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ISSN 2178-8685 as p artes n.º 8 Dez. /2013 Revista do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre n.º 8 Dez. /2013

Monumento à Anita e Giuseppe Garibaldi – um século como reflexão sobre o tratamento à arte e à memória sul-rio-grandense

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ISSN 2178-8685

as partesn.º 8Dez./2013

Revista doAtelier Livreda Prefeiturade Porto Alegre

Atelier Livre

Prefeitura de Porto Alegre

da

Realização:

Apoio:

n.º 8Dez./2013

Trabalho especial para a capa

The World (detalhe), 2011

ATELIER LIVRE XICO STOCKINGER Centro Municipal de Cultura Lupicínio RodriguesAv. Érico Veríssimo, n.º 307 (Esquina Av. Ipiranga)90160-181 PORTO ALEGRE-RS - B R A S I L(51) 3289.8057 / 3289.8058

[email protected]://atelierlivre.wordpress.com/

As Partes, n.º 8, [Dezembro de 2013] periodicidade variável. Tiragem impressa (2500) e publicação on-line (e-book) ISSN 2178-8685 Revista do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre

Agradecimentos especiais

Daniel Escobar

Edição

José Francisco Alves, Editor Alexandre Böer, Jornalista Responsável, MTb 7927

Conselho Editorial para a edição

Eleonora Fabre, Artista Plástica e Mestre em Poéticas Visuais (UFRGS), Diretora do Atelier Livre. Fernando Fuão, Doutor em Arquitetura pela Escuela Tecnica Superior de Arquitectura de Barcelona, Prof. da PósGraduação em Arquitetura da FAU-UFRGS. José Francisco Alves, Doutor em História, Teoria e Crítica da Arte (UFRGS). Prof. do Atelier Livre. Niura Ribeiro, Doutora em História, Teoria e Crítica da Arte (UFRGS), Profa. do Atelier Livre.

Diagramação e tratamento de imagens José Francisco Alves

Daniel Escobar(Santo Ângelo-RS, 1982) Vive em Porto Alegre - RS.

Prefeito de Porto Alegre José Fortunati

Secretário Municipal da Cultura Roque Jacoby

Diretora do Atelier Livre Eleonora Fabre

Professores Efetivos: Ana Flávia Baldisserotto Ana Isabel Lovatto Ana Luz Pettini Cláudio Ely Daisy Viola José Francisco Alves Miriam Tolpolar Neusa Poli Sperb Niura Ribeiro Renato Garcia Wilson Cavalcanti Secretaria: Enir Elizabeth Lucia Demarchi Lautert Rejane Santos da Silva

Impressores: Nelcindo Rosa Rogério RosaEstagiárias: Alice Brauwers Priscila Moreira

Desenho Desenho Pintura

PinturaAuditório

Sala X

ReuniõesInformática

Eletrogravura

Depósito

Segundo Piso

Saguão

Escultura CerâmicaXilogravura /

Metal

LitografiaBiblioteca

Pátio interno

Espaço Alternativo

Solda/oficina Fo

rnos

Secretaria

Direção

Entrada

Primeiro Piso

Estrutura FísicaATELIER LIVRE

Graduado em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2013 realiza a individual Paredes Falsas selecionada no Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo (CCSP), participa da X Bienal de Arquitetura de São Paulo, do 18º Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc VideoBrasil e integra a curadoria Além da Biblioteca, apresentada no Itochu Aoyama Art Square, em Tóquio ( Japão) e na Frankfurter Buchmesse, em Frankfurt (Alemanha). Entre suas mostras recentes destacam-se as individuais Fictitious Topographies - RH Gallery em New York, Campos Migratórios - Funarte MG em Belo Horizonte e Você Está Aqui - Mamute Estudio Galeria em Porto Alegre. Sua trajetória inclui a participação no programa Bolsa Pampulha, residência artística concedida pelo Museu de Arte da Pampulha (MG), o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea em duas edições consecutivas (SP/2010 e MG/2011), e o Prêmio Fiat Mostra Brasil (SP). Em Porto Alegre realizou mostra individual no Goethe-Institut, em 2005, recebeu o Prêmio Artista Revelação na primeira edição do Prêmio Açorianos de Artes Plásticas e participou do programa Artista Convidado do Atelier de Gravura da Fundação Iberê Camargo. Entre 2008 e 2012, residiu em Belo Horizonte onde manteve seu estúdio e desenvolveu diversos projetos artísticos. Possui obras em acervos públicos no Brasil e no exterior.

Daniel Escobar // StudioAv. Cauduro 209/302, Bom Fim | 90035-110 | Porto Alegre+55 51 3508 9235 +55 51 8310 9424www.danielescobar.com.br

http://danielescobar.com.br/works/2011-2012/the-world/

1As Partes 8 > dez. 2013 pág.

NOTAS >> Atelier Livre em circuito pág. 2~7 Arte gaúcha perde dois mestres do Atelier Livre em 2013 pág. 8

Artigos

Monumento à Anita e Giuseppe Garibaldi – um século como reflexão sobre o tratamento à arte e à memória sul-rio-grandense José Francisco Alves pág. 9~12

Sementes Que Germinam: projeto colaborativo cresce organicamente a partir do engajamento de artistas, alunos e vizinhos Ana Flávia Baldisserotto pág. 13~14

O Artista Enquanto Produtor de Si Felipe Bernardes Caldas pág. 15~16

Considerações sobre o mercado de arte no Brasil Celso Fioravante pág. 17~18

A imagem poliglota Adolfo Montejo pág. 19~21

r.u.A. Porto Alegre: laboratório nômade de cartografias artísticas experimentais Lilian Amaral pág. 22~24

um espaço para a gravura brasileira Miriam Tolpolar pág. 25~26

Pesquisa de doutorado, entre a lente e o pincel: interfaces de linguagens Niura Legramante Ribeiro pág.27~29

Da possibilidade de desdobrar e actualizar os Géneros da Pintura pela instalação pictórica Margarida P. Prieto e Rui Macedo pág.30~32

as partesn.º 8Dez./2013

Sumário

Trabalho Especial

Daniel Escobar

[Capa]

9As Partes 8 > dez. 2013 pág.

Monumento à Anita e Giuseppe Garibaldi – um século como reflexão sobre o tratamento à arte e à memória sul-rio-grandense

José Francisco Alves

Quando Porto Alegre entrou na segunda década do Século XXI iniciou-se um período mais frequente de comemorações centenárias de bens culturais importantes, mostrando que há testemunhos concretos de que estamos envelhecendo. Por isso, mais do nunca é – realmente – necessário se preservar e bem cuidar esses marcos de nossa memória cultural.

Em 25 de janeiro de 2013 completou 100 anos o Monumento a Júlio de Castilhos, um dos mais importantes do país em seus aspectos histórico, plástico e simbólico. Para assinalar o fato, as comemorações ocorreram à partir de iniciativas particulares e apesar de bem assinalada a efeméride por palestra junto ao monumento e exposição fotográfica, o resultado mais evidente foi o clamor pelo seu estado lastimável. Há mais de uma década essa homenagem se apresenta em estado de exponencial imundice, resultado da “autoriza-da, livre, cidadã e democrática” depredação e pichação, estado que vem arraigando-se, sem reação concreta, como uma característica normal da paisagem porto-alegrense. O fato é que o mesmo localiza-se às barbas dos poderes instituídos, os quais permanecem hirtos e impassíveis (tal qual a estátua de Júlio de Castilhos) em relação à vergonha que constituiu-se a situação desse monumento. Eu sempre me pergunto o que os guias “turísticos” falam aos visitantes da cidade diante daquilo.

Capa de A Federação, Porto Alegre, 19 de setembro de 1913.

10As Partes 8 > dez. 2013 pág.

20 de Setembro trata-se da efeméride gaúcha mais sagrada, o dia do estopim da Re-volução Farroupilha, em 1835. Poucos sabem, mas as primeiras comemorações em forma de arte pública à essa epopeia foram de iniciativa dos ítalo-brasileiros: O Monumento à Anita e Giuseppe Garibaldi (1913) e o Obelisco a Tito Livio Zambeccari (1925). Posteriormente, nas comemorações do Centenário Farroupilha, houve um significativo número de monumentos à revolução e à República Rio-grandense, cuja obra mais importante foi a estátua equestre de Bento Gonçalves (1936), de Antônio Caringi.

E assim, em 20 de setembro de 2013, foi assinalado o centenário do Monumento a José e Annita Garibaldi (como foi chamado à época) Sua inauguração, fartamente noticiada e descrita em minucias pela imprensa da época, marcou um tempo em que o desvelamento dos monumentos eram animadas e concorridas festas cívicas. Para tais eventos, os funcio-nários públicos eram dispensados para assistirem e havia desfiles de militares, autoridades, escolares, bandas de música, fogos, declamações e discursos insossos ou mesmo inflama-dos. No caso desse monumento, não faltou a presença do mandatário do estado, Borges de Medeiros. E esse quadro não só ocorria em monumentos ‘políticos’, mas em celebrações como a do Monumento à Árvore (1910), na Praça Guia Lopes. Hoje, apesar da fama ecológica da cidade de Porto Alegre, esse marco também resta como mais um dos nossos monumen-tos semidestruídos, esquecidos no exílio da memória, em razão do descaso e evidente falta de educação e cultura por parte de todos.

Um dos aspectos que podemos relembrar hoje desse pioneirismo em celebrar a Re-volução Farroupilha, por meio do monumento a Garibaldi, foi que a iniciativa partiu de cida-dãos e organismos privados. Como de costume, eram organizadas comissões que arrecada-vam fundos, contratavam o artista e administravam a construção. E este monumento não foi qualquer um, tratou-se de uma promoção de vulto. Toda a obra (base e estátuas) foi realizada na Itália, esculpida em mármore – e não como era o mais comum, fundida em bronze sobre pedestal de granito – e, portanto, caríssima. É por isso que contam-se nos dedos os conjun-tos estatuários de porte, realizados em mármore, existentes no Brasil.

Em 4 de abril de 1907, uma das primeiras praças então afastadas do centro da cidade, no Bairro Cidade Baixa, a Praça da Concórdia, foi denominada Garibaldi em comemoração ao centenário do “herói dos dois mundos”. A partir disso, iniciou-se uma encomenda para o monumento, sendo il Comitato formado inicialmente por Angelo Crivelaro e Francisco Pro-venzano, entre outros. Para realizá-lo, em março de 1908 os organizadores oficializaram à marmoraria Fratelli Giorgini, de Massa-Carrara, a contratação para o trabalho de erigir o monumento ao “invicto cidadão Giuseppe Garibaldi e Anita Ribeiro, sua companheira”, num orçamento estimado entre 12 e 18 mil liras. O proprietário da firma, Vittorio Giorgini, por sua vez encarregou o desenho do monumento ao artista florentino dell’Ottocento, Filadelfo Simi (1849-1923), o qual acompanhou a execução do mesmo junto ao ateliê de Italo Frediani, em Forte dei Marmi, Toscana. Esse artista, predominante pintor, recentemente teve sua im-portância na Itália destacada pela pesquisadora Alba Tiberto Beluffi, por meio de Filadelfo Simi – un uomo, un artista (Pisa, 1996), base para o documentário homônimo de Francesco Speroni (1997), e Simi & Giorgini – Storia e Cultura fra 800 e 900 (Pisa, 2003). Este último, jus-tamente sobre a parceria entre a firma e o artista; ambos, os protagonistas do monumento a Garibaldi. Nesses livros e documentário, figura em destaque a história do nosso monumento ao casal Garibaldi como uma das mais importantes realizações de Filadelfo Simi.

Estudos de Filadelfi Simi para o monumento em Porto Alegre. Cortesia de Alba T. Beluffi.

11As Partes 8 > dez. 2013 pág.

Nos bozzettos iniciais acima, levantados pela pesquisadora Alba T. Beluffi, os estudos não atenderam ao pedido de Porto Alegre para que o monumento retratasse o casal. No pri-meiro, um desenho, Garibaldi apresentava-se sobre um elevado pedestal, com dois leões à base. No segundo, um mármore assinado pelo artista, o projeto ainda mostrava Garibaldi so-zinho, retratado em aspecto amigável, bonachão, com uma águia a seus pés a observá-lo. No terceiro, também tridimensional, finalmente incluiu-se Anita e o mesmo serviu como base para o monumento final: “uma obra de arte psicologicamente penetrante e bem equilibrada no movimento das massas”, conforme observou Alba Beluffi. Também esse monumento pú-blico trata-se, senão do primeiro, de um dos primeiros a materializar no mármore ou bronze a participação de uma mulher como protagonista de realizações na sociedade brasileira.

Porém, há muito tempo o estado de miséria, vandalismo e abandono do Monumento à Anita e Garibaldi, o primeiro monumento à Revolução Farroupilha, é absolutamente ina-ceitável, uma vergonha, um abandono sem precedentes no espaço urbano atual brasileiro.

O que infelizmente não nos damos conta ao estufarmos o peito sul-rio-gransense como um povo tido como “cultuador de sua história e tradições”, é que esse ufanismo des-medido é uma sucessão de pura retórica, equívocos históricos e incoerência. Como pode-mos obliterar nessa devoção cega os modos e as formas com que o patrimônio histórico farroupilha/gaúcho é mal tratado? Não é somente a situação do monumento aos Garibaldi que isso revela, é o estado dos demais memoriais e acervos alusivos a nosso maior feito histórico; o que se dirá do tratamento dado aos “outros” monumentos. Se faltam banheiros melhores ou iluminação no tal “Acampamento Farroupilha” – evento que sabe-se lá o que tem a ver com a memória gaúcha, e, principalmente, a história farroupilha – o mundo parece que vai desabar!

No entanto, não temos nem de longe – muito longe – um museu como o Museo del Gaucho, em Montevidéu, onde a figura e a cultura antropológica do gaúcho é identidade nacional e cujo povo não precisa de organização para-oficial que dite pela votação em suas reuniões as formas de ser gaucho. Aqui no Rio Grande do Sul, de uma maneira que é abso-lutamente incompreensível, não temos um museu histórico que faça jus ao nome, como em Florianópolis existe o Palácio Cruz e Souza; em Curitiba, o impressionante Museu Paranaen-se. Seria faltar com a verdade considerar que o Museu Júlio de Castilhos, por suas acanhadas

Montagem do monumento, Praça Garibaldi, em Porto Alegre. Fototeca/Museu de Porto Alegre.

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instalações, má estrutura, falta de recursos e inadequada conservação do seu confuso e indeterminado acervo possa ser considerado como tal, apesar do trabalho militante de seus dedicados diretores. Se formos falar no Museu Histórico Farroupilha (em Piratini), a situação é mais constrangedora. O Museu Antropológico do RS, então, pasmem, encontra-se há mais de dez anos encaixotado no décimo andar de um edifício comercial da capital. Como pode?

Essas são considerações que mostram, afinal, na prática, como os povos cuidam, preservam e divulgam as culturas. Como visto, aqui fazemos de uma maneira diversa, ou seja, não o fazemos como o fazem os uruguaios, catarinenses e paranaenses na preservação dos acervos ao ar livre e museológicos que tratam das suas culturas distintivas e sobre a história de cada povo.

E na mesma data (20 set. 2013) registrou-se também outro centenário despercebido, importante para a história da arquitetura, da arte e dos costumes porto-alegrenses, a inau-guração da célebre Confeitaria Rocco. E foi naquele novíssimo e requintado estabelecimento que, na mesma noite, dirigiram-se em petit comité, para celebrar, as autoridades e organiza-dores do monumento a Garibaldi. Quanto à situação desse belíssimo edifício, no chamado ‘Centro Histórico’ da capital gaúcha, trata-se de outra pária do nosso valiosíssimo patrimônio cultural do início do Séc. XX, que ainda resta. Abandonado no atoleiro dos ad infinitum pro-jetos e ideias que nunca são levadas a cabo, ele pertence a um período em que a arquitetura porto-alegrense foi um fenômeno mundial de qualidade e exemplo sem par da união entre arte e arquitetura. Mas esta é mais uma das nossas memórias culturais esquecidas.

José Francisco Alves é Doutor em História da Arte e membro do ICOM e ICOMOS. Desde 200o, é professor de escultura e teoria da arte no Atelier Livre. Editor de As Partes.

Foto do monumento concluído. Utilizado na capa de A Federação, 19 de setembro de 1913. Arquivos de Filadelfo Simi. Cortesia de Alba T. Beluffi.