21
DISPUTAS EM DIFERENTES TEMPOS NA CONSTRUÇÃO DA ARENA PERNAMBUCANA PARA A COPA DO MUNDO: PLANEJANDO, EXECUTANDO, MITIGANDO 1 Parry Scott, Dayse Amâncio dos Santos, Eduardo Araripe Souza, Alice Mello Programa de Pós-Graduação em Antropologia-UFPE/FAGES. Grandes projetos de investimento para megaeventos são tão ambiciosos que parecem abranger todos os projetos de melhoria que já existiam antes. A hora de anunciar a decisão de realizar o evento é precedida por muito tempo de planejamento e negociação, distantes dos holofotes da divulgação, com pompa, feita por quem está assumindo a responsabilidade de tocar o projeto adiante! Todo megaevento tem pelo menos dois inícios antes do anúncio. O primeiro início compete aos promotores. Este início é semi-explícito e consiste de informações, mais informais que formais, dos organizadores potenciais de quem são e dos que continuarão sendo os principais articuladores das atividades relacionadas diretamente com a proposta pública do evento, e que comandarão as ações necessárias para que se possa captar e realizar o evento. Tanto os que pertencem às organizações perenes promotoras (FIFA, Comitê Olímpico, Organizadores de feiras internacionais, etc.), quanto os pretendentes a colaboração direta, elaboram planos, atividades e campanhas próprias, para definir qual será a próxima “sede” em que haverá concentração de atenção e investimentos para o megaevento. O segundo início é dos potenciais aliados, e é implícito, multifacetado, e com muitas datas diferentes, tanto muito antigas, quanto bem recentes, pois este início se redefine de acordo com projetos existentes, independentes do megaevento. Os organizadores destes projetos consideram os seus planos contempláveis e querem aproveitar a oportunidade para levar a frente algum(ns) projeto(s) pré- existente(s), cuja realização é oportunizada pela situação de exceção e intensidade de atividades e investimentos que o megaevento representa. Dessa forma, estes projetos “implícitos” precisam encontrar os pontos de articulação que têm com as idéias dos promotores do megaevento para poderem adaptar-se aos desenhos dos organizadores principais. Ideias sempre presentes, como a melhora do sistema de mobilidade urbana, o estímulo ao turismo, a modernização de espaços residenciais, programas de promoção à saúde/prevenção de doenças, construção de equipamentos para a realização de competições esportivas (ginásios, arenas, vilas olímpicas, etc.), ad infintum, terão uma oportunidade para se realizarem com mais desenvoltura. A confluência dos planos dos promotores e dos aliados escolhidos rotula a realização dos seus planos de “legados”. Trabalham no convencimento público que estão respondendo a alguma 1 Trabalho apresentado no II Conferencia Internacional Megaeventos e a Cidade, Rio de Janeiro, UFRJ- IPPUR, 27-30 de abril, 2014, na sessão temática AT2, Conflitos e Resistências.

DISPUTAS EM DIFERENTES TEMPOS NA CONSTRUÇÃO DA ARENA PERNAMBUCANA PARA A COPA DO MUNDO: PLANEJANDO, EXECUTANDO, MITIGANDO

  • Upload
    uqo

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

DISPUTAS EM DIFERENTES TEMPOS NA CONSTRUÇÃO DA ARENA

PERNAMBUCANA PARA A COPA DO MUNDO: PLANEJANDO, EXECUTANDO,

MITIGANDO1

Parry Scott, Dayse Amâncio dos Santos, Eduardo Araripe Souza, Alice Mello

Programa de Pós-Graduação em Antropologia-UFPE/FAGES.

Grandes projetos de investimento para megaeventos são tão ambiciosos que parecem

abranger todos os projetos de melhoria que já existiam antes. A hora de anunciar a decisão de

realizar o evento é precedida por muito tempo de planejamento e negociação, distantes dos

holofotes da divulgação, com pompa, feita por quem está assumindo a responsabilidade de tocar

o projeto adiante! Todo megaevento tem pelo menos dois inícios antes do anúncio. O primeiro

início compete aos promotores. Este início é semi-explícito e consiste de informações, mais

informais que formais, dos organizadores potenciais de quem são e dos que continuarão sendo

os principais articuladores das atividades relacionadas diretamente com a proposta pública do

evento, e que comandarão as ações necessárias para que se possa captar e realizar o evento.

Tanto os que pertencem às organizações perenes promotoras (FIFA, Comitê Olímpico,

Organizadores de feiras internacionais, etc.), quanto os pretendentes a colaboração direta,

elaboram planos, atividades e campanhas próprias, para definir qual será a próxima “sede” em

que haverá concentração de atenção e investimentos para o megaevento. O segundo início é dos

potenciais aliados, e é implícito, multifacetado, e com muitas datas diferentes, tanto muito

antigas, quanto bem recentes, pois este início se redefine de acordo com projetos existentes,

independentes do megaevento. Os organizadores destes projetos consideram os seus planos

contempláveis e querem aproveitar a oportunidade para levar a frente algum(ns) projeto(s) pré-

existente(s), cuja realização é oportunizada pela situação de exceção e intensidade de atividades

e investimentos que o megaevento representa. Dessa forma, estes projetos “implícitos” precisam

encontrar os pontos de articulação que têm com as idéias dos promotores do megaevento para

poderem adaptar-se aos desenhos dos organizadores principais. Ideias sempre presentes, como a

melhora do sistema de mobilidade urbana, o estímulo ao turismo, a modernização de espaços

residenciais, programas de promoção à saúde/prevenção de doenças, construção de

equipamentos para a realização de competições esportivas (ginásios, arenas, vilas olímpicas,

etc.), ad infintum, terão uma oportunidade para se realizarem com mais desenvoltura. A

confluência dos planos dos promotores e dos aliados escolhidos rotula a realização dos seus

planos de “legados”. Trabalham no convencimento público que estão respondendo a alguma

1 Trabalho apresentado no II Conferencia Internacional Megaeventos e a Cidade, Rio de Janeiro, UFRJ-IPPUR, 27-30 de abril, 2014, na sessão temática AT2, Conflitos e Resistências.

vontade da sociedade de ver estes planos realizados.

É importante ressaltar que sempre há ainda outros projetos existentes que, ou não conseguem

ser contemplados, ou nem almejam ser, pelo que um megaevento representa, seja por puro

desinteresse por não se sentirem envolvidos, seja numa direção abertamente contrária às metas

dos seus organizadores. Alguns destes projetos embasarão possíveis resistências, negociações e

conflitos que serão ocasionados pelos grandes projetos. Muitos outros, ainda não organizados,

ou organizados num nível de poder inferior ao exigido para inclusão no megaevento,

enfrentarão uma tarefa urgente de se defenderem ao descobrir que a existência deles é percebida

pelos organizadores do evento como empecilho ou barreira que precisa ser removida para

realizar o megaevento.

No afã de participar da intensificação de atividades que envolvem a circulação de capital, em

nome do crescimento e do desenvolvimento, megaeventos se apresentam como capazes de

ressuscitar e soprar ânimo em projetos moribundos, esquecidos e parados. Um megaevento tem

a capacidade de injetar uma movimentação em projetos tão morosos que ninguém nem lembra

direito quem primeiro falou neles! Na visão dos que se envolvem no projeto que pode ser

inserido na agenda do megaevento, “Sempre se queria fazer uma coisa dessas, mas agora

apareceu a oportunidade!” De fato, as oportunidades circulam de uma maneira desigual, e os

bastidores dos projetos envolvem diálogos técnicos entre planejadores que podem ser vistos

como visionários do futuro, por assim dizer, pelo menos, do futuro nas suas áreas específicas de

atuação. O planejador vende um futuro projetado, e o seu sonho é que apareçam as condições

objetivas de colocar os seus planos em ação, de tirá-los do papel, da maquete virar uma obra

admirada, dos cálculos se confirmarem em alguma coisa viável, segura e muito valorizada. Que

os projetos se revistam de uma aura de desenvolvimento, modernidade, progresso e avanço

tecnológico é uma combinação sine qua non para a inclusão dos projetos na agenda mais ampla.

Esta “aura obrigatória” não exime os idealizadores dos projetos de tentarem se apropriar (às

vezes, com sucesso) de outros valores que possam ser opostos ao que os reais planos objetivam,

sugerindo a inclusão social de grandes contingentes da população e a defesa dos interesses de

integração de todos.

O controle do tempo é absolutamente imprescindível na administração do alcance dos

objetivos dos planos de megaeventos. O tempo tem sido amplamente estudado como construção

social e exemplificações de como a percepção do tempo se relaciona com o cotidiano de grupos

sociais diversos – jovens, trabalhadores, executivos, mulheres, indígenas (FRANCH 2004,

ADAM 1990, ARAÚJO 2011, e a revista TIME & SOCIETY). Os estudos de David Harvey

(1989) marcaram uma especificidade de compressão de tempo e espaço no mundo globalizado,

e Norbert Elias (1997, ELIAS e DUNNING, 1996) realça o progressivo aumento do controle do

tempo como um elemento fundamental na convivência entre grupos sociais. Ele argumenta que

isto exige medição cada vez mais precisa, ao mesmo tempo em que evidencia e constrói

mecanismos de diferenciação e desigualdade. Como diz Franch, ao discutir as abordagens de

Elias e Bourdieu:

Historicamente, a possibilidade de controle do espaço e do tempo é privilégio das classes dominantes, mas isso não quer dizer que os grupos populares não

desenvolvam suas estratégias e temporalidades próprias (2004: 27).

Um megaevento se dispõe a impor um quadro temporal para realização que reúne os planos de

grupos hegemônicos, e que se divulga de tal forma que interage com uma diversidade de grupos

e demandas que precisam se articular, seja para conformar-se com este quadro temporal, seja

para contestá-lo.

A busca de uma imposição simbólica das novas referências de tempo (BOURDIEU, 1989)

pelos promotores de megaeventos leva à procura de incorporação de imagens de temporalidades

mais naturalizadas, sugerindo menor força da temporalidade do que, efetivamente, os

empreendimentos estão exigindo. Dois campos onde isso ocorre com muita clareza são,

primeiro, o da sustentabilidade e relação com o ambiente, e, segundo, a ideia de humanização e

higienização da sociedade. Estes campos são invocados para legitimar simbolicamente os novos

espaços criados, mas, são, efetivamente freqüentemente muito deturpadores do conjunto mais

amplo e da própria dimensão temporal dos impactos que os projetos trazem. Voltaremos a essas

idéias.

A primeira questão refletida em torno do megaevento quase sempre é a sua dimensão em

termos de cifras contábeis. É interessante perceber que tanto os que são a favor ou contra o

megaevento, ao utilizarem os números de investimentos e perdas, finalizam a argumentação

com um saldo positivo ou negativo dependendo da seu posicionamento em relação à Copa do

Mundo, como nos mostra Martin Curi (2013) e afirma que os números sugerem uma

credibilidade e objetividade que não têm. As cifras que os promotores designam de

“investimentos” (quem se opõe os chama simplesmente de “gastos”) do evento, compondo a

contrapartida esperada para a nação, além de serem impressionantes nas suas próprias altas

dimensões, mostram que, por mais que se anuncie redução de custos para o governo através de

parcerias públicas e privadas (PPPs), são investimentos, sobretudo de dinheiro federal, estadual,

e, mesmo, municipal. No caso da Copa do Mundo no Brasil é impossível chegar a quaisquer

cifras conclusivas em virtude dos acréscimos e modificações que ocorrem quase diariamente

(nada excepcional na lógica do funcionamento destes projetos), mas vale a pena ver uma divisão

com base em dados veiculados no próprio portal dos organizadores deste megaevento em 2014.

Fonte: http://www.portal2014.org.br/noticias/12719/CUSTO+DAS+OBRAS+DA+COPA

+TEM+AUMENTO+DE+ATE+166+CONFIRA+A+LISTA.html, Acesso em: 10 abr. 2014.

Diante deste cenário de altos investimentos, intensa participação do Estado, e uma agenda de

planejamento complexa que envolve disputas para inclusão e articulação, é importante

reconhecer que todo megaevento que se realiza, mesmo promovido por organizações globais

supra-nacionais como a - Fédération Internationale de Football Association (FIFA), contem três

tempos: um tempo técnico, pré-anúncio; um tempo corrido, na execução pós-anúncio; e um

tempo de fuga, depois da realização do evento. Neste trabalho, descreve-se a movimentação e as

conseqüências para diferentes atores em cada um desses tempos, sempre com referência à Copa

do Mundo FIFA 2014, e com ênfase ilustrativa no caso particular do Recife2, uma das doze sub-

sedes do evento.

O primeiro tempo a examinar, o técnico, é fundamental para compreender as articulações que

definem as inclusões e exclusões que vão se exacerbar no desenrolar de todo o processo de

planejamento, execução e desenvolvimento/mitigação. Cria-se uma imagem generalizada de que

“Tudo vai melhorar nesses projetos!” Aquilo que não melhorar, que não seja visto! Grandes

obras nascem de grandes alianças. É um jogo de ganhos e perdas com uma força publicitária

grande que exalta o lado dos ganhos e ofusca o lado das perdas. Os próximos tempos a

examinar focam, primeiro, nas conseqüências para o tempo corrido, na fase da execução,

quando se observam explicitamente os muitos impactos da implantação das obras e se

mobilizam todos em defesa dos seus interesses. Há disputas sobre a compreensão destes

impactos. Esta mobilização no tempo corrido da execução se descreve na segunda parte. Na

2 Realizamos uma pesquisa UMA ARENA PARA PERNAMBUCO: IMPACTOS E AVALIAÇÕES DE

PROMOTORES, VIZINHOS, BENEFICIADOS, ATINGIDOS, como um de seis sub-projetos desenvolvidos na UFPE-Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação , realizado a partir de um convite-concorrência à UFPE realizado pelo CNPQ e o Ministério do Esporte.

14,02; 55% 7,85; 31%

3,75; 14%

Gráfico 1 Divisão Nacional de Investimentos na

Copa (Bilhões de reais)

esfera federal

governos locais

esfera privada

penúltima parte, fazemos uma previsão breve sobre o tempo de fuga. O trabalho é concluído

retornando ao assunto do tempo como instrumento disciplinador na articulação de benefícios e

custos em megaeventos.

PLANEJANDO: O TEMPO TÉCNICO

A construção da Arena Pernambuco, estádio de futebol e de multieventos, para a Copa do

Mundo FIFA no município de São Lourenço da Mata, Região Metropolitana do Recife,

deflagrou uma seqüencia de ações articuladas de planejamento, execução e

desenvolvimento/mitigação, característica geral de grandes obras. A designação de uma porção

do espaço urbano como destino de um Grande Projeto de Investimento (nos termos de Vainer e

Araújo, 1992) opera uma ressignificação do tempo vivido, pelos seus planejadores e executores,

e pelos que aí residem historicamente. Observação in loco, diálogos com agentes em situações

diferentes, acompanhamento de negociações e manifestações mostram a multiplicidade de

stakeholders na operação. A discussão aqui foca nas disputas e negociações sobre futuros

idealizados.

Identifica-se uma hegemonia das lógicas temporais da implantação de grandes obras,

iniciadas com um tempo técnico, de intensa preparação dos idealizadores e de esparsa

comunicação com os residentes, que prosseguem com a vivência cotidiana do espaço habitado.

Neste tempo, os conflitos e resistências estão pouco evidentes, pois os planejadores realizam o

seu trabalho com uma equipe de especialistas locais e, sobretudo, em nome da globalização e

certificação de qualidade, extra-locais, que projetam o espaço urbano de acordo com a sua visão

e expectativas de um futuro percebido como melhor e de renovação para quem eles acreditam

que possa aproveitá-lo. Residentes e pessoas que estão nas áreas a serem atingidas apenas

ocasionalmente sabem alguma coisa sobre os planos, geralmente por via de pessoas informadas

sobre os processos de planejamento, mas para eles estes planos costumam não parecer ser nem

reais, nem próximos.

Cada plano mobiliza uma multiplicidade de grupos de interesse que especulam sobre os

potenciais benefícios que podem resultar de uma intensificação de investimentos e de uma

criação de um tempo “sagrado” definido por um cronograma que, no caso da realização da Copa

de Mundo, tem a capacidade de suspender direitos estabelecidos tanto na constituição quanto

nas leis comuns, como ocorreu em 05 de junho de 2012, quando o governo decretou e

sancionou a Lei nº 12.663, conhecida como a Lei Geral da Copa.

Longe de ser o ponto de partida para o planejamento, essa lei representa uma de várias

culminações de projetos trabalhados há um bom tempo. Retrocedendo, pode-se destacar o

momento do anúncio do Brasil como sede da Copa (em 30 de outubro de 2007, analisado em

Oliven e Damo, (2013) como um momento precedente que marca a consagração de um

cronograma pré-estabelecido que orientará os caminhos dos planejadores das mais diversas

ações. Seria um exercício fútil tentar estabelecer quando se começou a almejar a realização da

Copa do Mundo no Brasil (de novo, sessenta e quatro anos depois da primeira Copa no país!). O

poder simbólico do estádio do Maracanã projeta uma imagem do Brasil para o mundo desde um

tempo quando as redes de interconexão eram infinitamente mais frágeis. Quais são alguns dos

grupos mais notórios que se atiçaram para planejar para que este plano novo se tornasse

realidade? Em termos financeiros, pode-se dizer que são os governos, como mostra o Gráfico 1,

acima, sobre investimentos na Copa ao nível nacional. Mas pensando em agentes, vamos dividi-

los, ressaltando quatro que se diferenciam entre si:

1) Os grandes consórcios de construtores: Com doze cidades contempladas para fazer

reformas e novas construções desde estádios até grandes sistemas de transporte com

datas imutáveis para a sua conclusão (seria mais realista dizer a conclusão parcial de

algumas partes delas), a possibilidade de ganho (tanto pelas licitações específicas,

quanto pelos aditivos corretores dos grandes contratos ganhos), a Copa do Mundo FIFA

2014 é uma oportunidade em que a Odebrecht S. A. foi a grande vencedora em

Pernambuco. Foi elaborado um PPP – Projeto de Investimentos Públicos e Privados,

que permitia longos períodos (30 anos) de aproveitamento de construções feitas em

colaboração entre o Estado e as companhias construtoras e administradoras, com uma

doação de centenas de hectares para o Consórcio. . Tudo é associado a um detalhado,

mas muito nebuloso, projeto, idealizado de uma Cidade da Copa, tecnologicamente

avançada, sustentável e extraordinariamente limpa. Além de construir a Arena, um

consórcio liderado pela Odebrecht, através de um setor administrativo de gerenciamento

de eventos, diferente do setor de construção, terá trinta anos para se beneficiar (poderia

dizer desenvolver) da Arena Pernambuco. Depois será devolvido aos poderes públicos

nas condições permitidas naquela distante época. A Arena Pernambuco e a Cidade de

Copa é uma das quatro obras da construtora Odebrecht na sua participação no

megaevento da Copa. As outras são: a Fonte Nova na Bahia, a Itaquerão em São Paulo,

e o Maracanã no Rio, totalizando 2,9 bilhões de reais em obras projetadas segundo o

próprio site da companhia3

A Arena Pernambuco, uma das mais baratas projetadas (Oliven; Damo, 2013)

(R$ 529,5 milhões) é feita com base inicial num projeto do International Stadia Group

(ISG) e da AEG Facilities, com arquitetura de Fernandes Arquitetos Associados –

arquitetos Daniel Hopf Fernandes, Luis Henrique de Lima, e Paulo Eduardo Jr., e com

complementação da ENERCONSULT. O custo reportado do projeto (não da sua

3 PORTAL 2014. Odebrecht lança site para divulgar estádios. Disponível em: http://www.portal2013.org.br/noticias/7772/ODEBRECHT+LANCA+SITE+PARA+DIVULGAR+ESTADIOS+DA+COPA.html.

execução) foi de 9,35 milhões de reais, que, com mais projetos e mais execução se

ramificam para a Cidade da Copa e para múltiplos outros projetos de melhorias de

aeroportos, portos, mobilidade urbana, estímulo ao turismo, etc. Os construtores e

consórcios se organizam durante o tempo técnico, justamente para angariar os contratos

e ganhar as licitações para tomar as rédeas nos tempos de execução.

2) Os construtores e administradores do setor imobiliário, que, além de incluir alguns dos

mesmos atores do setor de grandes consórcios de construtores (evidentemente duas das

quais são As Organizações Imobiliárias Odebrecht, e Norberto Odebrecht

Construtora), se diversificam para uma multiplicidade de empreendedores que

embarcam num projeto de tornar o Oeste da Região Metropolitana do Recife (RMR) um

lugar com identidade e características de uma nova, ou “emergente”, cidade, cuja

simbologia, com fortes investimentos dos administradores do espaço urbano

(especialmente através da Agencia Estadual de Planejamento e Pesquisa de

Pernambuco, CONDEPE/FIDEM 4

) aposta no avanço tecnológico e na correção

ecológica. A Cidade da Copa, que brota ao lado da Arena Itaipava5,se materializa em

planos arquitetônicos e exortações vagas sobre a importância que este projeto terá para a

nova área da Região Metropolitana do Recife (RMR), realçando que será a primeira

smart city (cidade inteligente) do Brasil e que seu planejamento inclui empresários

internacionais envolvidos em projetos multiuso, tendo shopping centers, uma

universidade, áreas residenciais, coleta seletiva de lixo com tratamento avançado e

sustentável, hotéis e um centro de convenções, parques, estação de metrô, e muitas

outras atrações. Desde pelo menos três anos antes do término da Arena se registravam

valorizações de condomínios locais e apartamentos existentes em São Lourenço da

Mata e Camaragibe, respondendo muito às necessidades de residentes locais e de

trabalhadores na construção. Quem morava em muitas áreas da cidade e na cidade de

Camaragibe sentia uma valorização da sua casa, quem procurava uma moradia

dificilmente a encontrava num preço accessível. Mas os investimentos principais são de

Acesso em: 10 abr. 2014 4 O estudo “Oeste Metropolitano: realidades e desafios para o desenvolvimento regional sustentável”, da referida agência de planejamento, lançado em novembro de 2011 é emblemático destes esforços continuados, e o seu carro chefe, a Cidade da Copa, enfatiza a etapa pós-Arena. É descrito no setor de programas da referida agência:

O projeto “Cidade da Copa” prevê a construção de um estádio, um conjunto habitacional, um centro comercial, hotéis e outros investimentos privados que somados chegam a um R$ 1,6 bilhão. O Governo do Estado entra com o terreno e as demais obras junto à iniciativa privada.

5 Há uma disputa de uso em materiais que referem à Itaipava Arena Pernambuco sobre se ela deve ser denominada de Pernambuco, ou de Itaipava (companhia que detém os direitos de propaganda e nomeação).

áreas novas cujo acesso foi liberado pela nova territorialização da área. Estes projetos se

orientam pelo menos parcialmente, no projeto da Cidade da Copa e seu entorno. Não

fazem referência a moradores locais, e estimam que haverá 50 mil novos moradores.

Mais do que uma simples substituição de moradores, é uma invisibilização dos espaços

ocupados por moradores atuais e um deslumbramento com a possível chegada de novos

consumidores mais abastados. As áreas diferenciadas em construção no entorno

incluem, entre outros, Alphaville, o Residencial Parque Capibaribe, a Reserva São

Lourenço, sem falar no que se imagina dentro dos contornos da Cidade da Copa. Não

faltam referências a áreas verdes e a caminhos de capivaras para atrair os compradores

urbanos desejosos de simbolizar a sua adesão às causas ecológicas. A relação com a

tecnologia avançada se constrói na citação da inspiração no Porto Digital (organização

com base no centro do Recife, descrita como parque tecnológico, implantado pelo

Governo em 2000 que realça territorialidade, software e inovação na economia criativa,

abriga mais de 200 empresas nacional e globalmente. Esta organização trabalha com a

idéia de Smart Cities para renovar o centro histórico da Cidade do Recife e leva a idéia

para o Oeste Metropolitano). Na sua versão oficial, a idéia de smart cities se inspira

num equilíbrio entre desenvolvimento urbano e sustentabilidade ambiental, um lugar

que proporcionará oportunidades de lazer e entretenimento distantes da comoção do

Recife, congestionado, e, construído no que, segundo um artigo que muito bem

representa uma das imagens mais repetidas do tempo antes da Arena e da cidade da

Copa: “O local era um espaço virgem.”6 Para que o local pudesse ser declarado

“virgem” foi necessário remover agricultores familiares e desobstruir os obstáculos

legais da definição das fronteiras de uma já declarada Área de Preservação Ambiental

(APA).

6 BALIEIRO, Silvia. Com a Copa, Recife ganhará cidade inteligente . Disponível em:

http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,ERT243370-16382,00.html. Acesso em: 08 abr. 2013.

Quadro 1: Cidade da Copa

Fonte:

https://www.google.com.br/search?q=imagens+cidade+da+copa+sao+louren%C3%A7o

&es_sm=122&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=kTKGU6ChKI748QXyrILIB

g&ved=0CEIQ7Ak&biw=1280&bih=675

3) Governantes, em diversos níveis (estadual, metropolitano e municipal, especialmente),

ora articulados, ora em conflito, cuidam de uma reterritorialização das áreas geográficas

(entendemos que isto se constitui não somente de áreas residenciais, mas também se

estende para áreas comerciais e culturais) que estão no caminho da Copa. Com os

acordos com a FIFA, cada cidade sede se comprometeu em assegurar segurança e

acesso à arena, realizando a desobstrução física e legal de espaços a serem usados

durante a Copa. Isto implica em muito mais do que monitorar a construção da arena, e

este problema se acirra no caso do Recife. A decisão de colocar a Arena a 19 km do

centro do Recife, em outro município da RMR, criou necessidades de melhorar o acesso

a ela, possibilitando investimento na mobilidade urbana via um moderno transporte

rodoviário (BRT) que exigiu a construção de múltiplos terminais integrados de ônibus

(em Camaragibe e no Recife, mas não em São Lourenço da Mata!) e de ônibus e metrô,

e isto acarretou desapropriações e expulsões forçadas, sem nenhuma construção de

casas e gerou uma enorme insatisfação em, calcula-se diante da falta de dados precisos

do Estado, quase 2.000 pessoas7, principalmente no loteamento São Francisco em

Camaragibe, no Coque, no Recife, e em Cosme e Damião, no Recife-limítrofe com

Camaragibe. Todas estas comunidades batalham para preservar os seus direitos à

moradia, ou pelo menos uma indenização digna diante do fato consumado da retirada

das suas casas. O governo é um operador chave para articular os planos dos consórcios

e do setor imobiliário em obediência ao cronograma explícito do planejamento do

megaevento e se re-estrutura em nome do cumprimento eficiente, senão do

aproveitamento individual eventual, do que vem se planejando com a formação de

secretarias especiais e de divisões designadas para acompanhar o projeto. Entre estes

setores, além da Secretaria da Copa associada proximamente à Secretaria de Cidades e a

Secretaria de Esportes, as áreas de segurança e de organização de desapropriação dentro

da Procuradoria Geral do Estado recebem estímulos grandes para crescerem e se

organizarem.

4) Os residentes nas áreas a serem impactadas. Estes, independentes do seu grau de

organização, são precariamente incluídos na fase técnica. Não são consultados, não são

contemplados como potenciais beneficiados dos projetos elaborados para articular

setores novos e consumidores mais abastados a um projeto de desenvolvimento

idealizado para poucos, mas que precisa se moldar em cima dos espaços ocupados pelos

que residem próximos ao projeto. Quando, no tempo técnico, o rumo do planejamento

se torna mais provável de ter a sua execução assegurada, promovem-se as remoções de

populações relativamente pequenas e sem organizações coletivas para se protegerem,

como os moradores dos sítios na área rural, ambiguamente definida como APA, mas

vulnerável a desmembramento para as finalidades de um megaprojeto. A ampliação da

estrada de acesso, BR408, visando o estádio, mas justificável em nome de mobilidade

urbana, já atinge alguns, como algumas dezenas de residentes e comerciantes mais

próximos à pista na comunidade Guadalajara, na beira da estrada ampliada, mas, na

primeira fase, a técnica, ainda não há obras em locais com populações mais densas, mas

capazes de se defender.

Ao estudar a remoção de populações atingidas por barragens, usa-se a idéia de descaso

planejado (SCOTT 2009, 2012) para descrever um procedimento de favorecimento de objetivos

de primeira ordem e negligenciar objetivos de segunda ordem, que são compreendidos como

“mitigações” dos efeitos da busca do alcance desses primeiros, mas que se misturam com a idéia

do avanço de “desenvolvimento” que realça investidores e empreendedores mais que

7 Não é claro se este número inclui os moradores que foram expulsos dos seus sítios de produção

agrícola no terreno da construção da arena, e moradores do distrito na beira da estrada ampliada de BR408, que atingiu a comunidade de Guadalajara, em Paudalho. O que é claro é que estes foram os primeiros a serem deslocados.

impactados. É evidente que é neste tempo técnico, de pouca comunicação com a população e de

articulação de estratégias entre potenciais interessados e beneficiados que se apontam trilhas que

serão seguidas posteriormente, e que fornecerão campos para a elaboração de confrontações.

Boa parte do que ocorre na próxima etapa, de execução, é germinado nesta fase técnica,

prolongada e seletiva.

EXECUTANDO: O TEMPO CORRIDO

A execução da obra ocorre num tempo corrido, obedecendo as metas dos promotores do

megaprojeto. Evidenciam-se as zonas de atrito onde a multiplicidade de processos em operação

fricciona diferentes espaços. Mais do que na construção de uma barragem, o tempo de execução

de um megaevento requer uma resolução rápida de conflitos porque inexiste qualquer

viabilidade de modificar o cronograma. Uma barragem que atrasa não comove muita gente.

Uma Copa do Mundo que não obedece ao cronograma anunciado arrasa a nação e envergonha a

sua população. Isto endurece o posicionamento dos negociadores que representam os grupos

interessados e beneficiados diante das populações atingidas, sempre invocando a pressa.

Inclusive podem fazer referencia à plena visibilidade da contagem regressiva colocada

monumentalmente na Avenida Agamenon Magalhães que entrecorta os bairros mais

movimentados da cidade do Recife, e que informa o número de dias até a Copa do Mundo

FIFA. Para os navegadores da internet, o mesmo cronômetro encabeça a página da “Arena de

Pernambuco” da CONDEPE/FIDEM. Em precárias condições de diálogo8, a atenção dos

idealizadores/executores se volta para um futuro muito próximo ditado por um cronograma

muito público de um evento que é divulgado amplamente e festejado como uma grande

ocorrência por toda a população. Como o evento é uma vitrine para a nação se mostrar e

competir pelo reconhecimento das suas qualidades (não somente do altamente simbólico

sucesso no campo de futebol, mas de organização, de segurança, de paz, de lazer, de capacidade

de recepção, etc.), e o tempo é curto, abafam-se os conflitos e procuram-se soluções incompletas

que possam aquietar os atingidos até que passe o evento.

Na ocasião da Copa das Confederações FIFA em junho de 2013 o Brasil experimentou uma

renovação de uma prática adormecida de protestos públicos contra a administração do bem

público. Batizadas das jornadas de junho, as manifestações públicas com a presença da

população nas ruas comunicaram uma indignação sobre o que se percebia como a inversão das

prioridades do governo. O governo investiu muito numa realização esportiva, e não manifestou

preocupações semelhantes como setores como educação e saúde no país. Nestas ocorrências, o

chavão “padrão FIFA” sintetizava a indignação contra essa inversão!

8 Ressalta-se que é uma precariedade favorável à realização dos primeiros objetivos, pois os construtores não se responsabilizam diretamente pela “limpeza” do território no qual vão interferir, o que favorece a sua atuação “independente” em associação com o Estado desapropriador.

Então, na execução, a presença da vitrine oportuniza tornar visível não somente os casos

concretos de populações que se descobrem cada vez mais prejudicadas por serem atingidas

diretamente pelas obras promovidas para realizar o evento, mas também para acrescentar

integrantes de movimentos sociais que têm trabalhos sistemáticos de apoio à melhoria de

educação, de saúde, de ambiente, de equidade, de habitação, de combate à exploração sexual

infantil, etc. Eles se agregam às populações atingidas. A organização nacional dos Comitês

Populares da Copa, cada um que siga uma agenda de acordo com o que está ocorrendo na sua

Cidade Sede, se articula na medida do possível, criando agendas concatenadas e promovendo

reuniões nacionais e regionais periodicamente. Entre outras coisas, eles se ocupam com o apoio

aos atingidos para poderem ampliar as discussões para os seus temas prediletos.

No Recife, o Comitê, para citar apenas algumas iniciativas: a) acompanhou e guiou a

comissão presidencial de Secretaria de Controle Interno da Presidência da República para

realizar uma auditoria participativa da Copa em abril de 2013. O Comité foi fundamental na

elaboração do relatório final que encontrou muitas violações de direitos e inconsistências na

aplicação de políticas governamentais; b) provocou, em conjunto com os moradores locais, uma

série de reuniões com os representantes do governo (assistentes sociais e advogados)

encarregados de remover a população que estava morando em locais onde os terminais

integrados eram programados para facilitar mobilidade e acesso à Arena para apoiar a

negociação de direitos; 3) realizou um encontro dos quatro comitês do Nordeste (Natal,

Fortaleza, Recife e Brasília) que chamaram “Legados e Relegados da Copa do Mundo: quando

o direito à cidade é violado” no período de 29 de novembro ao 01 de dezembro de 2013,

reservado, num hotel, e sem que a imprensa percebesse qualquer relevância, noticias apenas

aparecendo em blogs de pessoas próximas ao evento; 4) conseguiu apoio internacional para

publicizar o descaso com os atingidos, usando a imagem de uma etiqueta de compras com o

dizer “Nós valemos mais” e realizar outras ações a favor da população; 5) divulgou a produção

fílmica de seus integrantes9 ; 6) provocou a vinda da relatora especial da Organização das

Nações Unidas para o direito à Moradia Digna, Raquel Rolnik, para chamar atenção à violação

de direitos aos que estavam perdendo as suas casas, e, neste caso, receber maior cobertura

jornalística, e, apenas para encerrar esta lista incompleta, 7) acompanhou o dia a dia, e

especialmente as reuniões semanais, dos atingidos no loteamento São Francisco, os quais

continuam numa intensa negociação para a ampliação do valor estabelecido para a sua

indenização, já que não houve contemplação de novos espaços de moradia para eles.

9 Filme Despejo #5 Loteamento São Francisco, realizado por várias organizações – Coque(R)existe,

Comitê, FAGES, Direitos Urbanos, Najup, etc. (https://www.youtube.com/watch?v=-JXSrkHifrI), Filme Gol Contra, realizado pelo coletivo Copa Favela, (https://www.youtube.com/watch?v=NPLlcK0XpXM).

Mas no tempo corrido quase todo este novo “barulho” dos residentes locais e dos que os

apóiam é ensurdecido pelas expectativas públicas cada vez mais intensivamente divulgadas na

mídia, sobre as qualidades dos times de futebol e o desempenho dos jogadores, sobre os

acidentes nas construções atrasadas (Maracanã, Itaquera, Manaus, Curitiba), sobre os problemas

de mobilidade urbana que parecem que serão ainda insolúveis, apesar da intensificação das

obras da Copa que possam contribuir para intensificar os seus ritmos de implantação. O próprio

Portal da Copa desenha cartões verdes e cartões vermelhos para que todos saibam que alguns

objetivos não estão conseguindo ser alcançados, o que cria um clima de atenção às obras mais

do que às pessoas que estão sendo atingidas por elas. As falhas nas construções provocam

comentários sobre a credibilidade dos construtores e de qualidade do seu trabalho (muitas vezes

dizendo que o cronograma apertado é uma desculpa, pois elas não se interessam mesma na

qualidade, por estarem visando o lucro). Esta atenção à obra, por mais que provoque uma

satisfação nos que sentem que têm consciência crítica e falam contra os “aproveitadores” dos

grandes orçamentos das grandes obras, também cria um desvio do olhar no qual os diretamente

atingidos continuam pouco percebidos.

Neste interregno, no Recife, os governantes perceberam uma necessidade de melhor

responder aos que estavam sendo removidos pelos planos não somente da Copa do Mundo

FIFA, mas da renovação urbana e remoções populares em geral (Ver SCOTT, 1996). A

Secretaria de Defesa Social (SDS) é um dos setores mais beneficiados pelas exigências de

segurança, e a Copa é uma oportunidade para a aquisição de enormes quantidades de materiais e

realização de qualificações para poder construir Centros de “surveillance” moderníssimos,

designados de Centros de Comando e Controle, que são capazes de acompanhar a população em

todos os espaços de maior movimentação, aparelhados com câmeras e intercomunicativos. Não

somente isso, mas também o funcionamento precário de um grupo de arquitetos, assistentes

sociais na Secretaria de Cidades e advogados da Procuradoria Geral do Estado, que

terceirizavam toda a notificação individualizada sobre desapropriações de casas (uma medida

que não se chamaria de improvisada e sim de taticamente distanciadora), formaram uma nova

Secretaria Executiva de Desapropriações na Procuradoria e elaboraram um manual de

procedimentos para desapropriações10

. Ou seja, no tempo corrido, se não está sendo possível

10 A JusBrasil, que divulga informações sobre o setor jurídico no internet, reportou no dia da criação e posse em 2012 que as palavras da Secretaria empossada, Analúcia Cabral, tiveram o seguinte conteúdo naquela ocasião:

As unidades de trabalho vão cuidar dos laudos de avaliação dos imóveis, das negociações com os proprietários e do acompanhamento dos processos de desapropriação no Judiciário. “Há um esforço concentrado para resolvermos de 80% a 90% das desapropriações relacionadas às obras em curso neste ano, deixando as áreas liberadas para execução e

conclusão dos projetos nos próximos dois anos”, pontuou Analúcia. Disponível em: http://pge-pe.jusbrasil.com.br/noticias/3122163/secretaria-de-desapropriacoes-toma-posse. Acesso em: 05 abr. 2014.

resolver os problemas dos atingidos, pelo menos está sendo possível aparelhar o Estado com

uma organização mais eficiente para lidar com os problemas (estes e outros problemas). Resta

ver se isso vai possibilitar soluções mais justas ou soluções mais sistematizadamente injustas

para atingidos de grandes obras!

No tempo corrido, então, o governo entra em peso para continuar negociando uma

reterritorialização que favorece os consórcios. Os consórcios insistem na intensificação das suas

obras sob o olhar de observadores técnicos internacionais que os criticam e os ordenam para

obedecer ao planejado e sob o olhar de uma população reforçado por uma mídia, afinada com os

promotores do megaevento, preocupada com a imagem do país e seu desempenho em atingir os

objetivos de primeira ordem, os objetivos do megaevento, e não os de segunda ordem, da

população atingida por ele.

As construtoras do setor imobiliário e os planejadores da Cidade da Copa operam bastante,

mas num relativo silêncio neste período. As primeiras trabalham visivelmente com a venda das

unidades residenciais em lugares com nomes simbolicamente bucólicos e ecológicos para

reforçar o processo que alguns chamam da “gentrificação” do Oeste da Região Metropolitana,

consagrada como nova área de expansão pelos planejadores governamentais. É mais difícil

perceber as etapas e o andamento da realização da Cidade da Copa, talvez num processo de

reservar à etapa das novas construções ao mesmo consorcio que construiu a Arena (afinal, são

trinta anos, contratualmente), talvez num processo precário de aplicar políticas de renovação

digital, eletrônica, sanitária e inteligente (numa palavra; smart) com uma equipe que ainda

encontra dificuldades na grande tarefa de renovação do centro, dificultando a virada da atenção

para o Oeste da RMR.

Alguns residentes atingidos despertam tardiamente para a urgência de ampliar a visibilidade

das suas perdas e negociar um futuro, que está sendo moldado intensivamente pelo presente.

Clamam por alguma solução e encontram quem apóia entre os movimentos sociais, mas mesmo

assim vão se dispersando quase aleatoriamente enquanto os seus pleitos jurídicos se resolvem

lenta e desfavoravelmente. Muitos dos mais velhos adoeceram por verem as casas que

construíram junto com os seus pais e outros familiares serem destruídas pelas máquinas e

levadas pelas caçambas do governo. Descobriram que no caminho de virar “mitigados” o

processo de desenvolvimento pós-evento não os inclui. Ainda parece inevitável uma enorme

perda de patrimônio, de solidariedade, de vizinhança e de saúde, enquanto a nação aposta numa

hora de fama momentânea e de orgulho fabricado pela mídia e pelas construtoras de obras

admiráveis.

Encontra-se o manual no seguinte endereço: http://www.unuhospedagem.com.br/pge/documento/imagens/130925142246_p_MANUAL_DE_PROCEDIMENTOS_25.09.13.pdf

O tempo corrido da execução das obras é um período quando os conflitos e resistência são

muito marcados, pois os cronogramas de realização estão sob monitoramento oficial e a

população atingida recebe pressão direta, sendo forçada a se deslocar, a receber indenizações, a

simplesmente sair, a depender do que foi planejado (ou não planejado) no período anterior.

Conflitos são abertos e tenta-se forçar negociações e mudanças, mesmo em condições de

desvantagem. Acusações mútuas ocorrem, e operam mais intensivamente as táticas de desmonte

da moralidade e legitimidade da população mitigada que são comuns a grandes obras:

desmoraliza-se a população atingida pelos esforços de se defenderem; alcançados os objetivos

de primeira ordem e sendo parabenizados pelo fato, procede-se a um abandono planejado e à

utilização de materiais e procedimentos inferiores no atendimento às necessidades deles; e

enfrentam uma metamorfose institucional que resulta numa troca constante dos interlocutores

com os quais os inadequadamente mitigados possam lidar.

CELEBRAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO/EVITANDO A MITIGAÇÃO: O TEMPO DA

FUGA

A Copa do Mundo FIFA 2014 não se realizou ainda, então lidar com este terceiro tempo da

celebração do alcance dos objetivos de primeira ordem não pode se embasar mais na observação

do processo no Recife. Certamente muita coisa, mesmo de primeira ordem, vai ficar para ser

feita – mobilidade urbana, acabamentos em muitas obras, obras precariamente inauguradas que

possuem grandes setores ainda a serem construídos, etc. Assim, esta parte final somente pode

ser especulativa, e o parágrafo anterior já sinalizou as expectativas. Basta repetir, que ao

alcançar os objetivos delineados no planejamento, os idealizadores operam um processo de

instalar um tempo de fuga dos compromissos negociados durante o período de execução,

percebidos como custos desnecessários da obra completada, ao mesmo tempo em que

estabelecem a continuidade dos seus projetos de desenvolvimento, associando-os ao evento

realizado. Ou seja, simultaneamente investem em terminar detalhes das suas obras, e, ainda

mais, partir para novas obras. No caso do Recife, paira a grande dúvida sobre a capacidade do

setor imobiliário promover uma ocupação significativa dos territórios garantidos para ele pelo

processo da Copa, e se os investimentos na Cidade da Copa realmente ocorrerão quando o

período de investimentos excepcionalmente intensivos acaba; e se a própria Arena “multiuso”

terá uma funcionalidade nas esferas de futebol e de entretenimento e espetáculos em geral.

Ao mesmo tempo é mais fácil imaginar algumas coisas. Deve ocorrer o prolongamento cada

vez maior da resolução dos casos de indenização que ainda restaram na justiça depois da Copa.

Deve ocorrer uma continuada troca de setores do governo e da justiça com os quais interagir

para receber essas indenizações e outraa recompensas. Como ficará o apoio do Comitê Popular

da Copa quando não houver mais Copa? Depois da Copa há novos atores, detentores do

desenrolar do traçado do novo futuro dos territórios reforçados e recriados pela Copa e pelas

outras obras em andamento, e a precariedade da situação dos mitigados - vistos como “quem já

recebeu o deles”-pode os remeter a uma condição ainda mais inferior àquela que essa população

sofreu durante o processo de execução de tempo corrido, ou que já teve antes de aparecer o

megaevento na sua vida. Serão claros exemplos da importância política do lema do comité para

uma moradia digna da ONU para atingidos que perdem sua moradia por alguma ação

governamental: “que os atingidos sempre tenham pelo menos as mesmas condições, senão

melhores, de moradia que tinham antes”. É um dos princípios mais desrespeitados

internacionalmente em ações de desenvolvimento que atingem moradores locais. O período da

fuga (divulgado como período de desenvolvimento de novos projetos relacionados com o que

atingiu os seus objetivos de primeira ordem) é um período ou de desmerecer o pleito dos

mitigados, ou de invisibilizar totalmente este pleito. Investe-se em respostas que levam à

qualidade inferior ao que foi acordado nas suas novas moradias e trajetórias de vida, mudando

os interlocutores institucionais de modo que fique difícil de entender com quem se deve

dialogar para cobrar o que foi (ou devia ter sido) prometido. Os mais loquazes dos que

reivindicam podem simplesmente ser incorporados em tarefas burocráticas que desviam a sua

atenção de questões mais prementes para a mitigação de danos. A accountability prevista nas

ações mitigadoras (desde o início muito fracas no caso da Copa no Recife) para a população

atingida se torna ainda mais imprecisa. O tempo de fuga ofusca a possibilidade de ter um tempo

para eles, e o seu futuro é inextricavelmente associado ao fato de terem estado no caminho do

projeto cujo planejamento nunca os contemplava adequadamente.

TEMPO E CONTROLE

Voltando às questões postas no início do trabalho, percebe-se que no controle do uso do

tempo se constrói um poderoso mecanismo de manutenção e aprofundamento de desigualdades

em projetos de megaeventos. Silencia-se para trabalhar com os mais próximos no tempo técnico

do planejamento. O trabalhar ocorre nos bastidores de um planejamento que reifica alianças

entre operadores acostumados a organizar os seus esforços em torno de projetos que são

financiáveis ou que são catalizados por grandes projetos de investimento com determinados

parceiros, e que raramente respeitam direitos adquiridos dos que estejam no caminho do alcance

de metas definidos como prioritários pelos planejadores. O tempo técnico é um tempo longe dos

holofotes, e um tempo quando não se inclui populações cujos meios de vida e histórias de

construção de patrimônio material e imaterial não são considerados como relevantes para o

alcance das metas. Bem ou mal planejado, quando se entra no período de execução pós-anuncio

formal, o esquema de exclusão da população se torna mais presente e mais visível e a população

se organiza de acordo com as suas possibilidades de organização e a qualidade dos que a

apoiam, mas sempre no contexto onde o tempo corrido em obediência a um cronograma

anunciado será invocado para tratar de uma forma bastante leviana as demandas da população

atingida. O barulho desta população, que antes nem fazia barulho, agora é sistematicamente

silenciado com precárias coberturas jornalísticas, com o esvaziamento de espaços de

interlocução através do não comparecimento a estes espaços, ou ao uso destes espaços para

acrescentar detalhes necessários para resolver problemas, deliberadamente, ou não, prolongando

o período de não resposta às demandas da população que precisa ser mitigada, bem como

apresentando justificativas para o cálculo dos baixos valores através de uma manipulação de

índices cujo controle está nas mãos do governo. Quando chega no tempo de fuga, a população

atingida enfrenta dois processos de desmoralização: o primeiro é a veiculação parcial de

informações declarando que ela foi mitigada como se fosse um beneficio recebido por ela, e o

segundo, uma evitação de diálogo porque a questão não está mais num tempo premente de

resolução, já que o megaevento se realizou, e agora as pendências passaram para outro setor, e

depois para outro, e depois para outro.

Relembrando os autores discutidos no início deste trabalho, especialmente Elias (1997)

Bourdieu (1989) e Franch (2004), o controle do tempo e da sua percepção é um mecanismo

seguro de exclusão de uma parcela da população atingida por megaeventos. Este é o caso dos

moradores agricultores das proximidades da APA onde a Arena foi construída, de comerciantes

e residentes de Guadalajara na estrada duplicada que leva à arena, do Loteamento São

Francisco, de comerciantes na Avenida Belmiro Correia cujos estabelecimentos foram

modificados, da comunidade de Cosme e Damião e da comunidade do Coque, estes últimos

tendo sido expulsos em nome da ampliação de terminais integrados que facilitam a mobilidade

de quem quer chegar na Arena. Tudo em tempo recorde para uma Copa fazer bonito para

construtores, donos de imobiliárias, agentes de turismo, funcionários públicos em setores de

vigilância e controle da população, enfim, a cidade e o país visíveis!

REFERÊNCIAS CITADAS

ADAM, Barbara. Time and social theory. Cambridge, UK: Polity Press, 1990.

ARAÚJO, Emília A Política de Tempos: Elementos para uma Abordagem

Sociológica, Revista Política e Trabalho, 2011, no. 34, 19-40.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa/Rio de Janeiro: Difel/Bertrand, 1989.

CURI, Martin. A disputa pelo legado em megaeventos esportivos no Brasil. In: Megaeventos, Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, jul/dez, 2013, ano 19, n. 40.

ELIAS, Norbert. Du temps. Lisboa: Difel, 1997.

ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric Deporte y ocio en el proceso de la civilización. (2a. edição, 1a. reimpressão) México: Fondo de Cultura Económica, 1996.

FRANCH, Mónica. Tempos, contratempos e passatempos. Tese (Doutorado em Antropologia),

UFRJ, Rio de Janeiro, 2004.

HARVEY, David. The condition of postmodernity. Oxford: Blackwell, 1989.

OLIVEN, Ruben; DAMO, Arlei. O Brasil no horizonte dos megaeventos esportivos de 2014 e

2016: sua cara, seus sócios e seus negócios, Megaeventos, Revista Horizontes Antropológicos,

Porto Alegre, jul/dez, 2013, ano 19, n. 40.

SCOTT, Parry. Remoção Populacional e Projetos de Desenvolvimento Urbano. In: Julio Cézar

dos Santos; Wellington Alves de Castro. (Org.). Encontro Nacional de Estudos Populacionais X

Vinte Anos da Abep, 10. Anais. 1ed.Caxambú: ABEP, 1996, v. 2, p. 813-834.

______. Negociações e resistências persistentes: agricultores e a barragem de Itaparica num contexto de Descaso Planejado. Recife: Editora Universitária, UFPE, 2009.

______. Descaso planejado: uma interpretação de projetos de barragem a partir da experiência

da UHE Itaparica no rio São Francisco. In: Andrea Zhouri. (Org.). Desenvolvimento, reconhecimento de direitos e conflitos territoriais. 1ed.Brasília: ABA, 2012, v. 1, p. 122-146.

TIME & SOCIETY, journal, Sage publication, (tas.sagepub.com)

VAINER, Carlos; ARAUJO, Frederico. Grandes projetos hidrelétricos e desenvolvimento

regional. Rio de Janeiro, CEDI, 1992.

Resumo

DISPUTAS EM DIFERENTES TEMPOS NA CONSTRUÇÃO DA ARENA

PERNAMBUCANA PARA A COPA DO MUNDO: PLANEJANDO, EXECUTANDO, E

MITIGANDO

A construção da arena pernambucana, estádio de futebol e de multieventos, para a Copa do

Mundo no município de São Lourenço da Mata, Região Metropolitana do Recife, deflagrou uma

seqüencia de ações articuladas de planejamento, execução e mitigação, característica geral de

grandes obras. A designação de uma porção do espaço urbano como destino de um Grande

Projeto de Investimento opera uma ressignificação do tempo vivido, pelos seus planejadores e

executores, e pelos que aí residem historicamente. Observação in loco, diálogos com agentes

em situações diferentes, acompanhamento de negociações e manifestações mostram a

multiplicidade de stakeholders na operação. Foca nas disputas e negociações sobre futuras

idealizadas. Identifica-se uma hegemonia das lógicas temporais da implantação de grandes

obras, iniciadas com um tempo técnico, de intensa preparação dos idealizadores e de esparsa

comunicação com os residentes, que prosseguem com a vivência cotidiana do espaço habitado.

Neste tempo os conflitos e resistências estão pouco evidentes, pois os planejadores realizam o

seu trabalho com uma equipe de especialistas extra-locais que projetam o espaço urbano de

acordo com a sua visão e expectativas de um futuro percebido como melhor e de renovação para

quem eles acreditam que possa aproveitá-lo. Residentes e pessoas que estão nas áreas a serem

atingidas apenas ocasionalmente sabem alguma coisa sobre os planos, por via de pessoas

informadas sobre os processos de planejamento, mas não parecem ser reais e próximos. A

execução da obra ocorre num tempo corrido em precárias condições de diálogo, a atenção dos

idealizadores/executores voltando para um futuro muito próximo. Desperta os residentes

atingidos para a urgência de ampliar a visibilidade das suas perdas e negociar um futuro, que

está sendo moldado intensivamente pelo presente. Os conflitos e resistência são muito marcados

neste período, pois os cronogramas de realização estão sob monitoramento oficial e a população

atingida recebe pressão direta, sendo forçada a se deslocar, a receber indenizações, a

simplesmente sair, a depender do que foi planejado (ou não planejado) no período anterior.

Conflitos são abertos e tenta-se forçar negociações e mudanças, mesmo em condições de

desvantagem. Acusações mútuas ocorrem. Ao alcançar os objetivos delineados no

planejamento, os idealizadores operam um processo duplo de instalar um tempo de fuga dos

compromissos negociados durante o período de execução, percebidos como custos

desnecessários da obra completada, que também implica em uma troca dos atores relevantes na

administração cotidiana do espaço para enquadrar novos atores, detentores do desenrolar do

traçado do novo futuro dele, aparentemente diferentes que os atores que planejaram e

executaram a obra. Neste período acirram-se as práticas desenhadas a desmerecer o pleito dos

mitigados, questionando a sua inteligência, investindo quantias menores em trabalhos de

qualidade inferior ao que foi acordado, mudando os interlocutores institucionais de modo que

fique difícil de entender com quem se deve dialogar para cobrar o que foi (ou devia ter sido)

prometido, ou simplesmente incorporando algumas pessoas em tarefas burocráticas que desviam

a sua atenção de questões mais prementes para a mitigação de danos. A accountability prevista

nas ações mitigadoras para a população atingida se torna mais imprecisa e a fuga da

possibilidade de ter um tempo para eles, cujo futuro é inextricavelmente associado ao fato de

terem estado no caminho do projeto.

Palavras Chaves: Grandes obras, Copa do Mundo, atingidos, planejamento, tempo social

DISPUTES AND DIFFERENT TIMES OF CONSTRUCTION OF THE PERNAMBUCO

ARENA FOR THE WORLD CUP: PLANNING, EXECUTING, MITIGATING

Thematic Session- AT2. Conflicts and resistance

Authors: Parry Scott, Dayse Amâncio dos Santos, Eduardo Araripe Souza, Alice Mello

Programa de Pós-Graduação em Antropologia- UFPE/FAGES.

The construction of the Pernambuco arena, a soccer and multievent stadium for the world

cup in the municipality of São Lourenço da Mata, Recife Metropolitan Area, brought on a

sequence of articulated acts of planning, execution and mitigation, characteristic of large

projects. Designating a portion of urban space as a destination for a large investment

project changes meanings of lived time, both for planners and executors, and for historical

residents. In loco observation, dialogues with diverse agents, accompanying negotiations

and protests show that there are many stakeholders. Disputes and negotiations about

idealized futures are the focus of the work. There is a hegemony of temporal logic of the

implantation of large projects, begun as a technical time, of preparation by those who

work out the ideas, with sparse communication with residents. The residents carry on

their daily life in the communities in which they live. During this time conflicts and

resistance are not very evident since planners do their Jobs with groups of extra-local

specialists who project for an urban space in accord with their views and expectations of a

future seen as better, as a renovation for those whom they believe will be able to take

proper advantage of the future they foresee. Residents and other people around the

impacted areas only occasionally learn something about these plans by way of a few people

who are well informed about planning processes, but such plans seem very unreal and

distant. This time is followed by an accelerated time of execution, in precarious conditions

of dialogue since the administrators and executors are looking at a very near future.

Impacted residents become aware of the urgent need to increase the visibility of their

plight and losses, needing to negotiate a future that is being molded by the present.

Conflicts and resistance are much more marked in this period since the timetables are

being officially monitored. Impacted populations suffer direct pressure, being forced to

dislocate, to receive indemnifications, or simply to abandon the space, depending on how

these actions were planned (or not planned) in the previous period. Conflicts are open,

attempts to force negotiations are made, even in disadvantaged conditions. Mutual

accusations abound. The final time is a time of flight from the promises negotiated earlier,

which now are seen as unnecessary costs of a finished Project. During this time relevant

actors are changed in daily administration of space, opening slots for new actors who

control the unraveling of a new way to the future, at least in appearance different actors

form those who planned and built the project. In this period there is an intensification of

practices that have the intention of denying the importance or value of the demands of the

mitigated population. Their intelligence is questioned, lower investments are made

resulting in poorer quality services for that population than was agreed upon, institutional

actors are changed in a way which makes it hard to understand with whom you should

talk to present demands for what was (or should have been) promised, or simply some

people are incorporated into carrying out beaurocratic tasks that distract their attention

from the principal demands of mitigation of losses. The accountability foreseen in

mitigating actions for impacted population becomes more imprecise and the flight from a

time for the impacted population becomes more impossible. There future is inextricably

associated to their having been in the way of a large project.

Key Word: Large Projects, World Cup, Megaevents, development, Social Time,