinha que se relacionavam aos portos. Assim, seria
possível enfrentar as diferenças regionais que eram percebidas como um obstáculo à
ampliação de um setor estratégico para as rendas nacionais. A adequação do litoral
brasileiro às novas demandas internacionais era premente, assim como facilitar a
circulação por ele.
Por sua vez, esse esforço por uma regulamentação única deu-se a partir de uma
herança de Antigo Regime que sobrepunha jurisdições ao borrar as fronteiras entre elas,
fazendo com que o regulamento avançasse sobre as atribuições das polícias fiscais, civis,
de saúde e municipais, o que provocou disputas variadas, conflitos diversos e negociações
constantes entre a esfera central e a local. Sobreposições que provocavam uma
concorrência de poderes que, simultaneamente, abriram novas possibilidades de
reivindicação pelo uso das praias do Rio de Janeiro, tanto na capital do Império, como
em outros pontos da província.
Nesse sentido, a análise da criação e do funcionamento da Capitania do Porto da
Corte e dos diferentes interesses que tiveram nela um ponto de interseção, possibilitou
mostrar a importância dos atores sociais no processo de centralização do controle das
regiões portuárias da província e, em detalhe, na capital do Império. A aumento da
presença do Estado nos portos a partir dessa repartição mexeu com forças estabelecidas
costumeiramente, com redes de sociabilidade construídas e fortalecidas por exercícios de
288
poder político e econômico diários. Ao longo do período analisado, as capitanias dos
portos foram espalhadas pela costa brasileira através de um processo matizado pelas
negociações constantes com os diversos atores sociais presentes nela. Processo esse que
se fez presente em outras partes do litoral brasileiro. Dessa forma, a assunto não se esgota
aqui, pelo contrário, abre a possibilidade de investigação dos portos oitocentistas
brasileiros sob nova perspectiva.
Atores sociais esses que, na Corte ou no interior da província, provocaram a
concorrência de poderes entre a Marinha, o Império e a Justiça ao reivindicar os seus
direitos de isenções para o recrutamento. Conseguiram – ou tentaram – fora dos
instrumentos paternalistas e assumiram as suas agências a partir dos instrumentos
disponibilizados pela monarquia constitucionalista brasileira. Ou, na relação com a
instituição, formaram uma jurisprudência sobre o uso das praias do Rio de Janeiro que
atendiam aos seus interesses e que convergia para o entendimento da Capitania do Porto
da Corte. Foi possível aos catraieiros e outros barqueiros da cidade escapar da rigidez das
posturas municipais e complexificar a dinâmica de funcionamento da região portuária
carioca.
Por fim, as ações daquelas personagens formaram uma barreira que devia ser
ultrapassada diariamente pelo Governo Imperial. Uma barreira de cantaria ou de
alvenaria, como muitos ancoradouros da cidade. Ou seja, de pedras brutas ou lapidadas.
Isto é, de dificuldades impostas por ações populares de resistência simples e direta ou por
interferências elaboradas por jurisconsultos e ligações ministeriais e, também, por
requerimentos de dispensa de serviço para a guerra feitas por recrutados ou seus
familiares. A centralização administrativa das regiões portuárias foi um caminho aberto
em uma “floresta” repleta de interesses diversos e conflitivos, com pedras em tamanhos
e pesos distintos que ora exerceram forças de repulsão ora de atração; ora obstruíram ora
pavimentaram, sempre dependendo dos interesses que estavam envolvidos, interferindo
na extensão e no alcance daquele caminho.
289
REFERÊNCIAS
FONTES
Documentação Manuscrita
Arquivo da Marinha (Brasil)
Livro de registro de ofícios dirigidos à Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha –
1846-1859.
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ)
Série Embarcações, Códices:
57.3.11: Vários documentos a cerca do tráfego marítimo, pesca e venda de mercadorias -
1813-1903.
57.3.14: Viaçao Marítima e terrestre - 1818-1895.
57.4.11: Botes, lanchas, lanchoes, faluas, etc. - 1841-1893.
57.4.17; 57.4.21
Série Legislativo Municipal, Códices:
17.1.3: Câmara Municipal; atas das sessões de 18-3-1847 a 7-4-1849
Arquivo Histórico da Marinha (Portugal).
Fundo 247 – Códice 4-XXIX-5-5 (1ª FILA).
Fundo 253 a 255 – Códice 4-XXIX-5-5 (1ª FILA).
Fundo 260 – Códice 4-XXIX-9-1 (1ª FILA).
Fundo 261 – Códice 4-XXIX-9-1 (1ª FILA).
Arquivo Nacional
Série Marinha, Fundos:
IIIM-751: Ofícios da Capitania do Porto da Corte e Província do Rio de Janeiro - 1846-
1885.
IM-1400: 1ª Seção - Escrituração da receita geral da Pagadoria para ser entregue ao
Tesouro Nacional - 1859-1860.
XM-693: Ofícios da Inspeção do Arsenal - 1846.
XM-206: Conselho Naval; pareceres – 1858/junho 1859.
XM-238: 1ª e 3ª Seção - Capitanias dos Portos. Ofícios sobre a Corte - 1817-1857.
M-239: 1ª e 3ª Seção - Capitanias dos Portos. Ofícios sobre a Corte - 1817-1857.
XM-240: 1ª e 3ª Seção - Capitanias dos Porto. Ofícios sobre a Corte - 1866-1870.
XM-243: Capitanias dos Porto. Ofícios sobre a Corte – 1871-1876.
290
XM-251: Queixa contra o Chefe de Divisão Antonio Pedro de Carvalho, Capitão do
Porto, 31-01-1850.
XM-1072: 2ª seção - Ofícios sobre Capitanias dos Portos - 1859.
XM-1074: 2ª seção - ofícios sobre Capitanias dos Portos - 1861-1863 (1º trimestre)
XM-1075: 2ª seção - ofícios sobre Capitanias dos Portos - 1863, maio-agosto.
XM-1077: 2ª seção - ofícios sobre Capitanias dos Portos - 1865-1866, 1º trimestre.
XM-1092: 2ª seção - ofícios sobre Capitanias dos Portos - 1866, abril-dezembro.
XM-1094: XM-1094 - 2ª seção - ofícios sobre Capitanias dos Portos - 1867, janeiro-maio.
XM-1095: 2ª seção - ofícios sobre Capitanias dos Portos - 1867, julho-agosto.
XM-1096: 2ª seção - ofícios sobre Capitanias dos Portos - 1867, setembro-outubro.
XM-1097: 2ª seção - ofícios sobre Capitanias dos Portos - 1867, novembro-dezembro.
XM-1258: 2ª seção - ofícios sobre Capitanias dos Portos - 1864.
Juízo de Órfãos e Ausentes da 2ª Vara:
Número 1.853, Caixa 4.212
Série Juízo Especial do Comércio da 2ª Vara:
Número 2.731, Caixa 1538
Juízo Municipal da 1ª Vara do Rio de Janeiro:
Número 1.082, Maço 126
Pretoria do Rio de Janeiro, 8 (Freguesia de Santana):
Número 4594, Maço 1344
Documentação Impressa
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ)
Código de Posturas da Ilustríssima Câmara Municipal do Rio de Janeiro e Editais da
mesma Câmara, 1830 e 1838.
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BASTO, José Maria da Silva (Coord.). Repertório das ordens da Armada, desde 22 de
agosto de 1832 até 5 de maio de 1866. Parte I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1866.
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin – Acervo Digital
RIBEYROLLES, Charles. Brazil pittoresco: Historia, descripções, viagens, instituições,
colonisação. Acompanhado por álbum de vistas, panoramas, paisagens, costumes etc.,
etc., Tomos 1, 2 e 3. Rio de Janeiro, RJ: Typographia Nacional, 1859. Disponível em:
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04 de dezembro de 1860. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/343358/385.
Acessado em 21 nov. 2019.
Archivo Municipal, 04 de abril de 1861. Ata da Ilustríssima Câmara, 6ª Sessão em 27 de
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http://memoria.bn.br/DocReader/364568_04/4058. Acessado em: 26 nov. 2019.
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http://memoria.bn.br/DocReader/364568_04/8113. Acessado em: 26 nov. 2019.
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18 nov. 2019.
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26 nov. 2019.
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Coleção de Legislação Régia de Portugal – Acervo Digital
Regulamento geral das capitanias, serviço e polícia dos portos do reino e ilhas adjacentes.
Lisboa: Imp. Nacional, 1884.
Regulamento para a matrícula e recrutamento marítimo – Decreto de 25 de agosto de
1859.
Regulamento para a polícia do porto de Lisboa – Decreto de 02 de maio de 1831.
Regulamento geral para a polícia dos portos – Decreto de 30 de agosto de 1839.
Regulamento para o serviço dos Pilotos Práticos da Barra de Lisboa – Decreto de 28 de
agosto de 1839.
Regulamento reformando a Autoridade Marítima portuguesa – Decreto de 22 de outubro
de 1851.
Center of Research Libraries – Acervo Digital
Relatório do ano de 1844 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 6ª
Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1845.
294
Relatório do ano de 1845 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão 6ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1846.
Relatório do ano de 1846 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 4ª sessão 6ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1847.
Relatório do ano de 1847 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 7ª
Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1848.
Relatório do ano de 1848 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 4ª sessão da 8ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1849.
Relatório do ano de 1850 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 8ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1851.
Relatório do ano de 1851 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 4ª sessão da 8ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1852.
Relatório do ano de 1853 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 2ª sessão 9ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1854.
Relatório do ano de 1854 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1855.
Relatório do ano de 1855 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão 9ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856
Relatório do ano de 1862 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 11ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1863.
Relatório do ano de 1866 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 13ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867.
Relatório do ano de 1867 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 2ª sessão da 13ª
legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional.
Senado Federal – Acervo Digital
BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento. Dicionário bibliográfico brasileiro. Rio
de Janeiro, Tipografia Nacional, 1883. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/
item/id/221681. Acessado em: 05 fev. 2020.
Circular nº 219 de 20 de agosto de 1835. Circular sobre a maneira de estabelecer o foro
dos terrenos de marinha, e a preferência que reclamam nos aforamentos os confinantes e
fronteiros dos mesmos terrenos. Coleção das Leis do Império do Brasil. Decisões, 1835.
Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1864.
Decreto de 13 de janeiro de 1834. Dá Regulamento para os Arsenais da Marinha do
Império. Coleção das Leis do Império do Brasil. Parte Segunda. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1866.
Decreto nº 5 de 16 de junho de 1835. Concede a Câmara Municipal da cidade do Rio de
Janeiro, para o estabelecimento de mercados, praças, e logradouros públicos, os terrenos
de marinha que ela tem reclamado; e autoriza a mesma Câmara para mandar demarcar no
mangue da Cidade Nova o local para um canal, e as ruas que forem precisas, podendo
aforar o restante do terreno para edificações. Coleção das Leis do Império do Brasil. Parte
I, 1835. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1864.
295
Decreto A de 22 de junho de 1836. Mandando Observar nas Alfândegas do Império o
Regulamento anexo. Coleção das Leis do Império do Brasil. Parte II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional,1861.
Decreto de nº 351 de 20 de abril de 1844. Manda pôr em execução o Plano para a reforma
da Secretaria d'Estado dos Negócios da Marinha. Coleções das Leis do Império. Tomo
VI, Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1845.
Decreto nº 358 de 14 de agosto de 1845. Autoriza o governo a estabelecer Capitanias de
Portos nas Províncias marítimas do império. Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo
VII, Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1845.
Decreto nº 447 de 19 de maio de 1846. Manda pôr em execução o Regulamento para as
Capitanias dos Portos. Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo IX, Parte II. Rio de
Janeiro: Typographia Nacional, 1847.
Decreto nº 114 de 4 de janeiro de 1842. Reformando a Secretaria d'Estado dos Negócios
da Marinha, em virtude do Artigo trinta e nove da Lei nº 243 de 30 de Novembro do ano
passado. Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo V, Parte II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1843.
Decreto n° 1.465 de 25 de outubro de 1854. Manda observar várias disposições relativas
ao Corpo de Imperiais Marinheiros. Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo XVII,
Parte II, 1854. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1854.
Decreto n° 1.466 de 23 de outubro de 1854. Aumenta os soldos da Marinhagem, e dá
outras providências relativas a essas praças da Armada. Coleção das Leis do Império do
Brasil. Tomo XVII, Parte II, 1854. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1854.
Decreto nº 1.517 de 4 de Janeiro de 1855. Cria uma Companhia de Aprendizes
Marinheiros na Província do Pará, e manda observar o Regulamento respectivo.
Decreto nº 1.543 de 27 de Janeiro de 1855. Cria uma Companhia de Aprendizes
Marinheiros na Província da Bahia. Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo XVIII,
Parte II, 1855. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856.
Decreto nº 1.582 de 2 de abril de 1855. Manda que sejam matriculados nas Capitanias
dos Portos todos os Calafates e Carpinteiros de embarcações, que efetivamente exercerem
essas profissões. Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo XVIII, Parte II. Rio de
Janeiro: Typographia Nacional, 1856.
Decreto n° 1.591 de 14 de abril de 1855. Manda observar as Instruções por que deve ser
feito o alistamento de voluntários e de recrutas para o serviço da Armada. Coleção das
Leis do Império do Brasil. Tomo XVIII, Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1856.
Decreto nº 2.030, de 18 de novembro de 1857. Declara que o juízo comercial é o único
competente para o julgamento dos prejuízos e danos causados por abalroação dentro dos
portos do império e no alto mar. Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo XX, Parte
II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,1858.
Decreto nº 2.181 de 5 de junho de 1858. Aprova os Estatutos da Companhia de navegação
a vapor na baía do Rio de Janeiro e Niterói. Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo
XIX, Parte II, 1858.
Decreto nº 3.371 de 7 de janeiro de 1865. Cria Corpos de para o serviço de guerra em
circunstâncias extraordinárias com a denominação de – Voluntários da Pátria – estabelece
296
as condições e fixa as vantagens que lhes ficam competindo. Coleção das Leis do Império
do Brasil. Tomo XXVIII, Parte II, 1865. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1865.
Decreto nº 3.708, de 29 de setembro de 1866. Chama ao serviço da Marinha de guerra
1.600 indivíduos empregados na vida do mar, e matriculados nas Capitanias dos Portos,
em virtude do art. 64 do Regulamento e Decreto nº 447 de 19 de Maio de 1846. Coleção
das Leis do Império do Brasil. Tomo XXIX, Parte II, 1866. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1866.
Decreto nº 3.972 de 2 de outubro de 1867. Concede aos voluntários e aos Guardas
Nacionais designados para o serviço da guerra a gratificação de trezentos mil réis, sem
prejuízo das vantagens garantidas pelo Brasil. Coleção das Leis do Império do Brasil.
Tomo XXX, Parte II, 1867. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867.
Decreto nº 4.103 de 22 de Fevereiro de 1868. Regula a concessão dos terrenos de marinha,
dos reservados nas margens dos rios e dos acrescidos natural ou artificialmente. Coleção
das Leis do Império do Brasil. Tomo XXXI, Parte II, 1868. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1868.
Lei de 1º de Outubro de 1828. Dá nova forma às Câmaras Municipais, marca suas
atribuições, e o processo para a sua eleição, e dos Juízes de Paz. Título III, Posturas
Policiais. Coleção das Leis do Império do Brasil. Parte Primeira, 1828. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1878.
Lei nº 38 de 03 de Outubro de 1834. Orça a receita e fixa a despesa para o ano financeiro
de 1835-1836. Artigo 37, §1º e 2º. Índice Coleções das Leis do Império do Brasil.
Lei nº 556 de 25 de junho de 1850. Código Comercial do Império do Brasil. Coleção das
Leis do Império do Brasil. Tomo XVIII, Tomo II. Typographia Nacional: Rio de Janeiro,
1851.
Lei nº 874 de 23 de agosto de 1856. Cria na Capital do Império um Conselho Naval.
Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo XVII, Parte I. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional,1857.
LIMA, Pedro Moreira da Costa. Coleção de leis, provisões, decisões, circulares,
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MORAES, A. J. de Mello. História do Brasil-Reino e Brasil-Império. Tomo I. Typ. de
Pinheiro & C.: Rio de Janeiro, 1871. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/
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medição e demarcação dos terrenos de marinhas. Coleção das Leis do Império do Brasil.
Decisões, 1832. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875.
Portaria nº 103 – Império – 24 de Agosto de 1850. Declara que a Ilustríssima Câmara
Municipal desta cidade não deve conceder licença para se depositarem ou conservarem
madeiras e outros objetos nas praias e cais, sem aquiescência da Capitania do Porto.
Coleção das Leis do Império do Brasil. Decisões, tomo XIII, 1850. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1851.
Portaria nº 42 – Fazenda – 03 de Fevereiro de 1852. Não são considerados marinhas os
terrenos que, casual ou artificialmente, acresceram Às quinze braças contadas do lugar
297
onde chegam as marés médias. Coleção das Leis do Império do Brasil. Decisões, tomo
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309
ANEXO 1: QUADRO DE COMPOSIÇÃO DO CORPO DE MARINHEIROS
MILITARES DE PORTUGAL – 1851
Companhias de Embarque701 1ª 2ª
1º Comandante – 1º Tenente.......................................................................... 1 -
2º Comandante – 2º Tenente.......................................................................... - 1
Guardas Marinhas, ou Aspirantes de 1ª Classe.............................................. 1 1
Mestre............................................................................................................ 1 -
Contra Mestre................................................................................................ - 1
Sargento de Mar e Guerra.............................................................................. 1 -
Guardiães de número..................................................................................... 1 -
Condestável................................................................................................... 1 -
Corneteiro...................................................................................................... 1 -
1os Marinheiros.............................................................................................. 8 8
2os Marinheiros.............................................................................................. 10 8
1os Grumetes.................................................................................................. 12 12
701 Ibidem. Artigo 4.° As Companhias de embarque serão numeradas de uma até à vigésima segunda,
divididas, cada uma, em duas meias Companhias, denominadas lª e 2ª.
Estado-Maior
1º Comandante, Capitão de Mar e Guerra, ou de Fragata........................................ 1
2º Comandante, e Comandante da Companhia de Deposito, Oficial Superior....... 1
1º Ajudante, 1º Tenente........................................................................................... 1
2º Ajudante, 2º Tenente........................................................................................... 1
Quartel Mestre, 2º Tenente..................................................................................... 1
Secretário do Corpo e do Conselho Administrativo, 1º Oficial de Fazenda da
Armada...................................................................................................................
1
Cirurgião de 1ª Classe............................................................................................. 1
Cirurgião de 2ª Classe............................................................................................. 1
Capelão................................................................................................................... 1
Mestre de Esgrima.................................................................................................. 1
Total....................................................................................................................... 10
Estado-Menor
Subajudante, Guarda Marinha, ou Aspirante de 1ª Classe 1
Sub-Quartel Mestre, Aspirante a Oficial de Fazenda da Armada, de 1ª ou 2ª
Classe.....................................................................................................................
1
Mestre de música de instrumentos de latão............................................................ 1
Músicos que toquem os referidos instrumentos...................................................... 4
Total....................................................................................................................... 8
Oficiais de Manobra
1os Mestres.............................................................................................................. 8
2os Mestres.............................................................................................................. 16
Contra Mestres........................................................................................................ 24
Guardiães de número.............................................................................................. 48
Guardiães de nomeação.......................................................................................... 24
Total....................................................................................................................... 120
310
2os Grumetes.................................................................................................. 14 14
Total.............................................................................................................. 51 46
Companhia de Depósito
1º Comandante, que é o 2º Comandante do Corpo 1
2º Comandante, 1º Tenente..................................................................................... 1
2º Tenente............................................................................................. 1
Guardas Marinhas, ou Aspirantes de 1ª Classe 2
Contra Mestres............................................................................................. 1
Furriel............................................................................................. 1
Guardiães de número............................................................................................. 1
Guardiães de nomeação.......................................................................................... 1
1os Marinheiros............................................................................................. 25
2os Marinheiros............................................................................................. 25
1os Grumetes............................................................................................. 150
2os Grumetes............................................................................................. 150
Pajens............................................................................................. 100
Voluntários e recrutas............................................................................................. 100
Total 460
Artífices e Serventes
1os Engenheiros....................................................................................................... 4
2os Engenheiros....................................................................................................... 4
Fogueiros................................................................................................................ 24
Chegadores............................................................................................................. 14
Carpinteiros de Machado........................................................................................ 24
Calafates................................................................................................................. 12
Coronheiro.............................................................................................................. 1
Serralheiros............................................................................................................. 12
Total...................................................................................................................... 95 Fonte: Coleção de Legislação Régia. Decreto de 22 de outubro de 1851, p. 377-384.
311
ANEXO 2: EMPREGADOS DA CAPITANIA DO PORTO DA CORTE –
1846-1874
Nome Militar ou
Civil
Período Permanente ou Interino
Capitão do Porto e Inspetor do Arsenal
Antônio Pedro de Carvalho Militar 1846 -1850 Permanente
Joaquim José Ignacio Militar 1851-1852 Permanente
Capitão do Porto
Pedro Ferreira d’Oliveira Militar 1852-1853 Permanente
Joaquim Marques Lisboa Militar 1853-1856 Permanente
Guilherme Parker Militar 1856-1857 Permanente
Antônio Felix Corrêa de Mello Militar 1857-1874 Permanente
Rodrigo Antônio de Lamare Militar 1875-1876 Permanente
Elisário José Barbosa Militar 1877-1879 Permanente
Ajudante
Rafael Lopes Anjos Militar 1846 -1847 Interino
Antônio Felix Corrêa de Mello Militar 1847-1854 Permanente
Candido José Ferreira Militar 1855-1856 Permanente
Marcos José Evangelista Militar 1856-1857 Permanente
Antônio Benedicto Orozimbo Xavier de
Azevedo
Militar 1857-1858 Permanente
José Manoel Picanço Costa Militar 1859-1868 Permanente
José Severo Moreira Rios Militar 1868-1869 Interino
Camillo Lelis e Silva Militar 1871-1872 Permanente
Pedro Thomé de Castro Araújo Militar 1873-1875 Permanente
Rodrigo José da Rocha Militar 1876-1880 Permanente
Secretário
Pedro Maria d’Azevedo Souto Maior Militar 1846 -1850 Permanente
José Rodrigues Prego Civil 1851-1880 Permanente
Substituto do Secretário
Arsênio José Ferreira Civil 1849-1856 Permanente
Substituto do empregado substituto do secretário
José Serapião dos Santos e Silva Civil 1850-1852 Permanente
312
Escrevente702
José Baptista Quintanilha Civil 1870-1880 Permanente
Delegado da Capitania em Campos
Gabriel Ferreira da Cruz Civil 1849-1854 Permanente
Ernesto Alves Branco Muniz Barreto Militar 1855-1862 Permanente
Francisco Manoel da Silva Guimarães Militar 1863-1864 Interino
Antonio Lopes Mesquita Militar 1864-1865 Interino
Cypriano Bazilio Gonçalves Militar 1866-1880 Permanente
Delegado da Capitania em Cabo Frio
Jacintho Alves Branco Muniz Barreto Militar 1849-1850 Permanente
Jacintho Alves Branco Muniz Barreto Militar 1851-1862 Permanente
José Bernardo Gomes Militar 1866-1871 Interino
Antonio Xavier Ramos Militar 1872-1879 Permanente
Diretor do Farol da Ilha Rasa e comandante das barcas de socorro naval
Francisco Ferreira dos Santos Militar 1851-1862 Permanente
José Severo Moreira Rios Militar 1870 Interino
Camillo Lelis e Silva Militar 1871-1872 Permanente
Pedro Thomé de Castro Araújo Militar 1873-1875 Permanente
Rodrigo José da Rocha Militar 1873-1875 Permanente
Encarregado do recrutamento de homens para a Armada
Antonio Velloso Militar 1850-1856 Permanente
João Pedro Soares Reis Militar 1856-1872 Permanente
Joaquim José de Sant’Anna Militar 1873-1877 Permanente
Encarregado das diligências
Joaquim Antonio de Souza Civil 1849-1850 Permanente
Augusto Cesar Tuli Civil 1851-1865 Permanente
Angelo Francisco Gomes Civil 1851-1852 Interino
José Feliciano de Mello Civil 1851-1856 Permanente
Joaquim João Xavier Civil 1856-1863 Permanente
Francisco Maria Moreira de Queiroz Civil 1864-1880 Permanente
José Francisco Coelho Civil 1866-1880 Permanente
Fiel do depósito das madeiras em Campos
José Antonio de Souza, filho Civil 1850-1853 Permanente
702 Esta ocupação aparece no Almanaque Laemmert desde 1863, mas sem informação do ocupante.
313
Servente703
Eugenio Domingos Antonio de Azevedo Civil 1875-1880 Permanente
José Bandeira Civil 1873-1873 Interino
Custodio Pinto de Carvalho Civil 1874-1874 Interino
Fonte: LAEMMERT, Eduardo; LAEMMERT, Henrique. Almanak Administrativo Mercantil e
Industrial da Corte e da Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Em casa dos Editores
proprietários E. e H. Laemmert, 1846-1874.
703 Esta ocupação aparece no Almanaque Laemmert desde 1863, mas sem informação do ocupante.
314
ANEXO 3: PORCENTAGEM DOS ENGAJADOS – 1867
Inglaterra 87 33,9%
Prússia 30 11,7%
Brasil 24 9,3%
Estados Unidos 22 8,6%
Portugal 15 5,8%
Suíça 10 3,9%
Manila (Filipina) 8 3,1%
Hamburgo 7 2,7%
Alemanha 5 1,9%
Itália 5 1,9%
Dinamarca 4 1,6%
Espanha 4 1,6%
França 4 1,6%
Grécia 4 1,6%
Holanda 4 1,6%
Oriental 4 1,6%
Africano 3 1,2%
Áustria 3 1,2%
Bélgica 3 1,2%
Bremem 2 0,8%
Malta 2 0,8%
Chile 1 0,4%
Haiti 1 0,4%
Irlanda 1 0,4%
Peru 1 0,4%
Valparaíso 1 0,4%
Não identificado 2 0,8%
Total 257 100% Fonte: Elaboração própria. AN – SE,. XM-1096 e 1097.
315
ANEXO 4: PESCADORES CHAMADOS PARA O SERVIÇO DA ARMADA – 1866
Dia Número Nomes Idade Naturalidade Por quem
remetidos
Para onde
enviados Observações
24 1 Angelo José do Espírito
Santo 25 Niterói
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Foi julgado
incapaz do
serviço
24 2 Alexandrino José do
Espírito Santo 19 Niterói
Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
24 3 Henrique Espínola da
Silva 18
Rio Grande do
Sul
Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
24 4 Balduino Soares Freitas 58 Niterói Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
24 5 Manoel José Ribeiro 22 Niterói Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
25 6 José Messias Luiz dos
Santos 44 Niterói
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Apresentou
isenção legal
25 7 Marcelino José do
Nascimento 36
Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
25 8 Emigdio João Baptista 20 Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Foi julgado
incapaz do
serviço
25 9 Francisco Cordovil de
Siqueira 27
Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Dispensado por
proprietário
25 10 Joaquim Leite Pereira
Silva 41
Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Dispensado por
casado
25 11 Aniceto José da Silva 51 Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Dispensado por
maior de 50 anos
26 12 João José Pereira 44 Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Dispensado por
maior de 40 anos
27 13 Joaquim Justiniano 57 Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Dispensado por
maior de 50 anos
28 14 José Joaquim Marques 45 Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Dispensado por
maior de 40 anos
e doente
29 15 João José Vieira 25 Rio de Janeiro Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
29 16 José Dias Soares 19 Rio de Janeiro Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Deu um
substituto por si
29 17 João Antonio Lopes M. 22 Rio de Janeiro Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Posto em
liberdade
29 18 Francisco José Borges 20 Rio de Janeiro Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Posto em
liberdade
316
29 19 Eloy Francisco de
Oliveira 23 Rio de Janeiro
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Posto em
liberdade
29 20 João Lopes Marinho 33 Rio de Janeiro Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Posto em
liberdade
29 21 Henrique Lopes
Marinho 32 Rio de Janeiro
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Posto em
liberdade
29 22 Antonio José Vieira 35 Rio de Janeiro Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Posto em
liberdade
29 23 Manoel José da Silva 41 Pernambuco Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
29 24 Feliciano José d'Alves 31 Rio de Janeiro Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
29 25 Joaquim M. ??? 39 Itaipú Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
29 26 Manoel Filippe Martins 26 Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Apresentou
insenção legal
29 27 Francisco José Alves 23 Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
1 28 Eleutério Luis Teixeira 20 Jurujuba Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
2 29 Antonio da Conceição 58 Paraty Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
2 30 Igancio Francisco de
Lima 21 Laguna
Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
2 31 Manoel Theodoro de
Barros 22 Paraty
Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
9 32 Antonio Tenorio da
Silva 81
Ilha do
Governador
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Dispensado pela
sua idade
9 33 João Caetano do Amaral 44 Rio de Janeiro Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Apresentou
insenção legal
13 34 Antonio Bernardo de
Oliveira 25 Cabo Frio
Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
13 35 Luis Antonio dos Santos 19 Cabo Frio Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
13 36 leandro Manoel
Cardoso 20 Cabo Frio
Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
13 37 Manoel Rafael Gomes 22 Cabo Frio Polícia da
Província
Fragata
Constituição Sem justificação
14 38 Felix Ignacio Botelho 47 Corte Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Dispensado por
ser aleijado
317
3 39 Leocadio José dos
Santos 44 Lagoa
2º
Alistamento
Fragata
Constituição
Apresentou
insenção legal
5 40 Joaquim Pedro da Silva
Guimarães 30 Rio de Janeiro
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Deu um
substituto por si
5 41 Antonio Carlos
Gonçalves 29 Rio de Janeiro
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Deu um
substituto por si
7 43 Gervasio Theodoro da
Silva 15 Rio de Janeiro
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Deu um
substituto por si
20 44 Manoel José Teixeira 27 Irajá Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Deu um
substituto por si
20 45 Carlos Augusto de
Gusmão 17 Rio de Janeiro
Polícia da
Província
Fragata
Constituição
Deu um
substituto por si
Fonte: Elaboração própria. AN – SM, XM-240.
318
ANEXO 5: EMPREGADOS DA SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS
DA MARINHA – 1844
Ministro de Estado................................... Joaquim José rodrigues Torres
Oficial Maior704......................................... Conselheiro Manoel Carneiro de
Campos
Oficiais705.................................................... Dionizio de Azevedo Peçanha
Antonio Ferreira dos Santos Azevedo
Luiz Joaquim nogueira da gama
Antonio José da Silva
Joaquim da Silva Diniz
Dr. José Barboza de Oliveira
Amanuenses............................................... Amaro Velho Ferreira da Veiga
Augusto Cezar de Castro Menezes
José Joaquim da Cruz Filho
Francisco Vespasiano Tito Soares
Candido de Azevedo Coutinho
José Remigio de Sena Pereira
704 “[..] §1º. Dirigir e inspecionar todos os trabalhos de fazer manter a boa ordem e regularidade do serviço,
admoestando civilmente aos desse descomedirei e não forem cuidadosos dos seus deveres, dando, em caso
de reincidência, parte ao Ministro e Secretário de Estado para resolver o que for conveniente.
§2º. Dar todas as informações que exigir o ministro, e mandar passar, sem dependência de despacho, as
certidões que foram pedidos, e possam ser lavradas sem inconveniente.
§3º. Fazer toda a correspondência reservada e ter debaixo de sua guarda, em boa arrecadação e ordem todos
os papéis de registro dos negócios desse expediente.
§4º. Assinar todos os vistos, que se lançou dos Passaportes, os quais, bem como os Passes, continuaram a
ser acessados pelo Ministro e Secretário de Estado. §5º. Exigir, em nome do Ministro, de todas as Autoridades do Arsenais de Marinha, e Intendências, quer
dar Corte, quer das Províncias, informações sobre objetos relativos ao expediente da Secretaria, para que
anexando a tais informações os esclarecimentos, que dependam da mesma Secretaria, e as reflexões que
julgar conveniente, subam os negócios assim instruídos à presença do Ministro, para poder à vista de tudo
dar a sua decisão com perfeito conhecimento de causa.
§6º. Lançar todos os despachos enriquecimentos de partes, que devam ser assinados pelo Ministro e
Secretário de Estado.
Ter debaixo de sua inspeção toda a receita de dinheiros da Secretaria, tanto do que for relativo a
emolumentos, como do importe dos pergaminhos dos Passaportes pagos pelas Partes; e bem assim toda a
despesa que se fizer pela respectiva Folha. Para este expediente será nomeado um Oficial da Secretaria para
receber os dinheiros e outro que lhe sirva de Escrivão [...]. §8º. Autenticar com a sua firma todo o expediente da Secretaria, que não for da assinatura do Ministro.
§9º. Mandar comprar pelo Porteiro, ou por pessoa da sua confiança, tudo quanto for necessário para o
expediente da Secretaria, de maneira que nada lhe falte ao regular andamento dos seus trabalhos.
§10º. O Oficial Maior deverá a juntar quaisquer papéis, despachos, Ofícios, ou requerimentos, que possam
ter relação com a pretensão que se houver de apresentar ao Ministro, e ainda quando a não tenham, se o seu
conhecimento puder concorrer para a boa decisão do negócio.” Ibidem. 705 “Art. 12. Os Oficiais da Secretaria, e mais Empregados dela executarão escrupulosamente todas as
ordens que forem relativas aos trabalhos, e expedientes da Secretaria d’Estado; terão sempre me dia a
escrituração, de que forem incumbidos: serão responsáveis por todos os erros que cometerem no
desempenho de suas obrigações.” Ibidem.
319
Cartorário706............................................... José Maria da Costa Mattos
Ajudante Cartorário707.............................. Francisco Jezuino da Silva
Porteiro708................................................... Manoel Luiz Affonso de Castello
Ajudante Porteiro..................................... Manoel Rodrigues da Silva
Contínuo709................................................. Gabriel Pinheiro de Aguiar
Correios..................................................... Antonio José Campos
Francisco Pinheiro Furtado
José Ignacio da Penha
Joaquim das Neves
Fonte: LAEMMERT, Eduardo; LAEMMERT, Henrique. Almanak Administrativo Mercantil e Industrial
da Corte e da Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Em casa dos Editores proprietários E. e H.
Laemmert, 1844. p. 109-110. BRASIL. Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo VI. Parte I. Rio de
Janeiro: Typographia Nacional,1845. Decreto de nº 351 de 20 de abril de 1844.
706 “Art. 13. O Cartorário terá a seu cargo todos os papeis e livros da Secretaria já concluídos, e bem assim
a sua Livraria: não dará fora livro algum, e mesmo qualquer papel, sem ordem do Oficial Maior; terá um
livro, onde lançará tudo quanto sair do Cartório, declarando por porque ordem saiu e qual o destino, e
quando tornar a entrar, fará no assento da saída a competente declaração de entrada. Os Ofícios e mais
papeis do ano findo serão emassados, contendo cada maço o inventário do que nele existe: [...]” 707 “Art. 14. [...] lançará no Livro da Porta todo o expediente de Partes; fará todo o mais trabalho de que for
incumbido; e no impedimento do Cartório o substituirá.” 708 “Art. 15. O Porteiro e seu Ajudante terão a seu cargo a guarda da Secretaria d’Estado; responderão pelos
livros e papeis em serviço; terão todo cuidado na limpeza dos moveis e casas da Secretaria d’Estado; selarão
os Diplomas, e mais papeis que levarem selo; terão sempre providas de todo o necessário as mesas dos
Oficiais; receberão todos os recados das Partes para transmitirem a quem forem dirigidos, e as tratarão
sempre com a maior urbanidade; e comprarão, por ordem do Oficial Maior, tudo quanto for necessário para
o expediente da Secretaria.” 709 Ibibem. “Art. 16. [...] desempenhará tudo quanto lhe for ordenado relativamente ao serviço interior da
Secretaria d’Estado.”
320
ANEXO 6: ORÇAMENTO DA CÂMARA MUNICIPAL DO ANO 1850-1851
Art. 1º É orçada a receita da Câmara Municipal da Corte para o ano aqui este
decreto se refere, proveniente dos objetos constantes dois seguintes
parágrafos, da quantia de duzentos e dezoito contos e seiscentos e vinte e
seis mil e duzentos réis....................................................................................
218:626$2000
§1º Imposto de patente sobre o consumo de aguardente................................. 59:900$000
§2º Imposto sobre a importação de bebidas espirituosas................................ 26:000$000
§3º Imposto de polícia..................................................................................... 23:000$000
§4º Foros de armazéns..................................................................................... 1:600$000
§5º Foros de tavernas....................................................................................... 1:000$000
$6º Foros de quitandas.................................................................................... 75$000
§7º Foros de carros.......................................................................................... 200$000
§8º Foros de carroças....................................................................................... 1:500$000
§9º Foros de terrenos da Câmara.................................................................... 200$000
§10. Foros de terrenos de marinhas e mangues............................................... 3:700$000
§11. Arrendamentos de terrenos de marinhas.................................................. 4:000$000
§12. Laudêmios de terrenos da Câmara .......................................................... 9:000$000
§13. Laudêmios de terrenos de marinhas......................................................... 600$000
§14. Emolumentos de alvarás, termos e registros............................................ 11:000$000
§15. Indenização por medições de terrenos de marinhas e mangues................ 100$000
§16. Arruações................................................................................................ 800$000
§17. Juros de apólices da dívida pública.......................................................... 600$000
§18. Prêmios de depósitos............................................................................... 60$000
§19. Rendimento de talhos.............................................................................. 60$000
§20. Rendimento de aferições......................................................................... 7:200$000
§21. Rendimento da praça do Mercado.......................................................... 28:000$000
§22. Gratificação de vender peixe pela cidade................................................ 180$000
§23. Gratificação de naturalizações................................................................. 51$200
§24. Gratificação de festividades.................................................................... 400$000
§25. Produto de gêneros vendidos................................................................... -
§26. Donativos................................................................................................ -
§27. Multas policiais....................................................................................... 2:000$000
$28. Multas por infração de posturas............................................................... 28:000$000
§29. Restituições e reposições........................................................................ 200$000
321
Fonte: LAEMMERT, Eduardo; LAEMMERT, Henrique. Almanak Administrativo Mercantil e Industrial da Corte e da Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Em casa dos Editores proprietários E. e H.
Laemmert, 1851, p. 212. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/4201. Acessado em: 18
nov. 2019.
§30. Cobrança da dívida ativa......................................................................... 1:200$000
Rendas com aplicação especial....................................................................... -
§31. Rendimento do matadouro...................................................................... 16:000$000
§32. Sobras do ano findo................................................................................. -
322
ANEXO 7: ORÇAMENTO DA CÂMARA MUNICIPAL DO ANO 186-1861
Art. 1º É orçada a receita da Câmara Municipal da Corte para o ano aqui este
decreto se refere, na quantia de seiscentos e sessenta e seis contos
quatrocentos e catorze mil réis........................................................................
666:414$2000
§1º Imposto de patente sobre o consumo de aguardente................................. 76:000$000
§2º Imposto sobre a importação de bebidas espirituosas................................ 60:000$000
§3º Imposto de polícia..................................................................................... 22:000$000
§4º Imposto de seges, carros, carroças etc....................................................... 100:000$000
§5º Imposto de licenças a mascates................................................................. 22:000$000
§4º Foros de armazéns..................................................................................... 2:500$000
§5º Foros de tavernas....................................................................................... 1:500$000
$6º Foros de quitandas.................................................................................... 60$000
§7º Foros de carros.......................................................................................... 150$000
§8º Foros de carroças....................................................................................... 3:000$000
§9º Foros de terrenos da Câmara.................................................................... 6:000$000
§10. Foros de terrenos de marinhas e mangues............................................... 6:000$000
§11. Arrendamentos de terrenos de marinhas.................................................. 5:000$000
§12. Laudêmios de terrenos da Câmara .......................................................... 60:000$000
§13. Laudêmios de terrenos de marinhas......................................................... 12:000$000
§14. Emolumentos de alvarás de casas de negócio etc..................................... 55:000$000
§15. Indenização por medições de terrenos de marinhas e mangues................ 200$000
§16. Arruações................................................................................................ 1:800$000
§17. Juros de apólices da dívida pública.......................................................... 804$000
§18. Prêmios de depósitos............................................................................... 1:200$000
§19. Rendimento de talhos.............................................................................. 300$000
§20. Rendimento de aferições......................................................................... 10:600$000
§21. Rendimento da praça do Mercado.......................................................... 60:000$000
§22. Imposto da venda de peixe pela cidade................................................... 500$000
§23. Imposto das naturalizações...................................................................... 300$000
§24. Imposto de licenças para festividades...................................................... 400$000
§25. Produto de gêneros vendidos................................................................... 500$000
§26. Donativos................................................................................................ 20:000$000
§27. Multas policiais....................................................................................... 4:000$000
$28. Multas por infração de posturas............................................................... 50:000$000
323
Fonte: LAEMMERT, Eduardo; LAEMMERT, Henrique. Almanak Administrativo Mercantil e Industrial da Corte e da Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Em casa dos Editores proprietários E. e H.
Laemmert, 1860, p. 247. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/16292. Acessado em:
18 nov. 2019.
§29. Restituições e reposições........................................................................ 500$000
§30. Cobrança da dívida ativa, inclusive foros vencidos................................. 11:000$000
§31. Rendimento do matadouro...................................................................... 64:000$000
§32. Rendimentos da ponte da praia dos Mineiros.......................................... -
§35. Locação de terrenos nas praças para toldos volantes............................... 6:000$000
§36. Investiduras de terrenos ganhos para arruamentos................................... 1:000$000
§37. Carimbos de carroças.............................................................................. 500$000
§38. Aluguies dos próprios nacionais.............................................................. 500$000
§39. Gratificações dos despachantes............................................................... 500$000
§40. Jornais dos africanos................................................................................ -
§41. Saldo existente no Banco Rural............................................................... -
325
ANEXO 9: MINISTROS DA MARINHA – 1840-1870
710 Promovido tenente-coronel em 1847, coronel em 1854, brigadeiro em 1857 e reformado como marechal de campo em 1864. Foi deputado; presidente das províncias do Ceará (1837), Maranhão
(1839), Alagoas (1840) e São Paulo (1843); Ministro da Guerra (1848-52), da Fazenda (1853), e da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (1861). 711 Oficial do exército português até 1814, dedicou-se à advocacia quando veio para o Brasil; foi juiz de fora na Vila Real da Praia Grande (atual Niterói) e, posteriormente, na cidade do Rio de
Janeiro. Eleito deputado várias vezes, foi Ministro do Império (1828) e da Guerra (1829 e 1841).
Nome Gabinete Militar/civil Período Permanente
ou interino Outros cargos civis
Título de
grandeza Partido
Jacintho Roque de Sena
Pereira 02 de maio de 1840 Militar
16/04/1839 -
23/05/1840 Permanente - - -
Joaquim José Rodrigues
Torres 18 de maio de 1840 Civil
23/05/1840 -
23/07/1840 Interino
Conselheiro de
Estado; Senador;
Ministro da Fazenda
Visconde de
Itaboraí Conservador
Antônio Francisco de Paula
e Holanda Cavalcanti de
Albuquerque
22 de julho de 1840 Militar 24/07/1840 -
23/03/1841 Permanente
Conselheiro de
Estado; Senador;
Ministro da Fazenda
Visconde de
Albuquerque Liberal
Francisco Vilela Barbosa 27 de março de 1841 Militar 23/03/1841 -
26/08/1842 Permanente
Senador; Ministro da
Guerra e dos
Estrangeiros710
Marquês de
Paranaguá Conservador
José Clemente Pereira 27 de março de 1841 Civil 26/08/1842 -
13/09/1842 Interino
Conselheiro de
Estado; Senador;
Ministério da
Guerra711
- Conservador
Francisco Vilela Barbosa 27 de março de 1841 Militar 13/09/1842 -
20/01/1843 Permanente
Senador; Ministro da
Guerra e dos
Estrangeiros
Marquês de
Paranaguá Conservador
Joaquim José Rodrigues
Torres 18 de maio de 1840 Civil
20/01/1843 -
24/01/1843 Interino
Conselheiro de
Estado; Senador;
Ministro da Fazenda
Visconde de
Itaboraí Conservador
326
Salvador José Maciel 20 de janeiro de
1843 Militar
24/01/1843 -
02/02/1843 Interino Ministro da
Guerra712 - -
Joaquim José Rodrigues
Torres
20 de janeiro de
1843 Civil
02/02/1843 -
02/02/1844 Permanente
Conselheiro de
Estado; Senador;
Ministro da Fazenda
Visconde de
Itaboraí Conservador
Jerônimo Francisco
Coelho
20 de janeiro de
1843 Militar
02/02/1844 -
23/05/1844 Interino
Presidente de
Província do Pará e
Rio Grande do Sul
- Liberal
Antônio Francisco de
Paula e Holanda
Cavalcanti de
Albuquerque
2 de fevereiro de
1844 Militar
23/05/1844 -
29/03/1847 Permanente
Conselheiro de
Estado; Senador;
Ministro da Fazenda
Visconde de
Albuquerque Liberal
João Paulo dos Santos
Barreto 2 de maio de 1846 Militar
20/03/1847 -
29/04/1847 Interino
Conselheiro de
Estado; Ministro da
Guerra713
- Liberal
Antônio Francisco de
Paula e Holanda
Cavalcanti de
Albuquerque
2 de maio de 1846 Militar 29/04/1844 -
17/05/1847 Permanente
Conselheiro de
Estado; Senador;
Ministro da Fazenda
Visconde de
Albuquerque Liberal
João Paulo dos Santos
Barreto 2 de maio de 1846 Militar
17/05/1847 -
22/05/1847 Interino
Conselheiro de
Estado; Ministro da
Guerra
- Liberal
Cândido Batista de
Oliveira 22 de maio de 1847 Civil
22/05/1847 -
09/03/1848 Permanente
Senador; Ministro
dos Negócios
Estrangeiros e
Fazenda;
- Liberal
Manuel Felizardo de
Sousa e Mello 8 de março de 1848 Civil
09/03/1848 -
14/05/1848 Interino
Conselheiro de
Estado; Presidente
de Província do
Ceará, Maranhão e
Rio de Janeiro
- Conservador
712 Marechal de campo. 713 Marechal de campo.
327
714 Teve praça de cadete de artilharia com três anos de idade [sic]; em 1821, matriculou-se na Real Academia Militar; promovido a 2º tenente em 1823, major em 1837, tenente-coronel em 1842,
coronel em 1844, brigadeiro em 1852, e, posteriormente, a marechal de campo. Foi encarregado de negócios do Brasil no Paraguai (1848-51), diretor da Escola Central (1858-60) e Ministro da
Guerra (185 e 1862).
Joaquim Antão Fernandes
Leão
31 de maio de 1848 Civil
14/05/1848
-
29/09/1848
Permanente
Senador; Presidente
de Província do Rio
Grande do Sul e Bahia
- Liberal
Manuel Felizardo de
Sousa e Mello
29 de setembro de
1848 Civil
29/09/1848
-
23/07/1849
Interino
Conselheiro de
Estado; Presidente de
Província do Ceará,
Maranhão e Rio de
Janeiro
- Conservador
Manuel Vieira Tosta 29 de setembro de
1848 Civil
23/07/1849
-
11/05/1852
Permanente
Presidente de
Província de Sergipe,
Pernambuco, Ministro
da Justiça
Barão de
Muritiba Conservador
Zacarias Góis e
Vasconcelos
8 de outubro de
1849 Civil
11/05/1852
-
06/09/1853
Permanente
Senador; Ministro da
Justiça, Império e
Fazenda
- Liberal
Pedro de Alcântara
Bellegarde
6 de setembro de
1853 Militar
06/09/1853
-
15/12/1853
Interino
Conselheiro de
Estado; Ministro da
Guerra714
- Conservador
328
715 Barão em 1871 e depois Visconde do Rio Branco. Ingressou na Escola da Marinha em 1836, sendo nomeado guarda-marinha no fim do curso; em 1841, matriculou-se na Escola Central (mais
tarde Politécnica, e hoje, Engenharia), onde se formou, dedicando-se a seguir ao magistério. Em 1843, foi promovido 2º tenente no quadro de engenheiros militares. Foi deputado provincial e geral,
presidente da província do Rio de Janeiro (1847 e 1858), Ministro residente em Montevideo (1852-53), Ministro dos Estrangeiros (1855-56), da Guerra (1858) e da Fazenda (1861); senador (1863),
diretor da Escola Politécnica (1874). 716 Cursou a Academia de direito de Olinda, onde foi colega de Zacarias de Góis. Exerceu os. Argos de curador de órfãos, juiz municipal, juiz de Direito e juiz dos direitos da Fazenda. Engajou-se
na política alistando-se no Partido Conservador, onde fez carreira. Foi Chefe de Polícia da província da Bahia (1852), Senador (1856), Ministro da Fazenda (1856 e 1875) e dos Estrangeiros (1869,
1875 e 1885), Presidente do Senado (1882-1885) e do Banco do Brasil.
José Maria da Silva
Paranhos
6 de setembro de
1853 Civil
15/12/1853
-
14/06/1855
Permanente
Conselheiro de
Estado; Senador;
Ministro de Negócios
Estrangeiros, Guerra e
Fazenda715
Visconde do Rio
Branco Conservador
João Maurício Wanderley 6 de setembro de
1853 Civil
14/06/1855
-
08/10/1856
Permanente
Conselheiro de
Estado; Senador;
Presidente da
Província da Bahia;
Ministro Império,
Fazenda e dos
Negócios
Estrangeiros716
Barão de
Cotegipe Conservador
José Maria da Silva
Paranhos
8 de outubro de
1856 Civil
08/10/1856
-
04/05/1857
Permanente
Presidente do
Conselho de
Ministros; Senador;
Ministro de Negócios
Estrangeiros, Guerra e
Fazenda
Visconde do Rio
Branco Conservador
329
717 Cursou a Faculdade de Direito de São Paulo, foi juiz municipal, deputado provincial e geral; presidente das províncias do Piauí (1851), Alagoas (1853), São Paulo (1854) e Pernambuco (1859); Ministro do Império (1861), dos Estrangeiros (1865), da Guerra; senador (1867). 718 Veio para o Brasil em 1808; cursou Direito na Universidade de Coimbra (1815); foi Juiz de Fora e ouvidor de comarca em Minas Gerais, deputado geral, duas vezes Presidente da Província de
Minas Gerais (1833 e 1834), Ministro da Justiça (1835 e 1840), Ministro interino do Império (1835 e 1836), dos Estrangeiros (1836, 1844, 1848 e 1853), e da Fazenda (1855); Ministro do Supremo
Tribunal Federal de Justiça (1846); Senador (1847); enviado extraordinário e ministro plenipotenciário junto ao governo argentino (1855). 719 Cursou a Academia de Direito de Olinda; foi suplente de juiz municipal, promotor público e juiz de direito em Pernambuco; chefe de polícia das províncias do Piauí e de Alagoas; presidente
das províncias da Paraíba (1854), Ceará (1855), Maranhão (1857) e Bahia (1858); deputado geral; Inspetor da Alfândega do Rio de Janeiro (1863); Ministro dos Estrangeiros (1864); Senador
(1864). 720 Chefe de Esquadra. Barão (1867). Visconde (1869). Veio para o Brasil em 1810; cursou a Real Academia de Guardas-Marinha (1822), sendo nomeado guarda-marinha em 1823. Promovido a
2º tenente em 1825, a 1º tenente em 1829, capitão-tenente em 1837, capitão de fragata em 1844, capitão de mar e guerra em 1850, vice-almirante em 1869. Foi inspetor do Arsenal do Rio Grande
do Sul (1841), do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro e Capitão do Porto dessa província (1851), Ajudante de Ordens Encarregado do Expediente do Quartel General da Marinha; Comandante
em Chefe da Esquadra em Operações de Guerra contra o Paraguai (1866-69).
José Antônio Saraiva 4 de maio de 1857 Civil
04/05/1857
-
12/12/1858
Permanente
Conselheiro de
Estado; Senador;
Presidente de
Província do Piauí,
Alagoas, São
Paulo717
- Liberal
Antônio Paulino Limpo
de Abreu
12 de dezembro de
1858 Civil
12/09/1858
–
10/08/1859
Permanente
Presidente do
Conselho de
Ministros; Senador;
Presidente de
Província de Minas
Gerais; Ministro da
Justiça718
Visconde de
Abaeté Liberal
Francisco Xavier Paes
Barreto
10 de agosto de
1859 Civil
10/08/1859
–
02/03/1861
Permanente
Senador; Presidente
de Província de
Minas Gerais;
Ministro da Justiça719
- Liberal
Joaquim José Ignacio 02 de março de
1861 Militar
02/03/1861
–
24/05/1862
Permanente Ministro da
Agricultura720
Visconde de
Inhaúma Conservador
330
José Bonifácio de
Andrada e Silva
24 de maio de
1862 Civil
24/05/1862
–
30/05/1862
Interino Senador721 - Progressista
Joaquim Raymundo de
Lamare
30 de maio de
1862 Militar
30/05/1862
–
15/01/1864
Permanente
Senador; Presidente da
Província do Maranhão e do
Pará722
Visconde
de
Lamare
Progressista
João Pedro Dias Vieira 15 de janeiro de
1864 Civil
15/01/1864
–
31/03/1864
Permanente
Senador; Presidente da
Província do Maranhão;
Ministro do Supremo
Tribunal de Justiça723
- Conservador
Francisco Carlos de
Araújo Brusque
31 de março de
1864 Civil
31/03/1864
–
31/08/1864
Permanente
Presidente da Província de
Santa Catarina e do Pará;
Ministro da Guerra724
-
Francisco Xavier Pinto
Lima
31 de agosto de
1864 Civil
31/08/1864
–
12/05/1865
Permanente
Presidente da Província de
São Paulo, Rio Grande do
Sul e Rio de Janeiro725
Barão de
Pinto
Lima
Progressista
721 Partido Progressista. Veio para o Brasil em 1829; cursou a Imperial Academia Militar do Rio de Janeiro (1842-44) e a Faculdade de Direito de São Paulo. Foi deputado provincial e geral,
Ministro do Império (1864), senador (1879). 722 Cursou a Escola de Marinha, sendo nomeado guarda-marinha em 1827; promovido a 2º tenente em 1832, 1º tenente em 1837, capitão-tenente em 1842, capitão de fragata em 1852, capitão de
mar e guerra em 1854, chefe de divisão em 1856, chefe de esquadra em 1864, vice-almirante em 1867, e almirante em 1876, tendo se reformado em 1883. Embarcou em vários navios, exerceu
comandos no mar desde o posto de 2º tenente, realizou trabalhos hidrográficos na Baía do Rio de Janeiro (1846) e no Rio Grande do Sul (1848), comandou o Corpo de Imperiais Marinheiros (1854), a Divisão Naval do Rio da Prata (1855-56), dirigiu o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (1857), presidiu a província de Minas Gerais (1858), dirigiu a Escola de Marinha (1860). Foi
deputado geral de 1861 a 1864, comandante do 3º Distrito Naval (Amazonas) em 1866, Presidente e Comandante das Armas da Província do Pará (1867), Ajudante-general da Armada (1873),
Senador (1883). 723 Iniciou os estudos jurídicos na Academia de Direito de Olinda e terminou-os na de São Paulo; foi promotor público nas províncias do Pará (1842) e do Maranhão (1846), deputado provincial
(1847), juiz municipal e professor em São Luís do Maranhão (1847), procurador fiscal do tesouro da mesma província (1854), Presidente da Província do Amazonas (1855), deputado geral (1857),
presidente interino das províncias do Maranhão (1858) e do Pará (1863), Ministro do Estrangeiros (1864) e da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (1864). 724 Cursou a Faculdade de Direito de São Paulo. Foi deputado provincial (1849), auditor de guerra durante a campanha contra Rosas (1851-52), deputado geral, presidente das províncias de Santa
Catarina (1859) e do Pará (1861-63). 725 Progressista. Barão de Pinto Lima (1888). Cursou a Academia de Direito de Olinda, foi Juiz de órfãos em
Salvador, deputado provincial, deputado geral (1857); exerceu a magistratura na província de Espírito Santo (1856), onde também foi Chefe de Polícia; presidente das províncias do Rio Grande do
Sul (1870), São Paulo (1872) e Rio de Janeiro (1874); e deputado geral por Santa Catarina (1885).
331
Fonte: LAEMMERT, Eduardo; LAEMMERT, Henrique. Op. Cit.. BLAKE, Augusto Victorino A. Sacramento. Diccionario Bibliográfico Brazileiro. 7 vols. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1883. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/221681. Acessado em: 03 nov. 2018; MORAES, A. J Op. Cit.; SISSON, S.A. Op. Cit.; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Dicionário do
Brasil Imperial. Objetiva: Rio de Janeiro, 2008.
726 Cursou a Academia de Direito de Olinda; foi juiz municipal em Minas Gerais; deputado geral (1857-66); Presidente da Província de Pernambuco (1866-67); presidente da Câmara dos Deputados
(1867-68); Senador (1869-86); Presidente da Província de Minas Gerais (1878). 727 Visconde em 1888. Cursou a faculdade de direito de São Paulo; foi Secretário de Polícia da Província de Minas Gerais, juiz de paz, inspetor de tesouraria provincial, deputado geral (1863-70);
Senador (1879), Ministro da Fazenda (1879-80), Ministro interino do Império (1880), Ministro da Fazenda e presidente do Conselho de Ministros (1889). 728 Barão em 1888. Cursou a Academia de Direito de Olinda; foi juiz municipal no interior da Bahia e juiz de órfãos e ausentes em Salvador; deputado provincial, diretor da Instrução Pública em
Salvador; Presidente da Província de Sergipe (1858), deputado geral (1857-64 e 1869-75), juiz de direito e dos feitos da Fazenda, na Corte; aposentou-se como desembargador da Relação em 1868;
Senador em 1876.
José Antonio Saraiva 12 de maio de 1865 Civil
12/05/1865
–
27/06/1865
Interino
Senador; Presidente
de Província do Piauí,
Alagoas, São Paulo
- Liberal
Francisco de Paula da
Silveira Lobo 12 de maio de 1865 Civil
27/06/1865
–
03/08/1866
Permanente
Senador; Presidente
da Província de Minas
Gerais e
Pernambuco726
- Conservador
Afonso Celso de Assis
Figueiredo
03 de agosto de
1868
Civil
03/08/1866
–
16/07/1868
Permanente
Presidente do
Conselho de
Ministros; Senador;
Conselheiro de
Estado; Ministro da
Fazenda727
Visconde de
Ouro Preto Liberal
João Maurício Wanderley 16 de julho de 1868 Civil
16/07/1868
–
29/09/1870
Permanente
Senador; Presidente
da Província da Bahia;
Ministro Império,
Fazenda e dos
Negócios Estrangeiros
Barão de
Cotegipe Conservador
Luiz Antonio Pereira
Franco
29 de setembro de
1870
Civil
29/09/1870
–
07/03/1871
Permanente
Senador; Presidente
da Província da Bahia;
Ministro da Guerra
Desembargador da
Relação da Corte728
Barão de Pereira
Franco Conservador
332
ANEXO 10: DECRETO Nº 447 DE 19 DE MAIO DE 1846
Fonte: Coleção das Leis do Império do Brasil. Tomo IX. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional,1847, p. 5-28.