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1 XX COLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR 15,16, 17 e 18 de Novembro de 2011, Palácio da Independência - Lisboa O quadro final das Invasões Francesas: o caso da praça-forte de Almeida Rui Carita Universidade da Madeira Almeida desempenhou um importante papel no quadro da raia dos reinos de Portugal, Aragão e Castela, justificando o acerto de fronteiras do Tratado de Alcanizes e, depois, o interesse nas representações do Livro das Fortalezas de Duarte de Armas, em 1509. O conjunto foi reestruturado no quadro das Guerras da Aclamação de D. João IV e, na instabilidade europeia dos meados do século XVIII, quando adquiriu a forma que conhecemos hoje e foi novamente reformulada, face ao conjunto elevado do outro lado da fronteira, em Ciudad Rodrigo e na aldeia del Obispo. A praça-forte de Almeida ainda resistiu às tropas francesas no início da 3.ª Invasão Francesa de Agosto de 1810, mas o rebentamento do paiol, a 26 de Agosto, então instalado no castelo medieval, levou à capitulação da importante fortaleza, então ocupada pelas forças francesas. No início de Abril de 1811 seria por Almeida e pela aldeia del Obispo que o exército de Masséna retiraria de Portugal. Nestes últimos anos assistiu-se a um redobrado interesse por tudo o que dissesse respeito às Guerras Napoleónicas, com o restauro e a tentativa de reabilitação das antigas fortificações, a recriação histórica internacional dos vários combates e a reanimação pontual das antigas praças-fortes das várias raias europeias. Passada a euforia destas comemorações, resta equacionar qual o futuro de todo o investimento realizado. A fronteira medieval de Riba-Côa Toda esta área foi habitada desde o Paleolítico, como atestam as gravuras de Foz Côa, registadas como Património da Humanidade desde 1998 e hoje, inclusivamente, com uma extensão em território espanhol, em Siega Verde, nas margens do rio Águeda, afluente do Douro. O paralelo entre as duas estações arqueológicas confirma a similitude de povoamento, como a misteriosa cultura Vetão e os seus verracos ou berrões, cujas esculturas se estendem pelas Beiras, Trás-os-Montes e o antigo território de Leão 1 . A área andou depois em disputa entre os reinos de Portugal, Leão e Castela, só vindo a 1 A cultura Vetón, povo pré-romano que ocupou o centro da Península, legou-nos um importante conjunto de esculturas de berrões, designação que em Portugal indica os porcos não capados, em princípio, selvagens, que se encontram pela Beira e Trás-os-Montes. Pelo antigo reino de Leão ainda aparecem touros, como os de Guisando, em Ávila, alguns de grandes dimensões e inúmeros verracos ou berracos, como em Espanha se designam estes porcos ou javalis. Inventariaram-se mais de 200 esculturas deste tipo na Península, devendo, em Portugal, a chamada Porca de Murça, embora se trate de um macho, ser o berrão mais conhecido.

O quadro final das Invasões Francesas: o caso da praça-forte de Almeida Nov-2011

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XX COLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR 15,16, 17 e 18 de Novembro de 2011, Palácio da Independência - Lisboa

O quadro final das Invasões Francesas: o caso da praça-forte de

Almeida Rui Carita

Universidade da Madeira

Almeida desempenhou um importante papel no quadro da raia dos

reinos de Portugal, Aragão e Castela, justificando o acerto de fronteiras

do Tratado de Alcanizes e, depois, o interesse nas representações do Livro

das Fortalezas de Duarte de Armas, em 1509. O conjunto foi

reestruturado no quadro das Guerras da Aclamação de D. João IV e, na

instabilidade europeia dos meados do século XVIII, quando adquiriu a forma que conhecemos hoje

e foi novamente reformulada, face ao conjunto elevado do outro lado da fronteira, em Ciudad

Rodrigo e na aldeia del Obispo.

A praça-forte de Almeida ainda resistiu às tropas francesas

no início da 3.ª Invasão Francesa de Agosto de 1810, mas o

rebentamento do paiol, a 26 de Agosto, então instalado no

castelo medieval, levou à capitulação da importante fortaleza,

então ocupada pelas forças francesas. No início de Abril de 1811

seria por Almeida e pela aldeia del Obispo que o exército de

Masséna retiraria de Portugal.

Nestes últimos anos assistiu-se a um redobrado interesse

por tudo o que dissesse respeito às Guerras Napoleónicas, com o

restauro e a tentativa de reabilitação das antigas fortificações, a

recriação histórica internacional dos vários combates e a

reanimação pontual das antigas praças-fortes das várias raias

europeias. Passada a euforia destas comemorações, resta

equacionar qual o futuro de todo o investimento realizado.

A fronteira medieval de Riba-Côa

Toda esta área foi habitada desde o Paleolítico, como

atestam as gravuras de Foz Côa, registadas como Património da

Humanidade desde 1998 e hoje, inclusivamente, com uma extensão em território espanhol, em

Siega Verde, nas margens do rio Águeda, afluente do Douro. O paralelo entre as duas estações

arqueológicas confirma a similitude de povoamento, como a misteriosa cultura Vetão e os seus

verracos ou berrões, cujas esculturas se estendem pelas Beiras, Trás-os-Montes e o antigo território

de Leão 1. A área andou depois em disputa entre os reinos de Portugal, Leão e Castela, só vindo a

1 A cultura Vetón, povo pré-romano que ocupou o centro da Península, legou-nos um importante conjunto de

esculturas de berrões, designação que em Portugal indica os porcos não capados, em princípio, selvagens, que se

encontram pela Beira e Trás-os-Montes. Pelo antigo reino de Leão ainda aparecem touros, como os de Guisando, em

Ávila, alguns de grandes dimensões e inúmeros verracos ou berracos, como em Espanha se designam estes porcos ou

javalis. Inventariaram-se mais de 200 esculturas deste tipo na Península, devendo, em Portugal, a chamada Porca de

Murça, embora se trate de um macho, ser o berrão mais conhecido.

2

definir-se a sua posse pelo Tratado de Alcanizes, em 1297, assinado entre

D. Dinis de Portugal e Fernando IV de Leão e Castela 2.

Pelo Tratado de Alcanizes, a área de Riba-Côa passou para o reino

de Portugal, com os seus principais castelos a merecerem então uma

especial atenção de D. Dinis, como os de Alfaiates, Almeida, Castelo

Bom, Castelo Melhor, Castelo Mendo, Castelo Rodrigo, Pinhel, Sabugal,

Vilar Maior e São Félix dos Galegos. Este último, entretanto, veio a ser

entregue aos Reis Católicos, em 1476 e, passando à Casa de Alba, foi

objecto de nova reformulação. Igualmente pelos finais do século XV e

inícios do XVI, também os vários castelos da fronteira portuguesa foram

alvo de campanhas de obras, como atestam os desenhos de Duarte de

Armas, mas só San Felice de Los Galegos chegou aos nossos dias na

forma da sua reconstrução quatrocentista 3.

Os minuciosos desenhos de Duarte de Armas apresentam os castelos de Riba-Côa com

robustas torres de menagem, quase sempre coroadas por balcões com mata cães e envolvidos por

muralha a demarcar uma cidadela, já adaptadas, sumariamente, à utilização de armas de fogo. Na

maior parte dos desenhos o autor aparece em primeiro plano, geralmente a cavalo e acompanhado

de um criado, ambos portadores de lança. Estas lanças parecem ter servido de bitola, devendo

corresponder a uma braça craveira (2,2 m.), embora nos desenhos ainda pareçam maiores. Os

desenhos das vistas das fortalezas são acompanhados, no final do trabalho, com quase todas as

respectivas plantas, a indicação do comprimento dos

vários panos de muralha e das alturas das torres, tudo

em braças.

Almeida foi representada por duas vistas, como

quase todas as restantes fortificações da raia, com duas

cinturas de muralhas, devendo a exterior datar das

obras de Francisco Danzinho nos primeiros anos do

século XVI. Duarte de Armas escreve que a barbacã

tinha sido feita de novo e as obras foram vistoriadas,

depois, em 1510, por Mateus Fernandes, mestre da

Batalha e por Martim Lourenço de Évora. As obras de

Almeida tiveram como vedor Rui de Andrade,

cavaleiro da ordem de Santiago, que na quitação que D.

2 O Tratado de Alcanizes foi negociado com a regente Maria de Molina (1265; 1321), pois que Fernando IV

(1285; 1312) tinha então 11 anos de idade, pretendendo fazer face ao expansionismo português, especialmente entre o

Alentejo e a Andaluzia, quando a presença de Castela nesta área não estava consolidada e eram muitos os pretendentes

ao trono de Leão e Castela. Por este tratado, francamente favorável a Portugal e onde D. Dinis contou com o apoio do

reino de Aragão, Fernando IV ficou noivo da infanta de Portugal D. Constança (1290; 1313), com quem veio a casar 5

anos depois, em 1302. 3 A aldeia de São Félix dos Galegos ou São Felizes dos Galegos recebeu esse nome, em princípio, como

homenagem ao lendário eremita de Gaia, que encontrou o corpo de São Pedro de Rates, primeiro bispo de Braga e por

ter sido repovoada alegadamente por galegos. A data de reintegração em Castela, segundo alguns historiadores, teria

sido em 1350 e, segundo outros, em 1476, no marco das frequentes rupturas das relações feudais que se davam nesta

altura. O conjunto defensivo teve várias reconstruções: a cintura geral de muralhas pelos séculos VII e X, mas

reformulada entre 1200 a 1300; a cidadela ou castelo, construída por 1297; a torre de Menagem, reconstruída pelo

primeiro duque de Alba, Don Garcia Alvarez de Toledo, por 1480 e atribuída a Juan Carrera, autor da fortaleza de

Coria, em Cáceres, para o mesmo duque de Alba; por 1640, ainda haveria de ser construída uma nova linha defensiva

abaluartada e, em 1812, ainda haveria de resistir a um cerco do exército francês.

3

Manuel lhe mandou passar, em 1517, também aparece

como responsável pelas obras de Castelo Bom e de

Castelo Rodrigo. Devem assim ter sido também obras da

responsabilidade de Danzilho, embora em Castelo Bom

tenha andado a trabalhar o mestre biscainho Pero

Fernandes, em princípio, parente daquele mestre 4.

Os desenhos de Duarte de Armas do castelo de

Almeida apresentam a barbacã dotada de troneiras

encimadas por cruzetas nas torres de remate, permitindo

a utilização de bocas-de-fogo e, ao mesmo tempo, a

visualização do campo de tiro 5. Estas torneiras não

chegaram aos nossos dias, dada a destruição do castelo quinhentista, mas chegaram em Castelo

Bom. O castelo não resistiu à 3.ª invasão francesa, tendo sido destruído pela explosão do paiol ali

armazenado, em 26 de Agosto de 1810. Já sem qualquer interesse militar à época, logicamente, não

foi reconstruído, como veio a acontecer com a restante praça-forte. As recentes escavações na área

colocaram a descoberto a área das sapatas da

antiga cidadela de Almeida, desaterrando,

inclusivamente, o antigo fosso e permitindo

identificar as fundações dos torreões da barbacã,

dento do esquema divulgado ao longo do reinado

de D. Manuel e um pouco presentes por todo o

território continental português e insular, assim

como nas antigas praças do Norte de África.

A união das coroas de Portugal e Castela

ensaiada a partir do reinado de D. João II, com o

contínuo casamento entre os herdeiros dos reinos

ibéricos, retirou interesse militar à raia de Riba-

Côa. As fronteiras dos dois futuros impérios

marítimos extravasavam já a Península Ibérica, passando a ultramarinas e alargando-se fisicamente

ao longo do século XVI para os Açores, para as Antilhas, oceanos Índico e Pacífico. Os velhos

castelos medievais da raia terrestre, que haviam conhecido tímidas obras de adaptação à introdução

da Artilharia, não conheceram, assim, quaisquer alterações nas décadas seguintes, tendo a fronteira

passado, essencialmente, para as orlas marítimas.

A praça-forte de Almeida

Com a aclamação de D. João IV abriu-se um novo quadro político-militar, onde a principal

preocupação foi a afirmação da soberania sobre o território metropolitano, levando, inclusivamente,

a que toda a situação dos restantes domínios passasse para um segundo plano. Para o controlo das

principais medidas militares constituiu-se o Conselho da Guerra, órgão formado por homens de

franca experiência castrense. Os conselheiros trabalhavam no Paço e preparavam consultas de

4 Cf. Sousa Viterbo, Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores

Portugueses, vol. I, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, Lisboa, 1988, pp. 270 e 271. 5 A praça-forte de Almeida tem sido objecto nos últimos anos de um importante esforço de divulgação, iniciado

com a instalação de um Centro de Estudos de Arquitectura Militar, que realiza anualmente seminários internacionais,

edita uma revista e, em Julho de 2009, com a coordenação do arquitecto doutor João Campos, assumiu a organização de

uma candidatura a registo como Património Edificado pela UNESCO.

4

carácter militar, que submetiam à decisão do Monarca. Este Conselho recebia também os decretos e

outras resoluções reais para efeitos de execução, como sejam as nomeações de oficiais e

alistamento de tropas, projectos de arranjo das fortificações e outras matérias, que se prendiam à

organização militar.

As primeiras directivas foram para a reforma em larga escala do sistema defensivo continental

europeu, com uma ampla campanha de fortificação da raia terrestre, à época ainda com castelos

medievais, principalmente na fronteira mais exposta: a alentejana e a beirã, mas também nas zonas

vitais de Lisboa e do Porto, assim como a reformulação das principais fortificações ao longo da

restante costa. O território continental foi dividido em províncias militares, concentrando assim nas

sedes de governo de armas os principais meios. Para a província da Beira foi de imediato nomeado

um governador, D. Álvaro de Abranches e um dos principais esforços foi a fortificação da área de

Almeida, trabalho então entregue ao tenente-coronel de Cavalaria João Saldanha e Sousa.

Pouco mais tarde, em 1644, por João Salgado de Araújo, nos Sucessos militares das armas

portuguesas em suas fronteiras, sabemos ter tido D. Álvaro de Abranches o seu quartel-general

instalado em Almeida. Refere-se então que se teriam levantado na vila “quatro ou cinco redutos,

metendo dentro della igreja & castelo”, então simples trincheiras, por certo, com vista à protecção

da povoação que não teria mais de trezentas almas. A concentração de meios, entretanto, para a área

da Beira, com a nomeação de novo governador militar, então Fernão Teles de Meneses, em 1642,

leva a ampliar o anterior esquema de trincheiras e a levantar um “fortificação real”. Escreve então

Salgado de Araújo, que fora inicialmente mandada “intrincheirar de pedra e barro” e que na altura

em que escrevia, pouco antes de 1644, “Sua Majestade a manda agora fortificar de fortificação

real, em que dizem que se vai obrando, e está hoje inexpugnável, e o ficará muito mais, feitos sete

redutos que Sua Majestade manda” 6.

Para este vasto esforço foram chamados a Portugal vários engenheiros militares franceses e

holandeses. Os primeiros técnicos a que se recorreu foram os padres jesuítas e professores no

colégio de Santo Antão, Simão Fallonio e João Pascásio Cosmander, encarregados dos primeiros

projectos de fortificação. Simão Fallonio teria ficado essencialmente em Lisboa a coordenar os

primeiros trabalhos, tendo o padre Cosmander sido enviado para as praças do Alentejo, onde foi

assistido por Jean Gillot, sendo ambos oriundos da Flandres. Gillot tinha sido discípulo de

Descartes e deve ter sido contratado em 1641,

certamente por indicação daquele padre jesuíta.

Em finais de 1641 contratou-se o

engenheiro francês Charles Lassart, que chegava

a Lisboa em Setembro desse ano, na aramada de

Brezet, acompanhado por cinco jovens

engenheiros franceses. Em Fevereiro do ano

seguinte, Lassart vistoriava a fortificação de

Lisboa, sendo nomeado engenheiro-mor em

Março e seguindo pouco depois para o Alentejo.

Igualmente para o Alentejo e entre muitos

outros, ainda seria contratado outro engenheiro

francês, Nicolau de Langres, onde se haveria de

confrontar com o padre Cosmander e ambos com o engenheiro-mor. Em causa estavam os desenhos

6 Cits. de António Filipe Pimentel, “A Porta Central do Reino: relevância epistemológica das fortificações de

Almeida”, in Almeida, Candidatura das Fortificações Abaluartadas da Raia Luso-Espanhola a Património Mundial –

UNESCO, Câmara Municipal de Almeida, Julho de 2009, pp. 40 a 43.

5

para os perfis das novas cinturas abaluartadas das principais praças fronteiriças e as enormes

despesas que as mesmas acarretavam. Alguns destes engenheiros acabariam por morrer em

combate, entre Vila Viçosa, Badajoz e Olivença, onde trabalhavam. Acresce que Cosmander e

Langres foram mortos ao serviço de Castela, para onde se tinham transferido, enquanto Gillot

morreu ao serviço de Portugal, em 1657, demonstrando assim a fragilidade e o perigo do contrato

destes mercenários.

Os principais projectos de fortificação foram assim entregues a técnicos estrangeiros, embora

o seu acompanhamento tivesse sido levado a efeito de colaboração com portugueses. Como seria de

esperar os confrontos foram imensos, não só com os governos de armas das diversas províncias,

colocados perante megalómanas obras para as quais não havia disponibilidades económicas para a

sua concretização, como entre os próprios técnicos, muitas vezes enfeudados a puras questões de

prestígio pessoal. A maior parte destas obras envolvia pesados custos para as populações locais,

com largas expropriações e demolições de tecido urbano, assim como com a cativação de largas

faixas de terrenos limítrofes de cultivo, a partir de então sujeitos a serventias militares, devendo ter

sido uma época particularmente difícil.

O projecto de transformação de Almeida em praça-forte teria sido então reformulado por

Charles Lassart, encarregado de “desenhar e reconhecer as fortificações de Entre Douro e Minho e

Beira”, como engenheiro-mor que era. As obras, entretanto, tiveram a direcção de um outro

engenheiro francês, Pierre Gilles de Saint-Paul, que assistiu em Almeida às mesmas, entre 1644 a

1646, última data de que lhe conhecemos pagamentos. Nesse ano de 1646 assumiria o governo da

província da Beira o conde de Serem, passando a direcção das obras a ser feita pelo tenente-general

Rodrigo Soares Pantoja e pelo engenheiro Diogo Truell, que se manteria à frente das obras por 15

anos. As obras prolongaram-se pelos anos seguintes, mas foram sendo sucessivamente reduzidas

em relação ao projecto inicial e, em 1657, o governador do partido de Almeida, então D. Rodrigo

de Castro, alterou mesmo todo o inicial traçado e perfil. Deve assim ter sido dessa face de

campanha de obras que se passaram dos

“sete redutos” acima referidos, para os

seis baluartes em estrela que passou a ter.

As dificuldades foram, por certo, de

verbas, pelo que numa informação do

conde de Mesquitela, em 1661, se refere

que a fortificação ainda não possuía

fosso, assim como a vila ainda não estava

toda amuralhada. As obras, no entanto,

mantinham-se, encontrando-se a abóbada

da porta magistral de São Francisco, ou

Porta da Cruz, datada desse ano de 1661.

Junto a Almeida ainda se levantou uma

outra fortificação, em Vale da Mula com

quatro baluartes, ao que os espanhóis

responderam com uma outra, junto da

Aldeia del Obispo, no oposto lado da

fronteira castelhana.

Durante os anos 1661 a 1664 as operações do lado de Castela estiveram a cargo do duque de

Osuna, que, para melhor defesa do Campo de Argañán, decidiu erigir una fortificação no final da

Aldeia del Obispo, frente a Vale da Mula e distante uma légua de Almeida. Os trabalhos

6

começaram a 8 de Dezembro de 1663, ficando assim a fortaleza com a designação de El Real

Fuerte de la Concepción. Participaram nos trabalhos cerca de 3.500 homens, mas as obras só

duraram dois meses nesse inverno, construindo-se um único edifício de planta quadrada feito de

terra e madeira, com um baluarte em cada esquina e rodeado de um fosso. Nos meados desse ano de

1664, entretanto, o Conselho de Guerra de Castela decidia demolir o forte, face à retirada das forças

do Duque pelas sucessivas derrotas na sua comarca. A manutenção do Forte de la Concepción

resultava sumamente dispendiosa e, no entender do Conselho, com a agravante de ser muito perto

da fronteira portuguesa. O desmantelamento foi efectuado em Outubro de 1664.

Já então se aceitava o termo das hostilidades, embora a paz só viesse a ser assinada em 1668.

Com a assinatura da paz entre Portugal e Castela também as monumentais obras da praça-forte de

Almeida esmoreciam, embora a manutenção de importantes

efectivos na área obrigassem, pelo menos, à manutenção do

trabalho até então efectuado. Nos finais do século XVII estava em

Almeida o engenheiro Jerónimo Velho de Azevedo, que assistiu

ao desastre de 1695, quando uma explosão no paiol destruiria

parte da praça, e que não seria a última, ali permanecendo até

1701.

Ao longo da segunda metade do século XVII foram sendo

chamados a Portugal inúmeros técnicos militares e as obras

produzidas devem ter sido efectivamente inovadoras, pois não só

o país veio a resistir às sucessivas invasões espanholas, como

algumas plantas das obras levadas a cabo passaram a figurar nos

principais trabalhos então editados em França. Entre 1642 e 1643

esteve em Portugal o marechal de campo francês Blaise François

de Pagan (Les Fortifications du Comte de Pagan, Paris, 1645), assim

como mais tarde, Allain Manesson Mallet, também francês, onde

teria sido “Ingenieur des Champs & Armées du Roy de Portugal,

nomé Sergent Major d'Artilherie dans la Province d'Alentejo”,

como depois se intitulou, tendo ambos editado os trabalhos que

viram no nosso país, sinal de serem então o que de mais

actualizado se fazia.

As linhas gerais das fortificações levantadas encontram-se dentro das directivas da escola

holandesa, na qual à época se filiava a escola de fortificação francesa. Ao longo da segunda metade

do século XVII a fortificação francesa foi incorporando as inovações holandesas, depois teorizadas

pelo célebre Sebastian Le Preste, marquês de Vauban, nos seus trabalhos de 1680 e 1706. As

fortificações levantadas, especialmente na fronteira portuguesa do Alentejo, como Beja, Campo

Maior e Elvas, apresentam assim características mistas das chamadas escolas holandesa e francesa,

mas e ao mesmo tempo, uma certa flexibilidade e adaptação ao terreno específicas da tradição

portuguesa.

A reforma barroca de Almeida

Os inícios do século XVIII e a Guerra de Sucessão de Espanha levaram a grandes obras de

reforma da praça-forte de Almeida. Procedeu-se, entretanto, à reforma dos corpos regulares, que

passaram a requerer grandes necessidades de alojamento, assim como se reforçou todo o sistema

defensivo das praças fronteiriças, passando a praça-forte de Almeida a desempenhar um papel

fulcral em todo esse sistema defensivo. Num curto espaço de tempo, a praça de Almeida

7

encontrava-se apta a receber uma guarnição de 3.000 homens,

levando, igualmente, à ampliação de todo o tecido construído no

interior das muralhas.

O início do novo programa deve ter sido iniciado após a

publicação do decreto de 24 de Dezembro de 1732, que criou as

várias academias militares e, consequente, a de Almeida. A

campanha de obras deve ter tido início em 1735, tendo para tal

estado na praça-forte o engenheiro-mor do Reino Manuel de

Azevedo Fortes, principal responsável pela reformulação e cujo

projecto foi então passado ao papel por um dos seus ajudantes, José

Fernandes Pinto de Alpoim, depois um dos mais influentes

engenheiros da época seguinte no Norte de Portugal.

A importância de Almeida para a corte portuguesa levou

mesmo à estadia ali por oito meses do Engenheiro-Mor, entre 1737

e 1738, embora em 1747 saibamos que as obras ainda não

estivessem terminadas. A engenharia militar e a fortificação foram lideradas nos inícios do século

XVIII em Portugal pela figura de Manuel de Azevedo Fortes, que estudara em Espanha, no Colégio

Imperial de Madrid e na Universidade de Alcalá, seguiu para França, onde estudou na Universidade

de Paris e daí para Itália, onde chegou a concorrer e ser aceite na cadeira de Filosofia da

Universidade de Siena. Regressado a Portugal, sucedeu em 1720 a Serrão Pimentel no cargo de

engenheiro-mor do Reino.

Estabelecida a paz com Castela, os interesses portugueses tinham-se voltado essencialmente

para o Brasil e para a tentativa de manutenção das fantásticas fronteiras desenhadas pela expansão

bandeirante e que definiam para Portugal um terço da América Latina. Vai ser essencialmente nesse

quadro que se vai desenvolver a engenharia e a arquitectura militar portuguesas, o que teve depois

importantes reflexos no entendimento do território continental português, abarcando a fortificação,

mas também todo o planeamento urbanístico.

Data assim da época de D. Pedro IV e depois do engenheiro-mor

Manuel de Azevedo Fortes uma alteração fundamental da prática do ensino

em geral e da fortificação e do urbanismo português, que passa da anterior

“cultura de latitude” que informara o período anterior, de fixação

essencialmente costeira, para uma nova “cultura de longitude”, teorizada

como já referido por Jaime Cortesão e onde se iria privilegiar a penetração

no imenso território ultramarino do Brasil. Essa época era já anunciada

militarmente com a ordem da Junta dos Três Estados, da qual passaram a

ficar dependentes esses assuntos. Seria essa Junta, por exemplo, a

determinar a tradução e publicação de dois trabalhos importantes dessa

área: o Governador de Praças de Antoinne de Ville e o célebre manual de

fortificação de Johann Friedrich Pfeffinger, com a compilação dos

principais métodos de fortificação utilizados na Europa e ainda

acompanhado com um glossário.

As traduções e edições nos primeiros anos do século XVIII 7 foram

entregues a Azevedo Fortes e a Manuel da Maia, como consta dos

7 O Governador de Praças de Antonio de Ville Tolozano, 16,9 x 10 cm., ed. António Pedro Galrão, Lisboa, 1708

e Fortificaçam Moderna ou recompilaçam de differentes Methodos de fortificar de que usam na Europa os Espanhoes,

francezes, Italianos e Holandezes, Johannes Pfeffinger, Oficina Real Deslandesiana, Lisboa, 1713.

8

respectivos processos individuais, hoje no Arquivo Histórico Militar. A edição de ambos em

verdadeiros “livros de bolso” ou manuais, sem especiais luxos gráficos, anunciavam já uma nova

maneira de trabalhar muito mais prática para os engenheiros militares. Com a instituição da Real

Academia da História em 1721, integrada por Manuel de Azevedo Fortes, ainda editou o mesmo,

em 1722, o Tratado do modo mais fácil e o mais exacto de fazer as cartas geográficas, cuja

divulgação teve uma excepcional importância, não só no âmbito da cartografia, mas também na do

urbanismo em geral. Passou-se assim de uma certa dependência dos meios náuticos, bússola e

corda, e daí a anterior ligação do ofício engenheiro-mor ao de cosmógrafo-mor, para a utilização de

outro tipo de meios mais modernos.

No final dessa década editavam-se

os dois volumes de O Engenheiro

Português, em 1728 e 1729, também no

mesmo formato, deixando-se

definitivamente os pomposos álbuns de

fortificação dos séculos XVI e XVII, para

se passarem a utilizar verdadeiros

manuais, capazes de serem manuseados

no campo e transportados na mochila. A

cópia dos desenhos era um trabalho

amplamente utilizado desde sempre na

prática da fortificação, da arquitectura e

do urbanismo, procedimento didáctico

essencial em todos os tempos para a

compreensão da teoria. No entanto, o

reforço dado então à sua prática, indicam

que o trabalho do engenheiro militar

tinha deixado de ser predominantemente de gabinete, situado nas cidades costeiras e passava para o

interior, aspecto com importantes reflexos no Brasil.

A reformulação da praça de Almeida que chegou aos nossos dias é assim, provavelmente,

muito mais devedora do trabalho de Azevedo Fortes nas primeiras décadas do século XVIII, que

das anteriores campanhas de obras. Deve-se ao trabalho desses anos o programa geral de

melhoramento e a introdução, nomeadamente, das

casernas à prova de bomba, embora projecto que

não chegou implantado, novos edifícios para

aquartelamento e, em particular, a implantação do

novo paiol no antigo castelo medieval, que haveria

de ditar, mais tarde, a sua total destruição e de

grande parte dos arredores.

A importância das obras levadas a efeito em

Almeida em 1736, assim como as estadias ali de

Manuel de Azevedo Fortes, largamente conhecido

em Espanha, ditaram, muito provavelmente, a

reconstrução da antiga fortificação real de Nossa

Senhora da Conceição, do outro lado da fronteira.

A reconstrução do Fuerte de la Concepción data

desse ano de 1736, mas então com uma dimensão

9

perfeitamente desmesurada e uma emblemática do rei Filipe V condizente, nunca tendo sido

verdadeiramente terminadas. A nova fortaleza só depois utilizada na ocasião do assédio do conde

de Maceda a Almeida, tendo escasso uso posterior.

O esquema de centralidade defensiva da fronteira geral das Beiras centrado em Almeida

prolongou-se pelo período seguinte dos meados do século, face à constituição do Pacto de Família,

passando, uma vez mais, a configurar-se novo confronto entre Portugal e Espanha, assim como a

praça-forte de Almeida a constituir uma das principais preocupações de segurança do território

português. Em meados de 1762 chamava-se a Portugal o conde-reinante Guilherme de Shaumbourg

Lippe, que assumiu o comando do exército, embora não conseguindo impedir a entrada de tropas

espanholas pela fronteira de Trás-os-Montes e a ocupação de Almeida, que se revelou um dos

pontos estratégicos de toda a manobra militar desses meses de guerra.

Com as reformas militares do conde de Lippe

em Portugal, surgem a partir do decreto de 10 de

Maio de 1763 Aulas de Artilharia, sempre associadas

à arquitectura militar, nas sedes dos principais

regimentos e, a 9 de Maio de 1764, o conde visitava

pessoalmente Almeida para se inteirar das obras em

curso. A praça-forte já havia sido objecto de um

relatório do brigadeiro João Alexandre de Chermont,

em Maio de 1762, então acompanhado do jovem

António Carlos Andreis, que trabalharia

posteriormente nas plantas da reconstrução de Lisboa

e seguiria para Cabo Verde, onde desempenharia,

durante largos anos, um importante papel. No

relatório de Chermont critica-se o complexo caminho

de ronda, revestido de “parapeitos interior e exteriormente revestidos de toscas e mortais

alvenarias de pedra e barro e quase rasos”.

Mais tarde o marechal de campo Francisco Mac-Lean

citaria que as obras para reparar os estragos de 1762 já haviam

custado mais de vinte e nove contos de reis, a que se teria então

de somar a construção dos novos quartéis e outras obras então

em curso, vindo a trabalhar ali o engenheiro Jacques Funck, que

passaria depois no final da década para o Brasil. Com o coronel

de engenharia Jacques Funck veio o sargento-mor de Infantaria

Miguel Luís Jacob, responsável por grande parte da

documentação gráfica que chegou até nós.

A importância de Almeida mantém-se nos finais do século

XVIII com a presença de uma série de importantes engenheiros

ali a trabalharem, como Anastácio António de Sousa Miranda e

Martinho de Sousa Albuquerque Alves, assim como em 1801, ali trabalhava Maximiano José Serra,

depois um dos mais importantes engenheiros portugueses das futuras Linhas de Torres. A

fortificação portuguesa dos meados do século XVIII, colocada várias vezes à prova numa série de

conturbadas situações políticas e embora nem sempre capaz de responder às ameaças colocadas,

mostrou-se no entanto sumariamente eficaz. A situação mudou, no entanto, nos inícios do século

seguinte, essencialmente pela total alteração dos pressupostos políticos para que haviam sido

edificadas as defesas em causa. As alterações políticas europeias que levaram à invasão do território

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nacional por desproporcionadas forças conjuntas da França e da Espanha eram uma premissa que

até então não se tinha colocado como possível.

Almeida no quadro das Invasões Francesas Os últimos anos do século XVIII ainda registam

algumas obras em Almeida, mas registam muito mais

algum abandono das chefias centrais políticas de Lisboa,

numa verdadeira indefinição face à Tempestade

Napoleónica que varria a Europa, incapazes de assumir

uma posição. A partir de 1790 registam-se queixas dos

comandos militares de que os terrenos de serventia

militar estavam a ser invadidos pela prática da

agricultura e mesmo que se registava uma certa pressão

urbana interior, que colocava em risco a manobra militar

e a defesa da praça-forte. Em 1801, face à previsão de

novo conflito, o governador pedia “providências para

acelerar a execução do complemento do plano” apresentado em 1795 e 1796, mas não deve ter

obtido resposta.

A 17 de Abril de 1810 o marechal Massena era nomeado comandante dos três corpos de

exército franceses que formavam o Exército de Portugal, com ordens para conquistar Portugal e

ocupar Lisboa. A 15 de Junho seguinte o exército francês de Massena começa o sítio de Ciudad

Rodrigo, que se rende a 10 de Julho seguinte. Dez dias depois, a 20 de Julho, o general inglês

Craufurd dinamita o Fuerte de la Concepcion para proteger sua retirada ante o avanço dos

franceses, deixando completamente inutilizada a construção, que não voltaria, até hoje, a ser

reconstruída. Quatro dias depois, a 24 de Julho, dá-se a Batalha do Rio Côa, onde as forças do

general Craufurd são derrotadas pelo corpo comandado pelo marechal francês Ney, começando da

3.ª Invasão Francesa.

A 1 de Agosto o marechal Massena faz uma proclamação aos portugueses, redigida pelo

marquês de Alorna, comandante da Legião Portuguesa, declarando que o exército francês entrava

em Portugal como amigo, não vindo para fazer a guerra aos portugueses, mas somente para

combater os britânicos e, a 15 de Agosto, inicia-se o cerco de Almeida, com a abertura da primeira

trincheira, no dia do aniversário de Napoleão Bonaparte. No dia 26 de Agosto, na azáfama do

municionamento, ficam vários rastos de pólvora à volta do paiol do castelo, que, incendiados pelas

bombas francesas, fazem explodir o enorme paiol. Almeida rendia-se dois dias depois. Nos

relatórios posteriores informava-se que “de 718 moradas de Cazas, comprehendidas antigamente

no Recinto da Praça, só existem 180 habitáveis”.

As tropas de Massena, mesmo assim, ocupam Almeida e a praça mantém o seu interesse

estratégico ao longo de todo o conflito. A 29 de Outubro, o general Silveira, comandante das forças

portuguesas a norte do Douro, atravessava o rio e sitiava Almeida, em poder dos franceses. A 13 do

mês seguinte, no entanto, era obrigado a levantar o cerco de Almeida, devido à chegada de forças

francesas comandadas pelo general Gardanne, parte do 9.º corpo de exército comandado por Drouet

D'Erlon. Em Janeiro seguinte as forças francesas a partir de Almeida ainda fazem incursões nos

arredores e, em Março, as forças francesas de Massena, impotentes para vencer as Linhas de Torres,

ainda se concentram nos arredores de Almeida, entre Guarda e Belmonte. A 3 de Abril dá-se o

combate de Sabugal, favorável às forças luso-inglesas de Wellington e a 5, o exército de Massena

atravessa a fronteira em Aldeia do Bispo, terminando a 3.ª Invasão Francesa.

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As obras de reconstrução da praça-forte de Almeida iniciam-se logo em 1812, a cargo do

coronel Pedro Folque, mas em breve seriam suspensas por determinação do general Beresford. Em

1815, o mesmo Beresford determinaria mesmo o desmantelamento da praça de guerra, a remoção

da sua artilharia e, inclusivamente, um ano depois, que se minasse a praça, o que, embora com

resistência do governador da mesma, se começou a equacionar, embora se não consumasse. Em

1819 demolia-se o que restava do antigo castelo medieval e, em 1824, era nomeada uma comissão

para a avaliação geral das praças a ser abandonadas ou conservadas. A comissão haveria de não

avaliar positivamente a velha praça de guerra, limitando a sua função a depósito geral de munições

da província da Beira. Na complicada situação militar dos anos seguintes, no entanto, ainda viria a

desempenhar um papel de algum destaque na Guerra Civil.

Ao longo do século XIX o seu interesse militar

foi decrescendo, embora em 1853, ainda tivesse sido

avaliada com o veredicto de ser “Praça como uma das

mais fortes do Reino, e talvez a mais forte dellas, por

não depender de obras destacadas para sustentar um

sítio em regra”. Foi assim objecto de algumas obras de

manutenção e de reparação, assim como de resguardo

dos muros face às plantações agrícolas nas suas

serventias. Em 1888 ainda recuperaria a classificação

de praça de guerra de primeira classe, mas rapidamente

perderia essa classificação. Nos inícios do século XX,

no entanto, passaria a ser olhada de uma outra forma e,

em 1928 e 1938, seria classificada como Monumento

Nacional.

Conclusões

No quadro geral das comemorações das Guerras

Napoleónicas celebradas nos últimos anos, foi a antiga praça-

forte de Almeida alvo de um muito especial interesse nacional

e internacional, sendo alvo de complexas obras de reabilitação,

congressos internacionais anuais e animadas recriações

históricas. A construção do actual complexo da Praça-forte de

Almeida insere-se nas concepções de defesa alargada da

centralização dos Estados Modernos Europeus dos meados do

século XVII aos inícios do XVIII, constituindo um soberbo

exemplo de conservação, manutenção e disponibilização como

património edificado vivo de grande qualidade formal. O

trabalho de manutenção e conservação geral do perímetro

amuralhado e do tecido edificado urbano interior levado a

efeito nos últimos anos, apoiado na constituição de um Centro

de Estudos de Arquitectura Militar, já com inúmeras

publicações de grande qualidade e dos núcleos museológicos

do Museu Militar de Almeida, assim como de meios

informáticos de comunicação, enquadra-se num contexto geral

de dotar todo o conjunto edificado de condições de

sustentabilidade, de inovação e desenvolvimento, que possam

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fazer face à actual tendência de desertificação das zonas mais interiores do Continente Europeu.

O conjunto hoje existente de perímetro fortificado encontra-se em grande parte isolado de

construções anexas dissonantes, como teria sido na sua concepção militar dos séculos XVII e

XVIII, encontrando-se assim dentro daquilo que se designa por uma Paisagem Urbana Histórica, a

Historic Urban Landscape. O conjunto é ainda dotado de um magnífico conjunto de portas de

aparato e de instalações militares de apoio, hoje adaptadas a funções de Centros de Estudo e de

instalações museológicas. Todo o tecido urbano interior tem igualmente merecido uma muito

especial atenção em não alterar a volumetria e enquadramento geral, mas adaptando-o

progressivamente a uma vivência de contemporaneidade que continue a permitir a sua

habitabilidade e rentabilização neste século XXI.

A Praça-forte de Almeida encetou, entretanto, a

sua classificação como Património da Humanidade,

justificando a mesma pela qualidade geral do

conjunto amuralhado, isolado e sobrelevado na

paisagem, como Paisagem Urbana Histórica, assim

como ainda apoiado em revelins dobrados ou meias-

luas e alguns dos antigos caminhos cobertos, com

especial relevo para a qualidade do conjunto de

Portas Monumentais e complexas instalações de

guarda anexas às mesmas. Acresce ainda a qualidade

geral do conjunto edificado urbano interior, que

conseguiu manter a maior parte das instalações

militares, com especial destaque para os Quartéis,

edifício da Câmara Municipal, da antiga

Misericórdia, Igreja e Capelas, roda-dos-expostos,

assim como residências senhoriais e outras de menos

aparato, e parte da pavimentação dos séculos XVII e

XVIII.

A classificação supracitada apresenta, para além do apoio ao esforço desenvolvido, ainda a

motivação para a continuação dos trabalhos de manutenção e reabilitação em curso, servindo de

exemplo às largas faixas das várias raias europeias, que passam hoje por idênticos e complexos

problemas de desertificação, face à capacidade de captação da população pelos grandes centros

urbanos.