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Comunicação nº 132 ORAL VIII Conferência Nacional de Ambiente, 27 a 29 de Outubro 2004, Lisboa Estudo sobre a contaminação do sistema aquífero da margem sul do Tejo, na zona de Corroios e Amora Fernando P. Carvalho (1) , Amélia Dill (2) , Judite Fernandes (2) , Carlos C. Almeida (2) , João M. Oliveira (1) , Graciete Ferrador (1) , Irene Lopes (1) (1) Instituto Tecnológico e Nuclear Departamento de Protecção Radiológica e Segurança Nuclear E.N. 10, 2686-953 SACAVÉM E-mail: [email protected] (2) Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação Departamento de Hidrogeologia, Estrada da Portela, Zambujal - Alfragide 2720-866 ALFRAGIDE [email protected] Resumo O funcionamento de indústrias diversas no concelho do Seixal, operando durante décadas e tendo iniciado actividade numa época em que os conceitos de contaminação e protecção ambiental ainda não tinham sido desenvolvidos, originou a dispersão de contaminantes de vários tipos. Uma das áreas recentemente estudadas é a região de Corroios-Belverde-Amora, no concelho do Seixal, onde funcionou, até há pouco, a Sociedade Portuguesa de Explosivos L. da (SPEL). Dos efluentes libertados por esta indústria terá resultado a infiltração de contaminantes orgânicos, metais pesados, e grandes volumes de ácido no sistema aquífero da zona. Diversos trabalhos de investigação têm sido efectuados com a finalidade de proceder à caracterização dos aquíferos superficial e profundo, identificar e quantificar as concentrações dos contaminantes que alcançaram estes aquíferos e desenvolver técnicas de remediação química e biológica, pouco custosas e eficazes, para aplicação in situ. Amostras de águas recolhidas em várias captações desta zona foram analisadas para a radioactividade e iões maiores e, no local, para pH, condutividade, sólidos totais dissolvidos, potencial de oxi-redução e oxigénio dissolvidos. As análises de radionuclidos, em especial os isótopos do urânio em solução na água, indicam concentrações anormalmente elevadas perto da SPEL, alcançando 1,3 Bq L -1 , e que decrescem nas captações de água situadas para NNE. O mesmo gradiente é observado no pH e na condutividade das águas. As proporções dos isótopos 238 U, 235 U e 234 U medidos nas águas correspondem às do urânio natural. Por outro lado, as areias e as lamas de lavagem, existentes na extracção de areias instalada ao lado dos terrenos da SPEL, não sugerem a presença de um depósito uranífero de origem sedimentar nos terrenos terciários e quaternários da zona. As razões isotópicas do urânio permitem excluir, com razoável certeza, que esta contaminação tenha origem numa fonte industrial utilizando urânio empobrecido ou materiais nucleares irradiados. É no entanto plausível que a anomalia de concentrações elevadas de urânio nas águas subterrâneas resulte de acção antrópica relacionada com efluentes industriais ácidos infiltrados no sistema aquífero. Embora as captações de água analisadas já não sejam utilizadas para consumo humano nem animal, do ponto de vista da radioactividade pelo menos duas destas águas não são aconselháveis para consumo por excederem os limites previstos no Dec. Lei nº 243/2001 para a actividade alfa total e beta total. A dinâmica do sistema aquífero irá dispersar a pluma de contaminantes. A dispersão horizontal dos contaminantes no aquífero superficial parece estender-se para NNE, em direcção ao esteiro de Corroios no estuário do Tejo. A dispersão vertical dos contaminantes, através da comunicação do aquífero superficial com o aquífero profundo, pode comprometer recursos hidrogeológicos importantes para o abastecimento público desta zona.

Estudo sobre a contaminação do sistema aquífero da margem sul do Tejo, na zona de Corroios e Amora

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Comunicação nº 132 ORAL

VIII Conferência Nacional de Ambiente, 27 a 29 de Outubro 2004, Lisboa

Estudo sobre a contaminação do sistema aquífero da margem sul

do Tejo, na zona de Corroios e Amora

Fernando P. Carvalho(1)

, Amélia Dill (2)

, Judite Fernandes(2)

, Carlos C. Almeida (2)

,

João M. Oliveira(1)

, Graciete Ferrador (1)

, Irene Lopes(1)

(1) Instituto Tecnológico e Nuclear

Departamento de Protecção Radiológica e Segurança Nuclear

E.N. 10, 2686-953 SACAVÉM

E-mail: [email protected]

(2) Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação

Departamento de Hidrogeologia, Estrada da Portela, Zambujal - Alfragide

2720-866 ALFRAGIDE

[email protected]

Resumo

O funcionamento de indústrias diversas no concelho do Seixal, operando durante décadas e tendo

iniciado actividade numa época em que os conceitos de contaminação e protecção ambiental ainda não

tinham sido desenvolvidos, originou a dispersão de contaminantes de vários tipos. Uma das áreas

recentemente estudadas é a região de Corroios-Belverde-Amora, no concelho do Seixal, onde

funcionou, até há pouco, a Sociedade Portuguesa de Explosivos L.da

(SPEL). Dos efluentes libertados

por esta indústria terá resultado a infiltração de contaminantes orgânicos, metais pesados, e grandes

volumes de ácido no sistema aquífero da zona. Diversos trabalhos de investigação têm sido efectuados

com a finalidade de proceder à caracterização dos aquíferos superficial e profundo, identificar e

quantificar as concentrações dos contaminantes que alcançaram estes aquíferos e desenvolver técnicas

de remediação química e biológica, pouco custosas e eficazes, para aplicação in situ. Amostras de

águas recolhidas em várias captações desta zona foram analisadas para a radioactividade e iões

maiores e, no local, para pH, condutividade, sólidos totais dissolvidos, potencial de oxi-redução e

oxigénio dissolvidos. As análises de radionuclidos, em especial os isótopos do urânio em solução na

água, indicam concentrações anormalmente elevadas perto da SPEL, alcançando 1,3 Bq L-1

, e que

decrescem nas captações de água situadas para NNE. O mesmo gradiente é observado no pH e na

condutividade das águas. As proporções dos isótopos 238

U, 235

U e 234

U medidos nas águas

correspondem às do urânio natural. Por outro lado, as areias e as lamas de lavagem, existentes na

extracção de areias instalada ao lado dos terrenos da SPEL, não sugerem a presença de um depósito

uranífero de origem sedimentar nos terrenos terciários e quaternários da zona. As razões isotópicas do

urânio permitem excluir, com razoável certeza, que esta contaminação tenha origem numa fonte

industrial utilizando urânio empobrecido ou materiais nucleares irradiados. É no entanto plausível que

a anomalia de concentrações elevadas de urânio nas águas subterrâneas resulte de acção antrópica

relacionada com efluentes industriais ácidos infiltrados no sistema aquífero. Embora as captações de

água analisadas já não sejam utilizadas para consumo humano nem animal, do ponto de vista da

radioactividade pelo menos duas destas águas não são aconselháveis para consumo por excederem os

limites previstos no Dec. Lei nº 243/2001 para a actividade alfa total e beta total. A dinâmica do

sistema aquífero irá dispersar a pluma de contaminantes. A dispersão horizontal dos contaminantes no

aquífero superficial parece estender-se para NNE, em direcção ao esteiro de Corroios no estuário do

Tejo. A dispersão vertical dos contaminantes, através da comunicação do aquífero superficial com o

aquífero profundo, pode comprometer recursos hidrogeológicos importantes para o abastecimento

público desta zona.

1. Introdução

Historial

A instalação e o funcionamento concentrado das indústrias pesadas tradicionais na

margem Sul do estuário do Tejo deixaram um impacto ambiental perceptível em vários

componentes do ambiente que tem sido objecto de diversos estudos. Na sequência da

comunicação apresentada por J. Fernandes e C. Almeida no Seminário das Águas

Subterrâneas em Dezembro de 1999, intitulada Modelos de Transporte: um exemplo de

aplicação, foi aprovado o projecto PCTI/CTA/36496/99 intitulado “Desenvolvimento e

Aplicação de Técnicas Mistas Químicas e de Bioremediação na Reabilitação de Aquíferos”.

O projecto multidisciplinar tinha como objectivo principal testar novas técnicas que

possibilitassem a descontaminação da área afecta à Sociedade Portuguesa de Explosivos

(SPEL) na região do Seixal, recorrendo a processos hidrobiogeoquímicos e utilizando estirpes

bacterianas adequadas e residentes.

Com o objectivo de se definir a estratégia a implementar na área afectada pelas

descargas da SPEL, houve necessidade de se proceder a uma caracterização geofísica por

métodos electromagnéticos - Radiofrequency-electromagnetics (RF-EM) e

Radiomagnetotelluric-Resistivity (RMT-R) - que possibilitaram a definição da geometria e

estrutura do aquífero e a delimitação das plumas de contaminação. A caracterização

hidrogeológica, hidrogeoquímica e microbiológica, foi feita tanto regional como localmente.

Com base nos resultados preliminares, estabeleceu-se uma rede de monitorização, para

estudar a evolução temporal da qualidade da água. Os trabalhos desenvolvidos no âmbito do

projecto foram apresentados no 6º Congresso da Água (Almeida et al., 2002).

Enquadramento hidrogeológico e hidroquímico

A área de trabalho do presente estudo corresponde a um pequeno sector do Sistema

Aquífero da Margem Esquerda do Tejo, definido por Almeida et al. (1997) como um sistema

multi-aquífero complexo, constituído por aquíferos porosos, multi-camada. Em superfície, a

área da SPEL está implantada sobre arenitos Plistocénicos (Quaternário) assentes em

formações arenosas de Alfeite do Pliocénico (Terciário) (Figura 1).

O aquífero superior, de tipo poroso, é livre nas formações arenosas superficiais e

apresenta algum confinamento em profundidade, que lhe é conferido por uma imbricação

complexa de níveis lenticulares argilosos, arenosos e mistos.

A análise de 79 logs de furos para captação de água, com profundidades compreendidas

entre os 150 e 350 m, evidenciou que não existem níveis argilosos regulares e contínuos, com

excepção de um nível, de 2 m de espessura, situado na base dos arenitos Pliocénicos. Este,

embora bastante extenso, também desaparece pontualmente. A tendência regional do fluxo

subterrâneo no aquífero livre, obtida pela aplicação de um modelo de simulação, é para NNE

no sentido do rio Tejo (Fernandes et al., 1999).

Em profundidade encontra-se um aquífero inferior, confinado, multicamada, que tem

por suporte as camadas da base do Pliocénico e as camadas areníticas, calco-areníticas e

margosas do Miocénico médio a superior. Os calcários gresosos fossilíferos e margas iniciam-

se à cota -72, ou seja a uma profundidade aproximada de 100 m.

A situação detectada, após a inventariação dos pontos de água existentes na região, as análises

químicas e a medição dos níveis piezométricos, foi a seguinte:

1. O aquífero freático superficial encontra-se bastante contaminado;

2. O aquífero subjacente é intensamente explorado para abastecimento público e

industrial, nos concelhos do Seixal e de Almada;

3. A depressão dos níveis piezométricos do aquífero inferior confinado induz,

certamente, fenómenos de drenagem descendente, mais acelerada nos locais onde

existe conexão hidráulica entre os dois aquíferos, com consequente contaminação do

aquífero inferior.

4. A situação é particularmente preocupante, pois segundo os resultados das análise

químicas (principais catiões e aniões, metais pesados e elementos vestigiais, no total

de 61 elementos, detectaram-se concentrações anómalas pontuais de certos elementos

vestigiais, tais como determinadas Terras Raras e Urânio, e que se localizam

sobretudo nas imediações da SPEL, nomeadamente, os furos nº 564 e nº 560.

Em complemento do trabalho efectuado, procurou-se obter confirmação dos valores

anómalos de urânio detectados no aquífero e esclarecer a sua origem. Para isso, procedeu-se a

uma nova amostragem e utilizaram-se técnicas analíticas diferentes, cujos resultados são aqui

apresentados.

2. Materiais e métodos

Na zona da SPEL e nos arredores, entre Corroios e Amora, visitaram-se vários poços e

furos para a medição in situ de parâmetros físico-químicos e recolha de amostras de água para

análise laboratorial. Os poços e furos amostrados estão assinalados na Figura 2.

No local, os parâmetros físico-químicos pH, condutividade, turbidez, salinidade,

oxigénio dissolvido, potencial de oxi-redução e temperatura, foram medidos com uma sonda

portátil multi-paramétrica Horiba, com „data-logger‟. A sonda foi previamente calibrada com

soluções padrão para cada parâmetro.

As amostras de água, de 10 L, foram recolhidas para recipientes de polietileno,

transportadas para o laboratório, imediatamente filtradas e analisadas para os isótopos dos

emissores alfa do urânio dissolvidos. A análise do urânio na água foi efectuada com a adição

do traçador isotópico 232

U, seguida de homogeneização prolongada para assegurar a

distribuição isotópica, e a co-precipitaçao do urânio com MnO2. O precipitado foi recuperado

e o urânio separado e purificado por cromatografia de troca iónica em coluna. A solução

contendo o urânio purificado foi electrodepositada num disco inox. Cada disco foi medido

com um espectrómetro alfa, com detectores de silício, que permite a separação das energias

das partículas alfa de cada isótopo do urânio. A quantificação foi feita recorrendo á

determinação do 232

U adicionado para permitir o cálculo do rendimento químico (Carvalho e

Oliveira, 1992).

O radão (222

Rn), descendente directo do 226

Ra, não é determinado por este método pois

sendo um gás escapa-se rapidamente para a atmosfera. O radão foi determinado

separadamente, em cada uma das águas, recolhendo no local, com uma seringa, uma amostra

de 10 mL injectada directamente para um frasco porta-amostra de cintilação líquida contendo

já o „cocktail‟ de cintilação e fechado herméticamente. A determinação do radão foi efectuada

prontamente, pois tem um período de desintregração curto (T1/2=3,8 dias), com um

especrotrómetro de Cintilação Líquida Tri-Carb (Hewlett Packard).A repetição das medidas

dos mesmos frascos porta–amostra cerca de dois meses depois permite a determinação do 226

Ra dissolvido na água através da medida do 222

Rn entretanto formado e em equilíbrio

radioactivo com o 226

Ra (Lopes et al., 2004).

Para a determinação dos iões maiores foram recolhidas amostras de água para frascos

de vidro e mantidas refrigeradas até ao momento da análise, efectuada com um cromatógrafo

Dionex DX 500.

Figura 1. Geologia da área investigada (Extracto da Carta Geológica simplificada, elaborada por Alain Francés do INETI/IGM)

Figura 2. Localização e identificação dos pontos de água amostrados na área investigada.

Numa importante extracção e lavaria de areias para construção civil, da empresa

Socrabine, localizada junto ao perímetro da SPEL, recolheram-se amostras de areias e de

lamas resultantes da lavagem, decantadas numa bacia de retenção. Estas amostras foram secas

em estufa e acondicionadas em frascos de geometria bem determinada para determinação dos

radionuclidos emissores gama utilizando um espectrómetro gama, com detector de GeHp

(Canberra) calibrado com uma fonte radioactiva multi-elemento QCY da Amersham

(Carvalho et al., 2004a).

3. Resultados e discussão

A análise dos principais parâmetros físico-químicos das águas indica que as águas dos

poços situados próximos da SPEL são fortemente ácidas, verificando-se uma subida do pH

com o afastamento na direcção NNE (Tabela 1). A condutividade e o potencial de oxi-redução

variam fortemente com o mesmo factor geográfico. A presença desta acidez está muito

provavelmente relacionada com os efluentes da SPEL, durante anos libertados para a uma

ribeira que corre, grosso modo, com a orientação S-N para o estuário do Tejo. Por outro lado,

devido à natureza arenosa dos terrenos, durante anos esses efluentes infiltraram-se tendo

acidificado e contaminado o aquífero superficial.

As análises de iões principais em duas das amostras de águas, indicam concentrações

muito elevadas de sulfato e de nitrato, provavelmente resultantes dos mesmos efluentes

industriais, e correspondentes aos ácidos minerais que foram mais utilizados na fábrica

(Tabela 1).

A análise dos radionuclidos em solução indica concentrações de urânio muito elevadas

nos dois pontos de amostragem próximos da SPEL. As concentrações em massa decrescem de

49 µg L-1

no furo do Centro Hípico para valores muito mais baixos, de 0,14 µg L-1

, em poços

afastados em direcção ao estuário do Tejo. Expresso em termos de concentração em

actividade, o urânio total nas águas analisadas variou de 1300 mBq L-1

a 4,3 mBq L-1

,

respectivamente. Note-se que a concentração do 238

U dissolvido na água salobra do estuário

varia de 10 a 34 mBq L-1

, crescendo com a salinidade. Já em águas doces, de poços e furos, o 238

U dissolvido é geralmente inferior a 30 mBq L-1

, podendo ser muito baixo em águas de

superfície como na albufeira do Castelo de Bode, 0,31 mBq L-1

(Carvalho, 1997; Carvalho et

al, 2004b). Mesmo tendo em consideração as águas das proximidades das minas de urânio, os

valores medidos nos dois poços situados perto da SPEL são excepcionais (Carvalho et al.,

2004a).

Os valores das concentrações de urânio medidos nas águas analisadas (Tabela 2)

estão positivamente correlacionados com a concentração total de sólidos dissolvidos

(R2=0,845; p<0,005). Para além disso, essas concentrações de urânio estão negativamente

correlacionadas com o pH da água de forma muito significativa (R2=0,686; p<0,05).

As concentrações do 222

Rn dissolvido (Tabela 2) não são, em absoluto, valores

elevados, variando entre um máximo de 9,3 Bq L-1

e valores abaixo de 1 Bq L-1

. Estas

concentrações não seguem o mesmo padrão de distribuição geográfica que o urânio e não

estão estatisticamente correlacionadas com as concentrações do urânio (R2= 0,06; p<0,60) .

Daqui se pode inferir que a lixiviação do urânio dos arenitos não é acompanhada por idêntica

lixiviação do rádio (226

Ra), o progenitor imediato do 222

Rn. Na realidade, as concentrações de 226

Ra nas águas encontravam-se abaixo dos limites de detecção do método utilizado, ou seja

<0,195 Bq L-1

, o que apoia a interpretação da não ocorrência de dissolução do 226

Ra. É

interessante notar que alguns dos valores mais elevados de radão foram medidos nas

captações mais profundas, o que sugere que o radão provém directamente da emanação das

rochas encaixantes do aquífero e não da anomalia do urânio nos pontos de água situados perto

da SPEL.

A análise por espectrometria gama das areias e lamas recolhidas perto da SPEL,

apresentou resultados (Tabela 3) que são valores típicos para sedimentos de aluviões do vale

do Tejo e solos não contaminados (Carvalho et al., 2004a). Isto é, os radionuclidos das

famílias do urânio e tório, com concentrações que variam entre 40 e 60 Bq kg-1

, e o 40

K, não

evidenciam qualquer aumento de radioactividade devido a actividades antropogénicas. Note-

se, no entanto, que apesar de recolhidos no areeiro, parte das areias são ali lavadas mas vêm

de outras extracções na região. Não reflectem pois, forçosamente, as concentrações das areias

locais, que pelo menos nas camadas mais profundas estarão contaminadas ou alteradas pela

infiltração dos efluentes ácidos. As lamas da bacia de decantação (partículas finas removidas

pela lavagem das areias) também não apresentam valores anómalos de radioactividade

(Tabela 3). No entanto, a água do furo do areeiro e a água do centro Hípico, ambas muito

ácidas, trazem para a superfície concentrações elevadas de urânio. Este urânio não se acumula

nas lamas de decantação do areeiro e mantém-se em solução devido à acidez da água na bacia

de decantação.

O urânio destas águas subterrâneas contaminadas tem uma composição isotópica (238U, 235

U, 234

U) correspondente à composição normal do urânio natural. A contaminação não

deriva, pois, da utilização de materiais uraníferos com as proporções isotópicas alteradas,

como por exemplo o urânio empobrecido usado como liga metálica em blindagens e em

projécteis de munições perfurantes. Também não corresponde a resíduos radioactivos

resultantes de eventual utilização ou manipulação de um resíduo de material nuclear, como

por exemplo reciclagem da sucata de metais provenientes de centrais nucleares por fusão em

fornos eléctricos. Trata-se, no entanto, claramente de concentrações de urânio muito acima do

fundo radioactivo natural alteradas em consequência de actividade antrópica. Uma

interpretação provisória, que parece plausível com base nos dados existentes, é a de lixiviação

do urânio dos sedimentos Terciários pelas águas ácidas injectadas no aquífero superficial.

Essa lixiviação não é provavelmente extensiva a outros radionuclidos, como o 226

Ra, cujas

concentrações na água são muito baixas. Esta interpretação carece, no entanto, de uma

fundamentação analítica mais extensa.

As concentrações do urânio total, emissor alfa, excedem nalgumas amostras dos

pontos de água os limites legais de 0,1 Bq L-1

e 1 Bq L-1

, respectivamente para a actividade

alfa total e actividade beta total na água destinada ao consumo humano (Tabela 2). Contudo,

devido à acidez e forte cheiro e cor conferidos pelos contaminantes dos efluentes industriais,

algumas destas águas já não são utilizadas para consumo humano ou para consumo animal.

São, contudo, utilizadas como água de rega e de lavagem.

5. Conclusões

A análise dos parâmetros medidos in situ indica que nas captações próximas da SPEL,

em particular em furos localizados num areeiro e num centro hípico nas proximidades, as

águas apresentam-se fortemente acidificadas, com elevada condutividade e elevado potencial

de oxi-redução. Estes parâmetros tendem para valores normais nas captações mais afastadas

na direcção NNE, isto é em direcção ao esteiro de Corroios do estuário do Tejo. A análise dos

isótopos de urânio naquelas mesmas águas mostra concentrações de urânio dissolvido muito

elevadas, atingindo 1.3 Bq L-1

nos pontos de água mais próximos dos terrenos da SPEL. Estas

concentrações decrescem na direcção NNE, à medida que a distância aumenta e o pH sobe.

Tabela 1- Localização e características físico-químicas das águas subterrâneas amostradas. Os iões maiores foram analisados em laboratório e os

outros parâmetros analisados in situ.

Local Coordenadas

GPS pH

Condutividade

µS cm-1

Potencial

Oxi-Red

mV

Turbidez

NTU

Oxigénio

mg L-1

Sólidos

dissolvidos

g L-1

Nitratos

NO3-

mg L-1

Sulfatos

SO42-

mgL-1

Cloretos

Cl-

mg L-1

Areeiro

Socrabine

Furo P70m

38º37‟20,4”N

09º08‟25,5”O

Alt 40 m

4,09 1200 429 19 10,2 0,8 95 440 64

Centro

Hípico T.P.

Poço P40m

38º37‟27,0”N

09º08‟14,7”O

Alt 45 m

3,62 2400 436 9 9,0 1,6 216 1284 86

Sr. Costa

Gomes

Furo

38º37‟45,7”N

09º08‟38,8”O

Alt 41 m

5,17 490 417 11 19,0 0,32 -- -- --

Sr Albert.

Dias

Poço

38º38‟02,3”N

09º08‟40,9”O

Alt 42 m

5,64 530 401 15 5,6 0,34 -- -- --

Plátano Ed.

Furo

38º37‟41,5”N

09º08‟52,4”O

Alt 34 m

6,14 960 247 42 8,8 0,61 -- -- --

Fáb.Plásticos

Unisotra

Furo P41m

38º37‟28,1”N

09º07‟50,0”O

Alt 41 m

5,13 360 398 30 8,7 0,24 -- -- --

Fábrica

Betão Liz

Furo

38º38‟09,3”N

09º08‟53,2”O

Alt 47 m

6,28 390 355 8 6,7 0,25 -- -- --

Tabela 2 - Concentração dos radionuclidos nas águas subterrâneas amostradas na margem sul do Tejo.

Amostra Ponto de água

238U

mBqL-1 ±1σ

235U

mBqL-1±1σ

234U

mBqL-1±1σ

Utotal mBqL-1±1σ

Utotal μgL-1±1σ

222Rn

Bq L-1

226Ra

Bq L-1

Beta Total

Bq L-1

Areeiro

Socrabine

Furo P70m

564 182.1±7.0 9.1±1.2 213.4±7.9 404.6±12.9 14.8±0.6 0.41±0.05 <0.195

0,4480,050

Centro

Hípico T.P.

Poço

560 605.8±18.2 28.4±2.2 671.4±19.9 (1.30±0.04)

E3 49.1±1.5 7.48±0.49 <0.195

1,2090,130

Sr. Costa

Gomes

Furo

571 2.1±0.2 0.13±0.05 2.3±0.2 4.5±0.2 0.17±0.01 5.40±0.39 <0.195

0,2750,021

Sr Albertino

Dias

Poço

561 3.8±0.2 0.24±0.06 4.4±0.3 8.4±0.5 0.31±0.02 1.24±0.13 <0.195

0,8100,034

Plátano Ed.

Furo

40 4.0±0.3 0.1±0.1 4.5±0.3 8.6±0.7 0.32±0.02 2.47±0.22 <0.195 0,4190,038

Fáb.Plásticos

Unisotra

Furo P41m

76 2.3±0.1 0.08±0.03 2.3±0.1 4.7±0.2 0.18±0.01 9.22±0.57 <0.195

0,2870,018

Fábrica

Betão Liz

Furo

538 1.7±0.1 0.08±0.04 2.5±0.2 4.3±0.2 0.14±0.01 4.98±0.37 <0.195

0,1520,015

Tabela 3- Concentração dos radionuclidos emissores gama, nas amostras de areia e lama

recolhidas no areeiro situado perto da SPEL.

Tipo Radionuclidos

40K

Bq kg-1

226Ra

Bq kg-1

228Ra

Bq kg-1

234Th

Bq kg-1

235U

Bq kg-1

Areia não

lavada 293,4±8,2 26,4±0,5 48,7±0,6 41,2±2,7 1,7±0,3

Lamas –

Bacia de

Decantação

619,0±42,5 26,5±1,9 45,7±3,1 66,9±12,4 <1,1 (*)

Areia

Lavada 489,8±32,6 6,4±0,5 8,0±0,6 <15,3 (*) 0,7±0,2

(*) Actividade Mínima Detectável

As concentrações do urânio estão significativamente relacionadas com a acidez da

água. Contudo não se detectou o rádio (226

Ra) nas mesmas águas e as concentrações de radão

(222

Rn) dissolvido, apesar de mensuráveis, são baixas e não seguem um padrão de distribuição

semelhante ao do urânio dissolvido. A análise das areias e lamas resultantes da lavagem das

areias, acumuladas na bacia de decantação na exploração do areeiro junto aos terrenos da

SPEL, revela concentrações dos radionuclidos da série do urânio que são normais e idênticas

às dos aluviões da bacia inferior do Tejo.

As concentrações anormalmente elevadas de urânio medidas nas captações de água

são seguramente consequência de uma acção antrópica que alterou o fundo radioactivo natural

de forma acentuada. A interpretação dos resultados permite excluir a possibilidade de a fonte

desta anomalia de urânio ser devida a eventuais efluentes contendo resíduos nucleares, como

por exemplo urânio empobrecido ou reciclagem de sucatas de centrais nucleares. Parece

também pouco provável a ocorrência de um depósito uranífero sedimentar na zona estudada.

Os dados disponíveis, designadamente a presença de importantes concentrações de ião sulfato

e de um pH muito ácido, sugerem como uma possibilidade a mobilização mais acentuada do

urânio natural existente nos arenitos. Com a neutralização gradual desta acidez, que se

verifica a maior distância, a dissolução do urânio das formações arenosas decresce

rapidamente.

A acidificação das águas subterrâneas, originada por efluentes industriais, dispersa-se

gradualmente no aquífero superior e trabalhos anteriores sugerem que pode estar a infiltrar o

aquífero inferior da margem sul. Adicionalmente, o pH e as concentrações do urânio indicam

que o fluxo do aquífero superficial segue uma orientação de SSW para NNE. Mesmo

admitindo que a dispersão de outros contaminantes possa vir a ser confinada e remediada no

aquífero superficial, a correcção da acidez da água é indispensável para reduzir a mobilidade

de metais pesados e radionuclidos e a lixiviação do depósito sedimentar.

A remediação e a contenção desta contaminação das águas subterrâneas podem ser essenciais

para prevenir a contaminação do aquífero profundo, do qual depende o abastecimento público

de água com qualidade. Esta interpretação necessita, no entanto, de uma base mais vasta de

investigação do sistema aquífero.

6. Referências

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