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O DESAFIO DEMOGRÁFICO DE ANGOLA Palestra de L.F. Colaço (PHd) Demógrafo e Físico Com esta breve Aula de Sapiência que tenho a honra de apresentar ao Magnífico Reiror, aos Exmos. Vice-Reitores e LuísSenhoresProfessores, digníssimos alunos e ilustres convidados, na abertura do ANO ACADÉMICO de 2019 da UPRA, pretendemos salientar a importância da Demografia para a formulação duma Política Nacional de População em Angola, país que enfrenta um enorme desafio demográfico derivado do crescimento exponencial da sua população. A escassez de dados demográficos do País, a inexistência dum Recenseamento Geral da População desde 1970 e até 2014, a falta de quadros competentes na matéria e a instabilidade político-militar, foram obstáculos à definição e concretização das políticas de população e à tomada de consciência da importância da Demografia como suporte de qualquer política nacional. A Demografia é uma ciência cujo objecto é o estudo das populações humanas. O seu primeiro objectivo é determinar o efectivo das populações e a sua repartição por sexo e idade. Para interpretar os dados recolhidos é fundamental submete-los previamente a uma análise minuciosa que utiliza os métodos próprios à demografia, que incluem a metodologia geral da ciência, os aspectos mais relevantes da estatística matemática e as técnicas de todas as outras ciências com as quais a demografia está vinculada. No caso concreto de Angola o problema principal da falta de estudos científicos da população foi essencialmente derivado da inexistência de informações demográficas fidedignas durante várias décadas. O 1º Censo Geral Populacional realizado após a Independência, foi o CENSO 2014 realizado em maio de 2014 pelo INE. A formulação duma Política Nacional de População pressupõe considerar-se a demografia como um corpo de conhecimento. Dum ponto de vista científico um corpo de conhecimento não compreende factos discretos ou descontínuos, mas exige um mínimo de informação criticamente analisada e ordenada sob a forma dum quadro conceptual. Exige uma Teoria. A Teoria aparece como uma necessidade absoluta para responder a uma questão de base ou QUESTÃO PRINCIPAL, por exemplo:“poderá existir uma Política de População ou política demográfica fora do quadro duma política geral e mais global de Sociedade, ou seja, sem se submeter a priori a objectivos e prioridades socioeconómicas?” Para se analisar cientificamente esta questão teremos de expor os princípios da Teoria da Transição demográfica, e como esta Teoria explica o grande desafio demográfico de Angola. Entende-se por transição demográfica a oscilação das taxas de crescimento e variações populacionais. Esse conceito foi elaborado no ano de 1929 por WarrenThompson (1887- 1973) para contestar matematicamente a Teoria Demográfica Malthusiana. Para melhor compreender o conceito de transição demográfica, é necessário ter noção de alguns conceitos demográficos, tais como a taxa de natalidade e a taxa de mortalidadea que faremos referência.

O DESAFIO DEMOGRÁFICO DE ANGOLA - UPRA

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O DESAFIO DEMOGRÁFICO DE ANGOLA

Palestra de L.F. Colaço (PHd)

Demógrafo e Físico

Com esta breve Aula de Sapiência que tenho a honra de apresentar ao Magnífico Reiror, aos

Exmos. Vice-Reitores e LuísSenhoresProfessores, digníssimos alunos e ilustres convidados, na

abertura do ANO ACADÉMICO de 2019 da UPRA, pretendemos salientar a importância da

Demografia para a formulação duma Política Nacional de População em Angola, país que

enfrenta um enorme desafio demográfico derivado do crescimento exponencial da sua população.

A escassez de dados demográficos do País, a inexistência dum Recenseamento Geral da

População desde 1970 e até 2014, a falta de quadros competentes na matéria e a instabilidade

político-militar, foram obstáculos à definição e concretização das políticas de população e à

tomada de consciência da importância da Demografia como suporte de qualquer política nacional.

A Demografia é uma ciência cujo objecto é o estudo das populações humanas. O seu primeiro

objectivo é determinar o efectivo das populações e a sua repartição por sexo e idade.

Para interpretar os dados recolhidos é fundamental submete-los previamente a uma análise

minuciosa que utiliza os métodos próprios à demografia, que incluem a metodologia geral da

ciência, os aspectos mais relevantes da estatística matemática e as técnicas de todas as outras

ciências com as quais a demografia está vinculada.

No caso concreto de Angola o problema principal da falta de estudos científicos da população foi

essencialmente derivado da inexistência de informações demográficas fidedignas durante várias

décadas. O 1º Censo Geral Populacional realizado após a Independência, foi o CENSO 2014

realizado em maio de 2014 pelo INE.

A formulação duma Política Nacional de População pressupõe considerar-se a demografia como

um corpo de conhecimento.

Dum ponto de vista científico um corpo de conhecimento não compreende factos discretos ou

descontínuos, mas exige um mínimo de informação criticamente analisada e ordenada sob a forma

dum quadro conceptual. Exige uma Teoria.

A Teoria aparece como uma necessidade absoluta para responder a uma questão de base ou

QUESTÃO PRINCIPAL, por exemplo:“poderá existir uma Política de População ou política

demográfica fora do quadro duma política geral e mais global de Sociedade, ou seja, sem se

submeter a priori a objectivos e prioridades socioeconómicas?”

Para se analisar cientificamente esta questão teremos de expor os princípios da Teoria da

Transição demográfica, e como esta Teoria explica o grande desafio demográfico de

Angola.

Entende-se por transição demográfica a oscilação das taxas de crescimento e variações

populacionais. Esse conceito foi elaborado no ano de 1929 por WarrenThompson (1887-

1973) para contestar matematicamente a Teoria Demográfica Malthusiana.

Para melhor compreender o conceito de transição demográfica, é necessário ter noção de

alguns conceitos demográficos, tais como a taxa de natalidade e a taxa de

mortalidadea que faremos referência.

Em tempos antigos e até meados do Séc. XX, as taxas de natalidade e mortalidade eram

continuamente elevadas, demarcando um período de relativa estabilidade demográfica.

Porém, com a descoberta da penicilina e a modernização dos países hoje considerados

desenvolvidos, houve uma melhoria significativa nos padrões sociais de

desenvolvimento, elevando a expectativa de vida e, consequentemente, declinando as

taxas de mortalidade, o que foi responsável por um súbito aumento da população em um

curto espaço de tempo.

Dividiu-se as oscilações entre mortalidade e natalidade, considerando o desenvolvimento

das sociedades industriais, em quatro estágios principais. Para melhor compreendê-los,

observe o gráfico abaixo:

Gráfico esquemático das quatro etapas do crescimento populacional e transição

demográfica*

No primeiro estágio, observa-se a característica de crescimento das sociedades

tradicionais, em que a natalidade e a mortalidade são elevadas, o que contribui para um

tímido, quase nulo, crescimento demográfico. Essa característica é predominante em

países essencialmente rurais, existindo atualmente apenas em algumas nações

subdesenvolvidas.

O segundo estágio assinala o desenvolvimento industrial, econômico e social das

populações. É o estágio característico da modernidade, quando há o rápido decrescimento

das taxas de mortalidade, enquanto as taxas de natalidade demoram a cair. Graças a isso,

nesse período, o crescimento populacional é acelerado. Esse segundo estágio corresponde

à primeira fase da transição demográfica destacada no gráfico acima.

Já o terceiro estágio demarca o desenvolvimento urbano, a difusão de métodos

contraceptivos e a queda das taxas de natalidade, que se relacionam, sobretudo, à inclusão

da mulher no mercado de trabalho. Com isso, a fecundidade diminui e o crescimento

demográfico mantém-se em um nível moderado. Podemos dizer que o Brasil se encontra

nesse período de sua evolução populacional, assinalada pela segunda fase da transição

demográfica do gráfico.

Por fim, no quarto estágio, observa-se um regime demográfico considerado moderno,

com baixas taxas de natalidade e mortalidade, com um crescimento demográfico próximo

a zero. É o atual período da maioria dos países desenvolvidos da atualidade.

No caso concreto de Angola a transição demográfica está ainda bem distante, uma vez

que as diferenças entre as taxas brutas de natalidade e da mortalidade é ainda elevada

cifrando-se, a julgar pelos dados do INE, em 33‰ o que corresponde a um crescimento

natural exponencial.Actaualmente encontramo-nos na penumbra da 2ª Fase da transição

Demográfica.

Nos próximos anos vamos, portanto, continuar a observar no nosso país um elevado crescimento da população, fenómeno que perdura há seis décadas. Esse crescimento levará no mínimo mais duas décadas para abrandar, para nos aproximarmos timidamente da 3ª fase da “Transição Demográfica”, dado que os fenómenos demográficos ligados à dinâmica populacional (nascimentos, óbitos e migrações) revelam uma grande inércia, ou seja, acções de Políticas de População tomadas hoje só surtirão efeito no mínimo 20 anos depois! A transição demográfica é um dos mais importantes fenômenos sociais de mudança de

comportamento de massa da história da humanidade.

As taxas de mortalidade, principalmente mortalidade infantil, começaram a cair com os

avanços da industrialização, da urbanização, da educação, do saneamento básico e o

aumento da oferta de alimentos. Depois de um certo tempo, após o início da transição

da mortalidade, teve início a transição da fecundidade. Este processo de mudança de

altas taxas para baixas taxas de mortalidade e natalidade/fecundidade é conhecido como

transição demográfica.

Desde os anos 60 que Angola quase duplica a sua população todos os 20 anos enquanto

para Luanda a sua população quase duplica todos os 10 anos. Ou seja, Luanda cresce há

cinco décadas quase duas vezes mais depressa que Angola no seu conjunto, o que é

normal dado que a taxa média anual de crescimento da Angola tem rondado os 3%,

enquanto que para Luanda, de 1983 até à presente data a taxa média de crescimento situa-

se na ordem dos 6,3%. Tal fenómeno deriva essencialmente das migrações internas e

internacionais (não controladas), especialmente as transfronteiriças.

O presente quadro mostra-nos que a idade mediana, que significa a idade que define

metade do contingente populacional, varia menos de 2 anos em 30 anos. Bem como a

2010 2015 2020 2030 2050 2075 2100

POPULAÇÃO TOTAL (milhares) 23369 27859 32827 44712 76046 124463 172861

19 22 26 36 61 100 139

16,3 16,4 16,8 18,1 21,1 26 31

ANGOLA - HOJE E NO FUTURO

Densidade (Pop/Km2)

Idade Mediana (anos)

densidade populacional. A população mais jovem, que se prevê mais instruída e com

melhor rendimento vai crescer mais lentamente que as gerações anteriores.

Mesmo assim Angola continua a crescer exponencialmente, com pirâmide etárias de base

larga, só se aproximando da fase final da Transição demográfica em 2100, como se

verifica nos quadros das pirâmides de 2017, 2050 e 2100.

2050

Os movimentos da população, e os diferentes modelos culturais de fecundidade urbano e

rural, são os principais factores que definem os contrastes da distribuição espacial da

população em Angola.

A DINÂMICA DA POPULAÇÃO

A dinâmica da população, como o próprio nome indica, significa o movimento dessa

população, considerado como a variação dos seus efectivos em função do tempo.

O volume de população num ano determinado é calculado pela população existente nesse

mesmo ano adicionada às entradas de novos efectivos nesse mesmo ano, que são os

nascimentos e os imigrantes e subtraída da saída de outros no mesmo período, que

constituem os óbitos e os emigrantes. À diferença entre os migrantes que entram e os que

saem chama-se SALDO MIGRATÓRIO, que pode ser positivo ou negativo.

Constata-se assim que as variáveis demográficas que medem esses movimentos da

população são: - a mortalidade, a natalidade e as migrações.

Para se estudar o comportamento dinâmico dessa população somos obrigados a estudar

separadamente cada um desses fenómenos demográficos, cujas fontes de dados muitas

vezes são escassas, inexistentes ou de qualidade deficiente.

A MORTALIDADE

A demografia estuda a mortalidade com três objectivos principais:

1. Como componente do crescimento da população. Conjuntamente com a natalidade

constitui um determinante do crescimento natural da população;

2. Como processo descritivo da extinção duma coorte (ou geração) de indivíduos;

3. Como forma de explicar a mortalidade diferencial no espaço e no tempo.

No estudo da mortalidade distinguem-se geralmente os factores biológicos dos factores

ambientais ou de contexto. Os primeiros determinam a constituição dos indivíduos, ou

seja, o conjunto das suas características anatómicas e fisiológicas. O meio ambiente ou o

contexto, inclui, para além do meio físico que envolve o homem, as influências do seu

modo de vida, tais como a educação, o rendimento, a nutrição, o grupo social onde

pertence, a religião, enfim o modelo cultural onde se insere a sua vida.

Devido à escassez de informação sobre os aspectos ambientais e de contexto, por um lado,

e a natureza específica dos processos mórbidos que culminam com a morte, os

demógrafos consideram nos seus estudos que os factores biológicos são as influências

que se manêm invariáveis no espaço e no tempo.

A medição da mortalidade faz-se através da elaboração de taxas, sendo a mais simples a

Taxa Bruta de Mortalidade (TBM), que é a razão entre o número de óbitos ocorridos

numa determinada população num ano civil e a população média nesse mesmo ano.

Os dados publicados pelo INE referentes ao CENSO 2014 indicam como valor desta taxa

bruta de mortalidade a cifra de 9,12 ‰, demorando 30 anos para diminuir apenas 2‰.

Até 2050 a população de Angola duplicará todos os 20 anos.

A população continua a crescer exponencialmente pelo facto das taxas de mortalidade

infantil e infanto-juvenil sofrerem um razoável decréscimo, com uma evolução positiva

da esperança de vida à nascença, enquanto a fecundidade se mantém elevada como

adiante se verá.

2010 2015 2020 2030 2050 2075 2100

3,6 3,5 3,3 3,0 2,4 1,7 1,1

20 20 21 23 29 41 65

12 9,3 8,4 7,1 5,9 6 7,1

84 65 59 49 36 26 19

134 101 90 73 49 34 24

55,6 60,2 61,8 64,6 68,6 72,2 75,4

Taxa de mort. Infant- juvenil (‰)

ANGOLA - HOJE E NO FUTURO (Mortalidade)

Dobro da população (anos)

Taxa bruta de mortalidade(‰)

Taxa de crescimento anual (%)

Taxa de mortalidade infantil (‰)

Esperança de vida à nascença (anos)

Segundo os dados do CENSO 2014, publicados pelo INE de Angola, apenas 56% dos

homens e 51% das mulheres têm Registo Civil, dos quais 68% em zona urbana e apenas

30% em meio rural.

Se houvesse um Registo Civil com elevado grau de cobertura, os dados dos óbitos num

determinado ano, seriam fornecidos com qualidade pêlos serviços oficiais do Registo

Civil (Ministério da Justiça) e os dados médios da população pelo Instituto Nacional de

Estatística, o que permitiria a elaboração duma Tábua de Mortalidade ano a ano ou

Abreviada (por grupo quinquenal), onde constariam os quocientes (taxas) de mortalidade,

as probabilidades de vida e a esperança de vida por idade.

A FECUNDIDADE

As medidas utilizadas correntemente pelos demógrafos para medir a fecundidade estão

normalmente vinculadas a objectivos particulares. Assim por exemplo a Taxa Bruta de

Natalidade mede a importância dos nascimentos no crescimento populacional e utiliza-se

também para avaliar as tendências da fecundidade num determinado país, ou para fazer

comparações entre países ou regiões.

2010 2015 2020 2030 2050 2075 2100

46,8 43,7 41,1 37,4 30,0 22,9 17,96,4 6,0 5,6 4,9 3,8 2,9 2,4

102,0 103,0 103,0 103,0 103,0 103,0 103,0

2,5 2,5 2,4 2,2 1,8 1,4 1,2

28,7 28.7 28,8 28,9 29,2 29,5 29,9

ANGOLA - HOJE E NO FUTURO (Fecundidade)

Taxa bruta de natalidade (‰)Taxa de fecundidade Total (nasc./mulher)

Taxa de masculinidade à nascença (H/100 M)

Taxa Bruta de Reprodução (nº filhas/mulher)

Idade média à reprodução (anos)

Para investigar quais as varáveis demográficas que influem no nível e nas variações

rápidas da fecundidade é necessário dispor-se de medidas de maior capacidade analítica

como sejam as taxas específicas, como por exemplo as taxas de fecundidade por idade

das mulheres, por duração de matrimónio, por estado nupcial, por nível de instrução, etc.

Note-se que em demografia utilizam-se vários termos que muitas vezes confundem as

pessoas menos familiarizadas com esta vertente de estudo, para os quais é necessário ter-

se atenção: natalidade, fecundidade e fertilidade.

A natalidade diz respeito aos nascimentos, sem nenhuma especificação particular e é

muitas vezes empregada como sinónimo de taxa bruta de natalidade; o termo fecundidade

diz respeito às mulheres que procriam, ou aos casais; a palavra fertilidade designa a

aptidão duma mulher ou dum casal de procriar, enquanto que a fecundidade diz respeito

às manifestações dessa mesma aptidão.

Uma mulher fértil não será portanto necessariamente fecunda, mas uma mulher fecunda

é forçosamente fértil. Por outras palavras: a fertilidade é uma condição necessária mas

não suficiente de fecundidade.

Os antónimos de fecundidade e fertilidade são, respectivamente, infecundidade e

esterilidade.

A Taxa Bruta de Natalidde, ou simplesmente taxa de natalidade, abreviadamente

designada por TBN, define-se como a razão entre os nascimentos vivos ocorridos durante

uma ano civil, e a população média desse mesmo ano, resultado depois multiplicado por

mil. As projecções da população estimadas pelo INE com base no Censo de 2014 indicam

que até 2030 a taxa mantém-se relativamente elevada sofrendo posteriormente um

decréscimo acentuado.

É uma medida precisa do crescimento duma população, tal como a taxa bruta de

mortalidade. A diferença entre as duas num determinado ano, representa a taxa de

crescimento natural, ou seja, sem ter em conta os movimentos migratórios. Normalmente

representa-se pelo símbolo α (alfa). De acordo com os dados do INE sobre o CENSO

2014, o seu valor em Angola é de cerca de3%, mantendo-se nesta ordem de grandeza

durante mais 20 anos.

Outra medida específica da fecundidade é a Taxa de Fecundidade Total (TGF) que se

define como a razão entre o número de nascimentos vivos ocorridos num ano civil e a

população média feminina em idade de procriar, que se considera ser de 15 a 49 anos.

A Taxa Bruta de Reprodução (TBR), que se define como a razão entre o número de

nascimentos vivos do sexo feminino ocorridos num ano civil e a população média

feminina em idade de procrear é o indicador mais importante para medir-se o crescimento

da população – são as mulheres que geram os filhos e não os homens! O se elevado valor

explica o crescimento exponencial de Angola.

OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS

Como se pode na prática identificar as migrações a fim de ser possível calcular a

intensidade deste fenómeno e caracterizar o comportamento migratório dos indivíduos?

O procedimento ideal seria a emissão dum certificado de migração, passado por um

serviço do registo civil, como acontece com os nascimentos e óbitos. Mas uma migração

é um evento complexo, difícil de identificar e muito mais frequente que os nascimentos

e óbitos. Um indivíduo só nasce e morre uma vez, enquanto durante o seu período de vida

pode efectuar inúmeras migrações. Por essa razão os procedimentos para medir as

migrações são muito difíceis de estipular, até mesmo nos países desenvolvidos e muito

bem apetrechados de Registo Civil. A Hungria parece ser o único país que instituiu um

serviço de registo permanente de migrações. A Bélgica tem um registo de população onde

constam todas as mudanças de residência mesmo entre comunas do mesmo distrito. No

entanto mesmo esses países encontram muita dificuldade em manter operacionais e

actualizados esses registos devido aos fortes obstáculos colocados pela população que vê

neles um atentado contra as liberdades individuais e à sua privacidade.

Normalmente a medição das migrações, sobretudo em África, é feita por métodos

indirectos, através de Inquéritos específicos sobre esta matéria, normalmente a passagens

repetidas na mesma amostra. Há três grandes categorias de técnicas de inquirição

aplicadas nos Censos ou Inquéritos:

a)As perguntas retrospectivas, que visam identificar as diferentes migrações dum

indivíduo no país durante um período mais ou menos longo;

b)As perguntas relativas ao lugar de residência habitual do indivíduo, em momentos

precisos do passado (menos de 1 ano, entre 1 e 2 anos, mais de 2 anos, etc.);

c)A comparação de dois Censos sucessivos, cujo intervalo é de 10 anos, perguntando-se

ao indivíduo onde habitava no Censo anterior.

Através das respostas a estas perguntas e extrapolando da amostra para o universo é

possível estimarem-se os movimentos migratórios e construir-se a chamada matriz

quadrada dos movimentos migratórios, em que nas colunas figuram as entradas

(imigrações) e nas linhas as saídas (emigrações). No caso de Angola, para o estudo das

migrações interprovinciais para um período determinado, a matriz quadrada teria 18

colunas e 18 linhas, correspondentes às 18 Províncias do país. A soma dos dados duma

coluna corresponderia às entradas na Província a que se refere a coluna, e a soma dos

dados da respectiva linha às saídas dessa Província.

Os movimentos da população são o principal factor que define os contrastes da

distribuição espacial da população em Angola, e que podem ser fruto de factores

exógenos, resultantes da própria concepção e estabelecimento da Divisão Político-

Administrativa do País e de factores endógenos, que no aspecto demográfico constituem

as migrações internas e mesmo internacionais, que ocorrem devido à procura de melhores

condições de vida das famílias, acrescida nos últimos 30 anos da instabilidade político-

militar derivada da guerra e à falta de segurança das pessoas e bens, não só em Angola

como também nos países limítrofes, como por exemplo o Congo Democrático.

Se os factores exógenos podem ser analisados e posteriormente ajustados por via de

instrumentos jurídicos, por exemplo uma revisão da Divisão Político-Administrativa, já

os factores endógenos dependem exclusivamente do conhecimento, comportamento e

atitude das famílias e dos indivíduos, que são livres nas suas decisões de migrar, de

procriar, de educar os seus filhos e de lhes facultar os cuidados primários de saúde quando

eles estão disponíveis, e de procurar melhores condições de segurança para a família.

Em minha opinião e de acordo com a minha experiência de estudos demográficos de mais

de 40 anos, tanto em Angola como noutros países africanos, as migrações são a variável

determinante dos desequilíbrios existentes na distribuição espacial das populações num

território.

As migrações resultam da existência no espaço territorial de dois Pólos e das varáveis que

interagem com eles:

a)Um Polo de Atracção, que será o local ou área de destino da migração;

b)Um Polo de Repulsão que é o local ou espaço de vida da família ou do indivíduo onde

faltam condições de vida, de trabalho, de saúde, de educação, de segurança, entre outros;

c)Existência ou escassez de vias e meios de acesso entre os dois Polos, como estradas,

pontes, meios de transporte, etc.

d)Informação sobre as condições de vida existentes no destino pretendido, obtida através

de familiares ou amigos que já migraram, de notícias e informações obtidas pela Rádio,

Jornais, Revistas ou TV;s

e) Existência da Utopia da Migração, a ideia de que vai de certeza encontrar na área de

destino o que sonhou ou imaginou e que vale a pena correr os riscos de emigrar. Muitas

vezes a Utopia da Migração resulta da manipulação da informação recebida, que pode ir

da “oferta” de bom emprego que posteriormente se revela exploratório ou de

proxenetismo, à informação deturpada dos familiares ou amigos que emigraram, falharam

na aventura, não realizaram os sonhos e que por vergonha escondem a sua desgraça

inventando uma vida de sucesso. A Utopia da migração tem tal força, que mesmo sabendo

do enorme risco de morte que correm, os migrantes da Síria, Afeganistão, Iraque e vários

países do norte de África (refugiados ou outros), continuam a tentar alcançar a Europa

com a ideia fixa, mas muitas vezes utópica, de que vão encontrar uma vida melhor.

As elevadas Taxas de Dependência existentes em Angola determinam uma grande

distorção social que traduz uma necessidade imperiosa de acelerar a educação, a

instrução, a inserção da mulher no mercado laboral e um maior espaçamento entre as

gravidezes.

O mapa que se apresenta sobre o valor da Taxa de Fecundidade Geral, ou seja o número

médio de filhos por mulher, no termo da sua vida genésica (49 anos), mostra-nos

claramente que no interior rural do País essa taxa é bem mais elevada que no litoral,

devido sobretudo ao valor económico da criança em meio rural, que é um investimento

produtivo, enquanto nas áreas urbanizadas é um investimento social, mais custoso e de

menos rendimento imediato.A criança em meio rural é um importante investimento

produtivo.

Fonte: IIMS, INE-UNICEF-FNUAP, Luanda, Luanda Junho 2017-

Espero ter contribuído com estas curtas reflexões sobre a importância da Demografia no

estabelecimento de Políticas de População, e na compreensão do grande desafio

demográfico que se coloca a Angolacomo consequência do seu crescimento exponencial.

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