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A empresa do novo milênio 1 - O mundo instável: como isso afeta a vida das corporações MUNDO INSTÁVEL - Como isso afeta a vida das corporações A nova ordem A instabilidade vai ser a regra do próximo milênio. Como as empresas vão lidar com isso? Por David Cohen (EXAME 22/Março/2.000) Estes são os dias de milagres e maravilhas,e não chore, meu bem, não chore, não chore... (Paul Simon, The Boy in the Bubble) As revoluções de maior impacto para a humanidade acontecem, num primeiro momento, sem que as pessoas se dêem conta de sua profundidade. Foi provavelmente assim com a descoberta do fogo, com a domesticação dos animais e com a entrada na era da agricultura. Foi assim na época das grandes navegações e nas duas fases da revolução industrial (primeiro com a máquina a vapor e depois com a eletricidade). Está sendo assim, novamente, com o que vários estudiosos denominam de revolução da informação, um termo que abrange o uso de computadores, a globalização, a desregulamentação e mesmo uma esperada segunda fase revolucionária, a era da biotecnologia. Já se tornou uma espécie de lugar-comum dizer que o mundo em que vivemos hoje é caótico, mas é da própria natureza das revoluções reordenar o funcionamento das coisas - e nessa reorganização criar um período de instabilidade. Este é certamente um mundo menos estável do que no passado, menos rígido, menos seguro, menos previsível, e essa instabilidade já permeia toda a sociedade: Na maior economia do planeta, os Estados Unidos (com 250 milhões de habitantes), cerca de 26 milhões de pessoas mudam de emprego a cada ano e 42 milhões de pessoas mudam de casa, um terço delas saindo da cidade. Na Inglaterra e nos EUA, um em cada dois casamentos termina em divórcio. No Brasil, um em cada quatro. Filhos fora do casamento representam cerca de 25% de todos

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A empresa do novo milênio

1 - O mundo instável: como isso afeta a vida das corporações

MUNDO INSTÁVEL - Como isso afeta a vida das corporações

A nova ordemA instabilidade vai ser a regra do próximo milênio. Como as empresas vão lidar com isso?

Por David Cohen (EXAME 22/Março/2.000)

Estes são os dias de milagres e maravilhas,e não chore, meu bem, não chore, não chore... (Paul Simon, The Boy in the Bubble)

As revoluções de maior impacto para a humanidade acontecem,num primeiro momento, sem que as pessoas se dêem conta de suaprofundidade. Foi provavelmente assim com a descoberta dofogo, com a domesticação dos animais e com a entrada na era daagricultura. Foi assim na época das grandes navegações e nasduas fases da revolução industrial (primeiro com a máquina avapor e depois com a eletricidade). Está sendo assim,novamente, com o que vários estudiosos denominam de revoluçãoda informação, um termo que abrange o uso de computadores, aglobalização, a desregulamentação e mesmo uma esperada segundafase revolucionária, a era da biotecnologia. Já se tornou uma espécie de lugar-comum dizer que o mundo emque vivemos hoje é caótico, mas é da própria natureza dasrevoluções reordenar o funcionamento das coisas - e nessareorganização criar um período de instabilidade. Este écertamente um mundo menos estável do que no passado, menosrígido, menos seguro, menos previsível, e essa instabilidadejá permeia toda a sociedade: • Na maior economia do planeta, os Estados Unidos (com 250milhões de habitantes), cerca de 26 milhões de pessoas mudamde emprego a cada ano e 42 milhões de pessoas mudam de casa,um terço delas saindo da cidade.• Na Inglaterra e nos EUA, um em cada dois casamentos terminaem divórcio. No Brasil, um em cada quatro. • Filhos fora do casamento representam cerca de 25% de todos

os nascimentos na Suécia e cerca de 50% entre os negrosamericanos.• A lista dos 400 americanos mais ricos, feita pela revistaForbes, costuma ter 10% de novos integrantes anualmente. Esteano, teve 20%.• No ano passado, leitores da revista VIP elegeram as 100mulheres mais desejadas do mundo. Na edição deste ano, umterço delas saiu da lista.

Nada parece sobreviver muito tempo, e as empresas não sãoexceção. O consultor Richard Foster, da McKinsey, estudou 208empresas durante 18 anos para identificar as que eramconsistentemente bem-sucedidas. Só três funcionaram durante os18 anos. Metade não conseguiu manter o ritmo por mais de doisanos. Um famoso estudo da Shell verificou que um terço dascompanhias listadas entre as 500 maiores da revista Fortune em1970 tinha desaparecido em 1983. Uma pesquisa recente de Ellende Rooij, do Stratix Group, de Amsterdã, indica que aexpectativa de vida média de uma empresa, de qualquer tamanho,medida no Japão e na maior parte da Europa, é de 12,5 anos. NaInternet, que prenuncia o futuro, o ciclo de vida das empresasé ainda menor. Só uma minúscula parte dos sites lançados em1993 ainda existe, segundo uma pesquisa do presidente do NetFuture Institute, Chuck Martin (autor do livro O Futuro daInternet, editora Makron Books), nos arquivos do National Centerfor Supercomputing Applications, da Universidade de Illinois. Já não é nem absolutamente certo que uma empresa deva almejara sobrevivência - pelo menos nos moldes em que foi criada. Nosprojetos para obtenção de capital de investidores nos EstadosUnidos, é necessário que conste o caminho de saída (way out)da empresa - que pode ser o aporte de mais investimentos ou aabertura de capital na bolsa, mas também pode ser aincorporação da companhia por outra, ou mesmo seudesmembramento. (É comum a trajetória de empreendedores como obioquímico Howard Birndorf, já na sua oitava companhia debiotecnologia, e o engenheiro Gururaj Deshpande, descrito como"conservador" pela revista de negócios em tecnologia RedHerring, que está na sua terceira empresa, a Sycamore, de fibrasópticas.) No dia-a-dia das empresas, o horizonte estratégicotípico de executivos, consultores e acadêmicos passou a ser deum a dois anos, segundo uma pesquisa da consultoria americanaReal World Strategist, em vez dos quatro a dez anos da década

passada. Da instabilidade na relação entre empresas eempregados, então, nem se fala. Segundo Marcelo Mariaca, daMariaca & Associates, 95% das companhias americanas já dãoopção de outplacement na hora da contratação. (Isso é mais oumenos como determinar, no dia do casamento, o cartório em queserá feito o divórcio.) Na década de 70, 52,5% das empresasofereciam outplacement. Nos anos 80, eram 80%. Num mundo assim instável, "há um conforto perverso em olhar asorganizações como sujeitas às correntes do caos", dizem osconsultores americanos Quinn Spitzer e Ron Evans, autores dolivro Heads, You Win (Cara ou Coroa), da editora Fireside, sobreas estratégias de algumas das melhores companhias do mundo. Jáque o futuro é caótico, os líderes se sentem absolvidos daresponsabilidade de planejar. Esse "conforto perverso" é apior atitude para uma organização adotar. A proposta destareportagem, que inaugura uma série de sete artigos sobre aEmpresa do Novo Milênio, é arrancar a sua empresa - e a suacarreira - dessa zona de conforto. Quando se abandonam algumas rotinas, o mundo pode parecerameaçador. E as rotinas estão definitivamente mudando. Emartigo no livro A Organização do Futuro, da Fundação Drucker(editora Futura), o guru C.K. Prahalad, professor deadministração da Universidade de Michigan, enumera oitograndes mudanças no ambiente corporativo:

1 Ele passou de aconchegante a competitivo; 2 era local, virou global; 3 as empresas não competem mais com empresas similares a elas,mas com empresas totalmente diferentes; 4 as fronteiras industriais, que eram claras, são incertas; 5 no lugar da estabilidade, entrou a volatilidade; 6 em vez de intermediários, importa o acesso direto: a logística tem um papel cada vez maior; 7 em vez da integração vertical, os especialistas; e 8 no lugar da herança simples, a múltipla: a integração da tecnologia química com eletrônica, mecânica com eletrônica, farmacêutica com moda.

Tudo isso é muito ameaçador, mas é na mesma medida muitopromissor. (Se uma empresa de um ramo diferente da sua vailançar um produto concorrente, por exemplo, também nada impede

que a sua empresa invada o terreno dos outros.) Estes são diasde milagres e maravilhas, e não adianta chorar.

TUDO IGUAL, MAS DIFERENTE

Há quem diga, e não é pouca gente, que não existe revoluçãonenhuma, que o mundo está como sempre esteve. Jeffrey Pfeffer,professor de comportamento organizacional da Escola deNegócios de Stanford, diz que "há evidências de que o ambientecompetitivo e a marcha da tecnologia foram ainda maisdinâmicos e estressantes em alguns períodos do passado".Segundo Paulo Ferraz, presidente do banco Bozano, Simonsen, "oritmo das mudanças não se alterou. Todos os anos houve fatosque mudaram o curso do mundo". Eis alguns exemplos quereforçam essa opinião: • O número de fusões de empresas bate recorde sobre recorde, ea competição é tão ferrenha, mas tão ferrenha, que a média defalências nos Estados Unidos chegou a 15 000 por ano. (Não,isso não ocorreu na semana passada. Ocorreu no final do século19.) • Já não existe lealdade dos empregados, a tal ponto que umafábrica de automóveis, querendo dar um bônus de Natal aostrabalhadores com mais de três anos de casa, só achou 640funcionários qualificados para o prêmio, de um total de 15000. (Essa fábrica é da Ford, em Highland Park, Michigan, eesse episódio ocorreu no ano de 1913.) • Em cada vez mais empresas os trabalhadores são independentese fazem acordos para entregar parte do produto final e receberpor unidade completada, em vez de vender seu tempo aospatrões. (Esse sistema espalhou-se pela indústria têxtil nofinal do século 18.) • Para melhorar a produtividade, empresas estão partindo paraa distribuição de lucros com os empregados. (A Procter &Gamble fez isso em 1887, e a estratégia da Levi's, do finaldos anos 1980, foi reconhecidamente inspirada num modelo dadécada de 1940.) • Um médico experiente envia os dados de uma consulta a umcomputador, e este lhe responde que a dose de medicamentoreceitada à paciente pode ser letal. Furioso, o médico exigeexplicações e, após três detalhamentos sucessivos, ficasabendo que um antigo problema nos rins dela pode impedir aabsorção normal da droga. A consulta ao computador salva avida da paciente. (Mesmo esse exemplo aparentemente futurista

é um caso da década de 70, resultado de um programa de umgrupo de pesquisa do MIT.) Mais: segundo Robert Eccles e Nitin Nohria, no livro Beyond theHype (Além do Modismo), o número de patentes por milhão dehabitantes nos EUA foi maior no começo do século do que nosanos 70 e 80. É certo. Mas também é certo que no começo do século,entusiasmados com a descoberta da eletricidade, váriosinventores tentaram patentear máquinas de moto-perpétuomovidas a energia elétrica. Eram tantos pedidos absurdos queem 1911 o escritório de patentes dos EUA passou a requerer queas inscrições viessem acompanhadas de modelos do aparelho. Oaumento do número de invenções dos últimos anos é bem maissustentado. De 1963 a 1975, o escritório de patentes americanoemitiu em média 48 571 patentes anualmente. Na década de 90, amédia anual está por volta de 60 000, um aumento de 23% (semcontar as cerca de 40 000 patentes estrangeiras anuais).Segundo Michael Cox e Richard Alm, em artigo na Consumers'Research Magazine, o número de cientistas e engenheirostrabalhando em pesquisa e desenvolvimento nos EUA dobrou desdeos anos 70 e o número de produtos novos por ano no mercadoamericano triplicou desde 1980. Várias das mudanças de hoje são similares às de períodos dopassado, e isso não é de estranhar. "O Mercado da Informaçãovai transformar nossa sociedade no século 21 tãosignificativamente quanto as duas revoluções industriais,estabelecendo-se como a terceira revolução da históriamoderna. Não devemos temê-la mais nem menos que as outrasforam temidas, porque ela carrega promessas e ameaçassimilares", diz Michael Dertouzos, chefe do Laboratório deCiência da Computação do MIT, em seu livro O Que Será (Companhiadas Letras). Mesmo assim, algo mudou, e mudou muito. Não importa tantosaber se as inovações são construídas a partir de avanços dopassado. O que interessa é que estamos vivendo hoje uma novalógica, e as empresas bem-sucedidas do próximo milênio vão terque lidar obrigatoriamente com essa lógica. (As mudanças podemparecer com as do passado, mas sua natureza é diferente. Adistribuição de lucros, por exemplo, era e ainda é em parte umprêmio pela produtividade, mas torna-se a passos largos umaforma de sociedade, um novo tipo de relação entre patrões eempregados.)

MAIS MUDANÇAS: 20 ANOS EM 5

Afinal, estamos no meio de uma revolução ou isso é apenas oprogresso cumulativo da tecnologia e das formas deorganização? Para o paleontólogo Stephen J. Gould, autor devários livros sobre evolução, "a história da vida é uma sériede situações estáveis, pontuadas em intervalos raros poreventos importantes que ocorrem com grande rapidez e ajudam aestabelecer a próxima era estável". Gould acredita que o finaldo século 20 é um desses raros períodos. "Nós da AndersenConsulting acreditamos que haverá mais mudanças nos próximoscinco anos do que houve nos últimos 20", diz o consultorRobert Baldock, autor do livro Destination Z, que traça panoramaspara o futuro das empresas. O que normalmente se chama de revolução industrial é umperíodo que se estende por 100 anos. É claro que há uma boadose de invenção dos historiadores na delimitação das"revoluções", mas as transformações em progresso material edeslocamento social foram tão grandes, como justifica ohistoriador R.J. Forbes, num ensaio de 1958, que, no conjunto,podem ser descritas como revolucionárias. O mesmo se espera da época da informação. Na revoluçãoindustrial, a produtividade triplicou entre 1890 e 1960 nosEUA. "Suspeito que podemos ver resultados similares agora",diz Dertouzos, do MIT. "Em apenas três anos, entre 1959 e1962, os preços dos semicondutores caíram 85%, e nos dez anosseguintes a produção aumentou em 20 vezes. A título decomparação, foram necessários 70 anos (de 1780 a 1850) paraque o preço do tecido de algodão caísse 85% na Inglaterradurante a revolução industrial", diz. Em algumas atividades,como desenho mecânico, já se podem medir ganhos deprodutividade de 200%. Um prédio moderno, projetado com oauxílio de programas de computação, pode passar doplanejamento às obras em dois ou três meses, um terço do tempodo começo da década. O aumento de produtividade geral dasempresas americanas, que andou por volta de 1,1% ao anodurante 20 anos, praticamente dobrou a partir de 1995, para2,1% ao ano. Ainda é muito pouco, especialmente porque esseíndice é a média entre um aumento de produtividade de 40% emsetores da informática e o mesmo 1,1% de antes em amplossetores ainda intocados pela era da informação. (No Brasil, aprodutividade cresceu em média 7,5% ao ano nesta década, comapoio da estabilização e da abertura, mas há que levar em

conta a base da "década perdida" dos anos 80). "Para saber oimpacto geral do Mercado da Informação na economia, vamos terque esperar até que uma parte maior do Mercado esteja atuandoe mostrando seus resultados em cada área econômica", afirmaDertouzos. É difícil avaliar a revolução que estamos vivendo porque édifícil precisar a sua origem. Há pelo menos três grandesvertentes que vêm se desenvolvendo há décadas e que serealimentam, tornando o mundo muito diferente do que era. Aprimeira é o computador, que chegou às corporações em 1954 evirou febre depois da invenção do microprocessador, em 1970.Desde então, as empresas americanas já gastaram 2 trilhões dedólares em informatização. No auge do encantamentotecnológico, nos anos 80, supunha-se que a informatizaçãofosse revolucionar sozinha todo o mundo corporativo, mas o quese viu foi que, sem transformações organizacionais, atecnologia agravou os problemas de burocracia e rigidez dasempresas, em vez de solucioná-los. Uma pesquisa de PaulStrassman, ex-chefe de informação do Pentágono, concluiu que ocomputador tornava melhores as empresas bem administradas, epiores as mal administradas. "Em retrospecto, parece óbvio",diz Dertouzos. "A tecnologia da informação age como uma lenteamplificadora dos pontos fortes e também dos pontos fracos deuma gestão." A segunda e a terceira vertentes são a globalização e adesregulamentação (em alguns países, como o Brasil,caracterizada pela privatização e pela descentralização). Deacordo com o Centro de Estudos Prospectivos e de InformaçõesInternacionais, ligado ao governo francês, a proporção daprodução industrial sob controle estrangeiro no mundo todopulou de 13,2% em 1973 para 14,7% em 1980, 16,5% em 1988 edeve chegar a 24,8% no ano 2000. Um estudo do McKinsey GlobalInstitute feito em 1993 descobriu uma alta correlação entre umíndice de globalização (exposição à concorrênciainternacional) e a produtividade de nove setores analisadosnos EUA, Japão e Alemanha. Isso significa que o mundo estáficando menor, mais misturado e mais eficiente. Essas três vertentes, combinadas ao longo do tempo, sãoresponsáveis por uma evolução atroz em toda a economia, desdeo setor automobilístico até a criação de galinhas. (Em 1979,um operário da Fiat produzia nove carros no mesmo tempo em quehoje são produzidos 69. Em 1988, a Perdigão demorava 50 dias

para fazer um frango chegar a 2,3 quilos. Hoje, a engorda leva44 dias, com um consumo de ração 15% menor.) O lugar em que esses avanços socioeconômicos estão atingindoseu ápice é a Internet. É aí que a tecnologia se encontra coma globalização e os progressos organizacionais de uma formajamais vista. Esse encontro permite vários tipos de revolução:nas comunicações internas, no modo de se relacionar com osclientes e fornecedores, na própria natureza dos produtos daempresa, na aplicação da tecnologia. A Internet não é só umEldorado para as empresas arrojadas, ou um novo continenteaberto para as grandes navegações. Ela é o mais acabadosímbolo de uma nova era, a concretização de uma nova lógica defazer negócios, de encarar a riqueza, de pensar o mundo. Quemse recusar a enxergar essa nova lógica não estará perdendo obonde da história - estará amarrado nos trilhos à sua espera.

CAPITAL E TRABALHO: MAIS SEMELHANTES

Não há como prever as transformações que nos aguardam, mas umacoisa é certa: nesta entrada do novo milênio, uma outra formade riqueza está se impondo - o conhecimento e seu instrumento,a inteligência. "Se tivéssemos sabido onde olhar, mesmo nosanos 50 poderíamos ter visto a mudança de valor do capitalpara o conhecimento", diz o ex-executivo da Shell Arie deGeus, em seu livro A Empresa Viva (Editora Campus)."Isso ficouvisível no aumento de valor das companhias pobres de bens ericas de cérebros e sociedades: firmas de auditoriainternacionais, consultorias, propaganda e mídia." Essamudança hoje se percebe na cotação em bolsa de companhias comoMicrosoft, Yahoo! ou Amazon.com, na rapidez com que algunsempresários digitais se tornam milionários e na valorização dacriatividade em indústrias antes caracterizadas pela rotina dalinha de produção. Pensando bem, essa nova percepção do conhecimento não provocaassim taaantas mudanças na economia. Só duas: muda o capital emuda o trabalho. No mundo do conhecimento, eles estão ficandomenos antagônicos e muito mais parecidos em seu funcionamento.Capital é cada vez mais o capital intelectual, capital derelacionamentos, capital de marca, capital da informação. Etrabalho é cada vez mais a capacidade de gerar e gerir idéias,de conectar-se a outros trabalhadores e a clientes. Isso altera tudo. Não apenas vão surgir novas empresas, maisdigitais, não apenas vão surgir novos trabalhadores, mais

intelectualizados. Todo o mundo corporativo terá de serrepensado, reestruturado, reinventado, desde as relações comempregados e fornecedores até o uso da tecnologia, o marketinge as práticas de contabilidade. O que você faz agora, qualquerque seja o seu cargo, qualquer que seja a sua empresa, vaisofrer mudanças profundas. Na nova economia, funciona uma novalógica - que produz algumas histórias pitorescas, masimpactantes e reveladoras: • O indiano Kartik Ramakrishnan, de 28 anos, estudante denegócios da Universidade de Stanford, alojou-se em julho noapartamento de um amigo que estava se mudando, na Califórnia.Em janeiro, ele tinha montado uma empresa digital junto com oirmão, a Quiq, para fornecer mecanismos de interação entresites na Internet. Seu escritório consistia no quarto semmobília nenhuma, a não ser um colchão de 75 dólares, umacadeira quebrada e uma mesinha de cabeceira, onde ficava ocomputador. (O teclado tinha que ficar no colo dele.) Nesse"escritório", Kartik recebeu, entrevistou e contratou umconsultor da Booz Allen & Hamilton, que, para trabalhar paraKartik, largou seu escritório no centro de São Francisco, comvista para a ponte Golden Gate e um tipo diferente de mármoreem cada elevador. Kartik entrevistou ainda outra consultora daBooz Allen, a mesma que tentava contratar o amigo que lheemprestou o apartamento. (Nenhum dos dois conseguiu contratarseu alvo.) • Outro aluno de Stanford, Rodrigo Sales, criou uma companhiachamada AuctionWatch.com, um fórum de discussão para leilões,ao mesmo tempo que seguia o curso como estudante de tempointegral. Há algumas semanas, conseguiu financiamento queavaliou sua empresa em 10 milhões de dólares. • Oki Matsumoto, sócio do grupo de investimentos Goldman Sachsno Japão, decidiu largar o emprego no fim do ano passado, apoucos meses da abertura de capital da firma, que lhe prometiauma participação avaliada em 20 milhões de dólares. Matsumotodisse que não podia ficar na empresa - mesmo embolsando 20milhões de dólares - porque tinha que aproveitar a"oportunidade histórica" da desregulamentação do setorfinanceiro japonês, e abriu uma corretora on-line, a Monex. • Bill Burnham empregou-se na Booz Allen em 1993 e, para um deseus primeiros projetos, fez uma pesquisa sobre as práticasbancárias on-line. Esse estudo acabou sendo publicado, eBurnham tornou-se da noite para o dia um especialista em

financiamento e comércio eletrônicos. Logo foi contratado comoanalista por um banco, depois por outro, de mais prestígio,depois por um terceiro, o CS First Boston, como analista-chefede comércio eletrônico. Em agosto, segundo o Wall Street Journal,deixou esse emprego, de 4 milhões de dólares anuais, paratornar-se sócio de um fundo de capital de risco formado peloSoftbank. • Nesse mundo novo, pelo menos enquanto ele é assim tão novo,uma empresa ter lucro pode ser um dado irrelevante. O queimporta é a "conquista de espaço" e o otimismo que isso geraentre investidores para a possibilidade de lucros futuros,muitas vezes em outros negócios relacionados à empresa. (Essafebre teve uma correção: a cotação das empresas digitais nabolsa de Nova York caiu de 30% a 50%, do ano passado paraeste, e a "conquista de espaço" já é hoje muito mais bemavaliada.) Ainda há apego ao velho modo de pensar os negócios, é claro.Laércio Cosentino, presidente da empresa de software de gestãoMicrosiga, diz que há companhias voltadas para a produção ecompanhias voltadas para ter ganhos na bolsa. "Os critériospara valorização nem sempre são lastreados na realidade",afirma. Mesmo assim, não sendo bobo nem nada, Cosentino játratou de arranjar um sócio internacional, para abrir capitalem 2001. Empresas alemãs costumavam recusar-se a vender açõesna Bolsa de Nova York, alegando que a exigência de publicarrelatórios trimestrais distorcia as prioridades do negócio eafastava a gerência dos interesses adequados a longo prazo.Toda essa argumentação foi por água abaixo quando anecessidade de capital para financiar sua reestruturação eexpansão obrigou a Daimler Benz a mudar de idéia. Por bem oupor mal, todas as companhias terão que se render às mudançasque a nova economia está trazendo.

UMA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL?

Espera-se que essas mudanças sejam tão profundas, tãoradicais, que vários autores se referem a esse novo mundo comoa sociedade pós-industrial. Para o sociólogo Manuel Castells,é bobagem. "Enquanto teorizamos sobre o pós-industrialismo,percebemos que estamos vivendo uma das maiores ondas deindustrialização da história, se utilizarmos um indicadorsimples como o número absoluto de trabalhadores do setor

industrial", afirmou em seu livro A Sociedade em Rede (editora Paze Terra). Uma mesma idéia alimenta tanto os cenários otimistas quanto ospessimistas sobre o pós-industrialismo: a idéia da automação,do progresso tecnológico, junto com a concentração de produçãonas mãos dos grandes conglomerados e o fim das barreiras deproteção a indústrias locais. No cenário pessimista, os ricosficam muito mais ricos e os pobres ficam na miséria, ascidades voltam a ser muradas como na Itália medieval, aselites contratam exércitos particulares, os Estados nacionaisperdem poder e sentido, na medida em que já não conseguemarrecadar impostos nem impor a lei. Um dos campeões dessavisão pessimista é Jeremy Rifkin, autor do livro O Fim doTrabalho (Makron Books), de 1995, que prevê uma era dedesemprego. "A característica mais marcante de todos esses trabalhosprenunciadores de uma sociedade sem emprego é que eles nãooferecem dados rigorosos e coerentes para suas afirmações,contando com recortes soltos de jornais, exemplos aleatóriosde empresas de alguns países e setores e argumentos do sensocomum sobre o impacto 'óbvio' dos computadores no emprego",afirma Castells, um intelectual respeitado que se esmerou em12 anos de pesquisa para escrever seu trabalho sobre a era dainformação. (Conte-se a favor dos pesquisadores de recortes dejornais que, nos 12 anos de estudos de Castells, o mundo mudoumuito.) "É no mínimo surpreendente ver o crédito que a mídia dá alivros como o de Rifkin, anunciando o 'fim do emprego',publicado em um país (os EUA) onde, entre 1993 e 1996, foramcriados mais de 8 milhões de empregos", diz Castells. "Defato, o trabalho e o emprego passam por transformações, mas onúmero de empregos remunerados no mundo, apesar da situaçãodifícil da Europa Ocidental, está em seu pico histórico maisalto e em expansão. As taxas de participação da força detrabalho da população adulta estão se elevando em todos oslugares em virtude da incorporação sem precedentes dasmulheres no mercado de trabalho. Ignorar esses dadoselementares é ignorar nossa sociedade." Ora, então não existe razão para essa angústia com odesemprego? Os pessimistas estão totalmente errados? Não é bemassim. Uma das profissões que mais crescem nos EUA é a deguarda de segurança. As previsões são entre 24% e 40% de

crescimento de 1990 até 2005. Em São Paulo, já se instalou atépara a classe média o negócio de blindagem de carros. Quantoaos empregos, há um dado mais preocupante: uma característicada economia de hoje é que, quando a produção cai, o nível deemprego também cai, como sempre foi, mas, quando a produçãovolta a subir, já não é mais automática a volta dos empregos,graças aos ganhos de produtividade. Segundo um estudo daComissão da União Européia, entre 1970 e 1992 a economia dosEUA cresceu 70% e o nível de emprego, 49%. A economia japonesacresceu 173% e o emprego, apenas 25%. A da União Européiacresceu 81% e seus empregos, só 9%. Como aponta Castells, a questão não é que o emprego estejaacabando, mas sim que ele está mudando. Primeiro, está mudandogeograficamente, para onde é mais barato, por efeito daglobalização e da desregulamentação. Em segundo lugar, oemprego está mudando de natureza. Há um trabalho maisinteligente em campo, e a mão-de-obra tradicional está ficandosem opção. São Paulo, cujos índices de desemprego estão pertodos 20% (pelo método do Dieese), também viu crescer aremuneração nesta década, e os salários na capital corporativado país são hoje 40% maiores do que a média nacional. É aí que entra a visão dos otimistas. "A sociedade pós-industrial produz bens imateriais: informação, serviços,ética, estética", disse Domenico De Masi, em palestra em SãoPaulo. "Isso não significa menos bens materiais, significamenos gente envolvida com isso, mas com até mais produtos."Curiosamente, é um argumento parecido com o que Karl Marxescreveu em 1857: "É chegado o tempo em que os homens não maisfarão o que as máquinas podem fazer". Por esse raciocínio, aatual ansiedade pela perda de empregos é similar à do final doséculo 19, quando a agricultura foi sendo mecanizada. Nos EUA,4,4 milhões de trabalhadores rurais perderam o emprego, masnos 100 anos seguintes foram criados 100 milhões de postos nopaís. "Em linhas gerais, cada vez que a inovação tecnológica eestrutural permite transferir o esforço humano para asmáquinas, surgem duas análises diferentes: num primeiromomento, o fenômeno é percebido como desemprego e como ameaçaao equilíbrio social; apenas num segundo tempo é percebidocomo libertação da escravidão do trabalho, da carestia e datradição", afirma De Masi, no livro Desenvolvimento sem Trabalho,da editora Esfera. Numa perspectiva histórica, a luta pela

manutenção dos empregos em fábricas é ilógica. Como dizemJames Dale Davidson e William Rees-Mogg, em The Sovereign Individual(O Indivíduo Soberano): "Se ouvirmos os críticos da época, oadvento dos empregos nas fábricas era um mal sem precedentes euma exploração da classe trabalhadora. Mas agora parece que aúnica coisa pior do que o advento dos empregos em fábricas é oseu desaparecimento. Os bisnetos daqueles que reclamavam daintrodução dos empregos em fábricas estão agora reclamando dadiminuição desses empregos, que oferecem altos salários paratrabalhadores pouco habilitados". Mal comparando, seria comose os escravos libertados em 1888 no Brasil se ressentissem dasua expulsão da senzala - o que de fato aconteceu,especialmente entre os escravos velhos, que, tendo deenfrentar o racismo, não tinham para onde ir nem comotrabalhar.

EMPREGOS DO FUTURO

De acordo com os jornalistas do Wall Street Journal Bob Davis eDavid Wessel, autores de um livro com o sugestivo título deProsperity, não há motivo para se preocupar: "Assim como ariqueza de hoje permite que se empreguem pessoas em serviçosque ninguém imaginava no passado, novos empregos de serviçosvão substituir os empregos de fábrica nos próximos anos". Aspessoas ficam angustiadas porque não vêem esses empregossubstitutos, mas elas só não os vêem porque eles ainda vão sercriados. Não são todos que concordam com essa visão cor-de-rosa. Dizemos críticos que, embora isso sempre tenha sido verdade, destavez não vai ser. Desta vez, dizem os pessimistas, não haveránova indústria para absorver os desempregados. A argumentaçãoé que, se menos gente faz mais coisas, as pessoas que sobraramficam sem ter o que fazer. Essa lógica, embora poderosa, nuncase comprovou na história da humanidade. Ela só faz sentidoquando aplicada a universos finitos, em que os recursos podemser exauridos. Por exemplo, o uso vai fazer o petróleo acabar,o desmatamento maior do que o plantio elimina as florestas.Essa lógica faz menos sentido quando se trata de produtos,porque há uma capacidade humana ilimitada de criar novasnecessidades e novas formas de satisfazê-las. (Toda a expansãodo setor industrial é uma prova disso.) Por isso, mesmo que sefaça muito mais com muito menos, sempre há mais a fazer. Nummundo dominado pela produção de conhecimento, essa lógica faz

ainda menos sentido, porque já não há sequer dependência deprodutos. (Aí entra como exemplo a expansão do setor deserviços.) Mais: no mundo em que o conhecimento é um produto,a relação produção-consumo é totalmente alterada - consumirdeixa de ser sinônimo de fazer desaparecer. Quanto mais houverconhecimento, mais se criará; quanto mais se gasta, mais setem. A imaterialidade (com a rapidez e a flexibilidade vinculadas aela) é um dos motivos da desenfreada expansão da Internet, umadas maiores esperanças de criação de empregos do futuro.Segundo o Global Internet Project, um grupo de comércio decomputadores, a Internet criou 760 000 empregos nos EUA em1996, quando começou a ser levada a sério pelo mundocorporativo. No ano passado, a rede já tinha 1,2 milhão deempregos nos EUA. É mais ou menos assim que acontece: ao fazerentrevista para contratação na empresa de software SiebelSystems, um jovem estava sendo convidado para unir-se a umacompanhia de 1 300 funcionários. Quando começou a trabalhar,três meses depois, a empresa tinha 2 500 empregados. Embora seja praticamente inquestionável que a nova economiarepresenta um progresso, há um problema sério: a falta desincronia (o que alguns antropólogos apelidam de abismocultural), que acontece principalmente no mercado de trabalho.Quando uma indústria é substituída por outra, em geral essanova indústria gera mais riqueza. Se não fosse assim, a novaindústria não suplantaria a primeira - e a história humana,desde a revolução da agricultura, comprova esse raciocínioquase tautológico. O problema é que o trabalho nessa novaindústria é de natureza diferente do anterior. Há maisoportunidades, mas, para os indivíduos moldados pela realidadeantiga, a adequação é, na maioria dos casos, difícil edolorosa. Várias vezes, impossível. (É o que o economista JohnMaynard Keynes definia como desemprego tecnológico: quando aeficiência técnica se desenvolve num ritmo mais rápido que acapacidade da economia de encontrar novos usos para otrabalho.) Surge daí o paradoxo do progresso. Ele éintrinsecamente bom, senão não seria progresso, mas nãonecessariamente bom para os seus contemporâneos. Há toda umaindústria da nostalgia que se baseia nessa falta de sincronia.O melhor exemplo de abismo cultural vem da Bíblia. Quando Moisésliderou o povo hebreu na fuga do Egito, segundo o relatobíblico, ficou vagando 40 anos no deserto. Não que Moisés

fosse um dos líderes mais indecisos da história da humanidade.(Era, sim, e isso talvez seja um excelente exemplo para os quesó acreditam nos homens de ação, mas não foi esse o motivo dademora.) A justificativa para não levar seu povo à terraprometida era que uma geração de escravos não seria capaz decriar uma nação livre. Era preciso esperar o nascimento deoutra geração. O próprio Moisés (mais uma lição para oslíderes) nunca pisou na terra prometida.

QUEM É O DONO DA INTELIGÊNCIA?

Em tempos de grandes mudanças, a falta de sincronia produz umdramático desencontro entre milhares de pessoas procurandoempregos melhores e várias empresas com vagas que nãoconseguem preencher. Não há solução mágica para esse problema:só uma mudança de mentalidade, tanto das pessoas quanto dasempresas, pode atenuá-lo. A chave é a educação continuada, queexige, da parte das pessoas, desprendimento, humildade edisposição e, da parte das empresas, uma nova percepção do queé investimento. Não que as empresas devam sacrificar-se para arcar com o ônussocial do progresso, não é isso. Para qualquer corpo,biológico ou social, é apenas natural que a questão dasobrevivência venha em primeiro lugar. Para prosperar no novomilênio, uma empresa terá que fazer o que sempre teve quefazer: cuidar dos seus ativos. Acontece que os ativos mudaram.O bem mais valioso da nova economia é a inteligência. Não queinteligência não fosse importante antes, ela sempre foi ofator que determinou a vida ou a morte das empresas. O quemudou agora é que, pela primeira vez na história, a mentehumana é uma força direta de produção, não apenas um elementodecisivo no sistema produtivo. Hoje não se criam apenasinformações que agem sobre a tecnologia, criam-se tecnologiaspara agir sobre a informação. Mudar de mentalidade é uma questão crucial para as empresas,porque a maior parte de seus bens é levada embora, todos osdias, no fim do expediente, para as casas dos seusfuncionários. Como diz o ex-executivo tornado filósofo CharlesHandy, em A Era do Paradoxo (Makron Books): "A inteligência é umaforma instável de propriedade". Esses bens - a própriasobrevivência da empresa - dependem agora de um novo tipo deinvestimento. "O modelo real da organização líder do século 21não existe. Ela deverá ser em parte baseada em tecnologia, em

parte em serviços para o cliente e em parte numa escola paraadultos", diz o consultor Glenn R. Jones, presidente da JonesEducation Networks. No caminho para essa nova mentalidade, não há modelos dopassado que possam ser copiados. Na busca por inspiração,valem até comparações com o mercado amoroso - que sofreutransformações radicais nas últimas décadas, de naturezasemelhante à do ambiente corporativo. (As mulheres passaram ater voz ativa nesse mercado; os relacionamentos são maisflexíveis, menos duradouros; a tradição e a rotinapredeterminada foram substituídas pela busca da emoção e docrescimento pessoal.) Um grande empresário, em conversa comjornalistas da EXAME no ano passado, explicou assim a suapolítica de alianças e fusões: "Nós fazemos como osadolescentes, primeiro 'ficamos' com alguém que nos atraia. Sefor bom, começamos um namoro, que pode acabar em casório ouser apenas um caso". Quase nenhuma empresa deixou de notar a nova importância dorelacionamento com seus funcionários. Não é à toa que já nãose fala em departamento de recursos humanos. As empresasandaram trocando esse nome por Gestão de Talentos,Departamento de Gente, Núcleo de Pessoas, e por aí vai. É umademonstração de boas intenções (ou um belo esforço demaquiagem), mas ainda há muito caminho pela frente. Alguns dosmais fervorosos discursos sobre a importância do capitalhumano foram proferidos pelo camarada Joseph Stalin - que,como se sabe, não era assim tão camarada e costumavadesenvolver seu precioso capital humano em gulags na Sibéria. Charles Handy afirma: "Quando a inteligência é o principalativo, a empresa torna-se mais parecida com uma reunião degrupos de projetos, alguns bastante permanentes, outrostemporários, alguns, ainda, em aliança com outros grupos".Segundo ele, a empresa do futuro "será mais parecida com umcondomínio ou uma associação de moradores temporários reunidospara sua conveniência mútua". Para o consultor de gestãoGifford Pinchot, a evolução das empresas tem três fases:primeiro, a organização hierárquica, em que a ferramentaprimordial é a delegação. Depois, a organização comocomunidade, em que as ferramentas-chave são visão e valorescompartilhados. E, finalmente, a organização como umaeconomia, quando as ferramentas são o empreendimento internolivre, educação e liderança efetiva nos negócios centrais. Não

é preciso acreditar integralmente nessas utopias, mas que háuma clara tendência nessa direção, lá isso há. Motivação viroupalavra-chave na gestão de empresas. A professora de gestão daHarvard Business School Rosabeth Moss Kanter enumera algumasferramentas motivacionais:

Missão : A empresa deve ajudar as pessoas a crer na importância dotrabalho; Controle da agenda : Os subordinados devem ter tempo para trabalhar em projetos queridos; os resultados, e não os procedimentos, devem ser enfatizados; trabalho e decisões devem ser delegados; Aprendizado : Um empregado deve sentir que o trabalho está fazendo sua capacidade aumentar; Reputação : A chance de aumentá-la é um grande motivador; e Divisão da criação de valor : A recompensa pelos resultados deve ser justa.

Na nova economia, jogar a favor dos funcionários é o melhormeio de obter retornos. "Quando as pessoas estão engajadas emprojetos criativos ou de solução de problemas, tendem aaparecer todas as horas, pensar no projeto em suas horas defolga, investir vastas somas de energia física e mental nele",diz Rosabeth.

DEU A LOUCA NO MUNDO? ASSUMA O CAOS

Se estamos num mundo imaterial, liberto de grande parte dasamarras físicas, em que as possibilidades crescem emprogressão exponencial e a maior riqueza das empresas é acontribuição das pessoas em conhecimento, riqueza essa que éilimitada, deveríamos estar todos esfuziantes de entusiasmo,não é? Mas nós somos uns idiotas, mesmo. Não é que conseguimostransformar todas essas promessas maravilhosas do mundomoderno em uma fonte inesgotável de estresse? Parece que os executivos estão liderando o campeonato datensão. Basicamente, porque não sabem como atender a todas asexpectativas criadas pelo novo mundo dos negócios: as empresasprecisam ser globais e locais, pequenas e grandes,centralizadas em alguns momentos e descentralizadas em outros.Os funcionários têm que ser ao mesmo tempo autônomos eintegrantes de equipe, e os gerentes devem delegar mais, mastambém controlar mais. Fácil, não? Uma pesquisa da consultoria Arthur D. Little, feita com 2 800executivos de várias empresas, identificou as principaistensões a que eles se sentem submetidos:

• têm que pensar a longo prazo, mas devem mostrarresultados imediatos;

• são cobrados por inovação, mas não podem perdereficiência;

• devem pensar em escala global, mas não podem perder de vistaas responsabilidades locais;

• têm que colaborar, mas também competir;• têm que fazer os negócios crescerem, mas sem perda dedesempenho;

• devem trabalhar em equipe, mas são cobrados por suaresponsabilidade individual;

• têm que ser flexíveis, mas não podem deixar de seguir ospadrões.

São os tais dos paradoxos da vida moderna. Como lidar comeles? José Elías Alvarez, diretor de estratégia e práticaorganizacional da Arthur D. Little nos EUA, tem uma sugestão:assuma o caos. "Quando chegar a uma encruzilhada, conquiste-a", afirma. Para fazer isso, é preciso entender a natureza dos paradoxos.Segundo o dicionário de filosofia da Universidade de Oxford,resolver um paradoxo envolve ou mostrar que há uma falha naspremissas, ou que o raciocínio está errado, ou que aaparentemente inaceitável conclusão pode, na verdade, sertolerada. "Paradoxos são, portanto, importantes na filosofia,porque até que um deles seja resolvido ele mostra que há algono nosso raciocínio e nos nossos conceitos que nós não estamosentendendo." Como diz o colunista do Wall Street Journal ThomasPetzinger, Jr., no seu livro The New Pioneers (Os NovosPioneiros): "Um paradoxo não é igual a uma contradição. Emborapareçam incongruentes, ambos os termos de um paradoxo sãoverdadeiros em um nível superior". É esse nível superior de entendimento que você e a sua empresaprecisam buscar. Porque, não se iluda, paradoxos econtradições fazem parte da natureza humana, e agora, mais doque nunca, estão no cerne do mundo dos negócios.

2 - As qualidades que vão determinar o sucesso ou o fracasso das empresas

VIDA OU MORTE - As qualidades que vão determinar o sucesso ou o fracasso das empresas

As 7 virtudes capitasUm guia de sobrevivência para as empresas na nova economia

Por David Cohen

Acho graça quando dizem que meu samba é quadrado, que está fora de moda, que é coisa dopassado. Querem apanhar café numa roça de arroz... O samba que eu faço agora viverá amanhã edepois (Ataulfo Alves, Gente de Bem Também Samba)

A simples existência de uma empresa pressupõe que ela tenha ummercado, um produto ou serviço a oferecer e, claro, meios deproduzir e transformar sua atividade em lucros e novosinvestimentos. Em qualquer instante, são essas ascaracterísticas que definem a empresa: o que ela faz, paraquem faz, quanto faz. Mas as empresas também mudam, algumasvezes radicalmente. A Nokia, que há duas décadas produziapapel, é agora líder do mercado de telefones celulares naEuropa. A Mitsui, que fabricava cortinas no século 17, foicambista oficial do governo japonês no século 18 e hoje estámetida em quase todos os ramos de atividade empresarial(comércio, finanças e manufatura). Ao longo do tempo,sobreviver e prosperar significa adaptar-se e mudar. Issosempre foi verdade. O que há de diferente nesta entrada donovo milênio é que o tempo encurtou. Mudanças que apareciam emgerações agora surgem de um ano para outro. Se lidamos com essa nova realidade - a inconstância darealidade -, uma outra dimensão das empresas começa a ganharimportância: como elas fazem o que fazem, e por que fazem.Ganha importância um outro tipo de características, qualidadesintangíveis, incapazes de definir as empresas em qualquer dadomomento, mas que permitem que elas sobrevivam às mudanças. Ou,mais que isso: que provoquem as mudanças e se alimentem delas.As qualidades mais importantes para prosperar num mundoinstável são virtualidade, conectividade, capacidade deadaptação, rapidez, consciência, emoção e inovação.

• O mercado na contramão : A conexão permite um caminho de duas vias.O tradicional, do fornecedor para a empresa e dela para o consumidor. E o inverso, do consumidor para a empresa e desta para o fornecedor. Há dois fenômenos que reforçam esse caminho inverso. Primeiro, a possibilidade tecnológica de unir a produção em massa ao mercado por encomenda. Segundo, a concorrência pela atenção dos consumidores.

• A Chrysler está colocando todo o seu inventário de carros usados na rede.A Toyota quer que seus clientes possam pedir o carro da fábrica com asespecificações que quiserem, para ser entregue duas semanas depois em umaconcessionária. • O serviço de notícias brasileiro NewsMiner permite que os assinantesescolham que tipo de notícias querem receber. • Algumas companhias da Internet nos EUA estão dando um PC para que oconsumidor veja anúncios. Um dos cenários possíveis para o futuro é que consumidores participem doprojeto dos produtos que querem comprar e intermediários contatem asfábricas para montar os artigos ao gosto do freguês. Você está preparadopara passar o comando da sua empresa para os consumidores?

• Conexão pela Internet : Acessar a Internet não é sinônimo deconectar-se, mas é cada vez mais uma condição necessária. A Internetacelera o processo. (Literalmente: multas por alta velocidade já podem serpagas em alta velocidade, em vários sites de departamentos de trânsito.)Algumas estimativas sugerem que a quantidade de conteúdo da Web dobra acada nove meses. A cada segundo, sete pessoas se conectam à Internet pelaprimeira vez. Segundo a Forrester Research, os negócios de empresa comempresa nos EUA atingiram 48 bilhões de dólares em 1998 e estão crescendoao ritmo de 99% ao ano. O guru do marketing Philip Kotler diz que há setemodos de uma empresa usar a Internet: 1 - Fazer pesquisa 2 - Dar informações: propaganda no site, apoio ao consumidor (ex.: PalmPilot), conselhos (ex.: Natura), distribuição de música ou textos, gerenciamento de recursos humanos (intranets), sistema de apoio a revendedores (ex.: Ford) 3 - Promover fóruns (como faz a Harley-Davidson, que incentiva a criação dacomunidade de consumidores de suas motos) 4 - Fazer treinamento 5 - Comprar e vender (Dell, Amazon, GE) 6 - Fazer leilão (eBay, GE) 7 - Entrega de bits (música, livros, pareceres técnicos)

O REAL É VIRTUAL

No segundo andar do prédio da Xerox, na Avenida RodriguesAlves, no centro do Rio de Janeiro, trabalham funcionários de18 empresas. Não é um andar sublocado. Todos essesfuncionários prestam serviço para a Xerox, obedecem aoshorários da Xerox, respondem a chefes da Xerox. Mas são pagospor outras firmas. O contrário também é verdadeiro. A Xerox"invisível" (um termo usado pela direção da companhia) já émaior do que a Xerox visível: dos seus 11 000 funcionários, 6000 trabalham em outras companhias. Segundo o diretorsuperintendente Guilherme Bettencourt, a tendência da Xerox éfuncionar como um departamento dentro da empresa cliente.

Assim como a queda do Muro de Berlim, em 1989, representou afalência dos regimes totalitários do Leste Europeu, um dosprincipais símbolos da revolução corporativa do novo milênio éa demolição das fronteiras nas empresas. "Em vez dasfronteiras rígidas das organizações de hoje, entredepartamentos, processos, produção, a organização do futuroterá fronteiras permeáveis, como as membranas flexíveis emóveis de organismos vivos", diz o consultor Ron Ashkenas, daRobert H. Shaffer & Associates. A permeabilidade das fronteiras é a primeira característica deuma empresa virtual. Será cada vez mais difícil dizer ondetermina uma empresa e onde começa outra, se você trabalha emdesenvolvimento de produtos ou marketing, em vendas oucontabilidade. Essa empresa virtual, que pode erguer edestruir paredes ao seu bel-prazer, tem a enorme vantagem deser grande e pequena ao mesmo tempo. É o caminho que estãoseguindo várias grandes empresas, como Alcan e Rhodia,separando seus centros corporativos das unidades operacionais- aqueles, preocupados com a identidade da empresa, políticasgerais e busca de novas oportunidades; estas, com a produção einovação de serviços. É uma forma de atingir o tamanho ideal:grande para ganhar escala, pequena para ter motivação deartesão. No limite, a empresa pode se tornar efetivamente virtual, ouseja, imaterial. O exemplo mais citado é a Cisco, empresa deequipamentos de telecomunicações. A Cisco praticamente não temfábricas, e 85% de suas vendas são feitas pela Internet. O quea Cisco faz é coordenar tecnologia, produção terceirizada emarketing. Ou a Dell Computers, que vende quase 20 milhões dedólares em computadores por dia, de seu site na rede. Osfornecedores da Dell têm acesso em tempo real às informaçõessobre vendas, o que lhes permite organizar a produção deacordo com elas, e os clientes podem se conectar à cadeia pelaInternet, o que lhes permite acompanhar seu pedido desde afábrica até a entrega. Afinal, onde começa e onde termina aDell? Certo, você pode achar que esses são exemplos doparticularíssimo mundo da informática. Vamos a um caso maispé-no-chão: a Nike não tem nenhuma fábrica. A Nike não faztênis. O que a Nike faz é construir sua marca, coordenar aprodução em fábricas associadas, escalonar a distribuição. Ah,sim, e recolher os lucros. Há outros casos:

• A empresa de biotecnologia Monsanto tem uma extensão nosEstados Unidos: a Federal Express. É a FedEx que transporta eestoca os contêineres da Monsanto. Ela tem até um serviço deatendimento a clientes (e seus empregados atendem respondendo"Monsanto"). A FedEx recolhe as dúvidas e as passa para umaequipe de especialistas, depois responde, fecha a venda, faz aentrega dos produtos, cobra e manda a fatura. • A Visa faz mais de 7 bilhões de transações por ano, umfaturamento de 650 bilhões de dólares, mas "pertence", se éque se pode usar esse termo, às mais de 20 000 instituiçõesfinanceiras que são suas clientes. • A Aprilia, produtora italiana de motos, não fabrica umaúnica peça de motocicleta. Assim como com a Benetton e aGucci, quem fornece o produto que leva seu nome é uma rede depequenas empresas familiares, solução típica da Itália. Nesse caminho para a virtualidade, não estamos falando apenasde terceirização. Às vezes o trabalho é passado para o própriocliente - como fazem as caixas automáticas dos bancos; como aTok Stok, cujos móveis são montados pelo próprio comprador;como o Shouldice Hospital, de Toronto, faz com a preparação depacientes para cirurgia de hérnia. Também não é apenas desagregação da empresa em pedaçosmenores. Pensar virtualmente é, em vez de ficar realocandoseus bens, partir do princípio de não ter nenhum bem e buscarjustificativas para tudo o que tiver que possuir. O queimporta na virtualidade não é a sua oposição ao mundo físico.Até porque é no mundo físico que nós vivemos. O que importa éque ela permite a exploração de um universo ilimitado, além deeconomias brutais em infra-estrutura e aumento de eficiência. No mundo com fronteiras mais permeáveis, também estão sendodemolidas as paredes entre os setores industriais. A empresaamericana Circuit City, que vendia rádios e amplificadores,passou a vender carros usados. Nos países escandinavos, aShell (aquela mesma, a companhia de petróleo) é a maiorvendedora de lingüiça embalada. Até os serviços e produtosestão sendo invadidos por essa nova lógica da virtualidade."Produto é só um meio de tirar nota fiscal. O que importa é oconteúdo", diz o consultor José Carlos Teixeira Moreira, daJCTM Marketing Industrial. A livraria virtual Borders e outrasjá estão investindo em máquinas que permitam imprimir na horao livro pedido pelo cliente, o que acabaria com a necessidadede estoques. A editora americana Matthew Bender, que vendia

por milhares de dólares enciclopédias ou CD-ROMs de referênciapara advogados, agora usa a Internet para vender apenas aspartes relevantes de informação, cobrando de 6 a 35 dólares.Isso sem falar no padrão MP3, que possibilita a distribuiçãode música pela Internet. É claro que não são todos os artigosque permitem essa desmaterialização, mas há uma migração geraldo produto para o relacionamento, e não é de hoje. Há muito aGillette subsidia os barbeadores, para vender lâminas. A Kodakpraticamente deu a câmera Instamatic aos consumidores, paravender filmes. E os filmes são baratos, para poder vender arevelação. No mundo virtual, essa tendência se intensifica:menos importância do produto, mais do conteúdo e dorelacionamento. Outra característica da virtualidade é a transparência. "Tudoo que você faz, numa sociedade em que não há mais distinçãoentre o tempo de ação e de informação, deve ser publicável.Transparência passou a ser precondição de sobrevivência",afirma o consultor Ricardo Guimarães, da GuimarãesProfissionais. Isso não é uma preocupação, é uma vantagem.Como diz Chuck Martin, no livro O Futuro da Internet (Makron),"quando o cliente se acostuma com o seu método, eledificilmente vai procurar outro". O mesmo vale para asparcerias. Uma conseqüência da virtualidade, da falta de fronteirasseguras, é que a companhia não promete mais tomar conta doempregado - o que é muito justo, porque essa promessa seriafalsa e vazia no mundo de hoje. Talvez até no mundo de ontem.Nos EUA e na Grã-Bretanha, a duração média de um empregocontinua a mesma desde a década passada, por volta de seisanos. Até o tão decantado emprego vitalício no Japão só seaplicava a um terço dos trabalhadores do país, incluindo osetor público. É bom que o novo discurso reconheça a realidadeque de uma forma ou de outra sempre esteve presente no mercadode trabalho, mas era camuflada por uma retórica paternalista:cada um é livre e responsável pelos rumos de sua carreira. Nãoé um mundo perfeito, mas é um mundo menos hipócrita. Segundo Charles Handy, ex-professor de negócios da LondonBusiness School, a organização de hoje é um lugar 20 por 80,em que apenas 20% das pessoas envolvidas são empregados dehorário integral. Os outros são fornecedores, contratantes,empregados de tempo parcial ou profissionais auto-empregados."Mais e mais, a organização é uma caixa de contratos, em vez

de uma casa para a vida toda para todas as pessoas." Talvezseja exagero, mas a Organização para Cooperação eDesenvolvimento da Europa, OCDE, e a Organização Internacionaldo Trabalho, OIT, relatam que o trabalho de meio expedienteaumentou durante a década de 80 em praticamente todos ospaíses desenvolvidos, subindo cerca de 30% e alcançando 50milhões de pessoas. Em compensação, a taxa de auto-emprego nosEUA tem-se mantido estável em 8,5% nos últimos 40 anos, o queparece desmontar a difundida tese de uma futura sociedade deagentes livres. A maioria de nós quer liberdade, mas quertambém uma estrutura. Essa estrutura é a empresa. Não a velhaempresa compacta, mas a empresa virtual, que funciona cada vezmais na lógica da rede.

A LIBERDADE É CONECTADA

Por volta de 2003, daqui a pouco mais de três anos, pelo menos40% das grandes organizações vão adotar o sistema de empresavirtual, conectando não apenas sua cadeia de fornecimento, mastoda a cadeia de valores. A previsão é do americano DavidWhitten, vice-presidente de pesquisas do Gartner Group. "Issotraz desafios: modelos de negócios emergentes,interdependências externas, redefinição de papéis e funções,invenção de novos processos", afirma Whitten. "As empresas vãoter que migrar da infra-estrutura para a extra-estrutura." Emoutras palavras, vão ter que se conectar. Alguns teóricos, como Allan Cohen, reitor da escola denegócios americana Babson College, chamam isso de empresaestendida. É como funciona, em certa medida, a Wal-Mart.Quando os fornecedores lhe enviam produtos, eles nem entram naempresa - são passados direto do caminhão em que chegaram parao caminhão que os enviará a alguma loja. Um indício de que asempresas caminham para a conectividade é a sua crescenteintegração. "Até o começo da década, não havia pesquisa daindústria para medir a satisfação do distribuidor", diz NelsomMarangoni, presidente da Research International do Brasil."Hoje, já nos encomendam pesquisas sobre satisfação do clienteintermediário." Outra área em expansão são pesquisasencomendadas pela indústria para ajudar o varejo a vender seusprodutos. Integração dificilmente pode ser um termo definido comonovidade. O que é novo é que a lógica das redes cruzou o pontoem que podia apenas ser citada como exemplo e tornou-se a

própria essência do mundo dos negócios. Segundo o sociólogoManuel Castells, já não se pode dizer que a economia mundialseja centrada nas empresas multinacionais. Mesmo que elascontinuem a exercer controle oligopolista conjunto sobre amaioria dos mercados, diz Castells, a maior parte dasmultinacionais participa e depende de diferentes redes, sejamde produtos, processos ou países. Castells nota que a produçãoe as vendas na economia mundial mais do que triplicaram nosúltimos 30 anos, mas desde meados dos anos 60 a maioria dasgrandes empresas americanas, européias e japonesas perdeuparticipação de mercado. O que vale, portanto, não é otamanho, mas a posição. O que define a importância de umaempresa é qual nó da rede ela ocupa, que processos passam porela, a quantos mercados, empresas ou clientes ela se conecta. Há uma palavra japonesa que define bem essa conexão deempresas: keiretsu, que significa literalmente "união semcabeça". Este é o nome dado às redes de companhias japonesasindependentes que possuem parcelas umas das outras e trabalhamjuntas de vários modos. Isso não é exclusividade dosorientais. A americana Pinnacle Alliance, por exemplo, umaempresa de gestão de tecnologia da informação, é uma parceriaentre Computer Sciences, Andersen Consulting, AT&T Solutions eBell Atlantic Network Integration. Os dois primeiros sãoinimigos ferozes no campo da tecnologia da informação, os doisúltimos são adversários inconciliáveis em telecomunicações.Outra forma de integração é a da Chrysler. Ela reduziu seusfornecedores nos EUA, dos 2 500 da década passada para 1 140,e passou a se envolver diretamente no desenvolvimento daspeças. Também a Coca-Cola está trocando o processo deengarrafamento no mundo todo. Saem as pequenas empresasfamiliares e entram as multinacionais, das quais a Cocaadquire participação acionária. Alguns outros exemplos de integração: • Há seis anos, a Fiat pegou as prensas e funcionários de sua fábrica deBetim e levou tudo para Ipatinga, a mais de 350 quilômetros de distância,para fazer suas chapas para carros dentro da sede da Usiminas. O acordoagregou valor para o aço vendido pela Usiminas e economizou espaço nafábrica da Fiat.

• Empresas farmacêuticas como Amgen, Novartis, Rhône-Poulenc e Roche têmparticipação nos departamentos de pesquisa de pequenas empresas debiotecnologia. "Levando em conta que, para uma nova molécula virar umadroga comercial, se passam em média 12 anos com gastos de 600 milhões dedólares, as companhias têm que estabelecer redes num mar de inovações",

diz Georges Haour, especialista em gestão tecnológica do InstitutoInternacional de Desenvolvimento de Gestão (IMD, com sede na Suíça).

• A Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, que há quatro anos tinha 15alunos fazendo intercâmbio, hoje tem 75 (60% na Europa, 40% nos EUA).Segundo o diretor da escola, Alain Stempfer, a GV tem parcerias com 43universidades estrangeiras.

Criar essa integração é mais ou menos como estender afilosofia de trabalho em equipe para fora da empresa. Paraisso, é necessária outra mentalidade. Na empresa deequipamentos de informática Bull do Brasil, o profissional definanças requerido deixou de ser o especialista emcontabilidade e passou a ser um gestor de relacionamentoadministrativo-financeiro com o cliente. Ninguém disse que integrar-se é fácil. Como afirma o ex-executivo da Shell Arie de Geus, no livro A Empresa Viva(Campus), comportar-se com preocupações de ecossistema requerum salto de fé: acreditar que você vai estar mais protegidopela harmonia e pelo companheirismo do que pelaterritorialidade e pela força de vontade. Por mais que possaser complicado esse salto de fé, não há escolha. O mundocaminha para o outro lado do abismo. O exemplo mais claro, denovo, vem da Internet. Um dos critérios que começam a se impornos programas que listam páginas da Web é ordená-las de acordocom o número de conexões que tenham. Quanto mais ligações comoutras páginas - de parceiros, de sites complementares, até deconcorrentes -, mais bem colocada estará a empresa na lista. Este é o paradoxo da coopetição (cooperação + competição), umtermo inventado pelo consultor americano James Moore em O Fimda Concorrência (Futura). "A forma tradicional de pensar emconcorrência é em termos de ofertas e mercados. Seu produto ouserviço é confrontado com o do concorrente, e um deles vence.Mas o novo paradigma refere-se à criação de mercados. Trata-sede definir e ajudar a modelar redes de contribuições eprocessos com a finalidade de tecer novas e ricas tapeçariaseconômicas", diz Moore. Alguns exemplos de coopetição: • Cirurgiões de cinco hospitais da Nova Inglaterra (EUA) passaram todo oano de 1996 observando uns aos outros e conversando sobre o seu trabalho.O resultado foi uma queda de 24% de mortes nas cirurgias de ponte desafena, o equivalente a 74 vidas salvas.

• Philips, Sony e outros competidores estão unidos desenvolvendo padrõestecnológicos para discos ópticos. Em setembro, a IBM decidiu que vaipassar a vender tecnologia para empresas rivais.

• A United Airlines lançou um serviço para facilitar as combinações de vôosde seus passageiros - e o serviço permite comprar a passagem e escolheruma poltrona também nas linhas aéreas concorrentes.

Alianças serão o principal negócio de todas as companhias donovo milênio, em qualquer ramo. (A IBM fez mais de 800alianças nesta década. Metade do calhamaço de papéis sobre amesa do escritório de António Firmin, presidente do grupo dehotelaria e serviços Accor, é de projetos de parcerias.) Aocomentar o trabalho que espera os executivos na nova economia,o guru da administração C. K. Prahalad põe no alto da lista"conceber e executar estratégias complexas, não só para ganharlucro ou participação de mercado, mas para influenciar aevolução de padrões da indústria e entrar em novos mercados".Essas estratégias podem ser seguidas pela empresa sozinha, masno mais das vezes terão de incorporar fornecedores, clientes,colaboradores e concorrentes.

A FORÇA É ADAPTÁVEL

• A companhia sueca Stora tem sete séculos de existência. Jáfoi mina de cobre, já teve uma organização militar que lutoucontra o rei da Suécia, já explorou florestas, produziu aço,energia hidrelétrica, e agora faz papel, polpa e produtosquímicos. Suas tecnologias também mudaram, do vapor para acombustão interna, para a eletricidade e agora para omicrochip. • Após 111 anos funcionando como companhia elétrica, aWestinghouse foi dissolvida em 1997 para se concentrar nogrupo de mídia CBS. • Supermercados britânicos começaram a vender gasolina, eagora detêm 25% das vendas do produto no país. Em resposta,os postos estão abrindo lojinhas que vendem comida e outrosprodutos. Na Escandinávia, a tendência foi tão longe que aTexaco abriu um posto de gasolina que não vende gasolina. • Quando fracassou no mercado o seu primeiro projeto, umhidroavião, a Boeing se sustentou fabricando móveis. • Para ser mais eficiente, a empresa de caminhões SchneiderNational inventou um sistema de logística para economizarcombustível e horas de trabalho. Mudou de ramo. Hoje vende osistema de logística, e entre seus clientes está a GeneralMotors.

A idéia de adaptação de uma empresa se espelha no conceitodarwiniano de evolução das espécies - só sobrevivem aquelasque conseguem se adequar às mudanças do meio ambiente. Seradaptável é estar preparado para as mudanças. Mas como saberque mudanças virão? Segundo David Ingvar, ex-chefe doDepartamento de Neurobiologia da Universidade de Lund, naSuécia, a solução é criar "memórias do futuro". Ingvar diz queas pessoas estão constantemente fazendo planos, fantasias,cenários, e as lembranças desses planos e conceitos têm para océrebro a mesma natureza das memórias de acontecimentospassados. A forma mais efetiva de criar essas memórias do futuro é oplanejamento de cenários. "Aprender a focar cenários para oobjetivo de um negócio foi a contribuição da Shell, no finaldos anos 60", afirma o ex-executivo da empresa Arie de Geus."Os planejadores de cenário da Shell se gabam, corretamente,de ter se preparado para as crises de 1973 e de 1979: ocrescimento de conservação de energia e a redução da demandapor petróleo, a evolução do movimento ambiental global e até ocolapso da União Soviética." Para planejar bem, é preciso ter o máximo de visõesdiscordantes, com o máximo de opiniões heterodoxas - vindas debrincadeiras de crianças, visitas a museus, livros dehistória, mas sem descuidar dos livros e revistas de negócios,das opiniões de especialistas e do pessoal interno. Uma vezescritos, os cenários devem ser testados e quantificados com aajuda de modelos de simulação e bancos de dados, pararestringir a atenção aos que são mais prováveis, consistentese lógicos. Houve um tempo em que se acreditava que preparar-se para ofuturo era simplesmente extrapolar as linhas dos gráficos paraos anos seguintes. Chamava-se a isso de planejamento. No mundoinstável, esse futuro linear não chega nunca. Preparar-se parao futuro, hoje, é preparar-se para o máximo de possibilidades.

A PERFEIÇÃO É RÁPIDA

Uma lenda chinesa conta a história de Chuang-tzu, um homemmultitalentoso a quem o rei pediu que fizesse o desenho de umcaranguejo. Chuang-tzu respondeu que precisaria de cinco anos,uma casa de campo e 12 servos. O rei concordou. Cinco anosmais tarde, o desenho não estava nem começado. "Eu preciso demais cinco anos", disse Chuang-tzu, e o novo prazo foi

concedido. Ao final desses dez anos, o rei voltou para cobrara promessa. Chuang-tzu então pegou seu pincel e, num instante,com uma simples riscadela, desenhou o caranguejo. O maisperfeito caranguejo jamais visto. Essa história é contada pelo escritor Italo Calvino no livroSeis Propostas para o Novo Milênio (Companhia das Letras),representando o tipo de rapidez que ele recomendava para oséculo 21. É claro que isso é uma lenda, e ainda por cimaoriental, com sua tradicional ênfase na paciência. Mas há umcaso parecido, na vida real e no Ocidente. Em 1877, o pintor americano James Whistler fez o quadroNoturno em Preto e Dourado: a Queda do Foguete, para umaexposição britânica em Detroit. Sobre ele, o respeitadocrítico John Ruskin escreveu: "Já vi muita baboseira, masnunca pensei que veria um artista pretensioso pedir 200guinéus por jogar na cara do público um rastro de tinta".Whistler processou Ruskin por danos morais. Durante ojulgamento, ocorreu a seguinte altercação: "Você pede 200guinéus pelo trabalho de dois dias?", disse Ruskin. "Não. Épelo conhecimento que adquiri no trabalho de uma vidainteira", respondeu Whistler, que acabou ganhando o processo.Mas, como isso era na vida real, a indenização foi estipuladaem meio centavo. As despesas do artista com a ação judicialajudaram a levá-lo à falência. De qualquer forma, o conceito sobreviveu. E essa é a rapideznecessária para a sua empresa. Como tê-la? Se você entrar naHonda ou em alguma outra empresa asiática durante uma sessãoNimawashi, verá uma discussão acalorada de executivosexaltados. Pensará que está acontecendo algo crucial eurgente. Mas a reunião se encerra sem nenhuma conclusão. Nãohá ações a serem tomadas, nem recomendações. No dia seguinte,os executivos vão discutir novamente, e novamente não chegarãoa nenhuma conclusão. É o que eles chamam de levantamento dasituação. Discutem por que estão fazendo o que fazem, quaissão as ameaças e oportunidades que os rodeiam, como tornar avida mais simples. Quando uma situação de emergência surgir,estarão preparados para ser rápidos. Como disse Sam Walton, no livro Made in America, ao explicar osucesso da Wal-Mart: "Como a maioria dos sucessos da noitepara o dia, este levou cerca de 20 anos para ser feito." Sóque 20 anos é um tempo de que ninguém mais dispõe."Experiências recentes sugerem que novas empresas levam pouco

mais de dois anos para formular uma idéia de negóciosinovadora, estabelecer uma presença na Web e dominar o setorescolhido. Nessa hora, pode ser tarde demais para negóciostradicionalmente lentos reagirem", escreveu a revista TheEconomist, em reportagem sobre o modo como a Internet estámudando o mundo dos negócios. Por que a rapidez é hoje uma característica tão essencial?Segundo Castells, a economia em rede tem um novo fundamentoético, um novo espírito: "É a cultura do efêmero, uma culturade cada decisão estratégica, uma colcha de retalhos deexperiências e interesses, em vez de uma carta de direitos eobrigações". Para Allan Cohen, do Babson College, as empresas vão ter quemudar estratégias mais rápido, acelerar o ciclo dedesenvolvimento dos produtos, ser muito mais próximas dasnecessidades dos clientes. "Por causa da tecnologia, daglobalização, da privatização e da desregulamentação, asmudanças de expectativa dos consumidores são muito maiores."Uma conseqüência prática é que os ciclos de desenvolvimento deprodutos têm de ser feitos em equipe. "Não dá mais para cadagrupo cumprir a sua função e passar o resultado para outrodepartamento, depois outro", diz Cohen. Outra forma de ser rápido é estar conectado, como no exemploda Wal-Mart, em que as mercadorias vão direto do fornecedorpara a loja de destino. Um terceiro modo é fazer protótipospara testar logo com os consumidores. A Sony é famosa porisso. "Eles não ficam projetando aparelhos perfeitos, colocamcentenas de modelos no mercado e vêem quais os que vendem",diz Cohen. Lew Platt, presidente da Hewlett-Packard, diz que aprincipal competência de sua empresa é "pegar uma idéia,transformá-la num produto e levá-la ao mercado rapidamente". Em um mundo em que o bem mais importante é o conhecimento,rapidez adquire valor de mercado. Um dos mais importantescomponentes do preço de uma empresa da Internet é quantos diaspodem ser economizados comprando a tecnologia da empresa, emvez de desenvolvê-la por conta própria.

O IMPULSO É CONSCIENTE

Se a empresa está ficando virtual, conectada, adaptável erápida, o que lhe garante identidade? Como não se perder nosmeandros da rede, como não se transformar simplesmente numconjunto de pessoas fazendo um determinado trabalho durante

algum tempo, à espera de um projeto novo que pode surgir dequalquer ponto? É aí que entra o caráter. "Caráter é destino",dizia o filósofo grego Heráclito de Éfeso. Segundo o consultorde estratégia Michael Porter, fazer algo que é comprovadamentebom para qualquer empresa, em qualquer situação, não éestratégia. É obrigação. Ter uma estratégia é escolher algoque você sabe - e quer - fazer. É seguir o seu caráter. Empresa nenhuma pode ser otimista quanto ao seu futuro se nãoprestar contas com o passado. Como diz o consultor demarketing industrial José Carlos Teixeira Moreira, modernizaré resgatar o sujeito, analisar e avaliar a história dacompanhia, para descobrir os pontos em que houve criação devalor. "É como na astronomia. Quanto mais se olha para longe,mais se olha para o passado." O próprio aproveitamento de oportunidades depende da culturada empresa. Segundo o sueco Johan Roos, professor do IMD, oque você vê depende de quem você é. "A gestão tem que entenderas normas, crenças, valores e visão de mundo dos empregados,grupos, unidades e da companhia como um todo. Isso forma abase a partir da qual se pode ver o futuro, e decidir quenovos conhecimentos são legítimos e quais não são." A formaque ele sugere para criar laços entre as pessoas é contarhistórias. Conclusões e instruções não dão espaço para opensamento, diz Roos. As histórias, sim, permitem que aspessoas tragam suas próprias interpretações. Segundo osociólogo Richard Sennett, professor da London School ofEconomics e da New York University, narrativas são mais do quesimples crônicas de eventos. "Elas dão forma ao movimento dotempo, sugerindo razões por que as coisas acontecem, mostrandosuas conseqüências." As histórias que as companhias contam sobre si mesmas afetamseu comportamento. Quando a Boeing estava desenvolvendo oavião 747, o diretor Crawford Greenwalt perguntou a um membroda alta gerência qual seria a projeção de retorno dosinvestimentos. O gerente falou que eles tinham feito algunsestudos, mas não chegaram a nenhuma conclusão sobre aestimativa de retorno. Por que então decidiram fazer o novoavião? "Ora, porque nós somos a Boeing!" Perseguir o lucro éimportante, claro, mas a auto-expressão de uma companhia é oque a mantém viva. A Mitsui, por exemplo, era uma corporação gigante com mais de100 subsidiárias em 1945, quando a ocupação americana ordenou

o fim dos conglomerados que dominavam a economia japonesa. Asholdings foram liquidadas. A Mitsui Bussan se dissolveu em 170companhias separadas. Em 1952, com o fim da ocupação, líderesdas pequenas empresas passaram a se reunir regularmente. Poucoa pouco, várias delas voltaram a se unir adotando o antigonome. Embora a Mitsui tenha morrido, sua identidade permaneceuviva nas companhias do grupo. Isso depende da cultura da empresa. Na Alemanha, em condiçõessemelhantes no pós-guerra, o Deutsche Bank foi dissolvido eretornou à força total, com o antigo nome. Já a empresaquímica I.G. Farben foi desmembrada em duas, Basf e Hoechst,que nunca mais se uniram e hoje competem ferozmente entre si. Outro elemento formador do caráter é o propósito. Ele podecriar um ponto de estabilidade e um contexto motivacional paraos empregados. Em chinês, os caracteres antigos para a palavra"negócio", de mais de 3 000 anos de idade, significam"sobrevivência de propósito". O estudo da Shell sobrecompanhias duradouras mostrou uma ligação entre as companhiasde longa vida e um forte senso de valores, diz o ex-executivoArie de Geus. Quando uma empresa tem consciência do seu propósito, ocontrole muda de natureza. "Se você cria um ambiente em que aspessoas participam de verdade, não precisa de controle. Elassabem o que precisa ser feito e fazem", diz Herb Kelleher,presidente da Southwest Airlines, a empresa aérea mais bem-sucedida financeiramente dos EUA. Destruído o mito da empresa-mãe, que recompensa o bom comportamento, a única forma demotivar os funcionários é fazê-los acreditar que as metas dacompanhia vão ajudá-los a atingir suas metas individuais. No livro Making Democracy Work (Fazendo a DemocraciaFuncionar), Robert Putnam diz que não há poder e disciplinahierárquica que substituam a ausência de comportamento cívicoe confiança mútua na comunidade. Mas comportamento cívico nãodeve ser confundido com consenso passivo. Segundo o presidenteda Pfizer, William Steere, é preciso que haja uma tensãocriativa. Senão a discórdia vai ocorrer fora das reuniões, nãodentro; haverá resistência passiva na implementação dedecisões; e, não havendo conflito direto, as pessoas serãoestimuladas a "ler nas entrelinhas" e agir politicamente. Como reconhecer o caráter de uma empresa? Segundo o psicólogoamericano Nathaniel Branden, consultor de auto-estima, um modoprático é perguntar, sobre cada comportamento desejável, se

ele é recompensado, punido ou ignorado pela empresa. Aresposta indica as características com que uma companhiarealmente se importa, não aquelas com as quais ela diz que seimporta. Outra fórmula é dada por James Collins e JerryPorras, em Feitas para Durar (Rocco). Quando você tiveresboçado uma lista de valores centrais da empresa, faça aseguinte pergunta com relação a cada um deles: "Se ascircunstâncias mudassem e nós fôssemos punidos por ter estevalor, em vez de recompensados, nós ainda o seguiríamos?"

O RACIOCÍNIO É EMOTIVO

• A cadeia de lojas de roupas americana Nordstrom tem ummanual de regras implacável. A regra número um diz: "Use obom senso em todas as situações. Não haverá outras regras". • O escritório em que o consultor José Carlos Teixeira Moreirarecebe os industriais que o contratam tem um único diplomapendurado na parede. É o diploma da escola de datilografia daRemington, que ele cursou em 1959 em São José do Rio Preto.Quando o visitante pergunta o que aquilo significa, TeixeiraMoreira explica que, de todos os cursos que fez, inclusive afaculdade de marketing de Perkings, nos EUA, é daquele quesua mãe sente mais orgulho, e é por isso que o diploma estálá - com um efeito de marketing muito maior do que teria o dafaculdade de marketing.

Num mundo em que o relacionamento é mais importante do que oproduto, ou melhor, em que o relacionamento faz parte doproduto, não há como deixar a emoção de fora. Num mundodominado pelo conhecimento, ao contrário do que diz a tradiçãocartesiana, não pode haver oposição entre razão e emoção. Éisso o que explica o neuropsiquiatra António Damasio no livroO Erro de Descartes (Companhia das Letras). "Não vejo asemoções e os sentimentos como entidades impalpáveis ediáfanas, como tantos insistem em classificá-los. O cerne docérebro e o córtex cerebral trabalham em conjunto, criando aemoção e o sentimento, da mesma forma que o fazem para avisão." Damasio não apenas eleva o status das emoções. Suateoria do marcador somático mostra como os sentimentos sãoimprescindíveis para o bom funcionamento da razão. (Osexemplos são dramáticos: pacientes com lesões cerebrais naregião associada à emoção, que têm ótima pontuação em testes

de inteligência, não conseguem trabalhar porque perderam acapacidade de tomar decisões.) Pela teoria de Damasio, a emoção confere valor às situações, esem esse valor não há como diferenciá-las. Mais: quando ocorpo tem uma sensação desagradável, esse sinal faz com que apessoa rejeite imediatamente um rumo de ação, levando-a aescolher entre outras opções. A emoção serve, portanto, comoum orientador da razão. (É por isso que pacientes comdeficiência emotiva não conseguem decidir: as opções ficaminfinitas.) Algumas vezes, esses processos não constituem ocentro de nossas atenções, passando-se fora do campo daconsciência. "Esse mecanismo oculto seria a fonte daquilo quechamamos intuição", diz Damasio. Os matemáticos Henri Poincaré e Jacques Hadamard concordam:"Uma prova matemática pode ser descoberta por tentativasinconscientes, guiadas por uma inspiração de caráterdecididamente estético, e não pelo pensamento racional",dizem. (É claro que esse resultado deve ser testado depois,pelos critérios racionais.) O Prêmio Nobel de Física GeorgeThomson escreveu um livro chamado A Inspiração da Ciência, e otexto na capa começa com as palavras "a ciência é uma arte". Há quem veja o crescente uso da tecnologia como um obstáculoàs relações pessoais. O "homem digital" seria alguém preso emcasa, cujo contato com o mundo se dá através de máquinas. Nãoé bem assim. O Minitel, um sistema de comunicação porvideotexto criado na França, era usado por estudantes nadécada passada para organizar manifestações de rua contra ogoverno. William Steere, da Pfizer, diz que está ficando maisfácil não viajar. Por isso, fazer o esforço é uma afirmação daimportância das pessoas. Charles Handy afirma que, quanto maisvirtual uma empresa se torna, mais seus funcionários precisamse encontrar em pessoa. Os encontros, porém, são diferentes:não para entregar coisas, mas para que as pessoas se conheçam.Handy provavelmente não conhece David Whitten, vice-presidentedo Gartner Group. No ano passado, Whitten contratou umconsultor. O contato foi feito por e-mail e todo o trabalhoera passado pela Internet e por telefone. Nove meses depois,ambos tinham de estar numa conferência. Cada um sabia que ooutro estaria lá, mas nem lhes ocorreu marcar um encontro.Acabaram se esbarrando num corredor, reconheceram-se peloscrachás e caíram na gargalhada. A tecnologia não énecessariamente um obstáculo ao encontro à moda antiga. Mas

ela suscita, sim, novos tipos de contato, e devem serexplorados novos meios de criar emotividade. O guru do marketing Philip Kotler cita uma companhia deseguros americana que atende principalmente militares, a USAA."Não conheço nenhum cliente que não adore a companhia, e nãohá nenhum contato físico. Mas quando alguém telefona oatendente aciona um banco de dados, pergunta se a filha passouno vestibular, sabe que a mulher dá aula na universidade..."Kotler chama essa combinação de high-touch (alto toque), aconexão pessoal feita com alta tecnologia (high-tech). Algunsexemplos: • A cadeia de lojas de produtos para animais Mars Petfood, daAlemanha, tem um banco de dados com os nomes de todos osdonos de gato no país e manda cartões de aniversário para osgatos. • Uma loja da Sony em Manhattan tem uma cabine interativa.Você pode digitar três nomes, e o computador informa suasraízes musicais, as músicas em comum e as influências mútuas.Ninguém paga pelo serviço, mas as pessoas costumam deixar aloja com uma compra na mão, embora a Sony não dê nenhumdesconto.

A PERENIDADE É INOVADORA

De todas as qualidades que uma empresa deve ter, é esta a maisimportante: a capacidade de inovar. É isso, em última análise,que faz uma empresa merecer o nome de empresa. No momento desua criação, há uma proposta. Inovar é recriar essa proposta,de acordo com as novas condições do mercado. Quanto maismudanças há no mercado - e é disso que é feita a realidade donovo milênio --, maior a exigência de inovação. Todas asoutras qualidades são essenciais, mas para acompanhar,aproveitar, reagir às mudanças. Com o perdão do truísmo,inovar é estar um passo à frente. Por que deixamos esta mais importante das qualidades porúltimo? Porque ela é, de certa forma, uma combinação dasoutras. E porque está intimamente ligada ao assunto do próximocapítulo - a gestão do conhecimento. Parece óbvio que a capacidade de inovar seja umacaracterística positiva, mas a realidade não é tão simples.Como diz Michael Dertouzos, em O Que Será: "Quase nenhumagrande inovação foi bem-vinda quando apareceu. Mas depois deum tempo, como notou o filósofo Arthur Schopenhauer, todo

mundo concorda que 'aquela sempre foi obviamente uma excelenteidéia'". A maior parte dos estudos que prezam a inovação comoqualidade-chave das empresas de sucesso deixa de lado osexemplos de companhias extremamente inovadoras que sucumbiram."Eu lembro quantas indústrias de pratos prontos congelados jáquebraram. Elas erraram? Não. Só estavam fora do tempo!", dizNildemar Secches, da Perdigão. Sua empresa está lançando umamédia de 30 produtos novos por ano, vários deles no ramo decongelados. A Nottingham Building Society, uma instituiçãofinanceira britânica, lançou há uns 15 anos um serviço de homebanking, com videotexto. Era um serviço muito além do seutempo, e nunca decolou. Mas o número de produtos à frente do seu tempo está caindorapidamente, porque o ritmo das mudanças está se acelerando.Ser inovador está deixando de ser um risco e passando a seruma obrigação. Não, vamos reformular isso: inovar não estádeixando de ser um risco. Está é se tornando um risco menor doque não inovar. É essa pesagem de riscos que se deve ter em mente para mudar acultura da empresa. A nova cultura deve aceitar os erros. "Nãohá chance de ter uma boa tecnologia sem uma enorme quantidadede fracassos. É uma regra universal", diz o físico FreemanDyson. "O fracasso é o nosso produto mais importante", diz R.W. Johnson Jr., da Johnson & Johnson, uma empresa acostumada ainovar, manter o que dá certo e rapidamente descartar o quenão funciona. Inovação também tem seus custos, e não só os de investimentoem criatividade. Segundo o brasileiro Ophir Toledo, presidenteda Philips dos Estados Unidos, na nova economia as companhiasnão podem ter medo de canibalizar seus próprios produtos. Umexemplo? "Nós investimos no desenvolvimento e produção detelas planas com tecnologia de cristal líquido (LCD). Quantomais o LCD se desenvolver, mais obsoleto ficará o tubo deraios catódicos, uma de nossas áreas mais prósperas." A 3Mleva essa noção a ferro e fogo. Todo ano, há uma meta deporcentagem de venda de produtos que não existiam há cincoanos. A lógica é que os custos da inovação vão ser compensados. Noano passado, os funcionários da Mercedes-Benz CreditCorporation em Norwalk, Connecticut, investigavamfreneticamente meios de acabar com seus próprios empregos. Por

quê? Porque os que eram bem-sucedidos ganhavam novos empregosque ajudavam a empresa a crescer. A Sony tem um ciclo deinvenção em eletrônica que agora excede o ciclo de estoquesdas lojas de produtos eletrônicos. Por depender de varejistas,não consegue levar seus produtos às prateleiras com rapidezsuficiente para alimentar os consumidores mais ávidos pornovidades. Na batalha pelo mercado de malhas nos EstadosUnidos, a campeã da economia em rede, Benetton, foi superadaem 1995 pela Gap, cuja arma mais efetiva foi a inovação: acadeia americana passou a apresentar novos modelos a cada doismeses, em comparação com as duas vezes por ano da Benetton. A busca da inovação - sua constante recriação - deve ser aprincipal preocupação da empresa do novo milênio, e deve serfeita com uma política consciente, rápida, virtual, conectada,emotiva e adaptável. A inovação não pode ser deixada ao acaso.Como já frisava Richard Carlton, presidente da 3M na década de50: "É verdade que a nossa empresa já encontrou por acasoalguns de seus novos produtos. Mas nunca se esqueçam de que sóse pode encontrar algo por acaso se você estiver emmovimento".

3 - Como administrar a maior riqueza do futuro - a inteligência

GESTÃO DA INTELIGÊNCIA - Como administrar a maior riqueza do futuro

O fim do segredoO melhor jeito de multiplicar o conhecimento é dividi-lo

Por David Cohen

Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar, e a morte, o destino, tudo, a morte, o destino, tudo estava fora de lugar. Eu vivo pra consertar. (Geraldo Vandré, Disparada) Há um segredo para administrar o conhecimento, essa novariqueza do mundo dos negócios. É um segredo muito bemguardado, mas consiste, basicamente, de apenas quatropalavrinhas: não há mais segredo. (Se você acha que isso é umparadoxo, então veja este: as próximas 5 994 palavras são paraexplicar essas 4.) No mundo de negócios tradicional, conhecimento é poder. Só aCoca-Cola detém a fórmula da coca-cola. O protótipo de um

carro novo é mantido em sigilo até a data do lançamento. Ométodo de produção é defendido como segredo de Estado por setratar de um diferencial competitivo. Guardar o conhecimento para si faz sentido quando ele é amatriz de um produto ou serviço que, este sim, se querdifundir. (E o preço do produto será tanto maior quanto menosgente souber como fazê-lo.) Há outro caso em que se justificaa economia do segredo: o reforço da hierarquia. O diretorfinanceiro escolhe quem pode e quem não pode saber qual é olucro da empresa. Só o chefe sabe quais os critérios paracontratar, promover ou demitir alguém. Esse tipo de gestão do conhecimento não está condenado àmorte. Ele vai continuar a existir, vai se desenvolver e vaitrazer seus benefícios e prejuízos usuais. Mas há hoje umanova prática no mundo dos negócios. Segundo ela, o poder nãoestá em deter conhecimento, mas em disseminá-lo. Quanto maisinformação você divide com os outros, maior o seu retorno. Éassim que novas tecnologias podem se tornar padrão mundial, éassim que uma empresa pode arregimentar uma rede defornecedores, é assim que você pode atrair clientes que ajudema planejar o produto que eles querem. Dentro dessa nova prática, gestão do conhecimento não é mais oincentivo a um departamento de gênios e a proteção dosdireitos intelectuais. Gestão do conhecimento é orientar aempresa inteira para produzir este que é o bem mais valioso danova economia, descobrir formas de aproveitá-lo, difundi-lo,combiná-lo. E de lucrar com ele. Em cada caso particular, asempresas vão ter de escolher qual o tipo de gestão doconhecimento que usarão: o segredo ou a cooperação, a evoluçãoditada pelas leis de mercado ou pela revisão dos pares. Namaioria das vezes, será necessário um misto dessas duas formasde gestão.

ACABOU A DISTRAÇÃO

O reinado do conhecimento como o principal produto dasociedade é descrito pelo sociólogo Manuel Castells como umaevolução histórica. O primeiro modelo de relação natureza-cultura foi o de primazia da natureza. O segundo, estabelecidonas origens da Era Moderna e associado à Revolução Industriale ao triunfo da Razão, foi a dominação da natureza pelacultura. Estamos agora entrando em um terceiro estágio, em quea cultura se refere a si mesma, tendo suplantado a natureza a

ponto de esta ser renovada (ou "preservada") artificialmentecomo uma forma cultural. "É o começo de uma nova existência e,sem dúvida, o início de uma nova era, a era da informação,marcada pela autonomia da cultura ante as bases materiais denossa existência", afirma Castells, em A Sociedade em Rede(editora Paz e Terra). O mundo do trabalho passa por transformação semelhante. Um dospatriarcas do industrialismo, o engenheiro americano FrederickTaylor, acreditava que as máquinas e os projetos industriaisficariam imensamente complicados, mas não seria necessário queos trabalhadores os entendessem. Quanto menos "distraídos"pela compreensão, mais eficientes seriam em seus trabalhos.Isso não se aplicava somente aos operários. Uma das primeirasempresas do mundo, a britânica Companhia das Índias Orientais,foi chefiada durante 35 anos, a partir de 1823, peloeconomista John Stuart Mill, que cumpria expediente das 10 damanhã até as 4 da tarde e aproveitava boa parte dessas horaspara escrever suas obras. Ele considerava o trabalho deexecutivo apenas "suficientemente intelectual para não setornar enfadonho, sem causar nenhuma pressão" sobre seuspoderes mentais, como escreveu em sua biografia. Isso é passado. A indústria hoje exige, tanto de executivoscomo de operários, que agreguem valor a processos e produtos.Esse valor - a essência da inovação - é obtido comconhecimento. Estamos, de certa forma, caminhando ainda maispara o passado. Segundo Aristóteles e Platão, toda execução deobjetos materiais, até mesmo de obras de arte, representa umaatividade de segunda ordem, se comparada com a produção deidéias. Euclides se gabava que seu estudo de números primos não tinhanenhuma utilidade para a vida grega. O matemático inglês G.H.Hardy se orgulhava de que nenhuma descoberta sua, no campo dateoria dos números, faria a menor diferença para o mundoprático. Estavam errados: números primos, um conhecimento semaplicação por 2 300 anos, são a base dos códigos de segurançade informação para computadores. Dois mil anos depois que osgregos decidiram estudar uma curva chamada elipse, astrônomosdescobriram que ela descreve as órbitas dos planetas. Em 1854,o matemático alemão Bernhard Riemann resolveu brincar com ospostulados de Euclides e construiu uma geometria ridículabaseada numa abstração chamada espaço curvo, e 60 anos depoisAlbert Einstein anunciou que esse era o formato do universo.

Nem todos concordam que estejamos na era da informação. Ointelectual italiano Umberto Eco, por exemplo, diz que nomundo de hoje não temos mais informação, temos menos. "Quandopeço uma bibliografia na Internet e recebo uma lista com 10000 títulos, não tenho nenhum ganho de informação com isso.Com a Internet, corremos o risco de nos tornar autodidatas. Oautodidata é aquele que absorve uma enorme quantidade deinformações, muito mais do que um professor universitário, masnão sabe filtrá-las", disse em entrevista ao jornal O Estadode S. Paulo, em maio. O risco é verdadeiro, mas o avanço éinegável, e uma medida do avanço é justamente o teor dascríticas que recebem as novas tecnologias, vindas de gente quedomina as antigas. A situação é semelhante à de uma lenda egípcia. Quando o deusThoth revelou ao rei Thamos a sua descoberta da arte daescrita, o bom rei a denunciou como inimiga da civilização.Thamos reclamava que as crianças e os jovens, que sempretinham sido forçados a memorizar tudo o que lhes era ensinado,dali em diante deixariam de exercitar sua memória.

O QUE É COMUM VALE MAIS

O que há de diferente num mercado em que a cultura serelaciona com a cultura e em que o conhecimento é não apenasuma forma de modificar produtos, mas um produto em si mesmo?Eis algumas das diferenças: • os recursos são infinitos; • quanto mais se dá, mais se tem; • e quanto mais se tem, mais se precisa; • a flexibilidade é quase absoluta (a matéria-prima, o pensamento, é maleável); • não há depreciação do produto (que vem a ser uma idéia), há relação com a idéia sucessora. O que funciona segundo essa nova lógica? Toda a área de saúde,ciências, entretenimento, comunicação, educação. Na indústriatradicional, os conceitos que dão origem aos produtos. Porisso, num desfile de modas, não importa se aquelas roupasnunca vão ser usadas na rua; não é o produto que está à venda,é o conceito que vai influenciar um mercado têxtil de milhõesde dólares. Nessa lógica, a concorrência não se dá mais no espaço, e simno tempo. Um exemplo: a descoberta do vírus da Aids édisputada pelo cientista americano Robert Gallo e pelo

pesquisador francês Luc Montagnier. As duas equipes e todos ospesquisadores que trabalham nisso têm o mesmo interesse, curara doença, e cooperam uns com os outros. A disputa é paradeterminar quem faz as descobertas primeiro. Não é só umaquestão de glória, é uma questão de garantir investimentospara continuar as pesquisas. (Por isso, rapidez é uma dascaracterísticas essenciais da empresa do futuro.) Há uma outra peculiaridade no mundo do conhecimento: o comumvale mais que o raro. A lei de diminuição de retornos diz queo valor de um item cai quando sua oferta aumenta, mas osegundo telefone faz o primeiro valer mais. O valor doprograma Windows, da Microsoft, cresceu por causa da suaadoção por milhões de usuários. A inversão não se dá apenas na ponta da receita, com avalorização do produto, mas também na ponta da despesa. Depoisdos milhões de dólares investidos no desenvolvimento de umsoftware, o custo do segundo programa é praticamente zero. (Ocusto do segundo carro, não, porque há gastos com matéria-prima e trabalho.) Quando o produto pertence ao reino doconhecimento, portanto, há um prêmio maior para a inovação:ela é a única área em que há concentração de valor. A regra é:inovar ou tornar-se commodity. Essa concentração de valor é claramente percebida pelo mercadofinanceiro, como mostra uma pesquisa feita pela consultoriaArthur D. Little. A pesquisa examinou as cotações em bolsa decompanhias que a revista Fortune listou, durante 15 anos, deacordo com seu grau de inovação. Os 20% de companhias maisinovadoras deram a seus acionistas o dobro dos retornos médiosem sua indústria. Os 20% de companhias menos inovadorastiveram retornos de menos de um terço da média das outrasempresas. "Mais de 90% dos analistas de Wall Street afirmamque a importância da inovação aumentou significativamente nosúltimos dez anos", dizem os consultores Ronald Jonash e TomSommerlatte. A inovação não se restringe ao produto. As parcerias ealianças da fabricante de chips Intel com os fabricantes decomputador estenderam sua cadeia de valor. Sua inovação naestratégia de marketing, criando uma identidade para o chip,transformou uma commodity em marca, afirmam Jonash eSommerlatte. Levando tudo em conta, a capacidade de inovaçãoda Intel lhe rendeu um crescimento anual composto de 42% novalor de suas ações nos últimos dez anos.

Inovação sem propriedade

• A Web, a rede mundial de computadores, que tanto aumenta a produtividadedas empresas, teve seu início com o intuito de aumentar a cooperaçãocientífica, utilizando a prática acadêmica da revisão pelos pares. Essaprática se baseia na idéia de que a cooperação de gente capacitada promoveo desenvolvimento de forma mais rápida que a defesa acirrada dapropriedade intelectual.

• O modem, aparelho que permite troca de dados por computador, foiinventado por dois estudantes de Chicago, Ward Christensen e Randy Suess,em 1978. Eles difundiram a tecnologia sem nenhum custo porque o objetivoera espalhar as capacidades de comunicação o máximo possível.

Até aí, apesar de as duas inovações serem cruciais para omundo moderno, estávamos no terreno do altruísmo, pouco levadoa sério como modelo de negócios. O sistema operacional Linux,desenvolvido a partir de uma idéia do finlandês LinusTorvalds, mudou esse panorama. (Sistema operacional é oprograma-base, que permite que o computador funcione.) O Linuxé um sistema aberto. Qualquer um pode usá-lo e modificá-lo sempagar direitos autorais, mas toda modificação deve ser tambémoferecida gratuitamente pela Internet. Parece coisa desonhadores, mas o estágio de desenvolvimento chegou a talponto que grandes empresas (IBM, Oracle, Intel) estão aderindoao sistema. A distribuição do Linux cresceu mais de 190% noano passado e continua aumentando. Se é tudo de graça, quem ganha dinheiro com isso? Há todo ummercado baseado nesse sistema operacional. José CarlosBenfatti, da consultoria ZZP, faz parte dele. Sua empresapresta serviços de informática a grandes firmas. "Meu negócioé viável porque há gente desinteressada desenvolvendo oLinux", diz. Em contrapartida, cada problema solucionado porele é meticulosamente explicado no site do desenvolvimento dosistema. O Linux é o melhor exemplo até hoje de uma alternativa àpolítica de propriedade do conhecimento. O sistema éconsiderado muito seguro. Não trava, é elegante. Por quê? • Em primeiro lugar, por causa da revisão pelos pares. Cadapasso é testado por gente competente, não há "caixa-preta".• Em segundo lugar, há seleção natural. Só os melhoresconseguem resolver problemas e imprimir sua marca no sistema.Por outro lado, o trabalho é feito com prazer, e sem apressão de prazos industriais.

• Em terceiro lugar, não há os limites impostos pela produçãoempresarial. "Se alguém descobre um jeito de melhorar oprograma, mas a aplicação exige a mudança de todas as linhasdo programa, a resposta de uma empresa seria 'você estálouco?'. No Linux, dá para fazer", diz Benfatti. Mas umsistema de cooperação assim não pode ser aplicado em qualquersituação. Eis os requisitos para um desenvolvimento do tipodo Linux, de acordo com Benfatti:

1. Os problemas têm que ser interessantes. Só assim vãodespertar a ajuda de gente capaz;

2. A natureza do trabalho tem que permitir a distribuição deresponsabilidades. Avanços são feitos por gente que nem seconhece. É um trabalho individual ao extremo, e ao mesmotempo totalmente de equipe;

3. O capital tem que ser requerido na maior parte pararecursos humanos. "Se for necessário um acelerador departículas, não vai dar para um sujeito do Bornéu colaborarcom alguém de Johannesburgo", diz Benfatti;

4. Tem que haver possibilidade de desenvolvimento compequenas alterações. Assim, pequenos passos permitemavanços visíveis - e glórias visíveis para quem os deu.

A GESTÃO DA IGNORÂNCIA

Para atingir esse grau de inovação, as empresas precisamdeixar um pouco de lado a gestão do conhecimento e investir nagestão da ignorância, afirma outro consultor da Arthur D.Little, Robert Shelton. "Gestão da ignorância é o processo deidentificar as coisas mais importantes que a equipe não sabe eprojetar uma política que ajude a reduzir essa ignorância a umnível que permita avanços. Experiências são grandesferramentas na gestão da ignorância." De certa forma, a busca incessante da inovação exige que sejogue fora um conselho muito em voga, o do foco da empresa."Manter a empresa ao lado e junto do cliente e ater-se aoconhecido são dois conselhos do livro Vencendo a Crise, de TomPeters e Robert Waterman, que não foram corroborados por nossapesquisa", afirmam James Collins e Jerry Porras, autores deFeitas para Durar (editora Rocco). É claro que as inovações não adiantam nada se não foremaplicadas, e nesse ponto os defensores do foco têm razão.

Nenhuma organização vai para a frente se não tiverprioridades. O consultor e gestor de empresas Edson Vaz Musaconta que, quando ainda era presidente da Rhodia do Brasil,viajou aos Estados Unidos para dar apoio a uma reunião daRhône-Poulenc americana. Lá, ouviu os executivos falarem das12 prioridades da empresa. No intervalo, em volta da máquinade café, perguntou ao presidente quais eram as prioridades.Ele só se lembrou de cinco. O chefe de operações se lembravade seis, apenas três delas iguais às do presidente. "Assim aempresa não podia ir para lugar nenhum", diz Musa. Foco deve existir, desde que não imobilize a empresa. Atéporque uma inovação que não tenha a ver com o caráter daempresa sempre pode ser abandonada. A Philips recentementevendeu um projeto cujo objetivo era desenvolver um laser, poisfoi considerado distante dos objetivos da companhia. O preçoda venda foi muitas vezes maior do que o orçamento para oprojeto - um retorno excelente para o investimento em pesquisae desenvolvimento. Focar e alinhar a empresa é tornar-se vulnerável, diz JayGalbraith, pesquisador do Centro para Organizações Eficientes,da Universidade do Sul da Califórnia (USC). "Fórmulas desucesso não duram muito. As vantagens são facilmente copiadasou ultrapassadas por competidores", afirma. Por outro lado, odesalinhamento de estratégia, estrutura e processos faz aorganização perder energia com fricções. "Nós precisamos de umnovo projeto organizacional em que estruturas e processospossam ser realinhados com uma constante mudança deestratégia." Galbraith recomenda três procedimentos: timesinterdepartamentais; utilização de preços e mercado internos,para coordenar a complexidade do relacionamento dos times; ealianças para adquirir as competências que a empresa não tem.

SOMOS COMO AS BALEIAS?

Não adianta nada falar de gestão da ignorância e política deinovação constante, se não houver também uma capacidade deaceitação dos erros. Não há escalada sem tombos, não hácorrida sem tropeços, não existe progresso sem erros. Comoadministrá-los? Charles Coonradt, presidente da consultoria americana The Gameof Work (O Jogo do Trabalho), usa uma parábola: para treinaruma orca a saltar sobre uma corda a sete metros de altura, opessoal do Sea World prepara o ambiente de forma a reforçar o

princípio de que ela não tem como falhar. Começam colocando acorda abaixo do nível da superfície. Quando a orca passa porbaixo da corda, nada acontece - nem castigo, nem crítica,nada. Mas toda vez que ela passa por cima da corda recebepeixes e agrados. À medida que a orca vai passando por cima dacorda mais vezes do que por baixo, a equipe vai levantando acorda. "Precisamos criar as circunstâncias para que as pessoasnão falhem", diz Coonradt. "Elogie muito, critique o menospossível... e saiba a que altura colocar a corda." O ex-professor de negócios Charles Handy dá um exemplo mais...humano: o sistema de exames de música britânico tem altíssimonível internacional e um índice de aprovação quase universal.É um sistema pelo qual os pupilos só fazem o teste quando seusprofessores consideram que eles têm boa chance de seraprovados. O teste não depende de idade. Uma pessoa só o fazquando está pronta. Infelizmente, o mundo não é assim tão cor-de-rosa. No mercadocompetitivo, ninguém vai ficar esperando até que você estejapreparado para assumir riscos. O que, aliás, deixado por sisó, pode não acontecer nunca. Estudos psicológicos mostram queas pessoas se preocupam mais com as perdas do que com osganhos, tanto nas carreiras quanto no casamento ou em jogos."É por isso que a tomada de riscos é algo diferente de umaalegre revisão de possibilidades contidas no presente. Amatemática do risco não oferece segurança, e a psicologia datomada de riscos foca bastante racionalmente no que pode serperdido", diz o sociólogo Richard Sennett. Ou, como explica o neurologista português-americano AntónioDamasio, da Faculdade de Medicina da Universidade de Iowa: "Édifícil imaginar que os indivíduos e as sociedades que seregem pela busca do prazer, tanto ou ainda mais do que pelafuga à dor, consigam sobreviver. Há mais variedades de emoçãonegativa que de emoção positiva, e é claro que o cérebro tratade forma diferente esses dois tipos de emoção". Por isso é importante deixar claro o que a empresa e aspessoas perdem quando não assumem riscos - é preciso criar aimagem do risco de não aceitar riscos. Por isso também oambiente da empresa conta tanto. Não basta não punir os erros.É preciso criar formas de celebrar as pessoas que tomaminiciativas, torná-las visíveis e invejáveis na empresa.Quando ocorre um fracasso, a diretoria deve promover algum ato

simbólico, como por exemplo um post-mortem de projetos, parasaber o que pode ser aprendido. Já que os erros são inevitáveis, Robert Shelton, da Arthur D.Little, recomenda errar de forma rápida e barata: "Definatestes práticos, construa protótipos e lance-os rapidamente.Geralmente é melhor trabalhar em parceria com um grandecliente ou fornecedor, para dividir os custos, os riscos e oaprendizado. Analise os resultados e modifique o protótipo". Ogrupo britânico Virgin dá metas de três meses às pessoasencarregadas de trazer novas idéias para negócios. Se as metasnão são cumpridas, a idéia é abandonada e ninguém fala defracasso. Dois consultores do Instituto Internacional de Gestão doDesenvolvimento (IMD, com sede em Genebra), o sueco Johan Roose o americano Bart Victor, têm uma sugestão para lidar com oserros: brincar. "A brincadeira é um contexto no qual os riscospodem ser tomados sem risco, no qual o inimaginável pode serimaginado sem medo, no qual o inesperado pode ser realizadosem hesitação", dizem. A brincadeira "séria", definida por Roos e Victor, começa coma fase da construção. Os executivos transportam para o mundoreal aquilo que está na imaginação, usando bloquinhos deplástico, massinha, desenhos, o que for. A segunda fase écontar histórias. Isso faz as pessoas desenvolverem uma visãocomum. A terceira fase é transformacional. Aí entram oconflito, a argumentação, a cooperação. Segundo os estudiosos,essa brincadeira permite chegar a novas conclusões sobre osignificado da estratégia da empresa, o papel de cada um, asverdadeiras ameaças e oportunidades.

PODER PARA QUEM PODE

Inovação pressupõe mudanças, e a gestão do conhecimento, quese justifica na empresa pela necessidade de inovar, deve levarem conta o gerenciamento das mudanças. Segundo o professor deestratégia do IMD J.B. Kassarjian, liderar mudanças é umparadoxo. "O líder concebe a necessidade, dá a direção edirige a mudança: isso pode soar óbvio, mas é também errado.Os dados necessários para mudanças são mais fáceis de serencontrados na periferia do poder, nos canais de vendas, nosengenheiros que visitaram a última feira, no pessoal de pós-venda. O primeiro paradoxo é que os presidentes que tomam parasi o papel de grandes agentes de mudança em geral reduzem sua

capacidade de observar à distância e tomar ações corretivas",afirma Kassarjian. Há um mito persistente de que o poder pertence à pessoa notopo da pirâmide de decisão. Mas, como notam os consultoresamericanos Jim Taylor e Watts Wacker, em Delta 500 Anos, "nomundo de caos, o poder é da pessoa que controla a variávelmais instável". Na organização de conhecimento, o poder estápor definição investido em cada nível da empresa (porque sãotodos trabalhadores de conhecimento). É isso que faz a empresaser enxuta e flexível, diz a americana Sally Helgesen,escritora especializada em futuro das organizações. Alémdisso, levar a cabo um grande projeto de mudança não pode terpassos determinados. Um projeto dessa natureza exigeimprovisação por muitas pessoas, em vários pontos. Chegamos, então, ao segundo paradoxo: a necessidade de darautonomia aos funcionários. É o conceito do empowerment. Oproblema é muito sucintamente definido por Richard Teerlink,presidente da Harley-Davidson: "Se você der autonomia aidiotas, terá decisões idiotas". O paradoxo, de acordo com Kassarjian, é que "as pessoas têmesperanças, medos, aspirações, potencial para engajamento eresistência obstinada, mas nenhum líder pode lhes dar um sensode autonomia - para ser real, essa sensação tem que ser ganha,não pode ser doada. Não existem atalhos para desenvolver otalento humano". É o que diz também o consultor americano Richard Leider,fundador do Inventure Group, líder no setor de desenvolvimentode carreiras. "Os indivíduos têm que dar poder a si mesmos. Sóas pessoas podem escolher tomar uma nova direção ou arriscar areputação em suas carreiras para chegar a uma nova visão,porque toda mudança é uma mudança pessoal. Toda mudança éescolha, e envolve perdas. Não há como mudar de forma bela,limpinha."

DENTRO OU FORA DA EMPRESA?

Se não é possível liderar sozinho, nem contar com toda aorganização, uma primeira solução é identificar e incentivaros líderes do conhecimento. Mas, como a empresa não pode maisser uma organização vertical, sob pena de perderoportunidades, tolher a inovação e brecar a rapidez, não setrata mais de colocar os jovens talentos em postos cada vezmais importantes, e sim de lhes dar responsabilidade sobre

unidades de negócios, por pequenas que sejam. A Canon indicouum de seus gerentes técnicos para liderar sua área de negóciosmultimídia. A HP é organizada em relativamente pequenasdivisões autônomas, cumprindo o desejo de William Hewlett eDavid Packard de manter seu espírito empreendedor. Essa política não é uma invenção de empresários ouconsultores. Ela é uma solução de compromisso surgida quasenaturalmente para acomodar os interesses de jovens talentosose de empresas num mundo com muito mais oportunidades do que nopassado. O consultor americano Marshall Goldsmith apontaalgumas tendências no mundo do trabalho: a) O status reduzido do trabalho em grandes empresas. Umapesquisa mostrou que formandos da Harvard Business Schoolque trabalhavam para empresas menores tendiam a ganhar maise ter mais satisfação do que os funcionários de grandesempresas. Professores notam que mais da metade dosestudantes de administração de hoje pretendem ter seupróprio negócio.

b)A freqüente falta de conexão entre pagamento e contribuição.Gerentes consideram que a diferença de retorno entre umempregado de alto desempenho e um mediano é de mais de 100%,enquanto a diferença de salário fica entre 5% e 10%.

c)O declínio de oportunidades de promoção. Sem chance de pulardegraus, jovens talentos se sentem mais inclinados aprocurar outras oportunidades.

d)O aumento da carga de trabalho, com os cortes de pessoal deapoio.

e)O aumento da influência do trabalhador de conhecimento.

É com todas essas tendências que a empresa tem que lidar, senão quiser perder seus ativos mais importantes - gente quepensa. Para manter os funcionários de alto desempenho,Goldsmith aconselha: • identifique claramente quem você quer manter. Em várias empresas que fizeram ajustes, o pessoal que saiu foi aquele que podia encontrar outro trabalho mais facilmente; • faça com que eles saibam que você quer mantê-los; • dê reconhecimento; • dê oportunidades de desenvolvimento e envolvimento; • adote um plano de compensações ousado; • relaxe a cultura da empresa; menos regras dão noção de liberdade;

• crie oportunidades de torná-los empreendedores internos -uma espécie de donos de um negócio dentro do negócio.

Peter Lorange, presidente do IMD, sugere que a melhor forma detratar empreendedores internos é com uma espécie de controlenão-autocrático. "É um modo de dar ao empreendedor acessodireto à direção da empresa. Estar perto, para que o apoiopossa ser dado quando pedido, e ao mesmo tempo dar-lhedistanciamento, permitindo a separação dos negócios. Assim eletem o espaço para ser independente e a força de pertencer auma corporação." A companhia lucra porque esses empreendedoresnão têm as amarras da empresa, não acreditam nos limitesimpostos pelo foco do negócio. A política de empreendedores internos pode evoluir paradivisões autônomas, como as da HP. O exemplo mais conhecidosão os laboratórios secretos da Lockheed Aircraft - espaçosseparados para inovadores trabalharem sem a interferência doresto da organização. Foi assim que a Lockheed fez avançosradicais em projetos de aviões de espionagem, na década de1940. Hoje, a 3M e a Motorola têm políticas de "atividadesextras", e a DaimlerChrysler, a Matsushita e a Microsoftmantêm equipes isoladas do restante da empresa no Vale doSilício. Esse isolamento permite que as equipes sejam maisousadas ao quebrar regras e, talvez mais importante, as mantéma salvo dos preconceitos vigentes nas organizações, que podemser muito rápidos em matar idéias novas. Esse isolamento não significa formar uma empresa separada. NaSharp, as Equipes de Projetos Urgentes (EPU) recebemprioridade de acesso a recursos na companhia toda. Na prática,isso quer dizer que qualquer divisão pode perder seusfuncionários mais capazes por mais de um ano para uma EPU. NaToshiba, o caminho é de ida e volta: o grupo de estratégiaavançada tem a missão de transferir tecnologias para novosnegócios, bem como reintroduzir inovação, desafios evelocidade na estrutura de gestão da Toshiba.

A MULTIPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO

No ponto em que estamos, a empresa consegue identificar oselementos que geram conhecimento e incentivá-los a criar valorpara a companhia. Isso ainda não é tudo. É preciso multiplicaressa prática. Há várias estratégias para fazê-lo. Uma delas éa da General Electric, que trabalha sistematicamente para

reduzir fronteiras. A empresa encoraja encontros nos quais osempregados trocam idéias com seus gerentes, e estes sãoobrigados a tomar decisões imediatas sobre as propostas, nafrente do grupo todo. Se uma empresa é voltada para o conhecimento, isso deve estarclaro na própria distribuição de tarefas dos funcionários. Dos34 000 empregados da empresa de telecomunicações finlandesaNokia, 8 000 trabalham com pesquisa e desenvolvimento. Onúmero é impressionante, mas não quer dizer que os outros 26000 estejam isentos da responsabilidade de inovar - todos elessão envolvidos no processo de desenvolvimento de idéias. Agestão do conhecimento também pode ultrapassar os limites daempresa. Na Chrysler, fornecedores são trazidos à fábrica paraopinar no desenvolvimento de novos veículos, junto comengenheiros, projetistas e executivos. A GE também envolveclientes e fornecedores nos programas de treinamento, e divideinformações, autoridade, competência e recompensas pelaorganização. A empresa de equipamentos de informática Bull seassociou ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e àUniversidade Harvard, com direito a cursos e participação emprojetos que eles desenvolvam. Assim a empresa pode pensar comantecedência em como utilizar as novas descobertas. Um jogo ainda mais complexo é a gestão do conhecimento dosoutros, uma prática que a Lucent Technologies domina comopoucas companhias. "A empresa gasta 12% de sua receita anualem pesquisa e desenvolvimento, uma quantia importante, mas nemde longe a maior da indústria", diz Robert Shelton, da ArthurD. Little. "O que faz a diferença é como a Lucent gerenciaesses investimentos de 3 bilhões de dólares por ano. Porexemplo, ela tem seu próprio fundo de capitais de risco, parabuscar companhias com tecnologias inovadoras que complementemsua linha de produtos." Na gestão de seus recursos, a empresa- responsável por um dos laboratórios mais produtivos domundo, o Bell Labs - decide se vai produzir, comprar oucolaborar na produção das inovações de que precisa. Parece seruma política vitoriosa: o preço de suas ações subiu mais de160% no ano passado.

VER A MORTE SEM CHORAR

Um dos aspectos da gestão do conhecimento é a aceitação damorte. Segundo Charles Handy, a história da vida de qualquerprojeto obedece a uma curva sigmóide (em forma de S).

"Começamos lentos, experimentais e vacilantes, crescemos edepois declinamos." Por isso, ele defende que a hora certapara iniciar um segundo projeto não é quando o primeiroapresenta sinais de declínio, mas quando ele está chegandoperto do ápice. Sua proposta é que as empresas (e também as pessoas) comecem atraçar uma segunda curva durante o bom período da primeira. Seesta segunda curva se revelar um engano, nada se perde, poissó a fase exploratória terá sido posta em prática. Manter asduas curvas funcionando vai se tornar um hábito. O modo deiniciar a segunda curva, segundo Handy, é fazer perguntas,desafiar as hipóteses subjacentes aos projetos da empresa paraconceber alternativas, espalhar idéias e possibilidades. Asmelhores hipóteses devem ser testadas, na teoria e na prática.Por fim, os resultados das experiências são revistos. É algo parecido com o que diz o guru da administração, PeterDrucker. Ele define inovação como uma "mudança que cria umanova dimensão de desempenho". Inovação deve se tornar parte dacultura da empresa, diz Drucker. Ao mesmo tempo, deve-sepraticar um "abandono planejado" e descartar programas que dãocerto hoje mas não darão no futuro. A "morte" revigora as empresas. Na década de 1950, a empresafarmacêutica Merck adotou a estratégia de abrir mãoconscientemente de participação de mercado quando os produtosiam se tornando mercadorias de baixa margem de lucro,forçando-se a produzir inovações a fim de crescer e prosperar.A Motorola usou um mecanismo semelhante de "inovar ou morrer",com sua prática de cortar linhas de produtos consolidados comum grande volume de vendas, obrigando-se a preencher o vaziocom novos produtos. (A empresa fez isso com aparelhos de TV erádios para carros.) A Boeing criou um programa chamado "Olhosdo inimigo", que atribui aos gerentes a tarefa de desenvolverestratégias como se trabalhassem para uma empresa concorrentecom o objetivo de acabar com a Boeing.

VOCÊ QUER FICAR MAIS RICO?

Todas essas práticas - identificar líderes, separar bolsões deinovação, espalhar, comprar ou produzir conhecimento - sãoessenciais, mas não alimentam a si mesmas. A mais importantede todas as políticas de uma empresa que quer inovar éinvestir em seu pessoal. "Hoje o ponto crucial não é criar umacultura de conhecimento, mas uma cultura de aprendizado, que

vai gerar conhecimento", diz Emerson de Almeida, presidente daFundação Dom Cabral, um centro de estudos sobre negóciossediado em Belo Horizonte. Não se trata apenas de a empresa desenvolver sua principalriqueza (a inteligência). No mundo do trabalho de hoje, oaprendizado é uma das moedas de remuneração do profissional.Segundo o guru da reengenharia Michael Hammer, a essência donovo contrato nas empresas - além do pagamento de salário pelotempo de trabalho - é uma troca: iniciativa por oportunidades.A companhia oferece a oportunidade e os meios educacionaispara o funcionário obter sucesso pessoal. Em troca, oempregado promete iniciativa na criação de valor para clientese conseqüentemente lucros para a companhia. O psicólogo alemão William Stern já dizia, em 1919, que, paraprosperar, qualquer estrutura deve deixar claro para os seuscomponentes que a sobrevivência e a auto-realização delesserão mais bem realizadas se eles trabalharem em conjunto pelasobrevivência e pelo desenvolvimento do todo. Com o fim docontrato paternalista, que prometia segurança em troca documprimento de normas, estabelece-se um novo tipo de troca: umempregado, ao deixar a companhia, deve ser um indivíduo maiscapaz e mais conhecedor do que quando entrou na empresa. Isso,é claro, desde que ele aproveite as oportunidades. Sim, porque este é um fator não muito bem explicado. "Se ainteligência é a nova base da propriedade e da riqueza, éestranho que nós nem sempre pareçamos ávidos por obter maispara nós mesmos", diz Charles Handy, em A Era do Paradoxo.Esse não é um paradoxo novo. "As pessoas que investem naeducação sempre se saem melhor. Sempre foi esse tipo de pessoaque se destacou", diz Paulo Ferraz, presidente do bancoBozano, Simonsen. E completa: "Eu adoraria dizer que aspessoas estão percebendo que têm de aprender. Infelizmente,não posso. Eu vejo por aqui. E olha que a gente viveincentivando estudo, mandando gente para seminários..." A BACTÉRIA E A IBM

Aprendizado sempre há, diz o cientista Stuart Kauffman,especialista em teoria da complexidade. Qualquer mecanismo defeedback que causa mudança de comportamento é aprendizado."Podemos descobrir que a bactéria E. coli e a IBM conhecem omundo a seu redor de modos muito parecidos", diz Kauffman. Aquestão é acelerar esse aprendizado, explicitá-lo, aproveitá-

lo da melhor forma possível. Essa forma é a distribuição - enão a retenção - do conhecimento. Há hoje um ambiente muito mais propício ao aprendizado - nemque seja apenas pela pressão de um mercado cada vez maisexigente. Há dez anos, apenas um em cada seis estudantes eraadulto nos EUA. Hoje, quatro em cada seis estudantes de níveluniversitário estão fazendo cursos após a formatura ouenquanto estão empregados. Na Fundação Getúlio Vargas de SãoPaulo, os cursos de reciclagem entre 1991 e 1995 tiveram umaumento de 600% no número de alunos, e de 1995 para cá essenúmero dobrou, com a solicitação de conhecimento por parte dasempresas. A educação continuada rendeu à GV 500 mil reais em1991. Em 1995, foram 7 milhões. Este ano, por volta de 13milhões. As companhias americanas gastam por volta de 60 bilhões dedólares por ano em treinamento. A Internet deve ampliar onúmero de programas de aprendizado e reduzir drasticamente oscustos: cerca de 70% dos custos de treinamento são devidos atransporte, comida, alojamento e instrutores. Com a revoluçãoda informação, escola vai se tornar algo que você faz, não umlugar para onde você vai. O aprendizado também já está sendo percebido como uma forma depagamento e como segurança no mercado de trabalho. A Rhodiainveste num projeto de empregabilidade para seus funcionários- um programa de identificação de competências, com um espaçode treinamento em computação, liderança e cursos técnicos - nafábrica de Santo André, em São Paulo. Um programa na Perdigãofez 3.000 funcionários voltarem a estudar, do total de 15.000.Funcionários mais capacitados e treinamento mais rápidosignifica ciclo de desenvolvimento de produtos mais curto. Nofuturo, o aprendizado just-in-time será uma vantagemcompetitiva tanto quanto hoje é a produção just-in-time.

REALIDADE FEITA DE IMAGINAÇÃO

Que tipo de aprendizado deve ser enfatizado no mundo dosnegócios? Em primeiro lugar, é óbvio, o treinamento específicorequerido pelas funções atuais e do futuro imediato. Mas, nummundo instável, como saber as necessidades do futuro um poucoalém do imediato? Como manter-se à frente? O ministro daEducação do Brasil, Paulo Renato de Souza, defende que aênfase da educação deve ser para criatividade,individualidade, estética, ética, emotividade, qualidade de

vida, a grande cultura. "O que se ensina para a vida nuncafica obsoleto." E aqui voltamos, mais uma vez, ao conceito de "empresahumana". Porque o ambiente favorável ao aprendizado é umambiente de contato amigável, descontraído, no qual asinformações possam circular sem restrições e as idéias nãosejam sufocadas em seu nascedouro. Um clima de liberdade éessencial porque, como disse o filósofo Ludwig Wittgenstein,"os problemas são resolvidos não com a aquisição de novasinformações, mas com o rearranjo daquelas que temos há muitotempo". A integração dentro da empresa é benéfica porque permite o queJohan Roos, do IMD, chama de auto-similitude: quando os mesmospadrões básicos de interação ocorrem em diferentes escalas naempresa. "Todo ato de imaginação é a descoberta de semelhançasentre duas coisas que eram pensadas como sendo distintas",afirmou o matemático Jacob Bronowski, no livro The Origins ofKnowledge and Imagination (As Origens do Conhecimento e daImaginação). Ao estudar as formas como cientistas conduzem suasexperiências, o canadense Kevin Dunbar, da McGill University,concluiu que "eles dependem amplamente de analogias - oprocesso de aplicar conhecimentos de uma área para resolverproblemas em outra". Num estudo de 630 000 patentesamericanas, o Instituto de Tecnologia de Israel afirmou que"inovação é essencialmente um processo de associação deidéias". Daí toda a importância das brincadeiras, dadescontração, do investimento em cultura: isso aumenta aspossibilidades de associação de idéias. Uma empresa com clareza de propósitos também tem maisfacilidade de aprender. O neurologista sueco David Ingvarafirma que, se você tem idéias claras sobre o seu futuro (oufuturos), é muito mais fácil selecionar estímulossignificativos do mundo complexo a sua volta. É uma questão danatureza da percepção: "Você só consegue selecionar osestímulos pertinentes aos seus planos para o futuro. Os outrossão incompreensíveis para o cérebro". Quanto mais "memórias dofuturo" nós desenvolvermos, mais abertos e receptivos seremosaos sinais do mundo externo. Uma das funções da gerência édesenvolver caminhos e opções no tempo, diz Ingvar. Outra característica importante do aprendizado é o trabalho emequipe. "Em ciência, não existe mais trabalho individual.

Quando o sujeito sobressai, tem um trabalho de equipe muitogrande por trás", afirma o filósofo Roberto Romano, daUnicamp. O lado negativo do trabalho em equipe é que asdecisões não usuais costumam ser sacrificadas em prol doconsenso. Ralph Larsen, presidente da Johnson & Johnson, contaque a tecnologia de lentes descartáveis teria umdesenvolvimento caro e demorado, por isso a decisão colegiadafoi de abandonar o projeto. Um diretor que não esteve presenteà reunião, e portanto não passou pelo processo de chegar aoconsenso, ao ouvir a decisão desafiou a opinião geral e acabouconvencendo todos a financiar a idéia. É preciso haver consenso, mas não se deve esquecer jamais queo conhecimento se alimenta da iconoclastia, do desrespeito àstradições, do humor. Também não existe aprendizado semmudança. A essência do aprendizado é a habilidade de gerir amudança mudando a si mesmo. O educador francês Jean Piaget, umpioneiro da teoria da educação, chamou isso de aprendizadopela acomodação. Trata-se de mudar a estrutura interna paracontinuar em harmonia com um ambiente que foi modificado.Mudar para manter o equilíbrio. Num mundo instável, o aprendizado é a essência dasobrevivência.

4 - Um novo ambiente: as transformações nos escritórios

A CARA DOS ESCRITÓRIOS - Como vai ser o novo ambiente de trabalho

Espaço: a fronteira dinalComo eliminar obstáculos para tornar o ambiente de trabalho mais amigável eprodutivo

Por David CohenFotos de Kiko Ferrite e Raul Júnior

Na minha casa todo mundo é bamba, todo mundo bebe, todo mundo samba. (Martinho daVila, Casa de Bamba) Por mais virtual que seja a empresa do futuro, não háexistência possível sem espaço. Em algum momento, avirtualidade e a potencialidade devem dar lugar à ação e àprodução. A escolha do espaço onde isso vai ocorrer serátambém determinante para a empresa do novo milênio. O espaçonão é apenas o vazio onde se cria alguma coisa. Ele é também o

ambiente que influi, o limite que molda, o contexto quepossibilita a produção. O espaço do trabalho - seja oescritório, a fábrica, a casa ou até mesmo lugar nenhum - podeaumentar ou diminuir a produtividade, modificar relações,determinar fluxos da produção. Em muitas companhias, a organização física de um escritórioreflete mais ou menos o organograma da empresa: o presidenteno andar mais alto, cadeiras e mesas melhores e salas maiorespara os executivos mais importantes, distribuição espacial dassalas parecida com os quadradinhos do mapa da hierarquiacorporativa. Isso está mudando. Desde a década passada, vêmsurgindo os espaços abertos, as salas comuns, os ambientes deequipe. Na maioria das vezes, o que ditou as mudanças foi anecessidade de economizar metros quadrados nos prédios carosdas metrópoles - a busca da eficiência no aproveitamento doespaço. Junto com isso, veio ganhando força o conceito defuncionalidade, de adequação do ambiente ao tipo de trabalhoque se espera realizar ali. Finalmente, ao conceito de funcionalidade deve-se unir oconceito de propósito. O espaço do trabalho costuma incorporara essência da empresa, comunicá-la e representá-la. "Quandovocê entra numa empresa, já sente qual o tipo de gestão queela tem. Pela telefonista, pelo porteiro, pela divisão desalas", afirma Luís Gaj, professor do Programa de Estudos doFuturo da Faculdade de Economia e Administração daUniversidade de São Paulo. Charles Handy, ex-professor daLondon Business School, conta que uma vez pediu a seus alunosque entrassem num escritório ou fábrica e, sem conversar comninguém, adivinhassem que tipo de ambiente seria aquele e queatitudes e valores a gerência teria. "Eles ficaram surpresoscom a acurácia das previsões, confirmadas quando visitamos asempresas de modo mais formal e conduzimos experiências com osempregados", diz Handy. Qual será, então, a arquitetura da empresa do novo milênio? Éclaro que, se a criação e a ocupação do espaço têm de serfeitas de acordo com os objetivos da empresa, a primeiracaracterística dos escritórios e fábricas do futuro deve ser apluralidade: não há duas empresas iguais, não deve haver doisespaços iguais. Mas certas peculiaridades da nova economia vãoobrigatoriamente fornecer diretrizes para a utilização dessesespaços. Vamos delinear algumas dessas diretrizes:

O AMBIENTE MUTANTE

Num mundo instável, a estrutura de uma empresa tende a mudarconforme suas necessidades de produção. Equipes são formadas edispensadas; funções são alteradas; empregados terceirizados econsultores vão e vêm. As tarefas são temporárias, o tamanhodos departamentos é variável, a composição da empresa émutável. "Nessa situação, projetar um espaço segundo aestrutura de uma empresa perde o sentido, uma vez que essaestrutura tem uma imprevisibilidade de configuração", dizAndré Leirner, mestre em arquitetura e urbanismo pelaArchitectural Association de Londres. "A solução é projetar umarcabouço infra-estrutural em que diversas estruturas possamtomar forma." Há duas alternativas para isso. A primeira é amaleabilidade do ambiente de trabalho, com a possibilidade deefetuar mudanças facilmente quando for necessário. Mesasparticulares que podem virar mesas de reunião, paredes móveis,biombos, baias etc. Algumas empresas, como a Steelcase e a Teknion, sãoespecializadas em móveis de escritório que podem serrearranjados para criar diferentes tipos de ambiente. Segundoo arquiteto alemão Patrik Schumacher, em artigo na revistaDaidalos, essa flexibilidade pode fazer parte da própriaarquitetura, não apenas do mobiliário. "A maior parte dassuperfícies pode ter mais de uma função: mesas viram pisos,prateleiras viram escadas e assim por diante." O importantenessas ambigüidades, diz Schumacher, é o estado de latência,que amplia a flexibilidade do espaço. A segunda alternativa para mudanças estruturais é o uso maciçode tecnologia da informação, ou seja, o trabalho num espaçovirtual, intrinsecamente flexível. Nesse caso, a comunicaçãocom alguém da sala vizinha é tão rápida como com alguém dooutro lado do mundo, o acesso ao chefe pode ser tão fácilquanto ao colega ou ao cliente. Na maior parte das vezes, asduas alternativas devem ser conjugadas. O escritório do futurodeve ter arquitetura flexível e recorrer à tecnologia dainformação.

O SEGUNDO LAR

O economista escocês Adam Smith considerava a separação entretrabalho e casa como a mais importante de todas as modernasdivisões do trabalho. A Revolução Industrial acabou com as

oficinas que os artesãos mantinham em suas próprias casas,porque os meios de produção passaram a ser ferramentas caras epesadas demais para que cada trabalhador fosse dono dos seus.Com o avanço da economia do conhecimento, a separação rígidaentre casa e trabalho começa a ser novamente posta em dúvida. "As fronteiras entre trabalho e lar estão começando adesaparecer", diz o americano Scott Dunlap, sócio da empresade arquitetura Gensler, de São Francisco. A própria naturezado trabalho intelectual questiona a divisão entre local detrabalho e lar, porque o escritório, nesse caso, não pode maisser apenas o espaço da rotina de tarefas, da mecânica, daetiqueta. Ele deve ser também o espaço da criatividade e danaturalidade. Ele tem que ser invadido pela noção do lar. Comodiz o filósofo francês Gaston Bachelard, em A Poética do Espaço(editora Martins Fontes): "Todo espaço realmente habitado traza essência da noção de casa". Uma das conseqüências disso é que as pessoas querem trabalharem lugares mais agradáveis. "Nos Estados Unidos, 41% doscandidatos a emprego dizem que o ambiente de trabalhoinfluenciaria sua escolha de companhia", afirma Dunlap. Não éà toa que empresas estão instalando mesas de bilhar, academiasde ginástica, cafés e estacionamentos de bicicletas internos,como meios de atrair jovens profissionais. Também não é à toaque empresas de tecnologia jovens tenham muitas vezes oaspecto de um quarto de adolescente.

PRAÇA E CAVERNA

Uma outra característica da flexibilidade da fronteira entrecasa e trabalho é que, graças à tecnologia e às novas formasorganizacionais, mais pessoas estão trabalhando em casa:

• Eugene Tsiang, um cientista do Centro de Astrofísica doHarvard Smithsonian, é responsável pelo telescópio doinstituto, que fica no Havaí, mas mora a uma distância de umquarto do planeta dali, em Cambridge, Massachusetts. Com umnotebook, ele ajusta o telescópio, faz observações e coletainformações.• Everaldo Santos, da companhia de alumínio Alcan, conta queseu diretor jurídico trabalha em casa nos dias em que tem deobedecer ao rodízio de carros em São Paulo. Vendedores, queantes precisavam ir à empresa todo dia para fechar pedidos,hoje não têm mais mesa e trabalham em escritórios virtuais.

• Várias empresas, como a consultoria Andersen Consulting,adotaram o regime de hotelaria, em que os funcionários nãotêm mesas próprias e, quando precisam de sala, reservam suautilização por um tempo determinado.• A IBM tem 100 000 trabalhadores móveis. No ano passado, 55%dos funcionários de colarinho branco da AT&T eramconsiderados trabalhadores a distância, pela definição daempresa: pessoas que trabalham fora do escritórioregularmente pelo menos duas vezes por semana.

Será esse o futuro? O fim dos escritórios? Para muita gente,sim. Quando contrata funcionários, uma companhia espacialamericana já exige pessoas que não precisem do ambiente deescritório, pelo cândido motivo de que essa companhia não temescritório. David Whitten, vice-presidente de pesquisas doGartner Group, está há oito anos na empresa e nunca trabalhounum escritório do grupo. Mas também não trabalha em casa: elealuga uma sala. "O problema de trabalhar em casa é que algumaspessoas não conseguem impor limites e se estouram detrabalhar", diz Whitten. Em alguns casos desse tipo, o GartnerGroup mandou os funcionários de volta para o escritório. Emoutros casos, enviou conselheiros e terapeutas para ajudar osfuncionários a trabalhar em casa. Outros tiveram de sermandados embora da empresa. O americano Frank Becker, chefe de um projeto chamadoWorkscape 21 (Ambiente de Trabalho no Século 21) na CornellUniversity, acredita que cada vez mais trabalhadores dividirãoo tempo entre o escritório central, o escritório doméstico eum escritório em um parque afastado do centro. Alberto AugustoPerazzo, da companhia de equipamentos de informática Bull, templanos parecidos para a empresa no Brasil. "Podemos ter váriospredinhos. Esse é um projeto que já está sendo pensado. Aspessoas poderão ir para o local que escolherem." Já há até projetos de comunidades de teletrabalho - centroscom escritórios que permitem conexão com as sedes dasempresas. Ou seja, as pessoas trabalham para empresasdiferentes, no mesmo escritório, numa cidade afastada. Umdesses projetos, em Nevada, nos EUA, é uma telecomunidade de 8600 pessoas, construída por uma companhia britânica no lugaronde - talvez não à toa - funcionou um hospital para loucos,que foi abandonado no começo da década. Um projeto similarexiste na Itália, na cidadezinha de Colletta di Castelbianco,

perto de Gênova. A cidade estava desabitada havia 30 anos e,quando os responsáveis decidiram restaurá-la, começaram adesenvolver uma telecidade. Os primeiros moradores se mudarampara lá em março de 1998. Apesar de todas essas alternativas, a maioria das pessoas vaicontinuar trabalhando em escritórios e fábricas das empresas,pelo menos no futuro próximo. Mesmo quem trabalha em casadeverá ter alguma conexão com a sede. "Em algumas horas, aspessoas vão ter que ficar juntas. Não para fazer o que poderiaser feito em casa, mas para formalizar os momentos de convívioreal, para ter um espaço de troca de idéias e experiênciasenriquecedoras", diz Perazzo, da Bull. "Antigamente, vocêpasseava pelo escritório para ficar por dentro das coisas, masagora tem que pensar em como manter seus funcionáriosinformados", diz Jonathan Judge, responsável pela gestão daIBM na Web. Mais: como fazer a cultura da empresa chegar aosfuncionários virtuais? Uma solução que parece estar se impondo é a chamada cave andcommons (algo como caverna e praça) - a distribuição do espaçoem locais amplos e comunitários (commons), mas com pequenasilhas de privacidade. É uma solução de compromisso, porque osespaços abertos incentivam a eficiência do trabalho de equipe,mas também provocam distração e estresse, pela falta deprivacidade necessária ao trabalho intelectual.

VASTIDÃO E ACONCHEGO

Uma das características do espaço de trabalho do futuro será asua dualidade: a pretensão de unir o espaço da rua e o espaçoda casa num mesmo ambiente. A amplitude é o espaço comunitárioque favorece a comunicação e o trabalho em equipe. Mas nãoapenas isso. Ela é necessária também como inspiração dotrabalho intelectual, como conforto para a mente. "Poderíamosdizer que a imensidão é uma categoria filosófica do devaneio",afirma Bachelard em seu estudo fenomenológico do espaço. "Acontemplação da grandeza determina uma atitude tão especial,um estado de alma tão particular, que o devaneio coloca osonhador fora do mundo próximo, diante de um mundo que traz osigno do infinito." Essa própria imensidão exige um espaço protegido. Segundo opoeta francês Jules Supervielle, citado por Bachelard, "oexcesso de espaço sufoca-nos muito mais do que a sua falta".Por isso é tão importante a criação de espaços particulares no

trabalho, com objetos pessoais, decoração escolhida pelousuário etc. Espaços individualizados não por hierarquia, maspor necessidades da função ou do indivíduo. A empresa depetróleo Mobil Oil é um exemplo: percebeu que sua política dedar salas maiores para executivos de maior hierarquia eraobsoleta e até, em alguns casos, contraproducente. Quandogeólogos subiam de cargo, ganhavam salas com janelas - queeles odiavam, porque perdiam o espaço de parede em quecostumavam pendurar seus mapas e suas cartas de sismologia. Parece óbvio, mas o óbvio costuma demorar muito para serenxergado: cada pessoa tem necessidades diferentes e será maisprodutiva em diferentes ambientes. A empresa de segurosamericana West Bend começou a usar equipamentos que permitemque cada funcionário ajuste a temperatura, a ventilação e atéo nível de ruído em seu cubículo. Pesquisadores do InstitutoPolitécnico Renssealer concluíram que os funcionários quetinham controle sobre seus ambientes eram pelo menos 3% maisprodutivos do que os outros. O arquiteto Odair Stolagli, da Exacta Saúde Ocupacional, estáiniciando no Brasil um trabalho de pós-avaliação de ambientes."Quando se projetam os espaços, parte-se do princípio de que oser humano é infinitamente adaptável. Mas cada adaptaçãoacarreta um pouco de estresse", diz Stolagli. Seu trabalho éaveriguar como os espaços são ocupados pelos funcionários quetrabalham neles. O mesmo nível de ruído pode ser prejudicialpara alguém que precise se concentrar e positivo para quemtenha uma tarefa rotineira; a incidência da luz pode incomodaruma pessoa mais alta e assim por diante. "A maior crítica àarquitetura hoje não vem de arquitetos ou de designers, vemdas ciências humanas, da psicologia, da antropologia", afirmaStolagli.

A ETERNA VIGILANCIA

Toda arquitetura estabelece também um sistema de poder. Aestrutura de poder proposta no século 18 pelo filósofo inglêsJeremy Bentham é o panóptico - basicamente, uma construçãocircular, com uma torre no meio, de onde se pode ver tudo oque se passa, através de grandes janelas. O princípio é de queo poder é visível e inverificável. A pessoa nunca sabe se estásendo observada, mas tem certeza de que sempre pode sê-lo.Segundo o filósofo francês Michel Foucault, o panoptismo -cuja essência são justamente os espaços abertos, tão comuns

nos escritórios de hoje - inaugura uma nova concepção dadisciplina: "Um mecanismo funcional que deve melhorar oexercício do poder, tornando-o mais rápido, mais leve, maiseficaz". Não é uma disciplina apenas da coerção e da negação,mas um poder que instrui, fabrica, ensina. A essa arquitetura se une o poder da tecnologia, similar ao daficção do Grande Irmão, descrito por George Orwell. Existe apossibilidade de investigação das mensagens do computador,conversas telefônicas podem ser gravadas. A vigilância não éopressiva, mas é perene. Novamente, não é apenas um podercoercivo, é principalmente um poder educativo, que buscaalojar-se no indivíduo. É um poder que pode realizar-se adistância. Segundo o sociólogo Richard Sennett, um bom númerode estudos afirma que a vigilância do trabalho é maior paraquem trabalha em casa do que para quem está no escritório. "Opoder externo tende ao incorpóreo. E, quanto mais se aproximadesse limite, mais seus efeitos são constantes, profundos,adquiridos em caráter definitivo", diz Foucault. Em algumascreches nos EUA, os pais podem checar a rotina das crianças,saber o menu do dia, ou mesmo acompanhar o progresso dospimpolhos por câmeras que transmitem imagens pela Internet. Omesmo pode ocorrer quando o filho é a empresa: "Eu consigo vera empresa de casa. Tenho câmeras em alguns locais e acesso aelas pela Internet", diz Laércio Cosentino, da Microsiga. Cada empresa deve estabelecer sua arquitetura pensando tambémnesse equilíbrio: a praça, o espaço aberto, é o local dadisciplina e da produtividade; as cavernas são o local dacriatividade.

A VOZ DO SILÊNCIO Como forma de organização do poder, não existe arquiteturaingênua. A localização de cada parede quer dizer algo, assimcomo a distribuição de salas, o espaço destinado ao cliente, ograu de dificuldade imposto para o acesso à informação. Até ovazio adquire significado, na pretensão de uma empresa virtuale flexível. É o que diz o sociólogo Manuel Castells no livro ASociedade em Rede (editora Paz e Terra). "A arquitetura queparece mais repleta de significados nas sociedades moldadaspela lógica do espaço de fluxos é o que eu chamo de'arquitetura da mudez': a arquitetura cujas formas são tãoneutras, tão puras, tão diáfanas, que não pretendem dizernada. Sua mensagem é o silêncio."

5 - A pressão social: relações com a comunidade e o meio ambiente

EMPRESA E SOCIEDADE - A pressão social: relações com a comunidade e o meio ambiente

A lei do mais fracoA nova ordem na relação das empresas com a sociedade e com o meio ambiente

Por David Cohen

E tudo de lindo que eu faço vem com você, vem feliz. Você me abre seus braços e a gente faz um país.(Marina Lima e Antonio Cicero, Fullgás)

É um fenômeno mundial que as empresas venham sendo maiscobradas em seu papel de cidadãs. Esse fenômeno tem a ver coma queda dos regimes socialistas do Leste Europeu e o fim daGuerra Fria; com a busca de novos mercados pelas empresastransnacionais; com o avanço do neoliberalismo e a onda deprivatizações e desregulamentações que aumentou a parcela daeconomia em poder dos grupos privados. Tem a ver, também, coma evolução normal da conscientização das sociedades. No Brasil, há outros fatores a considerar. Primeiro, uma amplagama de novos empresários, na faixa dos 30, 40 anos, viveu ofim do regime militar, conheceu outros países, está mais bempreparada e se sente na obrigação de colaborar para tornar opaís melhor. Em segundo lugar, o aumento da violência nasgrandes cidades parece ter chegado ao ponto em que éimpossível fechar os olhos para a vergonhosa disparidadesocial brasileira. Finalmente, há uma mudança de mentalidade da sociedadebrasileira em relação às empresas. No livro A Empresa Viva, Ariede Geus, diretor da Shell do Brasil na década de 70, comentaque a opinião pública brasileira era contrária às empresasmultinacionais pelo simples fato de elas estarem no país.Edson Vaz Musa, que foi presidente da Rhodia, diz que asempresas não deixavam que seus executivos tivessem atividadesextras por medo de repercussões políticas. Hoje, a situação se inverteu. Empresas são paparicadas como asalvação da lavoura (ou melhor, da indústria) e louvadas pelonúmero de empregos diretos e indiretos que podem proporcionar,

a ponto de governadores estaduais lançarem guerras fiscais ejogos de pressão política para tê-las em sua região. Com esseambiente favorável, as empresas não apenas permitem comotambém incentivam seus executivos a assumir responsabilidadessociais. Certo, o clima parece favorável às ações comunitárias, mas asempresas estão assumindo mais responsabilidades? Ou seusprogramas sociais são apenas medidas paliativas, simplesmenteo embrião do que ainda precisa ser feito? Sim e sim. Háindícios fortes de que as empresas estejam começando a assumirseu lado cidadão, mas em geral sua atuação é tímida. A maioria das empresas (56%) apóia programas sociais, segundoa primeira pesquisa nacional sobre a atuação social e oestímulo ao voluntariado nas empresas, finalizada em julhopelo programa governamental Comunidade Solidária. Parecebastante, mas esse índice se refere a qualquer tipo deprograma, sem levar em conta a quantidade de recursosaplicada. Uma grande parcela das empresas (43%) não investenada. Apenas 17% das empresas disseram que há voluntariadodurante o horário de trabalho, e 16% afirmaram que designam umresponsável por esse voluntariado. A pesquisa* foi realizadapelo Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor, daUniversidade de São Paulo, com 1 200 empresas de nove estadose do Distrito Federal. Ela mostra que, mesmo que seja tímidaem alguns aspectos, a ação social das empresas está ganhandoforça.

Alguns dados da pesquisa:

Área de atuação social das empresas:

40% 26% 23% 19% 16%População -

alvo: Crianças eAdolescentes

Educação

saúde arte ecultura

meioambient

e

esporte 47

Como as empresas estimulam o voluntário: 21% 17% 17% 12% 10%

Oferecem

recurso

estimulam

atuação

formamgrupos

dãodispens

a

valorizam nacontrat

s emprojeto

s

ação

OUTRO MODELO DE NEGÓCIOS

Nem todo mundo é tão otimista. Allan Cohen, reitor da escolade negócios americana Babson College, acredita que apreocupação social tenha um ciclo próprio. Hoje está em alta,amanhã deverá estar em baixa de novo. Será? Essa visão dos ciclos funciona sob o pressuposto de que aspreocupações sociais e ambientais representam um custo e,assim que tiverem oportunidade, as empresas deverão cortá-lo.Esse pressuposto vem sendo questionado. "É custo? O que nossosassociados têm aprendido é que a responsabilidade social é umótimo negócio", diz Robert Dunn, presidente da Business forSocial Responsability (Negócios pela Responsabilidade Social),um grupo americano de promoção da ética nas empresas quecomeçou com 40 sócios e hoje congrega 1 500 firmas de todos ostamanhos, com um faturamento conjunto de 1,5 trilhão dedólares por ano. (É nesse caminho que se inspira o InstitutoEthos, no Brasil. Em junho, sua conferência sobreresponsabilidade social reuniu mais de 300 líderesempresariais em São Paulo.) Segundo os professores e consultores americanos MalcolmMcIntosh, Deborah Leipziger, Keith Jones e Gill Coleman,autores do livro Corporate Citizenship, existe hoje uma nova formade cidadania corporativa. "Não é filantropia, não é escreverum anexo sobre ações comunitárias no relatório financeiroanual. A nova cidadania corporativa não é uma idéia posteriorao negócio, entregue ao departamento de recursos humanos. É acidadania no coração do planejamento estratégico." Guilherme Peirão Leal, um dos sócios da empresa de cosméticosNatura, diz que "ética e responsabilidade social devem seexpressar na prática empresarial, não no pós-expediente, comoexpiação de culpas. Só a construção de relações de qualidadepode levar as empresas a condições de sobrevivência num mundoinstável". Em resumo: a cidadania corporativa não faz parte deum ciclo que dependa do senso de abnegação das empresas. Ela éum novo modelo de fazer negócios. "A responsabilidade socialse liga a todas as decisões de uma companhia: onde colocar umafábrica, como contratar, como anunciar, como se relacionar comas autoridades...", afirma Dunn.

Como diz Arie de Geus, o ex-executivo da Shell: "Éperfeitamente válido que uma empresa tenha o único objetivo degerar lucro para seus acionistas. Mas isso tem conseqüências.Só um pequeno grupo de pessoas se identifica com o círculo depoder. Todos os outros serão adendos à máquina de fazerdinheiro. Serão outsiders, recrutados por suas habilidades.Isso significa que controles hierárquicos têm de seraplicados. Esta é a velha empresa econômica". A alternativa, diz De Geus, é uma empresa organizada em tornodo propósito de perpetuar a si mesma. "O retorno financeiro éimportante, mas os gerentes vêem a otimização do capital comoum complemento da otimização das pessoas. Seus objetivos sãolongevidade e o desenvolvimento de seu potencial. Lucro é ummeio para esse fim." No livro Feitas para Durar, James Collins e Jerry Porras comparamduas empresas com estilos bem diferentes: a eficiente TexasInstruments (TI) e a excelente Hewlett Packard (HP). "Para aTI, quanto maior o lucro, melhor, e ponto final. Para a HP,quanto maior o lucro, melhor, desde que alguma contribuiçãoseja feita." (David Packard enfatizava aos gerentes da HP anecessidade de pensar na contribuição, mais do que no lucro ouna participação de mercado.) "A TI, por exemplo, começou afabricar calculadoras de bolso baratas e relógios digitaisdescartáveis de 10 dólares, na década de 70. Diante das mesmasoportunidades de mercado, a HP não embarcou nessa onda fácilporque isso não representava nenhuma contribuição técnica",dizem Porras e Collins. Não é apenas uma questão de escolher um ou outro modelo. Aempresa hierárquica está condenada ao segundo pelotão na NovaEconomia, porque a riqueza mais importante do futuro, oconhecimento, não pode ser criada com os mesmos métodos comque se extrai ouro de uma mina ou se produzem bensindustriais.

PRESSÃO E RECOMPENSAS

Mais do que simplesmente uma onda politicamente correta, aresponsabilidade social está fincando bases em razões denegócio. Numa sociedade globalizada, ultracompetitiva e maisbem informada, os consumidores têm amplo poder de escolha e jánão basta oferecer um bom produto. É necessário vender tambéma imagem da empresa. Uma pesquisa mundial feita pela Ford

concluiu que, em todos os lugares, os consumidores -principalmente os jovens - preferem companhias que tenhampreocupação social. O incentivo à cidadania corporativa se dá de duas maneiras:pressão e recompensas. Alguns exemplos de pressão:

• Atos antiéticos ou criminosos praticados por trabalhadorescustam em indenizações mais de 400 bilhões de dólares por anoàs empresas dos Estados Unidos, segundo o Ethical LeadershipGroup (Grupo de Liderança Ética), fundado em 1993 peloteólogo Steve Priest. • Na Alemanha, foi aprovada uma lei para impor às empresasautomobilísticas uma taxa pelo ciclo de vida total doscarros, apelidada de take-back (pegar de volta). Ou seja, aempresa tem de se preocupar com o que vai ser feito doveículo, no final de sua vida útil. (Esse custo pode acabarse tornando uma oportunidade, como já é comum na indústriaeletrônica. A Digital Equipment lucra uma segunda vez aovender computadores recauchutados para países emdesenvolvimento; a Xerox vende por preços mais baixoscopiadoras refabricadas.) • Em maio de 1997, fundos de pensão que controlavam 1% dasações da Shell pediram uma resolução em assembléia queobrigasse a companhia a ter auditoria independente para suaspolíticas de direitos humanos e ambiental. O motivo eramacusações de que a Shell tinha relações políticas com arepressão militar na Nigéria, além de provocar danos ao meioambiente. A moção foi derrotada, mas teve apoio de 10% dosacionistas, com 6% de abstenções. • 18 de outubro de 1997 foi o dia mundial de ação contra aNike, o ápice de uma campanha de denúncias de utilização detrabalho infantil, salários indecentes e condições insalubresem algumas fábricas asiáticas que forneciam tênis para aNike. O escândalo ajudou a derrubar o valor das ações daempresa e provocou uma reestruturação na sua política dealianças, incluindo a criação de um departamento paramonitorar as fábricas associadas.

Eis agora alguns exemplos de recompensa:

• A empresa sueca Boxman, que vende CDs pela Internet, estreouseu site na Finlândia com um show do grupo Ace of Base.

Unindo tecnologia e causa social, a Boxman comprometeu-se adoar para a luta contra o câncer 1 marco (cerca de 20centavos de dólar) por cada disco vendido. Em apenas umasemana, abocanhou 10% das vendas de CDs da Finlândia. • Autoridades sanitárias americanas descobriram uma bactérianum dos sucos da fábrica Odwalla e comunicaram à direção daempresa que os testes definitivos sairiam em uma semana. Afábrica decidiu não esperar: recolheu todo o seu estoque desuco dos supermercados. As vendas caíram a zero, e osanalistas foram unânimes em considerar que a empresa estavaacabada. Em um ano, beneficiando-se de sua postura ética, aempresa recuperou 100% das vendas. • Uma refinaria na Austrália preocupava-se com o alto índicede absenteísmo. Quando decidiu participar de um fundocomunitário, acrescentou um item: para cada dia de ausênciados trabalhadores, seria reduzida a porcentagem de doações.Em poucos meses, as faltas caíram ao menor nível da históriada empresa.

O MARKETING SOCIAL

Robert Dunn, presidente da Business for Social Responsability(www.bsr.org), cita três vantagens competitivas das empresascidadãs:

1a - acesso a capital : Um décimo dos investimentos nos EUA éfeito por fundos que se preocupam com ética, ambiente,responsabilidade social. 2a - desempenho : "O retorno financeiro das empresas éticasque nós acompanhamos nos últimos oito anos bate a média das500 maiores empresas do índice da Standard & Poor's", afirmaDunn. 3a - motivação : "Os funcionários das empresas socialmenteresponsáveis trabalham mais motivados, são mais produtivos emais leais, segundo estudos de várias faculdades einstituições americanas", diz Dunn.

A cidadania funciona como qualquer serviço no mercadocompetitivo: os inovadores são premiados. "Quem entra nessaárea mais cedo ganha vantagem, fica com uma boa imagem. Emalgum ponto, as ações pelo ambiente e pela comunidade deixamde ser vantagem, passam a ser pré-requisito", afirma Dunn.Esse caminho já está sendo trilhado com mais consistência nos

EUA. "Há 15 anos, nós tínhamos que custear estudos caríssimossobre o impacto das indústrias no meio ambiente. Hoje, ascompanhias pagam por esses estudos para usá-los comopropaganda", diz a futurista, consultora de empresas eativista social Hazel Henderson. Nesse mundo novo, em que a batalha pela atenção dosconsumidores se acirra, o trabalho pela comunidade ganha maisimportância de marketing. Denis Beausejour, vice-presidente depropaganda da Procter & Gamble, diz que o patrocínio de umaexperiência comunitária na Internet é mais bem-sucedido, comoestratégia de marketing, do que colocar uma bandeira num site."Patrocínios ajudam a identificar a companhia com o apoio auma comunidade." Um exemplo disso é o The Hunger Site (O Site da Fome,www.thehungersite.com), uma página na Internet em que apareceum mapa mundial mostrando as estatísticas de morte pela fome.O visitante é informado de que basta clicar num ícone para queuma das empresas associadas doe uma porção de comida parasalvar uma vida em algum lugar do planeta. Já foi criada umaversão brasileira desse site, o Clickfome, ligado ao Ibase, doRio de Janeiro (www.clickfome.com.br). Outro exemplo de retorno de marketing é o da cadeia de roupasbritânica Marks & Spencer. A empresa paga 35 empregados parafazer trabalhos comunitários em tempo integral e mais 200 emhorário parcial. Ela apóia cerca de 1 200 ações de caridade. Éuma companhia tão ligada à comunidade que a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher e o atual primeiro-ministro TonyBlair afirmaram com orgulho (e talvez um pouco de pendorpopulista) que costumam fazer suas compras lá. O engajamento numa causa também melhora a imagem da empresa emrelação a seus funcionários. Um indício claro de quanto osempregados são favoráveis ao voluntariado é a pesquisa sobreação social feita pelo programa Comunidade Solidária: emboraapenas 17% das empresas tenham voluntários durante o horáriode trabalho, 48% delas afirmam que têm funcionários que fazemtrabalho voluntário, e outros 30% dizem não saber. A empresa de autopeças Iochpe Maxion organizou um cursotécnico reconhecido pelo MEC no qual o ensino é dado porvoluntários. O curso tem mais candidatos do que vagas paraprofessor. "Em 1996, quando houve demissões na empresa, algunsprofessores demitidos pediram para continuar dando as aulas",afirma Evelyn Berg Iochpe, diretora da Fundação Iochpe. Quando

uma unidade do Rio Grande do Sul foi vendida, funcionáriosdecidiram manter a escola por si mesmos. O Instituto Microsiga, da empresa de softwares de gestãoMicrosiga, nasceu de uma sugestão de um funcionário, no anopassado. Hoje, 750 crianças estão sendo treinadas emcomputação. No ano que vem, serão 1 500. A Microsiga tambémcolabora no patrocínio da escola de samba paulistana Unidos doPeruche. "A empresa deveria ter papel social importante.Porque você tem comprometimento do pessoal que trabalha naempresa", afirma Laércio Cosentino, presidente da Microsiga. Trabalhos sociais também são um modo de formar ou detectarlíderes. Uma das empresas que mais fazem investimentos sociaisno Brasil é a holandesa C&A. "A empresa não faz nenhumaligação entre progresso na carreira e trabalho voluntário, masé claro que o setor terciário é um local privilegiado paraobservação de talentos", diz Antônio Carlos Martinelli,presidente do Instituto C&A. "O papel de cidadão contamina osoutros papéis." Geralmente, empresas que se preocupam com a comunidade tambémse preocupam com o ambiente interno. Tratar bem seusfuncionários faz parte da cartilha ética - além de ser amelhor maneira de valorizar a empresa. O americano RobertLevering, presidente do Great Place to Work Institute(Instituto Ótimo Lugar para Trabalhar), que publica uma listaanual com as melhores empresas para trabalhar nos EstadosUnidos, afirma que as 100 companhias de sua lista tiveram noano passado quase o dobro do lucro médio das 500 maiores doíndice Standard & Poor's, e quase o triplo da valorização deações. "Os fatos não comprovam o lema de que você tem de ser mau eegoísta para vencer no mundo dos negócios", diz Levering. Finalmente, há os ganhos provenientes da preocupação com omeio ambiente. A 3M usa o esforço de preservação ambientalcomo um motor do processo de inovação. A NEC capitalizou suaespecialidade em redução de lixo industrial e inovação deprodutos abrindo uma consultoria de gestão do ambiente para aindústria eletrônica japonesa. Sobre esse tópico, o melhorseria dizer que não existe uma coisa chamada gestão ambiental.O que existe é simplesmente boa gestão. (Afinal, o que égestão ambiental senão o combate ao desperdício, a economia derecursos, o incentivo à inovação para produzir cada vez maisusando cada vez menos?)

GESTÕES AMBIENTAIS

Um bom exemplo de gestão ambiental é a companhia americana decarpetes Interface. Durante 21 anos, ela funcionou como umaempresa tradicional. Um dia, seu presidente e fundador, RayAnderson, leu um livro sobre ecologia que um funcionáriodeixara em sua mesa e imediatamente decidiu transformar acompanhia. Mas ele nunca deixou de pensar no lucro. Oprincípio básico para tornar a gestão ambiental era simples:eliminar qualquer custo que não trouxesse valor para ocliente. Não havia nenhuma menção a reduzir emissões tóxicasnem o lixo - mas foi esse o resultado. A Interface começou a reutilizar fibras, adotou novos métodosde corte que diminuíram os resíduos de material na hora decolocar o carpete e passou a usar água em vez de compostosquímicos. Até o modelo de negócio foi repensado: em vez devender carpetes, a Interface passou a alugá-los. A idéia épromover o "carpete verde", ou seja, a companhia se comprometea supervisionar, substituir e reciclar pedaços de carpetegastos, em vez de tentar vender ao cliente mais do que eleprecisa. O compromisso com o meio ambiente chegou a tal ponto que certavez seus diretores marcaram uma convenção em um hotel doHavaí, mas um dos executivos reclamou: "Como nós podemos fazera nossa convenção nesse hotel tão ecologicamenteirresponsável?" A semana da convenção acabou sendointeiramente gasta com discussões sobre maneiras de aquelehotel economizar dinheiro, adotando uma gestão ambientalista. A Interface talvez seja um exemplo radical, mas há inúmerascompanhias nesse caminho:

• A Electrolux já tem 10% das vendas, e 15% dos lucros,provenientes de produtos ambientalmente corretos. • A fabricante de meias alemã Kunert reduziu a poluição em 20%e cortou seus custos totais em torno de 2%, como resultado doseu programa ambiental. • Uma fábrica da Lucent Technologies, em Allentown, naPensilvânia, usava equipes de operários para limpar resíduos.Os empregados descobriram que, se o processo de produçãofosse um pouquinho modificado, poderiam usar água em vez dassubstâncias químicas.

• A Companhia Suzano de Papel e Celulose tem uma área dereflorestamento de 50 mil hectares, com reservas de 17 500hectares destinadas a manter a diversidade. Essa preocupaçãoecológica ajuda a controlar pragas. • Desde 1993, a Nike estuda a conversão da cola usada nos seustênis, passando de um produto feito à base de petróleo paraoutro à base de água. Foram gastos milhões de dólares nessaconversão, mas nas fábricas em que ela foi feita observaram-se as seguintes vantagens: os contêineres podem serreutilizados, a limpeza é mais barata, a produtividade émaior (com o menor nível de agressão ambiental aostrabalhadores) e o sistema de ventilação das fábricas tem umcusto menor. • Na fábrica de Juiz de Fora, a Mercedes-Benz adotou oprocesso de tintura hidrossolúvel, à base de água, quediminui o uso de solventes orgânicos de 12 quilos para 3quilos por carro, segundo a empresa.

Além dos cortes de custo na produção e da eventual descobertade novas oportunidades de negócios, as empresas vêmdescobrindo que podem usar seus programas ambientais (esociais também) como ferramentas para divulgar uma boa imagemda companhia. A British Petroleum, por exemplo, usa umacontabilidade ambiental no seu relatório financeiro anual parademonstrar o compromisso com o meio ambiente. A DuPont ficouem primeiro lugar no ano passado na lista de empresas maisadmiradas dos Estados Unidos, feita pela revista Fortune,especialmente por causa de sua política de responsabilidadesocial. Esse tipo de contabilidade ambiental, que alguns consultoresapelidaram de environmetrics, é a tentativa de transformar alinguagem ecológica naquilo que o mundo dos negócios entende:números. Ulrich Steger, ex-ministro de economia e tecnologiado estado alemão de Hesse, explica: "Além do custo domaterial, o uso de um determinado produto químico pode tercustos indiretos, como mais recursos exigidos para tratar águacontaminada, cuidados extras na estocagem etc." Quando essecálculo é feito, com auxílio da contabilidade ambiental,notam-se os prejuízos causados pela gestão não-ambiental. A fábrica de Jundiaí (SP) da empresa de balas holandesa VanMelle criou um "barômetro ecológico" para medir o sucesso desua política ambiental. O barômetro é uma comparação da

situação de uma série de índices (acidificação, uso de água,resíduos sólidos etc.) com a situação ideal. Décio Abu Gannam,diretor industrial da Van Melle, diz que a meta é atingir oequilíbrio com o meio ambiente em 2005. O barômetro ecológico passou a ser uma das diretrizes daempresa e tem se mostrado um fator de mobilização dosfuncionários. "Quase metade da fábrica está engajada emprojetos de ecologia", diz Abu Gannam. A empresa já progrediubastante: em 1992, o barômetro teve 10,8 pontos. Em 1997, teve0,23 ponto. No ano passado, ficou perto de zero. Agora, otrabalho será definir metas separadas para cada um dos índicesque compõem o barômetro. Segundo o ex-ministro alemão Ulrich Steger, há três razõesimportantes para que uma empresa invista no meio ambiente:

a) as pressões sociais vão crescer;b) esse investimento vai cortar custos fixos da produção; ec) essa política vai levar a inovações que podem fazer partede uma estratégia de excelência da empresa.

Segundo o americano Douglas Maguire, do World ResourcesInstitute (Instituto de Recursos Mundiais), uma associaçãoambientalista fundada em 1982, "em 10 ou 15 anos, não vaihaver empresa competitiva que não tenha uma estratégiaambiental".

CONTABILIDADE SOCIAL

A mesma lógica pode se aplicar à gestão social. Empresas quenão tenham uma estratégia definida nesse campo vão perderpontos. Em primeiro lugar, porque estarão deixando deaproveitar um manancial de riqueza em conhecimento que estálatente nos funcionários e na comunidade. Em segundo lugar,porque perderão pontos na construção de sua imageminstitucional, em relação a concorrentes que se mostrem maisidentificados com a sociedade em que atuam. Em terceiro lugar,porque podem estar pura e simplesmente jogando dinheiro fora,desperdiçando excelentes negócios em médio e até curto prazo. Um exemplo: a Hindustan Lever, uma fábrica de laticíniossubsidiária da Unilever no estado indiano de Uttar Pradesh,dava prejuízo. O que se podia fazer? Lamentar e fechar onegócio. Mas, investigando por que a fábrica dava prejuízo, acompanhia concluiu que os fazendeiros eram tão pobres que não

conseguiam alimentar e cuidar direito do gado. Em vez defechar a fábrica, a Hindustan Lever investiu nodesenvolvimento da comunidade rural. Ela forneceu empréstimossem juros para os fazendeiros, ajudou na criação de um planode cinco anos para melhorar a saúde humana e animal e serviucomo catalisadora para atrair investimentos do governo emestradas, escolas e clínicas. Hoje, a fábrica dá lucro. Essainiciativa agora cobre 400 aldeias no estado. Assim como a contabilidade ambiental, já existem tentativas decriar uma contabilidade social. Na Holanda, a firma deconsultoria e auditoria internacional KPMG presta umaconsultoria de integridade que já tem 25 empresas clientes. AIBM mede agora suas empresas por sete parâmetros, sendo quatrofinanceiros e três de novas medidas (satisfação do cliente,qualidade e moral do empregado). Outras empresas estãoprocurando meios de medir o "banco de conhecimentos" dacompanhia.

DE ADVERSÁRIOS A ALIADOS

Se as empresas estão mudando em relação à responsabilidadesocial, as organizações de projetos sociais também estão. Elassão agora mais profissionais, mais sérias. Descobriram que amelhor forma de lutar por direitos sociais e ambientais não écombater as empresas, mas atraí-las. A melhor arma, geralmente, é a informação. Quando fala sobrefundos de investimento socialmente responsáveis, Eric Leenson,da Progressive Asset Management, cita o caso do Instituto doCâncer dos EUA. Enquanto fazia campanhas ferrenhas contra ocigarro, o instituto não sabia que tinha em sua carteirafinanceira ações de várias empresas de tabaco. Os fundos socialmente responsáveis estão em alta nos EUA. Umdos primeiros foi o Calvert Group, criado em 1982. Hoje, até aMerryl Lynch está oferecendo um fundo desse tipo. Mas apresidente do Calvert, Barbara Krumsiek, adverte: "Não adiantasó ser socialmente responsável. Tem de ser competente. Tem dedar lucro". O currículo de Barbara já diz algo sobre o quanto evoluiu aquestão dos negócios éticos. Ela é uma das mais valorizadasprofissionais do mercado financeiro americano. Há pouco maisde dois anos dirigia a Alliance, uma empresa com uma carteirade 21 bilhões de dólares. Trocou-a pelo Calvert, que na épocatinha 5 bilhões de dólares em bens (hoje tem 6 bilhões), sendo

2,1 bilhões investidos em fundos socialmente investigados.Dois motivos a fizeram trocar de emprego: o entusiasmo detrabalhar com uma causa ética e a certeza de que o negócioestá prosperando. O modo como o Calvert trabalha também demonstra o abandono dapolítica do conflito, em prol da política da atração. "Nós nãotemos listas de companhias em que não investimos. Acreditamosna possibilidade de as empresas mudarem. Nós fazemospublicidade daquelas com que trabalhamos." Metade das 500maiores empresas da lista da Stanley & Poor's não está deacordo com os padrões do Calvert, a maioria por causa dequestões ambientais. "Nossa base de dados tem 1 500 empresas. Nós investimos em400. Em resumo, só investimos em companhias que teríamosorgulho de possuir", diz Barbara. Eis alguns dos itens que ospesquisadores do Calvert analisam para decidir sobre apossibilidade de investimentos: questões de trabalho (aporcentagem de mulheres no comando, a diversidade dosfuncionários, a taxa de troca de empregados); segurança doproduto; respeito a direitos humanos; se a empresa estáenvolvida com o comércio de armas. "A falta de dados significaque não vamos investir. Nós não presumimos que tudo está bem",diz Barbara. Também está mudando a mentalidade de que o melhor que asempresas podem fazer é doar alguma verba para instituições decaridade. A melhor contribuição da empresa deve ser com aquiloque ela e seus funcionários fazem de melhor. A City Year é uma organização pró-cidadania criada em Bostonem 1988 por dois graduados de Harvard, Alan Khazei e MichaelBrown. Eles se aproximam das empresas não para pedir dinheiro,mas para pedir participação dos empregados. É um modelo paratratar patrocinadores como associados e envolvê-los noserviço. Na cidade de Cruzeiro (SP), uma fábrica de chassis e rodas daIochpe Maxion costumava doar 6 200 dólares por mês para a Apae(Associação de Pais e Amigos do Excepcional), segundo adiretora da Fundação Iochpe, Evelyn Berg Iochpe. O dinheironão dava para nada. Então a fábrica decidiu mandar umvoluntário para trabalhar na administração da entidade. Com umterço do investimento, eles conseguiram recuperar instalaçõese melhorar os serviços, a ponto de a Apae de Cruzeiro serusada como modelo para as filiais de outros lugares.

ESQUEÇA TUDO ISSO

Até aqui, apontamos as tendências sociais e econômicas quefavorecem a construção de uma responsabilidade social. Mais doque isso, indicamos as razões de negócio que podem darvantagens competitivas a empresas éticas. Se você seconvenceu, ótimo. Agora, vamos pedir que você esqueça tudoisso. Só há e só pode haver uma razão para uma empresa ser ética,para ter responsabilidade social e ambiental: ter consciênciade si mesma. Ética faz parte do pacote da empresa do novomilênio. Só sendo ética uma companhia pode ser virtual,inovadora, rápida, conectada. Afinal, para que serve uma empresa? Não é o lucro que define aorganização, é a organização que proporciona o lucro. Em ummundo em que a realidade de mercado pode mudar a qualquermomento, a única segurança possível para uma empresa é manter-se em contato com sua missão, seu caráter, seu credo. Buscarisso é buscar um sentido ético para a existência, que vá alémdo mercado, e por isso mesmo sirva para fortalecer sua posiçãono mercado. Antes de escrever A Teoria da Riqueza das Nações, Adam Smith publicouA Teoria dos Sentimentos Morais, argumentando que uma sociedadeestável baseia-se na "simpatia", no dever moral de terconsideração pelos outros seres humanos. O mercado é ummecanismo para separar o eficiente do ineficiente, não umsubstituto para a responsabilidade. A eficiência de uma companhia pode ser aumentada à custa dasociedade, e freqüentemente o é. O processo de produção just-in-time faz as empresas economizarem os custos de estoque eaumentarem a velocidade da manufatura, mas em Tóquio, porexemplo, os carros de entrega agora lotam todas as rodovias deacesso à cidade. "Os custos dos congestionamentos estãocomeçando a suplantar os custos dos armazéns originais, semfalar no dano ambiental", diz o ex-professor de negóciosCharles Handy, no livro A Era do Paradoxo. Hospitais também podemaumentar sua eficiência mandando pacientes embora mais cedo,mas alguém ainda terá que cuidar deles em casa. Curiosamente, a contabilidade da riqueza privilegia odesperdício. "Você pode gastar dinheiro poluindo o ar puro dointerior com uma fábrica, contaminando os rios e destruindo acalma do lugar, pois tudo isso será considerado como aumento

da riqueza do país", diz Handy. Quanto mais se jogam coisasfora e se compram novas em vez de consertá-las, a sociedadeparece ficar mais rica. A ética sempre será um bom negócio, porque a troca daresponsabilidade pelo lucro não passa de um pacto faustiano. Odoutor Fausto, na peça de Christopher Marlowe, condena-se àdanação eterna depois de 24 anos de abastança. No mundocorporativo, a vida média das empresas fica em torno da metadedisso. Com a globalização, com o avanço tecnológico e com oacirramento da competição, o pacto faustiano torna-se cada vezmais mau negócio. O plano profissional é similar. No curto prazo, o ambienteinstável premia a inconstância. Segundo o filósofo ZygmuntBauman, no livro Alone Again: Ethics After Certainty (Sozinho de Novo: AÉtica após a Era de Certezas), ser previdente, hoje, significafreqüentemente evitar compromisso, ficar livre para se moverquando a oportunidade bate e livre para ir embora quando elapára de bater. O consultor e gestor de empresas Edson Vaz Musa qualifica umcerto tipo de executivo de sucesso como "surfista da lama":ele vai na frente da onda, colhe os louros e vai embora, equem fica atrás dele tem de lidar com a sujeira. Se os laçosdo indivíduo com a empresa são mais frouxos, a necessidade deuma postura ética é maior, de parte a parte.

NA ESSÊNCIA DA COMPANHIA

O que significa dizer que a postura ética deve ser parte daessência da companhia?

• A British Petroleum faz a operação de prospecção em WytchFarm, no sul da Inglaterra. Quase tudo é terceirizado. Aempresa diz que seu papel ali é a "administração ambiental",e não fornecer recepcionistas ou técnicos. • Nos últimos dez anos, a Coca-Cola doou mais de 100 milhõesde dólares para educação só nos EUA, custeando bolsas paraestudantes, programas especiais em faculdades, ou dandoverbas para colégios. Nas Filipinas, a empresa construiuescolas primárias. • A vinícola Château de Lastours é administrada desde 1978 poruma agência que só emprega gente com deficiência mental (são60 empregados na vinícola), dando-lhes cuidados médicos eajudando a integrá-los socialmente. Seu vinho tem, entre

outros prêmios, as medalhas de ouro no desafio internacionaldo vinho, em Londres, no mundial de vinhos, em Bruxelas, e noconcurso de Paris. • No começo da década, a Merck desenvolveu o Mectizan, umremédio para curar a oncocercíase, doença que contagiou 1milhão de pessoas no Terceiro Mundo com vermes parasitas quepodiam causar uma cegueira dolorosa. Nenhum órgãogovernamental nem instituição filantrópica comprou o remédio.Então a companhia doou o produto, arcando também com asdespesas da distribuição. Isso não foi uma ação incomum paraa Merck. Há 50 anos, foi ela que levou a estreptomicina aoJapão depois da Segunda Guerra, para acabar com atuberculose. "Nós não ganhamos dinheiro com isso", diz P. RoyVagelos, presidente da empresa. "Mas não é por acaso que aMerck é hoje a maior empresa farmacêutica americana instaladano Japão. As conseqüências de longo prazo dessas ações nãocostumam ser claras, mas de alguma forma acho que elas sempreacabam dando retorno." • O Boticário é uma empresa de produtos de beleza que vinculousua imagem à natureza. A companhia preserva uma região deMata Atlântica no litoral norte do Paraná (a reserva naturalSalto Morato, de 1 700 hectares) e estimula seus franqueados(são mais de 1 600 lojas no Brasil) a adotar medidasambientalistas. A companhia troca suas sobras de papel,plástico e vidro com empresas de reciclagem, que em pagaproduzem cadernos para crianças carentes (no ano 2000, estáprevista a fabricação de 100 mil kits de seis cadernos cada).

Nenhuma dessas atitudes visa a ganhar participação de mercado.Essas companhias não agem eticamente porque vão ser premiadas.Fazem isso porque acham que é sua obrigação - e seu prazer.Fazem isso porque têm que fazer, porque a atuação social é odesenvolvimento natural de sua consciência corporativa. Seisso faz bem à empresa - e faz -, tanto melhor.

6 - A busca do equilíbrio: como lidar com a oposiçãoentre trabalho e vida pessoal

TRABALHO X FAMÍLIA - Como lidar com a oposição entre carreira e vida pessoal

Equilíbrio distanteTrabalho agora incorpora prazer, busca de significado e ambição. Isso só torna mais difícil saber onde traçar a linha entre carreira e vida pessoal

Por David Cohen

Quem trabalha é que tem razão, eu digo e não tenho medo de errar. O bonde São Januário leva mais um operário, sou eu que vou trabalhar. (Ataulfo Alves, Bonde São Januário)

Ora bolas, não me amole com esse papo de emprego. Não está vendo? Não estou nessa. O que euquero é sossego.(Tim Maia, Sossego)

Para que serve o trabalho? Se estamos caminhando para umaeconomia do conhecimento, se as empresas estão se tornandovirtuais e a sua maior riqueza passou a ser a criatividade e otrabalho intelectual, por que é tão difícil encontrarequilíbrio entre a vida pessoal e a carreira profissional? A grande maioria dos executivos mantém um retrato da mulher(ou marido) e dos filhos sobre a mesa do escritório. Por quê?A analogia mais próxima é a do soldado agachado na trincheiraque, numa pausa da batalha, observa com saudade um retratoamarfanhado da namorada distante. Será isso o trabalho: osacrifício diário em prol do sustento da família distante? Nesse caso, a raça humana seria na verdade duas: o homo faber,durante 8 a 10 horas por dia, e o homo ludens, no restante dotempo. Quando nos dirigíssemos ao trabalho, incorporaríamosuma persona cuja existência só se justifica pela necessidadede sustentar o nosso eu verdadeiro, aquele que se encontra noaconchego do lar ou nas filas de domingo para entrar nachurrascaria, aquele que joga bola ou se refestela na poltronado cinema. Mas essa diferenciação - clara durante boa parte da RevoluçãoIndustrial - já não é mais possível. Quando a natureza dotrabalho era eminentemente física, havia uma separação muitonítida entre o que era trabalho e o que era lazer. Hoje, não.O que a empresa nos pede, agora, é que empreguemos nossainteligência no trabalho, e mesmo nos serviços antes tidoscomo rotineiros. O novo mantra é: agregar valor. Pelo menosnas empresas de vanguarda, não é mais possível desligar océrebro no momento de bater o cartão de ponto. Já nem épreciso estar no espaço físico do trabalho para trabalhar. No

tempo do trabalho flexível, da empresa inovadora, daparticipação nos lucros, torna-se fluida a distinção entretrabalho e casa, entre vida profissional e vida pessoal. É dessa nova natureza do trabalho que surge o discurso doprazer. As empresas não estão (nem poderiam, nem deveriamestar) empenhadas em alcançar a felicidade de seusfuncionários. Mas seu interesse é criar um ambienteconfortável para os empregados, porque os ganhos deprodutividade, hoje, só podem ser obtidos se o trabalhadorempenhar seu espírito no ofício. É este o grande bem e ogrande mal do trabalho na empresa do futuro - ele tem de setornar mais parecido com o lazer. Será mais agradável, maisinstigante, mais recompensador, mas ao mesmo tempo maisabsorvente, mais presente, mais difícil de ser desligado. Esse trabalho não é mais aquele ao qual Adão foi condenado, aoser expulso do paraíso. Não é um castigo divino. É um trabalhoem que as pessoas querem ver significado. É um trabalho queconstrói a personalidade. Mas mesmo essa troca de mitos nãoelimina a sensação de que o trabalho nos aliena. Está aí umprimeiro paradoxo do trabalho: ele nos forma, com elecumprimos uma vocação, mas não deixamos de sentir que a vida,a "verdadeira" vida, está fora do trabalho. (Não é à toa quetratamos a vida fora do trabalho como vida pessoal. Poderiahaver outra, uma vida não-pessoal?) Essa nova natureza do trabalho é cheia de armadilhas. Umadelas: a generalizada pregação de que precisamos sentir prazerno trabalho. Sim, o raciocínio flui solto quando existeprazer, e quem gosta do que faz tem muito mais chances no novomercado. Mas a recomendação de que as pessoas sintam prazer é,muitas vezes, uma fonte de estresse e frustração. Eis a mágicadecepcionante de transformar prazer em obrigação. Outra armadilha: a valorização do trabalho, a partir de certoponto, torna-se contraproducente. A maior contribuição dotrabalho, na nova economia, é em conhecimento, e oconhecimento deriva, pelo menos em parte, do ócio. (Um poucode etimologia: em grego, ócio se diz scholé, que é a origem dapalavra escola. Em seu nascedouro, a idéia do aprendizado estáassociada à de que só pode progredir intelectualmente quemestá livre das obrigações do trabalho. As noções ligadas aotrabalho são de outra natureza: a palavra vem do latimtripalium, um instrumento de tortura; labor significa esforçopenoso; negócio quer dizer negação do ócio.) No campo mais

prático, além da etimologia: nas legislações iniciais docapitalismo, mendicância e preguiça eram crimes sujeitos àpena de prisão e, em alguns casos, à de morte. Não é estranho que o sucesso no trabalho, hoje, dependa dainclusão do ócio?

SOCIEDADE SEM TRABALHO?

O sociólogo italiano Domenico De Masi é um dos mais ferrenhosadversários da sociedade baseada no trabalho. Um dos seusargumentos preferidos é um raciocínio algébrico. Com os ganhosde longevidade, um homem comum trabalha de 70 000 a 100 000horas durante sua existência, mas vive algo entre 500 000 e650 000 horas. "Éramos habituados a viver a juventude, amaturidade e depois morrer. Hoje, paramos de trabalhar eficamos 20 ou 30 anos à espera da morte, em vez de produzir enos divertir", afirma. Embora venha fazendo sucesso com palestras no próprio meioempresarial (e, com o sucesso de seu discurso pelo ócio, acabetrabalhando dobrado), De Masi não é o primeiro a sustentar atese de que o trabalho deveria ser abolido, tanto quantopossível. A lista é longa. Assim disse o engenheiro FrederickTaylor, criador da linha de montagem, citado por De Masi:"Enquanto o marxismo considerava que o trabalho era a própriaessência do homem, enquanto o catolicismo encarava o trabalhocomo uma forma de expiar o pecado original, enquanto osocialismo filantrópico o considerava uma fonte de convíviocooperativo, Taylor o julgava um mal que podia sertecnicamente eliminado". Em 1932, num texto chamado Elogio do Lazer (Zahar Editores), ofilósofo galês Bertrand Russell afirma que "o caminho para afelicidade e para a prosperidade consiste numa diminuiçãoorganizada do trabalho". Tampouco a moral judaico-cristã é tãotaxativa em sua defesa do trabalho. Os judeus foram o primeiropovo a consagrar o dia do descanso. Seu mito da criação domundo descreve os seis dias de trabalho de Deus. Nenhum delesé tão importante quanto o sétimo, destinado ao descanso e àcontemplação. Os cristãos acrescentaram um discurso em prol doócio, proferido por Jesus, segundo o Novo Testamento: "Olhaios lírios dos campos. Eles não trabalham nem tecem, e noentanto vos digo, mesmo Salomão, em toda a sua glória, nuncaesteve tão brilhantemente vestido".

Os antigos romanos designavam as profissões como "sórdidasartes". Os gregos menosprezavam o trabalho. A crer emHeródoto, não estavam sozinhos. Trácios, citas, persas elídios nutriam-lhe o mesmo desprezo. "Os que aprendem as artesmecânicas, e mesmo seus filhos, são olhados como os últimosdos cidadãos", disse o historiador grego. Por que tanta animosidade contra o trabalho? Não podemosesquecer que, se não fosse por ele, não teríamos nada daquiloque tanto almejamos quando não estamos trabalhando. Mais doque eliminar o trabalho, então, trata-se de buscar-lhe umanova forma, mais bem distribuída, mais prazerosa, mais leve.Enfim, um trabalho que não ouse dizer o seu nome, que semantenha camuflado dentro do espaço do lazer. Uma transformação assim pode até ser feita em favor daprodutividade. No começo da revolução industrial, algunsempresários descobriram que, numa jornada de 10 horas detrabalho e meio período aos sábados, seus funcionáriosproduziam tanto quanto na jornada de 12 a 14 horas diárias.Qual seria a jornada ideal na economia moderna? Uma pesquisafeita na Itália registra que os funcionários públicostrabalham em média uma hora e meia por dia. Ora, sãofuncionários públicos... O Fuji Bank japonês encomendou umestudo semelhante: pelo menos 4% de seus funcionários passam odia inteiro sem fazer nada. Na França, de acordo com um estudooficial, o horário de trabalho em uma jornada média é de 2horas e 31 minutos. Para que controlar a jornada de trabalho, se o trabalhointelectual não pode ser controlado? A empresa de pesquisasamericana Nielsen Media Research descobriu que empregados daIBM, Apple e AT&T entraram no site da Penthouse 12 823 vezesdurante um mês de 1996. Com uma média de 13 minutos porvisita, isso equivale a 347 dias de 8 horas de trabalhoperdidos. Há ainda os custos invisíveis da má distribuição do trabalho:o estresse custa à Grã-Bretanha 7 bilhões de libras (cerca de20 bilhões de reais) em tratamento e 40 milhões de dias detrabalho por ano. Um estudo do MIT (Massachusetts Institute ofTechnology) calculou que a depressão, em grande parte ligadaao trabalho, custa aos Estados Unidos 47 bilhões de dólarespor ano. Há mais um forte argumento a favor do ócio: a inovação.Bertrand Russell afirma que a classe ociosa, apesar dos

privilégios injustificados, foi a responsável por quase tudo oque chamamos de civilização: "Ela cultivou as artes e revelouas ciências, escreveu livros, inventou as filosofias, tornourequintadas as relações sociais. Até mesmo a libertação dosoprimidos, em geral, foi por iniciativa de cima. Sem a classeociosa, a humanidade jamais teria saído da barbárie". É com base nesse raciocínio que De Masi propõe o que chama de"desenvolvimento sem trabalho", rumo a uma "sociedade pós-industrial". Seus conselhos são os seguintes:

• investimento na automação• uso das pessoas em tarefas com flexibilidade e criatividade• redução drástica do horário de trabalho e melhordistribuição de empregos • recuperação de valores éticos e estéticos• uma gestão baseada na motivação, não no controle• desestruturação do trabalho, permitindo a produção em casa• substituição da competitividade pela solidariedade

Algumas dessas medidas já estão sendo postas em prática nanova economia. Mesmo assim, seus efeitos, pelo menos porenquanto, não estão sendo os esperados. Em vez de caminharpara a sociedade sem trabalho, vemos uma divisão entredesempregados e sobrecarregados. Essa situação parece a de umapiada sobre irlandeses. Perdido numa estrada, um turista pedeinformações para chegar a Limerick. "Se é para Limerick que osenhor quer ir", responde um irlandês, "eu não começaria aviagem por aqui". Pois a grande questão sobre a sociedade semtrabalho é justamente esta: como chegar lá partindo daqui. Como afirma Michael Dertouzos, chefe do Laboratório de Ciênciada Computação do MIT: "A revolução industrial possibilitou umganho de tempo enorme. Mas todos sabemos que nós não optamoscoletivamente por usar esse tempo livre para lazer. Estudoscomprovam que, ao contrário, o tempo de lazer diminuiu. Comonós preenchemos esse tempo livre extra? Com mais trabalho!Portanto, se a natureza humana for deixada solta, a tentaçãode ter mais coisas e usar mais serviços vai prevalecer, eadeus à sociedade sem trabalho". Russell propunha uma jornada de 4 horas. Dizia que o trabalhona dose adequada seria suficiente para tornar o lazerdeleitoso, mas não em demasia para ocasionar exaustão. Alógica é impecável. Mas, mesmo no mundo de hoje, com o dobro

dessa jornada, as pessoas não funcionam assim. Segundo dadosde 1997 do IBGE, 3,2 milhões de brasileiros têm dois empregos,26,8 milhões têm jornada acima do limite legal, 5,3 milhões deaposentados continuam a trabalhar, 2,9 milhões de menores de14 anos trabalham. Fazendo as contas por alto: se cada umtivesse apenas um emprego, com a jornada regulamentar, evelhos e crianças parassem de trabalhar, o mercado comportariamais 22 milhões de pessoas. O que impede a distribuição do trabalho é que as nossasnecessidades aumentam na medida em que são satisfeitas. Há 2300 anos, Aristóteles dizia que tudo o que poderia tornar avida do homem confortável já tinha sido descoberto e, porisso, poderíamos nos dedicar ao que realmente importa, afilosofia. Não foi o que aconteceu. Mais do que umapossibilidade no fim do caminho, o lazer é uma opção, umaescolha. Uma escolha que, ao que parece, não fizemos. É o queescreveu Bertrand Russell, em 1932: "Em vez do lazer, optamospelo trabalho excessivo a cargo de uns e pela miséria e pelafome para outros. Até aqui temos sido tão enérgicos quanto oéramos antes que houvesse máquinas; temos sido loucos quanto aisso, mas não há razão para que a loucura continue parasempre".

QUANTO É O BASTANTE?

Talvez esse quadro esteja começando a mudar. O presidente doconselho de administração da HP, Lewis E. Platt, diz que 60%dos trabalhadores consideram a possibilidade de ter uma vidamais equilibrada como uma das cinco prioridades na hora deoptar por um emprego, de acordo com estatísticas americanas.Salários e benefícios aparecem bem abaixo na lista deconsiderações, em 130 e 140 lugares. Jay A. Conger, presidente do Instituto de Liderança da USC(University of Southern California), diz que a geração X - quecompreende os nascidos entre 1964 e 1981 - preza o equilíbriomais do que as gerações anteriores. "Entrevista apósentrevista confirma um sentido de estar disposto a trabalharduro, mas não à custa da vida pessoal", diz Conger. Pode ser. Mas a essas estatísticas de intenções contrapõem-seoutras, da vida real. Um trabalho da pesquisadora Juliet Schorsustenta que o americano trabalha hoje, em média, 164 horas amais por ano do que há 20 anos - o equivalente a um mês extra.O americano típico trabalha agora 47 horas por semana. Segundo

Juliet, este é um círculo vicioso faustiano, porque as pessoasprocuram mais consumo para dar satisfação e significado àssuas vidas. Outras estatísticas americanas apontam que os pais dedicam 40%menos tempo a seus filhos do que há 30 anos. Um estudo de 1985feito na Califórnia apontava que um pai típico passava 37segundos por dia em "interação significativa" com os filhos.Contando interações de qualquer natureza, esse tempo decontato passava para 6 minutos diários. Segundo o sociólogoManuel Castells, há indícios de que nos Estados Unidos o tempode lazer tenha diminuído 37% entre 1973 e 1994. Entre 1985 e1990, o tempo total gasto com leitura, televisão e filmesdiminuiu 45 horas por ano. Quanto à disposição de dar mais importância à qualidade devida, uma pesquisa feita pela revista Fast Company e peloinstituto Ropert Starch Worldwide com 1 096 trabalhadores denível universitário mostra o quanto essa disposição é fluida.A grande maioria dizia que diminuiria o ritmo de trabalho setivesse um salário maior, mas aqueles que ganhavam mais de 100000 dólares por ano diziam precisar de uma soma muito maisalta para ficar tranqüilos do que os que ganhavam menos de 40000 dólares por ano. O que a pesquisa indica é que a percepçãoda necessidade cresce à medida que o salário avança, num jogoque provavelmente nunca chega ao fim. Ainda assim, ou talvez por isso mesmo, há hoje uma preocupaçãomaior em buscar o equilíbrio entre trabalho e lazer. SegundoAllan Cohen, reitor da escola de negócios americana BabsonCollege, existem duas tendências. Uma é a busca do equilíbriono dia-a-dia. A outra é se estourar de trabalhar durantealguns anos e depois tirar uma boa folga. "Nos Estados Unidos,muitas mulheres estão optando por não trabalhar enquanto osfilhos são pequenos - uma tendência contrária à da décadapassada -, ou preferindo abrir microempresas e trabalhar emcasa", diz Cohen. E quanto à busca de equilíbrio no dia-a-dia? Quanto tempo deveser dedicado ao trabalho, quanto à família, quanto aosprojetos particulares? Essa não é a pergunta certa, afirma DanBaker, diretor da Canyon Ranch Health Resort, uma espécie deretiro espiritual no Arizona para executivos repensarem avida: "Equilíbrio não é uma questão de matemática". Se fosseassim, qualquer pessoa com uma calculadora e uma agendaeletrônica pareceria tão serena quanto o dalai lama.

Equilíbrio é uma questão de projeto. É uma questão de fazer aspazes com os seus valores e prioridades e reconhecer ossacrifícios que eles requerem. Numa palavra, equilíbrio tem aver com disciplina: decidir o que é importante e a partir daícriar uma estrutura que defina como você gasta o seu tempo. Quando se definem as metas que queremos atingir no trabalho, épreciso tomar cuidado para não transformar o trabalho em fuga,diz Elaine St. James, escritora que se tornou guru dasimplicidade. Enquanto o nosso trabalho é tão vital que nãoconseguimos diminuir seu ritmo, nós não olhamos para nossaspróprias vidas, diz Elaine. Usamos o trabalho para não notarum casamento que naufraga, uma carreira que não está lá essascoisas, a perda de contato com os filhos, as amizades queesfriaram com o tempo ou que perderam o sentido. Uma pergunta crucial para definir prioridades é: quanto é obastante? O romano Sêneca aconselhava as pessoas a passar apão e água e dormir no chão um dia por mês. Por quê? Porquefazendo isso perceberiam como precisavam de pouco parasobreviver. Sêneca queria que elas distinguissem suasnecessidades de seus desejos.

EMPRESAS EQUILIBRISTAS

Às vezes, definir prioridades leva a decisões radicais, como ado americano Bill Galston. Em 1993, ele era assistente dopresidente Bill Clinton para política doméstica e, como sepode imaginar, tinha uma rotina de trabalho estafante. Um dia,seu filho de 9 anos, Ezra, escreveu-lhe uma carta falandosobre seu desempenho no jogo de beisebol, dizendo que sentiafalta de alguém para aplaudi-lo. Galston entrou em crise deconsciência. Seis meses depois, pediu demissão ao presidente. É claro que as coisas não precisam chegar a esse ponto. Váriasempresas já perceberam que correm o risco de perder talentos eestão adotando medidas para facilitar a busca de equilíbrioentre carreira e vida pessoal. Algumas até apostam nesseequilíbrio como fator de aumento da produtividade de seusfuncionários. Os melhores exemplos são do setor deinformática, que depende especialmente do trabalhointelectual. A NIIT, uma consultoria de informática com sede em Nova Délhi,dá dinheiro para que seus 3 700 funcionários no mundo passemmais tempo com a família. Nos Estados Unidos, seus empregadosganham 100 dólares e uma folga para ficar com a família no dia

do aniversário. Também no aniversário da contratação ganhamfolga e podem ir jantar com a família, de limusine, por contada firma. Na HP, as principais exigências dos funcionários são horárioflexível e licença para cursar alguns programas educacionais,afirma Lewis Platt. "Se um empregado nos pede tempo, nósdamos. Continuamos a pagar as contribuições de saúde e damosgarantia de retorno ao trabalho. Também tornamos arecontratação mais fácil para aqueles que vão além dalicença", diz. No centro de serviços financeiros da HP, emColorado Springs, 38 pessoas de uma equipe de 60 escolheramtrabalhar uma semana de 4 dias, 10 horas por dia, em vez dohorário normal. Um estudo da empresa comprovou que foi bomnegócio: o número de horas extras caiu à metade, aprodutividade dos funcionários de horário flexível (medida emnúmero de transações por dia) superou a dos colegas e asatisfação dos clientes aumentou. A SAS, empresa de software líder em programas de análisesestatísticas, tem a maior creche da Carolina do Norte. Naindústria da informática, tida como a mais estressante domomento, seus funcionários trabalham sete horas por dia. (Apartir das 17 horas, a maioria dos telefonemas é atendida porsecretárias eletrônicas.) O campus recreativo inclui um salãode ginástica, duas quadras de basquete, uma sala de ioga eduas salas de musculação, fora as quadras de futebol e desoftball. Massagens são disponíveis várias vezes por semana e háaulas de golfe, dança africana, tênis e tai chi. A empresaainda lava as roupas suadas do pessoal que faz ginástica e asdevolve no dia seguinte. Não é à toa que a rotatividade do ano passado foi de apenas3,7%. Uma companhia de software típica do tamanho da SAS perde1 000 empregados por ano. A SAS perde 130. Mais do que retertalentos, o tratamento que a SAS dá a seus funcionários defineum padrão de desempenho. O respeito que ela demonstra, esperaem retorno. Robert Reich, ex-secretário do Trabalho dos Estados Unidos,afirma que o que distingue as melhores companhias não é queelas reconheçam o quanto é importante promover o equilíbriopara atrair talentos - é como elas criam esse equilíbrio emsuas organizações. Na nova economia, diz Reich, o tipo deequilíbrio que atrai as pessoas não é uma série de programas.É um jeito de fazer negócios.

"Equilíbrio não é deixar as pessoas tirarem folga quando seusfilhos ficam doentes. Qualquer companhia pode dar esse tipo deflexibilidade. Equilíbrio é o que é necessário quando seusfilhos estão disputando um torneio e querem que você estejalá", diz Doug Burgum, presidente da Great Plains Software, umacompanhia que vende programas de gestão financeira paraempresas de médio porte. Segundo Burgum, tem que haver umnível mais profundo de satisfação pessoal, uma sensação de queas coisas estão caminhando bem. Se a empresa conseguir ajudaras pessoas a atingir esse nível, elas tendem a permanecernela. Jack Welch, presidente da GE, tem uma ambição maior: "Daqui adez anos, queremos que revistas escrevam sobre a GE como umlugar onde as pessoas têm liberdade para ser criativas, umlugar que traga à tona o melhor delas. Um lugar aberto e justoem que as pessoas saibam que o que elas fazem importa, e queesse senso de realização seja recompensado financeira eespiritualmente. Esse será nosso cartão de apresentação".

NÓS, OS PIORES PATRÕES

Também a tecnologia ajuda na busca do equilíbrio. Algumascompanhias americanas já estão até criando serviços comcomputador para que os pais vejam os filhos nas creches. Osite Red Wagon, por exemplo, oferece aos pais "tempo dequalidade" com os filhos, pela Internet, nas crechesassociadas. Outra solução é o trabalho em casa. "Se você comparar o custode equipar um funcionário para trabalhar em casa com o custode seguro-saúde ou subsídio da lanchonete, a tecnologia virauma gota num balde d'água", diz Platt, da HP. É claro que não pode vir da empresa a resposta a uma questãotão pessoal. Até porque na raiz da discussão sobre equilíbrioestá um conflito - não necessariamente entre você e a empresa,mas sobretudo entre seus interesses profissionais e privados."Embora flexíveis, as organizações continuam estabelecendometas, na maioria das vezes bem além das capacidadesplausíveis. O quanto e o quê são ditados pelo poder, o que édeixado livre é o como", afirma o sociólogo Richard Sennett. Trabalhar em casa pode ser um sinal de libertação, mas podeser uma fonte de estresse ainda maior. No mundo daflexibilidade, a tabela de preços segue o produto, não otempo. Especialmente quando há metas a atingir e recompensas a

ganhar, tendemos a ser nossos piores patrões, estabelecendocondições de trabalho mais insanas que a de qualquerempregador decente. A tecnologia apresenta uma ambigüidade. Segundo a empresa depesquisas International Data Service, já neste ano 80% dostrabalhadores americanos devem ter pelo menos um aparelho decomputação móvel, tornando-os localizáveis. O trabalho temagora a capacidade de invadir o espaço antes claramentedestinado ao lazer. No século 21, a gestão da privacidade seráuma das principais atividades humanas.

A REALIZAÇÃO PELO TRABALHO

A busca de equilíbrio seria mais fácil se o trabalho fosseefetivamente algo alheio à vida pessoal. Aí, sim, teríamosapenas uma questão algébrica: quanto tempo da vida eu devovender por quanto dinheiro. Mas trabalho não é isso. Na imensamaioria dos casos, a profissão começa como um desejo, uminteresse, uma vocação. A não ser pelos ascetas yoguis,ninguém busca a realização em si mesmo. A realização vematravés do mundo, é o trabalho que nos torna o sujeito daação. O problema é que em algum ponto essa mistura desanda. No mundoinstável de hoje, a confusão é ainda mais fácil. Com oenfraquecimento dos laços comunitários, familiares ereligiosos, a vida fora do trabalho torna-se cada vez maisvazia, diz a psicóloga americana Ilene Philipson. Comoresultado, mais pessoas encaram o trabalho como fonte desatisfação de necessidades emocionais que antes erampreenchidas por outros campos das relações humanas. De acordo com o historiador Benjamin Hunnicutt, professor daUniversidade de Iowa, o trabalho transformou-se naquilo quenos define. "Ele agora responde as tradicionais questõesreligiosas: 'quem sou eu?' e 'como posso encontrar significadopara a vida?' Trabalho não é mais economia, é uma busca deidentidade". (Uma busca válida, mas, se mantida na dimensãoúnica do trabalho, fadada ao fracasso.) Trabalho não é apenas algo que nós fazemos, ele é também algoque nos forma. O sujeito se produz ao mesmo tempo em queproduz objetos. Nesse ponto, o contrato de hoje é maisvantajoso. De um lado, a organização aposta em resultados,mais do que no tempo gasto para produzi-los. Por outro lado, oindivíduo busca um trabalho com significado e crescimento

pessoal, seja numa única empresa ou numa série de empresas.Trabalhar é também crescer, adquirir habilidades, aumentar seuvalor. Mas aí também há uma crise contemporânea entre o trabalho e avida pessoal. Porque a moral do mundo do trabalho passou porenormes transformações. No livro A Corrosão do Caráter, RichardSennett cita o caso do administrador Rico, um profissionalbem-sucedido mas infeliz com os rumos da vida. Sua maiorpreocupação era que ele não podia oferecer a substância da suavida profissional como exemplo ético para seus filhos. Asqualidades da boa vida profissional estão dissociadas dasqualidades que reputamos na vida pessoal. Um exemplo é a moderna cultura do risco. No mundo do trabalho,a estabilidade é quase um sinônimo de morte, e o destinoimporta menos que o ato de partir. "O risco é um teste decaráter: o mais importante é fazer o esforço, arriscar, mesmose você souber que está destinado ao fracasso", diz Sennett. Éverdade, ficar parado, hoje, tanto para empresas quanto paraindivíduos, é um risco que ninguém pode correr. Mas o mito danecessidade de mover-se é tão forte que às vezes vai contra osfatos, como mostra um estudo do Congresso dos Estados Unidos,de 1990. Segundo esse estudo, mais trabalhadores perdem do queganham quando trocam de empresa. Na comparação de salários deum a três anos após a troca de emprego, 34% perderam muito,28% ganharam muito. (Isso não invalida a hipótese de que vocêtem que se mexer, apenas reforça a idéia de que não basta semover, é preciso saber para onde ir.) Também a cultura do trabalho em equipe é oposta à noção de quea recompensa é resultado da acumulação ao longo do tempo, comoimaginou Max Weber. "A ética moderna é uma ética do grupo,oposta à individual. O trabalho de equipe enfatiza aresponsabilidade mútua mais do que a validação pessoal. Otempo das equipes é flexível e orientado para tarefas a curtoprazo, mais do que a colheita de décadas marcadas pelacontenção e espera", diz Sennett. Dentro das equipes, vive-se uma ficção que nega a lutaindividual pelo poder ou o conflito mútuo. A etiqueta dacomunicação produz frases como "que interessante", "o que euentendi que você me disse foi" ou "como poderíamos fazer issomelhor?" Segundo o sociólogo Gideon Kunda, essas são asmáscaras de ator da cooperação. Essas máscaras são ahabilidade social que o trabalhador leva de emprego a emprego,

de time a time, cujo hipertexto é um sorriso vencedor. Nadadisso é considerado positivo na vida pessoal. Uma questão ainda mais básica é a ojeriza à rotina. O trabalhorotineiro hoje é visto como degradação do ser humano. AdamSmith disse: "O homem cuja vida é gasta em repetir umas poucasoperações simples torna-se tão estúpido e ignorante quanto épossível uma criatura humana se tornar". Mas há uma visãodiscordante. O filósofo iluminista Denis Diderot procurouexplicar como o ator gradativamente se aprofunda no personagempela ação de repetir as falas várias vezes. Essa mesma virtudeda repetição ele esperava encontrar no trabalho industrial.Como seu colega Voltaire, acreditava que o domínio da rotinapoderia levar as pessoas a ter controle de suas vidas e atranqüilizar-se. O sociólogo britânico Anthony Giddens, diretor da LondonSchool of Economics, indica o valor primário do hábito naspráticas sociais e de auto-entendimento. (Giddens é oformulador da proposta da "terceira via", apresentada como umaopção tanto ao neoliberalismo quanto à social-democracia.)Segundo ele, nós testamos as alternativas apenas em relaçãoaos hábitos que dominamos. Imaginar uma vida de impulsosmomentâneos, de ações a curto prazo, livre de rotinassustentadoras, uma vida sem hábitos, é imaginar na verdade umavida inconsciente. Esta era também uma das críticas de Platão à democraciaateniense. O homem democrático, dizia Platão, não aceitanenhuma ordem, nenhuma necessidade. "Ele deixa que seestabeleçam nele desejos múltiplos. O capricho domina. Ora elese embriaga, ora toca flauta, ora faz dieta, ora fazexercícios físicos, ora se ocupa de política ou filosofia. Eassim ele acaba não fazendo nada e não se contentando comnada." Mais uma vez, estamos às voltas com a questão do equilíbrio. Arotina rígida aprisiona, a liberdade total leva àinconsciência. Uma outra forma de imaginar esse conflito é:quanto do trabalho nos é externo, quanto é expressão de nossaidentidade? O filósofo renascentista florentino Pico della Mirandola, emsua Oração sobre a Dignidade do Homem, declara: "É ignóbil nãodar à luz algo que venha de nós". É o contrário do que diziaSanto Agostinho: "Tira as mãos de ti mesmo; tenta construir ati mesmo e construirás uma ruína". Numa entrevista pouco antes

de morrer, o filósofo francês Michel Foucault resumiu adificuldade da questão: "Como pode alguém governar a si mesmo,tomando ações nas quais se é o objeto dessas ações, o domínioem que elas são aplicadas, o instrumento aos quais se temacesso e o sujeito que age?" Talvez o problema do equilíbrio entre a vida pessoal e a vidaprofissional seja tão difícil porque está intimamente ligadoao problema da identidade. É um conflito do qual ninguém podeescapar. Não há fórmula para resolvê-lo. Mas uma boa pista éque os dois lados da equação não são necessariamenteantagônicos. Como dizem John Alexander e Meena S. Wilson, doCentro para Liderança Criativa, nos Estados Unidos, uma dascaracterísticas vitais para um líder de empresas é conseguirintegrar sua vida particular e seu trabalho. Alinhamento eintegração - não divisão dos papéis entre casa e trabalho -geram sentimentos de autenticidade e confiança que a maioriadas pessoas espera de seus líderes, e podem criar entusiasmo eum senso de propósito nas organizações.

7 - Que tipo de liderança vai criar a empresa do futuro

O NOVO LÍDER - Que tipo de liderança vai criar a empresa do futuro

O líder que serveQuem vai conseguir comandar a empresa nessa época tão cheia de mudanças?

Por David Cohen

Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. É ele quem me carrega, como nem fosse levar. (Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, Timoneiro)

O mundo dos negócios é instável, a maior riqueza das empresasdo futuro é um bem intangível (o conhecimento), a economiaestá se globalizando, as relações de negócios e trabalho sãomarcadas pela flexibilidade, o ritmo das inovações desafia asmais brilhantes estratégias e a sociedade exige mais dasempresas. Nesse quadro, quem será capaz de dirigir umacompanhia? Que qualidades deverá ter o líder de empresas doséculo 21? Como descobri-lo, como formá-lo? Antes de pensar nessas questões, convém perguntar se devemosmesmo nos preocupar com elas. Será que o líder do futuro será

de alguma forma diferente do líder do passado? Ou mais: haveráum líder do futuro? Em 1993, a empresa de poupança e empréstimos Leeds, quintamaior do ramo imobiliário britânico, ficou sem executivo-chefe. A situação se prolongou por 18 meses. Para tomar asdecisões estratégicas da empresa, os diretores financeiro,comercial e de sistemas passaram a trabalhar em conjunto comum comitê de dez gerentes e um presidente que só estavadisponível duas vezes por semana. Sem poder central claro, aLeeds aumentou seus lucros em 22% em 1993 e em 37% no primeirotrimestre de 1994. No livro Feitas para Durar, James Collins e Jerry Porrasdesfazem o mito de que as empresas visionárias precisam degrandes líderes carismáticos. "Numa das conclusões maisfascinantes e importantes das nossas pesquisas, descobrimosque criar e erguer uma empresa visionária não requer umagrande idéia nem um grande líder carismático", dizem osautores. Para confirmar sua tese, Porras e Collins citam exemplos deexecutivos de grande sucesso com perfis totalmente diferentesdo estereótipo do líder visionário. William McKnight, um quasedesconhecido, dirigiu durante 52 anos a 3M, que se tornoufamosa e admirada entre empresários de todo o mundo. MasaruIbuka, da Sony, tinha a reputação de ser reservado, solícito eintrospectivo. Bill Allen, o diretor executivo mais importanteda história da Boeing, era um advogado pragmático, afável etímido. Já Harry Cohn, da Columbia Pictures, tinha a imagem detirano, mantinha um chicote perto da mesa e às vezes dava umachicotada na madeira para enfatizar seu ponto de vista. (Umcomentário maldoso sobre ele é que as 1 300 pessoas quecompareceram ao seu enterro não foram lá para se despedir, massim para se certificar de que ele estava morto.) Mesmo o líder empresarial mais celebrado de hoje, Jack Welch,serve de contra-exemplo do chefe salvador: Welch cresceu naGE, e é um produto dela tanto quanto ela é um produto dele. Oantecessor direto de Welch, Reginald Jones, aposentou-se comoo líder de negócios mais admirado dos Estados Unidos, segundoRobert Slater, no livro The New GE (A Nova GE). "Ter umexecutivo do nível de Welch é impressionante", dizem Collins ePorras. "Ter executivos-chefes do nível de Welch durante umséculo, todos treinados internamente - bem, esse é um dosprincipais motivos pelos quais a GE é uma empresa vitoriosa."

Como se vê, o surgimento de um líder carismático não é umacondição imprescindível para a construção de uma empresa desucesso. Mas o questionamento da liderança não pára por aí. Aprópria palavra "chefe" mudou completamente de sentido nosúltimos tempos. Como afirma Jay A. Conger, presidente doInstituto de Liderança da Universidade do Sul da Califórnia(USC), ela não mais significa realização e autoridade. Agora apalavra simboliza distância dos outros, dureza irracional eoutras conotações não muito atraentes. Conger conta umencontro com um executivo-chefe de uma empresa, da geração dopós-guerra. Depois de almoçar, o executivo pulou para o bancoda frente do carro, para estar "lado a lado" com o motorista. Talvez o processo de diluição da imagem da chefia não seja tãoexplícito para todos, mas é interessante observar que asorganizações estão substituindo o título de gerente pelo delíder de equipe, coordenador do processo, facilitador etc.Isso significa que não haverá mais líderes? Não. Significa queo estilo antigo de liderança se desgastou. Atingiu seussucessos e esbarrou em seus obstáculos. Pelas peculiaridadesda economia moderna e pelas necessidades da empresa do futuro(a virtualidade, a flexibilidade, a rapidez, a inovação, aconsciência, o funcionamento em rede, a emoção), a liderançasalvadora, quase religiosa, tem poucas chances de sobreviver. Mas isso não quer dizer que não haverá mais líderes. Oconsultor americano Glenn Jones, presidente da Jones EducationNetworks, afirma que não é preciso liderança para seguir umplano estratégico aprovado. Basta uma gerência vigorosa edisciplina. "Precisamos de liderança é para alimentar astropas e dar esperanças quando o desenvolvimento do produtofracassa, quando a resposta do mercado é um traço de audiênciaou quando um contrato acaba de ser passado para a concorrênciapela terceira vez seguida. Quando a liderança emerge nessassituações, ela se torna parte do DNA da empresa", diz Jones. Definida assim, a liderança está longe de não ser maisnecessária, pois no mundo de hoje estão ficando raros osplanos estratégicos capazes de sobreviver muito tempo àrealidade instável.

NÃO HÁ LÍDER NO VÁCUO

Liderança parece ser mais necessária quanto mais instável fora situação. De fato, se tudo permanece do jeito que tem sidosempre, o papel de cada um é determinado pela tradição, pelo

costume. É quase automático associarmos o surgimento de umlíder a situações de emergência ou a momentos de decisão. Maso líder não pode ser simplesmente alguém que "dê esperanças àtropa". Líder não é chefe de torcida, nem propagandista decausas inglórias. Toda empresa precisa de liderança, sim, maspara que serve esse líder? Segundo Edgar H. Schein, professor de gestão da Sloan School,do Massachusetts Institute of Technology (MIT), o papel daliderança depende da situação particular, da tarefa e dascaracterísticas dos subordinados. "Nós tendemos a tratar aliderança como um vácuo, em vez de especificar a relação dolíder com a organização, num dado período", diz Schein. O queele quer dizer é que não faz sentido traçar o perfil do líder,se não se levar em conta a organização que vai ser liderada.Não existe a figura do líder ideal, aplicável a qualquer caso.É fácil perceber isso: afinal, quantas características emcomum tinham Jesus Cristo e Átila, o Huno? Cristóvão Colombo eMartin Luther King? Albert Einstein e Indira Gandhi? Como dizo guru da administração Peter Drucker: a única definição delíder é alguém que tem seguidores. Ora, se não existe líder ideal, estamos perdendo tempo aqui,não é mesmo? De certo modo, sim. Cada empresa terá deencontrar sua própria fórmula de liderança, adequada à suacultura, ao seu negócio, ao seu mercado. Mas, assim como anova economia dita algumas tendências para as organizações - eas que se adaptarem melhor terão mais sucesso -, também oslíderes mais aptos a lidar com essas tendências farão umtrabalho melhor. O líder do futuro, assim como o líder dopassado, será simplesmente aquele que tiver seguidores. Masalgumas linhas gerais podem ser traçadas para indicar oslíderes com maiores probabilidades de tornar suas empresasbem-sucedidas. Um exemplo: se as empresas precisam incentivar a inovação,crucial na nova economia, o fato de um líder saber tudo o queestá acontecendo na empresa pode ser um mau sinal, em vez deuma qualidade positiva. "Às vezes damos tanta ênfase ao papeldo líder de criar visão e valores que ignoramos sua funçãoprimordial de criar sistemas que apóiem e guiem a liberdadedentro da organização", diz o consultor de gestão americanoGifford Pinchot. Outro exemplo: numa empresa conectada, inserida na economia emrede, o papel da liderança será organizar projetos seqüenciais

e sincronizados de vários tamanhos e profundidades, com váriascombinações de pessoas, dependendo das tarefas, desafios eoportunidades da área e dos parceiros num dado momento. Um terceiro exemplo: se a empresa do futuro tem de seradaptável a novas situações, seu líder deve ser capaz depromover a mudança. Isso é quase como liderar sem liderar,porque levar a cabo um grande projeto de mudança é uma tarefaque não pode ter passos determinados. É, num certo sentido,deixar-se levar pelo mar. O processo exige improvisação pormuitas pessoas, em vários pontos. "O paradoxo de liderar amudança é que a tarefa do líder pode ser menos dramática, masé certamente mais difícil em insights e sutileza", diz oconsultor de estratégia J. B. Kassarjian, do InstitutoInternacional de Desenvolvimento de Gestão (IMD, com sede emLausanne, na Suíça).

Maneiras de servir

Um bom líder deve tirar o melhor proveito de seus funcionários. Eis algumascaracterísticas de liderança que ajudam a desenvolver pessoas dentro daempresa, segundo as consultoras de carreiras americanas Caela Farren eBeverly L. Kaye. Você se encaixa em algum tipo? • facilitador: ajuda as pessoas a identificar seus valores e interesses,cria um ambiente propício à discussão, ajuda as pessoas a compreender o quequerem de suas carreiras • avaliador: diz como a pessoa está indo, esclarece os padrões eexpectativas pelas quais ela será julgada, sugere ações específicas paramelhorar o desempenho • vidente: dá informações sobre a organização, a profissão, a indústria,ajuda as pessoas a encontrar fontes adicionais de informação, apontatendências, comunica a direção estratégica da companhia • conselheiro: ajuda as pessoas a identificar metas de carreira, relacionametas potenciais às exigências do negócio e aos interesses da empresa,aponta fontes de apoio e obstáculos • possibilitador: ajuda a desenvolver planos de ação, facilita contatos comgente de outras áreas, conecta pessoas com os recursos de que precisam parase desenvolver

PUXAR O TAPETE DO CHEFE

O asteca Montezuma, imperador do México no começo do século16, nunca punha os pés no chão. Quando ia a algum lugar,nobres o carregavam nos ombros e, quando parava, eles lheestendiam tapetes para que não tocasse o solo. Dentro do seupalácio, o rei da antiga Pérsia também só andava em tapetes,nos quais ninguém mais tinha o direito de pisar. O rei meda

Deioces, que inaugurou o império medo-persa, não admitiasúditos na sua presença. Todas as consultas a ele eram feitaspor meio de mensageiros. Segundo o historiador grego Heródoto,Deioces criou esse cerimonial para dar a impressão de que erade uma natureza diferente da daqueles que não podiam vê-lo. É claro que esses são exemplos extremos. Não há líderes assimnas empresas. Mas há muitos que, guardadas as proporções,seguem esses parâmetros. Gostam de se ver como seresespeciais, de natureza diferente da daqueles a quem lideram.Os tapetes nos quais eles andam têm de ser puxados. A lógica de frisar as diferenças entre chefe e subordinadosestá ultrapassada, diz Rosabeth Moss Kanter, professora degestão da Harvard Business School. Segundo ela, líderes dofuturo deverão ter as qualidades dos líderes de sempre: umolho para a mudança e uma mão firme para dar a visão e asegurança de que a mudança pode ser administrada, uma voz quearticula a vontade do grupo e a molda para fins construtivos euma habilidade para inspirar pela força da personalidade. "Maso líder do passado costumava erguer barreiras. Agora o lídertem de destruir essas barreiras e construir pontes." Numa empresa ideal, repleta de gente talentosa, tudo se passacomo se as pessoas tivessem todas as mesmas armas. Com armas,o jogo da dominação fica mais sujeito ao acaso e a liderançatem que ser exercida mais pela persuasão do que pela coerção.O povo !kung, da África do Sul, tem um ditado propício paradiscussões políticas: "Nenhum de nós é maior que os outros.Somos todos homens e podemos brigar. Eu vou buscar minhasflechas". É por isso que a Constituição dos Estados Unidos permite aposse de armas. Elas são consideradas instrumentos deequalização de poder entre os cidadãos. (Ainda que a práticacomprove que uma população armada é um péssimo negócio para asegurança, é a essa simbologia que se agarra o lobby daindústria de armas de fogo americana.) Na nossa analogia corporativa, as armas são a inteligência,tornada o principal valor na nova economia. Todos a têm(embora alguns possam usá-la melhor do que outros), e issoimplica que a dominação seja exercida pela persuasão.Liderança baseada na habilidade nem é privilégio da raçahumana. Entre os chimpanzés, o líder do grupo não énecessariamente o mais forte, é quase sempre o que melhor sabemanipular as alianças sociais.

DE BOAS INTENÇÕES...

Mas ninguém quer uma empresa de chimpanzés, não é? Um dosmaiores perigos de traçar um perfil do líder corporativo éjustamente fixar-se nas habilidades da manipulação. Grandeparte do discurso sobre liderança prioriza a forma sobre oconteúdo e o estilo sobre a substância. "A maioria dosensinamentos sobre como liderar enfatiza a manipulação, astáticas de intimidação, a retórica vazia, a geração deimagens", diz a americana Diana Chapman Walsh, presidente daescola de artes Wellesley College. É como se os liderados fossem peças a ser movidas peloencantamento de frases mágicas, máquinas a ser postas emfuncionamento pelo aperto dos botões certos, animais arealizar truques com o incentivo de recompensas. Isso dácerto, mas tem limites muito claros. Os resultados, em geral,são apenas os imaginados pelo chefe. Com esse tipo deliderança, dificilmente haverá surpresas - e surpresas são umadas matérias-primas da inovação. Segundo Dave Ulrich, professor de administração da Escola deNegócios da Universidade de Michigan, apontado pela revistaBusiness Week como o maior educador sobre recursos humanos nosEstados Unidos, os líderes do futuro serão conhecidos maispelo que entregam do que pelo que dizem, mais pelo que moldamdo que pelo que controlam, mais pelas intenções que criam doque pelos resultados. Um minuto: a medição de intenções vale mais do que a mediçãode resultados? Não é exagero? Everaldo Santos, que deixou apresidência da Alcan no ano passado, acha que não. Medir açõese resultados é medir o passado. As intenções de hoje podemdizer como a empresa vai estar no futuro. "Quem não começar aavaliar a visão que inspira as ações vai ficar para trás. Oproblema é que ainda não temos instrumentos para fazer essetipo de avaliação", diz Santos. Segundo ele, o método antigode premiar produtividade, eficiência, preço médio, número declientes, já não basta. "É preciso medir a interação entrevisão e ação, almejando o desenvolvimento sustentado. A Alcanestá começando esse processo, tentando medir os fatorescríticos de criação de valor. O maior desafio do gerente édiagnosticar o que cria valor no longo prazo." Que tipo de líder é esse cujas preocupações se deslocam dosresultados para as intenções? Então não é certo que de boas

intenções o inferno está cheio? Sim, é certo. Mas esta já nãoé a distinção entre ter ou não ter um líder. É a distinçãoentre ter um bom ou um mau líder.

PRÊMIO PARA A INTELIGÊNCIA

Se há uma característica imprescindível nos líderes, ela ésimplesmente essa: a inteligência. Como diz Rosabeth MossKanter, da Harvard Business School: "A função intelectual doslíderes tem sido freqüentemente negligenciada nas discussõessobre liderança. Carisma, força de personalidade, habilidadesinterpessoais têm sido mais faladas que o poder do cérebrorequerido de líderes para pensar nos problemas e achar novassoluções. Tentar liderar um mundo em mudança põe um prêmio nainteligência: imaginar possibilidades fora das categoriasconvencionais, vislumbrar ações que cruzem as fronteirastradicionais, fazer novas conexões e inventar novascombinações". Numa economia em que o principal produto é o conhecimento, oideal é que a liderança seja uma espécie de destaque entrepares. Essa situação faz com que o novo executivo - e nãoapenas o líder - tenha necessidade de um novo leque dequalidades. Entre essas qualidades, o guru da administração C.K. Prahalad, professor da Universidade de Michigan, destaca: • pensamento sistêmico - a capacidade de considerar as várias áreas da empresa e suas relações umas com as outras • competência intercultural - a capacidade de compreender diferenças • treinamento contínuo e extensivo • padrões pessoais e de comportamento (já vamos chegar a esse ponto) Há uma corrente forte de estudiosos da liderança que priorizao aspecto agregador do líder. John B. McCoy, presidente doBanc One (a quinta maior holding de bancos dos Estados Unidos,com bens de mais de 250 bilhões de dólares), diz que não temnenhum conhecimento sobre como gerir os vários bancos que elelidera. Seu papel é ver os números de desempenho, ouvir ospedidos de ajuda dos associados e ter certeza de que aquelesque precisam são postos em contato com aqueles que podemajudar. "Meu papel principal é o de chefe de pessoal. Se euconseguir ter as pessoas certas nos lugares certos, isso étudo que eu tenho de fazer."

Não há nada contra a ênfase nesse papel agregador do líder.Esta é mesmo a sua principal função, dando um sentido para aorganização e dirigindo-a para obter resultados. Mas falardessa função como se fosse a coisa mais natural do mundomascara o espetacular trabalho que está por trás da suaaparente simplicidade. Para conseguir colocar as pessoascertas nos lugares certos, não dá para contar só com a sorte.É preciso ter competência. O mito, alimentado até por alguns líderes, de que o papel dachefia é desvinculado do saber necessário à produção, podeprejudicar a empresa. O especialista em liderança tecnológicaDerek Abell, professor do IMD, afirma que na formação delíderes tem-se assumido o processo de desespecialização. Aocontrário, afirma Abell, para a liderança de uma empresatecnológica deve-se promover a especialização, combinada comas competências mais gerais de liderança. Em suma: o líder temde entender do negócio, até mesmo para poder dar autonomia aosseus subordinados.

UMA ESPÉCIE DE HERÓI

É claro que não é só a inteligência que faz um grande líder."A verdadeira liderança requer das pessoas que assumam riscosconsideráveis e façam coisas que os outros não estão dispostosa fazer", afirma o consultor americano John W. Work, diretorda Work Associates. Para ele, a liderança deve ser analisadaem relação à imagem do herói: "Heróis incorporam os valoresmais fundamentais e duradouros de uma sociedade. Quando elessão relegados a papéis menores, ou desaparecem, substitutostêm de ser criados. Os líderes são esses substitutos". Por que heróis? Porque, além da inteligência, do poder e docarisma, o líder deve ter um desejo e assumir um compromissomaior com a organização. Um líder é aquele que tem garra parair mais longe, para fazer o que os outros não estão dispostosa fazer. Em duas palavras, é aquele que se oferece para umsacrifício maior e para uma responsabilidade maior. Não se trata de um heroísmo de filmes de caubói. "O que contanão é o valor dos atos heróicos, mas a coragem de fazer edizer o que se acredita ser verdadeiro, mais do queconveniente, familiar ou popular; a coragem de agir sobre avisão que se tem da organização", afirmam Joseph Badaracco eRichard Ellsworth, autores do livro Leadership and the Questfor Integrity (Liderança e a Missão da Integridade).

Essa disposição cria a base da liderança, porque é reconhecidapelos outros. Mais do que qualquer manipulação, é essa forçainterior que faz o líder. Daí ser tão importante a suapersonalidade. "As menores facetas de comportamento do lídersão notadas pelos que estão à sua volta, mesmo que nãoconscientemente, e refletidas para toda a organização poraqueles que influencia", afirma o psicólogo e consultoramericano Nathaniel Branden. "Se um líder trata sócios,subordinados, clientes e fornecedores com respeito, isso tendea se propagar para a cultura da empresa. Por isso, se um líderquiser criar uma organização com alta auto-estima e altodesempenho, o primeiro passo é trabalhar a si mesmo." (Daí anecessidade dos padrões pessoais e de comportamento, destacadamais acima). Como os heróis de qualquer mitologia, a luta pessoal do lídertem de reverter em resultados para a sociedade. Se não forassim, o indivíduo não se torna herói, mas apenas um neuróticopreso em seu conflituoso mundo interior. Baseado em sua longaexperiência, Peter Drucker afirma que os líderes eficientesnão perguntam "o que eu quero?", mas "o que precisa serfeito?" Ou, como disse o matemático polonês Jacob Bronowski:"A personalidade criativa é uma que vê o mundo como apto paramudança e a si mesma como instrumento de mudança... um divinoagente de mudança".

LÍDER SERVE PARA MUDAR

Pelo menos nisso parece que todos os especialistas emliderança concordam: se não for para promover mudanças,ninguém precisa de líder. A sorte dos candidatos a líder é queo mundo de hoje é um caldo de mudanças à espera de acontecer.Só há um problema: ninguém consegue mudar uma organizaçãosozinho. Uma mudança assim dirigida não é mudança, écumprimento de ordens. A verdadeira mudança exige participaçãovoluntária, e o papel do líder é como o de catalisador de umareação química. "Líderes hoje têm de começar a pensar como agentes de mudança.Eles não podem mudar a cultura no sentido de eliminarelementos disfuncionais, mas podem fazê-la evoluir,construindo sobre seus pontos fortes e deixando os pontosfracos atrofiar", diz Edgar Schein, da Sloan School. Ele citaas características requeridas para um promotor de mudanças:

• nível de percepção extraordinário, de si e do mundo • motivação, para passar pelas dificuldades do aprendizado • habilidade para envolver outros • disposição para dividir o poder

Dividir o poder?!? Segundo Schein, essas características nãoprecisam estar presentes em algumas pessoas o tempo todo, masvão estar presentes em muitas pessoas durante algum tempo. J. B. Kassarjian, professor de estratégia no IMD, fala decaracterísticas similares: coragem para ter avaliaçõesrealistas sobre o seu próprio padrão de liderança; habilidadepara identificar e ouvir rebeldes cultos nas linhas de frentedo negócio; talento para combinar esses dados numa históriaque possa levar as pessoas a agir. Sim, porque no fim das contas o que importa é fazer as pessoasagir. Quando se trata de mudanças, alguns gerentes vão estarprontos para entrar no barco, mas a maioria não vai ser tãoentusiasmada - por discordar do rumo tomado pela empresa oupor puro medo. Isso significa que uma das tarefas-chave para ogestor é criar um sentido de urgência da mudança, diz ocanadense Peter Killing, professor de estratégia do IMD. "Masé preciso ter uma urgência cuidadosa. A última coisa que vocêquer é implementar às pressas uma mudança sem sentido." Killing propõe um método. "Não exija. Crie experiências. Dêliberdade aos gerentes que quiserem implementar mudanças. Aospoucos, você vai pondo em contato as experiências que foremdando certo." Só há dois problemas com esse processo, adverteKilling: a) ele é lento, não serve para emergências; b) não égarantido que os gerentes que mais precisam mudar sejamaqueles que abracem a mudança. Se a mudança for urgente, Killing sugere a criação de umambiente de crise, que force a ação. Pode ser com um anúnciopúblico de novas diretrizes. "Quem resiste à mudança podeachar que tem a última chance de dar seus motivos. Convémouvi-los, eles podem estar certos." Outra forma de simular umacrise é modificar uma rotina entranhada na organização. Acabarcom um período de férias estabelecido, mudar o modo de fazerreuniões, fazer uma reforma no escritório. O recado é: ascoisas não vão ser como antes. Uma terceira maneira é mataruma vaca sagrada: vender um negócio que não esteja adequado aoseu projeto de futuro, mandar embora um alto executivoresistente. Criar um choque.

EMOÇÃO E PROPÓSITO

A mudança não é difícil só para os funcionários ou para aempresa. Toda mudança ameaça o líder. Segundo a consultora degestão americana Judith M. Bardwick, as pessoas confiam nolíder quando ele diz que algo vai acontecer e isso acontece."Basicamente, confiança é uma questão de previsibilidade.Grandes mudanças, portanto, sempre ameaçam a confiança e,assim, em última análise, a confiança na liderança." Manter onível de confiança é uma tarefa emocional. A emoção deve estar sempre na pauta de um bom líder, dizDeepak Sethi, responsável pelo desenvolvimento de jovenstalentos na AT&T: "Pessoas de baixa auto-estima acham difícilelogiar as realizações de outros. Inveja e ressentimentosempre ficam no caminho. Por outro lado, se um gerente aprendea responder de modo correto - porque a empresa exige e porquefaz parte da cultura -, não só a pessoa talentosa vai sesentir melhor, mas o próprio gerente pode crescer em auto-estima, pelo exercício de comportamento racional. Aorganização do futuro vai ser construída em estima mútua, comopré-condição para a liberação do melhor em cada pessoa". Falando de emoções, sempre acaba aparecendo a pergunta: seriao caso de uma liderança mais feminina? Chris Argyris,professora de educação e comportamento organizacional daHarvard Business School, responde: "Está na moda para asmulheres esposar a teoria de que elas são mais sensíveis, maisalertas para as relações interpessoais e menos competitivasque os homens. Nosso estudo com mais de 7 500 indivíduosmostrou que, para definir suas ações, as mulheres usam osmesmos tipos de controle unilateral e teorias ganha/perde queos homens". Qual é o truque, então, para manter a confiança da tropa, paracriar um ambiente propício ao desenvolvimento de talentos? Nãohá truque. O grande conselho do americano Richard Leider,fundador do Inventure Group, líder no setor de desenvolvimentode carreiras nos Estados Unidos, é ser verdadeiro: "Liderarcom um senso de propósito pessoal claro cria coragem; coragemverdadeira atrai seguidores. A chave para o alto desempenho éa integridade - fazer pequenas coisas com consistência".

O INFERNO (E O CÉU) SÃO OS OUTROS

Muitas vezes, um chefe tem a clara noção do que precisa serfeito, só não entende por que ninguém se entusiasma como ele,por que ninguém compartilha sua visão. Quando isso acontece,em geral quem não está enxergando direito é ele. Basicamente,não está enxergando que outras pessoas pensam de formadiferente. O ex-executivo da Shell Arie de Geus conta a liçãoque recebeu de um diretor, no começo da carreira: "Se vocêquiser ser um líder, tem de entender que um gerente não éDeus. Um gerente não cria pessoas - certamente não à suaprópria imagem. Como gerente, você pega as pessoas como elassão e aprende a trabalhar com elas". A prática da liderança tem boa parcela de ensino,esclarecimento e tutelagem. Mas não em mão única. Tanto quantoensinar, o líder tem de aprender. (No fundo, trata-se do mesmoprocesso. Em francês, o verbo apprendre significa tantoensinar quanto aprender. Em inglês, learn e teach têmsignificados diferentes, mas durante um bom período as duaspalavras foram usadas como sinônimos. Shakespeare usou learnno sentido de ensinar, na peça Dois Cavalheiros de Verona. Emhebraico, aprender e ensinar têm a mesma raiz, lamed,conhecimento.) "O líder não só precisa saber aprender, mas também tem deaprender como as outras pessoas aprendem", dizem JohnAlexander e Meena S. Wilson, vice-presidente e pesquisadora doCentro para Liderança Criativa, uma consultoria americana. Fala-se muito que o líder tem de inspirar as pessoas, mas ocontrário é também verdadeiro. Um líder precisa ser inspiradopelos outros. Ele tem de se realizar por meio dos outros,tirar satisfação do sucesso de seus subordinados. Só assimpoderá deixar de ser concentrador. Num certo sentido, o lídertem de servir seus subordinados. Edson Vaz Musa, que atua comoconsultor, gestor ou sócio em mais de 20 empresas médias egrandes, diz que o dirigente deve estar sempre disponível paraos subordinados. "O executivo-chefe que está sempre ocupadoestá fazendo mal à empresa." Especialmente quando o principal produto das empresas é oconhecimento, é preciso estimular os funcionários a sair debaixo das asas do chefe. Na empresa do futuro, os gerentesterão de administrar riscos, não comportamentos. Osfuncionários mais valiosos serão os mais criativamentedesobedientes.

Mesmo para executivos "esclarecidos", ceder o poder é difícil."Não é que eu não sinta falta do sistema antigo", diz PhilCarroll, executivo-chefe da Shell. "Ser o comandante-em-chefeera divertido." Pode ser divertido, mas uma empresa no mundoinstável não pode mais se dar ao luxo de não aproveitar opotencial de seus funcionários. E aproveitar o potencial épermitir que eles se desenvolvam - isso inclui tornar-selíder. É o que afirmam os americanos Ian Sommerville, da AndersenConsulting, e John Edwin Mroz, presidente do institutoEastWest Studies (Estudos Oriente/Ocidente), que prestaconsultoria a governos europeus: "Se o seu programa deliderança é só para gerentes e executivos, você não estáentendendo a mensagem".

É POSSÍVEL APRENDER A SER LÍDER?

Ora, para que gastar dinheiro em treinamento com pessoas quenunca vão chefiar nenhum departamento? Por uma razão muitosimples, diz Robert H. Rosen, presidente da Healthy CompaniesInstitute (Instituto de Companhias Saudáveis, uma organizaçãoamericana sem fins lucrativos): quando nos tornamos melhoreslíderes, tornamo-nos também melhores seguidores. Liderar é ternoção de responsabilidade, ter paixão, honrar compromissos esaber tomar decisões. Isso é bom em qualquer nível da empresa.Alguns empresários antigos ainda pensam que não precisam defuncionários com autonomia, pelo menos em cargos mais baixos.Imaginam que isso só vá servir para elevar o custo da folha depagamentos. Mas, na economia do conhecimento, não há setor quenão possa lucrar com um pouco mais de inteligência, edificilmente haverá investimento mais lucrativo do queaprimorar as qualidades dos seus funcionários. O guru Peter Senge, diretor do Centro de AprendizadoOrganizacional da Sloan School, chega a especificar algunstipos de liderança dentro de uma empresa: • Líderes locais: criam subculturas que podem diferir bastanteda cultura principal da empresa. São bons para a companhia,porque em geral é deles que vem a inovação. A independência ésua força e sua fraqueza. Força, porque permite experiênciafora dos limites da cultura da empresa. Fraqueza, porque elesnão pensam muito em aprender dentro da organização,tipicamente têm pouca paciência para compartilhar seus

resultados e podem desenvolver uma postura "nosso departamentocontra o mundo", achando-se incompreendidos pela organização. • Líderes executivos: devem proteger os líderes locais e atuarpara juntar gerentes com linhas de pensamento complementaresdentro da organização. • Construtores da rede: seu poder vem justamente do fato denão terem poder nenhum. Eles podem se mover pela organizaçãolivremente e são vistos como pessoas com credibilidade,conhecimentos e senso de compromisso. Servem como elos deligação porque ninguém os vê como ameaça. É claro que corremos o risco de esbarrar na hipocrisia. Umaempresa não pode dar o mesmo tipo de recompensa ereconhecimento a todos os funcionários. (Isso se aplicaespecialmente ao Brasil, um dos países com maior disparidadesalarial entre altos executivos e operários.) Chamar todomundo de líder não é o mesmo que dizer que não há lídernenhum? Sim, é. Essa questão está intimamente ligada a uma outra: épossível aprender a ser líder? A professora Chris Argyris, de Harvard, diz que agir de acordocom um modelo pode ser muito contraproducente. "Se um líder Lrecebe a avaliação de que é muito controlador, ele pode tentaragir de forma menos autoritária. Mas esse raciocínio exclui asrazões pelas quais ele é autoritário. Pode ser porque eleconsidera seus subordinados fracos, sem iniciativa. Então elepode mudar seu comportamento sem mudar as crenças que osustentavam. O que faz esse tipo de mudança? Se L falavamuito, agora fala pouco. Se era agressivo, torna-se maispassivo. Os novos comportamentos não representam uma novateoria, são apenas as características opostas da velha. Porisso, em geral têm curta duração, especialmente quando oindivíduo se sente constrangido ou ameaçado." A única forma de melhorar o relacionamento é abandonar osraciocínios defensivos. Eles levam a estratégias unilaterais,que provocam outras estratégias unilaterais, até criar umdiálogo de surdos. O paradoxo da liderança é que o líder eficiente em geral nãoestá tentando ser líder, está apenas se esforçando paraexpressar suas verdades. É alguém que quer aprender e buscar oautoconhecimento. Se cada funcionário for incentivado a fazerisso, a empresa terá gente muito mais motivada no presente e

muito mais possibilidades de escolher o líder ideal para ofuturo, no futuro. Na mitologia hassídica (uma seita judaica criada a partir de1740), o rabino Zusya de Hanipol ensinava: "Na outra vida,ninguém vai me perguntar: 'Por que você não foi mais parecidocom Moisés, nosso líder?'. Eles vão me perguntar: 'Por quevocê não foi mais parecido com Zusya?'

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Atuação Social e Voluntariado

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