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Análise do projeto VerdeSinos sob a ótica dos Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA)
Sylvio Antonio Kappes 1
Tiago Wickstrom Alves 2
Resumo
Os serviços ambientais gerados pelo meio ambiente são externalidades positivas que, em geral, não
são internalizadas através das forças de mercado devido ao caráter de bem público destes serviços.
Os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) são instrumentos de incentivos econômicos
utilizados para efetuar tal processo. Para que um PSA seja constituído, é necessário o atendimento
de alguns requisitos, como a definição de um serviço ambiental a ser negociado entre compradores
e vendedores de tal serviço, a escolha da forma de pagamento pela entrega dos mesmos, o modo
pelo qual os serviços serão entregues, o monitoramento dos resultados, entre outros. O objetivo
deste trabalho é verificar se o projeto VerdeSinos pode ser considerado um PSA, através do
atendimento ou não dos postulados teóricos. Para atingir tal desígnio, foi elaborado um questionário
aberto, aplicado à coordenação do projeto. Conclui-se que o VerdeSinos, apesar de apresentar
diversas características de um PSA, não pode ser considerado como tal, ao menos não como um
plenamente estabelecido. Isso porque falta ao projeto o ponto central dos PSA, que é a base
mercadológica.
Palavras-Chave: Externalidades positivas. Pagamentos por serviços ambientais. Projeto
VerdeSinos.
Abstract
The environmental services generated by the nature are positive externalities that, in general, are not
internalized by the market forces because they have a public good characteristic. The Payments for
Environmental Services (PES) are instruments of economic incentives utilized to effectuate such a
process. To a PES being constituted, is necessary the attendance of some requisites, such the
definition of the environmental service to be negotiated, the choice of the form of payment, how the
services will be delivered, the monitoring of the results, and so on. The objective of this paper is
verify if the VerdeSinos project can be considered a PES, through the attendance or not of the
theoric postulates. To meet such desiderate, an open questionnaire were elaborated and applied to
the heads of the project. It’s concluded that the VerdeSinos, despite presenting a lot of PES
characteristics, cannot be considerate such one, at least not as one fully established. This is so
because the project lack the central point of PES: the marketing basis.
Keywords: Positive externalities. Payments for Environmental Services. VerdeSinos Project.
Área 4: Economia Agrária e Ambiental.
JEL: D62, Q 25, Q57.
1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGE-
UFRGS), com ênfase em Economia do Desenvolvimento. E-mail: [email protected] 2 Professor Titular da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: [email protected]
1 Introdução
A degradação ambiental, resultante da ação humana, deve-se, em primeiro lugar, à característica de
bem público dos biomas. A teoria econômica classifica um bem como público se este possuir duas
características fundamentais: a não-rivalidade e a não-excludência. A primeira delas refere-se ao
caso em que o consumo de um bem não reduz sua disponibilidade para outros consumidores; a
segunda, por sua vez, ocorre quando não se tem a capacidade de impedir que um indivíduo qualquer
usufrua de um bem (VARIAN, 2003; FISHER et al. 2009). Vatn (2010) argumenta que a junção de
não-rivalidade e não-excludência gera uma dificuldade em especificar os direitos de propriedade de
um bem que possua ambas as características.
Em consequência, a natureza acaba sendo alvo de externalidades, que são os impactos das decisões
de um agente no bem-estar de outro, que não toma parte da ação (MANKIW, 2005). Dessa forma,
há uma discrepância entre o equilibrio de preço e quantidade que reflete os custos e benefícios
privados com o equilibrio em termos sociais (STIGLITZ, 1997). As externalidades são classificadas
como negativas caso os custos privados da produção de um bem qualquer sejam menores que os
custos sociais desta mesma produção, acarretando, assim, em uma quantidade acima do ótimo
social. Uma externalidade é positiva caso os benefícios privados sejam menores que os sociais, o
que resulta em uma produção abaixo do ótimo social (PINDYCK; RUBINFELD, 2010).
Um exemplo de bem público sofrendo externalidades é a atmosfera. Seguindo a argumentação de
Vatn (2010), ela é um bem público, pois não há um agente que tenha direitos de propriedade sobre
ela. Assim, se uma refinaria de petróleo poluir o ar, causando um prejuízo a todos os seres vivos,
então, os custos de sua produção irão além dos custos privados da fábrica. Se a atmosfera fosse um
bem privado, esse problema seria de simples solução, uma vez que o seu proprietário poderia mover
ações judiciais contra a refinaria, por exemplo.
Ainda neste exemplo, fica evidente que a dificuldade está em fazer a empresa poluente arcar com os
custos decorrentes da poluição, ou seja, fazê-la “internalizar” os custos que ela socializou. Uma
solução para esse problema foi dada por Pigou (1932), que propôs uma ação estatal via impostos e
subsídios, levando os preços dos produtos ao nível que garanta o ótimo social. Outra solução é a de
Coase (1960). Segundo este autor, a livre negociação entre os agentes faz surgirem respostas
eficientes aos problemas. Seguindo o exemplo da refinaria, a empresa pagaria às pessoas afetadas
pelo direito de poluir o ar, compensando-as pelas perdas que sofressem.
Neste sentido, os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) buscam na contribuição de Coase
(1960) a sua fundamentação teórica. Como os agentes computam somente seus custos privados ao
tomarem suas decisões, é necessário que haja uma negociação para garantir que a externalidade
negativa deixe de ser gerada. Contudo, os PSAs são focados nas externalidades positivas, como, por
exemplo, o caso de um apicultor cujas abelhas polinizam as macieiras de seu vizinho. Nesse caso, a
atividade de um agente foi benéfica a outro e, para que ela continue ocorrendo, seria necessário que
o apicultor fosse compensado pelo benefício que gerou (PAGIOLA et al, 2005). Tal benefício é um
Serviço Ambiental, que, neste exemplo, é a polinização feita pelas abelhas. Neste trabalho, será
utilizado o conceito de Serviço Ambiental de Muradian et al. (2010), para os quais um Serviço
Ambiental é uma externalidade positiva gerada tanto pelos ecossistemas em sua forma preservada
quanto por locais modificados pelo homem, como sistemas agroflorestais.
Em termos mais específicos, um PSA é
uma transação voluntária, onde um serviço ambiental bem definido é comprado por
(pelo menos) um comprador de serviço ambiental de (pelo menos) um vendedor de
serviço ambiental se, e apenas se, o vendedor de fato entregar o serviço
(WUNDER, 2005, p. 9).
Na Bacia do Rio dos Sinos, há um projeto ambiental que, em uma primeira análise, cumpre alguns
requisitos para ser considerado um PSA, mas, no entanto, não se autodeclara como tal. É o projeto
VerdeSinos, organizado pelo Comitesinos, em parceria com o Ministério Público. Seu objetivo é
restaurar a mata ciliar da bacia hidrográfica do Rio dos Sinos, com o intento de melhorar a
qualidade de suas águas. Para isso, são doados aos participantes do projeto o material necessário à
recuperação da vegetação nativa, como mourões, arame e mudas de árvores. Os recursos
necessários a tais doações são obtidos com as empresas e entidades parceiras do projeto, e
distribuídos pelo Comitesinos.
Assim, o projeto VerdeSinos possui objetivos que estão vinculados ao pagamento por serviços
ambientais. Desta forma, surge o questionamento: estaria ele cumprindo as condições, apontadas
pela literatura, para ser classificado como um PSA? Responder a esta questão é o objetivo deste
trabalho. Para tanto, foi realizada uma análise documental de publicações do Comitesinos, bem
como uma entrevista presencial feita com Viviane Nabinger, secretária executiva do Comitesinos,
entrevista essa elaborada conforme um roteiro de pesquisa.
O trabalho está dividido da forma como segue: a segunda seção apresenta os elementos
constituintes de um PSA, trazendo informações que servirão de base ao estudo de caso. a terceira
seção aborda o histórico e funcionamento atual do Projeto VerdeSinos. A quarta seção analisa o
VerdeSinos à luz das teorias apresentadas no capítulo 2. A quinta e última seção faz as
considerações finais.
2 PSA – Elementos constituintes, classificações e fatores institucionais
A definição de Wunder (2005) apresentada anteriormente merece uma análise mais acurada. O
primeiro item dessa definição revela um conceito fundamental: o fato de a transação ser voluntária.
Isso diferencia o PSA de outros instrumentos econômicos de proteção ao meio ambiente, como as
multas, por exemplo, que têm caráter impositivo. O segundo item evidencia que o Pagamento
obrigatoriamente se relaciona a um serviço ambiental específico, ou seja, a algum fluxo de
externalidades positivas bem definidas; assim, o PSA não pode ter como objetivo a simples
restauração da mata nativa de uma região, mas, sim, algum benefício que esta gere, como a
absorção de carbono ou a redução do assoreamento dos rios. O terceiro e o quarto itens da definição
estabelecem a base mercadológica do pagamento por serviços ambientais, até então ausente; ou
seja, estabelece a necessidade da existência de compradores e vendedores. No caso de PSAs
relacionados à água, os compradores dos serviços são agentes que se beneficiam com a melhora de
algum atributo desta, como, por exemplo, companhias hidroelétricas e de abastecimento de água; os
vendedores são proprietários de terras cujo uso do solo gera as externalidades positivas que, em
última instância, melhoram os atributos da água. O último item da definição traz a condicionalidade
do pagamento, ou seja, o pagamento só ocorre se os serviços forem realmente entregues. Tal
condicionalidade é relevante no contexto dos PSA, uma vez que muitos vendedores de serviços
ambientais se encontram em áreas remotas, tornando difícil o monitoramento de suas atividades
(BRACER et al., 2007).
A definição de Wunder (2005), embora traga os principais elementos constituintes de um esquema3
de PSA, não aborda algumas questões importantes que surgem na montagem de um mercado desse
3 Conforme argumentam Martin-Ortega, Ojea e Roux (2013), não há um consenso na literatura entre o uso dos termos
esquema, programa ou projeto de PSA. Segundo estes autores, os termos são, em geral, utilizados indiscriminadamente.
Neste trabalho, os conceitos serão tratados como sinônimos, no intuito de deixar a leitura mais fluída.
tipo. Segundo Vatn (2010), a existência de custos de transação elevados faz com que a consecução
de acordos entre compradores e vendedores seja inviável, criando a necessidade de intermediários
nas negociações, que seriam responsáveis por organizar o ambiente de negócios. Em geral, esse
papel é desempenhado por agências governamentais, ONGs e universidades (LANDELL-MILLS;
PORRAS, 2002).
Powell, White e Landell-Mills (2002) elaboraram uma classificação de PSAs que leva em
consideração a atuação de intermediários. Para estes autores, os esquemas podem existir em três
formas básicas. A primeira seria a de Acordos Privados Auto-organizados, que são os casos em que
compradores e vendedores chegam a um acordo sem a intervenção de uma terceira parte. A segunda
forma é a dos Esquemas de Negociação Aberta, nos quais há uma terceira parte que organiza o
mercado de serviço ambiental. Por fim, existem os Pagamentos Públicos, nos quais o comprador do
serviço é o governo.
Para que as negociações corram bem, é necessário, como já foi dito, que o Serviço Ambiental
transacionado esteja bem definido. Em se tratando de esquemas de PSA relacionados à água,
existem quatro serviços comumente utilizados. O primeiro deles é a regulação do ciclo hídrico, que
é a manutenção de um fluxo constante de água no período das secas e a prevenção de enchentes no
período das chuvas. O segundo serviço é o da qualidade da água, obtido através do controle da
erosão do solo e dos assoreamentos, além do controle da salinidade e acidez da água. O terceiro
serviço é o da regulação dos níveis dos lençóis freáticos. Por fim, tem-se a manutenção dos habitats
aquáticos, permitindo a reprodução adequada dos cardumes. (PAGIOLA, 2005; BRACER et al.,
2007; POWELL; WHITE; LANDELL-MILLS, 2002).
Um dos problemas relacionados aos PSAs de água é a falta de conhecimentos científicos sobre
quais ações podem gerar os Serviços Ambientais desejados. Por exemplo, acredita-se que a
presença de florestas às margens de um rio garanta que a erosão será baixa. Entretanto, estudos
apontam que a presença ou não da mata é um fator de menor importância, e que as variáveis-chave
são a composição do solo, sua inclinação e a força das chuvas. (LANDELL-MILLS; PORRAS,
2002). Da mesma forma, a regulação do fluxo hídrico depende de fatores específicos de cada
localidade e não apenas da presença ou não de cobertura florestal. Entre esses fatores estão a idade
da floresta, a altitude em que ela se encontra e a composição do solo (BISHOP; LANDELL-
MILLS, 2005; BRACER et al., 2007; LANDELL-MILLS; PORRAS, 2002). Pagiola (2005)
argumenta que os estudos da relação floresta-água devem ser feitos em cada localidade, pois é
difícil fazer generalizações, uma vez que os fatores mais influentes são específicos de cada local.
Ainda na questão organizacional, existem fatores institucionais que afetam o desempenho ambiental
de um PSA, identificados por Escobar, Hollaender e Weffer (2013). Para estes autores, a existência
de experiências organizacionais anteriores à implantação de um PSA em uma dada região faz com
que este seja mais efetivo ao alcançar seus objetivos ambientais. Além disso, contratos de fácil
entendimento entre as partes também influenciam no resultado de forma positiva. Mais ainda, a
confiança no cumprimento do que foi acordado também afeta o desempenho de um PSA.
Assim que compradores e vendedores se organizam, é necessário definir o modo pelo qual os
serviços ambientais transacionados serão entregues. Pode-se distinguir cinco formas diferentes
(WUNDER, 2005; ENGEL; PAGIOLA; WUNDER, 2008). A primeira delas é pela manutenção de
uma floresta de pé, ou seja, preserva-se um remanescente florestal que já existe. A segunda forma é
a adoção de um sistema agroflorestal, que é um modo de produção amigável ao meio ambiente,
como a produção de café de sombra. A terceira forma é o cercamento e abandono de uma área
degradada, deixando que ela se recupere sozinha. A quarta maneira é o reflorestamento com
espécies nativas. A última é o reflorestamento de árvores comerciais, como o pinus e o eucalipto.
Uma questão essencial que permeia a entrega dos serviços ambientais é o quanto esta melhora a
oferta do serviço ambiental em questão, ou seja, o quanto desse serviço é adicionado, comparando-
se com outros cenários. Esse é o conceito da adicionalidade. (WUNDER, 2005). Para determinar a
adicionalidade de um esquema de PSA, ou seja, o quanto ele gera de oferta adicional do serviço, é
necessário criar as linhas de base. (WUNDER, 2005; 2007). Os gráficos a seguir ilustram três
diferentes padrões de linha de base.
Gráfico 1 – Linhas de base
Fonte: adaptado de Wunder (2007).
Em todos os gráficos, o eixo horizontal mede o tempo, ao passo que o eixo vertical corresponde à
quantidade disponível de um determinado serviço ambiental. No gráfico 1A, a linha contínua é a
linha de base, que representa a provisão do serviço na ausência dos pagamentos. Neste caso, supõe-
se um ecossistema que está em fase de recuperação, o que justifica a linha ascendente. O PSA, para
ter adicionalidade, teria que superar a melhoria ambiental já em curso, o que é representado pela
linha pontilhada. No gráfico 1B, o cenário é de deterioração ambiental: com o passar do tempo, a
oferta de serviços ambientais se reduz. A introdução dos pagamentos reduz a velocidade com que
essa deterioração acontece, configurando, então, uma adicionalidade. Por fim, no gráfico 1C, supõe-
se que a oferta do serviço ambiental se manteria constante. Assim, um esquema de PSA teria
adicionalidade na medida em que eleva a provisão do serviço.
A importância de se determinar as linhas de base é evitar que ocorra um desperdício de recursos.
Numa linha de base como a do gráfico 1C, por exemplo, se o PSA não gerasse adicionalidade, o
melhor seria utilizar os recursos do programa em outras ações, interrompendo as transferências aos
proprietários de terras. Numa linha de base como a do gráfico 1A, o cenário é de melhora ambiental
mesmo sem um esquema de PSA. Dessa forma, o dinheiro pode ser mais efetivo se for gasto em
outra região que não esta.
Daniels et al. (2010), em uma revisão de diversos trabalhos que estimavam os impactos dos PSA na
Costa Rica, chegaram à conclusão de que, em muitas regiões, os pagamentos não geram
adicionalidade, pois as projeções indicaram que não ocorreria nenhuma degradação ambiental na
ausência do PSA. Segundo esses autores, há duas explicações para esse resultado: a primeira é que a
existência de uma política pública de incentivo à proteção das florestas antes do surgimento dos
esquemas de PSA teria conscientizado os proprietários da importância de se preservar a vegetação
nativa. Uma segunda explicação é que existem muitos sítios de recreação, cujos donos não
produzem nada e, por isso, não desmatam.
Portanto, um esquema de PSA pode ser considerado efetivo se gerar adicionalidade. Para que isso
aconteça, deve-se determinar as linhas de base de cada local e verificar se os pagamentos mudarão o
cenário.
Outra questão importante relacionada à entrega dos serviços ambientais negociados em um PSA é o
monitoramento. Em diversos esquemas, é comum a participação de proprietários de terras que
vivem em áreas remotas. Isso cria a necessidade de se monitorar periodicamente os usos de solo que
eles praticam, para se ter certeza de que o ofertante está, de fato, entregando o serviço (WUNDER,
2005).
A questão das formas de entrega dos serviços ambientais está relacionada ao lado da oferta de um
PSA. O lado da demanda também possui suas peculiaridades, a começar pelas formas de pagamento
pelos serviços. O mais comum são transações feitas em dinheiro. Entretanto, diversos esquemas
realizam pagamentos em espécie (BRACER et al., 2007).
Um caso seminal é o de Los Negros, na Bolívia. Neste esquema, são vendidos dois tipos de
serviços ambientais a dois compradores diferentes pelos mesmos proprietários de terras. Um serviço
é o de proteção do território de aves migratórias, comprado pelo U.S. Fish and Wildlife Service,
uma agência federal dos Estados Unidos, interessada em garantir o hábitat de 11 espécies
migratórias. A contribuição deste agente ao projeto foi no sentido de financiar os gastos iniciais do
esquema. A ONG Fundación Natura Bolívia, de posse desses recursos, organizou as negociações
entre irrigadores a jusante e proprietários de terras a montante, além de manter o PSA em
funcionamento após a fase inicial. Os pagamentos feitos pelos irrigadores são transferidos à ONG,
que os repassa aos prestadores dos serviços ambientais. Estes recebem as compensações na forma
de cercas de arame farpado, colmeias e treinamento para manuseá-las (ASQUITH; VARGAS;
WUNDER, 2008).
Uma questão relacionada ao lado da demanda é Seleção Espacial, que consiste na definição,
seguindo determinados critérios, de quais propriedades receberão os pagamentos e quais ficarão de
fora do programa. Esses critérios, em geral, consideram os serviços ambientais prestados pelo
agente, os custos envolvidos e um componente de risco de deflorestamento em dado local
(BABCOCK et al., 1997).
A intenção de usar a Seleção Espacial é aumentar a adicionalidade gerada por unidade monetária
despendida. Isso pode ser feito tanto pela escolha das propriedades mais degradadas e que, portanto,
têm um maior potencial de adicionalidade, quanto por aquelas cujo custo de oportunidade seja mais
baixo, resultando em gastos menores no esquema como um todo (WÜNSCHER; ENGEL;
WUNDER, 2008). Esses autores criaram uma metodologia de seleção espacial que combina a
provisão de serviços, o risco de desmatamento e os custos de oportunidade de cada participante em
potencial, aplicando-a a um programa já existente na península de Nicoya, na Costa Rica. Pelos
resultados obtidos, eles chegaram a uma relação custo-benefício mais alta do que a que ocorre no
esquema de PSA, devido, principalmente, ao foco nas áreas com menor custo de oportunidade e, em
segundo lugar, com maior potencial de gerar adicionalidade.
Uma terceira questão envolvida nas formas de pagamento são os pagamentos por desempenho, que
são um tipo de PSA cuja remuneração está atrelada não apenas ao custo de oportunidade do
provedor do serviço, mas também à quantidade de serviços entregue por ele (ZABEL; ROE, 2009).
Estas autoras fizeram um levantamento bibliográfico de vários pagamentos vinculados ao
desempenho. Dos 23 casos analisados, 17 estão relacionados à proteção de uma única espécie
animal ou de um pequeno grupo de espécies, 3 estão relacionados à redução de sedimentos em rios
e 3 remuneram os produtores rurais para que adotem práticas agroecológicas em áreas de alta
biodiversidade. Esta modalidade de PSA é menos utilizada em programas relacionados à água
devido à dificuldade de se mensurar a variação na quantidade ou qualidade dos recursos hídricos
decorrente da proteção de uma determinada área. O mesmo não ocorre com pagamentos
relacionados ao carbono, pois é possível estimar a quantidade absorvida deste elemento pelo
crescimento da vegetação; tampouco com os programas relacionados à biodiversidade, uma vez que
é possível calcular a população de uma determinada espécie que seja alvo do esquema (ZABEL;
ENGEL, 2010).
O Quadro 1, a seguir, resume as características discutidas ao longo desta seção.
Quadro 1 – Elementos de um PSA
Elemento Autores de referência Descrição
Transação voluntária Wunder (2005) Caráter não-impositivo
Serviço ambiental específico Wunder (2005)
Podem ser: regulação do ciclo
hídrico, qualidade da água,
regulação dos níveis dos lençóis
freáticos e manutenção dos
habitats aquáticos.
Base mercadológica Wunder (2005) Presença de compradores e
vendedores
Presença de intermediários
Vatn (2010); Landell-Mills e
Porras (2002); Powell, White e
Landell-Mills (2002)
Conforme o grau de
envolvimento, podem ser
classificados como:Acordos
Privados Auto-organizados,
Esquemas de Negociação Aberta
ou Pagamentos Públicos
Estudos da relação floresta-água Pagiola (2005)
Conforme o autor, devem ser
feitos considerando as
especificidades de cada local
Fatores institucionais Escobar, Hollaender e Weffer
(2013)
Experiências organizacionais
prévias, contratos de fácil
entendimento e confiança
Formas de entrega dos serviços Wunder (2005); Engel, Pagiola e
Wunder (2008)
Manutenção de uma floresta de
pé, sistema agroflorestal,
cercamento e abandono,
reflorestamento com espécies
nativas ou exóticas
Adicionalidade e linha de base Wunder (2005; 2007) Determinam a efetividade de PSA
Monitoramento Wunder (2005) Garante a entrega dos serviços
Formas de pagamento Bracer et al. (2007) Em dinheiro ou espécie
Seleção Espacial Babcock et al. (1997)
Consideram os serviços
ambientais prestados pelo agente,
os custos envolvidos e um
componente de risco de
deflorestamento
Pagamentos por desempenho Zabel e Roe (2009) Pagamento relacionado à
quantidade de serviços entregues
Fonte: elaborado pelos autores.
3 O projeto VerdeSinos
As bases do VerdeSinos foram lançadas em 2006, com a apresentação dos resultados do Monalisa,
nome pelo qual ficou conhecido o Projeto de Identificação dos Pontos de Impacto da Bacia
Hidrográfica do Rio dos Sinos. Este projeto, coordenado pelo Comitê de Gerenciamento da Bacia
Hidrográfica do Rio dos Sinos (Comitesinos), mapeou 1,2 mil quilômetros de córregos, rios e
arroios da bacia, identificando pontos de impacto como escoamento de esgoto não tratado e
ausência de mata ciliar (BECKER JÚNIOR, 2006). Os resultados foram preocupantes. A mata ciliar
está em desacordo com a legislação ambiental em 88% da área mapeada. Em 53,8% da área sequer
existe vegetação nativa às margens dos corpos d’água (HUPFFER, 2013).
A partir do Monalisa, o Comitesinos iniciou diálogos para recuperar a mata ciliar da bacia. As
primeiras tratativas foram feitas com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater),
com o Instituto Rio-grandense do Arroz (IRGA), com sindicatos rurais e prefeituras, com o objetivo
de criar uma estratégia para recomposição dos pontos em que não havia vegetação nativa (BECKER
JÚNIOR, 2013).
Em paralelo a essas ações, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) criou a Rede
Ambiental do Rio dos Sinos, órgão que congrega, além do próprio MPRS, diversas promotorias da
região. Seu objetivo era fazer com que o Código Florestal fosse cumprido e que as Áreas de
Proteção Permanente (APPs) fossem recuperadas (BECKER JÚNIOR,2013).
Em 2008, foi assinado um convênio entre o Comitesinos e a Rede Ambiental do Rio dos Sinos,
parceria que visava unir os esforços das duas instituições. A partir do convênio, foi criado o Projeto
Piloto de Recomposição da Mata Ciliar, que é considerado o embrião do VerdeSinos (BECKER
JÚNIOR, 2013).
A primeira etapa do projeto foi conduzida pelo Comitesinos, com apoio das entidades parceiras
(Emater, IRGA, sindicatos rurais e prefeituras). Nesta, identificaram-se as propriedades rurais que
estavam em desacordo com a legislação ambiental e apresentou-se o projeto de recuperação a cada
uma delas. Os proprietários que concordaram em participar assinaram Termos de Adesão
Voluntária e se comprometeram a reflorestar pelo menos 15 metros junto às margens dos rios. O
Comitesinos, em seguida, acionava empresas parceiras que doavam mudas de árvores, mourões de
cerca, arames e grampos. Na sequência, coordenava os mutirões de plantio. O Ministério Público
atua no sentido de dar endosso legal à adequação gradual dos proprietários à legislação ambiental
(BECKER JÚNIOR, 2013).
A figura 1 resume a atuação do Comitesinos na organização das atividades de recomposição da
mata ciliar.
Figura 1 – Funcionamento das atividades de recomposição da mata ciliar
Fonte: elaborado pelos autores.
Em 2009, o Projeto Piloto conseguiu patrocínio da Petrobrás, através do Programa Petrobrás
Ambiental. Nascia, assim, o VerdeSinos. Com o aporte de mais de 1,3 milhões de reais, o projeto
assumiu novas frentes: pesquisa científica, com o intuito de verificar as relações entre a mata ciliar
e a qualidade da água; educação ambiental, atuando junto às escolas da rede pública; e a
continuidade do processo de restauração da mata ciliar (BECKER JÚNIOR, 2013).
A adesão ao Programa Petrobrás Ambiental durou até 2012. A meta do projeto, que era de
recuperação de 330 hectares, foi cumprida: recuperaram-se 331,7 ha, com o plantio de 5,2 mil
mudas e 114,6 mil metros de arame cercando as áreas recuperadas (BECKER JÚNIOR, 2013).
Desde 2013, o VerdeSinos está em sua fase permanente. A gestão continua a cargo do Comitesinos,
enquanto os recursos para seu funcionamento provêm das doações de empresas parceiras do projeto.
A figura 2 resume o histórico do projeto.
Figura 2 – Histórico do projeto VerdeSinos
Fonte: elaborado pelos autores.
4 Análise
A presente seção tem como objetivo analisar as respostas das questões do roteiro de pesquisa,
obtidas através de publicações do Comitesinos e, também, por meio de uma entrevista presencial
com Viviane Nabinger, secretária executiva do Comitesinos.
O projeto VerdeSinos tem como objetivo tanto o aumento da quantidade de água na bacia quanto a
melhoria de sua qualidade. Isso é obtido através de um uso de solo que gera o serviço. Pode-se
identificar agentes que cumprem os papeis de compradores e vendedores no projeto VerdeSinos,
embora eles não se identifiquem como tal. Atuando como compradores, existem diversas empresas
que fazem doações de mudas, mourões, arames e outros materiais às ações de reflorestamento. Há
ainda empresas que precisam realizar compensações ambientais na forma de plantio de árvores.
Através do projeto, elas encontram uma forma de destinar seus esforços de compensação. Por fim,
pode-se considerar o Ministério Público como um comprador por ter demonstrado interesse em
promover melhorias ambientais na bacia de uma forma viável aos proprietários de terras.
Do lado dos vendedores, estão os proprietários de terras. Estes se comprometem em reflorestar pelo
menos 15 metros em cada margem do corpo d’água, “vendendo”, assim, os serviços ambientais
providos pela área recuperada. Tal ação não é uma venda propriamente dita, pois não é efetivada
com a intenção de se receber uma compensação financeira mas, sim, de se adequar à legislação
ambiental de forma viável. O monitoramento das ações dos proprietários de terras é feito pelas
entidades parceiras (IRGA, EMATER, etc.)
Conforme a tipologia utilizada por Bracer et al. (2007) e por Powell, White e Landell-Mills (2002),
o VerdeSinos pode ser classificado tanto como um esquema de negociação aberta, pois os agentes
privados realizam suas transações sob a supervisão de uma terceira parte, quanto como um esquema
de pagamentos públicos, dada a presença do Ministério Público no projeto.
Cabe ressaltar que a base mercadológica das negociações é fundamental para que um projeto
ambiental qualquer possa ser considerado um PSA. Uma vez que os materiais utilizados na
restauração da mata ciliar são doados pelos “compradores”, e não entregues enquanto uma compra,
põe-se em cheque a base mercadológica.
Toda a organização do processo é feita pelo Comitesinos. Entre suas atribuições, estão a
mobilização dos parceiros de campo (Emater, IRGA, sindicatos rurais e prefeituras), que, por sua
vez, auxiliam nas negociações com os proprietários; recebimento e repasse das doações das
empresas; organização dos mutirões de plantio das mudas e instalação das cercas.
Estudos prévios ao VerdeSinos criaram embasamentos que podem ser considerados como uma
Linha de Base. O projeto Monalisa, por exemplo, identificou diversos pontos de impacto ambiental
ao longo da bacia, além de fazer um diagnóstico do estado das águas. Seguindo os critérios de
Wunder (2005; 2007) para linhas de base, o cenário da bacia do Rio dos Sinos era de uma linha de
base declinante.
A adicionalidade, entretanto, é de difícil mensuração. Uma das causas dessa dificuldade é o fato de
os plantios terem sido feitos há pouco tempo, não dando tempo para que os resultados ambientais
fossem plenamente alcançados. Além disso, a extensão territorial da bacia supera em muito a
abrangência do projeto, de modo que qualquer alteração substancial das águas dificilmente seria
gerada pelas ações do VerdeSinos.
Ainda no campo dos estudos, o VerdeSinos, como dito anteriormente, engloba também projetos de
pesquisa. Entre eles, Crossetti, Peresin e Malabarba (2013) estudaram os impactos da mata ciliar na
quantidade de nutrientes presentes na água. As autoras concluíram que áreas com mata ciliar
degradada ou ausente possuem nutrientes além do recomendável ao consumo humano. Esse estudo
vai ao encontro da recomendação de Pagiola (2005), citada na seção 2, de que os estudos da relação
floresta-água devem ser feitas localmente, evitando a generalização de trabalhos feitos em outras
regiões.
Em termos institucionais, alguns dos aspectos positivos ressaltados por Escobar, Hollaender e
Weffer (2013) são encontrados no VerdeSinos. O primeiro deles é a confiança no contrato (Termo
de Adesão, nesse caso), que foi reforçada pela presença de parceiros como a Emater e o IRGA.
Além disso, ele é simples: Para participar do projeto, os proprietários devem preencher uma ficha
de identificação simples, com 3 páginas, e o Termo de Adesão, de apenas uma página. As
experiências organizacionais prévias também se mostraram importantes, dada a atuação dos
sindicatos rurais, que são instituições existentes muito antes do projeto ser iniciado. A presença de
tais fatores institucionais, relacionados a um melhor desempenho ambiental de um PSA, indicam
que o VerdeSinos possui características que potencializarão seus resultados.
O Quadro 2, a seguir, resume a discussão, trazendo informações sobre a presença ou não dos
elementos apresentados no Quadro 1
Quadro 2 – Elementos presentes no VerdeSinos
Elemento Presença Descrição
Transação voluntária X
Tanto vendedores quanto
compradores participam
voluntariamente do projeto
Serviço ambiental específico X
Aumento da quantidade de água
na bacia e melhoria de sua
qualidade
Base mercadológica
Embora existam figuras que
possam ser consideradas como
compradores e vendedores, as
transações não são feitas seguindo
uma lógica de mercado
Presença de intermediários X
Além do Comitesinos, atuam
como intermediadores: IRGA,
EMATER, sindicatos rurais e
prefeituras
Estudos da relação floresta-água X
Elaborados a partir do
financiamento do programa
Petrobrás Ambiental
Fatores institucionais X
Termo de Adesão simples, de
confiança endossada pelos
intermediários. Presença de
experiências organizacionais
prévias, como os sindicatos rurais
Formas de entrega dos serviços X Reflorestamento com árvores
nativas
Adicionalidade e linha de base X
Linha de base elaborada no
âmbito do Projeto Monalisa.
Adicionalidade não verificada em
nível de bacia.
Monitoramento X
Realizado pelas entidades
parceiras (IRGA, EMATER,
sindicatos rurais e prefeituras)
Formas de pagamento X Em espécie, na forma de mourões,
arames e mudas de árvores
Seleção Espacial Não é feita
Pagamentos por desempenho Não é feito
Fonte: elaborado pelos autores, com base em documentos do Projeto e entrevista presencial.
5 Conclusões
Conforme apresentado na primeira seção, os PSA são programas que internalizam as externalidades
positivas geradas pelo meio ambiente. Esse processo não ocorre naturalmente através das forças de
mercado devido ao caráter de bem público dos serviços ambientais. Na seção 2, foram apresentados
os aspectos constituintes de um esquema de PSA, como a negociação de um serviço ambiental entre
compradores e vendedores, as formas de entrega dos serviços e as formas de pagamento. A terceira
seção levantou o histórico do projeto VerdeSinos, enquanto a quarta fez uma análise do mesmo à
luz das teorias revisadas.
Conclui-se que o VerdeSinos, apesar de apresentar diversas características de um PSA, não pode ser
considerado como tal, ao menos não como um plenamente estabelecido. Isso porque falta ao projeto
o ponto central dos PSA, que é a base mercadológica. Sem esta, não faz sentido falar de
internalização de externalidades.
Entretanto, não ser considerado como um PSA não torna o VerdeSinos menos efetivo na
consecução de seus objetivos, fazendo com que ele não seja, apenas, um mecanismo de
internalização de externalidades positivas. Se este for um dos objetivos elencados pelos
coordenadores do projeto, então sim, a falta da base mercadológica se fará sentir.
Algumas potencialidades do VerdeSinos podem ser elencadas a partir da análise dos dados. A
primeira delas é a grande rede de contatos construída ao longo do projeto, englobando desde órgãos
governamentais (Emater e IRGA) a associações rurais, bem como empresas. Uma segunda
potencialidade é o caráter voluntário da participação de todos os agentes. Por fim, a grande
quantidade de estudos científicos realizados no âmbito do VerdeSinos dão respaldo científico e
acadêmico às intervenções do projeto.
Todavia, restam alguns desafios. Um deles é o fato de que os proprietários que cumpriam a
legislação ambiental antes do projeto não receberam benefício algum do VerdeSinos, embora eles
também prestem os serviços ambientais de proteção à água. Para garantir uma melhoria substancial
na qualidade dos recursos hídricos da bacia, deve-se dar incentivos, também, a esses proprietários.
Outro desafio, provavelmente o maior deles, é o de potencializar o ambiente de negócios, trazendo
mais participantes, tanto do lado da demanda quanto do lado da oferta, para impulsionar a geração
de serviços ambientais na bacia.
Uma limitação deste trabalho é o fato de o estudo de caso ter sido feito apenas com a coordenação
do VerdeSinos. Ao longo dos estudos e análises, percebeu-se que a realização de entrevistas com o
MPRS, empresas doadoras e proprietários de terras teria engrandecido as conclusões e dado mais
robustez à análise.
Quanto à continuidade dos estudos do tema, três sugestões são feitas. A primeira é uma análise
específica dos incentivos que os proprietários de terras recebem para participar de um PSA. Tal
entendimento é fundamental para a construção de novos esquemas de PSA. Uma segunda sugestão
é o estudo dos custos de transação envolvidos nas negociações entre compradores e vendedores,
estimando o valor da atuação de intermediários, como o Comitesinos. Por fim, um estudo dos
benefícios marginais gerados pelo VerdeSinos, face aos seus custos marginais, traria novas
conclusões quanto à efetividade do projeto na melhoria dos serviços ambientais na bacia do Rio dos
Sinos.
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