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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO
CÉSAR AUGUSTO MACEDO SEMENSATTI
A JORNADA DE TRABALHO DO GERENTE BANCÁRIO
Brasília
2015
CÉSAR AUGUSTO MACEDO SEMENSATTI
A JORNADA DE TRABALHO DO GERENTE BANCÁRIO
Brasília - DF
2015
Trabalho de Conclusão de curso apresentado como requisito para aprovação no curso de pós-graduação em Direito e Processo Tributário, da Estácio de Sá, sob orientação do Professora Mestre Priscila Jorge Cruz Diacov.
DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO
Cesar Augusto Macedo Semensatti
A Jornada de Trabalho do Gerente Bancário
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estácio de Sá,
como requisito para a obtenção do grau de Especialista em Direito e Processo
do Trabalho.
Aprovada em, ____ de ____________ de 20___.
Examinador
_________________________________________________
Professora Mestre Priscila Jorge Cruz Diacov
NOTA FINAL____________
RESUMO
O presente estudo tem como ponto de partida a evolução histórica do Direito
do Trabalho e o surgimento de garantias aos trabalhadores, direcionando sua
análise para a existência de limitações à jornada de trabalho. No decorrer do
estudo pretendemos demonstrar o surgimento de limites legalmente
estabelecidos para a jornada de trabalho, visando garantir a segurança e a
saúde dos trabalhadores, notadamente no cenário do direito brasileiro.
Conforme restará demonstrado, referida garantia, apesar de definida
constitucionalmente, não se mostra absoluta e é relativizada quanto aos
empregados detentores de cargo de gerência, mando ou gestão, conforme
previsão legal do artigo 62, II da Consolidação das Leis do Trabalho. No
entanto, entendemos que a limitação de jornada constitui matéria de ordem
pública e social, motivo pelo qual sua relativização fere outros princípios
constitucionais, o que justificaria o reconhecimento de horas extraordinárias
mesmo aos ocupantes dos cargos de gerência. Diante deste quadro vamos
analisar a questão da jornada de trabalho do gerente bancário, categoria que,
devido ao tipo de trabalho desenvolvido e dos problemas relativos ao trabalho,
tem jornada de trabalho diferenciada, limitada a seis ou oito horas diárias, com
exceção do gerente bancário, cuja jornada de trabalho se mostra
aparentemente “sem limites”. Ao analisarmos a questão central e o
entendimento jurisprudencial firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho,
apontamos a necessidade de revisão da Consolidação das Leis do Trabalho,
decidindo pela limitação da jornada de trabalho e pelo cabimento de horas
extras aos gerentes bancários.
Palavras-chave: Direito do Trabalho, Jornada de Trabalho, Bancários,
Gerentes, Consolidação das Leis do Trabalho.
ABSTRACT
This study has it starting point based on the historical evolution of labor law and
the emergence of rights for employees, directing its review for the existence of
restrictions on working hours. During the study we intend to demonstrate the
emergence of legally established limits to the working hours, ensuring the safety
and health of workers, especially in the Brazilian right scenario. As shown, such
a guarantee, although constitutionally defined, does not show absolute power
and it’s relativized as the employees hold a position of Manager, exercising
magement or control, as per legal provision of Article 62, II of the Consolidation
of Labor Laws. However, we understand that the journey limitation is a matter of
public and social order , which is why its relativization hurts other constitutional
principles, which would justify the recognition of overtime even for the
occupants of management positions. Given this context we examine the issue
of working hours of the bank manager, category that, due to the type of work
and the problems related to work, have different working hours, limited to six or
eight hours, depending on the position held, except for the bank manager
whose working hours are apparently "limitless". By analyzing the core issue and
the legal understanding signed by the Superior Labor Court, pointed out the
need to revise the Consolidation of Labor Laws, deciding the limitation of
working hours and the appropriateness of overtime to bank managers.
Keywords: Labor Law , Working Hours, Banking, Managers, Consolidation of
Labor Laws.
5
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
ABREVIATURAS
art. – artigo
nº – número
p. – página
SIGLAS
CF – Constituição Federal
CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CN – Congresso Nacional
DL – Decreto-Lei
EC – Emenda Constitucional
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
SÍMBOLOS
§ – parágrafo
§§ – parágrafos
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 7
2. DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO ...................................... 13
CONTEXTO HISTÓRICO ......................................................................... 14
O DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL ................................................. 18
3. SOBRE A JORNADA DE TRABALHO .................................................... 23
DA JORNADA DE TRABALHO DO BANCÁRIO COMUM (ART. 224,
CAPUT DA CLT) .............................................................................................. 26
DA JORNADA DE TRABALHO DO BANCÁRIO OCUPANTE DE CARGO
DE CONFIANÇA (ART. 224, § 2º DA CLT) E DO ENQUADRAMENTO DO
GERENTE BANCÁRIO .................................................................................... 27
DA JORNADA DE TRABALHO DO “GERENTE-GERAL” ......................... 30
4. JURISPRUDENCIA SOBRE O TEMA ...................................................... 36
5. CONCLUSÃO ........................................................................................... 41
6. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 43
7
1. INTRODUÇÃO
Apesar do ponto de partida deste trabalho estar regulamentado na
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), também conhecida como Decreto-
Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, se faz indispensável analisar o contexto
histórico do Direito do Trabalho e da Constituição Federal brasileira,
promulgada aos cinco dias do mês outubro de 1988 e atualmente instrumento
normativo máximo da República Federativa do Brasil.
Ao aprofundarmos nossos estudos acerca da temática, podemos afirmar com
grande certeza que, historicamente, o Direito do Trabalho evolui de forma
significativa, importando em grandes ajustes que se reverteram em melhorias
nas condições de trabalho e no surgimento de garantias aos trabalhadores.
Neste momento, limitamos nosso estudo ao surgimento do Direito do Trabalho
enquanto preocupação social, enquanto temática presente no contexto
socioeconômico, portanto, coincidente com a Revolução Industrial, conforme
assevera Carvalho (2013, p.41):
A origem primeira do direito do trabalho nos remete, contudo e certamente, à realidade vivenciada, ao final do século XVIII, pelos trabalhadores da Europa Ocidental, pois nessa região se desenvolveu, mais intensamente, o emprego industrial e a conseqüente necessidade de resgatar a dignidade do trabalho humano. Não deve causar estranheza a circunstância de não nos atermos à experiência soviética, embora a ela se refiram os homens de nosso tempo quando, desavisadamente, pretendem estabelecer alguma correlação inexorável entre o regime comunista e o direito do trabalho vigente entre nós.
Cronologicamente, o instituto do Direito do Trabalho seguiu conquistando mais
espaço, inclusive com vistas a formar o Direito Coletivo do Trabalho,
espalhando mundo afora a ideia de proteger o trabalhador frente ao capital,
frente à necessidade humane de capitalizar seu esforço físico em prol de sua
sobrevivência. Primeiramente, veremos o surgimento e a expansão do Direito
do Trabalho pela Inglaterra, pela França e pela Alemanha, nesta exata ordem,
importando em nítida alteração do contexto social da época.
8
Reconhecemos a extrema importância garantida à evolução do Direito do
Trabalho, no entanto, neste trabalho vamos nos limitar a analisar dois pontos
centrais nesta evolução: a liberdade de exercício das profissões e a existência
de limites à exploração do trabalhador. Estabelecida esta premissa, vamos
adentrar nossos estudos a fim de apontar os contornos que levaram ao
estabelecimento de limites à jornada de trabalho diária e semanal.
No caso específico do Brasil, existe nítida divergência entre o surgimento das
leis e o surgimento efetivo do Direito do Trabalho, já que, coexistiram em
mesma época instrumentos legislativos dissociados da realidade social, por
exemplo, a existência de regulação do trabalho assalariado e do instituto da
escravidão num mesmo momento histórico. Superada a problemática
apontada, verificamos o surgimento de diversas normas esparsas, dentre elas,
normas que regulavam a jornada de menores, cujo trabalho era permitido a
partir dos oito anos de idade, normas que estabeleciam diferenças entre os
salários urbano e rural, a fixação de férias remuneradas, dentre outras.
Somente em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas foi elaborado um
projeto de código sobre normas relativas ao trabalho, dando origem à
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, cuja origem remonta ao surgimento
da própria Justiça do Trabalho no Brasil, conforme aponta Carvalho (2013, p.
119):
O Estado totalizante, da primeira era Vargas, consolidou a legislação trabalhista e, em 1943, editou a CLT. As indústrias de base, especialmente a siderurgia e a petroquímica, surgiram com a legislação trabalhista e a Justiça do Trabalho, tudo em um pacote de intevenção estatal que auspiciava a definitiva modernização do Brasil. A um só tempo, Vargas introduzia a fonte do problema – mediante o estímulo à industrialização de bens de capital e de consumo – e os métodos de solução, tentando queimar etapas do processo de industrialização vivenciado pelos países que compunham a economia central. A CLT foi seguida de legislação que contribuiu para a atenuação das condições adversas em que se dava o trabalho do empregado brasileiro, abrindo caminho para a constitucionalização dos direitos sociais de índole trabalhista. A Constituição de 1988 elevou, enfim, ao nível de direito fundamental as condições mínimas de trabalho a que pode ser submetido o empregado no Brasil, articulando-se assim com o princípio – que gravou em seu texto como fundamento da nossa República – da dignidade da pessoa humana.
9
No entanto, conforme restará demonstrado, a CLT não colocou fim à questão
trabalhista no Brasil, haja vista o extenso tratamento da matéria junto à
Constituição Federal de 1988, principalmente pelo art. 7º da Carta Magna, cuja
redação vale a transcrição, in verbis:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
10
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
XXIV - aposentadoria;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.
Seguiremos nossos estudos aprofundando a proteção trazida pelo art. 7º,
incisos XIII e XIV do diploma constitucional, ou seja, a fixação de limites legais
à jornada de trabalho. Neste mesmo sentido, a CLT em seus arts. 58, 59 e 62,
inseridos no Capítulo II, do Título II, prevê que a duração normal do trabalho,
para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito)
11
horas diárias, apontando ainda a possibilidade de a duração normal do trabalho
ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas),
mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato
coletivo de trabalho, devendo estas ser remuneradas, pelo menos, em valor
50% (cinquenta por cento) superior à da hora normal.
Estabelecida a regra geral quanto aos limites legais de jornada de trabalho,
passaremos a analisar o caso específico dos bancários, categoria contemplada
pela CLT com jornada de trabalho diferenciada, conforme se verifica no
TÍTULO III (DAS NORMAS ESPECIAIS DE TUTELA DO TRABALHO),
CAPÍTULO I (DAS DISPOSIÇÕES ESPECIAIS SOBRE DURAÇÃO E
CONDIÇÕES DE TRABALHO), SEÇÃO I (DOS BANCÁRIOS), artigos 224 a
226 da coletânea trabalhista.
No tópico, prevê a CLT a existência de dois tipos de bancários: o primeiro, os
bancários comuns, enquadrados no caput do art. 224 da CLT, obrigados à
jornada legal de 06 (seis) horas diárias; o segundo, os bancários exercentes de
cargos de confiança que recebam gratificação de função que não seja inferior a
1/3 do salário efetivo, cuja jornada declinada pelo §2º do art. 224 é de 08 (oito)
horas diárias.
Neste ponto reside a primeira divergência jurisprudencial sobre a temática, haja
vista que, seguindo o entendimento firmado por uma corrente de juristas o
Tribunal Superior do Trabalho passou à aplicar ao Gerente Geral de agência o
disposto no art. 62, II da CLT, e não o disposto no art. 224, § 2º do mesmo
diploma legal. Diante deste fato, apresentaremos posicionamentos favoráveis e
contrários à aplicação da exceção prevista no art. 62, II da CLT, isso porque,
para o presente trabalho pouco importa o enquadramento, sendo de suma
importância, na verdade, a existência de uma limitação à jornada de trabalho,
seja ela de seis ou de oito horas diárias, a fim de que não surja a figura do
trabalhador com jornada “sem limites”, situação que seria equiparada à
escravidão.
12
Superada a questão que gravita em torno da aplicabilidade do art. 62, II da CLT
aos empregados bancários, apontaremos a necessidade de estabelecer limites
legais à jornada de trabalho dos bancários ocupantes de cargo de gerência,
cuja consequência lógica é o reconhecimento do direito destes empregados
perceberem remuneração em função do trabalho em sobrejornada.
Por fim, diante do enorme debate jurisprudencial quanto à aplicação ou não do
art. 62, II da CLT aos bancários, e ainda, do direito ou não da percepção de
horas extras por parte dos ocupantes do cargo de gerência na esfera bancária,
vislumbramos a necessidade de uma alteração na legislação pertinente, a fim
de que seja garantido, não só aos bancários, mas a todos aqueles que ocupem
cargos de efetivo mando e gestão, a percepção de horas extras, sob pena de
se “legalizar” o instituto da escravidão.
13
2. DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO
Neste capítulo vamos abordar o surgimento do Direito do Trabalho, partindo
primeiro da inexistência do direito, decorrente da situação de escravidão,
chegando ao Direito do Trabalho no cenário nacional atual.
Primeiramente devemos ter em mente que o trabalho, apesar de existente
desde a Antiguidade, somente surge como relação social digna de
preocupação a partir da mercantilização do trabalho, ou seja, da conversão da
força e do suor em alguma matéria prima que possa ser traduzida em algum
benefício para o “proprietário da mão-de-obra”.
Devemos apontar essa diferenciação pois, a mão-de-obra escrava, apesar de
estar enquadrada no mundo dos fatos como trabalho, não permite uma análise
do Direito do Trabalho, primeiro, por inexistir direitos, dada a condição do
escravo análoga à de “coisa”, segundo, por não haver remuneração ou
proteção do Estado ao bem jurídico trabalho.
De forma a delimitar o ponto de partida desde estudo, apontaremos como
surgimento do Direito do Trabalho nos moldes atualmente conhecidos a
Revolução Industrial e o Liberalismo, conforme bem assevera Costa (2010):
Na realidade, o Direito do Trabalho surge com a sociedade industrial e o trabalho assalariado.
A Revolução Industrial, ocorrida no Século XVIII, foi a principal razão econômica que acarretou o surgimento do Direito do Trabalho, com a descoberta da máquina a vapor como fonte de energia, substituindo-se a força humana. A necessidade de pessoas para operar as máquinas a vapor e têxteis impôs a substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado.
No decorrer da história, o Estado, ao observar o caos derivado da
desigualdade entre o capital e o trabalho, tem-se início às medidas protetivas e
à edição de leis sobre o trabalho. Neste momento, o individualismo contratual
dá lugar ao dirigismo contratual, iniciando um período de intervenção jurídica
do Estado, a fim de limitar a autonomia da vontade e proteger o indivíduo, o
trabalhador.
14
Podemos afirmar que, neste primeiro momento, o Estado passou a buscar um
equilíbrio entre os sujeitos do contrato, deixando de ser mero espectador do
drama social para impor regras conformadoras da vontade dos contratantes,
protegendo economicamente o mais fraco para compensar a desigualdade
entre as partes, ou seja, o Direito do Trabalho surge como ferramenta para
igualar juridicamente a diferença econômica.
Neste sentido, o Direito do Trabalho vai apresentar diferentes fases de
evolução, para então, atingir o status de matéria protegida constitucionalmente,
tal como ocorreu no Brasil com a Constituição Federal de 1934. Diante deste
quadro, após apresentar o contexto histórico de surgimento e evolução do
direito dos trabalhadores passaremos a analisar o surgimento do Direito do
Trabalho no Brasil, apontando seus contornos e cenário atual.
CONTEXTO HISTÓRICO
Anteriormente à Revolução Industrial, marco teórico deste estudo, o
trabalho era basicamente servil, escravo, realizado em ambiente patriarcal.
O trabalho passava de uma geração para outra, sem visar acúmulo, havia
trocas. Cada grupo familiar buscava suas necessidades. Não havia
necessidade de interferir, de normatizar as normas de trabalho. Não havia
relação entre empregado e empregador. No trabalho servil ou escravo, não
há liberdade, e o direito só atua em ambiente de igualdade, o que havia era
arbítrio. O direito do trabalho é produto da história recente da humanidade,
quando a sociedade passou por modificações significativas. No século XIX,
sucedem fatos, ingredientes sociais que propiciaram o surgimento do direito
do trabalho. O marco principal é a Revolução Industrial, a mecanização do
trabalho humano em setores importantes da economia.
Sobre a evolução do Direito do Trabalho e seu contexto histórico,
importante apontar as considerações trazidas por Costa (2010):
15
A fase de formação estende-se de 1802 a 1848, tendo seu momento inicial no Peel’s Act, (Lei de Peel) do início do século XIX na Inglaterra, que trata basicamente de normas protetivas de menores, esse diploma legal inglês voltado a fixar certas restrições à utilização do trabalho de menores As Leis dessa fase visavam basicamente reduzir a violência brutal da superexploração empresarial sobre mulheres e menores. Leis essas de caráter humanitário, de construção assistemática. O espectro normativo trabalhista ainda é disperso, sem originar um ramo jurídico próprio e autônomo.
A segunda fase (intensificação) situa-se entre 1848 e 1890, tendo como marcos iniciais o “Manifesto Comunista de 1848“ e, na França, os resultados da Revolução de 1848, como a instauração da liberdade de associação e a criação do Ministério do Trabalho.
A terceira fase (consolidação) estende-se de 1890 a 1919. Seus marcos iniciais são a Conferência de Berlim (1890) e a Encíclica Católica Rerum Novarum (1891) – Papa Leão XIII. Essa Encíclica fez uma ampla referência à necessidade de uma nova postura das classes dirigentes perante a chamada “Questão Social”, que trazia em seu texto as obrigações de patrões e empregados, enfatizando o respeito e a dignidade da classe trabalhadora, tanto espiritual quanto fisicamente, por outro lado, o operário deveria cumprir fielmente o que havia contratado, nunca usar de violência nas suas reivindicações, ou usar de meios artificiosos para o alcance de seus objetivos.
A quarta e última fase (autonomia) do Direito do Trabalho, tem início em 1919, estendendo-se às décadas posteriores do século XX. Suas fronteiras iniciais estariam marcadas pela criação da OIT (1919) e pelas Constituições do México (1917) e da Alemanha (1919).
A fase de formação, compreendida no período de 1802 a 1848, tem seu
momento inicial com a edição da Lei de Peel, na Inglaterra, onde destaca-
se basicamente a adoção de normas protetivas aos menores, não sendo
permitida, por exemplo, a admissão de menores de 10 anos. Conforme
informado, as Leis editadas durante este período visavam basicamente
reduzir a violência brutal da superexploração empresarial sobre mulheres e
menores, concedendo um maior caráter humanitário as relações de
trabalho. Neste período destaca-se a figura do Robert Owen, um reformista
social, nascido no país de Gales em 1771, considerado um dos fundadores
do socialismo e do cooperativismo que, no ano de 1800, assumiu a fábrica
de tecidos de New Lamark, na Escócia, onde empreendeu inúmeras
mudanças na qualidade de vida de seus operários bem como de suas
famílias, com a construção de casas para seus empregados, caixa de
previdência para amparo na velhice e assistência médica, e também, o
primeiro jardim de infância, a primeira cooperativa e a criação do Trade
Union, que pode ser comparado a um sindicato dos dias atuais.
16
A segunda fase de evolução do direito do trabalho, denominada
intensificação, situada entre 1848 e 1890, destaca-se pelo surgimento do
“Manifesto Comunista de 1848” e, na França, pelos resultados da
Revolução de 1848, com a instauração da liberdade de associação que
havia sido tolhida pela Lei Chapelier e a criação do Ministério do Trabalho.
A terceira fase, chamada de consolidação, estende-se de 1890 a 1919. Tem
como março inicial a Conferência de Berlim no ano de 1890 e a Encíclica
Católica Rerum Novarum 1891, publicada pelo Papa Leão XIII, que,
sensibilizado pela intensa exploração do homem, agora “escravo” da
maquina, tenta estabelecer regras mínimas para o trabalho. O texto que
compõe a Encíclica destaca a necessidade de uma nova postura das
classes dirigentes perante a chamada “Questão Social”, que trazia em seu
texto as obrigações de patrões e empregados, fixando o salário mínimo, a
jornada máxima, enfatizando o respeito e a dignidade da classe
trabalhadora, tanto espiritual quanto fisicamente, por outro lado, o operário
deveria cumprir fielmente o que havia contratado, nunca usar de violência
nas suas reivindicações, ou usar de meios artificiosos para o alcance de
seus objetivos, neste momento, busca-se também uma intervenção estatal
nas relações de trabalho.
Com o término da Primeira Guerra Mundial, surge o chamado
Constitucionalismo Social, significando a inclusão de dispositivos
pertinentes à defesa de interesses sociais, inclusive garantindo direitos
trabalhistas, nas Constituições, e, justamente neste cenário se inicia a
quarta e última fase, nomeada de autonomia do Direito do Trabalho, inicia-
se em 1919 e estende-se até o fim do século XX. Esta quarta fase tem
como março inicial a criação da OIT 1919, através do Tratado de Versalhes,
e pelas Constituições do México de 1917, caracterizada como a primeira
constituição mundial a proteger o direito dos trabalhadores, e da
Constituição de Weimar - Alemanha em 1919, trazendo em seu bojo os
direitos trabalhistas.
17
Desta forma, a primeira Constituição que dispôs sobre o Direito do Trabalho
foi a do México, que em seu artigo 123 instituía: a jornada diária de 8 horas;
a jornada máxima noturna de 7 horas; a proibição do trabalho de menores
de 12 anos; a limitação da jornada de menor de 16 anos para 6 horas; o
descanso semanal; a proteção à maternidade; o direito ao salário mínimo; a
igualdade salarial; a proteção contra acidentes no trabalho; o direito de
sindicalização; o direito de greve, conciliação e arbitragem de conflitos; o
direito à indenização de dispensa e seguros sociais.
A Constituição Alemanha Republicana de Weimar, por sua vez, destacava:
a participação dos trabalhadores nas empresas; a liberdade de união e
organização dos trabalhadores para a defesa e melhoria das condições de
trabalho; o direito a um sistema de seguros sociais; o direito de colaboração
dos trabalhadores com os empregadores na fixação dos salários e demais
condições de trabalho, bem como a representação dos trabalhadores na
empresa.
No mesmo ano o Tratado de Versalhes, assinado pelas potências mundiais
europeias, que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial,
determinava que a Alemanha aceitasse todas as responsabilidades por ela
causadas durante a guerra e que, como forma de compensação, foi
determinado que fizessem reparações a certo número de nações da Tríplice
Entente - Inglaterra, França e o Império Russo. É nesse Tratado que é
previsto a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, com
sede em Genebra e composta pela representação permanente de 10
países, dentre os quais o Brasil.
No entanto, somente em 1946 é consolidada a vinculação da OIT à ONU,
como instituição especializada para as questões referentes à
regulamentação internacional do trabalho. Na Conferência Internacional do
Trabalho de 1946 foi aprovado o novo texto da Constituição da OIT, com a
integração da Declaração de Filadélfia.
18
Ainda, durante este período destaca-se a edição da Carta Del Lavoro no
ano de 1927, na Itália, criando um sistema corporativista, servindo de
inspiração para outros sistemas políticos, como Portugal, Espanha e Brasil.
Neste corporativismo, o objetivo principal consistia em organizar toda a
economia e a sociedade em torno do Estado, promovendo o chamado
interesse nacional, interferindo e regulando todos os aspectos das relações
entre as pessoas. Nesse modelo, os sindicatos não tinham autonomia,
estando à organização sindical vinculada diretamente ao Estado, a Carta
Del Lavoro inspirou e influenciou a organização da Justiça do Trabalho
Brasileira.
No plano do direito internacional, o Direito do Trabalho toma contornos
somente no ano de 1948, quanto foi editada a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, prevendo diversos direitos trabalhistas, como férias
remuneradas, limitações de jornada, dentre outros, elevando esses direitos
trabalhistas ao status de direito humano.
O DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL
Diferentemente do contexto histórico mundial, no Brasil a Constituição do
Império de 1824, ainda que de forma tímida, seguiu os princípios da
Revolução Francesa ao abolir as corporações de ofício, assegurando ampla
liberdade ao trabalho.
Até este momento, observa-se a presença do trabalho escravo, que foi de
forma gradualmente sendo substituída pela mão de obra proletária.
Somente em 1871 foi editada a Lei do Ventre Livre, cujo teor traduzia que
os nascidos do ventre de escrava já não eram mais escravos. Seguindo
esta mesma ideia, em 1885 foi editada a Lei do Sexagenário ou Lei Saraiva
Cotegibe, cujo texto libertava os escravos com mais de 60 anos de idade,
desde que estes cumprissem mais 3 anos de trabalho espontâneo, situação
esta que perdurou até 13 de maio de 1888, quando foi editada a Lei Áurea,
considerada como a mais importante lei do império, libertando todos os
escravos e abolindo o trabalho escravo do cenário brasileiro.
19
No entanto, tal medida trouxe consequências diversas e uma nova
realidade para sociedade, uma vez que acarretou um aumento da demanda
no mercado de mão de obra desqualificada e não havia trabalho para todos.
Diante deste cenário foi promulgada a Constituição Federal 1891, onde se
garantiu a liberdade no exercício da qualquer profissão, da mesma forma
que se assegurou a liberdade de associação. No mesmo ano, foi editado o
Decreto 1.313/91, onde se proibiu o trabalho do menor de 12 anos em
fábricas, fixando a jornada de trabalho em 7 horas para menores entre 12 e
15 anos do sexo feminino e entre 12 e 14 anos do sexo masculino.
Importante destacar que, no ano de 1903, foi editado o Decreto nº 979/03
tratando sobre sindicalização e organização sindical rural, sendo esta a
primeira norma brasileira sobre o tema.
Até a promulgação da Constituição Federal de 1934, considerada a primeira
constituição brasileira a ter normas específicas de Direito do Trabalho,
houve uma serie de avanços neste tema como: em 1919 a criação do
instituto do acidente do trabalho; em 1923 foi criado o Conselho Nacional do
Trabalho que pode ser considerado como o embrião da Justiça do Trabalho
no Brasil; em 1925 foi estendido o direito de férias de 15 dias úteis para os
trabalhadores de estabelecimentos comerciais, industriais e aos bancários;
em 1930 Getúlio Vargas tornou-se presidente e criou o Ministério do
Trabalho, Indústria e comércio com o propósito de coordenar as ações
institucionais a serem desenvolvidas, resultando em um aumento
significativo nas legislações sobre o tema inclusive em relação à
previdência social.
A Carta Constitucional de 1934, como já dito anteriormente, foi a primeira
constituição a elevar os direitos trabalhistas ao patamar constitucional, haja
vista sua elaboração influenciada no constitucionalismo social da
Constituição de Weimar e na Constituição Americana.
20
A Constituição Federal de 1934 elencou em seus artigos 120 e 121 normas
como salário mínimo, jornada de trabalho de 8 horas diárias, férias, repouso
semanal, pluralidade sindical (assegurando maior liberdade e autonomia),
indenização por despedida sem justa causa, criação efetiva da Justiça do
Trabalho (apesar de ainda não integrante de Poder Judiciário).
Diante do Golpe de 1937 e da implantação do regime ditatorial, foi
outorgada a Constituição de 1937, inspirada na Carta Del Lavoro e na
Constituição Polonesa, delegando competência normativa aos tribunais
trabalhistas diante do fechamento do Congresso Nacional, caracteriza-se
pela expressa intervenção estatal, instituindo o modelo de sindicato único
vinculado ao Estado e considerando a greve e o lockout como recursos
antissociais nocivos a economia.
A existência de uma legislação espaça sobre o Direito do Trabalho trouxe a
necessidade de uma sistematização e junção das mesmas, com isso em 01
de maio de 1943, através do Decreto-lei nº 5.452/43 surge a CLT –
Consolidação das Leis do Trabalho, diploma máximo no tocante ao direito
laboral no Brasil, continuando vigente até o presente.
Seguindo a linha firmada pela CLT, a Constituição de 1946 reestabeleceu o
direito de greve e foi considerada como democrática na medida em que
dispôs sobre a participação dos empregados nos lucros da empresa, o
repouso semanal desta vez remunerado, expandindo o benefício da
estabilidade decenal a todos os trabalhadores e principalmente, a retirada
da Justiça do Trabalho do Poder Executivo e sua inclusão no Poder
Judiciário, no entanto, com a existência do juiz e dos vogais que
posteriormente foram chamados de classistas. Durante os anos de 1962 e
1966, houve o reconhecimento de uma série de direitos trabalhistas como: a
criação do 13º salário, a regulamentação do direito de greve haja vista já ter
sido garantido e a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço –
FGTS.
21
Por sua vez, a Constituição de 1967 não trouxe significativas alterações no
cenário trabalhista, no entanto, a legislação infraconstitucional
regulamentou o direito das empregadas domésticas, do trabalhador rural e
as atividades do trabalhador temporário. Com o Golpe Militar de 17 de
outubro de 1969, a Emenda Constitucional nº 1/69 não alterou os direitos
trabalhistas previstos na Constituição Federal de 1967, no entanto, dispôs
sobre o imposto sindical, proibiu o direito de greve para servidores públicos
e que exercem atividades essenciais.
Enfim, somente em 05 de outubro de 1988, a Assembleia Constituinte
aprovou uma nova Constituição, na qual o homem tornou-se o objeto
principal, com ela houve um claro abandono do individualismo e valorização
do coletivo e pelo social, resgatando-se de sobremaneira a dignidade da
pessoa humana. Não há como se discutira a imensa contribuição do artigo
7º, devidamente transcrito anteriormente, onde se destaca uma série de
direitos aos trabalhadores de forma a contribuir com o que eles possam
atingir uma melhoria social.
A Constituição de 1988 inova de modo muito peculiar diante todas as
constituições anteriores no instante em que estatuiu que todo poder emana
do povo, que o exercerá por meio de seus representantes eleitos
diretamente. Destaca-se também uma nova relação entre o sindicato e o
Estado, baseada na organização sindical e na autonomia de administração
do sindicato, passando principalmente a se permitir a livre criação dos
sindicatos, sem a necessidade de previa autorização do Estado.
Outras modificações expressivas também podem ser destacadas como: a
redução da jornada semanal de trabalho de 48 para 44 horas; a
generalização do regime do FGTS e a suspensão da estabilidade decenal;
indenização nos casos de demissão sem justa causa; elevação do adicional
de hora extra para no mínimo 50%; aumento da remuneração de férias em
1/3; garantia da licença gestante para 120 dias e a criação da licença
paternidade; elevação para idade mínima para trabalhar em 14 anos; dentre
outros.
22
Em 1999, a edição da Emenda Constitucional 24, transformou as juntas de
conciliação e julgamento em varas de trabalho, bem como a supressão da
representação classista, para então, com a edição da Emenda
Constitucional 45/2004, ampliar-se a competência da justiça do trabalho,
para que pudessem solucionar também lides oriundas de todas as demais
relações de trabalho.
23
3. SOBRE A JORNADA DE TRABALHO
Conceitua-se jornada de trabalho como o período de tempo em que o
empregado fica obrigado, contratualmente, a cumprir as tarefas que lhe forem
atribuídas pelo empregador. Ainda, segundo os ensinamentos de Maurício
Godinho Delgado (2012, p. 832) em sua obra Curso de Direito do Trabalho:
Jornada de Trabalho é o lapso temporal diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador em virtude do respectivo contrato de trabalho. É desse modo, a medida principal do tempo diário de disponibilidade do obreiro em face de seu empregador como resultado do cumprimento de trabalho que os vincula.
A jornada mede a principal obrigação do empregado no contrato — o tempo de prestação de trabalho ou, pelo menos, de disponibilidade perante o empregador. Por ela mensura-se, também, em princípio, objetivamente, a extensão de transferência de força de trabalho em favor do empregador no contexto de uma relação empregatícia. É a jornada, portanto, ao mesmo tempo, a medida da principal obrigação obreira (prestação de serviços) e a medida da principal vantagem empresarial (apropriação dos serviços pactuados). Daí sua grande relevância no cotidiano trabalhista e no conjunto das regras inerentes ao Direito do Trabalho.
Portanto, a jornada de trabalho está intrinsicamente ligada ao contrato de
trabalho e corresponde, conforme demonstrado, ao período de tempo ao qual o
empregado está obrigado a trabalhar para o empregador, podendo este
período ser delimitado em horas diárias, semanais ou mensais, sem, contudo,
ultrapassar os limites legalmente impostos.
Na maioria dos países do continente Europeu, por volta de 1800, as jornadas
eram de 12 a 16 horas por dia, principalmente entre mulheres e menores, ao
passo que, nos Estados Unidos era entre 11 e 13 horas. No entanto, com o
início dos movimentos reivindicatórios visando a diminuição desta jornada,
observamos que alguns países começaram a fixar normas quanto à limitação
da jornada de trabalho, servindo como primeiro exemplo a norma editada na
Inglaterra em 1847, cujo texto fixava em 10 horas diárias a jornada de trabalho.
A primeira convenção da OIT em 1919 estabeleceu que os países contratantes
deveriam adotar jornada de 8 horas diárias e 48 horas semanais. No Brasil, o
primeiro Decreto regulando a jornada de trabalho de 1932, em relação ao
24
trabalho no comércio, decidiu no mesmo sentido da OIT, fixando em 8 horas
diárias e no mesmo sentido dos comércio a limitação de 8 horas aplicou-se à
indústria, às farmácias, aos transportes terrestres, frigoríficos, hotéis e
restaurantes. A Constituição seguinte, de 1937, em seu texto, especificou "dia
de trabalho de 8 horas, que poderá ser reduzido, e somente suscetível de
aumento nos casos previstos em lei".
Somente com a edição da Constituição Cidadã, em 1988, foi modificada a
orientação até então seguida pelas constituições anteriores, estabelecendo no
seu artigo 7º, a limitação semanal da jornada de trabalho, vejamos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (...)
Vejamos a temática sob a ótica da CLT, em seu art. 59:
Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. § 1º - Do acordo ou do contrato coletivo de trabalho deverá constar, obrigatoriamente, a importância da remuneração da hora suplementar, que será, pelo menos, 20% (vinte por cento) superior à da hora normal. § 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. § 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma do parágrafo anterior, fará o trabalhador jus ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão.
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§ 4o Os empregados sob o regime de tempo parcial não poderão prestar horas extras.
Ainda, importante analisar o disposto no art. 62 da norma celetista:
Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados; II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial. Parágrafo único - O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).
Desta forma, ao analisarmos conjuntamente o disposto no art. 7º, XIII da
Constituição Federal de 1988 com o disposto no art. 59 da CLT, temos que,
independentemente de qualquer outro fator, a jornada de trabalho normal não
deve exceder de 08 (oito) horas diárias, e ainda, se houver jornada
extraordinária, limitada a 02 (duas) horas diárias, o limite máximo diário de
trabalho deve ser 10 (dez) horas, independentemente da existência de controle
de jornada.
Assim, apresentadas as normas gerais que regem a jornada de trabalho,
passaremos agora a analisar a especificidade de jornadas diferenciadas
previstas na própria CLT. Algumas profissões, dada a complexidade do
trabalho e/ou as condições em que o trabalho é realizado, têm jornada
diferenciada, tal como ocorre com os bancários, cuja jornada de trabalho é
descrita na CLT entre os artigos 224 e 226, a seguir transcritos:
Art. 224 - A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana. § 1º - A duração normal do trabalho estabelecida neste artigo ficará compreendida entre 7 (sete) e 22 (vinte e duas) horas, assegurando-se ao empregado, no horário diário, um intervalo de 15 (quinze) minutos para alimentação.
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§ 2º - As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhem outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação não seja inferior a 1/3 (um terço) do salário do cargo efetivo.
Art. 225 - A duração normal de trabalho dos bancários poderá ser excepcionalmente prorrogada até 8 (oito) horas diárias, não excedendo de 40 (quarenta) horas semanais, observados os preceitos gerais sobre a duração do trabalho.
Art. 226 - O regime especial de 6 (seis) horas de trabalho também se aplica aos empregados de portaria e de limpeza, tais como porteiros, telefonistas de mesa, contínuos e serventes, empregados em bancos e casas bancárias. Parágrafo único - A direção de cada banco organizará a escala de serviço do estabelecimento de maneira a haver empregados do quadro da portaria em função, meia hora antes e até meia hora após o encerramento dos trabalhos, respeitado o limite de 6 (seis) horas diárias.
Desta forma, a fim de melhor entender a jornada de trabalho do “Gerente”
Bancário, analisaremos primeiramente a jornada dos bancários prevista no
art. 224 da CLT. A medida se justifica, pois, ao abordarmos a categoria
específica dos bancários, vislumbramos a existência de dois tipos
específicos de bancários, um obrigado à jornada de seis horas diárias
(bancário comum) e outro obrigado à jornada de oito horas diárias (bancário
ocupante de cargo de confiança).
DA JORNADA DE TRABALHO DO BANCÁRIO COMUM (ART. 224,
CAPUT DA CLT)
O “bancário comum”, ou seja, aquele legalmente obrigado ao compromisso
prestacional de 06 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais está
enquadrado no disposto pelo caput do art. 224 da CLT, vejamos:
Art. 224 - A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana.
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Referido artigo compõe a regra da classe bancária e daqueles empregados
em instituições financeiras, cuja atividade, extremamente desgastante
impõe a adoção de jornada reduzida.
Os bancários têm jornada de trabalho de seis horas diárias (trinta horas
semanais), com direito a quinze minutos de intervalo, em dias úteis,
excetuados os sábados.
O trabalho bancário deve ser realizado no período situado entre as 7 (sete)
e as 22 (vinte e duas) horas, por força da Lei nº 768/49 e do Decreto nº
546/69, ainda, a remuneração pelo labor noturno haverá de ser enriquecida
de no mínimo 20%, com observância de que a hora noturna é reduzida para
52 minutos e 30 segundos.
Portanto, aos bancários ocupantes de cargo meramente técnico, devem ser
remuneradas como extraordinárias as horas de trabalho além da sexta
diária ou trigésima semanal.
DA JORNADA DE TRABALHO DO BANCÁRIO OCUPANTE DE
CARGO DE CONFIANÇA (ART. 224, § 2º DA CLT) E DO
ENQUADRAMENTO DO GERENTE BANCÁRIO
Antes de adentrarmos à jornada de trabalho do bancário ocupante de cargo
de confiança, precisamos, primeiramente, apontar qual seria o conceito de
Cargo de Confiança.
Todos os empregados possuem a confiança ordinária de seu empregador,
aquela revelada como essencial à manutenção da saudável relação
empregatícia. No entanto, alguns possuem fidúcia diferenciada para
desenvolver atribuições específicas, com poder de decisão e
responsabilidade maior do que a do trabalhador comum, considerados os
exercentes de cargo de confiança.
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Afastados da regra geral da jornada de trabalho de 6 horas diárias, por via
de exceção, o bancário exercente de cargo de confiança terá jornada de
trabalho de oito horas diárias, com direito a perceber gratificação, de no
mínimo, um terço do salário do efetivo de seu cargo.
Neste ponto reside grande divergência da doutrina e da prática jurídica, haja
vista a dúvida quanto ao enquadramento dos “Gerentes” bancários, se seu
enquadramento seria no art. 224, caput, ou no art. 224 § 2º da CLT ou
ainda no art. 62, II do mesmo diploma legal.
A jurisprudência tem firmado entendimento que, dada a própria profissão e
os contornos atuais da atividade dos bancários - cuja atuação é controlada
por sistemas informatizados de liberação de crédito, análise de cadastro,
dentre outras – inclusive os ocupantes de cargos com nomen iuris de
Gerente, tal como Gerentes de Relacionamento, devem ser enquadrados
na regra do art. 224, caput da CLT, ou seja, estariam obrigados a jornada
legal de 06 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, devendo as
horas além destas serem pagas como extras.
Cumpre destacar a sábia decisão proferida pelo Nobre Julgador,
Dr. Rodrigo Trindade de Souza da 5° Vara do Trabalho de Porto
Alegre/RS no processo n° 0000945-53.2011.5.04.0005 que
demonstra exatamente a situação do caso em tela, segue abaixo:
“Consoante demonstra a prova oral, o reclamante não tinha efetivos poderes de decisão, mas se mantinha fiel às premissas da instituição financeira, sem que pudesse realizar juízo de valor, abstração e decisão. Não realizava qualquer outra atividade que importasse em maior fidúcia em relação a um funcionário sem cargo de confiança.
O QUE SE VEM INFERINDO JÁ HÁ ALGUNS ANOS, EM QUASE TODAS AS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS, É A PROFUSÃO DE CARGOS DE “GERENTES”: “GERENTE DE INVESTIMENTO”, “GERENTE DE NEGÓCIOS”, “GERENTE DE RELACIONAMENTO”, “GERENTE DE CONTAS”, “GERENTE ADMINISTRATIVO”. NO RITMO DE AVANÇO DA BANALIDADE DO CARGO DE “GERENTE”, LOGO TEREMOS UM “GERENTE DO CAFEZINHO” E UM “GERENTE DO AR-CONDICIONADO” DA AGÊNCIA. É DE INFERIÇÃO ELEMENTAR QUE SE BANALIZA O TERMO “GERENTE” COMO FORMA DE FUGIR AO REGRAMENTO DE LIMITAÇÃO DE JORNADAS AOS
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FUNCIONÁRIOS BANCÁRIOS. PARECEM AGIR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NA COMPREENSÃO APARENTE DE QUE SÓ EXISTEM DUAS CLASSES DE FUNCIONÁRIOS: “GERENTES” E CAIXAS. NÃO HÁ COMO SE RECONHECER FUNÇÃO DE CONFIANÇA QUANDO O FUNCIONÁRIO NÃO POSSUI EFETIVA LIBERDADE DE ANÁLISE E DECISÃO SEGUNDO CRITÉRIOS PESSOAIS E BASEADOS EM SUA CAPACIDADE DE CRÍTICA. ESSA É A SITUAÇÃO QUE SE APRESENTA.
Não se reconhece, assim, a validade do trabalho do autor tendo como limite de jornada a exceção do artigo 224, §2o, da CLT. Ausentes as hipóteses que autorizam a aplicação desse dispositivo, o regramento de jornada do autor é o do caput do artigo. Assim, tem-se que, durante toda a contratualidade, esteve submetido a jornada de 6 horas diárias.” (grifamos)
Ora, conforme vislumbramos da referida decisão os Bancos têm
utilizado do nomen iuris “Gerente” para enquadrar empregados
que estariam obrigados à jornada de 06 (seis) horas em jornadas
de 08 (oito) horas, violando o disposto no art. 224 da CLT.
Ocorre que, referida violação somente se comprova mediante
análise do caso concreto, da análise das reais atribuições do
empregado, nos termos da Súmula 102, I do Colendo Tribunal
Superior do Trabalho, in verbis:
BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA (mantida) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I - A configuração, ou não, do exercício da função de confiança a que se refere o art. 224, § 2º, da CLT, dependente da prova das reais atribuições do empregado, é insuscetível de exame mediante recurso de revista ou de embargos. (ex-Súmula nº 204 - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
Sergio Pinto Martins ao comentar a Súmula 102 do TST afirma:
Estabelece o parágrafo 2º do artigo 224 da CLT que o empregado que exerce cargo de chefia ou confiança bancária, percebendo remuneração de pelo menos 1/3 do seu salário, tem jornada de 8 horas. Logo, as duas horas além da sexta diária já foram remuneradas. Se trabalhar além de 8 horas diárias, terá direito a horas extras.
O empregado deve exercer efetivamente função de direção, fiscalização, chefia e equivalentes, ou desempenhar outros cargos de confiança. Caso a nomenclatura da função seja de chefia, mas efetivamente o empregado não desempenhe função de confiança no banco, são devidas como extras as horas além da sexta diária.
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Quem exerce cargo de chefia deve ter chefiados. Não se admite que uma pessoa seja chefe de si mesma.
Não exerce cargo de confiança quem não tem chefiados, quem não admitir, dispensar, advertir ou punir funcionários, quem não pode agir em nome da empresa.
Diante deste fato, surge nova controvérsia sobre a aplicação ou não do art.
62, II aos Bancários, notadamente em função da Súmula 287 do Colendo
Tribunal Superior do Trabalho, vejamos:
JORNADA DE TRABALHO. GERENTE BANCÁRIO (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A jornada de trabalho do empregado de banco gerente de agência é regida pelo art. 224, § 2º, da CLT. Quanto ao gerente-geral de agência bancária, presume-se o exercício de encargo de gestão, aplicando-se-lhe o art. 62 da CLT.
Ora, diante da referida Súmula resta evidenciada a existência de, pelo
menos, três tipos de gerentes: (a) primeiro, aqueles empregados que são
técnicos, mas têm em seu nome o termo “Gerente”, a exemplo do “Gerente
de Relacionamento”, enquadrados no art. 224, caput da CLT e obrigados à
jornada de seis horas diárias; (b) segundo, os “Gerentes de Agência”,
aqueles ocupantes de cargo com confiança diferenciada, enquadrados no
art. 224, § 2º da CLT e obrigados à jornada de oito horas diárias; (c)
terceiro, o “Gerente-Geral de Agência Bancária”, com enquadramento no
art. 62 da CLT, ou seja, para estes empregados não há o controle de
jornada, não havendo obrigação legal de cumprimento de jornada.
DA JORNADA DE TRABALHO DO “GERENTE-GERAL”
Nosso foco central reside nos questionamentos acerca da jornada de
trabalho do Gerente-Geral de agência bancária, cujo enquadramento de
jornada de trabalho, conforme previsão da Súmula 287 do Colendo Tribunal
Superior do Trabalho se dá no art. 62 da CLT.
Ao analisarmos o referido artigo podemos inferir que, conforme previsto em
seu caput, as limitações de jornada de trabalho previstas na CLT, no
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entanto, entendemos que referida limitação não tem o condão de excluir as
limitações impostas pela Constituição Federal de 1988.
Sobre o tema, mostra-se elucidativa a análise de Cavalcanti & Filho (2014):
O referido entendimento sumular, ao enquadrar o gerente-geral de agência bancária como espécie de gestor prevista no artigo 62, inciso II, da CLT, retirou deste profissional as proteções garantidas pelo Capítulo II, do Título II, da CLT (Da Jornada de Trabalho), principalmente no que concerne à contagem e percepção remuneratória do trabalho extraordinário, em desrespeito ao artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil, que, em seus incisos XIII e XVI, de forma condensada, limita a duração normal do trabalho a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, bem como garante a remuneração do serviço extraordinário superior.
Sem embargo da oneração financeira, tais disposições implicam desgaste à proteção constitucional do trabalho do profissional gerente-geral bancário, tendo em vista que a falta de expressa limitação da sua jornada de trabalho permite que a categoria econômica cometa abusos, trazendo prejuízos à saúde do obreiro. Numa conjuntura laboral em que as relações estão cada vez mais precarizadas, como é a brasileira, não há que se permitir o surgimento e o fortalecimento de mecanismos que contribuam para devastar a qualidade de trabalho. Os bancários estão entre as categorias que mais adoecem, tanto mental como fisicamente. A prática de assédio moral na cobrança das metas de produção e as longas jornadas impostas, sobretudo contra os gerentes-gerais, são apontadas como principais causas de desgaste da saúde do bancário. Pesquisa realizada pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, revelou que, em que pese a maioria dos bancários ser jovem (65% têm até 35 anos), 84% já relataram ter sentido algum problema de saúde acima do normal (SPBANCÁRIOS, 2011, p.7).
Diante do exposto, confrontamos o teor do art. 62, II da CLT com o disposto
no art. 7º, XIII e XVI da Constituição Federal. Ora, a primeira norma, de
cunho infraconstitucional, viola não somente o disposto no art. 7º da
Constituição Federal como também viola o disposto no art. 6º do mesmo
diploma, cujo teor tutela a saúde do trabalhador.
Não é possível se admitir, nos dias de hoje, a existência de empregados
sujeito ao trabalho sem o controle de jornada, e ainda pior, sem o direito à
percepção de horas extras.
No caso do Gerente-Geral de agência bancária, de certo não seria possível
enquadrá-lo no dispositivo do art. 224, caput, da CLT, haja vista a existência
32
de fidúcia diferenciada, no entanto, entendemos que também não é possível
o enquadramento deste bancário na exceção do art. 62, II da CLT, posto
que implicaria em violação ao art. 7º, XIII e XVI da Constituição Federal,
sem contar o risco à saúde da possibilidade de uma jornada sem limites.
Ainda que a jurisprudência tenha decidido pela recepção do art. 62, II da
CLT, não é de se entender por razoável a permissão trazida em seu texto
segundo a qual seria possível que um empregado, desde que dotado de
poderes de mando e gestão, não teria limites legalmente estabelecidos para
a jornada de trabalho, ou seja, no caso prático isso quer dizer que o
Gerente Geral, ainda que trabalhe 16 (dezesseis) horas por dia, não faz jus
à percepção de horas extras. Ora, isso é inadmissível!
A jornada de trabalho não pode implicar em condição análoga à de escravo,
com jornadas que levem o empregado à exaustão, inclusive causando
problemas à saúde física e psíquica destes obreiros, conforme bem
demonstraram Cavalcanti & Filho (2014):
As modelagens jurídicas vigentes, constitucionais e ordinários, que disciplinam a duração da jornada de trabalho estão baseados em três grandes fundamentos, a saber, o de natureza biológica, o de caráter social e o de ordem econômica (SÜSSEKIND, 2010, p. 232). O primeiro fundamento, baseado na necessidade biológica, se sustenta na tese de que é indispensável para a redução dos problemas psicofisiológicos oriundos da fadiga, ocasionados pela carga excessiva de trabalho. As normas sobre duração do trabalho têm por objetivo primordial tutelar a integridade física do obreiro, evitando-lhe a fadiga. Daí as sucessivas reivindicações de redução da carga horária de trabalho e alongamento dos descansos. As longas jornadas têm sido apontadas como fator gerador do estresse, porque resultam em um grande desgaste para o organismo (BARROS, 2013, p. 522). As principais doenças reclamadas pelos profissionais da categoria são as lesões por esforços repetitivos (LER/DORT), a síndrome da fadiga, a neurose profissional e a síndrome de esgotamento profissional, conhecida como Síndrome de Burnout (AMAZARRAY e JACQUES, 2006, p. 93-106). Todas essas patologias merecem atenção uma vez que podem trazer incapacidade temporária ou permanente, além de ocasionar transtornos psicológicos decorrentes da doença, como os episódios depressivos, os transtornos de estress pós-traumático e, de forma indireta, o alcoolismo e o uso crônico de drogas. O segundo fundamento, de cunho social, visa propiciar ao trabalhador uma maior participação em atividades recreativas, culturais ou físicas, e assim proporcionar-lhe, durante o dia, a aquisição de conhecimentos e ampliar-lhe a convivência com a família. O terceiro fundamento, de
33
ordem econômica, justifica-se na diminuição do desemprego e no aumento da produtividade do trabalhador, mantendo-o efetivamente na população economicamente ativa. O empregado descansado tem o seu rendimento aumentado e a sua produção aprimorada.
O descanso e o lazer são direitos fundamentais do trabalhador, tendo em vista que permitem ao homem o desenvolvimento integral da sua personalidade quando se dedica a outras atividades que não sejam o trabalho, com impactos positivos em sua qualidade de vida, o que indubitavelmente traz um menor índice de adoecimento (NASCIMENTO, 2011, p. 767). Modernamente, o tema das jornadas ganhou importância ainda mais notável, ao ser associado à análise e realização de uma consistente política de saúde no trabalho (DELGADO, 2013, p. 877).
Conforme informado, da inteligência da Súmula n. 287 do TST, tem-se que
estão enquadrados no art. 224, § 2º, da CLT, os gerentes de agência, e no
art. 62, inciso II, da CLT, o gerente geral de agência bancária, por presumir
estar este investido de poderes de gestão. Por outro lado, o Capítulo II, do
Título II, da CLT, a partir do art. 57, trata da duração do trabalho e,
especialmente, no art. 58, estabelece que em qualquer atividade privada, a
duração normal do trabalho não excederá de oito horas diárias. Em
contraponto, o art. 62 trata das hipóteses de empregados não abrangidos
por esse regime, dentre eles, consoante inciso II do referido dispositivo, os
gerentes gerais, assim considerados os exercentes de cargo de gestão, aos
quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e
chefes de departamento ou filial.
Ao gerente geral sequer é permitido o registro de ponto no sistema da
agência, tampouco regular fruição dos descansos interjonada e
intrajornada. Por outro lado, todos os outros empregados da agência,
inclusive os gerentes intermediários, registram o seu ponto normalmente. A
justificativa dada pela doutrina e jurisprudência para essa diferenciação
entre o gerente geral e o gerente subordinado baseia-se no fato de que o
gerente geral possui amplos poderes de mando e autonomia plena,
reportando-se a ele todos os outros trabalhadores de sua agência,
exercendo assim um poder de gestão.
A norma contida no art. 62, II, da CLT, somente poderia ser aplicada ao
gerente de banco se o cargo por ele ocupado for de confiança excepcional,
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ou seja, colocar em jogo a própria existência da empresa, seus interesses
fundamentais, sua segurança e a ordem essencial do desenvolvimento de
sua atividade, ou seja, somente poder-se-ia aplicar a exceção contida neste
artigo se o gerente atuar como longa manus do empregador. Se o gerente
não estiver constituído de poderes de mando e gestão, sem participação em
setor de vital importância da empresa, é inviável enquadrá-lo no referido
dispositivo legal.
No entanto, diante das condições de trabalho a que estão adstritos, não
existe mais, nos dias de hoje, a figura do gerente geral dotado de amplos e
plenos poderes de mando e gestão, tendo em vista, primeiro, a
subordinação destes empregados aos limites impostos pelos sistemas
informatizados – sistemas estes que calculam risco, estabelecem limites,
permitem ou não transações, dentre outras funções –, além dos limites
impostos pelo regimento interno e pela subordinação dos ocupantes do
cargo de Gerente Geral aos seus superiores, os Gerentes Regionais,
Gerentes Estaduais, Superintendências, Diretorias, dentre outras tantas
estruturas hierárquicas.
Francisco Antônio de Oliveira afirma, em sua obra Comentários aos
Enunciados do TST (p. 589), que:
“...existe hoje uma tendência generalizada dos bancos na transformação de empregados de 6 (seis) horas em empregados de 8 (oito) horas, denominado-os de confiança e efetuando o pagamento de mais um terço do salário efetivo. Todavia, em grande parte dos casos, cuida-se de mero artifício. Consegue-se um trabalhador de oito horas e o banco pagará menos do que se as duas horas fossem pagas como extraordinárias (art. 7º, XVI, CF/88). Vale dizer, se esse empregado estivesse ganhando horas extras, as duas horas laboradas se transformariam em 3 (três) horas, com o acréscimo de 50% (mínimo) determinado pela Constituição.” (grifou-se).
Portanto, inexistente a possibilidade de efetivo mando e gestão, e ainda,
diante do fato de que o trabalho do Gerente Geral não coloca em risco a
atuação da empresa, diante da impossibilidade de liberação de valores
além daqueles definidos pelo sistema e do rígido controle das atividades
bancárias, não se pode permitir o seu enquadramento no art. 62, II da CLT.
35
Assim, concluímos que, por razões de ordem médica e devido à
configuração das atividades desempenhadas pelos ocupantes do cargo de
Gerente-Geral nos dias de hoje, seria correto seu enquadramento no art.
224, §2º da CLT, ou seja, limitado à jornada de 08 (oito) horas diárias e 40
(quarenta) semanais, haja vista o exercício de cargo de confiança, devendo
receber como extraordinárias as horas laboradas além da oitava hora diária
ou quadragésima semanal, nos termos do art. 7º da Constituição Federal.
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4. JURISPRUDENCIAS SOBRE O TEMA
Neste tópico, vamos apresentar o entendimento jurisprudencial firmado quanto
à jornada de trabalho dos gerentes bancários, apontando ao final,
considerações sobre suas leituras. Vejamos:
HORAS EXTRAS. GERENTE BANCÁRIO. ART. 62, II, DA CLT. INAPLICABILIDADE. Ao empregado exercente de cargo de gerencia bancária são aplicáveis, quanto à jornada, os preceitos dos arts. 224 a 226 da CLT, sendo inaplicáveis, por expressa disposição do art. 57 da CLT, a norma do art. 62, II, da CLT. Acórdão do processo 0026500-41.1999.5.04.0022 (RO) Redator: MARIA CRISTINA CHAAN FERREIRA Participam: MARIA INÊS CUNHA DORNELLES, BEATRIZ RENCK Data: 21/07/2010 Origem: 22ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Fonte: www.trt9.jus.br
BANCÁRIO. HORAS EXTRAS. O artigo 62, inciso II, da CLT, não se aplica aos bancários, cuja categoria se rege por normas próprias e previstas nos artigos 224 a 226 da CLT, pelo que o empregado exercente de função de confiança, inclusive, o ocupante do cargo de gerência da agência bancária, faz jus às horas extras prestadas após a oitava hora diária de labor. (TRT 4ª Região - 6ª Turma – Relator: JOÃO ALFREDO BORGES ANTUNES MIRANDA; 06.08.03.; DP 27.08.03). Fonte: www.trt4.jus.br (grifamos)
EMENTA: HORAS EXTRAS. BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA. EXCEDENTES À OITAVA. O artigo 62, inciso II, da CLT, não se aplica aos bancários, cuja categoria se rege por normas próprias e previstas nos artigos 224 a 226 da CLT, sendo que o empregado exercente de função de confiança, inclusive, o ocupante do cargo de gerência da agência bancária, faz jus às horas extras prestadas após a oitava hora diária de labor. Hipótese em que a prova testemunhal comprova labor extraordinário além da oitava hora diária. Recurso do reclamante a que se dá provimento. DIFERENÇAS DE GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL. Inclusão no cálculo da gratificação semestral das parcelas variáveis. Procedimento amparado pela regra geral insculpida no § 1º do art. 457 da CLT, sem que disponham as normas coletivas expressamente em contrário. Recurso provido. (...) ACÓRDÃO do Processo 00643-2003-015-04-00-1 (RO) Data de Publicação: 22/07/2004 Fonte: Diário Oficial do Estado do RGS - Justiça Juiz Relator: TÂNIA MACIEL DE SOUZA Fonte: www.trt4.jus.br (grifamos)
HORAS EXTRAS. CARGO DE CONFIANÇA. BANCÁRIO. GERENTE GERAL DE AGÊNCIA. Não demonstrado pelo reclamado o alegado exercício de amplos poderes de mando e gestão, afasta-se o enquadramento no inciso II do artigo 62 da CLT, sendo devidas as horas extras laboradas além da oitava hora diária, conforme jornada arbitrada. Orientação vertida no Enunciado nº 232 do TST. Recurso provido. ACÓRDÃO. Processo nº 00163-2003-521-04-00-3. (TRT 4ª Região - 1ª Turma – Relator: RICARDO MARTIN COSTA; 31.03.05.; DP 12.04.05). Fonte: www.trt4.jus.br (grifamos)
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EMENTA: BANCÁRIO. FUNÇÃO DE CONFIANÇA. ARTIGO 62, II, DA CLT. JORNADA DE OITO HORAS. ART. 224, § 2º, DA CLT. A Súmula nº 287/TST dispõe que “A jornada de trabalho do empregado de banco gerente de agência é regida pelo art. 224, §2º, da CLT. Quanto ao gerente geral de agência bancária, presume-se o exercício de encargo de gestão, aplicando se lhe o art. 62 da CLT”. Todavia, esta presunção é relativa, admitindo prova em contrário. O conjunto probatório dos autos indica que o Reclamante, no exercício dos cargos de Assistente e de Gerente de Cobrança, não detinha poder de mando ou de gestão suficiente para enquadrá-lo nas exceções previstas no §2º do art. 224 da CLT e 62, II, do mesmo diploma legal. Assim, não tendo a Reclamada feito prova de que os cargos ocupados pelo Autor eram efetivamente "de confiança", devido é o pagamento das horas trabalhadas além da 6ª como extras. Acórdão do processo n° 00290-2012-018-10-00-7. Redator: Jose Leone Cordeiro Leite. Participou: Ribamar Lima Junior – Data: 23/01/2013 – Origem: 18ª Vara do Trabalho de Brasília/DF. Fonte: www.trt10.jus.br (grifamos)
(...) CARGO DE CONFIANÇA – GERENTE-GERAL – A despeito do contido na parte final da Súmula 287, do c. TST, é inaplicável o art. 62, inciso II, ao empregado bancário, pois este tem disciplina própria na CLT (título III, capítulo I, seção I – Dos bancários), com disposições específicas sobre a duração e condições de trabalho, regendo-se o exercício do cargo de confiança bancária disposto no § 2º do artigo 224, impossibilitando a incidência de qualquer outro dispositivo de ordem genérica, como é o caso do art. 62, da CLT. A ilação é corroborada, in casu, pelo entendimento de que os poderes exercidos pelo reclamante eram limitados, não se enquadrando nos moldes de encargo de gestão previsto no artigo 62, II, da CLT. (TRT-PR. – Proc. 00130-2005-662-09-00-1 – (17561-2006) – 4ª T. – Rel. Juiz Luiz Celso Napp – DJPR 16.06.2006) Fonte: www.trt4.jus.br (grifamos)
EMENTA: BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA. CONFIGURAÇÃO. Deve-se perquirir do real conjunto das atribuições e o grau de representação institucional inerentes à natureza do cargo ocupado para a caracterização do cargo de confiança preconizado pelo artigo 224, § 2º, da CLT. De pouca relevância o nome da função ocupada e não basta a simples existência de instrumento de mandato ou o pagamento de gratificação de função. As características atinentes às atribuições e responsabilidades do obreiro, dentro da instituição bancária, devem ter habilidade para justificar um maior grau de confiabilidade à consecução dos serviços. DECISÃO: por unanimidade de votos, rejeitar a preliminar de nulidade argüida; no mérito, por maioria de votos, vencido o Sr. Juiz Luiz Carlos Gomes Godoi, que deferia uma hora extra em decorrência da inobservância do intervalo, dar provimento parcial ao recurso para,nos termos e parâmetros dos fundamentos do voto da Sra. Juíza Relatora,redimensionar critérios para aferição das horas extras,determinar que seja observado como época própria à correçãomonetária o mês subseqüente ao trabalhado e autorizar os descontos previdenciários e fiscais,restando mantida, no mais, a r. sentença de origem, inclusive o valor arbitrado à condenação.” - Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Segunda Turma. Processo RO nº 20010240505. Julgado em 12/12/2002 e publicado no DOE/SP/0J - TRT 2ª em 21/01/2003. Relatora Mariangela de Campos Argento Muraro. Fonte: www.trt2.jus.br (grifamos)
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RECURSO ORDINÁRIO. BANCÁRIO. CARGO EM CONFIANÇA. HORAS EXTRAS. Para que seja configurada a confiança bancária prevista no artigo 224, § 2º, da CLT não basta a nomenclatura de cargo em confiança e a gratificação de mais um terço em relação ao salário, mas, sim, faz-se necessário o exercício das funções de confiança, com a real fidúcia ao empregado, diante da função de chefia, direção, gerência, fiscalização ou equivalentes. O que empregado que desempenha funçoes meramente técnicas embora seja denominado de gerente, insere-se na regra do caput do artigo mencionado, fazendo jus a jornada de seis horas. (TRT-1 - RO: 10761920115010035 RJ , Relator: Flavio Ernesto Rodrigues Silva, Data de Julgamento: 21/11/2012, Décima Turma, Data de Publicação: 2013-01-16) Fonte: www.trt1.jus.br (grifamos)
GERENTE GERAL BANCÁRIO. JORNADA DE TRABALHO. CARGO DE CONFIANÇA. FIDÚCIA EXCEPCIONAL (ART. 62, II, CLT), FIDÚCIA ESPECIAL (ART. 224, PARÁGRAFO 2º CLT) E FIDÚCIA GENÉRICA (ART. 2º E 224, CAPUT, CLT). 01. De modo diverso dos outros sistemas jurídicos, no direito brasileiro, os detentores de cargo de fidúcia excepcional são trabalhadores empregados, motivo pelo qual os direitos previstos na Constituição da República lhes são aplicáveis, inclusive, a limitação da jornada de trabalho e o pagamento das horas extraordinárias (art. 7º, incisos XIII, e XVI da CRFB), pois a universalidade e a imperatividade das normas constitucionais relativas à jornada obstam que o legislador infraconstitucional (seja pela via legislativa ou da negociação coletiva) suprima direitos anunciados pelo caput do art. 7º da Constituição como de todos os trabalhadores urbanos ou rurais ou excluam outros empregados do regime de jornada de trabalho. Ao legislador ordinário e ao intérprete não é dado estabelecer diferenciação não prevista na Constituição com o objetivo de reduzir a incidência de suas normas, sob pena de inconstitucionalidade. 02. A complexidade crescente das estruturas empresariais, a profissionalização da gestão e a descentralização dos poderes decisórios alteram substancialmente a Administração das empresas, integrada cada vez mais por empregados que não encarnam o -alter ego- do empregador, a justificar sua exclusão do regime de jornada de trabalho. Em consequência, caso se admita a constitucionalidade do inciso II do art. 62 da CLT, seus preceitos devem ser rigorosamente observados, mormente a presença inconteste e simultânea dos aspectos qualitativos e quantitativos que fundamentam a exclusão da jornada de trabalho. 03. O empregado desprovido de poderes de gestão, sem poder para fixar e alterar o modo de gerir a empresa, para representá-la perante terceiros, para a prática de atos que possam colocar em risco o negócio, e despido de poderes de mando, v.g. admissão e demissão, ou ainda, que embora detenha encargos qualitativamente excepcionais, tenha sua jornada fiscalizada, não preenche os requisitos qualitativos exigidos pelo artigo 62, II da CLT. Autonomia, discricionariedade, especial delegação de autoridade, possibilidade de decidir os rumos do negócio são características excepcionais que não se confundem com decisões técnicas e operacionais. 04. À confiança excepcional soma-se o elevado padrão remuneratório, pois a remuneração do ocupante de tal cargo não pode ser inferior ao valor do respectivo salário acrescido de 40%. Ausentes ambos os requisitos quantitativo e qualitativo não há sequer discussão válida sobre o enquadramento do cargo como sendo de fidúcia excepcional, previsto no art. 62, II da Consolidação das Leis do Trabalho. 05. A jurisprudência majoritária admite o enquadramento do gerente geral bancário na exceção do artigo 62, II, da CLT (Súmula nº 287, do
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TST), o que não ocorre quando seus poderes de mando e gestão se restringem a aplicar as normas fixadas pela organização superior do banco, a exigir o cumprimento das metas recebidas da direção pelos empregados da agência, supervisionando lhes horário, a abrir a agência, a recomendar despedidas isoladas e a conceder empréstimos dentro de estreitos limites traçados pela diretoria empresarial, em suma, atribuições que enquadram o empregado como detentor de cargo de fidúcia específica (art. 224, parágrafo 2º da CLT) e determinam o pagamento das horas extraordinárias excedentes à 8ª diária e 40ª semanal, por não configurados os elementos qualitativos da confiança excepcional (art. 62, II, CLT). Ressalva de entendimento da Relatora quanto à inconstitucionalidade do art. 62, II CLT. (...) (TRT-1 - RO: 989001420095010078 RJ , Relator: Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, Data de Julgamento: 08/05/2013, Sétima Turma, Data de Publicação: 05-06-2013) Fonte: www.trt1.jus.br (grifamos)
HORAS EXTRAS. BANCÁRIO. GERENTE GERAL DE AGÊNCIA. ART. 62, INCISO II, DA CLT. ART. 224, § 2º, DA CLT. Não evidenciada a atribuição de amplos poderes de mando e gestão ao trabalhador, com autonomia real para ditar os rumos do empreendimento, inviável o enquadramento no art. 62, inciso II, da CLT. De outra parte, incontroverso que era atribuída ao empregado parcela de poder de mando e direção dos serviços, configura-se a exceção prevista no parágrafo 2º, do art. 224 da CLT, sendo devidas como extraordinárias as horas laboradas que excedem da 8ª diária e 40ª semanal. (TRT-4 - RO: 00005150720125040025 RS 0000515-07.2012.5.04.0025, Relator: MARIA MADALENA TELESCA, Data de Julgamento: 01/04/2014, 25ª Vara do Trabalho de Porto Alegre) Fonte: www.trt4.jus.br (grifamos)
HORAS EXTRAS. EXERCÍCIO DE CARGO DE GERENTE GERAL. RECONHECIDA A FIDÚCIA DIFERENCIADA. APLICAÇÃO DOS TERMOS DO § 2º DO ART. 224 DA CLT. Nos termos do § 2º do art. 224 da CLT, o bancário que exerce cargo de fidúcia diferenciada, a exemplo de gerente geral de agência, já tem remuneradas as 7ª e 8ª horas. Se o labor ultrapassa a jornada de 08 (oito) horas diárias e/ou 40 (quarenta) semanais, haverá horas extras passíveis de adimplemento. (TRT-5 - RecOrd: 00004896520105050020 BA 0000489-65.2010.5.05.0020, Relator: RENATO MÁRIO BORGES SIMÕES, 2ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 26/08/2013.) Fonte: www.trt5.jus.br (grifamos)
BRADESCO. HORAS EXTRAS. GERENTE GERAL DE AGÊNCIA. ART. 224, § 2º, DA CLT. O reclamante, como gerente geral de agência, exercia cargo de mando e gestão e submetia-se à jornada de 8 horas, conforme exceção do § 2º do art. 224 da CLT. Havendo prova de sobrejornada além das 8 horas diárias, procede o pedido de horas extras. Recurso do reclamante provido quanto ao tópico.ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. O fato de o reclamante vir de Flores da Cunha para Novo Hamburgo com sua família e adquirir imóvel para moradia, em tese, não afasta o caráter transitório da transferência. Contudo, permanecendo na mesma cidade desde 2001, ainda que atuando na cidade de Guaíba (a partir de 2008), e mantendo o mesmo endereço nos dias atuais (contrato em vigor), inevitável se reconheça o caráter definitivo da transferência ocorrida. Recurso não provido. (TRT-4 - RO: 00016448620125040012 RS
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0001644-86.2012.5.04.0012, Relator: MARÇAL HENRI DOS SANTOS FIGUEIREDO, Data de Julgamento: 11/06/2014, 12ª Vara do Trabalho de Porto Alegre) Fonte: www.trt4.jus.br (grifamos)
GERENTE GERAL DE AGÊNCIA BANCÁRIA. O art. 57 da CLT afasta a aplicação do art. 62, II, da CLT aos empregados bancários. Ao gerente geral de agência é aplicável a norma do art. 224, § 2º, da CLT, a qual garante o pagamento de horas extras a partir da 8ª hora diária e da 40ª hora semanal. Recurso do reclamado não provido.(TRT-4 - RO: 00007815520125040522 RS 0000781-55.2012.5.04.0522, Relator: ROBERTO ANTONIO CARVALHO ZONTA, Data de Julgamento: 30/04/2014, 2ª Vara do Trabalho de Erechim) Fonte: www.trt4.jus.br (grifamos)
Os vastos arestos colacionados, oriundos de diferentes Tribunais Regionais do
Trabalho seguem a linha de raciocínio firmada neste trabalho, segundo a qual o
Gerente-Geral deve ser enquadrado no art. 224, § 2º da CLT, ou seja, sua
jornada de trabalho deve ser limitada a oito horas diárias ou quarenta horas
semanais, devendo ser pagas como horas extras aquelas laboradas além
deste limite.
No entanto, ao analisarmos a jurisprudência oriunda do Tribunal Superior do
Trabalho, face à existência da citada Súmula 287 do Colendo Tribunal Superior
do Trabalho, verificamos que as decisões caminham no sentido de aplicar o
disposto no art. 62, II da CLT aos ocupantes do cargo de Gerente Geral,
indeferindo o pleito de horas extras.
41
5. CONCLUSÃO
No decorrer deste estudo analisamos o surgimento do Direito do Trabalho,
apontando ainda sua evolução ao redor do globo e no Brasil. Apresentado o
panorama geral passamos a analisar a questão da limitação da jornada de
trabalho historicamente e nos dias de hoje, momento em que se encontra
alçado a direito constitucionalmente garantido pelo art. 7º da Constituição
Federal de 1988.
Dentro da temática atinente à jornada de trabalho, verificamos a existência de
jornadas de trabalho diferenciadas, notadamente quanto aos bancários, cuja
jornada se divide em dois tipos específicos, seis ou oito horas diárias, trinta ou
quarenta horas semanais.
No contexto próprio dos bancários temos a figura do Gerente-Geral, cuja
jornada, em respeito ao art. 7º da Constituição, cumulado com o disposto no
art. 224, §2º da CLT, conforme o entendimento firmado pelos Tribunais
Regionais do Trabalho culminaria em uma jornada limite de oito horas diárias e
no direito de perceber horas extras. No entanto, ao verificarmos a Súmula 287
do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, esta preceitua a aplicação do art.
62, II da CLT ao Gerente-Geral de agência, ou seja, no entendimento do
Colendo TST o ocupante deste cargo exerce efetivamente mando e gestão,
portanto, não faria jus ao controle de jornada e tampouco ao pagamento de
horas extras.
Portanto, diante deste quadro, entendemos que se faz necessária uma releitura
da Súmula 287 do C. TST a fim de extinguir o enquadramento do Gerente
Geral ou outros Gerentes Bancários na exceção do art. 62, II da CLT, haja vista
que, a teor do disposto no art. 2º, § 2º da Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro, prevalece a lei especial sobre a geral, ainda que
posteriormente editada, caso não haja revogação expressa de uma ou outra,
portanto, no caso concreto, o Gerente Geral, bancário ocupante de cargo de
confiança, deveria ser enquadrado na exceção do art. 224, § 2º da CLT,
fazendo jus à percepção de horas extras para a jornada além da oitava diária.
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Trata-se de matéria de importância social e de ordem pública, uma vez que não
se deve admitir, nos dias de hoje, a existência de cargo cuja jornada de
trabalho pode ser ilimitada e vinculada à vontade do empregador, sem qualquer
garantia.
Conforme se verifica neste estudo, ficou constatado que a matéria que regula o
trabalho dos bancários não está unificada num só ponto do ordenamento jurídico.
Na verdade, a matéria orbita de forma esparsa em torno de dispositivos
constitucionais, ordinários e da jurisprudência sedimentada. Assim, ainda que pese
a CLT tenha fornecido um regramento próprio para a categoria bancária, esta não
atendeu aos reais anseios desses profissionais, fazendo com que ainda persistam
muitas controvérsias sobre tais regulações, notadamente quanto aos “Gerentes”.
A falta de clareza encontrada na matéria celetista, principalmente no que se refere
à duração do trabalho bancário, culminou na edição de uma súmula específica
para tentar dirimir tais dúvidas, a Súmula n. 287 do C. TST, que, além de tentar
apontar a diferença entre gerentes intermediários e gerentes gerais de agência,
enquadrou estes últimos nas hipóteses de incidência do artigo 62, II, da CLT. Na
prática, essa inovação permite que não haja a limitação da jornada de trabalho,
certificando a legalidade de prática que se assemelha à escravidão, permitindo que
os empregadores se utilizem da mão-de-obra dos aludidos profissionais por quanto
tempo julgarem necessário e sem limite de horas diárias. Essa disposição
sustenta-se na tese pouco convincente de que os gerentes gerais exercem cargos
de gestão, com amplos poderes de mando e representação e, por isso, devem
ficar à disposição do seu empregador irrestritamente, o que, nos termos
apresentados, não corresponde à realidade do trabalho bancário, uma vez que
esses empregados estão limitados em suas atuações por sistemas informatizados
e normativos internos dos próprios Bancos.
Por fim, apresentamos como proposta de limitação máxima da jornada de trabalho,
para todas as profissões e independente do cargo ocupado o disposto no art. 7º,
XIII da Constituição Federal, ou seja, limite máximo de oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, salvo a hipótese de edição de Acordos e Convenções
Coletivas.
43
6. BIBLIOGRAFIA
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