Upload
independent
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
ÍNDICE
Capítulo primeiro: Noções Básicas
1. Que é isto, a Filosofia?
1.1. Definição etimológica da Filosofia.
1.2. Onde e como começou a Filosofia?
1.3. Definições célebres da Filosofia
1.4. As tarefas da Filosofia
1.5. O método da Filosofia 2. Disciplinas da Filosofia
2.1. Cosmologia
2.2. Ética
2.3. Política
2.4. Teoria de Conhecimento e Lógica
2.5. Epistemologia
2.6. Antropologia
2.7. Teologia Racional e Metafísica
2.8. Ontologia
2.9. Estética ou Filosofia da Arte
2.10. Filosofia da linguagem e a Hermenêutica
2.11. Filosofia da Religião
2.12. História da Filosofia
3. Força e fraqueza da Filosofia Capítulo Segundo: Teoria de conhecimento
1. Introdução
2. A consciência como ponto de partida da Análise do conhecimento
3. A fenomenologia do Acto de conhecer
3.1 Papel do Sujeito e do objecto no acto de conhecer
3.2. Modos de conhecimento humano
3.2.1. Conhecimento Sensitivo
3.2. 2. Conhecimento Racional
3.2.3. Conclusão
4. Certeza e Verdade
4.1.Racionalismo
4.2. Empirismo
4.2.Cepticismo e Dogmatismo
5. Como é que surge o conhecimento no ser humano
5.1. Origem Filogenética do Sujeito cognoscente
5.2. Origem Ontegenética do Sujeito cognoscente
6. Conhecimento Científico
6.1. Conhecimento Científico segundo Kant
6.2. Karl Popper e método científico
6.3. Thomas Kunh e o Conhecimento Científico
Capítulo Terceiro: A Pessoa Humana, Ser Individual
1. Introdução: Dimensões e paradoxos
2. Quem sou eu?
2.1. A definição do ser humano a partir da consciência do eu
2.1.1. A dupla face do eu
2.1.2. A insuficiência do eu para definir o ser humano
2.2. O novo conceito do ser humano 3. O homem relacional
3.1 O tu antes do eu
3.2 A revelação do outro
3.3 Ser com os demais
4.1. Formas de relação interpessoal
4. Amor e Identidade Humana
4.2.1. As três formas de amor
4.2.2 O amor como virtude e causa da virtude
4.3 Ecologia, amor da natureza 5. Justiça e Natureza Humana
5.1 A virtude das virtudes
5.2 Justiça como amor ao Bem
Capítulo Quarto: Ética Social
1. Vida comunitária e relações sociais
1.1. Amizade cívica e justiça social
1.2. O Princípio de Subsidiariedade
1.3. O Princípio de Solidariedade
1.4. O Princípio do Primado do Bem Comum
2. A Liberdade
2.1.Tipos de Liberdade
2.2. Liberdade Vista pelos filósofos
3. A Moralidade
3.1 Introdução
3.2 Que norma moral é esta?
3.3 As leis naturais
3.4 As leis positivas
3.5 Moralidade formal e moralidade material.
3.6 Mérito e Demérito (Sanção)
Capítulo Quinto: Matrimónio e Família
1. Fenómenos universais
2. Elementos fundamentais
1
2.1. Os que se unem (os nubentes ou cônjuges ou esponsais)
2.2. Os que nascem
2.3. A sociedade
3. Vida e ética (Bioética) na Família
3.1. O aborto
A. Definição, espécies
B. Questões éticas
3.2. Esterilidade
3.2.1. Combate a esterilidade
3.2.2. Problemas éticos na luta contra a esterilidade
Definir etimologicame
sua
origem (étimo – raiz d
conhecer uma palavra, atrav
Neste nosso caso con
filosofia.
A palavra filosofia é
σοφια). Filos significa amig
De certeza que já ouv
terra), de amigo do mar (o q
trabalho). É isso mesmo. Na
amigo da prata, do filótimo
homens. Aliás, ainda hoje,
dedicadas à causa humana.
humanidade.
Agora, que já sabes
procurar compreender o que
amigo da sabedoria, ou filó
começaram a falar de filósof
Daí que, ao longo da
sempre muito dos filósofos
detalhe.
Para já, basta ficares a
gregos.
1. Que é isto, a Filosofia?
1.1. Definição etimológica da Filosofia.
nte uma palavra é procurar-lhe o significado, através da
e uma palavra, logos – palavra, discurso, conhecimento). É
és da sua raiz.
creto, será, pois, procurar saber o que significa a palavra
grega, e deriva da junção de duas: filos + sofia (φιλοs +
o, e sofia é sabedoria. Logo, Filosofia é amor à sabedoria.
iste falar de amigo da enxada (o que gosta de cultivar a
ue gosta de navegar), de amigo do trabalho (o que gosta do
antiga Grécia, falava-se, por exemplo, do filarguros ou o
s ou o amigo da honra, do filánthropos ou o amigo dos
nós usamos esse termo filantropo, para indicar as pessoas
E, respectivamente, filantropia, que significa amor pela
1.2. Onde e como começou a Filosofia?
3
o significado originário da palavra filosofia, é tempo de
queriam dizer os antigos, quando diziam que alguém era
sofo. E temos aqui um dado muito interessante: os antigos
os, antes de falarem de filosofia.
história, o que venha a ser filosofia depende e dependeu
em causa. Mas disto falaremos, mais adiante, com mais
saber que a Filosofia nasceu na Grécia. Portanto, com os
4
A tradição filosófica já nos acostumou a indicar os nomes de Tales,
Anaximandro e Anaximenes como os três primeiros filósofos, que a humanidade
conheceu. Todos eles três viveram na cidade jónica de Mileto, na Grécia. Daí que
também se costumem chamar os filósofos jónicos.
E de que falavam estes três homens, para merecerem o nome de filósofos?
Falavam da origem do mundo, da sua composição, do seu ordenamento, e de
muitos outros fenómenos naturais. Por isso mesmo, a filosofia de Tales, Anaximandro e
Anaximenes é também designada como naturalismo. E a eles chamaram-lhes os
filósofos naturalistas. Exactamente, por gostarem tanto de falar da natureza.
E aqui é que está a sua originalidade. Pela primeira vez, na história, alguém
ousava falar da natureza, não como de algo gerado ou criado por algum deus, mas sim
como de algo com uma sua dinâmica própria, de algo que se podia explicar, sem se ter
de recorrer ao sobrenatural.
Quer dizer: com estes 3 filósofos jónicos, as grandes figuras das forças
primordiais, dos agentes sobrenaturais, de cujas aventuras, segundo a crença dos
antigos, o mundo teria emergido, deixaram de ser necessárias, para se poder explicar o
aparecimento do mundo e o estabelecimento da ordem natural e dos homens.
Com Tales, Anaximandro e Anaximenes, o mundo físico passou a bastar-se a si
próprio, e a ser suficiente para se auto-explicar.
Foram eles os primeiros a afirmar que, na natureza, nada existe que não seja
natureza, physis. Ensinaram ainda que os processos, pelos quais a natureza apareceu, e
se diversificou e se organizou, são perfeitamente acessíveis à inteligência humana. E
que, portanto, não era preciso recorrer à religião e aos mitos, para se perceberem os
fenómenos naturais. Para os nossos três filósofos jónicos, a natureza não actuou, na
origem, de forma diferente daquela com que actua ainda hoje.
Para percebermos o alcance desta nova perspectiva, é preciso termos em conta
que, na antiguidade, os fenómenos humanos e naturais quotidianos eram explicados
através dos actos exemplares executados pelos deuses, nas origens. Por exemplo, se
havia água, era porque havia também os espíritos das fontes, e, se chovia, era pelo
5
favorecimento de alguma divindade. E o mesmo se dizia dos reis: o rei representava um
deus ou espírito superior. Isto significa que os homens não eram livres, e recebiam tudo
dos deuses, a quem, por isso, deviam submissão, e de quem recebiam as explicações e
razões de todas as coisas.
Tales, Anaximandro e Anaxímenes não pretendiam afirmar ou negar a existência
dos espíritos e deuses. Nem pensavam em discutir as razões do culto e a veracidade das
crenças. O que eles quiseram foi mostrar que é possível explicarmos muitos fenómenos
naturais, sem recorrermos ao mundo da magia, da religião e da superstição.
Este dado é muito importante, já que nos mostra que a primeira Filosofia surgiu
na continuação do mito e da religião, e não em rotura com eles.
Os primeiros filósofos procuravam explicar o mesmo tipo de fenómenos que os próprios
teólogos: os fenómenos da ordem e do Universo.
Em que se distinguiram, então, esses primeiros filósofos Jónios, dos teólogos, dos
profetas, dos magos e outros especialistas do além?
Para eles, não é o que aconteceu nas origens que há de vir agora iluminar o
quotidiano. Ou seja, não é o passado que vem explicar-nos o presente. Mas é, antes, o
nosso actual quotidiano que nos torna inteligível o que aconteceu nas origens,
fornecendo-nos modelos para a compreensão da génese e da regulação do mundo.
Assim, eles alertaram-nos para o facto de que os mitos eram criados para se explicar o
presente. E que, portanto, era o passado que estava ao serviço do presente, e não o
presente ao serviço do passado. As histórias que os magos e sacerdotes contavam, sobre
as origens e as razões da ordem, serviam para justificar e manter as práticas e normas
actuais ou do presente.
Vejamos o que diz, a este respeito, um destacado filósofo da actualidade:
A primeira filosofia está mais próxima de uma construção mítica do que de uma teoria
científica. A física jónica não tem nada em comum, nem na sua inspiração nem nos seus
métodos, com aquilo a que chamámos ciência, nomeadamente ignora tudo sobre a
experimentação. Também não é fruto de uma reflexão ingénua e espontânea da razão sobre
a natureza. Ela transpõe, sob uma forma laicizada e num vocabulário mais abstracto, a
concepção do mundo elaborada pela religião.
6
As cosmologias retomam e prolongam os temas essenciais dos mitos cosmogónicos. Dão
uma resposta ao mesmo tipo de questão. Não investigam, tal como a ciência, as leis da
natureza; interrogam-se, tal como o mito, como foi estabelecida a ordem, como pode o
cosmos emergir do caos. Os Milésios vão buscar aos mitos de génese não só uma imagem
do universo mas ainda todo um material conceptual e esquemas explicativos: por trás dos
elementos da phisis (natureza) perfilam-se antigas divindades da mitologia. Convertendo-se
em natureza, os elementos perderam o aspecto de deuses individualizados mas continuam a
ser forças activas e animadas, ainda sentidas como divinas.
Por muito importante que seja esta diferença entre o físico e o teólogo, a organização geral
do seu pensamento continua a ser a mesma. Ambos situam na origem um estado de
indefinição onde ainda nada aparece.
Jean-Pierre Vernant
Portanto, a Filosofia situa-se entre a ciência e a teologia.
Por um lado, ela precedeu a ciência, ao afirmar que o homem é capaz de
explicar os fenómenos do mundo natural e humano.
Por outro, continuou, como a teologia, a se interrogar, sobre a totalidade da
vida.
A Filosofia, por um lado, afirma a autonomia do homem, enquanto ser
racional, capaz de pensar e de resolver os seus problemas, sem recorrer à religião,
à magia, à superstição; e isso é análogo ao que caracteriza a ciência. Mas, por
outro lado, a Filosofia é, por excelência, o reino da interrogação, da reflexão, da
compreensão, da busca do sentido e do porquê do mundo, do homem e da mulher;
e isso é análogo ao que caracteriza o religioso, o mago, e o especialista do
sobrenatural.
Atentemos, de novo, no testemunho de Jean-Pierre Vernant:
Todavia, apesar destas analogias e destas reminiscências, não há verdadeiramente
continuidade entre o mito e a filosofia. O filósofo não se contenta em repetir em
termos de physis aquilo que o teólogo havia exprimido em termos de poder divino.
À mudança de registo, à utilização de um vocabulário profano, corresponde uma
nova atitude mental, um clima intelectual diferente. Pela primeira vez, com os
Milésios, a origem e a ordem do mundo adquirem a forma de um problema
explicitamente formulado, para o qual é necessário fornecer uma resposta sem
mistério, à medida da inteligência humana, susceptível de ser exposta e debatida
publicamente, perante o conjunto dos cidadãos, como as outras questões da vida
corrente. Assim se afirma uma função de conhecimento liberta de toda a
7
preocupação do carácter ritual. Os físicos (Jónios) ignoram, deliberadamente, o
mundo da religião. A sua investigação já nada tem a ver com as formas do culto, a
que o mito, apesar da sua relativa autonomia, permanecia sempre mais ou menos
ligado.
Dessacralização do saber, aparecimento de um tipo de pensamento exterior à
religião, não são fenómenos isolados e incompreensíveis. Na sua forma, a filosofia
liga-se directamente ao universo espiritual, que nos pareceu definir a ordem da
cidade, e que se caracteriza precisamente por uma laicização e uma
racionalização da vida social. Mas a dependência da filosofia, em relação às
instituições da polis, está patente também no seu conteúdo. Se é certo que os
Milésios se apoiaram no mito, eles não deixaram de transformar profundamente a
imagem do universo, integraram-na num quadro espacial e ordenaram-na de
acordo com um modelo mais geométrico. Para construir as novas cosmologias,
utilizaram os conceitos que o pensamento moral e político havia elaborado,
projectaram no mundo da natureza aquela concepção da ordem e da lei, que, ao
triunfar na cidade, havia transformado o mundo humano num cosmos.
É assim que a Filosofia há-de utilizar o diálogo e o debate público, em vez dos
dogmas, sentenças e ditos impositivos dos teólogos e seus correligionários, dos magos e
outros especialistas do além. Ela há-de valer-se da dialéctica, da imaginação e do génio
dos homens, que acreditam, seriamente, que a solução dos problemas terrestres está nas
mãos dos homens e das mulheres. Nesta perspectiva, a Filosofia é a materialização da fé
em nós mesmos.
Portanto, o surgimento da Filosofia coincide com a tomada de consciência do
poder e liberdade por parte do homem. Os primeiros filósofos eram cidadãos, que
proclamavam, diante dos seus concidadãos, que só o confronto de ideias, a busca
incessante, sistemática e livre de soluções poderia melhorar a condição humana.
O testemunho é ainda de Vernant:
Aparecimento da Polis, nascimento da filosofia: entre estas duas ordens de
fenómenos, as ligações são demasiado estreitas, para que o pensamento racional
não surja, na sua origem, solidário das estruturas sociais e mentais características
da sociedade grega. Assim inserida na história, a filosofia perde o carácter de
revelação absoluta, que, por vezes, lhe foi atribuído, ao saudar, na jovem ciência
dos Jónios, a razão intemporal , que viera encarnar no Tempo. E a escola de
Mileto não assistiu ao nascimento da Razão; ela construiu uma Razão, uma
8
primeira forma de racionalidade. Esta razão grega não é a razão experimental da
ciência contemporânea, orientada para a exploração do meio físico, e cujos
métodos, instrumentos teóricos e quadros mentais foram elaborados, durante os
últimos séculos, num esforço árduo e constante, para conhecer e dominar a
natureza. Quando Aristóteles define o homem como um "animal político”,
sublinha aquilo que separa a Razão grega da dos nossos dias. Se, para ele, o homo
sapiens é um homo politicus, é porque a própria Razão, na sua essência, é política.
De facto, foi no plano político que, na Grécia, a Razão começou por se exprimir e
constituir. Para os Gregos, a experiência social tornou-se objecto de uma reflexão
política, porque, na cidade, ela se prestava a um debate público. O declínio do
mito data do dia em que os primeiros Sábios puseram à discussão a ordem
humana, procuraram defini-la em si mesma, tentaram traduzi-la em fórmulas
acessíveis à compreensão humana e aplicar-lhe a lei do número e da medida.
Assim se foi destacando e definindo um pensamento propriamente político,
exterior á religião, com o seu vocabulário, os seus conceitos, os seus princípios e
as suas posições teóricas. Este pensamento marcou profundamente a
mentalidade do homem antigo; caracteriza uma civilização que, enquanto
permaneceu de pé, sempre considerou a vida pública como o supra-sumo da
actividade humana. Para o Grego, o homem é inseparável do cidadão; a
phrónesis (sabedoria), a reflexão, é o privilégio dos homens livres, que exercem,
correlativamente, a sua razão e os seus direitos cívicos. Quando nasce, em
Mileto, a filosofia está enraizada nesse pensamento político, cujas preocupações
fundamentais vai traduzir, e ao qual vai buscar parte do seu vocabulário. É certo
que, em breve, se tornará mais independente. Para resolver as dificuldades
teóricas, as aporias, que o próprio desenvolvimento das suas posições suscitava,
a filosofia teve de, gradualmente, forjar uma linguagem, elaborar os seus
conceitos, criar uma lógica, construir a sua própria racionalidade.
A razão grega formou-se, menos na relação do homem com as coisas, do que nas
relações dos homens entre si. Desenvolveu-se, menos através das técnicas que
actuam no mundo, do que através daquelas que exercem influência sobre outrem,
e em que a linguagem é o instrumento comum: a arte do político, do orador, do
mestre. A razão grega é aquela que, de forma positiva, reflectida e metódica,
permite agir sobre os homens e não transformar a natureza. Tanto nas suas
limitações como nas suas inovações, ela é filha da cidade.
Conclusão:
A Filosofia nasce como uma busca de sentido, em seus vários matizes, tendo como
meio a razão, tanto na sua dimensão discursiva (diálogo, debate e discurso), como na
sua dimensão reflexiva (interrogação, admiração, questionamento, medo e terror).
1.3.Definições célebres da Filosofia
9
Agora, que já sabes a origem etimológica da palavra Filosofia, e também como
ela apareceu, chegou o momento de ensaiarmos alguma definição.
Como deves calcular, não nos vai ser fácil dizer exactamente o que seja a
Filosofia. Mas também não é tarefa impossível.
Alguns filósofos célebres tentaram defini-la, cada qual, de acordo com as suas
próprias concepções. Como já deves ter percebido, ela pode ser vista e definida, a partir
de muitas e diversificadas perspectivas. Pelo que o defini-la é já filosofar.
Por exemplo, Aristóteles, esse grande filósofo da antiga Grécia, definiu-a nestes
moldes: A Filosofia é o estudo das causas últimas de todas as coisas. Enquanto que
Descartes, um filósofo francês da modernidade, define-a mais segundo o aspecto
metodológico: a Filosofia ensina a raciocinar bem. E vem depois Hegel, um filósofo
alemão contemporâneo, e retoma a definição grega, sublinhando o poder abarcador da
Filosofia: a Filosofia é o saber absoluto.
Mais importante, porém, é vermos como alguns filósofos dos nossos dias
perceberam e definiram a Filosofia:
- O que encontramos é apenas isto: disposições heterogéneas do pensar. Dúvida
e desespero de um lado, possessão cega de princípios improvados, de outro,
opõem-se reciprocamente. Medo e angústia misturam-se com esperança e
confiança. Muita vez transparece de longe que o pensar seja um modo de
calcular e uma concepção racional livre de toda a disposição. Mas também a
frieza do cálculo e a prosaica sobriedade do planejar são características de
uma disponibilidade. E não apenas isto; mesmo a razão que se guarda de toda a
influência das paixões está disposta, enquanto razão, à confiança na
inteligibilidade lógico-matemática de seus princípios.
Heidegger
- A uns, a filosofia aparece como um meio homogéneo, isto é, nela nascem e
morrem os pensamentos; nela se edificam os sistemas, para nela se
desmoronarem.
A outros, a filosofia aparece como uma certa atitude, que resulta de uma livre
opção.
Ainda a outros surge como um determinado campo cultural.
Quanto a nós, seja qual for o ponto de vista, a filosofia, essa sombra da ciência,
essa eminência parda da humanidade, não é mais do que uma abstracção
hipostasiada. De facto, “ há filosofias”. Ou melhor – porque nunca encontrareis
ao mesmo tempo mais do que uma que esteja viva – em certas circunstâncias
bem definidas, uma filosofia constitui-se para dar a sua expressão ao
movimento geral da sociedade; e, enquanto vive, é ela que serve de meio
cultural aos contemporâneos.
J. P. Sartre
1.4.As tarefas da Filosofia
10
Já sabes, pois, que existem vários pontos de vista, vários modos de encarar a Filosofia.
Agora, deves estar a perguntar-te a ti mesmo: mas então, afinal, para que serve mesmo a
Filosofia?
Pois a resposta é: a Filosofia serve para muita coisa.
Um dos filósofos que mais se debruçou sobre essa mesma pergunta foi Immanuel Kant,
filósofo alemão do século XVIII.
Para ele, a tarefa da Filosofia é ensinar-nos o seguinte:
- Que posso eu saber?
- Que devo eu fazer, isto é, como devo agir?
- Que me é permitido esperar?
A primeira tarefa impele-nos para fora de nós mesmos, a fim de indagarmos as
possibilidades e limites do conhecimento, da ciência, e, enfim, da acção do homem
sobre o mundo.
Neste sentido, a Filosofia leva-nos a fazer perguntas, tais como:
- O homem conhece?
- E como sabe que o seu conhecimento é verdadeiro?
11
- E que significa realmente conhecer?
- E que tipos de conhecimento existem?
- E o que é que pode ser conhecido?
- E por quê conhecer?
- E para quê conhecer?
- E para que serve o conhecimento?
- E como conhecer?
È esta, para Kant, a primeira tarefa da Filosofia. Nesta óptica, podemos dizer que
o estudante da Filosofia se assemelha a um recém-nascido, que, deslumbrado, com o
mundo, para o qual acaba de nascer, faz perguntas sobre tudo o que o rodeia. É,
realmente, a primeira fase, a fase da descoberta, do espanto, mas também do receio e do
medo.
A segunda tarefa da Filosofia, segundo o mesmo Kant, é: olharmos para dentro
de nós mesmos, e perguntarmo-nos
- quem somos nós?
- donde viemos?
- porque viemos?
- e como devemos comportar-nos?
É a fase do homem adulto, que já se não interessa só com o mundo exterior, mas
também com seu próprio mundo interior. É o homem adulto, que faz perguntas e
procura respostas:
- Vale a pena viver?
- Como posso ser feliz?
- E os outros?
- Porque está o homem na companhia de outros homens?
- Como devo agir, perante o outro, e perante mim próprio?
- E os animais, as plantas, as rochas, a natureza toda, porque existem?
- Qual deve ser a relação do homem, com tudo isso, que o rodeia?
- Estará o homem sozinho, ou existirão outros seres?
- Deve, porventura, o homem explicações a outro, que não seja a ele próprio?
- Existirá algo acima do homem?
- E a morte? Porque morre o homem?
- E a doença? Porque se sofre, no mundo?
- Qual é o sentido da vida?
- Qual é o fim último do homem?
E tantas outras!
A terceira e última pergunta tem a ver com as duas primeiras, é a pergunta do homem
amadurecido, a pergunta dos mais velhos:
- Há razões para sorrir, perante tudo isto?
- A que pode aspirar o homem?
- Existe futuro para a humanidade?
- Existe uma esperança última, apesar de todas as vicissitudes?
- Os desejos humanos serão, finalmente, satisfeitos, ou não passa tudo de uma
grande ilusão?
- E a morte? Haverá algo, além da vida terrena?
Para responder a tantas e tão diversificadas perguntas, a Filosofia precisa de um método
próprio.
1.5.O método da Filosofia
12
Para melhor apreciarmos o método da Filosofia, é preciso recordarmos o que
ficou dito,
lá atrás: a Filosofia não foi nem a primeira nem a última a responder àquelas
perguntas
todas. Antes dela, responderam os mitos, e depois dela, respondeu a ciência.
O mito socorria-se dos oráculos, dos ditos, das sentenças, da adivinhação,
supostamente transmitidos pelos deuses, pelos espíritos e outros entes superiores ao
homem. A ideia era, pois, fundamentalmente, esta: o homem é incapaz de conhecer seja
o que for, se apenas se valer das suas capacidades. Tudo quanto ele sabe foi-lhe
comunicado do Além.
Ora, a primeira característica do método da Filosofia vai ser a fé nas capacidades
racionais do homem, para responder a todas as perguntas. O método da Filosofia é o da
justificação lógico-racional e análise crítica. Ou seja, só é filosoficamente válido o que
13
passar, com sucesso, pelo crivo da crítica racional, ajustado aos parâmetros da razão e
às categorias mentais dos seres humanos. A razão humana só aceita a evidência.......
Por outro lado, a Filosofia prefere uma visão de conjunto ao conhecimento
parcelar. Busca explicações, para todos os problemas humanos, desde o problema de
Deus até ao das pedras.
Já vês que o que distingue a Filosofia das outras formas do saber não é o seu
objecto de estudo, mas é, antes, a forma como ela encara os vários objectos de
conhecimento.
Ao contrário da ciência, que não existe senão em referência a uma área restrita e
concreta do conhecimento, a Filosofia pretende ser abarcante. Isto é: se eu disser de
alguém que ele é cientista, esta minha afirmação pura e simplesmente soa à falso, e
enuncia uma certa incompletude. Pois se alguém é cientista só o pode ser,
determinadamente, em algum sector ou ramo. Terei de especificar em que área é que ele
é cientista. Será, por exemplo, um biólogo, ou um sociólogo, ou um físico, ou um
geógrafo, ou um outro especialista. Ao passo que, se eu chamar filósofo a alguém, isso
já é, por si mesmo, suficiente.
Nota importante: é próprio do filósofo duvidar, mas sobretudo, é próprio dele
procurar novas soluções. Desta feita, para além do cálculo e da análise racional, a
imaginação, a arte, a dissidência, são atitudes filosóficas de inestimável valor. É neste
sentido que a Filosofia se afirma como companheira e aliada do homem livre, que se
interroga, e questiona os seus concidadãos e todas as realidades. A Filosofia é amiga
dos homens insatisfeitos, que buscam sempre o melhor; dos inconformados, dos
renitentes, dos proscritos e loucos. Ela é também companheira dos grandes inventores
sociais e técnicos, que procuram novas formas de estar na vida e de agir. Ao mesmo
tempo, ela habita a alma dos cumpridores, dos dóceis, dos que gostam de aprender, com
a experiência veiculada pelos velhos e emanada pela tradição e pelo senso comum, dos
que, mais do que interrogar, pretendem aprender, encontrar formas de acção, crenças e
convicções que dêem sentido à vida dos que querem ajustar as suas vidas às normas e
aos costumes, dos que apreciam a sabedoria da força do grupo, da excelência das
práticas costumeiras, das ideologias de vida, que sustentam as nações.
Portanto, dúvida, por um lado, e crença, por outro, são dois pontos de partida para
filosofar.
E se, de um lado, encontramos filósofos, que julgam que a Filosofia se basta a si
mesma, no sentido de que ela se justifica, pelo prazer e gosto, que o convívio com as
ideias oferece, de outro lado, perfilam-se os que defendem que a Filosofia só se justifica
pelos seus propósitos, no âmbito da acção, da resolução de problemas concretos. Para
estes, a inquirição racional visa sempre um propósito racional. Filósofo não é só aquele
que se deixa extasiar com a contemplação do mundo, com a harmonia das leis e beleza
das ideias. Mas é também e, sobretudo, aquele que age ou pretende agir no mundo,
transformando-o e melhorando as condições de habitabilidade, no globo terrestre.
Do ponto de vista h
Isto é, o seu objecto de e
tornado comum ouvir dize
naturalistas. É verdade qu
surgiu a ordem. Ou seja, p
têm, cada qual, o seu lu
moldura ordenada, onde c
irracional, conserva o seu
foi, por isso, central, no se
vinha dos mitos. Foi, po
incitou esses primeiros fil
Um facto de extrem
para ti. é que a ordem do
humanas, formando um
homens criarem tais leis e
tão feliz como o sábio?
É fácil de ver ( e ist
para esses primeiros filó
2. Disciplinas da Filosofia
2.1. Cosmologia14
istórico, já vimos que os primeiros filósofos eram naturalistas.
studo era o mundo, o universo, o cosmos. Daí que se tenha
r de Tales, Anaximandro e Anaxímenes que eram fisiólogos,
e a sua maior preocupação era a de saber como é que do caos
orque é que o sol, a lua, as estrelas, os mares, os continentes,
gar próprio, permitindo que o mundo seja uma espécie de
ada ser, tanto inanimado como animado, tanto racional como
lugar próprio, evitando o caos, a desordem. O tema da ordem
u pensamento. Seguiam, como vimos, uma tradição, que lhes
r assim dizer, o espanto, perante a harmonia universal, que
ósofos a buscarem respostas, a filosofarem.
a importância, para esses filósofos, e provavelmente também
universo encontra o seu correlato, na ordem das sociedades
contínuo, uma unidade admirável. Como foi possível aos
tal mundo, em que o pobre é tão feliz como o rico, o néscio
o será discutido, com mais pormenores, lá mais à frente) que,
sofos, a natureza era uma amiga cheia de ensinamentos, e
digna, por isso, de ser respeitada e acarinhada. O mundo é detentor de uma ordem, que o
próprio homem deve respeitar. E, por isso, é reprovável qualquer agressão a essa
harmonia, por desejos egoístas ou tecnológicos.
E é assim que a Cosmologia emerge, como a primeira disciplina da Filosofia.
E, ontem como hoje, é fácil de perceber que a temática da origem do universo e
do homem seja uma disciplina atractiva, e que as suas contribuições se repercutam em
todas as esferas da nossa vida. Que o mundo e o homem tenham sido criados por Deus
ou não, diz das nossas capacidades de conhecer, diz da nossa responsabilidade perante
os outros, diz da razão de ser da organização política, diz também do nosso fim último,
e dá sentido ou não à nossa vida. E é exactamente graças a esta amplitude que a
Cosmologia vista no âmbito da Filosofia ultrapassa a cosmologia vista no âmbito
estritamente científico. Por isto a ultrapassa e por isto se distingue dela.
parti
impo
Aten
sabe
orga
nós p
Filos
acab
filós
com
seu g
Sócr
2.2. Ética
Estas explicações totalizantes, que queriam compreender o mundo e o homem, a
r da sua origem, não tardaram a mostrar-se uma tarefa difícil, senão mesmo
ssível.
Não tardou, porém, que aparecessem outros filósofos, como Sócrates, cidadão de
as, capital da Grécia de então, a chamar a atenção e a dizer: se calhar, o verdadeiro
r ainda não é aquele que nos permite dominar os segredos da natureza e da
nização política, mas tão somente aquele que nos permitir sermos melhores, perante
róprios, e perante o conjunto dos cidadãos, que nos rodeiam.
Nesta óptica, a Ética ou Moral emergiu como a disciplina mais importante da
ofia.
Na verdade, a virtude, enquanto distintiva do sábio e interior ao ser humano,
ou por constituir o assunto filosófico mais importante, para Sócrates, um dos
ofos mais marcantes da história,. Pelo que, até hoje, a Moral, a Ética, ficou inscrita
o uma disciplina fundamental da Filosofia.
2.3. Política
15
Mas seria Platão, com os seus Diálogos, a marcar o início da Filosofia, como o
énero favorito. A Platão, aliás, devemos até o conhecimento de quem era o próprio
ates, já que é Sócrates o herói principal dos diálogos platónicos.
Os primeiros filósofos, como ficou dito, não só acreditavam no diálogo, como
meio para atingir o conhecimento, mas também, quando escreviam, faziam-no em forma
de diálogo, como testemunham esses emocionantes diálogos, que a pena de Platão nos
legou.
Foi, pois, com Platão, que a Moral atingiu o seu estatuto político, ao ficar
demonstrado que ela não é só algo interior ao ser humano, mas é também algo
partilhado e vivido em comum com outros homens.
Assim, a Política aparece como uma Disciplina importante, talvez a mais
importante da Filosofia. Posto que ela nos leva a perguntar como devem ser as leis e
convivências humanas, como podemos aumentar a justiça e extirpar a injustiça, como
podem os homens viver pacificamente, evitando a guerra, como podem eles cooperar
juntos, amarem-se uns aos outros, e juntarem as forças, para a consecução dos seus
objectivos.
ped
são
ama
a F
con
imp
exe
mat
inde
con
2.4. Teoria do conhecimento e Lógica
Mas Platão viu também, e muito bem, que, mais do que o mundo exterior, das
ras, dos animais e de muitos outros seres, o que determina a nossa vida e conduta
as ideias, que temos ou deixamos de ter, sobre as coisas. Pelo que, o verdadeiro
nte da sabedoria, o filósofo, deve, antes de tudo, dedicar-se ao mundo das ideias.
Ora, indagar sobre as ideias é procurar a origem do conhecimento. Neste sentido,
ilosofia é Teoria do Conhecimento. É perguntar como é que o homem pode
hecer, e considerar válido esse conhecimento. É perguntar o que é que é mais
ortante, no acto de conhecer: se é o ser que é conhecido, ou se é o ser que conhece.
Nesta óptica, a teoria do conhecimento é Cognoseologia, e a Lógica é parte dela.
Ainda que a Lógica, dada a sua complexidade e importância, no âmbito, por
mplo, da oratória, do discurso, no meio político, por excelência, e no âmbito da
emática ( e, por isso, da técnica), se constitua como uma disciplina autónoma e
pendente.
2.5. Epistemologia
16
Mas podemos também voltar a nossa atenção, não já para o acto concreto de
hecer, mas antes para o próprio sistema de saber, que, no mundo de hoje, é
designado por ciência. Pois, ao dizermos que algo está provado cientificamente,
estamos a dizer que é verdadeiro.
Estudar o conhecimento, enquanto ciência, é fazer Epistemologia.
Temos o direito de distinguir e separar o verdadeiro do falso. Isto é de extrema
importância, nas nossas vidas. Sabemos que a possibilidade da ciência conduz ao
desenvolvimento tecnológico. Sabemos que é para a melhoria das nossas condições de
vida que o conhecimento científico tem, entre nós, uma importância especial.
Daí que a Epistemologia seja uma das disciplinas mais importantes da Filosofia.
A Ciência, enquanto nos dá a possibilidade de agir sobre as coisas, é um meio
importante para a Política, já que a acção sobre as coisas tem uma influência capital na
acção sobre os outros homens. E isso é o que constitui a acção política. Nem é preciso
recordar que, na Política, triunfa quem conseguir mais dinheiro, quem condicionar o
comportamento das pessoas que o rodeiam, e as levar a satisfazerem as suas vontades.
Recorde-se que o domínio da ciência e da técnica condicionou e condiciona o destino
dos povos. Só para dar algum exemplo, foi por causa de um deficiente desenvolvimento
científico que os povos de África foram dominados pelos europeus. E, ainda hoje, é o
domínio na área económica e bélica que decide quem são os povos que mandam no
mundo. .
uma
sign
terre
Disc
2.6. Antropologia
Mas ainda não é tudo. O lugar do homem no mundo é também, por óbvias razões,
questão de não menor importância.
A esta Disciplina chamamos-lhe Antropologia, de antropos, que, em grego,
ifica homem, pessoa humana, tanto o homem como a mulher.
A Antropologia trata de saber quem é o Homem enquanto Homem.
tafísica
s
i
2.7. Teologia Racional e Me
17
Para os que acreditam em Deus (e, pelo menos até hoje, são a maioria, no globo
tre), a Filosofia não podia deixar de discutir sobre Deus. E, ao fazê-lo, cria uma
plina específica, a que se chama Teologia.
A Teologia, porém, enquanto reflexão sobre um ser superior e externo a este
mundo, postula a curiosidade sobre um outro mundo, que se situa para além da physis,
ou da física, ou da natureza.
A esse novo tipo de conhecimento chamamos-lhe Metafísica. Ou seja, a reflexão
sobre quanto se situa para além (metá) do reino da natureza (physis), do mundo
sensível, deste mundo que captamos com os nossos cinco sentidos.
Ma
espíritos
em contr
Or
interroga
Pa
Filosofia
objecto d
O
publicitá
omnipre
Um
seu obje
Estética
Arte.
Mu
filosofar
É
discurso
2.8. Ontologia
s a Metafísica não poderia ficar reduzida apenas ao mundo dos deuses e
superiores. Tem que ser também o reconhecimento de que o mundo é e existe;
aposição à não existência e ao nada.
a, se todas as coisas são e existem, é lógico que a Filosofia comece por se
r sobre o que será isto de ser, o que será isto de existir.
ra tratar desta questão, que, à primeira vista, até poderia parecer-nos estranha, a
criou, logo desde o princípio, uma disciplina que se chama Ontologia, e cujo
e estudo é o ser enquanto ser.
2.9. Estética ou Filosofia da Arte
belo, nas suas várias expressões, desde o artístico até ao dos simples tablóides
rios, está hoje, nas nossas vidas, de uma forma quase, diríamos mesmo,
sente.
a nova Disciplina tende, pois, a ganhar espaço, nos meandros filosóficos. O
ctivo é, exactamente, o de se ocupar do belo, da Beleza. Referimo-nos à
(não confundir com etiqueta). Pode também designar-se como Filosofia da
2.10. Filosofia da linguagem e Hermenêutica
18
itas outras Disciplinas se podem ainda aduzir, relativamente à própria forma de
.
o caso da Filosofia da Linguagem, uma vez que a Filosofia nos remete para o
, para a linguagem.
É também o caso da Hermenêutica, já que a existência de diversos textos de
filosofia vai postular uma forma específica de leitura e interpretação. A Hermenêutica
será, pois, a Disciplina que se ocupa do significado e da linguagem da Filosofia.
exi
os r
dos
não
des
ou
Lin
Filo
visí
hom
enq
Lin
con
da
2.11. Filosofia da Religião
Podemos ainda falar da Filosofia da Religião.
Esta indaga, não directamente sobre Deus, mas sim sobre a Religião, de cuja
stência, enquanto actividade humana verificável, ninguém duvida.
t
S
g
g
F
2.12. História da Filosofia
19
E, por último, podemos estudar a Filosofia, nas suas etapas, através do tempo.
A esta Disciplina chamamos História da Filosofia. Nela, se estudam os filósofos e
espectivos sistemas de pensamento, que foram aparecendo e afirmando-se, ao longo
séculos.
Poderiam ainda criar-se ou denominar-se outras disciplinas da Filosofia, que aqui
ficaram referidas.
Concluindo, o importante é que tenhas ficado com alguma ideia sobre cada uma
as Disciplinas da Filosofia:
A Ontologia, a Metafísica, a Teologia, a Filosofia da Religião, a Filosofia Política
ocial, a Ética, a Antropologia, a Teoria do conhecimento, a Lógica, a Filosofia da
uagem, a Estética, a Hermenêutica e a História da Filosofia.
Poderás também perceber facilmente que a Ontologia, a Metafísica, a Teologia e a
sofia da Religião transcendem o mundo material e sensível, este nosso mundo
vel, audível, captável pelo nosso tacto, olfacto, sabor. Tratam, pois, de realidades
em enquanto membro de um grupo social. E a Antropologia trata do Homem
uanto Homem. E a Teoria do Conhecimento, e a Lógica, e a Filosofia da
uagem, e a Hermenêutica, estas dedicam-se a indagar sobre a própria forma do
hecimento filosófico. Quanto à História, essa prescinde das Disciplinas e ocupa-se
ilosofia como ela foi sendo feita, através dos tempos.
Como se vê,
autonomizam, só a Fi
conjunto. O mesmo fi
à Teologia Racional,
Além disso, a
dentro da área de u
realidades um olhar
Medicina ou da Bio
implantação de órgão
essas práticas limites
precisa da Filosofia,
atómicos e nucleares
material e o mundo es
Portanto, ao c
aos limites, que lhes
pretende colaborar c
crítico.
A inter-discip
inerentes à Filosofia.
Por outro lad
limitada, e, vezes sem
o drama humano. E
impossível, tenha sem
O cepticismo
negação pura e sim
relativismo e do dogm
O relativismo
3. Força e fraqueza da Filosofia
20
enquanto, na Ciência, as várias áreas do saber se especializam e
losofia dá aos seus cultores a possibilidade de terem uma visão do
lósofo pode dedicar-se à Filosofia da Ciência, como epistemólogo,
como teólogo, à Política, como filósofo político, etc.
inda ao contrário da Ciência, cujo objectivo é produzir resultados,
ma especialidade, a Filosofia pretende ter sobre essas mesmas
crítico de conjunto. Por exemplo, no caso das conquistas da
logia, como a clonagem, ou a interrupção da gravidez, ou a
s, ou a reprodução artificial, a Filosofia pode ajudar a colocar a
humanamente aceitáveis. O mesmo se pode dizer da Física, que
para compreender os dilemas, que o uso dos conhecimentos
implica, bem como as fronteiras, que ela coloca, entre o mundo
piritual. Isto, só para citar alguns exemplos.
ontrário das Ciências, que são regionalizadas e estão confinadas
impõem o seu objecto e o seu método específico, a Filosofia
om as outras formas do saber, e fornecer-lhes um são sentido
linaridade e o diálogo com outras formas do saber são, portanto,
o, porém, a Filosofia, como qualquer actividade humana, é
conta, tem-se mostrado insuficiente, para explicar e compreender
daí que o cepticismo, ou seja, a crença de que o conhecimento é
pre acompanhado a Filosofia, ao longo dos tempos.
tem assumido, ao longo da História, vários matizes. Desde a
ples da possibilidade do saber, até à forma dissimulada do
atismo absoluto.
defende que cada homem tem a sua própria verdade.
21
O dogmatismo absoluto, pelo contrário, acha que existem verdades únicas,
reveladas por este ou aquele demiurgo. E que tais verdades se situam para além de
qualquer crítica ou justificação lógica racional.
É assim que, ao lado de filosofias nihilistas, cépticas e anárquicas, assistimos ao
desenvolvimento de ideologias e credos avessos a qualquer tipo de racionalidade lógica.
Estas ideologias, às vezes, tomam a forma de eclectismo.
O eclectismo é a crença de que todos os sistemas e perspectivas filosóficas
podem fundir-se e formar um sistema único e integrado, através da recolha e selecção
de quanto existe de verdadeiro, em cada um dos sistemas ou em cada uma das
perspectivas. É uma forma de pensar, que tende a fundir perspectivas e ideias de certa
maneira até contraditórias, e que implica a existência de um filósofo supremo, com o
direito de ajuizar e corrigir todos os sistemas de pensamento, e de discernir, ele só, entre
o verdadeiro e o falso, dentro de toda uma história do saber.
Como se nota, o cepticismo e o eclectismo são atitudes filosóficas não muito
adequadas para a Filosofia.
E já que estamos prestes a terminar o primeiro capítulo do nosso estudo, o
capítulo introdutório, convém que comeces a familiarizar-te com o nome, e os lugares e
os acontecimentos, que ajudaram a escrever a História da Filosofia.
Lembra-se de que dissem
amor a sabedoria? Ora, se assim
é muito importante. Pois, este c
de conhecer? Como se processa
sabemos é verdadeiro? E sobretu
para quê conhecer?
Numa primeira tentativ
colocámos, parece óbvio que é g
chegar onde estão hoje. O que
normalmente vivem acorrenta
nomeadamente, à miséria, fome
as sociedades governadas pela
glória e fausto, como as suas
igualdade, respeito e cooperação
Aliás, o mesmo se diz do ignora
mais feliz e mais próspero do
evidenciam nas letras e no conh
contrário.
Portanto, podemos dize
como para os indivíduos particu
por conhecimento tanto aquele
como do ser humano e das socie
especialista do oculto, da trad
médico, o biólogo, o físico, o
camponês, o operário, a mãe, o p
Assim sendo, fica clar
conhecimento não são monopóli
homem. Não existe homem ou
Aliás, os próprios animais pare
Por exemplo, sabem o que pode
há perigo e fugir dele e animais
1. Introdução
23
os, no princípio da nossa disciplina, que a Filosofia é
é, então, o capítulo que trata do saber, do conhecimento
apítulo vai nos ajudar a perceber o que é isso de saber,
o conhecimento? Como temos garantia de que o que
do, isso vai nos ajudar a responder a pergunta porquê e
a de resposta e a começar pela última questão que
raças ao conhecimento que as sociedades evoluíram até
significa que os povos que desprezam o conhecimento
dos à ignorância e a tudo o que lhe é familiar,
, injustiça, violência e demais desgraças. Ao contrário,
sabedoria não só experimentam épocas de saciedade,
gentes desenvolvem processos políticos de justiça,
mútua que as torna notáveis no meio de outros povos.
nte em relação ao sábio. Embora o sábio nem sempre é
que o ignorante, é consensual que os que mais se
ecimento tem mais hipótese de viver melhor do que o
r sem medo que o conhecimento é tanto para os povos,
lares a chave do sucesso e vida boa. E entende-se aqui
que nos franqueia as portas dos segredos da natureza,
dades que cria. Sábio aqui é, tanto o pastor, o padre, o
ição, o psicólogo, o mais velho, o filósofo, como o
engenheiro civil, mecânico, informático, o general, o
ai, etc.
o que numa primeira aproximação, a sabedoria ou
o só dos letrados e instruídos. É característica de todo o
mulher algum totalmente desprovido de conhecimento.
cem também ser depositários de algum conhecimento.
m comer e o que não podem; sabem distinguir quando
existem até como os Chipanzé que aparentam alguma
inteligência com um certo grau de desenvolvimento ou capacidade de armazenar
conhecimentos invejável como se diz dos elefantes.
Neste sentido, parece claro que a primeira tarefa que temos é distinguir o
conhecimento em geral e o conhecimento humano.
A
é, conhec
conhece, c
que acont
saber. Só
Assim, to
maneira, c
Sig
problema
capta a rea
capta-me
e responsá
da consciê
subjectivo
Ní
do sujeito
que capta
pelo facto
Ní
que está a
apreende;
apetites, d
próprios i
sentimento
sujeito ten
2. A Consciência como Ponto de Partida da Análise
do Conhecimento Humano
24
característica mais importante do conhecimento humano é a consciência. Isto
er sem ter consciência disso, sem se saber, sem se cair na conta de que se
omo acontece com as crianças e loucos, não é conhecer. É exactamente isto
ece com os animais e as máquinas, computadores e rôbotes. Eles sabem sem
conhecemos verdadeiramente na medida em que temos consciência disso.
do o conhecimento humano é consciência e toda a consciência é, de certa
onhecimento.
nifica isto que a consciência é transparente a si mesma. Mas isto levanta um
muito grande: é que a mesma consciência que conhece o mundo exterior, que
lidade que me circunda e me é exterior, diferente de mim e não sujeita a mim;
também a mim, como sujeito de desejos, apetites, instintos, capaz de escolher
vel pelas próprias acções. Por isso, há que distinguir dois níveis fundamentais
ncia: o nível subjectivo e o nível objectivo. E ainda há que distinguir no nível
, a consciência psicológica e consciência ética.
vel Objectivo – a consciência capta o mundo exterior, circundante, diferente
e independente dele. È objectiva a consciência no sentido de que o mundo
não só é independente do sujeito, como também não sofre nenhuma alteração
de ser conhecido. É o nível que importa neste capítulo.
vel Subjectivo – a consciência capta-se a si própria e se reconhece como ela
operar quando conhece. Mais, ela reconhece como verdadeiro o que capta ou
ela sabe ainda que ao captar o mundo exterior, fá-lo movido pelos seus
esejos e pulsões. Ela não é indiferente, molda os dados e sujeita-os aos seus
nteresses. Por exemplo, a vista quando vê, faz com que o sujeito experimente
s de repulsa diante do feio ou de agradabilidade diante do belo; que o mesmo
ha certeza do que capta. Ou sente nojo, reprovação diante do mal e aprovação
25
diante do bem. A consciência conhece e julga, ou seja, conhece através de juízos,
podendo ser de validade, estéticos ou éticos.
Assim, a consciência tem duas funções: Função Apreensiva e Função
Objectivante.
Função Auto-apreensiva e Apreensão do Dado Experimental. Na função auto-
apreensiva ou auto-consciente, a consciência capta-se a si mesma, torna-se transparente
de si e para si. Ela capta-se (apreende-se) como corrente, como fluxo de actos
conscientes. E, através destes actos, apreende-se como sendo o sujeito a quem tais actos
pertencem. A apreensão do dado experimental, apreensão do que não é ela, é a
Apreensão do não não-Eu. Toda a consciência é consciência de algo. Uma consciência
sem objecto, não é consciência. Portanto, é consciência de si ou do outro, do não eu.
Função Objectivante – a consciência ao mesmo tempo que manifesta uma certa
passividade na recepção do dado, ela actua como “legisladora” do modo de receber o
dado. O objecto é, deste modo, a síntese do passivamente recebido e da organização
activa legislada pela consciência. A consciência não se limita a captar, ela forma,
estrutura e organiza o dado. O dado é sujeito as categorias do sujeito. Por exemplo, as
categorias do Espaço e do Tempo; sujeito as três dimensões da consciência: altura,
cumprimento e largura.
Por fenome
tal como ele apare
O primeiro
sujeito-objecto. Is
sujeito que conhe
cognoscido). Logo
objecto conhecido
um objecto. Por i
cognoscente e um
O sujeito
propriedade, é hom
conhecer. Embora
auto-conhecimento
O sujeito d
conhecimento em
deixar-se apreende
O conhecim
conhece. Pois, dá-
surge como reacçã
actividade pela qu
coisa que se conh
cognoscente. Tal
operação imanente
Mas atenç
Apenas, reproduz
um conteúdo idên
imagem (forma) d
nem modificado p
objecto. Nasce no
3. Fenomenologia do Acto de Conhecer
26
nologia do conhecimento entende-se a descrição do acto de conhecer
ce.
aspecto a ressaltar aqui, é que o conhecimento é, sobretudo, relação
to é, para se dar um acto de conhecimento é preciso que haja um
ce (sujeito cognoscente) e um objecto que é conhecido (objecto
, conhecer é o que acontece quando um Eu (sujeito) apreende um
. Ou seja, o acto de conhecer é a apreensão por parte de um sujeito de
sso, para um acto de conhecimento é preciso que haja um sujeito
objecto cognoscido.
é um ser vivo, possuidor de uma consciência, e falando com
em ou mulher. O objecto é qualquer outro ser distinto do que está a
seja verdade também que o sujeito pode ser objecto quanto se trata de
, introspecção e auto-reflexão.
e conhecimento só o é, em função de um objecto e o objecto de
função de um sujeito. A função do sujeito é apreender e a do objecto
r.
ento é uma relação actividade. Actividade da parte do sujeito que
se num sujeito consciente de si, desperto para às coisas circundantes;
o a um excitante ( se, se considera o objecto que chega de fora). É
al o mesmo Sujeito Humano não modifica em nada o ser físico da
ece. Essa actividade apenas vai enriquecer e aperfeiçoar o sujeito
operação começa e termina dentro do sujeito. É por isso chamada
, isto é, não transcende o sujeito.
ão: Apreender o objecto não significa fazê-lo entrar no Sujeito.
nesse sujeito as determinações do Objecto, numa construção que terá
tico ao do Objecto. Essa construção operada no conhecimento é a
o objecto. Assim, o objecto do conhecimento não é transformado,
elo sujeito. Só o sujeito é que, de alguma maneira, é modificado pelo
sujeito a consciência do objecto, a imagem do objecto com o seu
conteúdo. Também é preciso acrescentar que a iniciativa de conhecer pertence
inteiramente ao sujeito.
3.1. Papel do Sujeito e do Objecto no Acto de Conhecer
27
Em primeiro lugar, é preciso dizer que tanto o sujeito como o objecto pre-
existem ao acto de conhecer. Ou seja, já existiam, já eram seres constituídos antes de
entrar no acto de conhecer onde se relacionam. Mais, tinha cada um a sua entidade,
eram seres em si mesmos. O que significa que ambos têm a sua entidade própria. Por
essa razão, nem o sujeito, nem o objecto se esgotam no acto de conhecer. Continuam a
ser o que são depois deste acto de conhecimento.
De um lado, temos um sujeito que apreende e capta e de outro, um objecto que
se deixa captar e apreender. Assim, o papel do sujeito é sair de si, invadir a esfera do
objecto, captar os aspectos, características próprias (propriedades) de uma coisa ou
objecto. Ao captar o objecto, o sujeito insere em si, o dado captado, integrando-o de
acordo com as suas próprias categorias. Isto significa que o que é captado não é,
necessariamente, a coisa em si, mas sim a coisa como é percebida, pensada, pelo sujeito.
Neste sentido, diz-se que o sujeito objectiva, determina a coisa. Isto mostra como o
sujeito é um sujeito determinante, aberto para o mundo e seu legislador.
É porque o objecto está fora do âmbito do sujeito que este tem que ser captado
mediante uma incursão do sujeito. Na verdade, mesmo depois de ser captado
cognitivamente pelo sujeito, o objecto continua, fisicamente, fora do mesmo. O objecto
está sempre em oposição ao sujeito reclamando a sua existência individual. No entanto,
é o objecto que, pela sua presença distinta, estimula o sujeito e deixa patente as suas
características e propriedades e se deixa determinar.
Assim sendo, há quem atribua, no acto de conhecer, mais valor a coisa
determinada, conhecida, na medida em que sem ela, o sujeito não conhece, não
apreende. E, sobretudo, porque é quase impossível o sujeito não reagir cognitivamente
na presença do objecto. O objecto manifesta-se e exige ser apreendido. Outros porém,
pensam o contrário. E dizem que é o sujeito que capta, que estrutura, organiza e
determina o dado, o objecto. E estes atribuem mais valor ao sujeito.
Conforme se dê mais valor a um ou a outro elemento, teremos duas atitudes de
conhecimento, dois modos distintos de conhecer que geram duas grandes teorias sobre o
conhecimento humano.
ex
h
ca
p
ta
é,
n
n
es
ra
v
em
ex
ca
in
o
aq
d
h
g
o
se
3.2 Modos de Conhecimento Humano
28
A questão que se coloca agora é seguinte: o que o homem capta (vê ou sente, por
emplo) são apenas coisas espaciais e temporais (materiais) privadas de um significado
umano? Ou o que ele capta é o mundo organizado e organizável segundo as suas
tegorias racionais?
Com efeito, se é verdade que a consciência não se move num ambiente de ideias
uras, nem actua com imagens filtradas da realidade na interioridade da sua consciência,
mbém é verdade que não conhece senão nos limites das suas categorias racionais. Isto
você mesmo não conhece nada que não seja tridimensional (que não tenha largura,
em comprimento, nem altura) de acordo com as categorias da razão humana. Nem
ada entra na sua mente que não esteja no tempo e no espaço.
É por isso que pensadores existem, como Platão, para quem o conhecimento é,
sencialmente, obra do sujeito que capta e organiza o mundo. Para estes, a ideia, a
zão, é o motor do conhecimento, daí falar-se do idealismo, do racionalismo.
Quase na mesma linha se situam aqueles que julgam que o conhecimento
erdadeiramente humano se dá pela via do Entendimento, ou seja, do Intelecto. Estes,
bora reconheçam que os dados do conhecimento seja colhidos pelos sentidos, pela
periência sensorial, o verdadeiro conhecimento só é possível graças as nossa
tegorias racionais.
A diferença entre o idealismo e o intelectualismo, entre os racionalistas e os
telectualistas, é que estes últimos (intelectualistas) reconhecem mais o valor dos
bjectos, no acto de conhecer, mesmo defendendo a primazia do sujeito, enquanto
ueles (idealismo e racionalismo) minimizam em demasia o papel do objecto no acto
e conhecer.
Porém, doutro lado, pensadores existem, como Aristóteles, que julgam que nada
á na mente que não tenha entrado pelos sentidos (visuais, auditivos, olfactivos,
ustativo, tactitivo). Ou seja, tudo o que entra na mente, entra através dos olhos, dos
uvidos, do olfacto, do gosto e do tacto. É o chamado conhecimento sensorial ou
nsitivo. Para estes, o dado, o objecto é que estimula o sentido e como tal despoleta
todo o processo de conhecer. Por isso, maior atenção dão aos dados, aos factos
empíricos, aos objectos materiais, daí falar-se de empirismo, de realismo.
Não obstante, parece claro que, embora no conhecimento humano haja estas
duas formas de conhecer, distintas, as duas formas estão intimamente ligadas e
completam-se. São duas faces da mesma moeda.
conhe
nos se
nossa
repres
subord
numa
encon
homem
própri
homem
concre
conse
coisas
com o
criativ
passad
3.1.1. Conhecimento Sensitivo
29
Parece não haver uma dúvida razoável de que quando se capta um objecto de
cimento é pelos sentidos que se capta. Sempre que há conhecimento algo ocorre
ntido, num único ou em todos globalmente. O conhecimento sempre mexe com a
sensibilidade. Mesmo quando se imagina, os objectos imaginados são
entados sujeitos às condições da nossa sensibilidade.
E o que mais, é que a sensação (acto de conhecer pelos sentidos) está
inada à vida orgânica, pois apreende as coisas concretamente como estando
relação com as suas exigências vitais. Tanto é assim que mesmo a mente
tra-se intimamente ligada ao cérebro.
Dado que o conhecimento sensitivo está intimamente ligado ao carácter físico do
, exterior a si, considera-se mais ligado aos objectos. Tanto é assim que os
os sentidos agem por reacção aos estímulos materiais do mundo exterior ao
. É comum referir-se aos seguintes estímulos:
Estímulos mecânicos – Contacto, pressão – sentido: tacto.
Estímulos físicos - luz, som, calor, electricidade – sentido: visão e audição.
Estímulos Químicos – sucos, ácidos – sentido: gosto, olfacto.
O Conhecimento sensitivo compreende também as seguintes faculdades:
Imaginação que é a capacidade que o homem tem de representar um objecto,
to e singular. Implica também uma integração, uma recomposição, uma
rvação e reprodução das imagens.
A imaginação consiste fundamentalmente em abstrair da presença real em que as
têm lugar, para voltar a combiná-las, livremente, noutro espaço. Por isso, ela joga
espaço. Ela cria por isso como que um mundo irreal, fantasioso de uma forma
a.
Memória que diz da capacidade que o homem tem de evocar acontecimentos do
o e de os identificar como pertencendo ao passado. Ela joga com o tempo, traz à
lembrança. Revive os acontecimentos idos, retém e afasta. Pela memória o homem
reencontra-se consigo mesmo, com a sua trajectória vital.
Estimativa que põe em evidência o lado instintivo do homem, isto é, o seu lado
animal. É a capacidade de apreender as espécies intencionais que não são percebidas
pelos sentidos. Implica um juízo de escolha determinada pela própria natureza e sem
deliberação racional. É uma espécie de inteligência animal já que funciona
automaticamente, instintivamente.
Têm basicamente duas funções: conservação do indivíduo buscando, por
exemplo, o alimento; fugindo do perigo; conservação da espécie que o leva à procura da
satisfação sexual, enquanto torna possível a reprodução e reprodução da espécie. A
estimativa olha pelo futuro biológico do animal.
se so
proce
discu
conh
outro
intui
algo
aqui
coisa
nega
conh
parti
conc
3.1.2. Conhecimento Racionalista
30
Diz-se conhecimento racionalista ou, na sua forma extremada, idealista quando
brevaloriza as estruturas que formam a inteligência (entendimento e razão) no
sso de conhecimento. Existe duas formas de conhecimento racionalista: intuição e
rso.
A intuição é uma espécie de visão directa pelo entendimento, enquanto que o
ecimento discursivo é uma sucessão de juízos, dependentes logicamente uns dos
s, a que se dá o nome de Raciocínio. Assim, chama-se inteligência a função
tiva e razão, a função discursiva.
Portanto, o conhecimento pela razão implica várias operações:
1ª Operação: simples apreensão, conceitualização, que consiste em compreender
sem emitir nenhum juízo sobre ela. Exemplo: Homem, Deus, Mundo, etc. Trata-se
de relacionar um objecto com uma ideia, ou seja, de atribuir nomes aos seres.
2ª Operação: Juízo – consiste em afirmar ou negar uma relação entre duas
s. Exemplo: o joão é uma criança. Trata-se aqui de relacionar, por afirmação ou
ção, duas ideias.
3ª Operação: Raciocínio – que consiste em concluir algo a partir do já
ecido: exemplo: havendo nuvens, há-de chover. Trata-se de retirar ideias novas, a
r das já existentes.
É fácil de ver como o conhecimento racionalista explica a existência de
eitos universais, feitos a partir de objectos particulares, fornecidos pelo
31
conhecimento sensitivo. Por exemplo, os sentidos captam este e aquele homem e o
entendimento produz o conceito de humanidade, de homem no geral. O conhecimento
sensitivo capta os seres e objectos isoladamente e o conhecimento racionalista
relaciona-os ou separa-os. O conhecimento sensitivo dá-se conta dos objectos, o
racionalista capta-os e usa-os para deduzir outros conhecimentos ou prevenir situações
futuras. O conhecimento sensitivo aproxima o sujeito dos objectos, o racionalista,
analisa-os, sintetisa-os.
Mas a questão da diferença entre conhecimento sensitivo e racionalista é básica
na filosofia e é tão importante que está na base das duas perspectivas filosóficas mais
importantes, a saber: o racionalismo ou idealismo e o empirismo ou realismo.
Para os idealistas, a começar por Platão, o primeiro grande idealista, só os
conceitos universais é que existem verdadeiramente. Pois vejamos, a pergunta que
Platão faz é esta: como é que formámos os conceitos abstractos e universais de justiça,
beleza, bondade por exemplo? Pois, diz ele, o que os nossos olhos enxergam são actos
de justiça ou pessoas justas; pessoas belas ou paisagens belas, mas a justiça em si, ou a
beleza em si, escapa ao nosso olhar. Pois bem, actos justos e pessoas justas nascem e
morrem; o que é justo hoje pode ser injusto amanhã, no entanto, a ideia de justiça
permanece a mesma hoje e sempre. Donde conclui ele, os actos justos ou pessoas justas
não passam de cópias ou sombras da verdadeira justiça sempeterna, imutável e sempre
igual a si mesma. A prova é que a morte de um justo, ou o fim de um acto de justiça,
não afecta nem por pouco, a justiça em si. Tanto é assim, que se não houvesse a justiça
em si, seria impossível medir a justeza dos actos e das pessoas, na medida em que nos
faltaria um modelo, um referencial único, a partir dos quais seriam medidos os actos e
as pessoas justas.
Aliás, a nossa consciência é testemunha da unidade e imutabilidade da justiça na
medida em que nos diz que mesmo aquelas acções ou pessoas que fingem serem justas,
um dia serão desmascarados e, por fim, a justiça brilhará. Se a justiça dependesse dos
actos particulares de justiça, ela seria múltipla e diversa. Mais, dependendo desses actos
particulares que nascem e se situam no tempo e no espaço, a justiça seria deferente
conforme o tempo e o espaço e até, conforme os indivíduos. Haveria a minha justiça, a
sua justiça, a justiça de ontem e a justiça de hoje e assim, o conceito de justiça
dependeria dos caprichos e desejos volúveis dos homens e mulheres. E o mesmo se diria
da beleza, da bondade, da fraternidade, da liberdade, etc.
Ora, isto é impossível rematam os idealistas. A nossa ideia da justiça, da
bondade, da liberdade e outros conceitos universais é de que eles não mudam com o
tempo, não se gastam, não murcham nem morrem, mas sim de que eles permanecem
iguais a si mesmos, de que permanecem inalteráveis, mesmo se na sua manifestação
concreta sejam divergentes e múltiplos.
Ao contrário, os empiristas são de opinião de que os conceitos universais são
retirados dos conceitos concretos e particulares. Pois, argumentam eles, ninguém
conhece nem sabe o que é a justiça, senão através da visão de actos justos e pessoas
justiças. Ninguém saberá o que é a beleza, se não contemplar coisas belas. É das belezas
particulares que subimos para as belezas universais e é através do convívio com pessoas
justas, com exemplos de justiça que nos tornámos justos e melhores. Sem o hábito de
praticar acções justas, sem pessoas justas nem Estados e sociedades justas, o conceito de
justiça é um conceito vazio e sem conteúdo. Portanto, concluem os empiristas, o
universal é uma pura abstracção do particular. O universal não existe em si, senão como
generalização do particular. Os únicos conceitos verdadeiramente existentes são os
conceitos particulares.
3.2.3. Intelectualismo: Empirico-Racionalismo
32
O conhecimento sensitivo e o conhecimento racionalista formam um único
conhecimento, o conhecimento intelectivo. Isto significa que no homem não existem
ideias puras, sem conteúdo material. O entendimento sem ser fecundado pelas ideias
fornecidas pela sensibilidade não seria capaz de conhecer. Para haver conhecimento
humano é imprescindível a experiência sensorial. Também se não existisse o
entendimento, os sentidos por si só, seriam incapazes de criar conceitos universais, já
que quando captam os objectos, estes se apresentam de forma isolada.
Portanto, conhecer é abstrair, mas é abstrair a partir dos dados fornecidos pela
natureza, de um objecto particular concreto captado pelos sentidos, deixando de lado os
caracteres específicos que o indivíduo reporta, para criar uma ideia abstracta, uma
imagem que representa esse mesmo objecto.
Tanto a experiência como a Razão são condição necessária de formação das
ideias e dos princípios racionais. O que significa que tanto um como outro, tomados
separadamente não podem fundar o conhecimento verdadeiro.
Para esta corrente, a aquisição dos conhecimentos supõe a intervenção dum
poder distinto dos sentidos e da consciência, que é a Razão. Assim, a lei do sujeito
pensante é preciso conjugar a lei do objecto pensado.
Quer dizer, o conhecimento é possível porque o entendimento volta-se para os
dados da fantasia (imaginação), que emanam do conhecimento sensível. A prova é que
faltando determinados órgãos sensoriais, falta também o conheciemento ou ideias. Por
exemplo, é impossível ao cego ter a ideia da luz ou ao surdo, a ideia do som.
O entendimento ou mente estando ligado ao corpo ou cérebro (entidades
materiais), precisa de algo material para formar as ideias que não são materiais. Ou
seja, o nosso entendimento vocacionado ao conhecimento do universal e imaterial, parte
do particular material e se eleva ao universal (imaterial). Exemplo, é dos homens
concretos (particulares e materiais) que nos elevamos a ideia da humanidade (universal
e incorpórea).
E o particular só se apreende através dos sentidos. O sensível só se capta através
dos sentidos externos (vista, audição, olfacto, tacto, gosto) aos quais se associam os
sentidos internos ( sentido central ou comum, imaginação, memória e a cogitativa)
Assim, para o intelectualismo, o objecto do conhecimento intelectivo é o
conteúdo do conhecimento sensitivo.
Assim se explica que o animal que é também dotado dos sentidos externos não
seja capaz de produzir conhecimentos e que a criança que é dotada de entendimento não
seja também capaz de conhecer. Ao primeiro falta o entendimento, ao segundo, os
dados da experiência sensível.
A importância do con
certeza de que o que se sabe
ter a certeza de que o qu
conhecimentos?
Sem resposta a est
Precisámos de ter certeza da
conhecimento mede-se pela
4. Certeza e Verdade
33
hecimento humano só atinge a sua plenitude se, se tiver a
é verdadeiro. Ora, o que é a verdade? Como é que podemos
e sabemos é assim mesmo? Como validar os nossos
as questões parece claro que se torna inútil conhecer.
validade dos nossos conhecimentos. Com efeito, o valor do
sua própria finalidade. Mais, o conhecimento tem muitos e
variados fins: controlo e previsão dos fenómenos naturais e humanos, como acontece
com as ciências e a técnica; conforto espiritual, identidade moral e deleite do coração,
como acontece com a política, a religião e a arte.
Aliás, o conhecimento é uma necessidade vital na medida em que permite o
domínio da natureza para a solução dos problemas do homem, tais como: alimentação,
vestuário, comunicação, sentido de vida, razão da existência, etc. Tanto é assim que
alguns filósofos como Martin Heidegger defendem que a tarefa central da filosofia é a
busca do conhecimento; a filosofia neste sentido é uma analítica do ser e busca da sua
verdade, enquanto natureza e enquanto humanidade.
É para responder a este anseio pela verdade das coisas e do homem que surgem
entre outros sistemas, o racionalismo e o empirismo. Para os primeiros, a verdade é o
valor absoluto de uma ideia. É uma relação perfeitamente inteligível e perfeitamente
demonstrada. Donde, a verdade está acima da experiência sensível e do conhecimento
sensitivo. Enquanto para os segundos, a verdade é a experiência mesma, o concreto e o
mundo das percepções sensoriais.
4.1. Racionalismo (idealismo)
34
Para o racionalismo, a actividade do espírito (mente) manifesta-se em toda a
extensão da consciência e esgota todo o processo de conhecimento. São as leis do
pensamento que formam a estrutura apriori que tornam possível a própria experiência.
A razão é que impõe os princípios directores do conhecimento humano. É ela que impõe
aos dados da experiência a sua legislação apriori. Ela é inata a si mesma. E por isso não
precisa de impactos externos para conhecer. Da experiência não pode advir a verdade,
posto que o conhecimento verdadeiro só pode vir de proposições universais e
necessários, já que só o que logicamente for necessário e universalmente válido merece
o nome de verdadeiro. O transitório, o provável, o contingente, é relativo e por isso sem
direito ao estatuto de verdade.
A verdade exige sê-lo sempre e em qualquer circunstância. Precisa de ser
absoluta e necessária. Algo ou é ou não é. Não pode sê-lo hoje e a manhã não sê-lo. Não
pode ser verdade para mim e mentira para outro. A verdade é por isso apanágio das
ideias sempiternas e imutáveis e não do dado sensível.
Porém, hoje em dia, existe uma forma de racionalismo que coloca a verdade do
lado da subjectividade, não entendido como ideias puras e incorpóreas, mas apenas
como assunção do ponto de vista do sujeito pensante. Parte-se do princípio de que sendo
impossível conhecer a coisa em si mesma, o mundo como é na sua essência, devemos
nos contentar com a forma como ele se nos apresenta a nós. Nesta óptica, o
conhecimento é sempre uma perspectiva do sujeito que conhece. Por isso a verdade
deve surgir do consenso dos vários sujeitos pensantes, deve ser um consenso
intersubjectivo entre sujeitos pensantes, entre homens e mulheres.
Este ponto de vista é deveras importante quando se trata de questões políticas,
religiosas e morais. Uma vez que é impossível saber, em última análise quais são os
sistemas políticos, religiosos, morais, mais verdadeiros, teremos que nos contentar com
as opiniões dominantes e correntes em cada época. Há, por isso, que sermos tolerantes,
respeitosos e não presumir que as nossas ideias tem o monopólio da verdade. O
perspectivismo, também chamado relativismo, defende que a verdade é tão vasta que se
manifesta para os vários sujeitos pensantes de formas diferenciadas. Por isso há que
buscar consensos, há que ouvir as pessoas, há que aprender a conviver com perspectivas
diferentes de vida, tanto do ponto de vista moral, como político e religioso. Tanto é
assim, que na política se adopta a democracia, o triunfo das maiorias desde que se
garanta o respeito pelas minorias, como a norma suprema da verdade. Ou seja, melhor
sistema político, melhores instituições, melhores governantes são aqueles que colhem
mais simpatia do povo, são aqueles que conseguem atrair mais simpatias. Nas ciências
sociais se adoptam os métodos quantitativos, as estatísticas, para mostrar preferências,
anseios, desejos que depois são apresentados como verdades. Na religião e na moral se
consagram leis públicas que devem ser respeitadas por todos, ao mesmo tempo que se
respeitam as consciências individuais como únicas legisladoras de verdade para cada
sujeito pensante e de boa fé.
4.2. Empirismo (realismo)
35
Realismo é como se depreende da própria palavra, a perspectiva que defende a
realidade, o dado empírico. Parte do princípio de que o real, o objecto, o dado empírico,
existe independentemente da mente do sujeito cognoscente. Para o empirismo, o objecto
não é mera produção do sujeito pensante. Conhecer aqui, é, como diziam os clássicos, a
adequação do intelecto na coisa; é a assimilação da mente ao ente. Conhecer é
apreender o objecto tal como ele é, sem mais. Portanto, há conhecimento verdadeiro
quando se dá esta adequação entre a mente e a coisa.
O realismo coincide totalmente com o empirismo e defende a possibilidade de
conhecer o mundo exterior, visto como independente do sujeito que o conhece. Noutro
sentido, é a crença na existência dos conceitos universais.
Aqui, só nos interessa o primeiro sentido do empirismo. O que se refere a
afirmação da possibilidade do conhecimento do mundo exterior, da sua independência
em relação ao sujeito cognoscente e do primado do objecto cognoscido em relação ao
sujeito cognoscente.
Nesta teoria, há verdadeiro conhecimento quando há concordância do
pensamento com o objecto. Todo o pensamento se refere a um objecto (real, imaginário,
ideal). A verdade é por isso, adequação entre o pensamento e a coisa. A verdade de uma
proposição ou juízo consiste na sua coincidência com a realidade. Uma opinião é
verdadeira quando lhe corresponde um facto ou factos. A verdade é, por isso mesmo,
uma propriedade das proposições, princípios e opiniões. E tais qualidades não são
intrínsecas a estes. O que importa é a relação entre eles e algo distinto, exterior que se
chama realidade.
4. 3. Cepticismo e Dogmatismo
36
Face a esta discordância entre os filósofos, já que uns dizem que o verdadeiro
conhecimento vem da experiência, ao passo que outros defendem que é produto da
mente humana. E dado também que mesmo os que defendem o empirismo divergem
muito entre si, acontecendo o mesmo com os racionalistas, é natural que alguns
filósofos duvidem e acabem por negar a possibilidade de conhecer ou decidir o que é
verdadeiro e o que não é? A esta atitude de dúvida radical sobre a possibilidade do
conhecimento ou negação, pura e simplesmente, da capacidade de o homem poder
conhecer com segurança seja o que for, chama-se Cepticismo.
Ao contrário dos cépticos estão os dogmáticos que acreditam em tudo quanto se
lhes diz. Para estes toda a crítica ou discussão não deve existir, os homens tem de
aceitar humildemente o que os sábios, os chefes, os mais velhos, e todo o tipo de
autoridade, sem nenhum tipo de contestação ou dúvidas. É por isso que o dogmatismo
muitas vezes está associada a religião, a superstição e a ditadura. A religião manifesta-
se nos dogmas e ditados das autoridades religiosas que devem ser acatados pura e
simplesmente, enquanto que na política seriam as autoridades públicas que se
encarregam de mandar e desmandar sem aceitar qualquer discussão ou diálogo. Mesmo
na escola pode existir um certo dogmatismo quando os professores não aceitam a
contribuição dos alunos, as suas dúvidas ou mesmo contestação. O dogmatismo é a
rainha dos ignorantes.
5. Como é que surge o conhecimento no ser humano?
Esta questão surge da verificação de que só o Homem é capaz de conhecer de
uma forma racional e sistemática. Na verdade, os outros seres, incluindo os outros seres
vivos distintos do homem, mesmo os mais evoluídos como os Chipanzés, estão
destituídos da capacidade de conhecer. Como é que surgem então, as estruturas
cognitivas no Homem? Como é que só o cérebro humano é capaz de produzir uma
mente capaz de conhecimento?
A
e
d
A
q
c
c
c
a
O
p
q
d
E
n
d
a
5.1. Origem Filogenética do Sujeito Cognoscente Humano
37
Filogénese é a história da origem das espécies biológicas; é o estudo do processo
volutivo das estruturas biológicas de adaptação ao Meio Ambiente até ao aparecimento
a actividade psíquica do homem actual.
origem filogenética do sujeito cognoscente torna-se importante se tivermos em conta
ue a mente é produto do cérebro. A questão é mostrar como dos seres mais simples,
omo os átomos, se evoluiu até a formação de estruturas tão complexas como o cérebro
apaz de produzir a mente. Esta questão torna-se ainda mais interessante se tivermos em
onta que muitos outros seres contemporâneos do homem, habitando mo mesmo meio
mbiente são incapazes de produzir conhecimentos.
ra, se é verdade que esses seres tiveram a mesma origem que o homem, como foi
ossível o desenvolvimento de estruturas cognitivas no homem e só nele? Isto significa
ue o problema da origem filogenética do sujeito cognoscente humano é uma tentativa
e encontrar o processo de origem das estruturas cognitivas do Homem Contemporâneo.
, dado que a estrutura cognitiva do homem está associada ao cérebro e ao sistema
ervoso central, é natural que a filogenia gravite em volta do cérebro. E para
escortinarmos os momentos cruciais da evolução da actividade cerebral, focalizaremos
nossa atenção para a sua manifestação exterior, a saber:
1. Uso e fabrico de utensíios (ferramentas) – homo habilis. Quer isto dizer que o uso e
fabrico de ferramentas representa uma fase importante da humanização já que
pressupõe uma mediação, uma diferenciação clara entre o sujeito humano e a
natureza.
2. Posição erecta e libertação das mãos. A aquisição da verticalidade e a consequente
transformação das mãos em instrumentos de acção sobre a natureza bem como a
destreza nos movimentos resultantes da posição erecta, teve uma influência radical
na relação entre o homem e o seu meio ambiente.
3. Produção e conservação do fogo. A partir do momento em que o homem
domestica o fogo e passa a usar em seu favor, tanto para se proteger como para
queimar e assar, o homem deu um passo decisivo na sua vida.
4. Uso da linguagem articulada e comunicação simbólica. O uso da linguagem é
outro aspecto crucial na humanização, pelo alcance que teve o poder se comunicar
com os outros e permitir uma maior conjugação de esforços.
É claro que todas estas fases foram acompanhadas por um desenvolvimento progressivo
tanto do cérebro como de todo o sistema nervoso central que foi capaz de acomodar e
assimilar todas estas transformações.
5.2. Origem ontogenética do conhecimento humano
38
Dado que a filogénese apenas nos mostra as várias fases que conduziram ao surgimento
dum cérebro capaz de produzir uma mente conhecente, é preciso acrescentar a
ontogénese que é o processo de desenvolvimento de cada indivíduo actual, desde o seu
nascimento até a sua morte. Tal como a espécie humana de que é parte, que precisou de
muitos anos para evoluir até atingir as formas de racionalidade que apresenta hoje, cada
indivíduo particular, durante o seu desenvolvimento, quase que repete as principais
modificações que a sua espécie sofreu. Assim, em cada homem a inteligência progride,
adapta-se transformando as estruturas já existentes em função das variações do Meio,
acomodando-se. Integra factos novos nas estruturas cognitivas pré-existentes,
assimilando-os. Resultando daí um equilíbrio dinâmico entre o sujeito e o meio
ambiente. E tal como na filogénese, este processo interno corresponde também a
adaptação do seu organismo e cérebro as novas realidades e, sobretudo, a lenta
aquisição da posição erecta, o uso e fabrico de utensílios, a descoberta e uso da
linguagem, etc. Trata-se de um processo lento que pressupõe uma aprendizagem
laboriosa e empenho pessoal. O que significa que se bem que o homem ou mulher nasce
já com uma certa disposição para o conhecimento, essa disposição só se torna efectiva,
mediante um esforço árduo e persistente. Portanto, a razão no homem é uma
potencialidade diferenciada em indivíduos também distintos, na medida em que alguns
têm maiores possibilidades que outros, mas essa diferenciação vai se agravando com o
crescimento, já que alguns se cultivam e se exercitam mais que outros. Também é
verdade que essa diferenciação, muitas das vezes, não é no sentido de que uns tenham
mais de que outros, mas sim de que uns tem maiores possibilidades para adquirirem
certas habilidades e conhecimentos que outros.
É nesta óptica que podemos falar de diferenças de inteligência ou de vários tipos de
inteligências. Exemplo: inteligência prática, teórica; imaginativa; mimética, etc.
Tal como acabamos de
exemplo, falar do conhe
observação simples da re
Deste tipo de conhecim
podemos falar de conhec
realidade através da sua
de apreensão da realidad
científico.
O conhecimento científic
experiência e que só ace
justificação lógico-racion
É por isso que para Kan
não se esgota nele. Di
ultrapassa o âmbito estr
racionalidade pura. Des
6. Conhecimento Científico
dizer, o conhecimento pode ter várias matizes. Podemos por
cimento do senso comum aquele que se obtém mediante uma
alidade, sem recorrer à metodologias complicadas ou rigorosas.
ento fazem jus as máximas e adágios populares. Também
imento referindo-nos as habilidades dos artistas para reportar a
imaginação poética e como estes existem muitas outras formas
e. De todas estas formas, lugar de destaque tem o conhecimento
o é, antes de mais, um método que prima pelo rigor baseado na
ita como válido o que for submetido ao acervo da crítica e da
al.
6.1. Conhecimento Científico segundo Kant
39
t embora o conhecimento científico esteja ligado a experiência
z o autor que pelas suas generalizações este conhecimento
ito da experiência e incorpora aspectos próprios do intelecto e
te modo, para este autor, o conhecimento científico é uma
40
síntese entre o empirismo e o racionalismo à semelhança do dizem os intelectualista.
Oiçamos o próprio Kant:
Não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência.
Com efeito, como poderia ser despertada para o seu exercício a capacidade de conhecer se não fosse
pelos objectos que impressionam os nossos sentidos e que, por um lado, produzem representações por si
mesmos, e, por outro lado, põem em funcionamento a nossa faculdade intelectiva a fim de que compare,
ligue ou separe estas representações, e elabore assim a matéria bruta das impressões sensíveis para
delas extrair um conhecimento dos objectos, a que se chama experiência? Deste modo,
cronologicamente, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todos os
conhecimentos principiam.
Mas se todo o nosso conhecimento principia com a experiência, daí não resulta que proceda todo da
experiência. A experiência ensina-nos que alguma coisa é desta ou daquela maneira, mas não que ela
não possa ser de outro modo. Se, pois, primeiro, se encontra uma proposição cujo pensamento implique
a necessidade, tem-se um juízo a prior; se essa proposição não é, por outro lado, derivada de nenhuma
outra que valha ela própria por seu turno como proposição necessária, ela é absolutamente a prior. Em
segundo lugar, a experiência nunca dá aos seus juízos uma verdadeira e estrita universalidade, mas
apenas uma universalidade suposta e comparativa (por indução) que não tem outro sentido senão este:
tanto quanto observámos até aqui, nunca se encontrou excepção para esta ou para aquela regra. Por
conseguinte, um juízo pensado com uma estrita universalidade, quer dizer, de tal modo que nenhuma
excepção é admitida como possível, não deriva da experiência, mas é válida absolutamente a priori. A
universalidade empírica não é, portanto, senão uma acréscimo arbitrário de validade; faz-se de uma
regra válida na maior parte dos casos, como por exemplo, na proposição: todos os corpos têm peso, uma
lei que vale para todos. Quando, pelo contrário, um juízo possui essencialmente uma estrita
universalidade, nisso se conhece que provém de uma fonte particular do conhecimento, a saber de uma
faculdade de conhecimento a prior. Necessidade e estrita universalidade, são, pois, as marcas seguras de
um conhecimento a prior e estão indissoluvelmente unidas uma à outra.
Kant, Crítica da Razão Pura, Introdução, 2ª edição, I-II, B 1-6, pp. 31-34, Paris, P.U.F.
Assim, a teoria de Kant enquanto uma tentativa de síntese entre o empirismo e o
racionalismo mais se assemelha ao intelectualismo. Pois, para ele, o conhecimento é o
produto duma síntese entre as formas ou estruturas do Entendimento (Pensamento) e a
matéria (objectos sensíveis), fornecidos pelos sentidos. Há conhecimento quando a
matéria sensível é apreendida pela razão que a organiza e estrutura.
Com efeito, a consciência nunca atinge a matéria tal como ela é. É sempre uma
matéria ordenada ou seja organizada, estruturada, pela razão que o homem ou mulher
atinge. Ninguém conhece a matéria em si, nem tão pouco nenhuma ideia é uma ideia
pura, destituída de forma sensível. O que se conhece não é nunca a matéria em si, é, por
exemplo, a matéria em forma de barro, de areia, de pessoa, de papel, de parede, de água,
de ar, etc. O mesmo se diga do que consideramos imaterial, seja Deus ou espíritos,
sempre se apresentam a nossa razão com forma de homem, de animal, de árvore, ou
qualquer outra forma e nunca na mais pura idealidade.
Por isso, na óptica de Kant, o verdadeiro conhecimento, o conhecimento
científico será sempre a partir da experiência e sujeito as categorias da nossa razão,
comandadas pelas categorias do espaço e do tempo. Não acede a nossa sensibilidade
algo trans-temporal e trans-espacial. É na relatividade do espaço e do tempo que nós
conhecemos. Só conhecemos, por conseguinte, o relativo, o contingente, o finito. O
absoluto, o intemporal, é, por conseguinte, problemático e inacessível à mente humana.
Assim, para Kant só é possível conhecer verdadeiramente o que está sujeito ao
espaço e ao tempo e a partir da experiência. Mas dado a natureza racional do homem
que o projecta para o intemporal, o universal e trans-espacial, o homem postula Deus,
postula a transcendência, o pós-morte, o além tempo e para lá do espaço, embora se
trate de algo que escapa a sua mente e está para além do verdadeiro e do falso. É a
condição mesmo do conhecimento e do homem e da mulher.
Concluindo, as formas apriori do entendimento, da razão (as intuições do espaço
e do tempo – não sujeitos à experiência, os princípios imutáveis, universais e
necessários da causalidade, da identidade, finalidade, substância, também não sujeitos à
experiência) precisam para produzir conhecimentos do concurso dos dados aposteriori
da experiência sensível.
Para haver conhecimento é tão necessário a matéria dada pela experiência como a
forma, anterior a qualquer experiência sensível. A sensibilidade fornece as intuições e
do entendimento nascem os conceitos. Sem a sensibilidade nenhum objecto nos seria
dado e sem entendimento nenhum objecto seria pensado. Os pensamentos sem
conteúdos são vazio e as intuições sem razão são cegas.
Não obstante esta síntese rigorosa de Kant, existem outros autores mais contemporâneos
que se debruçam sob o conhecimento científico, dentre os quais se destaca Karl Popper
e Thomas Kunh.
6.2. Karl Popper e o Método Científico
41
Para Popper só é cientificamente válido o que for facilmente testável e falseável. Isto é,
42
o conhecimento científico é tal que qualquer indivíduo pode testá-lo e entendê-lo, já que
não depende do arbítrio sensual de ninguém. Por isso o conhecimento científico visa
eventos regulares e repetíveis que podem ser traduzidos em leis e regras com o fim de
fazer previsões e predições sobre o futuro, controlo, produção e técnica. Mas nada
melhor que ouvir o próprio Popper que cita Kant:
Kant foi talvez o primeiro a compreender que a objectividade dos enunciados científicos
se liga de perto com a construção das teorias – com o uso de hipóteses e de enunciados
universais. Somente quando certos eventos ocorrem em concordância com regras ou
regularidades, como no caso dos experimentos repetíveis, é que alguém pode, em
princípio, testar nossas observações. Nem mesmo levamos nossas próprias observações
muito a sério ou aceitamo-las como observações científicas, até que as tenhamos
repetido ou testado. É somente através de tais repetições que nos podemos convencer de
que não estamos tratando de uma simples “coincidência” isolada, mas de eventos que,
devido a sua regularidade e reprodutividade, são em princípio testáveis
intersubjetivamente. Todo físico experimental conhece esses surpreendentes e inexplicáveis “efeitos”
aparentes que talvez podem ser até mesmo reproduzidos em seu laboratório durante
algum tempo, mas que finalmente desaparecem sem deixar vestígios. De fato, pode-se
definir o efeito físico cientificamente singnificativo como sendo aquele efeito que
qualquer pessoa pode regularmente reproduzir, desde que leva a cabo o experimento
apropriado da maneira prescrita.
A ciência só trabalha com factos passíveis de observação, de experimentação, por
vários indivíduos, em oposição as especulações, suposições, dogmas, que não provém
da experiência, nem aceitam a crítica. Assim, experiências ou percepções privadas ou
pessoais não podem ser matéria para ciência. Para ser comprovado cientificamente é
mister que os enunciados sejam publicamente observáveis. Isto é, é preciso que a
experiência ou percepção permita que um público maior possa ter acesso a ela, que os
passos seguidos sejam claros e que todo aquele que quiser seguir os mesmos passos
tenha os mesmos resultados. Por isso o teste está intimamente ligado a falsificabilidade.
Ou seja, um enunciado, um evento candidato a ser considerado científico ao ser testado
abre a possibilidade, com o aperfeiçoamento dos instrumentos de observação, por
exemplo, de vir a se mostrar falso. Por exemplo, o enunciado que diz que todos os
metais conduzem energia, só é válido enquanto não for descoberto um metal que não
satisfaz esta condição de conduzir energia.
Quer dizer isto que para Popper as verdades científicas são sempre provisórias e devem
estar permanentemente sujeitas a revisão. Donde, a ciência não oferece verdades
absolutas, apenas resultados cada vez mais testados e daí maior fiabilidade. Não é
possível um enunciado ou uma teoria verdadeira de forma terminal e concludente. O
que é próprio da ciência é a mudança, na medida em que novos progressos podem trazer
novos resultados. As verdade científicas estão sempre em constante progresso e avanço,
visto que novas experiências trazem sempre novos e mais interessantes resultados.
6.3. Thomas Kunh e o conhecimento Científico
43
Para Thomas Kuhn a ciência não se desenvolve por acumulação de descobertas e
invenções individuais, nem tão pouco a diferença entre ciência e mito é tão grande
como isso. Portanto, o progresso científico não é cumulativo. Nem a ciência é um
conhecimento exacto, em oposição ao conhecimento mítico, como queriam os
empiristas. O que determina o tipo de conhecimento científico que se usa é o paradigma,
o modelo seguido na época, já que existem vários paradigmas que se revezam ao longo
da história.
O paradigma é um corpo implícito de crenças metodológicas e teóricas, que
permitam a selecção, avaliação e crítica. Para servir este paradigma, é criado um
conjunto de publicações especializadas, são fundadas sociedades e empenham-se
homens e mulheres. É este esforço que redunda no desaparecimento dos outros
paradigmas, conversão dos cientistas renitentes e afirmação definitiva de um único
paradigma.
Assim, os cientistas longe de serem inventores e criadores, são pessoas especializadas e
muito familariazadas com um conjunto de crenças, métodos, instrumentos e formas de
actuação que partilham entre si, formando uma verdadeira escola de trabalho. Assim,
podemos dizer que um paradigma é um padrão ou modelo aceites.
Este paradigma para se afirmar precisa de se confrontar e lutar com outros modelos
iguais que disputam o mesmo espaço, porquanto no princípio, apresenta-se apenas como
uma mera promessa de sucesso.
Há prática normal da ciência ou ciência normal quando essa promessa se torna
realidade, isto é, quando através de um trabalho de limpeza que parece ser uma tentativa
de forçar a natureza a encaixar-se dentro dos limites preestabelecidos e relativamente
inflexíveis fornecidos pelo paradigma, este triunfa e se afirma.
Assim, é o tal paradigam que determina o que é que merece ser considerado um
problema científico, que tipo de experiências e observações são válidas, que tipo de
teorias são capazes de fazer previsões válidas.
A importância da ciência normal não consiste em descobrir novidades substantivas de
importância capital, mas sim porque os resultados obtidos contribuem para aumentar o
alcance e a precisão com os quais o paradigma pode ser aplicado.
6.3.1. Característica da ciência normal
a) Testar a engenhosidade dos especialistas na solução dos problemas previstos
pelo paradigma;
b) Delimitação de enunciados de leis, conceitos e teorias com estatuto de
científicos;
c) Compreensão do mundo e ampliação da precisão e da ordem que lhe foi imposta
6.3.2. Conclusão
44
A posse de um paradigma proporciona ao praticante de uma especialidade amadurecida
regras que lhe revelam a natureza do mundo e da sua ciência. O cientista modelo é
alguém equipado para solucionar problemas concretos. A formação dos cientistas faz-se
através de manuais e treinos contínuos. A mudança de paradigma surge quando o
paradigma anterior se mostra inapto e incapaz de resolver certos problemas. Esta
incapacidade provoca uma crise entre os praticantes da ciência e o surgimento de uma
luta e competição entre candidatos à paradigma até surgir, de novo, o paradigma
vencedor e o reinicio da ciência normal.
Desta maneira, fala-se de revoluções científicas para denominar os momentos de
mudança de um paradigma para outro. Essa revoluções são mais próximas das
revoluções políticas em que todo o vocabulário e métodos de trabalho são abruptamente
modificados. Fala-se também de incomensurabilidade de paradigmas na medida em que
estes diferem entre si e usam métodos que não tem nada a ver com os outros.
Numa palavra, o paradigma é um veículo para a teoria cientifica: nessa situação o
paradigma informa sobre as entidades que a natureza contém ou não contém, bem como
as maneiras segundo as quais essas entidades se comportam. Quando os paradigmas
mudam, ocorrem alterações significativas nos critérios que determinam a legitimidade,
45
tanto dos problemas como das soluções propostas. Um paradigma organiza e olha para o
mundo à sua maneira. O paradigma nunca diz como o mundo é, apenas como alguém ou
um grupo de indivíduos vem o mundo. O paradigma reporta sempre uma perspectiva de
olhar e de lidar com o mundo, mas não revela nem pode revelar o que o mundo seja na
sua essência, que isso não está nunca ao alcance do homem.
De certeza que
Mas afirmar,
razão é, hoje, reco
destino da pessoa h
Essa afirmaçã
aparentemente irre
Por um lado,
instintos, que no-l
lado, ele é também
inimigo, do animal
E tudo isso ac
Mas as filosof
ser relacional: o h
mundo, para se rea
Está-se, portan
eu ou como uma p
por isso, digna de
existe inserida num
tem de interagir, em
Longe de ser
material, numa com
Assim, o Hom
cima de tudo, ser f
enquanto canais q
historicidade e se
homem ou mulher.
Mas o tema d
do fracasso e da fru
Daí que a tem
particular, e de tod
1. Introdução: Dimensões e paradoxos
47
já ouviste definir que o Homem é um animal racional.
pura e simplesmente, que o Homem é um ser orgânico dotado de
nhecidamente insuficiente, e está longe de nos revelar a natureza e o
umana.
o leva-nos a considerar o Homem em duas dimensões distintas e
conciliáveis.
o Homem é um ser corporal, com impulsos, para não dizermos
o apresentam como um animal entre vários outros. Mas, por outro
um ser dotado de razão, um ser espiritual, distinto, senão mesmo
, ao qual está ligado, e com o qual está condenado a coexistir.
aba por nos levar a uma visão dualista do ser humano.
ias de cariz existencialista e personalista definem o Homem como um
omem, ou a mulher, é um eu, que existe junto com os outros, no
lizar, ou seja, para ser feliz.
to, a ver, que, por um lado, o homem, ou a mulher, existe como um
essoa singular, única, irrepetível na sua individualidade e diferença, e,
ser respeitada e estimada como tal; mas, por outro lado, essa pessoa
a comunidade concreta de outros seres humanos iguais, com os quais
relações, tanto de cooperação, como de conflitualidade.
um espírito descarnado e isolado, o Homem existe num corpo
unidade histórica, e também em toda a comunidade humana.
em sente que tem uma vocação a cumprir: a missão de, antes e por
eliz e ajudar os outros a sê-lo também. Daí que a palavra e a verdade,
ue o ligam aos outros e a si mesmo, bem como os valores e a
ntido da existência constituam os pilares fundamentais de se ser
a realização e do sentido convocam-nos, de imediato, para a questão
stração, que atinge o seu ponto mais dramático na morte.
ática da esperança e do futuro de cada homem ou de cada mulher, em
os os homens e mulheres, em geral, bem como do mundo, em que
habitamos, se apresente indissociável da vocação do homem e da mulher, enquanto
homem e mulher.
Por isso, a primeira pergunta, que cada um de nós se fará a si mesmo, de certeza
que será esta:
Antes, porém, de continua
quem sou eu em vez de pergu
quem remete-nos para alguém,
remete para as coisas. Temo
diferentes uma da outra. A prim
? A segunda é esta: quis est Ho
Repara que nós podemos
poderíamos perguntar quem é
homem, mas não poderíamos p
Na verdade, o problema a
de sabermos se o homem é u
mundo, no qual, por acaso, ex
uma pessoa em comunhão c
comunhão, é que vai descobrin
questão, assim teremos uma A
Uma Antropologia polari
suficiente, de uma consciênc
primeiro lugar, para o conhe
mediante a ciência e a técnica,
as dimensões pessoais, ética
homem se reconhecer no rosto
e, por causa disso mesmo, o
nome nem dignidade.
Ao contrário, uma Antrop
homem com o outro homem,
2. Quem sou eu?
48
rmos, precisas de recordar que esta maneira de perguntar:
ntar que sou eu, não é indiferente. O pronome relativo
para as pessoas. Enquanto o pronome relativo que nos
s duas perguntas igualmente importantes, mas muito
eira é esta: quid est Homo - que é o Homem, que sou eu
mo, quem é o Homem, quem sou eu?
perguntar quem é Deus, quem é o homem, mas já não
o leão. E podemos perguntar que é o leão, que é o
erguntar que é Deus.
ntropológico, por excelência, que hoje se nos coloca, é o
m ser (individual) orientado, em primeiro lugar, para o
istem outros homens, ou se, pelo contrário, o homem é
om outras pessoas, no mundo, e que, mediante essa
do o mundo circundante. Conforme for a resposta a esta
ntropologia ou outra.
zada em torno de uma consciência individual e auto-
ia que pretenda bastar-se a si mesma, orientada, em
cimento objectivo e o domínio do mundo material,
corre o risco constante de já não poder mais reconhecer
s e religiosas do homem. É que, assim, antes de um
do outro homem seu igual, choca com o mundo material,
outro não passará de mais uma dessas realidades, sem
ologia que atribua a primazia à comunhão imediata do
no mundo, rechaça a auto-suficiência do eu e sente-se
totalmente polarizada para a responsabilidade de cada homem frente ao outro, e pela
necessidade de se realizar só em comunhão com ele. Aqui, o conhecimento e domínio
do mundo e das coisas está submetido ao reconhecimento do homem por parte do
homem. O encontro com o outro constitui um dinamismo concreto, que abre o homem à
transcendência e à esperança religiosa.
No mundo actual, estão, pois, em competição essas duas formas de responder à
questão «quem sou eu?».
Convém, pois, que demos, aqui, um pequeno enquadramento histórico da questão.
Poderemos, assim, apreciar melhor a beleza e grandeza da Segunda resposta, que é a
resposta que, para todos os efeitos, se mostra mais acertada, e é hoje mais seguida, no
universo dos filósofos.
2.1. A definição do ser humano a partir da consciência do eu
Dizer, como hoje dizemos, que o homem ou mulher é um ser relacional constitui
uma autêntica conquista da humanidade. Mas tal conquista levou tempo a alcançar..
Descartes, um dos filósofos que marcaram a passagem da filosofia medieval para o
pensamento moderno, definia o homem pela consciência que tem de si. E,
correlativamente, via o homem ou mulher como solitários, fechados em si mesmos e
isolados dos outros.
É a isso que nós chamamos consciência do eu ou egologia (ego + lógos, loghía =
eu + discurso, tratado do eu, discurso centrado no eu ).
Não quer dizer que se negasse a coexistência do homem ou mulher com outros. O
que se quer dizer é que essa coexistência não se considerava fundamental, para a
realidade e realização humana.
Essa forma de considerar e definir o homem acabava por orientá-lo para o domínio
despótico do mundo e dos outros, como sentenciou Hobbes, quando afirmou que cada
homem é lobo para o outro homem (homo homini lupus)
2.1.1 A dupla face do eu
49
Essa Antropologia de um eu solitário (egologia) teve duas expressões:
- Uma, seguiu a linha racionalista e idealista, que absolutiza a importância da
consciência individual, que pensa o mundo, e minimiza a densidade do mundo
material e o valor do corpo.
- outra, seguiu a linha empirista, que absolutiza a importância do mundo material
e do corpo, e minimiza a densidade e a consistência da consciência.
Na primeira expressão, perfilaram-se, como já dissemos, filósofos como Descartes.
Para ele, está em primeiro lugar a consciência egológica, que pensa o mundo:
“penso, logo existo (cogito, ergo sum)”.
Assim, a verdade fundamental do homem está na pessoa individual, enquanto
reflectindo sobre si mesma. No acto de pensar é que a existência do eu se impõe, com
certeza indiscutível. Com efeito, pensar sobre si mesmo é o que significa, do ponto de
vista etimológico, a palavra consciência (com + ciência).
A lógica desta perspectiva é simples e clara: a ciência, enquanto mero conhecer,
têm-na também os animais. Na medida em que conhecem os seus parceiros e crias, e
distinguem o comestível do não comestível, e reconhecem os seus donos, etc. Mas a si
mesmos é que eles não se podem reconhecer. O burro não sabe que é burro. Só o
Homem é que tem a capacidade de captar-se a si mesmo como Homem. Portanto, só o
homem, ou a mulher, tem consciência, que é essa capacidade de se conhecer a si
mesmo, como um ente vivente e racional, de se pensar a si mesmo como um ser
pensante.
O Homem, com essa característica fundamental de se pensar a si mesmo, antes de
tudo o mais, só indirecta e posteriormente é que poderá aceder ao conhecimento do
outro, por analogia, ou seja, por semelhança.
É claro que essa anterioridade não é necessariamente cronológica, temporal.
Segundo esta maneira de ver, o Homem, primeiro, capta-se a si mesmo,
isoladamente, como ser pensante; e, só depois, é que capta a sua exterioridade corporal:
palavras, sons, gestos, etc. E só posteriormente é que ele se dá conta de que, entre as
coisas que descobre e conhece fora do seu pensamento e do seu corpo, existem algumas
expressões análogas àquelas com que ele exprime a sua interioridade. E daí ele conclui
que essas expressões só podem ser causadas por um sujeito igual a ele. E esse sujeito é
o outro.
2.1.2 A insuficiência do eu para definir o ser humano
50
Tu próprio já deves ter percebido que, nesta dinâmica de pensar o eu, o outro perde
muito da importância, que lhe é devida. Já que só indirecta e posteriormente é que ele é
captado.
E há ainda um outro perigo muito maior: ao captar o outro, por semelhança comigo,
é muito grande a minha tendência de reduzir todos os outros à minha pessoa.
Historicamente, essa tendência reducionista, que quer medir o outro através do próprio
eu, acabou por traduzir-se no domínio e desprezo do outro. Este só podia ser
verdadeiramente humano, se pensasse e agisse como eu e conforme os meus gostos e
apetites. Nesta perspectiva, a diferença é vista como inferioridade, senão mesmo como
provocação.
Além do mais, ao reduzirem o outro à categoria de coisa e ao quererem assimilá-lo,
à força, geraram o totalitarismo e colectivismo igualitário, responsável pela colonização,
totalitarismo e aniquilamento do diferente.
Na mesma linha do eu solitário, o empirismo privou o eu da sua autonomia, em
relação ao corpo material, submetendo-o aos próprios instintos e apetites, e tornando
problemática a sua dissemelhança com os outros animais, reduzido que ele fica à
equação dos seus sentidos.
Trata-se, portanto, de um eu sem alma, já que a própria vida psíquica tem de ser
vista no mesmo nível da realidade material.
Nesta perspectiva, o homem, ou mulher, é convidado a responder positivamente a
todas as exigências dos seus instintos carnais.
A degradação dos homens e mulheres, que capitularam, perante os apetites do
corpo, transformando seus corpos em arcas de todos os vícios, é por demais elucidativa.
Dispensa mais análise.
Assim sendo, só nos resta a outra perspectiva, a que parece mais correcta, e é, por
isso, muito seguida, hoje em dia.
A. Muito antes de conhecer
mundo, a primeira realidade
Esta é, para Martin Buber e
tais quais existem e são conh
3. O homem relacional
3.1. O tu antes do eu
51
em seja o que for, homem e mulher, quando chegam ao
com que imediatamente contactam, é um tu: a mãe.
para Emanuel Levinas, a verdade do homem e da mulher,
ecidos.
Segundo M. Buber, antes de toda e qualquer relação com o mundo, e
independentemente dele, cada eu tem uma relação com um tu. Sendo que esse outro (o
tu) se apresenta de forma imediata, sem conceitos nem fantasias. Esta relação primordial
não admite, por isso, nem intermediários nem analogias. Mais, trata-se de um tu, que, de
forma alguma, está submetido a um eu ou dependente dele. Logo, o domínio do eu
sobre o tu é, na origem, desconhecido, tal como o domínio do tu sobre o eu.
O encontro do eu e do tu primordiais está longe de ser conflituoso. É, antes, um
encontro de amor. E, longe de implicar conhecimento, o primeiro encontro entre o eu e
o tu, impõe-se e estabelece uma relação de parentesco, feita de dor, nudez e fragilidade..
Mas é E. Levinas que, de forma mais vincada, mostra a prioridade do outro, na sua
fragilidade perante o eu.
Para este filósofo, é na nudez do rosto que o outro se revela, se manifesta. O outro exige
ser reconhecido no mundo, pelo facto de ser, constitutivamente, um ser indigente. O
outro está aí diante de ti, não porque tu o pensaste, nem porque tu formulaste alguma
teoria que prova a existência dele, não. O outro aí está, e pronto. O outro irrompe,
assim, na existência do eu, impõe-se por si mesmo; assoma-se, com a sua própria luz, e
torna impossível qualquer tentativa de ser recusado ou rejeitado. Tu não podes senão
reconhecer a sua presença.
3.2. A revelação do outro
52
A presença do outro em mim é um facto primordial e elementar da existência.
Embora se não deixe captar ou demonstrar, impõe-se, de tal maneira, que ao filósofo só
lhe resta a tarefa de mostrá-lo e examiná-lo criticamente, fazendo ver que é impossível
negar essa mesma verdade.
De facto, o outro impõe-se, como o rosto da mãe, no momento do nascimento. Mas
também como o rosto do pai, que gerou a nova vida do filho que acaba de nascer. E
como o dos outros todos, que testemunham e tornam possível esse momento único, da
vinda de mais um ente ao meio de nós.
É possível, porém, alargar este horizonte, com Levinas, para incluir todo o homem
ou mulher, que esteja diante de mim, a exigir reconhecimento: é o pobre, é a viúva, é o
órfão, é o esfomeado, é, enfim, toda a criatura indigente, que está aí, e me pede para ser
reconhecida, e quer que eu seja alguém para ela.
É nesse sentido, também, que constituem para mim um desafio a apaixonada ou
apaixonado, o companheiro ou a companheira de trabalho, o vizinho ou a vizinha, o
companheiro de viagem, de turma, de grupo. E até mesmo o adversário e o inimigo.
Em todo o tempo e lugar, ele irrompe, de forma tão flagrante, que não necessita de
formular explicitamente a sua petição de reconhecimento. Basta a sua presença, para eu
sentir o apelo à responsabilidade. É por isso que, diante dele, eu sinto aceitação ou
repulsa, ódio ou amor, indiferença ou compromisso. Inserido na ordem das outras
pessoas, eu sinto-me capaz de fazer escolhas, de acolher, de entregar-me ou de
simplesmente recusar o outro.
Assim sendo, é dupla a certeza desse outro, que se me impõe:
- ele afecta a minha existência, como outro ser, que se me revela e se me dá a
conhecer, independentemente de mim e da minha inteligência
- e afecta também o carácter fundamentalmente ético da minha existência,
mediante o qual toda a existência se vê ligada ao reconhecimento do outro, isto
é, à aceitação do outro diferente de mim, mas que pode querer ou recusar que eu
seja alguém diante dele.
É desta forma que o outro constituirá para mim um Dom ou um pesadelo.
Semelhante e igual a mim, esse outro exige, no entanto, ser reconhecido, na sua
diferença e especificidade. Ele é outro, e recusa diluir-se em mim. Nem tão pouco aceita
ser reduzido aos meus apetites e desejos. Também ele é um ser de desejos, de projectos
e de sonhos, que podem colidir ou conectar com os meus.
Ele é ela, na sua expressão sexual irredutível e diferente de mim.
Ele é o outro, de outra etnia, religião, ou credo político, disposto a levar a sua
avante.
Ele é o companheiro, que coopera, mas, por isso mesmo, está disposto a competir
comigo.
Ele é, sobretudo, o indigente, que reclama a minha ajuda e socorro.
3.3 Ser com os demais53
E é assim que o ser com os demais, e, sobretudo, para os demais, para os outros, se
constitui como o próprio núcleo da existência humana. Isto, não só porque é um dado
indiscutível e acima de qualquer controvérsia que existem muitos outros semelhantes,
com quem tu mesmo compartilhas o espaço terreno; mas também porque o ser com os
outros, no seu significado mais profundo e mais genuíno, significa que o homem nunca
está sozinho. A sua existência está toda ela orientada para os outros, em comunhão com
eles. O outro está de tal maneira presente na vida pessoal de cada um, que afecta todas
as dimensões pessoais. O homem não existe, coexiste com os outros. Daí que o sentido
da existência esteja ligado ao chamamento do outro, que quer ser alguém diante de ti, e
que te convida a ser alguém diante dele, no amor, e na construção de um mundo melhor.
É assim que tu mesmo não te concebes fora da tua realidade familiar, dos grupos a que
pertences, do país, onde nasceste e vives, e do mundo em geral.
Os outros importantes, que tiveram ou têm um papel fundamental na tua vida,
deixaram em ti bem entranhadas as marcas desta fraternidade universal, que envolve a
todos. Ignorá-los, ou tentar ignorá-los, é ignorar-se a si mesmo.
A nossa vida é feita em diálogo com os outros. Diálogo, que tanto pode implicar
ódio e rejeição, como amor e acolhimento. Mas mesmo o ódio e o rancor são gritos que
reclamam o amor e a partilha. Somos, irremediavelmente, parte da vida dos outros, e
eles são partes da nossa.
Que formas de relação i
Sumariamente, existem
- a indiferença
- o ódio
- a justiça
- e o amor.
É claro que a justiça e o
Nos seus antípodas enco
Tomar consciência
como centro de dignid
4. Amor e Identidade Humana
4.1. Formas de relação interpessoal
nterpessoal existem?
quatro formas de relação interpessoal:
amor constituem um par inseparável.
ntramos o ódio, como conflito e como indiferença.
4.2. O amor
54
de mim mesmo, como pessoa humana, implica constituir-me
ade, de bondade, de valor único e irrepetível da dignidade e
criatividade. Não de uma forma espontânea, mas sim através de um processo lento e
contínuo, durante toda a vida, tal como em outras dimensões da existência, como o
crescimento, a consciência da sexualidade, etc.
Mas é preciso considerar também que é através do amor e da sua linguagem que
isso acontece.
Quando uma criança é tratada como alguém, pelos pais, pelos familiares e por todas
as pessoas que a rodeiam, inicia nela este processo, que não terminará senão com a
morte. E para o homem que tiver fé, seja em Deus, seja em outros espíritos ou entidades
supra-naturais, tal pessoa continuará a ser tratada como alguém, digna de estima e
respeito, mesmo depois da morte.
Na verdade, mesmo se o amor faltasse, seria ainda pelos seus opostos, o ódio e a
indiferença, que o crescimento da criança seria norteado.
O amor, portanto, quer por sua presença, quer por sua ausência, é e será sempre
determinante, na sua vida..
Portanto, é legítimo pensarmos que o mais fundamental, na pessoa humana, nem é a
reflexão racional, nem é a contemplação da natureza infra-humana, nem é a busca dos
valores abstractos e impessoais, nem é a transformação técnica e científica do mundo,
que se consegue pelo trabalho árduo e pelo esforço. O facto mais fundamental é que
toda a pessoa humana é interpelada pela outra pessoa humana: na palavra, no trabalho,
mas sobretudo, no amor. É amando, nas palavras e nas obras, que a pessoa humana se
vai fazendo pessoa humana, perante o outro. Uma pessoa que nunca tenha
experimentado o amor seria antropologicamente um ser morto, semelhante a qualquer
besta da selva.
4.2.1. As três formas de Amor.55
Os antigos gregos distinguiam três formas do amor: o amor erótico (éros), o amor
de simpatia ( filía, amizade) e o amor caritativo (ágape).
O amor erótico é também designado como amor concupiscente. Ou seja, aquele
amor que resulta das próprias carências afectivas do homem. O qual, tal como os
animais, precisa do outro não só para se sentir completo, como também para sobreviver,
enquanto espécie.
Aquela música, a que os jovens costumam chamar «romântica», e de que tu
provavelmente tanto gostarás (pelo menos muitos dos da tua idade ficam louquinhos por
56
ela) é deveras reveladora deste tipo de amor todo sensações: és a única da minha vida!
Tu és tudo para mim! Eu sem ti não sou nada! Se não me responderes, morrerei! É uma
forma elementar, superficial, epidérmica de amar. De certa maneira, representa um
primeiro estágio, indicador inequívoco da nossa natureza carente.
É fácil de ver como o amor, a este nível, pode desembocar na instrumentalização do
outro, visto apenas como objecto, para eu satisfazer, com ele, as minhas próprias
carências. A este nível epidérmico, tu olharás para o outro apenas em função de ti.
Este amor apenas erótico ou concupiscente é, por isso, considerado uma expressão
egoísta do amor. Se algum mérito há-de ter será apenas o de favorecer a sobrevivência
do homem como espécie.
O amor verdadeiramente dito, o autêntico amor humano, começa no segundo
estádio ou nível : o amor de simpatia ou de filía (amistoso).
O exemplo mais acabado desta forma de amar é o amor das mães, que tudo fazem
para o bem dos seus filhos.
Nesta expressão do amor, aquele que ama redobra-se em esforço, para o bem
daquele a quem ama. Por isso, se lhe chama também amor benevolente.
É o amor de quem se entrega e se dá ao outro, sem reservas, e cuja existência ganha
tanto mais sentido quanto mais servir o amado ou a amada. Este é o amor típico dos
casais, de pais e filhos, dos amigos.
E finalmente, temos o amor perfeitamente gratuito e gracioso, o amor eterno e
universal, o amor a todo o género humano, independentemente dos laços afectivos. E a
este amor perfeito chamamos-lhe caridade, ágape.
Aqui, chegámos ao perfeito altruísmo. Que consiste em centrar-se perfeitamente no
outro, fazer do outro, e não de mim, o meu centro de gravidade.
Este amor agápico é incondicional. Não depende das posses do amado, nem das
suas qualidades físicas, psíquicas ou intelectuais. Apenas se ama e se é amado, por ser
pessoa.
Este amor é ainda desinteressado, no sentido de que não busca a sua própria
vantagem, ou enriquecimento, nem outras formas de explorar o outro. Ao contrário,
promove a colaboração de ambas as partes.
E, por último, há que dizer que este amor de caridade é também fidelidade a uma
pessoa, no tempo e no espaço, embora cheio de criações e recriações.
4.3. Amor, como virtude e causa da virtude
57
Para melhor conhecimento do que é este amor, e das virtudes que suscita, oiçamos
o que dele diz Platão, o grande filósofo da Grécia antiga:
Por minha parte, afirmo-vos que, entre todos os deuses bem-aventurados, o Amor (se
é lícito dizê-lo, sem incorrer na cólera divina...) é o mais aventurado deles, porque os
excede a todos, em beleza e em virtude.
E excede-os em beleza, vejamos como: antes de mais, Fedro, é ele o mais jovem dos
deuses; uma prova convincente aí a tens na atitude do próprio deus, ao fugir a sete pés
da velhice – e se ele é veloz! Mais veloz, pelo menos, do que seria para desejar,
quando é a nós que nos atinge... Ora a velhice representa justamente aquilo que o
Amor odeia por natureza, e de que nem ao de leve se aproxima! A sua companhia são
os jovens e é sempre entre eles que se encontra, pois, como reza o velho provérbio e
com razão, o semelhante junta-se sempre ao que lhe é semelhante. Por isso, embora
em muitos aspectos concorde com Fedro, neste não posso concordar: que o Amor seja
mais antigo do que Cronos (o deus do tempo). Afirmo-vos, pelo contrário, que ele é o
mais jovem dos deuses e a sua juventude, eterna.
Mais ainda: esses velhos conflitos que Hesíodo e Parménides contam acerca dos
deuses (se é que eles não mentiam) deram-se sob o reino da Necessidade e não do
Amor. Mutilações, aprisionamentos recíprocos e quantas outras atrocidades – nada
disso teria acontecido, se o Amor estivesse entre eles! Pelo contrário, seria uma era de
amizade e de paz, à semelhança do que agora sucede, desde que o Amor reina sobre
os deuses.
O Amor é, portanto, jovem. E além de jovem, delicado.... Para nos fazer sentir a
delicadeza do deus, era mister um artista como Homero, o mesmo que qualifica de
deusa e delicada a sua Atena – ou, pelo menos, afirma a delicadeza dos seus pés –
por estes termos:
“Delicados são, de verdade os seus pés; o solo não chega sequer a pisá-lo,
pois é entre as cabeças dos que caminha”.
Ora, o exemplo de que se serve, para pôr em evidência a delicadeza da deusa, afigura-
se-me justamente feliz: o de que não caminha sobre asperezas, mas sobre o que é
macio! E do mesmo exemplo nos iremos socorrer, para realçar, com respeito ao Amor,
a sua delicadeza. É que também ele não caminha sobre o solo (nem sobre os crânios,
de resto, pouco macios...), mas, antes, se move e habita em tudo o que de mais brando
existe. Porque são, efectivamente, os temperamentos e as almas dos deuses e dos
homens que ele elege como sua morada, e, mesmo assim, não indiscriminadamente:
58
qualquer uma que se lhe depare com um temperamento rude, rejeita-a; mas àquela
que possui um temperamento maleável, essa sim, passa a habitá-la! E eis porque, ao
tocar, com os seus pés e com todo o seu ser, no que há de mais macio entre as coisas
macias, possui, por força, uma extrema delicadeza.
Ele é, pois, sumamente jovem e delicado. E, além disso, de compleição subtil... sim,
fosse ele rígido e como poderia insinuar-se em toda a parte, ou passar despercebido,
sempre que entra no íntimo de cada alma e dela se escapa depois?
Da sua maleabilidade e subtileza de forma há, de resto, um indício convincente: essa
elegância natural, que toda a gente é unânime em atribuir-lhe ao mais alto grau. O
facto é que entre disformidade e amor há uma guerra sem tréguas! Por outro lado, da
beleza da sua tez fala, por si, a vida de deus entre flores; dado que não toma por
morada o que não floresce ou já está murcho, trate-se de corpos, de almas ou seja do
que for... Só quando encontra um sítio adornado de flores e perfumes, aí pousa e se
instala.
Sobre a beleza do Amor, eis, pois, o essencial, ainda que muita coisa fique por dizer.
E, posto isto, importa que passemos a referir a virtude do deus, realçando, desde já, o
seu principal aspecto: o de que não comete nem sofre injustiças, seja contra um deus
ou da parte de um deus, seja contra um homem ou da parte de um homem. Mesmo se
alguma coisa o afecta, não é por violência pessoal que é afectado, (violência não liga
com amor!), nem tão pouco ele a exerce nos seus actos; uma vez que é de livre
vontade que cada um serve ao amor.
Ora, todo o acordo que resulta do assentimento voluntário de duas partes são as leis,
rainhas da cidade, que o proclamam justo.
Mais, além da justiça, o amor participa, ao mais alto grau, da temperança.. . É ponto
assente que a temperança consiste no domínio sobre os prazeres e os instintos – e,
ainda, que não há prazer mais forte do que o amor!! Ora, se os outros são mais fracos,
como não pensar que fiquem sujeitos ao amor e que este os domine? Logo, nesse
domínio sobre os prazeres e os instintos residirá a temperança excepcional do Amor.
E quanto à coragem, é fora de dúvida – ao Amor nem mesmo Ares (deus da guerra)
resiste, e eis porquê: não é Ares que subjuga o Amor, mas sim o Amor que subjuga
Ares. Ora, ter alguém sob o seu jugo significa ser o mais forte. E se o Amor vence
aquele que excede todos os outros em coragem, como não há-de ser ele de todos o
mais corajoso?
Falou-se, já, portanto, na justiça, na temperança e na coragem do deus.
Falta referir a sua sabedoria, uma vez que importa, na medida do possível, evitar
omissões.
E para que também eu preste as honras à minha arte, tal como Erixímaco prestou à
sua, começo por falar na sabedoria do deus, como poeta: um poeta tão hábil, que
sabe, inclusive, transmitir a outros a sua arte! Certo é que todo o homem bafejado pelo
Amor, mesmo antes avesso às Musas, adquire o Dom da poesia...
E aí tens, Fedro, a ideia que faço do Amor: justamente porque possui, ao mais alto
grau, beleza e virtude, é que, depois, se torna, para os outros, fonte de idênticos dons.
Ocorre-me até esta expressão em verso, para dizer que é ele quem estabelece
Entre os homens a paz, a bonança nos mares açodados,
O dormir sossegado dos ventos, o sono isento de cuidados.
É ele quem apaga em nós a ideia de sermos estranhos uns aos outros, e nos comunica
sentimentos de familiaridade, através de reuniões como estas, que ele promove. Nos
festivais, nas danças, nas missas, ei-lo, como nosso guia, abrindo-nos as vias para a
delicadeza, fechando-as para a rudeza. Liberal em dons de simpatia, inacessível aos
da malquerença. Alegre e amável. Venerável aos olhos dos homens superiores, e
admirável aos dos deuses; objecto de inveja para os que o não partilham e para os que
o partilham, um bem desejável, pai da Volúpia, da Doçura, do Requinte, das Graças, do
Desejo e da Saudade; propício aos bons, desatento aos maus; no sofrimento e na
inquietude, na saudade e nas conversas, o piloto, o marinheiro, o camarada e o
salvador por excelência: ornamento de todos os deuses e homens sem excepção;
enfim, o corifeu de suprema beleza e virtude, que cada homem deve seguir e invocar
com belos hinos, associando-se ao cântico, que o Amor canta, para fascinar o espírito
de todos os deuses e de todos os homens.
Resumindo, são as seguintes, na óptica de Platão, as virtudes, que deve ter o homem que
quer ser, verdadeiramente, homem: a sabedoria, a justiça, a temperança e a coragem.
4.4. Ecologia, amor da natureza
59
Mas, hoje em dia, para a nossa sensibilidade e filosofia de vida, amar não significa
amar só o seu semelhante de aqui e agora. Significa muito mais.
Amar é preocupar-se com todos os homens de todos os lugares. É preocupar-se com
a sorte do Homem de hoje e de amanhã.
E quem se preocupar desse modo com o Homem, saberá, de certeza, que é preciso
cuidar do meio ambiente, para que continue a ser habitável. Saberá que deve evitar a
poluição e gastar, de forma responsável, os recursos de que dispõe o globo terrestre,
para que, nem hoje, nem amanhã, a vida possa vir a faltar ao Homem.
Amar é, sobretudo, reconhecer que o que mais estimamos no Homem é a sua vida,
única e irrepetível. E esta mesma vida tem que ser respeitada nos outros seres: nas
plantas, nos animais, e em todos os ecossistemas.
É assim que surge a preocupação com o meio ambiente. Por um lado, temos esse
Dom precioso que é a vida. Por outro, temos o ambiente, que torna possível a vida
humana e o progresso. Respeitar o ambiente é preparar a vida para as gerações
vindouras, é garantir a continuidade da nossa espécie. Mas é também lutar por um
mundo mais saudável. É reconhecer e amar a vida presente em outros seres, e é assumir
uma atitude responsável, para que os recursos naturais possam ser extraídos e
distribuídos de forma racional, razoável e, sobretudo, solidária. Numa palavra, é assumir
uma atitude sábia e filosófica, perante o mundo, perante os outros, e perante si mesmo.
Sabes que a sab
enquanto introduzid
lançares a esse emp
para te dominares e
instintos sensuais, e
da bebida, do fumo
temperança.
Agora, vais tenta
Na verdade, o a
promoção do outro,
A vontade de re
leva, infalivelmente
redistribuição tenden
fundamentais do ser
Amar alguém é
habitação condigna,
cultura própria, e pa
dimensões da sua ex
5. Justiça e Natureza Humana
5.1. Justiça a virtude das virtudes
60
edoria é o que tu buscas, enquanto estudante de Filosofia, isto é,
o na iniciação do amor do saber. Sabes também que, para te
reendimento, precisas de muita coragem. Sobretudo, da coragem
venceres a ti mesmo. Ou seja, para te libertares dos teus próprios
evitares a escravidão, que costumam provocar os prazeres advindos
, das drogas, da luxúria e demais vícios, e para te revestires da
r perceber a justiça, que consideramos a virtude das virtudes.
mor não é possível, nem pode ser cabalmente entendido, sem a
no mundo material e social.
conhecer o outro enquanto outro, na sua singularidade e diferença,
, à criação de um sistema de justiça social, de distribuição e
cialmente igualitária dos bens, e do reconhecimento dos direitos
humano.
trabalhar e lutar para que ele coma, beba, se vista, tenha uma
e para que se eduque e instrua, e para que esteja integrado numa
ra que viva em segurança e possa desenvolver livremente todas as
istência.
Significa isto que quem ama não pode ignorar que o homem ou mulher é um ser
corpóreo, necessitado, chamado a realizar-se juntamente com os outros. O que implica o
reconhecimento dos direitos, e a criação de um sistema de justiça.
Nesta óptica, a justiça pode constituir uma barreira individual, advinda do direito de
se defender dos ataques dos outros. É o reconhecimento, portanto, de que, devido ao
carácter egológico do homem, o conflito é inevitável.
Mas também revela a incapacidade de alguns homens e mulheres para mutuamente
se reconhecerem e amarem, bem como a limitação de tudo o que é humano. A justiça
exprime a nossa contingência, a nossa limitação. Há sempre tensão entre as estruturas
criadas pelo homem, os direitos constituídos, e as exigências concretas de um maior
reconhecimento do homem pelo homem.
Cabe ao homem ajuizar do seu ideal de homem, através de normas, que
fundamentalmente exprimem o seu desejo, sentir e pensar.
Serão essas normas da justiça que, nas circunstâncias concretas, hão-de levar o
homem a voltar sempre ao seu ideal existencial.
Essas normas é que constituem o sistema de justiça de um povo. São instituídas
por um acordo intersubjectivo, entre todos os indivíduos, que constituem esse povo. E,
normalmente, são consignadas em Cartas Constitucionais, embora estejam como que
inscritas nos costumes e hábitos, bem como na consciência individual de cada homem e
mulher.
A esta justiça perene, que nos constitui como homens e mulheres, é que os antigos,
e ainda os hodiernos, querem referir-se, quando falam do caminho do bem, em
oposição ao caminho do mal.
5.2. Justiça como amor ao Bem
61
Platão, através de Sócrates, seu herói preferido, é, sem dúvida, o filósofo que mais
nos revelou a estreita ligação entre o amor e o bem. Esse bem que, em grego, é o
mesmo que o belo (ágathon).
Com efeito, o que é amar, senão desejar o amante (aquele que ama) o bem ao seu
amado?
Certamente que, alguma vez, sentiste que amavas alguém. Por exemplo, a tua mãe,
o teu pai, um amigo ou uma amiga, ou a tua avó. Terás certamente notado que o que
62
mais desejavas para eles era que tudo lhes corresse bem, que tudo para eles fossem
belezas e sucessos.
Pois bem, para o Sócrates de Platão, amar alguém é desejar-lhe o melhor.
E isso significa que o amor é, em si mesmo, o desejo ardente do bem. Ao amarmos,
isto é, ao desejarmos o bem para este ou para aquele, ao querermos que a beleza esteja
neste ou naquele, como pensamos das pessoas que amamos, surge o sinal inequívoco de
que lhes queremos, acima de tudo, o bem.
Portanto, segundo este Sócrates de Platão, o ideal é que, a partir das pessoas
amadas, das pessoas que julgamos belas, nós ascendamos ao conhecimento do belo e do
bem. E que, a partir dos actos bons e belos, alcancemos o bem e a beleza em si mesmos.
E que, portanto, em vez de nos fixarmos nos corpos belos, possamos, através deles,
aspirar ao conhecimento do verdadeiro belo, à prática só do que é belo e bom. Que,
portanto, as coisas e as pessoas belas, ou aquelas a que desejamos o bem, nos sirvam,
então, dizia Sócrates, para nos estimular ao conhecimento e amor pelo Bem em si
mesmo.
Ninguém poderia dizer que ama alguém, se, ao amá-lo, não desejasse conhecer os
pais que o trouxeram ao mundo. Nem seria verdadeiro o amor, que não suscitasse na
pessoa que ama, o desejo de participar da vida da pessoa amada, de conhecê-la melhor,
e de fazer da vida dela a sua própria vida.
É assim que, para o nosso filósofo, desejar o bem, o belo, a alguém, sem desejar
conhecer e possuir esse mesmo bem e essa mesma beleza, não faz sentido.
Portanto, para Sócrates, o amor das coisas boas e belas é, antes de mais, amor ao
bem e ao belo em si mesmos.
As coisas belas e boas devem, necessariamente, conduzir-me ao conhecimento cada
vez mais profundo do bem e do belo. Devem levar quem ama as coisas belas e boas a
amar e a suspirar pelo próprio bem e pelo próprio belo.
Vejamos, então, como é que Platão exprime essa ideia , pela boca do seu Sócrates:
- É um facto que todos os seres humanos são dotados de fecundidade, não só
no seu corpo, mas também no seu espírito, e que, ao atingirem a idade própria,
a sua natureza aspira a gerar.
Só que não conseguirão gerar na fealdade, mas apenas no que é belo.
63
Ora a união entre o homem e a mulher é propriamente um acto de gerar. E há
nisto algo de divino, que subsiste em cada ser vivo, mortal por natureza, como
forma de imortalidade – a fecundidade e a procriação. Estas, no entanto, não
podem realizar-se na desarmonia e em desarmonia, tal como o Belo se encontra
em harmonia. Essa a razão, por que, quando um ser fecundo se aproxima de um
objecto belo, se enche de bem-estar e de alegria, e, distendendo-se, gera e dá à
luz.
Mas, se, em vez do belo, for feio, ele fecha-se sobre si mesmo, sombrio e
angustiado, volta costas, e recusa-se a gerar, arrastando consigo o peso
doloroso da sua fecundidade.
Daí, pois, a emoção intensa, que invade o ser fecundo, já pleno de seiva, à vista
do Belo, cuja posse o liberta de um verdadeiro sofrimento de dar à luz! Pois o
alvo do Amor não é, de facto, o Belo, como tu supões, Sócrates...
- Então qual é?
- Gerar e criar no Belo!
- Pode ser...
- Não tenhas dúvida! - Asseverou ela.
- E gerar, concretamente porquê?
- Porque a geração é, para o ser mortal, como que a possibilidade de se
perpetuar e imortalizar. Ora, de acordo com os pressupostos em que
assentámos, é forçosamente à imortalidade que o homem aspira, através
do Bem – se é certo que o amor do Bem é o desejo de possuí-lo para
sempre! E daí concluirmos, por força, que o Amor tem igualmente em
vista a imortalidade.
- Qual achas tu que seja, Sócrates, a causa de tal desejo e amor? Ou não
sentes o que há de invulgar no comportamento de todos os animais, os
que andam sobre a terra e os que voam, quando os assalta o impulso de
gerar? Não vês como todos eles, tocados pelo mal de amor, procedem,
primeiro, em vista a unirem-se entre si e, depois, a alimentarem a sua
descendência? E como se dispõem, até os mais fracos, a lutar por ela,
contra os mais fortes, e mesmo a dar por ela a própria vida? E como
sofrem, voluntariamente, a fome, para que as suas crias tenham de
comer, e se sacrificam, de mil outras maneiras?
64
Pelo que diz respeita aos homens, poder-se-á julgar que eles procedem
assim por reflexão. Mas, com respeito aos animais, qual a causa do
impulso amoroso, que os leva a um tal comportamento? Sabes dizer-mo?
- Muito bem, esclareceu. Se estás, de facto, convicto de que a finalidade
natural do amor é aquela que tantas vezes lhe assinalámos, de comum
acordo, não há razão para te admirares! Na mesma ordem de ideias,
também aqui a natureza mortal procura, consoante as suas
possibilidades, perpetuar-se e ser imortal. Mas essa possibilidade só lhe
é dada, mediante este processo, o da geração, que vai repondo,
continuamente, um novo ser distinto na vez do antigo...
E não é, afinal, o que se passa com cada ser vivo, a quem nós
reconhecemos, enquanto vive, uma existência e uma identidade
próprias? Sim, nós dizemos que é o mesmo indivíduo, desde a infância
até à velhice, e, contudo, ele jamais retém as mesmas características:
nos cabelos, na carne, nos ossos, no sangue, em todo o seu corpo: ora
nasce, continuamente, para umas, ora morre para outras... Mas, além
do corpo, também a sua alma é afectada: estados de espírito, hábitos,
opiniões, desejos, prazeres, alegrias, receios.. Nenhuma destas coisas
permanece sempre em cada indivíduo. Umas vão nascendo, outras
desaparecendo... E ainda mais extraordinário é o que se passa com os
nossos conhecimentos: assim como surgem, assim se vão. De tal sorte
que nunca somos os mesmos, no que respeita aos nossos conhecimentos.
Pois cada um deles, considerado em si mesmo, está sujeito a idêntica
mudança. De facto, o que chamamos estudar, que implica, senão um
conhecimento que pode escapar- nos? E o esquecer que é senão a fuga
de um conhecimento? E é assim que o estudo, ao implantar um novo
conhecimento, no lugar do que se vai, permite que ele se salvaguarde,
aparentemente sem alteração.
Ora, é também por este processo que todo o ser mortal salvaguarda a
sua continuidade – não à semelhança do divino, que existe sempre e em
tudo é igual a si mesmo – deixando um novo ser distinto, igual a ele,
quando envelhece e morre.
Só graças a este artifício, Sócrates, é que o ser mortal participa da
imortalidade, tanto no corpo como em tudo o mais. Com os seres divinos,
65
é diferente. Não estranhes, portanto, que todo o ser se desvele, com o que
é, por natureza, um rebento de si mesmo: em cada um, esse zelo e esse
esforço se conjugam em vista à imortalidade. Se queres, presta só
atenção, pelo que respeita aos homens, à sua ambição de glória: é
natural que te espantes da sua insensatez. A não ser que medites no que
acabei de te dizer, e te convenças de que o seu comportamento estranho
se deve à paixão de se tornarem célebres e assegurarem, assim, uma
fama imortal, que perdure para todo o sempre. Para atingir tal
objectivo, eles estão dispostos a correr todos os riscos, mais ainda do
que pelos próprios filhos. Dispostos a gastar toda a sua fortuna, a passar
por sofrimentos de toda a ordem, mesmo com sacrifício da própria vida!
A meu ver, cada homem dá o máximo de si, na esperança de um mérito
imortal e de um nome glorioso, que lhe corresponda. E tanto mais
facilmente, na medida em que for superior. Pois o que o move é o amor
da imortalidade.
Portanto, uns são fecundos, segundo o corpo, e voltam-se de preferência
para as mulheres. Esta é a sua maneira de amar, convictos como estão
de que, através dos filhos que criam, asseguram a sua imortalidade, a
memória do seu nome, e uma bem-aventurança que perdure para todo o
sempre. Outros são fecundos, segundo a alma... Pois, não tenhas dúvida,
há homens cuja alma possui uma fecundidade ainda superior à do corpo.
Fecundidade para criar e produzir o que à alma compete. E o que é que
compete, afinal, à alma gerar, senão sabedoria e as demais formas de
virtude? Entre estes podemos contar não apenas todos os poetas
criadores de obras, como ainda, no domínio da técnica, todos os artífices
reconhecidamente dotados de espírito inventivo.
- Mas a forma mais nobre e bela da sabedoria é, de longe, a que respeita
à organização dos Estados e da vida familiar, e que, em concreto,
designamos por temperança e justiça. Ora, quando um ser, cuja alma
participa do divino, traz, desde a infância, os germes dessas duas
virtudes, e, ao chegar a idade própria, o assalta o impulso de gerar, é
então, salvo erro, que ele se põe em campo, lançando-se na procura do
Belo, onde lhe será possível gerar: porque na fealdade, como se sabe,
jamais o fará! Daí que, em razão da sua fecundidade, se desvele com os
66
corpos belos e não com os feios. E se a sorte lhe fizer encontrar uma
alma igualmente bela, nobre e bem formada, o seu desvelo atinge o auge,
por uma união entre ambos! Junto de um ser humano assim,
instantaneamente lhe virão recursos, para discorrer sobre a virtude,
sobre os deveres e as ocupações próprias de uma pessoa de bem – e
empreenderá a missão de educar. Pois o contacto com o que é belo, o
convívio com ele, permitir-lhe-ão, então, creio eu, gerar e dar à luz os
frutos que, há muito, trazia em si. E com a imagem dele sempre presente,
quer esteja perto quer longe dele, alimentará em comum com ele o que
acaba de produzir.
- E é assim que os homens desta têmpera se prendem por laços bem mais
fundos do que os laços que nos prendem aos filhos. E guardam entre si
uma amizade mais duradoira, porque também os filhos, que resultam da
sua união, são mais belos e imortais...
Todo o homem que tenha os olhos postos em Homero, em Hesíodo e em
outros poetas de mérito, não deixará, por certo, de preferir os filhos
como estes aos filhos da humana geração, e de lhes invejar a
descendência, que eles deixam após si, e que, em virtude da sua
imortalidade, lhes confere a glória e um nome imortal. É assim mesmo.
E, se queres, repara só para os filhos que Licurgo deixou na
Lacedemónia. Como eles se tornaram a salvaguarda desta cidade, e, a
bem dizer, de toda a Grécia! Ou então para Sólon. Como ele se tornou
venerado na vossa cidade, graças às leis que gerou! E o mesmo diremos
de outros homens, que, nas mais diversas partes, tanto entre os Gregos
como entre os Bárbaros, fizeram nascer toda a espécie de virtude, com a
produção de belas e variadas obras. Em sua honra, e graças a filhos
deste género, já inúmeros cultos foram, até agora, instituídos, mas ainda
nenhum deles o foi em atenção aos filhos mortais.
Pois bem, é necessário que todo aquele que empreender o caminho recto,
para chegar a este fim, comece, desde jovem, a procurá-lo, na beleza dos
corpos. E, se o seu guia o orientar como deve, ele há-de amar primeiro
um único corpo, e, desde logo, gerar belos discursos. Em seguida,
porém, terá de compenetrar-se de que a beleza deste ou daquele corpo é
irmã da que reside em outro. E, como, necessariamente, o alvo da sua
67
busca é o belo que se manifesta na aparência física, absurdo seria não
reconhecer que a beleza de todos os corpos é uma e a mesma coisa!
Consciente desta verdade, passará então a votar-se ao amor de todos os
corpos belos, e a libertar-se do excesso que o prendia a um único,
relegando-o, como coisa de baixo valor.
Chegados aqui, é, pois, tempo de avaliarmos quanto a beleza espiritual é
superior à beleza física. De tal maneira que uma alma bem formada,
mesmo num corpo sem atractivos, será suficiente para lhe inspirar amor
e solicitude, para o levar a gerar discursos de igual valia e a pôr o seu
zelo naqueles que elevam os jovens.
E essa é a via, por onde será inevitavelmente levado a contemplar a
beleza das ocupações e das leis, e a dar-se conta de como toda essa
beleza está unida, por um estreito parentesco, a si mesma! E, deste
modo, pouco crédito dará à beleza física.
Depois das ocupações, é para os conhecimentos que o seu guia deve
orientá-lo. Para que possa, por sua vez, apreender a beleza destes, e
contemplar a extensão do Belo já alcançada. Não mais com os olhos do
escravo, que, preso a uma forma particular de beleza (seja esta a de um
jovenzinho, ou a de uma jovenzinha, ou a de uma ocupação), se torna,
em sua escravidão, mesquinho e aviltante. Mas antes com os olhos postos
no oceano sem fim do Belo, imerso na sua contemplação... Agora sim, é
a vez de dar à luz uma imensidade de discursos belos e magníficos, de
pensamentos nascidos do seu inesgotável amor ao ser, até que, já pleno
de força e grandeza, descubra, enfim, a existência de um conhecimento
único, que vem a ser o conhecimento deste próprio Belo.
Aquele que, até aqui, foi orientado nos mistérios do amor, que
contemplou as coisas belas, na sua ordem correcta e progressiva, já
quase no termo da iniciação amorosa, avistará, de súbito, um
espectáculo surpreendente – o Belo, na sua verdadeira natureza, esse
mesmo Belo, Sócrates, que era o alvo de todos os esforços passados!
Uma natureza eterna, que, antes de mais, não nasce nem morre, não
cresce nem murcha. E que, depois, não é bela deste modo ou feia
daquele, ou bela num momento e noutro já não.
68
Mais ainda: esse Belo não lhe surgirá aos olhos, sob forma de um rosto,
de umas mãos, do quer que pertença a um corpo. Nem tão pouco sob
forma de pensamento, de conhecimento ou de qualquer coisa existente
em algo diverso dele – por exemplo, um ser vivo da terra, do céu ou de
qualquer outro sítio. Pelo contrário, surgir-lhe-á em si e por si, como
forma única e eterna, da qual participam todas as outras coisas belas,
por um processo tal, que a geração e a destruição de outros seres em
nada a aumentam ou diminuem, e em nenhum aspecto a afectam.
Ora, quando alguém, graças à prática de amar correctamente os jovens
ou as jovens, se eleva acima da realidade sensível, e começa a distinguir
esse Belo de que falamos, já pouco lhe falta para atingir a meta.
E aqui tens tu o recto caminho, pelo qual se chega ou se é conduzido por
outrem aos mistérios do amor. Partindo da beleza sensível, em direcção
a esse Belo, é sempre a ascender, como que por degraus: da beleza de
um único corpo à de dois; da beleza de dois à de todos os corpos; dos
corpos belos às belas ocupações; e destas, à beleza dos conhecimentos.
Até que, a partir destes, se alcance esse tal conhecimento, que não é
senão o do Belo em si mesmo, e se fique a conhecer, ao chegar ao termo,
a realidade do Belo.
Se algum momento da vida existe, caro Sócrates, que valha a pena ser
vivido pelo homem, é certamente esse, em que o homem contempla o
Belo em si! Um dia que tu chegues a esta visão, nada te parecerá
comparável: nem o ouro nem o vestuário, nem mesmo os jovens ou as
jovens, cuja beleza agora te põe a cabeça à roda, a ti como a tantos
outros... Sim, para usufruirdes sempre da presença dos vossos queridos
ou das vossas queridas, de modo a jamais vos separardes deles, vós
seríeis até capazes, caso fosse possível, de passar sem comer nem beber,
ocupados unicamente em olhar para eles e usufruir do seu convívio.
Que devemos, pois, pensar de uma pessoa, a quem fosse dado
contemplar o Belo em si mesmo, verdadeiro, puro e sem mistura, e que,
em vez da infecta carne humana, das cores e de tantas outras
insignificâncias votadas à morte, pudesse apreender o Belo divino, na
simplicidade da sua natureza?
69
Crês, ajuntou, que seria uma vida sem interesse a do homem que tem os
olhos postos nesse alvo, e que, ao contemplá-lo, pelo processo adequado,
se encontra em união com ele?
Ou não sentes que somente a esse, quando olha o Belo, pelos meios que o
tornam visível, será dado gerar, não já imagens de virtude ( pois não é
mais a uma imagem que ele se apega ), mas a virtude verdadeira, uma
vez que é ao real que está apegado?
Mais: não achas que o facto de ele gerar e alimentar a verdadeira
virtude lhe permite ser querido aos deuses, e que, se há alguém de entre
os homens, que possa tornar-se imortal, será esse, precisamente?
Foram estas, pois, Fedro e demais amigos, as palavras, com que Diotima
me convenceu.
E, porque fiquei convencido, me esforço, agora, por meu turno, por
convencer os outros de que, na aquisição deste bem, a natureza humana
não encontrará facilmente auxiliar melhor do que o amor!
Esse o motivo, por que vos declaro que todo o homem deve prestar
homenagem ao Amor, como também eu presto. Sim, tudo o que lhe diz
respeito é, para mim, objecto de devoção especial, que eu recomendo aos
outros também. E, por isso, não deixo nem deixarei, dentro das minhas
possibilidades, de elogiar o Amor, pelo seu poder e pela sua coragem.
Sócrates, o grande filósofo da antiguidade, também dedicou algumas páginas a
satisfazer a sua curiosidade, sobre este tema do amor.
Provavelmente, já terás sentido como o facto de amar nos suscita sentimentos
contraditórios. Não te preocupes, é da natureza do amor essa ambiguidade de
sentimentos.
Oiçamos, a esse propósito, o próprio mestre Sócrates dissertar, mais uma vez, sobre
ele Desta vez, fê-lo, contando-nos uma história, sobre a origem do amor. Esta, que se
segue é, com efeito, uma história. Mas, nem por isso, ilustra menos de quanta riqueza o
amor se reveste:
Quando nasceu Afrodite (deusa do enamoramento), os deuses reuniram-se num
festim, onde, entre vários outros, se encontrava o Engenho, filho da Sabedoria.
70
Depois de jantarem, eis que aparece a Pobreza, a mendigar os restos – como é
costume, em ocasiões de festa... – e ali ficou, junto à porta.
Entretanto, o Engenho, já embriagado do néctar (que é o alimento dos deuses),
foi para o jardim do deus supremo, e tão pesado se sentia, que adormeceu.
Então a Pobreza, que, na sua natural indigência, suspirava por vir a ter um
filho com o Engenho, deitou-se junto dele, e, assim, concebeu o Amor.
Eis a razão, por que o Amor nos surge como companheiro e servidor de Afrodite
(a deusa dos enamorados). Concebido, nas festas em honra do nascimento dela,
é, por natureza, apaixonado do Belo, pois que Afrodite é bela.
Por outro lado, a sua condição de filho do Engenho e da Pobreza ditou-lhe o
seu destino. Condenado a uma perpétua indigência, está longe do requinte e da
beleza, que a maior parte das pessoas nele imagina... Rude, miserável, descalço
e sem morada, estirado sempre por terra e sem nada que o cubra, é assim que o
Amor dorme, ao relento, nos vãos das portas e dos caminhos: a natureza, que
herdou de sua mãe, faz dele um inseparável companheiro da indigência.
Do lado do pai, porém, herdou o mesmo espírito ardiloso, à procura do que é
belo e bom, a mesma coragem, persistência e ousadia, que fazem dele o caçador
temível, sempre ocupado em tecer qualquer armadilha. Sedento de saber, e
inventivo, passa a vida inteira a filosofar este hábil feiticeiro, mago e também
sofista (retórico).
Deste modo, ele não é, por natureza, nem mortal nem imortal. No mesmo dia,
tanto floresce e vive, conforme estiver senhor dos seus recursos, como morre,
para voltar à vida, graças à natureza de seu pai. Mas os seus achados escapam-
lhe continuamente das mãos, de tal maneira que nunca se encontra nem na
indigência nem na riqueza: antes, num meio termo, que é, de igual modo, o meio
termo entre a sabedoria e a ignorância. A verdade é esta: nenhum deus ama o
saber ou deseja ser sábio (pois que já o é). Nem qualquer outro, que possua o
saber, se dedica à filosofia, do mesmo modo que não são também os ignorantes
que a ela se dedicam, ou que aspiram a ser sábios! A ignorância, efectivamente,
acarreta consigo este peso: os que julgam possuir, em suficiência, a beleza, a
bondade e a inteligência, nada disso possuem. E quem se não crê destituído não
aspira, consequentemente, a um bem, de cuja falta se não apercebe.
Como qualificaremos os que se dedicam à filosofia, se não são sábios nem são
ignorantes?
71
São intermediários entre ambos os extremos, como indubitavelmente sucede
com o Amor: pois se a Sabedoria se conta entre as mais belas coisas e se o
Amor é amor do Belo, forçosamente o Amor terá de ser filósofo. E, como
filósofo, terá de situar-se no meio termo, entre sábio e ignorante. Ora a causa
de tais características reside justamente na sua origem: por um lado, um pai
sábio e engenhoso; e por outro, uma mãe desprovida de sabedoria e de
recursos.
E aí tens, pois, a natureza deste génio.
Já percebeste
É social, no se
por outra razão, a v
Só para dar u
versa, para se per
abundância: para
partilhar; no sentid
precisa de quem o
Daí o facto d
aceitando-o, ou n
inevitavelmente, à
Assim sendo,
despersonalização
Isto significa
deve seguir o cami
Com efeito, a
relacionamento co
o limite abaixo do
portanto, um bem-
E o amor, por
É assim que o
amor une; a justiç
outro seja, respeita
visa a união; onde
É natural, po
função e lugar que
inter-subjectividad
1. Vida comunitária e relações sociais
que a pessoa humana é, por natureza, um ser relacional, isto é, social.
ntido em que, seja por necessidade, por carência, ou por simpatia, ou
erdade é que nenhum homem ou mulher se basta si mesmo/a.
m exemplo, nós verificamos que o homem precisa da mulher e vice-
petuarem, como espécie. O homem é social, também em razão da
se sentir confortável, feliz, precisa de outros seres humanos, para
o de que, mesmo na hipótese de se bastar sozinho a si mesmo, ainda
aprecie, de alguém com quem possa jogar, conviver, etc.
e que somos sempre convidados a tomar posição diante do outro,
egando-o. No entanto, a rejeição sistemática dos outros conduz,
degradação e desumanização do sujeito em causa.
devo tratar os outros como pessoas, sob o risco da minha própria
.
1.1. Amizade cívica e Justiça social
73
que, como acima ficou dito, o relacionamento entre os seres humanos
nho da justiça e do amor.
justiça e o amor são os dois pólos que delimitam a única forma de
rrecto e plenamente humano. É que a justiça é já um amor incipiente,
qual há ofensa. Justiça é querer para outrem o que lhe é devido. É,
querer, uma forma de amar.
sua vez, já inclui a justiça. Sem justiça, não há verdadeiro amor.
amor e a justiça mutuamente se completam: a justiça distingue, o
a guarda distâncias, o amor aproxima e abraça. A justiça deixa que o
-o a ele e ao que é seu; enquanto que o amor quer que o outro seja, e
já se não fala de meu e de teu, mas sim de nós e de nosso.
rtanto, que a justiça seja mais objectiva, e considere o outro, pela
ele ocupa na sociedade. Enquanto que o amor dará antes prioridade à
e, às relações inter-pessoais.
74
E conforme sublinhemos mais um ou mais o outro, teremos dois tipos diferentes de
organização social.
Se privilegiamos a justiça, sobressaem as relações societárias, próprias das
sociedades complexas. Ao passo que, se insistimos mais no amor, sobressairão as
relações comunitárias. Por exemplo, em casa, quererás ser tratado mais com base nas
relações de amor do que nas de justiça; ao passo que, na escola, e mais ainda no
emprego, privilegiarás mais a justiça.
É neste contexto que o amor pode, às vezes, chocar com a justiça: na verdade, se o
teu professor te desse as notas guiado pelos seus sentimentos de amor e não conforme a
justiça, mesmo tu havias de te sentir ofendido.
Também é importante recordar que a distinção entre comunidade de amor e
sociedade de justiça tem grande importância para as sociedade naturais (comunidades) e
para as sociedades livres (sociedades propriamente ditas).
A sociedade ou comunidade familiar é natural, no sentido em que ninguém pode
crescer sadiamente, sem o calor de uma família. De modo idêntico, a sociedade política
nacional, até certo ponto, é também natural. Ao contrário, a sociedade civil (no que se
refere às diversas associações cívicas) ou a mundial, como a ONU, são livres, ou seja,
dispensáveis.
A diferença entre sociedades e comunidades, isto é, entre sociedades naturais e
sociedades livres, não é consensual e pode variar, consoante os autores.
Mas, dado que a organização social, que, aqui e agora, engendra as leis, a que todos
estamos vinculados, e através das quais se persegue a almejada justiça, é a sociedade
estatal, vulgarmente chamada Estado, a que todos pertencemos, convém percebermos
melhor o seu fundamento.
Aqui, destaca-se John Rawls, filósofo americano. Para este autor, só é legítimo o
Estado, que emana do acordo entre os cidadãos de um certo território. Oiçamo-lo:
Admitamos, para assentar ideias, que uma sociedade é uma associação de
pessoas, mais ou menos auto-suficientes, as quais, nas suas relações,
reconhecem, como vinculativas, certas regras de conduta, e, na sua maioria,
agem de acordo com elas.
Suponhamos ainda que estas regras especificam um sistema de cooperação
concebido para fomentar o bem dos que nele participam.
75
Assim, embora uma sociedade seja uma tentativa de cooperação, que visa obter
vantagens mútuas, ela é tipicamente marcada, simultaneamente, tanto por um
conflito como por uma identidade de interesses.
Há identidade de interesses, uma vez que a cooperação torna possível uma vida,
que, para todos, é melhor do que aquela que cada um teria, se tivesse de viver
apenas pelos seus próprios esforços.
Há conflito de interesses, uma vez que os sujeitos não são indiferentes à forma
como são distribuídos os benefícios acrescidos, que resultam da sua
colaboração, já que, para prosseguirem os seus objectivos, todos preferem
receber uma parte maior dos mesmos.
É necessário um conjunto de princípios, que permitam optar, entre as diversas
formas de ordenação social, que determinam esta divisão dos benefícios, bem
como obter um acordo sobre a repartição adequada dos mesmo.
Estes princípios são os da justiça social: são eles que fornecem um critério,
para atribuição de direitos e deveres, nas instituições básicas da sociedade, e
definem a distribuição adequada dos encargos e benefícios da cooperação
social.
Assim, dir-se-á que a sociedade é bem ordenada, quando não só é concebida
para aumentar o bem dos respectivos membros, mas é também efectivamente
regida por uma concepção pública da justiça. Ou seja, trata-se de uma
sociedade, em que, por um lado, cada um aceita os mesmos princípios da
justiça, sabendo que os outros também os aceitam, e, por outro, as respectivas
instituições básicas geralmente satisfazem esses princípios, sendo reconhecidas
como tais.
Nesta situação, ainda que os sujeitos possam formular, uns contra os outros,
exigências excessivas, eles reconhecem, apesar disso, um ponto de vista comum,
a partir do qual serão decididas as respectivas pretensões. Se as inclinações
humanas se orientam para a prossecução do interesse próprio, tornando
necessária a vigilância mútua, o seu sentido público da justiça torna possível e
segura a associação de todos. Entre sujeitos com objectivos e fins díspares, a
partilha de uma concepção pública da justiça constitui a regra fundamental de
qualquer associação humana bem ordenada.
76
É certo que as sociedades existentes raramente estão bem ordenadas, nos
termos agora expostos, dado que a determinação do que é justo ou injusto é,
normalmente, objecto de disputa.
Os princípios que devem definir os termos básicos de qualquer associação são,
eles próprios, objecto de discórdia.
E, no entanto, pode ainda afirmar-se que, apesar do desacordo, cada um dos
seus membros tem uma concepção da justiça. Ou seja, todos reconhecem a
necessidade de um conjunto específico de princípios, para a atribuição de
direitos e deveres básicos, e para a determinação do que se entende ser a
distribuição adequada dos encargos e benefícios da cooperação em sociedade, e
estão dispostos a afirmá-la.
Assim, é natural que se considere que o conceito de justiça é distinto das várias
concepções da justiça, sendo definido pelo papel que desempenham em comum
estes diversos conjuntos de princípios, estas diferentes concepções da justiça,.
Assim, os defensores das diferentes concepções da justiça podem, apesar disso,
estar de acordo, quanto ao facto de que as instituições são justas, quando não
há discriminações arbitrárias, na atribuição dos direitos e deveres básicos, e
quando as regras existentes estabelecem um equilíbrio adequado, entre as
diversas pretensões, que concorrem para a atribuição dos benefícios da vida em
sociedade.
O acordo, quanto a esta definição de instituição justa, é possível, porque as
noções de discriminação arbitrária e de equilíbrio adequado, que estão
incluídas no conceito de justiça, são deixadas em aberto, por forma a que cada
um as possa interpretar, de acordo com os princípios da justiça que aceite.
Estes princípios destacam quais as semelhanças e as diferenças entre as
pessoas, que sejam relevantes para a determinação dos direitos e deveres, e
permitam especificar qual divisão dos benefícios é que é adequada. Parece
evidente que esta distinção, entre o conceito de justiça e as diversas concepções
da justiça, não resolve quaisquer questões importantes. Ela limita-se a
identificar o papel dos princípios da justiça social.
A Existência de algum consenso, sobre as concepções da justiça, não é, no
entanto, a única condição prévia, para uma comunidade humana viável. Há
outros problemas sociais fundamentais, nomeadamente os relativos à
coordenação, eficiência e estabilidade. Assim, os projectos individuais dos
77
diversos sujeitos devem poder articular-se em conjunto, de forma a que as
respectivas actividades sejam mutuamente compatíveis e possam ser levadas a
cabo, sem que sejam gravemente violadas as legítimas expectativas de cada um.
Além disso, a execução desses planos individuais deve conduzir à realização dos
objectivos sociais, de uma forma que seja eficiente e conforme à justiça.
Finalmente, o sistema de cooperação em sociedade tem de ser estável: deve ser
respeitado, de forma mais ou menos regular, e as suas regras básicas devem ser
voluntariamente seguidas. E, quando se verificam infracções, devem existir
forças estabilizadoras, que impeçam novas violações, e que se orientem para
restabelecer o acordo existente.
É, porém, evidente que estas três questões estão ligadas ao problema da justiça.
Na ausência de um certo grau de consenso, sobre o justo e o injusto, é
claramente mais difícil, para os sujeitos, coordenarem os seus planos, de forma
eficiente, de modo a preservarem os acordos mutuamente benéficos. A
desconfiança e o ressentimento afectam os laços da civilidade, e a suspeição e a
hostilidade levam os homens a actuar, por formas, que, normalmente, evitariam.
Assim, se a função particular das concepções da justiça é a de especificar os
direitos e deveres básicos e determinar a forma apropriada da distribuição, o
modo, pelo qual uma dada concepção o faz, afecta, necessariamente, os
problemas de eficiência, coordenação e estabilidade. Em geral, não podemos
avaliar uma concepção da justiça, apenas pelo seu conteúdo distributivo, por
mais útil que este possa ser, na identificação do conceito de justiça. Devemos
ter, igualmente, em consideração as suas consequências mais vastas; pois,
embora a justiça goze de alguma prioridade, sendo a mais importante virtude
das instituições, também é verdade que, em igualdade de circunstâncias, uma
determinada concepção de justiça é preferível a uma outra, quando as suas
consequências mais gerais forem mais desejáveis.
Por instituições, entendo um sistema público de regras, que determina
ocupações e posições, acompanhadas pelos seus respectivos direitos e deveres,
poderes e imunidades, e coisas semelhantes.
Tais regras especificam certas formas de agir, umas permitidas e outras
proibidas; e, quando ocorrem violações, encarregam-se das penalidades e
defesas, e assim por diante.
78
Como exemplo de instituições ou, de forma mais geral, de práticas sociais,
poderíamos pensar em jogos e rituais, tribunais e parlamentos, mercados e
sistemas de propriedade.
Ao dizer que a instituição e, por conseguinte, a estrutura básica da sociedade, é
um sistema público de regras, entendo que qualquer um, que esteja engajado
neste sistema, saberá se as regras e a sua própria participação nas actividades
definidas pelas regras são o resultado de um acordo, ou não. Um indivíduo, ao
tomar parte numa instituição, saberá quais os papéis que lhe cabem e quais os
que cabem aos outros.
Os princípios de justiça devem ser aplicados aos acordos sociais,
compreendidos como públicos, neste sentido, onde as regras de certa subdivisão
de uma instituição só são conhecidas pelos que a ela pertencem. Os dois
princípios poderiam ser formulados como segue:
Primeiro – cada pessoa deve ter a mais ampla liberdade, sendo que esta
última deve ser igual à dos outros e a mais extensa possível, na medida em que
seja compatível com uma liberdade similar de outros indivíduos.
Segundo – as desigualdades económicas e sociais devem ser
combinadas, de forma a que ambas
- correspondam às expectativas de que trarão vantagens para todos
- e sejam ligadas a posições e a órgãos abertos a todos.
Num comentário geral, estes princípios se aplicam, principalmente, à estrutura
básica da sociedade (Estado), como ficou dito. Eles deverão governar a atribuição
de direitos e deveres, assim como regular a distribuição dos benefícios sócio-
económicos.
( John Rawls em Uma Teoria de Justiça)
Estes dois princípios de John Rawls, que são fundamentais, presidem à constituição
dos Estados Liberais e permitem o seu correcto funcionamento.
Ao longo da história, foram sendo enunciados de diversas maneiras. Por exemplo,
na Revolução Francesa, foram designados por: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Hoje em dia, é comum chamarem-se: Princípio de Subsidieariedade, Solidariedade e
Primado do Bem Comum.
1.2. Princípio de Subsidiariedade
Este Princípio defende que a actividade social é de natureza subsidiária, isto é, visa
promover as pessoas, e não substituí-las.
Daqui se depreende o seguinte:
A colectividade, sociedade ou Estado, não deve impedir as pessoas de fazerem o
que podem e querem legitimamente fazer. Por exemplo, o Estado ou Sociedade não
deve impedir as pessoas de possuírem bens privados, ou, em nome de alguma religião
ou mesmo ideologia política, impedir as pessoas de praticarem um desporto, uma
religião, ou fazerem parte de um partido político, de uma organização social, cultural,
tribal, linguística, salvo se isso, de facto, ofendesse e limitasse os direitos dos outros, ou
da sociedade, como um todo.
O Estado não deve, substituir-se às pessoas, a não ser, com o acordo delas, para as
libertar, em ordem a actividades preferidas. Deve possibilitar, isto é, criar as condições e
proporcionar as ajudas, que tornem possível aos membros fazerem, por si mesmos, o
que, sem tais ajudas, não estariam em condições de fazer. Por exemplo, o Estado deve
criar condições, para que as pessoas mais pobres possam contrair empréstimos
bancários, servindo o Estado como avalista, afim de que elas possam desenvolver
actividades lucrativas, ou possuir bens, que, de outro modo, não conseguiriam ter.
Só em casos específicos e excepcionais, é que a sociedade ou Estado deverá e
poderá substituir algum membro da sociedade ou grupo de indivíduos. Por exemplo, é
de bom tom que o Estado seja proprietário de escolas, hospitais e outros serviços
indispensáveis, que, devido à sua complexidade e natureza, não poderiam ser
cabalmente exercidos por singulares.
1.3. O Princípio de Solidariedade
79
O princípio de solidariedade é a expressão do vínculo recíproco que existe entre
pessoas e sociedade, entre indivíduos e colectividade, ou da inter-ligação e inter-
dependência que reina entre todos aqueles que constituem a pluralidade unificada, que
quer ser a vida em grupo.
Do ponto de vista ético, pois é disso que se trata, o Princípio de Solidariedade exprime
a mútua responsabilidade do indivíduos e da sociedade, em ordem ao bem comum.
Com efeito, é eticamente reprovável que alguém esteja bem, a “curtir”, como se diz,
quando outras pessoas, seus semelhantes e irmãos, não têm um tecto para dormir, um
pão para matar a fome, ou mesmo um gole de água, para enganar a sede.
Significa isto que a sociedade, como um todo, tem uma grande responsabilidade, para
com os doentes, os marginais, os proscritos, os estrangeiros, e todo o tipo de
incapacitados e vencidos da vida, independentemente das causas que levaram a essa
situação. É uma responsabilidade, que, não só é de indivíduo para indivíduo e do Estado
para o indivíduo mas é também de povo para povo, e de Estado para Estado.
O dever de ajudar faz parte da estrutura tanto do indivíduo como dos grupos, de ele que
é parte.
1.4. Princípio do Primado do Bem Comum
80
O princípio do Primado do Bem Comum quer exprimir a subordinação moral dos
membros da sociedade ao todo social, de que são partes. O bem do todo tem primazia
sobre o bem particular das pessoas, individuais ou colectivas, que dele fazem parte.
Embora este princípio deva ser entendido dentro dos próprios limites, parece ser
claro que uma sociedade inteira não pode jamais ficar refém dos interesses particulares
dos indivíduos ou grupos de indivíduos. É por isso que, só para exemplificarmos, um
indivíduo pode ser chamado a defender o seu País, de uma agressão externa, mesmo
sabendo que isso poderá significar para ele o sacrifício da própria vida. Ainda a título de
exemplo, parece evidente que, em casos de epidemia, nenhum interesse de lucro ou
farmacêutico pode inviabilizar a distribuição dos medicamentos a todos os necessitados.
É por isso que este princípio aponta imediatamente para o destino universal dos
bens, no sentido de que nenhuma outra razão, economicista, por exemplo, pode
justificar que alguém possa morrer à fome, havendo alimentos que cheguem.
Isto, porém, não significa que as pessoas existem em função e apenas ao serviço da
colectividade ou do Estado. A pessoa humana é, por sua vez, a razão de ser dos Estados
e das Pátrias. Pelo que, a pessoa não pode ser sacrificada, de qualquer maneira. Por
exemplo, não faz sentido o sacrifício de milhares de pessoas, por uma ideologia ou
credo, quando isso podia muito bem evitar-se, pelo recurso ao diálogo. Os interesses
egoístas, mesmo que fossem os de uma Nação, não justificam a aniquilação nem que
seja de uma só vida humana.
Dizer que o Homem é, po
Homem pertence ao reino dos
pode ser usado ou instrument
própria promoção e felicidade.
Ser livre significa ter um
próprias acções, de forma a qu
A Liberdade é inerente
arbítrio.
Liberdade opõe-se, no
irresponsabilidade física ou mo
Donde se depreende que
natureza, nem à tirania do Esta
A Liberdade significa que
quer significar que a acção hu
com razões, e em conformidad
Ser livre é, por isso, ser m
superstição, o medo, a sujeiç
paixões e do egoísmo, os vínc
autodomínio e a retirada da tu
linhas da própria existência, é
A minha liberdade impli
consciência de o fazer.
Mas ser livre é, sobretudo
facto de todo o ser se conver
medida em que tudo o que é
mesmo modo, susceptível de s
2. Liberdade
81
r sua própria natureza, livre, é defender, com Kant, que o
fins. Isto é, que ele é um fim em si mesmo. Que ele não
alizado, para qualquer outro fim, que não seja o da sua
princípio interno ou capacidade fundamental de dirigir as
e a pessoa possa chamá-las minhas, tuas, suas.
a todo o género humano. E há quem lhe chame livre
sentido negativo, a inconsciência, a loucura, a
ral.
o Homem não está submetido às forças deterministas da
do, da Sociedade, ou dos demais em geral.
o Homem não só age, como também sabe que o faz. Ela
mana é pensada, reflectida, com conhecimento de causa,
e com as próprias convicções.
aduro e crescido. É superar alienações várias, como: a
ão social, política, económica, jurídica, o domínio das
ulos imaturos com outras pessoas, incluindo os pais. É o
tela de outrem. É possuir-se a si mesmo, é determinar as
a ausência de pressões externas.
ca que eu realizo o meu ser e existência, com plena
, desejar e anelar pelo bem. Para os antigos, isto radica no
ter em verdade e bondade. Todo o ser é verdadeiro, na
, é susceptível de conhecimento pela inteligência e, do
er querido e desejado, porquanto é bom.
2.1. Tipos de Liberdade
82
Assim sendo, podemos distinguir entre liberdade sociológica e liberdade
psicológica.
A liberdade é sociológica, enquanto a pessoa humana procura sempre não se
confundir com a sua comunidade, nem muito menos deixar-se engolir por ela; sem, com
isso, prejudicar a sua natureza social. É livre, neste sentido, quem não está preso nem é
escravo. Esta Liberdade é, assim, autonomia. Autonomia do indivíduo, em relação ao
todo, a que pertence.
A liberdade é psicológica, na medida em que o Homem toma consciência do seu eu,
distinto de todos os outros eus, e distinto de tudo quanto o compõe. Daí a necessidade
de autodomínio de todas as sua pulsões (instintos) interiores. É livre neste sentido, o
Homem Adulto, e mais livre ainda quando não sujeito ao domínio dos vícios e paixões
da natureza (álcool, drogas, prostituição, gula, riquezas, poder, etc)
Portanto, o homem tem consciência da sua liberdade interior, base da sua liberdade
social.
O homem está ligado a necessidades, que não são, nem muito menos, apenas as
físicas. Logo, há que dominar-se a si mesmo, e ser responsável, pelos outros, e por tudo
quanto o rodeia.
É nesta liberdade que radica a própria moral. Posto que, longe de, pura e
simplesmente, reagir aos estímulos, o homem pode e deve escolher as suas acções. E
deve escolher, de acordo com a sua humanidade. Há acções mais humanizantes e acções
menos humanizantes. É esta escolha que determina a moralidade das acções humanas. Recorda:
Se, para o meu semelhante, sou um EU e um TU, eu sou dialogante.
Se sou dialogante, sou responsável.
Se sou responsável, sou livre. Liberdade implica responsabilidade. Ser livre é dispor de si. E dispor de si é ser
disponível, é pôr-se à disposição.
Ser livre é possuir-se. E possuir-se é abrir-se ao risco da relação com o TU, e ao
futuro do seu projecto existencial.
2.2. Liberdade vista por alguns filósofos
83
A Liberdade é a capacidade de escolher entre coisas várias, entre coisas
contrárias. É a capacidade de escolher o melhor, de escolher o que quero e não o que me
apetece, de chegar a ser o que sou, a atingir a minha identidade.
A minha liberdade é a minha aptidão para dispor de mim, em ordem à minha
realização pessoal. É a possibilidade que eu tenho de construir o meu próprio destino,
de poder escolher tanto os meios como os fins.
Disse Sartre que « O Homem é o ser condenado a ser livre».
E Heidegger observou que na « apaixonada liberdade perante a morte» entendida
como a finalidade consumadora do existir, é que se põe à prova a verdadeira têmpera
da liberdade.
E Jaspers afirmou: «A liberdade só existe com a transcendência e por meio da
transcendência».
A liberdade é situada, é condicionada, é real, mas de-limitada, relativa
« A liberdade é a faculdade do definitivo» ( J.B.METZ )
« ... é o poder de obrar para a eternidade» (RAHNER). Inclui compromisso fiel e
fidelidade comprometida
A Liberdade é solidária.
Na modernidade e na actualidade, a liberdade humana tem sido negada de várias
formas e com várias teorias. Assim, o condutismo e engenharia social defendem que o ambiente é que é o factor
determinante do comportamento humano.
A chamada utopia skinneriana prediz que a futura sociedade será controlada pelos
peritos em psicologia social.
A sociobiologia e engenharia genética defende que o que determina o nosso
comportamento humano são os genes. E prediz que a sociedade futura será controlada
pela « direcção precisa baseada no conhecimento biológico» ( E.O.WILSON ). Para
estes, a ética é um fenómeno de natureza exclusivamente biológica.
Alguns influenciados pela cibernética, engenharia de computadores e inteligência
artificial defendem que o Homem não passa de simples máquina, e que, no futuro, vai
ser o moço de recados dos robots.
Já terás certamente percebid
representam, incluindo o Estado
delas perante ela mesma.
Por exemplo, quanto à ideia
que o bem é algo a fazer e o mal
Ora, a natureza desta obr
imperativo categórico, é o prin
actos ou atitudes, cuja omissão o
senão mesmo inumanos ou desum
Essa obrigação deriva do fa
entidades de deveres e direitos.
A moralidade é propriedade
e aos seus autores, devido aos qu
são actos que dizem da conformi
Por que razão um acto pod
Para Kant, a norma moral
aos outros, enquanto livres e igua
Isto é, o primeiro princípio
outros aquilo que não gostaria qu
devo agir de tal maneira, que a m
por outros, eu não encontraria raz
3. Moralidade
3.1. Introdução
o que as pessoas, bem como as colectividades, que as
, têm obrigações umas para com as outras, e cada uma
de bem, de que já falámos muito, deves ter entendido
é algo a evitar.
igação, a que o filósofo Emmanuel Kant chamou
cípio da obrigação moral, no sentido de que existem
u prática tornam o homem ou mulher menos humanos,
anos
cto de o homem ou mulher serem obrigados, ou seja,
dos actos humanos e só destes. Ela refere-se aos actos
ais há maldade ou bondade. Actos morais ou humanos
dade ou desconformidade com a norma moral.
3. 2. Que norma moral é esta?
84
e tornar alguém reprovável ou não?
advém da reciprocidade, que os indivíduos devem uns
is.
da moralidade é aquele que me diz para não fazer aos
e os outros me fizessem a mim. Ou seja, para Kant, eu
inha acção seja universal. Isto é: se ela fosse praticada
ão nenhuma de censurar quem a praticou.
Por exemplo: embora me possa parecer que a mentira, em certos momentos, me é
benéfica a mim, a verdade é que, se fossem os outros a mentir-me a mim, eu certamente
que não havia de gostar. Isto basta para que a mentira seja reprovável.
O alcance da justificação kantiana é muito grande, embora talvez não seja
suficiente ou suficientemente forte, para obrigar as pessoas todas, ou fazê-las sentirem-
se obrigadas a fazerem o bem e a evitarem o mal.
Daí que os autores distingam dois tipos de leis, a que estamos obrigados:
- As leis naturais
- e as leis positivas
3.3. Leis naturais
As leis naturais são as leis constituídas por directrizes morais, que se fundam na
natureza do homem, independentemente de qualquer intervenção positiva da autoridade.
Há que distingui-las das leis físicas, como são, por exemplo, a necessidade de comer ou
de beber.
Também podem ser definidas como resultantes da natureza racional do homem. Os
ditames da razão é que exprimem, objectivamente, qual deve ser o procedimento do
homem, para poder ser autenticamente homem.
Portanto, a razão por que estas leis nos obrigam é que, se as não cumprirmos,
perdemos o direito de nos considerarmos a nós mesmos como pessoas racionais. Por
exemplo, a mãe que lança o filho num caixote do lixo. A todos parecerá evidente,
independentemente das razões sociais que porventura a tenham levado a isso, que tal
mulher agiu de forma desnaturada. Ou um pai que viola a própria filha. Não merece ser
considerado como homem. E por aí adiante.
3.4. Leis positivas
85
As leis positivas, por seu lado, são as leis fixadas por alguma autoridade. Resultam,
portanto, de alguma intervenção e convenção humana. Elas apenas nos obrigam,
enquanto reconhecemos a essa sobredita autoridade o poder de fixar para nós o que é
correcto ou incorrecto. Esta autoridade pode ser adstrita a um Deus, aos espíritos
superiores, aos mais velhos, aos chefes, aos pais, ou mesmo às Instituições.
86
Geralmente, as leis positivas emanam da Constituição ou Lei Básica, que cada povo
ou nação erige, para regular as relações entre os indivíduos, que compõem esse mesmo
Estado.
Resumindo:
A lei natural é constituída pelas directrizes morais, que se fundam na
natureza do homem, independentemente de qualquer intervenção
positiva da autoridade.
A lei natural é o conjunto das exigências morais, que resultam, para o
homem, da natureza racional que tem; conjunto de ditames da razão, que
exprimem objectivamente qual deve ser o procedimento do homem, para
ser autenticamente humano; expressão do que o homem deve ser, por ser
aquilo que é; expressão do dinamismo da pessoa humana
Lei natural e direito natural são, muitas vezes, usados como sinónimos;
quando se distinguem, direito natural designa o que na lei natural é
jurídico.
Lei positiva designa a lei (norma ou regra) do agir humano posta
(posita) historicamente numa determinada sociedade. Tradicionalmente,
distingue-se em divina e humana, conforme proceda de Deus ou dos
homens
A lei positiva é um ditame da razão prática (causa formal), ordenador da
acção humana (causa material) para o bem comum (causa final),
emanada da autoridade social competente (causa eficiente).
Roque Cabral, em Enciclopédia Logos. III
Na doutrina clássica, só é verdadeira lei a prescrição justa, que esteja de acordo
com a recta razão (entenda-se conforme a natureza das coisas).
Ao contrário, na modernidade, a lei é essencialmente injunção do poder. Desde que
o indivíduo reconheça a legitimidade do poder, é obrigado a cumprir todas as leis que
ele estabelecer. E porquê? Porque, dizem, é impossível determinar, com rigor absoluto,
qual é a natureza íntima das coisas.
Daqui resulta o conflito, entre o legal e o legítimo.
Legal é tudo o que é permitido pelas leis positivas, isto é, imposto pela autoridade,
que legitimamente detém o poder.
Ao passo que legítimo seria o que estivesse de acordo com a recta razão, e, por isso
mesmo, de acordo com a natureza.
É claro que para muitos autores modernos, legalidade e legitimidade se confundem,
na medida em que, na impossibilidade de determinar como as coisas deviam ser, de
acordo com a recta razão, temos de nos contentar com o que estabelece o acordo
intersubjectivo, inter-individual.
Pelo que, ninguém pode, legitimamente, transigir, nas leis da comunidade política
ou Estado, a que pertence. O máximo que poderá fazer é tentar persuadir os seus
concidadãos, para que se modifiquem as leis que considera injustas. Mas, enquanto as
leis estiverem em vigor, é necessário cumpri-las, e qualquer transgressão delas é
ilegítima.
Ao contrário, os que defendem a existência de uma ordem natural das coisas, mas
sobretudo a capacidade que cada homem tem de conhecer essa pretensa existência de
uma ordem natural das coisas, defendem que nem todas as leis das Nações e Estados,
resultantes do acordo entre os cidadãos, são justas.
Pelo que, se o indivíduo de boa fé entender que, de facto, o não são, tem não só o
direito, mas também a obrigação de as transgredir e de opor-se a elas, com todas as suas
forças.
3.5. Moralidade formal e moralidade material
87
É também comum distinguir-se a moralidade formal da moralidade material:
Por Moralidade formal entende-se a moralidade subjectiva ou pessoal.
É a tomada de posição, por parte de um sujeito moral (pessoal), perante o bem e o
mal; o permitido e o não permitido; o correcto e o incorrecto. Enfim, é a forma como
cada pessoa se relaciona com a norma moral, constitutiva da moralidade.
A Moralidade Material ou objectiva é a moralidade que o acto tem, em si mesmo,
se abstrairmos de ele ser livremente realizado.
A Moralidade Material é intrínseca, se resultar do que é o próprio acto. Por
exemplo, roubar é moralmente mau. E é extrínseca ou positiva, se tem origem numa
disposição positiva vinda de alguma autoridade.
A Moralidade Material extrínseca ou positiva compreende todos os actos ilegais, ou
seja, não permitidos pela lei. Por exemplo, fugir do serviço militar obrigatório.
Disto resulta que os actos humanos podem ser bons ou maus, permitidos ou não
permitidos, correctos ou incorrectos, lícitos ou ilícitos, conforme estejam ou não em
conformidade com a moralidade.
Esta adesão à moralidade ou a rejeição dela comporta vários níveis. Daí que se
possa falar de actos graves ou actos leves, de acordo com o empenhamento pessoal,
resultante do maior ou menor conhecimento e da advertência ou não advertência do
sujeito.
Para se avaliar o grau de bondade ou de malícia, é preciso ter em conta estes três
elementos: a intenção ou finalidade do agente, a acção realizada, e as circunstâncias
envolventes. Ou seja: o sujeito, o objecto e as condicionantes.
3.6. Mérito e Demérito (Sanção)
88
Do sobredito, fácil te será concluir que, do ponto de vista moral, o homem, ou a
mulher, tanto pode merecer como pode desmerecer, pelos seus actos.
Ou seja, a pessoa, que agir moralmente bem, precisa e deve ser reconhecida,
recompensada, retribuída. Mais: também é fácil de ver que o mérito é uma exigência de
reconhecimento da acção moral, independentemente dos seus efeitos benéficos.
Da mesma forma, a acção moralmente má desmerece, isto é, deve ser punida,
castigada, sancionada.
Daqui se depreende que as acções morais nunca são neutras. Ou merecem
aprovação, ou merecem reprovação, conforme forem meritórias ou não.
Merecer ou desmerecer, perante quem?
Quem deve, em última análise, punir ou castigar as acções moralmente más?
O primeiro aspecto a ressaltar é que a acção moral merece ou desmerece, em si
mesma, sem referência a ninguém. No sentido de que, em virtude de o homem e a
mulher serem seres morais, a prática da imoralidade cria um mal-estar no indivíduo, que
a praticar. Por isso se diz que o mérito ou demérito de alguma acção é produzido pela
própria acção. Por exemplo, um autêntico homem, ou mulher, se roubar, há de sentir-se
mal, pode até chegar a sentir-se nojento.
89
Nesta perspectiva, a acção imoral provocará, no seu autor, um efeito do género
daquele que provoca num indivíduo uma alimentação má ou uma falta de higiene
Tudo isso, porém, é ainda insuficiente, para justificar a necessidade de um agir
irrepreensível. Do mesmo modo que os efeitos da má alimentação ou da falta de higiene
não bastariam para persuadir toda a gente a ter cuidados higiénicos e de alimentação.
Além do mais, a aparente felicidade dos maus, o poder dos perversos, e a riqueza
dos desonestos, bem como o prazer de que parecem gozar os imorais, suscita em cada
um de nós a necessidade de algo mais, para sancionar os actos morais.
É assim que os Estados criam sistemas de castigo e punição para os faltosos, e, por
outro lado, chegam a criar prémios para os cumpridores.
Nem sempre, porém, os actos legais ou ilegais coincidem com as exigências éticas.
Pelo que, o sistema judicial também se mostra insuficiente para responder ao apelo
do mérito e da sanção. Uma vez que existem Estados corruptos, em que os maus
triunfam e os bons penam. Para além de que é sempre possível escapar à justiça e lucrar
com as próprias imoralidades.
Pelo que, parece óbvia a exigência de alguém capaz de:
- Avaliar, com exactidão, o valor moral de todas as pessoas, de todas e cada uma
das suas acções, por mais ocultas que elas tenham ficado, mesmo para os
próprios autores
- Querer, com total imparcialidade e empenho, reconhecer todos os méritos
correspondentes
- Ter domínio total sobre todos os seres, e capacidade, para castigar ou premiar,
conforme o caso.
Ora, um ser com estas características, só Deus. Só Ele, de facto, é omnisciente,
omnipotente e inteiramente bom.
Daqui se depreende que as exigências morais, mesmo não demonstrando a
existência de Deus, o postulam, o exigem.
Em todo o caso, a degradação dos povos, e mesmo a dos indivíduos amorais e
imorais, parece o suficiente, para nós percebermos que, independentemente de existir ou
não um Deus, o bem é meritório e o mal merece castigo.
E é por existirem actos meritórios e actos que devem ser sancionados que os
homens e as mulheres criam listas de atitudes e comportamentos aceitáveis, permitidos,
a que, genericamente, se dá o nome de virtudes, e outras de atitudes e comportamentos
90
inaceitáveis e não permitidos, a que se dá o nome de vícios. E, no mesmo sentido,
falamos de valores e contravalores.
Estas listas de virtudes podem fundamentar-se nas leis e direitos naturais, sendo,
por isso, universais. Por exemplo, os direitos humanos e as acções contra a natureza, e
os vícios e contravalores, como é o caso do incesto e do homicídio. Mas podem
também derivar de leis positivas, fixadas pelas cartas constitucionais dos Estados, ou
pelos costumes das nações e povos concretos.
Se é verdade que existem actos maus, independentemente de qualquer contexto
social, também será verdade que a definição do justo e do injusto, do bom e do mau,
pode variar, de comunidade para comunidade, e de época histórica para época histórica.
Por exemplo, a poligamia, que, hoje, à luz do desenvolvimento social, em que vivemos,
nos parece inaceitável, enquanto negação da igualdade entre os sexos, ontem, para os
nossos pais e avós, não era proibida.
Por isso, ao lado das virtudes fixas e eternas, encontramos um conjunto de virtudes
variáveis.
Pelo que a verdadeira escola e lugar da virtude continua a ser a comunidade
concreta a que cada um de nós pertence. A começar pela família, passando pelo bairro
ou clã; religião ou país, a que pertencemos. E só a partir daí se poderá falar de direitos e
deveres universais e de toda a humanidade.
Por isso, no próximo capítulo, vamos falar um pouco da família, que, como
sabemos, é o núcleo básico do nosso desenvolvimento.
Antes de mais, h
universais. No sentido d
que desempenha as funç
educação e socialização
exercício da sexualidade
Como outros valo
muito diferenciadas, seg
evoluções consideráveis
Nessa variedade e
a mais comum e a mais
Uma análise destas
elementos fundamentais
São seres integralm
Isto é: o ser homem, ou
masculinos ou feminino
Em todas as dimens
são, pois, muito mais ab
os que se unem não são
sua sexualidade.
Por isso, uma relaçã
não realize a união d
constrangimentos econó
1. Fenómenos universais
á que reconhecer que Família e Matrimónio são fenómenos
e que não se conhece nenhuma sociedade, sem uma instituição,
ões de unidade económica (produção e consumo), reprodução,
das crianças, e que é, ao mesmo tempo, lugar privilegiado do
, e que obedece a certas normas fundamentais comuns.
res humanos, o Matrimónio e a Família têm regras e formas
undo as várias sociedades. E, através dos tempos, têm sofrido
, na forma como se compõem, se estabelecem e permanecem.
evolução, a modalidade conjugal monogâmica estável revela-se
moderna.
2. Elementos fundamentais
duas realidades sociais tem que ser feita a partir destes três
: os que se unem, os que nascem, e a sociedade
2.1. Os que se unem (os nubentes ou cônjuges ou esponsais)
92
ente sexuados. E dizer sexual é muito mais que dizer genital.
ser mulher, é muito mais do que ter apenas uns órgãos genitais
s.
ões da pessoa humana estão presentes as relações sexuais. Estas
rangentes que as relações meramente genitais. Isto significa que
apenas dois corpos, são duas pessoas, na plena integridade de
o homem-mulher , que não seja motivada pelo amor, em que se
e duas vontades livres, mas que seja apenas motivada por
micos, hedonistas, instituais, é degradante.
De igual modo, toda a relação, que não mereça aprovação social, por implicar
mentira ou traição dos que mais nos estimam: pais, amigos, parceiros, comunidade, etc,
será uma relação mutilante, no sentido em que vem romper a cadeia do amor,
exactamente, onde devia atingir a sua plenitude.
A sexualidade humana, embora obedeça a impulsos interiores indiscutíveis, não é
totalmente instintual, como a dos animais. Por isso, implica uma aprendizagem, um
contexto social, e um controlo vindo das dimensões superiores. Sem o que, ela se
perverte, e nos corrompe e escraviza..
A sexualidade é, por esta razão, uma linguagem natural e, sobretudo, cultural. E
pode ser verdadeira e amadurecida, ou mentirosa e pueril.
A autêntica sexualidade conduz à união de duas pessoas, que se entregam e se
acolhem mutuamente, de modo total e incondicional. O que implica que o exercício
correcto da sexualidade exclui terceiros, e requer tempo.
A relação sexual é, pois, relação de corpo-sujeito em oposição à relação de corpo-
objecto (que acontece, quando alguém tem, como fim, apenas tirar do outro o prazer ou
outras benesses). É uma relação significante, enquanto forma de comunicação e diálogo.
Pode, por isso, exprimir uma vontade egoísta de busca de auto-satisfação, posse e
domínio ( e então perverte-se); ou doação pelo amor, exigindo aceitação e
correspondência, sem os quais, seria violência, ódio e engano.
Em suma, a sexualidade humana é conjugal, é monogâmica, é duradoira, é
potencialmente procriadora ou parental, é social e é institucional.
2.2. Os que nascem
Onde há filhos, haja pais. Ou seja, para uma pessoa humana acabar de nascer,
precisa de dois úteros: o da mãe e o da família. Acima de tudo, precisa do par
progenitor: um par unido, estável, que lhe assegure o modelo masculino e feminino, e
tudo o resto.
2.3. A sociedade
93
O bem-estar social depende da saúde das famílias, enquanto lugares de nascimento
e de crescimento.
Assim, a sociedade exige dos que se unem que firmem a sua aliança, através do
casamento institucional, nas suas várias formas. O que exclui uma procriação
espontânea e uniões a eito e de qualquer maneira.
A sociedade, bem como a saúde física e mental dos que nascem, exige uma família
unida, estável e duradoira. E só muito excepcionalmente admite a dissolução da família
ou divórcio, como uma solução extrema, mas, nem por isso, menos trágica e derradeira.
Sendo a famí
da esterilidade s
abordagem sobre
Tu próprio p
acontecidas com a
Comecemos,
Por aborto
isto é, capaz de vi
O aborto é
provocado, quand
A primeira
não ser permitido
A julgar pe
milhões, senão m
no nosso país, de
Porém a e
problemas morais
Mesmo assi
A literatura
3. Vida e ética (Bioética) na família
lia, o lugar previlegiado da transmissão da vida, a questão do aborto e
urgem como dois grandes problemas a ter em conta em qualquer
a família.
ode ser que já tenhas tido conhecimento de experiências traumáticas
migos, com familiares ou conhecidos teus.
então, pelo abordo
3.1. O aborto
3.1.1. Definição, espécies
94
entende-se a interrupção da gravidez, quando o feto ainda não é viável,
ver fora do útero materno.
espontâneo, quando acontece, sem intervenção do homem. E é
o resulta da intervenção humana.
pergunta, que se põe, ao falarmos do aborto, é se o mesmo deve ou
?
las estatísticas, parece que sim. Pois a OMS indica cerca de 30
ais, de abortos anualmente realizados, em todo o mundo. E a situação
certeza que não é menos dramática.
xperiência também mostra que qualquer acto abortivo cria sérios
, psicológicos e físicos, sobretudo aos seus autores.
m, nem todos os abortos provocados são iguais.
, sobre esta matéria, distingue vários tipos de aborto, a saber:
- o aborto terapêutico, que se realiza, quando a condução da gravidez até ao fim
constitui um sério risco para a vida da mãe.
- O aborto ético ou humanitário, quando deriva de o facto de a gravidez ser
consequência de uma acção delituosa, como a violação, o incesto, etc.
- O aborto eugénico, que é praticado, quando existe um risco muito grande de que
o novo ser esteja afectado por anomalias gravíssimas ou malformações
congénitas.
- O aborto psico-social, que é realizado por motivações pessoais, familiares,
económicas, sociais da mulher. E esta tem sido a causa mais comum indicada
para o aborto, pela maior parte das mulheres que o praticam, e, por coincidência,
também a mais inaceitável. Esta razão é, de facto, insuficiente e condenável, não
só porque, a ser aceite, legitimaria todos os abortos, como também porque revela
uma grande dose de egoísmo, de irresponsabilidade, de comodismo e de
menosprezo pela vida de outras pessoas.
3.1.2. Questões Éticas do Aborto
95
A razão pela qual o aborto não deve ser tolerado é porque destrói a vida de outra
pessoa, e entra, portanto, na categoria do crime do assassínio, ou homicídio.
- O feto ainda não é pessoa - contra-argumentam os defensores das práticas
abortivas.
E surge, imediatamente, a pergunta:
- E então quando é que começa, exactamente, a vida humana, no
desenvolvimento embrionário?
As opiniões são diversas, e podem ser resumidas no seguinte quadro:
Começo do direito à vida Fase embrionária Dia ou mês
Fecundação Zigoto Primeiro dia
Anidação Blastocisto 14 dias
Fim da organogénesis Feto Dois meses
Viabilidade Bébé Prematuro 21 Semanas
Nascimento Recém nascido 9 Meses
96
Fecundação – fusão dos elementos masculino e feminino, isto é, do esperma e do
óvulo. Esta fusão dá origem ao zigoto ou célula-ovo.
Este momento é crucial, na medida em que dá início a uma realidade biológica
humana, distinta da dos seus progenitores, com um código genético único e irrepetível,
e já com dinamismo autónomo.
Anidação – implantação do ovo no endométrio, dentro do útero.
Por ocasião do término deste processo de anidação, que começa entre o 5.º e o 6.º
dia, para acabar no 14.º , surge a possibilidade de o embrião se poder dividir e dar
origem a gémeos. O que coloca, como é evidente, a questão da individualização, que
pressupõe a base da personalização.
Também o facto de cerca de 50% dos óvulos fecundados não chegarem à fase da
anidação coloca questões sérias à humanização, antes deste momento.
Fim da organogénesis ou formação do feto - aquisição da forma humana, por parte
do novo ser. Quer dizer, o novo ser adquire o aspecto humano: constituição da cabeça,
com os seus olhos, nariz e boca; das extremidades, da maioria dos órgãos internos. O
que significa a passagem da fase embrionária para a fase fetal.
Além do mais, por este período, mais concretamente, por volta do 43.º dia, aparece
o primeiro sinal de actividade eléctrica cerebral, embora ainda sem substância cinzenta,
e ainda com um traçado do electroencefalograma de tipo subcortical.
Ora, dado o facto de a paragem da actividade cerebral ser identificada com a morte,
a formação e início do funcionamento do córtex cerebral coloca questões importantes,
em relação à humanização.
Viabilidade – refere-se à possibilidade de o novo ser poder viver fora do útero,
embora precise ainda de um apoio especial médico.
Perante tudo isto, quais são, pois, as questões éticas do aborto?
De tudo quanto acabamos de referir, conclui-se, como bem defendeu o ginecólogo
G. Garbelli, que, para a Biogenética, o concebido, logo na sua face embrionária de ovo
(zigoto), já pertence à espécie humana. É, indiscutivelmente, singular, isto é, distinto
dos seus progenitores. E adquire, imediatamente, um mecanismo de programação do
próprio plano de desenvolvimento, funcionando com modalidades autónomas.
Assim, acrescenta ainda Garbelli, o óvulo fecundado é um ser humano, pela sua
origem, pela sua finalidade; pelas suas virtualidades ou potencialidades humanas, que,
enquanto tais, são completas, logo no acto da concepção.
Isto não significa que a tarefa da sua hominização já tenha terminado. O homem,
até à sua morte, é sempre um projecto-de-ser-homem, um ser-humano-em-evolução.
Porém, ao longo deste processo, já não registará saltos qualitativos assinaláveis, embora
tenha momentos decisivos, em sua evolução. O ovo ou zigoto humano é, desde logo,
distinto do ovo de qualquer outro animal ou ser não humano.
E é tanto mais condenável interromper este movimento evolutivo do embrião
humano, quanto mais fraco e desprotegido ele se mostra, por ocasião da sua concepção
e desenvolvimento embrionário ou fetal.
É verdade que alguns querem fazer depender a hominização desse novo ser, da sua
capacidade relacional, da sua aceitação pelos pais, ou mesmo da aquisição de uma
cultura. Mas nós rejeitamos essa pretensão, na medida em que todas essas características
podem faltar também em pessoas adultas. E quanto maiores forem as deficiências de
uma pessoa, a este nível, tanto mais elas traduzirão uma sua extrema debilidade, e tanto
maior deverá ser o nosso empenho em a proteger e defender. Assim temos também de
proteger e defender a humanidade do embrião ou do feto.
Nesta lógica, ainda que, embora com muita prudência, pudessem, eticamente, ser
tolerados e aceites o aborto terapêutico, o eugénico e o ético ou humanitário, o aborto
psico-social ou doutro tipo é condenável, proibido e inaceitável.
3.2. A Esterilidade
3.2.1. Combate à esterilidade e questões ética correlativas
97
Para lutar contra a esterilidade, tanto masculina como feminina, dispõe, hoje, a ciência,
de um conjunto de técnicas designadas por Reprodução Medicamente Assistida (RMA).
São eles:
- a Inseminação artificial (IA);
- a Transferência Intratubária de Gâmetas (GIFT);
- a Transferência Intratubária de Zigotos (ZIFT);
98
- e a Fertilização in vitro, seguida de transferência de embriões (FIVETE).
Por inseminação artificial (IA) entende-se a transferência mecânica de espermatozóides,
previamente recolhidos e tratados, para o interior do aparelho genital feminino.
Por Transferência Intratubária de Gâmetas entende-se a transferência de gâmetas
(espermatozóides e ovócitos), previamente isolados, para o interior das trompas
uterinas, de modo a que só aí se dê a sua fusão.
Donde, a fecundação tem lugar in vivo.
Por transferência Intratubária de Zigotos (ZIFT) entende-se a fusão dos gâmetas in
vitro, e posterior transferência, depois da fusão, para o interior das trompas uterinas.
Quanto à FIVETE ou seja, fertilização in vitro e transferência dos embriões, ela
acontece, quando o zigoto ou os zigotos são incubados in vitro, no mesmo meio, em que
surgiram, até que se dê a sua segmentação.
O embrião ou embriões resultantes (no estádio de duas a oito células) são, então,
transferidos para o útero ou para as trompas.
• Os espermatozóides podem ser mantidos congelados, por períodos indefinidos, em
condições que lhes permitam reter suficiente actividade, e armazenados em bancos
de esperma.
• Quanto aos ovócitos é, por agora, tecnicamente insatisfatório o seu congelamento e
armazenamento.
Quanto à proveniência dos materiais biológicos, nas técnicas supracitadas, os
espermatozóides e os ovócitos podem provir do casal, e, nesse caso, a Reprodução
Medicamente Assistida (RMA) diz-se homóloga.
Se, pelo contrário, um ou ambos os tipos de gâmetas do casal não são viáveis, e se
recorre a um dador de espermatozóides ou/e de ovócitos, exterior ao casal, a
Reprodução Medicamente Assistida (RMA) diz-se heteróloga.
Quando a mulher, por alguma razão, não pode engravidar, apesar de possuir
gâmetas viáveis, recorre-se à mãe de substituição, que criará o embrião em suas
99
entranhas, para, depois, entregar o filho aos dadores dos gâmetas.
Mas casos existem,em que a mãe não só recebe o embrião, como também contribui
com os seus ovócitos.
Disto, resulta a dissociação dos elementos. Os elementos de paternidade e de
maternidade estarão separados. O que permite falar-se não só de pai e mãe ou de pai e
mãe adoptivos, mas também de pai e mãe biológicos e de pai e mãe sociais, como
categorias diferenciadas.