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Núcleo de Saúde Coletiva Thereza Christina Bahia Coelho DO ZERO AO INFINITO

Do zero ao infinito

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Núcleo de Saúde Coletiva

Thereza Christina Bahia Coelho

DO ZERO AO INFINITO

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Edited by Thereza Christina Bahia Coelho

Coelho, Thereza Christina Bahia Do zero ao infinito. Feira de Santana, Universidade Estadual de Feira de Santana: 2014. 20 p.

1. Filosofia. 2. Ética. 3. Poesia. 4. Ciência I. Núcleo de Saúde Coletiva II. Departamento de Saúde. III. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. IV. Universidade Estadual de Feira de Santana

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Para Luciano.

... E, de três, se fez um. Ou vários.

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MAIS OU MENOS

Foram anos de gestação e um parto muito rápido, que durou uma manhã. Depois vieram dois

anos de pequenos retoques até eu descobrir de onde viera o título, antes pretensamente

original. Falsas memórias são recorrentes embora não nos apercebamos. Trata-se de um texto

de Alain Badiou sobre ontologia. De similar, fora o título, apenas o recurso à matemática

elementar para pensar o complexo. Sem qualquer compromisso com os rigores acadêmicos

esse livreto busca integrar saberes no alcance de uma compreensão multirracional, intuitiva e

reflexiva do sentido da vida. Da minha vida, diga-se de passagem. Mas talvez interrogue algo

da sua.

Poderia ser um ditirambo, uma coleção de aforismos, mas trata-se de um ovo. Uma vez posto,

lá se vai ele ciscar em outros terreiros, assim espero, caso não esteja sendo excessivamente

pretensiosa.

Ocorre que, ao colocar meu ovo senti uma paz muito grande e queria compartilhá-la com

outras pessoas. Mas, talvez, essa paz não seja comunicável, nem faça qualquer sentido para

outrem as conexões e desconexões aqui postas. Quem sabe as angústias que habitam cada

UM?

Uma vez feitas essas considerações, dou início às operações de análise (estraçalhamento) e

síntese (mosaicos) em direção ao um lugar sem fim... Do preto, no branco, para o multicor...

Tereza
Riscado

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ZERO

A representação do Nada talvez seja um dos maiores desafios que a psique humana

tem encontrado desde que se tornou consciência autônoma. Em geral, imaginamos o

Nada como um fundo preto, uma superfície negra ou, simplesmente, a noite escura e

sem estrelas – ausência de luz.

Entretanto, mesmo quando estamos sozinhos, na completa escuridão, ainda somos

capazes de sentir alguma presença proveniente da sensação auditiva de um ruído, ou

tátil, do ar que se esbarra em seu movimento contra nossa pele, sempre à espreita.

Podemos sentir ainda a atividade interna do nosso corpo e mente, mesmo se formos

um astronauta do lado de fora de uma nave em órbita no planeta.

De maneira que, essa presença, esse algo, essa coisa que se opõe ao Nada, e ao

mesmo tempo o denuncia, se chama movimento. Não é à toa que os antigos definiam

o ser vivo como aquele que anda, se mexe. Vivo é aquele que é animado. Mas tudo,

na verdade, está em movimento. Mesmo o cadáver, a pedra, se mexe, lentamente. E o

que se move a si mesmo é a alma: anima. A imobilidade pertence ao nada. O que é,

emerge, contra essa ausência. Daí que o Nada, embora pareça ser anterior ao Algo,

termine sempre submetido à lógica deste UM (algo) que lhe sucede.

Falar no Nada como um fundo, uma parede, uma superfície negra, ou espaço negro e

vazio de matéria ainda é insuficiente. Porque uma superfície ou um espaço vazio ainda

são algo, são anteparo e continente. O Nada, nem isso é. O Nada não é.

Ora, isto já tem sido muito dito. Grandes filósofos se debruçaram sobre essa questão:

o que é o Nada? De Parmênides a Sartre.

“É necessário dizer e pensar que o ser seja, pois o ser é, e o nada não é”.

Esse texto não pretende construir uma história do pensamento ocidental sobre o

Nada, nem ousar uma ontologia, mas apenas definir uma posição, de simples pessoa

com direito ao pensamento especulativo, em relação a algo deste pensamento

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coletivo encadeado em diálogos intergeracionais. Porque esse texto é uma expressão

do meu (mas nosso, deles, de todo mundo) pensamento que, em algum momento de

luta e obscuridade, procurou apoio, tentou, no desespero de cada dúvida, se iluminar

e pongar no rastro destes cometas humanos, os sábios.

Mas, a dificuldade permaneceu e permanece, seja nas aproximações com a psicologia,

a fisiologia, a física ou a filosofia. Talvez, seja uma dificuldade condenada à eternidade,

mas sinto que pensar o Nada, de alguma forma, torna-se cada vez mais, menos, e

menos, hostil. Tomemos uma narrativa:

“No início, era só lama e insetos”.

Com esta frase, um grupo de Agentes Comunitárias de Saúde descreveu o surgimento

da comunidade onde trabalhava e morava. Tratava-se de uma vila operária nascida no

meio do pântano. Essa descrição que logo nos remete à Bíblia – No início era o verbo –

me intrigou sobremaneira. Foram três situações representadas na proximidade de um

tempo curto.

A primeira veio em uma conversa (onde ouvi a história do nascimento de uma

comunidade), a segunda, por meio de um documentário televisivo, e a terceira e

derradeira, em um filme. A narrativa do senso comum mostrando que do nada algo se

fez. Algo que o homem fez. A narrativa bíblica contando a criação de Deus. E a

narrativa científica descrevendo o big bang como evento de extrema violência

geradora do tempo e da luz, do processo frio-quente-frio, contração-expansão,

instabilidade extrema de partículas-energia e aquisição progressiva de estabilidade

com surgimento da matéria.

Então, estava eu lá, na minha condição passiva de ouvinte buscante da luz, quando o

físico nos convidou, tele-espectadores, a pensar sobre o Nada, o que era anterior à

explosão cósmica como evento gerador do universo, a pensar sobre a sopa energética

(tela) que se antepõe entre a explosão e o lançamento dos fragmentos que irão

constituir nossa abóbada celeste e Tudo o mais.

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O convite lançado era ainda mais tentador, pois se fazia contra a premissa número um

da filosofia que até hoje nunca se pôs por terra e se enuncia: nada vem do nada. O

criacionismo foi uma das hipóteses mais combativas e combatentes, pois para fazer

surgir Algo do Nada, e aí já temos dois elementos, algo e nada, se necessitaria de uma

força adicional, terceira, centelha que fosse, e de preferência, divina.

Hoje a intervenção divina é, outra vez, recrutada para explicar a coesão do Algo

(Bóson), agora na forma de uma cola (beijo) de partículas, se bem entendo esta

complexidade. Algo que se insinua, exatamente, da violência que produz arremesso e

choque, fusão, estabilidade.

Mas...

Como da violência pode vir a estabilidade? Este pensamento é quase enlouquecedor.

Daí que, a questão do surgimento da coisa, vinda do nada, foi considerada até pouco

tempo como ABSURDO. Sendo a redução ao absurdo uma das formas de

argumentação lógica contrária à dada tese. AB surdo pode muito bem significar que

ficarei surda à sua argumentação porque ela não me diz nada. Mas não é absurdo

pensar que havia, não o nada, mas uma coisa tão pequena quanto poderosa que se

expandiu-explodiu em energia, e que a união (beijo) de partículas de energia fez surgir

a matéria. O que me parece significar que o algo sempre existiu, apenas era um algo

de um jeito que ficou de outro jeito. Criada a matéria, e com ela, o movimento, fez-se,

aí, o tempo. O presente (uma vez criado o tempo), deixando-se a tese do absurdo de

lado, trouxe Tudo com ele. Trouxe tudo a partir da unidade (união).

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UM

Aqui estamos UM(A). Quando meus então colegas da psicanálise tratavam da lógica

onírica, que é tributária da lógica inconsciente, onde a fusão e a ambiguidade

predominam, tratava-se então esta “realidade” como estética ou ética, nada de

ciência, nada de real. Explico: cada representação mental em um sonho (imagem,

pensamento ou sensação) podia “ser” ou “não ser” algo. Ser algo e ser outro algo,

simultaneamente. Pois, essa polissemia própria da linguagem também faz parte da

lógica inconsciente, contrária à lógica da realidade, dicotômica, que diz que uma coisa

é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Então, quando a psicanálise já havia aberto mão de ser ciência, para ser prática técnica

inserida no âmbito da ética, havia dificuldade nossa em legitimar esse conhecimento,

tão experimentado, tão certo e tão tranquilo para aquele que trabalha e pensa o

funcionamento mental. Havia uma barreira, alguns diriam, positivista, outros

chamariam apenas de ignorância. Havia e ainda há. Mas, eis que, a instabilidade do ser

e não ser bate à porta da física, a mais científica das ciências, que agora, inclusive, não

apenas produz constructos teóricos, mas experimentos sofisticadíssimos como uma

câmara fotográfica de 5 andares, ou algo do gênero. Ideias novas se arvoram, de forma

que a velocidade da luz não é mais o limite e o limite se estica e se contorce abrindo

um espaço de possibilidade para nós, poetas, e estudiosos da vida.

Talvez, talvez, agora, nos seja permitido falar sobre os mistérios multisondáveis da

existência. Abriu-se uma pequena janela.

Ora, de que maneira? No Um está contido o Zero e o Múltiplo. Primeiro, vimos como o

Um surge do Nada. Se é que surge. Se é que não sempre esteve aí. Heidegger adoraria

falar disso.

Mas o fato é que no UM já se encontram embutidos todos os outros uns, que serão

dois (um + um), três (um + um + um), and so one. E não é engraçado que a língua

inglesa utilize esta expressão and so one, que literalmente traduziríamos por “e, então,

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um”, para dizermos “e por aí lá vai”? Expressão de continuidade, caminho para o

infinito. Pois bem! Olhemos para o ponto a seguir:

É um ponto grande. Se comparado a um ponto parágrafo. Mas esse ponto nada mais é

do que um milhão de pontos (falo um milhão para tratar de um número incerto,

poderia ser também um zilhão). Logo, um, dois, três ou zilhões, é TUDO A MESMA

COISA.

Existe uma cratera aberta para o mundo. Um ponto quadrado, insiste minha

representação modelar que pensa as janelas, obrigatoriamente, com ângulos retos.

Dela, da janela, tantas luzes, sons, cheiros e perigos. Ou um ponto oval. Uma cratera

paulista que suga carros e pessoas. Pode ser uma cave cheia de vinhos. Ou uma

caverna, que é ainda nosso abrigo mais secreto contra a guerra e a ignorância.

Nela pintamos a caça, o rito. A partir dela construímos o mito do saber essencial, eidos

(εηδορ), forma além da física.

E AGORA PEÇO... humildemente, sem caixa alta. Peço licença para um fato pessoal. O

fato pessoal, mais do que uma ilustração é um pedido de re-conhecimento. Existe para

resgatar a atenção do OUTRO. Como eu disse antes, se olho pela janela, da janela, ou

da rua, não importa, me olham.

Sem a janela do alter olhar só existem sombras e sussurros. Ou talvez não exista

mesmo Nada. Ou nem o Nada exista. Eita expressão complicadinha, essa, do nosso

amado português. Eu olho e vejo o que o outro talvez veja. Talvez é uma expressão de

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possibilidade que a lógica não reconhece. Para a lógica existe o “e”, conectivo (adição)

e o “ou”, que é exclusivo. Mas, o que é exclusivo pode ser alternativo. Não é esquisito

isso da lógica? Mas tem sua razão de ser essa exclusão das possibilidades, das

probabilidades. O que interessa é que sou muito, senão Tudo, por meio dessa imagem

contida no olhar de quem me olha.

Dessa forma, o fato despertador se insere na adolescência alegre dos carnavais de rua,

quando, na embriaguez exógena dos sentidos, quando o Afoxé Filhos de Gandhi

invadia o bloco Eva quebrando com a separação das classes, das raças, dos ritmos, de

forma surpreendentemente pacífica, em um daqueles momentos, o pensamento-

revelação leve, risonho, feliz se fez no meu pensamento com esta frase: é tudo a

mesma coisa.

Daí por diante, muitas vezes pensei aquela frase. Sempre com aquele tom profético

das experiências apofânicas ou dos êxtases religiosos. E depois, em sã consciência, e

sob o exercício sóbrio da racionalidade continuei a suspeitar (para não dizer, acreditar)

que tudo é, de fato, a mesma coisa. E que irei, quando morrer, me integrar

(desintegrar) ao mundo da energia ou, de maneira mais antiga, à natureza. Serei mil

fragmentos, e serei PARTE do UM.

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DOIS

Mas isso demora ainda, eu espero, pelo menos o tempo de você me ler. Por isso,

chego de novo na borda da janela. Não se trata mais de uma janela. Contemplo aquele

círculo negro anterior e descubro que o seu interior é oco. É um túnel. Penetro nesse

túnel e escorrego como em um filme de ação-ficção. Escorro em curvas e retas,

completamente ignorante para onde vou. E seu interior, seu percurso e seu final, é

vida. A imagem final deste ponto, que eu quero manter é esta: a incerteza. A

vulnerabilidade, a precariedade, a fugacidade, o medo.

Dizem os fisiologistas, que o medo é uma proteção. Sem estas reações naturais do

organismo, do medo e da dor, estaríamos perigosamente expostos à violência do

mundo e não teríamos parâmetros para medir o bem e o mal. O que nos mata e nos

deixa vivos por mais um tempo. O medo, portanto, é aliado da vida. Mas, pode matar

também. Como a violência do big bang, que cria e descria, matéria e antimatéria, tudo

e nada, o medo gera sua própria e inesgotável violência, sob “n” justificativas. Então,

eu sou obrigada a com-viver com o medo, esse outro especular que faz caretas e lança

dardos, o tempo todo da minha breve existência. Não quero te olhar, capeta! Foge de

mim! Prefiro a morte precoce a você, sondando e prevenindo: olha a violência do

mundo. Ela vem. Cedo ou tarde.

Mas, como médica, eu sei que enquanto se está vivo sempre se dá um jeito, tem-se

uma saída, uma escapada desse (ou nesse) tobogã. Posso usar a escada. Para que me

atirar e me afogar na adrenalina? Deixa isso para os afoitos e temerários (os que não

temem). Não. Nada de coração palpitante. Nada de taquicardia sem controle. Quero

uma rota de fuga para o silêncio. Quantos momentos tranquilos, ilusões de perenidade

infinita e segura somos capazes de criar? Esse e outros pensamentos são como abrigo.

Abrigos mentais nos auxiliam contra o frio da tristeza, da separação sem volta, da dor

inútil que não cessamos de invocar em pensamentos antecipatórios, ou recordatórios.

Nos abriguemos, então, nesses doces cobertores mentais. Eu na minha rede, tecido

amigo a me envolver. Você nos braços da amada. Nós, no escurinho do cinema

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contemplando um céu de estrelas plácidas e benevolentes. Quantas memórias e

sorrisos a montar guarda em nosso castelo vital.

Desde Platão, o dois, que era um, e virou três, é aquilo que faz VALER A PENA. E o valor

sou eu, e eu sou os Outros que me fizeram ser assim, quem sou. Sou eu a medida e a

pena, o peso que marca com a palavra SIM. O número dois quer dizer SIM, com três

letras. Conectivo do desejo. Eu quero! Vos quero, amores da minha vida.

De novo, navegamos na ambiguidade. O dois surge da divisão do um. Ou da sua

multiplicação.

O dois te pega em aconchego e te larga em uma encruzilhada. Você pra lá, ele para cá.

O DOIS é o número perfeito dos seres imperfeitos.

Dói-S.

Dói ser sem.

Dói estar sem.

Você.

Outro Eu.

Existe na nossa socialidade milenar uma coisa bacana. A gente senta, fuma um

cachimbo e sorri. Isso é um convite.

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... TRÊS

As reticências são uma mensagem de pudor. É uma expressão do limite e do ilimitado.

É nosso limite no nomear, enumerar, ou explicar. Três pontos fazem uma fila indiana.

Indicam a possibilidade de mais pontos. Multiplicação. Sugerem também um caminho.

E muita conversa. Conversa animada entre amigos, colegas, filhos e irmãos. Pessoas do

N OSSO universo. Para um cão, o universo pode ser um osso. Para um humano, a casa

é o continente, o chão.

O SS O

Colocando-se dois sujeitos plenos (não barrados) entre dois zeros nós obtemos uma

imagem de completude e, ao mesmo tempo, como tudo nesse discurso, de

descontinuidade. Porque? Os dois sujeitos remetem à cópula (S e S). Entre o sujeito e o

zero está o vazio, pois o zero de que falo é representação. Os espaços separam os

sujeitos unidos do ZERO QUE NÃO OS CONTÉM. São outros zeros. Não possuem

significado. Tudo que possui significado, na perspectiva da psicanálise lacaniana que

por sua vez bebe na semiologia, barra o sujeito no sentido de limitar a plena

significação das coisas, porque a linguagem possui um limite e o inconsciente é

instituído como linguagem e o sujeito também.

O terceiro é uma barra. Um corte entre eu e tu.

(Ou seria uma ponte?)

Logo, ser sujeito, ser falante ou objeto de quem se fala algo, se afirma ou nega, implica

se inscrever em um universo imperfeito que se exprime por um “S” cortado por UM

traço inclinado - S. Ser sujeito barrado significa, para quem acredita nessa história, ser

sujeito de linguagem e a ela estar sujeito. Ser cortado por duas barras verticais é outra

coisa. É barra pesada . É ser escravo.

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Voltando ao osso e à subversão.

Os zeros... óo... podem muito bem formar dois olhos a perscrutar e interrogar por

significantes seriais para uso em momentos precisos: zero-um-zero/SOS. Sujeito-

objeto-sujeito. Com essa tríade, chegamos para além do humano. Pois, com três

dimensões e quatro níveis de empilhamento obtemos uma pirâmide que nos

maravilha e horroriza (o massacre do topo sobre as bases).

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QUATRO...

O quatro é dois, duas vezes. O dois no espelho. Ou UM quatro vezes. O quatro é o

pilar da perfeição. Se tomarmos a representação de uma pirâmide invertida e

colocarmos, no alto, quatro pontos, e depois três, e depois dois, e depois UM, teremos

o número dez, o número da perfeição (ou, um símbolo do feminino... ahh... é tudo a

mesma coisa). Pitágoras fez isso. Ele amava os números. Eu nasci no dia 10 de dez-

embro, de 1959 (1 + 9 = 10; 5 + 9 = 10 + 4), mas continuo imperfeita. Não tem

cabalística certa. Talvez, por isso, ao começar a estudar os filósofos modernos eu

tenha me impulsionado cada vez mais para trás, para a origem do pensamento,

buscando entender o presente pelo conhecimento do passado, e fui indo até chegar na

civilização minóica pretensamente destruída pelo tsunami provocado pela erupção de

Thera. Quanto Thera implodiu, levou consigo uma época, um mundo. Criou um zero

em seu interior. Criou múltiplas ilhas, belas, solitárias. E aqui, novo pedido de

desculpas, pois minha atividade vulcânica metal foi despertada por Olavo Bilac.

Quando Ismália (Island) enlouqueceu

Pôs-se na torre a sonhar

Viu uma lua no céu

Viu uma lua no mar

Eu tinha 9 anos quando li esse poema e tive pesadelos com ele. Um trem ia passando e

de repente fazia um desvio de 90 graus e me pegava. Minha alma subia até perto do

céu, e de lá despencava... Eu estudava em Salvador e morava na fazenda em Dias

D’Ávila. Almoçava às 11 horas e jantava depois das 9:00 da noite. Sem TV, ia logo para

a cama. Meu sono era cheio de pesadelos, por má digestão, vermes ou culpas

recalcadas que cobravam expiação (instigada por outros meninos, havia colocado

pedras em um trilho de trem, que não descarrilara, ainda bem). Mas, um dia,

chegando na fazenda, meu pai desligou o Jipe, aumentou o rádio e pudemos ouvir “e o

homem acaba de pousar na lua”. Olhamos para o céu hiperestrelado e ficamos

parados, imaginando o imaginável, procurando a lua. Ainda éramos cinco.

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... IN-FINITO...

De um núcleo familiar de cinco, dois se foram, e nove chegaram, resultantes da união

de três com mais três, para compor uma rede de consangüinidade e afetos que se

estende, captura, esgarça, e vai... mar vivo, adentro e afora. São 12 organismos

pulsantes (fora os três doadores de DNA e afetos) que caminham para o infinito do ser.

Ora, entre dois pontos existe, mesmo, o infinito. Várias aporias tratam disso (a da

flecha, a da tartaruga). Entre 12 pontos, mais infinito não se pode dizer. Pois um

infinito não pode ser maior que outro infinito.

O infinito pode ser tomado enquanto totalidade. O artigo que o qualifica,

quantitativamente, é singular. A palavra portuguesa para descrever esta realidade

impalpável tem duas partes. A parte central, o finito, o que tem fim alcançável e

conhecido, e o prefixo “in”, que pode significar privação, negação ou movimento para

dentro.

Claro que, no caso aqui em estudo, trata-se de uma negação. A negativa do que tem

fim. Mas também pode ser privação. O infinito como falta de um guarda que estenda a

mão e diga: pare. Pare tudo! A ausência de terminação, a ação de distanciamento

rumo ao caos, ao acaso, ao aleatório, ao in-de-terminado é privação de ordem. A

liberdade é privação de ordem. Ein?

E, se o in do fim fosse movimento para dentro, o infinito encolheria até chegar perto

do nada, dele nunca se acercando, realmente. O movimento para dentro pode gerar

um colapso. Enquanto pequenos lapsos de tempo se acumulam na eternidade. É pra lá

que eu vou.

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O que é Arte? Filosofia? Ciência? Ética?

De que sujeito-objeto falamos? Eu, você, nós ou eles?

Para onde quero ir com toda essa conversa, pedido, convite?

Você está interessado em ir viajar comigo, com a gente, sozinho?

Você está aí.

Eu estou aqui.

Nós lá, Eles acolá.

Ainda existimos. Que bom!

Que nossa vida seja boa e plena de interrogações e constatações.

Nota: O que foi aquilo lá em cima da página? Uma mensagem de paz? Ou um

cogumelo atômico. Uma superexplosão. A transformação do um, em nenhum. O

aniquilamento que devemos manter perto da memória o suficiente para não ser

experiência perdida, nem reativada.

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Brincadeirinha. Era uma flor selvagem de Salvador com perguntas no topo e felicidade

na raiz. Felizes são as árvores dos campus que podem contemplar anos a fio a

construção tranqüila e protegida do conhecimento sem se afetar por sua violência

oblíqua.

objetivo central desta numerologia fraseada é questionar, colocar sob

interrogação, inquérito, a separação artificial dos saberes e modos de pensar.

A finalidade deste trabalho é também colocar em xeque, ou em parênteses, a

normatividade cansativa dos domínios (campos) estabelecidos e dos valores com os

quais nos chicoteiam sem cessar.

Ex-iste uma equação. Foi. Será. Está indo divagar. É circular.

A explosão de todos nossos irmãos, o corte abrupto da vida, o traço entre palavras que

não mais serão ditas. A equação nos toma e exige soluções difíceis. Muito difíceis.

Exige coragem. Muita coragem. Um punhado de força interna e externa para o

lançamento inaugural e monumental. Quando daremos este passo (não o primeiro,

nem último, só o necessário) em direção a nossas raízes, à nossa verdadeira e de-

finitiva vocação?

A filosofia é tudo.

A ciência, solução? Sim e não.

A ética, meio prudência, meio justiça.

A estética é gozo em (dis)curso e ação.

Eu lancei um convite. Ou era um Pedido de Socorro (me salve de mim) em um drama

desenvolvido em quatro atos e oito tons com infinitas modulações: Dó, Ré, Mí, Fá, Sei,

Lá, Se, Dó

O

A beleza fugaz que invadiu um dia os meus olhos, que história conta? Pedaços de vida bem (ou mal) vivida que se restam em rastros de cor... Cada imagem em texto, fotografia ou pintura fala: o azul daqueles olhos disse TUDO.

A casa esmaecida e bruxelante, eu pintei em um dia possivelmente triste. A água

refletindo as construções bucólicas é caldo social que atravessa folhas e nuvens em

espaços inominados. Um quadro pintado em um exílio voluntário dá luz a desejos de

simplicidade: minha casa sou eu. Vértice vermelho, sangue que toca o céu, gota a gota,

suor a suor. Acumulam-se dizeres, profecias e indignações naquele telhado. Não

compreendo. Os números não batem. As contas não fecham. A dúvida é a única

violência necessária. Estimativas sem estima de nada valem. Simbologia vazia.

O quantum só tem sentido no amor. Quando se diz assim: te amo tanto.

Tanto, que corrói. Corre aqui. Já!

Encoste UMA mão, na OUTRA mão.

Pegue a água dessa fonte,

e traga um pouco pra mim.

Merci, ma mère (mer)...

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE SAÚDE

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

Núcleo de Saúde Coletiva (NUSC)

[email protected]