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Her Name in the Sky - VISIONVOX

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Traduzido, revisado e diagramado por chaoticslates e queerteca.

AVISOS DE GATILHO/CONTEÚDO:

Sexo;Ataque lesbofóbico;Lesbofobia;Lesbofobia internalizada;Bullying;Menores consumindo bebidas alcoólicas;Violência;Heterossexualidade compulsória;Comentários gordofóbicos e capacitistas.

ConteúdoCréditosDedicatóriaCapítulo Um: AniversárioCapítulo Dois: Tempo ComumCapítulo Três: Mardi GrasCapítulo Quatro: SujeiraCapítulo Cinco: Garota e GarotoCapítulo Seis: Férias de PrimaveraCapítulo Sete: As Duas Únicas Humanas Na TerraCapítulo Oito: QuebradaCapítulo Nove: A Rainha do Baile de FormaturaCapítulo Dez: Fragmentos de VidroCapítulo Onze: PossibilidadeCapítulo Doze: Boa Sexta-FeiraCapítulo Treze: Os Braços de Homens EnforcadosCapítulo Catorze: A QuedaCapítulo Quinze: A ÁrvoreCapítulo Dezesseis: O Terceiro DiaCapítulo Dezessete: No Jardim

Para mamãe, papai, Freida, Gorb e Cakescom todo meu amor

Capítulo Um: Aniversário

Baker está usando o par de meias que ela menos gosta. Hannah sabe disso mesmo daqui —mesmo da metade da arquibancada, onde ela está entre Wally e Luke e olhando para onde Bakerestá no centro do chão do ginásio — porque Baker continua estendendo a mão quando acha queninguém está olhando e puxando sua meia comprida para suas panturrilhas. Hannah sabe queBaker deve ter acordado esta manhã e percebido que nenhum de seus pares de meias até osjoelhos bons estava limpo — talvez ainda estivessem em seu cesto de roupa suja, intocadosdesde antes do feriado de Natal — e que ela deve ter vasculhado sua gaveta de meias, seus dedoságeis roçaram na madeira de cerejeira e puxaram o velho par de algodão, aquele que ela jurou no9º ano que nunca mais usaria porque ficavam caindo sempre.

— É melhor se apressarem — diz Wally, olhando para o relógio de pulso. — Já são 14:17.— É sexta-feira, Wall — diz Hannah. — Ninguém vai se importar se tivermos que ficar um

minuto a mais — Ela examina o ginásio e localiza o vice-diretor mal-humorado pensativoembaixo de um dos aros de basquete. — Exceto talvez Manceau. Parece que ele vai desmaiar senão comer seu pãozinho pegajoso de sempre logo.

— Me identifico com ele, pela primeira vez — Luke diz. — Estou morrendo de fome equero um burrito.

Hannah está prestes a responder quando um zumbido ensurdecedor se espalha pelo ginásio.Alunos em toda a arquibancada levam as mãos aos ouvidos. Em seguida, ouve-se o som distantede um microfone caindo, e Hannah, tampando os ouvidos, vê o Sr. Gauthier, o velho diretortécnico meio cego, erguendo as mãos em um pedido de desculpas. Vários metros de distânciadele, a Sra. Shackleford, diretora, revira os olhos.

— Acha que finalmente conseguiram? — Hannah diz.— Sr. Gauthier parece confuso — diz Wally.— Ele está igual — diz Luke — Como se estivesse chapado e não soubesse o que está

fazendo aqui. Tenho que amar o velho Goach.— … falar algo para testá-lo? — Uma voz clara diz pelos alto-falantes, e todos voltam os

olhos para Baker, que está na linha do meio da quadra segurando um microfone sem fio na mão.— Ah — Ela diz, meio rindo de si mesma, sua expressão sincera visível até mesmo dasarquibancadas. — Acho que está funcionando agora…

— Finalmente! — Um dos jogadores de futebol nas arquibancadas inferiores grita. De ondeHannah está, parece ter sido o Clay.

Baker ri junto com o resto do ginásio. Ela passa a mão pelo cabelo, seu sorriso relaxado edesprotegido como quando ela conta histórias para Hannah tarde da noite.

— Oi, pessoal — ela diz.— Oi — As centenas de alunos dão risada.— Obrigada, Sr. Gauthier — diz Baker, sem nenhum traço de ironia em sua voz. — Ok,

então vamos começar esse pré-jogo?O corpo discente irrompe em gritos e aplausos. Começa na seção de Hannah, com a turma

do último ano, e se move por todo o ginásio conforme os alunos do segundo ano, e os calourosecoam seus colegas mais velhos.

— Isso! — Luke grita em meio a todos os aplausos. — Tragam os burritos!Vários dos veteranos nas arquibancadas abaixo deles se viram com sorrisos questionadores

em seus rostos, mas Luke apenas sorri e balança as mãos no ar, fazendo todos ao seu redor rir.— Antes de começarmos. — diz Baker, e com as palavras dela, o ginásio fica em silêncio

novamente. — O Padre Simon vai fazer uma oração com a gente.A energia no ginásio fica inquieta e agitada. Os meninos estalam o pescoço; as meninas

puxam as mangas da camisa sobre os pulsos. O Padre Simon dá um passo em direção aomicrofone, o pescoço esticado contra o colarinho clerical branco.

— Me mate agora — Hannah diz baixinho. Os veteranos ao redor dela lançam sorrisosconspiratórios.

— Vamos abaixar nossas cabeças e orar — diz o padre Simon. A massa de calouros àesquerda de Hannah obedece sua ordem, seus rostos magros e cheios de acne inclinados emdireção às arquibancadas. Do outro lado do ginásio, a maioria dos alunos do segundo e doterceiro ano faz o mesmo. É apenas aqui, na parte dos veteranos, que Hannah sente resistência. Aresistência ansiosa dos jovens adultos, das pessoas presas entre desenhos de giz de cera da escoladominical e dissonância cognitiva da teologia dos adultos.

— Pai Celestial, agradecemos por este dia...Hannah não o ouve. Ela deixa sua mente vagar enquanto cutuca o esmalte verde lascado em

seu polegar. Ao lado dela, Wally coça o antebraço, os nós dos dedos calejados sugerindo muitasnoites passadas lutando com seus irmãos mais novos.

A mente de Hannah volta para o pré-jogo que tiveram em agosto, quando todos estavamcom cortes de cabelo novos e saias e calças bem passadas, e quando ela, Baker, Wally, Clay eLuke organizaram uma esquete surpresa para o corpo discente em que seus professores sevestiam como os alunos mais memoráveis da turma do último ano. Ela ainda consegue ver aimitação do Sr. Akers sobre a atitude arrogante de Clay, ainda consegue ouvir a tentativa da Sra.Paulk de imitar a risada de Baker, ainda consegue se lembrar da emoção que sentiu quando a Sra.Carpenter — sua professora favorita — adotou os maneirismos de Hannah e falou igual a ela.

— … Agradecemos por nossos atletas, esses jovens que representarão nossa escola estanoite e que buscarão glorificá-Lo com seu desempenho — diz o padre Simon. — Sabemos queVocê os presenteou com um dom especial…

— Credo — Luke diz, balançando a cabeça. — Opa. Desculpe, pessoal. Estou com umpouco de tosse aqui.

Os veteranos ao redor deles riem e passam as mãos na boca. Hannah tenta em vão impedirque seus ombros tremam de rir.

— Em Seu nome nós oramos. Amém.— Amém — Murmura Hannah, lançando a palavra na grande onda de "amém" que varre

todo o ginásio. Ela leva a mão à testa para fazer o mesmo sinal da cruz que todo mundo estáfazendo, as palavras e ações enraizadas em seu cérebro, seus movimentos refletindo os de todasas outras pessoas no ginásio.

— Obrigada, Padre Simon — Baker diz, pegando o microfone de volta. Ela gira em direçãoà turma do último ano e sua boca se contorce com um sorriso, como se ela pudesse ler seudesconforto muito claramente. — Certo — diz ela. — Então. Alguém quer que eu traga nossotime de futebol da St. Mary?

A energia no ginásio muda instantaneamente: a multidão irrompe, a banda começa a músicatema da escola e o centro do ginásio é inundado de cor enquanto os jogadores de futebol,vestidos com suas camisetas vermelhas cor de sangue da St. Mary, espalham-se no chão doginásio e erguem as mãos para a multidão à sua volta.

— Você não adora quando idolatramos nossos próprios colegas de classe como se fossemsuper-heróis? — Luke diz.

— Sabe, eu realmente adoro — Hannah diz. — Provavelmente vou pedir um autógrafo aClay depois disso.

— Ele vai achar que você está sendo sincera — Wally ri.Baker segura o microfone para baixo em sua mão direita e estica o pescoço para falar com

alguns dos jogadores de futebol. O resto do corpo discente, observando das arquibancadas,continua a gritar, bater os pés e aplaudir, até que a Sra. Shackleford dá um tapinha no ar com asmãos para indicar que ela quer silêncio. O ginásio cai em um silêncio relaxado, e Bakerredireciona sua atenção para o corpo estudantil, mordendo o lábio enquanto faz a transição de umsorriso para um rosto sério.

— O jogo da Expo de hoje à noite será um evento crucial na corrida pela Copa Diocesana —diz ela. — Já estamos liderando o grupo com horas de serviço comunitário e nosso registro deAdoração, mas vencer este jogo de futebol realmente nos colocará no topo. E acho que os líderesdesta diocese sabem exatamente o que estão fazendo ao nos colocar contra o Monte Sinai,porque não há rivalidade melhor em Baton Rouge. Então, esta noite, vamos nos preparar para a

vitória da Taça Diocesana e garantir que o legado de St. Mary continue a crescer cada vez maisforte.

— Aqueles de nós que são veteranos — ela faz uma pausa para esperar os gritos inevitáveisda turma do último ano. —, pisamos pela primeira vez neste campus três anos e meio atrás,quando o time de futebol tinha um recorde geral de derrotas, a maioria de nós ainda tinhaaparelho, e Clay Landry tinha cerca de um metro e quarenta.

Há uma grande explosão de risos, especialmente na parte das classes do último ano. Clay,que está na frente do time de futebol, ri bem-humorado enquanto vários caras batem em seubraço.

— Tudo isso mudou agora — diz Baker. — Tivemos um recorde geral de vitórias no outonopassado, todos os nossos veteranos não têm aparelho e são bonitos, e Clay agora tem… Quantovocê tem, um metro e quarenta?

Todos riem de novo, assim como Clay, seu sorriso enorme e brilhante.— Quase isso — ele grita para Baker.O sorriso de Baker se estende até seus olhos. Ela vira o microfone para longe de si mesma e

solta uma série de risadas curtas e repetidas, do tipo que sempre a surpreende quando ela estátentando não achar algo engraçado. Ela lança um olhar para trás antes de falar no microfonenovamente.

— Desculpa — ela ri. — A Sra. Shackleford queria que eu fizesse essa piada. Desculpa!Desculpa! Enfim. Vencemos o Monte Sinai no outono, e hoje à noite vamos vencê-losnovamente, bem aqui no nosso ginásio, com toda a diocese assistindo. Vamos mostrar a eles oque significa ser um jogador, aluno, fã e crente da St. Mary, e o que significa ser a melhor escoladesta diocese. Então, antes de passar o microfone para Clay, só quero dizer: Vai, Tigres!

E novamente, a multidão de alunos ruge, bate os pés e joga as mãos para o alto. Algumasdas garotas perto de Hannah estão praticamente gritando. Os professores sentados na primeirafileira de arquibancadas do outro lado do ginásio balançam a cabeça e riem, e o Sr. Gauthierrealmente tira seu aparelho auditivo da orelha. A Sra. Carpenter bate palmas e se inclina paradizer algo à Sra. Shackleford, e as duas riem.

O barulho diminui quando Baker entrega o microfone para Clay. Ele a abraça e sussurra algoem seu ouvido, ganhando um sorriso dela, e então pega o microfone e gira seu corpo para que elepossa se dirigir a todo o ginásio.

— Nossa presidente do corpo estudantil, pessoal — diz ele em sua voz profunda eretumbante. — Ei, vocês sabem que hoje é o aniversário dela, certo?

De repente, todo o ginásio incha com um nível impossível de gritos e aplausos. Baker dá umgrande sorriso e mexe em seu brinco, inclinando sua cabeça para o chão. Clay abaixa omicrofone e se vira para olhar o time de futebol, segurando os dedos no ar — 3, 2, 1 — e então o

time começa a cantar Parabéns Para Você. Em meio segundo, toda a escola está cantando comeles.

Hannah canta baixinho, mantendo os olhos em Baker o tempo todo, observando-a prender ocabelo atrás da orelha. Perto do final da música, Baker ergue os olhos para as arquibancadas. Seuolhar encontra o de Hannah, e Hannah balança as sobrancelhas e sorri o mais abertamentepossível, e Baker balança a cabeça e luta contra um sorriso enquanto a música termina.

É um pré-jogo normal depois disso. Clay incentiva a multidão até que a torcida em torno doginásio fique tão amplificada e as emoções de todos sejam tão intensificadas que Hannah sesente quase delirando de empolgação. Luke começa a cantarolar de pé, com os olhos arregaladose as bochechas coradas, e então coloca as mãos nos ombros de Hannah e a sacode para frente epara trás até que Wally se inclina para frente e o acerta no estômago para fazê-lo parar.

— Cara! — Luke grasna.— Você mereceu — Hannah ri, empurrando o ombro de Luke.— Joanie teria batido em você com mais força — diz Wally, erguendo as sobrancelhas

acima da armação do óculos.Luke puxa sua camiseta para cima de forma que o escrito Espírito Tigre! em vermelho ao

redor de suas axilas e sua camiseta branca fiquem em plena exibição para todos no ginásio. Eletenta tirar a camisa, mas Hannah dá uma cotovelada nele e aponta para o Sr. Manceau, cujosolhos pequenos e redondos estão encarando-o ferozmente por baixo da cesta de basquete.

— Tudo bem, tudo bem. — Luke diz, abaixando sua camisa e erguendo as palmas das mãosem sinal de rendição.

As líderes de torcida chegam para liderar todos em gritos organizados enquanto a banda tocaa música tema novamente. Clay segura o microfone com a mão esquerda e sorri para ademonstração como se estivesse lá inteiramente para ele. A banda termina a música, espera umintervalo de um minuto e, em seguida, volta a tocá-la.

O pré-jogo termina quando o mascote da escola — um tigre amarelo vestindo uma camisavermelha da St. Mary's, e a quem a administração se refere oficialmente como “Sr. Tigre”, mas aquem todo o corpo discente chama de “Mariazinha Gostosa” — irrompe no centro do ginásio edança a quarta repetição da música tema. O ginásio enlouquece com vivas e gritos para o tigrefantasiado, e o nível de ruído atinge o pico tão alto que as orelhas de Hannah doem.

Então a música para abruptamente, e as líderes de torcida, jogadores de futebol e estudantesprocuram a fonte da interrupção. A Sra. Shackleford está parada na lateral da quadra, balançandoas mãos para frente e para trás no ar em um tipo de gesto que dizia “já chega”, e então caminhapara o centro do ginásio e pega o microfone de Clay.

— O que deu em vocês hoje? — ela diz. — Economizem um pouco dessa energia para ojogo hoje à noite! Vamos todos nos despedir do Sr. Tigre, e então vamos saindo começando

pelos calouros.“Tchau, Mariazinha Gostosa!” “Nós te amamos, Mariazinha Gostosa!” “Manda ver,

Mariazinha Gostosa!” os alunos ao redor do ginásio gritam, e a Sra. Shackleford franze a testapara as arquibancadas, sua boca contraída em desaprovação.

— Você planejava fazer um strip tease para a escola inteira? — Joanie pergunta a Lukequando ela se junta a eles no corredor. Ao redor deles, outros alunos batem nas mochilas uns dosoutros e se empurram pelo corredor, e no local inteiro há aquele ar de que algo aconteceria.

— Era só para você — diz Luke. — Mas como você estava do outro lado do ginásio, o queeu deveria fazer?

— Você deveria ter deixado ele tirar tudo, Han — diz Joanie. — Nos privou de outro grandeconfronto: Luke versus Manceau.

— Haverá mais. — Hannah diz.— Um semestre inteiro deles. — diz Wally.— Podemos falar sobre como a banda tocou a mesma música umas doze vezes? — Joanie

diz. — Não conhecem nenhuma outra? Me senti como se estivesse no carro com Hannah, sendoforçado a ouvir a mesma música repetidamente por vinte minutos.

— Oh, me desculpa — diz Hannah, — Gostaria que eu escolhesse outra coisa da minhabiblioteca de três mil músicas que você acidentalmente excluiu quando estava bêbada?

Joanie revira os olhos. Luke pega a mão dela e diz.— Aw, não sabe como responder quando é envergonhada publicamente?— Estou acima do conflito — diz Joanie.Wally bufa e Hannah lhe dá um sorriso malicioso. Luke olha para Joanie com pena

exagerada, quase como se ela não estivesse em seu juízo perfeito.— Odeio todos vocês — diz Joanie. — Vamos, Luke, vamos antes que eu mude de ideia

sobre querer sair com você. Han, pode levar minha bolsa para casa?— Leve você, preguiçosa.— Por favor, são, tipo, dois livros. Não pode pelo menos deixá-la no carro?— Tudo bem.— Diga à mamãe que voltarei para casa para me trocar antes do jogo.— Vou dizer a ela que você está fornicando no parque e é melhor ela comprar um novo

cinto de castidade para você.— Cala a boca. Você é nojenta. Tchau para todos — diz Joanie, e então agarra a mão de

Luke e o puxa em direção ao estacionamento dos veteranos.Hannah pendura a bolsa de Joanie no braço e olha para Wally, que se inclina contra a parede

de blocos de concreto branco. Ele sorri conscientemente para ela.

— Ela realmente só tem dois livros aí? — Ele pergunta.— Claro que não — Hannah diz, revirando os olhos. — Parece que ela está carregando um

haltere.— Quer que eu leve?— Pode deixar.— Não me diga que vocês dois estão me esperando — Alguém grita. Eles se viram para ver

Clay caminhando em sua direção, sua camisa de futebol esticada sobre o peito. — O queacharam do pré-jogo?

— Foi incrível — diz Hannah. — Você estava charmoso como sempre.— Não me faça corar, Han — diz Clay, colocando a mão em seu ombro. — Onde está todo

mundo?— Joanie e Luke acabaram de sair — diz Wally. — Pode ficar um pouco ou tem uma

reunião do time?— Não, posso ficar. Cadê a Baker?— Ainda não a vi — responde Hannah.— Vamos para o estacionamento — diz Clay, passando por eles. — Foi uma loucura lá.

Preciso de um pouco de ar.

Hannah e Wally encostam-se na traseira da caminhonete de Clay enquanto ele fala sobre suaempolgação com o jogo. Ele salta para cima e para baixo na ponta dos pés e bate os punhos umno outro, suas declarações ficando cada vez mais repetitivas. Hannah pisca contra o sol do fim datarde. Quase todo o estacionamento está vazio e apenas alguns atrasados permanecem ao redordos carros restantes. O ar está fresco e limpo, como sempre está em janeiro, e Hannah o inspiraenquanto esfrega as mãos nos joelhos nus para aquecê-los.

— Mas quão sortudo sou por poder jogar uma última partida para a St. Mary's? — Clay diz.— Essa Copa Diocesana é incrível.

— Acho tudo isso estranho — diz Hannah. — Fazendo as escolas competirem umas com asoutras por algo que nem mesmo significa nada?

— Não significa nada? — Clay diz, sua expressão incrédula. — Está brincando? Cara, comoa Baker disse, é uma chance de mostrar que somos os melhores. Cinquenta anos de competiçãocom o Monte Sinai e podemos finalmente provar que somos melhores. Teremos o direito de nosgabar pelos próximos 50 anos! Além disso, pense naquele prêmio em dinheiro. Se pudéssemoscolocá-lo no programa de futebol…

— Todo mundo fala sobre o Monte Sinai como se fossem o inimigo — Hannah interrompe.—, mas fazemos parte da mesma diocese. A mesma diocese católica. Não acha isso um poucohipócrita?

— A galera do Monte Sinai é péssima — diz Clay. — Metade das pessoas com quem Wallye eu estudamos durante o ginásio estavam lá, e todas eram babacas.

— É verdade — diz Wally, levantando os ombros.— De qualquer forma, tenho um pressentimento sobre esta noite — diz Clay. — Não sei

explicar, mas sei que vamos vencer. Dá pra entender?— Sim. — Hannah e Wally dizem juntos, Hannah desistindo de discutir com Clay.Clay passa a mão pelo cabelo escuro e murmura “Grande noite” pela terceira vez, e então a

porta de um prédio se abre vários metros atrás dele.Baker caminha lentamente para o estacionamento, os olhos vidrados em pensamentos, as

mãos puxando as alças da mochila.— Ei — Clay chama ela. — Por que demorou tanto?Baker levanta a cabeça, aparentemente assustada com a pergunta.— Ei — ela diz. — Adivinha. Sabe como é o TOC da Sra. Shackleford. E depois a Sra.

Carpenter queria conversar com todos do conselho estudantil. Não estavam esperando por mim,estavam?

Ela está olhando para Hannah; Hannah encontra seus olhos e encolhe os ombros sutilmente.— Só estávamos passando o tempo. Como se sente?— Muito bem. — Ela sorri.— Nada de pontos dessa vez — Hannah sorri. — Que oportunidade perdida.— Eu sei, estou com um pouco de vergonha de mim mesma.— Do que vocês estão falando? — Clay diz.— Hannah fez uma lista de Desafios para o pré-jogo. — diz Baker, desdobrando o papel que

Hannah lhe entregou naquela manhã.— Dá uma olhada.Clay pega o bilhete dela, e Hannah e Wally caminham ao lado dele para ler a mensagem:

Bake,

Aqui estão minhas sugestões para seu discurso hoje. Acho que você irá achar essa listacompreensível e inspiradora. Dez pontos para cada uma dessas pérolas que você conseguirfazer:

- Fazer o discurso inteiro de olhos fechados. Não explicar o por quê- Pedir para os Tributos voluntários darem um passo à frente- Balançar o fio do microfone para a Sra. Shackleford e desafiá-la a uma competição de

pular corda. A perdedora tem que tomar shots no corpo do Manceau- Se interromper no meio do discurso, arregalar os olhos e gritar: “Ó MEU DEUS!

ACABEI DE VER JESUS ALI NAS ARQUIBANCADAS!”- Falar para o corpo estudantil que iremos “acabar com os bundões do Monte Sinai”- Chamar o Padre Simon de “Madre Simon” e então fingir que você se confundiu- Quando o Clay começar a falar, vá para os fundos do ginásio e grite: “Ele nem estuda

aqui!”- Quando a Mariazinha Gostosa aparecer, empurre ele/ela no chão e peça ajuda- Termine o discurso pedindo orações pelo surto de herpes dos jogadores de futebol; diga

que você tem fé de que o desconforto deles não os impedirá de vencer

Boa sorte, você será incrível.Obs.: por favor, não perca esse bilhete, pois pode resultar em minha suspensão e/ou

expulsão.Obs².: agora que você tem 18 anos, você realmente pode ser responsabilizada por essas

coisas… então. Tenha isso em mente. Feliz aniversário!

— Você é maluca — Wally ri, olhando para Hannah. — E se alguém tivesse encontrado?— Por isso não assinei — diz Hannah.— Han, levaria cerca de dois segundos para qualquer um nesta escola descobrir — diz Clay.

— Quem mais entregaria um bilhete como esse para a Baker?— Ninguém — diz Baker, pegando o bilhete de volta. — Só a Hannah.

A temperatura cai para 4 graus naquela noite. Hannah observa Wally apertar os ombros comforça enquanto entram no estádio de futebol. Ela enfia as mãos nos bolsos da jaqueta e agarra atela quente de seu celular, sentindo-o vibrar com uma nova mensagem de texto, sabendo que éBaker perguntando onde ela está.

— Quer algo da barraquinha? — Wally pergunta a ela.— Estou bem.— Certeza? Vou comprar uma Coca. Quer uma também?— Pode ser — diz ela, pegando a carteira na bolsa.— Não — diz Wally, batendo levemente no braço dela. — É por minha conta.Eles escalam as arquibancadas com suas bebidas nas mãos, o copo de papel queimando os

dedos de Hannah com frio. O mar de pessoas ao seu redor — alunos, pais, irmãos — se movecomo uma única massa em resposta ao jogo. Hannah sobe cada vez mais até ver Baker, seucabelo escuro refletindo a luz dos postes do estádio, sentada no meio de uma fileira, cercada porpessoas por todos os lados.

— Ali — diz Hannah, puxando a manga de Wally e levando-o para a fileira.— Ei — Baker sussurra quando ela os vê. — Ei, Colby? Katie? Se importam de descer um

pouco?— Como estamos indo? — Hannah pergunta a ela.— Clay acabou de lançar um passe perfeito para Jackson e ele marcou um touchdown.— Excelente.— Normal ou diet? — Baker pergunta, batendo no copo de Hannah.— Normal — Hannah diz, oferecendo a ela. Elas passam as próximas jogadas passando a

bebida de uma para a outra, e o estômago de Hannah ronca com a familiaridade daquiloClay lança um passe de cerca de 18 metros para Danny Watkins, que corre com a bola por

mais 9 metros até a para a endzone, fazendo o segundo touchdown do jogo. As arquibancadasexplodem com barulho, a banda da St. Mary lidera todos com a música tema, e Clay galopa paratrás com a mão no ar, o dedo apontando para as traves do gol como se dissesse “Falei queiríamos conseguir”.

Wally se inclina perto de Hannah, seus olhos brilhantes e sua boca aberta em um grandesorriso.

— Lembra da primeira vez que Clay falou conosco sobre futebol? — ele diz.Hannah ri enquanto bate palmas com força, sua pele queimando de frio.— Quando ele nos disse que seria zagueiro no primeiro ano? E seríamos os mais populares

da escola?— E você disse “Legal” e voltou ao seu dever de geografia.— Acho que provou para nós.— Do que vocês dois estão rindo? — Baker pergunta, passando a Coca de volta para

Hannah.— Clay — diz Hannah, uma única palavra suficiente para fazer Baker sorrir

conscientemente.A multidão silenciou enquanto esperava o chutador marcar o ponto extra. Hannah observa os

meninos no campo, a luz branca iluminando seus corpos e fazendo com que todo o jogo pareçamais especial do que é. Miles, o chutador, surge e chuta a bola, que faz um arco perfeito atravésdas traves, levando a multidão a uma nova onda de aplausos.

— Hola, amigos — diz Joanie, arrastando-se para a fileira, alheia aos gritos das pessoas aoseu redor. — Me desculpe por perdemos a grande jogada.

— Fizemos uma visita às barraquinhas — diz Luke, segurando uma caixa de nachos nasmãos. — E estou feliz em dizer que já comemos dois cachorros-quentes e um pacote de balinhasácidas.

— E agora vão dividir esses nachos conosco? — Hannah pergunta.— Nem pensar — diz Joanie.— Desculpe — diz Luke — Mas eles são nos-chos.

— Vou roubar um porque esse trocadilho foi ofensivamente ruim. — Hannah diz.— Sai pra lá, irmã demônio — Joanie diz, puxando os nachos em sua direção. — São

nossos.— Joanie, vou pegar um pouco desse queijo falso e colocá-lo no seu cabelo.— Você é nojenta. Não vai fazer isso.— Só me dê um.— Tudo bem — Joanie morde um nacho em dois pedaços e entrega a Hannah a metade

menor. — Não diga que nunca fiz nada por você.Antes que Hannah conseguisse comer sua pequena metade do nacho, Baker o arranca de sua

mão e o come ela mesma.— Está de brincadeira comigo? — Hannah quase grita, e o pai na fileira abaixo deles se vira

confuso, pensando que Hannah está respondendo ao jogo.Baker encolhe os ombros e olha para Hannah com uma cara séria.— Desculpa. Eu estava com fome. Grande discurso hoje.Joanie, Luke e Wally caem na gargalhada. Hannah revira os olhos e empurra Baker

levemente até que ela desmancha seu rosto sério e sorri.— Pelo menos me devolve minha bebida. — diz Hannah.— Ok — Baker dá um longo gole, suas sobrancelhas levantadas enquanto espera Hannah

sorrir. — Aqui está.

A St. Mary’s vence o jogo, principalmente por causa dos esforços de Clay, e os fãs da St. Mary’sfazem tanto barulho que faz os fãs do Monte Sinai saírem do estádio como se fossem demôniossaindo de uma pessoa possuída. Hannah fica no meio de suas amigas e grita alegrementeenquanto o time sai do campo até que sua garganta começa a doer, observando Clay erguer ocapacete no ar enquanto estica o pescoço para as arquibancadas, olhando para os pais, para osprofessores, para o corpo discente, para a classe dos veteranos e, Hannah sabe, para eles.

— Ei, como vocês vão comemorar? — Colby pergunta enquanto os abraça. — Vão dar umafesta? Ou sabem de alguma coisa que vai acontecer?

— Temos que sair, na verdade — Hannah diz, gesticulando para Baker, Wally, Joanie eLuke. — Temos algumas coisas para fazer.

— Clay vai com você?— Sim, ele vai nos encontrar. — diz Wally.— Ah, fala sério, vocês vão roubar o MVP da gente? — John Strawburn diz.— Achávamos que vocês organizariam algo. — diz Katie. — É o que todo mundo está

dizendo.— Desculpa. — Hannah diz, liderando o caminho para fora das arquibancadas. — Tenho

certeza de que amanhã à noite ou no próximo fim de semana faremos algo!— O que está acontecendo? — Baker pergunta enquanto os cinco descem as arquibancadas.Hannah se vira e coloca as mãos nos ombros de Baker.— Tenho uma tarefa secreta para cumprir.— Uma tarefa secreta?— Sim. Pode ou não pode envolver a celebração do seu aniversário,Os olhos de Baker se enchem de luz.— O que vamos fazer?— Algo pequeno. Apenas nós seis. Não achei que você fosse querer algo maluco,

especialmente depois do pré-jogo e do jogo…— Eu não…— Ótimo, então dirija até minha casa e vejo você em breve.— Onde você está indo?Hannah levanta as sobrancelhas, mas não responde, e Baker dá seu sorriso de desafio —

aquele que significa que Hannah a surpreendeu e ela quer ver o que vem a seguir. Hannah cruzaos olhos com Joanie e Luke, e Joanie agarra a manga da jaqueta de Baker e a puxa para longe.Baker olha para trás apenas uma vez, então Hannah dá de ombros — Você vai ver — e depois sevira para seguir Wally na direção oposta.

Seus amigos estão parados no jardim da frente quando Hannah e Wally dirigem até a casa dela.Luke e Clay erguem os olhos da brincadeira de jogar uma bola de tênis para frente e para trás eLuke acena os braços excessivamente para eles quando entram na garagem. Baker está de pécom a mão no quadril, a bolsa pendurada no corpo, conversando com Joanie na calçada dafrente.

— Hora da comida! — Joanie canta quando Hannah e Wally saem do carro.— Luke, você realmente está pisando nas flores do nosso pai? — Hannah diz enquanto

atravessa a garagem, equilibrando a caixa de bolo desajeitadamente sob o braço. — Nãoaprendeu ainda?

— Hannah, é janeiro — diz Joanie. — Duvido que papai se importe. Por que demoraramtanto?

— O quê? Fomos rápidos.— Fiz três mil flexões enquanto estavam fora. — diz Clay. Ele joga a bola de tênis para

Wally e corre para a rua. — Jogue longe!— Clay, volte aqui! — Hannah grita. — É hora do parabéns!— Espere, deixe-me fazer mais alguns lances! Estou tentando alongar meu braço!Wally segura a bola de tênis na palma da mão e pede permissão a Hannah. Hannah olha para

Baker, que sorri.— Não me importo. — Ela diz.— Vamos, Wall! — Clay grita do outro lado da rua.Wally joga a bola de tênis para a escuridão da noite, e todos forçam os olhos para ver Clay

pegá-la triunfante. Ele solta um grito e segura a bola acima da cabeça; Hannah vê uma esferaverde neon contra um fundo preto.

— Tudo bem, cara, vamos lá. — Grita Wally.— Estou indo, estou indo. — Clay diz enquanto se apressa de volta para o quintal. Ele joga a

bola de tênis para Hannah. — Vai me abraçar ou o quê?Ela sorri e permite que ele a envolva em um abraço.— O jogo foi incrível. — Ela diz em seu cabelo.— O melhor que já vimos você jogar. — diz Wally, batendo na mão de Clay.— Obrigado. — Clay diz, seu sorriso se alargando.— Ok, e agora… — Hannah diz, virando-se para Baker. — Hora do bolo! Pronta,

Aniversariante?— Pronta. — Baker sorri.Hannah leva Baker e seus amigos de volta à garagem e para dentro pela porta lateral. Ela

consegue ouvir Clay e Wally ficando para trás deles, suas vozes se juntando às risadas de Luke eJoanie.

— Vou cortá-los em pequenos pedaços por nos fazer esperar. — Sussurra Hannah.— Bem pequenos. — diz Baker, brincando junto.— Talvez possamos jogar o Clay para ele.— Ele provavelmente aceitaria.— Provavelmente. E então você e eu podemos comer todas as sobras no café da manhã

amanhã.Os olhos de Baker brilham pouco antes dos meninos entrarem e envolvê-la em um abraço.— Combinado! — Ela diz, sorrindo para Hannah por cima do ombro de Clay.A mãe de Hannah sai da sala de estar para dizer oi a todos eles, e Baker e os meninos a

abraçam enquanto Hannah e Joanie juntam as jaquetas de todos.— Então, como está a aniversariante? — A mãe de Hannah pergunta, sua voz fina, mas

calorosa, e Baker apoia seus cotovelos no balcão alto da cozinha e conta à mãe de Hannah tudosobre seu dia na escola e seu jantar com sua família. Luke, Wally e Clay a contornam para entrarna sala, onde Hannah consegue ver os cabelos grisalhos de seu pai aparecendo da poltrona, e elaobserva com o canto do olho enquanto os meninos apertam a mão de seu pai.

— Ouvi dizer que você deu um show essa noite. — diz o pai de Hannah.— Sim, senhor. — diz Clay, sua voz profunda vibrando com orgulho.

— Isso é ótimo — diz o pai de Hannah, e então não fala mais nada. Hannah apura osouvidos além da conversa de Baker e sua mãe para ouvir o silêncio na sala da família. Elaimagina seu pai passando os olhos de menino para menino, perguntando-se o que dizer, a bocaentreaberta em outra gentileza. Joanie olha para ela.

— É melhor voltarmos para comer o bolo. — diz Wally, sua voz mais robusta do que onormal. — Foi bom vê-lo, Sr. Eaden.

— Até mais tarde, Sr. Eaden. — Luke e Clay dizem.Os meninos voltam para a cozinha e o volume da TV aumenta na sala. Hannah olha

automaticamente para Wally. Sua boca se curva em um sorriso simples para que ela saiba queestá tudo bem.

Há vestígios do Natal espalhados por toda a cozinha: um prato de biscoitos de gengibre velhosque Joanie nunca terminou de decorar; uma colagem de cartões comemorativos pregados comímãs na geladeira; uma poinsétia morrendo no meio da mesa, suas pétalas vermelho-sanguemurchando bem na frente deles, embora nenhum deles perceba. Hannah reúne os talheres dagaveta do balcão e os pratos de sobremesa verde-menta de sua mãe no armário acima dacafeteira, e o tempo todo ela sente um frio na barriga, a mesma emoção que sente todos os anosno início da temporada de Carnaval, quando os Bolos de Reis aparecem pela primeira vez nasprateleiras das lojas e os vizinhos na esquina penduram suas bandeiras roxa, verde e amarelas nalateral de suas casas, e seus colegas de classe falam sobre quais bailes de Mardi Gras seus irmãosmais velhos vão ou onde suas famílias planejam esquiar durante o fim de semana prolongado.

— É a melhor hora para ser de Louisiana. — Clay sempre diz, e Hannah, olhando para seusamigos, concorda.

— Como posso ajudar? — Baker pergunta, aparecendo ao lado de Hannah.— Você pode aproveitar sua festa de aniversário não oficial.— Eu estou aproveitando. — diz Baker. — Mas deixe-me ajudá-la.— Estou fingindo ser uma deusa doméstica agora. — diz Hannah. — Me deixe ter o meu

momento.— Que tipo de bolo você comprou?Hannah desliza a caixa de bolo em sua direção. Quando Baker olha para ele, Hannah diz:— Abra.— Você comprou um Bolo de Reis? — Baker exclama, olhando para o bolo redondo

coberto de glacê.— Está surpresa? — Luke pergunta da mesa. — Obviamente, vamos usar a epifania do seu

aniversário para matar dois coelhos com uma cajadada só. Que tipo de amigos seríamos, se nãofizéssemos isso?

— Mal posso esperar para comer. — diz Clay, estendendo a mão.Hannah dá um tapa na mão dele.— Vou te dar um soco se tentar comer antes de cantarmos.— Desculpe, mãe. — Ele diz, lambendo o dedo e enfiando na orelha dela.— Pare! Pare! Ai meu Deus, vai ver se todo mundo ganhou um copo!— Temos velas? — Luke pergunta. — Ou vamos cantar sem elas, do jeito durão?— Compramos algumas. — diz Wally, tirando-as da sacola do supermercado. Ele as coloca

com cuidado no Bolo dos Reis, colocando cada uma equidistante da outra e tomando cuidadopara não estragar a cobertura mais do que o necessário, e Hannah o imagina fazendo isso parasua mãe ou seus irmãos mais novos com o mesmo cuidado deliberado.

— Vocês realmente não precisavam fazer isso por mim. — diz Baker, pousando os olhos nobolo e, em seguida, erguendo os olhos para Hannah.

— Claro que precisávamos, bobinha. — diz Hannah, pegando o copo de Baker da mesa eenchendo-o com chá doce para ela. — Esta provavelmente é a festa de aniversário mais idiotaque já fizemos para você.

— Bem, nada supera o da California Pizza Kitchen. — diz Luke.— Quando você e Clay deram a ela aquele cartão da Hannah Montana e passearam pelo

restaurante pedindo a todos que o assinassem? — Joanie pergunta.— E então fomos para a Urban Outfitters e Wally e eu compramos para ela aquele livro

sobre hamsters vestidos como pintores da Renascença? — Hannah diz.— Ainda tenho aquele livro. — diz Baker. — E o cartão. Minha mãe fica tentando roubá-lo

da minha cômoda e jogá-lo fora, mas eu sempre vejo.— Como ela poderia querer jogar fora algo como aquilo? — Joanie diz.Eles acendem as velas e se juntam em volta do bolo, cada um apoiando-se nos cotovelos e

gritando para não respirar muito em cima das 18 minúsculas velinhas.— Prontos? — Hannah pergunta em uma voz abafada e animada, e então os cinco começam

a cantar, com Clay e Luke imitando vozes de sapo-touro cantando e Wally fingindo regê-los, eJoanie rindo de Luke em cima do bolo, e Hannah assistindo Baker o tempo inteiro, vendo comoseus olhos ficam cada vez mais suaves e seu rosto parece incrivelmente feliz, e como ela enfia ocabelo atrás da orelha, constrangida, quando todos cantam seu nome.

— Faça um desejo! — Hannah a lembra, e Baker olha para ela por um segundo rápido, afelicidade evidente em seus olhos, antes de apagar as velas de seu bolo.

— Como ninguém encontrou o bebê ainda? — Joanie diz, enfiando o garfo de volta no bolo.— Alguém sempre encontra o bebê nas primeiras fatias.

— Este Menino Jesus está se escondendo de nós. — Hannah responde com uma mordida

cheia de cream cheese. — Se fazendo de difícil.— Vou querer uma segunda fatia. — diz Clay com a boca cheia. — Eu quero aquele bebê.— Eu quero aquele bebê. — Hannah diz.— Cuidado, Clay. — diz Joanie. — Hannah fica muito competitiva para encontrar o Menino

Jesus. Uma vez, ela empurrou nosso primo Warren para dentro da geladeira só para encontrarprimeiro. Ele ficou com um hematoma no peito por um mês.

— Que exagero. — diz Hannah.— Não é não. E aposto que todos aqui conseguem acreditar.— Eu absolutamente consigo acreditar nisso. — diz Baker, chamando a atenção de Hannah.Wally acaba cortando uma segunda fatia para todos.— Precisamos de um juiz justo. — diz ele, tirando Clay do caminho com uma cotovelada—

e começam a comer avidamente, observando os pratos uns dos outros para ver quem desenterra obebê Jesus rosa de plástico escondido dentro do bolo.

— Isso! — Hannah diz, tirando o Menino Jesus de debaixo de camadas de pão e creamcheese. Ela segura o brinquedinho de plástico de um centímetro para que os outros vejam. —Peguei ele!

— Droga. — Clay diz.— Bem, como ele está? — Luke pergunta. — Será que temos um bebê saudável e feliz?— Ele se parece com o Messias? — Wally acrescenta. — Acha que ele tem potencial para

salvar todos nós de nossos pecados?— Duvido. — diz Hannah. — Mas, sabe. Este provavelmente é o melhor Menino Jesus que

já encontrei em um Bolo dos Reis.— Melhor do que aquele que encontramos no ano passado? — Baker pergunta.— Está se referindo àquele que você “acidentalmente” jogou fora?— Não toque nesse assunto. — Baker ri, baixando os olhos de volta para o bolo. — Ainda

me sinto mal por aquilo.— Sabe quem mais se sente mal? Jesus. Porque você o negou.— Ei. — diz Clay. — Vamos controlar essa zoeira.Eles terminam suas fatias de bolo — Clay termina as segundas fatias de Hannah e de Baker

— e se sentam à mesa por mais uma hora, muito depois dos pais de Hannah e Joanie terem idopara a cama, apenas conversando e zoando um do outro e pedindo a Luke para faça impressõesde seus professores, e pedindo para Baker que contar a história sobre a vez em que ela entrou noescritório da Sra. Shackleford e viu ela conversando em voz alta para as cortinas, e satisfazendoClay com suas perguntas sobre como a multidão da St. Mary's reagiu ao jogo naquela noite (—Algumas velhas falaram em línguas toda vez que você pegava a bola. — diz Luke — É verdade— diz Joanie, — Vendi um nacho com seu rosto impresso para elas). Wally brinca com

granulados em seu prato enquanto ouve a conversa, e Joanie encosta a cabeça no ombro de Lukee começa a cochilar, e Hannah coloca o Menino Jesus de plástico na mesa e dança com ele noprato de Baker até ela, com seus olhos balançando para o lado para encontrar os de Hannah, tira-o das mãos dela.

— A gente provavelmente deveria ir. — diz Luke, sua voz estranhamente abafada enquantoobserva Joanie cochilar ao seu lado.

— Sim. — diz Wally, levantando-se suavemente da mesa. — Aqui, me deem seus pratos.Os meninos vão embora logo depois da meia-noite. Hannah ficou na pia lavando os pratos e

garfos, observando Baker dar um abraço de boa noite nos meninos. A mão de Clay estava naparte inferior das costas de Baker e Hannah se concentrou em raspar um pedaço teimoso de glacêgrudado em um dos pratos.

Então, os meninos foram embora, Joanie subiu pesadamente as escadas semi-adormecida, eagora a única coisa no cômodo parecia ser a água escorrendo da pia. Baker se vira onde ela está elança a Hannah um sorriso gentil e sonolento antes de caminhar silenciosamente até a pia, pegara outra esponja e começar a limpar a mesa.

— Não precisa. — diz Hannah, mais por educação do que qualquer outra coisa, mas Bakerapenas lhe lança um olhar Não seja ridícula e continua a limpar.

Elas sobem as escadas de madeira em silêncio, seus pés traçando o caminho familiar para oquarto de Hannah, e ela se sente satisfeita só por estarem juntas, só por terem outra festa dopijama na sexta à noite na qual Baker pegará emprestada uma das camisetas de Hannah paradormir e ela vai ligar o ventilador de teto no máximo porque Baker gosta desse jeito, e elas vãoadormecer com o episódio de alguma série da Hulu no laptop de Hannah.

— Quer seu presente de aniversário? — Hannah pergunta quando Baker puxa os lençóis dacama.

Baker para.— Achei que a festa improvisada fosse meu presente?Hannah sorri. Ela caminha até sua mesa e tira cuidadosamente o presente embrulhado de sua

segunda gaveta, e em uma parte da sua mente, ela pensa em como abriu aquela gaveta paraverificar o presente todos os dias nas últimas duas semanas.

Baker remove o papel de embrulho amarelo-narciso com muito cuidado, os dedos esguios depianista trabalhando sob a fita com uma graça fácil. Quando ela encontra o livro, seu rosto seilumina com uma expressão que Hannah não consegue identificar.

— Han. — Ela diz enquanto passa os dedos pela capa.— Sei que você perdeu sua cópia. — Hannah diz, se aproximando dela. — E pensei que

você iria gostar de uma edição de capa dura.— Eu amei. — Baker respira. Ela abre o livro e vira para uma página aleatória, deslizando

as pontas dos dedos para baixo no papel duro, as palavras em tinta preta — Scout. Atticus. Boo.— pulando para fora da página com o poder misterioso do evangelho. E na penumbra do quarto,com o ventilador guiando as correntes de ar pelas folhas do livro e o gosto fantasma do Bolo dosReis em sua língua, Hannah está envolvida em magia.

— Acha que vai ter lugar na estante sagrada? — Hannah pergunta.— Na frente e no centro. — diz Baker, passando as pontas dos dedos pela capa. Ela muda de

posição para ficar de frente para Hannah. — Obrigada.Elas sobem na cama e colocam o laptop de Hannah entre elas. Escolhem um episódio de

Parks and Recreation e dão play no volume baixo. Baker vira de lado e aninha a cabeça noombro de Hannah, e ela adormece ao ritmo da respiração de Baker e ao cheiro de seu cabelo.

Capítulo Dois: Tempo Comum Na semana seguinte na escola, durante o período livre de Hannah e Wally, Wally pergunta

se ela quer ir para algum lugar fora do campus.— Fora do campus? — Ela pergunta. — O que, tipo, só para experimentar a emoção de

talvez sermos pegos?— Para comprar algo para comer. — Diz Wally, seus braços musculosos movendo-se sobre

o livro de cálculo enquanto ele o guarda na mochila. — Estou entediado e com fome.— Você está parecendo o Luke.— Estou me sentindo como o Luke.Hannah bate a caneta contra seu fichário de cálculo.— Poderíamos trazer comida para nossos amigos.— Poderíamos.Hannah imagina os rostos de seus amigos se iluminando quando ela e Wally os

surpreenderão com comida. Ela vê os olhos de Baker crescendo junto com seu sorriso.— Você dirige. — Diz Hannah.Eles escapam pela entrada dos fundos e dirigem pela South Acadian no velho Toyota Camry

de Wally. Ele toca um de seus CDs mixados padrão — aquele com várias faixas de Eli YoungBand — e abaixa as janelas para que o ar fresco do inverno entre no carro.

— Onde você quer ir? — Wally pergunta, olhando para Hannah.— Quer ir no Coffee Call?— Para comprar beignets? — Ele pergunta, com uma voz embargada.Hannah sorri e muda a faixa do CD.— Para comprar beignets. — Ela diz.Wally opta pelo drive-through para que seus uniformes escolares sejam menos visíveis. Ele

pede seis beignets e um copo de café e eles param na janela para esperar. O cheiro intenso deaçúcar processado exala da cozinha, deixando Hannah tonta. Uma mulher mais velha abre ajanela e sorri maliciosamente para a gravata vermelha de Wally e para a saia xadrez de Hannah.

— Obrigado, senhora. — Diz Wally, aceitando o saco de papel branco dela.A mulher olha para eles por baixo das sobrancelhas levantadas.— É melhor voltarem para a escola.— Estudamos em casa. — Diz Hannah. — Nossa mãe só nos faz vestir uniformes para

parecermos mais autênticos.

A mulher levanta as sobrancelhas ainda mais, e Wally coloca o carro em marcha, explodindode rir assim que se afastam.

Eles pegam o longo caminho de volta ao campus, descendo a Perkins até poderem virar àdireita no Garden District. O sol do meio da manhã colore as árvores e casas com uma luzinvernal, iluminando as bandeiras roxas e amarelas da LSU que pendem das varandas. Wallyabaixa a janela completamente para balançar a mão no ar, e Hannah olha para ele, despreocupadoao volante, seu cabelo castanho avermelhado subindo com a corrente de ar que que vem dadireção contrária.

— Acho que nunca vi você tão feliz assim antes. — Diz Hannah.Wally olha para a frente pelo para-brisa. Depois de um momento, ele diz.— Sim, você já viu.Hannah agarra a sacola de papel quente no colo e se vira para olhar pela janela.

Para: Baker Hadley & mais 4…12 de Janeiro, 2012 9:54 AMWally e eu solicitamos suas presenças na sala dos veteranos. Temos beignets do coffee

call. Depressa, vadias!Joanie: Como vocês foram no coffee call??Do jeito que a maioria das pessoas vai...em um carroWally Sumner: Escapamos como agentes secretos. Venham comer!Clay Landry: Isso é incrível, chegando em um min, esperando Akers calar a boca para eu

pedir para sair, guarde pelo menos 4 beignets pra mimBaker Hadley: Beignets?! Mas eu estou em sistemas de computador. Estou aprendendo a

usar a barra de espaçoPor mais estimulante que isso deve ser... temos AÇÚCARBaker Hadley: Espaço…barra...de…espaço…barra…Joanie: Tô indo. Luke cadê vocêWally Sumner: Ele provavelmente dormiu na aula de novoLuke Broussard: Ó gente de pouca fé. Estou descendo pelo corredor agora! Sabem que se

trouxerem comida, contem comigo. Joanie se apresse ou vou roubar o seu e não vou mearrepender

Joanie: E eu vou terminar com você. Beignet > namoradoLuke Broussard: Quanto tempo você demorou para encontrar esse símbolo no tecladoJoanie: ...bastante

Luke dá uma gargalhada quando irrompe na sala. Clay e Joanie seguem logo atrás dele, Clay

batendo palmas e Joanie sussurrando “Vadias e vagabundas” extremamente animada. Baker vempor último, seu longo cabelo balançando atrás dela enquanto fecha a porta e se vira para a mesa.Ela encontra os olhos de Hannah e seu sorriso é ainda maior do que Hannah imaginou.

— Você não estava brincando. — Diz Baker.— Eu realmente não estava. — Diz Hannah.Os seis circundam a mesa e comem juntos. Clay e Luke acabam com açúcar de confeiteiro

na boca e no queixo e Wally perde seu copo de café para a misericórdia do grupo, que bebe sempedir.

Wally chama a atenção de Hannah e revira os olhos, fingindo estar irritado, mas Hannahsabe que ele não está nem um pouco incomodado.

— Ouviram sobre Cooper? — Clay pergunta. — Ele pagou a matrícula de Alabama.— Ele vai para o Alabama? — Luke diz. — Está brincando comigo?— Ele disse que a LSU ter perdido o campeonato foi a gota d 'água. Disse que preferia

torcer pela Maré pelos próximos quatro anos. Idiota.— Sempre achei aquele garoto um idiota. — Diz Joanie.— Ok, para ser justo, os pais dele estudaram lá. — Diz Wally.— Sim, mas ele cresceu aqui. — Diz Clay. — De qualquer forma, ele que vá para o inferno.

Estou feliz por não ter que passar mais quatro anos lidando com as merdas dele. Ele sempredesafiou quase todas as decisões que tomei como capitão.

— Deus me livre. — Hannah diz, sorrindo.Clay amassa o guardanapo e o joga para ela.— Você sabe o que eu quis dizer.— Estou brincando. Você sabe que não gosto de Cooper mesmo. Desde aquela época que o

vi trancar Marty em um armário a primeira vez que ele ficou bêbado.— Ou quando ele chutou aquele cachorro no nosso serviço comunitário. — Diz Baker, com

a voz amarga.— Me conte, Han. — Diz Clay. — Você já escolheu a LSU?— Já disse, estou esperando uma resposta das outras que me inscrevi.— Não importa. — Diz Clay, recostando-se na cadeira. — No final das contas, você vai

querer estudar na LSU comigo e com a Baker.— Podemos não ter essa conversa agora?— Não pressione ela. — Diz Baker.— Não estou pressionando. — Clay sorri. — Apenas prevendo.Hannah abre a boca para responder, mas bem na hora, a porta da sala se abre. Os seis, pegos

de surpresa com os dedos ainda cobertos de açúcar de confeiteiro, viram para olhar a porta dasala.

Michele Duquesne está parada na porta, uma mão na maçaneta de metal e a outra penduradafracamente ao seu lado.

— Ah — Ela diz, seus olhos se estreitando quando vê os beignets na mesa. — Estouinterrompendo?

Clay, com a boca aberta em incerteza, passa os olhos pelo grupo antes de se mexer nacadeira para encarar Michele.

— Nem um pouco. — Ele diz. — Estávamos apenas fazendo uma comemoração atrasada.Sabe, pela grande vitória da semana passada.

— Vocês todos estão sem aula? — Michele pergunta.— Sim. — Clay diz, juntando seus lábios.Ela franze a testa para ele.— Não precisa mentir para mim, Clay.— Você está sem aula? — Hannah pergunta.Michele encara Hannah como se estivesse tentando decidir se Hannah vale suas palavras.— Na verdade, estou. — Ela diz depois de um momento. — Mas acho melhor passar meu

período livre ajudando na recepção, ao invés de sair do campus ilegalmente. — Ela desvia osolhos do grupo e continua, com uma voz pomposa. — O Padre Simon me pediu para buscar assacolinhas do rosário. Temos um grupo de oração depois da escola hoje. Talvez vocês devessemvir.

— Hmm, talvez não. — Hannah diz.Michele a encara antes de lançar os olhos na direção de Baker.— Achei que você tinha dito que não teria aula durante o quarto bloco.Baker aperta a boca e olha para o canto da sala.— Não foi isso que você disse? — Michele pressiona. — Assim poderia cuidar das coisas

do conselho estudantil no fim do dia?Baker levanta os olhos.— Sim. Esse era o plano.Michele ergue as sobrancelhas ao cruzar a sala para pegar a bolsa do rosário.— Provavelmente deveria ser um exemplo melhor para o corpo estudantil. — Ela diz

baixinho.Baker fica tensa. Clay enfia a língua na bochecha e diz.— Vamos lá, Michele. Estamos apenas fazendo uma pausa de cinco minutos.— Tenho que voltar para a recepção. — Diz Michele, limpando a garganta. — Mas

divirtam-se bastante. E Clay, você é bem-vindo para voltar ao grupo de oração quando estiverpronto.

Clay junta os lábios novamente e concorda com a cabeça. Luke, que está sentado de costas

para a porta, finge vomitar em cima da mesa.— Até mais tarde. — Diz Michele. — Ah, e Joanie? Não quero ser chata, mas essa sala é

exclusiva para veteranos. Se começarmos a permitir a entrada de alguns juniores, então todos osoutros alunos vão pensar que têm o direito de usar a sala também, e isso meio que vai contra opropósito, não acha?

O rosto de Joanie fica vermelho como uma lagosta.— Sim. — Diz ela, sua voz espinhosa.— Obrigada. — Michele sorri. Então fecha a porta atrás dela e sai.Joanie afunda na cadeira.— Essa vadia ridícula.— Não dê ouvidos a ela. — Diz Luke.— Todo mundo sabe que você é praticamente uma veterana. — Diz Wally.— Ela não está sendo assim de propósito. — Diz Clay. — Ela é só uma dessas meninas

certinhas.Hannah troca olhares com os outros quatro. Clay cruza os braços e pergunta:— O quê?Hannah balança a cabeça.— Graças a Deus você terminou com ela.— Sério. — Diz Baker.— Ah, fala sério. — Clay ri. — Ela não é tão ruim assim.— Ela é muito ruim. — Diz Luke.— Wally. — Diz Clay, gesticulando para ele, — Você sempre gostou dela, não é?Wally se equilibra nas costas da cadeira e inclina a cabeça, pensativo.— Eu nunca consegui entendê-la.— Ela vai contar à Srta. Carpenter que eu matei aula. — Diz Baker, ajeitando o cabelo para

trás enquanto ajusta a bandana. — Ela provavelmente vai contar antes mesmo de eu chegar aoescritório do conselho estudantil.

— Ela precisa superar essa inveja. — Diz Hannah. — Quero dizer, faz quanto tempo desdeaquela eleição? Tipo quatro meses, agora?

— Sim. — Diz Joanie, — Mas por isso e por Clay ter dado um pé na bunda dela, duvido queela seja nossa amiguinha tão cedo.

— Vamos, deveríamos ir. — Diz Wally.— Sim. — Diz Luke, limpando as migalhas de suas mãos. — Todo mundo deve estar

pensando que estou com diarreia ou algo assim.— Obrigado pela surpresa boa, pessoal. — Diz Clay, olhando entre Hannah e Wally

enquanto se levanta. — Vocês sabem que adoro refeições em família.

— Especialmente refeições legais em família. — Diz Hannah.Baker se inclina e abraça Hannah por trás, enquanto os outros conversam e juntam seus

lixos.— Obrigada. — Ela diz baixinho no ouvido de Hannah.Hannah ignora a cambalhota em seu estômago.— De nada. — Diz ela, mantendo a voz calma, e então Baker e os outros vão embora, e

Hannah se lembra de retribuir o sorriso de Wally.

Os dias vão passando. O sol nasce mais cedo e se põe mais tarde, e as tardes ficam maisquentes, grau após grau, e toda a terra começa a vibrar com a antecipação da primavera. Oscarvalhos que se alinham nas ruas do Garden District inclinam-se para sussurrar uns com osoutros, e o musgo espanhol pendurado em seus galhos se inclina como xales pesados prontospara serem removidos.

Mas Hannah se apega à estática do inverno o máximo que pode. Ela e seus amigos seencontram no estacionamento da escola todas as manhãs, o grupo mexendo nas alças da mochilaenquanto esperam Luke aparecer pouco antes do sinal tocar com sua camisa de Oxforddesabotoada e a gravata ainda não colocada; se reúnem no pátio dos veteranos na hora do almoçoe desafiam Clay a comer batatas fritas com iogurte ou fatias de maçã mergulhadas em ketchup;tiram os uniformes de dentro da calça e se encostam nos carros no final do dia, trocando piadas ehistórias antes que Clay tenha que sair para o treino de basquete e Wally e Luke tenham que sairpara o atletismo; trocam mensagens de texto até tarde da noite enquanto estudam suas anotaçõesde teologia e resolvem seus problemas de matemática.

Passam todos os fins de semana juntos, abraçados pela segurança de saberem que aindaestão no início do semestre, que não precisam se preocupar com faculdade e suas novas vidas atéque a primavera esteja em plena floração, que por enquanto eles são apenas seis alunos do ensinomédio autorizados a planejar suas vidas em passeios à noite nas sexta-feiras e festas nos sábadosà noite. Hannah conhece o terreno de seu reino: ela sabe o que é sair escondida para a WaffleHouse para encontrar seus amigos tarde da noite, deitar no chão da casa de Clay e jogar cubos degelo nele quando ele tentar fazer todos falarem sobre sexo, passar as tardes de sexta-feira nocarro de Baker com a estação country tocando e o cheiro de baunilha do purificador de carroinfiltrando-se em suas roupas.

Nas manhãs de sábado, Hannah e Baker levam o belo Saluki de Baker, Charlie, ao parquepara cães em Dalrymple Drive. Elas se sentam no banco circular que envolve a árvore no centrodo parque e assistem Charlie dar cambalhotas pelo parque com os outros cães.

— Ele está muito feliz hoje. — Diz Hannah.— Ele está. — Baker concorda, seus olhos gentis. Ela puxa os fios de seu cachecol enquanto

uma expressão pensativa surge em seu rosto. — Às vezes eu gostaria que pudéssemos fechartodas as ruas em Baton Rouge. — Diz ela. — Para que não tivesse carros, nem tráfego, e todospudessem simplesmente andar sob as árvores e os cães pudessem correr e brincar ondequisessem.

— Charlie provavelmente correria até Nova Orleans. — Diz Hannah.— Contanto que ele voltasse.— Ele voltaria. Você sabe que sim.Elas vão para o Zeeland Street Café para tomarem café da manhã depois. Baker lidera o

caminho para sua mesa favorita, aquela no canto esquerdo posterior, embaixo da pintura de umvelho Cajun. Ela se senta como sempre, com uma perna em cima no assento para poder se apoiarno joelho.

— Sua mãe gritaria com você por sentar assim. — Diz Hannah, batendo o pé contra o deBaker.

— Minha mãe não está aqui. — Diz Baker, seus olhos castanhos dançando.Elas comem bacon e ovos, batatas fritas com o tempero de Tony e biscoitos com geleia.

Baker espalha a geleia em seu biscoito da maneira peculiar que ela sempre faz — com geleia deuva em uma metade e de morango na outra. Hannah olha para ela e balança a cabeça, e Bakersorri e pergunta:

— O quê — embora ela saiba, então Hannah apenas balança a cabeça novamente.— Vou pegar um refil de café para você. — Diz Baker, levantando o copo de papel vazio de

Hannah.— Vou roubar seus bolinhos de batata frita enquanto estiver fora. — Diz Hannah.Elas falam sobre os meninos, Joanie e seus colegas de classe, e nenhuma delas menciona

como o semestre está passando rápido, embora Hannah saiba que as duas estejam pensandonisso. Hannah bate o saleiro e o pimenteiro um contra o outro e observa Baker jogar seus longoscabelos castanhos por cima do ombro enquanto fala, e o tempo todo Hannah sente aquelasensação doce e feliz em seu estômago — aquela que ela sempre sente quando está com Baker,aquela que está crescendo cada vez mais dentro de si ultimamente.

Nas noites de sábado, elas escutam música no quarto de Hannah enquanto se vestem epassam maquiagem para qualquer festa que vão naquela noite. Joanie entra e sai do quarto,perguntando a elas qual sapatilha deveria usar e se dava para ver sua calcinha através do vestido,e o tempo todo Hannah não conseguia parar de olhar para Baker, não conseguia parar de desejarpegar sua mão ou tocar em sua cintura, não conseguia parar de querer fazê-la rir ou ouvir o queela iria dizer a seguir. Quando ficam próximas uma da outra no espelho da cômoda — quandoBaker está tão perto que Hannah consegue se maravilhar com o comprimento de seus cílios,consegue respirar o cheiro de seu cabelo, consegue olhar para seus olhos e se perguntar que tom

específico de castanho são — quando ficam perto uma da outra, tudo dentro de Hannah sobe àsuperfície de sua pele e brilha no ar, até fazer ela se sentir como um condutor de luz eeletricidade.

— Você parece feliz. — Diz Baker.— Eu estou feliz. — Diz Hannah. — É sábado à noite e podemos fazer o que quisermos.Baker sorri e bate seu delineador no braço de Hannah.— Vamos nos vestir para a festa.Elas param em frente ao guarda-roupas de Hannah e tentam entender o caleidoscópio de

roupas. Vestidos de verão pendurados ao lado de suéteres de inverno, peças verdes ao lado depretas, echarpes brilhantes ao lado de suéteres surrados.

— Isso seria muito mais fácil se você separasse tudo por cor e estação. — Diz Baker.— Mas aí eu seria uma bobinha como você. — Diz Hannah.Baker olha de soslaio para ela, em seguida, puxa um vestido vermelho do armário e o joga

sobre a cabeça de Hannah, e ela não está ciente de nada, exceto da risada de Baker, uma risadacom força vital própria.

Elas vão a festas e os seis caem na mesma rotina todas as vezes: Luke e Joanie se juntam aoutro casal em um jogo de beer pong, Wally bebe sua cerveja lentamente e encontra o olhar deHannah de vez em quando, Clay caminha e fala com cada pessoa na sala, cada pessoa na sala seaproxima e fala com Baker. E Hannah, de pé na cozinha com Wally, olha para Baker e se senteatraída por ela com uma força tão poderosa, tão adorável, que ela quase consegue vê-latremeluzindo no ar entre as duas. Ela quer se aproximar de Baker imediatamente, como seestivesse caminhando sobre as águas, atravessando o espaço que as separa, envolvê-la em umabraço para sempre. Em vez disso, ela fica parada onde está, segurando uma cerveja barata econversando com Wally e alguns amigos da turma de cálculo A.P.

— Você está bonita esta noite. — Diz Wally quando os outros não estão ouvindo.— Obrigada. — Hannah diz, tentando soar com o máximo de indiferença possível. — Você

também.Então ele ri daquele jeito tímido que sempre faz, e Hannah se afasta dele e conversa com

quem está do outro lado.Baker sempre a encontra depois de um tempo, sempre que ela consegue se livrar das outras

conversas, e o coração de Hannah pula quando Baker toca seu pulso para chamar sua atenção.— Está muito barulho aqui. — Ela sempre diz. — Quer sair?Então, elas vão para a varanda dos fundos quando ninguém está olhando e estremecem com

o ar do início de fevereiro, e Baker olha e pergunta.— Está se divertindo, princesa? — Com uma expressão que significa que ela quer saber a

verdade.

— Sim. — Diz Hannah, porque ela está sempre feliz só de estar perto de Baker. — E você?Baker dá um meio sorriso e, em seguida, olhando para sua bebida, diz.— Estou entediada.— Sabe que não precisa sussurrar isso como se fosse um segredo ruim, certo? Não é pecado

ficar entediada.— Eu só sinto que deveria estar mais animada por estar aqui. As festas não deveriam ser,

tipo, o sonho adolescente?— O que você preferiria estar fazendo agora?Baker se vira para olhar para ela. Elas piscam uma para a outra por um momento, o ar fresco

cortando o espaço entre elas, e então os lábios de Baker se viram para cima.— Comendo macarrão com queijo na sua casa. — Ela diz.— É?— É.— Então vamos. — Diz Hannah, jogando o resto de sua cerveja na grama.Elas fazem planos, decidindo quem deveria dirigir.— Estou muito mais sóbria do que você. — Diz Baker. — Você sabe que só tomei uma

bebida. — Até que Clay enfia a cabeça para fora da varanda e diz, com uma rispidez na voz:— O que vocês estão fazendo?— Estamos observando as estrelas. — Diz Hannah com uma cara séria. — Baker está bem

interessada na Ursa maior no momento.Clay a encara como se não soubesse se estavam zoando com ele ou não, e Baker morde o

lábio para conter a risada e, finalmente, Clay balança a cabeça e as deixa na varanda.— Vamos lá. — Diz Baker, puxando o braço de Hannah. — Vamos para casa.Elas se despedem dos meninos e de Joanie.— Não volte para casa muito tarde. — Hannah diz a ela. — Não quero outra bronca dupla

da mamãe. — E então caminham pela casa, seus colegas se separando para elas passarem comoas duas metades do Mar Vermelho, todos implorando para ficarem, para tomarem mais um gole,para ouvirem mais uma música.

Baker as leva pelas ruas iluminadas pela lua e com carvalhos se sobrepondo. Dirigem em umsilêncio pacífico, carregando as emoções da festa em seus estômagos e pulmões. Hannah olhapelo para-brisa e implora aos céus que sua vida seja sempre assim — grande, barulhenta e cheiade juventude, mas sempre seguida pelo trajeto silencioso de volta para casa e pela promessa depassar a noite com sua pessoa favorita no mundo inteiro.

A casa está escura e silenciosa quando entram, mas a mãe de Hannah deixou a luz dacozinha acesa para elas. Hannah puxa a panela de debaixo do fogão enquanto Baker pega tigelase talheres, e então sobe na bancada, batendo os calcanhares nus contra os armários amarelos da

cozinha, enquanto Hannah fica em frente ao fogão e aumenta o fogo para a água ferver.— Como você acha que as formas são escolhidas? — Baker pergunta.— O quê?Baker mostra a caixa de macarrão com queijo. O Scooby Doo sorri em toda a sua glória

boba de desenho animado e Baker aponta para ele e repete sua pergunta.— Talvez exista uma sociedade secreta. — Diz Hannah com falsa seriedade. — De pessoas

cujo único trabalho é escolher formatos de macarrão infantil.— Será?— Ah, sim. Eles passam as noites agonizando, pensando se a Dora, a Exploradora ou Super

Homem, seriam um macarrão melhor. E se fizerem a escolha certa, ganham um troféu que diz:“Parabéns, Você Realmente Usou Bem sua Cachola de Macarrão!”

— Mas quem dá o troféu? — Baker pergunta com a seriedade fingida. — Quem decide se omacarrão escolhido foi o certo ou não?

— As crianças, óbvio. Você não lê?Baker ri e joga a caixa de macarrão para ela.— Cuide da nossa comida, chata.— Pegue o leite e a manteiga, chata.Hannah despeja o macarrão na panela e fica parada enquanto o vapor sobe até seu rosto. Ela

observa a água dançar em uma formação desordenada de bolhas enquanto o macarrão ficaindefeso no fundo da panela, afundado para sempre pelas leis da densidade.

— Leite. — Diz Baker, passando o galão pela bancada. — E a manteiga.Hannah não diz nada em resposta, apenas fica de frente para o fogão e observa a água ferver.

E então Baker vai para trás dela e a abraça em torno de sua cintura, e de repente o vapor dapanela se espalha por todo o corpo de Hannah, acomodando-se no centro de seu torso eencontrando o caminho até suas orelhas e pontas dos dedos. Ela sente o toque de Baker em todosos lugares, e quando ela coloca a cabeça no ombro de Hannah e também fica observando a águafervendo, o coração de Hannah sobe em seu peito e espreita sobre a água também.

— Podemos continuar fazendo isso quando estivermos na faculdade? — Baker pergunta, suavoz clara.

Hannah acena com a cabeça com muito cuidado, não querendo trair seu coração insistenteou o vapor dentro dela. Então Baker vira sua cabeça — Hannah consegue sentir com cada nervoem seu interior — e beija a bochecha de Hannah. Ela fica imóvel, implorando para que o vapornão se espalhe, implorando a seu coração para permanecer equilibrado onde está, até que Bakerse afasta dela, tão casual quanto uma brisa no pântano, e abra a geladeira.

Hannah pega a concha para fazer algo e mexe o macarrão ao redor da panela. Seu corpoparece todo corado, mas ela responde o mais indiferente que consegue quando Baker pergunta se

ela quer um pouco de Coca.— Claro. — Ela diz. — Mas tem algo sem cafeína? Não quero que meu coração fique

acelerado.Elas caem na cama com os estômagos cheios de macarrão com queijo e os dentes cobertos

pelo açúcar das suas Coca-Colas. Baker veste uma das camisetas velhas de Hannah — a maismacia e mais amada — e um de seus shorts rosa da Victoria's Secret. Ela deita de bruços ecomeça a respirar profundamente em seu sono quase imediatamente — antes que Hannah sequertenha a chance de perguntar qual seriado ela quer assistir — então Hannah se deita ao lado dela ememoriza novamente o som familiar da sua respiração. As pás do ventilador circulam no teto,movendo o ar do quarto de modo que atinja elas como brisas suaves, ocasionalmente levando ocheiro de Baker para Hannah como uma abelha leva pólen para uma flor.

Às vezes, com o coração batendo forte no peito, Hannah percebe que Baker não pertence aeles.

— Você é muito boa. — Hannah diz, cada palavra com sinceridade, oferecendo essaverdade com um grau de admiração que ela nunca sentiu por nenhum outro humano.

— Não sou. — Baker insiste, suas sobrancelhas compridas e escuras se juntando emsurpresa. Mas Hannah sabe disso por causa dos últimos semestres do outono que passaratorcendo por Baker em suas partidas de vôlei, quando Baker marcava saque após saque e apóssaque enquanto a multidão e suas colegas gritavam e aplaudiam, e então Baker ia até a capitã dotime adversário, a garota que chorou no final da partida e sussurra em seu ouvido no canto daquadra quando ninguém estava olhando. Hannah sabe disso por causa de uma festa em meadosde fevereiro, quando subiu as escadas para encontrar Baker sentada de joelhos no corredor com obraço em volta de uma garota do segundo ano.

— Está tudo bem. — Baker a acalma enquanto esfrega as costas da garota. — Seu nome éAlly, certo? Você vai ficar bem. —

— Estou passando mal. — Diz a menina, sua voz saindo como um choro abafado de umacriança com febre. — Quero ir para casa.

— Vamos te levar para casa. — Baker diz, sua voz leve e gentil e preenche o coração deHannah. — Vamos conseguir um pouco de água para você primeiro. Minha amiga Hannah estáaqui e ela é a melhor pessoa que você vai conhecer. Ela vai me ajudar a cuidar de você.

— Você é boa demais. — Diz Hannah depois que levaram a garota para casa.— Não sou. — Promete Baker. — Você teria feito o mesmo.— Não sei se eu teria. — Hannah diz honestamente.— Mas eu sei. — Diz Baker com seus olhos profundos e escuros.Hannah sabe que Baker não vê em si mesma a bondade que Hannah vê nela. Ela sabe que

Baker luta para estar à altura de seu irmão, que anseia desesperadamente pela aprovação de suamãe, que se preocupa constantemente se é ou não uma capitã justa ou uma presidente eficaz doconselho estudantil.

— Você é incrível. — Hannah quer dizer a ela. — Você é a melhor coisa que já existiu. —Mas Hannah sabe que Baker, quando não está sorrindo em festas e rindo com seus amigos noestacionamento, carrega essas preocupações secretas em seu coração, preocupações que Hannahgostaria de conhecer toda a extensão, preocupações que Hannah vê nos olhos de Baker quandoela pensa que ninguém está olhando.

— Você é muito melhor do que imagina. — Hannah disse uma tarde quando estavamsentadas no carro de Baker, conversando sobre a última discussão dela com sua mãe. — Você ésimplesmente-você é tão-eu queria que você acreditasse em mim…

— O que é engraçado… — Diz Baker, piscando para seus chás doces estragados pelo sol nopainel. — É que, quando digo essas mesmas coisas sobre você, queria que você acreditasse emmim também.

Capítulo Três: Mardi Gras

— Vou dar uma festa de Mardi Gras. — Clay diz a eles em meados de fevereiro. — Terça-feiraà noite. Meus pais estarão em Nova Orleans.

— Tem certeza que quer se voluntariar para isso? — Hannah pergunta a ele. — Essas festassão notoriamente malucas…

— Não, não são. Pense em quantas pessoas saem da cidade no Mardi Gras. Sabe, esquiar eessas coisas. E então tem as pessoas que vão para Nova Orleans. Mas nós vamos ficar, e muitaspessoas importantes vão ficando, então por que não fazer algo? Ethan deu uma festa de MardiGras quando estava no último ano e disse que foi a melhor festa que a St. Mary já viu. Alémdisso, minha casa fica no final do beco sem saída, então não vamos irritar muitos vizinhos.

Eles se arrastam pelos últimos dias antes do feriado do Mardi Gras, inundados com provas,testes e redações, mas animados com a ideia de um fim de semana de cinco dias. Os corredoresficam cheios de barulho na quinta e na sexta-feira, enquanto os alunos trocam informações sobrequais krewes terão os melhores carros alegóricos este ano e se vai chover ou não na CidadeEspanhola e quais pais vão deixá-los beber nos desfiles. Na aula de Governo A.P. de Hannah eWally na sexta-feira, o Sr. Creary realmente joga seu marcador Expo para cima quando umterceiro aluno é chamado ao escritório para fazer sair mais cedo por causa de uma viagem deesqui em família.

— Nem sei por que estou tentando. — Diz o Sr. Creary, seus olhos caídos vagando para suamesa no fundo da sala de aula, onde todos sabem que é ele guarda seus chocolates Reese. —Podem fazer o que quiserem. Mas mantenham o volume baixo, e se a Sra. Shackleford ou o Sr.Manceau aparecerem, é melhor parecerem que estão trabalhando no rascunho dessas redações.

O Padre Simon os deixa com uma mensagem especial de encerramento durante os anúnciosda tarde na sexta-feira.

— Por favor, lembrem-se. — Diz ele, sua voz pairando em cada sílaba. — Que embora esteseja um momento alegre para celebrar nossa herança louisianana e católica, o propósito do MardiGras é nos preparar para o tempo da Quaresma, quando devemos lembrar de nosso Senhor e Seumaior sofrimento. Lembrem-se de se comportar como filhos de Cristo.

— Não foi Jesus que transformou água em uísque? — Luke pergunta quando estavam nosarmários depois. — Então, quero dizer, estaremos agindo como filhos de Cristo.

— Era vinho. — Baker ri, com os braços cruzados enquanto se inclina contra o armário de

Hannah. — Mas sim, vejo seu ponto.— Só não se pegue com a Joanie na minha despensa de novo. — Clay diz a Luke.— Eca. — Diz Hannah.— Talvez você devesse se preocupar com suas próprias pegações. — Luke diz. — Quem

será no Mardi Gras deste ano? Vai na Sammy Hebert de novo?— Cale a boca, cara. — Clay ri, empurrando-o de brincadeira, mas seu rosto fica vermelho e

ele se afasta deles. — Não estou interessado na Sammy.— Em quem você está interessado? — Hannah pergunta.Clay fecha os olhos e balança a cabeça rapidamente.— Nada. Ninguém. Venham, vamos comer algo.Eles encontram Joanie e Wally no estacionamento e, de lá, vão de carro até o Zippy's para

comprar batatas fritas e queso. Sentam-se no pátio externo, onde está quente o suficiente paratirarem as jaquetas, e arregaçam as mangas das camisas, brigam pelas batatas e conversam sobrea festa de terça-feira, enquanto Hannah tenta não notar como Clay se inclina para conversar comBaker com um olhar diferente do que ela já tinha visto antes.

Hannah e Joanie passam os primeiros dias do feriado passeando com Wally e Luke enquantoBaker e Clay estão em Nova Orleans com suas famílias. Eles vão ao desfile da Cidade Espanholano sábado e ficam na chuva pegando miçangas e dobrões dos carros alegóricos que passam,todos ao seu redor vestindo camisetas rosa choque e tutus e látex, os policiais assistindo em cimade seus cavalos e as crianças pequenas assistindo em cima dos ombros dos pais. No domingo,vão para a casa de Wally para construir castelos com seus irmãos mais novos enquanto a Sra.Sumner faz suas coisas, e na segunda-feira os quatro ajudam Hannah e o pai de Joanie a plantarnovas flores no quintal.

— É muito legal da sua parte ter vindo. — Hannah disse a Wally depois. — Sei que meu painão é o cara mais fácil de conversar.

— Ele é legal. — Diz Wally, enxugando a testa com as costas da mão. — Gosto dele.Conversamos bastante sobre engenharia. O que ele faz no trabalho e tudo. É o assunto que elemais conversou comigo.

— Sim, bem, ele é muito quieto. — Diz Hannah, esfregando a sujeira em seus antebraços.— Isso não é uma coisa ruim. — Diz Wally. — Significa que quando ele te diz algo, você

realmente ouve, sabe?Ele olha diretamente para Hannah até ela parar de coçar o braço e olhar para ele. Seu olhar é

intenso por trás das lentes dos óculos, e Hannah tem uma sensação estranha, como se quando elaestá com Wally, às vezes ele a vê de maneira diferente da que ela própria se vê.

— Estou muito feliz por ter vindo. — Diz ele, um canto da boca se erguendo em um sorriso.

— Sim. — Diz ela, experimentando estar na pele da garota que ele vê quando olha para ela.— Eu também.

Hannah e Joanie estão deitadas assistindo TV na terça-feira, nenhuma delas tomaram banho,ambas balançando seus coques bagunçados, ambas esperando pela mensagem de Clay. Elefinalmente mandou uma mensagem para o grupo por volta das seis horas, pedindo-lhes queviessem ajudá-lo a arrumar tudo.

— Vou tomar banho primeiro. — Joanie diz, pulando do sofá e correndo escada acima, eHannah corre atrás dela, gritando para ela se apressar e não demorar dez minutos passandocondicionador no cabelo.

Elas contam para seus pais que vão à casa de Clay assistir a um filme.— É um bem longo. — Diz Joanie. — Tipo, até mais do que o Titanic, então vamos voltar

tarde.— Qual é o filme? — O pai delas pergunta, sinceramente curioso.A boca de Joanie fica aberta por um longo segundo.— Não sei… um estranho que Clay queria assistir.— Nos mande uma mensagem quando chegarem lá. — Diz a mãe. — E nada de bebidas.

Hannah manda uma mensagem para Baker um pouco antes de ela e Joanie saírem pela porta.Estamos indo, você já chegou?

Estou no Albertson pegando Sprite para as bebidas, Baker responde. Já vou. E vou levaruma surpresa para você ☺.

Qual é a surpresa? Hannah pergunta.Baker responde um minuto depois. Não, ela escreve, nem tente.

Os carros de Wally e Luke já estão na garagem quando Hannah e Joanie chegam. Elasencontram os três meninos na sala de estar, arrastando os móveis para as paredes e ouvindomúsica estrondosa — Like a Prayer da Madonna, que irradia do sistema de alto-falantes de Clay.Hannah faz uma pausa no corredor quando percebe que os três meninos estão cantando e aindanão a notaram. Joanie esbarra nela por trás e abre a boca para gritar, mas Hannah aperta seubraço e aponta para os meninos.

— A melhor parte. — Diz Clay, se afastando do sofá que ele e Wally estavam arrastando. —Escuta, essa parte, agora.

Clay começa a pular sem sair do lugar, cantando a letra, no mesmo momento em que Wallyse inclina para frente e bate as mãos no ar como se estivesse tocando uma bateria. Luke vai atéeles, mudando sua voz para um tom agudo para combinar com o canto de fundo. Os três fazemuma formação triangular torta, cada um deles tocando algum tipo de instrumento aéreo enquanto

cantam. Hannah cobre a boca com a mão para não rir.Luke pula no sofá e estende os braços para o espaço aberto da sala enquanto canta a música.

Clay e Wally agarram um de seus braços e o puxam para baixo, de modo que Luke dá um gritode susto que faz os três caírem na gargalhada.

— Ai meu Deus. — Joanie ri atrás de Hannah, e os meninos erguem os olhos do sofá, os trêsassustados.

— Tão masculinos. — Diz Joanie quando percebe que tem a atenção deles.Luke se recupera primeiro.— Muito masculino. — Diz ele, caminhando para dar um beijo em Joanie.— Vocês sempre ouvem Madonna assim? — Hannah diz.— Não. — Clay diz, colocando as mãos na cintura. Ele sorri timidamente. — Só às vezes.— Vocês nos pegaram de surpresa. — Diz Wally, deslizando a ponte dos óculos de volta no

nariz. — Se soubéssemos que viriam tão cedo, teríamos tocado um pouco de Tina Turnertambém.

Ele se aproxima e abraça Hannah, e ela consegue sentir o cheiro do perfume em suas roupas.É bom, ela diz a si mesma, respirando o cheiro dele. É bom. É bom.

Baker entra na casa alguns minutos depois, as sacolas do supermercado cortando seus braçose seus longos cabelos castanhos caindo sobre seu vestido de estampa floral, e Hannah seconcentra fortemente no cheiro persistente do perfume de Wally. Mas então Baker a puxa delado e dá para ela um pacote de M&M’s de amendoim — o favorito de Hannah — de uma dassacolas e Hannah esquece completamente de Wally.

Eles terminam de limpar a sala de estar e começam com os preparativos para a festa. Luke eWally enchem dois coolers com cerveja enquanto Hannah e Baker montam as mesas de cartas eJoanie abre sacos de copos descartáveis.

— Elixir de Landry. — Clay diz com orgulho, olhando por cima da tigela de ponche.— Ai meu Deus, você fez de novo? — Joanie diz.— Fiz.— Achei que tivéssemos dito para você parar de chamar assim. — Diz Hannah.— Por que eu faria isso? — Clay diz, olhando para ela por cima do ombro.— Não sei por que estamos tendo essa discussão. — Diz Luke, afastando-se dos coolers

para encher um copo com o ponche de Clay. — Eu amo essa merda.— Vai acabar com a gente. — Diz Wally, — Mas eu também adoro.Os três meninos ficam em frente à tigela de ponche e tomam alguns goles de suas bebidas

enquanto Hannah, Baker e Joanie se olham.

— Essa merda é boa pra caralho. — Diz Clay, batendo seu copo contra o de Wally e Luke.Minutos depois, pouco antes da festa começar, Hannah percebe que Clay colou uma placa

abaixo da tigela de ponche.Elixir de Landry, diz a placa. Trazendo para você um prazer sem precedentes desde 2011.Hannah se serve de um copo da bebida de laranja e dá um longo gole, ressentida de como é

bom.— Maldito. — Ela diz.— Eu sei. — Diz Joanie.

Clay convida Baker para acender as tochas do lado de fora com ele, então Hannah cutucaWally e diz.

— Vamos, vamos com eles. — O rosto de Clay mostra meio segundo de irritação antes deele sorrir e dizer:

— É, vamos lá, vamos todos nós.Os seis caminham pelo amplo quintal e ao longo do perímetro da propriedade, onde uma

velha cerca frágil separa o quintal de Landry do declive íngreme na floresta abaixo. Eles paramde frente para cada tocha e assistem Clay criar fogo com suas mãos, e por alguns minutosnenhum deles fala nada.

Joanie é quem quebra o silêncio.— Não quero ser chata… — Diz ela, com o rosto enrugado pelo brilho dourado alaranjado

das tochas. — Mas qual é o sentido disso? Não vamos ficar lá dentro? Está frio hoje à noite.— Porque fica incrível. — Diz Clay. — Além disso, a festa pode ficar muito lotada e as

pessoas podem querer sair. Não sabemos quem vai aparecer.— Dá um efeito bacana. — Diz Wally, deslizando a palma da mão no ar, a mão seguindo a

linha curva das tochas como se pudesse fazer cada uma se iluminar com magia. — Sempre gostoquando seu pai acende elas no verão.

— É muito bonito. — Diz Baker, com uma expressão pensativa. — É quase místico.Eles continuam em direção ao centro das tochas, cada um seguindo os passos de Clay como

um grupo de crianças em da pré-escola jogando O Mestre Mandou, até que param em uma seçãoparticularmente patética da cerca.

— Foi aqui que Ethan e eu quebramos o cortador de grama do nosso pai na cerca. — DizClay, apontando para as tábuas finas de madeira. Hannah olha mais de perto e vê que as tábuastêm uma pintura mais recente do que o resto da cerca de madeira. — Queríamos ver o queaconteceria se algo caísse daquela colina.

— É uma queda acentuada. — Diz Wally, esticando o pescoço para a frente.— Sim. Ethan costumava dizer que ia me chutar dela. Provavelmente teria me matado.

— O que aconteceu com o cortador? — Baker pergunta.— Quebrou e queimou. — Clay dá de ombros. — O corpo ficou todo contorcido e havia

fumaça saindo dele e tudo mais.Luke ri.— Você e Ethan fizeram algumas merdas idiotas quando eram crianças.— Não éramos crianças. — Diz Clay. — Tínhamos, tipo, 12 e 17 anos.— Sua mãe deve ter querido matar vocês. — Diz Joanie.— Sim, com certeza. — Clay diz. — Ela pirou com a coisa toda. Ela nem queria comprar

esta casa só por causa daquela colina estúpida.Hannah se agacha para examinar a cerca. No brilho dançante do fogo da tocha, a madeira

parecia dolorida e indefesa, uma quebra na corrente que nunca foi totalmente consertada.— Cuidado. — Clay diz. — Não é muito resistente. Meu pai fez Ethan e eu consertarmos e

fizemos isso como duas garotas.— Ei. — Hannah diz, chutando sujeira em suas pernas. — Olha o que fala.— Só estou brincando. — Diz Clay. — Mas falando sério, não tínhamos ideia do que

estávamos fazendo. Uma borboleta poderia pousar nessa coisa e provavelmente cairia.— Vocês dois são idiotas. — Diz Joanie.— Sim. — Clay diz, arqueando as sobrancelhas, mas há um toque peculiar de orgulho em

sua voz. — Enfim, vamos voltar para dentro. Quero testar o Elixir mais uma vez antes que todoscheguem. Tenho que ter certeza de que está no padrão Landry.

A casa lotou de pessoas por volta das dez horas. A música está dolorosamente alta e o ar estáúmido com o hálito e o suor, e Hannah sente que pode ficar bêbada só de ficar parada no meio dafesta.

— Vamos buscar bebidas. — Diz ela, tocando o braço de Baker, que acena com a cabeça e asegue em direção à mesa de ponche. Passam por uma dúzia de pessoas, todas querendo abraçá-las e perguntar como está sendo o feriado até agora, e passam por Michele Duquesne, que as olhacom cautela enquanto passam.

— Está uma loucura aqui. — Diz Baker quando estão sozinhas.— Eu sei. Não esperava que estivesse assim já. Quer um pouco do ponche de Clay?— Claro. Não muito.— Pode deixar. — Promete Hannah, e ela se certifica de colocar uma pequena quantidade.Tudo começa a parecer mais suave e quente — todos em tons de amarelo, dourado e laranja

— e a música começa a ficar ainda mais alta, na mesma altura dos adolescentes. Os músculos dobraço de Hannah afrouxam e sua visão escurece, mas a magia da noite, a crueza dela, começa acrescer em contraste.

— Você está bem? — Baker pergunta, fixando seus olhos escuros nela.— Sim. — Hannah responde. — Só um pouco tonta.Baker toca seu pulso.— Vou ficar de olho em você.Clay as encontra depois de um tempo. Seu rosto está vermelho e brilhante, da maneira como

sempre fica quando está em um ambiente assim, andando por aí e cortejando as pessoas,encontrando colegas de classe que o validam e dão risada de todas as suas piadas.

— Vamos ficar bêbados, galera! — Ele diz, e quando Baker lhe dá um sorriso hesitante, elecoloca um braço na cintura dela e diz. — Por que está se segurando? É o nosso último MardiGras do ensino médio.

— Não estou me segurando. — Diz ela. — Só estou me controlando.— Me deixe fazer uma bebida para você. Prometo que não será muito forte.— Disse o Sr. Elixir-de-Landry. — Hannah diz.Clay olha para ela.— Estamos falando da Baker aqui. — Diz ele. — Não vou deixá-la bêbada ou algo assim.— Não disse que você iria.— Tudo bem. — Diz Baker, entregando seu copo. — Traga algo para mim. Mas nada muito

forte!— Deixa comigo. — Clay sorri enquanto se vira.— Clay— Hannah diz.— Sim?Hannah hesita.— Cuidado com a Michele. Ela está de olho em você a noite toda.A expressão de Clay escurece.— Eu sei. Ela já se aproximou de mim duas vezes.— Toma cuidado. — Baker ri. — Ela vai te pegar.O olhar feliz de Clay retorna.— É. — Diz ele, pousando os olhos nela. — Acho que tenho que ter cuidado, hein?Luke e Wally os encontram, seus sorrisos ansiosos como menininhos, as têmporas brilhando

de suor. Wally ostenta uma mancha laranja em sua camisa branca.— Luke derrubou meu copo. — Diz ele, seguindo conscientemente os olhos de Hannah, e

Luke usa o cachecol de Joanie na cintura, amarrado baixo e descuidadamente como a faixa deum pirata.

— Esse troço laranja está me afetando. — Diz Luke enquanto passa os braços sobre osombros de Hannah e Baker. — O que diabos Clay colocou nessa mistura?

— Inseticidas. — Diz Hannah.

— E talvez um pouco de alvejante. — Diz Baker, olhando para Hannah.— E só uma pitada de Kool-Aid para ficar saboroso.— Ele é um mestre. — Dz Luke com reverência.Hannah bebe outro copo do Elixir de Landry, e agora seus músculos estão ainda mais fracos

e seu peito está mais pesado.— Você está bem? — Wally diz, colocando um braço na parte inferior das costas dela, e ela

dá um tapa nele e diz:— Estou bem, Wall. — até que ele tira a mão.A sala continua a escurecer e os gritos dos colegas de classe de Hannah ficam mais altos e

mais soltos. Hannah dá um gole em sua bebida sem pensar sobre isso, até o copo ficar vazionovamente e ela precise preparar uma quarta bebida.

— Deixe que eu faço. — Diz Clay, estendendo a mão para o copo dela. — Baker, quer outrotambém?

A música muda para uma que todos amam. Eles se jogam na multidão, se abraçando,gritando e cantando, Luke pulando de um pé para o outro em uma dança bizarra, Wallybalançando a cabeça repetidamente em uma espécie de transe, e Clay voltando com as bebidasfrescas e um rugido de felicidade, e Joanie pula nas costas de Luke, e todos cantam a letra juntos,batendo palmas para os gestos melodramáticos uns dos outros, bebendo quando não têm certezade como combinar a dança com a batida, mas acima de tudo caindo na música, na multidão, umno outro.

Hannah se sente exuberante — mais livre do que nunca. Ela agarra sua bebida e se balançaonde está, observando as pessoas dançarem ao seu redor, e só naquele momento, por apenas umsegundo de sua vida, ela se sente inteira, se sente à vontade, sente que poderia existir naquelecasulo de tempo para todo o sempre. Ela olha para Baker, de pé ali com seus longos cabeloscastanhos caindo sobre os ombros e seus olhos escuros abençoando todos ao seu redor, e aternura jorra do peito de Hannah como a luz de um vaso quebrado.

— Lá fora? — Baker diz, chamando a atenção de Hannah.Elas saem para a varanda dos fundos e fecham a porta atrás. Hannah sabe que o ar está frio,

mas não sente. Seu corpo está quente e seus músculos parecem gelatina. Ela dá um passo àfrente, mais perto do quintal, e observa as tochas hipnotizantes à distância.

— Baker. — Ela diz.— Sim?— Acho que estou bêbada.Baker ri.— Dá para perceber.— O quê? Não, não dá.

— Você fica penteando o cabelo sobre o rosto. Só faz isso quando está bêbada.Hannah sorri. Ela estende a mão para Baker.— Venha se sentar comigo.Baker pega a mão dela e Hannah a puxa em direção aos degraus da varanda. Mas quando

Hannah se vira para se sentar, ela perde o equilíbrio e sente um pavor de uma fração de segundoao cair dos degraus.

Mas então Baker está lá, rápida e firme em seus movimentos. Ela puxa Hannah para trás,segurando seu pulso esquerdo e o lado direito de sua cintura.

— Opa, bebum. — Diz ela, guiando Hannah para se sentar nos degraus. — Não vamosestragar a noite com uma queda feia.

— Desculpa. — Hannah ri.— Você está bem?— Estou. Obrigada.Elas ficam paradas por longos minutos, simplesmente respirando. Baker puxa distraidamente

a bainha de seu vestido até que Hannah agarra sua mão e imobiliza seus dedos.— Obrigada. — Diz Baker. — Ei, Han?— Sim?— Acha que o Clay gosta de mim?Hannah para de respirar.— Não sei. — Ela hesita. — Por quê?— Eu acho que sim. — Diz Baker, seus olhos se estreitando para a grama morta no quintal.

— Mas acho que não gosto dele. Você acha que isso é ruim?— Por que seria ruim?Baker não responde. Sentam-se em silêncio no ar frio, e Hannah sente a energia de Baker ao

seu redor.— Às vezes não vejo a hora de me formar. — Diz Baker após um longo minuto.Hannah deixa as palavras atingirem ela.— Eu não quero me formar nunca. — Diz ela.

O tempo passa por elas. Voltam para dentro e a festa as absorve novamente, e Hannah marcaos minutos pelas músicas que tocam nos alto-falantes. Ela adora cada música que toca, mesmoaquelas que geralmente pula quando as ouve no rádio, e quando olha ao redor da sala, se senteexultante ao ver Joanie e Luke cantando as letras até seus rostos ficarem vermelhos; ao ver Clayerguendo seu copo no ar no meio da multidão; ao ver Wally, que raramente canta, jogando osbraços ao redor de seus companheiros de equipe e deixando-os puxá-lo para a música; e ao verBaker, que está ao lado dela, rindo muito enquanto mistura as letras, com a pele corada e os

olhos brilhantes.Hannah não tem certeza de como acontece. Em um momento, seus amigos estão todos

caminhando em direção a elas, e então os seis cantam em um círculo, seus braços enlaçados nacintura um do outro e suas bebidas derramando nas roupas um do outro, e no momento seguinte,Clay está tentando beijar a bochecha de Baker. Hannah observa, em um estado de torpor bêbado,enquanto os lábios de Clay roçam o rosto de Baker uma, duas vezes, e enquanto Baker se afasta edá a ele um olhar que totalmente é sóbrio e totalmente diferente de qualquer olhar que Hannah jáa viu dar antes. E então Baker vai embora e Clay olha confuso para Wally e Luke, e Hannah seencontra suspensa no tempo, até que de repente ela pisca de volta à consciência e se move para amultidão, seguindo o caminho de Baker para fora da sala.

É como se ela estivesse em transe. Ela vê Baker andando à sua frente — o cabelo escuro, osmovimentos bruscos — e ela registra vagamente as pessoas ao redor tentando parar Baker, ouentão Hannah para perguntar o que está acontecendo. Hannah continua se movendo, movendo-se, movendo-se, suas pernas e seu coração a carregam, até ficar cara a cara com uma porta alta eas pontas do cabelo de Baker desaparecendo atrás dela.

— Espere um pouco! — Hannah diz, jogando as mãos contra a porta para impedi-la defechar. — Bake, você está bem?

Baker permite que ela entre no banheiro com ela. Hannah fecha a porta e a tranca sempensar.

— O que foi?— Nada.— Foi alguma coisa.— Estou bem.— Você não está bem.— Estou bem.Baker se senta na beirada da banheira. Hannah caminha em sua direção até ficar de pé na

frente dela, capaz de olhar para seus cílios e a expressão séria em seu rosto.— Ei. — Ela diz suavemente, colocando o cabelo de Baker atrás da orelha. — O que houve?Baker inspira. Seus cílios permanecem parados; seus lábios separados pela sua respiração.— Foi o Clay? — Hannah pergunta.Baker fecha os olhos. Hannah continua colocando seu cabelo atrás da orelha.— Bake, está tudo bem. Me diga o que há de errado. Me diga como podemos consertar.— Não há nada de errado. — Diz Baker, mantendo os olhos fechados. — Eu só… você já se

sentiu mal sobre alguma coisa, mas não sabe o por quê?Hannah se senta ao lado dela na borda da banheira.— Claro. — Ela diz. — Acho que só acontece na nossa idade, sabe?

— Pode ser.— Ele-ele tentou te beijar?Os olhos de Baker se abrem. Seus olhos estão mortos; sua expressão está vaga. Ela não

responde à pergunta.Elas ficam sentadas em silêncio por um longo minuto. Do lado de fora do banheiro, do outro

lado da porta, Hannah sabe que a festa continua, que a música está pulsando, que as pessoasestão rindo e cantando e bebendo e esperando para recebê-la de volta. Mas ela não tem vontadede sair desse banheiro. Então olha para seus jeans escuros, para suas sapatilhas pretas, para otapete de banho embaixo delas e espera.

— Talvez só esteja bêbada. — Baker arrisca depois de alguns minutos.— Talvez. — Diz Hannah.— É uma sensação estranha. Eu gosto, mas eu-eu fico com medo. Isso faz sentido?Hannah olha para ela. A expressão em seus olhos é vulnerável e incerta, e Hannah só quer

pegá-la nos braços e dizer que está tudo bem. Em vez disso, ela pega sua mão.— Faz todo o sentido. — Diz Hannah. — Me sinto da mesma forma.A boca de Baker muda lentamente em um sorriso. Ela pressiona o polegar contra os dedos

de Hannah.— Mesmo?— Mesmo.Baker levanta sua mão livre, a que não está segurando a de Hannah, para o rosto de Hannah.

Ela escova os dedos na bochecha dela, e o coração de Hannah bate mais rápido.— Fico muito feliz que você seja minha melhor amiga. — Diz Baker.— Eu também. — Hannah diz. Ela se inclina para frente e envolve Baker em um abraço

apertado, perdendo-se no cheiro do perfume dela e na batida do coração de Baker contra seupeito. — Você é absolutamente a melhor. — Diz Hannah, e então ela beija a bochecha de Baker.

Baker se afasta dela até que estejam se olhando de frente. E é surpreendente, porque tudoque Hannah consegue ver são olhos profundos e escuros, os olhos nos quais ela confiou por anos,mas esta noite há algo incrivelmente diferente neles, algo antigo e ansioso, algo que desperta umsentimento profundo dentro de Hannah. Baker se inclina e beija a bochecha de Hannah muitolenta e suavemente — como se ela realmente quisesse fazer aquilo — e quando se afasta,Hannah vê aquela mesma coisa em seus olhos novamente, e isso a faz se inclinar para frente ebeijar a outra bochecha de Baker. A pele de Baker é macia sob seus lábios, e quando Hannah seafasta, ela sente Baker tocar seu rosto novamente, seus dedos suaves, mas autoritários namandíbula de Hannah, e então elas se movem uma na direção da outra novamente, ambasquerendo beijar seus rostos, exceto que desta vez estão se encarando diretamente.

Elas se beijam nos lábios e Hannah sente a primavera da criação em seu corpo e sangue.

É uma sensação de explosão e despertar. É tão potente que quase dói, a sensação de comerbastante após um longo período de fome. Cada nervo sob a pele de Hannah — cada rachaduraprofunda e oculta em seu corpo — cada átomo minúsculo que a faz ser quem ela é — todosganham vida, como se tivessem sido enterrados há muito tempo e estivessem simplesmenteesperando para serem chamados para surgir. Hannah abre os olhos e encontra Baker olhandopara ela com uma espécie de desejo assustado e sem fôlego, como uma criança que acabou de serpega com a mão em um pote de biscoitos, então Hannah se inclina para frente novamente antesque qualquer uma delas possa pensar sobre isso. Ela beija os lábios de Baker, e mais uma veztodos os seus nervos ganham vida, e seu batimento cardíaco acelera em seu peito, e a partebêbada dela canta Ah, sim, mesmo enquanto a parte sóbria dela avisa Ah, não. A boca de Bakerse move contra a dela, e agora estão se beijando de verdade, seus lábios deslizando um contra ooutro enquanto o coração de Hannah sobe para preencher a sala ao redor deles. E é mágico, é umritual sagrado, é Deus.

E agora Baker está fazendo pequenos ruídos, e suas mãos estão correndo para cima e parabaixo nos braços de Hannah, e sua respiração está tão irregular quanto seus beijos. Seus lábiosestão molhados e Hannah quer beijá-los, beijá-los, beijá-los e, em alguma parte distante eesquecida de sua mente, ela finalmente entende qual é o motivo, por que as pessoas querembeijar, por que essa ação se comunica muito mais do que palavras jamais poderiam.

— Han. — Baker diz contra sua boca, e Hannah nunca tinha ouvido seu nome serpronunciado com tanto medo e reverência antes. Ela responde com outro beijo, com uma viradade cabeça, e Baker recebe seu beijo com uma ansiedade desesperada que Hannah nunca soubeque ela possuía.

E então suas línguas estão envolvidas, movendo-se na boca uma da outra com um fervorexploratório, e bem no fundo de Hannah há uma voz que diz: Essa é a sua melhor amiga, ela ésua melhor amiga, repetidamente, e parece intensificar os sentimentos físicos ainda mais. Elas sebeijam, se beijam e se beijam, e Hannah ouve gemidos suaves e respirações escapando do corpode Baker, ou talvez do seu próprio, e não consegue pensar em mais nada, exceto o quanto estáamando isso.

— Hannah. — Diz Baker, sua voz mais com mais medo do que reverente. Ela se afasta elimpa a boca com as mãos, e Hannah vê que sua mão está tremendo.

— Baker…— Vamos voltar para a festa. — Diz Baker, levantando-se e caminhando em direção à porta,

sua voz alta e em pânico como quando ela acha que falou algo errado para alguém.— Você está bem?— Só estou bêbada, acho que você também está muito bêbada, acho que nós duas estamos

muito bêbadas…

— Estamos bem— Hannah diz.Baker se olha no espelho e esfrega os dedos nos lábios novamente. Sua mão ainda está

tremendo.— Preciso de um pouco de água. — Ela diz. — Acho que estou muito bêbada.Em seguida, ela sai do banheiro e Hannah fica sentada na banheira com o coração na

garganta.

Joanie as leva para casa.— Estou bem. — Ela garante a Hannah. — Só bebi duas cervejas e Luke me fez beber, tipo,

seis copos de água antes de sairmos. O que há com você, Baker? Você está bem?— Estou bem. — Diz Baker, com a voz alta e sem fôlego no banco de trás. — Só bebi

demais.Joanie bufa.— Isso é novidade.A mãe de Hannah as chama quando entram em casa. Hannah se esforça para parecer sóbria e

é grata a Joanie por falar mais do que ela.— Sim, mamãe, estamos indo para a cama. — Diz Joanie, parecendo exasperada ao tirar os

sapatos. Baixinho, ela diz: — Da próxima vez, você dirige, Hannah.Baker não fala com Hannah enquanto se preparam para dormir. Elas se trocam em silêncio

— ambas viradas para cantos opostos do quarto — e escovam os dentes sem olhar para osreflexos uma da outra. Quando Baker se deita e vira de lado, longe de Hannah, ela dá um passoem direção à porta e diz:

— Vou pegar um pouco de água para nós.— Obrigada. — Diz Baker.Quando Hannah retorna com duas garrafinhas cheias de água gelada, Baker está dormindo

profundamente, ou, pelo menos, fingindo estar.

Capítulo Quatro: Sujeira Quando Hannah acorda de manhã, ela encontra Baker arrumando sua mochila, a garrafa de

água ao seu lado.— Ei. — Hannah diz.Baker não ergue os olhos.— Ei.— Está se sentindo bem?— Acho que estou de ressaca.— Sim. Eu também. Beba essa água. Quer que eu pegue um pouco de café para você?Baker hesita; ela coloca um brinco e olha para o chão.Hannah se senta totalmente na cama.— Olha. — Diz ela, amarrando o cabelo em um coque. — Sei que estamos meio estranhas

por causa de ontem…— Não faça isso. — Diz Baker, com o rosto franzido.— Fazer o quê?— Só… não tente resolver a situação. Você sempre faz isso. Sempre tenta lidar com as

coisas abertamente. Apenas deixe pra lá, ok? Foi uma festa, estava tarde, estávamos muitobêbadas, então vamos deixar isso pra lá. Não quero falar sobre isso.

— Mas nós…— Hannah.A voz de Baker é afiada quando fala. Hannah sente algo afundando em seu estômago.— Tudo bem. — Ela diz.Então, ficam em silêncio, e Hannah se sente como se fossem duas crianças sentadas em uma

poça de lama, sem saber como será, sem saber se um dia ficarão limpas novamente.— Preciso levar Charlie para passear. — Diz Baker, levantando-se e jogando a bolsa sobre o

ombro. — Te vejo depois.— Divirta-se. — Hannah diz, sua voz soando falsa até para seus próprios ouvidos.Baker sai do quarto e Hannah se esconde sob as cobertas.

Mais tarde naquela manhã, a mãe de Hannah arrasta ela e Joanie para a missa da quarta-feirade cinzas em St. Mary’s.

— Não queremos ir. — Lamenta Joanie do banco de trás do carro.— Que pena. — Diz a mãe.— Não queremos sujeira nas nossas testas. — Diz Hannah.— Pare de chamar de 'sujeira'. Seja respeitosa. Com todas as bênçãos em suas vidas, deveria

querer agradecer a Deus por tudo o que você tem.Hannah fica sentada durante a missa com nós no estômago. O Padre Simon faz uma homilia

sobre o início da época da Páscoa, sobre o que isso significa para eles como católicos, sobrecomo devem se lembrar do sacrifício deliberado de Cristo todos os dias durante as próximas seissemanas. Hannah desvia os olhos do Crucifixo em tamanho real que está pendurado acima doaltar.

Ela entra na fila para receber as cinzas, sente o Padre Simon manuseá-las em um padrão emforma de cruz em sua testa, ouve as palavras — Lembra-te que és pó e ao pó retornará —murmuradas ao seu redor.

Ela volta para o banco e tenta não tocar na testa. À sua esquerda, Joanie e sua mãe parecemnão se incomodar com as cinzas: Joanie cutuca as unhas e sua mãe fecha os olhos em oração.Mas Hannah não consegue resistir a levar a mão à testa e pressionar os dedos contra a marca ali.Quando afasta a mão, seus dedos estão manchados com o carvão sujo. Ela não olha para oCrucifixo.

Ela ainda se sente inquieta quando voltam da missa. Sua mãe se serve de um copo de chádoce e vai até o escritório verificar seu e-mail. Hannah e Joanie se arrastam pela cozinha,fazendo sanduíches de frango com salada para si mesmas, Joanie conversando sobre como Lukefoi engraçado na festa da noite passada.

Hannah se serve de um copo d'água. Quando está prestes a tomar um gole, ela se lembra,com um sobressalto, de como foi beijar Baker.

Não, ela diz para si mesma, bloqueando os sentimentos. Você não quer isso. Não.Ela se joga no sofá com Joanie, tentando se sentir despreocupada, tentando não reviver a

memória que acabara de descartar na cozinha. Joanie liga a TV, percorre o guia e escolhe umepisódio de E! True Hollywood Story.

— Então, do que você vai desistir pela Quaresma? — Joanie pergunta no comercial.Hannah dá uma mordida em seu sanduíche para ganhar algum tempo. Ela bebe outro gole de

água.— Nada. — Hannah responde.

Hannah cai em um sono inquieto naquela noite, o rosto enterrado em seu braço e seu corposuando sob o edredom pesado. Ela vê os olhos de Baker novamente, escuros, profundos e

surpreendentes, e então é inundada pela memória tátil de beijá-la. Seu corpo começa a doer —seu peito dói e seu estômago dói e, o que é mais preocupante, a área entre as pernas dói. Ela tentadesligá-la, pensar em outra coisa, mas quer se entregar, quer sentir aquela experiência místicanovamente.

Ela acorda, horas depois, aterrorizada. Senta-se na cama com o coração acelerado no peito.Seu rosto e pescoço estão úmidos de suor frio. Ela passa as costas da mão pela testa e se lembra,com a força de uma pedra caindo em sua barriga, que sonhou com Deus.

A escola recomeça na quinta-feira. O esôfago de Hannah arde de náusea quando entra noestacionamento e vê o carro de Baker.

Mas Baker sai para cumprimentá-la com seu sorriso habitual.— Então, escuta isso. — Diz ela, iniciando uma conversa antes que Hannah possa sequer

olhá-la. — Charlie descobriu como abrir portas com as patas.Hannah hesita por apenas um segundo, reconhecendo a oferta. Isso é normal. Podemos ser

normais.— Que loucura. — Diz Hannah, sua voz soando apenas ligeiramente afetada. — O que sua

mãe disse?Os olhos de Baker relaxam.— Ela está surtando. Preocupada que ele vá entrar em seu armário de porcelanas ou algo

assim.— Isso é ridículo. — Diz Hannah, sua voz soando normal enquanto entram no prédio. — Se

ela conhecesse a personalidade de Charlie, saberia que ele não tem interesse em porcelanas decerâmica rebuscadas.

Baker ri.— Exatamente.

Os corredores estão quietos, com a maioria das pessoas conversando preguiçosamente comos amigos ou reclamando sobre como querem voltar para a cama. O sinal toca para o início doprimeiro período, mas enquanto os calouros correm para irem, a maioria dos veteranos apenasrevira os olhos e arrasta os pés para as salas de aula. Até os professores parecem relutantes emvoltar: o Sr. Montgomery não faz nenhum esforço para esconder seu bocejo, e a MadameRowley, a professora de francês de Hannah, se inclina contra o batente da porta e bebe um caféde 700ml enquanto os alunos passam. Há um acordo tácito de que hoje e amanhã não contamcomo dias letivos de verdade, porque consistem em uma semana de aula de dois dias após umferiado de cinco dias.

Depois que o segundo período acaba e o sinal toca para o almoço, Hannah e Wally

caminham lentamente pelo corredor, sentindo-se letárgicos após sua aula livre. Estão prestes achegar ao saguão principal quando encontram Baker e Luke encostados na parede de azulejosbrancos do lado de fora do escritório da frente, com os ombros caídos e a expressão abatida.

— O que está acontecendo? — Hannah pergunta.— Clay foi para a sala do Manceau. — Diz Luke.— Michele falou com o Padre Simon sobre a festa. — Diz Baker.— Ai, Jesus. — Diz Hannah.— É sério isso? — Wally diz.— Sim. — Luke diz. — Por que ela vai nas festas se vai dedurar depois?— Ela provavelmente está chateada porque Clay não prestou atenção nela. — Diz Hannah.— Aparentemente, ela disse ao Padre Simon que estava preocupada com a quantidade de

bebida que nossa classe ingeriu. — Diz Baker.— Sim, como se ela não estivesse lá também. — Diz Luke.Os quatro ficam de costas contra o azulejo frio e ouvem o barulho das conversas dos alunos

do último ano no refeitório. As secretárias da recepção do outro lado das janelas do escritórioolham para eles a cada minuto, com as sobrancelhas arqueadas e os lábios franzidos.

Finalmente, Clay sai do escritório de Manceau com uma careta no rosto. Eles observampelas janelas do escritório enquanto sua forma alta tece em torno das mesas das secretárias — elesorri educadamente para as secretárias, então franze a testa novamente assim que passa — e saipara o saguão principal.

— O que aconteceu? — Wally diz.Clay remexe no nó da gravata.— Não podem provar que eu dei a festa, mas estão usando a “denúncia anônima de um

aluno” para continuar…— Da Michele. — Diz Hannah.— Sim. — Clay resmunga. — Então Manceau falou um monte de besteiras sobre como a St.

Mary’s espera um comportamento melhor de mim porque sou capitão do time de futebol e tudomais. Ah, mas escuta só, ele interrompeu sua palestra na metade porque sua esposa ligou e queriasaber se ele preferia a tinta “cor de xícara rosa” ou a “amarelo manteiga” para o quarto, então eledemorou cerca de seis minutos debatendo as opções com ela, e então, finalmente, desliga otelefone e me diz que queria me suspender, mas não podia porque não tem provas. Então, oPadre Simon chega dizendo tipo “Vou orar por você durante este tempo de reflexão’ e mais ummonte de merdas.

— Então, o que vai acontecer? — Hannah pergunta. — Nada?— Sim. — Clay diz, com um traço de sorriso. — Com exceção deles ligarem para meus

pais. Mas você sabe que meu pai processaria o balofo do Manceau se ele tentasse me suspender

sem nenhuma prova...— Sim, mas seu pai vai te esfolar vivo. — Diz Wally.— Nada. Ele vai ficar chateado e minha mãe provavelmente vai chorar um pouco, mas já

passaram por esse tipo de coisa com o Ethan. Só se importariam se algo realmente ruimacontecesse. Mas não é como se eu tivesse dado a festa e alguém morreu.

— Vamos lá fora. — Diz Baker, olhando por cima dos ombros para a recepção. — A Sra.Adler está nos lançando olhares mortais.

Eles se arrastam para o pátio dos veteranos e vão para seus lugares em sua mesa favorita,onde Joanie está sentada esperando por eles, batendo o pé contra a perna da mesa.

— Onde diabos vocês estavam? — Ela diz. — Pareço uma idiota sentada aqui sozinha.— Sim, porque essa é a única vez em que você parece uma idiota. — Diz Hannah.— Clay teve problemas com Manceau. — Diz Luke, esfregando as costas de Joanie

enquanto se senta.— O que aconteceu?Clay conta a história novamente, e as feições de Joanie se alongam de espanto em todas as

partes certas, e quando Clay termina, os seis se viram em seus assentos para procurar Micheleentre os frequentadores do pátio.

— Ela não vai mais a nenhuma festa. — Diz Clay, seu rosto azedando enquanto olha nadireção de Michele. — Diga ao máximo de pessoas que conseguir. Certifique-se de que toda aclasse saiba que ela não deve ser convidada para as coisas.

— Amém. — Joanie diz, e Luke concorda vigorosamente ao lado dela. Wally olha paraMichele com um olhar pensativo, aquele que Hannah o vê usar quando tenta resolver um novo edesafiador problema de cálculo, e Baker, quando Hannah vira a cabeça para olhá-la, está com amesma expressão que Hannah a viu usar muitas vezes antes: aquela que significa que seucoração está lutando com sua cabeça, que seu instinto de empatia está lutando com suacompulsão de manter a ordem social.

A Sra. Shackleford anuncia uma assembleia improvisada na manhã seguinte. Váriosestudantes entram no ginásio e se jogam nas arquibancadas, e a Sra. Shackleford e o PadreSimon ficam parados no meio da quadra do ginásio, seus olhos observando cada movimento.

A Sra. Shackleford fala por três minutos sobre os padrões de comportamento que ela esperados alunos da St. Mary. Ela nunca menciona a festa Mardi Gras de Clay, mas os alunos dosegundo, terceiro e do último ano desviam os olhos, todos entendendo a mensagem. Apenas oscalouros se entreolham sem expressão, e Hannah, sentada no final da fileira na seção dosveteranos, ouve um calouro a vários metros de distância sussurrar.

— Isso é sobre o Marshall mostrando aquele quadrinho pervertido de gato ontem?

Então o Padre Simon dá um passo à frente para se dirigir ao ginásio. Ele fica parado com amão esquerda segurando o cotovelo direito e os dedos levantados aos lábios, como se estivessepensando em como aconselhar um prisioneiro no corredor da morte. Permanece em silêncio por30 segundos inteiros, até que os calouros começam a farfalhar em suas arquibancadas, e entãoele levanta a cabeça, finalmente olhando para todos, sua expressão solene.

— Lá vamos nós. — Murmura Hannah baixinho.O Padre Simon os repreende por quinze minutos.— Estou enojado. — Diz ele. — Estou sem saber o que dizer. E pensar que esse

comportamento ocorreu bem no início da Quaresma, quando estamos no meio de umacompetição pela Copa Diocesana…

A Sra. Shackleford está parada ao lado dele, sua expressão difícil de ler. Do outro lado doginásio, a Sra. Carpenter está sentada com os braços cruzados e a testa franzida.

Cinco minutos depois de iniciada a palestra, Hannah olha para Clay. Suas bochechascoraram apenas levemente. Quando nota que Hannah está olhando para ele, tira a mão da boca edá um sorriso como se estivesse prestes a cair na gargalhada.

O corpo discente fica estranhamente quieto após a assembleia. Voltam para as aulas semfalar muito, os meninos andando com as mãos nos bolsos e as meninas puxando com insistênciaas mangas dos suéteres. Mas muitos dos veteranos sorriem maliciosamente para Clay e acenamconspiratoriamente para Hannah, Baker, Wally, Luke e Joanie, e há um entendimento inerente deque a coisa toda é uma grande piada, e não algo com que se preocupar.

Eles cruzam com Michele quando chegam ao corredor dos veteranos. Ela tem a cara de paude parecer envergonhada ao vê-los.

— Clay. — Diz ela, sua voz quase inaudível. — Eu…— Nem comece. — Clay diz, interrompendo-a. Ele passa por ela, e Hannah e seus amigos o

seguem, deixando Michele parada inerte nos armários, a cabeça baixa contra os olhares derepulsa que os outros veteranos lhe lançam.

O sinal toca para o segundo período, e Hannah e Baker entram na sala de inglês,encontrando seus colegas de classe recostados nas costas de suas cadeiras e reclamando uns comos outros. Hannah se junta às reclamações e fofocas enquanto Baker se senta com o queixo emsua mão, a testa franzida enquanto absorve a indignação de seus amigos.

A Sra. Carpenter fecha a porta para sinalizar o início da aula, e o murmúrio na sala diminui.A Sra. Carpenter se inclina contra a porta com um sorriso engraçado no rosto.

— Acho que não gostamos da assembleia, hein? — Ela diz.Os colegas de Hannah começam a reclamar ruidosamente. As sobrancelhas da Sra.

Carpenter arquearam comicamente enquanto ela ouve todos eles.

— Tudo bem. — Ela diz. — Então, vocês não gostaram do tom do Padre Simon. Para serhonesta, nem eu. Mas e quanto ao conteúdo do que ele disse? Não acham que ele estava certo?

— Qual é, Srta. C, festas no ensino médio existem. — Diz Michael Ramby. — Ele não podeficar com raiva de nós por fazermos algo que adolescentes sempre fizeram.

— Qual é o problema, afinal? — Jessica pergunta. — O que há de tão ruim em festas? Osadultos sempre agem como se fossem a pior coisa do mundo.

— Os adultos têm medo de festas adolescentes. — Diz Srta. Carpenter.— Por quê? Tipo, o que eles acham que vai acontecer, vamos todos ao banheiro cheirar

carreiras de cocaína?— Alguns de seus pais provavelmente se preocupam com isso, com certeza.— Srta. Carpenter, você sabe que não estamos fazendo esse tipo de merda. — Diz Harrison.A Sra. Carpenter se remexe em seu banquinho alto de madeira na frente da sala de aula. Sua

saia longa cai sobre as pernas.— Os adultos têm medo de festas… — Diz ela, inclinando-se para a frente para olhar para

todos. — Porque se lembram, muito claramente, de como elas são. A loucura que permeia. Quãopoderoso elas fazem você se sentir, quão especial, mas também quão livre podem fazer você sesentir. As coisas que podem acontecer quando você se deixa ir longe demais.

Hannah respira em silêncio.— O que você quer dizer? — Jackson pergunta.— Alguém me diga como se sente quando está em uma festa. — A Srta. Carpenter diz.— Muito bem. — Michael sorri. — Me sinto muito bem.A Srta. Carpenter gesticula para indicar que ela esperava essa resposta.— A meu ver, as festas podem ser muito libertadoras, e esse é o seu apelo. O álcool pode ser

libertador, a música pode ser libertadora, a ausência dos pais pode ser libertadora. As regrasnormais não se aplicam, certo? É só você e seus amigos agindo por impulso. E às vezes, quandouma festa faz você se sentir especialmente livre, vai começar a agir a partir de sua natureza maisprofunda. A parte em você que ainda é uma criança invencível, que faz tudo o que quer, que vê omundo como se fosse todo seu. É um retorno à sua natureza mais básica, antes de quandoconhecia as regras. Então você se pega agindo com a inocência mais antiga ou com o mal maisantigo. E às vezes é difícil distingui-los. E é isso que assusta os adultos.

A classe fica em um silêncio extasiado. Todos ao redor de Hannah estão com o rosto voltadopara a Srta. Carpenter com uma expressão faminta e infantil, e Hannah se lembra do tempo dahistória na escola primária, quando sua professora os levava para o tapete azul retangular nofundo da sala para que pudesse ler para eles sobre animais falantes, crianças mágicas e monstrosvindos de pesadelos.

Então você se pega agindo com a inocência mais antiga ou com o mal mais antigo. O

intestino de Hannah se contorce sob sua pele e sua frequência cardíaca aumenta como seestivesse se preparando para correr para fora da sala de aula e pelos corredores. À sua esquerda,o rosto de Baker está doentiamente pálido, da forma que ela ficou antes de desmaiar em suapartida de vôlei na nona série.

— Não acredito nisso. — Hannah diz no silêncio. Seus colegas se viram para olhá-la comose tivessem sido sacudidos por um devaneio, e os olhos da Srta. Carpenter saltam para ela comsurpresa.

— Não acho que o Padre Simon tenha pensado em nada disso. — Continua Hannah. —Duvido que ele já tenha ido a uma festa. E se já, então provavelmente só está gritando conoscopor amargura, porque não conseguiu pegar ninguém nem se pagasse.

A sala de aula começa a rir chocada. Alguns dos meninos batem em suas carteiras com ospunhos, e as bocas das meninas se arregalam de felicidade e descrença.

— Nada de mulheres para o Padre Simon? — Jackson diz, sua expressão alegre.— Está mais para nada de caras. — Hannah diz. — Vocês sabem como metade desses

padres são.A risada na sala chega a um tom agudo, e os meninos batem com mais força em suas mesas,

e as meninas cobrem a boca por apenas uma fração de segundo antes de se inclinarem umas paraas outras para sussurrar Ai, meu Deus.

A Srta. Carpenter está sentada absolutamente imóvel em seu banquinho de madeira. Seusolhos queimam os de Hannah até que ela desvia o olhar e se junta à risada que criou.

A risada morre quando a Srta. Carpenter se levanta de seu banquinho. Suas sobrancelhasafiadas se juntam de raiva.

— Essa discussão acabou. — Ela diz, com a voz tensa. — Hannah, quero conversar comvocê depois da aula.--- Ela franze os lábios e pigarreia. — Por enquanto, vamos passar o resto dahora em Their Eyes. Peguem seus livros e alguém me diga: O que Hurston está tentando fazercom as cenas de Janie embaixo da pereira?

Há uma enxurrada de movimento enquanto todos tiram seus livros de suas estantes. EllieThomas levanta a mão para responder à pergunta, e Marty Carothers fala depois, e em minutos, asala de aula volta ao seu estado normal e relaxado. Mas Hannah está sentada com os ombroscurvados e a garganta cheia de bile e, à sua esquerda, Baker espalha os dedos sobre o livro comose conseguisse extrair força das páginas.

A Srta. Carpenter encontra os olhos de Hannah quando o sinal toca para o almoço.— Minha mesa. — Ela diz, apontando para o fundo da sala.Baker lança um olhar rápido para Hannah antes de sair com o resto da classe, mas Hannah

não consegue discernir o que seu olhar significa.

— Sinto muito. — Diz Hannah antes que a Srta. Carpenter possa se sentar.— Não estou interessada em ouvir um pedido de desculpas. — Diz a Srta. Carpenter. Ela se

acomoda na cadeira e queima Hannah com os olhos. — Prefiro ouvir o que a levou a dizeraquelas coisas.

Elas se sentam em silêncio enquanto Hannah tenta se articular em sua cabeça.— Eu só… não gosto do Padre Simon.— Gostar e respeitar são duas coisas diferentes.— Bem, eu também não o respeito. Ele, sua religião ou sua fé. Qualquer coisa. É tudo

apenas uma enorme invenção que tem sido usada para oprimir as pessoas há muito tempo.— Cinismo não fica bem em você, Hannah.— Não estou sendo cínica, estou sendo sincera.A Srta. Carpenter lança um olhar astuto para ela.— O que quer que você esteja sendo, não é verdadeira.Hannah inala de seu estômago.— Não sei o que está incomodando você. — Diz Srta. Carpenter. — E não preciso que você

me diga. Mas preciso que você entenda que palavras significam algo, e as palavras que disseforam muito prejudiciais.

O coração de Hannah martela em seu peito.— Não estava sendo prejudicial, estava apenas especulando. Além disso, e se eu estiver

certa sobre ele? Como isso é prejudicial? Porque ele não deveria ser daquele jeito?Os olhos da Srta. Carpenter pousam firmemente nos de Hannah. Suas sobrancelhas escuras e

pontiagudas se enrugam novamente.— Foi prejudicial porque você insinuou que era uma coisa ruim.— Não, não insinuei.— Você não queria as risadas? Não estava tentando ferir? Suas palavras foram feitas para

machucar. Não apenas o Padre Simon, mas qualquer um que estivesse ouvindo. E se um dosmeninos sentados ao seu redor desejasse estar com um “cara” e você deixou claro para ele queessa opção é repulsiva?

— Mas-mas não é isso que eu…— Apenas responda a essa pergunta: Qual foi o propósito por trás do que você disse? Foi

para ferir? Foi para machucar? Suas palavras vieram do ódio?Para o horror de Hannah, seus olhos começam a arder de lágrimas. Seu rosto e pescoço

esquentam de vergonha.— Eu não queria… — Ela murmura. — Eu não estava tentando…— Eu sei. — Diz Carpenter. — E sei que você não estava agindo como você mesma. Te

conheço há quatro anos e nunca te ouvi dizer nada assim. Mas Hannah, temos que assumir a

responsabilidade por nossas palavras. Palavras são poderosas. Podem ser devastadoras. Se suaspalavras carregam ódio, se envergonham os outros, se os fazem duvidar de que são amados,Hannah, você não quer possuir palavras como essas.

A Srta. Carpenter faz uma pausa para observá-la por um momento. Ela oferece a Hannah acaixa de lenços de papel no canto de sua mesa. Hannah não aceita um. Ela desvia o olhar da Srta.Carpenter e engole as coisas ruins em sua garganta.

— Posso ir?A Srta. Carpenter acena com a cabeça rápida e repetidamente, como se estivesse lembrando

de si mesma.— Vá em frente. — Ela diz. — Te vejo mais tarde.Hannah corre para fora da sala e para o corredor vazio. Ela entra no banheiro e verifica o

chão sob as cabines para se certificar de que não há nenhum par de sapatos no cômodo. Emseguida, ela se fecha na cabine para deficientes físicos, encosta a cabeça no ladrilho frio erespira.

— Ouvi dizer que você teve problemas na aula da Srta. Carpenter hoje. — Diz Joanie depoisda escola. Ela está em frente a Hannah na cozinha amarela de sua mãe, jogando pretzels para suaboca. — O que você fez?

— Nada.— Ouvi dizer que você disse alguma merda sobre o Padre Simon.— Todo mundo tem falado merda sobre o Padre Simon.— Então, a Srta. Carpenter te colocou na detenção?— Não.Joanie bate forte em um pretzel.— O que ela fez?Hannah dá as costas para Joanie para esquentar uma tigela de sobras de arroz no micro-

ondas.— Ela só conversou comigo.— Conversou com você? O que, tipo, te deu um sermão?— Sim, mais ou menos.— A Srta. Carpenter é tão legal. — Diz Joanie. — Mal posso esperar para ter aula com ela

no próximo ano.— Ela é ok.— Ela é demais. Você fala isso há anos.Hannah encolhe os ombros.— Caramba, o que ela fez, gritou na sua cara? — Joanie diz. — Achei que você a amava.

Hannah desliga o micro-ondas para impedir que apite.— Ela simplesmente vomitou um monte de besteira.— Besteira. — Joanie repete. — Que tipo de besteira?— Jesus, pare de ser tão intrometida. Ela apenas me irritou, okay?Joanie morde um grande pretzel ao meio e encara Hannah.— Você provavelmente só está chateada porque ela estava certa sobre tudo o que disse.— Cala a boca, Joanie.Hannah leva o arroz para o quarto e fecha a porta com o pé. Ela se senta na ponta da cama e

olha para a estante do outro lado do quarto. A Separate Peace. O Sol É para Todos. OApanhador no Campo de Centeio. Todos os livros que ela leu quando caloura na aula de Honrasde Inglês 1 da Srta. Carpenter — na época em que a Srta. Carpenter ainda ensinava calouros,antes de mudar totalmente para veteranos — estão lado a lado na prateleira de cima. Sãopequenos e modestos, suas lombadas enrugadas de uma forma que faz Hannah sentir saudades dagarota de 14 anos que ainda não os havia aberto. Os outros livros que a sra. Carpenter deu aHannah para ler fora da classe — As Vantagens de ser Invisível, A Menina que Roubava Livros,A Casa na Rua Mango — livros que Hannah então passou para Baker — estão ao lado deles.Hannah coloca sua tigela de arroz na cama e vai até a estante, passando os dedos pelo topo doslivros, tocando a poeira que caia sobre eles para provar a Hannah há quanto tempo ela os leu, háquanto tempo ela não era mais aquela caloura de olhos brilhantes. Ela passa o dedo pela lombadade Uma Ilha de Paz e se lembra, com as cores suaves da memória, o primeiro momento em queBaker existiu em seu mundo.

Hannah ainda consegue ver a configuração da sala de aula — as carteiras com tampa deplástico separadas em duas formações retangulares, cada uma voltada para o centro da sala.Ainda consegue ver a Srta. Carpenter, a primeira professora que mostrou a eles que o ensinomédio não seria assustador, sentada em seu banquinho de madeira no meio do chão de ladrilhos.E ela ainda consegue ver a parte de trás da cabeça da garota sentada na mesa à sua frente — agarota que usava uma faixa amarela sobre seus longos cabelos escuros — que, no terceiro dia deaula, quando deveriam estar fazendo anotações sobre a discussão da Srta. Carpenter sobre UmaIlha de Paz, virou-se e olhou para Hannah com olhos grandes e ansiosos.

— Pode me dar um pedaço de papel emprestado? — Ela perguntou, sua voz nervosa, masséria. — Dei meu último pedaço de folha para alguém no primeiro período. Pode ser, tipo, umpedaço rasgado do seu papel. — Ela apontou para a folha de Hannah. — Se você quiser.

— Claro. — Disse Hannah, deslizando o papel para ela. — Mas tem certeza de que não querum pedaço ilhado?

Baker vacilou por um breve segundo, sem entender a piada, mas então sorriu como setivesse acabado de presenciar a melhor surpresa do mundo. Hannah deu a ela uma folha de papel

nova e, depois da aula, caminharam para o refeitório juntas e esperaram uma pela outra na fila doalmoço, e no final do dia Hannah não conseguia lembrar como era a vida antes dela.

Hannah fecha os olhos contra a memória e se inclina para a estante, respirando o cheiro demofo dos livros. Sua mente vagueia para uma memória diferente de Baker — aquela do banheirona festa na noite de terça-feira — e seu coração e corpo ganham vida antes que consiga desligar amemória.

— Não. — Ela sussurra com os dentes cerrados. Ela leva as mãos para seu cabelo e puxacom força. — Pare com isso.

Ela deixa o arroz na cama e tira a saia, a blusa e as meias compridas. Abre o chuveiro com atorneira totalmente virada para a esquerda — água quente — e espera a umidade se infiltrar nobanheiro, escondendo o espelho e tirando o suor de seu corpo. Então ela pisa na água quaseescaldante e suga o ar sobre os dentes em resposta à dor.

Há uma dor em seu peito. Ela se estende do lado esquerdo de seu torso até a direita. Dói,mas ela não sabe por quê. Parece que as lágrimas dentro dela estão tentando fugir, mas nãoconseguem.

Ela pressiona a testa contra a parede de ladrilhos. A água ardente atinge seu corpo e ela sabeque sua pele ficará rosada e em carne viva quando se olhar no espelho. Ela estuda as gotas deágua que grudam na parede do chuveiro e deseja poder chorar milhares de lágrimas para grudá-las com aquelas.

Ela ensaboa as mãos e esfrega o coração, o estômago, a parte interna das coxas, erradicandoo mal mais antigo de seu corpo.

As coisas voltam ao normal com Baker. Elas conversam em seus armários e riem de piadasinternas na hora do almoço. Trabalham juntas na aula da Srta. Carpenter e ficam perto dos carrosdelas no estacionamento. Passam o último dia de fevereiro fazendo seus trabalhos na Cafeteriado Garden District, e quando Hannah olha para cima e vê Baker murmurando palavras para seulaptop, com uma grande caneca de café preto em sua mão, ela tem dificuldade em lembrar agarota do banheiro: tudo que ela vê é sua melhor amiga.

A única coisa nova — a coisa que não é normal — é a nova regra tácita: elas nunca podemconversar sobre aquilo.

Capítulo Cinco: Garota e Garoto

Durante a primeira semana de março, quando Hannah passa pelo escritório do conselhoestudantil depois da escola, ela encontra Baker segurando uma única rosa vermelha em sua mão. — O que é isso? — Hannah pergunta, a cena não fazendo sentido para ela. — Clay me convidou para ir ao baile — Baker diz, encostando-se no quadro branco atrásdela e enrolando seus dedos na haste da flor. — Baile? — Sim — Baker sorriu. — E ele te deu uma flor? — Uma rosa. Veja, sente o cheiro.

Hannah pega a flor e segura perto de seu rosto, porém não consegue sentir nenhum cheiro. — Legal — ela diz, a palavra vindo de algum lugar vazio dentro do seu estômago. A porta se abre e Michele entra com pressa no escritório, indo diretamente à mesa do vice-presidente sem nem mesmo olhar para elas. Hannah devolve a rosa para Baker. — Te vejo mais tarde. — Vou te ligar para conversarmos sobre o dever de casa de literatura avançada — Baker diz ,olhando apenas brevemente para Hannah antes de voltar a olhar para a rosa.

Hannah está com a mão na porta quando a voz de Michele a para. — O que é isso?

Michele está olhando para a rosa. Seu queixo está caído.Baker olha para ela sem piscar.

— É uma rosa... — ela diz lentamente, como se estivesse falando com uma criança. — Quem te deu ela? — Clay me deu. Por quê?

Michele pressiona sua língua contra seus dentes da frente. Depois de alguns segundos, diz: — Ele te chamou para o baile? — Sim, — Baker diz — e eu não vejo por que você se importa. Ele terminou com você háquase seis meses, e logo depois você o delatou para o padre Simon. Lembra? O rosto de Michele fica rosa. Ela respira fundo e seus olhos se enchem de lágrimas. — Ele me chamou para ir com ele — Baker continuou, seus olhos ainda não haviam piscado— e eu quero ir. Então eu vou. Michele pega sua mochila e sai rapidamente da sala, empurrando Hannah com seus ombros

na sua pressa para ir embora.Baker pisca muito rápido, seus cílios tremulando como as asas de um pássaro. Ela comprime

os lábios e joga a rosa na sua mesa. — Aquilo não pareceu com você — Hannah diz silenciosamente.

Baker se deixa cair em sua cadeira e curva os ombros sobre a mesa. — Há muitas coisas que não parecem comigo ultimamente — ela diz.

Na manhã de terça-feira, quando Hannah para na sua vaga do estacionamento, vê Clay eBaker parados na frente do seu carro. Baker segura uma caixa branca retangular e fina em seusbraços. — O que ele tá fazendo aqui? — Joanie franze o rosto. — Ele nunca chega antes de nós. — Bom dia! — Clay diz quando elas saem do carro. — Oi, — Hannah diz — chegou cedo hoje. Clay dá de ombros e olha para Baker. — Deu vontade. — Clay trouxe donuts para gente! — Baker diz, abrindo a caixa branca. A caixa tinha meiadúzia de donuts, cobertos de glacê e chocolate. — Os favoritos dela — Clay diz. — Uau! — Hannah diz enquanto olhava para os donuts — Isso foi legal da sua parte. O queestamos comemorando? — Nada, só deu vontade. — Uau — Hannah diz novamente. — Você quer um, Han? — Baker diz enquanto oferece os donuts — Joanie? — Não, obrigada — Hannah diz enquanto Joanie balança a cabeça. Eles ficam próximos ao carro enquanto esperam a chegada de Wally e Luke. Quando oprimeiro sinal toca e todos começam a entrar, Joanie corre até Hannah e bate em seu cotovelo. — O que foi isso? — Joanie riu baixo — Os donuts deveriam ser românticos ou algo assim?

— Ha — Hannah ri, um buraco se formando em seu estômago. — É. Não sei.Apesar de Baker oferecer um donut para ela mais três vezes naquele dia, Hannah não

consegue se fazer comer um.

Os seis passam a noite de sexta na casa de Clay, finalizando os planos para a viagem atéDestin durante as férias de primavera. Eles bebem Coca e comem Doritos enquanto Joaniemudava os canais da TV à procura de um bom filme. — Eu ainda estou tentando convencê-los a não ir — Clay diz. — Eles vão — Wally diz.

— Sim, isso não vai dar certo, — Luke diz — Além disso, se seus pais não forem, duvidomuito que qualquer um de nós possa ir. — Nossos pais definitivamente não vão deixar — Joanie diz. — Minha mãe já está nervosa o suficiente com isso, — Baker diz — eu acho que o únicomotivo de ela se sentir mais calma é porque pensa que a sua mãe é tipo a pessoa mais religiosade todo o grupo de estudo da Bíblia delas. — Não está muito longe disso — Clay diz enquanto sorri. — Eu não entendo porque você não quer seus pais lá, — Hannah diz — nós gostamos deles. — Não é isso, é porque eu imagino que vamos nos divertir mais se eles não estiverem lá. — Clay, nós não precisamos beber para estar nos divertindo, — Hannah diz — acho quetodos estamos perfeitamente bem quanto a passar uma semana tranquila na praia. — Não disse que precisamos beber sempre, eu só quero ter a liberdade de beber uma cervejade vez em quando. — A casa dos seus pais é nossa melhor aposta para essa viagem. — Sim, eu entendo isso, só acho que eles podem nos deixar ir sem ter eles por perto. — Sua mãe não vai concordar com isso, — Wally diz — você sabe que não. Clay bufa em frustração. Ele olha para o sofá na direção de onde Baker está sentada. — O que você acha Bake? — ele pergunta. — Acho que vai ser legal ter eles lá, seus pais são legais e acho que todos agradecemos poreles estarem dispostos a nos receber.

Clay fica em silêncio por um tempo após. — Tudo bem, — ele diz enfim, — você está certa. Quando começam a ir embora, Clay abraça Baker por muito mais tempo do que o normal.Hannah espera sem jeito enquanto encara o símbolo de Flor-de-lis no papel de parede dosLandry. Quando Baker finalmente se solta do abraço e se junta a Hannah e Joanie dentro docarro, Joanie vira para o banco de trás e balança as sobrancelhas para Baker. — Aquele foi um belo abraço, — Joanie diz. — Ele te deu mais donuts também? — Shhh — Baker diz, e Hannah observa, pelo vidro retrovisor, quando Baker inclina acabeça em direção a janela e franze a testa.

Na segunda, Wally pergunta a Hannah se ela quer tomar um café para que eles pudessemtrabalhar em suas redações para a matéria governamental avançada. Eles se sentam nas mesaspretas e finas que ficam do lado de fora da Cafeteria Garden District e discutem sobre a estruturada redação de Wally, até que Wally se inclina para frente em sua cadeira e observa Hannahreorganizar seus parágrafos. — Isso funciona melhor — Hannah diz.

Wally inclina sua cabeça para olhar o papel. A luz do sol reflete nas lentes dos seus óculos.Por trás das lentes, Hannah consegue ver seus olhos, calmos porém sérios enquanto leem o queHannah tinha escrito. — Acho que você está certa — ele diz. — Eu sei que estou — Hannah responde. — Hannah, — Wally diz, e de repente ele parece sem fôlego — você quer ir ao bailecomigo? O estômago de Hannah dá um pulo. Wally olha em expectativa para ela, a pergunta ainda emseus olhos. — Sim — ela diz, e então tem a sensação reconfortante de que está em uma história, que estáinterpretando corretamente seu papel, de que deu seu toque pessoal ao papel da Garota. Ela olhapara Wally, em como ele fazia o papel do garoto, à sua maneira, com seus olhos verdes cor desamambaia, sua mandíbula quadrada e seu perfume, e ela se sentia bem — Claro, — ela diz denovo enquanto sorri — eu adoraria ir com você. Wally sorri. Ele continua a olhar para ela com aquele olhar sincero, como se quisesse dizerque ela fez o sol nascer naquela manhã, até que Hannah finaliza o contato visual. — Aqui, — ela diz — deixa só eu ver sua conclusão mais uma vez. Eles ficam lá por mais uma hora, comparando as redações e discutindo ideias, Hannahcorrigindo os erros gramaticais de Wally enquanto ele apontava falhas nos argumentos deHannah. Quando Hannah começa a arrumar suas coisas, seu telefone vibra com o alerta demensagem de texto. Ei, Baker escreve, quer tomar sorvete? Não posso, Hannah responde, ainda na cafeteria do DG com Wally. Ele me chamou para irao baile. Ela voltou a juntar suas coisas e anotações, Wally está no outro canto da mesa esperando porela. Isso é ótimo, Baker escreve. Sim, Hannah escreve enquanto ela e Wally andavam de volta para o local onde estacionaramseus carros. Agora todos podemos ir no mesmo grupo. — Tchau Han, — Wally diz enquanto ia em direção ao seu carro — obrigado pela sua ajuda. — Sem problemas. Ele muda seu peso de uma perna para a outra enquanto mexe na alça da mochila, antes decaminhar até ela e lhe dar um abraço apertado. — Tchau — ele diz. — Tchau — Hannah responde. Ela lê a resposta de Baker após ligar seu carro. Sim, Baker escreve, é perfeito.

Durante a próxima semana na escola todo o corpo discente está entusiasmado para a paradaanual do Dia de São Patrício de Baton Rouge. Hannah e Joanie fizeram planos para ir após aparada, assim eles seriam as únicas pessoas no Garden District, perto do local da parada. — Talvez possamos beber alguma coisa depois, — Joanie diz, seus olhos brilhavam — amãe e o pai ainda tem aquela festa para ir. — Talvez — Hannah diz — se nosso pai acabar indo. No sábado, dia 17, uma grande parte do Garden District e um longo trecho da Rua Perkinsestavam fechados para a parada. Hannah, Joanie e seus amigos caminham em direção aocruzamento entre a Terrace e Perkins, onde centenas de pessoas caminham vestidas com roupasverde limão, verde caçador e verde Kelly, esperando o desfile de carros alegóricos. Hannah está entre Wally e Baker na frente da multidão, acenando para os carros alegóricosenquanto os motoristas jogavam blocos de contas verdes e outras bijuterias aleatórias. Luke pegaum pinguim roxo de pelúcia, Joanie pega um chapéu irlandês e Wally pega mais contas do quetodos eles juntos. Clay consegue pegar dois copos de gelatina que foram jogados para ele, emcopos de papel branco, a gelatina verde trêmula. Eles se reúnem após a parada para comparar seus tesouros. Joanie tira fotos de todos,sobrecarregados de contas e suando com o calor do início da primavera, tudo ao redor deles eraverde e vivo. Eles começam a andar de volta à casa de Hannah e Joanie na Rua Olive, tentando pisar naspartes em que era possível ver o asfalto, porém ocasionalmente escorregavam nas contasjogadas. Acima deles, sobre os postes e galhos de árvores estão as contas que nunca haviamchegado nas mãos dos foliões. Elas cintilam à luz do sol, cada uma delas pareciam patéticas edesesperadas por si só, mas a cena toda era mágica quando absorvida por inteira. — Meu pescoço dói, — Joanie diz quando eles chegaram em casa — eu preciso de umabebida. — Seus pais estão em casa? — Clay pergunta. — Não, por quê? — Hannah responde. Clay está com aquele olhar de quando ele sabe que está prestes a conseguir o que quer. — Eu tenho algumas coisas no carro. — Que tipo de coisas? — Álcool, Han, o que você acha? — Eu não sei se devíamos… — Vamos lá, Hannah, — Joanie diz com uma voz imponente — você sabe que eles estão nosMason. Não estarão em casa por algumas horas. Nós podemos beber na varanda e depois limpartudo antes que eles voltem.

— Parece interessante para mim — Luke diz. — Esperem, eu vou no carro pegar — Clay diz, indo em direção ao seu carro. Ele volta com uma Vodka Absolut e duas garrafas pequenas de Sprite. Joanie começa acolocar gelo nos copos e Luke pega salgadinhos na despensa. — Você tá bem? — Baker sussurrou para Hannah. — Nós ainda podemos desistir — Wally diz. — Está tudo bem, — Hannah diz sem olhar para nenhum deles — nós só precisamos sercuidadosos.

Eles se sentam ao redor da mesa na varanda de trás e bebem as Sprites de Vodka, todos elesainda vestidos de verde, Luke com o chapéu Irlandês de Joanie. Joanie tira um baralho de cartaspara eles jogarem Kings, enquanto Clay os lembrava das regras e Luke tentava mudá-las. — Por que precisa ser “3 sou eu”? Nós poderíamos fazer tipo, “3 é farra dos pelados”, etodos tem que correr por aí pelados. — Quanta vodka você bebeu? — Joanie diz, mexendo no cabelo — De jeito nenhum nósvamos fazer isso. — Cara, só cala a boca por um segundo — Clay diz — Okay, mais uma vez: 2 é você, 3 soueu, 4 é o chão, 5 são garotos, 6 são garotas… — Nós já sabemos, — Hannah diz — podemos simplesmente começar? Eu não tenho ideiade quando meus pais estarão de volta em casa. — Hannah, eles estão em uma festa, — Joanie responde com desgosto — e elesprovavelmente vão ficar muito tempo lá porque diferente de você, eles sabem como se divertir. — Cala a boca, Joanie. — Okay, vamos lá, comecem — Wally diz. Eles jogaram várias rodadas de Kings, com a Vodka fazendo efeito mais rápido do queHannah antecipou. Ela começou a sentir o álcool e sabia que seus amigos também sentiam,Wally ria mais do que o normal, a voz de Clay ficava mais e mais arrastada, os olhos de Bakerficavam cada vez menores. — Ei cara, Clay, sua vez — Wally diz batendo em sua cabeça — pegue uma boa. — Okay… 8 — Clay diz enquanto lê a carta que ele pegou — 8, tenha um encontro. Tudobem, quem acha que pode me acompanhar na bebida? — Não me escolha, — Luke diz — Joanie me fez beber muito. — Desculpe, cara, mas você não é pretendente ao encontro de qualquer maneira. Okay, quetal… Baker? Baker olha para ele do outro lado da mesa. — Você quer que eu beba o mesmo que você? — ela pergunta, sua voz saindo junto de um

sorriso — Não sei se consigo. — Eu acho que consegue — Clay sorri. Eles seguram seus copos um em direção ao outro e brindam em cima da mesa. Hannahbalança o gelo em seu copo e toma mais um gole da vodka. Mais tarde, com o sol batendo neles e com dois terços da vodka já tendo sido tomados,Hannah sabia que todos estavam bêbados. Luke e Joanie estavam deitados nas suas cadeiras eClay esfregava seus olhos a cada minuto. — Eu acho que todo mundo precisa de um cochilo — Baker diz, seus olhos estavampequenos e vidrados. — Você quer mandar todo mundo pra uma cama e eu limpo tudo isso? — Hannah diz — Sótente manter eles, tipo, escondidos. — Entendido, — Baker diz, levantando da sua cadeira — em um minuto estou de volta pra teajudar. — Eu posso fazer isso — Wally diz, sentando-se mais reto — Pode ir Bake, eu ajudo aHannah. Baker hesita, olhando entre Wally e Hannah alternadamente, mas depois ela vira e manda osoutros três entrarem na casa. Hannah olha para Wally, que está olhando para ela. — Você tá bem? — ele diz. — Eu estou, e você? — Sim, obrigado por deixar a gente se reunir por um tempo. Eles terminam de limpar a mesa sem conversar. Hannah lava os copos enquanto observaWally pela janela da cozinha: ele limpa a mesa da varanda com uma atenção considerável, osmúsculos dos seus braços se tensionando enquanto ele esfrega uma bebida derramada. — Obrigada — Hannah diz quando ele entra — Poderia se livrar daquela garrafa de vodka?Vou checar todo mundo e ter certeza que estão todos bem. Ela encontrou Joanie dormindo em sua cama, e Luke deitado no chão, um cobertor sobre ele.Ela imaginou Baker colocando o cobertor sobre ele, tocando seu ombro um pouco antes de seafastar, da mesma maneira que Hannah sentiu ela fazer muitas vezes antes. A porta do quarto de hóspedes está entreaberta. Hannah caminha com cuidado, esperandonão acordar Clay que provavelmente está dormindo lá, ou Baker, que provavelmente estádormindo no quarto de Hannah na próxima porta. Ela está prestes a abrir a porta quando escutaalgo vindo do quarto. Clay e Baker estão lá, mas não estão dormindo. Estão se beijando. Clay está de pé, contra a cama, a parte de trás de suas pernas roçando nela, e Baker está comseu corpo pressionado contra o dele, as mãos esfregando seus ombros enquanto se beijam.Hannah sai de perto da porta antes que pudessem notar, seu coração batendo forte no peito, mas

mesmo depois que ela se apressa pelo corredor e desce as escadas silenciosamente, a imagemdeles se beijando ainda queima em sua mente: tudo que ela consegue ver é a boca de Clay na deBaker, e a boca de Baker na de Clay, e a maneira como seus corpos se pressionavam um contra ooutro. — Ei — Wally diz, quando ela retorna para a cozinha. Depois, quando vê ela, diznovamente: — Ei, — ele diz, a voz mais suave e preocupada — O que foi? Você parecechateada. — Ah… nada. Eu achei que tinha visto uma mancha no carpete do corredor. Pensei quealguém tivesse derramado. — Mas tá tudo bem? — Sim, — Hannah diz, seu coração doendo — está tudo bem.

Baker nunca menciona o beijo para Hannah. Elas vão para a escola durante toda semanaseguinte sem ela nunca falar algo sobre, até mesmo quando Clay flerta abertamente com ela etenta segurar sua mão quando estavam todos no estacionamento. Hannah pensa na conversa queelas tiveram sobre garotos depois — de Baker ter beijado Joey Dietzen, e aquele garoto Lanceem Nova Orleans, e o primo de Luke que veio visitar; depois Hannah beijou Ryder Pzynski eJonathan Owens, e Wally no fim do último verão — e Hannah queria desesperadamente que elaspudessem conversar uma com a outra agora. Ela queria conversar sobre aquilo, queria ouvir daprópria Baker, apesar de ao mesmo tempo ela querer remover aquilo da sua mente, quererremover aquilo de sua memória para sempre. — Quer ir ao Sonic? — Baker diz após a escola, na sexta-feira, e Hannah assume que Bakerqueira contar pra ela agora. — Só se você me deixar pagar desta vez — Hannah diz, e de repente elas estão no carro e acaminho. Elas estacionaram no Sonic e abrem as janelas para sentir o cheiro de gordura e comida frita.Baker pede um Butterfinger Blast e Hannah pede um shake de chocolate, e elas trocam desobremesas alternadamente enquanto o tráfego passa — Eu estou surpresa que você pediu Buttferfinger — Hannah diz — Achei que você gostavamais de Oreo. — Sim, mas você gosta mais de Butterfinger. Elas conversam sobre a escola e sobre o teste que fizeram na aula da Srta. Carpenter no diaanterior e sobre o que vão fazer durante as férias de primavera. Hannah espera Baker contar paraela sobre Clay, mas Baker nunca faz isso. — Quer sair mais tarde? — Baker pergunta quando está deixando Hannah. — Não posso, — Hannah mente — prometi à minha mãe que iríamos fazer uma noite de mãe

e filha. A expressão de Baker cai só um pouco. Ela lambe os lábios antes de falar. — Isso é ótimo, — Baker responde — sua mãe vai amar. — Pois é. — Okay, então, me manda mensagem amanhã.

— Eu vou.— Tchau, Han — Baker diz, logo depois coloca seus óculos de sol e sai da entrada.

Quer sair mais tarde? Hannah escreve. Wally responde segundos depois. Claro, eu adoraria. O que você quer fazer?

Eles acabaram na varanda de trás da casa de Wally, seus irmãos pequenos dormindo noquarto, sua mãe ainda está fora com seus amigos da terapia de falatória. Era uma noite fria eHannah sentia arrepios com a brisa gelada. — Aqui — Wally diz, chegando mais perto dela. Ele envolve seu braço nos ombros deHannah e ela se sente mais quente. — Obrigada — ela diz. Eles ficam em silêncio por um minuto. Hannah conseguia sentir o cheiro do desodorante deWally, forte e masculino, a levando de volta para o último verão, quando eles se beijaram nasdocas. — Fiquei feliz que você quis passar um tempo comigo, — Wally diz — amo sair com você ecom nossos amigos, mas é ótimo sair só com você. — Sim, — Hannah diz — Eu também. Ele envolve seu braço com mais força ao redor dos ombros de Hannah, e ela olha em suadireção e então eles começam a se beijar. E é exatamente como ela se lembrava: uma série demovimentos, uma boca empurrando outra boca, uma língua deslizando por outra língua e aquelavoz desesperada, em algum lugar no fundo do seu coração, gritando em pânico. Porque você não está gostando disso? Porque você não está gostando disso? Eles se beijam por alguns minutos, e Hannah se segura naquela esperança de que ela iriasentir algo, que esse algo iria desencadear na parte inferior do seu corpo e que ela iria responderigual qualquer outra garota. Ela se lembra de como Baker ficou pressionada contra o corpo deClay, então Hannah coloca suas mãos nos ombros de Wally e se inclina no seu beijo, dizendo a simesma Ela gostou de fazer isso, e eu também gosto. Eles não param até ouvirem o barulho do carro da mãe de Wally na entrada. Eles sesepararam e Wally diz: — Uau, — e Hannah limpa sua boca com a parte de trás de sua mão.

— Onde você estava? — Joanie pergunta quando Hannah chegou em casa. — Lugar nenhum. Joanie inclina sua cabeça e estreita os olhos. — Você estava com Wally? Hannah se ocupa abrindo a geladeira. Ela olha atentamente cada um dos itens dentro — sucode laranja, pudim de chocolate, sobras de jambalaya — antes de responder com uma vozdeliberadamente distraída. — Sim, nós só estávamos cuidando dos seus irmãos. Joanie não diz nada. Hannah pega o suco de laranja para fazer algo. Ela serve o suco em umcopo, ainda fingindo que não tinha nada em sua mente. Joanie ainda fica em silêncio. Hannah sevira e olha diretamente para ela. As sobrancelhas de Joanie estão arqueadas e seus lábiospuxados em sua boca. — O quê? — Hannah pergunta. — Você sabe o quê, bobinha. Wally. E você. Algo aconteceu? Existe alguma conexãoamorosa?

Hannah podia sentir seu rosto ficando mais quente. — Cala a boca, Joanie — ela diz, soando mais cruel do que o pretendido. Ela coloca o suco de volta na geladeira e sai da cozinha.No momento em que alcança aescada, sente sua garganta densa com lágrimas inesperadas.

Os últimos dias de março são cheios de antecipação. Na escola todo o corpo discente pareceofegante enquanto espera pelo feriado de Páscoa. Os veteranos estão especialmente com osnervos à flor da pele, esperando as cartas de decisão de faculdades por todo o país. Na última terça-feira de março, Hannah pega dois envelopes da caixa de correio da suafamília. O primeiro, de Duke, continha uma carta dizendo que ela não havia sido aceita. O segundo envelope continha uma carta de Emory. Hannah lê cuidadosamente, seu rostotenso em concentração. — O que tá escrito? — Joanie pergunta. Hannah olha para cima da carta para ver Joanie inclinada em sua direção e sem fôlego sobreo balcão da cozinha. — Eu fui aceita — Hannah diz, as palavras vibrando em sua garganta enquanto ela ria,aliviada. Ela liga para sua mãe e seu pai, mesmo que os dois estejam trabalhando. — Ah, Hannah! — sua mãe diz, sua voz mais alta do que já ficou quando ela está noescritório. Há um som de algo batendo na madeira, e Hannah imagina sua mãe batendo a palma

da mão contra a mesa. Quando Hannah ligou para seu pai, ele reage com uma alegria silenciosa. — Isso é ótimo, querida — Ele diz, sua voz cheia de orgulho, do mesmo modo quando elachegava em casa com seus boletins da escola fundamental. Ela manda mensagem para seus amigos depois disso. BOA JOGADAAAA!!!!!!!!!, Luke responde. Muito bem Han!! Que incrível!, Clay escreve. Mas é bom que isso não signifique que você está nosabandonando! Baker responde separadamente do grupo. Você é incrível, ela escreve para que apenasHannah possa ver. Eu estou incrivelmente orgulhosa de você. Hannah rele a mensagem de Baker mais sete vezes naquela noite. Ela dorme com o telefoneem sua mão e com o rosto de Baker em sua cabeça. Na manhã seguinte ela acordou com um buraco em seu estômago.

Ela sabe que deveria se sentir animada quanto a sua aceitação na Emory e com a promessa deférias de primavera. Ela devia se sentir infinita e esperançosa, da mesma maneira que a terracresce ao seu redor. Como a luz do sol, que se estende mais a cada dia, pedindo por mais umminuto, por mais uma árvore para poder iluminar. Como as últimas manhãs de março, quechegam trazendo um calor suave, balançando o vento para frente e para trás sobre o asfalto noestacionamento, o deixando rastejar sobre a grama e sobre as raízes das árvores, alimentando-oenquanto ainda está nascente e macio, antes de trazer o calor total do verão. Mas enquanto toda a terra se prepara para a primavera, Hannah sente uma grande ansiedadeem seu coração, pois algo perigoso cresceu dentro dela, algo que ela nunca havia plantado ousequer quis plantar. Está lá. Ela sabe que está lá. Se ela fosse sincera consigo mesma, provavelmente sabia dissoo tempo todo. Mas agora, enquanto os dias ficam mais longos e o Garden District fica maisverde, ela pode ver de fato. Tinha surgido enfim, e se recusava a passar despercebido. Ela diz a si mesma que é passageiro. É temporário. Que está se intensificando somenteporque ela é uma veterana e todas suas emoções estão no máximo. É inocente. É típico de umagarota na sua idade. Não é nada mais, nada menos que os sentimentos que todo mundo teve aos17. Mas lá no fundo, lá no fundo do seu coração, ela sabe que não é. Mesmo assim, ela empurra ainda mais fundo, enterrando o máximo que ela consegue, osufoca no espaço entre seu estômago e seu coração. Ela diz a si mesma que ela é mais forte, quepode lutar contra isso, que ela tem controle. Que ninguém precisava saber. Eu posso ignorar isso, ela pensou. Eu posso me recusar a ver isso. Posso pisar nisso toda vez

que florescer dentro de mim. Então ela mente pra si mesma que tudo está normal. Que ela é normal. Ela se carrega até ofim da semana se recusando a reconhecer isso. Proibindo seu coração de se alinhar com a luz dosol crescente e o calor suave e nutritivo, e as plantas que estão florindo e as árvores altas eorgulhosas. — Você tá bem? — Baker pergunta quando Hannah se despediu dela na sexta-feira, após aescola. Hannah pisou, sufocou e enterrou, desejando que morresse. — Sim — ela diz —, estou bem.

Capítulo Seis: Férias de Primavera

No primeiro dia das férias de primavera, Hannah sai e vê que o céu lá fora estava com um azulsuave. Ela está parada na varanda da frente, segurando seus óculos de sol em uma mão e suamochila de viagem em outra, até que Joanie aparece atrás dela e diz:

— Sai da frente, não tá vendo que eu tenho uma mala de lona econômica aqui?Baker aparece na hora marcada, estacionando seu carro na entrada com música country

saindo das janelas abertas. Hannah bate os dedos no capô do carro e oferece um sorriso para ela.— Animada?— Muito animada — Baker diz, saindo do carro e mostrando suas longas pernas e cabelos

longos.Ela usa seus shorts brancos favoritos, comprados na Banana Republic e os velhos Raybans

que herdou do irmão, e Hannah tentava não olhar para ela por muito tempo.A mãe de Hannah sai na varanda atrás delas.— Pegaram tudo meninas?— Eu acho que Joanie pegou tudo e mais um pouco — Hannah diz enquanto observa Joanie

fechar o zíper de sua mala.— E eu acho que Hannah tem um ótimo senso de humor — Joanie ofega.— Vocês imprimiram as direções? — A mãe delas pergunta — Sabem para onde estão

indo?— Nós podemos usar nossos telefones, mãe.— Okay. Então, tomem cuidado. Me liguem quando chegarem. Sejam educadas e ajudem

Sra. Landry com tudo que for necessário. E sem beber.— Nós sabemos mãe — Hannah e Joanie respondem em uníssono.— Dirija com cuidado Baker.— Eu vou, Sra. Eaden.— E caso essas duas comecem a brigar, é só me ligar.— Pode deixar — Baker sorri.Todas abraçam a mãe de Hannah em despedida, e ela lhes dá aquela olhada e diz a elas para

se comportar, e então elas estão no carro e a caminho de encontrar os garotos, e Hannah sente apromessa das férias de primavera crescerem em sua barriga.

— Aventura — Hannah diz, se virando para sorrir para Baker.Baker mantém seus olhos fixos na estrada, porém sua boca se abre em um sorriso.

— Aventura.— Acho que estamos Destinadas à grandeza nessas férias. — Hannah diz.— E eu acho que você tá certa — Baker diz.— Eu odeio as duas — Joanie diz, e todas riem.Elas pegaram Luke na casa de sua mãe — ela o beija em despedida e depois acena para eles

da varanda ainda vestindo seu roupão — e depois eles dirigem até a casa dos Landry paraencontrar Clay, os pais de Clay e Wally. Eles estacionam na entrada atrás do Audi do pai deClay.

— Calma aí — Baker diz, segurando o braço de Hannah e a impedindo de sair do carro —Ele queria que a gente mandasse mensagem antes.

— Por que?— Ele quer esconder suas bebidas aqui antes dos pais dele saírem.— Gênio — Joanie diz.Clay demora uma eternidade para sair de casa. Hannah, Baker, Joanie e Luke sentam no

carro, as janelas abaixadas e as pernas em cima dos seus bancos, trocando suposições sobre o queestá fazendo ele demorar tanto.

— Ele está cagando — Joanie diz.— Para de se projetar nele, Joanie — Hannah diz.— Provável que ele tenha perdido a carteira de novo — Baker diz — Nós estamos sendo

mal educados apenas sentando aqui. Precisamos entrar e dizer um oi para os pais dele.— Vou mandar outra mensagem pra ele — Hannah diz.Clay sai da casa um minuto depois, uma pequena mala de lona jogada em seu ombro e um

sorriso de vencedor no rosto.— É só isso? — Joanie diz — Olha para o tamanho daquela mala. Não tem como ele ter

escondido todo o álcool ali. O que ele está trazendo, aquelas pequenas amostras fofinhas deFirefly?

Baker pendura o braço para fora da janela enquanto Clay caminha até o carro.— Está afim de ir até Destin? — ela pergunta.— Com certeza, — Clay diz, sua voz alta e estrondosa — Desculpe ter demorado tanto.

Minha mãe fez salsichas.— Onde está o estoque? — Joanie diz, inclinando-se no banco de trás para falar com ele.— Tenho que dar a volta no quintal para pegar. Aguenta aí.Ele desaparece pelos fundos da casa e retorna alguns minutos mais tarde com uma mochila

azul marinho na mão, Wally ao seu lado dessa vez. Clay balança as sobrancelhas e gesticula paraa bolsa. Wally anda com as mãos nos bolsos, semicerrando os olhos por trás dos óculos. Hannah,Baker, Joanie e Luke descem do carro para encontrar com eles na garagem.

— Está melhor? — Clay pergunta, abrindo a mochila para eles verem. Dentro, Hannah podever duas garrafas de uísque e um quinto de vodka.

— Muito melhor — diz Joanie.— Temos que ter cuidado, — Baker diz — seus pais vão estar por perto e tudo mais.— Vamos deixar escondido no seu quarto — Clay diz, apontando para Wally e Luke — Não

se preocupe.Eles escondem a mochila no carro de Baker, bem no meio do banco do Luke e Joanie (— É

o nosso bebê,— Joanie diz; — Nosso bebê lindo e alcoólico,— Luke diz), e depois eles entramna casa de Clay para ajudar os seus pais a trazer as coisas para o carro. A Sra. Landry os recebecalorosamente, dando um abraço em cada um, e diz:

— Veja que lindo dia, como poderia ficar melhor?Após de guardar tudo no carro dos Landry, seus telefones estão prontos com o endereço de

Destin e Clay entrou na casa duas vezes para usar o banheiro, a caravana de carros deles dá ré daentradda dos Landry e segue em direção a estrada interestadual. Hannah se acomodou no bancodo passageiro, colocando suas pernas embaixo do corpo, observando as cabeças de Wally e Claybalançando contra os bancos no carro dos Landry na frente deles.

Eles cruzam a Interestadual 12 Leste, conversando e rindo e discutindo sobre música. Joanieconvenceu Baker a abrir as janelas para que elas pudessem — apreciar a ventania e como eladeixa seus cabelos voarem ao vento, como as modelos— . E depois por um tempo, ficaramsentados em silêncio, abafados pela música o sol brilhante. Hannah pega o telefone de Baker queestava conectado ao som do carro e procura através das playlists até encontrar a que ela queria —aquela que havia encontrado por acidente alguns meses atrás, e que fez Baker ficar corada epegar o telefone de volta.

Músicas que a Han ama.Ela toca — Strawberry Swing— do Coldplay e se inclina contra o banco de couro, deixando

a música fluir sobre ela. Ninguém diz nada — todos se afundam na música com uma submissãovoluntária — Baker aumenta o volume e Hannah olha para ela, vendo a maneira como ela estáatrás do volante, a luz do sol em seu pescoço e ombros, seus cabelos escuros caindo sobre suaregata de algodão.

— Essa música é perfeita — Baker diz, sua voz estava calma, da mesma maneira quesempre ficava quando sua mente estava distante.

Hannah não responde por um longo tempo. As notas prolongadas da música ecoando em suamente, até ela começar a piscar com força contra a luz do sol e mexe no banco.

— Verdade — ela diz, e passa pela playlist em busca de outra música.

A casa alugada tinha quatro andares, era estreita e feita de estuque, as janelas possuíam uma

vista que envolvia a sacada. Baker estaciona na entrada atrás do carro do Dr. Landry, e os quatrosaíram do carro e se espreguiçaram na luz do sol, imitando Wally, Clay e os Landry enquantoolham para a casa. Hannah cheira e saboreia o ar de água salgada ao redor deles.

— Okay — Clay diz, sua voz com uma satisfação silenciosa — isso é definitivamente ondeeu quero estar agora.

— A casa é linda — Baker diz.— Bom, vamos entrando — Dr. Landry diz enquanto subia os degraus em direção a entrada

do segundo andar — Vamos dar uma olhada por dentro.

Os oito fazem um tour pela casa juntos, Hannah e seus amigos seguindo os Landry pelacozinha, pelo corredor, pelo quarto do porão e pela área da piscina. Clay tira sua camisa e seusapatos Sperry’s e pula na piscina bem naquela hora, jogando água em todos eles.

— Clay! — sua mãe grita.— Vamos logo! — Clay grita para Luke e Wally — Não temos que ver o andar de cima, não

vamos dormir lá mesmo.Wally olha para a Sra. Landry. Ela passa a mão pelo seu rosto e olha para eles.— Podem ir, Wally, Luke, — ela diz — vocês estão de férias de qualquer forma.Eles deixam os garotos na piscina e fazem um tour pelo andar de cima.— Esta deve ser a Suíte Master — Dr. Landry diz, perto de um quarto no terceiro andar —

Nellie, vou pegar nossas coisas e deixá-las aqui.— Okay — Sra. Landry diz — vamos ver os outros quartos…Ela as leva para um quarto do outro lado do corredor da suíte. O quarto tem uma cama

queen-size e uma jacuzzi no banheiro.— Ai meu deus, — Joanie diz quando vê a jacuzzi — Eu tenho que dormir aqui.Sra. Landry ri enquanto atravessa o quarto para abrir as cortinas.— Então isso quer dizer que Hannah e Baker querem ficar no do quarto andar? Ou você

quer compartilhar o quarto com sua irmã, Hannah?Joanie se separa do grupo e entra no banheiro, seus olhos vidrados na jacuzzi,

despreocupada com a resposta de Hannah. Hannah olha para Baker, percebendo só depois queestava fazendo uma pergunta com seus olhos. Os olhos de Baker encontram os de Hannahsomente segundos antes de quebrarem o contato visual.

No tempo que demora para inalar, Hannah sente um momento infinito de confusão enquantoseu coração e sua mente entravam em conflito.

— Eu vou dormir lá em cima — ela responde.— Ótimo, — Sra. Landry responde — vamos subir e dar uma olhada.

Hannah e Baker seguem Sra. Landry até o último andar, onde encontram um pequenopatamar com uma porta branca, Sra. Landry abriu a porta toque leve dos dedos na madeira,murmurando:

— Vamos ver — ela diz, baixinho.O quarto era menor que todos os outros da casa. As paredes eram verde-mar, com uma borda

de papel de parede com conchas do mar ao longo do topo. Há duas janelas retangulares comcortinas cor de pérola e arejadas que transformam a luz do sol brilhante que flui através delas emalgo mais suave, menos poderoso, de modo que cubra a sala com um brilho moderado. Hannahpercebe uma cômoda, uma cadeira de balanço de vime branca e, à direita da porta, uma camaqueen-size com um edredom rosa em forma de concha. À sua esquerda, ela vê um pequenobanheiro.

— Ah, isso é tão fofo, — diz a Sra. Landry, dando um passo em direção às janelas e abrindoas cortinas. — Acho que vocês duas têm o melhor quarto da casa!

— É perfeito, — diz Baker, com os olhos brilhando enquanto examina a sala.— É, — Hannah concorda.— Bem, vou deixar vocês em paz para vocês desfazerem as malas e se trocarem, — diz a

Sra. Landry, cruzando a sala com um sorriso satisfeito no rosto. — Vou fazer uns sanduíchespara vocês levarem para a praia. De peru está bem?

Hannah se joga na cama depois que a Sra. Landry sai. Ela estica os braços acima da cabeça eouve Baker abrir o zíper de sua bolsa e puxar itens de dentro.

— Você já está desfazendo as malas? — Hannah pergunta, seus olhos no teto.— Se eu não fizer isso agora, você sabe que vou me estressar na praia.— Verdade. Ei, você trouxe pasta de dente? Eu esqueci a minha.Baker ri baixinho.— Sim. Trouxe todos os produtos de higiene que pude pensar porque sabia que você

esqueceria de algo.Hannah se senta na cama, já com um sorriso no rosto.— O que? Eu nunca esqueço de nada.— Retiro de calouros, seu desodorante. Verão do segundo ano, no lago, sua gilette. E

lembra-se de esquiar com minha família no ano passado? Você esqueceu sua escova de dentes eNate teve que comprar uma para você?

— Tudo bem, — Hannah ri. — Você tem razão. Como sempre.— Eu sei, — diz Baker, com um sorriso de lado no rosto enquanto segura a pasta de dente.

— Ok, vamos nos trocar e descer. Devíamos ajudar a mãe de Clay com aqueles sanduíches.Elas tiram os maiôs das malas, e agora a energia no quarto muda de vertiginosa para

estranha. Elas não pensaram sobre esta parte — sobre como se trocar na frente uma da outradepois do que aconteceu no Mardi Gras. Hannah enfia a mão na bolsa, fingindo procurar outracoisa, ganhando tempo para descobrir o que fazer. Mas então Baker se levanta e vai para obanheiro, balançando a porta atrás dela para que não feche totalmente, mas também nãopermaneça aberta. E Hannah entende, ao ouvir o farfalhar das roupas de Baker caindo no chão,que ela deve se trocar aqui, no quarto, em seu próprio espaço.

— Você já terminou? — Baker chama pela porta do banheiro.Hannah termina de amarrar a parte superior de seu conjunto turquesa.— Sim, estou bem.Ela apenas olha para Baker quando sai do banheiro: um olhar longo o suficiente para ver que

está usando seu biquíni vermelho favorito.— Tudo pronto? — Hannah pergunta, apenas para manter uma conversa, apenas para se

manter focada em algo que não seja a pele cor oliva de Baker.— Sim. Você vai trazer alguma coisa?— Alguns livros.Os olhos de Baker pousam na pele de Hannah por um segundo rápido.— Sim. Boa ideia.

A areia da praia está quente sob os pés de Hannah enquanto ela e seus amigos caminham emdireção à água, com as toalhas penduradas nos ombros, Baker e Joanie carregando sacolas depraia, Clay carregando um cooler de comida.

— Sente esse sol, — Clay diz, arqueando o pescoço para o céu. — Tão legal.— Ainda bem que trouxemos FPS 50 — diz Joanie, — ou Hannah e eu iríamos fritar como

cadelas.— Joanie, o que isso significa sequer, “fritar como vadias”?— Hannah diz.— Você sabe o que eu quis dizer. Não me peça para explicar minha mente de gênio para

você.Eles largam suas toalhas e bolsas em um pedaço de areia quente e lisa a cerca de seis metros

da água e, sem mais delongas, Clay, Wally e Luke correm para o oceano, gritando e agitando osbraços enquanto caminham. Hannah, Baker e Joanie espalham suas toalhas e examinam a praiapara ver quem mais pode estar aqui, mas não reconhecem ninguém de St. Mary's.

— Ok — diz Joanie, puxando frascos gêmeos de protetor solar de sua bolsa e jogando umpara Hannah, — que o processo de proteção solar começe.

— Devo cronometrar isso? — Baker diz.— Você provavelmente deveria colocar um pouco,— Hannah diz a ela. — Lembra do verão

passado? Como seus ombros ficaram queimados?

— Eu sei, mãe — diz Baker, sorrindo enquanto se agacha perto de sua bolsa. — Mas nãovou usar sua garrafa. Trouxe FPS 30. Quero um pouco de cor. — Ela puxa uma garrafa laranjabrilhante de sua bolsa, em seguida, levanta a blusa sobre a cabeça. Hannah olha fixamente para opadrão floral em sua toalha de praia.

— Os meninos vão queimar — diz Baker, semicerrando os olhos em direção ao oceanoenquanto esfrega loção branca em todo o antebraço.

— Wally os fará voltar em um minuto — diz Hannah. — Você sabe que ele vai.— Aqui — diz Baker, observando Hannah lutar para aplicar o protetor solar. — Me deixa

passar nas suas costas.Ela gira Hannah de costas e, após um longo segundo, Hannah sente o frio espantoso do

protetor solar em sua pele. Em seguida, as mãos de Baker estão lá, quentes e calmantes,esfregando seus ombros e parte superior das costas, em seguida, descendo para a parte inferiordas costas e quadris.

— Você está usando o 50?— Hannah pergunta, lutando para manter sua voz calma.— Claro — diz Baker, sua voz beirando a ternura. — Eu não quero que você queime de jeito

nenhum.E então Hannah sente os dedos de Baker na nuca, brincando com os teimosos fios de cabelo

que escaparam de seu rabo de cavalo.— Tudo pronto — diz Baker, sua voz ainda abrigando um pouco daquela ternura.— Obrigada,— Hannah diz, virando-se para lhe oferecer um meio sorriso.— Alguém pode passar nas minhas costas? — Joanie diz.Os olhos de Baker se desviam de Hannah e, por um segundo brilhante e quente, ela parece

olhar para o nada, mas então pisca e focaliza os olhos em Joanie.— Claro — diz, sua voz de volta à cadência normal. — Você já passou nos seus ombros?

Naquela primeira noite na praia, horas depois de os pais de Clay irem para a cama, Hannah eseus amigos se sentam à beira da piscina e bebem whisky com Coca. Hannah consegue sentir ocalor latente do sol preso sob sua pele, consegue sentir o gosto do sal no ar quando ela respira,pode ouvir o ritmo do oceano tocando no fundo de seus ouvidos.

Ela se senta em um sofá de dois assentos com almofadas estampadas de conchas e Baker sesenta ao lado dela, com as pernas puxadas para cima em direção ao peito e os braços em voltadas panturrilhas. Clay se senta no chão com o copo de uísque preso entre os pés e, a cada minuto,ele levanta o copo, sacode, toma um gole e cospe os cubos de gelo de volta. Joanie e Lukesentam-se enroscados na mesma cadeira, os joelhos dela batendo em seu estômago e o cotoveloapoiado em seu ombro, e Hannah observa enquanto Joanie brinca com um dos cachos de Luke.Wally se senta em frente a eles, na outra cadeira, ocasionalmente chamando a atenção de Hannah

e sorrindo em seu jeito firme.Eles conversam por horas, um deles sempre entrando para fazer xixi, outro sempre entrando

para encher o balde de gelo, outro sempre levando o fio da conversa para que nada pare deverdade. Eles se revezam calando um ao outro para não acordar os pais de Clay, e Baker e Wallyse revezam para anunciar a hora e insistir que todos devem ir para a cama, mas continuamsentados no ar frio enquanto Clay conta a história da época ele quebrou a janela de uma sala deaula na segunda série, e Luke conta a história da vez em que colocou um giz de cera no nariz nojardim de infância, e Baker conta a eles sobre o menino que ela deu um soco na Escola Bíblicade Férias. Eles riem muito das histórias uns dos outros, inclinando-se para a frente em seusassentos para apontar um para o outro e dizer:

— Você faria isso — e o tempo todo o oceano toca para eles ao fundo, uma músicatranquila em sua catedral adolescente.

— Estou ficando cansada — diz Baker, batendo seu ombro contra o de Hannah. — Vocêestá pronta para dormir?

— Quer que eu faça uma última bebida para você?— Hannah pergunta, seu coração batendofeliz, seus medos sufocados pelo álcool e a magia do oceano.

Um sorriso embriagado aparece no rosto de Baker. Ela balança os cubos de gelo do copo,depois balança a cabeça com o mesmo sorriso frouxo.

— Apenas sono para mim — diz ela.Elas dizem boa noite para os outros. Clay reclama que deveriam ficar aqui mais um pouco,

porque elas não sabem que têm uma garrafa inteira de uísque e um oceano de água para fazercompanhia?, mas Baker boceja e balança a cabeça negativamente.

— Amanhã à noite, — ela promete. — Quando não tivermos que nos levantar para a missano dia seguinte.

— Porra, — Clay diz, ao mesmo tempo que Luke diz:— Merda.— Que horas são? — Joanie pergunta.— Quase quatro — diz Baker. — E a mãe de Clay disse que tínhamos que sair às 9:15.— Não sei por que eles não podem nos dar um domingo de folga — diz Clay, passando a

mão no rosto. — Tenho certeza de que o bom Deus entenderia que estamos de férias.— E bêbados, — Luke diz.— É Domingo de Ramos amanhã — diz Baker, com a voz neutra, os olhos vidrados.— Tudo bem, tanto faz,— Clay diz, levantando-se do chão. — Acho que devemos todos ir

para a cama e continuar amanhã à noite.— Vamos pegar um pouco de água primeiro — diz Wally. — Estaremos de ressaca pela

manhã.

— É por isso que não gosto do catolicismo — diz Luke enquanto limpam os copos. —Parece que atrapalha tudo.

No andar de cima, na calmaria do seu quarto, Hannah e Baker se aprontam para dormir comuma calmaria confortável entre elas. Elas ficam em frente ao espelho do banheiro, escovam seusdentes juntas e ficam encarando o reflexo da outra. Baker lava seu rosto enquanto Hannah trocade roupa, e depois Hannah lava o rosto enquanto Baker troca de roupa. Elas puxam as cobertasda cama para poder se ajustar em meio aos lençóis, e os lençóis são gelados contra os pésdescalços e nas pernas de Hannah.

— Eu me sinto mais bêbada do que o normal — Baker sussurra.— A gente bebeu bastante whiskey — Hannah responde, sussurrando.Baker fecha seus olhos e depois chega mais perto de Hannah para que elas possam ficar

alinhadas, de frente uma para a outra, como se fossem duas mãos se juntando para rezar.Hannah acaricia a sobrancelha de Baker com o polegar, depois coloca uma das mãos na

parte de trás de sua cabeça. Baker chega mais perto, até que seu rosto fique na borda dotravesseiro de Hannah.

— Você tá bem? — Hannah pergunta, seu coração batendo rápido, rápido, muito rápido.Baker abre seus olhos.— Sim — ela responde, sua voz bêbada e pela metade.Elas ficam assim, se encarando, até que Hannah toca a bochecha de Baker e lhe diz para ir

dormir.— Só se você também for — Baker sussurra.Hannah fecha os seus olhos e sonha. Na manhã seguinte estavam todos de ressaca. Sra. Landry os observa atravessando o

estacionamento da igreja, seus olhos demonstrando que ela suspeitava de algo, até que Clayresolveu lhes contar a verdade parcial: eles ficaram acordados até quatro da manhã enquantoconversavam na piscina.

— Bom, vocês fizeram uma escolha, agora lidem com ela — Dr. Landry diz com sua vozrouca — O importante é que todos acordaram para a Missa esta manhã.

A igreja era muito menor que a de St. Mary. Os oito entraram e caminharam para o corredordo meio, pisando com cuidado no chão de pedra, os ventiladores em cima da cabeça delesemitiam um barulho alto, e o ar na sala era úmido. Sra. Landry os levou até um banco e Hannahse sentou entre Clay e Baker. Clay respirou fundo com o nariz enquanto fechava os olhos eHannah se perguntou se ele talvez estivesse enjoado.

Hannah prestou atenção nas duas primeiras leituras e no evangelho — aquele sobre Jesus

cavalgando em um burro até Jerusalém, dias antes de sua crucificação, enquanto os habitantes dacidade colocavam folhas de palmeira aos seus pés — porém ela ficou zonza durante a homilia.Em vez de escutar ela ficou olhando a família sentada no banco da frente, as duas crianças, umamenina e um menino, alternavam entre engatinhar no colo dos pais e colorir o missal. Agarotinha — que deve ter por volta dos quatro anos de idade — rabiscava o livro, fazendo comque os antigos hinos sejam renovados com arco-íris criados por ela. Hannah observa o pai damenina, até que ele nota o que a garota está fazendo, tomando o lápis da mão dela e reclamandocom a garota.

Na mesma hora o rosto da garota passa de felicidade ingênua para raiva concentrada, elabate com as mãos na madeira e franze o rosto, até que suas bochechas incharam quase que emcomo um desenho animado, bufa com tanta força que o ranho sai de seu nariz. A comoçãochama a atenção de todos ao redor dela, de um jeito que as duas pessoas nos bancos da frente deHanna se viram confusas, e as pessoas sentadas no lado direito olham para ver o que estavaacontecendo. A mãe da garota começou a vasculhar em sua bolsa, provavelmente procurando porlenços de papel, mas o pai pega a garota e a carrega para fora do banco, com uma carrancaenvergonhada no rosto, enquanto a menina chuta suas pernas e bate seus pequenos punhosgordinhos contra seus ombros.

A igreja volta ao normal enquanto todos fingem que não estavam apenas assistindo a birrada garota. A mãe na frente de Hannah endireita as costas e puxa o filho para perto dela,envolvendo o braço firmemente ao redor dele. O padre, em cima do altar, continua sua homiliacomo se nada tivesse acontecido.

Mas do lado direito de Hannah, Baker começa a rir silenciosamente. Hannah pode sentir obraço de Baker tremendo, pode ver, com o canto do olho, que Baker leva a mão ao rosto paraabafar seu sorriso. Hannah inclina a cabeça levemente e lança um olhar para ela.

— O que você está fazendo, sua idiota? — porém Baker, ao encontrar os olhos de Hannah,apenas treme mais forte com uma risada silenciosa. E agora Hannah não consegue se conter emseu próprio sorriso, não consegue diminuir a tontura que começa a dominá-la, não conseguesegurar o riso que sobe até o topo de sua garganta.

— Pare — ela sussurra por entre os dentes, ainda captando os olhos de Baker, observandoenquanto Baker, com lágrimas nos olhos, tenta lutar contra o divertimento que se apoderou dela.

Clay se inclina para frente à esquerda de Hannah. Ele olha através de Hannah para Baker,um sorriso atrevido em seu rosto e pisca. Baker para de rir por um momento, apenas o temposuficiente para encolher os ombros e enviar a ele um olhar que diz de “eu não sei o que deu emmim''. Ela olha por Hannah como se ela não a visse.

Cada um deles pega uma folha de palmeira ao sair da igreja. Eles caminham de volta peloestacionamento, seguindo os Landry até os carros, e Hannah experimenta uma estranha exaustão

— do tipo que vem depois de uma rir demais.Luke começa a lutar de espadas com Joanie com sua folha de palmeira quando os Landry

não estão olhando. Joanie retribui, um sorriso sedutor brincando em seu rosto. Wally caminha aolado de Hannah, amarrando a folha de palmeira em uma forma compacta, as sobrancelhasfranzidas em concentração. E na frente de Hannah, Clay caminha ao lado de Baker, brincandocom ela sobre suas risadas na igreja.

— Devíamos deixá-la cansada com mais frequência — diz ele, cutucando o braço dela coma folha de palmeira.

Baker aperta os olhos para ele à luz do sol. Ela assume a expressão lúdica que Hannah viuem muitas noites de fim de semana — depois que Baker roubou um pedaço do sorvete deHannah ou quando eles tiraram fotos de gatos e colocaram as fotos na cabeça dos meninos — ediz, com um encolher de ombros gracioso.

— Espere até eu começar a rir de você.Clay sorri como se ela tivesse acabado de dizer que ele é o homem mais forte da terra.— Acho que é melhor eu me cuidar — diz ele.Eles preparam um café da manhã tardio quando voltam da missa — Hannah ajuda Baker a

fazer ovos mexidos enquanto Wally prepara a torrada — e depois se trocam para irem para apraia. Os meninos encontram pranchas de bodyboard na garagem e as carregam desajeitadamentepela areia: Clay coloca sob sua cabeça, Wally carrega debaixo do braço e Luke arrasta a sua atrásdele sobre a areia até que Joanie se senta e exige uma carona. Eles se instalaram na mesma áreaque ocuparam ontem, e hoje Baker insiste que os meninos apliquem protetor solar antes de irempara o oceano.

— Isso é por causa das minhas orelhas, não é? — Luke diz, apontando para as pontasvermelhas queimadas de sua cartilagem.

— Não, — Clay diz, sorrindo onde está enquanto Baker passa protetor solar em seusombros, — é só para que as meninas tenham uma desculpa para nos tocar.

Baker o empurra.— Você pode passar o resto — diz ela. — Boa sorte em alcançar suas costas.— Ah, vamos lá, você não vai me deixar queimar, vai?— Você mereceria.— Eu mereceria mesmo.Joanie e Baker se esticam de costas na areia depois que os meninos vão para a água. Hannah

estende sua toalha ao lado delas, tentando ao máximo não olhar para o longo torso de Bakerbrilhando com o óleo de seu protetor solar. Ela se deita de bruços e vira o marcador em seu livroA Lesson Before Dying, mas só consegue ler uma frase antes que Joanie a distraia.

— Você acha que eu deveria continuar namorando Luke depois que vocês se formarem?

A expressão de Joanie, mesmo com os olhos fechados, é estranhamente ansiosa. Hannahmantém os polegares sobre as páginas do livro, sem saber se deseja participar dessa conversa.Baker, deitada entre as duas, fala primeiro.

— De onde está vindo isso? — ela pergunta suavemente.— É apenas algo em que estive pensando.Baker se senta em sua toalha. Ela tira os óculos de sol do rosto e lança um olhar aberto e

simpático para Joanie.— Você está bem?— Eu estou bem —, diz Joanie, mas Hannah ouve o tremor em sua voz e percebe o antigo

sinal revelador: Joanie começa a esfregar o cotovelo esquerdo, como costumava fazer quando erajovem e tinha medo de entrar no ônibus da escola.

— O que há de errado, J? — Baker pergunta.— Eu só… quero dizer… eu tenho que começar a pensar em passar pelo meu dia-a-dia sem

ele. Ele quer ficar junto, mas não sei se vou conseguir, não quando ele vai estar em um estadodiferente, fazendo todos esses novos amigos e conhecendo novas garotas…

— Joanie —, Baker acalma, colocando a mão em seu pulso. — Não pense nisso ainda.— É apenas abril, — Hannah diz em voz alta. — Por que você está se preocupando com isso

agora?— São as férias de primavera, Hannah, — diz Joanie.— Exatamente. Nós temos tanto tempo sobrando...— Não, não temos. É basicamente o fim do ano, quer você queira ou não.— Não é o fim do ano. E mesmo se você terminasse com ele, você não teria que fazer isso

até, tipo, agosto.— Ele vai para o acampamento durante a maior parte do verão, — diz Joanie. — Talvez eu

tenha que fazer isso antes.— Mesmo assim, — Hannah diz, abrindo seu livro novamente. — Você está perdendo seu

tempo se preocupando com isso. Luke é incrível e você gosta dele, então por que estamos tendoessa conversa? Por que você simplesmente não aproveita estar com ele?

— Estou aproveitando estar com ele, mas não vou agir como se as coisas não estivessemprestes a mudar, não quero ser estúpida desse jeito, como você…

— Cale a boca, Joanie — diz Hannah, fechando o livro.— Aprenda um pouco de empatia, Hannah, — Joanie rosna, levantando-se e olhando para

ela. — E comece a aceitar que você vai se formar em breve.Ela se afasta com o celular na mão e Hannah joga o livro na areia em frustração. Ela limpa o

cabelo do rosto e encara a figura de Joanie em retirada.— Você está bem? — Baker pergunta.

— Estou bem.Baker fica quieta por um momento. Então:— Eu também estou com medo. Sobre a formatura.— Eu não estou assustada.— Estou preocupada em sentir muitas saudades dos nossos amigos. E de St. Mary's.— Por que você sentiria falta de St. Mary’s? — Hannah diz, rangendo as palavras contra o

nó em sua garganta. — É repressivo e mente fechada, e ninguém pode passar um minuto semfalar sobre Deus…

— Hannah —, diz Baker. Ela alisa o cabelo de Hannah com a mão, começando na linha docabelo, passando pelo topo de sua cabeça e terminando no ápice de sua trança. Ela faz isso denovo, indo mais devagar dessa vez, e Hannah sente o nó na garganta ficar mais espesso.

— Está tudo bem, — diz Baker.Hannah engole. Ela baixa os olhos para o padrão em sua toalha — sóis amarelos em um

fundo azul meia-noite — e se recompõe por um momento antes de falar.— Eu não quero que nada mude.— Eu sei, — diz Baker. — Nem eu.— Eu não sei onde fazer faculdade. Emory, ou LSU, ou mesmo uma das outras escolas que

eu entrei...Baker baixa os olhos. Ela esfrega areia entre o indicador e o polegar, as sobrancelhas

franzidas em uma carranca.— O que devo fazer? — Hannah pergunta.Baker polvilha areia em sua toalha.— Você tem um pressentimento a respeito disso? — ela pergunta. — Onde você acha que

seria mais feliz?— Neste momento... — Hannah diz lentamente, — meu instinto me diz Emory.Baker move o queixo, ainda espalhando areia em sua toalha.— Mas, — Hannah continua, — Eu tenho dificuldade em acreditar que seria feliz sem

minha melhor amiga.Baker ergue os olhos. Seus olhos estão tristes.— Você sabe que, se dependesse de mim, — ela diz, — eu provavelmente seria egoísta e

escolheria a LSU por você. Só para não precisarmos nos separar.— Eu sei.— Mas quando eu penso sobre isso de forma altruísta, eu quero que você vá para Emory.— Por que?— Porque eu tive a sensação de que seu instinto estava lhe dizendo Emory. A forma como

sua voz soa quando você fala sobre isso, posso apenas dizer que você quer estar lá.

Hannah não diz nada. Baker limpa a areia de sua toalha. As gaivotas voam acima delas,preenchendo o silêncio com seus gritos agudos.

— Podemos voltar a fingir que temos muito tempo sobrando? — Baker pergunta.Hannah limpa a garganta.— Sim. Você trouxe um livro?— Sim.— Quer ter uma festa de leitura?Baker sorri como se Hannah tivesse dito a coisa mais maravilhosa do mundo.

Eles bebem à beira da piscina novamente naquela noite. Clay os inicia em um jogo deVerdade ou Desafio, que então evolui para um jogo de desafios, que então evolui para elesligando anonimamente para seus professores e administradores para dizerem coisas ridículas.

— Oi, sim, olá, — diz Luke, afetando uma voz alta e estridente enquanto fala no telefonecelular de Clay. — Eu gostaria de uma pizza grande. Uma pizza muito grande. A maior pizzaque você tem. Pronto.

A voz agitada do Sr. Manceau estala no viva-voz.— Esta não é uma empresa de pizza. Você ligou no número errado.— O que? Ah, meu bom senhor, sinto muito, parece que cometo esse erro com frequência,

se você soubesse a extensão da minha ignorância! Mas ei, já que estou com você, você poderiame recomendar uma boa pizzaria?

— Adeus, — diz Manceau.— NÃO! Espere! Eu preciso da minha pizza!Eles ouvem o tom de discagem pelo alto-falante, mas antes que possam se reagrupar, Luke

disca o número novamente.— Ok, tudo bem, se você não pode me dar uma pizza grande, vou pedir uma média…— Pare de me ligar! — O Sr. Manceau grita. — Este é um número de celular pessoal!— Então por que está listado online como o número para “Palácio da Pizza do Charlie

Gordinho”?— O que? Onde você viu isso?— Desculpe, eu tenho que ir…— Não, espere, isso é uma chamada de trote? Meu número está realmente listado online?— Te vejo mais tarde, Charlie Gordinho.Clay se dobrou de tanto rir quando Luke apertou o botão vermelho “Fim” em seu telefone.

Joanie encosta a cabeça na mão e observa Luke com um olhar afetuoso.— Tudo bem, eu tenho que ir para a cama, — diz Luke. — Estou exausto da missa desta

manhã.

— Sim, eu também, — diz Joanie, levantando-se ao lado dele.— Certo, então o resto de nós vai apenas ficar aqui e fingir que vocês dois não estão se

agarrando aí dentro, — diz Clay.— Obrigado, — diz Luke, segurando a mão de Joanie. — Nós agradecemos.Clay serve outra rodada de uísque depois que Joanie e Luke entram. Ele ergue seu copo para

um brinde, e Hannah, Baker e Wally concedem, cada um segurando seus copos, um de cada vez.— Saúde, — Wally diz, acenando para Clay, e o resto deles ecoa o sentimento.— Vamos continuar com o jogo, — Clay diz enquanto se acomoda em sua cadeira. — Eu

amo Verdade ou Desafio.— Você só gosta de falar sobre sexo, — diz Hannah.— Sim, eu gosto, — Clay diz, estalando os lábios depois de tomar um gole. — Mesmo que

não seja muito divertido com todos vocês, já que nenhum de vocês pode falar sobre isso comigo.— Ei, — diz Wally, e nas luzes fracas da varanda, Hannah pode ver seu rubor. — Você

precisa parar de trazer isso à tona.— Eu só estou brincando com você, cara.— Tudo bem, Clay, eu tenho uma Verdade ou Desafio para você, — diz Hannah.— Ouse.— Eu te desafio a nos dizer que música estava tocando quando você perdeu a virgindade.— Eu… — Clay vacila. Ele balança o copo de uísque e sorri para o pátio, quase se

divertindo consigo mesmo. — Eu te disse isso em segredo, Han.— E agora você pode contar a nós três em segredo.— Tudo bem, tudo bem. Então ... quando aconteceu, Michele me diz para colocar um pouco

de música, então eu simplesmente apertei o play no meu iPhone, e a última música que estavatocando era “Colorblind” do The Counting Crows. Eu realmente não me importava com o queouvíamos, então comecei a tentar, sabe, mas então a música terminou e voltou a tocar, e eupercebi que de alguma forma a coloquei em repetição.

— Você está falando sério? — Baker sorri.— Estou falando sério.— Por que diabos você estava ouvindo “Colorblind”? — Wally pergunta.— Cara, eu não sei, eu simplesmente estava.— Então você não parou para mudar a música? — Baker pergunta.— Eu estava ocupado, — diz Clay enfaticamente, inclinando-se para a frente em sua

cadeira. — E, além disso, acabou sendo legal. Tipo, você sabe, emo-romântico.Wally dá uma risada dentro de sua mão.— Ah, cara, eu não consigo acreditar que você nunca me contou essa história.— Bem, agora você pode agradecer a Hannah por tocar no assunto.

— Ei, você estava tirando sarro de nós três, — diz Hannah. — Tudo que eu fiz foi retribuirisso para você.

— Não tenho vergonha, — diz Clay, dando um longo gole em seu copo de uísque. — Fizamor lindamente naquela noite.

— Você tem a música no seu iPhone agora? — Wally pergunta.— Provavelmente.— Toca ela, — Hannah incita.— Sem chance.— Toca ela, — Baker diz, cutucando ele com o pé.Clay a fixa com um olhar; o sorriso provocador dela cresce até que Clay sorri em resposta.— Tudo bem, — diz ele, fazendo um show ao pescar o telefone do bolso. — Mas vocês não

têm permissão para rir.— Por que nós riríamos? — Hannah diz inocentemente.— Você pode fazer uma reencenação junto com a música? — Baker diz.— Não sei por que estou ouvindo você, — diz Clay enquanto põe o telefone na mesa e

aperta o play.Nas primeiras três notas tristes e sombrias, Baker começa a rir. Ela cobre a boca com a mão,

como fez na igreja naquela manhã, e treme com uma risada mal contida. A risada dela écontagiosa, então Hannah começa a rir também, e então Wally começa a rir abertamente, caindopara trás na cadeira e segurando o estômago.

— Sinto muito, — Baker engasga, vendo o rosto falso e ferido de Clay, — é que apenas,tipo, o som deprimente dessa música e a letra...

— Como você não fez uma pausa? — Hannah ri. — O que Michele disse?— Ela não disse nada, — diz Clay, pegando o telefone da mesa e parando a música. — Ela

estava muito ocupada gemendo.— Ah, Deus, — Hannah diz com desagrado, ao mesmo tempo que Baker diz:— Ok, uau.— Cara, — diz Wally, balançando a cabeça.— O que? — Clay diz. — É verdade. Algum dia, em breve, vocês vão transar, e então

poderemos ter uma conversa de verdade sobre isso. Mas de qualquer maneira, é minha vez deperguntar a verdade ou o desafio.

— Podemos vetar isso? — Hannah diz. — Tenho a sensação de que você vai continuarzombando de nós.

— Eu serei legal, — diz Clay. Ele balança o copo de uísque para a frente e para trás, e todosesperam.

— Baker, — diz ele.

— Eu sabia que não deveria ter rido, — diz ela, beliscando a ponta do nariz.— Não se preocupe, vou pegar leve com você, — Clay sorri. — Verdade ou desafio?— Verdade.— Qual foi o melhor amasso que você já teve? Mais especificamente, quem foi o melhor

beijo que você já teve?Baker congela, sua boca aberta de surpresa. Todo o corpo de Hannah fica tenso e seu

coração acelera em seu peito. Ela agarra o copo de uísque com as duas mãos, dizendo a si mesmapara tomar um gole, para agir com indiferença, mas se sente incapaz de fazer outra coisa senãoesperar pela resposta de Baker.

— Eu provavelmente deveria acrescentar que você tem permissão para nomear alguém aqui,— Clay diz com altivez, levantando as sobrancelhas.

A cor inunda as bochechas de Baker, e Hannah percebe que Baker se sente presa pelaimplicação, já que ela nunca disse a Hannah sobre ficar com Clay.

— Vamos lá, sério? — Clay diz, seus ombros caindo.— Eu… — Baker diz.— Droga, — Clay diz, esparramando-se contra sua cadeira. — Quem foi melhor do que eu?Agora Baker parece absolutamente envergonhada: suas bochechas estão tingidas de com

tons escuros e toda a sua expressão parece se retrair. Ela abre a boca para responder a Clay,parecendo tão mortificada quanto a mulher adúltera que deveria ser apedrejada na Bíblia, mas háalgo mais em sua relutância também: um tipo de hesitação evasiva, como se ela estivesse lutandointeriormente contra algo.

— Foi você, — Baker diz finalmente, com um ar de empurrar as palavras para fora apenaspara continuar respirando. Ela faz contato visual fugaz com Clay antes de olhar para as pedras dopátio, sua atenção mental claramente focada em outra coisa. Ela bate com a língua nos dentes dafrente, preparando-se para dizer algo que não quer, e então murmura: — Eu não tinha contadopara Hannah ainda.

— Ah, — Clay diz, seus olhos mudando desconfortavelmente de Baker para Hannah.Hannah não olha para ele. — Desculpa. Eu disse para Wally e presumi que você disse paraHannah...

— Desculpa, — sussurra Baker, virando a cabeça em direção a Hannah. Ela encontra osolhos de Hannah por apenas um segundo piscando.

— Sem problema, — diz Hannah.Há uma pausa longa e estranha, e então Clay pega a garrafa de uísque novamente.— Bem, — diz ele, sua voz constrangedoramente calorosa, — pelo menos eu sei que fui o

seu melhor.

No dia seguinte, segunda-feira, eles dormem até tarde e não descem para a praia até o meio-dia. Wally e Clay convencem Hannah a nadar no oceano com eles e, embora Hannah se sintairracionalmente magoada com Clay, ela concorda em ir com eles, principalmente para evitarsentar-se desajeitadamente na praia com Baker. Eles balançam nas ondas, raspando os dedos dospés contra a camada pastosa de areia que cobre o fundo do oceano, e os sentidos de Hannah sevoltam para tudo que é água salgada: água salgada em sua língua, água salgada em seu nariz,água salgada ardendo em uma bolha semi curada em seu tornozelo.

— Eu tenho que mijar, — Clay diz, passando a mão pelo cabelo escuro e molhado. — Jávolto.

Ele nada para longe deles, em direção a um local aberto no oceano, deixando Hannah eWally sozinhos.

— Ele vai apenas fazer na água? — Hannah pergunta incrédula, forçando os olhos contra aluz do sol.

— Ele tem feito isso a semana toda, — Wally ri. — Luke também.— Por favor, me diga que você não tem feito isso.— Eu não estou dizendo nada de qualquer maneira.— Ai credo.— Todo mundo faz xixi no oceano, Han.Algo se move contra a panturrilha de Hannah, assustando-a. Ela olha para a água, mas não

consegue ver nada além da superfície. Então Wally começa a rir daquele jeito pequeno e tímidoque ele tem.

— Era só eu, — diz ele. — Não se preocupe.Hannah estende o braço para fora, para o lado, e joga água no rosto de Wally. Ele cuspe e

joga os braços para cima para se proteger, e Hannah começa a rir.— Era só eu, — diz ela. — Não se preocupe.— Sim, estou vendo isso, — diz Wally, sua boca se curvou em um sorriso, seus olhos

grandes e brilhantes e vivamente verdes na ausência de seus óculos.— Ei, — Clay diz, nadando de volta em direção a eles. — Tenho certeza que acabei de

lançar cerca de um litro de Jack Daniels neste oceano.— Você é nojento, — Hannah diz a ele.— Então, Han, — Clay continua, como se ela não tivesse dito nada, — agora que você sabe

sobre Baker e eu...O estômago de Hannah dá um nó em si mesmo.— O que você acha que eu devo fazer para ficar com ela de novo?— O que?— Vamos lá, eu gosto dela. E acho que ela gosta de mim. Ou pelo menos era o que parecia

quando ela estava me beijando. — Ele balança as sobrancelhas.Hannah o encara, incapaz de responder, sentindo suas palavras caírem em seu peito e

afundarem em seu estômago.— Então? — Clay pergunta. — O que você acha?— Eu não… eu não sei. Ela não falou comigo sobre isso.— Nem mesmo ontem à noite?— Não.— Você deveria apenas falar diretamente com Baker, — diz Wally.— E dizer o quê, Wall? — Clay diz. — ‘Ei, Baker, acho que você é gostosa, quer se pegar

de novo’?— É isso que você quer?— Hannah diz, sua voz afiada com emoção. — Você só quer ficar

com ela?Todo o semblante de Clay muda em um instante. Suas sobrancelhas se unem e seus olhos se

estreitam com o escrutínio. Ele olha fixamente para Hannah, como se procurasse algo nela, e elase lembra, com surpreendente precisão, de como se sentiu quando eles se tornaram amigos: queele possuía alguma verdade secreta que ela nunca soube, algum tipo de poder bruto quepossibilitava que ele entendesse as pessoas, para detectar suas inseguranças e, finalmente, traze-las para o seu lado.

— Não, — Clay diz finalmente, o olhar intenso ainda está presente em seus olhos. — Claroque não. Eu acho que ela é a garota mais bonita que já vi, eu pensei isso por anos, e quero ficarcom ela de novo, sim, mas é mais do que isso. Há algo sobre ela que me faz querer conhecê-lamelhor. Mas não tenho certeza de como fazer isso. Não tenho certeza de como ir além das coisasfísicas.

Nem Hannah nem Wally respondem. Hannah sente uma estranha frouxidão dentro dela,como se seus músculos tivessem ficado moles. Clay continua a olhar para ela com seus olhosintensos, mas há um tom de incerteza neles agora, um tom de súplica.

— Não sei, — diz Hannah depois de um momento.Clay suspira de frustração e passa a mão pelo cabelo. Hannah o estuda — seus olhos e

cabelos escuros como uma árvore, sua boca firme, sua mandíbula forte — e pensainexplicavelmente no Adão primordial.

Clay balança a cabeça para frente e para trás.— Ela é tão difícil de entender. Parece que a conheço desde sempre, mas ainda não a

entendo. Eu nem sei, tipo, as pequenas coisas sobre ela. Quer dizer, você sabe essas coisas, Han.Tipo, seu livro favorito e sua cor e tudo mais. Não é?

Hannah desvia o olhar dele.— Han?

— Vantagens, — diz ela.— O que?Seu peito incha.— As Vantagens de ser Invisível, — diz ela, incapaz de esconder a aspereza de sua voz. —

Ela deu o nome ao cachorro em homenagem a isso.— Ah. Sim. E qual é a cor favorita dela?Hannah olha para o sol até que ele a cega. Depois, olha para trás para Clay, mas ela não

consegue mais vê-lo através da marca do sol em seus olhos.— Amarelo, — ela diz.— Amarelo, — ele repete. — Entendi.— Ainda acho que você deveria apenas falar com ela, — diz Wally.— Talvez, — Clay diz, seus olhos focados na água. — Veremos como será na festa do Tyler

esta noite.

Eles jantam tarde com os Landry — a Sra. Landry cozinhou costeletas de porco — e depoistomam banho em preparação para a festa.

— Então você está me dizendo que não vai ter bebida lá? — Dr. Landry diz em um tomacusatório, olhando Clay para baixo quando eles estão prestes a sair.

— Não que eu tenha ouvido falar, — Clay diz inocentemente. — Se houver, voltaremos paracasa.

— Voltem às uma.— Uma?— Você quer chegar às 00:30?— Não senhor.— Fiquem juntos, — diz a Sra. Landry. — E se comportem.

Eles caminham pelo ar frio da noite, descem calçadas brancas como giz e passam portrechos de grama tão verdes que quase parecem falsos. Clay e Baker assumem a liderança,ambos vestidos com precisão social, Clay em uma camisa pólo salmão e Baker em seu vestido deverão marinho favorito. Luke e Joanie caminham atrás deles, balançando as mãos um do outrolivremente entre eles, Luke apontando quais casas de praia ele vai comprar quando for maisvelho, mudando de ideia a cada novo quarteirão. Hannah e Wally vêm por último, amboscalados, uma corrente fácil de companheirismo entre eles.

— Aquela é simplesmente adorável, — diz Luke, apontando para uma cor rosa-flamingo dedois andares. — Posso comprar isso quando passar pela minha fase gay

— Devíamos viver aqui o tempo todo, — diz Joanie, balançando a mão de Luke com uma

bobagem exagerada. — Vamos apenas sair da escola e arranjar empregos como salva-vidas.— Devemos todos concordar em vir aqui no verão, — Clay os chama de volta. — Vocês

sabem, durante a faculdade e quando estivermos na casa dos 20 e tudo mais. Todos nós podemosalugar uma casa juntos.

— Você e suas fantasias, — diz Joanie. — É como se você pensasse que estamos em umafraternidade ou algo assim.

— Sexteto fantástico para a vida, — diz Clay, — levantando a mão esquerda e o dedoindicador direito no ar.

Há muitas poucas pessoas na casa de Tyler quando eles chegam.— E aí, — diz Tyler, arrastando a última sílaba ao cumprimentá-los na porta. — Vocês

vieram do lado mais cedo das coisas.— Não queria perder a diversão, — diz Clay, batendo-lhe no ombro. — Você pode nos

arranjar algumas bebidas? Não podíamos passar nada escondido pelos meus pais.— Sem problemas. Entre e pegue o que quiser. Isto vai ser demais.Hannah chama a atenção de Baker quando os seis se movem para cruzar a soleira. Demais,

Hannah murmura para ela, levantando as sobrancelhas zombeteiramente. Baker balança a cabeçae morde o lábio, e Hannah percebe que está lutando contra um sorriso.

Eles seguem Clay para dentro de casa, dizendo oi e conversando com os colegas por quempassam. Clay os leva a um balcão alto da cozinha e todos circulam em volta dele, preparando-separa iniciar o ritual.

Clay serve seis doses de uísque e levanta o copo para fazer um brinde.— Por um feriado de primavera incrível, — diz ele, sua voz profunda ressoando em torno de

seu círculo, — e pelos meus amigos incríveis.— Para nossa bela fraternidade, — Luke diz, piscando para Joanie.— E nossos lindos rostos, — diz Joanie. — E como somos bonitos em geral.— Para a futura casa rosa de Luke, — diz Wally, saudando-o com seu copo.— Amém, — Luke diz.— Han? — Clay pede, olhando para ela do outro lado do círculo, e ela consegue dizer que

ele a está analisando, que está verificando se os dois estão bem.Hannah eleva seu copo mais alto.— Aos nossos amigos, — diz ela, —exatamente como Clay disse.— Que possamos sempre ser amigos, — diz Baker, — não importa o que aconteça.— Vamos beber isso logo! — Joanie diz, batendo seu copo contra a pilha comum.Eles bebem suas doses e batem os copos no balcão, cada um deles colocando a língua para

fora e ofegando em reação ao álcool forte, e de repente Tyler aparece e pendura os braços sobreClay e Luke.

— Bem, vamos lá, gente! — diz ele. — Venham se juntar ao resto de nós, pagãos.

Meia hora depois, a festa aumentou com outras 40 ou mais crianças de St. Mary’s, de modoque Hannah tem dificuldade em se mover de um lado para o outro dentro da casa. A música tocatão alto que ela tem que gritar com Joanie para ser escutada, e eventualmente Joanie joga asmãos para cima e diz Não consigo ouvir antes de puxar Luke para o meio da sala para dançar.

Várias das outras garotas do último ano puxaram Baker para uma conversa, e Hannah asobserva com curiosidade, notando seu sorriso excessivo, seu braço agarrado e os pequenos golesque tomam de seus copos Solo. Baker está de pé e confiante diante delas, a mão no quadril e ocabelo solto sobre o vestido de verão.

— Que festa, — diz Wally no ouvido de Hannah.— O que?Ele aponta para o pátio dos fundos e levanta as sobrancelhas em uma pergunta — Você quer

sair? — então ela balança a cabeça e segue seu caminho pela casa lotada.— Merda, — diz Wally quando eles saem para a varanda. — Eu não estava conseguindo

nem respirar.— Está muito barulhento lá dentro, — diz Hannah, cobrindo os ouvidos para interromper os

ecos da música.— Eu sei. Preferiria estar de volta em casa agora.— Por que você não diz isso? Talvez todo mundo quisesse ficar também.— Não. Eles adoram vir a essas festas. E eu não me incomodo muito com elas. Gosto de

observar as pessoas.— Você adora observar as pessoas, — Hannah ri.— Sim, — Wally ri, tocando a armação de seus óculos. — Gosto de tentar entender as

pessoas e como elas veem o mundo.— Sr. Curiosidade.— Sou apenas curioso sobre algumas coisas, — diz Wally, olhando de soslaio para ela.Hannah quebra o contato visual com ele. Ela solta uma risada curta porque não sabe mais o

que fazer.— Ei, a propósito, — diz Wally, — você ficou bem hoje? Na água?A pergunta a pegou desprevenida.— Ah. Sim. Eu só… eu não sei como me sinto sobre Clay e… e Baker.— Ele tem boas intenções — promete Wally. — Eu sei que ele fala insensivelmente às

vezes, especialmente sobre garotas, mas acho que realmente gosta dela, Han. Acho que desta vezé pra valer.

— Ele te disse isso?

— Não exatamente, mas posso ler Clay muito bem a essa altura.— Ah.— Você está preocupada?Wally parece tão gentil e tão sinceramente preocupado que Hannah quase quer fugir. Ela

desvia o olhar dele e se inclina contra a grade da varanda, tocando as mãos no metal frio e liso.— Eu só… — diz. Ela sente as palavras mexendo dentro dela, ameaçando surgir. — Eu…

ela é minha melhor amiga, sabe? Minha melhor amiga.— Sim, — diz Wally. — Você se preocupa com ela. Você quer que ela fique com o cara

certo.Hannah não diz nada. Sua garganta se engrossa com palavras jorradas.— Você quer ficar aqui um pouco? — Wally pergunta.Hannah engole. Ela respira o ar de água salgada.— Não, — ela diz, sacudindo seu copo Solo quase vazio. — Acho que vou buscar outra

bebida.

A festa fica mais agitada com o passar das horas. Tyler toca uma rápida sucessão de cançõesque agradam ao público, e a festa se enche de barulho quando “Love Story” de Taylor Swiftcomeça. Todos na casa, meninos e meninas, gritam a letra com uma intensidade louca, e derepente todas as meninas estão apontando dramaticamente para os meninos quando Taylor cantapara seu Romeu, e Luke está ajoelhado no chão e fazendo uma serenata para Joanie, e parece quecomo se todo mundo lá tivesse passado seus 16, 17 ou 18 anos simplesmente esperando paracantar essa música juntos em uma casa de praia em Destin.

Hannah tenta não observar Baker e Clay dançando juntos à sua direita, mas conforme amúsica continua, eles parecem ficar maiores em sua visão periférica. Suas mãos se combinamenquanto cantam, e quando Hannah se vira para vê-los melhor, Clay gira Baker em um círculo eoferece seu grande sorriso pretensioso para ela. Ela sorri radiante de volta para ele. O coração deHannah dói em seu peito.

A música muda para uma de balada que Hannah não conhece, mas a multidão ao seu redorgrita sua aprovação e muda facilmente para a batida. Hannah move seu corpo e bebe um gole desua cerveja para ter algo para fazer. Wally sorri para ela enquanto dança em sua frente, e ela sorride volta, lutando muito para reprimir seus sentimentos.

Mas ela não pode ignorar como Clay atrai Baker para perto dele e pressiona sua testa contraa dela. Ela não pode ignorar como seus corpos se movem juntos e a mão de Clay envolve acintura de Baker. Ela não pode ignorar como Baker parece querer, como seus quadris se movemnos dele e sua mão agarra seu braço.

— Eu preciso de um pouco de ar, — diz Hannah, embora ninguém possa ouvi-la por causa

da música de qualquer maneira. Ela abre caminho pela sala lotada e, de repente, é como se elanão pudesse se mover rápido o suficiente, como se seu coração quisesse sair pela garganta antesque ela conseguisse sair.

Quando ela finalmente chega ao santuário da varanda, seu coração parece tão alto nagarganta que ela é capaz de sufocar. Ela respira longa e deliberadamente e se ordena a prestaratenção apenas ao aqui e agora: o que ela pode ver, o que ela pode sentir, o que ela pode cheirare ouvir. Ela se concentra fortemente no cheiro do ar de água salgada, no movimento distante dooceano, mas a dor sai dela de qualquer maneira.

Por favor. Por favor, você pode fazer isso parar de doer, dói tanto. Eu não quero isso. Dói eeu não quero isso. Estou tentando fazer isso ir embora. Por favor, apenas faça isso desaparecer,apenas faça isso desaparecer.

Mas há uma voz ancestral dentro dela que sabe que nunca irá desaparecer, não importa o queela faça ou o quanto ore.

Ela ficaria contente em ficar aqui a noite toda, lutando contra essa coisa dentro dela,respirando o ar do mar para tentar limpar suas entranhas, mas alguns colegas a interrompem.

— Ah, desculpe, — Lisa diz quando ela e Bryce tropeçam na varanda. Bryce quase não dáatenção; ele está beijando o pescoço de Lisa. — E aí, Hannah, — diz Lisa, bêbada. — Você seimporta se ficarmos aqui?

— Não, tudo bem, — Hannah diz trêmula, inclinando seu copo em direção a eles em umasaudação patética de longa distância. — Eu estava apenas me acalmando.

Ela se afasta da varanda e passa por eles, mas assim que chega à porta, Lisa diz:— Você viu sua garota, Baker, beijando Clay na pista de dança? Como eles são fofos! Você

tem que dizer a ela que eu disse que eles são fofos.— Sim, — Hannah diz, lutando duro contra a dor que se espalha por seu coração. — Eu

direi.

Ela não consegue encontrar seus amigos quando entra novamente na casa. Ela circula a pistade dança improvisada, em busca do cabelo escuro de Baker, dos óculos de Wally, da faixa denéon de Joanie e dos cachos bagunçados de Luke, até mesmo pelo sorriso pretensioso de Clay,mas nenhum deles está lá.

Ela desaparece subindo os degraus para o segundo andar, se esgueirando na escuridão comoum ladrão, esperando que ninguém perceba. Seu corpo parece solto com o álcool, mas seucoração está apertado de dor.

Ela os encontra em um quarto próximo ao patamar principal. Wally, Joanie, Luke e Clayestão sentados com as costas apoiadas em peças de mobília brancas. Eles sorriem para ela

quando ela abre a porta, e o alívio que sente é tão repentino que quase grita com eles.— Onde diabos vocês estavam? — ela diz.— Hmm, olá, acho que está bem claro que estivemos aqui, — Joanie ri.— Onde está Baker?— Ela foi procurar por algo... ou alguém... não me lembro, — diz Clay, batendo a cabeça

para trás contra uma cômoda, um sorriso bêbado estampado no rosto. — Mas não se preocupe,— diz ele, balançando as sobrancelhas, — ela vai voltar.

— Onde você esteve? — Wally pergunta.Hannah não responde a princípio: ela está muito preocupada com a insinuação de Clay.

Depois de uma pausa, ela se senta e murmura: — Varanda.— Falando poesia para as estrelas, — Joanie suspira dramaticamente.— Cala boca.— Ah, relaxa, Han, — Clay diz, cutucando ela. — Aqui, passe um minuto com meu amigo

Jack. Ele vai fazer você se sentir melhor.Ela olha fixamente para a garrafa de uísque.— O quê, você está simplesmente bebendo da garrafa?—Você quer um copo? — Joanie diz. — Você pode pegar aquele com a foto do turista

gordo ou aquele em que Luke regurgitou.— Obrigado por guardar os bons para mim.— Turista gordo, então, — Joanie ri e passa o copo para ela.Eles jogam um jogo em que todos têm que dizer “— nas calças do Luke” no final de cada

frase. Eles passam o uísque pelo círculo e bebem a cada poucos minutos, dando pequenos golesque queimam suas gargantas, os copos descartáveis a seus pés.

— Hannah, você está pegando mais... nas calças de Luke, — diz Joanie.— Cuide da sua vida... nas calças de Luke.— Eu vou te dar um murro.— Nas calças do Luke?— Vamos cantar uma música, — diz Wally, — ... nas calças do Luke.— O que você quer cantar nas calças de Luke? — Joanie diz.— “Calling Baton Rouge”. Nas calças de Luke.— Garrrrrth! — Joanie grita.— Vamos cantar Nicki Minaj, — diz Luke.— Você é gay pra caralho, — Clay ri.— Cara, — diz Luke. — “Super Bass”. Super. Bass.— Não podemos conectar um iPod ou algo assim? — Joanie pergunta. — Onde estão os

alto-falantes? Hannah, onde estão os alto-falantes?— Que diabos você está falando?— Nossos alto-falantes! Onde eles estão!— Ah meu Deus, Joanie, eles estão na nossa casa em Louisiana. Não estão aqui!— Ah, — diz Joanie, olhando preguiçosamente para a parede.— Vou por algo no meu telefone, — diz Luke.Ele coloca “Wagon Wheel” e todos eles inclinam a cabeça para trás e cantam juntos. Luke

envolve seus braços em volta de Joanie e eles balançam para frente e para trás, ambos cantandoalto e abertamente; Clay e Wally dedilham banjos invisíveis, com Clay seguindo o exemplo deWally. Eles cantam e riem e riem e cantam, mas Hannah não consegue cantar junto, ou mesmosorrir.

— Vamos escutar de novo, — diz Luke quando a música termina.— Não, — diz Clay, levantando-se do chão. — Vamos voltar lá para baixo. Estamos

perdendo a festa.— Quem precisa disso? Temos todo esse uísque só para nós.— Vamos, viemos para a festa, não podemos simplesmente nos esconder aqui.— Vamos voltar, então.— Cara, essa é a nossa única chance de realmente se soltar esta semana. Vamos. Vamos

todos voltar para o andar de baixo.— Acalme-se, Clay-Clay, — Hannah diz, batendo em sua panturrilha com a garrafa de

uísque. — Sua reputação não vai expirar só porque você está aqui.— Eu odeio quando você me chama assim.Hannah encolhe os ombros.— Todos nós odiamos as coisas às vezes.— Baker está lá sozinha, — diz Clay. — Você não acha que devemos ir procurar ela?Hannah pousa a garrafa de uísque e estreita os olhos para ele. Há uma pausa prolongada até

que Wally se levanta e junta as mãos.— Tudo bem, vamos todos descer, — diz ele.Luke faz um barulho de protesto no chão, mas Joanie beija sua bochecha e diz, com falsa

seriedade:— Você consegue. Eu acredito em você.— Legal, — diz Clay, balançando a cabeça enquanto todos se levantam. Ele abre a porta e

os leva em direção às escadas. — Eles provavelmente estão se perguntando para onde nósfomos?

— Provavelmente não — murmura Hannah baixinho, e Wally olha para ela e sorri.

No andar de baixo, a festa degenerou em um caos confuso e errático. O chão está cheio delatas de cerveja e copos vermelhos, e um grupo de calouros sequestrou o aparelho de som.Enquanto Hannah e seus amigos descem as escadas, Clay e Wally são puxados para umaconversa com um grupo de rapazes ruidosamente bêbados, mas Hannah percebe os olhos de Clayespiando além deles, procurando por algo. Hannah segue Joanie e Luke de volta para o centro dasala, onde Tyler e alguns jogadores de futebol mais velhos começaram a ficar em cima dosmóveis e balançar as mãos no ar. Tudo na visão de Hannah está turvo, como se alguém tivessecoberto os lados de seus olhos e colocado um filme sobre suas pupilas.

— Vamos pular nos móveis com eles! — Joanie grita no ouvido de Hannah. Hannah se virapara lhe dar um olhar incrédulo, mas Joanie apenas se engasga de tanto rir, agarra a mão de Lukee sobe na mesa da cozinha. Enquanto Hannah observa, Joanie balança para frente e para trás comseu cabelo loiro caindo sobre o rosto, e Luke pula em um círculo ao lado dela. A mesa bate como peso deles.

— Ei! — alguém grita no ouvido de Hannah, e ela se vira para encontrar Baker atrás dela.— Oi!— Onde você esteve?!— Andar de cima!Baker coloca a mão em volta da orelha dela para indicar que ela não pode ouvir, então pega

a mão de Hannah e a puxa para fora da multidão e pelo corredor. Hannah acha que elas estãoindo para a varanda, mas Baker a conduz por uma porta lateral para a garagem. Hannah fecha aporta atrás delas, mas a ouve saindo da fechadura.

— Esqueça, não tem problema, — diz Baker, entrando na garagem. — Eu só queria umpouco de ar.

— Então você nos trouxe para a garagem em vez da varanda?Baker sorri. Suas pálpebras parecem pesadas; seus olhos parecem desfocados. Ela aponta

para a geladeira externa e diz:— Eu também queria água.— Como você sabia que isso estava aqui?— Eu fui te procurar. Onde você estava?— Estávamos lá em cima, — diz Hannah, aproximando-se da geladeira. — Não consegui

encontrar você, mas encontrei todo mundo em um quarto lá em cima. Estávamos apenas bebendoe passando o tempo.

— Achei que você tivesse me deixado. Mandei uma mensagem três vezes.— Eu nunca faria isso, — diz Hannah, olhando fixamente para ela. — Você sabe disso.Baker abre a geladeira e tira uma garrafa de água. Ela abre a tampa com cuidado e diz, sem

olhar para Hannah:

— Sinto muito por não ter contado a você sobre Clay.Há uma pausa enquanto nenhuma das duas se olha. Hannah consegue ouvir a música

estrondosa lá dentro, mas de onde estão na garagem, ela sente que está ouvindo debaixo d'água.— Por que você não fez isso? — ela pergunta.Baker ainda não olha para ela. Seus olhos, desfocados e vidrados, abriram um caminho

angular para o chão de cimento. Ela inala como se estivesse prestes a falar, mas então fecha aboca.

— Baker?— Eu não sabia como me sentir sobre isso, — diz Baker.— Eu fiquei com Wally de novo, — Hannah oferece, — e também não sabia como me

sentia sobre isso.Baker levanta a cabeça.— Você ficou com Wally?— Sim. Algumas semanas atrás.— Ah.— Sim.— Isso é ótimo, — diz Baker, apática. Então, como se fazer a pergunta lhe causasse dor, ela

diz: — Como foi?Hannah fica boquiaberta. Ela capta a expressão de Baker: as sobrancelhas franzidas para

baixo, o lábio inferior projetando-se para fora e os olhos, turvos como estão, coloridos comaquele tom escuro perfeito e profundo. Há algo inominável em sua expressão — algum tipo depergunta maior que Hannah sente tremeluzindo no ar.

— Eu gostei mais de beijar você, — sussurra Hannah.Baker respira rapidamente, quase como se ela pudesse estar soluçando. Seus olhos voam

para a boca de Hannah, depois de volta para os olhos de Hannah.Hannah se inclina para frente e a beija. Baker se assusta, mas retribui o beijo. A garrafa de

água repousa entre seus corpos, pressionando o estômago de Hannah com frieza.Elas interrompem o beijo para respirar, mas Hannah não ousa se afastar dela, não quando

qualquer uma delas pode perceber o que estão fazendo. Ela beija Baker de novo, e Baker a beijatambém, e a garagem está silenciosa, exceto por seus sons de beijo molhado e o pulsar da músicado outro lado da parede.

Baker passa a mão pelas costas de Hannah, e Hannah a espelha automaticamente,instintivamente tocando o máximo que pode. Baker a beija com movimentos suaves e rítmicos,seus lábios se juntando e se separando graciosamente. E quando Hannah abre mais a boca e tocaa língua timidamente na de Baker, Baker responde com um zumbido e uma língua igualmenteansiosa.

É melhor do que Hannah se lembrava, melhor do que imaginou todas aquelas noites em queficou acordada na cama. É quente e doce e mexe em algo nela; isso desperta seu corpo de umamaneira que beijar Wally nunca fez. Ela sente isso em seu estômago, em seu coração e naquelacavidade misteriosa na base de seu torso, impelindo-a a seguir em frente, a beijar aquela garotaaté que alguma necessidade sem nome seja preenchida.

Então, um barulho. Uma porta batendo.Elas se separam e desviam os olhos para a porta, que agora está totalmente fechada. O

estômago de Hannah encolhe de pavor.— Alguém nos viu, — Baker engasga. Na penumbra da garagem, sua expressão é selvagem

com medo primitivo. Ela respira de forma irregular, sua respiração ofegante, e seus olhos estãofrenéticos, como os de um animal preso.

— Está tudo bem, — diz Hannah, sentindo-se igualmente em pânico. Ela pode ouvir o terrorem sua própria voz e luta para controlá-lo pelo bem de Baker. — Aposto que alguém acabou debater na porta a caminho da varanda.

Baker não parece estar ouvindo. Seus olhos disparam por toda a garagem, mas ela não olhapara Hannah. Coloca a mão na geladeira para se equilibrar, então cai contra a parede da garagem,quase hiperventilando.

— Está tudo bem, — diz Hannah, implorando a ela, ou talvez apenas implorando a simesma. O pânico que ela sente é sufocante. — Vamos apenas… vamos apenas voltar para a festacomo se estivesse tudo bem…

— Precisamos ir para casa, — Baker murmura, seus olhos ainda selvagens de medo.— Ok, — diz Hannah, tentando respirar em torno de seu pânico, — vamos pegar os outros,

vamos…— Não —, diz Baker, ainda se recusando a olhar para Hannah. — Não vamos a lugar

nenhum juntas. Não vamos.— Pare de surtar, — Hannah diz, ouvindo a enxurrada de emoções em sua própria voz.— Você vai para dentro. Entra primeiro, e eu entrarei em alguns minutos...— Eu não vou deixar você aqui sozinha, você está muito chateada…— Apenas vá! — Baker ordena em um sussurro estridente.Hannah tropeça para longe dela, sentindo como se a noite inteira tivesse sido envenenada

pelo medo. Ela foge de volta para a casa e tenta recuperar o fôlego, mas seu coração bate tãorápido que ela pensa que pode desmaiar com isso.

Ela corre para a varanda sem pensar no assunto. Felizmente, tem poucas pessoas. Elapendura os braços sobre o parapeito e engole o ar com cheiro de água salgada, implorando paraque sua cabeça clareie e sua frequência cardíaca diminua.

Por favor, ela pensa, as palavras vêm de dentro dela. Por favor, por favor, me ajude.

A caminhada para casa é confusa. Hannah está vagamente ciente de Clay liderando o grupoe de Luke e Joanie caminhando atrás dela. Ela caminha com Wally e não diz nada, sentindo-seperdida no labirinto de sua própria mente.

A única coisa em que ela consegue concentrar sua atenção é em Baker, que caminha ao ladode Clay, com os ombros curvados e as sandálias se arrastando apaticamente na calçada.

— Estou indo para a cama, pessoal, — diz Clay quando entram na casa. Na penumbra dacozinha, ele parece cansado e esgotado. — Alguém precisa de alguma coisa?

— Não, também vou para a cama, — resmunga Luke, cansado.— Deixe-me pegar um pouco de água para todos, — diz Wally.— Venham todos tomar uma aspirina — sussurra Joanie, remexendo na bolsa.Hannah está indecisa atrás do grupo, hiper consciente de Baker e da tensão que parece

irradiar dela.— Ei, — Clay diz, indo até Baker e falando em voz baixa. — Você está bem? Precisa de

alguma coisa?— Estou bem, — sussurra Baker. — Obrigada, Clay.— Sem problemas, — ele sorri.Os meninos vão para o porão e Joanie lidera o caminho escada acima, Hannah seguindo

atrás dela e Baker seguindo vários passos atrás de Hannah. Joanie entra no quarto no primeiropatamar, acenando silenciosamente atrás dela enquanto fecha a porta, e então Hannah lidera ocaminho para o quarto no último andar, seu peito pesado de ansiedade.

Elas não falam enquanto se preparam para dormir. É uma sensação clínica e deprimente paraHannah, que só consegue se lembrar de noites de besteiras e risadas abafadas e fazendo caretasvesgas uma para a outra no espelho. Mas agora Baker não olha mais para ela no espelho oupessoalmente.

Hannah abre as janelas enquanto Baker escova os dentes no banheiro. O ar fresco da noitetorna mais fácil para ela respirar. Ela encosta a testa na tela da janela, tentando manter a calma,tentando contextualizar esta noite como apenas um evento desorientador no que de outra formaseria uma longa vida de estabilidade.

Para sua surpresa, Baker fala com ela.— Eu não quero as janelas abertas.Hannah se vira, totalmente pega de surpresa.— O que?Baker passa pelas janelas, olhando fixamente para longe dela.— Não essa noite. Eu não consigo lidar com isso.— O que as janelas têm a ver com alguma coisa?

— Apenas, feche-as, por favor, — Baker bufa. Sua voz treme com uma raiva mal contida.Hannah a encara, esperando por uma explicação, mas Baker sobe na cama, vira de lado e

não diz nada.— Tudo bem — diz Hannah. Ela fecha as janelas com força, por meio segundo ela se

assusta, temendo que ela possa ter acordado os Landry, mas o quarto rapidamente se dissolve emsilêncio novamente.

Capítulo Sete: As Únicas Duas Humanas Na Terra

Baker saiu da cama quando Hannah acorda no dia seguinte. Hannah a encontra na cozinha,comendo uma tigela de cereal e conversando com a mãe de Clay.

— Bom dia, Senhorita Hannah! — A mãe de Clay diz, muito alto e animada para o estadoatual de Hannah. Ela agarra uma caneca de café e veste um robe com estampa floral. Baker sesenta ao lado dela na mesa, mas não levanta os olhos de seu cereal.

— Bom dia, Sra. Landry — diz Hannah.— O que você gostaria de comer?— Eu só vou pegar um pouco de Raisin Bran, obrigada.Ela coloca o cereal em uma das delicadas tigelas de cerâmica e, em seguida, enche um copo

de plástico com água gelada. A mãe de Clay retoma sua conversa com Baker, perguntando sobrecomo ela vai escolher um colega de quarto para a LSU. Quando Hannah se senta à mesa comelas, a Sra. Landry desvia o olhar de Baker para dar a Hannah um sorriso de boas-vindas, masBaker mantém os olhos fixos na Sra. Landry.

Hannah se esforça para fazer contato visual com Baker, mas Baker apenas olha entre suatigela de cereal e a Sra. Landry. Um telefone celular toca e a Sra. Landry se levantagraciosamente da cadeira para atender.

— Ah, espere, meninas, eu tenho que atender isto, é uma das minhas garotas do estudo daBíblia, — diz ela. — Alô? — ela responde. — Bem, bom dia para você também!

Hannah brinca com as passas em sua tigela, enterrando-as embaixo do leite, até que a Sra.Landry sai para a varanda dos fundos e fecha a porta.

— Ei, — Hannah disse baixinho, olhando para Baker. — Você está bem?Baker encontra os olhos dela por uma fração de segundo.— Bem. E você?— Sim. — Hannah bate com a colher na tigela.Elas não dizem mais nada uma à outra.

Baker não fala diretamente com Hannah depois que seus amigos acordam e preenchem oespaço ao redor delas. Todos eles caminham até a praia novamente, e o sol bate forte em Hannahcomo todos os dias desta semana, mas Baker não a olha nem sorri para ela, e cada piada oucomentário que Hannah diz aos outros parece materializar-se de um lugar vazio e assustador de

dentro dela.Os meninos passam muito tempo no oceano. Hannah fica na areia com Joanie e Baker,

fingindo ler enquanto as duas jogam uma bola de vôlei para a frente e para trás. Depois de umtempo, Joanie se joga na toalha e coloca os fones de ouvido, e Hannah e Baker são deixadas emum silêncio quente.

Baker se ajoelha em sua toalha para aplicar protetor solar e Hannah se concentra tanto notexto de seu livro que as letras ficam borradas. Ela pode ver Baker em sua visão periférica,apertando os olhos por baixo dos óculos de sol enquanto cobre os ombros e os braços. Baker seestica atrás dela para esfregar as costas, e Hannah observa sua luta por um momento antes queela não aguente mais. Ela joga o livro na toalha e se senta para ajudá-la.

— Estou bem, — diz Baker.— Só me deixe passar nas suas costas.— Estou conseguindo.— Não muito bem. Apenas… aqui. — Hannah esfrega um pouco de loção entre as

omoplatas de Baker, e Baker se inclina para frente, com os ombros tensos. Hannah coloca maisprotetor solar nas costas de Baker e passa espalha por sua coluna, descendo até os quadris.

— Tudo bem? — Hannah pergunta.— Sim — diz Baker, com um tom de voz áspero, e então ela se solta do toque de Hannah e

caminha propositalmente até a água, e Hannah fica ajoelhada em sua toalha.

Há pizza para o jantar naquela noite. A Sra. Landry pede desculpas ao grupo por não terenergia para cozinhar algo, e o Dr. Landry dispensa as desculpas e diz:

— Está tudo bem, querida, podemos comer pizza uma noite esta semana.Hannah se senta na varanda dos fundos depois do jantar e joga Apples to Apples com Wally,

Luke e Joanie. Ela tenta não pensar em como Baker ainda está sentada à mesa da cozinha comClay e seus pais.

— Clay provavelmente está tão desconfortável, — Joanie ri. — Você sabe que ele odeia suamãe se envolvendo demais em qualquer coisa.

— Sim, mas ela não seria a mãe de Clay se não entrevistasse a parceira de formatura, — dizLuke. — Ou namorada. Tanto faz.

— Acho que ela a entrevistou aqui e ali durante toda a semana, — diz Joanie, escolhendouma de suas cartas e jogando-o para baixo para combinar com a categoria. — Ontem eu a ouviperguntando sobre o irmão de Baker e como ele gosta de Nova Orleans e tudo mais.

— Descobrindo a família, — diz Luke. — Mama Landry tem planos de longo prazo.—Você consegue imaginá-los casados? — Joanie ri. — Clay diria, “Querida, estou em casa

depois de treinar futebol infantil e juvenil e todos esses outros esportes masculinos, o jantar está

na mesa?” E Baker diria, “Espera aí, Clay-Clay, eu estou terminando estes papéis do conselhomunicipal e todas as minhas outras atividades de perfeccionista!” Seria um pesadelo.

O estômago de Hannah aperta e a coisa dentro de seu peito dói mais do que nunca. Porfavor, faça isso ir embora. Por favor, me deixe ser normal. Por favor, me deixe achar issoengraçado, como eles acham.

— Okay, sério? — Wally diz, segurando a seleção de cartas para a categoria que estájulgando. — “A lixeira,” “Sua avó” e “Herpes''? Para a carta Deliciosa?

— Acho que estamos todos no mesmo comprimento de onda aqui, — diz Luke.— Isso é uma merda absoluta.— Ah, Walton, sempre esquecemos que você gosta de jogar este jogo literalmente, — diz

Joanie.— Não foi você quem me ensinou que deveria jogar para o juiz? Tudo bem, eu vou com…

“Sua avó.”— Sim! — diz Luke. — Aquela era minha.

Há mais bebida naquela noite. Clay tira uma garrafa de Wild Turkey American Honey, queHannah nunca experimentou, e todos se revezam para beber enquanto se sentam ao redor dapiscina e conversam. Wally faz todos rirem ao descrever sua série de fantasias de Halloween deYu-Gi-Oh da escola primária, e Joanie diverte o grupo com histórias sobre como foi crescer comHannah.

— E nós brincamos de casa de boneca até ter, tipo, 12 e 13 anos, não é, Han? Estávamosmuito além da idade em que deveríamos ter brincado disso. Mas tínhamos todo um grupo defamílias que moravam juntas nesta casa, e costumávamos passar horas arrumando os móveis e adecoração.

— E tínhamos aquele mordomo, — diz Hannah. — Aquela estatueta realmente feia quetiramos de algum outro conjunto de peças, e você desenhou sobrancelhas raivosas em seu rosto eo chamamos de “Hector”.

— Sim, e costumávamos rir tanto porque colocávamos a filha de oito anos para mandar emHector, mas apenas quando os pais da casa de boneca não estavam olhando, então se tornou todauma subsérie dentro do nosso universo de casa de boneca.

— E nós tivemos os bebês também. Os trigêmeos.— Ah Deus. Sim, então o personagem favorito de Hannah era este menino que chamamos

de “Oliver”. E ele era definitivamente o bebê mais fofo. E um dia nós simplesmente o perdemos.E Hannah passou dois meses procurando por ele, tipo absolutamente revirando a casa em suabusca para encontrá-lo. E sempre que ela tinha um momento livre, ela iria caçar Oliver. E umavez eu a peguei chorando na lavanderia porque ela estava tão chateada por não conseguir

encontrá-lo. E ela disse, “Joanie, agora eu entendo o que é dor.”Hannah ri junto com seus amigos e, sem nem querer, quase como um reflexo, ela olha para

Baker e vê algo profundo e saudoso no rosto de Baker. Hannah o pega e o segura por uma fraçãode segundo, mas então os olhos de Baker se desviam, quase com medo, e então Hannah desvia oolhar também.

Wally tenta beijar Hannah um pouco depois disso. Ele a intercepta quando ela está voltandodo banheiro e coloca as mãos em seu rosto antes que ela perceba o que está acontecendo.

—Uau, — ela diz contra sua boca. Ele a beija novamente, então começa a passar a mão pelocabelo dela.

— Eu queria fazer isso a semana toda, — diz ele. Sua barba por fazer queima contra seuqueixo.

— Espera. Wally, espera.Ele se afasta. Seus olhos estão bêbados; seus lábios estão molhados.— Não esta noite, — Hannah diz. — Eu só... não me sinto tão bem. Desculpe.— Tudo bem. — Ele acena com a cabeça algumas vezes. — Tudo bem. Posso... posso te

pegar um remédio ou algo assim?— Não, sério, estou bem.— Ok, — diz Wally, sua expressão desanimada. — Bem... eu vou te encontrar de volta lá

fora, acho.E então ele caminha em direção ao banheiro, e Hannah está no corredor que leva à piscina

com o queixo ardendo e o peito doendo.

Na quarta-feira, Hannah acorda antes de Baker. Sua mente sonolenta estremece de irritaçãoe ela se lembra, vagamente, que sonhou com algo triste.

Baker dorme com a cabeça voltada para a porta. Hannah observa a ascensão e queda de suascostas. Ela pensa nos pulmões de Baker, trabalhando em algum lugar dentro dela para manter suarespiração — para mantê-la aqui com Hannah — e em seu coração, bombeando sangue por todoseu corpo e, o mais misterioso, mantendo seus segredos mais profundos aninhados dentro dela.

Hannah e Joanie saem da praia e voltam para casa por volta do meio-dia. As duas precisamfazer xixi e Joanie diz que quer fazer outro sanduíche, então elas caminham em silêncio até acasa, aproveitando o descanso da areia quente.

— O que está acontecendo com você e Baker? — Joanie pergunta enquanto elas andam pelacozinha.

— O que você quer dizer?— Vocês estão sendo estranhas. Vocês não estão, tipo, obcecadas uma com a outra e rindo

das piadas uma da outra como costumam fazer.— Estamos bem, — diz Hannah. — Acho que ela só está de mau humor. Estressada com a

faculdade ou algo assim.Joanie mastiga suas batatinhas por alguns segundos enquanto encara Hannah por um longa e

intensamente.— Ok, — ela diz enfim, e então pega uma garrafa de água e lidera o caminho de volta para a

praia.

Na quinta-feira, seu último dia inteiro em Destin, eles ficam na praia até às seis da noite,muito depois de o calor do sol ter se transformado em ar fresco. Os seis estão deitados de costasna areia, cada um deles de frente para o céu, as ondas embalando-os naquele estado meditativoentre a vida e o sono.

— Eu não quero ir embora, — diz Clay, quebrando o silêncio.Nenhum deles responde, mas Hannah sabe que todos devem concordar com ele. Ela abre os

olhos para o filtro de seus óculos de sol e o céu tingido de rosa. Ela se pergunta como os seisdevem parecer para as nuvens. Alinhados na areia, seus corpos seminus espalhados emoferendas, suas peles queimadas e sardas recém-formadas, uma prova de que eles não têm medodo sol, que eles acreditam apenas neste dia e em sua própria imortalidade.

— Eu também não quero ir, — diz Wally.— Nem eu, — diz Joanie.Hannah examina as nuvens, as gaivotas e o sol. Ela quer ir embora e quer ficar. Ela quer

erguer a mão para os céus e ordenar que tudo pare, que o tempo pare, que as regras e as leis seretraiam para que a natureza possa fazer o que ela quer. Hannah quer se sentar em cima de suatoalha e olhar para os corpos alinhados de seus amigos, congelados no tempo sob o céu, e elaquer tirar Baker de seu meio, fora do tempo, e caminhar com ela ao longo da costa, seguindo ooceano infinito, com nada se movendo em toda a terra verde, exceto as duas e a água e o céu.

E Hannah quer perguntar coisas a ela. O que ela pensa naqueles últimos segundos antes deadormecer à noite? Sua mente flutua em cores quando ela ouve música? Como ela se sente aocaminhar sob as árvores no Garden District? Quando ela sente mais medo? Ela percebe quandoestá agindo com coragem? Quando ela ora, ela está sendo sincera? Ela já conheceu Deus? Elaquer fazer isso? Quando é tarde da noite e o mundo parece incontível e o ar está quente em suapele, em quem ela pensa?

— Quero ficar aqui para sempre, — diz Clay.Baker não diz nada. Hannah não diz nada.

O Dr. e a Sra. Landry falam para eles jantarem sozinhos naquela noite; eles querem assistir a

um culto da Quinta-feira Santa na igreja local e depois sair por conta própria.— Por que vocês não visitam aquele restaurante de salada? — A Sra. Landry diz enquanto

aplica babosa no pescoço queimado de sol de Clay. — Comam algo gostoso e saudável.— Sim, mamãe, provavelmente iremos, — Clay diz.Após a saída dos Landry, os seis preparam um banquete de macarrão com queijo, Hot

Pockets, Batatas fritas Ore Ida e Coca-Colas e, em vez de se sentarem à mesa, levam toda acomida para a varanda dos fundos e comem durante o pôr do sol.

— Isso sim é uma Última Ceia, — diz Wally entre mordidas nas batatas fritas.— Este é o meu Hot Pocket, — diz Luke, segurando-o diante do rosto de Wally, — que será

dado a você.

Eles passam a última noite nadando na piscina e na banheira de hidromassagem. Os Landryvoltam tarde para casa e acenam para eles da varanda, e Hannah e seus amigos acenam para elese lhes desejam uma boa noite.

— Vou sentir falta deste lugar, — diz Wally enquanto Hannah se senta com ele na banheirade hidromassagem.

Hannah olha para baixo em direção à piscina, onde Baker se senta nos ombros de Clay e lutacontra Joanie e Luke.

— Sim, — ela diz. — Sim, eu também.

Por volta da meia-noite, sentindo-se cansados e enrugados após passar tanto tempo napiscina, eles pegam as toalhas e sobem na ponta dos pés para a sala da família. Clay coloca umfilme e todos eles deitam nos sofás, agarrando suas toalhas ao redor de seus corpos molhados etentando ficar acordados em sua última noite.

Wally cochila no meio do filme, e quando sua cabeça cai sobre o ombro nu de Hannah, ela odeixa ficar lá, pensando que não há razão para lutar contra isso.

Quando o filme termina, Clay se levanta sonolento do sofá e desliga a televisão. Joanie eLuke estão dormindo no sofá à esquerda de Hannah; Wally está dormindo em seu ombro; eBaker parece estar dormindo no sofá à direita de Hannah. Hannah fecha os olhos antes que Clayse vire.

— Estou indo para a cama, — ele sussurra. Seus passos se movem de volta para o sofá queele e Baker estavam compartilhando. — Você quer vir?

Há um silêncio absoluto por um momento — o coração de Hannah balança à beira dealguma coisa — mas então Baker diz:

— Não esta noite. Muito cansada.Hannah abre os olhos uma fração de centímetro e os observa. Clay está parado perto de

Baker, ainda envolto em uma toalha de piscina. Baker está sentada imóvel no sofá.— Tudo bem, tudo bem, — ele diz, e então se afasta dela e acende uma lâmpada.Hannah mantém os olhos fechados enquanto Clay desperta Luke e Joanie, e então ela finge

acordar quando ele se aproxima dela e de Wally. Eles se esticam e arrumam as almofadas nosofá, e então todos caminham em direção a seus quartos separados, nenhum deles falando emseus estados de cansaço.

Hannah alcançou o primeiro patamar da escada antes de perceber que Baker não saiu dosofá. Ela é a única que permanece na sala da família: os meninos já desceram para o andarinferior e Joanie já subiu as escadas à frente de Hannah.

— Você vem? — Hannah sussurra.Baker afasta seus olhos de tudo o que ela estava olhando e olha rapidamente para Hannah —

na luz fraca da lâmpada, seus olhos parecem negros e mortos.— Em um minuto, — ela diz.Hannah hesita, perguntando-se se ela deveria voltar para baixo e falar com ela, mas Baker já

desviou o olhar.

Hannah fica acordada por minutos e minutos, revirando os acontecimentos da semana, seperguntando se as coisas vão melhorar quando eles voltarem a Baton Rouge, tentandodesesperadamente não sentir a dor em seu peito. Ela fica lá pelo que parece uma eternidade eainda assim Baker não aparece. Uma parte horrorizada de Hannah pensa que talvez Baker mudoude ideia e desceu para o quarto de Clay. Outra parte dela começa a se preocupar: ela nãoconsegue parar de imaginar aquele olhar negro e morto nos olhos de Baker.

Ela se levanta da cama e desce na ponta dos pés. Baker não está mais na sala da família, nemna cozinha. Hannah sai para a varanda dos fundos, mas Baker não está lá, então ela desce asescadas para o quarto dos meninos e para do lado de fora da porta, ouvindo. Ela abre a porta omais silenciosamente que pode e ouve a respiração dos meninos. Olha em volta para suas camasde solteiro, mas Baker não está em nenhuma delas. Ela dá um suspiro de alívio. Em seguida, saipara a piscina, mas Baker também não está lá.

Ela não sabe ao certo por que faz isso, mas sai de casa e desce em direção à praia. Um únicoposte de luz ilumina seu caminho enquanto ela caminha, estremecendo ligeiramente em suacamiseta e shorts de dormir. Ela passa pelo chuveiro ao ar livre na beira da praia, e então tira assandálias e caminha para a areia fresca.

A figura de Baker aparece enquanto Hannah caminha mais em direção à água. Ela pode vê-la sentada na areia, rígida e imóvel, seu contorno iluminado pela lua branca e brilhante. Os pésde Hannah esfregam contra a areia com aquele som familiar deslizante, e ela não tenta dar passosmais silenciosos, pois espera que o som de seus pés alerte Baker de sua presença.

Baker se vira quando Hannah ainda está a alguns metros de distância. Ela solta um suspiroderrotado.

— Ei, — Hannah diz. — Posso me sentar?Baker não diz nada. Hannah se senta ao lado dela.— O que você está fazendo aqui? — Hannah pergunta baixinho.Baker observa o oceano. Ela não pisca por quase um minuto. Então ela abaixa a cabeça para

olhar para a areia.Hannah olha a garrafa de Cabernet descansando entre os joelhos de Baker.— Você está bebendo?Baker suspira e finalmente abre a boca.— Você sempre foi inteligente.O sarcasmo machuca, mas Hannah não responde a ela. Ela abaixa a cabeça e estuda os

arrepios em suas pernas.— Posso beber um pouco? — ela pergunta.Baker entrega a garrafa, mas ainda não olha para ela. Hannah engole o vinho quente e

amargo, sentindo-o inundar seu estômago.— Meu pai sempre diz, — Hannah sussurra, fazendo uma pausa para tomar outro gole, —

que quando ele bebe vinho, gosta de imaginar as mãos da pessoa que colheu as uvas que ofizeram.

Baker borrifa areia nas panturrilhas dela.— Isso soa como algo que seu pai diria.— Baker, sinto muito, — diz Hannah com meia voz. Ela cruza as mãos em torno da garrafa

de vinho e respira uma, duas, três vezes, antes de falar novamente. — Eu não deveria ter feito oque fiz… é só… é que eu gostei muito, e pensei que você também tivesse gostado.

As ondas se estendem em direção à areia, depois recuam em direção a seu centro indefinível.Eles sussurram sua magia hipnotizante, dizendo Sim, sim, Verdade.

— Não podemos ter essa conversa, — diz Baker.— Nós temos que ter isso. Não podemos continuar fazendo a mesma coisa e depois não falar

sobre isso…— Hannah, não quero falar sobre isso, — diz Baker, respirando tão rápido que ela poderia

estar sufocando.— Você acha que eu quero?!— Sim! Acho que é exatamente isso que você quer! Você sempre quer falar sobre coisas que

não deveriam ser faladas!— Porque PRECISAMOS! Você não pode simplesmente continuar se escondendo de mim,

e se escondendo de tudo o que está acontecendo entre nós, só porque pode ser confuso e

assustador e exija que você pinte fora das linhas! Eu sei que você está com medo, mas adivinhe,eu também estou com medo!

— Você não está com medo! — Baker grita, levantando-se da areia e se afastando emdireção ao oceano. — Você nunca está com medo!

Hannah fica perplexa por um momento, mas então ela se levanta da areia e segue Bakermais longe na praia.

— Como você sabe? Como você sabe que não estou com medo?! Talvez eu esteja commedo! Talvez eu esteja apavorada!

Baker se vira e há um fogo escuro brilhando em seus olhos.— Ah está?! — ela grita, sua expressão contorcida com medo e loucura que Hannah nunca

viu antes. — Diga-me, Hannah, o quão assustada você está? Você está com medo de que alguémnos viu na garagem? Porque você não pareceu muito perturbada com isso. Você está com medode que nossos amigos descubram? Você está com medo de que os meninos descubram? E quantoaos nossos colegas de classe? Que tal nossa escola inteira? E quanto aos nossos pais? E tudoalém disso, Hannah? Diga-me, como você está se sentindo a respeito de Deus neste momento?Você está com medo de que ele vá rejeitá-la? Talvez Ele já tenha feito isso? Você está com medode que estejamos mexendo com algo que remonta à criação original? Você está com medo deque este seja o único problema, a única coisa que joga tudo o que já aprendemos sobre Deus ereligião em dúvida? DIGA-ME, HANNAH, — Baker grita, sua voz falhando agora, —QUANTO EXATAMENTE VOCÊ ESTÁ COM MEDO?!

Ela se vira e marcha pela areia, mais para baixo em direção à água, e Hannah a segue sempensar a respeito, com os calcanhares doendo ao atingir a areia.

— Estou com medo de todas essas coisas! — Hannah grita, chutando areia nas pernas deBaker. — Tudo que você acabou de nomear, e Deus, e o julgamento, tudo isso!

Baker se vira e chuta a areia em Hannah.— Apenas vá embora! — ela chora. — Pare de tornar isso tão difícil!— Não! Eu não vou embora! — Hannah grita, chutando mais areia em Baker. — Não até

você falar comigo!Baker pega um punhado de areia e joga no rosto de Hannah. Hannah se inclina para frente, a

areia ardendo em seus olhos e bochechas. Ela cospe areia da boca e ouve ranger em seus dentes.— Eu não tenho que falar com você sobre tudo, — diz Baker, com a voz embargada de

lágrimas.Hannah limpa o rosto no braço e cospe na areia novamente. Seu sangue corre por seu corpo

e ela rosna para Baker.— Você realmente acabou de jogar areia na minha cara?Baker abre a boca insegura, mas então Hannah pega um punhado de areia e joga de volta

para ela. Baker grita e cai de joelhos, limpando loucamente o rosto.Hannah está furiosa agora: ela chuta a areia indefinidamente enquanto Baker cospe e cruza

os braços sobre o rosto. Baker se encolhe até que ela cai prostrada com a cabeça entre as mãos, eentão começa a tremer.

— Por favor, — ela chora. — Hannah, por favor.Hannah congela. A respiração de Baker vem em grandes suspiros enquanto ela chora com o

rosto na areia.— Por favor, — ela chora novamente, mais fraca desta vez. — Por favor, Hannah.— Bake, — Hannah diz, caindo de joelhos. — Bake, eu sinto muito. Eu sinto muito.— Por favor, Hannah…Hannah envolve os braços em volta dela. Baker tenta se livrar de Hannah sem mudar de

posição, fazendo ruídos de dor e protesto, mas Hannah aperta seus braços.— Baker, — Hannah diz desesperadamente, lutando para segurá-la, — me desculpe. Eu

sinto muito.— Hannah, — Baker chora. — Hannah, faça isso parar.— Bake?— Faça isso parar, — ela repete, não lutando mais, mas continuando a chorar. — Faça parar.Hannah coloca a mão no ombro de Baker e a puxa de volta em sua direção, tirando-a da

areia. Ela contorna Baker até ficar de frente para ela e, em seguida, toca o rosto de Baker com asmãos, limpando a areia. Baker soluça desamparadamente, com os olhos fechados, as lágrimasescorrendo pelo rosto. Hannah limpa a areia da testa, dos olhos e da boca.

— Baker, — diz Hannah, sua voz falhando.Baker abre os olhos e toda a raiva desaparece deles. Agora ela só parece angustiada e

quebrada.— Bake, — sussurra Hannah, — sinto muito. Eu sinto muito. — Ela coloca a mão na lateral

do rosto de Baker, e Baker se inclina até ela. Ela puxa Baker em seus braços, e Baker cai dentrodela como uma criança, ainda chorando e ofegante. — Está tudo bem, — diz Hannah. — Tudobem.

— Odeio isso.Hannah embala a cabeça de Baker sob o queixo. Ela beija o topo da cabeça de Baker

repetidamente enquanto a embala em seus braços.— Está tudo bem, — Hannah promete a ela. — Tudo bem. Tudo bem.As ondas quebram na rebentação. Hannah sabe que ela e Baker estão fora do tempo. Ela

pode dizer pelo sussurro do ar e o padrão das estrelas, pela inchação de seu coração e pelaproximidade de sua dor. Elas são as únicas duas humanas na terra esta noite, ela e Baker, eHannah sabe disso. A areia é fria até que sua pele traga calor para seus pequenos grãos. Os céus

são invisíveis até que olhem para cima, seus olhos procurando por luminárias na grande cúpulado céu. As ondas ainda não foram descobertas, ainda são ingênuas em seus movimentos: nãosabem que alguém as está observando. Nós estamos vendo, Hannah pensa.

— Você realmente está com medo? — Baker pergunta, quando elas estão calmas.— O tempo todo. — Hannah olha para ela. — Mas eu ainda sinto isso, essa atração por

você. Como se eu quisesse estar perto de você a cada segundo. Como se eu não pudesse irembora.

Baker enxuga os olhos dela. Em sua voz mais suave, ela diz:— Eu não quero me sentir assim.— Nem eu, — diz Hannah.Baker se vira para ela na escuridão. Ela enxuga os olhos novamente.— Eu quero estar perto de você também. O tempo todo. Eu olho para você e eu só... eu só...— Eu sei, — Hannah diz, pegando sua mão. — Eu também.— Mas estou com medo, Han. Estou com medo e... não sei se está tudo bem. Eu não quero

estar errada.— Eu sei, — Hannah engole.Baker olha para ela com olhos desesperados, iluminados apenas pelo brilho da lua.— Você acha que estamos erradas?O coração de Hannah pesa em seu peito.— Não, — ela respira, e no silêncio que se segue à sua admissão, ela não consegue discernir

a verdade da mentira.Os olhos de Baker estão tristes, mas determinados. Ela olha para Hannah, e agora elas estão

lendo uma a outra, lendo os olhos uma da outra, lendo a identidade uma da outra, e o coração deHannah bate tão forte em seu peito que ela sente que só agora foi colocado dentro dela, um órgãopara confirmar sua humanidade.

Os olhos de Baker estão úmidos.— Hannah, — ela diz, — Hannah, eu quero…Hannah acena com a cabeça e percebe que seus olhos estão molhados também. Ela coloca a

mão na areia fria e se empurra para frente até que seus lábios encontrem os de Baker com o toquedelicado das folhas das árvores. E lá na praia, com a areia, o céu e a água como testemunhas,Baker a beija de volta e Hannah deseja desesperadamente que o bater das ondas seja umacelebração e não uma condenação.

— Não chore, — sussurra Hannah contra a boca de Baker.— Tenho que fazer, — Baker engasga. Elas se beijam lindamente, mas interruptamente,

cada beijo transmitindo desejos, orações e vergonha, suas lágrimas se misturando na boca umada outra, e em um momento surpreendente de clareza, Hannah sente Deus ali com ela, batendo

forte em seu coração, fluindo por seu corpo e sangue, mas seja em júbilo ou admoestação, elanão sabe.

— Espere, — sussurra Baker, recuando e enxugando os olhos. Ela vira a cabeça de um ladopara o outro, olhando para a praia, depois olhando para o céu, seus olhos buscando algo além deHannah. — Vamos voltar para a casa.

— Agora mesmo?O lábio de Baker treme.— Eu não quero fazer isso aqui fora.Hannah faz uma pausa.— Okay.O quarto delas é um santuário, embalando-as em sua escuridão remota, escondendo-as do

resto da terra. Ele está repleto das formas escuras de suas roupas e toalhas, crescendo fora dotapete como flora e fauna familiares.

Hannah vai até as janelas para deixar um pouco de ar entrar no quarto, mas a voz de Baker aimpede.

— Não faça isso, — diz ela com urgência. — Mantenha elas fechadas. — Sua voz estátrêmula e dolorida. Hannah fica parada com os pés descalços esfregando areia no tapete.

Eles se encaram, seus olhos se esforçando na escuridão.— Hannah?— Sim? — Hannah responde, sua própria voz tremendo e soando dolorosa agora.— Somos apenas nós, certo?Hannah caminha até ela. Ela toca sua bochecha e encontra seus olhos. Há uma luz

desesperada pendurada em suas pupilas. Um lampejo de paixão, um lampejo de vergonha.— Somos apenas nós.Baker acena com a cabeça, e Hannah pode ver em seus olhos semicerrados que ela está se

esforçando tanto para acreditar. Lágrimas escorreram de seus olhos novamente, água e sal seacumulando em seu rosto, assim como aconteceu no rosto de Cristo quando ele chorou nojardim, assim como aconteceu no rosto de Eva quando ela chorou além do jardim.

Hannah se aperta contra ela e beija suas lágrimas.— Só nós.Baker levanta a mão instável e agarra o algodão da camisa de Hannah.— Você poderia... — ela começa com uma respiração trêmula. Ela balança a cabeça e agarra

a camisa de Hannah com mais força. — Você poderia… ?Hannah a beija suavemente, pressionando seus lábios com a mais antiga inocência. Baker

inala como se fosse a primeira vez que ela o faz, com os olhos fechados e a mão ainda atada nacamisa de Hannah. Elas se beijam novamente, com mais ansiedade desta vez, até que o beijo se

transforma em uma fome mais profunda, cada uma pedindo para se saciar, ambas fazendooferendas de lábios, línguas e saliva.

As mãos de Baker vagam pelos quadris de Hannah e ao redor de suas costas, e Hannahreflete suas ações, tocando o tecido elástico do maiô de Baker e, em seguida, a nudez macia desua pele. Elas se beijam com força e se tocam com uma inquietação frenética, e não há nenhumsom no quarto, exceto a união de seus lábios molhados e sua respiração ofegante. Baker beija amandíbula de Hannah, sua orelha, seu pescoço, sua clavícula e, em seguida, a leva de volta paraa cama e a coloca de costas, de modo que Hannah está esparramada sob a cortina de longoscabelos escuros de Baker. Hannah se rende com uma vontade hesitante, abrindo-se bravamenteao destino desses beijos, sentindo seu sangue correr por seu corpo. Ela se senta e coloca as mãosnos quadris de Baker para deixá-la parada, e então ela puxa sua própria camisa sobre a cabeça.Baker se afasta de Hannah e olha sem fôlego sobre seu corpo, e quando Hannah encontra osolhos de Baker, ela ainda pode ver aquela luz desesperada pairando neles, ampliada em suaspupilas dilatadas. Baker desliza as mãos pela barriga de Hannah, aparentemente maravilhadacom os arrepios que se formam com seu toque, seu rosto cheio de admiração, seus olhoscarregando aquela luz desesperada.

Então Baker tira a parte de cima de seu maiô e Hannah só consegue respirar.Baker paira sobre Hannah, respirando com dificuldade, seu rosto ainda molhado de

lágrimas. Os braços de Hannah começam a tremer, como galhos de uma árvore em umatempestade, e as sobrancelhas de Baker se franzem de preocupação, mas Hannah mantém contatovisual com ela e se deita na cama.

Baker beija o peito de Hannah, sua barriga, seu umbigo, os ossos de seus quadris. O corpode Hannah treme mais e Baker olha para ela com olhos doloridos, perguntando o que fazer,perguntando, sem palavras, se elas deveriam continuar. Hannah olha para trás nos olhos escurosde Baker — mais escuros e mais ricos do que o solo mais antigo da terra, mas ainda com aquelaluz desesperada pairando neles — e respira fundo. Então assente.

Baker hesita por um segundo, seus lábios molhados entreabertos em incerteza, mas então elaacena com a cabeça também. Hannah desce o cós de seu short de dormir, e Baker observa osdedos de Hannah se movendo. E então os dedos de Baker estão nas coxas de Hannah, e entãoeles estão retirando os shorts de Hannah por suas pernas, e então Baker olha para Hannah maisuma vez, ainda piscando para conter as lágrimas, e Hannah segura seus olhos e acena com acabeça.

É uma sensação para a qual ela nunca poderia ter se preparado, tendo Baker dentro delaassim. Elas respiram ao mesmo tempo, rápido e agudo como se estivessem soluçando no ar, eBaker olha para Hannah com um espanto tão tímido que Hannah sorri, talvez por nervosismo outalvez por choque, ou talvez até mesmo por alegria, e então a boca de Baker também se ergue

com a sombra de um sorriso, e Baker olha para a mão dela como se ela não pudesse acreditar queela estava conectada ao seu corpo. Hannah fecha os olhos, abre-os para assistir Baker, fechaquando seus sentimentos a dominam, mas os abre novamente para ver Baker.

E então elas ficam paradas, nenhum som na sala, exceto por suas respirações irregulares.Hannah está deitada nua na cama, uma mão levantada acima da cabeça, a outra mão alcançandoo rosto de Baker para que ela possa puxá-la para um beijo. Ela pode sentir as lágrimas de Bakerem suas bochechas.

Baker move a mão entre as pernas de Hannah até o plano de seu estômago, e Hannah sente aumidade dos dedos de Baker em sua pele. Ambas encaram os dedos de Baker, a prova de seupecado, a semente de sua salvação.

Hannah toca o queixo de Baker para chamar sua atenção. Os olhos de Baker encontram osde Hannah novamente, e Hannah se sente oprimida pelas emoções que vê neles. Ela puxa Bakerpara baixo e a vira de costas, e Baker respira enquanto os dedos de Hannah se movem para osbotões de seu short.

E então Hannah aprendeu o segredo mais antigo da terra, conectou-se à longa históriahumana, assumiu seu lugar no padrão das uniões humanas. O estômago de Baker sobe e desce,suas costas arqueando os lençóis, e Hannah paira sobre ela na cama, movendo os dedosinstintivamente, tocando algo primitivo e sagrado nas profundezas do corpo de Baker. Baker fazpequenos sons, o prazer da mulher se mesclando com a necessidade da criança, e então elacomeça a chorar.

— Por favor, — ela suspira, olhando para Hannah, em seguida, desviando o olhar dela. —Por favor. — Hannah leva uma mão à testa de Baker, afasta o cabelo, penteia a sobrancelha como polegar; ela move a outra mão na base do corpo de Baker, puxando as orações de dentro dela,até que, com um último pedido, ela goza.

Há novas lágrimas nos olhos de Baker quando ela olha para Hannah, ambas respirandorapidamente, trocando ar entre suas bocas. Hannah a beija e diz com a voz rouca:

— Você está bem? — E Baker não responde, exceto para puxar Hannah em sua direção, eelas deitam com seus corpos sobrepostos, pele com pele, sentindo o batimento uma da outra.

Baker se senta e paira sobre Hannah novamente. Ela a beija com uma ternura angustiada,suas lágrimas escorrendo pelo rosto de Hannah. Ela beija o pescoço e o torso de Hannah, seuslábios trazendo fogo à pele de Hannah. Ela beija o umbigo de Hannah, depois os ossos doquadril, e Hannah se agarra nos lençóis da cama, esperando.

Então Baker desce com beijos pelas pernas de Hannah, seus lábios molhados tocando a pele,até que sua boca esteja na parte interna da coxa de Hannah.

— Você tem certeza que quer… ? — Hannah diz desesperadamente.— Por favor? — Baker diz em uma voz rouca, levantando sua cabeça para encontrar os

olhos de Hannah.Elas ficam em silêncio nas perguntas uma da outra. Não há nada no quarto, exceto escuridão

e eles próprios.Então Hannah sente a boca de Baker nela, beijando-a neste último lugar indiscutível.Ela cai de volta nos lençóis e ouve o novo som na sala - o som de Baker provando-a — e por

razões que ela não entende, sua mente começa a meditar nas palavras da Missa, da ÚltimaCeia…

Isto é meu corpo….Ela enreda a mão no cabelo de Baker e move os dedos sobre o topo da cabeça de Baker,

pedindo sem palavras por mais, virando a própria cabeça em seu braço para abafar seus suspiros.A boca de Baker se fecha sobre ela, saboreando, comendo, e Hannah se encontra orando,primeiro em sua mente e depois em voz alta, sua nova voz implorando e agradecendo, até que elagoza com as palavras Ah meu Deus ecoando ao seu redor.

Baker desliza pelo corpo de Hannah depois, sua respiração rápida e seus lábios molhados.Ela envolve um braço ao redor de Hannah e a beija na boca, e Hannah compartilha da degustaçãode sua aliança, do fruto de sua união. Baker a beija novamente e enterra seu rosto no pescoço deHannah, as lágrimas ainda frescas em seu rosto, e enquanto Hannah acaricia seu cabelo, elasadormecem, nuas na escuridão.

Capítulo Oito: Quebrada

Hannah acorda com um som de batida.— Meninas — uma voz chama através da porta. — Vocês estão acordadas?A primeira coisa que ela percebe é que está nua. A segunda coisa que ela percebe é que

Baker também está nua.Elas se encaram com olhos aterrorizados.— Meninas — Sra. Landry chama novamente, batendo mais alto desta vez. A maçaneta da

porta sacode quando ela tenta girá-la, e Hannah e Baker se enrolam nos lençóis. Mas a portapermanece fechada, e Hannah se lembra, através de sua descarga de adrenalina, que Baker atrancou na noite anterior.

Entre no chuveiro, Baker articula com a boca enquanto sai da cama. Seus olhos estãofrenéticos como os de um animal selvagem. Hannah corre para o banheiro e liga o chuveiro. Emseguida, ela paira perto da porta do banheiro, ouvindo os sons do quarto.

— Ah, bom dia, Sra. Landry — vem a voz trêmula de Baker. — Desculpe, acabei deacordar.

— Vocês duas estão bem aqui?— Sim, senhora, estamos bem, acho que Hannah está no banho.— Porque a porta estava trancada, querida?— Ah, não, senhora. Eu sinto muito. Isso foi minha culpa. Eu ouvi ruídos estranhos na noite

passada e isso meio que me assustou, então eu fechei a porta. Desculpe.Há uma pequena pausa antes que a Sra. Landry fale novamente.— Tudo bem, querida. Vocês duas estão prontas para começar a fazer as malas e limpar?

Temos que sair ao meio-dia.— Sim, senhora. Vamos limpar aqui e depois descemos.— Excelente. Deixe-me pegar seus lençóis enquanto estou aqui. Preciso começar a lavar a

roupa.— Ah não! Tudo bem, podemos pegá-los.— Não, tudo bem, eu tenho que fazer o de todo mundo também…— Por favor, não, minha mãe ficaria tão envergonhada se soubesse que eu não lavo meus

próprios lençóis. Mesmo. Eu vou cuidar deles.

Há uma pausa estranha e Hannah prende a respiração na porta, o assobio constante dochuveiro é a única coisa que ela consegue ouvir.

— Bem, tudo bem, — a Sra. Landry diz hesitante.— Obrigada, — diz Baker, sua voz alegre e excessivamente educada. — Já iremos descer!Em seguida, ouve-se o som de uma porta fechando, seguido de silêncio. Hannah abre a porta

do banheiro uma fresta para ver Baker parada frouxamente na porta do quarto, seu corpodesabado em humilhação, uma longa camiseta cobrindo seu torso.

— Ei, — Hannah chama suavemente. Baker não se vira.Há uma energia ruim no quarto que faz o estômago de Hannah apertar. Ela fica parada por

um longo segundo, seus seios nus pressionando contra o batente da porta. Seu coração baterápido em seu peito.

Ela deixa o chuveiro ligado e volta para o quarto, e Baker ainda não se vira. Hannahcaminha atrás dela e puxa a etiqueta em sua camisa de dormir.

— Você está bem?Baker se assusta e se vira para olhar para ela, mas ela desvia os olhos assim que percebe que

Hannah ainda está nua. Ela se afasta em direção à cama, seus movimentos lentos e sem graçacomo se ela pudesse estar doente, e então ela fica de pé sobre a cama, olhando para os lençóis.

— Bake? — Baker não diz nada, apenas continua a olhar para a cama. Hannah cruza osbraços sobre os seios e cruza as pernas, de repente com muita vergonha de sua nudez.

— Você deveria entrar no chuveiro, — Baker diz sem emoção. Ela faz uma pausa. — Oupelo menos coloque alguma roupa.

Hannah sente um frio se espalhar no estômago e na garganta. Arrepios sobem em sua pele.— Tudo bem, — ela diz, liberando a palavra no quarto para ver o que acontece. — Mas

você está bem? — Baker não responde. Hannah dá alguns passos em sua direção.— Não faça isso, — diz Baker, com o corpo estremecendo.— O que foi… ?— Por favor, entre no chuveiro. — Algo no quarto, alguma linha invisível entre elas,

quebrou. Hannah quase pode ver: uma videira que uma vez as conectou, uma vez as envolveu,agora jaz, massacrada, no chão. Ela dá um passo para trás e sente o umbigo puxando a metadequebrada. Ele se retrai para dentro dela, envolve seu estômago, entope sua garganta.

Ela vai para o banheiro sem dizer mais nada. Mas depois que trancou a porta do banheiroatrás dela, fica na frente do espelho e estuda seu corpo nu. Ela tenta se lembrar de cada lugar queBaker tocou ou beijou.

Eles limpam seus quartos, limpam a cozinha e a área da piscina, carregam suas malas noscarros e então é hora de ir embora. Hannah entra na fila atrás de seus amigos para agradecer aoDr. e à Sra. Landry, e ela não tem certeza se é sua imaginação, mas a Sra. Landry parece abraçá-

la com braços rígidos.Eles tiram uma foto na frente da casa — Hannah se espreme entre Luke e Wally e sorri

como se ela fosse a garota de 17 anos mais feliz do mundo — e então se separam entre os doiscarros. Hannah desliza para o banco do passageiro de Baker e ouve Luke e Joanie tagarelandoatrás dela. Baker muda a música em seu iPhone sem pedir a Hannah para dar uma de DJ comoela normalmente faz, e Hannah aperta os braços em volta do estômago, sentindo-se vazia eenjoada. Então Baker liga o carro e sai da garagem, longe de casa, longe do quarto do andar decima, longe de seus eus mais nus.

Eles chegam de volta a Baton Rouge pouco antes das 16:30. Baker guia o carro por ruasfamiliares, passando por bancos familiares e restaurantes, e Hannah se enche de esperança de queeste lugar comum e ancorador — este lugar em que sua amizade está enraizada — irá restaurar asduas.

Mas Baker deixa Hannah e Joanie primeiro, embora a casa de Luke fosse a maisconveniente, e quando Hannah pega sua bolsa do porta-malas e faz uma cara de adeus corajosa,ela percebe que a vergonha as seguiu desde Destin.

— Pizza para o jantar hoje à noite, — diz sua mãe enquanto Hannah arruma sua roupa sujaem uma pilha. — Quer algum vegetal?

— Pepperoni, — Hannah diz apática.— É Sexta-feira do Bem. Sem carne.Hannah põe a cabeça para trás.— A única vez que eu quero pepperoni.— Por que você está tão temperamental?— Eu não estou temperamental.— Você entrou aqui com uma nuvem negra circulando em torno de sua cabeça. Você não

dormiu esta semana?— Eu dormi.— Uh-huh. — Sua mãe pega o cesto de roupa suja dela e o embala sob um braço. —Tire

uma soneca até a pizza chegar.— Não estou cansada.— Então apenas deite e relaxe. Vamos para a Via Sacra depois do jantar e quero você no seu

melhor.Hannah suspira e joga uma meia velha no cesto de roupa suja.— Tudo bem.Ela finge estar doente quando sua mãe a acorda para comer pizza.— Eu sabia que algo estava errado com você, — diz sua mãe, sentindo sua testa, — mas

você não está com febre.

— É um problema estomacal ou algo assim, — diz Hannah, apertando os olhos contra otravesseiro. — Ou talvez cólicas.

— Ok, bem, apenas durma, então. Vou acordá-la antes de sairmos para ver se você está sesentindo melhor.

Ela fica deitada no escuro até a mãe voltar um pouco mais tarde.— Ainda se sente doente?— Sim.Sua mãe a examina com olhos críticos.— Que tal um pouco de refrigerante de gengibre?— Sim, por favor.Joanie traz isso para ela alguns minutos depois.— Você é uma idiota, — diz ela, colocando o copo na mesa de cabeceira de Hannah. —

Fingir estar doente para sair da Via-Sacra.— Eu não estou fingindo.— Devemos escrever seu testamento antes de eu sair?— Cala boca.— Eu quero aqueles brincos de coração roxo da Express.— Vá embora.— Céus, — diz Joanie, saindo da sala. — Vou rezar para que você tenha um melhor senso

de humor.Hannah fica deitada em sua cama por horas e horas, fingindo dormir quando sua família

chega da igreja, fingindo dormir novamente quando sua mãe a verifica por volta das 23h,fingindo para si mesma que está tudo bem.

Ela foge escada abaixo por volta de uma da manhã, não sendo mais capaz de ignorar a fomeem seu estômago. Ela encontra restos de pizza na geladeira e come fria enquanto se inclinacontra o balcão. Na escuridão, sua casa parece estranha para ela, como um padrão de formas queela não conhece.

Ela abre a porta dos fundos o mais silenciosamente que pode e sai na ponta dos pés para oquintal. Seus pés descalços roçam a grama, seus braços estremecem com o ar frio da noite.Inclina a cabeça para trás até ficar cara a cara com o céu e as estrelas. Quando seu pescoçocomeça a doer, ela se deita no chão, com a grama e a terra grudando em suas costas, e cruza asmãos sobre o estômago.

Está tudo bem?

A pergunta sangra dela e ela a imagina subindo para o céu, entregue pelo vento, pelo ar e

pela pressão atmosférica até chegar a Deus.

Isso é errado? Estávamos erradas?

Ela fica deitada lá, sangrando para o céu, até que o céu comece a sangrar vermelho com oamanhecer.

Ela não teve notícias de Baker no sábado. Suas mensagens ficam sem resposta; suaschamadas vão para o correio de voz. Ela passa muito tempo deitada na cama, fingindo ler. Masas palavras em seus livros não significam nada para ela, e depois de algum tempo, ela pega seunotebook e encara a página de Baker no Facebook como se estivesse rezando para ela.

— Você está sendo tão chata, — diz Joanie quando entra em seu quarto.— Estou cansada da praia.— Mamãe disse para você ter certeza de escolher um vestido bonito para a missa de

amanhã.— Ugh.Joanie encolhe os ombros e come o resto do biscoito na mão.— Domingo de Páscoa, campeã.Hannah fica sentada durante a missa de Páscoa na manhã seguinte, sem realmente absorver

nada do que está acontecendo. Ela acompanha as leituras e o Evangelho principalmente porhábito, e a única coisa que a impressiona é uma seleção do Evangelho de João, que o leitor lê emvoz solene:

No primeiro dia da semana,Maria de Magdala fui ao túmulo de manhã cedo,enquanto ainda estava escuro, e viu a pedra removida do túmulo.Então ela correu e foi até Simão Pedroe outro discípulo a quem Jesus amava, e disse-lhes:“Eles tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram.”

E Hannah entende que apesar de hoje ser supostamente sobre a Ressurreição — sobreesperança, renascimento e fé renovada — a única coisa que faz sentido é a confusão e odesespero de Maria Madalena.

As filas para a comunhão são muito mais longas do que de costume, maiores por causa daspessoas que vão à missa apenas no Natal e na Páscoa. Hannah observa enquanto os fiéis seguempara a frente da igreja para receber a Eucaristia, todos vestidos com suas melhores roupas deDomingo de Páscoa, algumas das mães parecendo atormentadas, alguns dos filhos adolescentes

parecendo irritados. Uma pessoa familiar aparece na longa fila do lado direito da igreja, eHannah reconhece Nathan Hadley, vestido com uma bela camisa Oxford e com seus olhosbondosos visíveis até do outro lado da sala. O Sr. e a Sra. Hadley estão na fila atrás dele, masBaker não está com eles.

O estômago de Hannah dá um nó em si mesmo. Uma parte irracional de seus temores de queBaker confessasse tudo para sua família e eles a trancassem em seu quarto, muito envergonhadosde suas transgressões para deixá-la ir à missa do Domingo de Páscoa. O coração de Hannah bateforte quando é a vez de sua família se mover no banco e juntar-se à linha de comunhão. Ela sesente como se os olhos de Hadley estivessem nela, como se os olhos de toda a congregaçãoestivessem nela, como se todos pudessem dizer o que ela fez e contra o que ela lutou em seucoração.

— Amém, — diz ela quando o Padre Simon ergue a Eucaristia à sua frente. E então, poralguma razão, embora ela tenha sido treinada em como receber passivamente o pão daComunhão anos atrás, ela estende a mão para pegar a Hóstia. Padre Simon levanta a Hóstia maisalto, quase como uma reação automática por ela ter tentado pegá-la. Seu rosto mostra suasurpresa, e o rosto de Hannah fica vermelho de vergonha quando ela percebe seu erro. Ela baixaos olhos e junta as mãos em concha, e o padre Simon coloca a Eucaristia em sua palma esquerda.Ela volta para o banco com mais vergonha, e isso a pesa até o final da missa.

Ela não canta o hino de Recessão. Nem Joanie, que fica entediada ao lado dela enquanto oPadre Simon, o diácono e os coroinhas caminham de volta pelo corredor central com ummagnífico crucifixo liderando o caminho, equilibrado precariamente em uma das mãos docoroinha.

Os pais dela saem do banco depois que o hino terminou oficialmente — a mãe dela nãotolera sair a qualquer momento antes disso, e ela e Joanie se arrastam atrás deles, sorrindo eacenando com a cabeça para os colegas de classe de St. Mary que eles veem.

Ela vê Nathan parado em um canto do corredor da entrada, com as mãos nos bolsos e acabeça baixa como se estivesse tentando não ser vista, e ela evita famílias com bebês e velhoscasais aposentados para ir até ele.

— Nate!Seu rosto se ilumina assim que ele a vê.— Ei, Han! Muito tempo sem nos ver.Ele a puxa para um abraço e ela segura por um segundo a mais.— Tudo certo? — Ele pergunta, seus olhos castanhos, muito parecidos com os de sua irmã,

estudando-a com cuidado.— Sim, só não vejo você há um tempo.

— Eu sei, já faz muito tempo. Como foi em Destin?Ela hesita por uma fração de segundo.— Incrível. Foi incrível.— Bom. Eu não consigo acreditar que vocês estão prestes a se formar.— Sim. Hm. Onde está Baker?— Doente, eu acho. — Ele balança a cabeça e coloca as mãos de volta nos bolsos. — Ela

realmente não parecia ser ela mesma durante todo o fim de semana. É estranho, ela geralmenteadora a missa de Páscoa, mas minha mãe tentou acordá-la esta manhã e ela apenas dizia queachava que ia vomitar.

O estômago de Hannah dá um nó novamente.— Ah, céus. Eu não percebi.— Sim. Acho que ela está apenas ansiosa com a escola. Você sabe como ela fica nervosa

com as notas e tudo.— Sim.— De qualquer forma, direi a ela que você disse oi.— Obrigado.— Certo. Tchau, Han.Ele se vira para ir encontrar seus pais, mas ela chama seu nome antes que pudesse pensar

mais sobre isso.— Nate!— Sim? — Ela o encara, com a língua presa, desejando que ela pudesse dizer a ele algo que

pudesse ajudar Baker, ou desejando que ela pudesse perguntar a ele como se ajudar. Ele esperaeducadamente, sua expressão é gentil, mas tudo o que ela consegue dizer é:

— Foi ótimo ver você.Ele sorri.— Você também. Aproveite essas últimas semanas de escola. Elas serão as melhores que

você terá.Acabei de ver o Nate na igreja. Ele disse que você estava doente. Podemos conversar?Baker nunca responde.

A mãe de Hannah passa a tarde toda cozinhando o presunto de Páscoa. A tia Ellie e o tioJoel de Hannah e Joanie vêm, trazendo seus filhos, Colton e Sydney, atrás deles.

— Trouxemos o feijão verde, — diz tia Ellie, dando um beijo de olá em Hannah e Joanie naporta da frente. — E os mutantes, — tio Joel bufa, cutucando Colton e Sydney para dentro.

— Tio Joel já está cheirando a cerveja, — diz Joanie, franzindo o nariz em desgosto. — Émelhor ele não ficar bêbado e começar a interrogar Luke novamente.

— Luke está vindo? — Hannah pergunta.— Eu já te disse isso, idiota. Ele não queria ficar entre sua mãe e seu pai, então mamãe disse

que ele poderia vir aqui para jantar.— Ele terá uma surpresa, — Hannah resmunga, olhando para Colton e Sydney enquanto

eles correm em círculos ao redor da mesa de centro e atiram armas de água um no outro.— Não em casa! — Tio Joel grita da cozinha.— Ah, agora você quer discipliná-los, — diz tia Ellie.Joanie suspira e coloca o vinho branco de presente de tia Ellie na mesa decorativa perto da

porta da frente.— É melhor eu conseguir um absorvente, — diz ela. — Você quer um?— O que?— Para afastar Colton. Você sabe que ele não vai chegar perto de você com aquela pistola

de água idiota se você balançar um absorvente na frente do rosto dele.— Você está falando sério?— Você não me viu fazendo esse truque no Natal? Ele tentou me atacar furtivamente, então

eu tirei um absorvente interno da minha bolsa e disse a ele 'Enfia no seu’. Ele fugiu gritando.— Oh meu Deus, Joanie, você é louca, — diz Hannah, passando por ela para levar o feijão

verde para a cozinha.— Larga de ser pau no cu, Hannah — Joanie diz atrás dela. — É Domingo de Páscoa.Luke usa uma camisa de botão e uma bela gravata azul marinho para jantar, o que levou a

mãe de Hannah e a tia Ellie a se jogarem sobre ele.— Ah, Luke, querido! — A mãe de Hannah diz, abraçando-o. — Você não precisava se

vestir bem!— É uma ocasião especial, Sra. Eaden, — Luke sorri. — Com uma família especial.— Pare — diz Joanie, acertando-o.— Além disso, com que frequência posso usar uma gravata bonita?— Todos os dias na escola, — murmura Hannah.— Você está certa, Han, — diz Luke alegremente, — mas com que frequência posso usar

esta gravata azul incrível?— Você está ótimo, — diz Joanie, com as bochechas rosadas e o sorriso brilhante. — Vem

cá, vem dizer oi para o meu pai. Ele está se escondendo em seu escritório.— Já volto, — Luke sorri para a mãe de Hannah e a tia Ellie.— Ele é a coisa mais fofa, — diz tia Ellie depois que Joanie puxa Luke para fora da cozinha.

— Com aqueles cachos e covinhas... Se eu fosse 20 anos mais jovem, iria atacá-lo.— Você teria que lutar com Joanie, — a mãe de Hannah ri.— Ela é louca por ele, hein, Han?

— Sim, — Hannah diz sem entusiasmo.— Agora, o que está acontecendo com sua vida amorosa, Srta. Hannah Banana? — Tia Ellie

pergunta. — Como está a situação os meninos?— Ah, nada a relatar, — diz Hannah, desviando os olhos.— O que? Uma garota linda como você?— Ela nunca me conta nada sobre isso, — diz a mãe de Hannah. Ela abre o forno e coloca

uma bandeja com pãezinhos dentro. — Assim como o pai dela.— Eu te conto coisas, — Hannah protesta.— Você me conta coisas sobre seus amigos, — diz sua mãe, — mas nunca sobre meninos.— Porque não há nada para dizer.— Isso vai mudar na faculdade, — diz tia Ellie. — Os meninos são muito mais maduros

nessa idade. E os universitários são gostosos.— Mas que tal Wally? Hm? — A mãe de Hannah provoca. — Ele ainda tem uma queda por

você?— Somos apenas amigos, mãe, pela milionésima vez.— Você deveria ver a maneira como esse garoto olha para ela, — sua mãe diz a tia Ellie. —

Ele é absolutamente louco por ela. — Ela se vira para Hannah e coloca o cabelo atrás dasorelhas. — Mas Hannah não está interessada, está, Han?

— Ele é feio? — Tia Ellie pergunta.— Não, — Hannah diz exasperada. — Nós somos amigos. É isso. Estamos no mesmo grupo

de amigos e isso é ótimo e é tudo de que preciso. Não podemos simplesmente deixar por issomesmo?

— Calma, Han, estamos apenas curiosas! — Tia Ellie diz, dando tapinhas no pulso deHannah. — Sua mãe e eu somos casadas e já somos de meia-idade e, às vezes, gostamos de ouvirsobre sua vida amorosa jovem e renovada!

— Tenho um trabalho a fazer, — diz Hannah, afastando o banquinho do balcão. — Émelhor começar antes do jantar.

— Certifique-se de que sua irmã e Luke não estejam lá em cima, — diz a mãe de Hannah.— Joanie conhece as regras.

— Entendi, mãe.— E ponha um sorriso no rosto. Fiz brownies para a sobremesa.— Ok, — Hannah diz, já na metade do caminho em direção às escadas.Ela ouve tia Ellie falar sobre ela pouco antes de dar o primeiro degrau.— Tão sensível quanto ela era quando era pequena, — ela diz em voz baixa.— Ela não é sensível, — a mãe de Hannah rebate. — Ela é simplesmente irritadiça.Hannah sente o traço de um sorriso no rosto, mas então Colton aparece na escada e a borrifa

com uma pistola d'água.— Então, Luke, — diz o tio Joel com uma mordida no presunto quando estão todos sentados

à mesa, e quando Colton e Sydney já foram alimentados e instruídos a brincar no quintal, — oque é que você vai fazer este verão? Você vai trabalhar? Você tem um emprego? Um emprego deverdade? Não apenas “trabalhar” como conselheiro do acampamento ou algo puritano assim?

— Calma, Joel, — tia Ellie diz, batendo em sua mão.— Ele está bem com isso, — diz o tio Joel, gesticulando para Luke com o garfo. — Ele não

está suando pela camisa ainda.— Bem, na verdade, — Luke diz com confiança, — não terei tempo para trabalhar neste

verão porque estarei treinando em um acampamento de corrida.— Um acampamento de corrida.— Sim senhor. Consegui uma bolsa de estudos em Spring Hill, então tenho que ir para o

Alabama para começar a treinar com meu treinador.— Huh, — diz o tio Joel. — Bem. Isso é legal. Parabéns.— Obrigado.— E quanto ao resto dos amigos de vocês? — Tia Ellie pergunta, inclinando sua taça de

vinho para Hannah, Joanie e Luke. — Para qual colégio eles irão?— Nosso amigo Wally está indo para a Georgia Tech, — diz Luke. — Ele é muito

inteligente, assim como é ótimo com matemática, e ganhou uma bolsa parcial lá por se sair tãobem no SAT.

— Oooh, — tia Ellie fala lentamente, girando para olhar para Hannah. — Wally. — Elapisca.

Joanie começa a rir.— Sim, — diz ela, sorrindo para Hannah. — Wally.Hannah revira os olhos e apunhala um pedaço de presunto.— E nosso amigo Clay vai para a LSU, — diz Joanie, — e nossa amiga Baker também, você

se lembra dela, certo? A melhor amiga de Hannah?— A menina bonita? — Tia Ellie pergunta. — Aquele com uma risadinha fofa?O estômago de Hannah começa a doer.— Sim, — diz Joanie, — ela. Ela entrou no LSU Honors, então ela está indo para lá.— Então, apenas os dois vão para a LSU? — Pergunta o tio Joel, parecendo ofendido

porque o número não é maior.— Sim, mas eles provavelmente estão felizes com isso, — Joanie ri, olhando de soslaio para

Luke. — Eu não acho que eles se importariam em serem apenas os dois.— O que? — A mãe de Hannah pergunta, seus olhos se arregalando com esta nova fofoca.

— Eles estão juntos agora?

— Eu não sei, mais ou menos, — diz Joanie, balançando a cabeça. — Eles são estranhos.— Muito estranhos, — Luke concorda.— Sempre achei que eles seriam fofos juntos, — diz a mãe de Hannah.— Clay vai jogar na LSU? — O pai de Hannah pergunta, falando pela primeira vez desde

que se sentaram.— Ele diz que pode tentar mais para frente, — diz Luke. — Mas eu não acho que ele tenha

muitas esperanças sobre isso.— Diga a ele para tentar, — diz o tio Joel, apontando o dedo para Luke. — Não há mal

nenhum em tentar. Precisamos de novos talentos. Diga isso a ele.— Joel, pelo amor de Deus, — diz tia Ellie. — Deixe o pobre garoto em paz. De qualquer

forma, quero ouvir sobre os planos de Hannah para a faculdade.— Ah, — Hannah diz. — Ainda não decidi.— Eles não têm prazos para essas coisas? — Diz o tio Joel.— Ela tem tempo, — diz a mãe de Hannah. — Ela tem que escolher entre várias escolas que

a ofereceram. É um bom problema de se ter.— Ela gostou de Emory, — diz o pai de Hannah com um sorriso.— Eu escutei! — Diz a tia Ellie. — São ótimas notícias, Hannah. Bem. Você está inclinada

para Emory?— Eu realmente não tenho certeza, — Hannah diz educadamente, sentindo-se melhor agora

que a conversa mudou para algo sobre o qual ela pode falar com honestidade e confiança. —Recebi minha carta de aceitação um pouco antes de sairmos para a praia, então não tive tempo derealmente sentar e pensar sobre isso. E Atlanta é meio longe…

— Mas não é onde a Georgia Tech está? — Tia Ellie pergunta. — Então você terá seuamigo por perto?

— Sim, Han, — Joanie sorri, — então você terá seu amigo por perto?Tia Ellie começa a rir por trás de sua mão. Joanie ri também, e Luke bufa em seu

guardanapo. Até a mãe de Hannah tem que morder o lábio para não rir.— Terminamos? — Hannah diz, seu coração martelando. — Ou você queria continuar

sendo uma vadia estúpida, Joanie?A risada de Joanie morre em sua garganta. Seus olhos se estreitam de raiva.— Vá se foder, Hannah. Aprenda a aceitar uma maldita piada.— Pare de ser uma maldita fofoqueira. Ou você só faz isso porque está inseguro sobre o

quanto você é um bebê em comparação com o resto de nós?— Foda-se! — Joanie diz novamente, batendo o guardanapo na mesa. — Deus, você é tão...

— ela balança a cabeça com fúria. — Vamos, Luke, — diz ela, puxando-o da mesa, — vamosdar um passeio.

Eles saem da sala de jantar, Luke olhando desconfortavelmente de volta para a mesa. Aporta da frente bate e Hannah fica imóvel em seu assento, sem saber o que fazer. Depois de umlongo momento, a mãe de Hannah começa a recolher os pratos e tia Ellie se levanta para ajudá-la. Tio Joel balança a cabeça e dá outra mordida no presunto.

O pai de Hannah suspira do outro lado da mesa. Quando Hannah olha para ele, implorandopara que diga alguma coisa, ele tira os óculos do rosto e se recosta na cadeira, de uma forma quesó pais com filhas adolescentes conseguem fazer.

— Você sempre teve jeito com as palavras, Hannah, — ele diz, cansado.Hannah estaciona o carro ao lado do de Baker na segunda-feira de manhã, assim como faz

todas as manhãs da semana, mas hoje Baker não está lá esperando por ela. Hannah olha para ocarro de Baker e a imagina sentada no banco do motorista, batendo uma caneta contra suaagenda de estudos para ter certeza de que está à frente de todas as suas tarefas, então sorrindo ecolocando a agenda de volta em sua mochila quando ela percebe que Hannah está próxima a ela.

Joanie sai do carro sem dizer nada a Hannah. Ela bate a porta atrás dela e Hannah observa,no espelho retrovisor, enquanto ela caminha até o carro de Luke para pegar sua mão.

Hannah fica sentada durante o primeiro período com o estômago embrulhado, mal prestandoatenção ao Sr. Montgomery. Durante seu período livre, ela se senta na sala dos veteranos comWally e tenta se distrair trabalhando em seu trabalho de Teologia. Quando ela entra no pátio nahora do almoço, com Wally saindo para buscar comida no refeitório, ela descobre que nenhumde seus outros amigos chegou lá ainda, pois a mesa onde eles geralmente se sentam está vaga.Ela se senta no banco com um peso de chumbo em seu estômago, sentindo-se nervosa com aperspectiva de ver Baker cara a cara pela primeira vez desde sexta-feira.

— Ei, — diz Joanie, caminhando até a mesa com Luke, Wally seguindo atrás deles, — o quehá com Clay e Baker nos abandonando?

— O que? — Hannah pergunta.— Olhe — Joanie insiste, apontando para o pátio.Hannah segue a direção do braço estendido de Joanie e vê que Baker e Clay foram se sentar

em uma mesa diferente no centro do pátio. Alguns de seus amigos dos times de vôlei e futebol, ealguns amigos de Baker do conselho estudantil, os cercam. Hannah se senta rigidamente e osobserva por um momento, odiando como todos na mesa voltam sua atenção para o lindo par, ecomo Clay sorri para Baker entre cada frase que ele fala.

— Isso é algum tipo de gesto de ‘estamos-namorando-agora,-então-vamos-criar-uma-ramificação-por-conta-própria’? — Luke diz.

— Eles não estão namorando, — disse Hannah antes que pudesse se conter.— Bem, o que quer que eles estejam fazendo, tenho que admitir que me sinto muito

desprezado, — diz Luke. — Não deveríamos pelo menos ter recebido algum tipo de memorando

sobre o término de um grupo de amigos sobre isso?— Talvez eles estejam inconscientemente ressentidos conosco porque pensam que nós os

barramos em Destin, — diz Joanie.Wally inclina a cabeça, seus olhos estudando Baker e Clay do outro lado do pátio.— O que? — Hannah pergunta a ele. — O que você está pensando?— É muito estranho, — diz Wally após um momento. — Eles não são assim.Hannah observa Baker morder uma fatia de maçã, sua boca se transforma em um sorriso

enquanto ela fala com uma de suas amigas do time de vôlei. De repente, Hannah se senteprofundamente sozinha. Sozinha, mas de uma forma compreensiva, traída.

Quando o sino toca para ir para o terceiro bloco, Baker agarra a mochila de Clay e o seguepara dentro do prédio. Hannah os observa do outro lado do pátio, com o estômago mais vazio doque quando se sentou para almoçar.

Hannah fica olhando para seu dever de cálculo por um longo tempo naquela noite.Sentimos sua falta na hora do almoço hoje, ela manda mensagem.Baker não responde.O carro de Baker moveu quatro vagas de estacionamento para mais longe na manhã

seguinte. O estômago de Hannah cai quando ela vê isso.— Que diabos? — Joanie diz, momentaneamente distraída de aplicar o rímel. — O que está

acontecendo?Hannah olha estupidamente para fora da janela.— Eu não sei, — diz ela em uma voz morta.— Hannah. É sério. O que está acontecendo?O torso de Hannah dói como se alguém tivesse batido em seu lado.— Não sei, — diz ela.Baker não fala com Hannah durante a aula da Sra. Carpenter. Quando o sinal toca para o

almoço, Baker sai correndo da sala de aula antes que Hannah possa alcançá-la. Baker e Clay sesentam na outra mesa de almoço novamente. Hannah está sentada de costas para eles,determinada a prestar atenção em Wally, Luke e Joanie, e em mais ninguém. Ela reprime seussentimentos da mesma forma que empurra a colher de plástico no copo de pudim.

— Acho que estamos no Segundo Dia de nossa separação experimental? — Luke diz,acenando com a cabeça em direção a Baker e Clay.

— Acho que sim, — Joanie franze a testa. — Estou tentada a confrontá-los sobre isso,aqueles idiotas.

— Não faça isso, — diz Hannah.— Por que não? Eles estão sendo tão estranhos. Clay continua fazendo aquela coisa estranha

de sorriso culpado, como se soubesse que está sendo um pedaço de merda, mas não quisesse

reconhecer isso, e Baker nem mesmo olha para mim. Passei bem por ela no caminho para oalmoço e ela desviou totalmente o olhar. Tipo, de propósito. Que porra é essa?

— Ela está bem comigo, — diz Luke entre mordidas em seu sanduíche. — Trabalhamosjuntos em nosso guia de estudo de Economia esta manhã. Quer dizer, ela trabalhou paraencontrar as respostas enquanto eu contava algumas piadas.

— Você acha que eles nos pegaram na banheira de hidromassagem? — Joanie pergunta aele baixinho. — Acha que é por isso que eles estão sendo estranhos?

— Ah meu Deus, pare, — Hannah diz, levantando sua mão.— Não acho que isso tenha nada a ver com o que vocês decidem fazer em banheiras de

hidromassagem, — diz Wally com seriedade. — Eles estão sendo estranhos por algum outromotivo.

— Você precisa saber, Hannah, — diz Joanie.— O que?— Vamos. Sei que somos todos próximos, mas você e Baker literalmente contam tudo uma

para a outra. Tenho dificuldade em acreditar que você não sabe o que está acontecendo.— Joanie, eu já te disse, não sei.Joanie assume aquela expressão desafiadora que costumava ter quando era criança, aquela

que ela usava quando ela e Hannah desciam sorrateiramente para assistir ao Disney Channel nomeio da noite.

— Você está mentindo, — ela diz. — Eu posso dizer.— Eu não estou mentindo, — Hannah diz acaloradamente.— Hannah, sua “melhor amiga” está sentada bem ali, ignorando você completamente e nos

ignorando completamente. Então talvez seja hora de você deixar outras pessoas entrarem, hein?Nós somos seus melhores amigos também, você sabe. Talvez não te matasse compartilhar averdade com a gente…

— Isso nem mesmo... Jesus, Joanie…— Talvez todos devêssemos apenas respirar... — interrompe Luke.— Basta nos dizer, Hannah, — Joanie bufa. — Deus, não é como se o resto de nós

estivéssemos ocultando informações uns dos outros…— Você está brincando comigo? — Hannah diz perigosamente, sentindo sua pele corar com

o fogo. — Como se você fosse um modelo de dizer a verdade? Tudo bem, Joanie, então por quevocê não revela todos os seus segredos para a mesa? Talvez você pudesse começar com, ah, eunão sei, como você está planejando largar Luke antes que ele vá para o Alabama?

Hannah quer pegar as palavras de volta assim que elas a deixam. Um silêncio atordoante seespalha sobre a mesa, o tipo que continua e continua até o ponto em que nada que alguémpudesse dizer tiraria a conversa do limite.

Joanie está congelada em frente a Hannah, todo o rosto em chamas, os olhos arregalados dechoque. Luke está sentado congelado ao lado dela, a boca entreaberta como se tivesse levado umsoco no estômago, sem sombra de covinhas no rosto.

— Eu... — Hannah diz.Os olhos de Joanie cortam com repugnância os de Hannah. Ela respira muito rápido, seu

rosto ficando cada vez mais vermelho, sua expressão assassina.Luke se afasta da mesa do almoço. Ele coloca a mochila nos ombros e se move para pegar as

embalagens do lanche, e Joanie agarra seu pulso e implora:— Luke... Luke, ouça... — Ele puxa o pulso para fora de seu aperto.— Vejo vocês mais tarde, — ele bufa, sem olhar para nenhum deles, e então se afasta.Joanie se vira para Hannah com o rosto cheio de uma raiva horrível que Hannah nunca viu

antes. — Eu te odeio, — ela cospe, queimando Hannah com seus olhos asquerosos. Ela se lança

agressivamente para pegar o sanduíche e a lata de Coca Diet, cerrando os dentes contra a raiva eas lágrimas, e então se levanta da mesa. — E-odeio-você.

Então ela se vira e corre atrás de Luke, e Hannah fica sentada muda em sua cadeira, incapazde processar a onda de tristeza que se apodera dela.

Ela e Wally não dizem nada por um longo minuto. Hannah tem medo de olhar para ele, deenfrentar sua reação de nojo. Eles ficam sentados em um silêncio pesado enquanto Wally dobraseu guardanapo em quadrados cada vez menores.

— Eu não queria dizer aquilo, — diz Hannah finalmente. Ela arrisca um olhar para ele e oencontra olhando fixamente para o guardanapo em seus dedos, seu rosto enrugado empensamento.

Ele olha para ela, e a expressão em seu rosto não é de julgamento.— Eu sei, — ele diz. — O que você vai fazer?— Pedir desculpas a ela quando eu puder.— Sim, — concorda Wally. — E para Luke.— E para Luke.Joanie não fala com Hannah no caminho da escola para casa. Quando elas alcançam a placa

de pare na esquina da Kleinert com a 22nd Street, Hannah respira fundo e enfia a mão noestômago para pedir desculpas.

— Sinto muito, — ela murmura.Joanie fica quieta por um longo minuto. Pouco antes de entrarem na Olive Street, ela diz:— Acho que você não sente.Hannah olha de soslaio para ela. Joanie fica olhando fixamente para o para-brisa, o queixo

cerrado e os olhos úmidos.

Por favor, fale comigo, Hannah envia naquela noite.Às duas da manhã, quando Hannah está dormindo, Baker responde.Sinto muito, Han. Não posso.Na quarta-feira, quando Hannah e Joanie chegam à escola, o carro de Baker mais uma vez

está quatro vagas abaixo. Hannah sabia que estaria, mas a visão ainda a machuca.Joanie imediatamente sai do carro e se dirige para o prédio. Hannah a observa ir embora,

sentindo-se estúpida e solitária. Ela se senta desamparada em seu carro, aplicando o delineadorsem entusiasmo, até que ela percebe que o Camry verde de Wally está em seu lugar de costume.

— Bom dia, — ela diz enquanto eles saem de seus carros.— Ei, — ele diz enquanto arruma a gravata. — Como foram as coisas com Joanie?— Ela não fala comigo.Wally franze a testa.— Ela vai mudar de ideia.Nesse momento, o carro de Luke passa. Ele passa bem perto deles e estaciona em uma vaga

muito mais adiante na linha, perto da entrada do prédio. Hannah e Wally assistem enquanto elesai do carro, com o cabelo despenteado, a gravata solta ao redor do pescoço e a camisa para forada calça.

— Manceau vai encher ele com uma tonelada de infrações uniformes, — diz Hannah.— Não acho que ele esteja preocupado com isso agora, — diz Wally.Hannah e Wally sentam-se sozinhos para almoçar naquele dia. Alguns de seus colegas

olham com curiosidade para a mesa, perguntando-se porque Baker, Clay, Joanie e Luke nãoestão mais sentados com eles. Michele os observa com um olhar faminto, como se estivessedesesperada para saber a fofoca; enquanto Hannah olha para ela, Michele se inclina para suaamiga Taylor e sussurra por trás de sua mão.

Continua assim a semana toda: Hannah e Joanie vão para a escola em silêncio; Hannah lançaum olhar ansioso para o carro de Baker quando entram no estacionamento; Joanie entra correndono prédio sem falar com Hannah; Luke chega um pouco antes do sinal e corre para dentro semolhar para ninguém; e Hannah e Wally continuam passando tempo sozinhos, no almoço e noestacionamento, nenhum deles mencionando o quanto sentem falta dos amigos.

— Wally, — diz Hannah na tarde de sexta-feira, quando ela e Wally se sentam no porta-malas de seu carro e esperam Joanie sair para o estacionamento para que Hannah possa ir paracasa, — você não precisa me fazer companhia, sabe. Você ainda deve sair com os outros. Eu mesinto mal.

— Não se preocupe com isso, — diz Wally, amarrando seus tênis de corrida. — Essa coisavai se consertar. Amigos brigam, sabe? Não muda nada.

— Wall... tudo isso é minha culpa. Eu realmente estraguei tudo com Joanie e Luke. E - ecom Baker e Clay. Joanie estava certa, eu estava mentindo antes. Baker está me evitando, e oresto de vocês, por causa de algo que aconteceu conosco.

Wally estreita os olhos para ela ao sol da primavera. Hannah desvia o olhar dele e continuafalando.

— Baker e eu, tínhamos um problema. Um problema que não sei como resolver.— Sim, — diz Wally. — Eu sei disso, na verdade.— O que?— Eu conversei com Clay.— Você conversou? Quando?— Bem, ele veio falar comigo. Ele se sentiu muito mal por não ter se sentado conosco na

hora do almoço.— O que ele disse?Wally esfrega a nuca.— Baker foi até a casa dele no domingo à noite e disse a ele que não queria mais ficar perto

de você.O coração de Hannah para.— O que?— Sim.— Ela disse a ele por quê?— Não, ela apenas disse que algo aconteceu e ela precisava de espaço. Clay se sentiu muito

dividido com isso, mas disse que Baker estava mais chateada do que nunca, então ele pensou quedeveria apoiá-la por alguns dias, até que tudo isso acabasse.

— Até que “acabasse”? E se não funcionar?— Você realmente acha que não?— Eu — A pergunta quase a sufoca. — Não tenho certeza.— Bem, — diz Wally lentamente, colocando as mãos nos joelhos, — se não... então nos

adaptaremos. Todos nós iremos nos adaptar.— Só não sei se... Wally, gostaria de poder conversar com você sobre o que aconteceu, mas

não sei como...— Você não precisa, Han, — diz ele, cutucando-a com o ombro. — Tudo ficará bem. E ei,

nem tudo é ruim. Acho que tem sido bom para Clay e Baker. Clay disse que eles começaram afalar mais sobre seus sentimentos um pelo outro e tudo mais. Ele vai realmente levá-la para umencontro neste fim de semana...

As palavras deixaram Hannah sem fôlego.— O que?

— Sim, eles vão jantar fora amanhã à noite. Ele está realmente muito nervoso com isso, oque é engraçado, você sabe, porque nunca o vimos realmente ficar nervoso com qualquer coisaantes. Mas é bom para ele. — Wally salta do porta malas e começa a alongar as panturrilhas.Hannah o observa como se ele não estivesse realmente lá; ela se sente tonta e exausta, e tem odesejo mais forte de se enrolar na cama e se esconder do mundo.

— Acho que os dois estão animados com isso, — continua Wally.— Bom, — diz Hannah, tentando infundir um pouco de cordialidade em sua voz.— Ei, — diz Wally com ternura, aproximando-se do porta-malas novamente. — Vai ficar

tudo bem. Vocês irão se resolver. Isso é o que os amigos fazem.— Sim, — Hannah resmunga.— Eu tenho que ir, vou me atrasar para o treino.— Sim. Tudo certo. Tchau.Wally começa a se afastar, mas então ele olha para ela e volta para o carro. Ele envolve os

braços em volta dela em um aperto firme e forte, e Hannah cede ao abraço, extraindo conforto docalor de sua pele e do cheiro almiscarado de seu pescoço.

— Vai ficar tudo bem, — diz Wally em seu ouvido.Ela o abraça com força e não se permite pensar em mais nada.Hannah fica na cama até uma da tarde de sábado, sua mente entrando e saindo do sono, seus

sonhos estilhaçados em fragmentos de memórias. Ela acorda com a névoa e volta para umanévoa mais escura. As memórias vão e vêm, tão reais e poderosas quanto o oceano.

Ei, venha aqui, diz Baker. Quero mostrar a vocês esta peça que estou aprendendo.E Hannah assiste, no teatro de seu subconsciente, enquanto Baker, de 14 anos, com

suspensórios e um colete grande demais, toca piano para ela.Conte-me o que você mais gosta sobre a natureza, diz Hannah, de 16 anos.Árvores, diz Baker. Árvores muito velhas e lindas.Hannah acorda novamente com o som da televisão ligada lá embaixo. Ela ouve seu pai

andando de um lado para o outro em seu escritório no primeiro andar. Aquela voz responsáveldentro dela a repreende para se levantar e fazer sua lição de casa, fazer algo produtivo, mas ela sevira de bruços e desliza de volta para as memórias em vez disso.

No sábado à noite, ela deita de costas no chão do quarto e olha para o teto, para as estrelasque brilham no escuro que Baker a ajudou a grudar lá no primeiro ano. Ela imagina tudo o queBaker e Clay estão fazendo agora.

O vestido que Baker usa. É o bege com faixa marrom? O lilás com mangas rendadas?Diga-me se isso parece bom, Baker diz enquanto olha para o espelho no camarim.Claro que parece bom, diz Hannah. Tudo fica bom em você.Clay usa camisa polo e calça cáqui? Ele usa a colônia que sua mãe deu a ele no Natal? Baker

gosta disso?Você cheira bem, Baker diz na varanda dos fundos da casa dela. Você está usando perfume?Não, Hannah ri.Acho que é apenas o seu xampu, diz Baker, colocando a cabeça no ombro de Hannah. Tem

cheiro de você.Hannah os retrata em um restaurante chique, passeando de mãos dadas, Baker de vestido e

Clay de calça cáqui, agradando o mundo a respeito do quanto os dois se complementam. Claydeve puxar sua cadeira para ela, e Baker deve sorrir timidamente e agradecê-lo.

Ela ri das piadas dele? Ele pensa em como ela é bonita? Ele estende a mão sobre a mesa parapegar a mão dela? Ela o deixa pegar? As pessoas mais velhas sentadas nas mesas ao redor secutucam e dizem: Olha que fofo?

Hannah coloca música nos alto-falantes do iPod. Eventualmente ela começa a falar comDeus. Frases pequenas, palavras monossilábicas. Por que isso dói. Você pode me ouvir. Vocêpode fazer isso ir embora. Seus olhos se fixam em uma mancha de estrelas verdes no teto. Euamo esse padrão, Baker diz enquanto está deitada na cama de Hannah. Eu gostaria de poderdormir aqui o tempo todo.

Você pode, Hannah diz.Suas costas começam a doer por causa das fibras do carpete, mas ela não se move de seu

lugar. Ela cruza as mãos sobre o estômago e pisca para o teto, imaginando como seria se fosseela quem jantasse com Baker. Ela imagina o sorriso de Baker e seus olhos escuros de chicória ecomo ela enfia o cabelo atrás da orelha. Ela a vê estudar o menu como se fosse um capítulo deum livro didático sobre o qual ela vai ser questionada. Ela a vê pedir um chá doce com doislimões, por favor, e a vê dobrar o guardanapo sobre o colo.

O que você está olhando? Baker pergunta.Nada, Hannah sorri.Ela se levanta, vai até o banheiro e se olha no espelho. Seus olhos injetados de sangue a

encaram. Ela se vira e levanta a camisa, procurando a queimadura do tapete que ela sabe queestará lá. A parte superior das costas tem marcas rosadas e arranhadas por toda parte. Elapressiona os dedos contra a pele crua e observa a pele brilhar branca.

— Então, o que você quer fazer sobre as fotos do baile? — Wally pergunta a ela durante operíodo não atribuído de segunda-feira.

— O que tem elas?— Você ainda quer ir à festa de fotos na casa de Clay?— Oh. Eu não pensei sobre isso.— Acho que ainda devemos ir. Eu gostaria de estar com Clay e Baker. E eu sei que Clay

gostaria que você viesse.

— Luke ainda vai?Wally franze a testa.— Luke não vai ao baile.— Ele não vai?— Não. Agora que ele e Joanie não vão juntos, ele não quer mais ir. Você não falou com

ele?A culpa se apodera de Hannah. Ela rompe o contato visual de Wally, sentindo-se

envergonhada, e admite:— Não, não falei.— Você já tentou se desculpar com Joanie de novo?— Não, — murmura Hannah.Wally pousa o lápis.— Mesmo?— Ela não vai falar comigo.Wally a encara com firmeza. Em seguida, ele pega seu lápis e começa a preencher seu dever

de casa de cálculo novamente. Hannah o observa, sentindo-se teimosa e envergonhada.— Não sei como pedir desculpas pelo que fiz, — diz ela. — Quer dizer, eu basicamente

arruinei o relacionamento deles. Eu quebrei a confiança de Joanie. Eu realmente machuquei osdois. Como você se desculparia por isso?

— Eu não posso te dizer como se desculpar, Han.— Mas é como se o erro fosse grande demais para ser perdoado, sabe?— Não, — diz Wally, erguendo os olhos de seu livro. — Você apenas tem que continuar

tentando. Você pode ter que trabalhar nisso, especialmente quando se trata de Joanie, querodizer, você pode ter que sentar e realmente conversar com ela, você sabe, não como se ela fossesua irmã mais nova, mas como sua amiga. Como se ela fosse Baker.

— Joanie não pode ser Baker.— Veja, aí está, — diz Wally, jogando a mão para cima para provar o ponto. — Você não

está tentando, Han. Você não está. Eles podem perdoá-la se você tentar. Qualquer um pode teperdoar se você tentar. Cristo, eu provavelmente até perdoaria meu próprio pai se ele... — Wallypara abruptamente, morde os lábios e respira fundo. — De qualquer forma, você precisacontinuar tentando.

Ele olha de volta para seu livro de cálculo. Hannah puxa as pregas da saia enquanto osilêncio se apodera delas. Finalmente ela disse:

— Obrigada.— Sem problemas, — diz Wally, sua voz muito mais leve agora.— Wally, eu tenho muita sorte de ter você. Tive muita sorte de você não ter ido embora

também.Wally levanta a cabeça novamente, suas sobrancelhas franzidas em seriedade, sua

mandíbula firme.— Eu nunca te deixaria, — diz ele, e então, depois de verificar a expressão de gratidão dela,

ele volta ao seu dever de casa.Naquela tarde, quando Hannah e Joanie voltam da escola, Hannah segue Joanie até a

cozinha. Ela se inclina contra o balcão e pressiona aplicativos aleatórios em seu telefoneenquanto Joanie fica na frente da geladeira, examinando suas opções de lanches.

— Nós poderíamos esquentar aquele bolo de carne que sobrou, — Hannah oferece.Joanie a ignora.— Joanie, — Hannah diz exasperada, — me desculpe.Ainda assim, Joanie a ignora, movendo a caixa de ovos para o lado para ver o que está por

trás dela. Hannah espera cerca de 15 segundos antes de tentar novamente.— Eu sei que fui uma idiota. Eu não queria estragar as coisas para você e Luke.Finalmente Joanie se vira. Seus olhos brilham de raiva.— Você está brincando comigo? — ela diz amargamente. — Você “não queria”? Isso é uma

piada?— Eu não estava pensando...— Luke não fala comigo há seis dias, — diz Joanie. — Nem uma palavra. Ele não retorna as

minhas ligações ou mensagens de texto. Ele nem mesmo olha para mim. E esse é o cara que erameu melhor amigo. A única pessoa em nosso grupo que me fez sentir como se ele realmentequisesse que eu estivesse lá, embora eu nem sempre recebesse essa vibe de todos os outros, eespecialmente de você, que sempre me fez sentir como se eu fosse estúpida e uma chateação.Mas eu tentei tanto ser sua amiga de qualquer maneira porque eu — sua voz começa a falhar —Eu pensei que talvez se eu fosse apenas um pouco mais engraçada, ou um pouco menos irritante,então você me deixaria entrar. Confiei em você porque você é minha irmã. Mas eu acho que issofoi realmente estúpido da minha parte, não foi? O único amigo que eu realmente tinha era Luke.Ele me fazia sentir especial, desejada e incluída, e agora ele nem consegue olhar para mim. Evocê sabe de quem é a culpa, Hannah? É sua.

Ela bate a porta da geladeira e sai correndo da cozinha. Hannah está congelada no lugar. Elaouve Joanie subindo as escadas para seu quarto e batendo a porta. Então a casa ficaabsolutamente silenciosa, exceto pelo tique-taque do relógio de pêndulo na sala de estar.

Hannah desliza para baixo do balcão, suas costas machucando contra a madeira. Ela deslizaaté que está sentada no azulejo branco frio do chão da cozinha, os cotovelos cravados nas coxas eos seios da face latejando sob a pele. E pela primeira vez em meses, ela se permite chorar.

Na sexta-feira, um dia antes do baile, Hannah se arrasta para seu armário pouco antes de o

primeiro sinal de aviso tocar. Ela troca seu livro de francês por seu fichário de cálculo e ignora aenxurrada de alunos ao seu redor, que estão todos cheios de entusiasmo e acumulam energiaenquanto falam sobre seus planos para amanhã à noite. Hannah ouve palavras como “limusine” e“fotos” e “pós-festa”, mas ela tenta bloquear tudo.

Mas então, com o canto do olho, ela capta uma explosão de cores brilhantes. Ela se vira paraa esquerda e vê Baker e Clay, apenas alguns metros abaixo no armário de Baker, trocandosorrisos enquanto olham para o buquê de flores nas mãos de Baker.

Rosas. Clay trouxe uma dúzia de rosas para Baker. E elas são de um amarelo brilhante,alegre e perfeito.

Capítulo Nove: A Rainha do Baile de Formatura

Wally está bonito, de um jeito clássico todo garoto americano, parado usando um terno naentrada da casa de Hannah. Hannah o observa brincando com a caixinha do corsage nas mãosenquanto eles esperam a mãe de Hannah parar de arrumar seu vestido e cabelo.

— Vamos tirar algumas fotos aqui antes de sairmos para a festa, — a mãe de Hannah diz. —Que tal uma com Wally dando o corsage para a Hannah?

— Cadê a Joanie? — o pai de Hannah pergunta. — Ela não deveria estar em algumas?— Shhh, — a mãe de Hannah diz, batendo no braço dele. — Ela está no quarto. Quer ficar

em paz.A mãe de Hannah tira várias fotos em uma Kodak descartável desatualizada, enquanto o pai

de Hannah fica quieto de lado, um sorriso gentil brincando em seu rosto. Hannah sorri com forçaquando Wally a envolve com o braço.

— Vocês dois estão ótimos juntos, — a mãe de Hannah diz, e quando eles caminham até oscarros para ir até a casa de Clay, ela sussurra, — ele é o garoto perfeito para você, Han, — bemno ouvido de Hannah.

Hannah está suando quando ela e Wally sobem até a garagem dos Landry. Sua mãe e seu paicaminham atrás deles, de mãos dadas, dois pais orgulhosos prontos para mandar sua filha para obaile. Wally os leva para o quintal, de onde já podem ouvir conversas e risos, e o coração deHannah bate forte quando ela vê a festa de formatura e dezenas de pais reunidos na varanda detrás.

Ela avista Baker imediatamente. Ela está no meio do grupo, segurando o braço de Clay, umgrande sorriso no rosto enquanto fala com a Sra. Landry. Ela está usando um vestido longo frenteúnica azul meia-noite que faz seus ombros parecerem ainda mais esguios do que já são. Ela usa ocabelo em um coque chique, mechas grossas ondulando atrás de suas orelhas como riachosdelicados. Quando ela se vira para dizer algo ao Dr. Landry, o sol brilha na pele nua de seupescoço e na parte superior das costas, e Hannah é repentinamente inundada pela memória tátilde tê-la beijado ali.

Quando Wally puxa Hannah para a varanda, Baker encontra seus olhos por um segundorápido — quase como que por acidente — mas então desvia o olhar. O coração de Hannah batemais rápido. Ela cumprimenta várias pessoas ao seu redor, tanto colegas quanto pais, até queClay vem dizer oi.

— Ei, — Clay diz, parecendo genuinamente feliz de vê-la. — Estou tão feliz que você veio.— Eu senti sua falta, — Hannah diz, o abraçando com força.

Ele se afasta e dá a ela um olhar muito concentrado, seus olhos implorando para que elaentendesse. Ela sorri e segura o braço dele por alguns segundos, e ele sorri de volta. Váriosmetros atrás dele, Baker desvia o olhar incisivamente.

Os pais de Hannah dizem oi para os Landry, a mãe de Hannah agarrando o braço da Sra.Landry enquanto riem de algo que Hannah não consegue ouvir. Clay se junta a eles para dizerolá aos pais de Hannah, e a mãe de Hannah exclama sobre o quão bonito ele está enquanto o paide Hannah aperta sua mão.

— E onde está sua parceira bonita? — o pai de Hannah pergunta.— Sim, cadê a Baker? — a mãe de Hannah diz. O estômago de Hannah se revira de

ansiedade, mas Baker vem cumprimentá-los sem vacilar, abraçando a mãe de Hannah como senada estivesse errado. Em seguida, o Sr. e a Sra. Hadley se juntam ao grupo, a Sra. Hadleycontando à mãe de Hannah tudo sobre o processo de preparação de Baker. A mãe de Hannahpuxa Hannah para o círculo para dizer oi e falar sobre seu próprio processo de preparação, eHannah e Baker agem como se tudo estivesse normal, embora evitem os olhos uma da outra.

E então é hora das fotos. Hannah e Wally se alinham com o resto de seus colegas — umafila inteira deles, lindos e lindas adolescentes de 17 e 18 anos, empilhados na ordem de garotos-garotas-garotos-garotas por todo o quintal. Seus pais orgulhosos estão de frente a eles, segurandoiPhones e câmeras chiques da Canon e, no caso da mãe de Hannah, Kodak descartáveis, e os paisimploram para que todos sorriam, fiquem eretos, e se lembrem desta noite do baile para sempre.E no meio das câmeras clicando, e de pais gritando suas ideias para fotos clichês, e do cheiro doperfume de Wally e de se esfregar contra o tecido pinicante de seu terno — no meio de tudo isso,Hannah sente a gravidade da presença de Baker e anseia por ficar ao lado dela.

A mãe de Clay pede uma foto de Clay, Baker, Wally e Hannah depois que as fotos do grupotodo terminam. Hannah sente Wally olhar para ela, mas ela não olha para trás, com medo dedemonstrar seu desconforto. Em sua visão periférica, ela vê Baker se mexer e desviar o olharpara o antigo balanço de Clay.

— Sim, vamos, todos vocês vão valorizar isso quando forem mais velhos, — a mãe deHannah diz. — Vamos lá, se juntem.

Então os quatro estão posando juntos, e apenas Wally separa Hannah e Baker, de modo queas duas passam um braço em volta de suas costas. Por um breve segundo, quando Wally seinclina para frente rindo, Baker acidentalmente toca o pulso de Hannah, e uma carga eletrizanteatravessa Hannah. Mas então Baker puxa a mão dela como se ela tivesse se queimado, e ficaainda mais difícil para Hannah sorrir para a câmera.

E então é hora de ir. Hannah dá um abraço de adeus em sua mãe e seu pai, e sua mãesussurra para ela ser boazinha e se divertir e aproveitar para olhar o rosto bonito de Wally a noitetoda. O pai de Hannah aperta a mão de Wally e o instrui a dirigir com cuidado.

— Eu vou, Sr. Eaden, — Wally diz, com a maior seriedade que Hannah já ouviu dele.Hannah abraça os Landrys e Hadleys para se despedir, e a Sra. Hadley a segura com o braço

estendido e diz:— Venha nos ver em breve, tá bom? Parece que já faz uma eternidade.— Eu vou, — Hannah finge uma risada.No caminho para jantar, Wally diz:— Não foi tão constrangedor quanto achei que ia ser.Hannah não diz nada. Ela pensa sobre como foi a primeira vez que Baker a tocou desde a

praia.

A entrada para o salão de baile do Crowne Plaza está decorada com cortinas roxas eamarelas. Uma placa pintada à mão — Bem-vindos ao Baile de Formatura de 2012 de St. Mary!— está pendurada acima das portas duplas. Hannah e Wally entram no salão de baile, que já estácheio de alunos do segundo ano, do último ano e dos professores assignados que circulam pelasparedes, incluindo a Srta. Carpenter, que bebe uma lata de Coca Diet enquanto conversa com aSra. Shackleford. Balões roxos e amarelos, agrupados como organismos sob um microscópio,agarram-se aos pilares ao redor do salão. Algumas pessoas se sentam em mesas espalhadas, masa maior parte do corpo discente já foi para a pista de dança central. O padre Simon tece seucaminho através dos casais que dançam lentamente, parando aqui e ali para pedir que cadamenino e menina deixem espaço para o Espírito Santo.

— Então o que você acha? — Wally pergunta. — Quer dançar?Eles se juntam aos seus colegas na pista de dança. As pessoas ao redor dizem oi, as garotas

balbuciando Tá linda! ou Amei seu vestido! para Hannah, os garotos se aproximando para apertara mão de Wally em saudação. Wally envolve a cintura de Hannah com as mãos, e Hannah seestica para enlaçar as mãos em seu pescoço, e eles começam a dançar.

Ela se esforça ao máximo para se perder na música rock suave, para não imaginar Joaniesentada em casa em seu quarto, ou Luke assistindo TV na casa de sua mãe ou pai, ou Baker eClay enrolando no jantar antes de chegar ao baile. Ela fecha os olhos contra o peito de Wally e seconcentra em mover o corpo de um lado para o outro, seguindo a condução dele.

Cerca de 15 minutos depois Hannah percebe Baker e Clay na pista de dança. Baker está decostas para Hannah, os músculos das costas visíveis enquanto ela se esforça para colocar osbraços em volta do pescoço de Clay. Clay está falando com ela, seu rosto todo iluminado defelicidade, sua lapela um pouco torta em seu paletó. O coração de Hannah começa a doer maisintensamente do que havia no resto da noite enquanto ela os observa dançar.

— Sabe o que minha mãe me disse antes de eu sair hoje? — Wally pergunta.

— O que? — Hannah diz, feliz pela distração.— Ela disse, “Hannah é muito mais bonita do que eu era aos 17 anos, então certifique-se de

tratá-la bem.”Hannah ri.— Sua mãe é linda.— Tente dizer isso pra ela.— Eu disse. Mas foi gentil dela dizer isso.A boca de Wally se levanta em um sorriso gentil.— Mas você é bonita.Hannah cora, sentindo-se tocada por ele dizer isso, mas também triste por não importar.

Hannah e Wally dançam intermitentemente por uma hora, perdidos no meio da multidão.Hannah observa Mackenzie dançar com Jackson, Lisa dançar com Bryce, Ellie Thomas dançarcom Michael Ramby. Ela até observa Michele dançar com Cooper, embora Michele esteja comuma carranca por cima do ombro dele, os olhos em Clay e Baker.

O padre Simon acena secamente para Hannah e Wally sempre que passa. A Sra. Carpentersorri para eles de sua posição na beira da pista de dança. Clay chama a atenção deles uma ouduas vezes, mas Baker nunca os nota.

— Muito bem… — o DJ diz, sua voz pairando entre o entusiasmo artificial e o tédiogenuíno, — se todos puderem se reunir, agora é hora do anúncio do Rei e da Rainha do Baile.

O mar de alunos se vira em direção à plataforma do DJ, e várias pessoas explodem emaplausos e gritos.

— Isso mesmo, — o DJ diz, — um momento muito importante pra todo mundo aqui.O Sr. Manceau cambaleia até a cabine do DJ, anéis de suor escurecendo as axilas de sua

camisa de botão verde-amarelada. Ele entrega um envelope lacrado ao DJ e sussurra algo em seuouvido; o DJ acena com a cabeça algumas vezes enquanto o corpo discente espera ansiosamentepela grande revelação.

— Certo, aqui vamos nós, — o DJ diz, sua voz passando mais entusiasmo. — Quando euchamar os nomes do Rei e da Rainha do baile, por favor venham até a cabine, onde a Sra.Shackleford e o Sr. Manceau vão coroar vocês. A dança oficial do Rei e da Rainha vai ser logodepois. Tão prontos?

A multidão responde com uma forte ovação e uma quantidade cada vez maior de aplausos.Hannah bate palmas frouxamente, sentindo uma apreensão no estômago.

— O seu Rei do Baile de Formatura de 2012 de St. Mary é… — o DJ diz, flexionando suavoz nas últimas palavras, — Sr. Clay Landry.

Uma grande alegria sobe ao redor do salão de baile. Hannah olha para a direita e vê Clay,

seu sorriso grande demais para o rosto, momentaneamente congelado enquanto processa omomento. Os caras ao seu redor, a maioria outros jogadores de futebol, dão tapinhas em suascostas e o empurram em direção à cabine do DJ.

— Bom trabalho, cara, — o DJ diz, parecendo não estar prestando muita atenção. — Comovocê tá? Nervoso?

— Porra nenhuma, — Clay diz caminhando para a cabine, e um grande rugido de risos eaplausos segue sua fala. Hannah ouve mais gritos de alguns jogadores de futebol.

— Podemos dizer isso em uma formatura Católica? — o DJ pergunta, olhando para a Sra.Shackleford e o Sr. Manceau e parecendo realmente se divertir pela primeira vez na noite. A Sra.Shackleford, de braços cruzados, revira os olhos mas ergue os ombros em um gesto de derrota. OSr. Manceau franze a testa e puxa para cima o cós da calça. — Achei que não, — o DJ continua,claramente tentando atiçar todo mundo agora. — Talvez esse Rei do Baile deva ir se confessar?

— Vai pra Rainha! — alguém atrás grita, e os alunos ao redor batem palmas e ecoam seusentimento.

— Tá bom, tá bom. Só tô me divertindo. Bem, St. Mary, sua Rainha do Baile de 2012 é…O estômago de Hannah aperta.— Srta. Baker Hadley!Um rugido ensurdecedor sobe ao redor do salão. Wally comemora bem alto ao lado de

Hannah, batendo as mãos, e Hannah, parada ali e sentindo que está assistindo este momento decima da pista de dança, experimenta uma sensação estranha e agridoce, como se ela quisesse cairno chão chorando mas correr para Baker e abraçá-la ao mesmo tempo. Baker caminha até afrente da multidão, seu sorriso de alguma forma nervoso e confiante, agradecendo aos colegasque a aplaudem. Ela caminha para se juntar a Clay na cabine do DJ, e o estômago de Hannahsobe para encontrar seu coração com um sentimento de amor e orgulho.

Mas a sensação se extingue assim que Clay se inclina para abraçar Baker e o corpo discenteresponde com aplausos ainda mais amplificados. A Sra. Shackleford e o Sr. Manceau avançam,apertando as mãos de Baker e Clay, e então o Sr. Manceau entrega as coroas para a Sra.Shackleford, que as coloca cuidadosamente em cima das cabeças de Clay e Baker.

— Vamos aplaudir seu Rei e Rainha! — o DJ grita em seu microfone, e os estudantes gritame batem as mãos, e alguém do outro lado da sala grita “Manda ver, Landry!”, e Clay e Bakerriem, seus rostos brilhando como se fosse o dia mais feliz de suas vidas.

Então a música começa a tocar e o DJ sinaliza para Clay que ele deve levar Baker para apista de dança. Os alunos ao redor deles se separam no meio, e Clay dá um passo à frente com amão segurando a de Baker. Ele pega a mão direita dela com a esquerda e coloca a outra mão emvolta da cintura dela; ela envolve um braço em volta do pescoço dele e permite que ele a conduzaem uma dança lenta. Hannah está enraizada no lugar, facilmente capaz de vê-los de seu ponto de

vista no círculo frontal da multidão. Ela observa as reações de seus colegas de classe — como asgarotas parecem famintas mas contentes com a cena; como os caras se cutucam e murmurambaixinho, provavelmente brincando sobre como eles estão felizes por não serem eles queprecisam dançar na frente de todos; como Michele Duquesne, do outro lado da multidão, cerra amandíbula. Abby Frasier, uma das amigas de Hannah desde o primeiro ano, que está logo atrásde Hannah e assiste a dança como se estivesse magicamente fascinada, se volta para Julia Gray esussurra:

— Baker tem tanta sorte. Você consegue imaginar o quão incrível ela deve estar se sentindoagora?

Hannah quer tanto ir embora, correr para fora e respirar ar fresco. Sua garganta está apertadacom uma sensação de asfixia; seu estômago dói tanto que ela tem vontade de vomitar. Masvárias garotas estão olhando para ela, avaliando a reação da melhor amiga da Rainha do Baile,mesmo que não tenham visto Hannah e Baker interagir muito recentemente; então Hannah fixaseu rosto em uma expressão feliz, forçando-se a parecer absolutamente encantada e orgulhosa, aparecer como se ela não pudesse imaginar nada melhor para sua melhor amiga, a ver a visãodiante dela como se estivesse a confortando ao invés de a matando.

Finalmente a dança termina e Baker se afasta suavemente de Clay. Clay passa a mão pelocabelo e sorri para ela, todo o seu semblante sugerindo que ele é o cara mais sortudo do mundo.

— Certo, obrigado Clay e Baker, — o DJ continua. — Eu tenho mais algumas músicas paravocês, St. Mary, e depois vamos encerrar a noite. Então aproveite as próximas joias e dance comseu par o máximo que puder.

26">Ele toca “Wonderful Tonight” de Eric Clapton. Wally verifica a expressão de Hannah,levantando as sobrancelhas de brincadeira para perguntar Devemos?, então Hannah envolve osbraços em volta do pescoço dele novamente e permite que ele a balance no lugar.

Eles estão no meio da música quando ela vê. Baker e Clay, ainda dançando no meio da pistade dança, estão se beijando. O queixo de Baker está inclinado para cima para encontrar a boca deClay, e as mãos de Clay estão baixas em suas costas, e eles estão realmente, livremente eansiosamente se beijando.

— Não estou bem, — Hannah diz, se afastando de Wally. Ela se vira e sai apressada da pistade dança em direção às portas duplas que levam ao saguão do hotel. Ela corre por um corredoraté encontrar uma saída, e quase assim que ela sai pela porta, ela vomita em um canteiro deplantas perto do estacionamento.

Ela cai contra o prédio, seu corpo fraco e quebrado. Ela ofega para respirar, implorando comseus pulmões, querendo tanto limpar esses sentimentos angustiados de seu corpo. Carros passamcorrendo na interestadual em frente ao hotel, e Hannah gostaria de estar em um deles, indo paraalgum lugar longe.

Eventualmente, quando ela consegue recuperar o fôlego, ela caminha trêmula até a calçada ese senta nela, mesmo sabendo que seu vestido ficará preso no concreto. Ela envolve os braços emvolta dos joelhos e exige que sua mente pense em outra coisa, qualquer outra coisa, além dasimagens que continuam flutuando em sua superfície: Baker agarrando o braço de Clay nas fotos— Baker dançando com Clay no meio da pista — Baker beijando Clay, beijando-o com osmesmos lábios que beijaram Hannah...

Por favor faça parar. Por favor tire de mim. Por que você só não tira de mim. O que eu estoufazendo de errado. Por que você me deu esses sentimentos. Por favor me ajude. Por favor.

— Han? Você tá bem?É Wally, vindo ver como ela estava. Ele permanece na porta do hotel, sua expressão

preocupada mas confusa ao mesmo tempo.— Sim, — ela diz, estabilizando a respiração, sorrindo tão despreocupadamente quanto

consegue. — Sim, tô bem. Só fiquei sobrecarregada.— Quer que eu sente com você um pouquinho?— Você não precisa.— Eu quero.Eles se sentam um ao lado do outro na calçada, os sapatos pretos brilhantes de Wally

esticados diante dele, o vestido de Hannah arranhando no concreto. Eles ouvem os carrospassando na frente deles.

— Tem certeza que você está bem? — Wally pergunta depois de um minuto.— Eu tô. Quer ir dançar a última música?Ele balança a cabeça.— Sentar aqui fora está ótimo pra mim.

Eles seguem uma longa fila de carros até a casa de Clay para a pós-festa, e Hannah,sentindo-se relaxada com a companhia reconfortante de Wally e com a distância cada vez maiorentre eles e o salão de baile do hotel, começa a se sentir um pouco melhor. O doutor e a Sra.Landry cumprimentam a procissão de adolescentes na porta da frente.

— As coisas dos meninos no quarto de hóspedes, as coisas das meninas lá em cima, — aSra. Landry recita, abraçando Wally e Hannah e alguns outros, enquanto o doutor Landry ficaatrás dela com uma taça de vinho. — Tem água e Coca nos refrigeradores!

A casa parece tão lotada quanto o baile, mas tudo está mais claro e mais próximo. Hannahtece seu caminho através do corredor, dizendo oi para alguns de seus amigos, Wally seguindoatrás dela e ecoando os cumprimentos, ocasionalmente colocando a mão em suas costas.

— Vamos lá fora, — Wally diz. — Tem gente demais aqui.O quintal está abençoadamente quieto — uma mudança bem-vinda da música alta do baile e

do baixo estrondoso na sala da família de Clay. Wally tira os sapatos e as meias e dobra ascalças.

— Venha, — ele diz, estendendo a mão para Hannah, — vamos dar uma volta nos balanços.Ela tira os saltos altos e levanta o vestido, depois pega a mão estendida dele. Suas palmas

estão suadas mas calorosas, e ela permite que ele a conduza pela grama úmida em direção aobalanço. Ele espera ela se sentar no balanço esquerdo; ela enfia o vestido por baixo do corpo eenvolve as correntes com os braços. Ele sorri e se senta no outro balanço, e então, sem palavras,os dois chutam a terra e começam a balançar para cima e para baixo, subindo cada vez mais alto,aumentando seus arcos a cada balançada, equilibrados pelas duas estruturas triangulares demadeira ao lado deles.

— Estou tentando me sincronizar com você, — Wally ri, — mas não consigo.— Essa é a coisa mais difícil do mundo.— Espera só, — Wally diz, erguendo a mão, desafiando-a com os olhos. Ela observa

enquanto seu corpo soluça no balanço, de modo que ele diminui o arco de seu balanço para ficarmais próximo do dela, e alguns segundos depois, após outro soluço, seus movimentos estão emsincronia de forma que eles ficam perfeitamente paralelos um ao outro, até mesmo no levantar deseus pés descalços. E Hannah se lembra, com um sobressalto, como ela, Joanie e as crianças davizinhança costumavam chamar esse fenômeno quando eram mais novas.

Olha! Estamos casados!A memória a assusta, de modo que todo o seu corpo sai do ritmo e ela perde o ímpeto. A

sincronia entre ela e Wally é quebrada repentinamente.— Merda! — Wally grita, sua voz transbordando de risada. — Recupera!Ela bombeia suas pernas e braços com força, tentando se recuperar do erro. Ela imita a

manobra de soluço de Wally, mas não consegue acertar: a oscilação entre os balanços fica maispronunciada.

— Han! — Wally chama, ainda rindo, e ela grita:— Tô tentando! — sua voz saindo mais desesperada do que ela pensou que sairia. Ela

bombeia as pernas com mais força e mais força e fica cada vez mais frustrada, até que Wallyfinalmente faz sua manobra de soluço novamente e restaura a sincronia.

— Ei! — uma voz grita da casa. Eles erguem a cabeça para ver uma figura alta iluminadapelas luzes do lado de fora da porta. É Clay, seu terno substituído por suas roupas normais. —Parem de flertar e entrem aqui! — ele grita para eles. — Tão perdendo a festa!

— Estamos indo, babaca! — Wally grita de volta.Clay bate o braço no ar como se dissesse Aham, aham, e então ele se vira de volta para a

casa e fecha a porta atrás de si. Wally e Hannah diminuem seu movimento até chegarem a umaparada gradual, ambos levantando terra no processo.

— Eu vou estragar minha pedicure, — Hannah diz, franzindo o rosto, — mas que se foda.— Eu vou bater no Clay, — Wally diz, — mas que se foda também.Hannah não consegue ver totalmente o rosto dele — não na escuridão, apenas com as luzes

da varanda dos fundos lançando uma cobertura fraca sobre o quintal — mas ela suspeita que suasbochechas estão vermelhas.

— Tá tudo bem, — Hannah diz, fingindo indiferença. — Você sabe que Clay só gosta dedeixar as pessoas com vergonha.

— Será que a gente devia entrar? — Wally pergunta, estendendo a mão novamente.Eles caminham de volta sobre a grama úmida. Wally não solta a mão dela. Pouco antes de

pisarem no ladrilho do pátio, ele para de andar e gira em direção a ela.Ele quer beijá-la. Ela sabe disso em um instante, antes mesmo de ver o olhar dele.Wally não diz nada; ele apenas a encara, seus olhos entrando em contato com os dela antes

de descer para olhar sua boca. Há uma fome em sua expressão, e embora Hannah sempre tenhavislumbrado isso, esta noite ela vê a manifestação completa.

Ela fica parada instável na grama, incapaz de desviar o olhar da boca dele, incapaz de tomaruma decisão. Ela luta contra seus instintos, lembrando-se de Baker e da praia, mas tambémlembrando de Baker beijando Clay na pista de dança esta noite.

Por que ela deveria lutar contra isso? Por que lutar quando Wally está parado na frente dela,querendo estar com ela? Wally, que é gentil e amoroso e que acredita nas coisas boas mesmo quenem sempre as receba? Wally, que a vê, que quer entendê-la, que faz ela sentir que pode sermelhor do que ela é?

>— Hannah… — ele diz sem fôlego, e quando ele diz o nome dela, ela pensa, Talvez issopossa ser o suficiente.

Então ela arqueia o pescoço para beijá-lo. Seus lábios são quentes e tingidos com o sabormentolado das Altoids que ela o viu comer no carro. Ela o beija com força, com intenção, e eleretribui o beijo com fome, e embora sua barriga não reaja, e embora ela não sinta nenhumaexplosão de magia, ela pelo menos se sente segura, e como se estivesse de pé, pela primeira vezem meses, em solo sólido.

Eles se beijam por vários minutos, até que o beijo esquenta e Wally se afasta dela.— Uau, — ele ofega, os olhos arregalados por trás dos óculos. — Eu mencionei que tô feliz

por você ser meu par do baile?Ele se abaixa para pegar as meias e os sapatos. Ele pega os saltos de Hannah, também.— Vamos, — ele diz, cutucando-a com o braço, — vamos entrar antes que Clay saia e aja

como um idiota de novo.

Já passa da meia-noite e todos na festa tiraram suas roupas formais. Wally olha para seu

terno, depois para Hannah em seu vestido, e diz:— Acha que deveríamos seguir o traje? — Ele sorri. — Sem trocadilhos.Hannah sorri.— Essa foi péssima.Ele dá de ombros, ainda sorrindo, e entrega a ela sua bolsa.— Te vejo em um minuto.Ela pega a bolsa e segue seu caminho pela floresta de pessoas na casa, seus olhos na escada

que leva ao segundo andar. Ela contorna Ted e Kristen, que a abraçam quando ela passa, e então,pouco antes de chegar às escadas, ela vê Baker.

Baker está sentada no chão, as pernas espalhadas sobre o tapete bege, o cabelo solto de seuelegante coque, de modo que agora cai em cascata por suas costas. Clay se senta ao lado dela,murmurando algo em seu ouvido, o braço posicionado atrás das costas. Eles se sentam em umcírculo maior de pessoas, todos formando pares de menino e menina, e Hannah nota o frasco queeles parecem estar passando ao redor do grupo quando acham que ninguém está olhando.Naquele momento, bem quando Hannah se move em sua linha de visão, Baker encontra seusolhos.

Sua expressão é difícil de ler. Ela não move um único músculo do rosto; ela simplesmenteolha diretamente para Hannah, seus olhos profundos e carregados com um significado queHannah não consegue entender. Ela parece quase magoada, e Hannah se pergunta por umsegundo rápido se Baker a viu beijando Wally no quintal.

Mas então Baker rompe o contato visual e o momento se foi. Hannah continua se movendo,caminhando em direção às escadas, colocando um sorriso falso no rosto quando as outraspessoas do círculo de Baker lhe dizem oi.

— Onde você tava? — eles perguntam, alguns deles claramente já embriagados, e Hannahresponde:

— Lá fora, — sem parar para explicar. Ela acena para todos e promete voltar, e então seobriga a subir as escadas para o segundo quarto. Ela carrega a imagem dos olhos de Baker portodo o caminho.

Hannah passa a maior parte da noite encolhida com Wally em uma seção da sala da família,mastigando Chex Mix e ouvindo David, um de seus amigos das aulas avançadas, contarhistórias. Ao redor deles, meninos e meninas flertam uns com os outros, se beijam, se esgueirampara fora ou para banheiros para ficarem, aproveitando o fato de que os pais de Clay se renderamao sono.

Por volta das duas da manhã, com a festa em torno deles ainda a todo vapor, Wally perguntaa Hannah se ela quer ir dar uma caminhada.

— Agora?— É, — ele diz. — Se você quiser.Eles caminham pelas ruas do bairro de Clay, acompanhados pelos sussurros de irrigadores

de água e insetos noturnos. Wally anda com as mãos enfiadas nos bolsos da calça de seu pijamade corda, e Hannah segura seu moletom e lembra seu coração que ele deveria estar aqui, comWally, e não na casa de Clay.

— Eu gosto de você, — Wally diz de repente, depois que eles vagaram por algumas ruas. —Eu gosto de você faz muito tempo.

Eles chegam à periferia do bairro, atravessam uma rua tranquila, iniciam um caminho emdireção aos lagos da Universidade do Estado da Luisiana. Hannah luta contra seus instintosnovamente, tentando pensar em uma resposta apropriada para sua admissão.

— Eu acho que quero saber, — Wally diz, chutando uma pedrinha enquanto caminha, —você também gosta de mim? Ou eu sou só o amigo que você às vezes beija?

Eles alcançam a beira do lago. Ela o sente olhando para ela, mas na escuridão, é difícil lersua expressão. Eles se sentam no chão e olham fixamente para o lago — uma massa escurarefletindo a luz da lua. A essa hora tardia, com apenas os dois sentados calmamente em frente àágua, tudo no mundo parece baseado na esperança, na possibilidade, e Hannah pensa, pelasegunda vez naquela noite, Talvez isso possa ser o suficiente.

— Eu gosto de você, também, — Hannah diz, e assim que fala as palavras, ela se sente maiscalma, mais segura, como se ela finalmente estivesse se encaixando no mundo. Por enquanto, napaz tranquila dessa noite, ela e Wally são os únicos dois humanos que existem, e é fácil imaginarque ela sempre poderia se sentir assim. Ele é Garoto, ela é Garota, e talvez seus professoresestivessem certos o tempo todo, e talvez as igrejas estivessem certas o tempo todo, e talvezWally tenha sido divinamente ungido para ela o tempo todo, desde o início dos tempos.

Wally a beija ao lado do lago, e Hannah se sente segura, como se ela finalmente pertencesse.

Eles voltam para a casa de Clay com um silêncio mais solto entre eles. Wally segura a mãodela e ocasionalmente encosta seu braço quente contra o dela, e o corpo e a mente de Hannahficam mais calmos, até relaxados.

Quando eles voltam para a casa, eles encontram seus colegas dormindo em várias partes dochão. Há uma única luz acesa perto da escada, e Wally conduz Hannah em direção a ela, os doisse movendo silenciosamente pela mina terrestre de pessoas adormecidas.

— Parece que só estão os caras aqui embaixo agora, — Wally diz. — Posso te acompanharaté lá em cima?

— Não, vou ficar bem, — Hannah sorri.Ele lhe dá um beijo de boa noite, e ela tenta levar aquela sensação de segurança pra cima

com ela.Ela ilumina com o celular enquanto sobe na ponta dos pés até o segundo andar. Quando ela

chega ao patamar, ela quase esbarra em uma figura sombria prestes a descer as escadas.— Quem é? — a figura pergunta, e Hannah percebe, com um sobressalto, que é Baker.— Sou eu, — Hannah responde. Ela levanta o celular para iluminar Baker. — O que você tá

fazendo?Baker está rígida, imóvel e silenciosa como um fantasma há muito esquecido.— Nada, — ela diz, sua voz tremendo. — Pegando água.Hannah a estuda pela luz fraca da tela do celular. Ela parece talvez ter chorado. Sua camisa

de pijama gigante está solta e mole em seu corpo. Quando Hannah está prestes a perguntar se elaestá bem, Baker abre a boca e parece que está prestes a gritar, ou implorar por algo, ou cuspiralgo ruim que engoliu acidentalmente. Por um momento de parar o coração, Hannah acha queBaker vai deixá-la entrar novamente.

Mas então Baker fecha a boca tão abruptamente quanto a abriu e passa por Hannah. Eladesce correndo as escadas, a cabeça baixa, e Hannah a observa desamparada, resignada com essanova dinâmica.

Ela encontra o armário de linho no final do corredor do andar de cima, ao lado do antigoquarto de Ethan. Ela pega um lençol de algodão escuro e uma manta de flanela fina, grata por teralgo para aquecê-la esta noite.

Ela está passando pelo quarto de Clay quando a porta dele se abre, assustando-a tanto queseu coração dá um salto em seu peito.

— Uou! — Clay grita sussurrando, se afastando da porta. — Quem é?!— É a Hannah, — ela diz, levantando o celular para lançar uma luz fraca sobre si mesma. —

Só tava pegando uns cobertores.— Meu Deus, me assustou pra caralho, Han.Hannah não se desculpa. Ela passa a luz do celular para ele, notando seu torso nu, que brilha

de suor, e seu cabelo bagunçado. Ele está vestindo cueca e nada mais.— O que você tá fazendo? — Hannah pergunta.— Nada, — ele diz apressadamente. — Só escovando meus dentes e tal.— Ah.Uma sensação de mal estar se espalha no estômago de Hannah — uma espécie de instinto

que sugere algo que ela não quer saber.— Vamos, — Clay diz. — Vamos ir dormir. Não quero acordar meus pais.Hannah hesita. Esse instinto doentio se espalha ao redor de seu corpo inteiro, escorregando

na tubulação de sua garganta, fazendo-a achar que poderia vomitar.— Sua cueca tá ao contrário, — ela sussurra.

Eles ficam em um silêncio desconfortável.— Ah, — Clay diz, mexendo no cós de sua cueca. — É. Eu coloquei bem rápido. Obrigado.Ele se apressa para longe dela e se esgueira para o primeiro andar. Hannah se arrasta como

um zumbi para o quarto de hóspedes do segundo andar, onde ela se enrola como uma bola nochão, se agarrando ao cobertor ao seu redor.

A Sra. Landry prepara torradas francesas para todos na manhã seguinte, parecendo trabalharcom um número infinito de ovos e fatias de pão para alimentar todos os adolescentes famintos dasua cozinha. Hannah sente que está assistindo a uma interpretação moderna do Milagre dos Pãese dos Peixes. Clay monitora a cafeteira, servindo canecas de café preto para todos os seus muitosamigos, o cabelo despenteado e os olhos vidrados de cansaço.

— Ele ficou acordado até tarde, — Wally diz, seguindo a direção do olhar de Hannah. —Ele não veio dormir até eu e você voltarmos.

— Eu sei, — Hannah diz. — Encontrei ele lá em cima.— Me pergunto o que ele estava fazendo.— Eu não sei, — Hannah diz. Ela pega a torrada francesa em seu prato e tenta se concentrar

no aqui e agora, especialmente na sensação de Wally segurando sua mão sob a mesa. Ela apertaos dedos de Wally e manda ela mesma parar de olhar para o corredor que leva às escadas.

Mas isso não importa de qualquer forma: apesar da raspagem dos talheres e das vozes altasdos colegas de classe ao redor deles, Baker não entra na cozinha.

Joanie entra no quarto de Hannah quando ela chega em casa naquela manhã. Ela cruza osbraços sobre o peito e observa Hannah desfazer sua mala e pendurar o vestido na porta doarmário.

— Como foi? — Joanie diz, a voz cheia de ácido. — Teve uma noite incrível?— Foi bom, — Hannah diz cansada. — Não foi tão interessante.A voz de Joanie treme de raiva quando ela responde.— É, bem, provavelmente foi melhor do que assistir a reprises do Dateline com mamãe e

papai e tentar ignorar todas as fotos que as pessoas postavam na internet. Ah, e tentar esquecer olindo vestido de baile que eu tinha pendurado no meu armário...

— Entendi, Joanie, sinto muito. Eu não sei mais o que dizer além disso.— … sem mencionar que Luke ainda não falou comigo, e ontem foi o aniversário de

casamento dos pais dele, que é um dos principais motivos de ele querer tanto ir ao baile. Para queele pudesse esquecer.

O coração de Hannah afunda.— Sinto muito.

— Vai ter que arranjar algo melhor que isso, — Joanie diz, seu rosto contorcido deamargura. Ela gira e sai brava.

Aquela semana na escola é difícil. Baker continua evitando Hannah; Clay fala com elaapenas moderadamente; Joanie ignora Hannah completamente; e Luke, quando Hannah tenta sedesculpar com ele, simplesmente pisca algumas vezes e depois se afasta. Apenas Wally, comseus olhos preocupados e sua mão quente envolvendo a de Hannah, continua a falar com ela.

Isso torna mais difícil e mais fácil para ela tomar sua decisão sobre a faculdade. Ela se sentano chão de seu quarto, descalça e com o cabelo molhado de banho, e abana suas cartas defaculdade a sua frente. Ela elimina três delas em minutos, e então ela fica olhando para sua cartade Emory e sua carta da Universidade do Estado da Luisiana.

Ela lê o artigo de admissão novamente. Ela navega em seus sites por horas, lendo sobrebibliotecas e a vida no campus e grupos de alunos. Ela baixa catálogos de cursos e se deita debruços enquanto rola as listas de aulas.

Nada disso importa. Ela sabe, instintivamente, qual ela vai escolher de qualquer maneira.Sua mãe levanta as sobrancelhas em surpresa quando Hannah desce as escadas com as cartas

da faculdade na mão.— Você decidiu? — ela pergunta, colocando os óculos de leitura sobre a camisola. O pai de

Hannah, sentado em sua velha poltrona surrada, tira os olhos do livro.— Aham, — Hannah respira.A boca de sua mãe levanta conforme ela se prepara para sorrir.— Qual vai ser, querida?Hannah morde o lábio.— Qual você acha que eu escolhi?Seus pais a estudam por um momento. Sua mãe inclina a cabeça com a boca erguida em um

sorriso pensativo. Seu pai fica sentado muito quieto, seus olhos cinzentos sem piscar enquantoele a lê com sua mente de engenheiro.

— Emory, — o pai dela diz.Hannah sorri.— É.Eles se levantam para abraçá-la, e ela segura sua carta de Emory com força contra o peito

enquanto eles a envolvem em seus braços.

— Já ouviu a notícia sobre sua melhor amiga? — Joanie diz depois da escola na quarta-feira.Ela caminha até o carro, com as mãos enfiadas sob as alças da mochila, e espera Hannah e Wallycortarem sua conversa.

Hannah aperta os olhos sob a luz do sol, chocada por Joanie estar falando de boa vontadecom ela.

— Que notícia?— A notícia sobre Clay e Baker e seu pequeno encontro às quatro da manhã.O estômago de Hannah revira.— O que?— Joanie… — Wally diz em aviso.— É, — Joanie diz arrogantemente, deixando sua bolsa na calçada. — Eles fizeram o lance,

com camisinhas e tudo. Meio clichê na minha opinião, fazer sexo na noite do baile, mas o quefuncionar pra eles, eu acho.

— Do que você tá falando? — Hannah diz desesperadamente.— Emily Zydeig acabou de me contar. Aparentemente, Clay teve que pedir camisinhas pro

Walker. Clay tava tentando manter escondido porque Baker não queria que ninguém soubesse,mas parece que todo mundo tá sabendo de qualquer jeito.

Hannah olha desesperadamente para Wally. Ele não encontra seus olhos.— Você sabia disso? — ela pergunta pra ele.A mandíbula de Wally cerra. Hannah não consegue desviar o olhar dele, não até ele refutar o

que Joanie disse, não até que ele dê a ela um sinal de que toda essa conversa é uma piadaelaborada.

Mas ele não olha para ela.— Ai meu Deus, Hannah, — Joanie diz em desdém. — Para de ser tão dramática. É só sexo.

Muita gente faz. Menos você, aparentemente.— Para de falar, Joanie, — Wally diz asperamente.Joanie vacila sob o olhar de Wally. Hannah se sente tonta no silêncio, seu estômago

estremece com aquela sensação de mal estar.— Como você soube? — Hannah pergunta finalmente.Wally encontra seus olhos.— Clay falou comigo sobre. Ele pediu para eu manter em segredo.— Então você manteve de mim, também?— Não era assunto meu para contar. — Wally olha incisivamente para Joanie. — Não era

assunto de ninguém para contarem.Os três murcham no silêncio. O sol bate no alto da cabeça de Hannah, queimando seus

cabelos. Ela não tem certeza do que fazer, onde olhar, então ela encara o asfalto preto doestacionamento, seus pensamentos e emoções balançando ao redor de seu corpo como um naviosacudido em uma tempestade.

— Que loucura, — Hannah diz finalmente. Ela engole em seco e se força a sorrir para

Wally. — Me sinto bem burra, por não saber...Wally abre a boca incerto.— Tenho que ir, — Hannah diz, se afastando em direção ao carro, ciente de um vazio se

espalhando dentro dela. — Tenho um trabalho enorme pra amanhã. Vamos, Joanie.— Han… — Wally diz.— Te vejo amanhã, — ela diz, com a voz presa na garganta. Ela se fecha no carro, espera

que Joanie faça o mesmo, e então sai dirigindo do estacionamento do St. Mary.

Joanie estreita os olhos para Hannah no caminho de casa.— Qual o seu problema? — ela pergunta, sua voz saindo agressivamente, mas ainda tingida

com um pequeno traço de dúvida.— Nenhum, — Hannah diz, apertando o botão do rádio.

Ela deixa a mochila cair no chão do quarto. Ela tranca a porta. Ela encosta a cabeça naparede.

Clay e Baker e seu pequeno encontro às quatro da manhã.Ela murmura as palavras novamente. Ela murmura uma segunda vez. Ela murmura

repetidamente até que o mal estar dentro dela finalmente vaza.Ela chora contra a parede do quarto. Ela grita em respirações interrompidas. São gritos meio

formados, não estão completamente imbuídos com a magnitude do sofrimento que ela sente. Elessão só ar — ar quebrado, interrompido — e nenhuma voz. Mas ela não pode dar voz ao seusofrimento. Joanie poderia ouvir.

Ela toca as palmas das mãos no papel de parede. Ela roça a bochecha contra a superfícievelada. Suas lágrimas escorrem para o papel. Suas lágrimas. Essas ofertas de seu corpo. Ela podesentir seu cheiro e seu sabor.

Capítulo Dez: Fragmentos de Vidro

Se Hannah achava que sabia o que era dor antes, estava errada. Cada parte dela — seu corpo, seucoração, sua alma — doía com sofrimento. Ela tem a sensação de ser esmagada por todos oslados, comprimida até que mal consegue respirar, até não querer nada além de correr o maislonge que conseguir.

Ela se pergunta sobre esse sofrimento. Foi planejado por Deus, uma lição para afastá-la deseu pecado? É uma prova absoluta de que ela nunca poderá estar com Baker, e que ela deveriasimplesmente parar de tentar?

Wally quer entender. Ela sabe pela maneira como ele a olha com aqueles olhos abertos epreocupados. Eles conversam no armário dela e ele silenciosamente implora que ela conte o queestá acontecendo, mas ela não pode.

A Srta. Carpenter quer entender, também. Hannah sabe pela forma que a Srta. Carpenter aobserva guardar suas coisas no fim da aula.

— Tudo bem com você, Hannah? — ela pergunta, suas sobrancelhas angulares juntas empreocupação, mas Hannah apenas dá um meio sorriso e insiste que ela está bem, ela está bem.

Tarde da noite, depois que seus pais e Joanie já foram dormir, ela dirige até o City Park e sesenta em seu carro sob a copa das árvores. Ela olha para essas árvores e se maravilha com suaexistência, como elas simplesmente são o que foram criadas para ser, como elas se erguemorgulhosamente em seus troncos de madeira, como elas balançam com a brisa e movem suasfolhas como as teclas de um piano, e ela reza para que possa ser como elas, que possa inatamenteentender sua existência e vivê-la sem questionar.

Eu estou errada? ela pergunta. Só me diga se estou.Ela não recebe uma resposta.

Parece que sua tristeza ficará com ela para sempre. O futuro, uma vaga noção que antesparecia muito empolgante para ela porque continha apenas possibilidades, agora parece umasentença de prisão, uma condenação. Por agora que ela entende os anseios de seu coração, o quedeve fazer?

Só há perdas.Casar com o Wally. Casar com um menino. Ter um lindo casamento no início do outono,

quando o ar está quente e a temporada de futebol está em pleno andamento. Transar e fazer

bebês. Dar pra eles uma mãe e um pai, para que tenham panelas na mesa e baseball no quintal. Irpara as festas de fim de ano do escritório, segurar o braço de Wally, usar um vestido de festapreto e o colar que ele comprou para ela no Natal. Envelhecer juntos. Observá-lo perder o cabeloapenas para crescer uma pança na cintura. Cuidar dos netos nos fins de semana.

O tempo todo, ignorando o buraco, a falsidade, em seu coração. Disciplinar-se para nãoolhar para as damas de honra — para Baker — quando ela estiver no altar. Nunca se permitirfingir que são os braços de Baker em volta dela na cama à noite.

Ou mandar tudo a merda e lutar para ficar com ela. Levá-la para o cinema e comprar osdoces favoritos dela quando ela for ao banheiro antes do filme. Encontrar uma casa com ela emuma parte segura da cidade e a encher com animais e livros. Ficar em casa nas noites de sexta-feira e adormecer no sofá assistindo Netflix com os corpos alinhados lado a lado sob o cobertor.Aprender os segredos uma da outra. Amar os defeitos uma da outra. Prometer o mundo a ela.

Mas desistir do casamento tradicional na igreja. Abrir mão da possibilidade de filhos quesejam a metade perfeita de cada uma delas. Encontrar uma igreja diferente, ou sentar bem atrásonde menos pessoas verão a eletricidade entre elas quando ficarem de mãos dadas durante o “PaiNosso”, ou deixar a igreja inteiramente. Se resignarem ao fardo vitalício de explicar seurelacionamento a cada nova pessoa que encontrarem.

Como seus sentimentos podem estar certos? Como eles podem, quando não importa o queela escolha, ela nunca estará completa? Em algum lugar, de alguma forma, algo deve ter dadoerrado quando ela nasceu. Algo mudou na fiação. Algo em seu cérebro, ou em seu corpo, ou emseu sangue. Tudo que ela aprendeu sobre a união com outra pessoa, sobre o propósito de seucorpo — nada disso pode ser transferido para uma garota, para Baker.

Transtornada. Ela é transtornada.

Ela para de enviar mensagens para Baker. Para de tentar falar com ela na aula de inglês. Parade tentar chamar sua atenção na hora do almoço. Rende-se a essa nova realidade na qual ela eBaker não tem nenhum relacionamento, e na qual a única pessoa com quem fala é Wally.

Mas isso não impede seu coração de desejar. Isso não a impede de pensar em Baker comcada música que ouve e cada lindo céu que vê. Isso não a impede de sonhar em abraçar Baker,mantendo-a perto, prometendo-lhe que está tudo bem.

Ela sabe que elas estão presas. Se pergunta se Baker está tentando mostrar a ela o caminho— mostrar a ela como elas deveriam viver e como deveriam amar. Às vezes ela estáabsolutamente convencida de que Baker está certa: que é melhor para elas esquecerem seuspecados e se concentrar em seus relacionamentos com Clay e Wally. Mas outras vezes ela sepergunta se Baker entendeu errado — se o mundo entendeu errado.

Ela tenta perguntar a Deus, mas não consegue encontrar Deus em lugar nenhum.

Ela não sabe mais o que é certo ou errado; tudo o que ela sabe é este vasto vazio dentro de simesma — este lugar onde Deus costumava estar, onde a igreja costumava estar, onde seus paiscostumavam estar, onde ela costumava estar. Agora há um peso dentro de seu esôfago; umapedra alojada que se recusa a se mover, que ela gostaria de vomitar se pudesse, que ela poderiaarrancar com lágrimas se ao menos estivesse livre o suficiente para chorar.

Ela vai à missa no domingo e o padre Simon fala sobre a Verdade, sobre quantas pessoas nomundo não querem ouvir a Verdade.

— Nossa igreja, a noiva de Cristo, é perseguida todo dia, — ele diz, e Hannah pensa sobreisso e não consegue entender como pode ser verdade.

Ela vai até a Srta. Carpenter.— Como vai, Hannah? — a Srta. Carpenter diz, levantando os olhos do computador quando

Hannah passa à sua porta depois das aulas.— Posso falar com você?A Srta. Carpenter fixa os olhos nela, inquisidora.— Claro, — ela diz. — Entre.Hannah fecha a porta contra os sons do corredor: pessoas conversando, armários fechando,

roupas e livros farfalhando conforme os alunos saem do prédio.— O que foi? — A Srta. Carpenter pergunta. — Tudo bem?Hannah para na frente da mesa. Ela bate os nós dos dedos na madeira.— Não.— Não?— Não.A Srta. Carpenter assente.— Quer se sentar e me contar?Hannah aceita a cadeira que a Srta. Carpenter puxa para ela. Ela cruza as mãos sobre a saia e

balança a perna direita. A Srta. Carpenter está sentada em silêncio em sua mesa, esperando.— Eu me sinto… sozinha, — Hannah diz. — Eu me sinto perdida.A Srta. Carpenter pisca, mas sua expressão não demonstra nenhum julgamento.— Tem algo acontecendo comigo, — Hannah continua, — que não encaixa com a minha

concepção de quem eu sou. Ou com o que eu quero que minha vida seja. Não… não se encaixano paradigma do que outras pessoas querem que minha vida seja.

— Certo, — a Srta. Carpenter assente.— Eu sou… — Ela inspira; ela torce a língua em torno das palavras. — Eu não sei como

dizer.

A Srta. Carpenter espera.— Eu… é como… é como se minha natureza mais profunda não fosse o que deveria ser. É

diferente do que todos dizem que Deus quer que seja.— E o que é?— Eu… lembra do meu comentário sobre o padre Simon? Eu acho que talvez eu tenha dito

isso por raiva… por raiva porque… porque eu…A Srta. Carpenter engole em seco.— Hannah, — ela diz, sua voz mais fraca do que geralmente é. — Não há nada que você

possa ser que Deus não ame. Sua natureza mais profunda, seja ela qual for, é quem você é, eDeus a ama por isso. Você é boa. E não importa o que as pessoas digam, você precisa acreditarnisso.

— É, — Hannah respira, lágrimas brotando em seus olhos. — É só...Há uma batida na porta e Hannah levanta a cabeça. O rosto de Joanie espia pela janela

retangular, sua expressão irritada.As sobrancelhas angulares da Srta. Carpenter se unem. Ela limpa a garganta e caminha para

abrir a porta.— Oi, Joanie.— Oi. Desculpa te atrapalhar. Só tava procurando a Hannah.A Srta. Carpenter olha para Hannah. Seu olhos estão aflitos. Hannah se levanta e joga a

mochila sobre o ombro.— Valeu, Sra. C, — Hannah diz, sem olhar para ela. — Trago a redação revisada para você

amanhã.— Claro, Hannah, — a Srta. Carpenter diz, sua voz gentil. — Passe aqui a qualquer

momento se precisar conversar sobre isso de novo.

— Por que você parece tão deprimida? — Joanie pergunta enquanto caminham para o carro.— Só estou cansada.— Do que você estava falando com a Srta. Carpenter?— Você está falando comigo de novo? — Hannah retruca.Joanie se cala, mas no caminho para casa, Hannah sente que ela está lhe observando.

— Primeiro dia de maio, — Wally diz na hora do almoço na terça-feira. — É oficialmente omês da formatura.

— Deus, não consigo nem processar isso, — Hannah diz.— Isso significa que as provas finais e as das aulas avançadas começam na próxima semana.— Bem, me fodi.

Wally reprime o sorriso.— Quer me encontrar depois do treino de hoje para estudar?— Pode ser.— Ótimo. Preciso da sua ajuda com algumas coisas do curso governamental avançado.— Certo.Então eles ficam sem ter o que dizer. Hannah não se importa: ela se deixa absorver pela

falação da hora do almoço, sua mente voltando às palavras da Srta. Carpenter ontem. Mas ela sedistrai quando o padre Simon entra no pátio do último ano com um sorriso orgulhoso no rosto:ela o reconhece como o que ele usa quando pensa que vai conquistar os alunos.

Ele pega um marcador vermelho e escreve algo no pôster externo que Baker e Michelependuraram para marcar a classificação da Copa Diocesana. Os alunos no pátio caem emsilêncio, esperando para ver o que ele escreveu. Depois de um minuto, ele se afasta do pôster,tampa o marcador, e dá seu orgulhoso sorriso de lábios fechados novamente.

— Nosso registro de horas de serviço nos deixou quilômetros na frente do Monte Sinai, —ele diz.

O pátio começa a aplaudir. Michele parece presunçosa onde se senta com seus amigos. Clayenvolve Baker com o braço, e Hannah sabe que ele está pensando nos projetos de serviço que elaorganizou no outono.

Wally não bate muitas palmas.— Não está muito animado com a Copa? — Hannah pergunta a ele.— É que nem você disse meses atrás, — ele diz. — É tudo meio estranho.Hannah dá de ombros.— O que deixar as pessoas animadas.Wally franze a testa. Ele passa a mão por um saco de Cheetos, perdido em pensamentos.— Ei, — ele diz após um momento, — tava querendo te perguntar… você tem falado com a

Baker?— Você sabe que não. Por quê?Wally hesita.— Clay tá bem preocupado com ela.— O que? Por quê?— Fomos correr ontem e ele me disse que ela não está comendo muito.O peito de Hannah se contrai.— Ela não está comendo?— Não, não, quero dizer, ela tá, eu acho que ela só não tá comendo tanto quanto costumava

comer, sabe? Ela disse para o Clay que não está com muito apetite.Hannah se mexe no banco para dar uma boa olhada em Baker. Ela se senta no meio de sua

mesa lotada e animada, sorrindo e conversando com as pessoas ao seu redor. Mas há algodiferente sobre ela, e Hannah pode ver agora que ela está realmente olhando pela primeira vezem dias. Baker está mais magra. Mais pálida. Seu sorriso menos brilhante.

— Ela provavelmente sente sua falta, Han, — Wally diz.Hannah não diz nada.

À medida que entram em maio, os dias ficam mais longos e a terra mais verde. Hannah ouveos pássaros quando acorda e os grilos quando adormece. O mundo inteiro tem uma sensação deestabilidade, como um equilibrista balanceado em um arame, esperando por algo, inquieto nocalor.

A dor no coração de Hannah começa a cicatrizar, de modo que não parece mais fresca, e simcomo uma parte rotineira dela. Ela se senta na varanda dos fundos à noite e se pergunta porquanto tempo ela vai carregá-la dentro de si. Ela respira lentamente, puxando ar para seuspulmões, e sente o ar se formar em torno do contorno da dor, como se estivesse com medodemais para se aproximar.

No primeiro sábado de maio, Hannah arruma as jóias em sua pia enquanto Joanie se preparapara ir a uma festa.

— Desliga essa música emo idiota, — Joanie diz quando ela entra no banheiro para pegarsua bolsa de maquiagem. — Tá me deixando deprimida.

Hannah passa o tempo com seus pais depois que Joanie sai. Ela ajuda a mãe a cozinhar zitiassado enquanto o pai toca Fleetwood Mac no notebook, e então ela e os pais se jogam no grandesofá da sala de estar e assistem One Flew Over the Cuckoo’s Nest na AMC.

Joanie liga para ela um pouco depois da meia-noite, uma hora depois de seus pais terem idodormir. Hannah ignora. Joanie liga de novo.

— O que? — Hannah responde. — Eu não quero ir te buscar, Joanie, achei que ia passar anoite aí.

— Você precisa vir aqui, — Joanie diz urgentemente.— O que?— É a Baker. Ela tá passando bem mal.— O que aconteceu?— Ela bebeu demais. Ela não me deixa ajudar. Por favor só vem.— Já tô indo, — Hannah respira, se apressando para pegar as chaves. — Só fica com ela. Já

tô indo.

Ela sai em alta velocidade do Garden District, atravessa South Acadian, e desce até o bairrode Liz Freeman. Ela aperta os olhos na escuridão e vê a casa de Liz na esquina, um bando de

carros estacionados do lado de fora. Ela estaciona em um canteiro central e corre até a casa comum de seus sapatos pela metade.

Ela não consegue encontrar Joanie em nenhum lugar do primeiro andar da casa. Vários deseus colegas confusos chamam por ela, provocando-a bêbados sobre seu cabelo bagunçado e seurosto em pânico.

— Cadê o incêndio, Hannah? — alguém ri, mas Hannah passa por ele e sobe as escadascorrendo.

Com uma onda de alívio, ela encontra Joanie em um dos quartos do andar de cima, agachadacontra uma porta.

— Cadê ela? — Hannah pergunta, seu coração disparado de medo e adrenalina. — O que táacontecendo?

— Ela tá aí dentro, — Joanie diz, espalhando os dedos sobre a porta do banheiro. — Ela nãome deixa entrar.

Hannah tenta a maçaneta da porta. Está trancada. Ela cai de joelhos na frente da porta.— Baker? — ela chama. — Bake? Pode me ouvir?Ela escuta através da madeira da porta, mas Baker não responde. Hannah bate na porta,

chama o nome de Baker novamente e ouve um som de náusea vindo do banheiro.— Quanto ela bebeu? — ela pergunta para Joanie.— Não sei, não tava com ela a maior parte da noite, mas Liz disse que ela tava bebendo

vodca pura na última hora.— E ninguém parou ela?— Acho que não perceberam.— E onde caralhos tá o Clay?Joanie balança a cabeça.— Não sei. Eu encontrei ela caída sobre a pia da cozinha e tentei levar ela para o banheiro

do andar de baixo, mas ela queria subir aqui. Eu acho que ela não queria que alguém visse.Hannah deita a cabeça no tapete e espia pela fresta sob a porta. Ela pode ver as pernas e pés

nus de Baker espalhados pelo chão de ladrilhos.— Baker? — ela chama de novo. — Baker, sou eu, é a Hannah. Pode me deixar entrar, por

favor?— Eu tentei usar um grampo, — Joanie diz, seus olhos arregalados e assustados, — mas não

consegui fazer funcionar.— Deixa eu ver. Cadê seu celular? Procura como destrancar portas com grampos.Joanie encontra um artigo útil e o lê em voz alta enquanto Hannah manipula o grampo no

buraco da fechadura.

— Vamos lá, — Hannah implora o grampo, — vamos lá.Finalmente, algo clica e Hannah gira a maçaneta até que a porta se abre e ela cai para a

frente sobre as mãos.Baker está encostada na banheira com os pés estendidos na direção do vaso sanitário.

Hannah rasteja em sua direção, chamando seu nome, Joanie logo atrás dela.— Baker? Tudo bem? — Hannah pergunta quando ela a alcança. Baker rola a cabeça na

borda da banheira, gemendo e segurando o estômago. Ela tem vômito no canto da boca e nocabelo. — Bake, — Hannah diz, envolvendo-a com os braços, — você tá bem? O queaconteceu?

Baker aninha a cabeça na camisa de Hannah e começa a chorar.— Joanie, — Hannah diz, olhando para o rosto ansioso de sua irmã, — você pode molhar

um pouco de papel higiênico?Eles enxugam a boca de Baker e seu cabelo. Hannah a puxa para o colo e esfrega suas

costas, sussurrando coisas calmantes para ela e prometendo que vai ficar tudo bem.— Ela precisa vomitar mais, — Joanie diz.— Baker, — Hannah diz suavemente, puxando seu cabelo para trás, — nós precisamos que

você vomite mais, tá bem? Tudo bem? Vamos te ajudar.Baker franze o rosto e chora.— Não posso, — ela sussurra. — Machuca.— Eu sei, — Hannah murmura, puxando o cabelo de Baker para trás em um rabo de cavalo,

— mas vai te fazer sentir melhor, tá bom? Eu prometo. Vamos lá, a gente vai te ajudar.— Vamos lá, Baker, — Joanie diz gentilmente, — você consegue.Baker vira a cabeça para longe delas; mais duas lágrimas escorrem pelo seu rosto.— Vamos, B, — Hannah diz, — vamos sentar.Ela e Joanie guiam Baker até o vaso. Elas estão de cada lado dela, posicionadas como

guarda-costas, Joanie segurando o braço de Baker e Hannah esfregando as costas de Baker.— Ótimo, — Hannah a guia. — Agora tenta se fazer vomitar, tá bom?— Só coloca alguns dedos na garganta, — Joanie acrescenta, imitando a ação.Baker se inclina para frente e levanta. Joanie desvia o olhar com o rosto contorcido de

desgosto, e Hannah encara uma toalha de mão perto da pia e se concentra em desenhar padrõescirculares sobre a camisa de Baker.

Elas ficam assim por vários minutos, o som da ânsia de vômito de Baker ecoando pelobanheiro, as vibrações da música lá embaixo pulsando em seu sangue. Então Baker fica imóvel.

— Está melhor? — Hannah pergunta.— É, — Baker diz rouca. Hannah ouve o barulho da descarga do vaso sanitário.— Cuidado, — Hannah guia. — Se sente devagar. Vamos pegar um pouco de água para

você, ok?Ela se senta e puxa Baker em seus braços novamente. Joanie se agacha ao lado delas, os

olhos ainda enrugados de preocupação.— Você acha que saiu tudo? — Joanie pergunta.Baker assente com a cabeça contra o peito de Hannah. Hannah acaricia seu cabelo e alisa o

polegar sobre o brilho fraco em sua testa.— Você pode pegar uma toalha molhada, Joanie? Ou um pedaço de papel higiênico

molhado?Joanie encontra uma toalha debaixo da pia, molha e torce. Hannah pressiona o pano azul

contra a testa de Baker, depois em suas bochechas, depois em sua clavícula.— Como você está se sentindo, B? Um pouco melhor?— É, — Baker respira, soando mais como ela mesma, embora mantenha os olhos fechados.

Ela enfia a cabeça ainda mais fundo na camisa de Hannah. — Obrigada.— Vamos apenas sentar aqui um pouquinho, tá bom?As três descansam em silêncio por alguns minutos, Joanie sentada com as costas contra a

parede, Hannah sentada com as costas contra a banheira e Baker dobrada contra ela. Ela podesentir a respiração de Baker contra seu corpo e passa os dedos pelo cabelo de Baker no mesmoritmo.

— Que bom que eu te chamei, — Joanie diz.Hannah ergue os olhos. Joanie está com uma expressão incomum: ela parece mais calma e

mais velha de alguma forma.— É, — Hannah concorda, desviando o olhar para os ladrilhos. — Tô feliz que chamou.— Vou pegar um copo d'água para ela. Volto em um minuto.— Obrigada.Então Joanie vai embora, e Hannah fica com Baker nos braços.

— Que caralhos aconteceu? — Clay grita, entrando no banheiro. Joanie segue atrás delecom a boca aberta em protesto e um copo d'água na mão. Luke segue atrás, seu rosto, geralmenteanimado, preocupado.

— Ela passou mal, — Hannah diz, sentando-se para frente. — Fala baixo.— Por que ninguém foi me chamar?— O que?— Baker, você tá bem? — ele diz, caindo de joelhos na frente dela. Ele passa as mãos para

cima e para baixo em seus braços.— O que aconteceu, meu bem?Meu bem. As palavras ecoam alto na cabeça de Hannah, então caem em seu estômago e a

perfuram afiadamente.

— Não mexe nela, Clay, — Joanie range, dando um passo à frente. — Aqui, Hannah, dá praela um pouco de água.

— Vou pegar minhas chaves, — Luke diz do corredor. — Traz ela pro carro em um minuto.— Obrigado, cara, — Clay diz. Ele se aproxima de Baker e passa os nós dos dedos pelo

rosto dela. — Você tá bem, Bake? O que tava bebendo?— Ela não consegue falar, Clay, — Joanie diz impacientemente. — Ela acabou de vomitar

uma piscina inteira de álcool. Dá um espaço.— Aqui, — Clay diz, pegando o copo de água de Hannah, — eu dou. Vão você e a Joanie

ajudar o Luke com o carro.— O que? — Hannah diz, nada fazendo sentido em sua cabeça, seu impulso de segurar

Baker se fortalecendo a cada segundo.— Eu cuido dela. Eu consigo carregar ela pra baixo.— Acho que não deveríamos mexer nela ainda, — Hannah diz.— Hannah, ela é minha namorada, tá bom, consigo lidar com isso. Vem cá, Bake.Hannah observa entorpecida enquanto ele transfere o peso do corpo de Baker para si mesmo

e leva o copo de água aos lábios para ela beber.— Abre, meu bem, — ele diz, sua voz profunda em um som mais gentil.Hannah se levanta devagar e volta para a pia, as palavras nadando em torno de sua cabeça, a

preocupação ainda agarrada ao seu estômago e, além de tudo, aquela dor, aquela dor terrível,sufocando seu coração.

— Hannah, — Joanie diz suavemente.Hannah não olha pra ela.— Lá vamos nós, — Clay diz, levantando Baker em seus braços. — Han, pode pegar o copo

d’água?Ela faz o que ele pede e o segue para fora do banheiro, para fora do quarto, para fora da

casa. O carro de Luke está parado na garagem, esperando por eles.— Vocês vão vir? — Clay pergunta, se virando brevemente.Hannah não consegue achar sua voz.— Estamos bem, — Joanie responde. — Manda mensagem quando você chegar em casa, tá

bom?— Eu mando, — Clay promete, e então ele sobe no carro de Luke com Baker descansando

em seu colo. Hannah e Joanie ficam paradas olhando eles irem embora.— Posso dirigir pra casa, se você quiser, — Joanie diz timidamente.— Tá.— Han? Você deveria soltar o copo d’água.— O que?

— O copo d’água. Na sua mão. Talvez você devesse ir por na varanda.— É.Ela caminha entorpecida até a varanda da frente, mas então, quando ela está prestes a soltá-

lo, uma dor profunda se apodera dela, uma dor tão repentina e cega que ela canaliza sem pensar— ela joga o copo na parede de tijolos da casa — ela o ouve quebrar em um milhão defragmentos, fragmentos tão numerosos quanto os cabelos de sua cabeça, como as areias da praia— ela ouve Joanie arfar atrás dela mas ela não se importa — a dor é debilitante e ela quervomitar, ela quer vomitar, mas não consegue.

— Hannah, — Joanie diz, se aproximando dela com cautela. Seus olhos estão cheios delágrimas. Hannah abre a boca para falar, mas apenas soluços secos saem. Ela balança a cabeçapara frente e para trás, para frente e para trás, tentando apagar tudo. — Hannah, por favor, —Joanie diz, agarrando seu pulso. — Vamos pra casa.

Capítulo Onze: Possibilidade

Hannah fica muito tempo na cama na manhã de domingo. Ela pisca com a luz do sol fluindo pelafenda de suas cortinas carmesim, mas tudo que ela vê é Baker no chão do banheiro, com vômitona boca e no cabelo.

Hannah, ela é minha namorada, certo, consigo lidar com isso.— Hannah? — Joanie chama pela porta. — Posso entrar?Hannah esconde o rosto nas cobertas, mas Joanie entra no quarto mesmo assim. Hannah a

ouve colocar algo na cômoda. Então ela sente o peso de Joanie se ajeitar na cama, bem sobre ospés de Hannah.

— Você provavelmente devia levantar, — Joanie diz. — Já passou de meio-dia.— E daí?— E daí que você tá sendo uma idiota.Hannah não responde. Um silêncio pesado cai sobre elas, um silêncio que Hannah pode

sentir envolvido ao seu redor.— Han? — Joanie diz, sua voz frágil. Hannah pode imaginar seu rosto, triste e ansioso como

na vez em que Hannah caiu da bicicleta e torceu o pulso quando estava na primeira série e Joanieno jardim de infância. — Tem algo que eu possa fazer pra você se sentir melhor?

Hannah respira no travesseiro. Lágrimas repentinas brotam em sua garganta.— Não, — ela diz.Joanie se mexe na cama, e Hannah sente uma pressão mais leve em seu pé, a pressão da mão

de Joanie.— Han? — a voz Joanie está tão, tão frágil. — Você quer conversar sobre alguma coisa?Hannah respira.— Cadê a mãe e o pai?— Eles tão na Home Depot.— Ah.— Hannah? O que tá acontecendo com você?Hannah se senta e enxuga os olhos. Seu coração dispara em seu peito, como se soubesse o

que está por vir antes dela.— Eu… — ela diz.— Sim?— Eu... eu não sei como explicar isso.

— Certo… bem, tem algo a ver com a Baker e o Clay?Hannah engole em seco.— Sim.Joanie a estuda por um momento e Hannah mantém a cabeça baixa, preparando-se para a

pergunta que pode surgir.— Certo, — Joanie diz, e sua voz parece nervosa de repente. Hannah olha para ela. Há algo

de temeroso e expectante em seus olhos. — O que é? — ela pergunta.A questão paira entre elas por um segundo. Hannah observa a expressão de Joanie,

procurando sinais de que Joanie já sabe o que ela precisa dizer. Joanie encara de volta com omaxilar cerrado.

O rosto de Hannah queima de calor. Todo o seu corpo se acelera em perigo, seus instintosprimários entrando em ação como os de um animal preso. Ela pode ouvir seu coração batendoforte em sua cabeça.

— Eu tenho… sentimentos, — Hannah diz com cuidado, sua voz tremendo. — Sentimentosem relação… em relação...

— Ao Clay? — Joanie sugere, seus olhos esperançosos demais.Elas se olham por um longo segundo. Hannah considera ceder à mentira que Joanie lhe deu.

Joanie parece assustada, mas desafiadora.— Não, — Hannah diz finalmente, a palavra lutando para sair de sua garganta. Ela respira

fundo. — Não o Clay. A Baker.Joanie olha fixamente para Hannah. Ela pisca uma, duas vezes. O momento todo parece

surreal, como se elas estivessem atuando como costumavam fazer quando crianças.— Certo, — Joanie diz finalmente.— Certo?— É, — Joanie assente. — Faz sentido. Quer dizer, sempre me perguntei se… — Ela

assente de novo. — Certo. Fico feliz que você me contou.— Você não está… não é estranho?— Por que seria estranho? — Joanie diz, e a pergunta é tão afetuosamente desafiadora,

fundamentada na cordialidade, como se Joanie já esperasse que essa pergunta fosse ser feita etivesse ensaiado essa resposta inautêntica para impedir qualquer análise real, que Hannah começaa lacrimejar. Ela abre a boca e tenta responder, mas sua resposta se transforma em um choro, umchoro tão rápido e surpreendente quanto um soluço, e agora Hannah está chorando em seutravesseiro, chorando tão alta e fisicamente que seu corpo começa a parecer que nem ser dela,como se estivesse funcionando de forma independente, expulsando demônios ao comando deCristo.

Então ela sente o peso de Joanie em seu corpo, sente Joanie abraçando-a através do

edredom, ouve Joanie sussurrar para ela que está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem. Elachora e treme e pensa em Baker, se afogando em uma vergonha tóxica, lutando para exorcizá-lade dentro dela, imaginando a que profundidade isso vai.

Ela chora por longos minutos enquanto Joanie a segura através das cobertas.— Está tudo bem, — Joanie diz, sua voz rouca, seu peso ainda no corpo de Hannah. — Está

tudo bem.Quando o último soluço de Hannah sai, ela respira forte na fronha, inalando o cheiro de

sabão em pó, extraindo conforto da familiaridade.Então fica tudo quieto, e Hannah ouve o zumbido do ar-condicionado correndo pela casa.— Se sente, — Joanie diz. — Te trouxe Sprite.Ela coloca o copo na mão de Hannah, e Hannah engole o refrigerante, imaginando-o

inundando seu corpo vazio e efervescendo todas as coisas ruins.— Por que não me contou? — Joanie pergunta. Seus olhos estão arregalados e aflitos e mais

azuis do que o normal.— Como eu poderia contar? — Hannah diz.— Hannah, sou sua irmã. Você pode me contar essas coisas. Você pode me contar como se

sente.— Eu não sabia como.Joanie mexe em um nó do edredom.— Hum, — ela diz. Ela levanta os olhos cuidadosamente para Hannah. — Você gosta de

outras garotas, também? Ou só a Baker?Hannah baixa os olhos para o padrão floral em seu edredom. A questão paira entre sua irmã

e ela, delicada e importante como os longos fios que elas usavam para balançar seus bichinhos depelúcia quando eram mais jovens.

— Eu acho, — Hannah diz uniformemente, saboreando as palavras, — que gosto de garotasem geral. Eu acho que sempre gostei.

— Há quanto tempo você sabe?— Não sei... Tipo, é como, há quanto tempo você sabe seu próprio nome?— É. — Joanie pausa. — Você acha que a Baker sente a mesma coisa?Hannah olha ao redor de seu quarto — para as roupas no chão, para a escova de cabelo na

cômoda. Seus olhos pousam em uma foto dela e de Baker do verão passado. Elas estão sentadasna varanda dos fundos da casa de Wally — Hannah no colo de Baker, os braços de Baker emvolta da cintura de Hannah — enquanto Joanie e Luke invadem a foto por trás. A boca de Bakerestá aberta no meio de uma risada, seus olhos escuros e felizes, um pedaço de chiclete visível emseus dentes de trás. Eles estavam bebendo Bud Lights e comendo Doritos na varanda naquelanoite, enquanto a mãe de Wally estava fora com seus dois irmãos mais novos, e começou a

chover, uma daquelas chuvas leves e úmidas que faziam o quintal parecer uma sauna, e eles selevantaram para entrar na casa até que Baker disse, em uma voz maravilhada: “Espere... por quenão ficamos aqui e vivenciamos isso?” Então eles ficaram sentados na varanda, gritando uns comos outros sobre como eram todos idiotas, vendo a chuva pingar em seus pulsos, sentindo-adeslizar pelo nariz, até que todos estivessem usando a água da chuva como outra camada deroupa.

Essa foi uma das coisas mais estúpidas que já fiz, Hannah riu depois.Não critique, Clay tinha dito.Ela não está criticando, Baker tinha dito, seus olhos pousando em Hannah. Isso significa

que ela amou algo na língua da Hannah.— No que você está pensando, Han? — Joanie pergunta.— Só lembrando de algo.— Sobre a Baker?— É.— O que aconteceu na praia?— O que?— A praia, — Joanie diz. — Tava tudo bem e de boa enquanto a gente tava lá, mas foi tudo

pra merda quando voltamos. O que aconteceu?— Eu não sei, a gente só…— Você contou pra ela como se sentia? — Joanie adivinha. — Você, tipo, confessou pra

ela?— De certa forma, — Hannah diz atordoada.— O que ela disse? Ela sentia a mesma coisa?Hannah hesita.— É difícil de explicar. Eu acho… que mesmo que ela sentisse, ela não se permitiria deixar

algo acontecer.— O que quer dizer?— Tipo, ela tem essas ideias, sabe, de como ela deve ser. Do que significa ser uma boa

garota.Joanie suspira.— Não consigo entender ela.Hannah não diz nada.— Han?— Sim?— E o Wally?O coração de Hannah afunda.

— Eu amo ele, também, — ela diz, sua voz triste e melancólica, — mas não é a mesmacoisa.

Joanie engole em seco.— Eu tenho medo de que ele realmente te ame.— Eu também.— Han… Me desculpa por não falar com você por tanto tempo. Especialmente quando você

estava passando por isso.— Não se desculpe. Eu mereci.— Eu não entendia.— Eu não sabia como explicar.Elas caem em silêncio, até que Hannah começa a soprar bolhas em seu copo de Sprite.Hannah fica encarando a tela do celular por um longo tempo naquela tarde, até que seus

dedos não conseguem mais ficar parados.Como você está se sentindo?Baker não responde.

A escola está melhor e pior na segunda-feira. Melhor porque Joanie está falando comHannah de novo, pior porque Baker não está.

— Ela poderia pelo menos, tipo, reconhecer que você cuidou dela sábado, — Joanie diz noalmoço. — Um simples “Oi Han, obrigada por limpar todo aquele vômito do meu rosto” ia ser osuficiente.

Hannah, Joanie e Wally olham na direção da mesa de Baker. Baker se senta em seu lugar decostume — bem no meio da mesa — e Clay se senta ao lado dela, ocasionalmente estendendoum braço para apertá-la protetoramente, sua jaqueta de couro masculina dobrando toda vez queele faz isso. Baker parece magra e pálida; seu cabelo parece despenteado e seus olhos menoresem seu rosto.

— Exatamente quão mal ela estava? — Wally pergunta.Hannah balança a cabeça e olha para a Joanie.— Mal, — Joanie responde. — Tipo, totalmente incapacitada. Ela tava botando pra fora uma

caralhada de tripas.Wally olha de lado para Hannah.— E ela deixou você cuidar dela?— Acho que ela tava muito fora de si para discutir.— Não é verdade, — Joanie diz. — É mais tipo, ela tava tão fora de si que agiu como ela

mesma ao invés dessa pessoa estranha que ela tem sido ultimamente.— Eu não entendo ela, — Wally diz. — Quer dizer, nunca entendi ela do jeito que você

entende, Han, mas agora entendo ainda menos.— Você e eu concordamos completamente nisso, Walton, — Joanie diz.— Clay te contou alguma outra coisa sobre o que aconteceu sábado? — Hannah pergunta.— Nada que você não tenha me contado, — Wally diz.— Ela parece tão magra, — Joanie diz. — E que tá precisando de uma soneca bem longa.Hannah observa Baker novamente, e a dor em seu coração sangra renovada.

Hannah abre caminho pelos exames finais, sentindo-se grata pela distração de estudarintensamente. Ela e Wally continuam a se encontrar na Cafeteria Garden District para trocaranotações e fazer esboços juntos, e agora Joanie vem, também, e compra biscoitos açucaradospara eles quando precisam de uma folga.

— Parece que vocês só tão desenhando um monte de besteira, — Joanie diz enquanto osobserva resolver um problema de cálculo. — Por que caralhos vocês estudariam cálculoavançado mesmo?

— Porque agora não tenho que estudar cálculo na faculdade, — Hannah respondedistraidamente. — Posso só estudar Inglês e aulas de humanas que eu quero.

— É, e eu posso ser nerd com aulas de matemática mais loucas ainda, — Wally diz.— É por isso que te amamos, Wall, — Joanie diz. — Mas não espere que eu torça pelos

Yellow Jackets.— Eu nunca colocaria essa expectativa ridícula em você, J. Mas posso esperar que você

venha visitar.— Tá brincando? Óbvio porra. Vou ir de qualquer jeito pra ver a Han. Podemos sair juntos.— É, — Wally concorda, cutucando a perna de Hannah debaixo da mesa. — Vai ser

incrível.

Na terça-feira, após sua prova final de Teologia, Hannah viu Luke sozinho em seu armário.— Ei, — ela diz, aproximando-se dele hesitantemente. — Como você foi?Luke se vira atordoado, como se não estivesse preparado para ela falar com ele.— Ei, — ele diz após um momento. — Fui ok. E você? Você arrasou?— Acho que fui bem.— Eu esqueci um monte de coisa sobre o Vaticano II.— É, tem coisa demais pra lembrar.— Então me fiz de burro e escrevi que Vaticano II era a sequência de um filme muito ruim

de ficção científica.Hannah sorri pela primeira vez em muito tempo.— Sério?

— Não, — ele ri, e ela vê aquela velha curva familiar em seu sorriso, e por um segundo elaesquece que aconteceu algo entre ela e seus amigos. Mas então o sorriso de Luke se encolhe emuma expressão de tristeza, como se ele tivesse acabado de se lembrar. — Mas enfim, eu tenhoque ir, — ele diz, colocando a mochila no ombro. — Te vejo mais tarde, Han.

Ele se afasta antes que ela possa pensar em mais alguma coisa para dizer.

— Eu não achei que o fim do ensino médio ia ser assim, — ela diz a Joanie quando elasestão lavando a louça terça à noite.

— Assim como?— Assim… tão bagunçado. Tão fragmentado. Quer dizer, apenas umas semanas atrás, a

gente tava bebendo e conversando sobre nossas futuras viagens a Destin. E agora nosso grupo tátotalmente dividido. Sempre imaginei que o fim do ensino médio ia ser agridoce, não só amargo.

Joanie fica em silêncio enquanto seca uma panela.— É, — ela diz finalmente.— Desculpa, — Hannah diz com pressa. — Eu não… desculpa.— Tudo bem.— Eu falei com ele hoje.— Você falou?— Nos armários.— Como ele tava?Hannah conta a ela sobre a piada de Luke, e Joanie assume uma expressão suave e ávida.— Tenho muita saudades dele, — ela diz.— Eu sinto muito mesmo.— Tá tudo bem. No fim, a culpa é minha.— Você ainda quer estar com ele?Joanie não hesita em responder.— Todo segundo de todos os dias, — ela diz, e Hannah sabe exatamente o que ela quer

dizer.

Hannah e Wally fazem a prova nacional de cálculo avançado na quarta-feira de manhã. Éum exame cansativo — longo e cheio de conjuntos de problemas complicados — e no final, opulso de Hannah dói de tanto escrever, e a borracha em sua lapiseira foi reduzida a um toco.

— Matemática morreu pra mim, — ela diz para Wally depois, quando eles estão voltandopara as salas. —Tipo, não quero nem ver outro número pro resto da vida.

Wally levanta três dedos.— Que número é esse?

— Para, — ela ri, acertando-o nas costelas, ele recua e finge que ela o machucou. E então,bem ali no corredor, com o resto do corpo discente ainda em suas aulas regulares, Wally a beija.

— Ah, — Hannah diz em surpresa.— Não fazemos isso faz muito tempo, — Wally diz contra sua boca.— Talvez aqui não seja o melhor lugar.Eles ouvem um assobio, e os dois se viram para ver um punhado de seus colegas de cálculo

avançado virando a curva do corredor.— Manda ver, Sumner! — David chama, e Wally fica vermelho e levanta o dedo do meio.— Um, — Hannah diz.— O que?Ela ri. No meio desse corredor, onde seus colegas acabaram de vê-la beijando Wally, ela se

sente totalmente normal e lindamente convencional.— Um, — ela repete, a voz dela brincalhona agora. — Você acabou de levantar um dedo.O rosto de Wally se abre em um grande sorriso. Ele a beija novamente, e Hannah deixa, e

ela se sente tão, tão segura.

Quando ela chega da escola naquele dia, Hannah se serve de uma tigela de Apple Jacks ecome os pedaços de cereal verdes e laranjas um por um, se esforçando para manter umaproporção uniforme entre as duas cores. Ela estuda uma página de seu caderno de literaturaavançada (“Notas sobre ‘O Conto do Frade’”) e desvia os olhos do esboço de um pequeno fradecareca e atarracado, desenhado com caneta de tinta azul, que Baker rabiscou no papel no meio daaula naquele dia (">Cadê meu cabelo? estava escrito no balão de fala do frade).

— Han, — Joanie diz, entrando na cozinha e segurando o celular na frente do corpo, —você viu as notícias hoje?

— Não, — Hannah diz, sem prestar muita atenção.— O presidente apoiou casamentos entre o mesmo sexo.— O que?— Acabei de ver no meu feed de notícias. Eu li a transcrição. Olha...Hannah lê a transcrição das palavras do presidente com o coração batendo forte na garganta.

Joanie paira sobre o ombro e lê a tela com ela.— Uau, — Hannah diz quando termina.— Isso é ótimo, — Joanie diz com sinceridade. — Hannah, isso é muito, muito bom. Ele é o

primeiro presidente na história a apoiar casamentos entre o mesmo sexo...Hannah fecha o caderno.— É, — ela diz, se levantando do balcão, sua mente acelerada e seu coração ainda

martelando. Ela leva sua tigela de cereal até a pia, abre a torneira, espera a água passar de fria

para quente.— Você não tá animada? — Joanie pergunta.— Podemos não falar disso agora?— O que foi? Você não quer casar um dia?— Quem disse que eu não posso, Joanie? Só porque eu sou… quer dizer, só porque eu te

contei dessas coisas confusas com a Baker não quer dizer que eu… tipo, talvez eu nem seja…— O que?— Você sabe “o que.”— Não vou dizer pra você.Hannah enfia sua tigela de cereal na máquina de lavar.— Talvez eu ainda queira casar com um cara, tá bom? Talvez eu não tenha que ser assim.— Do que você tá falando?— Wally é ótimo comigo. Ele é uma boa pessoa e ele me entende. E nós dois vamos estar

em Atlanta pelos próximos quatro anos. Você não acha que isso é importante? Você não achaque talvez seja um sinal?

Joanie franze o rosto em desgosto.— Um sinal de que?— De que talvez esse seja o caminho certo pra mim! Quero dizer, só porque eu me sinto de

certa forma, não quer dizer que eu tenho que ceder… não quer dizer que eu tenha que seguir essecaminho na vida...

— Você tá dizendo que gosta do Wally agora? Tipo, gostar mesmo?

— Você pergunta isso como se tivesse uma resposta certa.— Tem uma resposta certa.— Eu posso gostar dele com o tempo! Eu realmente sinto que posso. Amo ele de certa

forma. Amo mesmo. Ele é inteligente e doce e completamente dedicado com a família...— Ele te faz feliz?— O que?— Ele te faz feliz?Hannah considera a pergunta.— Claro que sim, — ela diz.Joanie estreita os olhos para ela. Ela pega o celular novamente e move o polegar sobre a tela.— Ele te faz mais feliz que essa pessoa? — ela pergunta, empurrando o celular para Hannah.Hannah olha para a imagem na tela. Ela e Baker estão na frente do bolo de aniversário de

Baker, os braços em volta dos ombros uma da outra, o outro braço de Baker em volta da barriga

de Hannah. A imagem as capturou no meio de uma risada, com Hannah apontando para o Bolodo Rei, sua boca aberta em pura alegria, e Baker olhando para Hannah, seus olhos iluminados eseu sorriso transmitindo felicidade absoluta.

— Bem? — Joanie insiste.— O que você quer que eu diga? Isso… — ela aponta para a imagem com o dedo indicador,

— não é uma possibilidade.— Poderia ser.— Em que mundo, Joanie?— Nesse mundo! As coisas estão mudando!— Isso é mentira e você sabe.Joanie joga seu celular no balcão. Ela se aproxima de Hannah, seus olhos ardentes e os

braços cruzados.— Você precisa falar com ela.— Não posso.— Pode, sim.— Não posso! — Hannah grita, seus braços estendidos na frente dela loucamente. — Joanie,

você não entende? Tá tudo diferente entre a gente! Não somos as mesmas pessoas quecostumávamos ser! Eu não sei o que somos uma para a outra mais. Eu não sei nem se é certo sero que nós somos...

— Para com isso! — Joanie grita, empurrando Hannah contra a pia. — Para! Para de dizerisso!

— É verdade!— Não é verdade!— ENTÃO ME OLHA NO OLHO, — Hannah ruge, — E ME DIZ, COM CERTEZA

ABSOLUTA, QUE O QUE EU SINTO NÃO É ERRADO, QUE NÃO É RUIM, QUE NÃO ÉNOJENTO E PERVERTIDO E FODIDO...

— NÃO É! — Joanie berra, empurrando Hannah forte.Hannah cai de costas contra a pia; imediatamente, ela sente um hematoma se formando na

pele de suas costas. Joanie a encara, seus olhos ainda brilhando, e Hannah respira pesadamente episca contra as lágrimas quentes que se formam em seus olhos.

— Eu não acredito em você, — Hannah diz.Joanie franze o rosto e dilata as narinas. Seu peito sobe e desce rapidamente, o logotipo de

St. Mary em sua camisa polo movendo-se para cima e para baixo com o movimento. Quando elafala, sua voz treme.

— Comece a acreditar.Hannah ouve a inspiração rápida de sua própria respiração. Ela enxuga as lágrimas em seus

olhos e se inclina para longe da pia, as costas doendo com o novo hematoma do empurrão deJoanie.

— Eu preciso de gelo, — Hannah diz, tentando muito estabilizar sua voz.Joanie reúne alguns cubos de gelo em um saco de zíper e o envolve com um pano de prato.

Hannah levanta a camisa e pressiona a compressa fria contra a pele. Joanie se vira enquantoHannah continua a enxugar as lágrimas e fungar com os seios da face.

— Você provavelmente devia desabafar tudo, — Joanie diz em uma voz deliberadamentecavalheiresca. Ela abre a geladeira mas fica parada na frente dela.

— Não preciso desabafar nada.— Não me faz te empurrar de novo, — Joanie diz, ainda encarando o congelador. — Vou te

machucar pior do que a Baker.Hannah começa a chorar por completo. Ela enfia o rosto na gola da camisa do uniforme e

solta grandes e expansivos soluços no tecido. Seus seios da face entopem, sua garganta dói, seusolhos se inundam de lágrimas.

Joanie fecha a porta da geladeira e se senta no balcão. Ela apoia o queixo na mão e desvia oolhar para a sala de estar.

Hannah tenta parar de chorar, mas não consegue conter essa liberação. Ela chora por longostrês minutos enquanto Joanie espera no balcão.

Quando os soluços de Hannah diminuem, e quando ela é capaz de respirar fundo até oestômago, Joanie se levanta e caminha de volta para ela.

— Aqui, — ela diz, oferecendo uma caixa de lenços. — Tá com meleca nojenta no rostotodo.

Hannah ri, curta e como um soluço, em seu lenço. Ela ri daquela maneira doce de encontrara costa depois da tempestade, de se amarrar a algo que conhece.

— Tá melhor? — Joanie pergunta.— Sim, — Hannah respira.— Hannah… você precisa falar com ela. Vocês duas estão sofrendo. Mas eu me preocupo

que ela não seja tão forte quanto você.— Não diga isso.— É verdade, — Joanie diz, o rosto dela caindo. — Me preocupo que ela se machuque ainda

mais. Se ela não está comendo, e está bebendo destrutivamente, e não está falando com a melhoramiga...

Hannah se vira para jogar os lenços na lixeira.— Joanie, não consigo entender como me sinto sobre isso tudo. Parece que o mundo inteiro

rolou no ar e eu não consigo dizer qual é o caminho para cima. Então, como posso falar com elase ainda nem descobri no que acredito? Eu não sei mais qual é a verdade. Eu não sei o que é

certo e o que é errado.— Jesus, Han, — Joanie diz. — Ninguém sabe isso.

Tarde da noite, Hannah deita-se de bruços na cama desarrumada e assiste ao clipe da notíciado presidente cinco vezes seguidas. As palavras fluem dos fones para seus ouvidos, e seucoração bate rápido, e ela mantém as mãos juntas na frente da tela, com as palmas voltadas paracima como se desejasse receber a Eucaristia.

Talvez... ela pensa, mas se afasta quando está bem no limite dessa possibilidade. Ainda émuito incomensurável. Ou talvez seja milagroso demais para se pensar.

Mas a possibilidade permanece com ela quando ela finalmente dorme e se pergunta emquem o presidente estava pensando quando disse essas palavras. Ele estava imaginando umaadolescente assustada em Louisiana? Ele estava imaginando ela?

Capítulo Doze: Boa Sexta-Feira

Na quinta-feira, alguns minutos depois do fim da prova de literatura avançada de Hannah, o sinosinaliza a hora da assembleia do final da manhã. Hannah entra no ginásio entre hordas de pessoase vê Wally sentado com David e Jackson uma dúzia de fileiras acima nas arquibancadas. Eleacena, e ela sobe as arquibancadas para encontrá-lo.

— Última missa escolar, — Wally diz.— Não posso dizer que estou triste, — Hannah diz.O padre Simon fecha os olhos ao entrar durante a procissão. O grupo musical canta uma de

suas canções cristãs contemporâneas favoritas, mas nenhuma das pessoas sentadas nasarquibancadas com Hannah canta junto. Wally está com as mãos nos bolsos, os olhos vidradosenquanto observa o mar de colegas abaixo deles.

Hannah ouve as leituras com leve interesse, mas na maior parte ela conta o número dejovens no ginásio que estão de olhos fechados. Ela vê Joanie sentada no final de uma fileira coma cabeça na mão.

Em seguida, o grupo de música canta “Aleluia”, e o padre Simon caminha até o púlpitoportátil de madeira para proclamar a leitura do Evangelho. Hannah diz “Amém” em coro com oresto do ginásio, e então o padre Simon guarda o livro litúrgico e coloca as mãos firmemente nasbordas do púlpito.

— Bom dia, — ele diz em sua voz robusta.— Bom dia, — as centenas de pessoas ao redor do ginásio respondem.— Eu tinha originalmente escrito um sermão destinado aos nossos amigos do último ano, já

que esta é a última missa escolar deles em St. Mary… — o padre Simon olha para a turma doúltimo ano e sorri, — mas senti que não poderia ignorar uma questão que se tornou o holofotedas nossas conversas nacionais recentemente, e que nos implora para enfrentá-la com acompassiva, mas firme, verdade. E então eu percebi, alunos, que era a coisa perfeita para falar nomeu sermão de hoje, pois exemplifica as perguntas difíceis que vocês encontrarão ao deixar St.Mary e entrar no mundo real como fiéis e católicos educados adultos. Esta é a primeira de muitasvezes que vocês serão testados em sua fé, e em sua compreensão da moralidade, ao tentarequilibrar a verdade eterna de Deus com a realidade do mundo em que vivemos. Ontem, — opadre Simon diz, — o presidente fez uma declaração que desafia nossas crenças sobre o que é

certo e o que é errado, e sobre o tipo de cultura que queremos promover neste país.O coração de Hannah começa a bater tão rápido que ela mal consegue respirar. Suas palmas

e axilas suam. Um calor abrasador sobe sob a pele de seu rosto. Do outro lado do ginásio, Joaniese senta de costas eretas na arquibancada.

— Ontem, nosso presidente disse que apoia “casamentos entre o mesmo sexo.” — PadreSimon faz uma pausa com os dedos ainda puxados no ar fazendo aspas. Ele repuxa seus lábioscarnudos em sua boca e olha para a superfície do púlpito. — Alunos, eu sei que vocês sabem,pelas suas aulas de teologia e por suas interações com nossa comunidade de fé, que o casamento,Santo Matrimônio, é um ato ordenado entre um homem e uma mulher. O sacramento do SantoMatrimônio é um dos presentes mais preciosos que nosso Deus nos deu, tão velho quanto Adão eEva, mas constantemente renovado e refletido pelo amor de Cristo por Sua noiva, a Igreja. É umsacramento que celebramos, honramos e que queremos proteger. A união sexual que ocorredentro do casamento leva ao aumento do amor entre os parceiros e, com a bênção de Deus, àvida. Agora. Me perdoem por repetir o que vocês já sabem. Mas ofereço este lembrete, nem queseja para contrastar essa verdade com a declaração que nosso presidente fez ontem. O casamentoentre o mesmo sexo não pode existir porque é um oxímoro por si só e porque mina a própriasantidade do Santo Matrimônio. Mas há um lado ainda mais insidioso em declarações políticascomo esta, e é precisamente essas tentações semelhantes a uma cobra que eu quero que vocêsprestem atenção quando avançarem para além de St. Mary. Neste caso, a sugestão insidiosa dopresidente pretendia nos levar a acreditar que Cristo não tem nada maior reservado para nossosirmãos e irmãs homossexuais do que uma imitação de casamento falsa, culturalmente aprovada,mas eternamente doentia, que eles podem muito bem desistir de seus princípios, desistir de suaconvicção do certo contra o errado, e se contentar com uma farsa, se contentar com algo menor.É uma mentira, — padre Simon ruge, juntando as mãos e apontando-as suplicantemente para ocorpo discente, — que Cristo quer que seus filhos homossexuais aceitem esse tipo de vida. Éuma mentira que Ele não pode renová-los, não pode preenchê-los, não pode chamá-los para umavida na Igreja. Todos nós temos nossas cruzes para carregar, todos devemos sofrer com nosso Sr., mas rejeitar a promessa da nossa salvação é viver uma vida pela metade. Viver quebrantado.Viver em pecado, separado de nosso Deus amoroso. Deus quer mais do que isso para Seus filhos.Ele deseja que todos vocês caminhem com Ele em fé, que rejeitem imitações vergonhosas de Seuamor, e que conduzam todos os seus irmãos e irmãs a uma família de fé para que possamosadorar nosso Criador e Salvador. Ele deseja a plenitude absoluta da vida para vocês, e às vezesisso significa rejeitar as promessas vazias que a sociedade…

Há uma comoção do outro lado do ginásio. Hannah vira a cabeça, seu rosto aindaqueimando de calor, para ver a Srta. Carpenter descendo as primeiras quatro fileiras daarquibancada, seus saltos batendo forte, seu cabelo castanho pesado voando atrás dela, sua

expressão de raiva visível mesmo do ponto de vista de Hannah. Padre Simon ergue os olhoseducadamente, em expectativa, como se a Srta. Carpenter fosse interrompê-lo para dizer quealguém adoeceu ou desmaiou, mas ela passa direto pela fileira dos alunos mais novos curiosos naúltima fileira e dispara em direção às portas da saída. Pouco antes de desaparecer na esquina dasarquibancadas, ela passa a mão por uma mesa de jogo e derruba uma pilha de programações damissa de cima. Elas voam para o chão do ginásio com aquele som de aterrissagem desconfortávelque Hannah associa a alguém que deixa cair um livro em uma biblioteca. E então a Srta.Carpenter empurra as mãos contra a barra de saída das portas do ginásio — há o eco alto decarne batendo no metal — e some do ginásio.

O padre Simon gagueja e enrubesce no púlpito. Ele fixa os olhos em algo na seção desegundo ano, e seguindo sua linha de visão, Hannah vê a Sra. Shackleford franzindo os lábios ecruzando as mãos sobre o vestido. Os alunos começam a murmurar e fofocar; em todos oslugares ao redor de Hannah, as pessoas se mexem em seus assentos e sussurram por trás dasmãos e soltam palavrões baixinho. Wally olha de lado para Hannah e diz:

— Que caralhos foi isso?O padre Simon chama a atenção de todos e encerra seu sermão com frases curtas e duras. O

grupo musical toca uma música durante a Preparação do Ofertório e uma normalidade monótonase instala novamente no ginásio. O padre Simon continua com a Consagração como se nadativesse acontecido, mas seu rosto continua com uma cor vermelha brilhante e suas mãos trememquando ele levanta a Hóstia acima do altar.

Hannah se levanta para se juntar à fila da Comunhão com as mãos cruzadas na frente dela eseu batimento cardíaco ainda mais rápido do que o normal. Ela recebe o Corpo de Cristo dopadre Simon sem olhar em seus olhos.

Quando ela volta para a arquibancada, Wally envolve a mão dela. Sua pele quente encontrasuas palmas úmidas e ela se contorce em sua cadeira. Wally sorri, confundindo sua contraçãocom constrangimento.

— Não me importo, — ele sussurra.Abaixo deles, no chão do ginásio, Baker está atrás de Clay na fila da Comunhão. Sua camisa

polo está folgada nas costas — mais folgada do que já esteve antes. Ela toma a Comunhão e girapara subir as arquibancadas de volta ao seu assento, seus olhos focados nos degraus à sua frente.Conforme ela sobe mais alto, chegando mais perto da fileira de Hannah, Hannah dá a primeiraboa olhada nela desde sábado à noite. Sua pele parece pálida; seus olhos estão muito maiores emseu rosto magro; seu cabelo parece mais fino. Ela passa pela fileira de Hannah com pernasesguias e instáveis, e o coração de Hannah quer subir o resto das arquibancadas com ela.

Ela não tem certeza do que a leva a fazer isso. Talvez seja o aviso de Joanie ecoando em sua

cabeça. Talvez seja a imagem de Baker subindo as arquibancadas após a Comunhão. Talvez sejao instinto em seu estômago.

Ela dirige para a casa da Baker às dez horas daquela noite.Tô aqui fora, ela manda uma mensagem. Sai e fala comigo ou eu vou bater na sua porta e

contar tudo pra sua mãe.As cortinas da janela de Baker se movem para o lado, e Hannah pode vê-la, seu contorno

magro iluminado por trás.Hannah está parada na entrada quando Baker sai pela porta da garagem.— Qual o seu problema? — Baker grita em um sussurro, com os olhos esbugalhados, o

cabelo caindo em mechas finas ao redor do rosto.— Eu preciso falar com você.— Então você ameaça contar tudo pra minha mãe?— Você sabe que eu não faria isso. Mas eu precisava falar com você.— Não tenho tempo pra isso, — Baker diz, desviando o olhar. — Minha prova de biologia

avançada é amanhã.— Você precisa falar com alguém, — Hannah diz, implorando. — Você tá se deixando

doente.— Eu tô bem.— Você não tá bem. Te conheço há anos e você nunca esteve como agora. Por favor, Bake.

Você poderia falar com a Srta. Carpenter. Você viu como ela reagiu na missa hoje. Você sabeque ela não acredita naquelas coisas que o padre Simon tava falando.

Baker não diz nada. As luzes da garagem iluminam seu rosto magro, fazendo seus olhosescuros parecerem maiores do que nunca.

— Eu sei que você deve estar pensando nisso, — Hannah diz. — Eu estive pensando,também. Se ele tá certo.

— Claro que ele tá certo, — Baker diz rouca, seus olhos brilhando.— E se ele não estiver?Baker balança a cabeça.— Não, — ela diz, visivelmente engolindo em seco na luz branca. — Não. Não é uma

possibilidade. Nada disso é uma possibilidade...— Podemos fazer ser uma possibilidade...— Não, — Baker diz, se afastando dela, seus olhos arregalados e molhados. Ela balança a

cabeça e engole em seco com força. — Não podemos, Hannah. Não podemos.— E a praia? — Hannah diz desesperadamente. — E tudo que aconteceu?— Era de verdade, — Baker chora, esfregando as mãos febrilmente para cima e para baixo

nos braços. — Cada palavra que disse para você era de verdade. Tá me matando não falar com

você. Você tem que acreditar nisso. Mas Hannah, não tem outra alternativa. Você ouviu o padreSimon hoje. Você ouviu o que ele disse sobre pessoas como a gente. E todo mundo acreditanisso, Hannah. Mesmo se disserem que não, no fundo acreditam sim. Não temos escolha. Querdizer, se a gente tentasse… Meu Deus, meus pais nunca mais iam olhar para mim...

— Fala com a Srta. Carpenter, — Hannah implora. — Por favor. Você sabe que ela semprediz a verdade pra gente.

— Eu tenho que ir.— Baker, por favor… — Hannah chama.Mas Baker corre de volta para a garagem e desaparece em sua casa sem dizer mais nada.

Hannah dirige até o City Park. Embora ela normalmente se sentasse em seu carro, esta noiteela vagueia pelo campo de golfe e deita de costas sob o céu. Ela levanta a mão no ar úmido eimagina que pode mexê-lo com os dedos, como uma criança descobrindo tinta pela primeira vez.

— Estou aqui para falar com você, — ela diz para o céu.As folhas dos carvalhos tremem com a brisa. A terra zumbe com insetos e segredos, e

Hannah escuta com atenção, querendo saber o que eles dizem.— Me diga o que fazer, — ela diz. — Me diga o que é certo. Não consigo separar o que é

besteira do que é verdade.As estrelas estão paradas no céu avassalador. Hannah estreita os olhos, tentando determinar

as cores que vê, mas não consegue distinguir o azul do preto. A massa do céu é impenetrável.As palavras do padre Simon envolvem seu coração. Ela pensa em Cristo. Como ela gostaria

de colocar tudo aos pés dele.— Aqui está, — ela diria, deixando tudo no chão como uma pilha de madeira. — Você me

deu essas coisas, e eu não faço ideia do que fazer com isso.Então ela pegaria uma chave, uma grande e esquisita chave dourada, e ela usaria para

destrancar seu coração. Seu coração se abriria e todos os tipos de coisas assombrosas iriam sederramar — talvez correndo como uma cachoeira poderosa, ou talvez esvoaçando como umaborboleta gentil.

— Aqui está, — ela diria a ele. — Tudo que há em meu coração, para eu e você vermos.Ela pediria a ele para ficar em sua cozinha quando Baker viesse passar o tempo. Ela o faria

testemunhar a risada de Baker, seu sorriso, seu coração gentil, sua vulnerabilidade. Baker não overia, mas ele veria tudo: a bondade de seu coração e a luz em seus olhos. E depois, Hannahperguntaria a ele:

— Como eu poderia não amá-la?Ela o perguntaria sobre as outras pessoas. As que eram como ela, e as que não eram.— Existem tantas pessoas que fazem eu me odiar, — ela diria. — Que fazem eu me sentir

envergonhada. Elas dizem saber o que você quer. Elas dizem que estou dando as costas paravocê se eu me apaixonar por uma garota. É verdade?

Ele esvoaçaria, o gigante da humanidade que acalmava as ondas com sua mão, o coração dahumanidade que amava os leprosos e as prostitutas, o espírito silencioso do Natal futuro, a gentilcorça prateada, o cordeiro silencioso.

— Por favor, — ela imploraria a ele. — Por favor me diga.Talvez ainda sim ele não lhe desse uma resposta, e ela diria a ele que era tudo uma merda.

Certamente ele deveria saber por que ele havia a feito do jeito que ela era. Certamente eledeveria saber por que o coração dela batia do jeito que batia. Se ele conhece cada fio de seucabelo, por que ele não podia reconhecer a verdade de seu coração?

— Por favor, — Hannah chora, sentando-se de joelhos e soluçando para o céu. Ela engasga,estremece, pisca para afastar as lágrimas. — Por favor, ou me ajude ou tire isso de mim. Eu nãoquero isso mais.

Mas seu coração tempestuoso não se acalma. Seus músculos não relaxam. Ela olha para asestrelas e se pergunta por que Deus as fez tão boas, tão brilhantes, mas a fez tão errada equebrantada. Seus olhos transbordam de lágrimas e sua garganta queima. Ela bate com os punhosna terra, na grama e no solo, e emite um grito animal das profundezas de seu corpo.

— Por favor, — ela soluça, afundando as mãos no solo. — Por favor.

Ela acorda na sexta-feira de manhã com um buraco no estômago. Ela vai até a janela e aabre, e o ar úmido atinge sua pele. A frágil luz do início da manhã se estende pelo céu e ospássaros cantam uns para os outros sobre sua promessa. Hannah deixa a janela aberta, emboraseus pais fossem repreendê-la por deixar o ar condicionado sair, e vai até o banheiro para lavar orosto.

Ela aproveita uma manhã tranquila sem provas, e a falta de estresse permite que ela seesqueça de sua visita à casa de Baker e ao parque na noite anterior. Durante o segundo período,na aula da Srta. Carpenter, eles falam sobre como foram na prova de literatura avançada, masninguém ousa comentar sobre o comportamento da Srta. Carpenter durante a missa do diaanterior. Hannah relaxa e fala facilmente com seus colegas de classe, pela primeira vez sem sedistrair com a presença de Baker, já que Baker está fazendo sua prova de biologia avançada noginásio.

O Sr. Manceau interrompe com uma batida na porta no meio da aula. A Srta. Carpenter saipara o corredor e fecha a porta atrás dela, e os colegas de classe de Hannah trocam olhares comoquem sabe de algo.

O Sr. Manceau entra na sala um minuto depois. Ele se inclina contra o quadro branco e

cruza os braços sobre a barriga saliente.— A Srta. Carpenter teve que ir resolver algo, — ele diz, respirando pesadamente em seu

bigode preto. — Vou ficar com vocês até o fim da aula. Então voltem ao trabalho agora.— O que a Srta. Carpenter teve que ir resolver?— Não se preocupe com isso, Collins, — o Sr. Manceau diz. Seus olhos redondos brilham

de satisfação. — Só voltem ao trabalho. Bem? Por que não estão puxando os cadernos?— Não temos nenhum trabalho para fazer, — Collins diz. — Nossa prova foi ontem.O Sr. Manceau bufa e vira os olhos para o teto, como que implorando paciência.— Por que não estou surpreso, — ele murmura baixinho. Hannah e seus colegas esperam

ansiosamente que ele continue, mas ele apenas bate palmas e diz, — bem, nesse caso, cada umde vocês precisa escrever para mim um ensaio sobre as coisas que aprenderam nesta aula esteano.

— Tá falando sério?>— Sim, Davies, é sério. E olha a boca.— Quão longo tem que ser?— Você está brincando comigo? Você não chegou ao último ano? Precisa ser tão longo

quanto for necessário.Hannah e seus colegas de classe reviram os olhos e a contragosto puxam folhas soltas de

papel e canetas. Hannah faz contato visual com algumas das pessoas ao seu redor — Emily,Christina, Josh — como se para checar com eles: Vamos fazer isso mesmo?

— Você vai ler? — Christina pergunta.O Sr. Manceau arregala os olhos para sinalizar que ela fez uma boa pergunta.— Não sei se vou… — ele diz devagar, — mas há pessoas que podem se interessar em ler,

acredito eu.Hannah o encara de sua mesa. O Sr. Manceau não dá atenção: ele começa a examinar as

unhas, e depois a roê-las com mordidas curtas e agressivas.Hannah leva a caneta ao papel e escreve um título no topo da página: Um Resumo

Condensado das Matérias* que Aprendi Com a Melhor Professora da Escola. Ela então leva acaneta para o final da página e escreve, abaixo da margem, *Observação de que estou limitandoeste resumo ao material acadêmico. Eu nunca poderia registrar tudo que a Srta. Carpenter meensinou sobre todo o resto.

O Sr. Manceau estica o pescoço contra o quadro branco enquanto a turma escreve emsilêncio. A mão de Hannah percorre o papel, escrevendo sobre a técnica do dialeto de Hurstonem Seus Olhos Viam Deus e a influência da colonização na literatura “étnica” e a importânciade questionar o narrador.

A Srta. Carpenter não volta.

O pátio do último ano vibra com conversas quando Hannah vai almoçar. Joanie a interceptaantes que ela possa se sentar, puxando-a para um canto livre longe das mesas.

— Han… — Joanie diz. Sua expressão está frenética; seus olhos disparam por todo o pátio,verificando se ninguém pode ouvi-las.

— O que foi?— Você... você ouviu o que as pessoas tão dizendo?— Não?Joanie repuxa os lábios em sua boca e vira a cabeça para verificar atrás delas. Em voz baixa,

ela pergunta:— Você sabia que a Srta. Carpenter tá na secretaria?— Sim, Manceau foi na nossa turma chamar ela... Joanie, o que foi? Ela vai ser demitida?— Hannah…— O que? O que é?— Você mandou aquele e-mail?— Que e-mail?— Alguém mandou um e-mail pra Srta. Carpenter. E ela respondeu.— E daí?Joanie engole em seco.— O e-mail era sobre... era sobre aquelas coisas que o padre Simon pregou ontem... a pessoa

que escreveu disse que tava confusa sobre seus sentimentos pela amiga...Todo o ar deixa Hannah. Seus membros começam a formigar.— Como você sabe disso?— Tá todo mundo falando... Michele ouviu os funcionários da secretaria falando quando

tava trabalhando… ela tem uma cópia do e-mail e tá mostrando pra todo mundo...— Jesus Cristo.— Hannah, — Joanie diz hesitantemente, — você realmente não...?— Não, — Hannah diz, com a cabeça girando. — Não. Não mandei mesmo.O rosto de Joanie parece momentaneamente aliviado, mas então suas sobrancelhas se

franzem e ela expressa o medo que Hannah estava tentando reprimir no último minuto.— Han, você acha que a Baker poderia ter...?— Ei, — Wally chama, caminhando em direção a elas com sua bandeja de almoço. — E aí?

Vocês vão sentar?Hannah e Joanie congelam. Wally paira a um metro e meio de distância, suas sobrancelhas

erguendo-se ao ver suas expressões.— Nós estamos indo, — Hannah diz. — Desculpa. A gente só tava falando de algo que

nossa mãe pediu pra gente fazer.Elas o seguem até a mesa de almoço costumeira. Hannah se senta ao lado dele e Joanie se

senta em frente a eles, tentando chamar a atenção de Hannah. Hannah abre a sacola do seualmoço e arranca pedaços do pão do sanduíche, mastigando em pequenas mordidas que a fazemsentir que vai vomitar. Wally mexe o feijão vermelho em sua bandeja e diz:

— Então durante a aula de economia hoje...Hannah não escuta: Michele acaba de entrar no pátio, seu rosto iluminado com um poder

que Hannah nunca viu antes, seus amigos a seguindo com sorrisos de satisfação em seus rostos.Mesas inteiras de alunos olham para ela, e ao mesmo tempo as pessoas começam a chamá-la.

— O que tá rolando?— É verdade?— Tá com você?A confusão é suficiente para distrair Wally de sua história e acabar com as outras conversas

que acontecem em todas as mesas de almoço. Um silêncio abafado cai sobre o pátio: ninguémfala, ninguém come, ninguém mexe uma bandeja ou amassa um saco. Michele vai até uma mesano meio do pátio — a mesa onde Baker e Clay se sentam — e se inclina para sussurrar paraalguém. O estômago de Hannah gela; ela espera em silêncio absoluto, incapaz de respirar oupiscar.

Wally se inclina.— O que tá...?Suas palavras são interrompidas por um grito da mesa do meio.— … E SAI DA PORRA DA MINHA FRENTE!Hannah estica o pescoço para ver melhor, mas não precisa se mexer: Clay está se levantando

da cadeira, o rosto manchado de vermelho e os olhos estreitados de fúria, os ombros tensos detensão.

— Se acalma, Clay, — Michele diz, a voz ecoando no pátio. — Só tô dizendo...— Bem, cala a boca e vai embora, — Clay cospe. Ele se afasta dela e olha para o mar de

curiosos. — Volte pros seus tacos, — ele diz. — Ela só tá falando merda, como sempre.— Por que você não deixa a Baker falar por si mesma? — Michele retruca, a voz perigosa.Todo o pátio se equilibra em um alfinete.— Ótimo, Clay, agora você chamou a atenção da classe inteira, — Michele diz, cruzando os

braços. — Eu tava tentando ser discreta. É um assunto sensível. Se bem que… é provavelmentejusto que todos saibam quem foi responsável por deixar a Srta. Carpenter com problemas. Certo,Baker?

O estômago de Hannah revira.— Não tem nada a ver com ela, — Clay diz. Ele fala em um tom deliberadamente baixo

agora, mas sua voz se espalha pelo pátio silencioso de qualquer maneira.— Então por que você parece tão assustada, Baker? — Michele diz. — Se você não tem

nada a ver com o e-mail, então por que te vi chorando na sala da Srta. Carpenter antes das aulasde manhã?

Hannah se mexe no banco, forçando os olhos. Então ela a vê: Baker está imóvel como umaestátua, com o rosto vermelho e os olhos arregalados de medo.

— Meio que faz sentido, né? — Michele continua, dando de ombros. — Quer dizer, a escritoramencionou que ela estava tentando encobrir seus sentimentos namorando um cara. Ela disse quese preocupa em machucar seu grupinho unido de amigos. Sim, Clay, o Sexteto Fantástico. Eladisse que estava bêbada e que começou a beber muito mais recentemente. E todo mundo sabeque isso tem que ser você, Baker, não é? Quer dizer, você teve aquela cena vergonhosa na festada Liz no último fim de semana...

— Cala a boca! — Clay grita, pulando do banco.— Não tá vendo que tô tentando ajudar? Se foi ela quem escreveu o e-mail, então ela

obviamente precisa do nosso suporte enquanto ela tenta entender esses sentimentos difíceis.Somos amigos dela. Somos todos família. É você quem sempre diz isso, Clay, não é? Talvez se agente soubesse disso antes, então ela não teria enviado aquele e-mail que deixou a Srta.Carpenter com problemas...

Hannah examina os rostos de todos no pátio. Quase todos têm a mesma expressão: umamistura entre choque e confusão.

— E então? — Michele diz, falando para Baker. — Foi você, ou o que?Baker abre a boca, mas nenhum som sai.— Não tô tentando te acusar, — Michele diz. — Só acho que quem quer que tenha

complicado a Srta. Carpenter nos deve desculpas. Você não acha justo, Baker?— Eu não escrevi, — Baker diz, sua voz mais fraca do que Hannah já ouviu.— Não entendo o motivo de você estar tão esquisita, então, — Michele diz, olhando para

ela. Ela abaixa a cabeça, como se toda a situação estivesse lhe causando dor, e suspira. — Foivocê, Baker. Certo?

Há um silêncio longo e cheio de pressão, e o coração de Hannah martela dentro de seu peito.

— Você deveria ser nossa presidente, lembra? — Michele zomba. — Você não deveria fazernossa professora favorita ser demitida. Ou, sabe, decidir ser lésbica.

Baker respira muito rápido; embora ela esteja a alguns metros de distância, Hannah pode vê-la tremendo.

— Bem, já que você não tá dizendo nada, — Michele diz, — acho que podemos assumir queé um sim.

Hannah se levanta sem pensar e sabe o que está prestes a fazer antes de sequer processar.— Não foi ela, — Hannah diz. Sua voz se espalha pelo pátio, e ela ouve ecoar em sua

cabeça, quase como se não fosse dela. Cada rosto nas proximidades se vira para olhar para ela.— O que você tá fazendo?! — Joanie sussurra. — Senta!— Ela não escreveu, — Hannah diz, fazendo contato visual com o máximo de pessoas que

consegue, mas mal registrando-as. — Eu escrevi.— Para de tentar acobertar ela, Hannah, — Michele diz.— Não estou. Ela tava me acobertando.— Não faz sentido nenhum, Hannah, só senta...— Eu mandei o e-mail ontem a noite, — Hannah diz, sua mente trabalhando furiosamente

para acompanhar suas palavras. — Eu estava bêbada… e em pânico… eu estive me sentindoassim por um bom tempo… — sua voz começa a falhar, — e a Srta. Carpenter sempre foi minhaprofessora favorita, e eu vi como ela reagiu na missa ontem… — Ela balança a cabeça comlágrimas genuínas nos olhos. — Eu mandei o e-mail sem nem pensar.

— Então por que vi Baker chorando com a Srta. Carpenter de manhã? — Michele diz comraiva.

Hannah engole as lágrimas em sua garganta.— Eu liguei pra Baker no meio da noite e contei tudo pra ela. Ela disse que ia tentar ajudar.

Ela me disse que ia ficar tudo bem. Ela prometeu que ia falar com a Srta. Carpenter pra mim eexplicar tudo pra eu não arranjar problemas. Eu tava com medo de que eu… eu pudesseprejudicar minha entrada em Emory. Implorei pra ela falar com a Srta. Carpenter assim quepudesse de manhã.

— Ah, isso é um monte de baboseira, — Michele diz, mas Hannah olha para os rostos deseus colegas e sabe que eles acreditam nela, que estão desesperados para acreditar nela.

— Baker não tem nada a ver com isso, — Hannah diz, sua voz tremendo, seus olhos aindamolhados de lágrimas.

— Não faz nem sentido, — Michele diz. — Vocês não se falam fazem, tipo, semanas. Todomundo notou.

— Ela tava tentando se distanciar de mim, — Hannah diz, abaixando o olhar para a mesa. —Eu contei pra ela como eu estava me sentindo sobre… sobre garotas… e… — ela engole emseco, — ela não tinha certeza se queria continuar sendo minha amiga. Ela não queriacomprometer as crenças dela.

A voz de Clay é a primeira a quebrar o silêncio do pátio.— É verdade, Bake?Cada rosto se vira de Hannah e volta para Baker. Baker encontra os olhos de Hannah, sua

expressão ainda apavorada. Por um momento infinito, elas se lêem, e Hannah acena com a

cabeça uma fração de centímetro.— Sim, — Baker diz.Hannah respira.— Então, o que, você ia levar a culpa pela Hannah? — Clay pergunta incrédulo.Baker não responde. Ao longe, em algum lugar muito, muito longe, Hannah ouve o sinal

tocar. O som parece assustar todos de volta à realidade do dia escolar. Em um silênciodesconfortável, as pessoas ao redor do pátio recolhem o lixo e se afastam de suas mesas. Emseguida, o silêncio dá lugar a um zumbido de sussurros, e Hannah assiste atordoada, sentindo-secomo se estivesse em um filme, enquanto os colegas passam por ela, alguns deles olhando,alguns deles a ignorando, outros a encarando descaradamente.

Mas a única pessoa que Hannah observa é Baker. Ela se levanta vacilante de sua mesa eparece não perceber que Clay está falando em seu ouvido. Ela encontra os olhos de Hannah maisuma vez, e Hannah sente o peso do mundo entre elas. Então Baker caminha vagamente edesajeitadamente em direção às portas do Salão B, com a cabeça baixa e o cabelo caindo sobreos olhos.

E então todos se foram. Todos exceto Joanie e Wally.Hannah afunda em seu assento. Tudo ao seu redor parece sombrio, surreal. Joanie está com a

boca aberta. Wally está sentado com as costas rígidas e as mãos cerradas.— Wally… — Hannah diz.— Não fala comigo.— Wally, espera...Mas ele se afasta da mesa e joga a mochila sobre o ombro. Ele joga seu saco na lata de lixo;

bate para o lado e cai no chão, mas ele não para e recolhe.Joanie reúne o conteúdo de seu almoço, lacrando sua sacola de sanduíches com polegares

trêmulos. Ela puxa sua garrafa de água mas a derruba na mesa. Hannah observa a água seespalhar pela madeira enquanto Joanie pega a garrafa com as mãos tremendo.

— Eu precisava, — Hannah diz.— Mentira, — Joanie diz. Ela se levanta e enfia a blusa dentro da saia de novo e de novo e

de novo, até o tecido estar esticado sobre o estômago.— Você entende que a mãe e o pai vãodescobrir agora? É isso que você queria que acontecesse?

As mãos de Joanie continuam a tremer enquanto ela leva a garrafa de água à boca e dá umgole desajeitado. Hannah ainda está sentada à mesa, com os braços e as pernas dormentes, amente enevoada.

— A coisa mais idiota que você já fez na vida, — Joanie diz.

Seus colegas de classe a encaram durante todo o terceiro período. A única pessoa que não

olha para ela é Wally, que está sentado com a mandíbula cerrada e a cabeça inclinada sobre amesa. A mente de Hannah repete a cena no pátio várias vezes enquanto o Sr. Creary tagarelasobre o formato da sua prova sobre a matéria governamental.

E então o intercomunicador superior emite um sinal sonoro.— Sr. Creary?— Sim?— Por favor mande a Hannah Eaden para a secretaria.Ela se esforça para ignorar os olhares das duas dúzias de colegas, mas pode sentir seus olhos

sobre ela enquanto ela atravessa a sala de aula. Ela fecha a porta do Sr. Creary e fica no corredorcom uma sensação de pânico no estômago. Sua visão escurece. Quando ela começa a andar, elapode sentir o ar batendo contra suas palmas suadas. Ela para no banheiro e vomita.

As secretárias da recepção parecem estar esperando por ela.— Olá, Hannah, — uma delas diz, seu sorriso forçado. — A Sra. Shackleford quer te ver.

Você pode entrar no escritório.Hannah abre a porta da Sra. Shackleford e encontra meia dúzia de pessoas dentro. A Sra.

Shackleford está sentada em sua mesa, sua expressão sombria; O Sr. Manceau e o padre Simonestão juntos em uma janela, os braços do Sr. Manceau cruzados em sua barriga e as mãos dopadre Simon cruzadas em suas costas; a Srta. Carpenter está na janela oposta, suas sobrancelhasangulares juntas; e os pais de Hannah pairam do lado de dentro da porta, com a pele pálida e osolhos nervosos.

— Oi, querida, — sua mãe diz. Parece que está custando tudo que ela tem para olhar paraHannah. O pai de Hannah fica em silêncio ao lado dela, esfregando mecanicamente seu cotovelo.

— Olá, Hannah, — a Sra. Shackleford diz. — Se sente, por favor.

Hannah se senta na cadeira designada em frente à mesa da Sra. Shackleford, com os adultosao seu redor. Ela se sente como o peão central em um jogo infantil de Pato-Pato-Ganso.

— Hannah, você sabe por que te chamamos? — a Sra. Shackleford pergunta.— É sobre o e-mail? — Hannah diz, tentando soar mais corajosa do que se sente.A Sra. Shackleford assente algumas vezes.— Sim, é. Hannah, vários alunos nos disseram que você assumiu ser responsável pelo e-

mail. Que você contou para alguns amigos que foi você quem escreveu.— Eu contei pro pátio do último ano inteiro, — Hannah diz. Em sua visão periférica, ela

pode ver sua mãe estremecer.— Hannah… — a Sra. Shackleford une as mãos e a encara. — Você entende as implicações

de contar para as pessoas que você escreveu esse e-mail?

Hannah lança o olhar para os objetos na mesa da Sra. Shackleford: o letreiro, o papel emformato de pomba, as fotos de seu marido e filhos. Ela se sente intensamente ciente de que todosestão olhando para ela.

— Sim, Sra. . Todos vão achar que eu… hum. — Ela limpa a garganta. Do canto do olho,ela vê a Srta. Carpenter abaixar a cabeça.

— É um pouco mais complicado que isso, Hannah, — a Sra. Shackleford diz.— Como?— Então você escreveu o e-mail? — o Sr. Manceau se intromete.— Bob… — a Sra. Shackleford diz.— Acho que você devia deixar ela responder a pergunta, Sra. Shackleford, — o padre Simon

diz. — Ela ainda não confirmou.— Você pode confirmar que escreveu esse e-mail? — o Sr. Manceau diz, colocando um

papel na mão de Hannah. Hannah alisa o papel e lê a primeira linha, mas então seus pais seaproximam e olham por seus ombros.

— Não faz isso, — Hannah diz.— Nós já lemos, — a mãe dela diz.— O que?A mãe dela engole em seco.— O Sr. Manceau já nos mostrou.Hannah lança um olhar feio ao Sr. Manceau. Ele levanta as sobrancelhas, e seu desafio é

claro: Vai fazer o que?Sua mãe acena com a cabeça de forma resignada. Seu pai continua a esfregar o cotovelo.

Hannah, com a força de um martelo no coração, lê:

DATA 11 de maio de 2012

HORÁRIO 1:03 AM

DE [email protected]

PARA [email protected]

Srta. Carpenter, por favor, preciso da sua ajuda. Você é a única pessoa que eu conheço que consegue me ajidar. Eu tô com

muito medo. Eu tenho sentimentos por outra garota, sentimentos que eu não devia ter. Fizemos coisas juntas que não se deve

fazer, coisas que eu só deveria ter feito com garotos. tô tão chocada comigo mesma que eu sinto como se nem tivesse acontecido,

como se não fosse real. Às vezes quando eu penso sobre eu só fico enojada comigo mesma e me sinto tão suja, me sinto tão

errada e como se deus me odiasse. Mas a parte mais assustadora é que eu ficava tão feliz quando a gente tava junro. Era tão

incrível, parecia ser tudo que eu sempre quis ter com alguém. Mas eu sei que isso não pode ser verdade, eu sei que não pode ser

o que deus quer pra mim. Mas então por que ele me fez assim? Por que ele colocou isso dentro de mim? Por que ele fez eu me

sentir mais feliz quando tô com ela?? Eu não entendo porque não pedi isso e eu tentei muito fazer desaparecer. Toda vez que

sinto essas coisas parece que tem um monstro dentro de mim, um monstro ruim que tá tentando me desviar de deus e me

direcionar para o pecado. Queria ser melhor. Todo mindo espera que eu seja melhor. Tô namorando um garoto agora para

tentar melhorar tudo mas não tá funcionando, noã tá funcionando, e agora eu tô acabando com meu grupo de melhores amigos

também. Tá tudo saindo do controle, eu não consigo parar de chorar o tempo todo, e agora eu tô bebendo muito também e eu

não sei o porqêu. Me desculpa por te atrapalhar com isso mas tá tarde e eu tava bebendo e eu tô chorando e eu tô com tanto

medo.

Hannah pisca para conter as lágrimas em seus olhos e levanta a cabeça para encarar a salanovamente. O Sr. Manceau se inclina para longe da janela, seu rosto gordo ávido por umaresposta; O padre Simon está com aquela expressão gentil demais que Hannah o viu usar durantea confissão; a Sra. Shackleford olha fixamente para Hannah por cima dos nós dos dedos de suasmãos juntas; a Srta. Carpenter ainda se inclina contra a janela e não diz nada.

— Srta. Carpenter? — Hannah diz.— Sim, Hannah?— Cadê sua resposta?— Você precisa mesmo ler? — o Sr. Manceau diz, segurando outro papel. — Não fica

gravado na sua caixa de entrada?— Bob… — a Sra. Shackleford diz.— Você escreveu ou não? — o Sr. Manceau demanda.Hannah agarra o assento de sua cadeira. Ela se força a não olhar para seus pais. Em vez

disso, ela olha desafiadoramente para o Sr. Manceau e o padre Simon.— Sim, — ela diz. — Eu escrevi.Sua mãe faz um som involuntário atrás dela. A Sra. Shackleford abaixa a cabeça sobre as

mãos juntas. O Sr. Manceau sorri e olha para o padre Simon, que bate os dedos na boca e diz:— Bem, acho que está resolvido.— O que? — Hannah pergunta.A Sra. Shackleford se recosta na cadeira e leva os óculos até o alto da cabeça. Ela esfrega os

olhos e respira fundo.— Acontece, Hannah, — ela diz, a voz dela cansada, — que até agora, não tínhamos como

provar que esse e-mail foi escrito por um dos nossos alunos. Poderia ter sido escrito por qualquerpessoa aleatória com acesso a Internet. Se tivesse sido o caso, então a resposta da Srta. Carpenterpara o e-mail teria sido… um problema menor. Mas porque você é uma aluna de St. Mary, eporque a Srta. Carpenter, sua professora, respondeu o seu e-mail com conselhos que… — elapara, limpa a garganta, encara os dois homens na janela, — conselhos que alguns nesse dioceseveriam como inconsistentes com as visões de nossa igreja e escola… — Ela para de falar e

gesticula para o ar.— O que? — Hannah pergunta de novo. Ela se mexe na cadeira para olhar para a Srta.

Carpenter, que sorri tristemente para ela.— Significa que eles podem me demitir, Hannah, — a Srta. Carpenter diz.O estômago de Hannah afunda.— O que? Mas... eu não entendo...— Está tudo bem, Hannah, — o padre Simon diz gentilmente.— Não, não tá! A Srta. Carpenter não fez nada errado!— A Srta. Carpenter lhe orientou de forma absolutamente contraditória com a prática da

nossa fé, — o padre Simon diz pacientemente, — você confiou nela, Hannah, e ela falhou comvocê.

— Ela não falhou comigo! E por que você está falando dela como se ela não estivesse aqui?O padre Simon olha para a Sra. Shackleford.— É exatamente disso que eu estava falando, Brenda. Ela inspira esse tipo de paixão

degenerada em seus alunos.— Com licença, — uma nova voz diz. O pai de Hannah dá um passo à frente e os rostos na

sala se voltam para ele. — Você sabia que estava escrevendo para a Hannah? — ele perguntapara a Srta. Carpenter. Ele olha para o Sr. Manceau e o padre Simon. — Se seguirmos a lógicaque você está usando, então a Srta. Carpenter não pode ser demitida se ela não percebeu queestava escrevendo para uma aluna.

— Na verdade, Tom, — o padre Simon diz, — se baseando apenas no fato de que ela estavausando a conta de e-mail de St. Mary, ela pode com certeza ser demitida.

— Obrigada, Sr. Eaden, — a Srta. Carpenter diz, ainda usando seu sorriso triste. — Eu sabiasim que estava me comunicando com uma aluna de St. Mary. É por isso que eu tinha queresponder.

O Sr. Manceau balança a cabeça. O padre Simon mexe a boca como se ela tivesse travado.— Sr. Manceau, — a mãe de Hannah diz, — eu gostaria de ver a resposta da Srta. Carpenter

para Hannah.— Eu iria preferir não entrar nesse assunto, — o padre Simon intervém. — É suficiente

dizer, Anne, que o e-mail encorajava Hannah a ceder aos seus sentimentos de atração ao mesmosexo...

— Com todo respeito, padre Simon, eu gostaria de ver por mim mesma o que a Srta.Carpenter escreveu pra minha filha.

O Sr. Manceau entrega o papel para a mãe de Hannah. A mãe de Hannah lê o e-maillentamente, com o rosto inexpressivo, e então entrega o papel ao pai de Hannah. Ele lê rápido,seus olhos pulando na página e um músculo pulando em sua mandíbula.

— Obrigado, — o pai de Hannah diz quando ele termina. Hannah olha para ele, depois paraa mãe, e espera que eles encontrem seus olhos. Em vez disso, os dois encaram o tapete.

— Tom, Anne, por favor me deixe ser claro, — o padre Simon diz. — Nenhum de nós nestasala acredita que há qualquer coisa errada em Hannah. Cada pessoa tem seus próprios fardos,cada discípulo de Cristo tem sua própria cruz para carregar, e a atração pelo mesmo sexo é umaparticulamente difícil. Mas não quero que Hannah se contente pensando que tem que se resignara viver dessa maneira. A atração pelo mesmo sexo é algo que ela pode superar e se curar.

— Você faz parecer que Hannah tem uma doença, — a mãe de Hannah diz.— Claro que não, — o padre Simon diz pacientemente. — Embora não se esqueça de que

Cristo cuidou daqueles com as formas mais cruéis de doenças. Mas, não, eu nunca sugeriria queHannah tem uma doença. A atração ao mesmo sexo não é uma doença, mas sim um transtorno.Contra a lei natural, contra o plano de Deus para a humanidade…

— Um transtorno? — a mãe de Hannah diz. — Padre, com todo respeito, Hannah não temum transtorno.

— Então como você classificaria, Anne? AMS é um desvio da lei natural. É particularmentesinistro porque muitas pessoas, especialmente em nossa cultura atual, querem que acreditemosque isso é normal, que é hereditário, que não pode ser evitado então deveríamos apenas ceder,mas a realidade é que pode ser evitado e que pessoas que experienciam AMS tem um lugarespecial na igreja, seja pela vocação de uma vida de solteira devota ou, em alguns casos, peloSanto Matrimônio com outra pessoa do sexo oposto. Hannah vai ser capaz de superar isso.Através de oração, através da escolha de castidade, através da fé em nosso Deus generoso...

— Não é verdade, — Hannah diz. Ela agarra o assento de sua cadeira até que seus dedosdoem. Quando ela fala novamente, sua voz está baixa e rouca. — Eu tentei acreditar em tudoisso. Eu tentei confiar que Deus poderia me ajudar a superar isso. Ele não pode. Ele não ajudou.

— Hannah, — o padre Simon diz gentilmente, se aproximando para colocar uma mão emseu ombro. — Ele pode. Ele vai. E no meio tempo, vamos garantir que você não precise ouvir otipo de heresia ultrajante que leu naquele e-mail...

— Chega, Simon, — a Sra. Shackleford diz, levantando a mão. — Gostaria de falar com aHannah e a Srta. Carpenter a sós.

— Não acho que seja uma boa ideia, Brenda...— Não dou a mínima para o que você acha nesse momento, — a Sra. Shackleford diz em

voz alta e áspera, seus olhos estreitando-se perigosamente para o padre Simon. — Pessoalmente,Simon, eu não considero uma boa ideia invadir as contas de e-mail dos nossos professores. Eainda sim aqui estamos, e então procederemos como devemos. Mas primeiro, como a diretora deSt. Mary, vou ter uma conversa com a Hannah e a Srta. Carpenter a sós.

— Vamos ficar, também, — a mãe de Hannah diz, sua voz tremendo.

— Claro, Anne.O padre Simon e o Sr. Manceau permanecem calados e imóveis. O padre Simon engole em

seco, com a mandíbula ainda cerrada. O estômago gigante do Sr. Manceau se move para cima epara baixo com sua respiração pesada. Finalmente, depois de alguns longos segundos, os doishomens se viram e saem rigidamente do escritório, fechando a grossa porta de madeira atrásdeles.

— Bem, — a Sra. Shackleford diz, encostando a cabeça nas mãos, — aqui nos encontramosem território desconhecido.

— Sinto muito, — Hannah diz.— Não sinta, Hannah. Essa situação foi transformada em algo muito maior do que deveria

ser por causa de política e ignorância. Não é culpa sua.— Srta. Carpenter, — Hannah diz timidamente, — me desculpa mesmo. Não percebi o que

ia acontecer.— Não há nada para desculpar, — a Srta. Carpenter diz, aproximando-se da mesa e

apoiando a mão no canto dela. — A Sra. Shackleford está certa, Hannah… isso é sobre coisasque estão além do seu controle. O que vai acontecer comigo não é importante. Eu vou ficar bem.Mas você, Hannah… tem certeza que você quer assumir a responsabilidade por esse fardo?

Seus olhos penetram nos de Hannah, e Hannah não consegue desviar o olhar mesmo sequisesse: ela sente que a Srta. Carpenter está vendo dentro de sua alma. Por um segundo fugaz,ela quer dizer a verdade, quer se livrar desse fardo e ser pega nos braços de sua mãe. Mas entãoela se lembra do rosto de Baker, extremamente apavorada sentada no pátio.

— Sim, — Hannah responde. — Sim, quero assumir a responsabilidade.

A Srta. Carpenter a encara por outro longo momento, e então seus olhos suavizam.— Hannah... Anne… Tom… — a Sra. Shackleford diz. — Eu não sei exatamente o que vai

acontecer. Eu vou lutar muito para manter a Srta. Carpenter em St. Mary, mas essa decisão podeestar além do meu controle. De qualquer forma, Hannah vai sofrer um pouco de pressão de seuscolegas de classe. Essa comunidade não ficará feliz em perder uma professora querida.

— Sim, senhora, — Hannah diz.— Hannah… você vai ouvir opiniões conflitantes sobre o conteúdo do seu e-mail. Algumas

não vão ser gentis. Elas podem até ser depreciativas....— Sim, Sra. , eu sei...— Mas eu quero que você saiba que eu te apoio. Entendeu?Hannah acha difícil responder com o peso ao redor do seu peito.— Sim, Sra. , eu entendi.— Pode ir pra casa com seus pais agora. Vou avisar a Sra. Stewart que você não vai ir pro

quarto período. Se precisar de mim para qualquer coisa… — a Sra. Shackleford vira os olhospara os pais de Hannah agora, — não hesite em ligar.

— Obrigada, — a mãe de Hannah diz. O pai de Hannah limpa a garganta e assente.Hannah se levanta para sair, mas a Srta. Carpenter coloca uma mão em seu braço.— Hannah — ela diz —, quero que você saiba que tenho orgulho de você. Continue indo em

frente, tá bem? Não perca a fé.Há uma grande onda de emoção na garganta de Hannah. Ela respira lentamente para evitá-la,

mas ela começa a chorar mesmo assim.— Obrigada, Srta. Carpenter.Então ela se vira e caminha até a porta. Seus pais a flanqueiam em ambos os lados, suas

posturas caídas e seus olhos focados a frente. Hannah dá uma última olhada ao sair da sala: a Sra.Shackleford está sentada em sua mesa, com os ombros curvados e a mão na testa; a Srta.Carpenter está ao lado dela, seus olhos focados em Hannah, e ela está sorrindo e sorrindo esorrindo.

Capítulo Treze: Os Braços de Homens Enforcados

— Você pode nos encontrar em casa — sua mãe diz uma vez que Hannah recuperou suamochila. — Vamos buscar Joanie mais tarde.

— Vocês não precisam voltar para o trabalho? — Hannah pergunta.— Não, Hannah — seu pai diz tristemente. — Hoje não.

As mão de Hannah tremem no volante. Ela passa através de Garden District, sobre o asfaltopreto úmido com água da chuva e sob as árvores altas e verdejantes que se estendem acima dasruas, seus galhos contorcidos para o lado como braços de homens enforcados. Seus pulsos doemde ter apertado a cadeira no escritório da Sra. Schackleford por tanto tempo. O colarinho dacamisa de seu uniforme esfrega contra seu pescoço, a sufocando.

O carro de seus pais está na garagem. Hannah estaciona na rua vazia e olha para as janelasda frente de sua casa. Ela pode imaginar seus pais do lado de dentro, a cabeça de seu pai nasmãos enquanto ele se curva sobre a mesa da cozinha, sua mãe esfregando pratos sujos enquantolágrimas furiosas correm pelas sardas desbotadas em suas bochechas.

A garganta de Hannah queima com emoção densa e quente. Ela deixa as mãos cair dovolante, mas elas ainda tremem em seu colo. Ela olha através do parabrisa para as árvores decarvalho altas que guardam a rua de sua vizinhança, e não quer nada mais que escalar até o topodelas e se esconder sob suas folhas.

Ela encontra os pais parados em lados opostos da cozinha, ambos em silêncio enquanto elaentra no cômodo. Seu pai se inclina contra o fogão e limpa as palmas em um pano de prato. Suamãe está parada na janela da cozinha, olhando para o pórtico dos fundos.

Hannah deixa sua mochila cair no chão e espera.Um minuto longo se passa. O pai de Hannah deixa o pano de prato cair sobre as bocas do

fogão, depois o pega de novo e limpa sua mão esquerda, depois a direita, alternando. A mãe deHannah está parada como um veado, tanto que Hannah imagina se ela sequer a notou entrar nacasa.

Mas então sua mãe fala.— Você deveria ter conversado com a gente.— Não sabia como.— Mas sabia como mandar um e-mail, bêbada, para sua professora sobre isso?— Eu não estava pensando, — Hannah diz, sua voz tremendo. — Não sabia o que fazer.

Não sabia se você e o pai ficariam com raiva de mim…— Bem, parece que você conseguiu evitar isso, não é?

— Mamãe, sinto muito…— Agora estamos descobrindo ao mesmo tempo que a escola inteira e a comunidade da

igreja, — sua mãe diz em uma voz carregada. Ela se vira e cruza os braços sobre o peito. Seulábio treme. — Nenhum tempo para processar, nenhum tempo para descobrir como tedefender…

— Vocês não precisam me defender! Estou bem!— Não seja tão ingênua, Hannah! Se você acha que as pessoas não vão falar sobre isso, se

acha que as pessoas não vão te tratar de forma diferente…— Que o façam! Eu não ligo! Não dou a mínima para o que qualquer um pensa de mim,

porra!— BEM NÓS LIGAMOS! — sua mãe grita, batendo a mão no balcão. — Nós ligamos!

Você é nossa filha, você é nossa filha e nós te amamos, e te amamos desde o dia em quedescobrimos que iríamos te ter, e não queremos que você seja tratada de forma injusta! Nãoqueremos que você seja discriminada e envergonhada e odiada! Jamais queremos te ver sertratada do jeito que você foi tratada naquele escritório hoje!

Sua mãe começa a chorar, os olhos se voltando para cima enquanto ela tenta bloquear aslágrimas de frustração, e Hannah chora, também, suas narinas inchando e suas lágrimas caindoem sua camisa de colarinho.

Seu pai limpa a garganta. Sua voz está rouca quando fala.— Joanie me mandou mensagem. Vou buscá-la. — Ele esfrega o queixo e deixa o cômodo.

Um momento depois, retorna. Ele pigarreia de novo. — Esqueci minhas chaves.Hannah se afunda em um dos bancos do balcão. Ela e sua mãe secam os olhos e não olham

uma para outra.— Vou te fazer um pouco de sopa, — sua mãe diz. — O que você quer?— Não estou com fome.— Macarrão de tomate ou frango?— Não quero nada.Sua mãe enche uma panela média com água e a coloca na boca do fogão. Ela entra na

despensa e pega uma lata de sopa.— Não quero isso, — Hannah repete.Sua mãe funga e gesticula a mão ao redor do abridor de latas.— Você precisa comer algo.Hannah cede. Sua mãe fica de pé na boca do fogão e mexe uma colher ao redor da panela,

ocasionalmente metal batendo contra metal. Ela coloca bolachas na frente de Hannah sem olharpara ela.

— Aqui está, — ela diz alguns minutos depois, colocando uma tigela de cerâmica branca na

frente de Hannah. Hannah gira a sopa de tomate ao redor da tigela, observando o grosso líquidolaranja avermelhado curvar ao longo de sua colher.

— Mamãe? Você não disse nada sobre o próprio conteúdo do e-mail.Sua mãe faz um contato visual rápido com ela.— Não vamos falar sobre isso agora. Apenas coma e tire tudo de sua mente.— Mas, como você se sente sobre isso? Não tem problemas?Sua mãe carrega a panela de sopa até a pia e despeja água por ela. Ela a esfrega com força

com a esponja de sabão, seu braço trabalhando rápido como se ela estivesse enfiar a panela notriturador de lixo.

— Me dê um tempo, Hannah.As lágrimas de Hannah caem na sopa de tomate. Ela morde o lábio para se impedir de chorar

de novo, mas seu corpo inteiro treme e seus fôlegos saem agudos e cortantes, como se alguémtivesse colocado uma faca em sua voz.

— Ah, Hannah… — sua mãe diz, se virando.Sua mãe a reúne contra seu corpo e segura ela. Hannah soluça na camisa de cetim de sua

mãe mas mantém as mãos em punhos ao seus lados, com medo de se entregar completamente.— Querida, — sua mãe fala suavemente. — Está tudo bem. Eu te amo. Seu pai e eu te

amamos. Nada jamais poderia mudar isso.Hannah chora até escutar a porta dos fundos virar. Depois sai em disparada de sua cadeira,

deixando a tigela de sopa e sua mãe na cozinha.

Ela fica em seu quarto no sábado. Passa as horas clicando pelo site de Emory, pesquisandoaulas, memorizando o calendário, lendo sobre as tradições do campus. Ela escuta sua famíliaandando pelo andar de baixo, escuta eles conversando na cozinha, escuta a música irritante decomerciais da TV. Ela espera por sua mãe ou pai virem dar uma olhada nela. Eles enviam Joanieao invés.

— Você pode comprar bolinhos de batata frita para mim de Zeeland? — Hannah pede paraela. — Estou com vontade de comer eles.

— Vá você mesma comprar eles, preguiçosa.Hannah vira de volta para o computador.— Deixa para lá.— Aff, tá, vou com você.— Está tudo bem.— Não, sério, vamos lá. Eu dirijo.— Não, eu estou bem.— Um pouco de ar fresco faria bem para você. Vamos lá.

— Joanie. Não quero ir.— Você acabou de dizer que estava com vontade de comer bolinhos de batata frita.— Eu… deixa para lá.— O que? — Joanie fecha a tela do computador de Hannah. — Vamos.— Não quero ir.— Deixe de ser tão mimada.— Não quero ir, okay?!Joanie se afasta dela.— Nossa. Só estava tentando ser legal.Hannah puxa os lábios para dentro da boca.— Não quero entrar em Zeeland e ver um de nossos colegas. Ou um dos pais deles. Okay?Joanie deixa a cabeça sair e bate os dedos contra a coxa.— Desculpa, — ela diz silenciosamente.— Está tudo bem.— Quer assistir um filme ou algo assim?— Não, estou bem. Só vou tirar um cochilo.Joanie sai, e Hannah cai em um sono agitado. Quando acorda, encontra uma caixa de isopor

em sua mesa de cabeceira. Ela abre. Está cheia de bolinhos de batata frita de Zeeland Street.

Seus pais chamam ela para o andar de baixo para o jantar por volta das sete horas. Joanieergue os olhos quando Hannah entra na cozinha. Seus olhos fazem uma pergunta. Hannah sorriem resposta.

Os quatro sentam calados ao redor da mesa, cada um deles prestando atenção demais em seufrango. Joanie faz um esforço corajoso para incitar a conversa, perguntando sobre tudo dosamigos do pai delas em Albemarle até o jogo mais recente de tênis da mãe. Nenhum dos pais dizmuito em resposta.

— Okay, isso é apenas embaraçoso, — Joanie diz, deixando o garfo cair. — Podemos, porfavor, abordar o elefante arco-íris na sala? Então talvez Hannah não tenha um casamento doscontos de fada em uma fazenda de engenho. E daí?

— Não comece, Joanie, — a mãe delas diz.— Acho que o que Hannah fez foi corajoso.A mãe pausa com o garfo a meio caminho.— De que jeito?Hannah lança para Joanie um olhar em aviso. Joanie abaixa os olhos e diz, sem jeito.— No sentido de… falar a verdade sobre como ela se sente.Seus pais empurram pedaços de frango ao redor dos pratos. Hannah bebe sua água para ter

algo a fazer, mas a água fria apenas aumenta o buraco em seu estômago.

Hannah acorda tarde na manhã de domingo e se assusta quando percebe que sua famíliadeveria ir para a Missa em três minutos.

— Não se incomode, — Joanie diz quando Hannah entra correndo no banheiro e estende amão para pegar a pasta de dente. — Eles já foram.

— O que? Eles nunca deixam a gente perder a igreja.Joanie dá de ombros.— Ouvi a porta dos fundos bater, e depois olhei pela janela e vi eles saírem dirigindo.O coração de Hannah afunda.— Não me querem lá com eles.— Não seja burra. Claro que querem. Eles provavelmente só… provavelmente não queriam

que você se sentisse desconfortável, sabe?

A pior parte do domingo é quando tia Ellie liga depois do almoço. Hannah fica do lado defora da porta trancada do escritório, escutando sua mãe sussurrar no telefone, escutando osfôlegos de silêncio que despejam da boca de sua mãe.

— Não, — sua mãe diz depois de alguns minutos, — nunca consegui chegar lá. Nãoconsegui me fazer encarar todos aqueles olhares. Ao invés, fomos almoçar do outro lado dacidade.

Hannah rasteja de volta para cama e fica lá pelo resto do dia.

Seu estômago dá nós quando ela acorda na manhã de segunda-feira. Joanie faz torrada paraela, a qual Hannah dá apenas uma mordida antes de se sentir enjoada, e depois elas entram nocarro, nenhuma delas falando. Quando chegam em St. Mary’s, as axilas de Hannah estãoempapadas de suor.

Não há muitas pessoas no estacionamento quando elas param. Hannah olha automaticamentepara o carro de Baker, estacionado na vaga ao lado da caminhonete de Clay.

— Pronta? — Joanie pergunta, o rosto pálido.— Não, — Hannah suspira. — Mas vamos lá.Várias pessoas lançam olhares quando ela sai do carro. Ela desvia seus olhos e segue o

caminho de Joanie para as portas do corredor. Assim que estão prestes a entrar, uma voz de trásdela diz:

— Ei, H’Eaden, quer sair comigo essa noite?Seus passos falham, mas Joanie agarra seu braço e a mantém olhando para frente.— Vá se foder, Guthrie! — Joanie grita, sua voz alta no ouvido de Hannah.— Está tudo bem, — Hannah diz.

— Ele sempre foi um babaca. Tanto faz. Vamos lá.Elas entram no prédio, e enquanto Joanie normalmente viraria para esquerda para o corredor

dos juniores, hoje ela vira para direita para o corredor dos veteranos.— Você não precisa me levar pelo caminho inteiro, — Hannah diz para ela.— Eu apenas iria parar na sala da Sra. Paulk para perguntar sobre algo em nosso guia do

estudante.— Joanie. Vou ficar bem. Não preciso de uma escolta. Sério.Joanie olha para o corredor atrás dela e suspira.— Tá bom. Tenho certeza que vai ficar tudo bem.— Vai ficar. Obrigada.A caminhada até seu armário é cheia de olhares e fofocas sussurradas. Algumas pessoas

sorriem gentilmente para ela, mas a maioria de seus colegas fitam abertamente. Ela limpa agarganta apenas para se certificar de que ainda está lá.

Ela encontra Wally no fim do corredor, sua mochila apoiada contra seu lado enquanto eletroca os livros. Ela tem vontade de ir até ele, de encontrar tranquilidade em sua expressãoconstante, mas ela para em seu armário ao invés.

Srta. Carpenter não está na escola. O coração de Hannah cai assim que ela vê a professorasubstituta parada na entrada da Srta. Carpenter.

No final da manhã de segunda-feira, a notícia de que a Srta. Carpenter foi demitida seespalhou pela escola inteira.

— A diocese pediu por sua dispensa imediata, — Michele diz incisivamente enquantoHannah passa por ela durante a mudança de salas. — Escutei a Srta. Gramley contando ao Sr.Jasper. Os professores estão com tanta raiva quanto nós.

— Carpenter era a única professora legal nessa escola, — Jonah diz. — Isso é tão fodido.Todos os olhos estão em Hannah quando ela entra no refeitório naquele dia. Ela caminha até

sua mesa de sempre, seu sangue pulsando nos ouvidos, e abre seu saco com almoço como setudo fosse normal, como se ela não estivesse absolutamente sozinha nesse inferno. Ela passa osolhos pelo pátio atrás de Wally e o encontra na mesa de Luke, o sol refletindo em seus óculos.Ele nem mesmo olha para ela. Ela verifica a mesa de Clay e Baker: Baker está sentada no bancooposto hoje, então suas costas estão voltadas para Hannah. Hannah enfia um garfo na salada eengole contra o caroço queimando em sua garganta.

Joanie se junta a ela um minuto depois, tirando o cabelo do rosto vermelho.— Acabamos de ter a tarefa mais idiota em pré-cálculo, — ela diz. — Quase comecei a

discutir com a Sra. Hersch sobre isso. Só porque ela levou um pé na bunda não quer dizer que

pode nos forçar a revisar tudo que aprendemos no semestre passado.— Você não precisa falar comigo como se tudo estivesse normal, — Hannah diz. — Vamos

apenas admitir.O rosto de Joanie cai.— Como tem sido?— Uma merda. Uma grande merda. — Sua voz falha na última sílaba.— Mais quatro dias. Só isso. Apenas mais quatro dias.Hannah ergue os olhos e faz contato visual com uma mesa de caras que estão claramente

falando sobre ela. Enquanto ela observa, Bradford se inclina para o centro da mesa e diz algo quefaz todos os caras rugirem com risadas.

— Como foi a escola? — sua mãe pergunta quando ela chega em casa do trabalho naquelanoite. Ela faz a pergunta casualmente, mas Hannah percebe o olhar ansioso em seus olhos.

— Bem, — Hannah diz. — Nada de diferente.— Ninguém disse nada sobre?— Não.— Isso é bom, — sua mãe diz. As mãos vasculham as sacolas de compra no balcão. — Você

pode me ajudar a guardar isso?

Na manhã de terça-feira, quando Hannah abre o armário, uma nota amassada cai.

Muito bem sapatona.

Ela tenta interceptar Wally no estacionamento depois da escola, mas ele marcha direto porela até seu carro. Ela o segue e bate em sua janela, mas ele não lhe dá um olhar. Ele deixa suamúsica alta e dá ré da sua vaga com movimentos rápidos e agitados.

— Talvez você não deveria ter brincado com o coração dele, — alguém diz, e quando ela sevira, dá de cara com Luke.

— Nunca tive intenção de fazer isso.Luke enfia as mãos nos bolsos e estreita os olhos para ela. De perto, ele parece mais abatido

e exausto do que já pareceu antes.— Olha, Hannah, — diz, — Sinto muito que você esteja passando por tudo isso. Sinto

mesmo. Queria que pudéssemos ter ajudado. Mas só porque você estava confusa ou passando porum momento difícil ou sei lá, não quer dizer que você tem o direito de enrolar ele. Você omagoou. Você o magoou assim como meus pais se magoaram e Joanie me magoou.

— Joanie te ama, — Hannah diz com a voz carregada. — Você sabe que ela te ama.Luke engole.

— Não é sobre isso. Apenas deixe ele em paz. Espero que você resolva as coisas e esperoque se sinta melhor, mas deixe ele em paz.

Ele se afasta, as mãos ainda nos bolsos, os sapatos arrastando contra o asfalto.

A festa de final de ano do Clay está programada para a noite de sexta-feira do final desemana de formatura. Os veteranos fazem fofoca sobre isso durante toda semana, trocando ideiade como mentir aos pais, se gabando sobre quão bêbados planejavam ficar, sussurrando para osamigos sobre qual pessoa queriam uma última chance de transar.

— Hannah, — Joanie pergunta timidamente uma noite, — você está pelo menosconsiderando ir para a festa do Clay?

Hannah olha como se ela tivesse ficado louca.— Você está brincando?Joanie abaixa os olhos.— Quero passar um tempo com Luke uma última vez. Ver se ele conversa comigo. — Ela

pausa. — Mas não tenho coragem de ir sozinha.Hannah deixa o removedor de maquiagem na pia do banheiro. Ela encara com intensidade a

torneira por um longo momento.— Sinto muito, Joanie, — ela diz. — Não posso.Joanie assente, sua expressão triste mas compreensiva.

Michele Duquesne vai até Hannah depois do ensaio de formatura na manhã de sexta-feira.— Doido como fui convidada para a festa e você não, — ela diz.— Me deixe em paz, — Hannah diz.— Não estou tentando ser malvada de verdade, — Michele diz, e olhando para ela, Hannah

pode ver que ela está falando a verdade. — Queria te falar que não é pessoal, o que aconteceucom o e-mail. Estava tentando atingir Baker, não você.

— Não ligo para quem você estava tentando atingir, — Hannah diz. — O que você fez foinojento.

— Estou tentando ser legal com você.— Não preciso que você seja legal comigo. Você é uma cobra invejosa.Os olhos de Michele se tornam fendas.— Lembre quem te traiu no final das contas, Hannah. Não fui eu. Foram seus amigos. Eles

viram algo que não gostaram e te deixaram.— Isso não é verdade.— No entanto, não é?— Você é um pedaço de merda, — Hannah diz. — Você é um pedaço de merda odioso e

amargo, e seja lá o que ainda posso esperar, não é sua amizade.Ela saiu em um rompante da quadra, enquanto Michele faz uma carranca atrás dela. Ela

passa pelos corredores vazios, escutando as salas cheias de calouros, segundanistas, e juniores,pausando do lado de fora da sala da Srta. Carpenter para ver se sua energia ainda permanece nasua entrada.

Anda pelo corredor dos veteranos e conta os armários de seus amigos enquanto passa. 142— de Luke. 151 — seu. 159 — de Baker. 174 — de Clay. 203 — de Wally.

Ela para no fim do corredor e espia através do espaço vazio entre as duas fileiras de armárioscor de vinho. Ela consegue ver os ecos de si mesma e seus amigos na frente de cada seção dearmários, suas camisetas de Oxford escapando de suas saias ou calças khaki, os sapatosarrastando contra o chão de ladrilho, suas risadas reverberando dessas paredes sagradas.

Não quero odiar esse lugar.

Joanie se aproxima dela de novo naquela noite.— Vou para a festa do Clay.— Você tem certeza?— Luke vai embora para o Alabama na segunda-feira. E eu provavelmente não vou ter uma

chance de falar com ele na formatura. — Ela pausa. — Essa talvez seja minha última chance defalar com ele.

Hannah assente.— Boa sorte. Espero que dê certo.— Han, por favor, vai comigo?— Não.Joanie esfrega o cotovelo esquerdo. Ela encara com intensidade o relógio do avô na sala da

família.— Hannah… — ela diz, a voz pequena. — Preciso que você vá comigo. Por favor.

Precisamos ir por apenas dez minutos. Apenas preciso dizer que amo ele.Hannah suspira.— Não posso, Joanie.— Ninguém precisa saber que você está lá. Mesmo se souberem, não é como se fossem

dizer algo. Por favor, Hannah. Quero dizer, não tem uma parte de você que quer ir de qualquerforma?

— Não, — Hannah mente.Joanie esfrega o cotovelo com mais força.— Tudo bem, — ela diz, a voz apenas um pouco lá. — Vou apenas ir ver ele amanhã ao

invés.

Hannah suspira nas páginas de seu livro. Ela pressiona as mãos nos olhos.— Tudo bem, — ela murmura, seu coração batendo mais rápido. — Tudo bem. Vou com

você.Os olhos de Joanie brilham em gratidão quando Hannah sai do sofá. Elas dirigem até a casa

de Clay em silêncio.

Capítulo Catorze: A Queda

Há música estourando do conjunto de alto falantes amontoados no bar do lado de fora. Duaslongas mesas de cartas foram colocadas no topo do gramado, cobertas com copos plásticosvermelhos e latas de cerveja, e dúzias dos colegas de Hannah se amontoam ao redor delas,observando enquanto os jogadores lançam bolas de ping pong brancas como osso alternadamenteentre seus copos. Além deles, grupos de pessoas cobrem o jardim, todas parecidas vestindocamisas de botão Polo e shorts khaki, usando vestidos de verão e brincos de pérola, seus pésusando sandálias plantados na grama verde do verão e suas mãos segurando latas de Natty Light.

Clay acendeu as tochas ao longo do perímetro do jardim, assim como fez no Mardi Gras. Astochas queimam com um fogo primitivo, acrescentando uma sensação ritualística a essa últimafesta do ensino médio. O velho conjunto de balanços está imóvel no fundo do jardim, as vigas demadeira desgastadas e as correntes de metal enferrujadas falando sinistramente com Hannah,como se fosse de algum lugar assombrado que ela conheceu há muito tempo, apesar de tersentado nos balanços apenas mês passado com Wally.

O resto da propriedade está oculta na escuridão, mas Hannah consegue sentir o silêncio, agrandeza das velhas árvores se erguendo para o céu na floresta abaixo do jardim. As árvoresespiam sobre a festa como convidadas de penetra, seu status esclarecido pela cerca velha ebamba que circunda a borda do jardim, protegendo esses festeiros do jardim de cair colina abaixona escura massa das árvores.

— Clay está olhando para nós, — Joanie diz, e Hannah se vira e vê Clay olhando para elasdo outro lado do quintal, sua expressão ilegível.

— Talvez ele quer que a gente vá embora.Clay toma um longo gole de sua lata de cerveja, o olhar ainda em Hannah. Depois, mexe o

corpo e responde um dos jogadores na mesa de ping pong de cerveja, que enfia a bola na mão deClay e dá um tapa em seu braço. Clay sorri e se aproxima da mesa, levantando os braços no ar egritando algo que faz todos ao seu redor rir.

— Acho que ele não liga, — Joanie diz.— Quero ir embora, — Hannah diz, nervosa.— Apenas me ajude achar o Luke primeiro, okay?Elas andam em silêncio ao redor do perímetro da festa, deixando vários metros entre elas e o

resto das pessoas. Joanie carrega um copo de limonada de vodka mas Hannah fica de mãosvazias, seus braços cruzados sobre o peito, os olhos disparando sobre todo o jardim. Alguns de

seus colegas fazem contato visual com ela, alguns sorriem educadamente ou assentemdesconfortavelmente, mas a maioria das pessoas a ignoram.

Enfim elas encontram Luke. Ele está em um pequeno círculo de meninos no canto do fundodireito do quintal, seus cachos pegando a luz das tochas. Enquanto Hannah e Joanie seaproximam dele, Hannah reconhece Wally de pé na frente dele.

— Merda, — ela sussurra. — É melhor eu ficar para trás. Vá em frente. Faça sua coisa.Joanie pigarrea e passa sua bebida para Hannah. Ela endireita as costas e anda com

confiança até Luke, seu cabelo agora carregando a luz das tochas também. O círculo de caraspara de falar enquanto ela se aproxima, e Luke vira apenas uma fração de centímetro paraencará-la. Os olhos de Wally caem sobre os dois — seus olhos parecem pensativos — antes dedesviar para encontrar os de Hannah. Hannah comprime os lábios e assente muito lentamente,mantendo os olhos nele. Ele balança rapidamente a cabeça em resposta, depois olha para suacerveja.

Joanie falou com Luke por menos de trinta segundos quando a música abruptamente éinterrompida e há uma comoção na frente do quintal. Clay pulou em cima da pequena parede detijolos que cerca o bar do lado de fora, e mesmo de seu lugar bem no fundo do quintal, Hannahconsegue vê-lo, sua silhueta alta e musculosa sobrepondo seus convidados da festa, o sorrisoenorme e descontraído.

— Obrigado por virem! — ele grita, e os festeiros por todo o quintal berram e aplaudem elevantam as latas de cerveja e copos de plástico na noite. Luke, Joanie, Wally, e o resto docírculo deles ficam parados em silêncio, esperando para ver o que Clay quer dizer.

— Acabou de passar da meia noite, — Clay continua, sua voz grave se espalhando peloquintal, — o que significa que oficialmente terminamos nosso último dia de todos comocolegiais, sim, sim, eu sei! Mas de qualquer forma, estou bêbado e só queria dizer a Classe de St.Mary de 2012 é a melhor maldita classe que aquela escola já teve, e estou muito feliz que fizparte dela com todos vocês!

Um aplauso ensurdecedor explode através do quintal. As pessoas gritam e assobiam eberram o nome de Clay, e no canto do fundo direito do quintal, Hannah bate palma tepidamentejunto de Luke, Joanie e Wally.

— Antes de a gente ligar a música de novo e encher a cara, — Clay diz, — só precisoagradecer minha namorada por me ajudar a organizar tudo isso. Onde você está, Bake?

Um aplauso coletivo explode ao som do nome de Baker. Clay busca pelo quintal, seu cabeloescuro como um tronco caindo sobre sua testa suada, até que ele localiza ela, pois sorri e estendea mão cavalheirescamente na multidão. Hannah estreita os olhos através da massa de pessoas nasua frente, mas não consegue ver o rosto de Baker.

— Baker, você é a melhor, — Clay diz, prolongando a última palavra. — E todos sabemos

que situação difícil você tem passado recentemente com essa merda nojenta que tem acontecido,mas todos te amamos!

Um aplauso ainda maior explode ao redor do quintal, um aplauso que dura um minutointeiro, com assobios e gritos e berros bêbados de Simmmmm! O estômago de Hannah congela.Ela tem dificuldade em engolir. Sente os olhos de Joanie nela, e quando se vira, quase contra suavontade, para fazer contato visual, ela descobre que não só Joanie está observando-a, mas Luke eWally estão, também.

Ele é um babaca,Joanie fala sem emitir o som.Hannah cerra os dentes. Ela sente um desespero crescente dentro dela, como se seu coração

estivesse afogando e não sabe onde agarrar.— Todo mundo dá uma bebida para Baker hoje a noite! — Clay berra da frente da festa.— Vou embora, — Hannah articula para Joanie, e depois derruba a bebida de vodka de

Joanie na grama e se vira para andar ao longo do perímetro do quintal.— Hannah, espera! — Joanie diz bruscamente, e Hannah ouve passos apressados atrás dela

e sente o aperto de Joanie em seu braço. — Me deixe ir com você, okay?Elas deram cinco passos quando ouvem outra comoção.— Espera, espera, o que? — Clay berra do seu posto na parede de tijolos. — O que você tá

dizendo?Alguém na frente da multidão está falando, mas a distância e a multidão abafam suas

palavras. Hannah e Joanie param de falar, e Hannah experiencia um sentimento inexplicável depavor.

— Você está brincando comigo, porra? — Clay diz, a voz rouca, o semblante decepcionado.— O que está acontecendo? — alguém grita.Hannah fica imóvel enquanto Clay olha através do quintal, o rosto branco sob as luzes da

varanda. Ele derruba sua bebida enquanto os braços caem aos lados.— Perdemos a Copa Diocesana.— O que?— O que?— Não!O jardim de repente está desenfreado, com pessoas gritando de uma vez, sua cacofonia de

vozes raspando contra o calor da noite.— Espera aí! — Clay diz, jogando os braços para baixo como se tentasse bater no porta-

malas de um carro.— O que aconteceu? — alguém grita.Clay olha para o mesmo lugar na multidão, e um silêncio sufocante cobre a noite. Hannah

força os ouvidos para ouvir as palavras da pessoa falando.

— Não conseguimos ouvir aqui de trás! — um dos caras parado perto de Luke diz.Clay ergue a cabeça de novo. Há um olhar assassino em seu rosto.— Kasey acabou de receber uma mensagem da amiga que a mãe trabalha no escritório da

diocese, — ele diz, a voz atravessando o jardim— Estão rescindindo a Copa. Vão premiar o Monte Sinai ao invés.— O que?— Não podem fazer isso!— Por que?!Clay cerra a mandíbula. Ele fica completamente imóvel, os ombros tensos e punhos

fechados aos seus lados. Sob a luz forte das luzes da varanda, os olhos desviam para o fundo doquintal, procurando por algo. O peito de Hannah explode com medo.

— Vocês sabem por que, — ele diz, a voz mortal.Há um segundo denso de silêncio, e Hannah tem a sensação de cambaleia sobre um

parapeito, seu coração na garganta e o corpo fora de seu controle.Depois, barulho. Um barulho raivoso e estrondoso.— Precisamos ir, — Joanie diz, os olhos desvairados. Ela empurra Hannah para frente,

fazendo as duas tropeçarem na pressa de sair do jardimQuando Hannah se deu conta, Wally estava ao seu lado, ajudando ela a levantar, os óculos

refletindo o fogo.— Está tudo bem, — ele diz, a voz estável como sempre. — Eles não vão fazer nada.— Preciso sair daqui, — Hannah arfa.— Nós vamos com você, — outra pessoa diz, e Hannah olha para trás e vê Luke ao lado de

Joanie.— Ei, o que está acontecendo aí atrás? — A voz raivosa e bêbada de Clay grita, e em sua

visão periférica, Hannah vê figuras escuras virarem a cabeça em sua direção.— Vamos lá, — ela diz, liderando o caminho para frente ao longo do perímetro de tochas

acesas.— Sim, isso mesmo, vá embora! — Clay grita. — Não precisamos mais da sua conversa

fiada de merda!— Cala a boca! — Wally grita, a voz rangendo nos ouvidos de Hannah.— Saia daqui porra! — Clay grita de volta, e depois o mar de pessoas entre eles começa a

berrar, também, as vozes gritando coisas indecifráveis, e Joanie começa a gritar de volta paraeles, berrando até ficar rouca, catapultando profanidades no ar.

E depois Wally começa a berrar com Clay.— Você é um babaca sem escrúpulos! — Wally ruge. — Você é um idiota que nunca deu a

mínima pros amigos!

— Seu filho da puta…Depois Clay está se afastando da parede, pulando na multidão, rompendo através da massa

de pessoas até estar a metros de Hannah e os outros.— Qual é o seu problema, hein? — ele diz, empurrando o peito de Wally.— Cai fora, cara! — Wally grita, empurrando ele de volta. — Você cruzou a linha!— Tá de brincadeira?! — Clay rosna, suas narinas se alargando e o rosto de um vermelho

escaldante. — Abra os olhos, cara! Ela cruzou a linha! Ela enganou a gente e usou você e agoraestá fazendo você e nossa escola inteira parecer idiotas de merda!

Wally se atira, suas pernas de corredor o impulsionando para frente, e dá um soco firme namandíbula de Clay. Clay cambaleia para trás na multidão de pessoas, o rosto registrando choquee dor. Ele deixa um rugido primitivo antes de se jogar em Wally e dando seu próprio soco.

Os dois estão dando socos, e Hannah se agacha no chão com eles, implorando para Wallyparar, implorando para Clay parar, e uma de suas mãos sai torta e a atinge no rosto, e ela selevanta, atordoada, sua bochecha esquerda ardendo, os gritos de pessoas por todos os lados. Maispessoas pulam na briga — Luke se enfia no meio e tenta separar Clay e Wally, e depois Jacksoncai no chão e bate em Wally, e depois Luke bate em Jackson até Bradford bater em Luke —

— Muito bem, H’Eaden, — diz uma voz venenosa, e Hannah vira para ver Michele e suasamigas a encarando. — Acho que não é suficiente fazer Carpenter ser demitida e nos custar aCopa, certo, quero dizer agora você precisa colocar a escola inteira um contra os outros…

— Não tive nada a ver com isso, — Hannah diz, lágrimas surgindo em seus olhos.— O caralho que você não teve, — Michele diz, se aproximando dela. — Tudo estava

normal até você começar sua merda de…Mas então Hannah não ouve o que mais Michele tem a dizer, porque Baker aparece no

círculo de observadores, os olhos aterrorizados enquanto ela olha para Clay, Wally, Luke, e osoutros meninos no chão. O coração de Hannah pula em sua garganta, e enquanto ela encaraBaker através do círculo, Baker levanta os olhos e encontra os dela, e há algo neles que diz aHannah que nada acabou —

— Ei! — Michele grita, empurrando Hannah para trás. — Deixe disso! Pare de ficarbabando em cima dela!

— Não me empurra!— Se alguém merece ser machucado essa noite, é você!Sob elas, a briga finalmente acaba, com vários caras segurando Wally, Clay e Luke

separados um do outro. Hannah olha para o sangue espalhado sobre suas bocas e por suascamisas, para os óculos quebrados de Wally pendurados no seu rosto, para a expressãohorrorizada de Joanie enquanto ela corre para cuidar de Luke, mas antes que Hannah possa irajudá-los, algo bate em sua bochecha direita com a força de uma tábua de madeira...

— Qual é a sensação? — Michele diz, retraindo a mão.O rosto inteiro de Hannah está doendo agora, sua garganta cheia de lágrimas. Do outro lado

do círculo, Baker olha para ela com olhos angustiados, a boca aberta em um grito silencioso, masela não se move.

Michele pega um copo de uma de suas amigas e Hannah sabe o que vai acontecer antes queaconteça. Ela tenta fugir, mas a cerveja atinge ela diretamente no rosto, entrando em seus olhos eboca antes que ela possa processar o que aconteceu.

— EI! — Joanie berra, saltando nelas de onde estava cuidando de Luke. — Fique longedela!

— Cai fora, Eaden Júnior! — Michele grita.Joanie salta em cima de Michele, estapeando e empurrando ela com toda força que tem, até

Hannah pular para frente e arrancá-la, implorando:— Joanie, Joanie, para, por favor, para…Uma das amigas de Michele golpeia Joanie com força no estômago. Joanie cambaleia para

trás em cima de Hannah, derrubando as duas com a força súbita.— EI! — Luke ruge. Ele se solta do aperto de Cooper e começa a correr até Michele, mas

Miles e Walker o agarram.— Vou te dar três segundos para correr, H’Eaden, — Michele diz, sua voz baixa rastejando

através dos observadores silenciosos. — E depois vamos te expulsar dessa festa.Hannah pisca para ela do chão, se perguntando quão sério ela podia estar falando. A

multidão a todo seu redor fica parada e em silêncio, seus rostos contorcidos com ódio. Joaniecomeça a se levantar do chão, sua mão agarrando o estômago, mas Hannah a empurra para baixocom uma mão firme.

E depois ela olha para Baker, que está imóvel como uma pedra, os olhos preenchidos delágrimas e a boca ainda aberta em um grito silencioso.

— Saia daqui! — Michele grita, e depois ela e suas amigas saltam para frente, e Hannah semove sem pensar, pulando da grama escura e correndo ao longo do mesmo caminho pelo qualandou mais cedo, fazendo um círculo amplo ao redor do gramado, sangue pulsando em suacabeça. Ela corre até estar no ponto mais distante do quintal, bem em frente à cerca bamba e odeclive íngreme para a floresta, e enquanto essas fronteiras entram em sua vista, ela muda decaminho para correr de volta ao redor do lado oposto do quintal, longe da massa raivosa depessoas.

Mas algumas das amigas de Michele correm em sua direção do lado oposto do quintal, e elapara, terror se apoderando dela, se perguntando para que lado ir. Ela começa a atravessar umcaminho pelo meio do quintal, mas suas perseguidoras mudam a direção na direção do meio paraela não conseguir correr para aquele lado, e ela não tem escolha a não ser parar e se afastar delas

na direção da beirada do quintal. Ela recua até estar a apenas alguns metros da cerca bamba,equidistante de duas tochas queimando.

— Que dilema engraçado você está, — Michele ofega enquanto se aproxima. — É como setipo, para que lado você deveria correr? Duas escolhas, não é? Duas direções para seguir? E vocêescolheu a errada.

— Você precisa se acalmar, — Hannah diz, se sentindo seriamente assustada pela primeiravez, pois está claro para ela, enquanto elas cambaleiam e riem livremente, quão bêbadas essaspessoas estão.

— Acho que você precisa calar a boca.— Não, Michele, de verdade, há uma floresta íngreme atrás de nós, a mãe de Clay sempre

está nos alertando sobre elas…— Também tem uma cerca atrás de você, sua imbecil, — Michele diz com escárnio. Ela se

aproxima e empurra Hannah de novo, rindo alegremente no seu rosto. O calcanhar do pé deHannah roça contra a cerca, e o sangue sobe à sua cabeça tão rápido que ela se sente tonta comisso. Atrás de Michele, a multidão de pessoas cresce mais, e Hannah vê Clay, agora livre doaperto e calmo de novo, andando para mais perto da cena.

— Aposto que você não teria feito toda aquela merda se soubesse que isso iria acontecer,não é? — Michele provoca. — Aposto que você queria poder conseguir aquela Copa Diocesanade volta, não é?

— Não queria que nada disso tivesse acontecido, — Hannah exclama.— Mas aconteceu. Você não conseguiu manter a boca fechada, não conseguiu ficar quieta

com seu probleminha, e agora ferrou todos nós. Então vai-se-ferrar. — Michele diz, empurrandoHannah de novo.

— Para! — alguém exclama. — Para!O fôlego de Hannah fica preso em seu peito.Baker sai andando da multidão, seus olhos escuros refletindo a luz das tochas. Ela parece

frágil e magra — mais magra que Hannah já viu ela.— Você está parada na parte mais fraca da cerca, — Baker diz, sua voz tremendo.— Relaxa, Baker, — Michele diz, soando exasperada. — Não vamos fazer nada.— É melhor mesmo, — Baker diz, se aproximando mais e mais de Hannah.— Pare de me dar ordens, — Michele diz, a voz estremecendo com raiva. — Você não é a

presidente aqui, entendeu?— Não é sobre isso, — Baker diz.— Você já salvou sua amiga sapatona uma vez, lembra? Sua boa ação foi feita, blah blah

blah, você pode ir ser Santa Baker em outro lugar.— Fique longe dela, — Baker diz, a voz ainda tremendo mas alta o suficiente para ser

ouvida pela multidão de pessoas. — Estou falando sério. Vá embora.— Tanto, tipo, — Michele diz, virando para encará-la. — Você ignora H’Eaden por

semanas, e agora quer salvar ela?— Ela é minha melhor amiga.— Que melhor amiga você tem sido. Você tenta negociar por ela, mas quando não funciona,

você se afasta, certo?— Saia, — Baker diz através de dentes cerrados.— Tá bom, — Michele rosna. — Mas antes de eu ir, vamos ser sinceras por um segundo,

Baker: Por que você se importa com o que acontece com ela?Baker fica vermelha na luz do fogo. Seus olhos se estreitam. Seu peito arfa. Ela abre a boca

para falar, mas suas palavras ficam presas, e ela cerra a mandíbula, parecendo lutar contra algo.— Uau, — Michele diz, — quanto amor por sua melhor amiga.Baker engole com força Ela vira para Hannah, e sua expressão está tortuosa. Seus olhos se

prendem.— Eu escrevi ele, — Baker diz, os olhos em Hannah.— O que? — Michele diz.— O e-mail, — Baker diz, os olhos lacrimejando. — Eu escrevi ele. Eu o enviei. Não foi

Hannah. Foi eu.— Não, — Clay diz de seu lugar na multidão.— Sinto muito, — Baker diz com voz esganiçada, mal podendo ser ouvida, mas ela não está

se desculpando com a multidão: está se desculpando com Hannah. Seus olhos se enchem delágrimas, e a alma brilhando daqueles olhos está tão abatida e nua, tão aflita e aterrorizada, masainda tanto a garota que Hannah ama. Baker estende a mão com os dedos trêmulos e, pelaprimeira vez em uma eternidade, toca Hannah. Ela traça os dedos levemente sobre a bochecha deHannah que arde, sua expressão ainda tortuosa, antes de deixar um braço cair para pegar a mãode Hannah.

— Ai meu Deus, isso é uma piada? — Michele guincha.Tudo acontece muito lentamente. Hannah ergue os olhos para ver Michele correndo até ela,

seu rosto feio queimando de fúria, e no mesmo instante, em sua visão periférica, ela vê Baker sejogar atrás dela com a mesma velocidade e habilidade que tinha na quadra de vôlei...

E a próxima coisa que Hannah sente é algo se afundando em seu peito, um golpe que tiratodo seu fôlego, e ainda sim no mesmo instante sente seu corpo bater em algo atrás dela, algosólido e forte, algo que parece com um corpo humano...

E depois Hannah está no chão, e há lascas de madeira caindo em seus membros. Ela olhapara cima, tonta, para ver uma quebra na cerca. A multidão de pessoas começa a gritar na noite,suas voz em pânico se misturando no calor. Hannah rola de lado e engatinha na direção da cerca

quebrada, sua respiração saindo em pequenos fôlegos. Ela espia sobre a beirada do quintal comsua própria alma presa na garganta.

— Onde ela está? — a voz em pânico de alguém grita, e depois Clay está se ajoelhando aolado da cerca quebrada com Hannah, suas mãos se agarrando na beirada do quintal comocaranguejos na areia.

Hannah engatinha com a cabeça na frente pelo declive do quintal, o peso de seu corpoinclinado para frente em seus cotovelos, seus joelhos raspando contra a terra sob ela, as mãospassando por plantas e pedras e barro, seu coração gritando em sua garganta. Ela engatinha maise mais para baixo, a força da gravidade puxando seu torso antes de suas pernas, e então ela ouvea voz de Clay atrás dela de novo, ouve ela irromper de sua garganta em uma exclamaçãodeformada, e sabe que ele está engatinhando pelo declive, também, e que Wally e Luke e Joaniedevem estar também — que todos eles estão engatinhando por esse declive, prontos para cair,desesperados para ficarem de pé se apenas encontrarem a amiga deles...

Algo chama a atenção de Hannah, e a alguns metros à sua direita, ela vê o tronco de umasequoia gigante com uma forma escura se contorcendo na frente.

— AQUI! — ela grita, sua voz desesperada e molhada.Ela ainda consegue ouvir as pessoas gritando, e agora ouve sirenes de polícia soando

distantemente na noite, mas tudo com que se importa é a garota na sua frente, a garota cujo corpofoi jogado contra essa árvore enorme — essa árvore que parou sua queda...

— Baker, — Hannah sussurra, enfim alcançando ela. — Você consegue me ouvir?— Han, — Baker sussurra.— Você está bem?Baker toma um fôlego, e seu corpo inteiro parece chacoalhar com isso.— SOCORRO! — Hannah grita para cima na direção do quintal. — SOCORRO! Liguem

para uma ambulância!— Han, — Baker diz.— Estou aqui. Estou aqui. Você vai ficar bem. Você está bem. Você está bem.— Desculpa.— Não peça desculpas. Não tem nada para se desculpar. — Hannah seca seus olhos

furiosamente, as lágrimas molhando suas mãos. Ela se inclina para frente e beija a testa de Baker.— Está tudo bem, Bake. Está tudo bem. Apenas aguente firme. Fique comigo, okay? Fiquecomigo.

Então Clay aparece, seu corpo forte contorcido de medo.— Baker, — ele exclama, estendendo um braço para ela, — Baker, sinto muito, Baker…Hannah não tem certeza sobre o que a faz fazer isso, mas ela estende a mão para ele e prende

a dele na sua. Ele mexe a cabeça em sua direção, suas lágrimas cintilando na escuridão, e

Hannah não desvia os olhos.E eles ficam daquele jeito, dando as mãos, cada um deles segurando as mãos de Baker, até

os paramédicos chegarem.

Capítulo Quinze: A Árvore

Os trabalhadores da TEM dizem para eles se afastarem enquanto rolam a maca de Baker até aambulância. Mas Hannah segue eles de qualquer forma, assim como Clay, e assim como Joanie eWally e Luke. Eles passam pelos policiais, que falam em seus rádios com expressões cansadasnos rostos, e pelas dúzias de jovens de St. Mary, os quais todos chamam eles em confusão entreseus testes do bafômetro. As sirenes do carro da polícia acendem na rua, deixando o rosto detodos azul, e os vizinho enxeridos na rua sem saída estão de pé em suas varandas da frente eobservam a cena, vestido em roupões e camisetas da LSU gastas;

Um dos TEM, um homem de meia idade com um rabo de cavalo, vira na direção do grupodeles.

— Vocês não podem vir com a gente, — ele diz. — Têm que ficar com a polícia até seuspais virem buscar vocês.

— Não! — Hannah diz. — Não, preciso ir com você!— Não são nossas regras, — diz o cara de rabo de cavalo.— Mas eu nem bebi! Eu só estava tentando ajudá-la! Por favor! Você tem que me deixar ir

com você, ela é minha melhor amiga!O paramédico olha para ela com severidade. Atrás dele, seu colega de trabalho carrega a

maca de Baker para a ambulância.— É melhor eu não ver você entrando, — ele diz, — ou meu pescoço está em risco.— Não, senhor, — Hannah diz apressadamente. — Obrigada.Joanie se aproxima dela assim que o funcionário do TEM se afasta.— Vamos encontrar você lá assim que pudermos, — ela diz, com o rosto manchado de

lágrimas. — Eu já liguei para mamãe e papai.— Traga os meninos, — Hannah diz, olhando além de Joanie para onde Wally, Clay e Luke

estão indecisos na calçada. Clay encontra os olhos de Hannah e solta um grande suspiro, suaexpressão quebrada.

Baker está desmaiada quando Hannah tomou seu lugar ao lado dela. Os paramédicoscolocaram uma máscara de oxigênio em sua boca. Sob as luzes amarelas do interior daambulância, Hannah pode vê-la claramente pela primeira vez desde a queda. Seu rosto estácoberto de cortes e escoriações e há espinhos de sangue ao longo de todo o couro cabeludo. Seupescoço, ombros, braços, pernas — em qualquer lugar que tenha pele, Hannah pode ver listrasvermelhas misturadas com terra.

— Ei, — Hannah sussurra, pegando sua mão.

O TEM com rabo de cavalo bate as portas da ambulância e, um momento depois, o veículodá uma guinada com o movimento, lembrando Hannah que seu coração ainda funciona. A sireneno teto geme sua canção desesperada, e a mente de Hannah retoma o refrão familiar de Porfavor, por favor, por favor enquanto a ambulância os leva em direção à salvação.

A sala de espera do hospital está tão vazia de som que Hannah sente que pode estar debaixod'água. A única outra pessoa nas proximidades é uma enfermeira de meia-idade postada narecepção com os olhos fechados e a mão ao redor de uma caneca de café.

O coração de Hannah bate tão rápido que ela talvez desmaie por causa disso. Ela se sentaereta na cadeira da sala de espera, empoleirada para reagir às notícias a qualquer momento,enquanto o nome de Baker circula em sua cabeça repetidamente.

Ela se levanta e caminha pelo saguão por alguns minutos. A enfermeira da recepção abre umolho turvo para observá-la.

— Vai ficar tudo bem, querida, — ela diz.— Não sei se ficará, — diz Hannah. Quando ela ouve como sua voz soa, para de andar e

encara a enfermeira. — Não é assim que eu costumo soar, — ela diz estupidamente.As bochechas da enfermeira se movem com uma risada cansada.— Eu não acho que ninguém soa igual quando está esperando aqui. Essa garota é sua

amiga?As lágrimas formigam em seus olhos.— Sim, senhora, — ela responde, com a garganta doendo.

Ela anda por toda a sala de espera, sua mente passando por centenas de imagens, seusmúsculos tentando pular para fora de sua pele. Seus pulmões se contraem cada vez que elarespira. Quando ela olha para seus braços, quase pode ver o sangue correndo em suas veias,varrendo tudo como uma grande inundação.

Ela se assusta quando as portas automáticas se abrem e a Sra. Shackleford entra apressada nasala, vestida com jeans soltos e um suéter muito grande, os olhos vidrados e o rosto pálido.

— Você está bem? — Sra. Shackleford pergunta, correndo até ela. — Hannah, você estásangrando!

Hannah abre a boca para responder, mas as portas do saguão se abrem novamente e a Sra.Hadley entra correndo.

— Ginny! — A Sra. Shackleford chama, mas a Sra. Hadley apenas levanta a mão emresposta e corre em direção à mesa da enfermeira. — Minha filha está aqui, — ela diz, com a vozem pânico, os olhos úmidos, os dedos tremendo ao agarrar o tampo da mesa. — Baker Hadley.Por favor, me diga onde ela está.

— Deixe-me falar com o médico, senhora, — diz a enfermeira.— Eu vou com você.— Senhora, temo que você terá que…Mas a Sra. Hadley passa correndo por ela e passa pelas portas das salas de emergência. A

enfermeira solta um suspiro irritado e a segue em um ritmo muito mais lento. O Sr. Hadley correpara o saguão um momento depois, as chaves do carro tremendo em suas mãos, seu cabeloescuro varrido pelo vento e suas têmporas brilhando de suor.

— Onde? — ele diz abruptamente, olhando para a Sra. Shackleford, e ela simplesmenteaponta para a ala que a Sra. Hadley acabou de entrar, e o Sr. Hadley passa correndo pelasmesmas portas.

Em seguida, os pais de Hannah e Joanie chegam, e a mãe de Hannah a puxa para um abraçoe a segura com força.

— Você cheira a cerveja, — ela diz, seu tom mais uma pergunta preocupada do que umaacusação, e Hannah não pode evitar a forma como sua voz falha quando ela sussurra, sem nemmesmo planejar, que alguém jogou uma em cima dela. Os olhos de sua mãe estão quebradosquando ela se afasta, e Hannah não quer ver isso, não quer se lembrar da vergonha que sentiuquando isso aconteceu, então ela se vira e abraça o pai. Sua mãe não diz mais nada, apenas aceitaa cadeira que a Sra. Shackleford puxa para ela e se senta com a mão apoiada no braço deHannah.

Luke e o Sr. Broussard são os próximos, e Wally e a Sra. Sumner depois deles. A Sra.Shackleford arfa com os rostos machucados de Luke e Wally, com os óculos quebrados deWally, com o sangue em suas camisas de botão.

— Não consigo entender como isso aconteceu, — diz a Sra. Shackleford, sua personalidadenormalmente forte murchando diante deles, e os pais de Broussard e Sumner e Hannah engoleme balançam a cabeça, sem saber o que dizer.

E então, o Padre Simon passa pelas portas da sala de espera, sua cabeça calva brilhando desuor. Ele toca seus ombros paternalmente e pergunta o que aconteceu. Ninguém responde a ele.Finalmente, a Sra. Shackleford esfrega a ponta do nariz e começa a contar tudo o que a políciadisse a ela por telefone. Os olhos do Padre Simon se arregalam em choque, e ele olha para eles emurmura seus nomes – "Luke" – "Joanie" – "Wally" – "Hannah" – como se ele não quisesseacreditar que eles podiam ter decaído tanto

— E eu pensei que já tínhamos chegado ao cerne da nossa luta, — ele diz, batendo as mãoscruzadas na testa. Seu rosto está sério quando ele o levanta para se dirigir a eles. — Esta não é avida que eu quero para vocês.

— Mas não entendo como tudo isso começou — diz a Sra. Sumner desesperadamente. —Por que vocês estavam brigando?

O coração de Hannah bate tão rápido que ela não consegue respirar. Ela mantém a cabeçabaixa, esperando que alguém explique, esperando que tudo volte para ela. Mas ninguém fala. Osilêncio entre todos eles é mais pesado do que Hannah jamais conheceu. Até…

— Um de nossos alunos está lutando contra a atração pelo mesmo sexo, — diz Padre Simon,e o estômago de Hannah se abre. Ela sente a mão de sua mãe apertar seu braço e a postura deJoanie endurecer ao lado dela.

— E estou supondo, por tudo que ouvi agora, que houve um conflito sobre esta questão, —continua Padre Simon, com a voz desesperançada, — e nosso corpo discente recorreu à violênciaem vez de à compaixão.

— Mas e quanto a Baker? — Sra. Sumner diz. — O que ela tem a ver com isso? — Sua vozcai de repente, e ela olha de volta para Padre Simon. — Ela era a aluna? Aquela que… ?

— Não, — Hannah diz com firmeza. Ela levanta os olhos para encontrar os da mãe deWally. — Sou eu, Sra. Sumner.

— Ah, Hannah…— E não há nada de errado com isso, — diz a mãe de Hannah em voz alta. — E no que me

diz respeito, Sra. Shackleford, todas as crianças que estavam intimidando Hannah deveriam serexpulsas!

— Nós vamos cuidar disso, eu prometo a você, Anne, — diz a Sra. Shackleford. — Masprimeiro quero ter certeza de que todos estão bem. Especialmente Baker.

— Vimos muitos quebrantamentos nesse último mês, — o Padre Simon diz. — Toda a nossacomunidade precisa trabalhar em conjunto. — Ele faz uma pausa. — Acho que o sacramento daReconciliação seria um bom lugar para começar. Algum de vocês gostaria de se confessar agora,enquanto estamos esperando?

Ninguém responde ele.— Hannah? — ele instiga. — Talvez possamos começar com você?— Não, — diz Hannah.O padre Simon lambe os lábios.— Hannah … — ele diz pacientemente. — Este quebrantamento vai continuar até que você

faça as pazes com ...— Eu não vou me confessar! — Hannah grita com ele. — Não vou a lugar nenhum! Vou

ficar aqui até que Baker saia por aquelas portas!— Você está cega, — diz o padre Simon. — Você está cega pelo pecado e teimosia e seu

ressentimento por nossa fé…— Eu não estou cega! — Hannah grita. — Estou vendo claramente pela primeira vez na

minha vida!— Então você está perdida! — O Padre Simon ruge, seu rosto inteiro ficando roxo, o

pescoço esticado contra o colarinho clerical. — Você está perdida e precisa do poder salvadorde… !

— Pare com isso! — uma nova voz diz.O coração de Hannah dispara quando ela percebe que seu pai está falando. Ele pula da

cadeira e se posiciona na frente de Hannah, bloqueando o padre Simon de sua visão.— Como é? — O Padre Simon gagueja.— Pare com isso, cara! — O pai de Hannah repete, a voz trêmula. Ele respira com

dificuldade, suas costas se movem para cima e para baixo, e quando fala novamente, sua voz estámais controlada. — Eu respeito sua vocação, — ele diz, — mas não vou deixar você falar comminha filha assim ...

— Eu sou um pai da igreja…— E eu sou o pai de Hannah e estou dizendo para você ir embora. Vá embora antes que você

machuque essas crianças mais do que você já fez.Há uma longa pausa de silêncio, seguida pelo som do Padre Simon sugando o ar sobre os

dentes.— Tudo bem, — ele diz.Hannah se afasta de seu pai para vê-lo sair. Ele olha para trás, para o grupo deles, quando

chega às portas, e há uma veia latejando em sua têmpora vermelha.— Estarei orando por todos vocês, — ele diz, engolindo em seco. Então as portas

automáticas se abrem e ele sai noite adentro.— Pai… — Hannah diz. — Você não precisava ...— Não, Hannah, eu precisava, — seu pai diz, respirando pesadamente, sua voz tremendo.

— Ódio assim, quando está disfarçado de amor, ou retidão ou piedade, não vou sujeitá-la a umódio assim. Não vou deixar isso acontecer, querida.

Hannah o abraça com força. Ela pressiona o rosto contra o moletom dele e respira operfume. Tem o cheiro da loção pós-barba e do cedro em seu escritório, do sabão em pó de suamãe e das velas que Joanie gosta de queimar por toda a casa. Ela se perde no cheiro do moletomdele e não pensa em mais nada.

Pouco mais de uma hora depois, Clay entra na sala de espera, acompanhado por seus pais decada lado. Seus olhos ainda estão turvos de álcool e lágrimas, e seu nariz e olho esquerdoincharam por causa da briga.

Dr. Landry puxa uma cadeira para sua esposa e, em seguida, ordena que Clay se sente emoutra.

— Nem uma palavra — Dr. Landry diz para Clay, sua voz mortal. — Sente-se em silêncio enão se mova.

Hannah e suas amigas viram o rosto enquanto novas lágrimas enchem os olhos de Clay. Osadultos — Sr. Broussard, Sra. Sumner, Sra. Shackleford, os Landry, e os pais de Hannah e Joanie— começam a falar sobre os danos da festa, com o Dr. Landry compartilhando todos os detalhesde sua conversa com o departamento de polícia.

— Vim de carro de Nova Orleans só para ouvir que é a maior festa que eles tiveram deencerrar em uma década. E agora esse aqui, — ele aponta o polegar para Clay, — pode nemmesmo ser elegível para entrar na LSU. Temos sorte de eles não terem revogado sua aceitaçãoainda. — Dr. Landry aperta as mãos sobre os joelhos e Clay abaixa a cabeça ao lado dele.

A Sra. Landry olha para a frente, com os olhos vidrados. Quando ela fala, parece que estásaindo de um transe.

— Nunca deveríamos ter comprado aquela casa — ela diz, com a voz sem vida. — Nuncadeveríamos ter arriscado aquela colina.

Dr. Landry não diz nada; nenhum dos outros adultos fala também.Hannah se levanta onde está sentada entre seus pais. Ela se vira para Joanie, depois para

Wally, depois para Luke e, por fim, para Clay.— Venham comigo — ela diz.— Onde estamos indo? — Joanie diz.— Para uma caminhada. — Ela se vira para os pais. — Não iremos longe. Eu só pensei que

vocês gostariam de um pouco de privacidade.Joanie, Wally e Luke se levantam para segui-la. O Dr. Landry acena com a cabeça para

Clay, que se levanta pesadamente da cadeira, ainda com a cabeça baixa.Hannah os conduz por um novo corredor — longe das portas duplas que levam à ala de

emergência — e para o silêncio profundo do hospital.— Onde estamos indo? — Joanie pergunta novamente, mas Hannah a silencia e examina um

dos mapas do hospital.Eles alcançam seu destino alguns minutos depois. Hannah abre a porta e abre o caminho

para dentro, sem dizer nada. Os outros seguem atrás dela sem questionar.Ela escolhe uma fileira de cadeiras no fundo. Ela entra primeiro e se ajoelha com as mãos

cruzadas na cadeira à sua frente. Joanie a segue, depois Wally, Luke e Clay.Eles se ajoelham em silêncio. Clay e Wally estão pendurados nas cadeiras à sua frente, as

cabeças inclinadas. Luke se ajoelha com os ombros eretos, seu rosto contorcido como se eleestivesse se esforçando para entender algo. Joanie, ajoelhada ao lado de Hannah, fecha os olhos emove a boca em torno de palavras silenciosas.

Hannah olha para a pele de suas mãos dobradas até que a visão começa a se confundir emmeio às lágrimas.

Por favor, ajude ela. Por favor, cuide dela. Por favor, cuide de todos nós.

Clay se levanta no final da fileira. Hannah abre a boca para protestar, para dizer a ele parasentar-se novamente com eles e orar, mas as palavras morrem em sua garganta quando ela vê oque ele está fazendo. Andou até a frente da sala para acender uma vela. Ela se acende com umapequena chama amarela, atraindo seus olhos para a luz.

Clay se senta novamente e pega a mão de Luke. Luke pega a mão de Wally e Wally pega amão de Joanie. E Hannah, ao ver o que eles estão fazendo, pega a mão de Joanie antes que elapossa pegar a sua.

No silêncio ansioso de uma capela de hospital, com uma pequena vela para iluminar aescuridão, cinco adolescentes se dão as mãos e oram.

Eles voltam para a sala de espera um pouco depois. Os adultos silenciosos e sonolentoserguem os olhos quando chegam ao círculo de cadeiras.

— Nada? — Hannah pergunta, mas sua mãe balança a cabeça negativamente.Hannah e seus amigos afundam nas cadeiras vazias, e seu grupo de 12 se senta em um

círculo, como se estivessem reunidos à mesa, esperando por notícias.O coração de Hannah para quando a Sra. Hadley volta para a sala de espera. Todos olham

para ela. A Sra. Hadley enxuga os olhos com a mão trêmula e solta o ar.— Ela vai ficar bem.É a sensação de alívio mais forte que Hannah já experimentou. Seu coração para de bater

imediatamente e todo o seu corpo parece esfriar enquanto desce de sua descarga de adrenalina.Ela abaixa o rosto entre as mãos e a única coisa que consegue pensar é: Obrigada. Obrigada.

— Ela acabou de recuperar a consciência — diz a Sra. Hadley, com a voz cansada. — Elatem uma costela quebrada e alguns hematomas. Eles tiveram que costurar alguns cortes em seucouro cabeludo. Mas o médico disse que poderia ter sido muito pior. Ela está bem, graças aDeus.

Hannah adora o suspiro coletivo que percorre o círculo de cadeiras, adora o modo comoClay se recosta na parede e ri de alívio, adora o modo como a Sra. Shackleford fecha os olhos esorri na ponta dos dedos.

— Jack está sentado com ela agora — continua a Sra. Hadley. — Ela precisa descansar. Elesnão vão liberá-la até amanhã, no mínimo. Vocês todos não precisam ficar.

— Vamos trazer o jantar amanhã à noite — diz a mãe de Hannah.— Vou trazê-lo no domingo à noite — diz Sumner.— Obrigada — diz a Sra. Hadley. Então ela aperta os lábios e pisca muito rápido para o

chão, como se estivesse se preparando para alguma coisa. — Hannah — ela diz.Hannah olha para cima, seu coração batendo rápido novamente.— Ela está pedindo por você — diz a Sra. Hadley. Ela engole; seus lábios pressionam em

uma linha tensa. — Você pode vir vê-la?

O resto do círculo olha para Hannah. Hannah olha além de todos eles, seus olhos na Sra.Hadley. Ela se levanta e a segue pelas portas duplas.

— Hannah … — Sra. Hadley diz quando elas estão do outro lado das portas.Hannah espera.— Não sei tudo o que aconteceu esta noite — disse a Sra. Hadley. — Não sei o que está

acontecendo entre você e Baker. — Ela engole e fecha os olhos por um segundo prolongado. Seuqueixo treme enquanto ela respira pelo nariz. — Mas eu tenho um pressentimento.

Hannah sente o sangue correr para seu rosto.— Isso é difícil para mim — diz a Sra. Hadley. — Isso não é o que eu… — Ela se

interrompe, engolindo em seco novamente. Ela torce as mãos, seu lindo anel de diamanterefletindo a luz. — Eu amo minha filha, Hannah. Acima de tudo, eu a amo.

Hannah acena com a cabeça rapidamente.— Sim, senhora — ela diz, com a voz baixa. — Eu sei que você ama.A Sra. Hadley tira um lenço de papel da bolsa e enxuga os olhos. Ela pisca os cílios em

direção ao teto, tentando evitar as lágrimas.— Seja paciente comigo, Hannah — ela diz, com a voz grossa. — Ajude Baker a ser

paciente comigo também.— Sim, senhora — diz Hannah, com o coração acelerado. — Eu vou.Sra. Hadley fecha os olhos e assente para si mesma. Quando abre os olhos, ela dá uma risada

curta e rápida, quase envergonhada.— Eu sou uma mulher boba — ela diz, balançando a cabeça.— Não, você não é.— Eu sou, querida, mas tudo bem. — Ela fixa um sorriso no rosto. — Vamos ver Baker

agora, hein?

É engraçado como Hannah não consegue pensar em nada para dizer a ela. Engraçado,porque tudo o que ela fez nas últimas semanas foi pensar em tudo que ela quer dizer, tudo queela quer confessar e professar. Agora ela está neste quarto de hospital e pisca para Baker emmeio às lágrimas, mas o inchaço de seu coração parece ter afastado as palavras.

— Nós vamos lhe dar um pouco de privacidade — diz a Sra. Hadley, seu tom delineado poruma suavidade que Hannah nunca tinha ouvido antes. Ela dá um tapinha no braço do Sr. Hadleye os dois saem da sala.

Hannah encara Baker, imaginando como começar. Baker olha para ela, seus olhos escuros efamiliares.

— Quão ruim está? — Baker pergunta, sua voz rouca. — Eu ainda pareço uma rainha dobaile?

Hannah ri em meio às lágrimas. Ela pode sentir o coração na garganta.— Não está tão ruim.O lábio inferior de Baker, rachado e vermelho brilhante, se levanta em um sorriso.— Mentirosa.— Parece que você está com dor.— Eu estou — diz Baker. — Mas não por causa da queda.— Você não deveria ter feito aquilo.— Eu deveria ter feito aquilo há muito tempo. — Elas se olham, e o contato visual é tão

poderoso que Hannah pode desmaiar. Ela se aproxima, esperando que Baker desvie o olhar aqualquer segundo, mas Baker nunca o faz. Hannah chega mais perto até estar bem ao seu lado,perto o suficiente para tocá-la.

Baker engole em seco. Ela continua olhando para Hannah, mas as lágrimas começam abrotar em seus olhos. Hannah a observa tentando afastá-las.

— Han… — ela diz, seu peito latejando.— Não chore, Bake. Por favor, não chore.— Eu não vou. Estou apenas, estou apenas respirando — ela suspira.Hannah toca sua bochecha.— Não chore.Baker vira sua cabeça para que Hannah toque mais em sua bochecha. Ela fecha os olhos e

Hannah observa sua luta para conter os soluços. As lágrimas escorrem por baixo de suaspálpebras e caem na mão de Hannah.

— Baker — diz Hannah, sua voz ficando presa no nome.— Sinto muito — diz Baker.— Shh, está tudo bem. Tudo bem.— Eu sinto muito — Baker suspira, abrindo os olhos novamente para olhar para Hannah.

Suas lágrimas caem livremente. — Sinto muito, Han, sinto muito. Eu estava tão errada, fui tãohorrível com você, com você

— Você estava com medo, eu sei que você estava com medo…— Não importa — Baker diz apressadamente, sua voz atingindo um tom agudo.— Baker — Hannah implora, lágrimas insistentes escorrendo pelo seu próprio rosto, —

Baker, por favor, não chore. Por favor, não. Você vai se machucar mais. Você quebrou suacostela. Por favor.

Baker engasga e suspira, e Hannah tenta em vão firmar seus ombros trêmulos. Ela inclina acabeça perto da de Baker, para que ela não saiba de quem são as lágrimas que estão deixando seucabelo molhado.

— Eu machuquei você — Baker chora. — Eu magoei a única pessoa que amo mais do que

qualquer outra pessoa no mundo.O inchaço na garganta de Hannah ameaça explodir. Seus seios da face pinicam; seu corpo

dispara com uma sensação incontrolável.— Eu machuquei você, Han. Eu machuquei você — diz Baker, seu corpo em convulsão.Os soluços explodem da garganta de Hannah.— Sim — ela chora, engasgando com a palavra, odiando que ela precise libertá-la. — Sim,

você fez. Você me machucou. Você realmente me machucou.O rosto de Baker se contorce de angústia. Seu queixo treme; sua boca engasga com

respirações trêmulas. Seus olhos sangram de agonia.— Eu estou tão… — ela arfa. — Estou tão…— Mas Baker — diz Hannah, levando a mão às lágrimas, — você também me salvou.O rosto de Baker estremece novamente. Ela solta mais soluços, colocando a mão sobre as

costelas.— Você me salvou também — ela chora.Demora longos minutos para que os soluços de Baker diminuam. Hannah a abraça o tempo

todo, chorando junto com ela.E então tudo fica calmo. Seus soluços se suavizam em respirações normais. Hannah tenta

inalar através do bloqueio em seu nariz e ouve Baker fazer a mesma coisa.— Você está bem? — Hannah pergunta.— Sim — Baker respira, sua voz úmida e nasal.— Deixe-me pegar alguns lenços.Ela traz uma lata de lixo também, e as duas se sentam na cama, Baker sob os cobertores e

Hannah ao lado de seus pés, ambas assoando o nariz e enxugando os olhos, até que, depois decada uma ter passado por cinco lenços, as duas começam a rir.

— Agora você não parece uma rainha do baile — diz Hannah.Baker sorri como se Hannah fosse a melhor pessoa do mundo.— O que fazemos agora? — Hannah pergunta.Baker dirige seus olhos vermelhos e inchados para o cobertor do hospital. Sua sobrancelha

esquerda franze para baixo e Hannah sabe que ela está pensando.— Precisamos de um tempo — ela diz.— Tempo?Baker mexe em um nó do cobertor. Sua sobrancelha ainda está franzida em pensamento.— Há muito que preciso pensar. Muito eu preciso descobrir sobre mim.O coração de Hannah afunda.— Eu pensei… eu pensei que tudo o que aconteceu…Baker puxa os dedos de Hannah em sua mão.

— Não estou tentando fugir de novo — ela diz, sem piscar os olhos. — Eu não estoutentando me esconder. Estou tentando ter certeza de que estou pronta. Completamente pronta.Que não estou mais com medo. Se vou estar com você, quero fazer direito.

Hannah baixa os olhos para seus dedos entrelaçados. Ela pensa em sua vergonha, em suaraiva, em suas amizades rompidas.

— Provavelmente também preciso desse tempo — ela diz.Elas descansam em silêncio por um tempo, apenas olhando uma para a outra. E então

Hannah sabe que é hora de ela ir.Ela beija a testa de Baker com um beijo demorado e terno. Baker fecha os olhos e seu rosto

assume uma expressão de paz.— Não demore muito — diz Hannah.Baker beija as costas da mão de Hannah.— Eu não vou — ela promete.Os pais de Hannah mandam Joanie para a cama quando entram em sua casa silenciosa e sem

iluminação.— Precisamos falar com Hannah a sós — diz a mãe de Hannah.Joanie sobe as escadas sem dizer uma palavra.— Hannah — diz sua mãe, reunindo-a em seus braços, — Hannah, minha doce menina…As lágrimas de Hannah vêm por completo novamente. Correm de seu interior com uma

força inesperada, fluindo de seus olhos e boca antes que ela possa detê-las. Seu pai envolve seusbraços em volta dela também, e ela fecha os olhos e se aninha ainda mais no abraço de seus pais.

— Sentimos muito — sussurra sua mãe.— Nós somos — seu pai diz.— Sinto muito — diz Hannah. — Sinto muito por colocar você nisso, sinto muito por não

ter contado a você, sinto muito por ser do jeito que sou…— Não diga isso — diz sua mãe, afastando-se dela e sacudindo seus ombros.— Nunca diga isso — diz o pai dela, com lágrimas escorrendo de seus olhos.Sua mãe a encara de frente e sua expressão é resoluta.— Deus sabia exatamente o que estava fazendo quando te criou, Hannah.Hannah soluça no ombro de sua mãe, e seu pai aperta os braços em volta dela novamente, e

enquanto ela inspira profundamente, engolindo em seco, ela deseja desesperadamente ter amesma convicção.

Ela não consegue adormecer. Ela se vira para um lado e para o outro sob os lençóis, suamente zumbindo de agitação, até que ela finalmente sai da cama com um desejo de estar emoutro lugar. Ela se veste na escuridão do início da manhã, puxando um velho pulôver da St.Mary's pela cabeça.

E assim que o sol está nascendo, enquanto todo o mundo ao seu redor ainda dorme nasprimeiras horas da manhã, ela dirige para a capela de St. Mary. O ar já está pesado de calor. Ospássaros já estão cantando.

Ela encontra uma única porta destrancada na parte de trás da capela. O ar lá dentro estáabafado como sempre é nas igrejas: cheira a incenso, perfume de idosa e livros há muitoesquecidos.

Ela caminha atrás de meia dúzia de bancos, passando a mão pela superfície lisa de madeiraonde os fiéis descansam as costas. A capela está escura, mas o sol da manhã traz um brilho fracoaos vitrais que decoram as paredes.

Ela escolhe um banco perto dos fundos. Ela se ajoelha no chão da mesma forma que fez nacapela do hospital. Palavras, idéias e perguntas lutam entre si nos recessos mais profundos de suamente.

E então ela sussurra uma palavra sem querer.— Gay.Ela abre os olhos surpresa. Ela prova o eco da palavra na língua, levanta a cabeça para as

estátuas de Maria e José para ver se ouviram. Eles a encaram serenamente.— Gay — ela diz novamente, mais alto desta vez.A estátua em tamanho natural de Maria Madalena, a que fica no canto da capela, brilha com

o sol da manhã.— Gay — diz Hannah, sua voz no volume normal agora. — Gay.A capela fica em silêncio. As estátuas não a repreendem. Ela levanta os olhos para o

Crucifixo que está pendurado acima do altar e o encara suplicante.— Gay — ela diz, com a voz crescendo na garganta. — Gay! Eu sou gay!O Jesus no crucifixo permanece imóvel. Seu rosto continua angustiado.— Está me ouvindo?! — Hannah diz, gritando agora. — Eu sou gay! Eu sou gay!Uma porta se fecha atrás dela, e Hannah gira em seu banco, apavorada.A Srta. Carpenter está congelada logo depois da porta da capela, suas sobrancelhas

levantadas em surpresa. Ela solta a mão da porta e a sugestão de um sorriso aparece em seurosto.

— Oi, Hannah — ela diz.Hannah agarra o topo de seu banco, seus músculos rígidos de espanto.— Oi — ela diz. — O que você está fazendo aqui?— Estou aqui para orar. Normalmente não há mais ninguém aqui tão cedo. — Ela entra no

coração da capela e examina Hannah. — Você está bem?— Sim — Hannah diz, balançando a cabeça rapidamente.A Srta. Carpenter sorri de uma forma que significa que não acredita nela. Ela faz uma

genuflexão no chão de pedra e desliza para o banco atrás de Hannah. Hannah fica sem fôlego,ainda atordoada com a visão de sua professora.

— Todo mundo sentiu sua falta depois que você foi embora — Hannah diz, as palavrassaindo cambaleantes de sua boca.

A Srta. Carpenter sorri com tristeza.— Eu senti falta de todos vocês também. Foi muito difícil sair.— Lamento ter perdido seu emprego.— Você não me fez perder o emprego.— Mas se ... se não fosse por aquele e-mail, eles não teriam sido capazes de te despedir.— Eles teriam encontrado uma maneira mais cedo ou mais tarde. Eu soube assim que li o e-

mail que algo assim provavelmente aconteceria, mas o que havia para fazer? Não há nenhumamaneira no mundo que eu não poderia ter respondido aquele e-mail. Ou que eu não poderia terfeito algo durante a homilia do padre Simon naquele dia.

— Mas você adorava aqui.— Eu adorava — diz a Srta. Carpenter, balançando a cabeça. Ela limpa a garganta. — Mas

eu vou adorar outro lugar também. E isso não é sobre mim. Trata-se de algo muito maior. Vocêsabe o que eu quero dizer?

— Sim.— Como vão as coisas com você, Hannah?Hannah desvia os olhos. Ela se prepara para dizer a Srta. Carpenter que as coisas estão bem,

que ela está se dando bem, mas uma resposta diferente sai em seu lugar.— As coisas têm estado muito ruins — ela diz. As palavras têm um gosto honesto, mas ela

fica surpresa ao descobrir que não há nada de assustador nelas.A Srta. Carpenter a encara intensamente.— Foi isso que ouvi. A Sra. Shackleford me ligou.— Ela ligou para você?— Tarde da noite passada, quando ela estava a caminho do hospital.— Por que você não veio?— Você estava em boas mãos e eu não queria piorar a situação. Achei que deveria vir aqui

em vez disso.— Você veio orar por nós?— Estou sempre orando por todos vocês. — Ela faz uma pausa. — Hannah. Você está bem?A garganta de Hannah começa a inchar, mas ela respira fundo e convida a calma da capela

para lavá-la. A Srta. Carpenter espera pacientemente, e quando Hannah se vira no banco paraencará-la, ela encontra uma expressão de compaixão no rosto de sua professora.

— Posso te contar a história? — Hannah pergunta.

— É claro — diz Carpenter, mais fôlego do que voz.Hannah conta a história ao acaso, colocando entre parênteses seus sentimentos e falando

rapidamente através das partes em que Michele bateu nela e jogou a cerveja. O tempo todo, elasente suas emoções crescendo em seu peito, permanecendo com ela até que alcance a parte ondeBaker se juntou a ela na beira do quintal. Então suas palavras começam a parecer insuficientes eela gostaria que houvesse uma maneira de colorir os sentimentos dentro dela, delineando-os paraque fossem mais fáceis de ver, destacando detalhes como os olhos assustados de Baker e atextura da terra sob suas mãos enquanto ela rastejou até ela.

A expressão da Srta. Carpenter não muda o tempo todo. Ela se senta absolutamente imóvel,com as sobrancelhas abaixadas e as mãos cruzadas no colo. Quando Hannah termina de falar, aSrta. Carpenter inclina a cabeça e fecha os olhos por um longo momento.

— Srta. Carpenter?Os ombros da Srta. Carpenter se erguem com um suspiro. Atrás dela, a luz do sol fica mais

forte nas janelas.— A dor desnecessária de tudo isso — ela diz finalmente. — Isso me mata.Hannah espera que ela elabore. Ela não o faz.— Tenho me perguntado — diz Hannah, — se a dor… se a dor é necessária.A Srta. Carpenter pisca como se estivesse saindo de um devaneio.— Hm?— Eu apenas… eu continuo voltando a esta mesma questão, apenas continuo me

preocupando… e se eu estiver errada? E se houver algo errado comigo? Quer dizer, olhe tudo oque aconteceu. Veja o que aconteceu com você. Veja - veja o que aconteceu com Baker.

— A dor nem sempre é um reflexo do que é certo ou errado, Hannah.— Mas se as coisas fossem diferentes, se eu fosse hétero, então não haveria nada dessa dor.

Você ficaria bem, Baker ficaria bem, eu ficaria bem. Srta. Carpenter, eu simplesmente sinto…me sinto tão perdida. Eu não posso mais dizer o que é certo ou errado. Eu não consigo descobrira verdade. Queria tanto poder encontrar Jesus, ou Deus, ou o que quer que fosse, só queria poderencontrá-lo no parque ou algo assim, sentar com ele na grama e perguntar o que devo fazer. Oupor que tudo isso aconteceu. Eu gostaria de poder olhar em seu rosto e dizer: “Por que tenhoesses sentimentos em meu coração? Eles são ruins? Por que todo mundo diz que eles são ruins?E se eles são ruins, por que você me fez assim?”

A Srta. Carpenter engole. Ela limpa a garganta.— E o que você acha que ele diria?— Não sei — diz Hannah. Ela pode sentir os sinais indicadores de que está prestes a chorar.

— Tudo o que o padre Simon disse na missa, tudo o que as pessoas dizem sobre Adão e Eva e oque Deus pretendia para nossos relacionamentos, como posso saber em que acreditar?

Ela respira ruidosamente, mas não é o suficiente para impedi-la de chorar. A Srta. Carpentertraz para ela uma caixa de lenços de papel da parte de trás da capela, e Hannah enxuga os olhos eo nariz até conseguir respirar.

— Sinto muito, — ela diz sem jeito.— Não sinta — diz Carpenter, pegando a caixa dela, fungando e usando um lenço de papel

para ela. — Alguém precisa usar esses lenços velhos.Hannah ri com gratidão.— Hannah — diz Carpenter, olhando-a com curiosidade, — por que você assumiu a culpa

por aquele e-mail?Hannah amassa um lenço de papel entre os dedos.— Porque eu escrevi.— Nós duas sabemos que isso não é verdade.Uma batida de silêncio passa e Hannah desvia o olhar.— Eu estava tentando… proteger…— Proteger Baker?— Eu… bem…— Está tudo bem — diz a Srta. Carpenter gentilmente. — Eu sei que ela escreveu. Ela veio

e falou comigo sobre ele, como tenho certeza de que você sem dúvida ouviu falar de Michele.— O que você disse a ela?O rosto da Srta. Carpenter se levanta com um pequeno sorriso.— Isso fica entre nós. Tenho certeza de que Baker lhe contará quando ela estiver pronta.

Mas você queria protegê-la? Por que?— Porque, bem, porque eu não queria que ela se machucasse. Porque eu conseguia ver o

quão assustada ela estava.>— E você não estava assustada?— Não, eu estava, mas não estava realmente pensando nisso. Tudo o que eu conseguia

pensar era nela.— Por que?— Porque — Hannah diz, seu coração batendo forte com a resposta, — Eu a amo.A luz do sol ilumina o sorriso no rosto da Srta. Carpenter.— É incrível, — ela diz, dobrando o lenço de papel na palma da mão, — as coisas que

faremos quando amamos outra pessoa.Hannah engole.— Mas ainda não sei se esse amor é bom ou ruim.A Srta. Carpenter vira a cabeça e aperta os olhos para o altar. Suas sobrancelhas escuras e

pontiagudas se unem do jeito que fazem quando ela está desenterrando o coração de um

romance.— Você mencionou Adão e Eva — ela diz, seus olhos se estreitando mais e mais. — O que

é muito perfeito para esta conversa, uma vez que eles representam o amor e o pecado.Hannah segue a linha de visão da Srta. Carpenter em direção ao altar, mas ela descobre que

não consegue olhar fixamente para ele.— E como eu… como faço para saber qual estou favorecendo?— Ah, acho que estamos sempre favorecendo os dois — Srta. Carpenter diz facilmente. —

Isso é o que nos torna humanos, certo? Agora veja, não sou um criacionista, Hannah. Nãoacredito que a história de Gênesis deva ser considerada literalmente. Acho que a humanidade, nomomento, acho que estamos nos prendendo na história de Adão e Eva. Que estamos ficandomuito presos nas especificidades e esquecendo o significado maior da história.

— Qual é o significado mais amplo?— Bem, diga-me você. O que você acha?— Não sei. Eu penso nessa história na minha cabeça e, tudo que vejo é um homem e uma

mulher e nenhuma maneira de reconciliar quem eu sou com quem eles eram.A Srta. Carpenter enruga o rosto de tristeza.— Você sabe o que eu penso?— O que?— Acho que o mais importante é que Deus não queria que Adão ficasse sozinho. Deus

queria que Adão pudesse amar alguém. Para ter um relacionamento que reflete o próprio amor deDeus. E então ele fez Eva para que Adão pudesse amá-la. Para que Adam pudesse ser totalmentehumano. E quando ele fez Eva, ele deu a ela a capacidade milagrosa de amar Adão de volta.Você já pensou em como isso é louco? Nossa capacidade milagrosa de amar? Não sabemos porque, não sabemos como, mas nossos corações e almas são atraídos pelos outros. Não fomosfeitos para ficar sozinhos. Nós somos feitos para amar. E quando amamos, automaticamenteconhecemos a Deus sem nem mesmo tentar, porque Deus é amor. Se amamos como ele nos fezamar, se amamos com nossos corações em vez de nossos critérios - então simplesmente somosamor.

Hannah exala.— Então, você está dizendo que está tudo bem eu amar Baker?— Essa tem que ser sua decisão. Eu não posso sentar aqui e fingir que conheço os mistérios

do seu coração. Isso é entre você e Deus. Se você a ama e conhece o amor de Deus por amá-la,então cabe a você decidir se vale a pena buscar esse amor.

— Okay.

— Mas Hannah — diz Carpenter, hesitante, — posso dizer que acredito que a misteriosacapacidade do coração humano de amar os outros nunca está errada. Seu coração nunca vai pedirsua permissão para amar. Vai amar quem quer que seja feito para amar, e a melhor coisa quevocê pode fazer é segui-lo.

— É simplesmente… é assustador quando outras pessoas não entendem isso.— Sim — diz a Srta. Carpenter, balançando a cabeça com olhos tristes.— Tentei fingir que não me importava — diz Hannah. — Como se eu não tivesse medo de

quebrar as regras. Mas, no fundo ... estou com muito medo.— Você tem sido muito corajosa até agora.— Não.— Você tem. Não só com outras pessoas, mas com você mesma. É preciso muita bravura

para reconhecer quem você é.— Não foi tanto bravura quanto uma inevitabilidade.— Não há nada de inevitável nisso, Hannah. Algumas pessoas passam vidas inteiras sem

enfrentar a verdade sobre quem realmente são.— Mas ainda estou trabalhando nisso — diz Hannah. — Eu acho que Baker também. Acho

que ambas temos vergonha de nossos sentimentos. — Ela engole. — É difícil amar alguémquando amá-la faz você se sentir envergonhada de si mesmo.

A Srta. Carpenter abaixa a cabeça. Hannah solta um suspiro trêmulo e torce os cantos de seulenço. Quando ela olha para cima, a Srta. Carpenter está olhando para o altar novamente.

— Sobre o que você está pensando? — Hannah pergunta.A Srta. Carpenter encontra os olhos dela.— Vergonha — ela diz.Hannah acena com a cabeça.— É uma merda.— Você se lembra de tudo da história da Queda? — Srta. Carpenter pergunta. — Não

apenas a parte sobre colher o fruto da árvore, ou sobre Adão e Eva compartilhando o fruto. Vocêse lembra do que aconteceu depois?

— Deus ficou zangado com eles.— Não, antes disso. Logo depois que seus olhos foram abertos.Seus olhos foram abertos e eles viram que estavam nus ...— Eles se cobriram — diz Hannah.— Exatamente — diz Carpenter. — Eles tinham vergonha. É a segunda parte do pecado.— A vergonha deles? Mas… eles deveriam ter se sentido envergonhados. Eles

desobedeceram a Deus.— Claro, mas pense nisso em um contexto mais amplo. O que isso significa sobre a

humanidade?Hannah coloca as mãos no colo, olhando fixamente para as marcas de seus dedos.— Que nos envergonhamos? Que nos escondemos de Deus?— Certo. Às vezes acho que Deus reagiu daquela maneira porque estava tão, tão angustiado

que Adão e Eva odiavam algo sobre si mesmos. Eles não perceberam o quão bonitos eram noJardim. Eles não perceberam o quão perfeitos eram em seu amor. Quando seus olhos foramabertos, quando viram que estavam nus, sentiram como se tivessem que se cobrir. Pensaram queo que Deus havia feito era vergonhoso, embaraçoso e errado. Você pode imaginar como isso fezDeus se sentir? Como seu coração deve ter doído ao vê-los negando sua beleza, sua humanidade,na frente dele assim? É a parte mais comovente da história.

— Eu sou como eles — Hannah diz a ela. — Estou me escondendo de Deus porque tenhovergonha de como ele me criou. Eu o odeio pelo jeito que me criou.

— Hannah — diz a Srta. Carpenter suavemente. — Acho que todos nós nos escondemos deDeus às vezes. Todos nós temos coisas das quais nos envergonhamos. O essencial é que vocêtrabalhe nisso.

— Como vou fazer isso?A Srta. Carpenter vira a cabeça de um lado para o outro, seus olhos vidrados em

pensamentos.— Você se recusa a ser aprisionada por essa vergonha. Você percebe que é boa, você é boa

porque Deus a criou, e você reivindica essa bondade.Hannah muda o corpo para ficar de frente para o altar apenas um pouquinho. A mesa

retangular é coberta com um pano branco, com a luz do sol fluindo em sua superfície. Hannahpermite que seus olhos permaneçam nele até que sua visão se desfaça, e agora o altar branco separece com a cama de uma menina no hospital ou com o túmulo de um homem.

— Hannah … — Srta. Carpenter diz suavemente. — Você sabe o que eu amo na história daQueda?

— O que?— Eu amo como isso combina lindamente com a história de Cristo. Faz um palíndromo

perfeito. É o que torna a Bíblia uma obra literária tão magnífica.Hannah mantém os olhos no altar enquanto escuta.— No final das contas — diz Srta. Carpenter, — a vergonha de Adão e Eva não pode nos

aprisionar. Não importa que eles tiraram o fruto daquela árvore e se vestiram com vestes devergonha, desencadeando aquela longa história de sofrimento humano e enchendo a Bíblia depalavras quebradas, porque depois de tudo o que aconteceu, Cristo, a nova Palavra, se sacrificouna mesma árvore. E depois que ele morreu por nós, depois de nos mostrar seu amor, ele voltou àvida e tirou aquelas vestes de vergonha e morte. A história de Gênesis não pode nos prender

mais. A árvore do pecado se torna a árvore da salvação, aquelas vestes da vergonha se tornam asvestimentas da Ressurreição, e o jardim do qual Eva foi banida se torna o jardim pelo qual MariaMadalena passa quando vai ao túmulo de Cristo no terceiro dia. Esse é o jardim que vocêprocura, Hannah, aquele que leva ao Cristo ressuscitado, que nos salva com seu amor radical eincondicional. O mesmo amor que você tem por Baker, o amor que te levou a carregar a cruz davergonha dela. O mesmo amor que ela tem por você, o amor que a levou a se sacrificar poraquela queda e aquela árvore. No final das contas, o amor vence, Hannah. No final das contas, oamor salva.

Hannah está atordoada. O ar na capela de repente se iluminou com magia.— Uau — ela suspira, seus olhos se enchendo de lágrimas enquanto ela olha para o altar.— Hannah — diz a Srta. Carpenter.— Sim?— Você tem que se perdoar. Você tem que superar essa vergonha nociva e assassina e

começar a amar a si mesma. Ame a si mesma da maneira que Deus te ama. A maneira comoBaker ama você.

— Eu vou — Hannah diz.Ela e a Srta. Carpenter se viram para encarar o altar agora, e a luz do sol cobre tudo na

capela — o altar, o Crucifixo, o próprio corpo de Hannah — em um ouro lindo e promissor.

Capítulo Dezesseis: O Terceiro Dia

Horas depois, Hannah acorda em uma tarde quente e ensolarada. Joanie a leva de carro até aZeeland Street para comer bolinhos de batatas fritas, e depois elas dirigem até a casa de Bakerpara passearem com Charlie para que os Hadley não tenham que deixar o hospital.

Charlie se aproxima de Hannah e lambe seu rosto com alegria desenfreada. Ela ri contra seupelo e murmura em seu ouvido.

— Ela estará em casa logo, — Hannah promete a ele, beijando seu rosto. — Ela estará emcasa e ficará muito animada em ver você.

A mãe de Hannah a ajuda a experimentar seu vestido de formatura naquela tarde.— Parece uma tenda de circo, —diz Joanie, referindo-se à roupa com desgosto. — Como

uma tenda de circo vermelha barata.— Você terá que usar um no próximo ano, — Hannah diz, — e ficará ainda mais feio em

você.Joanie sorri antes de pegar o telefone.— Espere , — ela diz, girando para longe deles, — é o Luke.Ela atende a ligação com as bochechas rosadas e os olhos brilhantes.— Sim, — ela diz ao telefone, tão sem fôlego quanto quando Luke a convidou para sair pela

primeira vez, dois anos atrás. — Sim, adoraria isso.Hannah janta sozinha com seus pais naquela noite, depois que Joanie sai para passear com

Luke. Sua mãe prepara seu jantar favorito — jambalaya — e a surpreende com brownies desobremesa. Eles falam sobre Emory e qual talvez seja o curso de Hannah e quando ela quercomeçar a fazer compras para o seu novo dormitório.

— Hannah, — sua mãe diz hesitantemente quando todos terminam de comer, — essa coisatoda, você e meninas, vai ser muito nova para seu pai e eu. Nem sempre saberemos o quedevemos fazer ou dizer.

— Eu sei — Hannah diz, encontrando os olhos de sua mãe.— Mas queremos que você saiba — sua mãe continua, torcendo as mãos, — que ambos

estamos orando para que você encontre o amor. Com quem quer que seja.O pai de Hannah pega a mão de sua mãe. Ele sorri para ela do seu jeito tranquilo, e um nó se

forma na garganta de Hannah.— Obrigada, — ela diz, olhando fixamente para os dois.— Nós amamos você, — diz seu pai.

— Eu também te amo, — ela diz, e isso nunca foi tão verdadeiro.Na manhã de domingo, Hannah entra em St. Mary's pela última vez. O corredor do último

ano está cheio de vestidos vermelhos coloridos enquanto todos fazem fila para a formatura.Hannah se esgueira pela multidão, sem falar com ninguém, mas também sem abaixar a cabeça.Ela toma seu lugar na fila diretamente atrás do local onde Michele deveria estar.

Seus colegas olham com curiosidade para ela, mas ela olha além deles procurando as únicaspessoas nesta fila com quem realmente se importa. Ela reconhece os cachos bagunçados de Lukena frente da fila; quando se vira para procurar atrás dela, ela encontra a forma alta de Clay e osóculos de Wally. Os dois permanecem quietos, nenhum deles falando, Clay no meio da fila eWally no fundo. Hannah faz contato visual com cada um deles. Clay assente. Wally levanta apalma da mão para dizer olá.

Ela não vê Baker na fila. Não esperava por isso.A marcha da formatura começa a tocar a partir do ginásio e os alunos do último ano da fila

se mexem de empolgação. Em seguida, estão caminhando para frente, cada um processando emdireção ao final de sua história do ensino médio, e então as portas do ginásio se abrem e Hannahabre a mão direita para o ar ao seu lado, desejando que Baker estivesse ao lado dela.

Muito depois que a formatura acabou — muito depois que as câmeras pararam de clicar,depois que Joanie parou de zombar de seu vestido vermelho, depois que seu diploma de St. Maryfoi amassado sob uma pilha de livros — Hannah está nua na frente do espelho do banheiro e olhapara ela mesma — realmente se olha — pela primeira vez em meses.

Seu cabelo loiro acinzentado, com as pontas duplas fazendo cócegas na metade das costas.Ela terá que cortar o cabelo antes de Emory. Seus olhos azul-acinzentados, sempre estreitos empensamento, protegidos por cílios quebradiços. Seus lábios pequenos e finos em uma boca quecome, bebe, fala e reza. Há muito mais para ela provar nesta vida.

A pele de seu corpo. Pele que reteve e deu, pele que absorveu álcool jogada em violência elágrimas choradas em redenção. Pele fria. Pele quente. Pele vestida. Pele nua.

E este pescoço — este pescoço que se inclinou para frente para que ela pudesse orar em umacadeira, que se inclinou para trás para que ela pudesse ver o céu, que se virou para o lado paraque ela pudesse se esconder de seus demônios, que a impeliu para frente para que ela poderiabeijar uma garota.

As pernas que a carregaram quando ela quis se separar, que se separaram quando ela quis seunir. Os braços que tremeram quando ela agarrou sua cadeira com terror, que tremeram quandoela tocou outra com coragem. E suas mãos — as mãos que apertaram grades quando elaprecisava respirar, que se dobraram em capelas quando ela precisava orar, que entraram em outraquando ela precisava viver. Quando ela precisava amar.

Ela se vê e não desvia o olhar.

No começo da manhã de segunda-feira, depois de deixar Joanie em sua última semana deaula, Hannah dirige até a casa da mãe de Luke. Luke está sentado nos degraus da varanda dafrente, esperando por ela, um copo d'água na mão.

— Ei, — ele diz quando ela se aproxima para se sentar ao lado dele. — Você já tomou caféda manhã?

Ele traz uma caixa de laranjas e a coloca no degrau abaixo de seus pés. Eles cavam suasminiaturas nas laranjas e descascam a pele com movimentos preguiçosos e matinais, a parte debaixo de suas unhas ficando amarelo-alaranjada.

— Que horas você vai?— Hannah pergunta.— Provavelmente por volta das 10. Wally chegará às 9:30 para me ajudar a carregar o carro.— E Clay?Luke franze a testa enquanto deixa cair uma casca na varanda.— Não tive notícias dele.O ar tem cheiro de frutas cítricas. A esta hora da manhã, quando ainda não são oito horas, o

calor é suave e ameno.— Devo tantas desculpas a você, — Hannah diz.— Eu também devo a você, — Luke diz.— Minha irmã te ama. Ama mesmo você.Luke sorri. Sorri de uma forma que ele raramente faz — não como se o mundo estivesse

explodindo de alegria, mas como se o mundo tivesse lhe dado algo que ele nunca pensou quemerecia.

— Eu também amo ela — ele diz.Eles comem suas laranjas em silêncio, sentados lado a lado na varanda, até que Luke se vira

para Hannah e diz:— Eu gostaria de ter estado lá por você.— Eu gostaria de ter contado a você o que estava acontecendo, — Hannah diz. — Acho que

sabia, no fundo, que você entenderia. Que você seria capaz de falar comigo de uma forma queWally e Clay não conseguiriam. Mas eu estava com medo.

Luke acena com a cabeça. Ele pega outra laranja e a joga para cima e para baixo na palma damão. Em seguida, um sorriso lento se espalha por seu rosto.

— Bem, — ele diz, olhando-a nos olhos, aquele velho e familiar puxão em seu sorriso, —Laranja, você está feliz por ter me contado agora?

Ela fala com Clay em seguida. Caminha até a porta da frente dele na terça-feira à tarde, seucoração batendo ansiosamente ao se lembrar desse lugar.

— Ele está de castigo, — diz a Sra. Landry quando atende a porta. Sua voz perdeu o calor de

sempre. — Pete e eu só o deixamos sair para fazer serviços comunitários.— Tenho algumas coisas pelas quais quero me desculpar, — Hannah diz, implorando à Sra.

Landry com os olhos.A Sra. Landry a examina com uma expressão desconfortável no rosto, e Hannah percebe que

a Sra. Landry agora deve vê-la como alguém estrangeiro, alguém insondável, alguémdesconhecido. Mas Hannah fica de pé, sentindo sua respiração nos pulmões e a pulsação nopeito.

— Ele está lá fora, — diz a Sra. Landry finalmente. — Você pode falar com ele por algunsminutos.

— Obrigada, — Hannah diz, e então ela se afasta da porta e caminha pela lateral da casa.Ela encontra Clay no fundo do quintal, um joelho no chão, suas mãos de quarterback

martelando pregos na cerca de madeira.— Precisa de alguma ajuda? — Hannah chama.Clay se assusta.— Ah,— ele diz, seu tom incerto. — Não, estou bem.— Podemos conversar?Clay olha para ela por um segundo prolongado. Em seguida, deixa cair o martelo na terra e

vai até ela.

Eles sentam nos balanços e raspam os calcanhares no chão. Clay quica uma bola de tênispara cima e para baixo na terra, seu cabelo escuro como uma árvore refletindo a luz do sol.

— Não sei como começar, — murmura Hannah.Clay agarra a bola de tênis em sua mão.— Pois é.— E é estranho, — continua Hannah, — porque sempre soube como falar com você.

Sempre achei que poderia lhe contar qualquer coisa.As sobrancelhas de Clay se juntam. Ele quica a bola de tênis no chão.— Eu vi vocês se beijando, — ele diz.— O que?— Na praia. Na festa de Tyler. Estava procurando Baker. Abri a porta da garagem e vi vocês

se beijando.— Foi você?— Isso me assustou, — Clay diz, suas sobrancelhas ainda juntas. — Não porque eu achasse

que era ruim, ou errado, ou qualquer uma dessas merdas, mas porque fazia sentido. Fazia muitosentido. E eu não queria. Não queria que ela ficasse com você. E eu não queria odiar você.

Uma longa pausa de silêncio. Hannah envolve os braços em torno de seu balanço. Ela enfia

as sandálias na terra e espera.— Eu fui um idiota, — Clay diz finalmente. — Wally estava certo. Eu estava tão cego por

querer estar com ela, e por querer que todos nos amassem, e por tentar tanto não me ressentir devocê… que baguncei tudo. Eu nos arruinei. Eu arruinei nossos amigos.

— Não, — Hannah diz. — Não é sua culpa. Todas essas coisas que aconteceram, é muitogrande para ser culpa de alguém. Talvez não haja culpa alguma. Talvez sejam apenas coisas quetinham que acontecer.

— Não. Eu não deveria ter abandonado você. Eu não deveria ter dito todas aquelas coisashorríveis que disse e não deveria ter começado aquela briga. — Ele faz uma pausa. — Nãodeveria ter esperado para ver o que Michele faria.

— Há muitas coisas que eu também não deveria ter feito, — Hannah diz.— Você sabe a pior parte? Eu sabia que ela não queria ficar comigo. Eu sabia no fundo. Ela

nunca parecia querer falar comigo ao telefone. Uma vez, ela começou a chorar quando eu estavanos levando para casa do cinema, ela disse que só estava estressada com as coisas da faculdade,mas eu sabia que não era isso. Mesmo quando nós… mesmo quando nós, você sabe, fizemossexo, ela ficou muito distante depois. Ela não me deixou abraçá-la nem nada, e então nós doisficamos ali deitados por alguns minutos até que ela começou a chorar.

O peito de Hannah dói. Clay levanta a cabeça para olhar para ela.— E a maneira como ela ficava sempre que alguém dizia seu nome, — ele diz. — Eu sabia,

de alguma forma, que ela queria estar com você. Que ela sempre quis estar com você.A garganta de Hannah fica espessa. Ela engole e sacode o cabelo dos olhos.— Ela, — Clay diz, parando quando sua voz treme. Ele limpa a garganta e olha para a bola

de tênis na palma da mão. — Ela estava falando a verdade sobre o e-mail. Quando ela disse queescreveu. Certo?

Ele está olhando fixamente para Hannah, implorando pela verdade. Hannah puxa os lábiospara dentro da boca e o encara de volta, sem saber o que dizer.

Mas Clay acena com a cabeça, e então ele passa a bola de tênis na mão de Hannah.— Você é corajosa, Han, — ele diz, olhando gentilmente para ela. — Você é mais corajosa

e mais forte do que eu já fui.— Não, — Hannah diz, virando a bola de tênis na mão.— Eu realmente senti sua falta quando tudo isso estava acontecendo. Mesmo que não

quisesse, eu senti. Realmente senti falta de todo o nosso grupo. Mesmo agora, depois de todamerda que aconteceu, tudo que eu quero é que a gente volte a sair.

Hannah joga a bola de tênis para ele.— Eu quero isso também.— Você vai falar com Wally?

— Vou tentar.— Ele vai ouvir, — diz Clay, jogando a bola de volta em sua direção.— Você vai falar com ele?Clay abaixa a cabeça.— Eu preciso, — ele diz. — Preciso falar com ele e Luke e Joanie.Eles caem em silêncio, cada um deles quicando a bola de tênis algumas vezes antes de jogá-

la de volta para o outro, até que Clay se levanta e diz a ela que precisa terminar de consertar acerca.

— Podemos sair quando você não estiver mais de castigo?— Hannah pergunta.Clay abaixa a cabeça no sol.— Sim, — ele diz, com o traço de um sorriso no rosto. — Eu adoraria.Ele a abraça por um longo minuto antes que ela se vire para sair.— Espero que você resolva tudo, — ele diz, falando baixinho em seu cabelo. — Você é uma

das minhas melhores amigas, e mesmo depois de tudo, ela também é, e eu seria um cara muitoruim se não quisesse que meus amigos fossem felizes.

E então é hora de falar com Wally. Ela dirige até a casa dele na quinta-feira de manhã,sabendo que sua mãe estará no trabalho e seus irmãos ainda terão mais um dia de aula, eestaciona na entrada ao lado de seu velho Camry. Ela bate na porta da garagem e ouve o somconstante dos pés dele se movendo em sua direção.

Ele abre a porta e pisca rapidamente para ela, como se não tivesse certeza se ela estava lá ounão. Está usando a mesma calça de pijama de flanela que usava na praia, mas seus óculos estãofaltando em seu rosto.

— Podemos conversar?— ela diz.Ele a estuda por um momento.— Sim, claro, — diz, puxando a porta de lado para deixá-la entrar.Ela se senta no balcão da cozinha e ele fica em frente a ela, com as costas apoiadas na pia.— Você quer um pouco de água? — Ele pergunta, os braços cruzados sobre as costelas.Ela balança a cabeça negativamente.— Só quero falar com você, — ela diz.É difícil no começo. Ela não sabe como articular tantos de seus sentimentos, não sabe como

convencê-lo de que pensava que estava vivendo a verdade.— Eu não estava tentando machucar você, — ela diz, seus olhos baixados para o balcão. —

Pensei que estava fazendo o que deveria. Achei que se tentasse muito ficar com você, ossentimentos românticos seguiriam.

Eles nunca discutem o e-mail, mas quando falam sobre a festa de Clay e a queda de Baker

pela cerca, Wally levanta os olhos para olhar para ela, e ela sabe que ele entende.— Eu realmente te amo, Hannah,— ele diz, sua voz honesta e nua. — Pensei que você fosse

a garota mais incrível do mundo. Eu ainda penso. — Ele faz uma pausa e se desloca para o lado,depois abre e fecha a torneira da pia, abre e fecha, seus dedos roçando na água. Hannah espera.

— Mas você sabe, — ele diz, sua expressão mudando para a que ela o viu usar quandoaprende algo novo na aula, — uma das razões pelas quais eu acho você tão incrível é que vocêsempre pareceu saber quem você é. Então, se agora você está aprendendo mais sobre quem é,então como posso ficar outra coisa além de feliz por você?

Hannah exala. Wally fecha a torneira e se vira para encará-la.— Ainda podemos ser amigos? — Hannah pergunta. — Porque eu não acho… — ela luta

contra a falha em sua voz — Não acho que eu poderia desistir de nossa amizade.— Eu também nunca poderia desistir de nossa amizade, — ele diz, — mas preciso de um

pouco de tempo.— Tempo? — Hannah repete.— É hora de superar tudo, — explica ele.— Eu sinto muito.— Está tudo bem, — ele diz, com a voz firme. — Eu só… preciso dar um passo para trás e

ter um pouco de clareza. Colocar minha cabeça no lugar.— Okay.— Vamos ser amigos de novo, Han. Eu prometo.Ela olha para ele e vê o rapaz jovem e sério que conheceu no primeiro dia de educação

física, o garoto que a reconheceu da aula de geografia e perguntou se ela queria ser parceira dealongamento.

— Vou cobrar isso de você, — Hannah diz.Wally sorri.— Pode deixar. Ela pega Joanie em seu último exame final naquele dia. A temperatura sobe para mais de 26

graus, então elas dirigem até a barraca de raspadinha perto do Country Corner, pedem dois coposcom sabor de manga e se sentam em um dos bancos ao ar livre enquanto o sol aquece seuscabelos. Joanie conta a Hannah a experiência de Luke no comando do acampamento até agora,contando a ela tudo sobre seus novos amigos em Spring Hill e seus planos de visitar sua casa emduas semanas.

— Isso é incrível, — Hannah diz, — mas vamos falar sobre você. Você é uma veterana emascensão agora. Você está se sentindo bem com isso?

Joanie vacila, seu rosto mostra sua surpresa, mas então ela apoia o cotovelo na mesa e adota

uma expressão deliberadamente casual, como se não significasse nada para ela que Hannahtivesse feito a pergunta.

— Sim, estou bem, — ela diz, girando a colher em torno do copo. — É apenas um ano.— Joanie.— Sim.— Sou sua irmã. Você pode me dizer essas coisas.Joanie olha para ela da mesma forma que fazia quando eram pequenas e Hannah a pegava

mentindo.— Tudo bem, — ela diz. — Estou com muito medo. Eu sei que tenho outros amigos, sei que

há algumas pessoas muito legais na minha classe, mas não posso imaginar não ter Luke lá, ou irao treino de vôlei sem Baker, ou almoçar sem nenhum de vocês. — Ela faz uma pausa e coçacasualmente o cotovelo. — Ou dirigir para a escola sem você.

— Você vai ficar bem, — promete Hannah.Elas não olham uma para a outra enquanto conversam — em vez disso, mexem nas

raspadinhas — mas depois, no caminho para casa, Hannah sente que elas têm 11 e 10 anosnovamente, voltando para casa de bicicleta depois de comprar doces no posto de gasolina.

— Han, — diz Joanie, — o que você vai fazer agora?— O que você quer dizer?— Baker. O que você vai fazer?O sol atravessa as folhas dos carvalhos enquanto Hannah dirige o carro para a Olive Street.— Vou esperar, — ela diz. — Vou esperar até que ela esteja pronta.— E se ela nunca estiver pronta?Hannah conduz o carro para a garagem. Ela pensa sobre como esperou por Baker a semana

toda, como ela pensou sobre a costela quebrada de Baker e os cortes em seu couro cabeludo e oshematomas em sua pele. Como ela mantém o telefone na mão como um talismã. Como olhoupela janela com o som de cada carro que passava.

— Vou continuar esperando, — ela diz.Maio se transforma em junho. Hannah não vê Wally, nem Clay. Ela e Joanie sentam-se na

varanda dos fundos no calor do meio da manhã e comem Apple Jacks e torradas, e Hannah seenche de esperança de que hoje possa ser o dia em que ela verá Baker novamente.

Ela vai à missa com os pais. Algumas pessoas olham para ela de forma diferente do queantes, mas Hannah se lembra das palavras da Srta. Carpenter e olha para o Crucifixo sem seenvergonhar. Quando chega a hora de receber a Eucaristia, ela fica com confiança diante doPadre Simon. Ele segura a Hóstia na frente dela por um segundo prolongado, seu colarinhoclerical apertado em seu pescoço vermelho.

Ela estende a mão e tira a Hóstia de sua mão. Ela derrete em sua língua enquanto caminha

de volta para seu banco.

Chove todos os dias durante a primeira semana de junho. O calor úmido da manhã setransforma em aguaceiros quentes da tarde e, no início da noite, chove tanto que as ruasinundam. Hannah pressiona os dedos na janela da sala de jantar, vendo o lixo dos Dupuis caircom o vento e a chuva.

Ela sai na sexta-feira à tarde, os tênis firmemente amarrados nos pés, no momento em que osprimeiros estrondos do trovão reverberam no ar. A terra está úmida e parada enquanto ela correpela rua, seu corpo se movendo sob a proteção das árvores fortes e robustas.

Assim que vira para Drehr, uma chuva leve começa a cair, salpicando seu rosto e derretendona calçada. Ela continua correndo, os pulsos úmidos de suor e água, as ruas úmidas e com cheirode chuva e vapor.

No momento em que ela chega a Kleinert, a chuva está forte e se transforma em umapancada regular, mas continua correndo de qualquer maneira. A chuva faz bem em sua pele e elase sente bem em sua pele.

Ela está encharcada quando chega a St. Mary's. Algo se constrói em seu coração enquantoela passa pelos familiares edifícios de tijolos louros. Ela olha para a estátua de Jesus, visível darua, e sorri ao passar por ela.

No segundo domingo de junho, tarde da noite, quando Hannah está lavando a louça dojantar, há uma batida na porta dos fundos.

— Eu atendo, — diz Joanie, abandonando o pano que estava usando para limpar a mesa.Hannah fecha a torneira, seu coração balançando bem acima dela.— Ah, — diz Joanie, abrindo a porta. — Hannah…Hannah entra em vista da porta e lá está ela, do lado de fora da casa de Hannah, com as

mãos enfiadas nos bolsos de trás do short.— Oi, — Baker diz.— Oi, — Hannah suspira.Os olhos de Baker estão nervosos, mas ela os estabiliza no rosto de Hannah. Ela puxa os

lábios em sua boca. Muda seu peso de um pé para o outro.— Quer dar um passeio?— ela pergunta.— Sim, — Hannah diz, com o coração inchando. — Joanie, você pode… ?— Vou terminar os pratos, — diz Joanie, um sorriso brincando em seu rosto. — Vão

caminhar vocês duas.A terra está zumbindo quando Hannah sai. Ela cheira o perfume das flores ao seu redor,

ouve o zumbido dos insetos no fundo de seus ouvidos. O céu está pintado com as cores docrepúsculo. Ela fica na frente de Baker e apenas olha para ela, e Baker permite.

— Você está aqui, — Hannah diz.— Eu estou, — Baker diz.Hannah acena com a cabeça. Elas ficam de frente uma para a outra, com os braços caídos ao

lado do corpo, e continuam olhando uma para a outra.— Você vai caminhar comigo?— Baker pergunta.Elas viram à direita na Olive Street e seguem sob a cobertura das árvores. O pôr do sol se

filtra pelas folhas, criando manchas de treliça de luz dourada na rua de asfalto. Hannah respira oar do verão e tenta absorver a vida ao seu redor.

— Como você esteve?— Baker pergunta.Hannah pensa sobre isso.— Bem, — diz, e fica feliz em perceber que ela fala sério. — Eu sinto… como se eu fosse

eu.Os olhos de Baker brilham com um sorriso.— Que bom.Hannah chuta uma pedra na rua à frente delas. Ela salta pela calçada, o único som do

mundo.— Você não esteve aqui, — Hannah diz. — Onde você foi?Baker morde o lábio.— Nova Orleans,— ela diz. — Desci para ficar com Nate assim que minha mãe me deixou.— Como foi?Baker assente para si mesma, tentando articular sua resposta.— Era o que eu precisava.Elas cruzam Drehr e continuam descendo Olive, as sandálias de Hannah raspando no asfalto,

as sandálias de Baker não fazendo barulho com seus passos leves.— Hannah… — Baker diz.— Sim?— Quando eu estava lá, quando estava em Nova Orleans, descobri muitas coisas. Não queria

simplesmente sair da cidade sem contar a você, especialmente depois de tudo o que aconteceu,mas senti que tinha que fazer. Como se eu tivesse que fugir, sabe? Como se tivesse que sairdaqui para poder dar um passo para trás e tentar entender tudo. Não apenas as coisas comigo evocê, mas, tipo, como me sinto além de você. Sobre meninas, meninos, religião e minhafamília... e foi muito difícil fazer isso. Foi muito difícil descobrir a verdade.

— Sim, — Hannah diz. — Entendo o que você quer dizer.— Eu conversei com meu irmão. Contei a ele toda a história.

— Você contou? O que ele disse?— Que era importante para mim descobrir o que tudo isso significava e que não podia ouvir

ninguém além de mim mesma. E ele me abraçou muito.Hannah sorri.— Eu amo Nate.— Ele também te ama.— Baker respira fundo. — Eu fui para a confissão também.— Você foi?Ela acena com a cabeça.— Eu pedi perdão por tudo que fiz a você.— O que o padre disse?—— Ele disse muitas coisas. Algumas delas me fizeram sentir melhor e outras me fizeram

sentir pior. Mas Han, quando eu estava lá, o que percebi foi que… percebi que tinha medo daverdade. Eu estava assustada. Me senti como se estivesse presa a esses sentimentos que nãoqueria ter e não queria lidar com o que isso significava, o que as pessoas diriam e como eunegociaria com minha fé ... e fiquei ressentido por você encontrar seu caminho para o meucoração como você fez. Estava com medo de você. Estar perto de você, era como… você eratudo que eu não deveria querer. Você é… ninguém nunca me falou sobre você. Quando eu estavacrescendo, era sempre, “Um dia, quando você conhecer um bom garoto”, ou “Quando você tiverum marido …” Ninguém nunca me disse que poderia ser diferente. Que seria bom ser diferente.Então eu só ... tive um profundo sentimento de vergonha de mim mesma. Sobre a maneira comome senti.

— Eu também tinha isso, — Hannah diz. — Eu conversei com a Srta. Carpenter sobre isso.— Conversei com meu irmão.— Ajudou?— Sim. Mas principalmente, acho que principalmente era só falar comigo mesma.

Realmente me forçando a enfrentar a verdade, sabe? E orando. Muita oração. Porque, no finaldas contas eu percebi algo.

— O que?— Eu percebi ... que eu tinha que lidar com isso. Tudo isso. O medo, a culpa e a vergonha ...

porque do contrário não havia como estar com você. E percebi que é isso que eu realmentequero, no final das contas. Quero estar com você. Queria estar com você há um tempo. Eugostaria de ter percebido isso antes. Gostaria que alguém tivesse me dito que poderia ser você.Gostaria que alguém tivesse dito: “Um dia, seu coração vai parecer muito maior do que antes, e équando você sabe.” Porque ... é assim com você, Han. Você me faz sentir, como… Deus, eu nemsei. Como se estar com você me tornasse mil vezes melhor do que sou. Como se meus olhosestivessem mais claros quando eu olho para as coisas. E quando não estou com você, é como se

meu coração não pudesse respirar.— Sinto muito por tudo que fiz, — ela diz, com os olhos brilhando de lágrimas. — Por

jogar, por se esconder de você, por… por Clay...Hannah abaixa a cabeça.Baker enxuga os olhos dela.— Eu sei, — ela diz, com lágrimas escorrendo pelo rosto. — Eu sinto muito. Hannah, sinto

muito. Por isso, e pelo e-mail, por tudo o que fiz para você. Fiquei assustada e envergonhada. Eufui uma covarde. — Ela faz uma pausa e olha para Hannah, seus olhos suplicantes. — Mas Han... estou cansada de ficar com medo. Estou cansada de ter vergonha. E estou cansada de não estarcom você. Eu ainda posso ficar com medo às vezes, e ainda posso me sentir um poucoenvergonhada, mas quero trabalhar nisso porque… porque tudo que eu quero é estar com você.Eu sei que você pode não querer mais isso depois de tudo o que aconteceu, mas eu só tinha quedizer isso porque… porque eu te amo.

Hannah para de andar. Baker para também. E, finalmente, elas se encaram.— Hannah, — Baker diz, procurando por ela com aqueles olhos castanhos profundos.Ela fala seu nome novamente, da maneira que só ela pode fazer, e isso soa na cabeça de

Hannah sem parar.— Hannah, — ela diz, sua voz arqueando. — Eu amo você. Eu te amo há um tempo. Já lutei

contra isso antes, mas agora entendo. Entendo.— Ela balança a cabeça, respirandosuperficialmente. — Eu te amo muito.

E Hannah sabe que é verdade, porque ela vê a prova nos olhos de Baker: eles sãovulneráveis e cheios de admiração e imploram a Hannah que a ame de volta. E algo acontece nocoração de Hannah: algo se espalha por ele, quente, imparável e estável como o sol.

Ela dá um passo à frente e pega a mão de Baker.— Eu também te amo.Baker respira.— Mesmo?— Sim, — Hannah diz, sua voz molhada.A boca de Baker se ergue em um sorriso. Ela empurra mais lágrimas para longe de seus

olhos.— Isso é… — ela diz. — Quero dizer, é como...— Eu sei, — Hannah ri.— Eu preciso te perguntar uma coisa, no entanto.— Claro. O que é?Baker abre a boca, mas segura a pergunta; ela abaixa a cabeça, seu cabelo caindo sobre o

rosto, e quando ela levanta a cabeça para cima, suas lágrimas estão caindo rápido de novo. Ela

luta por mais alguns segundos, piscando rapidamente em meio às lágrimas. Limpa os olhos eolha para Hannah.

— Você me perdoa?— ela pergunta. — Por tudo que eu fiz?Hannah inala.— Sim,— ela diz.Todo o corpo de Baker parece suspirar em liberação. Hannah puxa Baker contra ela,

envolvendo os braços em volta dela tão firmemente quanto pode, aconchegando a cabeça deBaker em seu ombro. Ela consegue sentir Baker respirando com dificuldade contra ela, suaslágrimas sangrando pela blusa de Hannah e em sua pele; ela embala a cabeça de Baker com umamão, sentindo seu cabelo macio e quente sob a palma da mão, e segura seu corpo com a outra,espalhando os dedos nas costas de sua camisa para que possa sentir sua espinha e sua respiraçãoprofunda e trêmula.

— Está tudo bem, — Hannah promete a ela, beijando o lado de sua cabeça. — Tudo bem.Hannah a abraça até que seu choro acabe. Baker funga contra ela, engole, expira. Ela

envolve os braços em volta do corpo de Hannah, também, assim as duas estão se segurando umana outra, bem ali na calçada da Cherokee Street.

— Você está bem? — Hannah sussurra.— Sim, — Baker diz. Ela respira fundo algumas vezes.Hannah se afasta dela para que ela possa ver seu rosto. Seus olhos estão vermelhos e seus

cílios molhados, e ela enxuga a boca e o nariz, envergonhada.— Você é linda, — Hannah diz a ela.Baker cora e balança a cabeça, em seguida, leva os dedos aos olhos, tentando coletar as

lágrimas restantes de seus cílios.— Vamos continuar caminhando, — ela diz.— Onde você quer ir? — Hannah pergunta.— Casa, — Baker diz. — Vamos apenas ir para casa.Aquele sentimento volta ao peito de Hannah, aquele sentimento crescente e pulsante que a

aquece, e ela começa a rir, uma risada maravilhosa e aliviada que brilha ao seu redor com ocalor. Ela ri de novo, e o som sai misturado com um grito de alegria, de modo que algumaslágrimas escorrem por seu rosto e ela tem que enxugá-las.

Baker olha para ela e um sorriso surge em seu rosto — um sorriso que é todo boca, olhos ealma.

Há muito mais coisas que Hannah quer falar com ela, e ela sabe que Baker também querfalar sobre elas, mas hoje à noite elas simplesmente caem no grande sofá da sala de estar eassistem a um filme antigo com Joanie. Joanie não diz nada a elas, apenas dá um sorrisoconhecedor quando se sentam ao lado dela.

O lado direito de Baker roça o esquerdo de Hannah e, pela primeira vez em meses, Hannahse sente inteira.

Ela leva Baker até o carro quando o filme termina. Baker se inclina contra a porta do lado domotorista, sua pele corada sob a luz das lâmpadas da rua.

— Obrigada por ... esta noite, — Baker diz, com a voz nervosa.— Obrigada, — Hannah diz.— Você é a pessoa mais corajosa que já conheci.— Você também é.— Não, — Baker diz, abaixando a cabeça. — Mas vou tentar ser agora quando eu pedir algo

a você.— O que?Baker mexe com as chaves do carro.— Hum. Posso… posso beijar você?E é perfeito demais, e Baker é bonita demais parada ali contra o carro, e o coração de

Hannah está muito, muito cheio.— Tem certeza?— Hannah pergunta, tentando lutar contra seu sorriso bobo. — Aqui fora?Baker dá um dos sorrisos mais felizes que Hannah já viu.— Aqui fora, princesa.Hannah se aproxima dela, coloca a mão em seu quadril, onde seu cabresto encontra seu

short, se inclina para ela. Baker inala rapidamente, como se estivesse surpresa, e suas pálpebrasfecham sobre os olhos.

E então, com um simples toque de seus lábios, Baker beija Hannah sob as luzes de um postede luz e as folhas de um carvalho.

Capítulo Dezessete: No Jardim

Está pesado, o calor de agosto. A mãe de Hannah chama ele de “opressivo” quando ela chega emcasa do trabalho à noite, sua testa brilhando com um leve brilho de suor. Joanie chama isso de “apraga Luzianna” quando ela e Hannah dirigem no início da tarde, com as axilas suando enquantofazem tarefas de volta às aulas. Mas para Hannah, o calor parece um cobertor. Quente e seguro.E para sorte dela, Baker concorda.

— Você pode me passar aquela forma de bolo? — Baker diz, seus olhos escuros de chicóriadescendo pelo balcão, passando pela mão de Hannah.

Elas estão na cozinha de Hannah com a porta de tela aberta para a terra do lado de fora. Elasouvem os mistérios do fim do verão acontecendo além da varanda: os insistentes grilos noturnos,os motores e as rodas dos carros que passam a essa hora tardia. Os pais de Hannah estão nacama, contentes com o ar-condicionado e a colcha de verão. Eles não sabem que Hannah e Bakermantiveram a porta da varanda aberta.

— Você acha que seu dormitório terá cozinha?— Hannah pergunta.O braço de Baker, batendo a massa do brownie em torno da tigela, para por um momento.— Espero que sim, — ela diz.— Bem, ei, — Hannah diz, tentando manter o momento leve, — mesmo que não tenha,

vamos apenas sair do campus e voltar para casa por uma noite.Baker sorri, seus olhos ainda na massa de brownie.— É ruim se eu não quiser voltar para casa por uma noite? Quero ter o fim de semana inteiro

para nós quando você vier. E eu quero poder, você sabe… — o rosto dela fica rosa — realmentedormir na mesma cama.

Hannah cutuca seu quadril.— Você está tendo pensamentos sujos?— Não! — Baker ri, chutando Hannah com os braços ainda posicionados sobre a tigela.— Acho que você está.— Vou jogar essa massa em você.— Não, você não está, — Hannah diz, abraçando-a por trás. Ela aperta a cintura de Baker e

coloca a cabeça em seu ombro. — Mas de qualquer forma, voltarei para muitas visitas. Acho que

podemos voltar para casa por pelo menos uma noite.Baker solta a batedeira, deixando-a cair contra o vidro da tigela. Ela gira nos braços de

Hannah para que fiquem de frente uma para a outra.— É isso aí, — ela diz, e beija Hannah.

É difícil, aquela segunda semana de agosto. É agridoce. O estômago de Hannah está ansiosoquando ela acorda de manhã. Ela pensa no quão longe ela e Baker chegaram, e deseja quepossam continuar para sempre, crescendo e aprendendo juntas, sem a separação iminente que afaculdade trará.

Ela está no meio do quarto de sua infância, com bichinhos de pelúcia pegajosos e velhosamontoados no canto, com fotos de seus amigos enfeitando as paredes, com o moletom de Bakerjogado sobre a cama, com pilhas de roupas que ela já separou para Emory.

E tudo que ela pode ver, enquanto está no meio deste quarto, é Baker convidando-a paradançar.

— O que estamos fazendo? — Hannah ri, seu batimento cardíaco acelerando enquantoBaker se afasta dos alto-falantes de música de Hannah.

— Dançando, — Baker diz, puxando Hannah para perto dela. — Como deveríamos ter feitono baile.

A música é suave, rítmica, hipnotizante. Baker balança Hannah de um lado para o outro, suacabeça descansando contra a de Hannah, seus cabelos se misturando, castanhos em loiros.Hannah vira a cabeça para o pescoço de Baker, e a mão esquerda de Baker segura Hannah firmena base das costas enquanto sua mão direita agarra o ombro de Hannah como se ela nuncaplanejasse soltá-la, e a música flutua sobre elas, uma canção que existe apenas para elas.

— Você estava tão linda no baile, — Baker diz.Hannah envolve o braço com mais força em volta da cintura de Baker.— Você também.Baker beija o lado do rosto de Hannah, bem onde sua pele encontra o couro cabeludo.— Não me sentia como se estivesse bonita, — ela diz. — Mas agora sim.

Cada vez que Hannah entra em seu carro, ela vê Baker no banco do passageiro ao lado dela,usando o velho boné de beisebol LSU desbotado de seu irmão, rindo em torno do canudo de seumilkshake Sonic.

— Vamos sair para jantar, — Hannah diz, estendendo a mão pelo console para traçar umdedo sobre a palma da mão de Baker.

— Jantar?— Sim, como em um encontro. Podemos nos vestir bem, e vou buscá-la com um buquê de

rosas ou algo assim, e vou levá-la para jantar. — Ela faz uma pausa. — Se você não gostar, nãoprecisamos fazer de novo.

Os olhos de Baker fixam-se nos dela.— Como eu poderia não gostar disso?Então elas vão a um encontro. Hannah usa seu vestido mais bonito e seu perfume favorito.

Baker sai de sua garagem com seu vestido de verão azul-marinho, o cabelo puxado para cima eos grampos brilhando ao sol da tarde.

— Não sei por que você trouxe isso, — Hannah diz, olhando para a bolsa de mãe de Bakerenquanto dirigem pela Perkins. — Você sabe que vou pagar.

Baker ergue as sobrancelhas.— Não se eu brigar com você por isso.Elas vão para o Parrain's. A anfitriã as acomoda na varanda do lado de fora, e está lotado e

movimentado no bom sentido. Elas pedem chá doce e bolas de boudin, e Baker pergunta:— Então, já que este é um encontro oficial, isso significa que temos que conversar sobre

coisas diferentes do que quando éramos apenas melhores amigas?— Não, — Hannah ri, — só vou tirar sarro da maneira como você mexe no guardanapo,

como sempre faço.— Não faça isso, — Baker ri, com um sorriso tímido. — Estou inquieta porque estou

nervoso.— Por que você está nervosa?— Porque este é o primeiro encontro em que gosto de verdade da pessoa, — Baker diz, e

Hannah enrubesce.Elas dirigem para o City Park depois e sentam no carro de Hannah, e Hannah pensa em

todas as vezes que ela veio aqui tarde da noite e desejou algo melhor para elas.— Você sabia, — Hannah diz, surpreendendo-se, — que estar perto de você é minha coisa

favorita no mundo?Baker responde beijando-a. É repentino, mas suave. Elas deixam o beijo durar, e Baker leva

a mão ao pescoço de Hannah, e elas se beijam novamente.— Puta merda,— Hannah diz depois. — Não sei como achei que beijar outra pessoa era

bom.Baker sorri, seus olhos brilham com magia e diz:— Sim? Eu sou tão boa assim?— Pare,— Hannah ri, puxando seus pulsos. — Não aja como se você não gostasse também.Baker a beija novamente e diz:— Não, você está certa, — em uma voz ofegante.Elas se dão as mãos e ouvem rádio enquanto dirigem de volta para a casa de Baker. Hannah

para na garagem e desliga o carro, e elas se viram para se olharem.— Você queria isso? — Baker pergunta, segurando seu copo vazio de chá doce para viagem,

sua voz boba. — Talvez como uma lembrança do nosso primeiro encontro?— Não, não foi tão memorável, — Hannah diz.Baker se lança sobre o console para fazer cócegas na cintura de Hannah. Hannah se esquiva

dela, sua risada estridente e alegre.— Isso foi doloroso, Hannah, — Baker diz. — Você não deveria dizer coisas assim para sua

namorada.Hannah esquenta toda quando ouve a palavra. Ela fica parada com as costas contra a janela,

as mãos ainda erguidas para afastar as cócegas de Baker.— Namorada? — ela pergunta. — Mesmo?Os olhos de Baker ficam hesitantes, mas então ela diz, em sua voz corajosa:— Sim, não é isso que somos agora?Hannah se sente nova em folha.— Sim,— ela diz. — Sim, absolutamente somos.Baker se inclina sobre o console e a beija.— Vejo você de manhã, certo?— Certo.— Boa noite, Han.Hannah a guia para mais um beijo. Elas mantêm os lábios unidos e Hannah respira o cheiro

de Baker, e então Baker aperta sua mão e sai do carro.

Quando Hannah se deita na cama à noite, tudo que ela conhece é a sensação de Bakeracordando-a no dia 22 de julho, suas mãos quentes nos ombros de Hannah, sua boca deixandocair beijos no rosto de Hannah como moedas em uma fonte.

— Acorde, aniversariante, — Baker diz, sua voz no meio do caminho entre sussurrar e falar.Hannah sorri sem planejar, do jeito que costumava sorrir quando criança quando sua mãe a

acordava na manhã de Natal.Baker a leva para o café da manhã na Zeeland Street, e elas se sentam em sua mesa favorita,

e Baker levanta uma perna no banco como sempre faz. Se banqueteiam com ovos e bacon emingau e bolinhos de batatas fritas, e Hannah olha para Baker do outro lado da mesa, sentada láem sua camiseta e shorts com o cabelo puxado para trás, e ela não consegue se lembrar de tersido mais feliz.

Elas comem bolo de especiarias com a família de Hannah naquela noite. Joanie corta asfatias para todos, sua voz orgulhosa enquanto ela se gaba de como este é o melhor bolo que ela jáfez. A mãe e o pai de Hannah estão sentados do outro lado da mesa, ambos com sorrisos

contentes, o pai de Hannah colocando a mão na mesa para sua mãe segurar.— Não acredito que temos uma filha de 18 anos, — diz a mãe de Hannah.— Isso deixa vocês bem velhos, não é?— Joanie diz.— Parece que você acabou de nascer, Hannah,— sua mãe continua.— Foi um dos dois melhores dias da minha vida, — diz seu pai, sorrindo para Hannah e

Joanie.Baker se senta ao lado dela nos degraus da varanda de trás mais tarde naquela noite.— Posso te dar seu presente de aniversário? — ela diz, sua voz sem fôlego.Elas caminham em silêncio escada acima para o quarto de Hannah, com as mãos

entrelaçadas, uma excitação crescente, uma energia inquieta e palpável no ar entre seus corpos.Baker guia Hannah para se sentar na cama e fecha a porta atrás delas, seu peito arfando com arespiração. Então ela cruza para o outro lado do quarto e abre as janelas.

A sala se enche de umidade, do perfume das flores e do canto dos grilos. Baker volta para acama e coloca a palma da mão sobre o coração de Hannah — Hannah consegue sentir otamborilar dentro dela — e a deita de costas.

— Não consegui descobrir o que comprar para você, — Baker diz, afastando o cabelo deHannah do rosto. — O que você compra para pessoa que te deu tudo?

Os braços de Hannah começam a tremer, mas desta vez ela não tem medo.— E percebi, — Baker diz, respirando fundo, — que há uma coisa que ainda não lhe dei de

verdade, e sou eu. Eu mesma. Todo o meu ser. Sem medo ou vergonha. Apenas com amor eabandono. — Sua voz treme, mas seus olhos estão claros. — Tudo bem?

Suas palavras atravessam o quarto com a força da pedra de Davi, desafiadoras e corajosas.Hannah procura seus olhos e encontra uma nova luz neles. Não uma desesperada e cheia devergonha, mas a luz do amor, a luz que rola a pedra, que perfura o túmulo para encontrar omilagre da salvação.

— Isso é tudo que eu sempre quis, — Hannah diz.Baker a beija com ternura. Hannah sente o peso do corpo de Baker em seu torso,

pressionando contra suas costelas e estômago, aquecendo-a. Elas se beijam e, em seguida,movem as mãos sobre as roupas uma da outra e, em seguida, ficam nuas na cama, seus corposjuntos e abertos para o mundo exterior.

E Hannah se encontra orando novamente, e ela sente Deus correndo por seu corpo e sangue,mas desta vez ela sabe que é com júbilo.

— Você está chorando, — Baker diz.Hannah leva a mão à própria bochecha. Ela toca as lágrimas e ri sem acreditar.— Sim, — ela diz, com a voz úmida, — mas acho que é em um bom sentido.O sorriso de Baker começa pequeno, apenas seus lábios se separando de admiração, mas

depois cresce até iluminar todo o seu rosto.— Eu te amo, — ela diz.— Eu te amo, — Hannah diz.E elas mostram uma à outra.

E então é a segunda sexta-feira de agosto, e Baker tem que começar a orientação de calourona segunda-feira. Hannah se senta na cama de Baker enquanto Baker se dispara distraidamenteem torno de seu quarto, categorizando seus pertences em pilhas de produtos de higiene pessoal eroupas e material escolar e produtos de limpeza

— Tenho pena da sua colega de quarto, — Hannah diz. — Você vai coordenar as cores doarmário dela enquanto ela estiver fora do quarto, e então ela vai voltar e não saber comoencontrar as próprias roupas.

— Tenho pena da sua colega de quarto, — Baker diz enquanto coloca o shampoo em umanecessaire de banho. — Você vai assustá-la com todos os seus trocadilhos ruins. Ela ficaráapavorada em ter uma conversa com você.

Hannah estreita os olhos. Baker levanta os olhos de onde está sentada no chão, balança acabeça e diz:

— Ah, não. Não mesmo.— O que?— Eu sei o que você está fazendo. Você está tentando fazer um trocadilho com alguma

coisa. Consigo dizer pela sua expressão.— Não estou, — Hannah ri.— Você está sim.— Tá bom.Os cantos da boca de Baker se erguem.— Você pensou em alguma coisa?— Não, — Hannah admite. Ela faz uma pausa. — Tenho tido dificuldade em me concentrar

ultimamente.O sorriso de Baker vacila. Ela solta a mão da necessaire de banho.— Vamos ficar bem, Han, — ela diz. — Vamos sentir falta uma da outra, mas vamos ficar

bem.— Eu sei, — Hannah diz. — Só não estou ansioso para a parte de sentir a falta uma da outra.— Nem eu.Hannah mastiga a parte interna do lábio.— Eu vou sentir falta de nossos amigos também. Eu já sinto.Baker segura o olhar dela. Elas se encaram através do espaço do quarto de Baker, cercadas

pela prova de que suas vidas estão mudando novamente.— Eu também, — Baker diz.

Elas passam todo o sábado juntas. Tomam café da manhã e almoçam juntas e dividemlanches no meio. Elas levam Charlie para o parque de cães. Assistem ao primeiro filme de HarryPotter no sofá de Hannah, deitadas sob o mesmo cobertor com as costas de Hannah contra oestômago de Baker. Elas dirigem o carro de Baker até o estacionamento da St. Mary's e olhampelo para-brisa para os familiares edifícios de tijolos louros, os edifícios que sempre pareceramum lar, enquanto dão as mãos no console. Elas jantam com os pais de Hannah, conversandoanimadamente sobre a faculdade enquanto passam o feijão verde pela mesa, ambas mascarando anostalgia que já sentem por sua antiga vida.

E depois do jantar, enquanto Hannah lava os pratos e Baker os seca com um pano de pratovelho, o celular de Baker toca em seu bolso. Hannah não presta atenção enquanto Baker lê amensagem de texto.

— Ei, — Baker diz, dando um passo atrás de Hannah e beijando a parte inferior de suaorelha. — Vamos fazer uma pausa agora, ok? Há algo que quero te mostrar.

— O que?— Vem cá, — Baker diz, puxando-lhe a mão.— O que estamos fazendo?Baker sorri.— Vamos brincar lá fora.Elas saem da cozinha e pela porta dos fundos. Vão além da garagem para o ar abafado da

noite, e ali, parados na rua, Hannah os vê.Luke, Joanie, Wally e Clay, suas figuras maiores do que a vida no cenário do pôr do sol.

Eles sorriem para ela quando ela se aproxima. Cada um deles está parado na frente de umabicicleta, e Wally e Clay têm, cada um, uma mão em duas bicicletas adicionais equilibradas naslaterais.

— O que… ?— Hannah diz, sem fôlego.— Não fique tão surpresa, idiota, — Joanie diz.— É a última noite em que podemos ficar todos juntos, — Clay diz.— Juntos? — Hannah diz. — Você quer dizer ... estamos todos bem? —— Claro que estamos bem, — Clay diz, olhando de soslaio para Wally, Joanie e Luke. Ele

aperta a mão de Wally e olha para trás, para Hannah. — Sexteto Fantástico para sempre.Hannah dá um passo em direção a eles. Wally encontra os olhos dela. Seu sorriso é gentil e

firme.— O que você acha, Han?— ele pergunta.

Hannah sente seu sorriso por todo o corpo, desde a raiz do cabelo até os ossos dos pés.— Achamos que um passeio noturno de bicicleta seria muito clichê e repulsivamente

romântico, — Luke diz.— Foi assim que sabíamos que você gostaria, — Joanie diz.— Vamos, — Clay diz, inclinando a bicicleta ao seu lado. — Eu tenho Coca gelada e um

saco de batatas fritas na minha mochila. Faremos um piquenique com isso.Hannah se vira para Baker.— Você planejou tudo isso?Baker desvia os olhos do grupo para olhar para Hannah.— Talvez.Elas se olham nos olhos por um segundo, e então Hannah muda seu sorriso de Baker para os

outros.— Estou dentro, — ela diz.Wally estende sua bicicleta extra para ela. Ela dá um passo à frente para pegá-la,

agradecendo com olhos incrédulos. Ele puxa os lábios em um sorriso.Clay equilibra a outra bicicleta enquanto Baker dá um passo à frente para pegá-la. Ela coloca

as sandálias nos pedais e olha de soslaio para Hannah.— Pronta? — ela pergunta.— Pronta, — Hannah diz.Eles se afastam do quintal de bicicleta, primeiro Clay, depois Wally, depois Baker, depois

Hannah, depois Joanie e Luke rindo atrás. Eles pedalam pela Olive Street até o centro do GardenDistrict, e Hannah observa a mochila de Clay balançando com o vento, observa a luz do sol doentardecer brilhar nos óculos de Wally quando ele vira a cabeça para o lado, ouve os gritos deriso de Joanie e Luke atrás dela, sente a presença de Baker ao seu lado. Clay levanta as mãos noar — sua mão esquerda com todos os cinco dedos separados, sua mão direita com apenas umdedo apontando para o ar — e todos eles o imitam, gritando e exclamando antes de agarrarapressadamente em suas bicicletas de novo. Eles pedalam sobre seixos e pedaços tingidas de luzdo sol da cor do crepúsculo, sob os braços abertos dos carvalhos vivos e a promessa de suasfolhas verdes, passando por casas cheias de pessoas e regras e orações e magia. Hannah olha paraBaker, e Baker estende a mão no espaço entre elas, segurando-a com a palma para cima para queHannah a pegue, bem ali no coração do jardim.