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Atitude Curricular: Letramentos Críticos nas Brechas da Formação de Professores de Inglês

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©2015 Ana Paula M. DubocDireitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra

pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a

permissão da editora e/ou autor.

D815 Duboc, Ana Paula M. Atitude Curricular: letramentos críticos nas brechas da sala de aula de línguas estrangeiras/Ana Paula M. Duboc. Jundiaí, Paco Editorial: 2015.

304 p. Inclui bibliografia.

ISBN: 978-85-8148-829-5

1. Currículo 2. Ensino de língua estrangeira 3. Língua inglesa 4. Letramento. I. Duboc, Ana Paula M.

CDD: 370

IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

Foi Feito Depósito Legal

Índices para catálogo sistemático:

Curriculo escolar 375

Estudo e ensino de línguas 407

Conselho Editorial

Profa. Dra. Andrea DominguesProf. Dr. Antonio Cesar GalhardiProfa. Dra. Benedita Cássia Sant’annaProf. Dr. Carlos BauerProfa. Dra. Cristianne Famer RochaProf. Dr. Fábio Régio BentoProf. Dr. José Ricardo Caetano CostaProf. Dr. Luiz Fernando GomesProfa. Dra. Milena Fernandes OliveiraProf. Dr. Ricardo André Ferreira MartinsProf. Dr. Romualdo DiasProfa. Dra. Thelma LessaProf. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt

Av. Carlos Salles Block, 658Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21

Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-10011 4521-6315 | 2449-0740

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Para Valentina, sempre.

Sumário

Apresentação.................................................................7Prefácio..........................................................................11Introdução....................................................................13

Capítulo IQuestões do tempo atual e o ensino de inglês...............191. Questões da pós-modernidade: fraqueza, imperfeição,interrupção..........................................................................................202. Questões de globalidade e localidade: novospapeis do inglês...................................................................................303. Questões do tempo atual: como emergem em umasala de aula?.........................................................................................47

Capítulo IIEpistemologias do tempo atual e a formação doprofessor de inglês..............................................................811. (Novos) (Multi) Letramento(s) (crítico)(s): esclarecendo o lócus.....822. Da noção de atitude curricular: relacionandoteorias e práticas................................................................................102

Capítulo IIIMudam-se os tempos, muda-se o ser? Atitudes eressignificações.................................................................1111. Exclusão: “Não se deve julgar... só os chineses... esses eu julgo!”...1162. Consenso: “I avoided... I didn’t want to have more discussion”...1263. Pureza: “I think it’s recipe”...........................................................1384. Estabilidade: “Ó o ponto de interrogação!”...............................1505. Estereótipo: “You like soccer? Você é quase um homem!”......1796. Homogeneidade: “Is this a family?” “É... agora é, né?”..........1907. Generalização: “Afghanistan = war, bomb, terrorist, burca”...2028. Generalização: “Ele é punk... ele faz o que ele quiser!”...........223

Considerações finais.................................................241Referências.................................................................261

Anexo 1........................................................................283Anexo 2........................................................................285Anexo 3........................................................................287Anexo 4........................................................................289Anexo 5........................................................................291Anexo 6........................................................................293Anexo 7........................................................................295Anexo 8.......................................................................297Anexo 9........................................................................299Anexo 10......................................................................301

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Apresentação

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, nos ensinou o grande poeta português Luiz Vaz de Camões, cuja trajetória pesso-al, tão rica de diversidade de tempos, espaços, pessoas e experiên-cias, torna-se ela mesma testemunho do exercício da mudança pelo qual todos nós passamos: mudanças que nos acalentam ou que nos desassossegam; mudanças que queremos lembrar, e outras, esque-cer; mudanças previsíveis, e outras surpreendentes. E assim, todo composto de mudança, o ser humano segue sua trilha em um exer-cício saudável de construção, desconstrução e reconstrução daquilo que é, do que pensa e da forma como (inter)age, vendo alteradas suas vontades a contento das vivências suas.

Este é um livro que fala de mudanças: mudança de tempos e de vontades. A mudança de tempos é atestada pela nova era na qual, muitos de nós nos inscrevemos: uma era marcada pelo surgimento de novas tecnologias digitais e a alta conectividade e interação nos atuais processos de globalização. Já a mudança de vontades é fruto de minha própria trajetória acadêmica e profissional, modificada ao longo dos tempos a cada aluno que conheci, a cada livro que li, a cada curso que ministrei, a cada evento do qual participei. Como professora de inglês como língua estrangeira há aproximadamente quinze anos, tive a oportunidade de trabalhar com diferentes faixas etárias e públicos-alvo, preparar cursos para diferentes contextos e ainda conhecer diferentes enfoques teórico-metodológicos, cada qual se mostrando útil e significativo em seu tempo. Mais recen-temente, no contato com um novo conjunto de teorias e metodo-logias em meus estudos em nível de pós-graduação, as vontades novamente alteraram-se, levando-me agora a pensar a educação sob outro olhar.

Este é, portanto, um livro que convida o leitor a pensar tanto as mudanças desses novos tempos e suas implicações para a educação

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da contemporaneidade, quanto às mudanças de vontades por que muitos de nós passamos, vontades que se alteram, fazendo surgir novas atitudes. A atitude de que falo aqui, anunciada logo no título, é aquela que nós, educadores, tomamos sobre o currículo escolar do qual fazemos parte, qualquer que seja nossa área de conhecimento. Se os tempos mudam e as vontades também, nosso agir no mun-do acompanha (ou deveria acompanhar?) as transformações. A atitude de que trata este livro é uma atitude sobre o currículo – a atitude curricular – fundamentada na necessidade de uma perspec-tiva crítica na educação sempre que, na condição de educadores, julgarmos necessário e pertinente. É uma atitude transformadora que ocorre nas brechas da sala de aula, ou seja, naqueles muitos mo-mentos frutíferos que emergem dos dizeres ou fazeres dos alunos, do livro didático, das notícias na mídia, dos acontecimentos na ci-dade ou no bairro, enfim, de todo e qualquer evento ou experiência do entorno escolar.

As ideias e atividades que compartilho neste livro são fruto de minha pesquisa de Doutorado (Duboc, 2012), do Programa Estu-dos Linguísticos e Literários em Inglês, do Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo (USP), sob orientação da Profa. Dra. Walkyria Monte Mór. A pesquisa, de natureza colabo-rativa1, foi desenvolvida com alunos de um Curso de Licenciatura em Letras de uma faculdade do setor privado localizada na cidade de São Paulo e buscou ressignificar a prática pedagógica de algumas disciplinas de forma a contemplar as demandas postas pelas socie-dades contemporâneas. Para tanto, lancei mão das contribuições de filosofias pós-modernas, com ênfase para princípios do pós-estrutu-ralismo, articulando-as com estudos mais específicos sobre lingua-gem, texto e significação ao considerar também as discussões sobre os letramentos, conforme veremos nos Capítulos 1 e 2 do livro.

Após uma breve fase de observação, fui, aos poucos, priorizan-do o trabalho de letramento crítico, entendido aqui como exercí-

1. Para maior detalhamento sobre os pressupostos metodológicos da pesquisa, ver Duboc (2012).

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cio de problematização, o que culminou no nascimento da ideia de “atitude curricular” nas brechas da sala de aula de línguas estran-geiras, sinalizando, com isso, a necessidade de mudança ou agência diante da prática curricular. Sob essa orientação, foram planejados diversos ciclos de ação, os quais tentaram ressignificar aquela ação pedagógica de maneira que o ensino da língua inglesa contemplasse um propósito educacional crítico, conforme veremos no Capítulo 3 da obra. Para as considerações finais, o Capítulo 4 compartilha acertos e desacertos ao longo dessa minha experiência investigativa.

Embora tenha sido originalmente pensada para um contexto universitário de formação de professores, essa atitude curricular nas brechas pode, a meu ver, ser levada para outros contextos educacio-nais, sobretudo a Educação Básica, já que a justificativa da inclusão de línguas estrangeiras no currículo escolar perpassa o compromis-so com a formação para a cidadania crítica e a ampliação de visões de mundo.

Mais do que um método ou uma abordagem a ser “transposta”, espero que este livro possa inspirar e instigar educadores e forma-dores de professores a novas atitudes curriculares nas brechas de seu cotidiano escolar, a contento das subjetividades e das adversidades que lá se encontram, num exercício que acaba por recriar as próprias teorias e práticas docentes lá instauradas. Mais do que desejar a mu-dança do outro, desejo apenas compartilhar uma de minhas experi-ências acadêmicas e profissionais mais agradáveis, a qual provavel-mente tenha transformado uma e outra ideia, perspectiva e prática instauradas naquela sala de aula, mas que certamente transformou meu ser e minhas vontades, tomando-me de “novas qualidades”.

Ana Paula DubocSão Paulo, junho de 2015.

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Prefácio

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o Mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança; do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto foi de neve fria, e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia, outra mudança faz de mor espanto, que não se muda já como soía.

Luís Vaz de Camões

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Introdução

Não basta abrir a janela Para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego Para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há ideias apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; E um sonho do que se podria ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.  (Alberto Caeiro)

O campo do ensino de línguas estrangeiras vive, atualmente, um momento frutífero, marcado por uma expressiva revaloriza-ção do ensino de línguas no currículo escolar brasileiro (Duboc, 2014). Em termos práticos, isso pode ser atestado na oferta de lín-guas de acordo com as especificidades locais (como o alemão em certas comunidades do sul do país ou os programas de fronteira), na distribuição gratuita de livros didáticos para ensino de inglês e de espanhol, vinculados ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), na abertura de centros de línguas ou programas extracur-riculares em redes públicas, dentre outras políticas públicas. Mas nem sempre foi assim. Ao longo da história do currículo escolar brasileiro, as línguas estrangeiras ocuparam ora lugar de destaque, ora certo “desmerecimento” em função das constantes mudanças de carga horária e até de seu status no currículo, desde os tempos do império até o século XX (Donnini et al, 2010; Leffa, 1999). Que fatores são associados a essa revalorização crescente do ensino de línguas na contemporaneidade?

Um dos fatores, sem dúvida, se volta para os atuais processos de globalização atrelados ao advento das tecnologias digitais. Se an-

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tigamente, o contato com estrangeiros restringia-se às classes mais abastadas, com condições financeiras para viajarem ao exterior, hoje, a alta conectividade entre povos e culturas por meio das novas tecnologias de informação e comunicação, comprimem espaços e tempos, de maneira a tornar mais evidente as trocas linguísticas, qualquer que seja sua função.

A esse fenômeno global, somam-se ainda outros questionamen-tos: qual língua? Qual cultura? Isso porque o aumento da interação entre povos faz emergir a questão da diversidade: social, linguísti-ca, cultural, étnico-racial, etária, de gênero e orientação sexual, de condições físicas. Em outras palavras, as novas tecnologias trazem acesso rápido e fácil à rica diversidade linguística do globo, dando visibilidade a línguas e culturas outrora desconhecidas ou silencia-das. Uma educação que pretende ser relevante para seu tempo deve olhar para essas questões.

Se bons ventos sopram para o campo do ensino de línguas, como anda a formação deste professor para que possa melhor pen-sar sua prática pedagógica à luz das demandas atuais?

A questão da formação de professores tem sido tema recorrente em pesquisas acadêmicas em âmbito global nos últimos trinta anos (Ialago; Duran, 2008). No Brasil especificamente, em artigo que propõe o estado da arte da formação de professores em nosso país, André et al (1999) confirmam uma preocupação expressiva com a formação docente, sobretudo a formação inicial para a Educação Básica. Num primeiro olhar, o crescimento do número de pesqui-sas sobre formação docente nos últimos anos poderia nos levar a supor melhor qualidade de ensino. No entanto, o grande núme-ro de pesquisas parece denunciar um cenário bem menos otimista marcado pela constatação de dicotomias arraigadas: teoria e prá-tica; disciplinas específicas e disciplinas pedagógicas; Licenciatura e Bacharelado; formação inicial e formação continuada (André et al, ibid.; Mello, 2000; Ludke et al, 1999; Saviani, 2009), revelando que a formação docente tem muito ainda a fazer para a melhoria da qualidade de nossa educação.

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Além dessas dicotomias já extensamente denunciadas por pesquisas sobre formação docente, uma delas merece destaque aqui por tratar especificamente da formação do professor de uma língua estrangeira, qual seja a visão estereotipada e discrimina-tória do professor de línguas como ser acrítico e apolítico, como se as aulas de línguas estrangeiras não fossem corresponsáveis pelo desenvolvimento da cidadania crítica tal como as demais disciplinas curriculares.

A respeito do tangenciamento de uma formação política e ide-ológica do professor de línguas estrangeiras, o curso de Letras, na visão de Paiva (1997), caracteriza-se como uma “(de)formação” do professor, na medida em que se restringe a tópicos gramaticais em detrimento de uma formação mais ampla. Somada à “(de)formação” de Paiva (ibid.), Almeida Filho (2001, p. 28) vê a atual formação do professor de inglês, em particular, como “problemática” e passível de “limitações extrínsecas endêmicas e confusões teóricas sérias”. O autor (2000) ainda ressalta que os cursos formadores de professores estão em crise, pois não correspondem às demandas atuais, seja por seus currículos estagnados seja por mudanças curriculares super-ficiais ou meramente burocráticas, não chegando a configurar as mudanças expressivas e necessárias.

Acredito que pesquisas voltadas para a formação de professo-res não podem tangenciar essas mudanças expressivas de que trata Almeida Filho (ibid.), havendo necessidade de dialogar tanto com teorias emergentes sobre língua e ensino de línguas quanto com os debates sobre as novas demandas sociais impulsionadas, sobretudo, pela globalização e pelo surgimento das novas tecnologias.

Diante desse cenário, duas perguntas são fundamentais para repensarmos a educação de línguas na contemporaneidade:

I. De que forma o professor/pesquisador/formador de professores pode se valer das teorias curriculares contemporâneas como condição para um “redese-