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1 A Arte sacra no Oriente: estilo bizantino WILMA TOMMASO O termo estilo bizantino ou arte bizantina é hoje arbitrariamente usado para designar a arte de todos os povos católicos ortodoxos. Foi nos primeiros séculos do cristianismo até o século VI que aconteceu a gênese de uma arte simbólica cristã cujo objetivo seria levar o fiel a contemplar o Reino de Deus: o mundo que transcende ao natural. Uma arte que reflete sobre a terra o Reino de Deus e que acompanha o cristão ortodoxo em sua vida assim como uma parcela da Igreja no mundo: é uma imagem que traz consigo a mesma mensagem da Sagrada Escritura e é uma presença real da santificação 1 . Esse conceito de arte sacra que é proveniente dos primeiros séculos do cristianismo é ainda fielmente seguido pelos católicos ortodoxos. A Igreja Católica Ortodoxa 2 conservou intacta uma riqueza imensa no domínio da liturgia e do pensamento da patrística 3 , mas também no que se refere à arte sacra. Um ícone — ícones: eikon em grego, significa imagem — não é 1 L. Ouspensky, Léonide. La théologie de l’ icône:dans l’Église Orthodoxe. p. 68-69 ? C. Pastro,. Arte Sacra: o espaço sagrado hoje. p 151 2 A Igreja Católica oriental ficou conhecida como Ortodoxa (aquela que oferece ao Senhor o verdadeiro louvor) depois do cisma com a Igreja do ocidente (a Católica Romana) no ano de 1054. 3 Patrística-textos dos Santos Padres dos primeiros séculos do cristianismo que foram os primeiros a fazer uma interpretação intelectual e apologética sobre as Sagradas Escrituras e alguns também combatiam as heresias, muito comuns no cristianismo primitivo.

Arte sacra no Oriente: estilo bizantino

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1

A Arte sacra no Oriente: estilo bizantino

WILMA TOMMASO

O termo estilo bizantino ou arte bizantina é hoje

arbitrariamente usado para designar a arte de todos os

povos católicos ortodoxos. Foi nos primeiros séculos do

cristianismo até o século VI que aconteceu a gênese de uma

arte simbólica cristã cujo objetivo seria levar o fiel a

contemplar o Reino de Deus: o mundo que transcende ao

natural. Uma arte que reflete sobre a terra o Reino de Deus

e que acompanha o cristão ortodoxo em sua vida assim como

uma parcela da Igreja no mundo: é uma imagem que traz

consigo a mesma mensagem da Sagrada Escritura e é uma

presença real da santificação1. Esse conceito de arte sacra

que é proveniente dos primeiros séculos do cristianismo é

ainda fielmente seguido pelos católicos ortodoxos.

A Igreja Católica Ortodoxa 2 conservou intacta uma

riqueza imensa no domínio da liturgia e do pensamento da

patrística3, mas também no que se refere à arte sacra. Um

ícone — ícones: eikon em grego, significa imagem — não é

1 L. Ouspensky, Léonide. La théologie de l’ icône:dans l’Église Orthodoxe. p. 68-69? C. Pastro,. Arte Sacra: o espaço sagrado hoje. p 1512 A Igreja Católica oriental ficou conhecida como Ortodoxa (aquela que oferece ao Senhor o verdadeiro louvor) depois do cisma com a Igreja doocidente (a Católica Romana) no ano de 1054. 3 Patrística-textos dos Santos Padres dos primeiros séculos do cristianismo que foram os primeiros a fazer uma interpretação intelectual e apologética sobre as Sagradas Escrituras e alguns tambémcombatiam as heresias, muito comuns no cristianismo primitivo.

2

simplesmente uma imagem, nem uma decoração, nem mesmo uma

ilustração dos textos bíblicos. O ícone é algo maior para

os ortodoxos: equivale à mensagem evangélica, um objeto

cultual que faz parte integrante da liturgia 4.

As imagens apareceram muito cedo no mundo cristão na

arte das catacumbas, arte funerária plena da alegria da

ressurreição. Por ter se originado e se propagado no

Império Romano do Oriente — Bizâncio, mais tarde

Constantinopla e hoje Istambul — tem uma característica

diáfana, isto é, uma arte do Mistério a serviço da liturgia

católica5.

Representando Cristo na glória, rodeado pela Igreja e

pelo mundo, quer dizer a presença de Deus no seio da

realidade cósmica orientada para a sua realização, os

ícones que figuram sobre a iconostase — fundo que separa a

mesa da comunhão da nave — exprimem de forma visual a

peregrinação vivida no decorrer da liturgia.

O ícone transmite o conteúdo da Sagrada Escritura não

sob a forma de um ensino teórico, mas de uma maneira

litúrgica, isto é, de um modo vivo, dirigindo-se a todas as

faculdades do homem. Transmite a verdade contida na

Escritura à luz de toda a experiência espiritual da Igreja,

da sua tradição. Por outras palavras corresponde à

Escritura, da mesma maneira que lhe correspondem os textos

litúrgicos. Com efeito, esses textos não se limitam a4 L. Ouspensky, Léonide. La théologie de l ;icône:dans l’Église Orthodoxe. p.95 C. Pastro, Arte Sacra: o espaço sagrado hoje. p 151

3

reproduzir a Escritura tal qual: são como que tecidos dela:

o ícone, representando visivelmente diversos momentos da

história sagrada, transmite de forma visível o seu sentido

e o seu significado vital; eis porque a unidade da imagem

litúrgica e da palavra litúrgica tem uma importância

capital, porque estes dois modos de expressão constituem

uma espécie de controle de um sobre o outro; vivem a mesma

vida e têm no culto uma ação construtiva comum6.

O Ícone é uma escola do olhar que por meio de cores,

símbolos e de perspectiva inversa 7, se abre à

transcendência, introduz o fiel que o contempla ao

invisível, ao essencial denominado hipóstase, (o que está

sob a substância), à Presença divina.

Caso contrário é o da imagem piedosa, a pintura

religiosa e profana que coloca o olhar e impõe uma visão

das coisas ligadas à dimensão histórica ou contextual, uma

visão desenvolvida por uma estética naturalista: luz e

sombra; proporções corporais anatômicas; expressões

faciais; perspectiva linear ou perspectiva perceptivo-

subjetiva, onde o artista coloca a sua dimensão psíquica e

cultural, ou seja, o seu gosto, modos, emoções, afetividade

e suas preferências. Assim, uma obra de arte é para se

6 L.Ouspensky...Essai sur la Théologie de l’Icône dans l’Eglise orthodoxe. p. 164-165.7 A perspectiva normal, tal qual como a conhecemos hoje, onde o ponto de fuga converge no horizonte, foi descoberta pelo arquiteto fiorentino Brunelleschi na época do Renascimento. A perspectiva inversa, modo particular de representação resulta de desenhar o objetoem um espaço fazendo convergir as linhas de fuga na direção do observador. R. Leaustic. Écrire une ícone: initiation aux techniques.p .29-30.

4

olhar, ela encanta a alma, emocionante e admirável ao

máximo, ela não tem função litúrgica. Ora, a arte sacra do

ícone transcende o plano emotivo que é agitado pela

sensibilidade. Uma certa aridez hierática desejada e o

despojamento ascético da alma da obra se opõem a tudo isso

que é suave e envolvente, a todo enfeite e gozo

propriamente artísticos. Pode-se concluir que o ícone não é

uma arte decorativa, sua finalidade não é decorar a sala de

uma casa, nem simplesmente embelezar um templo. É para o

fiel ortodoxo, a revelação e a proclamação da Palavra de

Deus, sua verdade divina: ser meio de comunicação entre o

crente e Deus.

1- Origens da imagem cristã.

A questão para saber por que o cristianismo acabou por

venerar imagens e porque justamente a partir do século IV,

foi muitas vezes colocada por teólogos e pesquisadores da

arte.

Desde o início do século III os cristãos recorreram

aos símbolos em voga do ambiente da época do mundo greco-

romano. Assim, o peixe, ichtus — letras iniciais gregas de

Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador —, o pastor, a vinha, o pão,

traziam simbolicamente o fiel ao Cristo. Na mesma época

apareceram representações, algumas mais outras menos, fiéis

ao Cristo, de sua Mãe e dos santos.

A arte dos primeiros cristãos, assim como o

cristianismo, é o resultado de uma evolução que começa ao

5

contato da cultura de quatro regiões do mundo antigo: a

Palestina, o judaísmo; a Grécia e países do Oriente

Próximo, o helenismo; na Itália, o espírito romano e tem

sua pré história na arte mortuária egípcia.

1.1 A imagem no judaísmo.

No Pentateuco se encontra uma atitude negativa diante

da imagem: Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe

ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo, na terra, ou nas águas que

estão debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses e não os

servirás. (Ex. 20,4-5). Em (Dt 4, 15-18), a proibição da

imagem se baseia na representação idólatra de um homem ou

de animais de todas as espécies. No entanto, nem todas as

imagens eram proibidas, no livro do Êxodo também se lê que

o Senhor mandou colocar dois querubins de ouro sobre o

propiciatório da arca, era pelo propiciatório assim

configurado que Iahweh falava ao seu povo, por isso

costuma-se dizer que “Iahweh está sentado sobre os

querubins” (Ex.25,17-22) 8.

Sob esse aspecto, o interdito não se reporta às

imagens, mas sobre o ídolo e, se a proibição das imagens

visava proteger o povo de Israel da idolatria, essa

interdição guarda em si um sentido teológico.

Com efeito, pelo pecado a imagem de Deus foi mutilada

no homem que por não ter mais uma relação direta com o

8 Referencias bíblicas: A Bíblia de Jerusalém, 9º ed. São Paulo, Paulus, 1993.

6

Criador, uma imagem de Deus só poderia ser falsa. Os

querubins não foram tocados por essa separação advinda do

pecado, assim puderam figurar como protetores da Arca da

Aliança.

Nem todos os judeus interpretaram a proibição do Êxodo

e do Deuteronômio como absoluta, porque também introduziram

o uso de imagens em sinagogas, como mostram os numerosos

afrescos e mosaicos nas sinagogas de Bet-Alfa, Gérasa,

Naara e a famosa sinagoga de Doura-Europos, na Babilônia,

na qual Moisés foi representado frente à sarça ardente; o

sacrifício de Abraão, etc. e túmulos judaicos em Roma,

ornados com representações de animais e homens 9. Houve

então uma certa tolerância que se encontra sobretudo nos

judeus da diáspora que viveram em um meio cultural muito

marcado pela imagem, como a já citada sinagoga Doura

Europos na Mesopotâmia onde, após a I Guerra Mundial foram

encontradas nas escavações arqueológicas, representações da

história de Moisés, de Daniel e de outros personagens da

Bíblia. Hoje os afrescos podem ser vistos no Museu Damasco

na Síria.

1.2 A imagem na Grécia

A imagem para os gregos possuía um caráter misterioso,

até mesmo mágico. Certas representações de deuses pareciam

9 Disponível em :http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/a_iconoclastia.htmlZILLES, Urbano. A iconoclastia. Revista Telecomunicações. Vol. 27 Dez/1997.Porto Alegre, Brasil. Acessado em 26 de outubro de 2009..

7

ter o mesmo poder dos deuses: tornavam loucos ou cegos

àqueles que ousavam encará-los

Estátuas como as de Átena e de Artêmis de Éfesos eram

ditas não feitas por mãos humanas, eram veneradas com todos os

tipos de ritos: abluções, unções, oferendas de flores e de

alimentos. Filósofos como Heráclito, Xenofonte, Empédocles

foram contrários aos excessos desses ritos, pelo caráter

espiritual do divino. Platão, entretanto, estimava que os

homens cultos devessem participar dos rituais a fim de

obter favores dos deuses e também para agradar ao povo que

tinha necessidade de representações sensíveis do divino.

Se bem que esses aspectos misteriosos e mágicos

estejam distantes do espírito cristão, não torna menos

evidente que os diversos “Renascimentos” que Bizâncio

conheceu, tiveram influência na elaboração da arte cristã,

cada retorno à arte antiga marcou uma civilização

transportando sobre o registro cristão as inspirações

artísticas pagãs.

1.3 O papel da imagem no Império Romano.

Desde as suas origens, a Igreja primitiva esteve em

contato com a cultura de Roma, onde a imagem desempenhava

uma função particular, graças à cultura grega que

influenciou a arte religiosa romana.

8

O culto dos imperadores romanos encontrou também sua

origem no culto de adoração que faziam de objeto o retrato

dos soberanos do Oriente helenístico.

Mais do que uma função religiosa, a imagem podia

preencher uma função jurídica, em algumas circunstâncias, a

imagem do imperador tomava o lugar da própria pessoa do

imperador, segundo as regras do direito romano.

Após a conversão ao cristianismo, é fácil compreender

que esta presença eficaz de ordem jurídica, junto à

tradição religiosa do culto imperial tenha sido

transformada para adquirir uma nova sacralização, que vai

levar em seguida às imagens cristãs. Dessa forma o

imperador é o Cristo, o Apóstolo ou o Profeta; as cenas de

apoteose se transformam nas representações da Ascensão; a

figura do Bom Pastor toma sua origem no imaginário

pastoral; ao imperador e à imperatriz sobre o trono

correspondem ao Cristo e à Virgem Maria entre os anjos ou

santos.

1.4 A arte funerária do Egito.

Também vale considerar que essa primeira fase da

história dos ícones está ligada a um antigo costume

praticado pelos egípcios que preparavam retratos dos

mortos, os quais eram colocados sobre a face do defunto que

sustentavam o tecido que era usado para embalsamar o rosto

da múmia. Nos primeiros séculos, a escola de Alexandria já

9

havia atingido um nível de perfeição suficiente para

permitir a existência de vários ateliês de artistas a

produzir rapidamente e a baixo custo, retratos de realismo

impressionante. No período anterior ao cristianismo, havia

o hábito de colocar na tumba um retrato exato, idêntico ao

defunto, uma imagem mística por possuir poderes

vivificantes, à qual era atribuída o poder de manter a

ligação entre a alma desaparecida e o corpo abandonado para

preservar sob a forma de múmia10. Cemitérios que atestam

esse gênero de conservação de corpos foram descobertos em

Fayoum11. É inegável que a iconografia herdou traços da

arte funerária de Fayoum, as primeiras representações de

Cristo Pantocrator foram feitas em encáustica (pintura com

cera de abelha) sobre madeira, da mesma forma que os

retratos funerários egípcios.

Desta forma o imaginário pagão serve de matriz ao

imaginário cristão.

1.5 Os Primeiros cristãos e a imagem

Compreende-se que os primeiros cristãos se opusessem

ao mundo pagão em razão da sua função idólatra. A ideia de

representar Deus já bastava para ser considerada um retorno

ao paganismo.

A arte religiosa não tinha nenhuma importância na

Igreja primitiva, constituída de pequenas comunidades de

10 N.P. Kondakov. Ícones. p 17.11 Região a 137 km do Cairo à margem esquerda do rio Nilo.

10

fiéis, na sua maioria pobres que não possuíam recursos para

grandes edifícios e muito menos podiam pagar os artistas

que eram bem remunerados pelos pagãos. Esses artistas, de

qualquer maneira precisariam romper com o mundo pagão para

se engajar no movimento cristão, o que significaria a perda

de seu meio de subsistência. A concepção de imagem pagã e

sua função eram muito diferentes do espírito do

cristianismo para ser a expressão da fé.

As primeiras imagens cristãs que se tem conhecimento

apareceram nas catacumbas, essa arte funerária se revestia

de alegria, pois, se a morte é inexorável, para os cristãos

havia a certeza da ressurreição.

Nas casas ou nas catacumbas, os cristãos adotaram

símbolos pagãos e lhes deram um significado mais profundo:

o navio, símbolo da prosperidade e de uma travessia feliz

pela vida, tornou-se o símbolo da Igreja; a entrada do

navio em um porto não significa mais a morte, mas a paz

eterna; os símbolos eróticos (Eros e Psique) tornaram-se a

sede da alma pelo amor de Deus. Esses símbolos são o

reflexo do ensinamento das verdades da fé. Por eles, os

fiéis são conduzidos para um conhecimento mais profundo do

cristianismo. 12

A imagem-mãe do Bom Pastor, inspirada no mito de Orfeu

foi associada: ao salmo 23 (22) Iahweh é meu pastor, nada me

falta; à imagem salvífica do pastor que reconduz as ovelhas12 A. Besançon. L’image interdite : une histoire intellectuelle de l’iconoclasme. p. 206-207.

11

ao aprisco; ao pastor que socorre as ovelhas e ao pastor

que protege as ovelhas contra o lobo devorador 13.

Houve também símbolos que foram inspirados no Antigo

Testamento e outros novos foram criados desde o II século

que são símbolos tipicamente cristãos: a multiplicação dos

pães, representando o Banquete Eucarístico; a adoração dos

magos, símbolo da admissão dos pagãos à fé cristã; a

ressurreição de Lázaro e, sobretudo os símbolos secretos,

incompreensíveis aos pagãos: a vinha, mistério da vida em

Deus nos batizados e o peixe, ichthus, que se refere ao

Cristo: Jesus Cristo Filho de Deus Salvador 14.

As pinturas das catacumbas mostram uma unidade de

estilo e de temas: foram encontrados os mesmos símbolos na

Ásia Menor, na Espanha, na África do Norte e na Itália, sem

que a Igreja tenha dado uma indicação de um programa

oficial. A fé manteve-se única, graças ao contato entre as

igrejas locais.

Até Constantino, século IV, as pinturas cristãs

apresentavam as mesmas características: alguns traços em

uma gama restrita de cores e algumas luzes que exprimiam o

essencial. É uma busca consciente do mundo espiritual que

faz com que se afaste de todo naturalismo. No entanto, há

um fato capital, as imagens das catacumbas não são imagens

de culto, elas permanecem na esfera do símbolo. A Igreja13 A. Trevisan. O rosto de Cristo: a formação do imaginário e da arte cristã. p. .30-3114 A.Besançon. L’image interdite : une histoire intellectuelle de l’iconoclasme. p. 206-207.

12

não havia elaborado ainda a dimensão do mistério da

Encarnação, o que aconteceu após os primeiros concílios. É

o mistério da Encarnação (Deus que se fez Homem) que

oferece o fundamento para a veneração dos ícones. Aos olhos

dos ortodoxos, a veneração dos ícones está fundada sobre a

certeza da Encarnação de Deus no homem Jesus de Nazaré. Na

medida em que Deus se revela através do humano, é possível

representa-Lo visivelmente.

2. Histórias da Tradição cristã

Uma antiga tradição atribui os primeiros ícones ao

Evangelista São Lucas, que sendo muito amigo da Virgem

Maria, teria pintado vários ícones da Virgem, que gostou

muito, abençoou e agradeceu.

Outra tradição diz que irei Abgar da cidade de Edessa,

estava doente de lepra, teve um sonho no qual ele via Jesus

sendo perseguido, aprisionado e martirizado. Então ele

envia um emissário em busca deste que ele considerava um

grande profeta visto em seu sonho. Quando o emissário do

rei, depois de muito procurar, afinal encontra-se com

Jesus, lhe diz: “o meu rei pede que o Senhor venha comigo

em nosso país, lá o Senhor estará protegido, o meu rei não

deixará que nada de mal lhe aconteça” Jesus responde que

agradecia, porém não poderia aceitar afinal Ele veio para

os seus e, além disso, era preciso que Ele cumprisse a

Vontade do Pai. O emissário replica que o seu rei era muito

rigoroso e, portanto não poderia voltar de mãos vazias.

13

Então Jesus lhe pede um lenço que o emissário trazia e com

esse lenço enxuga o rosto, dobra-o e devolve-lhe pedindo

que entregasse ao rei, o emissário assim o fez. Quando o

rei recebeu o lenço desdobrou-o e viu que a face de Jesus,

a Santa Face, estava impressa no Mandilion (lenço em grego),

e ao ver a imagem, o rei ficou curado de sua doença.

Esta imagem, o Mandilion, é considerada pelos ortodoxos

de Achiropita (não pintado por mãos humanas). O Mandilion ou a

Santa Face ficou na cidade de Edessa até o ano 944, quando

o imperador de Bizâncio manda busca-la, para com ela fazer

uma procissão em volta das muralhas da cidade, a fim de

protegê-la do ataque dos turcos e este expediente realmente

teve sucesso. Até hoje no dia 16 de agosto celebra-se a

festa da transladação de Edessa para Constantinopla do

ícone Achiropita.

O ano de 1204 representa uma data infausta para a

cidade de Constantinopla e para o Mandilion. As tropas

latinas da quarta Cruzada, sob o pretexto de instalar em

Constantinopla o pretendente Aleixo sobre o trono do tio

Aleixo III, tinham desviado a Cruzada para aquela cidade.

Esta foi ocupada pela primeira vez no verão de 1203;

depois, definitivamente, a 12 de abril de 1204, e submetida

a um saque sistemático de todos os seus tesouros, inclusive

o Mandilion 15.

15 A. Trevisan. O rosto de Cristo: a formação do imaginário e da arte cristã. p.55.

14

Nos primeiros séculos do cristianismo, foram muitas as

imagens simbólicas que evocavam a figura e a função da

pessoa de Cristo. O símbolo mais recorrente foi o do Bom

Pastor, ao qual se prende à figura mítica de Cristo Orfeu;

vem depois o de Cristo Pescador, de Cristo Mestre

Taumaturgo, Imperador ou Filósofo, de Cristo Benfeitor,

Doador da lei dos homens. No centro da iconografia

paleocristã, Cristo aparece sob diversas angulações: com o

rosto barbado, como um filósofo ou mestre; ou imberbe, com

o rosto apolíneo; com o pálio ou a túnica; com o semblante

do deus Sol ou de humilde pastor, ele é o Logos, a Lei, o

termo da salvação, o alfa e o ômega do cristão 16

Com o passar dos séculos a imagem de Cristo, que

ocupará lugares bem precisos nas diversas partes do templo,

será refletida em três principais tipos iconográficos: o

primeiro é o Cristo Menino, ou Emanuel, o Cristo imberbe de

aproximadamente 10 ou 12 anos com um rosto que está mais de

acordo com de um adulto, esse ícone ensina que Cristo era

sempre Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem; o segundo é o da

“Sagrada Face” ou do Mandilion de Edessa que recorda que o

iconógrafo não executa criações artísticas arbitrárias, mas

a Verdade Vivente não feita por mãos humanas; o terceiro

tipo é o Cristo adulto ou barbado, ao qual se dará o nome

genérico de Pantocrator, (Onipotente ou Aquele que tudo

rege) tipo mais significativo da iconografia oriental e

também o mais difundido, a ponto de se tornar quase o único

16 G. Gharib. Os icones de Cristo: história e culto. p. 12

15

tipo de Cristo que se encontra não só nas cúpulas e nas

absides das igrejas, mas também sobre selos, moedas e

outros objetos litúrgicos. Quer esteja presente em mosaico,

em afresco ou em ícones grandes ou pequenos, o Pantocrator

transmite, ao menos do século VI em diante, a mesma e

idêntica figura de Cristo 17.

Uma outra Tradição diz que o Evangelista São Lucas

teve uma visão na qual a Santíssima Virgem Maria lhe

aparece pedindo que ele pintasse uma imagem em sua memória.

Nesta visão ela mostra a ele, claramente, como realizar

todas as etapas do trabalho, ele então seguindo as

instruções, pinta o Ícone que mais tarde recebeu o nome de

Odighítria (aquela que indica o caminho), também pintou um

segundo que será chamado de Eleosa (ternura) e ainda um

terceiro ícone, onde a Virgem apresenta-se sem o menino

Jesus18. A Santíssima Virgem os viu, aprovou-os e abençoou-

os, conferindo a tais pinturas sua graça e poder

espiritual. Os ortodoxos acreditam que ao se escrever um

ícone, se todas as regras forem obedecidas, este poder

espiritual derramado pela Mãe de Deus será retransmitido

para o novo trabalho.

Se o ícone de Cristo fundamenta a iconografia cristã,

reproduziu os traços de Deus que se tornou Homem, o ícone

da Mãe de Deus, entretanto representa o primeiro ser humano

que realizou a finalidade da Encarnação — a deificação do

17 G. Gharib. Os icones de Cristo: história e culto p. 25-26 e 91.18L. Ouspensky. La Théologie de l’icône: dans l’Église ortodoxe. p 36

16

homem. A Igreja ortodoxa afirma a ligação da Virgem com a

humanidade caída que traz as conseqüências do pecado

original e não a exclui da descendência de Adão. Ao mesmo

tempo, sua dignidade excepcional de Mãe de Deus, sua

perfeição pessoal, o último grau de santidade adquirido por

ela explicam a veneração excepcional: a Virgem é a primeira

de todo gênero humano que alcançou, pela transfiguração

total de seu ser, ao final destinado a toda criatura. Ela

passou o limite do tempo e da eternidade e se encontra no

Reino onde a Igreja espera com a segunda vinda de Cristo.

Ela verdadeiramente Mãe de Deus (Theotokos), segundo a

proclamação do IV Concílio Ecumênico, preside com Cristo

aos destinados do mundo. Sua imagem ocupa assim o primeiro

lugar depois da imagem de Cristo na ortodoxia; ela se

distingue dos ícones dos outros santos e dos anjos tanto

pela variedade dos tipos iconográficos quanto pela

quantidade e intensidade de sua veneração. 19

3. As crises iconoclastas

Durante os primeiros séculos, a veneração dos Santos

Ícones foi estabelecida pela Igreja, mas no VII século,

sobretudo pela influência do Islã — que não admite nenhuma

representação de Deus — e das conquistas árabes, começou

uma luta aberta contra os Santos Ícones. Por algum tempo,

mais da metade da Igreja foi tomada por iconoclastas. A

guerra contra as imagens sacras (é esse o significado do

termo iconoclasmo) que ensangüentou por longo período o19L. Ouspensky. La Théologie de l’icône: dans l’Église ortodoxe. p35.

17

império bizantino e a Igreja Ortodoxa, foi inaugurada com o

decreto do imperador Leão III Isáurico (717-741), o qual

inspirado muito provavelmente pela política do mundo árabe-

muçulmano, iconoclasta por princípio, e não poucos desvios

que se tinham introduzidos no culto popular das imagens sob

a égide da classe sempre mais rica e poderosa dos monges,

emanou um edito (726) que proibia o culto das imagens e sua

produção 20. A vitória dos iconódulos (os defensores das

imagens) aconteceu no VII Concílio Ecumênico em 787.

Entretanto, a vitória dos iconódulos não durou muito,

com a ascensão ao trono de Leão V, o Armeno (813-820) as

proibições e restrições continuaram com implacável dureza

até chegar o tempo de Teófilo (829-842), imperador

apaixonado pela teologia. Após sua morte, ocorrida no ano

de 842, a imperatriz Teodora, feita regente do filho Miguel

III — muito jovem para governar, — reuniu um sínodo em 843

e com um decreto restabeleceu definitivamente o culto dos

ícones. O acontecimento é ainda celebrado na Igreja

Bizantina nos nossos dias, no primeiro domingo da Quaresma,

chamado “Domingo da Ortodoxia”. 21

Durante o período iconoclasta a tradição da pintura

dos ícones foi muito prejudicada. Pode-se supor que os

ícones criados durante esse período tinham um ar mais

austero, talvez mesmo um tanto severo na aparência,

20 G. Gharib. Os ícones de Cristo: história e culto. p. 2121G. Gharib. Os ícones de Cristo: história e culto. p. 22.

18

considerando que nessa época quase todos os ícones eram

produzidos nos mosteiros pelos monges. 22

4-O ícone e seu significado23

O ícone, enquanto arte-sacra litúrgica, não é um

objeto de decoração. Não há nessas imagens detalhe colocado

ao acaso. Tudo — nome, cores, forma, vestimenta, forma de

apresentação — cada linha traçada carrega em si um

significado.

Pela inscrição do nome é que o ícone recebe uma

presença, o poder e a bênção de Deus já se fazem presentes

no Seu nome. A ausência de naturalismo e da perspectiva

valorizam a espiritualidade, onde o nosso mundo corruptível

e corrompido já deve participar no ícone na deificação do

homem, por isso o mundo aparece transfigurado no ícone.

O corpo humano, ao contrário da arte helenística ou do

Renascimento que prima por seu aspecto naturalista,

desaparece no ícone sob togas romanas. Se acontecer de

aparecer nu, como no caso do ícone do Batismo do Cristo, a

falta de naturalismo contribui para torná-lo mais

espiritual.

O rosto é na maioria dos ícones da cor de terra, pois

Cristo é o novo Adão — do hebreu adamah, significa terra —22 Disponível em:http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/arte_sacra_bizantina_significado_e_poder.html acessado em 26 de agostode 2009. 23 M. Quenot. L’Icône: fenêtre sur le Royaume. p..99-117

19

para recordar que a Santa Face pertence à humanidade

inteira; os olhos grandes, fora da proporção natural,

contemplam o espectador; o nariz, alongado indica nobreza;

o pescoço inflado, a presença do Espírito Santo naquele que

já atingiu a beatificação; a testa saliente e alta abriga a

força do espírito e a sabedoria, inseparáveis do amor; a

boca muito fina e pequena, despojada de qualquer

sensualidade, permanece sempre fechada, pois a contemplação

postula o silêncio; as orelhas, desenvolvidas para escutar

os mandamentos do Senhor são interiorizadas, toda atenção

está voltada para a voz interior.

Os dedos desproporcionalmente longos, assim como o

corpo filiforme indicam com alegria a desmaterialização e

revelam o fluxo de uma intensidade espiritual que fulgura

em todo o ser. A auréola dourada da cabeça simboliza o

esplendor da luz divina naquele que vive na intimidade de

Deus.

Sem querer despertar emoção ou sentimento, a

imobilidade do ícone, — aparentemente estática quer apenas

demonstrar a dinâmica da vida interior. Mais interessado na

alma que no corpo o ícone mostra o efeito do Espírito Santo

sobre o homem que foi transformado à semelhança divina

5.A Rússia Ortodoxa Católica

Quando a Ortodoxia floresceu em Bizâncio depois do III

século e na Rússia, após o Século X, as igrejas ficaram

20

repletas de ícones, também eram colocados nas ruas, nas

casas e em lugares públicos.

Ficou conhecida como “escolha a fé” a história que

conta como a Rússia se tornou católica Ortodoxa. O príncipe

Vladimir I de Kiev, em 986 d.C. enviou alguns emissários

para terem contato com muçulmanos, cristãos, judeus e

gregos para verem de perto o que na verdade era a realidade

sensível de cada religião. Segundo o relatório dos

emissários, a decisão foi pela religião professada em

Constantinopla: o cristianismo sob a forma bizantina24.

Eles disseram ao soberano, após terem visto uma celebração

litúrgica na Santa Sophia: Nós não sabíamos se estávamos no céu ou

na terra, pois não há sobre a terra nada com tal majestade e beleza, e nem

saberíamos como descrevê-la: só sabemos que ali Deus está presente entre os

homens, e que suas cerimônias são melhores do que as de qualquer outro país.

Não esqueceremos de tal beleza 25.

Essa lenda indica bem a natureza das missões

bizantinas: o cristianismo não era só transmitido por

preocupações de “evangelização” no sentido contemporâneo do

termo, mas também por razões políticas e estéticas. A

influência política de Bizâncio, aliada ao caráter místico,

muito cativante de seus cultos: eis a causa humana da

expansão missionária desta época. O verdadeiro milagre será

24 P. Evdokimov. L’art de l’icône: théologie de la beauté. Paris. p. 17.25 Disponível em: http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/arte_sacra_bizantina_significado_e_poder.htmlAcessado em 26 de outubro de 2009.

21

o enraizamento durável, na alma eslava, do Evangelho e

assim aceito.

6. A mística dos ícones26

Um local sem ícone para o ortodoxo é um lugar vazio.

Em viagens para lugares desconhecidos um ortodoxo leva um

ícone diante do qual ele faz suas orações e muitas vezes

traz uma cruz no pescoço a qual ele recebeu no batismo.

O ícone dá ao ortodoxo o sentimento real da presença

de Deus. A existência dos ícones supõe que Deus pode ser

representado como homem, pois desde a criação o homem é

imagem de Deus (Gn.1-26) obscurecida pelo pecado original.

Deus não pode ser representado como Ser eterno, mas ao se

revelar ao homem, há uma figura que pode ser descrita caso

contrário, a revelação divina não poderia existir.

O ortodoxo ora diante do ícone de Cristo como se

estivesse diante d’Ele mesmo, mas o ícone, lugar dessa

presença, não se torna um ídolo ou um fetiche. A

necessidade de se ter diante de si um ícone decorre do

caráter concreto do sentimento religioso que muitas vezes

não se satisfaz apenas da contemplação espiritual e que

busca se aproximar do Divino imediatamente. Isso se explica

pelo homem ter um corpo e uma alma. A veneração dos santos

ícones se baseia não apenas na natureza dos sujeitos

representados, mas também sobre a fé nessa Presença

26S. Boulgakoff. L’Ortodoxie. p.194-202.

22

plenificada pela Graça, que a Igreja chama para a força da

santificação do ícone.

Conhecer e conservar o sentido simbólico do ícone:

essa é a tradição da pintura iconográfica, que data de

tempos distantes talvez da antiguidade pré-cristã, grega ou

egípcia, herdada pela Bizâncio cristã. Formou-se assim um

“cânon” iconográfico; conservado em toda sua pureza nos

ícones mais antigos.

Entretanto, os resultados e a revelações das pinturas

dos ícones ultrapassam em força a teologia especulativa e a

arte profana. A pintura dos ícones é um testemunho além dos

seus aspectos: ela não demonstra, ela mostra. Ela não coage

a aceitar suas provas: ela convence e vence pela própria

evidência.

A pintura de ícones não admite sensualidade nas

imagens que são formais, abstratas, esquemáticas, não são

mais que cores e formas. Um ícone não conhece as três

dimensões, ele não tem profundidade, mas se contenta como a

pintura egípcia, com uma representação plana e de uma

perspectiva inversa, o que exclui a sensualidade e leva à

predominância das formas e das cores e de seu simbolismo.

Eis a razão porque os meios artísticos da pintura dos

ícones têm um caráter ascético, pois não pode conter

sensualidade nem deleite carnal, é uma pintura severa e

séria.

23

7. A arte dos ícones na atualidade

Aconteceu na Europa desde o final da primeira guerra,

no início do século passado, um redescobrimento do ícone na

cultura ocidental. Michel Quenot 27 atribuiu o fenômeno ao

mercado das artes — pelo número de exposições e pela

freqüência com que elas têm ocorrido — e também pelo fato

de que colecionadores particulares têm se multiplicado. No

entanto, Segundo Olivier Clément 28 o homem de hoje

pressente o mistério, e, na sua fria solidão e na tristeza

do seu desespero, ainda há um amor em seu olhar.

A maioria dos cristãos ocidentais admira-se diante da

beleza de um ícone, porém ignora a profundidade teológica

que o acompanha na liturgia ortodoxa. O que se constata é

que o ícone permaneceu na Tradição da Igreja do Oriente,

enquanto a arte religiosa no Ocidente se modernizou e

segundo a visão dos ortodoxos, se dessacralizou, deixou de

ser arte sacra para ser arte com tema religioso.

Há muitas obras recentemente publicadas sobre os

ícones e, da demanda por ícones como objeto de decoração

surgiram pintores de ícones que não se preocupam com o

aspecto místico e litúrgico, pode-se comprar na Grécia, na

Rússia ou em qualquer outro país cristão, ícones não

pintados por um iconógrafo. No entanto, ainda há monges

27 M. Quenot L’Icône: Fenêtre sur le Royaume p.11-1228 Disponível em http://www.orthodoxa.org/FR/orthodoxie/iconographie/theologieIcone.htm . Olivier CLÉMENT Pour une théologie de l’icône. Acessado em 25 de outubro de 2009.

24

iconógrafos que “escrevem” seus ícones segundo a Tradição

milenar da confecção dos ícones sagrados destinados à

veneração dos fiéis.

Há autores que consideram que se há alguma

possibilidade de uma “re-união” das Igrejas chamadas irmãs

— a Ortodoxa e a Católica Romana, separadas desde o cisma

de 1054, — ela pode se dar pelo ícone.

João Paulo II, em 4 de dezembro de 1987, na Carta

Apostólica Duodecimum saeculum, celebrou por ocasião do XII

Centenário do II Concílio de Nicéia, a veneração das

imagens. Nesse documento o Sumo Pontífice disserta sobre os

ícones como a verdadeira e autêntica arte-sacra cristã.

Desde há alguns decênios para cá nota-se

um surto de interesse pela teologia e pela

espiritualidade dos ícones orientais; isso é

sinal de ritual da arte autenticamente cristã.

A este propósito, não posso deixar de exortar

os meus Irmãos no Episcopado a "manterem o uso

de expor imagens nas Igrejas à veneração dos

fiéis" e a empenharem-se para que surjam cada

vez mais obras de qualidade verdadeiramente

eclesial. O crente de hoje, como o de ontem, há

de ser ajudado na oração e na vida espiritual

mediante a visão de obras que procurem exprimir

o mistério sem nunca o ocultar. É esta a razão

25

pela qual, hoje como no passado, a fé é a

indispensável inspiradora da arte da Igreja 29.

Mais recente, no ano de 2007, Bento XVI ao fazer sua

exegese sobre o Batismo em seu livro Jesus de Nazaré escreve:

“A Igreja oriental desenvolveu e

aprofundou na sua liturgia e na sua teologia

icônica, esta compreensão do batismo de Jesus.

Ela vê uma relação bastante profunda e rica de

conteúdo da festa da Epifania (proclamação da

filiação divina pela voz celeste; a Epifania é

o dia do batismo no Oriente) e a Páscoa. [...]

A iconografia acolhe estas correspondências. O

ícone do batismo de Jesus mostra a água como um

túmulo de água que corre, que tem a forma de

uma caverna, que por sua vez é o sinal

iconográfico do Hades, [...]”30

Bento XVI recorreu à liturgia bizantina como

referência simbólica para explicar o mistério do batismo de

Jesus, o autor encontrou na arte oriental dos ícones a

melhor forma de expressar a mistagogia31 para o Batismo de

Jesus.

29 JOÃO PAULO II, item 11 da Carta Apostólica DUODECIMUM SAECULUM 1987 www.vatican.it . Acessado em 25 de maio de 2007.30 BENTO XVI. Jesus de Nazaré. p.34.31 Do grego mystagogêin , significa orientar nos mistérios, gênero literário comum no cristianismo primitivo. Atualmente a expressão podesignificar catequese.

26

O ícone de uma forma delicada, porém constante, indica

estar permeando o ocidente dessacralizado. Desde a sua

origem até a atualidade o ícone é para o fiel um testemunho

da conseqüência da Encarnação do Filho de Deus, que é a

deificação do ser humano, a experiência dos santos.

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Wilma Steagall De Tommaso: Doutora em Ciências da

Religião PUC/SP.

[email protected]