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Silvério Ronguane PLATÃO

Manual de Filosofia

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Silvério Ronguane

PLA

TÃO

Silvério Ronguane

NOÇÕES BÁSICAS, PESSOA, ÉTICA

E CONHECIMENTO

ÍNDICE

Capítulo primeiro: Noções Básicas

1. Que é isto, a Filosofia?

1.1. Definição etimológica da Filosofia.

1.2. Onde e como começou a Filosofia?

1.3. Definições célebres da Filosofia

1.4. As tarefas da Filosofia

1.5. O método da Filosofia 2. Disciplinas da Filosofia

2.1. Cosmologia

2.2. Ética

2.3. Política

2.4. Teoria de Conhecimento e Lógica

2.5. Epistemologia

2.6. Antropologia

2.7. Teologia Racional e Metafísica

2.8. Ontologia

2.9. Estética ou Filosofia da Arte

2.10. Filosofia da linguagem e a Hermenêutica

2.11. Filosofia da Religião

2.12. História da Filosofia

3. Força e fraqueza da Filosofia Capítulo Segundo: Teoria de conhecimento

1. Introdução

2. A consciência como ponto de partida da Análise do conhecimento

3. A fenomenologia do Acto de conhecer

3.1 Papel do Sujeito e do objecto no acto de conhecer

3.2. Modos de conhecimento humano

3.2.1. Conhecimento Sensitivo

3.2. 2. Conhecimento Racional

3.2.3. Conclusão

4. Certeza e Verdade

4.1.Racionalismo

4.2. Empirismo

4.2.Cepticismo e Dogmatismo

5. Como é que surge o conhecimento no ser humano

5.1. Origem Filogenética do Sujeito cognoscente

5.2. Origem Ontegenética do Sujeito cognoscente

6. Conhecimento Científico

6.1. Conhecimento Científico segundo Kant

6.2. Karl Popper e método científico

6.3. Thomas Kunh e o Conhecimento Científico

Capítulo Terceiro: A Pessoa Humana, Ser Individual

1. Introdução: Dimensões e paradoxos

2. Quem sou eu?

2.1. A definição do ser humano a partir da consciência do eu

2.1.1. A dupla face do eu

2.1.2. A insuficiência do eu para definir o ser humano

2.2. O novo conceito do ser humano 3. O homem relacional

3.1 O tu antes do eu

3.2 A revelação do outro

3.3 Ser com os demais

4.1. Formas de relação interpessoal

4. Amor e Identidade Humana

4.2.1. As três formas de amor

4.2.2 O amor como virtude e causa da virtude

4.3 Ecologia, amor da natureza 5. Justiça e Natureza Humana

5.1 A virtude das virtudes

5.2 Justiça como amor ao Bem

Capítulo Quarto: Ética Social

1. Vida comunitária e relações sociais

1.1. Amizade cívica e justiça social

1.2. O Princípio de Subsidiariedade

1.3. O Princípio de Solidariedade

1.4. O Princípio do Primado do Bem Comum

2. A Liberdade

2.1.Tipos de Liberdade

2.2. Liberdade Vista pelos filósofos

3. A Moralidade

3.1 Introdução

3.2 Que norma moral é esta?

3.3 As leis naturais

3.4 As leis positivas

3.5 Moralidade formal e moralidade material.

3.6 Mérito e Demérito (Sanção)

Capítulo Quinto: Matrimónio e Família

1. Fenómenos universais

2. Elementos fundamentais

1

2.1. Os que se unem (os nubentes ou cônjuges ou esponsais)

2.2. Os que nascem

2.3. A sociedade

3. Vida e ética (Bioética) na Família

3.1. O aborto

A. Definição, espécies

B. Questões éticas

3.2. Esterilidade

3.2.1. Combate a esterilidade

3.2.2. Problemas éticos na luta contra a esterilidade

Capítulo primeiro: Noções Básicas

2

Definir etimologicame

sua

origem (étimo – raiz d

conhecer uma palavra, atrav

Neste nosso caso con

filosofia.

A palavra filosofia é

σοφια). Filos significa amig

De certeza que já ouv

terra), de amigo do mar (o q

trabalho). É isso mesmo. Na

amigo da prata, do filótimo

homens. Aliás, ainda hoje,

dedicadas à causa humana.

humanidade.

Agora, que já sabes

procurar compreender o que

amigo da sabedoria, ou filó

começaram a falar de filósof

Daí que, ao longo da

sempre muito dos filósofos

detalhe.

Para já, basta ficares a

gregos.

1. Que é isto, a Filosofia?

1.1. Definição etimológica da Filosofia.

nte uma palavra é procurar-lhe o significado, através da

e uma palavra, logos – palavra, discurso, conhecimento). É

és da sua raiz.

creto, será, pois, procurar saber o que significa a palavra

grega, e deriva da junção de duas: filos + sofia (φιλοs +

o, e sofia é sabedoria. Logo, Filosofia é amor à sabedoria.

iste falar de amigo da enxada (o que gosta de cultivar a

ue gosta de navegar), de amigo do trabalho (o que gosta do

antiga Grécia, falava-se, por exemplo, do filarguros ou o

s ou o amigo da honra, do filánthropos ou o amigo dos

nós usamos esse termo filantropo, para indicar as pessoas

E, respectivamente, filantropia, que significa amor pela

1.2. Onde e como começou a Filosofia?

3

o significado originário da palavra filosofia, é tempo de

queriam dizer os antigos, quando diziam que alguém era

sofo. E temos aqui um dado muito interessante: os antigos

os, antes de falarem de filosofia.

história, o que venha a ser filosofia depende e dependeu

em causa. Mas disto falaremos, mais adiante, com mais

saber que a Filosofia nasceu na Grécia. Portanto, com os

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A tradição filosófica já nos acostumou a indicar os nomes de Tales,

Anaximandro e Anaximenes como os três primeiros filósofos, que a humanidade

conheceu. Todos eles três viveram na cidade jónica de Mileto, na Grécia. Daí que

também se costumem chamar os filósofos jónicos.

E de que falavam estes três homens, para merecerem o nome de filósofos?

Falavam da origem do mundo, da sua composição, do seu ordenamento, e de

muitos outros fenómenos naturais. Por isso mesmo, a filosofia de Tales, Anaximandro e

Anaximenes é também designada como naturalismo. E a eles chamaram-lhes os

filósofos naturalistas. Exactamente, por gostarem tanto de falar da natureza.

E aqui é que está a sua originalidade. Pela primeira vez, na história, alguém

ousava falar da natureza, não como de algo gerado ou criado por algum deus, mas sim

como de algo com uma sua dinâmica própria, de algo que se podia explicar, sem se ter

de recorrer ao sobrenatural.

Quer dizer: com estes 3 filósofos jónicos, as grandes figuras das forças

primordiais, dos agentes sobrenaturais, de cujas aventuras, segundo a crença dos

antigos, o mundo teria emergido, deixaram de ser necessárias, para se poder explicar o

aparecimento do mundo e o estabelecimento da ordem natural e dos homens.

Com Tales, Anaximandro e Anaximenes, o mundo físico passou a bastar-se a si

próprio, e a ser suficiente para se auto-explicar.

Foram eles os primeiros a afirmar que, na natureza, nada existe que não seja

natureza, physis. Ensinaram ainda que os processos, pelos quais a natureza apareceu, e

se diversificou e se organizou, são perfeitamente acessíveis à inteligência humana. E

que, portanto, não era preciso recorrer à religião e aos mitos, para se perceberem os

fenómenos naturais. Para os nossos três filósofos jónicos, a natureza não actuou, na

origem, de forma diferente daquela com que actua ainda hoje.

Para percebermos o alcance desta nova perspectiva, é preciso termos em conta

que, na antiguidade, os fenómenos humanos e naturais quotidianos eram explicados

através dos actos exemplares executados pelos deuses, nas origens. Por exemplo, se

havia água, era porque havia também os espíritos das fontes, e, se chovia, era pelo

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favorecimento de alguma divindade. E o mesmo se dizia dos reis: o rei representava um

deus ou espírito superior. Isto significa que os homens não eram livres, e recebiam tudo

dos deuses, a quem, por isso, deviam submissão, e de quem recebiam as explicações e

razões de todas as coisas.

Tales, Anaximandro e Anaxímenes não pretendiam afirmar ou negar a existência

dos espíritos e deuses. Nem pensavam em discutir as razões do culto e a veracidade das

crenças. O que eles quiseram foi mostrar que é possível explicarmos muitos fenómenos

naturais, sem recorrermos ao mundo da magia, da religião e da superstição.

Este dado é muito importante, já que nos mostra que a primeira Filosofia surgiu

na continuação do mito e da religião, e não em rotura com eles.

Os primeiros filósofos procuravam explicar o mesmo tipo de fenómenos que os próprios

teólogos: os fenómenos da ordem e do Universo.

Em que se distinguiram, então, esses primeiros filósofos Jónios, dos teólogos, dos

profetas, dos magos e outros especialistas do além?

Para eles, não é o que aconteceu nas origens que há de vir agora iluminar o

quotidiano. Ou seja, não é o passado que vem explicar-nos o presente. Mas é, antes, o

nosso actual quotidiano que nos torna inteligível o que aconteceu nas origens,

fornecendo-nos modelos para a compreensão da génese e da regulação do mundo.

Assim, eles alertaram-nos para o facto de que os mitos eram criados para se explicar o

presente. E que, portanto, era o passado que estava ao serviço do presente, e não o

presente ao serviço do passado. As histórias que os magos e sacerdotes contavam, sobre

as origens e as razões da ordem, serviam para justificar e manter as práticas e normas

actuais ou do presente.

Vejamos o que diz, a este respeito, um destacado filósofo da actualidade:

A primeira filosofia está mais próxima de uma construção mítica do que de uma teoria

científica. A física jónica não tem nada em comum, nem na sua inspiração nem nos seus

métodos, com aquilo a que chamámos ciência, nomeadamente ignora tudo sobre a

experimentação. Também não é fruto de uma reflexão ingénua e espontânea da razão sobre

a natureza. Ela transpõe, sob uma forma laicizada e num vocabulário mais abstracto, a

concepção do mundo elaborada pela religião.

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As cosmologias retomam e prolongam os temas essenciais dos mitos cosmogónicos. Dão

uma resposta ao mesmo tipo de questão. Não investigam, tal como a ciência, as leis da

natureza; interrogam-se, tal como o mito, como foi estabelecida a ordem, como pode o

cosmos emergir do caos. Os Milésios vão buscar aos mitos de génese não só uma imagem

do universo mas ainda todo um material conceptual e esquemas explicativos: por trás dos

elementos da phisis (natureza) perfilam-se antigas divindades da mitologia. Convertendo-se

em natureza, os elementos perderam o aspecto de deuses individualizados mas continuam a

ser forças activas e animadas, ainda sentidas como divinas.

Por muito importante que seja esta diferença entre o físico e o teólogo, a organização geral

do seu pensamento continua a ser a mesma. Ambos situam na origem um estado de

indefinição onde ainda nada aparece.

Jean-Pierre Vernant

Portanto, a Filosofia situa-se entre a ciência e a teologia.

Por um lado, ela precedeu a ciência, ao afirmar que o homem é capaz de

explicar os fenómenos do mundo natural e humano.

Por outro, continuou, como a teologia, a se interrogar, sobre a totalidade da

vida.

A Filosofia, por um lado, afirma a autonomia do homem, enquanto ser

racional, capaz de pensar e de resolver os seus problemas, sem recorrer à religião,

à magia, à superstição; e isso é análogo ao que caracteriza a ciência. Mas, por

outro lado, a Filosofia é, por excelência, o reino da interrogação, da reflexão, da

compreensão, da busca do sentido e do porquê do mundo, do homem e da mulher;

e isso é análogo ao que caracteriza o religioso, o mago, e o especialista do

sobrenatural.

Atentemos, de novo, no testemunho de Jean-Pierre Vernant:

Todavia, apesar destas analogias e destas reminiscências, não há verdadeiramente

continuidade entre o mito e a filosofia. O filósofo não se contenta em repetir em

termos de physis aquilo que o teólogo havia exprimido em termos de poder divino.

À mudança de registo, à utilização de um vocabulário profano, corresponde uma

nova atitude mental, um clima intelectual diferente. Pela primeira vez, com os

Milésios, a origem e a ordem do mundo adquirem a forma de um problema

explicitamente formulado, para o qual é necessário fornecer uma resposta sem

mistério, à medida da inteligência humana, susceptível de ser exposta e debatida

publicamente, perante o conjunto dos cidadãos, como as outras questões da vida

corrente. Assim se afirma uma função de conhecimento liberta de toda a

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preocupação do carácter ritual. Os físicos (Jónios) ignoram, deliberadamente, o

mundo da religião. A sua investigação já nada tem a ver com as formas do culto, a

que o mito, apesar da sua relativa autonomia, permanecia sempre mais ou menos

ligado.

Dessacralização do saber, aparecimento de um tipo de pensamento exterior à

religião, não são fenómenos isolados e incompreensíveis. Na sua forma, a filosofia

liga-se directamente ao universo espiritual, que nos pareceu definir a ordem da

cidade, e que se caracteriza precisamente por uma laicização e uma

racionalização da vida social. Mas a dependência da filosofia, em relação às

instituições da polis, está patente também no seu conteúdo. Se é certo que os

Milésios se apoiaram no mito, eles não deixaram de transformar profundamente a

imagem do universo, integraram-na num quadro espacial e ordenaram-na de

acordo com um modelo mais geométrico. Para construir as novas cosmologias,

utilizaram os conceitos que o pensamento moral e político havia elaborado,

projectaram no mundo da natureza aquela concepção da ordem e da lei, que, ao

triunfar na cidade, havia transformado o mundo humano num cosmos.

É assim que a Filosofia há-de utilizar o diálogo e o debate público, em vez dos

dogmas, sentenças e ditos impositivos dos teólogos e seus correligionários, dos magos e

outros especialistas do além. Ela há-de valer-se da dialéctica, da imaginação e do génio

dos homens, que acreditam, seriamente, que a solução dos problemas terrestres está nas

mãos dos homens e das mulheres. Nesta perspectiva, a Filosofia é a materialização da fé

em nós mesmos.

Portanto, o surgimento da Filosofia coincide com a tomada de consciência do

poder e liberdade por parte do homem. Os primeiros filósofos eram cidadãos, que

proclamavam, diante dos seus concidadãos, que só o confronto de ideias, a busca

incessante, sistemática e livre de soluções poderia melhorar a condição humana.

O testemunho é ainda de Vernant:

Aparecimento da Polis, nascimento da filosofia: entre estas duas ordens de

fenómenos, as ligações são demasiado estreitas, para que o pensamento racional

não surja, na sua origem, solidário das estruturas sociais e mentais características

da sociedade grega. Assim inserida na história, a filosofia perde o carácter de

revelação absoluta, que, por vezes, lhe foi atribuído, ao saudar, na jovem ciência

dos Jónios, a razão intemporal , que viera encarnar no Tempo. E a escola de

Mileto não assistiu ao nascimento da Razão; ela construiu uma Razão, uma

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primeira forma de racionalidade. Esta razão grega não é a razão experimental da

ciência contemporânea, orientada para a exploração do meio físico, e cujos

métodos, instrumentos teóricos e quadros mentais foram elaborados, durante os

últimos séculos, num esforço árduo e constante, para conhecer e dominar a

natureza. Quando Aristóteles define o homem como um "animal político”,

sublinha aquilo que separa a Razão grega da dos nossos dias. Se, para ele, o homo

sapiens é um homo politicus, é porque a própria Razão, na sua essência, é política.

De facto, foi no plano político que, na Grécia, a Razão começou por se exprimir e

constituir. Para os Gregos, a experiência social tornou-se objecto de uma reflexão

política, porque, na cidade, ela se prestava a um debate público. O declínio do

mito data do dia em que os primeiros Sábios puseram à discussão a ordem

humana, procuraram defini-la em si mesma, tentaram traduzi-la em fórmulas

acessíveis à compreensão humana e aplicar-lhe a lei do número e da medida.

Assim se foi destacando e definindo um pensamento propriamente político,

exterior á religião, com o seu vocabulário, os seus conceitos, os seus princípios e

as suas posições teóricas. Este pensamento marcou profundamente a

mentalidade do homem antigo; caracteriza uma civilização que, enquanto

permaneceu de pé, sempre considerou a vida pública como o supra-sumo da

actividade humana. Para o Grego, o homem é inseparável do cidadão; a

phrónesis (sabedoria), a reflexão, é o privilégio dos homens livres, que exercem,

correlativamente, a sua razão e os seus direitos cívicos. Quando nasce, em

Mileto, a filosofia está enraizada nesse pensamento político, cujas preocupações

fundamentais vai traduzir, e ao qual vai buscar parte do seu vocabulário. É certo

que, em breve, se tornará mais independente. Para resolver as dificuldades

teóricas, as aporias, que o próprio desenvolvimento das suas posições suscitava,

a filosofia teve de, gradualmente, forjar uma linguagem, elaborar os seus

conceitos, criar uma lógica, construir a sua própria racionalidade.

A razão grega formou-se, menos na relação do homem com as coisas, do que nas

relações dos homens entre si. Desenvolveu-se, menos através das técnicas que

actuam no mundo, do que através daquelas que exercem influência sobre outrem,

e em que a linguagem é o instrumento comum: a arte do político, do orador, do

mestre. A razão grega é aquela que, de forma positiva, reflectida e metódica,

permite agir sobre os homens e não transformar a natureza. Tanto nas suas

limitações como nas suas inovações, ela é filha da cidade.

Conclusão:

A Filosofia nasce como uma busca de sentido, em seus vários matizes, tendo como

meio a razão, tanto na sua dimensão discursiva (diálogo, debate e discurso), como na

sua dimensão reflexiva (interrogação, admiração, questionamento, medo e terror).

1.3.Definições célebres da Filosofia

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Agora, que já sabes a origem etimológica da palavra Filosofia, e também como

ela apareceu, chegou o momento de ensaiarmos alguma definição.

Como deves calcular, não nos vai ser fácil dizer exactamente o que seja a

Filosofia. Mas também não é tarefa impossível.

Alguns filósofos célebres tentaram defini-la, cada qual, de acordo com as suas

próprias concepções. Como já deves ter percebido, ela pode ser vista e definida, a partir

de muitas e diversificadas perspectivas. Pelo que o defini-la é já filosofar.

Por exemplo, Aristóteles, esse grande filósofo da antiga Grécia, definiu-a nestes

moldes: A Filosofia é o estudo das causas últimas de todas as coisas. Enquanto que

Descartes, um filósofo francês da modernidade, define-a mais segundo o aspecto

metodológico: a Filosofia ensina a raciocinar bem. E vem depois Hegel, um filósofo

alemão contemporâneo, e retoma a definição grega, sublinhando o poder abarcador da

Filosofia: a Filosofia é o saber absoluto.

Mais importante, porém, é vermos como alguns filósofos dos nossos dias

perceberam e definiram a Filosofia:

- O que encontramos é apenas isto: disposições heterogéneas do pensar. Dúvida

e desespero de um lado, possessão cega de princípios improvados, de outro,

opõem-se reciprocamente. Medo e angústia misturam-se com esperança e

confiança. Muita vez transparece de longe que o pensar seja um modo de

calcular e uma concepção racional livre de toda a disposição. Mas também a

frieza do cálculo e a prosaica sobriedade do planejar são características de

uma disponibilidade. E não apenas isto; mesmo a razão que se guarda de toda a

influência das paixões está disposta, enquanto razão, à confiança na

inteligibilidade lógico-matemática de seus princípios.

Heidegger

- A uns, a filosofia aparece como um meio homogéneo, isto é, nela nascem e

morrem os pensamentos; nela se edificam os sistemas, para nela se

desmoronarem.

A outros, a filosofia aparece como uma certa atitude, que resulta de uma livre

opção.

Ainda a outros surge como um determinado campo cultural.

Quanto a nós, seja qual for o ponto de vista, a filosofia, essa sombra da ciência,

essa eminência parda da humanidade, não é mais do que uma abstracção

hipostasiada. De facto, “ há filosofias”. Ou melhor – porque nunca encontrareis

ao mesmo tempo mais do que uma que esteja viva – em certas circunstâncias

bem definidas, uma filosofia constitui-se para dar a sua expressão ao

movimento geral da sociedade; e, enquanto vive, é ela que serve de meio

cultural aos contemporâneos.

J. P. Sartre

1.4.As tarefas da Filosofia

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Já sabes, pois, que existem vários pontos de vista, vários modos de encarar a Filosofia.

Agora, deves estar a perguntar-te a ti mesmo: mas então, afinal, para que serve mesmo a

Filosofia?

Pois a resposta é: a Filosofia serve para muita coisa.

Um dos filósofos que mais se debruçou sobre essa mesma pergunta foi Immanuel Kant,

filósofo alemão do século XVIII.

Para ele, a tarefa da Filosofia é ensinar-nos o seguinte:

- Que posso eu saber?

- Que devo eu fazer, isto é, como devo agir?

- Que me é permitido esperar?

A primeira tarefa impele-nos para fora de nós mesmos, a fim de indagarmos as

possibilidades e limites do conhecimento, da ciência, e, enfim, da acção do homem

sobre o mundo.

Neste sentido, a Filosofia leva-nos a fazer perguntas, tais como:

- O homem conhece?

- E como sabe que o seu conhecimento é verdadeiro?

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- E que significa realmente conhecer?

- E que tipos de conhecimento existem?

- E o que é que pode ser conhecido?

- E por quê conhecer?

- E para quê conhecer?

- E para que serve o conhecimento?

- E como conhecer?

È esta, para Kant, a primeira tarefa da Filosofia. Nesta óptica, podemos dizer que

o estudante da Filosofia se assemelha a um recém-nascido, que, deslumbrado, com o

mundo, para o qual acaba de nascer, faz perguntas sobre tudo o que o rodeia. É,

realmente, a primeira fase, a fase da descoberta, do espanto, mas também do receio e do

medo.

A segunda tarefa da Filosofia, segundo o mesmo Kant, é: olharmos para dentro

de nós mesmos, e perguntarmo-nos

- quem somos nós?

- donde viemos?

- porque viemos?

- e como devemos comportar-nos?

É a fase do homem adulto, que já se não interessa só com o mundo exterior, mas

também com seu próprio mundo interior. É o homem adulto, que faz perguntas e

procura respostas:

- Vale a pena viver?

- Como posso ser feliz?

- E os outros?

- Porque está o homem na companhia de outros homens?

- Como devo agir, perante o outro, e perante mim próprio?

- E os animais, as plantas, as rochas, a natureza toda, porque existem?

- Qual deve ser a relação do homem, com tudo isso, que o rodeia?

- Estará o homem sozinho, ou existirão outros seres?

- Deve, porventura, o homem explicações a outro, que não seja a ele próprio?

- Existirá algo acima do homem?

- E a morte? Porque morre o homem?

- E a doença? Porque se sofre, no mundo?

- Qual é o sentido da vida?

- Qual é o fim último do homem?

E tantas outras!

A terceira e última pergunta tem a ver com as duas primeiras, é a pergunta do homem

amadurecido, a pergunta dos mais velhos:

- Há razões para sorrir, perante tudo isto?

- A que pode aspirar o homem?

- Existe futuro para a humanidade?

- Existe uma esperança última, apesar de todas as vicissitudes?

- Os desejos humanos serão, finalmente, satisfeitos, ou não passa tudo de uma

grande ilusão?

- E a morte? Haverá algo, além da vida terrena?

Para responder a tantas e tão diversificadas perguntas, a Filosofia precisa de um método

próprio.

1.5.O método da Filosofia

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Para melhor apreciarmos o método da Filosofia, é preciso recordarmos o que

ficou dito,

lá atrás: a Filosofia não foi nem a primeira nem a última a responder àquelas

perguntas

todas. Antes dela, responderam os mitos, e depois dela, respondeu a ciência.

O mito socorria-se dos oráculos, dos ditos, das sentenças, da adivinhação,

supostamente transmitidos pelos deuses, pelos espíritos e outros entes superiores ao

homem. A ideia era, pois, fundamentalmente, esta: o homem é incapaz de conhecer seja

o que for, se apenas se valer das suas capacidades. Tudo quanto ele sabe foi-lhe

comunicado do Além.

Ora, a primeira característica do método da Filosofia vai ser a fé nas capacidades

racionais do homem, para responder a todas as perguntas. O método da Filosofia é o da

justificação lógico-racional e análise crítica. Ou seja, só é filosoficamente válido o que

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passar, com sucesso, pelo crivo da crítica racional, ajustado aos parâmetros da razão e

às categorias mentais dos seres humanos. A razão humana só aceita a evidência.......

Por outro lado, a Filosofia prefere uma visão de conjunto ao conhecimento

parcelar. Busca explicações, para todos os problemas humanos, desde o problema de

Deus até ao das pedras.

Já vês que o que distingue a Filosofia das outras formas do saber não é o seu

objecto de estudo, mas é, antes, a forma como ela encara os vários objectos de

conhecimento.

Ao contrário da ciência, que não existe senão em referência a uma área restrita e

concreta do conhecimento, a Filosofia pretende ser abarcante. Isto é: se eu disser de

alguém que ele é cientista, esta minha afirmação pura e simplesmente soa à falso, e

enuncia uma certa incompletude. Pois se alguém é cientista só o pode ser,

determinadamente, em algum sector ou ramo. Terei de especificar em que área é que ele

é cientista. Será, por exemplo, um biólogo, ou um sociólogo, ou um físico, ou um

geógrafo, ou um outro especialista. Ao passo que, se eu chamar filósofo a alguém, isso

já é, por si mesmo, suficiente.

Nota importante: é próprio do filósofo duvidar, mas sobretudo, é próprio dele

procurar novas soluções. Desta feita, para além do cálculo e da análise racional, a

imaginação, a arte, a dissidência, são atitudes filosóficas de inestimável valor. É neste

sentido que a Filosofia se afirma como companheira e aliada do homem livre, que se

interroga, e questiona os seus concidadãos e todas as realidades. A Filosofia é amiga

dos homens insatisfeitos, que buscam sempre o melhor; dos inconformados, dos

renitentes, dos proscritos e loucos. Ela é também companheira dos grandes inventores

sociais e técnicos, que procuram novas formas de estar na vida e de agir. Ao mesmo

tempo, ela habita a alma dos cumpridores, dos dóceis, dos que gostam de aprender, com

a experiência veiculada pelos velhos e emanada pela tradição e pelo senso comum, dos

que, mais do que interrogar, pretendem aprender, encontrar formas de acção, crenças e

convicções que dêem sentido à vida dos que querem ajustar as suas vidas às normas e

aos costumes, dos que apreciam a sabedoria da força do grupo, da excelência das

práticas costumeiras, das ideologias de vida, que sustentam as nações.

Portanto, dúvida, por um lado, e crença, por outro, são dois pontos de partida para

filosofar.

E se, de um lado, encontramos filósofos, que julgam que a Filosofia se basta a si

mesma, no sentido de que ela se justifica, pelo prazer e gosto, que o convívio com as

ideias oferece, de outro lado, perfilam-se os que defendem que a Filosofia só se justifica

pelos seus propósitos, no âmbito da acção, da resolução de problemas concretos. Para

estes, a inquirição racional visa sempre um propósito racional. Filósofo não é só aquele

que se deixa extasiar com a contemplação do mundo, com a harmonia das leis e beleza

das ideias. Mas é também e, sobretudo, aquele que age ou pretende agir no mundo,

transformando-o e melhorando as condições de habitabilidade, no globo terrestre.

Do ponto de vista h

Isto é, o seu objecto de e

tornado comum ouvir dize

naturalistas. É verdade qu

surgiu a ordem. Ou seja, p

têm, cada qual, o seu lu

moldura ordenada, onde c

irracional, conserva o seu

foi, por isso, central, no se

vinha dos mitos. Foi, po

incitou esses primeiros fil

Um facto de extrem

para ti. é que a ordem do

humanas, formando um

homens criarem tais leis e

tão feliz como o sábio?

É fácil de ver ( e ist

para esses primeiros filó

2. Disciplinas da Filosofia

2.1. Cosmologia

14

istórico, já vimos que os primeiros filósofos eram naturalistas.

studo era o mundo, o universo, o cosmos. Daí que se tenha

r de Tales, Anaximandro e Anaxímenes que eram fisiólogos,

e a sua maior preocupação era a de saber como é que do caos

orque é que o sol, a lua, as estrelas, os mares, os continentes,

gar próprio, permitindo que o mundo seja uma espécie de

ada ser, tanto inanimado como animado, tanto racional como

lugar próprio, evitando o caos, a desordem. O tema da ordem

u pensamento. Seguiam, como vimos, uma tradição, que lhes

r assim dizer, o espanto, perante a harmonia universal, que

ósofos a buscarem respostas, a filosofarem.

a importância, para esses filósofos, e provavelmente também

universo encontra o seu correlato, na ordem das sociedades

contínuo, uma unidade admirável. Como foi possível aos

tal mundo, em que o pobre é tão feliz como o rico, o néscio

o será discutido, com mais pormenores, lá mais à frente) que,

sofos, a natureza era uma amiga cheia de ensinamentos, e

digna, por isso, de ser respeitada e acarinhada. O mundo é detentor de uma ordem, que o

próprio homem deve respeitar. E, por isso, é reprovável qualquer agressão a essa

harmonia, por desejos egoístas ou tecnológicos.

E é assim que a Cosmologia emerge, como a primeira disciplina da Filosofia.

E, ontem como hoje, é fácil de perceber que a temática da origem do universo e

do homem seja uma disciplina atractiva, e que as suas contribuições se repercutam em

todas as esferas da nossa vida. Que o mundo e o homem tenham sido criados por Deus

ou não, diz das nossas capacidades de conhecer, diz da nossa responsabilidade perante

os outros, diz da razão de ser da organização política, diz também do nosso fim último,

e dá sentido ou não à nossa vida. E é exactamente graças a esta amplitude que a

Cosmologia vista no âmbito da Filosofia ultrapassa a cosmologia vista no âmbito

estritamente científico. Por isto a ultrapassa e por isto se distingue dela.

parti

impo

Aten

sabe

orga

nós p

Filos

acab

filós

com

seu g

Sócr

2.2. Ética

Estas explicações totalizantes, que queriam compreender o mundo e o homem, a

r da sua origem, não tardaram a mostrar-se uma tarefa difícil, senão mesmo

ssível.

Não tardou, porém, que aparecessem outros filósofos, como Sócrates, cidadão de

as, capital da Grécia de então, a chamar a atenção e a dizer: se calhar, o verdadeiro

r ainda não é aquele que nos permite dominar os segredos da natureza e da

nização política, mas tão somente aquele que nos permitir sermos melhores, perante

róprios, e perante o conjunto dos cidadãos, que nos rodeiam.

Nesta óptica, a Ética ou Moral emergiu como a disciplina mais importante da

ofia.

Na verdade, a virtude, enquanto distintiva do sábio e interior ao ser humano,

ou por constituir o assunto filosófico mais importante, para Sócrates, um dos

ofos mais marcantes da história,. Pelo que, até hoje, a Moral, a Ética, ficou inscrita

o uma disciplina fundamental da Filosofia.

2.3. Política

15

Mas seria Platão, com os seus Diálogos, a marcar o início da Filosofia, como o

énero favorito. A Platão, aliás, devemos até o conhecimento de quem era o próprio

ates, já que é Sócrates o herói principal dos diálogos platónicos.

Os primeiros filósofos, como ficou dito, não só acreditavam no diálogo, como

meio para atingir o conhecimento, mas também, quando escreviam, faziam-no em forma

de diálogo, como testemunham esses emocionantes diálogos, que a pena de Platão nos

legou.

Foi, pois, com Platão, que a Moral atingiu o seu estatuto político, ao ficar

demonstrado que ela não é só algo interior ao ser humano, mas é também algo

partilhado e vivido em comum com outros homens.

Assim, a Política aparece como uma Disciplina importante, talvez a mais

importante da Filosofia. Posto que ela nos leva a perguntar como devem ser as leis e

convivências humanas, como podemos aumentar a justiça e extirpar a injustiça, como

podem os homens viver pacificamente, evitando a guerra, como podem eles cooperar

juntos, amarem-se uns aos outros, e juntarem as forças, para a consecução dos seus

objectivos.

ped

são

ama

a F

con

imp

exe

mat

inde

con

2.4. Teoria do conhecimento e Lógica

Mas Platão viu também, e muito bem, que, mais do que o mundo exterior, das

ras, dos animais e de muitos outros seres, o que determina a nossa vida e conduta

as ideias, que temos ou deixamos de ter, sobre as coisas. Pelo que, o verdadeiro

nte da sabedoria, o filósofo, deve, antes de tudo, dedicar-se ao mundo das ideias.

Ora, indagar sobre as ideias é procurar a origem do conhecimento. Neste sentido,

ilosofia é Teoria do Conhecimento. É perguntar como é que o homem pode

hecer, e considerar válido esse conhecimento. É perguntar o que é que é mais

ortante, no acto de conhecer: se é o ser que é conhecido, ou se é o ser que conhece.

Nesta óptica, a teoria do conhecimento é Cognoseologia, e a Lógica é parte dela.

Ainda que a Lógica, dada a sua complexidade e importância, no âmbito, por

mplo, da oratória, do discurso, no meio político, por excelência, e no âmbito da

emática ( e, por isso, da técnica), se constitua como uma disciplina autónoma e

pendente.

2.5. Epistemologia

16

Mas podemos também voltar a nossa atenção, não já para o acto concreto de

hecer, mas antes para o próprio sistema de saber, que, no mundo de hoje, é

designado por ciência. Pois, ao dizermos que algo está provado cientificamente,

estamos a dizer que é verdadeiro.

Estudar o conhecimento, enquanto ciência, é fazer Epistemologia.

Temos o direito de distinguir e separar o verdadeiro do falso. Isto é de extrema

importância, nas nossas vidas. Sabemos que a possibilidade da ciência conduz ao

desenvolvimento tecnológico. Sabemos que é para a melhoria das nossas condições de

vida que o conhecimento científico tem, entre nós, uma importância especial.

Daí que a Epistemologia seja uma das disciplinas mais importantes da Filosofia.

A Ciência, enquanto nos dá a possibilidade de agir sobre as coisas, é um meio

importante para a Política, já que a acção sobre as coisas tem uma influência capital na

acção sobre os outros homens. E isso é o que constitui a acção política. Nem é preciso

recordar que, na Política, triunfa quem conseguir mais dinheiro, quem condicionar o

comportamento das pessoas que o rodeiam, e as levar a satisfazerem as suas vontades.

Recorde-se que o domínio da ciência e da técnica condicionou e condiciona o destino

dos povos. Só para dar algum exemplo, foi por causa de um deficiente desenvolvimento

científico que os povos de África foram dominados pelos europeus. E, ainda hoje, é o

domínio na área económica e bélica que decide quem são os povos que mandam no

mundo. .

uma

sign

terre

Disc

2.6. Antropologia

Mas ainda não é tudo. O lugar do homem no mundo é também, por óbvias razões,

questão de não menor importância.

A esta Disciplina chamamos-lhe Antropologia, de antropos, que, em grego,

ifica homem, pessoa humana, tanto o homem como a mulher.

A Antropologia trata de saber quem é o Homem enquanto Homem.

tafísica

s

i

2.7. Teologia Racional e Me

17

Para os que acreditam em Deus (e, pelo menos até hoje, são a maioria, no globo

tre), a Filosofia não podia deixar de discutir sobre Deus. E, ao fazê-lo, cria uma

plina específica, a que se chama Teologia.

A Teologia, porém, enquanto reflexão sobre um ser superior e externo a este

mundo, postula a curiosidade sobre um outro mundo, que se situa para além da physis,

ou da física, ou da natureza.

A esse novo tipo de conhecimento chamamos-lhe Metafísica. Ou seja, a reflexão

sobre quanto se situa para além (metá) do reino da natureza (physis), do mundo

sensível, deste mundo que captamos com os nossos cinco sentidos.

Ma

espíritos

em contr

Or

interroga

Pa

Filosofia

objecto d

O

publicitá

omnipre

Um

seu obje

Estética

Arte.

Mu

filosofar

É

discurso

2.8. Ontologia

s a Metafísica não poderia ficar reduzida apenas ao mundo dos deuses e

superiores. Tem que ser também o reconhecimento de que o mundo é e existe;

aposição à não existência e ao nada.

a, se todas as coisas são e existem, é lógico que a Filosofia comece por se

r sobre o que será isto de ser, o que será isto de existir.

ra tratar desta questão, que, à primeira vista, até poderia parecer-nos estranha, a

criou, logo desde o princípio, uma disciplina que se chama Ontologia, e cujo

e estudo é o ser enquanto ser.

2.9. Estética ou Filosofia da Arte

belo, nas suas várias expressões, desde o artístico até ao dos simples tablóides

rios, está hoje, nas nossas vidas, de uma forma quase, diríamos mesmo,

sente.

a nova Disciplina tende, pois, a ganhar espaço, nos meandros filosóficos. O

ctivo é, exactamente, o de se ocupar do belo, da Beleza. Referimo-nos à

(não confundir com etiqueta). Pode também designar-se como Filosofia da

2.10. Filosofia da linguagem e Hermenêutica

18

itas outras Disciplinas se podem ainda aduzir, relativamente à própria forma de

.

o caso da Filosofia da Linguagem, uma vez que a Filosofia nos remete para o

, para a linguagem.

É também o caso da Hermenêutica, já que a existência de diversos textos de

filosofia vai postular uma forma específica de leitura e interpretação. A Hermenêutica

será, pois, a Disciplina que se ocupa do significado e da linguagem da Filosofia.

exi

os r

dos

não

des

ou

Lin

Filo

visí

hom

enq

Lin

con

da

2.11. Filosofia da Religião

Podemos ainda falar da Filosofia da Religião.

Esta indaga, não directamente sobre Deus, mas sim sobre a Religião, de cuja

stência, enquanto actividade humana verificável, ninguém duvida.

t

S

g

g

F

2.12. História da Filosofia

19

E, por último, podemos estudar a Filosofia, nas suas etapas, através do tempo.

A esta Disciplina chamamos História da Filosofia. Nela, se estudam os filósofos e

espectivos sistemas de pensamento, que foram aparecendo e afirmando-se, ao longo

séculos.

Poderiam ainda criar-se ou denominar-se outras disciplinas da Filosofia, que aqui

ficaram referidas.

Concluindo, o importante é que tenhas ficado com alguma ideia sobre cada uma

as Disciplinas da Filosofia:

A Ontologia, a Metafísica, a Teologia, a Filosofia da Religião, a Filosofia Política

ocial, a Ética, a Antropologia, a Teoria do conhecimento, a Lógica, a Filosofia da

uagem, a Estética, a Hermenêutica e a História da Filosofia.

Poderás também perceber facilmente que a Ontologia, a Metafísica, a Teologia e a

sofia da Religião transcendem o mundo material e sensível, este nosso mundo

vel, audível, captável pelo nosso tacto, olfacto, sabor. Tratam, pois, de realidades

em enquanto membro de um grupo social. E a Antropologia trata do Homem

uanto Homem. E a Teoria do Conhecimento, e a Lógica, e a Filosofia da

uagem, e a Hermenêutica, estas dedicam-se a indagar sobre a própria forma do

hecimento filosófico. Quanto à História, essa prescinde das Disciplinas e ocupa-se

ilosofia como ela foi sendo feita, através dos tempos.

Como se vê,

autonomizam, só a Fi

conjunto. O mesmo fi

à Teologia Racional,

Além disso, a

dentro da área de u

realidades um olhar

Medicina ou da Bio

implantação de órgão

essas práticas limites

precisa da Filosofia,

atómicos e nucleares

material e o mundo es

Portanto, ao c

aos limites, que lhes

pretende colaborar c

crítico.

A inter-discip

inerentes à Filosofia.

Por outro lad

limitada, e, vezes sem

o drama humano. E

impossível, tenha sem

O cepticismo

negação pura e sim

relativismo e do dogm

O relativismo

3. Força e fraqueza da Filosofia

20

enquanto, na Ciência, as várias áreas do saber se especializam e

losofia dá aos seus cultores a possibilidade de terem uma visão do

lósofo pode dedicar-se à Filosofia da Ciência, como epistemólogo,

como teólogo, à Política, como filósofo político, etc.

inda ao contrário da Ciência, cujo objectivo é produzir resultados,

ma especialidade, a Filosofia pretende ter sobre essas mesmas

crítico de conjunto. Por exemplo, no caso das conquistas da

logia, como a clonagem, ou a interrupção da gravidez, ou a

s, ou a reprodução artificial, a Filosofia pode ajudar a colocar a

humanamente aceitáveis. O mesmo se pode dizer da Física, que

para compreender os dilemas, que o uso dos conhecimentos

implica, bem como as fronteiras, que ela coloca, entre o mundo

piritual. Isto, só para citar alguns exemplos.

ontrário das Ciências, que são regionalizadas e estão confinadas

impõem o seu objecto e o seu método específico, a Filosofia

om as outras formas do saber, e fornecer-lhes um são sentido

linaridade e o diálogo com outras formas do saber são, portanto,

o, porém, a Filosofia, como qualquer actividade humana, é

conta, tem-se mostrado insuficiente, para explicar e compreender

daí que o cepticismo, ou seja, a crença de que o conhecimento é

pre acompanhado a Filosofia, ao longo dos tempos.

tem assumido, ao longo da História, vários matizes. Desde a

ples da possibilidade do saber, até à forma dissimulada do

atismo absoluto.

defende que cada homem tem a sua própria verdade.

21

O dogmatismo absoluto, pelo contrário, acha que existem verdades únicas,

reveladas por este ou aquele demiurgo. E que tais verdades se situam para além de

qualquer crítica ou justificação lógica racional.

É assim que, ao lado de filosofias nihilistas, cépticas e anárquicas, assistimos ao

desenvolvimento de ideologias e credos avessos a qualquer tipo de racionalidade lógica.

Estas ideologias, às vezes, tomam a forma de eclectismo.

O eclectismo é a crença de que todos os sistemas e perspectivas filosóficas

podem fundir-se e formar um sistema único e integrado, através da recolha e selecção

de quanto existe de verdadeiro, em cada um dos sistemas ou em cada uma das

perspectivas. É uma forma de pensar, que tende a fundir perspectivas e ideias de certa

maneira até contraditórias, e que implica a existência de um filósofo supremo, com o

direito de ajuizar e corrigir todos os sistemas de pensamento, e de discernir, ele só, entre

o verdadeiro e o falso, dentro de toda uma história do saber.

Como se nota, o cepticismo e o eclectismo são atitudes filosóficas não muito

adequadas para a Filosofia.

E já que estamos prestes a terminar o primeiro capítulo do nosso estudo, o

capítulo introdutório, convém que comeces a familiarizar-te com o nome, e os lugares e

os acontecimentos, que ajudaram a escrever a História da Filosofia.

Capítulo Segundo: Teoria de

Conhecimento

22

Lembra-se de que dissem

amor a sabedoria? Ora, se assim

é muito importante. Pois, este c

de conhecer? Como se processa

sabemos é verdadeiro? E sobretu

para quê conhecer?

Numa primeira tentativ

colocámos, parece óbvio que é g

chegar onde estão hoje. O que

normalmente vivem acorrenta

nomeadamente, à miséria, fome

as sociedades governadas pela

glória e fausto, como as suas

igualdade, respeito e cooperação

Aliás, o mesmo se diz do ignora

mais feliz e mais próspero do

evidenciam nas letras e no conh

contrário.

Portanto, podemos dize

como para os indivíduos particu

por conhecimento tanto aquele

como do ser humano e das socie

especialista do oculto, da trad

médico, o biólogo, o físico, o

camponês, o operário, a mãe, o p

Assim sendo, fica clar

conhecimento não são monopóli

homem. Não existe homem ou

Aliás, os próprios animais pare

Por exemplo, sabem o que pode

há perigo e fugir dele e animais

1. Introdução

23

os, no princípio da nossa disciplina, que a Filosofia é

é, então, o capítulo que trata do saber, do conhecimento

apítulo vai nos ajudar a perceber o que é isso de saber,

o conhecimento? Como temos garantia de que o que

do, isso vai nos ajudar a responder a pergunta porquê e

a de resposta e a começar pela última questão que

raças ao conhecimento que as sociedades evoluíram até

significa que os povos que desprezam o conhecimento

dos à ignorância e a tudo o que lhe é familiar,

, injustiça, violência e demais desgraças. Ao contrário,

sabedoria não só experimentam épocas de saciedade,

gentes desenvolvem processos políticos de justiça,

mútua que as torna notáveis no meio de outros povos.

nte em relação ao sábio. Embora o sábio nem sempre é

que o ignorante, é consensual que os que mais se

ecimento tem mais hipótese de viver melhor do que o

r sem medo que o conhecimento é tanto para os povos,

lares a chave do sucesso e vida boa. E entende-se aqui

que nos franqueia as portas dos segredos da natureza,

dades que cria. Sábio aqui é, tanto o pastor, o padre, o

ição, o psicólogo, o mais velho, o filósofo, como o

engenheiro civil, mecânico, informático, o general, o

ai, etc.

o que numa primeira aproximação, a sabedoria ou

o só dos letrados e instruídos. É característica de todo o

mulher algum totalmente desprovido de conhecimento.

cem também ser depositários de algum conhecimento.

m comer e o que não podem; sabem distinguir quando

existem até como os Chipanzé que aparentam alguma

inteligência com um certo grau de desenvolvimento ou capacidade de armazenar

conhecimentos invejável como se diz dos elefantes.

Neste sentido, parece claro que a primeira tarefa que temos é distinguir o

conhecimento em geral e o conhecimento humano.

A

é, conhec

conhece, c

que acont

saber. Só

Assim, to

maneira, c

Sig

problema

capta a rea

capta-me

e responsá

da consciê

subjectivo

do sujeito

que capta

pelo facto

que está a

apreende;

apetites, d

próprios i

sentimento

sujeito ten

2. A Consciência como Ponto de Partida da Análise

do Conhecimento Humano

24

característica mais importante do conhecimento humano é a consciência. Isto

er sem ter consciência disso, sem se saber, sem se cair na conta de que se

omo acontece com as crianças e loucos, não é conhecer. É exactamente isto

ece com os animais e as máquinas, computadores e rôbotes. Eles sabem sem

conhecemos verdadeiramente na medida em que temos consciência disso.

do o conhecimento humano é consciência e toda a consciência é, de certa

onhecimento.

nifica isto que a consciência é transparente a si mesma. Mas isto levanta um

muito grande: é que a mesma consciência que conhece o mundo exterior, que

lidade que me circunda e me é exterior, diferente de mim e não sujeita a mim;

também a mim, como sujeito de desejos, apetites, instintos, capaz de escolher

vel pelas próprias acções. Por isso, há que distinguir dois níveis fundamentais

ncia: o nível subjectivo e o nível objectivo. E ainda há que distinguir no nível

, a consciência psicológica e consciência ética.

vel Objectivo – a consciência capta o mundo exterior, circundante, diferente

e independente dele. È objectiva a consciência no sentido de que o mundo

não só é independente do sujeito, como também não sofre nenhuma alteração

de ser conhecido. É o nível que importa neste capítulo.

vel Subjectivo – a consciência capta-se a si própria e se reconhece como ela

operar quando conhece. Mais, ela reconhece como verdadeiro o que capta ou

ela sabe ainda que ao captar o mundo exterior, fá-lo movido pelos seus

esejos e pulsões. Ela não é indiferente, molda os dados e sujeita-os aos seus

nteresses. Por exemplo, a vista quando vê, faz com que o sujeito experimente

s de repulsa diante do feio ou de agradabilidade diante do belo; que o mesmo

ha certeza do que capta. Ou sente nojo, reprovação diante do mal e aprovação

25

diante do bem. A consciência conhece e julga, ou seja, conhece através de juízos,

podendo ser de validade, estéticos ou éticos.

Assim, a consciência tem duas funções: Função Apreensiva e Função

Objectivante.

Função Auto-apreensiva e Apreensão do Dado Experimental. Na função auto-

apreensiva ou auto-consciente, a consciência capta-se a si mesma, torna-se transparente

de si e para si. Ela capta-se (apreende-se) como corrente, como fluxo de actos

conscientes. E, através destes actos, apreende-se como sendo o sujeito a quem tais actos

pertencem. A apreensão do dado experimental, apreensão do que não é ela, é a

Apreensão do não não-Eu. Toda a consciência é consciência de algo. Uma consciência

sem objecto, não é consciência. Portanto, é consciência de si ou do outro, do não eu.

Função Objectivante – a consciência ao mesmo tempo que manifesta uma certa

passividade na recepção do dado, ela actua como “legisladora” do modo de receber o

dado. O objecto é, deste modo, a síntese do passivamente recebido e da organização

activa legislada pela consciência. A consciência não se limita a captar, ela forma,

estrutura e organiza o dado. O dado é sujeito as categorias do sujeito. Por exemplo, as

categorias do Espaço e do Tempo; sujeito as três dimensões da consciência: altura,

cumprimento e largura.

Por fenome

tal como ele apare

O primeiro

sujeito-objecto. Is

sujeito que conhe

cognoscido). Logo

objecto conhecido

um objecto. Por i

cognoscente e um

O sujeito

propriedade, é hom

conhecer. Embora

auto-conhecimento

O sujeito d

conhecimento em

deixar-se apreende

O conhecim

conhece. Pois, dá-

surge como reacçã

actividade pela qu

coisa que se conh

cognoscente. Tal

operação imanente

Mas atenç

Apenas, reproduz

um conteúdo idên

imagem (forma) d

nem modificado p

objecto. Nasce no

3. Fenomenologia do Acto de Conhecer

26

nologia do conhecimento entende-se a descrição do acto de conhecer

ce.

aspecto a ressaltar aqui, é que o conhecimento é, sobretudo, relação

to é, para se dar um acto de conhecimento é preciso que haja um

ce (sujeito cognoscente) e um objecto que é conhecido (objecto

, conhecer é o que acontece quando um Eu (sujeito) apreende um

. Ou seja, o acto de conhecer é a apreensão por parte de um sujeito de

sso, para um acto de conhecimento é preciso que haja um sujeito

objecto cognoscido.

é um ser vivo, possuidor de uma consciência, e falando com

em ou mulher. O objecto é qualquer outro ser distinto do que está a

seja verdade também que o sujeito pode ser objecto quanto se trata de

, introspecção e auto-reflexão.

e conhecimento só o é, em função de um objecto e o objecto de

função de um sujeito. A função do sujeito é apreender e a do objecto

r.

ento é uma relação actividade. Actividade da parte do sujeito que

se num sujeito consciente de si, desperto para às coisas circundantes;

o a um excitante ( se, se considera o objecto que chega de fora). É

al o mesmo Sujeito Humano não modifica em nada o ser físico da

ece. Essa actividade apenas vai enriquecer e aperfeiçoar o sujeito

operação começa e termina dentro do sujeito. É por isso chamada

, isto é, não transcende o sujeito.

ão: Apreender o objecto não significa fazê-lo entrar no Sujeito.

nesse sujeito as determinações do Objecto, numa construção que terá

tico ao do Objecto. Essa construção operada no conhecimento é a

o objecto. Assim, o objecto do conhecimento não é transformado,

elo sujeito. Só o sujeito é que, de alguma maneira, é modificado pelo

sujeito a consciência do objecto, a imagem do objecto com o seu

conteúdo. Também é preciso acrescentar que a iniciativa de conhecer pertence

inteiramente ao sujeito.

3.1. Papel do Sujeito e do Objecto no Acto de Conhecer

27

Em primeiro lugar, é preciso dizer que tanto o sujeito como o objecto pre-

existem ao acto de conhecer. Ou seja, já existiam, já eram seres constituídos antes de

entrar no acto de conhecer onde se relacionam. Mais, tinha cada um a sua entidade,

eram seres em si mesmos. O que significa que ambos têm a sua entidade própria. Por

essa razão, nem o sujeito, nem o objecto se esgotam no acto de conhecer. Continuam a

ser o que são depois deste acto de conhecimento.

De um lado, temos um sujeito que apreende e capta e de outro, um objecto que

se deixa captar e apreender. Assim, o papel do sujeito é sair de si, invadir a esfera do

objecto, captar os aspectos, características próprias (propriedades) de uma coisa ou

objecto. Ao captar o objecto, o sujeito insere em si, o dado captado, integrando-o de

acordo com as suas próprias categorias. Isto significa que o que é captado não é,

necessariamente, a coisa em si, mas sim a coisa como é percebida, pensada, pelo sujeito.

Neste sentido, diz-se que o sujeito objectiva, determina a coisa. Isto mostra como o

sujeito é um sujeito determinante, aberto para o mundo e seu legislador.

É porque o objecto está fora do âmbito do sujeito que este tem que ser captado

mediante uma incursão do sujeito. Na verdade, mesmo depois de ser captado

cognitivamente pelo sujeito, o objecto continua, fisicamente, fora do mesmo. O objecto

está sempre em oposição ao sujeito reclamando a sua existência individual. No entanto,

é o objecto que, pela sua presença distinta, estimula o sujeito e deixa patente as suas

características e propriedades e se deixa determinar.

Assim sendo, há quem atribua, no acto de conhecer, mais valor a coisa

determinada, conhecida, na medida em que sem ela, o sujeito não conhece, não

apreende. E, sobretudo, porque é quase impossível o sujeito não reagir cognitivamente

na presença do objecto. O objecto manifesta-se e exige ser apreendido. Outros porém,

pensam o contrário. E dizem que é o sujeito que capta, que estrutura, organiza e

determina o dado, o objecto. E estes atribuem mais valor ao sujeito.

Conforme se dê mais valor a um ou a outro elemento, teremos duas atitudes de

conhecimento, dois modos distintos de conhecer que geram duas grandes teorias sobre o

conhecimento humano.

ex

h

ca

p

ta

é,

n

n

es

ra

v

em

ex

ca

in

o

aq

d

h

g

o

se

3.2 Modos de Conhecimento Humano

28

A questão que se coloca agora é seguinte: o que o homem capta (vê ou sente, por

emplo) são apenas coisas espaciais e temporais (materiais) privadas de um significado

umano? Ou o que ele capta é o mundo organizado e organizável segundo as suas

tegorias racionais?

Com efeito, se é verdade que a consciência não se move num ambiente de ideias

uras, nem actua com imagens filtradas da realidade na interioridade da sua consciência,

mbém é verdade que não conhece senão nos limites das suas categorias racionais. Isto

você mesmo não conhece nada que não seja tridimensional (que não tenha largura,

em comprimento, nem altura) de acordo com as categorias da razão humana. Nem

ada entra na sua mente que não esteja no tempo e no espaço.

É por isso que pensadores existem, como Platão, para quem o conhecimento é,

sencialmente, obra do sujeito que capta e organiza o mundo. Para estes, a ideia, a

zão, é o motor do conhecimento, daí falar-se do idealismo, do racionalismo.

Quase na mesma linha se situam aqueles que julgam que o conhecimento

erdadeiramente humano se dá pela via do Entendimento, ou seja, do Intelecto. Estes,

bora reconheçam que os dados do conhecimento seja colhidos pelos sentidos, pela

periência sensorial, o verdadeiro conhecimento só é possível graças as nossa

tegorias racionais.

A diferença entre o idealismo e o intelectualismo, entre os racionalistas e os

telectualistas, é que estes últimos (intelectualistas) reconhecem mais o valor dos

bjectos, no acto de conhecer, mesmo defendendo a primazia do sujeito, enquanto

ueles (idealismo e racionalismo) minimizam em demasia o papel do objecto no acto

e conhecer.

Porém, doutro lado, pensadores existem, como Aristóteles, que julgam que nada

á na mente que não tenha entrado pelos sentidos (visuais, auditivos, olfactivos,

ustativo, tactitivo). Ou seja, tudo o que entra na mente, entra através dos olhos, dos

uvidos, do olfacto, do gosto e do tacto. É o chamado conhecimento sensorial ou

nsitivo. Para estes, o dado, o objecto é que estimula o sentido e como tal despoleta

todo o processo de conhecer. Por isso, maior atenção dão aos dados, aos factos

empíricos, aos objectos materiais, daí falar-se de empirismo, de realismo.

Não obstante, parece claro que, embora no conhecimento humano haja estas

duas formas de conhecer, distintas, as duas formas estão intimamente ligadas e

completam-se. São duas faces da mesma moeda.

conhe

nos se

nossa

repres

subord

numa

encon

homem

própri

homem

concre

conse

coisas

com o

criativ

passad

3.1.1. Conhecimento Sensitivo

29

Parece não haver uma dúvida razoável de que quando se capta um objecto de

cimento é pelos sentidos que se capta. Sempre que há conhecimento algo ocorre

ntido, num único ou em todos globalmente. O conhecimento sempre mexe com a

sensibilidade. Mesmo quando se imagina, os objectos imaginados são

entados sujeitos às condições da nossa sensibilidade.

E o que mais, é que a sensação (acto de conhecer pelos sentidos) está

inada à vida orgânica, pois apreende as coisas concretamente como estando

relação com as suas exigências vitais. Tanto é assim que mesmo a mente

tra-se intimamente ligada ao cérebro.

Dado que o conhecimento sensitivo está intimamente ligado ao carácter físico do

, exterior a si, considera-se mais ligado aos objectos. Tanto é assim que os

os sentidos agem por reacção aos estímulos materiais do mundo exterior ao

. É comum referir-se aos seguintes estímulos:

Estímulos mecânicos – Contacto, pressão – sentido: tacto.

Estímulos físicos - luz, som, calor, electricidade – sentido: visão e audição.

Estímulos Químicos – sucos, ácidos – sentido: gosto, olfacto.

O Conhecimento sensitivo compreende também as seguintes faculdades:

Imaginação que é a capacidade que o homem tem de representar um objecto,

to e singular. Implica também uma integração, uma recomposição, uma

rvação e reprodução das imagens.

A imaginação consiste fundamentalmente em abstrair da presença real em que as

têm lugar, para voltar a combiná-las, livremente, noutro espaço. Por isso, ela joga

espaço. Ela cria por isso como que um mundo irreal, fantasioso de uma forma

a.

Memória que diz da capacidade que o homem tem de evocar acontecimentos do

o e de os identificar como pertencendo ao passado. Ela joga com o tempo, traz à

lembrança. Revive os acontecimentos idos, retém e afasta. Pela memória o homem

reencontra-se consigo mesmo, com a sua trajectória vital.

Estimativa que põe em evidência o lado instintivo do homem, isto é, o seu lado

animal. É a capacidade de apreender as espécies intencionais que não são percebidas

pelos sentidos. Implica um juízo de escolha determinada pela própria natureza e sem

deliberação racional. É uma espécie de inteligência animal já que funciona

automaticamente, instintivamente.

Têm basicamente duas funções: conservação do indivíduo buscando, por

exemplo, o alimento; fugindo do perigo; conservação da espécie que o leva à procura da

satisfação sexual, enquanto torna possível a reprodução e reprodução da espécie. A

estimativa olha pelo futuro biológico do animal.

se so

proce

discu

conh

outro

intui

algo

aqui

coisa

nega

conh

parti

conc

3.1.2. Conhecimento Racionalista

30

Diz-se conhecimento racionalista ou, na sua forma extremada, idealista quando

brevaloriza as estruturas que formam a inteligência (entendimento e razão) no

sso de conhecimento. Existe duas formas de conhecimento racionalista: intuição e

rso.

A intuição é uma espécie de visão directa pelo entendimento, enquanto que o

ecimento discursivo é uma sucessão de juízos, dependentes logicamente uns dos

s, a que se dá o nome de Raciocínio. Assim, chama-se inteligência a função

tiva e razão, a função discursiva.

Portanto, o conhecimento pela razão implica várias operações:

1ª Operação: simples apreensão, conceitualização, que consiste em compreender

sem emitir nenhum juízo sobre ela. Exemplo: Homem, Deus, Mundo, etc. Trata-se

de relacionar um objecto com uma ideia, ou seja, de atribuir nomes aos seres.

2ª Operação: Juízo – consiste em afirmar ou negar uma relação entre duas

s. Exemplo: o joão é uma criança. Trata-se aqui de relacionar, por afirmação ou

ção, duas ideias.

3ª Operação: Raciocínio – que consiste em concluir algo a partir do já

ecido: exemplo: havendo nuvens, há-de chover. Trata-se de retirar ideias novas, a

r das já existentes.

É fácil de ver como o conhecimento racionalista explica a existência de

eitos universais, feitos a partir de objectos particulares, fornecidos pelo

31

conhecimento sensitivo. Por exemplo, os sentidos captam este e aquele homem e o

entendimento produz o conceito de humanidade, de homem no geral. O conhecimento

sensitivo capta os seres e objectos isoladamente e o conhecimento racionalista

relaciona-os ou separa-os. O conhecimento sensitivo dá-se conta dos objectos, o

racionalista capta-os e usa-os para deduzir outros conhecimentos ou prevenir situações

futuras. O conhecimento sensitivo aproxima o sujeito dos objectos, o racionalista,

analisa-os, sintetisa-os.

Mas a questão da diferença entre conhecimento sensitivo e racionalista é básica

na filosofia e é tão importante que está na base das duas perspectivas filosóficas mais

importantes, a saber: o racionalismo ou idealismo e o empirismo ou realismo.

Para os idealistas, a começar por Platão, o primeiro grande idealista, só os

conceitos universais é que existem verdadeiramente. Pois vejamos, a pergunta que

Platão faz é esta: como é que formámos os conceitos abstractos e universais de justiça,

beleza, bondade por exemplo? Pois, diz ele, o que os nossos olhos enxergam são actos

de justiça ou pessoas justas; pessoas belas ou paisagens belas, mas a justiça em si, ou a

beleza em si, escapa ao nosso olhar. Pois bem, actos justos e pessoas justas nascem e

morrem; o que é justo hoje pode ser injusto amanhã, no entanto, a ideia de justiça

permanece a mesma hoje e sempre. Donde conclui ele, os actos justos ou pessoas justas

não passam de cópias ou sombras da verdadeira justiça sempeterna, imutável e sempre

igual a si mesma. A prova é que a morte de um justo, ou o fim de um acto de justiça,

não afecta nem por pouco, a justiça em si. Tanto é assim, que se não houvesse a justiça

em si, seria impossível medir a justeza dos actos e das pessoas, na medida em que nos

faltaria um modelo, um referencial único, a partir dos quais seriam medidos os actos e

as pessoas justas.

Aliás, a nossa consciência é testemunha da unidade e imutabilidade da justiça na

medida em que nos diz que mesmo aquelas acções ou pessoas que fingem serem justas,

um dia serão desmascarados e, por fim, a justiça brilhará. Se a justiça dependesse dos

actos particulares de justiça, ela seria múltipla e diversa. Mais, dependendo desses actos

particulares que nascem e se situam no tempo e no espaço, a justiça seria deferente

conforme o tempo e o espaço e até, conforme os indivíduos. Haveria a minha justiça, a

sua justiça, a justiça de ontem e a justiça de hoje e assim, o conceito de justiça

dependeria dos caprichos e desejos volúveis dos homens e mulheres. E o mesmo se diria

da beleza, da bondade, da fraternidade, da liberdade, etc.

Ora, isto é impossível rematam os idealistas. A nossa ideia da justiça, da

bondade, da liberdade e outros conceitos universais é de que eles não mudam com o

tempo, não se gastam, não murcham nem morrem, mas sim de que eles permanecem

iguais a si mesmos, de que permanecem inalteráveis, mesmo se na sua manifestação

concreta sejam divergentes e múltiplos.

Ao contrário, os empiristas são de opinião de que os conceitos universais são

retirados dos conceitos concretos e particulares. Pois, argumentam eles, ninguém

conhece nem sabe o que é a justiça, senão através da visão de actos justos e pessoas

justiças. Ninguém saberá o que é a beleza, se não contemplar coisas belas. É das belezas

particulares que subimos para as belezas universais e é através do convívio com pessoas

justas, com exemplos de justiça que nos tornámos justos e melhores. Sem o hábito de

praticar acções justas, sem pessoas justas nem Estados e sociedades justas, o conceito de

justiça é um conceito vazio e sem conteúdo. Portanto, concluem os empiristas, o

universal é uma pura abstracção do particular. O universal não existe em si, senão como

generalização do particular. Os únicos conceitos verdadeiramente existentes são os

conceitos particulares.

3.2.3. Intelectualismo: Empirico-Racionalismo

32

O conhecimento sensitivo e o conhecimento racionalista formam um único

conhecimento, o conhecimento intelectivo. Isto significa que no homem não existem

ideias puras, sem conteúdo material. O entendimento sem ser fecundado pelas ideias

fornecidas pela sensibilidade não seria capaz de conhecer. Para haver conhecimento

humano é imprescindível a experiência sensorial. Também se não existisse o

entendimento, os sentidos por si só, seriam incapazes de criar conceitos universais, já

que quando captam os objectos, estes se apresentam de forma isolada.

Portanto, conhecer é abstrair, mas é abstrair a partir dos dados fornecidos pela

natureza, de um objecto particular concreto captado pelos sentidos, deixando de lado os

caracteres específicos que o indivíduo reporta, para criar uma ideia abstracta, uma

imagem que representa esse mesmo objecto.

Tanto a experiência como a Razão são condição necessária de formação das

ideias e dos princípios racionais. O que significa que tanto um como outro, tomados

separadamente não podem fundar o conhecimento verdadeiro.

Para esta corrente, a aquisição dos conhecimentos supõe a intervenção dum

poder distinto dos sentidos e da consciência, que é a Razão. Assim, a lei do sujeito

pensante é preciso conjugar a lei do objecto pensado.

Quer dizer, o conhecimento é possível porque o entendimento volta-se para os

dados da fantasia (imaginação), que emanam do conhecimento sensível. A prova é que

faltando determinados órgãos sensoriais, falta também o conheciemento ou ideias. Por

exemplo, é impossível ao cego ter a ideia da luz ou ao surdo, a ideia do som.

O entendimento ou mente estando ligado ao corpo ou cérebro (entidades

materiais), precisa de algo material para formar as ideias que não são materiais. Ou

seja, o nosso entendimento vocacionado ao conhecimento do universal e imaterial, parte

do particular material e se eleva ao universal (imaterial). Exemplo, é dos homens

concretos (particulares e materiais) que nos elevamos a ideia da humanidade (universal

e incorpórea).

E o particular só se apreende através dos sentidos. O sensível só se capta através

dos sentidos externos (vista, audição, olfacto, tacto, gosto) aos quais se associam os

sentidos internos ( sentido central ou comum, imaginação, memória e a cogitativa)

Assim, para o intelectualismo, o objecto do conhecimento intelectivo é o

conteúdo do conhecimento sensitivo.

Assim se explica que o animal que é também dotado dos sentidos externos não

seja capaz de produzir conhecimentos e que a criança que é dotada de entendimento não

seja também capaz de conhecer. Ao primeiro falta o entendimento, ao segundo, os

dados da experiência sensível.

A importância do con

certeza de que o que se sabe

ter a certeza de que o qu

conhecimentos?

Sem resposta a est

Precisámos de ter certeza da

conhecimento mede-se pela

4. Certeza e Verdade

33

hecimento humano só atinge a sua plenitude se, se tiver a

é verdadeiro. Ora, o que é a verdade? Como é que podemos

e sabemos é assim mesmo? Como validar os nossos

as questões parece claro que se torna inútil conhecer.

validade dos nossos conhecimentos. Com efeito, o valor do

sua própria finalidade. Mais, o conhecimento tem muitos e

variados fins: controlo e previsão dos fenómenos naturais e humanos, como acontece

com as ciências e a técnica; conforto espiritual, identidade moral e deleite do coração,

como acontece com a política, a religião e a arte.

Aliás, o conhecimento é uma necessidade vital na medida em que permite o

domínio da natureza para a solução dos problemas do homem, tais como: alimentação,

vestuário, comunicação, sentido de vida, razão da existência, etc. Tanto é assim que

alguns filósofos como Martin Heidegger defendem que a tarefa central da filosofia é a

busca do conhecimento; a filosofia neste sentido é uma analítica do ser e busca da sua

verdade, enquanto natureza e enquanto humanidade.

É para responder a este anseio pela verdade das coisas e do homem que surgem

entre outros sistemas, o racionalismo e o empirismo. Para os primeiros, a verdade é o

valor absoluto de uma ideia. É uma relação perfeitamente inteligível e perfeitamente

demonstrada. Donde, a verdade está acima da experiência sensível e do conhecimento

sensitivo. Enquanto para os segundos, a verdade é a experiência mesma, o concreto e o

mundo das percepções sensoriais.

4.1. Racionalismo (idealismo)

34

Para o racionalismo, a actividade do espírito (mente) manifesta-se em toda a

extensão da consciência e esgota todo o processo de conhecimento. São as leis do

pensamento que formam a estrutura apriori que tornam possível a própria experiência.

A razão é que impõe os princípios directores do conhecimento humano. É ela que impõe

aos dados da experiência a sua legislação apriori. Ela é inata a si mesma. E por isso não

precisa de impactos externos para conhecer. Da experiência não pode advir a verdade,

posto que o conhecimento verdadeiro só pode vir de proposições universais e

necessários, já que só o que logicamente for necessário e universalmente válido merece

o nome de verdadeiro. O transitório, o provável, o contingente, é relativo e por isso sem

direito ao estatuto de verdade.

A verdade exige sê-lo sempre e em qualquer circunstância. Precisa de ser

absoluta e necessária. Algo ou é ou não é. Não pode sê-lo hoje e a manhã não sê-lo. Não

pode ser verdade para mim e mentira para outro. A verdade é por isso apanágio das

ideias sempiternas e imutáveis e não do dado sensível.

Porém, hoje em dia, existe uma forma de racionalismo que coloca a verdade do

lado da subjectividade, não entendido como ideias puras e incorpóreas, mas apenas

como assunção do ponto de vista do sujeito pensante. Parte-se do princípio de que sendo

impossível conhecer a coisa em si mesma, o mundo como é na sua essência, devemos

nos contentar com a forma como ele se nos apresenta a nós. Nesta óptica, o

conhecimento é sempre uma perspectiva do sujeito que conhece. Por isso a verdade

deve surgir do consenso dos vários sujeitos pensantes, deve ser um consenso

intersubjectivo entre sujeitos pensantes, entre homens e mulheres.

Este ponto de vista é deveras importante quando se trata de questões políticas,

religiosas e morais. Uma vez que é impossível saber, em última análise quais são os

sistemas políticos, religiosos, morais, mais verdadeiros, teremos que nos contentar com

as opiniões dominantes e correntes em cada época. Há, por isso, que sermos tolerantes,

respeitosos e não presumir que as nossas ideias tem o monopólio da verdade. O

perspectivismo, também chamado relativismo, defende que a verdade é tão vasta que se

manifesta para os vários sujeitos pensantes de formas diferenciadas. Por isso há que

buscar consensos, há que ouvir as pessoas, há que aprender a conviver com perspectivas

diferentes de vida, tanto do ponto de vista moral, como político e religioso. Tanto é

assim, que na política se adopta a democracia, o triunfo das maiorias desde que se

garanta o respeito pelas minorias, como a norma suprema da verdade. Ou seja, melhor

sistema político, melhores instituições, melhores governantes são aqueles que colhem

mais simpatia do povo, são aqueles que conseguem atrair mais simpatias. Nas ciências

sociais se adoptam os métodos quantitativos, as estatísticas, para mostrar preferências,

anseios, desejos que depois são apresentados como verdades. Na religião e na moral se

consagram leis públicas que devem ser respeitadas por todos, ao mesmo tempo que se

respeitam as consciências individuais como únicas legisladoras de verdade para cada

sujeito pensante e de boa fé.

4.2. Empirismo (realismo)

35

Realismo é como se depreende da própria palavra, a perspectiva que defende a

realidade, o dado empírico. Parte do princípio de que o real, o objecto, o dado empírico,

existe independentemente da mente do sujeito cognoscente. Para o empirismo, o objecto

não é mera produção do sujeito pensante. Conhecer aqui, é, como diziam os clássicos, a

adequação do intelecto na coisa; é a assimilação da mente ao ente. Conhecer é

apreender o objecto tal como ele é, sem mais. Portanto, há conhecimento verdadeiro

quando se dá esta adequação entre a mente e a coisa.

O realismo coincide totalmente com o empirismo e defende a possibilidade de

conhecer o mundo exterior, visto como independente do sujeito que o conhece. Noutro

sentido, é a crença na existência dos conceitos universais.

Aqui, só nos interessa o primeiro sentido do empirismo. O que se refere a

afirmação da possibilidade do conhecimento do mundo exterior, da sua independência

em relação ao sujeito cognoscente e do primado do objecto cognoscido em relação ao

sujeito cognoscente.

Nesta teoria, há verdadeiro conhecimento quando há concordância do

pensamento com o objecto. Todo o pensamento se refere a um objecto (real, imaginário,

ideal). A verdade é por isso, adequação entre o pensamento e a coisa. A verdade de uma

proposição ou juízo consiste na sua coincidência com a realidade. Uma opinião é

verdadeira quando lhe corresponde um facto ou factos. A verdade é, por isso mesmo,

uma propriedade das proposições, princípios e opiniões. E tais qualidades não são

intrínsecas a estes. O que importa é a relação entre eles e algo distinto, exterior que se

chama realidade.

4. 3. Cepticismo e Dogmatismo

36

Face a esta discordância entre os filósofos, já que uns dizem que o verdadeiro

conhecimento vem da experiência, ao passo que outros defendem que é produto da

mente humana. E dado também que mesmo os que defendem o empirismo divergem

muito entre si, acontecendo o mesmo com os racionalistas, é natural que alguns

filósofos duvidem e acabem por negar a possibilidade de conhecer ou decidir o que é

verdadeiro e o que não é? A esta atitude de dúvida radical sobre a possibilidade do

conhecimento ou negação, pura e simplesmente, da capacidade de o homem poder

conhecer com segurança seja o que for, chama-se Cepticismo.

Ao contrário dos cépticos estão os dogmáticos que acreditam em tudo quanto se

lhes diz. Para estes toda a crítica ou discussão não deve existir, os homens tem de

aceitar humildemente o que os sábios, os chefes, os mais velhos, e todo o tipo de

autoridade, sem nenhum tipo de contestação ou dúvidas. É por isso que o dogmatismo

muitas vezes está associada a religião, a superstição e a ditadura. A religião manifesta-

se nos dogmas e ditados das autoridades religiosas que devem ser acatados pura e

simplesmente, enquanto que na política seriam as autoridades públicas que se

encarregam de mandar e desmandar sem aceitar qualquer discussão ou diálogo. Mesmo

na escola pode existir um certo dogmatismo quando os professores não aceitam a

contribuição dos alunos, as suas dúvidas ou mesmo contestação. O dogmatismo é a

rainha dos ignorantes.

5. Como é que surge o conhecimento no ser humano?

Esta questão surge da verificação de que só o Homem é capaz de conhecer de

uma forma racional e sistemática. Na verdade, os outros seres, incluindo os outros seres

vivos distintos do homem, mesmo os mais evoluídos como os Chipanzés, estão

destituídos da capacidade de conhecer. Como é que surgem então, as estruturas

cognitivas no Homem? Como é que só o cérebro humano é capaz de produzir uma

mente capaz de conhecimento?

A

e

d

A

q

c

c

c

a

O

p

q

d

E

n

d

a

5.1. Origem Filogenética do Sujeito Cognoscente Humano

37

Filogénese é a história da origem das espécies biológicas; é o estudo do processo

volutivo das estruturas biológicas de adaptação ao Meio Ambiente até ao aparecimento

a actividade psíquica do homem actual.

origem filogenética do sujeito cognoscente torna-se importante se tivermos em conta

ue a mente é produto do cérebro. A questão é mostrar como dos seres mais simples,

omo os átomos, se evoluiu até a formação de estruturas tão complexas como o cérebro

apaz de produzir a mente. Esta questão torna-se ainda mais interessante se tivermos em

onta que muitos outros seres contemporâneos do homem, habitando mo mesmo meio

mbiente são incapazes de produzir conhecimentos.

ra, se é verdade que esses seres tiveram a mesma origem que o homem, como foi

ossível o desenvolvimento de estruturas cognitivas no homem e só nele? Isto significa

ue o problema da origem filogenética do sujeito cognoscente humano é uma tentativa

e encontrar o processo de origem das estruturas cognitivas do Homem Contemporâneo.

, dado que a estrutura cognitiva do homem está associada ao cérebro e ao sistema

ervoso central, é natural que a filogenia gravite em volta do cérebro. E para

escortinarmos os momentos cruciais da evolução da actividade cerebral, focalizaremos

nossa atenção para a sua manifestação exterior, a saber:

1. Uso e fabrico de utensíios (ferramentas) – homo habilis. Quer isto dizer que o uso e

fabrico de ferramentas representa uma fase importante da humanização já que

pressupõe uma mediação, uma diferenciação clara entre o sujeito humano e a

natureza.

2. Posição erecta e libertação das mãos. A aquisição da verticalidade e a consequente

transformação das mãos em instrumentos de acção sobre a natureza bem como a

destreza nos movimentos resultantes da posição erecta, teve uma influência radical

na relação entre o homem e o seu meio ambiente.

3. Produção e conservação do fogo. A partir do momento em que o homem

domestica o fogo e passa a usar em seu favor, tanto para se proteger como para

queimar e assar, o homem deu um passo decisivo na sua vida.

4. Uso da linguagem articulada e comunicação simbólica. O uso da linguagem é

outro aspecto crucial na humanização, pelo alcance que teve o poder se comunicar

com os outros e permitir uma maior conjugação de esforços.

É claro que todas estas fases foram acompanhadas por um desenvolvimento progressivo

tanto do cérebro como de todo o sistema nervoso central que foi capaz de acomodar e

assimilar todas estas transformações.

5.2. Origem ontogenética do conhecimento humano

38

Dado que a filogénese apenas nos mostra as várias fases que conduziram ao surgimento

dum cérebro capaz de produzir uma mente conhecente, é preciso acrescentar a

ontogénese que é o processo de desenvolvimento de cada indivíduo actual, desde o seu

nascimento até a sua morte. Tal como a espécie humana de que é parte, que precisou de

muitos anos para evoluir até atingir as formas de racionalidade que apresenta hoje, cada

indivíduo particular, durante o seu desenvolvimento, quase que repete as principais

modificações que a sua espécie sofreu. Assim, em cada homem a inteligência progride,

adapta-se transformando as estruturas já existentes em função das variações do Meio,

acomodando-se. Integra factos novos nas estruturas cognitivas pré-existentes,

assimilando-os. Resultando daí um equilíbrio dinâmico entre o sujeito e o meio

ambiente. E tal como na filogénese, este processo interno corresponde também a

adaptação do seu organismo e cérebro as novas realidades e, sobretudo, a lenta

aquisição da posição erecta, o uso e fabrico de utensílios, a descoberta e uso da

linguagem, etc. Trata-se de um processo lento que pressupõe uma aprendizagem

laboriosa e empenho pessoal. O que significa que se bem que o homem ou mulher nasce

já com uma certa disposição para o conhecimento, essa disposição só se torna efectiva,

mediante um esforço árduo e persistente. Portanto, a razão no homem é uma

potencialidade diferenciada em indivíduos também distintos, na medida em que alguns

têm maiores possibilidades que outros, mas essa diferenciação vai se agravando com o

crescimento, já que alguns se cultivam e se exercitam mais que outros. Também é

verdade que essa diferenciação, muitas das vezes, não é no sentido de que uns tenham

mais de que outros, mas sim de que uns tem maiores possibilidades para adquirirem

certas habilidades e conhecimentos que outros.

É nesta óptica que podemos falar de diferenças de inteligência ou de vários tipos de

inteligências. Exemplo: inteligência prática, teórica; imaginativa; mimética, etc.

Tal como acabamos de

exemplo, falar do conhe

observação simples da re

Deste tipo de conhecim

podemos falar de conhec

realidade através da sua

de apreensão da realidad

científico.

O conhecimento científic

experiência e que só ace

justificação lógico-racion

É por isso que para Kan

não se esgota nele. Di

ultrapassa o âmbito estr

racionalidade pura. Des

6. Conhecimento Científico

dizer, o conhecimento pode ter várias matizes. Podemos por

cimento do senso comum aquele que se obtém mediante uma

alidade, sem recorrer à metodologias complicadas ou rigorosas.

ento fazem jus as máximas e adágios populares. Também

imento referindo-nos as habilidades dos artistas para reportar a

imaginação poética e como estes existem muitas outras formas

e. De todas estas formas, lugar de destaque tem o conhecimento

o é, antes de mais, um método que prima pelo rigor baseado na

ita como válido o que for submetido ao acervo da crítica e da

al.

6.1. Conhecimento Científico segundo Kant

39

t embora o conhecimento científico esteja ligado a experiência

z o autor que pelas suas generalizações este conhecimento

ito da experiência e incorpora aspectos próprios do intelecto e

te modo, para este autor, o conhecimento científico é uma

40

síntese entre o empirismo e o racionalismo à semelhança do dizem os intelectualista.

Oiçamos o próprio Kant:

Não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência.

Com efeito, como poderia ser despertada para o seu exercício a capacidade de conhecer se não fosse

pelos objectos que impressionam os nossos sentidos e que, por um lado, produzem representações por si

mesmos, e, por outro lado, põem em funcionamento a nossa faculdade intelectiva a fim de que compare,

ligue ou separe estas representações, e elabore assim a matéria bruta das impressões sensíveis para

delas extrair um conhecimento dos objectos, a que se chama experiência? Deste modo,

cronologicamente, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todos os

conhecimentos principiam.

Mas se todo o nosso conhecimento principia com a experiência, daí não resulta que proceda todo da

experiência. A experiência ensina-nos que alguma coisa é desta ou daquela maneira, mas não que ela

não possa ser de outro modo. Se, pois, primeiro, se encontra uma proposição cujo pensamento implique

a necessidade, tem-se um juízo a prior; se essa proposição não é, por outro lado, derivada de nenhuma

outra que valha ela própria por seu turno como proposição necessária, ela é absolutamente a prior. Em

segundo lugar, a experiência nunca dá aos seus juízos uma verdadeira e estrita universalidade, mas

apenas uma universalidade suposta e comparativa (por indução) que não tem outro sentido senão este:

tanto quanto observámos até aqui, nunca se encontrou excepção para esta ou para aquela regra. Por

conseguinte, um juízo pensado com uma estrita universalidade, quer dizer, de tal modo que nenhuma

excepção é admitida como possível, não deriva da experiência, mas é válida absolutamente a priori. A

universalidade empírica não é, portanto, senão uma acréscimo arbitrário de validade; faz-se de uma

regra válida na maior parte dos casos, como por exemplo, na proposição: todos os corpos têm peso, uma

lei que vale para todos. Quando, pelo contrário, um juízo possui essencialmente uma estrita

universalidade, nisso se conhece que provém de uma fonte particular do conhecimento, a saber de uma

faculdade de conhecimento a prior. Necessidade e estrita universalidade, são, pois, as marcas seguras de

um conhecimento a prior e estão indissoluvelmente unidas uma à outra.

Kant, Crítica da Razão Pura, Introdução, 2ª edição, I-II, B 1-6, pp. 31-34, Paris, P.U.F.

Assim, a teoria de Kant enquanto uma tentativa de síntese entre o empirismo e o

racionalismo mais se assemelha ao intelectualismo. Pois, para ele, o conhecimento é o

produto duma síntese entre as formas ou estruturas do Entendimento (Pensamento) e a

matéria (objectos sensíveis), fornecidos pelos sentidos. Há conhecimento quando a

matéria sensível é apreendida pela razão que a organiza e estrutura.

Com efeito, a consciência nunca atinge a matéria tal como ela é. É sempre uma

matéria ordenada ou seja organizada, estruturada, pela razão que o homem ou mulher

atinge. Ninguém conhece a matéria em si, nem tão pouco nenhuma ideia é uma ideia

pura, destituída de forma sensível. O que se conhece não é nunca a matéria em si, é, por

exemplo, a matéria em forma de barro, de areia, de pessoa, de papel, de parede, de água,

de ar, etc. O mesmo se diga do que consideramos imaterial, seja Deus ou espíritos,

sempre se apresentam a nossa razão com forma de homem, de animal, de árvore, ou

qualquer outra forma e nunca na mais pura idealidade.

Por isso, na óptica de Kant, o verdadeiro conhecimento, o conhecimento

científico será sempre a partir da experiência e sujeito as categorias da nossa razão,

comandadas pelas categorias do espaço e do tempo. Não acede a nossa sensibilidade

algo trans-temporal e trans-espacial. É na relatividade do espaço e do tempo que nós

conhecemos. Só conhecemos, por conseguinte, o relativo, o contingente, o finito. O

absoluto, o intemporal, é, por conseguinte, problemático e inacessível à mente humana.

Assim, para Kant só é possível conhecer verdadeiramente o que está sujeito ao

espaço e ao tempo e a partir da experiência. Mas dado a natureza racional do homem

que o projecta para o intemporal, o universal e trans-espacial, o homem postula Deus,

postula a transcendência, o pós-morte, o além tempo e para lá do espaço, embora se

trate de algo que escapa a sua mente e está para além do verdadeiro e do falso. É a

condição mesmo do conhecimento e do homem e da mulher.

Concluindo, as formas apriori do entendimento, da razão (as intuições do espaço

e do tempo – não sujeitos à experiência, os princípios imutáveis, universais e

necessários da causalidade, da identidade, finalidade, substância, também não sujeitos à

experiência) precisam para produzir conhecimentos do concurso dos dados aposteriori

da experiência sensível.

Para haver conhecimento é tão necessário a matéria dada pela experiência como a

forma, anterior a qualquer experiência sensível. A sensibilidade fornece as intuições e

do entendimento nascem os conceitos. Sem a sensibilidade nenhum objecto nos seria

dado e sem entendimento nenhum objecto seria pensado. Os pensamentos sem

conteúdos são vazio e as intuições sem razão são cegas.

Não obstante esta síntese rigorosa de Kant, existem outros autores mais contemporâneos

que se debruçam sob o conhecimento científico, dentre os quais se destaca Karl Popper

e Thomas Kunh.

6.2. Karl Popper e o Método Científico

41

Para Popper só é cientificamente válido o que for facilmente testável e falseável. Isto é,

42

o conhecimento científico é tal que qualquer indivíduo pode testá-lo e entendê-lo, já que

não depende do arbítrio sensual de ninguém. Por isso o conhecimento científico visa

eventos regulares e repetíveis que podem ser traduzidos em leis e regras com o fim de

fazer previsões e predições sobre o futuro, controlo, produção e técnica. Mas nada

melhor que ouvir o próprio Popper que cita Kant:

Kant foi talvez o primeiro a compreender que a objectividade dos enunciados científicos

se liga de perto com a construção das teorias – com o uso de hipóteses e de enunciados

universais. Somente quando certos eventos ocorrem em concordância com regras ou

regularidades, como no caso dos experimentos repetíveis, é que alguém pode, em

princípio, testar nossas observações. Nem mesmo levamos nossas próprias observações

muito a sério ou aceitamo-las como observações científicas, até que as tenhamos

repetido ou testado. É somente através de tais repetições que nos podemos convencer de

que não estamos tratando de uma simples “coincidência” isolada, mas de eventos que,

devido a sua regularidade e reprodutividade, são em princípio testáveis

intersubjetivamente. Todo físico experimental conhece esses surpreendentes e inexplicáveis “efeitos”

aparentes que talvez podem ser até mesmo reproduzidos em seu laboratório durante

algum tempo, mas que finalmente desaparecem sem deixar vestígios. De fato, pode-se

definir o efeito físico cientificamente singnificativo como sendo aquele efeito que

qualquer pessoa pode regularmente reproduzir, desde que leva a cabo o experimento

apropriado da maneira prescrita.

A ciência só trabalha com factos passíveis de observação, de experimentação, por

vários indivíduos, em oposição as especulações, suposições, dogmas, que não provém

da experiência, nem aceitam a crítica. Assim, experiências ou percepções privadas ou

pessoais não podem ser matéria para ciência. Para ser comprovado cientificamente é

mister que os enunciados sejam publicamente observáveis. Isto é, é preciso que a

experiência ou percepção permita que um público maior possa ter acesso a ela, que os

passos seguidos sejam claros e que todo aquele que quiser seguir os mesmos passos

tenha os mesmos resultados. Por isso o teste está intimamente ligado a falsificabilidade.

Ou seja, um enunciado, um evento candidato a ser considerado científico ao ser testado

abre a possibilidade, com o aperfeiçoamento dos instrumentos de observação, por

exemplo, de vir a se mostrar falso. Por exemplo, o enunciado que diz que todos os

metais conduzem energia, só é válido enquanto não for descoberto um metal que não

satisfaz esta condição de conduzir energia.

Quer dizer isto que para Popper as verdades científicas são sempre provisórias e devem

estar permanentemente sujeitas a revisão. Donde, a ciência não oferece verdades

absolutas, apenas resultados cada vez mais testados e daí maior fiabilidade. Não é

possível um enunciado ou uma teoria verdadeira de forma terminal e concludente. O

que é próprio da ciência é a mudança, na medida em que novos progressos podem trazer

novos resultados. As verdade científicas estão sempre em constante progresso e avanço,

visto que novas experiências trazem sempre novos e mais interessantes resultados.

6.3. Thomas Kunh e o conhecimento Científico

43

Para Thomas Kuhn a ciência não se desenvolve por acumulação de descobertas e

invenções individuais, nem tão pouco a diferença entre ciência e mito é tão grande

como isso. Portanto, o progresso científico não é cumulativo. Nem a ciência é um

conhecimento exacto, em oposição ao conhecimento mítico, como queriam os

empiristas. O que determina o tipo de conhecimento científico que se usa é o paradigma,

o modelo seguido na época, já que existem vários paradigmas que se revezam ao longo

da história.

O paradigma é um corpo implícito de crenças metodológicas e teóricas, que

permitam a selecção, avaliação e crítica. Para servir este paradigma, é criado um

conjunto de publicações especializadas, são fundadas sociedades e empenham-se

homens e mulheres. É este esforço que redunda no desaparecimento dos outros

paradigmas, conversão dos cientistas renitentes e afirmação definitiva de um único

paradigma.

Assim, os cientistas longe de serem inventores e criadores, são pessoas especializadas e

muito familariazadas com um conjunto de crenças, métodos, instrumentos e formas de

actuação que partilham entre si, formando uma verdadeira escola de trabalho. Assim,

podemos dizer que um paradigma é um padrão ou modelo aceites.

Este paradigma para se afirmar precisa de se confrontar e lutar com outros modelos

iguais que disputam o mesmo espaço, porquanto no princípio, apresenta-se apenas como

uma mera promessa de sucesso.

Há prática normal da ciência ou ciência normal quando essa promessa se torna

realidade, isto é, quando através de um trabalho de limpeza que parece ser uma tentativa

de forçar a natureza a encaixar-se dentro dos limites preestabelecidos e relativamente

inflexíveis fornecidos pelo paradigma, este triunfa e se afirma.

Assim, é o tal paradigam que determina o que é que merece ser considerado um

problema científico, que tipo de experiências e observações são válidas, que tipo de

teorias são capazes de fazer previsões válidas.

A importância da ciência normal não consiste em descobrir novidades substantivas de

importância capital, mas sim porque os resultados obtidos contribuem para aumentar o

alcance e a precisão com os quais o paradigma pode ser aplicado.

6.3.1. Característica da ciência normal

a) Testar a engenhosidade dos especialistas na solução dos problemas previstos

pelo paradigma;

b) Delimitação de enunciados de leis, conceitos e teorias com estatuto de

científicos;

c) Compreensão do mundo e ampliação da precisão e da ordem que lhe foi imposta

6.3.2. Conclusão

44

A posse de um paradigma proporciona ao praticante de uma especialidade amadurecida

regras que lhe revelam a natureza do mundo e da sua ciência. O cientista modelo é

alguém equipado para solucionar problemas concretos. A formação dos cientistas faz-se

através de manuais e treinos contínuos. A mudança de paradigma surge quando o

paradigma anterior se mostra inapto e incapaz de resolver certos problemas. Esta

incapacidade provoca uma crise entre os praticantes da ciência e o surgimento de uma

luta e competição entre candidatos à paradigma até surgir, de novo, o paradigma

vencedor e o reinicio da ciência normal.

Desta maneira, fala-se de revoluções científicas para denominar os momentos de

mudança de um paradigma para outro. Essa revoluções são mais próximas das

revoluções políticas em que todo o vocabulário e métodos de trabalho são abruptamente

modificados. Fala-se também de incomensurabilidade de paradigmas na medida em que

estes diferem entre si e usam métodos que não tem nada a ver com os outros.

Numa palavra, o paradigma é um veículo para a teoria cientifica: nessa situação o

paradigma informa sobre as entidades que a natureza contém ou não contém, bem como

as maneiras segundo as quais essas entidades se comportam. Quando os paradigmas

mudam, ocorrem alterações significativas nos critérios que determinam a legitimidade,

45

tanto dos problemas como das soluções propostas. Um paradigma organiza e olha para o

mundo à sua maneira. O paradigma nunca diz como o mundo é, apenas como alguém ou

um grupo de indivíduos vem o mundo. O paradigma reporta sempre uma perspectiva de

olhar e de lidar com o mundo, mas não revela nem pode revelar o que o mundo seja na

sua essência, que isso não está nunca ao alcance do homem.

Capítulo Terceiro: A pessoa humana

46

De certeza que

Mas afirmar,

razão é, hoje, reco

destino da pessoa h

Essa afirmaçã

aparentemente irre

Por um lado,

instintos, que no-l

lado, ele é também

inimigo, do animal

E tudo isso ac

Mas as filosof

ser relacional: o h

mundo, para se rea

Está-se, portan

eu ou como uma p

por isso, digna de

existe inserida num

tem de interagir, em

Longe de ser

material, numa com

Assim, o Hom

cima de tudo, ser f

enquanto canais q

historicidade e se

homem ou mulher.

Mas o tema d

do fracasso e da fru

Daí que a tem

particular, e de tod

1. Introdução: Dimensões e paradoxos

47

já ouviste definir que o Homem é um animal racional.

pura e simplesmente, que o Homem é um ser orgânico dotado de

nhecidamente insuficiente, e está longe de nos revelar a natureza e o

umana.

o leva-nos a considerar o Homem em duas dimensões distintas e

conciliáveis.

o Homem é um ser corporal, com impulsos, para não dizermos

o apresentam como um animal entre vários outros. Mas, por outro

um ser dotado de razão, um ser espiritual, distinto, senão mesmo

, ao qual está ligado, e com o qual está condenado a coexistir.

aba por nos levar a uma visão dualista do ser humano.

ias de cariz existencialista e personalista definem o Homem como um

omem, ou a mulher, é um eu, que existe junto com os outros, no

lizar, ou seja, para ser feliz.

to, a ver, que, por um lado, o homem, ou a mulher, existe como um

essoa singular, única, irrepetível na sua individualidade e diferença, e,

ser respeitada e estimada como tal; mas, por outro lado, essa pessoa

a comunidade concreta de outros seres humanos iguais, com os quais

relações, tanto de cooperação, como de conflitualidade.

um espírito descarnado e isolado, o Homem existe num corpo

unidade histórica, e também em toda a comunidade humana.

em sente que tem uma vocação a cumprir: a missão de, antes e por

eliz e ajudar os outros a sê-lo também. Daí que a palavra e a verdade,

ue o ligam aos outros e a si mesmo, bem como os valores e a

ntido da existência constituam os pilares fundamentais de se ser

a realização e do sentido convocam-nos, de imediato, para a questão

stração, que atinge o seu ponto mais dramático na morte.

ática da esperança e do futuro de cada homem ou de cada mulher, em

os os homens e mulheres, em geral, bem como do mundo, em que

habitamos, se apresente indissociável da vocação do homem e da mulher, enquanto

homem e mulher.

Por isso, a primeira pergunta, que cada um de nós se fará a si mesmo, de certeza

que será esta:

Antes, porém, de continua

quem sou eu em vez de pergu

quem remete-nos para alguém,

remete para as coisas. Temo

diferentes uma da outra. A prim

? A segunda é esta: quis est Ho

Repara que nós podemos

poderíamos perguntar quem é

homem, mas não poderíamos p

Na verdade, o problema a

de sabermos se o homem é u

mundo, no qual, por acaso, ex

uma pessoa em comunhão c

comunhão, é que vai descobrin

questão, assim teremos uma A

Uma Antropologia polari

suficiente, de uma consciênc

primeiro lugar, para o conhe

mediante a ciência e a técnica,

as dimensões pessoais, ética

homem se reconhecer no rosto

e, por causa disso mesmo, o

nome nem dignidade.

Ao contrário, uma Antrop

homem com o outro homem,

2. Quem sou eu?

48

rmos, precisas de recordar que esta maneira de perguntar:

ntar que sou eu, não é indiferente. O pronome relativo

para as pessoas. Enquanto o pronome relativo que nos

s duas perguntas igualmente importantes, mas muito

eira é esta: quid est Homo - que é o Homem, que sou eu

mo, quem é o Homem, quem sou eu?

perguntar quem é Deus, quem é o homem, mas já não

o leão. E podemos perguntar que é o leão, que é o

erguntar que é Deus.

ntropológico, por excelência, que hoje se nos coloca, é o

m ser (individual) orientado, em primeiro lugar, para o

istem outros homens, ou se, pelo contrário, o homem é

om outras pessoas, no mundo, e que, mediante essa

do o mundo circundante. Conforme for a resposta a esta

ntropologia ou outra.

zada em torno de uma consciência individual e auto-

ia que pretenda bastar-se a si mesma, orientada, em

cimento objectivo e o domínio do mundo material,

corre o risco constante de já não poder mais reconhecer

s e religiosas do homem. É que, assim, antes de um

do outro homem seu igual, choca com o mundo material,

outro não passará de mais uma dessas realidades, sem

ologia que atribua a primazia à comunhão imediata do

no mundo, rechaça a auto-suficiência do eu e sente-se

totalmente polarizada para a responsabilidade de cada homem frente ao outro, e pela

necessidade de se realizar só em comunhão com ele. Aqui, o conhecimento e domínio

do mundo e das coisas está submetido ao reconhecimento do homem por parte do

homem. O encontro com o outro constitui um dinamismo concreto, que abre o homem à

transcendência e à esperança religiosa.

No mundo actual, estão, pois, em competição essas duas formas de responder à

questão «quem sou eu?».

Convém, pois, que demos, aqui, um pequeno enquadramento histórico da questão.

Poderemos, assim, apreciar melhor a beleza e grandeza da Segunda resposta, que é a

resposta que, para todos os efeitos, se mostra mais acertada, e é hoje mais seguida, no

universo dos filósofos.

2.1. A definição do ser humano a partir da consciência do eu

Dizer, como hoje dizemos, que o homem ou mulher é um ser relacional constitui

uma autêntica conquista da humanidade. Mas tal conquista levou tempo a alcançar..

Descartes, um dos filósofos que marcaram a passagem da filosofia medieval para o

pensamento moderno, definia o homem pela consciência que tem de si. E,

correlativamente, via o homem ou mulher como solitários, fechados em si mesmos e

isolados dos outros.

É a isso que nós chamamos consciência do eu ou egologia (ego + lógos, loghía =

eu + discurso, tratado do eu, discurso centrado no eu ).

Não quer dizer que se negasse a coexistência do homem ou mulher com outros. O

que se quer dizer é que essa coexistência não se considerava fundamental, para a

realidade e realização humana.

Essa forma de considerar e definir o homem acabava por orientá-lo para o domínio

despótico do mundo e dos outros, como sentenciou Hobbes, quando afirmou que cada

homem é lobo para o outro homem (homo homini lupus)

2.1.1 A dupla face do eu

49

Essa Antropologia de um eu solitário (egologia) teve duas expressões:

- Uma, seguiu a linha racionalista e idealista, que absolutiza a importância da

consciência individual, que pensa o mundo, e minimiza a densidade do mundo

material e o valor do corpo.

- outra, seguiu a linha empirista, que absolutiza a importância do mundo material

e do corpo, e minimiza a densidade e a consistência da consciência.

Na primeira expressão, perfilaram-se, como já dissemos, filósofos como Descartes.

Para ele, está em primeiro lugar a consciência egológica, que pensa o mundo:

“penso, logo existo (cogito, ergo sum)”.

Assim, a verdade fundamental do homem está na pessoa individual, enquanto

reflectindo sobre si mesma. No acto de pensar é que a existência do eu se impõe, com

certeza indiscutível. Com efeito, pensar sobre si mesmo é o que significa, do ponto de

vista etimológico, a palavra consciência (com + ciência).

A lógica desta perspectiva é simples e clara: a ciência, enquanto mero conhecer,

têm-na também os animais. Na medida em que conhecem os seus parceiros e crias, e

distinguem o comestível do não comestível, e reconhecem os seus donos, etc. Mas a si

mesmos é que eles não se podem reconhecer. O burro não sabe que é burro. Só o

Homem é que tem a capacidade de captar-se a si mesmo como Homem. Portanto, só o

homem, ou a mulher, tem consciência, que é essa capacidade de se conhecer a si

mesmo, como um ente vivente e racional, de se pensar a si mesmo como um ser

pensante.

O Homem, com essa característica fundamental de se pensar a si mesmo, antes de

tudo o mais, só indirecta e posteriormente é que poderá aceder ao conhecimento do

outro, por analogia, ou seja, por semelhança.

É claro que essa anterioridade não é necessariamente cronológica, temporal.

Segundo esta maneira de ver, o Homem, primeiro, capta-se a si mesmo,

isoladamente, como ser pensante; e, só depois, é que capta a sua exterioridade corporal:

palavras, sons, gestos, etc. E só posteriormente é que ele se dá conta de que, entre as

coisas que descobre e conhece fora do seu pensamento e do seu corpo, existem algumas

expressões análogas àquelas com que ele exprime a sua interioridade. E daí ele conclui

que essas expressões só podem ser causadas por um sujeito igual a ele. E esse sujeito é

o outro.

2.1.2 A insuficiência do eu para definir o ser humano

50

Tu próprio já deves ter percebido que, nesta dinâmica de pensar o eu, o outro perde

muito da importância, que lhe é devida. Já que só indirecta e posteriormente é que ele é

captado.

E há ainda um outro perigo muito maior: ao captar o outro, por semelhança comigo,

é muito grande a minha tendência de reduzir todos os outros à minha pessoa.

Historicamente, essa tendência reducionista, que quer medir o outro através do próprio

eu, acabou por traduzir-se no domínio e desprezo do outro. Este só podia ser

verdadeiramente humano, se pensasse e agisse como eu e conforme os meus gostos e

apetites. Nesta perspectiva, a diferença é vista como inferioridade, senão mesmo como

provocação.

Além do mais, ao reduzirem o outro à categoria de coisa e ao quererem assimilá-lo,

à força, geraram o totalitarismo e colectivismo igualitário, responsável pela colonização,

totalitarismo e aniquilamento do diferente.

Na mesma linha do eu solitário, o empirismo privou o eu da sua autonomia, em

relação ao corpo material, submetendo-o aos próprios instintos e apetites, e tornando

problemática a sua dissemelhança com os outros animais, reduzido que ele fica à

equação dos seus sentidos.

Trata-se, portanto, de um eu sem alma, já que a própria vida psíquica tem de ser

vista no mesmo nível da realidade material.

Nesta perspectiva, o homem, ou mulher, é convidado a responder positivamente a

todas as exigências dos seus instintos carnais.

A degradação dos homens e mulheres, que capitularam, perante os apetites do

corpo, transformando seus corpos em arcas de todos os vícios, é por demais elucidativa.

Dispensa mais análise.

Assim sendo, só nos resta a outra perspectiva, a que parece mais correcta, e é, por

isso, muito seguida, hoje em dia.

A. Muito antes de conhecer

mundo, a primeira realidade

Esta é, para Martin Buber e

tais quais existem e são conh

3. O homem relacional

3.1. O tu antes do eu

51

em seja o que for, homem e mulher, quando chegam ao

com que imediatamente contactam, é um tu: a mãe.

para Emanuel Levinas, a verdade do homem e da mulher,

ecidos.

Segundo M. Buber, antes de toda e qualquer relação com o mundo, e

independentemente dele, cada eu tem uma relação com um tu. Sendo que esse outro (o

tu) se apresenta de forma imediata, sem conceitos nem fantasias. Esta relação primordial

não admite, por isso, nem intermediários nem analogias. Mais, trata-se de um tu, que, de

forma alguma, está submetido a um eu ou dependente dele. Logo, o domínio do eu

sobre o tu é, na origem, desconhecido, tal como o domínio do tu sobre o eu.

O encontro do eu e do tu primordiais está longe de ser conflituoso. É, antes, um

encontro de amor. E, longe de implicar conhecimento, o primeiro encontro entre o eu e

o tu, impõe-se e estabelece uma relação de parentesco, feita de dor, nudez e fragilidade..

Mas é E. Levinas que, de forma mais vincada, mostra a prioridade do outro, na sua

fragilidade perante o eu.

Para este filósofo, é na nudez do rosto que o outro se revela, se manifesta. O outro exige

ser reconhecido no mundo, pelo facto de ser, constitutivamente, um ser indigente. O

outro está aí diante de ti, não porque tu o pensaste, nem porque tu formulaste alguma

teoria que prova a existência dele, não. O outro aí está, e pronto. O outro irrompe,

assim, na existência do eu, impõe-se por si mesmo; assoma-se, com a sua própria luz, e

torna impossível qualquer tentativa de ser recusado ou rejeitado. Tu não podes senão

reconhecer a sua presença.

3.2. A revelação do outro

52

A presença do outro em mim é um facto primordial e elementar da existência.

Embora se não deixe captar ou demonstrar, impõe-se, de tal maneira, que ao filósofo só

lhe resta a tarefa de mostrá-lo e examiná-lo criticamente, fazendo ver que é impossível

negar essa mesma verdade.

De facto, o outro impõe-se, como o rosto da mãe, no momento do nascimento. Mas

também como o rosto do pai, que gerou a nova vida do filho que acaba de nascer. E

como o dos outros todos, que testemunham e tornam possível esse momento único, da

vinda de mais um ente ao meio de nós.

É possível, porém, alargar este horizonte, com Levinas, para incluir todo o homem

ou mulher, que esteja diante de mim, a exigir reconhecimento: é o pobre, é a viúva, é o

órfão, é o esfomeado, é, enfim, toda a criatura indigente, que está aí, e me pede para ser

reconhecida, e quer que eu seja alguém para ela.

É nesse sentido, também, que constituem para mim um desafio a apaixonada ou

apaixonado, o companheiro ou a companheira de trabalho, o vizinho ou a vizinha, o

companheiro de viagem, de turma, de grupo. E até mesmo o adversário e o inimigo.

Em todo o tempo e lugar, ele irrompe, de forma tão flagrante, que não necessita de

formular explicitamente a sua petição de reconhecimento. Basta a sua presença, para eu

sentir o apelo à responsabilidade. É por isso que, diante dele, eu sinto aceitação ou

repulsa, ódio ou amor, indiferença ou compromisso. Inserido na ordem das outras

pessoas, eu sinto-me capaz de fazer escolhas, de acolher, de entregar-me ou de

simplesmente recusar o outro.

Assim sendo, é dupla a certeza desse outro, que se me impõe:

- ele afecta a minha existência, como outro ser, que se me revela e se me dá a

conhecer, independentemente de mim e da minha inteligência

- e afecta também o carácter fundamentalmente ético da minha existência,

mediante o qual toda a existência se vê ligada ao reconhecimento do outro, isto

é, à aceitação do outro diferente de mim, mas que pode querer ou recusar que eu

seja alguém diante dele.

É desta forma que o outro constituirá para mim um Dom ou um pesadelo.

Semelhante e igual a mim, esse outro exige, no entanto, ser reconhecido, na sua

diferença e especificidade. Ele é outro, e recusa diluir-se em mim. Nem tão pouco aceita

ser reduzido aos meus apetites e desejos. Também ele é um ser de desejos, de projectos

e de sonhos, que podem colidir ou conectar com os meus.

Ele é ela, na sua expressão sexual irredutível e diferente de mim.

Ele é o outro, de outra etnia, religião, ou credo político, disposto a levar a sua

avante.

Ele é o companheiro, que coopera, mas, por isso mesmo, está disposto a competir

comigo.

Ele é, sobretudo, o indigente, que reclama a minha ajuda e socorro.

3.3 Ser com os demais

53

E é assim que o ser com os demais, e, sobretudo, para os demais, para os outros, se

constitui como o próprio núcleo da existência humana. Isto, não só porque é um dado

indiscutível e acima de qualquer controvérsia que existem muitos outros semelhantes,

com quem tu mesmo compartilhas o espaço terreno; mas também porque o ser com os

outros, no seu significado mais profundo e mais genuíno, significa que o homem nunca

está sozinho. A sua existência está toda ela orientada para os outros, em comunhão com

eles. O outro está de tal maneira presente na vida pessoal de cada um, que afecta todas

as dimensões pessoais. O homem não existe, coexiste com os outros. Daí que o sentido

da existência esteja ligado ao chamamento do outro, que quer ser alguém diante de ti, e

que te convida a ser alguém diante dele, no amor, e na construção de um mundo melhor.

É assim que tu mesmo não te concebes fora da tua realidade familiar, dos grupos a que

pertences, do país, onde nasceste e vives, e do mundo em geral.

Os outros importantes, que tiveram ou têm um papel fundamental na tua vida,

deixaram em ti bem entranhadas as marcas desta fraternidade universal, que envolve a

todos. Ignorá-los, ou tentar ignorá-los, é ignorar-se a si mesmo.

A nossa vida é feita em diálogo com os outros. Diálogo, que tanto pode implicar

ódio e rejeição, como amor e acolhimento. Mas mesmo o ódio e o rancor são gritos que

reclamam o amor e a partilha. Somos, irremediavelmente, parte da vida dos outros, e

eles são partes da nossa.

Que formas de relação i

Sumariamente, existem

- a indiferença

- o ódio

- a justiça

- e o amor.

É claro que a justiça e o

Nos seus antípodas enco

Tomar consciência

como centro de dignid

4. Amor e Identidade Humana

4.1. Formas de relação interpessoal

nterpessoal existem?

quatro formas de relação interpessoal:

amor constituem um par inseparável.

ntramos o ódio, como conflito e como indiferença.

4.2. O amor

54

de mim mesmo, como pessoa humana, implica constituir-me

ade, de bondade, de valor único e irrepetível da dignidade e

criatividade. Não de uma forma espontânea, mas sim através de um processo lento e

contínuo, durante toda a vida, tal como em outras dimensões da existência, como o

crescimento, a consciência da sexualidade, etc.

Mas é preciso considerar também que é através do amor e da sua linguagem que

isso acontece.

Quando uma criança é tratada como alguém, pelos pais, pelos familiares e por todas

as pessoas que a rodeiam, inicia nela este processo, que não terminará senão com a

morte. E para o homem que tiver fé, seja em Deus, seja em outros espíritos ou entidades

supra-naturais, tal pessoa continuará a ser tratada como alguém, digna de estima e

respeito, mesmo depois da morte.

Na verdade, mesmo se o amor faltasse, seria ainda pelos seus opostos, o ódio e a

indiferença, que o crescimento da criança seria norteado.

O amor, portanto, quer por sua presença, quer por sua ausência, é e será sempre

determinante, na sua vida..

Portanto, é legítimo pensarmos que o mais fundamental, na pessoa humana, nem é a

reflexão racional, nem é a contemplação da natureza infra-humana, nem é a busca dos

valores abstractos e impessoais, nem é a transformação técnica e científica do mundo,

que se consegue pelo trabalho árduo e pelo esforço. O facto mais fundamental é que

toda a pessoa humana é interpelada pela outra pessoa humana: na palavra, no trabalho,

mas sobretudo, no amor. É amando, nas palavras e nas obras, que a pessoa humana se

vai fazendo pessoa humana, perante o outro. Uma pessoa que nunca tenha

experimentado o amor seria antropologicamente um ser morto, semelhante a qualquer

besta da selva.

4.2.1. As três formas de Amor.

55

Os antigos gregos distinguiam três formas do amor: o amor erótico (éros), o amor

de simpatia ( filía, amizade) e o amor caritativo (ágape).

O amor erótico é também designado como amor concupiscente. Ou seja, aquele

amor que resulta das próprias carências afectivas do homem. O qual, tal como os

animais, precisa do outro não só para se sentir completo, como também para sobreviver,

enquanto espécie.

Aquela música, a que os jovens costumam chamar «romântica», e de que tu

provavelmente tanto gostarás (pelo menos muitos dos da tua idade ficam louquinhos por

56

ela) é deveras reveladora deste tipo de amor todo sensações: és a única da minha vida!

Tu és tudo para mim! Eu sem ti não sou nada! Se não me responderes, morrerei! É uma

forma elementar, superficial, epidérmica de amar. De certa maneira, representa um

primeiro estágio, indicador inequívoco da nossa natureza carente.

É fácil de ver como o amor, a este nível, pode desembocar na instrumentalização do

outro, visto apenas como objecto, para eu satisfazer, com ele, as minhas próprias

carências. A este nível epidérmico, tu olharás para o outro apenas em função de ti.

Este amor apenas erótico ou concupiscente é, por isso, considerado uma expressão

egoísta do amor. Se algum mérito há-de ter será apenas o de favorecer a sobrevivência

do homem como espécie.

O amor verdadeiramente dito, o autêntico amor humano, começa no segundo

estádio ou nível : o amor de simpatia ou de filía (amistoso).

O exemplo mais acabado desta forma de amar é o amor das mães, que tudo fazem

para o bem dos seus filhos.

Nesta expressão do amor, aquele que ama redobra-se em esforço, para o bem

daquele a quem ama. Por isso, se lhe chama também amor benevolente.

É o amor de quem se entrega e se dá ao outro, sem reservas, e cuja existência ganha

tanto mais sentido quanto mais servir o amado ou a amada. Este é o amor típico dos

casais, de pais e filhos, dos amigos.

E finalmente, temos o amor perfeitamente gratuito e gracioso, o amor eterno e

universal, o amor a todo o género humano, independentemente dos laços afectivos. E a

este amor perfeito chamamos-lhe caridade, ágape.

Aqui, chegámos ao perfeito altruísmo. Que consiste em centrar-se perfeitamente no

outro, fazer do outro, e não de mim, o meu centro de gravidade.

Este amor agápico é incondicional. Não depende das posses do amado, nem das

suas qualidades físicas, psíquicas ou intelectuais. Apenas se ama e se é amado, por ser

pessoa.

Este amor é ainda desinteressado, no sentido de que não busca a sua própria

vantagem, ou enriquecimento, nem outras formas de explorar o outro. Ao contrário,

promove a colaboração de ambas as partes.

E, por último, há que dizer que este amor de caridade é também fidelidade a uma

pessoa, no tempo e no espaço, embora cheio de criações e recriações.

4.3. Amor, como virtude e causa da virtude

57

Para melhor conhecimento do que é este amor, e das virtudes que suscita, oiçamos

o que dele diz Platão, o grande filósofo da Grécia antiga:

Por minha parte, afirmo-vos que, entre todos os deuses bem-aventurados, o Amor (se

é lícito dizê-lo, sem incorrer na cólera divina...) é o mais aventurado deles, porque os

excede a todos, em beleza e em virtude.

E excede-os em beleza, vejamos como: antes de mais, Fedro, é ele o mais jovem dos

deuses; uma prova convincente aí a tens na atitude do próprio deus, ao fugir a sete pés

da velhice – e se ele é veloz! Mais veloz, pelo menos, do que seria para desejar,

quando é a nós que nos atinge... Ora a velhice representa justamente aquilo que o

Amor odeia por natureza, e de que nem ao de leve se aproxima! A sua companhia são

os jovens e é sempre entre eles que se encontra, pois, como reza o velho provérbio e

com razão, o semelhante junta-se sempre ao que lhe é semelhante. Por isso, embora

em muitos aspectos concorde com Fedro, neste não posso concordar: que o Amor seja

mais antigo do que Cronos (o deus do tempo). Afirmo-vos, pelo contrário, que ele é o

mais jovem dos deuses e a sua juventude, eterna.

Mais ainda: esses velhos conflitos que Hesíodo e Parménides contam acerca dos

deuses (se é que eles não mentiam) deram-se sob o reino da Necessidade e não do

Amor. Mutilações, aprisionamentos recíprocos e quantas outras atrocidades – nada

disso teria acontecido, se o Amor estivesse entre eles! Pelo contrário, seria uma era de

amizade e de paz, à semelhança do que agora sucede, desde que o Amor reina sobre

os deuses.

O Amor é, portanto, jovem. E além de jovem, delicado.... Para nos fazer sentir a

delicadeza do deus, era mister um artista como Homero, o mesmo que qualifica de

deusa e delicada a sua Atena – ou, pelo menos, afirma a delicadeza dos seus pés –

por estes termos:

“Delicados são, de verdade os seus pés; o solo não chega sequer a pisá-lo,

pois é entre as cabeças dos que caminha”.

Ora, o exemplo de que se serve, para pôr em evidência a delicadeza da deusa, afigura-

se-me justamente feliz: o de que não caminha sobre asperezas, mas sobre o que é

macio! E do mesmo exemplo nos iremos socorrer, para realçar, com respeito ao Amor,

a sua delicadeza. É que também ele não caminha sobre o solo (nem sobre os crânios,

de resto, pouco macios...), mas, antes, se move e habita em tudo o que de mais brando

existe. Porque são, efectivamente, os temperamentos e as almas dos deuses e dos

homens que ele elege como sua morada, e, mesmo assim, não indiscriminadamente:

58

qualquer uma que se lhe depare com um temperamento rude, rejeita-a; mas àquela

que possui um temperamento maleável, essa sim, passa a habitá-la! E eis porque, ao

tocar, com os seus pés e com todo o seu ser, no que há de mais macio entre as coisas

macias, possui, por força, uma extrema delicadeza.

Ele é, pois, sumamente jovem e delicado. E, além disso, de compleição subtil... sim,

fosse ele rígido e como poderia insinuar-se em toda a parte, ou passar despercebido,

sempre que entra no íntimo de cada alma e dela se escapa depois?

Da sua maleabilidade e subtileza de forma há, de resto, um indício convincente: essa

elegância natural, que toda a gente é unânime em atribuir-lhe ao mais alto grau. O

facto é que entre disformidade e amor há uma guerra sem tréguas! Por outro lado, da

beleza da sua tez fala, por si, a vida de deus entre flores; dado que não toma por

morada o que não floresce ou já está murcho, trate-se de corpos, de almas ou seja do

que for... Só quando encontra um sítio adornado de flores e perfumes, aí pousa e se

instala.

Sobre a beleza do Amor, eis, pois, o essencial, ainda que muita coisa fique por dizer.

E, posto isto, importa que passemos a referir a virtude do deus, realçando, desde já, o

seu principal aspecto: o de que não comete nem sofre injustiças, seja contra um deus

ou da parte de um deus, seja contra um homem ou da parte de um homem. Mesmo se

alguma coisa o afecta, não é por violência pessoal que é afectado, (violência não liga

com amor!), nem tão pouco ele a exerce nos seus actos; uma vez que é de livre

vontade que cada um serve ao amor.

Ora, todo o acordo que resulta do assentimento voluntário de duas partes são as leis,

rainhas da cidade, que o proclamam justo.

Mais, além da justiça, o amor participa, ao mais alto grau, da temperança.. . É ponto

assente que a temperança consiste no domínio sobre os prazeres e os instintos – e,

ainda, que não há prazer mais forte do que o amor!! Ora, se os outros são mais fracos,

como não pensar que fiquem sujeitos ao amor e que este os domine? Logo, nesse

domínio sobre os prazeres e os instintos residirá a temperança excepcional do Amor.

E quanto à coragem, é fora de dúvida – ao Amor nem mesmo Ares (deus da guerra)

resiste, e eis porquê: não é Ares que subjuga o Amor, mas sim o Amor que subjuga

Ares. Ora, ter alguém sob o seu jugo significa ser o mais forte. E se o Amor vence

aquele que excede todos os outros em coragem, como não há-de ser ele de todos o

mais corajoso?

Falou-se, já, portanto, na justiça, na temperança e na coragem do deus.

Falta referir a sua sabedoria, uma vez que importa, na medida do possível, evitar

omissões.

E para que também eu preste as honras à minha arte, tal como Erixímaco prestou à

sua, começo por falar na sabedoria do deus, como poeta: um poeta tão hábil, que

sabe, inclusive, transmitir a outros a sua arte! Certo é que todo o homem bafejado pelo

Amor, mesmo antes avesso às Musas, adquire o Dom da poesia...

E aí tens, Fedro, a ideia que faço do Amor: justamente porque possui, ao mais alto

grau, beleza e virtude, é que, depois, se torna, para os outros, fonte de idênticos dons.

Ocorre-me até esta expressão em verso, para dizer que é ele quem estabelece

Entre os homens a paz, a bonança nos mares açodados,

O dormir sossegado dos ventos, o sono isento de cuidados.

É ele quem apaga em nós a ideia de sermos estranhos uns aos outros, e nos comunica

sentimentos de familiaridade, através de reuniões como estas, que ele promove. Nos

festivais, nas danças, nas missas, ei-lo, como nosso guia, abrindo-nos as vias para a

delicadeza, fechando-as para a rudeza. Liberal em dons de simpatia, inacessível aos

da malquerença. Alegre e amável. Venerável aos olhos dos homens superiores, e

admirável aos dos deuses; objecto de inveja para os que o não partilham e para os que

o partilham, um bem desejável, pai da Volúpia, da Doçura, do Requinte, das Graças, do

Desejo e da Saudade; propício aos bons, desatento aos maus; no sofrimento e na

inquietude, na saudade e nas conversas, o piloto, o marinheiro, o camarada e o

salvador por excelência: ornamento de todos os deuses e homens sem excepção;

enfim, o corifeu de suprema beleza e virtude, que cada homem deve seguir e invocar

com belos hinos, associando-se ao cântico, que o Amor canta, para fascinar o espírito

de todos os deuses e de todos os homens.

Resumindo, são as seguintes, na óptica de Platão, as virtudes, que deve ter o homem que

quer ser, verdadeiramente, homem: a sabedoria, a justiça, a temperança e a coragem.

4.4. Ecologia, amor da natureza

59

Mas, hoje em dia, para a nossa sensibilidade e filosofia de vida, amar não significa

amar só o seu semelhante de aqui e agora. Significa muito mais.

Amar é preocupar-se com todos os homens de todos os lugares. É preocupar-se com

a sorte do Homem de hoje e de amanhã.

E quem se preocupar desse modo com o Homem, saberá, de certeza, que é preciso

cuidar do meio ambiente, para que continue a ser habitável. Saberá que deve evitar a

poluição e gastar, de forma responsável, os recursos de que dispõe o globo terrestre,

para que, nem hoje, nem amanhã, a vida possa vir a faltar ao Homem.

Amar é, sobretudo, reconhecer que o que mais estimamos no Homem é a sua vida,

única e irrepetível. E esta mesma vida tem que ser respeitada nos outros seres: nas

plantas, nos animais, e em todos os ecossistemas.

É assim que surge a preocupação com o meio ambiente. Por um lado, temos esse

Dom precioso que é a vida. Por outro, temos o ambiente, que torna possível a vida

humana e o progresso. Respeitar o ambiente é preparar a vida para as gerações

vindouras, é garantir a continuidade da nossa espécie. Mas é também lutar por um

mundo mais saudável. É reconhecer e amar a vida presente em outros seres, e é assumir

uma atitude responsável, para que os recursos naturais possam ser extraídos e

distribuídos de forma racional, razoável e, sobretudo, solidária. Numa palavra, é assumir

uma atitude sábia e filosófica, perante o mundo, perante os outros, e perante si mesmo.

Sabes que a sab

enquanto introduzid

lançares a esse emp

para te dominares e

instintos sensuais, e

da bebida, do fumo

temperança.

Agora, vais tenta

Na verdade, o a

promoção do outro,

A vontade de re

leva, infalivelmente

redistribuição tenden

fundamentais do ser

Amar alguém é

habitação condigna,

cultura própria, e pa

dimensões da sua ex

5. Justiça e Natureza Humana

5.1. Justiça a virtude das virtudes

60

edoria é o que tu buscas, enquanto estudante de Filosofia, isto é,

o na iniciação do amor do saber. Sabes também que, para te

reendimento, precisas de muita coragem. Sobretudo, da coragem

venceres a ti mesmo. Ou seja, para te libertares dos teus próprios

evitares a escravidão, que costumam provocar os prazeres advindos

, das drogas, da luxúria e demais vícios, e para te revestires da

r perceber a justiça, que consideramos a virtude das virtudes.

mor não é possível, nem pode ser cabalmente entendido, sem a

no mundo material e social.

conhecer o outro enquanto outro, na sua singularidade e diferença,

, à criação de um sistema de justiça social, de distribuição e

cialmente igualitária dos bens, e do reconhecimento dos direitos

humano.

trabalhar e lutar para que ele coma, beba, se vista, tenha uma

e para que se eduque e instrua, e para que esteja integrado numa

ra que viva em segurança e possa desenvolver livremente todas as

istência.

Significa isto que quem ama não pode ignorar que o homem ou mulher é um ser

corpóreo, necessitado, chamado a realizar-se juntamente com os outros. O que implica o

reconhecimento dos direitos, e a criação de um sistema de justiça.

Nesta óptica, a justiça pode constituir uma barreira individual, advinda do direito de

se defender dos ataques dos outros. É o reconhecimento, portanto, de que, devido ao

carácter egológico do homem, o conflito é inevitável.

Mas também revela a incapacidade de alguns homens e mulheres para mutuamente

se reconhecerem e amarem, bem como a limitação de tudo o que é humano. A justiça

exprime a nossa contingência, a nossa limitação. Há sempre tensão entre as estruturas

criadas pelo homem, os direitos constituídos, e as exigências concretas de um maior

reconhecimento do homem pelo homem.

Cabe ao homem ajuizar do seu ideal de homem, através de normas, que

fundamentalmente exprimem o seu desejo, sentir e pensar.

Serão essas normas da justiça que, nas circunstâncias concretas, hão-de levar o

homem a voltar sempre ao seu ideal existencial.

Essas normas é que constituem o sistema de justiça de um povo. São instituídas

por um acordo intersubjectivo, entre todos os indivíduos, que constituem esse povo. E,

normalmente, são consignadas em Cartas Constitucionais, embora estejam como que

inscritas nos costumes e hábitos, bem como na consciência individual de cada homem e

mulher.

A esta justiça perene, que nos constitui como homens e mulheres, é que os antigos,

e ainda os hodiernos, querem referir-se, quando falam do caminho do bem, em

oposição ao caminho do mal.

5.2. Justiça como amor ao Bem

61

Platão, através de Sócrates, seu herói preferido, é, sem dúvida, o filósofo que mais

nos revelou a estreita ligação entre o amor e o bem. Esse bem que, em grego, é o

mesmo que o belo (ágathon).

Com efeito, o que é amar, senão desejar o amante (aquele que ama) o bem ao seu

amado?

Certamente que, alguma vez, sentiste que amavas alguém. Por exemplo, a tua mãe,

o teu pai, um amigo ou uma amiga, ou a tua avó. Terás certamente notado que o que

62

mais desejavas para eles era que tudo lhes corresse bem, que tudo para eles fossem

belezas e sucessos.

Pois bem, para o Sócrates de Platão, amar alguém é desejar-lhe o melhor.

E isso significa que o amor é, em si mesmo, o desejo ardente do bem. Ao amarmos,

isto é, ao desejarmos o bem para este ou para aquele, ao querermos que a beleza esteja

neste ou naquele, como pensamos das pessoas que amamos, surge o sinal inequívoco de

que lhes queremos, acima de tudo, o bem.

Portanto, segundo este Sócrates de Platão, o ideal é que, a partir das pessoas

amadas, das pessoas que julgamos belas, nós ascendamos ao conhecimento do belo e do

bem. E que, a partir dos actos bons e belos, alcancemos o bem e a beleza em si mesmos.

E que, portanto, em vez de nos fixarmos nos corpos belos, possamos, através deles,

aspirar ao conhecimento do verdadeiro belo, à prática só do que é belo e bom. Que,

portanto, as coisas e as pessoas belas, ou aquelas a que desejamos o bem, nos sirvam,

então, dizia Sócrates, para nos estimular ao conhecimento e amor pelo Bem em si

mesmo.

Ninguém poderia dizer que ama alguém, se, ao amá-lo, não desejasse conhecer os

pais que o trouxeram ao mundo. Nem seria verdadeiro o amor, que não suscitasse na

pessoa que ama, o desejo de participar da vida da pessoa amada, de conhecê-la melhor,

e de fazer da vida dela a sua própria vida.

É assim que, para o nosso filósofo, desejar o bem, o belo, a alguém, sem desejar

conhecer e possuir esse mesmo bem e essa mesma beleza, não faz sentido.

Portanto, para Sócrates, o amor das coisas boas e belas é, antes de mais, amor ao

bem e ao belo em si mesmos.

As coisas belas e boas devem, necessariamente, conduzir-me ao conhecimento cada

vez mais profundo do bem e do belo. Devem levar quem ama as coisas belas e boas a

amar e a suspirar pelo próprio bem e pelo próprio belo.

Vejamos, então, como é que Platão exprime essa ideia , pela boca do seu Sócrates:

- É um facto que todos os seres humanos são dotados de fecundidade, não só

no seu corpo, mas também no seu espírito, e que, ao atingirem a idade própria,

a sua natureza aspira a gerar.

Só que não conseguirão gerar na fealdade, mas apenas no que é belo.

63

Ora a união entre o homem e a mulher é propriamente um acto de gerar. E há

nisto algo de divino, que subsiste em cada ser vivo, mortal por natureza, como

forma de imortalidade – a fecundidade e a procriação. Estas, no entanto, não

podem realizar-se na desarmonia e em desarmonia, tal como o Belo se encontra

em harmonia. Essa a razão, por que, quando um ser fecundo se aproxima de um

objecto belo, se enche de bem-estar e de alegria, e, distendendo-se, gera e dá à

luz.

Mas, se, em vez do belo, for feio, ele fecha-se sobre si mesmo, sombrio e

angustiado, volta costas, e recusa-se a gerar, arrastando consigo o peso

doloroso da sua fecundidade.

Daí, pois, a emoção intensa, que invade o ser fecundo, já pleno de seiva, à vista

do Belo, cuja posse o liberta de um verdadeiro sofrimento de dar à luz! Pois o

alvo do Amor não é, de facto, o Belo, como tu supões, Sócrates...

- Então qual é?

- Gerar e criar no Belo!

- Pode ser...

- Não tenhas dúvida! - Asseverou ela.

- E gerar, concretamente porquê?

- Porque a geração é, para o ser mortal, como que a possibilidade de se

perpetuar e imortalizar. Ora, de acordo com os pressupostos em que

assentámos, é forçosamente à imortalidade que o homem aspira, através

do Bem – se é certo que o amor do Bem é o desejo de possuí-lo para

sempre! E daí concluirmos, por força, que o Amor tem igualmente em

vista a imortalidade.

- Qual achas tu que seja, Sócrates, a causa de tal desejo e amor? Ou não

sentes o que há de invulgar no comportamento de todos os animais, os

que andam sobre a terra e os que voam, quando os assalta o impulso de

gerar? Não vês como todos eles, tocados pelo mal de amor, procedem,

primeiro, em vista a unirem-se entre si e, depois, a alimentarem a sua

descendência? E como se dispõem, até os mais fracos, a lutar por ela,

contra os mais fortes, e mesmo a dar por ela a própria vida? E como

sofrem, voluntariamente, a fome, para que as suas crias tenham de

comer, e se sacrificam, de mil outras maneiras?

64

Pelo que diz respeita aos homens, poder-se-á julgar que eles procedem

assim por reflexão. Mas, com respeito aos animais, qual a causa do

impulso amoroso, que os leva a um tal comportamento? Sabes dizer-mo?

- Muito bem, esclareceu. Se estás, de facto, convicto de que a finalidade

natural do amor é aquela que tantas vezes lhe assinalámos, de comum

acordo, não há razão para te admirares! Na mesma ordem de ideias,

também aqui a natureza mortal procura, consoante as suas

possibilidades, perpetuar-se e ser imortal. Mas essa possibilidade só lhe

é dada, mediante este processo, o da geração, que vai repondo,

continuamente, um novo ser distinto na vez do antigo...

E não é, afinal, o que se passa com cada ser vivo, a quem nós

reconhecemos, enquanto vive, uma existência e uma identidade

próprias? Sim, nós dizemos que é o mesmo indivíduo, desde a infância

até à velhice, e, contudo, ele jamais retém as mesmas características:

nos cabelos, na carne, nos ossos, no sangue, em todo o seu corpo: ora

nasce, continuamente, para umas, ora morre para outras... Mas, além

do corpo, também a sua alma é afectada: estados de espírito, hábitos,

opiniões, desejos, prazeres, alegrias, receios.. Nenhuma destas coisas

permanece sempre em cada indivíduo. Umas vão nascendo, outras

desaparecendo... E ainda mais extraordinário é o que se passa com os

nossos conhecimentos: assim como surgem, assim se vão. De tal sorte

que nunca somos os mesmos, no que respeita aos nossos conhecimentos.

Pois cada um deles, considerado em si mesmo, está sujeito a idêntica

mudança. De facto, o que chamamos estudar, que implica, senão um

conhecimento que pode escapar- nos? E o esquecer que é senão a fuga

de um conhecimento? E é assim que o estudo, ao implantar um novo

conhecimento, no lugar do que se vai, permite que ele se salvaguarde,

aparentemente sem alteração.

Ora, é também por este processo que todo o ser mortal salvaguarda a

sua continuidade – não à semelhança do divino, que existe sempre e em

tudo é igual a si mesmo – deixando um novo ser distinto, igual a ele,

quando envelhece e morre.

Só graças a este artifício, Sócrates, é que o ser mortal participa da

imortalidade, tanto no corpo como em tudo o mais. Com os seres divinos,

65

é diferente. Não estranhes, portanto, que todo o ser se desvele, com o que

é, por natureza, um rebento de si mesmo: em cada um, esse zelo e esse

esforço se conjugam em vista à imortalidade. Se queres, presta só

atenção, pelo que respeita aos homens, à sua ambição de glória: é

natural que te espantes da sua insensatez. A não ser que medites no que

acabei de te dizer, e te convenças de que o seu comportamento estranho

se deve à paixão de se tornarem célebres e assegurarem, assim, uma

fama imortal, que perdure para todo o sempre. Para atingir tal

objectivo, eles estão dispostos a correr todos os riscos, mais ainda do

que pelos próprios filhos. Dispostos a gastar toda a sua fortuna, a passar

por sofrimentos de toda a ordem, mesmo com sacrifício da própria vida!

A meu ver, cada homem dá o máximo de si, na esperança de um mérito

imortal e de um nome glorioso, que lhe corresponda. E tanto mais

facilmente, na medida em que for superior. Pois o que o move é o amor

da imortalidade.

Portanto, uns são fecundos, segundo o corpo, e voltam-se de preferência

para as mulheres. Esta é a sua maneira de amar, convictos como estão

de que, através dos filhos que criam, asseguram a sua imortalidade, a

memória do seu nome, e uma bem-aventurança que perdure para todo o

sempre. Outros são fecundos, segundo a alma... Pois, não tenhas dúvida,

há homens cuja alma possui uma fecundidade ainda superior à do corpo.

Fecundidade para criar e produzir o que à alma compete. E o que é que

compete, afinal, à alma gerar, senão sabedoria e as demais formas de

virtude? Entre estes podemos contar não apenas todos os poetas

criadores de obras, como ainda, no domínio da técnica, todos os artífices

reconhecidamente dotados de espírito inventivo.

- Mas a forma mais nobre e bela da sabedoria é, de longe, a que respeita

à organização dos Estados e da vida familiar, e que, em concreto,

designamos por temperança e justiça. Ora, quando um ser, cuja alma

participa do divino, traz, desde a infância, os germes dessas duas

virtudes, e, ao chegar a idade própria, o assalta o impulso de gerar, é

então, salvo erro, que ele se põe em campo, lançando-se na procura do

Belo, onde lhe será possível gerar: porque na fealdade, como se sabe,

jamais o fará! Daí que, em razão da sua fecundidade, se desvele com os

66

corpos belos e não com os feios. E se a sorte lhe fizer encontrar uma

alma igualmente bela, nobre e bem formada, o seu desvelo atinge o auge,

por uma união entre ambos! Junto de um ser humano assim,

instantaneamente lhe virão recursos, para discorrer sobre a virtude,

sobre os deveres e as ocupações próprias de uma pessoa de bem – e

empreenderá a missão de educar. Pois o contacto com o que é belo, o

convívio com ele, permitir-lhe-ão, então, creio eu, gerar e dar à luz os

frutos que, há muito, trazia em si. E com a imagem dele sempre presente,

quer esteja perto quer longe dele, alimentará em comum com ele o que

acaba de produzir.

- E é assim que os homens desta têmpera se prendem por laços bem mais

fundos do que os laços que nos prendem aos filhos. E guardam entre si

uma amizade mais duradoira, porque também os filhos, que resultam da

sua união, são mais belos e imortais...

Todo o homem que tenha os olhos postos em Homero, em Hesíodo e em

outros poetas de mérito, não deixará, por certo, de preferir os filhos

como estes aos filhos da humana geração, e de lhes invejar a

descendência, que eles deixam após si, e que, em virtude da sua

imortalidade, lhes confere a glória e um nome imortal. É assim mesmo.

E, se queres, repara só para os filhos que Licurgo deixou na

Lacedemónia. Como eles se tornaram a salvaguarda desta cidade, e, a

bem dizer, de toda a Grécia! Ou então para Sólon. Como ele se tornou

venerado na vossa cidade, graças às leis que gerou! E o mesmo diremos

de outros homens, que, nas mais diversas partes, tanto entre os Gregos

como entre os Bárbaros, fizeram nascer toda a espécie de virtude, com a

produção de belas e variadas obras. Em sua honra, e graças a filhos

deste género, já inúmeros cultos foram, até agora, instituídos, mas ainda

nenhum deles o foi em atenção aos filhos mortais.

Pois bem, é necessário que todo aquele que empreender o caminho recto,

para chegar a este fim, comece, desde jovem, a procurá-lo, na beleza dos

corpos. E, se o seu guia o orientar como deve, ele há-de amar primeiro

um único corpo, e, desde logo, gerar belos discursos. Em seguida,

porém, terá de compenetrar-se de que a beleza deste ou daquele corpo é

irmã da que reside em outro. E, como, necessariamente, o alvo da sua

67

busca é o belo que se manifesta na aparência física, absurdo seria não

reconhecer que a beleza de todos os corpos é uma e a mesma coisa!

Consciente desta verdade, passará então a votar-se ao amor de todos os

corpos belos, e a libertar-se do excesso que o prendia a um único,

relegando-o, como coisa de baixo valor.

Chegados aqui, é, pois, tempo de avaliarmos quanto a beleza espiritual é

superior à beleza física. De tal maneira que uma alma bem formada,

mesmo num corpo sem atractivos, será suficiente para lhe inspirar amor

e solicitude, para o levar a gerar discursos de igual valia e a pôr o seu

zelo naqueles que elevam os jovens.

E essa é a via, por onde será inevitavelmente levado a contemplar a

beleza das ocupações e das leis, e a dar-se conta de como toda essa

beleza está unida, por um estreito parentesco, a si mesma! E, deste

modo, pouco crédito dará à beleza física.

Depois das ocupações, é para os conhecimentos que o seu guia deve

orientá-lo. Para que possa, por sua vez, apreender a beleza destes, e

contemplar a extensão do Belo já alcançada. Não mais com os olhos do

escravo, que, preso a uma forma particular de beleza (seja esta a de um

jovenzinho, ou a de uma jovenzinha, ou a de uma ocupação), se torna,

em sua escravidão, mesquinho e aviltante. Mas antes com os olhos postos

no oceano sem fim do Belo, imerso na sua contemplação... Agora sim, é

a vez de dar à luz uma imensidade de discursos belos e magníficos, de

pensamentos nascidos do seu inesgotável amor ao ser, até que, já pleno

de força e grandeza, descubra, enfim, a existência de um conhecimento

único, que vem a ser o conhecimento deste próprio Belo.

Aquele que, até aqui, foi orientado nos mistérios do amor, que

contemplou as coisas belas, na sua ordem correcta e progressiva, já

quase no termo da iniciação amorosa, avistará, de súbito, um

espectáculo surpreendente – o Belo, na sua verdadeira natureza, esse

mesmo Belo, Sócrates, que era o alvo de todos os esforços passados!

Uma natureza eterna, que, antes de mais, não nasce nem morre, não

cresce nem murcha. E que, depois, não é bela deste modo ou feia

daquele, ou bela num momento e noutro já não.

68

Mais ainda: esse Belo não lhe surgirá aos olhos, sob forma de um rosto,

de umas mãos, do quer que pertença a um corpo. Nem tão pouco sob

forma de pensamento, de conhecimento ou de qualquer coisa existente

em algo diverso dele – por exemplo, um ser vivo da terra, do céu ou de

qualquer outro sítio. Pelo contrário, surgir-lhe-á em si e por si, como

forma única e eterna, da qual participam todas as outras coisas belas,

por um processo tal, que a geração e a destruição de outros seres em

nada a aumentam ou diminuem, e em nenhum aspecto a afectam.

Ora, quando alguém, graças à prática de amar correctamente os jovens

ou as jovens, se eleva acima da realidade sensível, e começa a distinguir

esse Belo de que falamos, já pouco lhe falta para atingir a meta.

E aqui tens tu o recto caminho, pelo qual se chega ou se é conduzido por

outrem aos mistérios do amor. Partindo da beleza sensível, em direcção

a esse Belo, é sempre a ascender, como que por degraus: da beleza de

um único corpo à de dois; da beleza de dois à de todos os corpos; dos

corpos belos às belas ocupações; e destas, à beleza dos conhecimentos.

Até que, a partir destes, se alcance esse tal conhecimento, que não é

senão o do Belo em si mesmo, e se fique a conhecer, ao chegar ao termo,

a realidade do Belo.

Se algum momento da vida existe, caro Sócrates, que valha a pena ser

vivido pelo homem, é certamente esse, em que o homem contempla o

Belo em si! Um dia que tu chegues a esta visão, nada te parecerá

comparável: nem o ouro nem o vestuário, nem mesmo os jovens ou as

jovens, cuja beleza agora te põe a cabeça à roda, a ti como a tantos

outros... Sim, para usufruirdes sempre da presença dos vossos queridos

ou das vossas queridas, de modo a jamais vos separardes deles, vós

seríeis até capazes, caso fosse possível, de passar sem comer nem beber,

ocupados unicamente em olhar para eles e usufruir do seu convívio.

Que devemos, pois, pensar de uma pessoa, a quem fosse dado

contemplar o Belo em si mesmo, verdadeiro, puro e sem mistura, e que,

em vez da infecta carne humana, das cores e de tantas outras

insignificâncias votadas à morte, pudesse apreender o Belo divino, na

simplicidade da sua natureza?

69

Crês, ajuntou, que seria uma vida sem interesse a do homem que tem os

olhos postos nesse alvo, e que, ao contemplá-lo, pelo processo adequado,

se encontra em união com ele?

Ou não sentes que somente a esse, quando olha o Belo, pelos meios que o

tornam visível, será dado gerar, não já imagens de virtude ( pois não é

mais a uma imagem que ele se apega ), mas a virtude verdadeira, uma

vez que é ao real que está apegado?

Mais: não achas que o facto de ele gerar e alimentar a verdadeira

virtude lhe permite ser querido aos deuses, e que, se há alguém de entre

os homens, que possa tornar-se imortal, será esse, precisamente?

Foram estas, pois, Fedro e demais amigos, as palavras, com que Diotima

me convenceu.

E, porque fiquei convencido, me esforço, agora, por meu turno, por

convencer os outros de que, na aquisição deste bem, a natureza humana

não encontrará facilmente auxiliar melhor do que o amor!

Esse o motivo, por que vos declaro que todo o homem deve prestar

homenagem ao Amor, como também eu presto. Sim, tudo o que lhe diz

respeito é, para mim, objecto de devoção especial, que eu recomendo aos

outros também. E, por isso, não deixo nem deixarei, dentro das minhas

possibilidades, de elogiar o Amor, pelo seu poder e pela sua coragem.

Sócrates, o grande filósofo da antiguidade, também dedicou algumas páginas a

satisfazer a sua curiosidade, sobre este tema do amor.

Provavelmente, já terás sentido como o facto de amar nos suscita sentimentos

contraditórios. Não te preocupes, é da natureza do amor essa ambiguidade de

sentimentos.

Oiçamos, a esse propósito, o próprio mestre Sócrates dissertar, mais uma vez, sobre

ele Desta vez, fê-lo, contando-nos uma história, sobre a origem do amor. Esta, que se

segue é, com efeito, uma história. Mas, nem por isso, ilustra menos de quanta riqueza o

amor se reveste:

Quando nasceu Afrodite (deusa do enamoramento), os deuses reuniram-se num

festim, onde, entre vários outros, se encontrava o Engenho, filho da Sabedoria.

70

Depois de jantarem, eis que aparece a Pobreza, a mendigar os restos – como é

costume, em ocasiões de festa... – e ali ficou, junto à porta.

Entretanto, o Engenho, já embriagado do néctar (que é o alimento dos deuses),

foi para o jardim do deus supremo, e tão pesado se sentia, que adormeceu.

Então a Pobreza, que, na sua natural indigência, suspirava por vir a ter um

filho com o Engenho, deitou-se junto dele, e, assim, concebeu o Amor.

Eis a razão, por que o Amor nos surge como companheiro e servidor de Afrodite

(a deusa dos enamorados). Concebido, nas festas em honra do nascimento dela,

é, por natureza, apaixonado do Belo, pois que Afrodite é bela.

Por outro lado, a sua condição de filho do Engenho e da Pobreza ditou-lhe o

seu destino. Condenado a uma perpétua indigência, está longe do requinte e da

beleza, que a maior parte das pessoas nele imagina... Rude, miserável, descalço

e sem morada, estirado sempre por terra e sem nada que o cubra, é assim que o

Amor dorme, ao relento, nos vãos das portas e dos caminhos: a natureza, que

herdou de sua mãe, faz dele um inseparável companheiro da indigência.

Do lado do pai, porém, herdou o mesmo espírito ardiloso, à procura do que é

belo e bom, a mesma coragem, persistência e ousadia, que fazem dele o caçador

temível, sempre ocupado em tecer qualquer armadilha. Sedento de saber, e

inventivo, passa a vida inteira a filosofar este hábil feiticeiro, mago e também

sofista (retórico).

Deste modo, ele não é, por natureza, nem mortal nem imortal. No mesmo dia,

tanto floresce e vive, conforme estiver senhor dos seus recursos, como morre,

para voltar à vida, graças à natureza de seu pai. Mas os seus achados escapam-

lhe continuamente das mãos, de tal maneira que nunca se encontra nem na

indigência nem na riqueza: antes, num meio termo, que é, de igual modo, o meio

termo entre a sabedoria e a ignorância. A verdade é esta: nenhum deus ama o

saber ou deseja ser sábio (pois que já o é). Nem qualquer outro, que possua o

saber, se dedica à filosofia, do mesmo modo que não são também os ignorantes

que a ela se dedicam, ou que aspiram a ser sábios! A ignorância, efectivamente,

acarreta consigo este peso: os que julgam possuir, em suficiência, a beleza, a

bondade e a inteligência, nada disso possuem. E quem se não crê destituído não

aspira, consequentemente, a um bem, de cuja falta se não apercebe.

Como qualificaremos os que se dedicam à filosofia, se não são sábios nem são

ignorantes?

71

São intermediários entre ambos os extremos, como indubitavelmente sucede

com o Amor: pois se a Sabedoria se conta entre as mais belas coisas e se o

Amor é amor do Belo, forçosamente o Amor terá de ser filósofo. E, como

filósofo, terá de situar-se no meio termo, entre sábio e ignorante. Ora a causa

de tais características reside justamente na sua origem: por um lado, um pai

sábio e engenhoso; e por outro, uma mãe desprovida de sabedoria e de

recursos.

E aí tens, pois, a natureza deste génio.

Capítulo Quarto: Ética Social

72

Já percebeste

É social, no se

por outra razão, a v

Só para dar u

versa, para se per

abundância: para

partilhar; no sentid

precisa de quem o

Daí o facto d

aceitando-o, ou n

inevitavelmente, à

Assim sendo,

despersonalização

Isto significa

deve seguir o cami

Com efeito, a

relacionamento co

o limite abaixo do

portanto, um bem-

E o amor, por

É assim que o

amor une; a justiç

outro seja, respeita

visa a união; onde

É natural, po

função e lugar que

inter-subjectividad

1. Vida comunitária e relações sociais

que a pessoa humana é, por natureza, um ser relacional, isto é, social.

ntido em que, seja por necessidade, por carência, ou por simpatia, ou

erdade é que nenhum homem ou mulher se basta si mesmo/a.

m exemplo, nós verificamos que o homem precisa da mulher e vice-

petuarem, como espécie. O homem é social, também em razão da

se sentir confortável, feliz, precisa de outros seres humanos, para

o de que, mesmo na hipótese de se bastar sozinho a si mesmo, ainda

aprecie, de alguém com quem possa jogar, conviver, etc.

e que somos sempre convidados a tomar posição diante do outro,

egando-o. No entanto, a rejeição sistemática dos outros conduz,

degradação e desumanização do sujeito em causa.

devo tratar os outros como pessoas, sob o risco da minha própria

.

1.1. Amizade cívica e Justiça social

73

que, como acima ficou dito, o relacionamento entre os seres humanos

nho da justiça e do amor.

justiça e o amor são os dois pólos que delimitam a única forma de

rrecto e plenamente humano. É que a justiça é já um amor incipiente,

qual há ofensa. Justiça é querer para outrem o que lhe é devido. É,

querer, uma forma de amar.

sua vez, já inclui a justiça. Sem justiça, não há verdadeiro amor.

amor e a justiça mutuamente se completam: a justiça distingue, o

a guarda distâncias, o amor aproxima e abraça. A justiça deixa que o

-o a ele e ao que é seu; enquanto que o amor quer que o outro seja, e

já se não fala de meu e de teu, mas sim de nós e de nosso.

rtanto, que a justiça seja mais objectiva, e considere o outro, pela

ele ocupa na sociedade. Enquanto que o amor dará antes prioridade à

e, às relações inter-pessoais.

74

E conforme sublinhemos mais um ou mais o outro, teremos dois tipos diferentes de

organização social.

Se privilegiamos a justiça, sobressaem as relações societárias, próprias das

sociedades complexas. Ao passo que, se insistimos mais no amor, sobressairão as

relações comunitárias. Por exemplo, em casa, quererás ser tratado mais com base nas

relações de amor do que nas de justiça; ao passo que, na escola, e mais ainda no

emprego, privilegiarás mais a justiça.

É neste contexto que o amor pode, às vezes, chocar com a justiça: na verdade, se o

teu professor te desse as notas guiado pelos seus sentimentos de amor e não conforme a

justiça, mesmo tu havias de te sentir ofendido.

Também é importante recordar que a distinção entre comunidade de amor e

sociedade de justiça tem grande importância para as sociedade naturais (comunidades) e

para as sociedades livres (sociedades propriamente ditas).

A sociedade ou comunidade familiar é natural, no sentido em que ninguém pode

crescer sadiamente, sem o calor de uma família. De modo idêntico, a sociedade política

nacional, até certo ponto, é também natural. Ao contrário, a sociedade civil (no que se

refere às diversas associações cívicas) ou a mundial, como a ONU, são livres, ou seja,

dispensáveis.

A diferença entre sociedades e comunidades, isto é, entre sociedades naturais e

sociedades livres, não é consensual e pode variar, consoante os autores.

Mas, dado que a organização social, que, aqui e agora, engendra as leis, a que todos

estamos vinculados, e através das quais se persegue a almejada justiça, é a sociedade

estatal, vulgarmente chamada Estado, a que todos pertencemos, convém percebermos

melhor o seu fundamento.

Aqui, destaca-se John Rawls, filósofo americano. Para este autor, só é legítimo o

Estado, que emana do acordo entre os cidadãos de um certo território. Oiçamo-lo:

Admitamos, para assentar ideias, que uma sociedade é uma associação de

pessoas, mais ou menos auto-suficientes, as quais, nas suas relações,

reconhecem, como vinculativas, certas regras de conduta, e, na sua maioria,

agem de acordo com elas.

Suponhamos ainda que estas regras especificam um sistema de cooperação

concebido para fomentar o bem dos que nele participam.

75

Assim, embora uma sociedade seja uma tentativa de cooperação, que visa obter

vantagens mútuas, ela é tipicamente marcada, simultaneamente, tanto por um

conflito como por uma identidade de interesses.

Há identidade de interesses, uma vez que a cooperação torna possível uma vida,

que, para todos, é melhor do que aquela que cada um teria, se tivesse de viver

apenas pelos seus próprios esforços.

Há conflito de interesses, uma vez que os sujeitos não são indiferentes à forma

como são distribuídos os benefícios acrescidos, que resultam da sua

colaboração, já que, para prosseguirem os seus objectivos, todos preferem

receber uma parte maior dos mesmos.

É necessário um conjunto de princípios, que permitam optar, entre as diversas

formas de ordenação social, que determinam esta divisão dos benefícios, bem

como obter um acordo sobre a repartição adequada dos mesmo.

Estes princípios são os da justiça social: são eles que fornecem um critério,

para atribuição de direitos e deveres, nas instituições básicas da sociedade, e

definem a distribuição adequada dos encargos e benefícios da cooperação

social.

Assim, dir-se-á que a sociedade é bem ordenada, quando não só é concebida

para aumentar o bem dos respectivos membros, mas é também efectivamente

regida por uma concepção pública da justiça. Ou seja, trata-se de uma

sociedade, em que, por um lado, cada um aceita os mesmos princípios da

justiça, sabendo que os outros também os aceitam, e, por outro, as respectivas

instituições básicas geralmente satisfazem esses princípios, sendo reconhecidas

como tais.

Nesta situação, ainda que os sujeitos possam formular, uns contra os outros,

exigências excessivas, eles reconhecem, apesar disso, um ponto de vista comum,

a partir do qual serão decididas as respectivas pretensões. Se as inclinações

humanas se orientam para a prossecução do interesse próprio, tornando

necessária a vigilância mútua, o seu sentido público da justiça torna possível e

segura a associação de todos. Entre sujeitos com objectivos e fins díspares, a

partilha de uma concepção pública da justiça constitui a regra fundamental de

qualquer associação humana bem ordenada.

76

É certo que as sociedades existentes raramente estão bem ordenadas, nos

termos agora expostos, dado que a determinação do que é justo ou injusto é,

normalmente, objecto de disputa.

Os princípios que devem definir os termos básicos de qualquer associação são,

eles próprios, objecto de discórdia.

E, no entanto, pode ainda afirmar-se que, apesar do desacordo, cada um dos

seus membros tem uma concepção da justiça. Ou seja, todos reconhecem a

necessidade de um conjunto específico de princípios, para a atribuição de

direitos e deveres básicos, e para a determinação do que se entende ser a

distribuição adequada dos encargos e benefícios da cooperação em sociedade, e

estão dispostos a afirmá-la.

Assim, é natural que se considere que o conceito de justiça é distinto das várias

concepções da justiça, sendo definido pelo papel que desempenham em comum

estes diversos conjuntos de princípios, estas diferentes concepções da justiça,.

Assim, os defensores das diferentes concepções da justiça podem, apesar disso,

estar de acordo, quanto ao facto de que as instituições são justas, quando não

há discriminações arbitrárias, na atribuição dos direitos e deveres básicos, e

quando as regras existentes estabelecem um equilíbrio adequado, entre as

diversas pretensões, que concorrem para a atribuição dos benefícios da vida em

sociedade.

O acordo, quanto a esta definição de instituição justa, é possível, porque as

noções de discriminação arbitrária e de equilíbrio adequado, que estão

incluídas no conceito de justiça, são deixadas em aberto, por forma a que cada

um as possa interpretar, de acordo com os princípios da justiça que aceite.

Estes princípios destacam quais as semelhanças e as diferenças entre as

pessoas, que sejam relevantes para a determinação dos direitos e deveres, e

permitam especificar qual divisão dos benefícios é que é adequada. Parece

evidente que esta distinção, entre o conceito de justiça e as diversas concepções

da justiça, não resolve quaisquer questões importantes. Ela limita-se a

identificar o papel dos princípios da justiça social.

A Existência de algum consenso, sobre as concepções da justiça, não é, no

entanto, a única condição prévia, para uma comunidade humana viável. Há

outros problemas sociais fundamentais, nomeadamente os relativos à

coordenação, eficiência e estabilidade. Assim, os projectos individuais dos

77

diversos sujeitos devem poder articular-se em conjunto, de forma a que as

respectivas actividades sejam mutuamente compatíveis e possam ser levadas a

cabo, sem que sejam gravemente violadas as legítimas expectativas de cada um.

Além disso, a execução desses planos individuais deve conduzir à realização dos

objectivos sociais, de uma forma que seja eficiente e conforme à justiça.

Finalmente, o sistema de cooperação em sociedade tem de ser estável: deve ser

respeitado, de forma mais ou menos regular, e as suas regras básicas devem ser

voluntariamente seguidas. E, quando se verificam infracções, devem existir

forças estabilizadoras, que impeçam novas violações, e que se orientem para

restabelecer o acordo existente.

É, porém, evidente que estas três questões estão ligadas ao problema da justiça.

Na ausência de um certo grau de consenso, sobre o justo e o injusto, é

claramente mais difícil, para os sujeitos, coordenarem os seus planos, de forma

eficiente, de modo a preservarem os acordos mutuamente benéficos. A

desconfiança e o ressentimento afectam os laços da civilidade, e a suspeição e a

hostilidade levam os homens a actuar, por formas, que, normalmente, evitariam.

Assim, se a função particular das concepções da justiça é a de especificar os

direitos e deveres básicos e determinar a forma apropriada da distribuição, o

modo, pelo qual uma dada concepção o faz, afecta, necessariamente, os

problemas de eficiência, coordenação e estabilidade. Em geral, não podemos

avaliar uma concepção da justiça, apenas pelo seu conteúdo distributivo, por

mais útil que este possa ser, na identificação do conceito de justiça. Devemos

ter, igualmente, em consideração as suas consequências mais vastas; pois,

embora a justiça goze de alguma prioridade, sendo a mais importante virtude

das instituições, também é verdade que, em igualdade de circunstâncias, uma

determinada concepção de justiça é preferível a uma outra, quando as suas

consequências mais gerais forem mais desejáveis.

Por instituições, entendo um sistema público de regras, que determina

ocupações e posições, acompanhadas pelos seus respectivos direitos e deveres,

poderes e imunidades, e coisas semelhantes.

Tais regras especificam certas formas de agir, umas permitidas e outras

proibidas; e, quando ocorrem violações, encarregam-se das penalidades e

defesas, e assim por diante.

78

Como exemplo de instituições ou, de forma mais geral, de práticas sociais,

poderíamos pensar em jogos e rituais, tribunais e parlamentos, mercados e

sistemas de propriedade.

Ao dizer que a instituição e, por conseguinte, a estrutura básica da sociedade, é

um sistema público de regras, entendo que qualquer um, que esteja engajado

neste sistema, saberá se as regras e a sua própria participação nas actividades

definidas pelas regras são o resultado de um acordo, ou não. Um indivíduo, ao

tomar parte numa instituição, saberá quais os papéis que lhe cabem e quais os

que cabem aos outros.

Os princípios de justiça devem ser aplicados aos acordos sociais,

compreendidos como públicos, neste sentido, onde as regras de certa subdivisão

de uma instituição só são conhecidas pelos que a ela pertencem. Os dois

princípios poderiam ser formulados como segue:

Primeiro – cada pessoa deve ter a mais ampla liberdade, sendo que esta

última deve ser igual à dos outros e a mais extensa possível, na medida em que

seja compatível com uma liberdade similar de outros indivíduos.

Segundo – as desigualdades económicas e sociais devem ser

combinadas, de forma a que ambas

- correspondam às expectativas de que trarão vantagens para todos

- e sejam ligadas a posições e a órgãos abertos a todos.

Num comentário geral, estes princípios se aplicam, principalmente, à estrutura

básica da sociedade (Estado), como ficou dito. Eles deverão governar a atribuição

de direitos e deveres, assim como regular a distribuição dos benefícios sócio-

económicos.

( John Rawls em Uma Teoria de Justiça)

Estes dois princípios de John Rawls, que são fundamentais, presidem à constituição

dos Estados Liberais e permitem o seu correcto funcionamento.

Ao longo da história, foram sendo enunciados de diversas maneiras. Por exemplo,

na Revolução Francesa, foram designados por: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Hoje em dia, é comum chamarem-se: Princípio de Subsidieariedade, Solidariedade e

Primado do Bem Comum.

1.2. Princípio de Subsidiariedade

Este Princípio defende que a actividade social é de natureza subsidiária, isto é, visa

promover as pessoas, e não substituí-las.

Daqui se depreende o seguinte:

A colectividade, sociedade ou Estado, não deve impedir as pessoas de fazerem o

que podem e querem legitimamente fazer. Por exemplo, o Estado ou Sociedade não

deve impedir as pessoas de possuírem bens privados, ou, em nome de alguma religião

ou mesmo ideologia política, impedir as pessoas de praticarem um desporto, uma

religião, ou fazerem parte de um partido político, de uma organização social, cultural,

tribal, linguística, salvo se isso, de facto, ofendesse e limitasse os direitos dos outros, ou

da sociedade, como um todo.

O Estado não deve, substituir-se às pessoas, a não ser, com o acordo delas, para as

libertar, em ordem a actividades preferidas. Deve possibilitar, isto é, criar as condições e

proporcionar as ajudas, que tornem possível aos membros fazerem, por si mesmos, o

que, sem tais ajudas, não estariam em condições de fazer. Por exemplo, o Estado deve

criar condições, para que as pessoas mais pobres possam contrair empréstimos

bancários, servindo o Estado como avalista, afim de que elas possam desenvolver

actividades lucrativas, ou possuir bens, que, de outro modo, não conseguiriam ter.

Só em casos específicos e excepcionais, é que a sociedade ou Estado deverá e

poderá substituir algum membro da sociedade ou grupo de indivíduos. Por exemplo, é

de bom tom que o Estado seja proprietário de escolas, hospitais e outros serviços

indispensáveis, que, devido à sua complexidade e natureza, não poderiam ser

cabalmente exercidos por singulares.

1.3. O Princípio de Solidariedade

79

O princípio de solidariedade é a expressão do vínculo recíproco que existe entre

pessoas e sociedade, entre indivíduos e colectividade, ou da inter-ligação e inter-

dependência que reina entre todos aqueles que constituem a pluralidade unificada, que

quer ser a vida em grupo.

Do ponto de vista ético, pois é disso que se trata, o Princípio de Solidariedade exprime

a mútua responsabilidade do indivíduos e da sociedade, em ordem ao bem comum.

Com efeito, é eticamente reprovável que alguém esteja bem, a “curtir”, como se diz,

quando outras pessoas, seus semelhantes e irmãos, não têm um tecto para dormir, um

pão para matar a fome, ou mesmo um gole de água, para enganar a sede.

Significa isto que a sociedade, como um todo, tem uma grande responsabilidade, para

com os doentes, os marginais, os proscritos, os estrangeiros, e todo o tipo de

incapacitados e vencidos da vida, independentemente das causas que levaram a essa

situação. É uma responsabilidade, que, não só é de indivíduo para indivíduo e do Estado

para o indivíduo mas é também de povo para povo, e de Estado para Estado.

O dever de ajudar faz parte da estrutura tanto do indivíduo como dos grupos, de ele que

é parte.

1.4. Princípio do Primado do Bem Comum

80

O princípio do Primado do Bem Comum quer exprimir a subordinação moral dos

membros da sociedade ao todo social, de que são partes. O bem do todo tem primazia

sobre o bem particular das pessoas, individuais ou colectivas, que dele fazem parte.

Embora este princípio deva ser entendido dentro dos próprios limites, parece ser

claro que uma sociedade inteira não pode jamais ficar refém dos interesses particulares

dos indivíduos ou grupos de indivíduos. É por isso que, só para exemplificarmos, um

indivíduo pode ser chamado a defender o seu País, de uma agressão externa, mesmo

sabendo que isso poderá significar para ele o sacrifício da própria vida. Ainda a título de

exemplo, parece evidente que, em casos de epidemia, nenhum interesse de lucro ou

farmacêutico pode inviabilizar a distribuição dos medicamentos a todos os necessitados.

É por isso que este princípio aponta imediatamente para o destino universal dos

bens, no sentido de que nenhuma outra razão, economicista, por exemplo, pode

justificar que alguém possa morrer à fome, havendo alimentos que cheguem.

Isto, porém, não significa que as pessoas existem em função e apenas ao serviço da

colectividade ou do Estado. A pessoa humana é, por sua vez, a razão de ser dos Estados

e das Pátrias. Pelo que, a pessoa não pode ser sacrificada, de qualquer maneira. Por

exemplo, não faz sentido o sacrifício de milhares de pessoas, por uma ideologia ou

credo, quando isso podia muito bem evitar-se, pelo recurso ao diálogo. Os interesses

egoístas, mesmo que fossem os de uma Nação, não justificam a aniquilação nem que

seja de uma só vida humana.

Dizer que o Homem é, po

Homem pertence ao reino dos

pode ser usado ou instrument

própria promoção e felicidade.

Ser livre significa ter um

próprias acções, de forma a qu

A Liberdade é inerente

arbítrio.

Liberdade opõe-se, no

irresponsabilidade física ou mo

Donde se depreende que

natureza, nem à tirania do Esta

A Liberdade significa que

quer significar que a acção hu

com razões, e em conformidad

Ser livre é, por isso, ser m

superstição, o medo, a sujeiç

paixões e do egoísmo, os vínc

autodomínio e a retirada da tu

linhas da própria existência, é

A minha liberdade impli

consciência de o fazer.

Mas ser livre é, sobretudo

facto de todo o ser se conver

medida em que tudo o que é

mesmo modo, susceptível de s

2. Liberdade

81

r sua própria natureza, livre, é defender, com Kant, que o

fins. Isto é, que ele é um fim em si mesmo. Que ele não

alizado, para qualquer outro fim, que não seja o da sua

princípio interno ou capacidade fundamental de dirigir as

e a pessoa possa chamá-las minhas, tuas, suas.

a todo o género humano. E há quem lhe chame livre

sentido negativo, a inconsciência, a loucura, a

ral.

o Homem não está submetido às forças deterministas da

do, da Sociedade, ou dos demais em geral.

o Homem não só age, como também sabe que o faz. Ela

mana é pensada, reflectida, com conhecimento de causa,

e com as próprias convicções.

aduro e crescido. É superar alienações várias, como: a

ão social, política, económica, jurídica, o domínio das

ulos imaturos com outras pessoas, incluindo os pais. É o

tela de outrem. É possuir-se a si mesmo, é determinar as

a ausência de pressões externas.

ca que eu realizo o meu ser e existência, com plena

, desejar e anelar pelo bem. Para os antigos, isto radica no

ter em verdade e bondade. Todo o ser é verdadeiro, na

, é susceptível de conhecimento pela inteligência e, do

er querido e desejado, porquanto é bom.

2.1. Tipos de Liberdade

82

Assim sendo, podemos distinguir entre liberdade sociológica e liberdade

psicológica.

A liberdade é sociológica, enquanto a pessoa humana procura sempre não se

confundir com a sua comunidade, nem muito menos deixar-se engolir por ela; sem, com

isso, prejudicar a sua natureza social. É livre, neste sentido, quem não está preso nem é

escravo. Esta Liberdade é, assim, autonomia. Autonomia do indivíduo, em relação ao

todo, a que pertence.

A liberdade é psicológica, na medida em que o Homem toma consciência do seu eu,

distinto de todos os outros eus, e distinto de tudo quanto o compõe. Daí a necessidade

de autodomínio de todas as sua pulsões (instintos) interiores. É livre neste sentido, o

Homem Adulto, e mais livre ainda quando não sujeito ao domínio dos vícios e paixões

da natureza (álcool, drogas, prostituição, gula, riquezas, poder, etc)

Portanto, o homem tem consciência da sua liberdade interior, base da sua liberdade

social.

O homem está ligado a necessidades, que não são, nem muito menos, apenas as

físicas. Logo, há que dominar-se a si mesmo, e ser responsável, pelos outros, e por tudo

quanto o rodeia.

É nesta liberdade que radica a própria moral. Posto que, longe de, pura e

simplesmente, reagir aos estímulos, o homem pode e deve escolher as suas acções. E

deve escolher, de acordo com a sua humanidade. Há acções mais humanizantes e acções

menos humanizantes. É esta escolha que determina a moralidade das acções humanas. Recorda:

Se, para o meu semelhante, sou um EU e um TU, eu sou dialogante.

Se sou dialogante, sou responsável.

Se sou responsável, sou livre. Liberdade implica responsabilidade. Ser livre é dispor de si. E dispor de si é ser

disponível, é pôr-se à disposição.

Ser livre é possuir-se. E possuir-se é abrir-se ao risco da relação com o TU, e ao

futuro do seu projecto existencial.

2.2. Liberdade vista por alguns filósofos

83

A Liberdade é a capacidade de escolher entre coisas várias, entre coisas

contrárias. É a capacidade de escolher o melhor, de escolher o que quero e não o que me

apetece, de chegar a ser o que sou, a atingir a minha identidade.

A minha liberdade é a minha aptidão para dispor de mim, em ordem à minha

realização pessoal. É a possibilidade que eu tenho de construir o meu próprio destino,

de poder escolher tanto os meios como os fins.

Disse Sartre que « O Homem é o ser condenado a ser livre».

E Heidegger observou que na « apaixonada liberdade perante a morte» entendida

como a finalidade consumadora do existir, é que se põe à prova a verdadeira têmpera

da liberdade.

E Jaspers afirmou: «A liberdade só existe com a transcendência e por meio da

transcendência».

A liberdade é situada, é condicionada, é real, mas de-limitada, relativa

« A liberdade é a faculdade do definitivo» ( J.B.METZ )

« ... é o poder de obrar para a eternidade» (RAHNER). Inclui compromisso fiel e

fidelidade comprometida

A Liberdade é solidária.

Na modernidade e na actualidade, a liberdade humana tem sido negada de várias

formas e com várias teorias. Assim, o condutismo e engenharia social defendem que o ambiente é que é o factor

determinante do comportamento humano.

A chamada utopia skinneriana prediz que a futura sociedade será controlada pelos

peritos em psicologia social.

A sociobiologia e engenharia genética defende que o que determina o nosso

comportamento humano são os genes. E prediz que a sociedade futura será controlada

pela « direcção precisa baseada no conhecimento biológico» ( E.O.WILSON ). Para

estes, a ética é um fenómeno de natureza exclusivamente biológica.

Alguns influenciados pela cibernética, engenharia de computadores e inteligência

artificial defendem que o Homem não passa de simples máquina, e que, no futuro, vai

ser o moço de recados dos robots.

Já terás certamente percebid

representam, incluindo o Estado

delas perante ela mesma.

Por exemplo, quanto à ideia

que o bem é algo a fazer e o mal

Ora, a natureza desta obr

imperativo categórico, é o prin

actos ou atitudes, cuja omissão o

senão mesmo inumanos ou desum

Essa obrigação deriva do fa

entidades de deveres e direitos.

A moralidade é propriedade

e aos seus autores, devido aos qu

são actos que dizem da conformi

Por que razão um acto pod

Para Kant, a norma moral

aos outros, enquanto livres e igua

Isto é, o primeiro princípio

outros aquilo que não gostaria qu

devo agir de tal maneira, que a m

por outros, eu não encontraria raz

3. Moralidade

3.1. Introdução

o que as pessoas, bem como as colectividades, que as

, têm obrigações umas para com as outras, e cada uma

de bem, de que já falámos muito, deves ter entendido

é algo a evitar.

igação, a que o filósofo Emmanuel Kant chamou

cípio da obrigação moral, no sentido de que existem

u prática tornam o homem ou mulher menos humanos,

anos

cto de o homem ou mulher serem obrigados, ou seja,

dos actos humanos e só destes. Ela refere-se aos actos

ais há maldade ou bondade. Actos morais ou humanos

dade ou desconformidade com a norma moral.

3. 2. Que norma moral é esta?

84

e tornar alguém reprovável ou não?

advém da reciprocidade, que os indivíduos devem uns

is.

da moralidade é aquele que me diz para não fazer aos

e os outros me fizessem a mim. Ou seja, para Kant, eu

inha acção seja universal. Isto é: se ela fosse praticada

ão nenhuma de censurar quem a praticou.

Por exemplo: embora me possa parecer que a mentira, em certos momentos, me é

benéfica a mim, a verdade é que, se fossem os outros a mentir-me a mim, eu certamente

que não havia de gostar. Isto basta para que a mentira seja reprovável.

O alcance da justificação kantiana é muito grande, embora talvez não seja

suficiente ou suficientemente forte, para obrigar as pessoas todas, ou fazê-las sentirem-

se obrigadas a fazerem o bem e a evitarem o mal.

Daí que os autores distingam dois tipos de leis, a que estamos obrigados:

- As leis naturais

- e as leis positivas

3.3. Leis naturais

As leis naturais são as leis constituídas por directrizes morais, que se fundam na

natureza do homem, independentemente de qualquer intervenção positiva da autoridade.

Há que distingui-las das leis físicas, como são, por exemplo, a necessidade de comer ou

de beber.

Também podem ser definidas como resultantes da natureza racional do homem. Os

ditames da razão é que exprimem, objectivamente, qual deve ser o procedimento do

homem, para poder ser autenticamente homem.

Portanto, a razão por que estas leis nos obrigam é que, se as não cumprirmos,

perdemos o direito de nos considerarmos a nós mesmos como pessoas racionais. Por

exemplo, a mãe que lança o filho num caixote do lixo. A todos parecerá evidente,

independentemente das razões sociais que porventura a tenham levado a isso, que tal

mulher agiu de forma desnaturada. Ou um pai que viola a própria filha. Não merece ser

considerado como homem. E por aí adiante.

3.4. Leis positivas

85

As leis positivas, por seu lado, são as leis fixadas por alguma autoridade. Resultam,

portanto, de alguma intervenção e convenção humana. Elas apenas nos obrigam,

enquanto reconhecemos a essa sobredita autoridade o poder de fixar para nós o que é

correcto ou incorrecto. Esta autoridade pode ser adstrita a um Deus, aos espíritos

superiores, aos mais velhos, aos chefes, aos pais, ou mesmo às Instituições.

86

Geralmente, as leis positivas emanam da Constituição ou Lei Básica, que cada povo

ou nação erige, para regular as relações entre os indivíduos, que compõem esse mesmo

Estado.

Resumindo:

A lei natural é constituída pelas directrizes morais, que se fundam na

natureza do homem, independentemente de qualquer intervenção

positiva da autoridade.

A lei natural é o conjunto das exigências morais, que resultam, para o

homem, da natureza racional que tem; conjunto de ditames da razão, que

exprimem objectivamente qual deve ser o procedimento do homem, para

ser autenticamente humano; expressão do que o homem deve ser, por ser

aquilo que é; expressão do dinamismo da pessoa humana

Lei natural e direito natural são, muitas vezes, usados como sinónimos;

quando se distinguem, direito natural designa o que na lei natural é

jurídico.

Lei positiva designa a lei (norma ou regra) do agir humano posta

(posita) historicamente numa determinada sociedade. Tradicionalmente,

distingue-se em divina e humana, conforme proceda de Deus ou dos

homens

A lei positiva é um ditame da razão prática (causa formal), ordenador da

acção humana (causa material) para o bem comum (causa final),

emanada da autoridade social competente (causa eficiente).

Roque Cabral, em Enciclopédia Logos. III

Na doutrina clássica, só é verdadeira lei a prescrição justa, que esteja de acordo

com a recta razão (entenda-se conforme a natureza das coisas).

Ao contrário, na modernidade, a lei é essencialmente injunção do poder. Desde que

o indivíduo reconheça a legitimidade do poder, é obrigado a cumprir todas as leis que

ele estabelecer. E porquê? Porque, dizem, é impossível determinar, com rigor absoluto,

qual é a natureza íntima das coisas.

Daqui resulta o conflito, entre o legal e o legítimo.

Legal é tudo o que é permitido pelas leis positivas, isto é, imposto pela autoridade,

que legitimamente detém o poder.

Ao passo que legítimo seria o que estivesse de acordo com a recta razão, e, por isso

mesmo, de acordo com a natureza.

É claro que para muitos autores modernos, legalidade e legitimidade se confundem,

na medida em que, na impossibilidade de determinar como as coisas deviam ser, de

acordo com a recta razão, temos de nos contentar com o que estabelece o acordo

intersubjectivo, inter-individual.

Pelo que, ninguém pode, legitimamente, transigir, nas leis da comunidade política

ou Estado, a que pertence. O máximo que poderá fazer é tentar persuadir os seus

concidadãos, para que se modifiquem as leis que considera injustas. Mas, enquanto as

leis estiverem em vigor, é necessário cumpri-las, e qualquer transgressão delas é

ilegítima.

Ao contrário, os que defendem a existência de uma ordem natural das coisas, mas

sobretudo a capacidade que cada homem tem de conhecer essa pretensa existência de

uma ordem natural das coisas, defendem que nem todas as leis das Nações e Estados,

resultantes do acordo entre os cidadãos, são justas.

Pelo que, se o indivíduo de boa fé entender que, de facto, o não são, tem não só o

direito, mas também a obrigação de as transgredir e de opor-se a elas, com todas as suas

forças.

3.5. Moralidade formal e moralidade material

87

É também comum distinguir-se a moralidade formal da moralidade material:

Por Moralidade formal entende-se a moralidade subjectiva ou pessoal.

É a tomada de posição, por parte de um sujeito moral (pessoal), perante o bem e o

mal; o permitido e o não permitido; o correcto e o incorrecto. Enfim, é a forma como

cada pessoa se relaciona com a norma moral, constitutiva da moralidade.

A Moralidade Material ou objectiva é a moralidade que o acto tem, em si mesmo,

se abstrairmos de ele ser livremente realizado.

A Moralidade Material é intrínseca, se resultar do que é o próprio acto. Por

exemplo, roubar é moralmente mau. E é extrínseca ou positiva, se tem origem numa

disposição positiva vinda de alguma autoridade.

A Moralidade Material extrínseca ou positiva compreende todos os actos ilegais, ou

seja, não permitidos pela lei. Por exemplo, fugir do serviço militar obrigatório.

Disto resulta que os actos humanos podem ser bons ou maus, permitidos ou não

permitidos, correctos ou incorrectos, lícitos ou ilícitos, conforme estejam ou não em

conformidade com a moralidade.

Esta adesão à moralidade ou a rejeição dela comporta vários níveis. Daí que se

possa falar de actos graves ou actos leves, de acordo com o empenhamento pessoal,

resultante do maior ou menor conhecimento e da advertência ou não advertência do

sujeito.

Para se avaliar o grau de bondade ou de malícia, é preciso ter em conta estes três

elementos: a intenção ou finalidade do agente, a acção realizada, e as circunstâncias

envolventes. Ou seja: o sujeito, o objecto e as condicionantes.

3.6. Mérito e Demérito (Sanção)

88

Do sobredito, fácil te será concluir que, do ponto de vista moral, o homem, ou a

mulher, tanto pode merecer como pode desmerecer, pelos seus actos.

Ou seja, a pessoa, que agir moralmente bem, precisa e deve ser reconhecida,

recompensada, retribuída. Mais: também é fácil de ver que o mérito é uma exigência de

reconhecimento da acção moral, independentemente dos seus efeitos benéficos.

Da mesma forma, a acção moralmente má desmerece, isto é, deve ser punida,

castigada, sancionada.

Daqui se depreende que as acções morais nunca são neutras. Ou merecem

aprovação, ou merecem reprovação, conforme forem meritórias ou não.

Merecer ou desmerecer, perante quem?

Quem deve, em última análise, punir ou castigar as acções moralmente más?

O primeiro aspecto a ressaltar é que a acção moral merece ou desmerece, em si

mesma, sem referência a ninguém. No sentido de que, em virtude de o homem e a

mulher serem seres morais, a prática da imoralidade cria um mal-estar no indivíduo, que

a praticar. Por isso se diz que o mérito ou demérito de alguma acção é produzido pela

própria acção. Por exemplo, um autêntico homem, ou mulher, se roubar, há de sentir-se

mal, pode até chegar a sentir-se nojento.

89

Nesta perspectiva, a acção imoral provocará, no seu autor, um efeito do género

daquele que provoca num indivíduo uma alimentação má ou uma falta de higiene

Tudo isso, porém, é ainda insuficiente, para justificar a necessidade de um agir

irrepreensível. Do mesmo modo que os efeitos da má alimentação ou da falta de higiene

não bastariam para persuadir toda a gente a ter cuidados higiénicos e de alimentação.

Além do mais, a aparente felicidade dos maus, o poder dos perversos, e a riqueza

dos desonestos, bem como o prazer de que parecem gozar os imorais, suscita em cada

um de nós a necessidade de algo mais, para sancionar os actos morais.

É assim que os Estados criam sistemas de castigo e punição para os faltosos, e, por

outro lado, chegam a criar prémios para os cumpridores.

Nem sempre, porém, os actos legais ou ilegais coincidem com as exigências éticas.

Pelo que, o sistema judicial também se mostra insuficiente para responder ao apelo

do mérito e da sanção. Uma vez que existem Estados corruptos, em que os maus

triunfam e os bons penam. Para além de que é sempre possível escapar à justiça e lucrar

com as próprias imoralidades.

Pelo que, parece óbvia a exigência de alguém capaz de:

- Avaliar, com exactidão, o valor moral de todas as pessoas, de todas e cada uma

das suas acções, por mais ocultas que elas tenham ficado, mesmo para os

próprios autores

- Querer, com total imparcialidade e empenho, reconhecer todos os méritos

correspondentes

- Ter domínio total sobre todos os seres, e capacidade, para castigar ou premiar,

conforme o caso.

Ora, um ser com estas características, só Deus. Só Ele, de facto, é omnisciente,

omnipotente e inteiramente bom.

Daqui se depreende que as exigências morais, mesmo não demonstrando a

existência de Deus, o postulam, o exigem.

Em todo o caso, a degradação dos povos, e mesmo a dos indivíduos amorais e

imorais, parece o suficiente, para nós percebermos que, independentemente de existir ou

não um Deus, o bem é meritório e o mal merece castigo.

E é por existirem actos meritórios e actos que devem ser sancionados que os

homens e as mulheres criam listas de atitudes e comportamentos aceitáveis, permitidos,

a que, genericamente, se dá o nome de virtudes, e outras de atitudes e comportamentos

90

inaceitáveis e não permitidos, a que se dá o nome de vícios. E, no mesmo sentido,

falamos de valores e contravalores.

Estas listas de virtudes podem fundamentar-se nas leis e direitos naturais, sendo,

por isso, universais. Por exemplo, os direitos humanos e as acções contra a natureza, e

os vícios e contravalores, como é o caso do incesto e do homicídio. Mas podem

também derivar de leis positivas, fixadas pelas cartas constitucionais dos Estados, ou

pelos costumes das nações e povos concretos.

Se é verdade que existem actos maus, independentemente de qualquer contexto

social, também será verdade que a definição do justo e do injusto, do bom e do mau,

pode variar, de comunidade para comunidade, e de época histórica para época histórica.

Por exemplo, a poligamia, que, hoje, à luz do desenvolvimento social, em que vivemos,

nos parece inaceitável, enquanto negação da igualdade entre os sexos, ontem, para os

nossos pais e avós, não era proibida.

Por isso, ao lado das virtudes fixas e eternas, encontramos um conjunto de virtudes

variáveis.

Pelo que a verdadeira escola e lugar da virtude continua a ser a comunidade

concreta a que cada um de nós pertence. A começar pela família, passando pelo bairro

ou clã; religião ou país, a que pertencemos. E só a partir daí se poderá falar de direitos e

deveres universais e de toda a humanidade.

Por isso, no próximo capítulo, vamos falar um pouco da família, que, como

sabemos, é o núcleo básico do nosso desenvolvimento.

Capítulo Quinto: Matrimónio e

Família

91

Antes de mais, h

universais. No sentido d

que desempenha as funç

educação e socialização

exercício da sexualidade

Como outros valo

muito diferenciadas, seg

evoluções consideráveis

Nessa variedade e

a mais comum e a mais

Uma análise destas

elementos fundamentais

São seres integralm

Isto é: o ser homem, ou

masculinos ou feminino

Em todas as dimens

são, pois, muito mais ab

os que se unem não são

sua sexualidade.

Por isso, uma relaçã

não realize a união d

constrangimentos econó

1. Fenómenos universais

á que reconhecer que Família e Matrimónio são fenómenos

e que não se conhece nenhuma sociedade, sem uma instituição,

ões de unidade económica (produção e consumo), reprodução,

das crianças, e que é, ao mesmo tempo, lugar privilegiado do

, e que obedece a certas normas fundamentais comuns.

res humanos, o Matrimónio e a Família têm regras e formas

undo as várias sociedades. E, através dos tempos, têm sofrido

, na forma como se compõem, se estabelecem e permanecem.

evolução, a modalidade conjugal monogâmica estável revela-se

moderna.

2. Elementos fundamentais

duas realidades sociais tem que ser feita a partir destes três

: os que se unem, os que nascem, e a sociedade

2.1. Os que se unem (os nubentes ou cônjuges ou esponsais)

92

ente sexuados. E dizer sexual é muito mais que dizer genital.

ser mulher, é muito mais do que ter apenas uns órgãos genitais

s.

ões da pessoa humana estão presentes as relações sexuais. Estas

rangentes que as relações meramente genitais. Isto significa que

apenas dois corpos, são duas pessoas, na plena integridade de

o homem-mulher , que não seja motivada pelo amor, em que se

e duas vontades livres, mas que seja apenas motivada por

micos, hedonistas, instituais, é degradante.

De igual modo, toda a relação, que não mereça aprovação social, por implicar

mentira ou traição dos que mais nos estimam: pais, amigos, parceiros, comunidade, etc,

será uma relação mutilante, no sentido em que vem romper a cadeia do amor,

exactamente, onde devia atingir a sua plenitude.

A sexualidade humana, embora obedeça a impulsos interiores indiscutíveis, não é

totalmente instintual, como a dos animais. Por isso, implica uma aprendizagem, um

contexto social, e um controlo vindo das dimensões superiores. Sem o que, ela se

perverte, e nos corrompe e escraviza..

A sexualidade é, por esta razão, uma linguagem natural e, sobretudo, cultural. E

pode ser verdadeira e amadurecida, ou mentirosa e pueril.

A autêntica sexualidade conduz à união de duas pessoas, que se entregam e se

acolhem mutuamente, de modo total e incondicional. O que implica que o exercício

correcto da sexualidade exclui terceiros, e requer tempo.

A relação sexual é, pois, relação de corpo-sujeito em oposição à relação de corpo-

objecto (que acontece, quando alguém tem, como fim, apenas tirar do outro o prazer ou

outras benesses). É uma relação significante, enquanto forma de comunicação e diálogo.

Pode, por isso, exprimir uma vontade egoísta de busca de auto-satisfação, posse e

domínio ( e então perverte-se); ou doação pelo amor, exigindo aceitação e

correspondência, sem os quais, seria violência, ódio e engano.

Em suma, a sexualidade humana é conjugal, é monogâmica, é duradoira, é

potencialmente procriadora ou parental, é social e é institucional.

2.2. Os que nascem

Onde há filhos, haja pais. Ou seja, para uma pessoa humana acabar de nascer,

precisa de dois úteros: o da mãe e o da família. Acima de tudo, precisa do par

progenitor: um par unido, estável, que lhe assegure o modelo masculino e feminino, e

tudo o resto.

2.3. A sociedade

93

O bem-estar social depende da saúde das famílias, enquanto lugares de nascimento

e de crescimento.

Assim, a sociedade exige dos que se unem que firmem a sua aliança, através do

casamento institucional, nas suas várias formas. O que exclui uma procriação

espontânea e uniões a eito e de qualquer maneira.

A sociedade, bem como a saúde física e mental dos que nascem, exige uma família

unida, estável e duradoira. E só muito excepcionalmente admite a dissolução da família

ou divórcio, como uma solução extrema, mas, nem por isso, menos trágica e derradeira.

Sendo a famí

da esterilidade s

abordagem sobre

Tu próprio p

acontecidas com a

Comecemos,

Por aborto

isto é, capaz de vi

O aborto é

provocado, quand

A primeira

não ser permitido

A julgar pe

milhões, senão m

no nosso país, de

Porém a e

problemas morais

Mesmo assi

A literatura

3. Vida e ética (Bioética) na família

lia, o lugar previlegiado da transmissão da vida, a questão do aborto e

urgem como dois grandes problemas a ter em conta em qualquer

a família.

ode ser que já tenhas tido conhecimento de experiências traumáticas

migos, com familiares ou conhecidos teus.

então, pelo abordo

3.1. O aborto

3.1.1. Definição, espécies

94

entende-se a interrupção da gravidez, quando o feto ainda não é viável,

ver fora do útero materno.

espontâneo, quando acontece, sem intervenção do homem. E é

o resulta da intervenção humana.

pergunta, que se põe, ao falarmos do aborto, é se o mesmo deve ou

?

las estatísticas, parece que sim. Pois a OMS indica cerca de 30

ais, de abortos anualmente realizados, em todo o mundo. E a situação

certeza que não é menos dramática.

xperiência também mostra que qualquer acto abortivo cria sérios

, psicológicos e físicos, sobretudo aos seus autores.

m, nem todos os abortos provocados são iguais.

, sobre esta matéria, distingue vários tipos de aborto, a saber:

- o aborto terapêutico, que se realiza, quando a condução da gravidez até ao fim

constitui um sério risco para a vida da mãe.

- O aborto ético ou humanitário, quando deriva de o facto de a gravidez ser

consequência de uma acção delituosa, como a violação, o incesto, etc.

- O aborto eugénico, que é praticado, quando existe um risco muito grande de que

o novo ser esteja afectado por anomalias gravíssimas ou malformações

congénitas.

- O aborto psico-social, que é realizado por motivações pessoais, familiares,

económicas, sociais da mulher. E esta tem sido a causa mais comum indicada

para o aborto, pela maior parte das mulheres que o praticam, e, por coincidência,

também a mais inaceitável. Esta razão é, de facto, insuficiente e condenável, não

só porque, a ser aceite, legitimaria todos os abortos, como também porque revela

uma grande dose de egoísmo, de irresponsabilidade, de comodismo e de

menosprezo pela vida de outras pessoas.

3.1.2. Questões Éticas do Aborto

95

A razão pela qual o aborto não deve ser tolerado é porque destrói a vida de outra

pessoa, e entra, portanto, na categoria do crime do assassínio, ou homicídio.

- O feto ainda não é pessoa - contra-argumentam os defensores das práticas

abortivas.

E surge, imediatamente, a pergunta:

- E então quando é que começa, exactamente, a vida humana, no

desenvolvimento embrionário?

As opiniões são diversas, e podem ser resumidas no seguinte quadro:

Começo do direito à vida Fase embrionária Dia ou mês

Fecundação Zigoto Primeiro dia

Anidação Blastocisto 14 dias

Fim da organogénesis Feto Dois meses

Viabilidade Bébé Prematuro 21 Semanas

Nascimento Recém nascido 9 Meses

96

Fecundação – fusão dos elementos masculino e feminino, isto é, do esperma e do

óvulo. Esta fusão dá origem ao zigoto ou célula-ovo.

Este momento é crucial, na medida em que dá início a uma realidade biológica

humana, distinta da dos seus progenitores, com um código genético único e irrepetível,

e já com dinamismo autónomo.

Anidação – implantação do ovo no endométrio, dentro do útero.

Por ocasião do término deste processo de anidação, que começa entre o 5.º e o 6.º

dia, para acabar no 14.º , surge a possibilidade de o embrião se poder dividir e dar

origem a gémeos. O que coloca, como é evidente, a questão da individualização, que

pressupõe a base da personalização.

Também o facto de cerca de 50% dos óvulos fecundados não chegarem à fase da

anidação coloca questões sérias à humanização, antes deste momento.

Fim da organogénesis ou formação do feto - aquisição da forma humana, por parte

do novo ser. Quer dizer, o novo ser adquire o aspecto humano: constituição da cabeça,

com os seus olhos, nariz e boca; das extremidades, da maioria dos órgãos internos. O

que significa a passagem da fase embrionária para a fase fetal.

Além do mais, por este período, mais concretamente, por volta do 43.º dia, aparece

o primeiro sinal de actividade eléctrica cerebral, embora ainda sem substância cinzenta,

e ainda com um traçado do electroencefalograma de tipo subcortical.

Ora, dado o facto de a paragem da actividade cerebral ser identificada com a morte,

a formação e início do funcionamento do córtex cerebral coloca questões importantes,

em relação à humanização.

Viabilidade – refere-se à possibilidade de o novo ser poder viver fora do útero,

embora precise ainda de um apoio especial médico.

Perante tudo isto, quais são, pois, as questões éticas do aborto?

De tudo quanto acabamos de referir, conclui-se, como bem defendeu o ginecólogo

G. Garbelli, que, para a Biogenética, o concebido, logo na sua face embrionária de ovo

(zigoto), já pertence à espécie humana. É, indiscutivelmente, singular, isto é, distinto

dos seus progenitores. E adquire, imediatamente, um mecanismo de programação do

próprio plano de desenvolvimento, funcionando com modalidades autónomas.

Assim, acrescenta ainda Garbelli, o óvulo fecundado é um ser humano, pela sua

origem, pela sua finalidade; pelas suas virtualidades ou potencialidades humanas, que,

enquanto tais, são completas, logo no acto da concepção.

Isto não significa que a tarefa da sua hominização já tenha terminado. O homem,

até à sua morte, é sempre um projecto-de-ser-homem, um ser-humano-em-evolução.

Porém, ao longo deste processo, já não registará saltos qualitativos assinaláveis, embora

tenha momentos decisivos, em sua evolução. O ovo ou zigoto humano é, desde logo,

distinto do ovo de qualquer outro animal ou ser não humano.

E é tanto mais condenável interromper este movimento evolutivo do embrião

humano, quanto mais fraco e desprotegido ele se mostra, por ocasião da sua concepção

e desenvolvimento embrionário ou fetal.

É verdade que alguns querem fazer depender a hominização desse novo ser, da sua

capacidade relacional, da sua aceitação pelos pais, ou mesmo da aquisição de uma

cultura. Mas nós rejeitamos essa pretensão, na medida em que todas essas características

podem faltar também em pessoas adultas. E quanto maiores forem as deficiências de

uma pessoa, a este nível, tanto mais elas traduzirão uma sua extrema debilidade, e tanto

maior deverá ser o nosso empenho em a proteger e defender. Assim temos também de

proteger e defender a humanidade do embrião ou do feto.

Nesta lógica, ainda que, embora com muita prudência, pudessem, eticamente, ser

tolerados e aceites o aborto terapêutico, o eugénico e o ético ou humanitário, o aborto

psico-social ou doutro tipo é condenável, proibido e inaceitável.

3.2. A Esterilidade

3.2.1. Combate à esterilidade e questões ética correlativas

97

Para lutar contra a esterilidade, tanto masculina como feminina, dispõe, hoje, a ciência,

de um conjunto de técnicas designadas por Reprodução Medicamente Assistida (RMA).

São eles:

- a Inseminação artificial (IA);

- a Transferência Intratubária de Gâmetas (GIFT);

- a Transferência Intratubária de Zigotos (ZIFT);

98

- e a Fertilização in vitro, seguida de transferência de embriões (FIVETE).

Por inseminação artificial (IA) entende-se a transferência mecânica de espermatozóides,

previamente recolhidos e tratados, para o interior do aparelho genital feminino.

Por Transferência Intratubária de Gâmetas entende-se a transferência de gâmetas

(espermatozóides e ovócitos), previamente isolados, para o interior das trompas

uterinas, de modo a que só aí se dê a sua fusão.

Donde, a fecundação tem lugar in vivo.

Por transferência Intratubária de Zigotos (ZIFT) entende-se a fusão dos gâmetas in

vitro, e posterior transferência, depois da fusão, para o interior das trompas uterinas.

Quanto à FIVETE ou seja, fertilização in vitro e transferência dos embriões, ela

acontece, quando o zigoto ou os zigotos são incubados in vitro, no mesmo meio, em que

surgiram, até que se dê a sua segmentação.

O embrião ou embriões resultantes (no estádio de duas a oito células) são, então,

transferidos para o útero ou para as trompas.

• Os espermatozóides podem ser mantidos congelados, por períodos indefinidos, em

condições que lhes permitam reter suficiente actividade, e armazenados em bancos

de esperma.

• Quanto aos ovócitos é, por agora, tecnicamente insatisfatório o seu congelamento e

armazenamento.

Quanto à proveniência dos materiais biológicos, nas técnicas supracitadas, os

espermatozóides e os ovócitos podem provir do casal, e, nesse caso, a Reprodução

Medicamente Assistida (RMA) diz-se homóloga.

Se, pelo contrário, um ou ambos os tipos de gâmetas do casal não são viáveis, e se

recorre a um dador de espermatozóides ou/e de ovócitos, exterior ao casal, a

Reprodução Medicamente Assistida (RMA) diz-se heteróloga.

Quando a mulher, por alguma razão, não pode engravidar, apesar de possuir

gâmetas viáveis, recorre-se à mãe de substituição, que criará o embrião em suas

99

entranhas, para, depois, entregar o filho aos dadores dos gâmetas.

Mas casos existem,em que a mãe não só recebe o embrião, como também contribui

com os seus ovócitos.

Disto, resulta a dissociação dos elementos. Os elementos de paternidade e de

maternidade estarão separados. O que permite falar-se não só de pai e mãe ou de pai e

mãe adoptivos, mas também de pai e mãe biológicos e de pai e mãe sociais, como

categorias diferenciadas.